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PESQUISA CURRÍCULO OCULTO

ANA MARIA DE BARROS CANUTO


LUCIANO MENEZES PEREIRA
RAIANE ROBERTA REINELL

CURRÍCULO OCULTO

Ao analisar o conceito de currículo, a pesquisadora Viviane Patricia Colloca


Araujo redigiu um artigo intitulado O conceito de currículo oculto e a formação
docente. No documento, a autora deixa claro que há um currículo prescrito e o
chamado currículo oculto.

Ao definir currículo enquanto uma prática discursiva viva, fica evidente que “se
aprende na escola muito mais do que aquilo que está registrado nos
documentos oficiais” (ARAÚJO, 2018). Esse “muito mais” está presente no
currículo oculto.

Viviane, em seu artigo, traz a trajetória dos estudos voltados ao conceito de


currículo oculto, a começar por Philip Jackson. O autor citado diz que:

“[...] nos grandes grupos, a utilização do elogio e do poder que se


combinam para dar um sabor distinto à vida na sala de aula
coletivamente formam um currículo oculto, que cada estudante (e
cada professor) deve dominar se quiser se dar bem na escola”.
(JACKSON aput ARAÚJO).

A partir da definição elaborada por Jackson, diversos outros pesquisadores


aprofundaram seus estudos no assunto. Viviane destaca os autores das teorias
críticas nesse percurso, no qual destaca-se Althusser. Em seu percurso,
Althusser reflete sobre os diversos conhecimentos que não aprendidos na
escola, em que muitos não são categorizados enquanto disciplinas.

Analisando outros autores, Araújo traz a definição de currículo oculto através


do viés da análise crítica do currículo:

“[...] todos os aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do


currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para
aprendizagens sociais relevantes” (SILVA aput ARAUJO).
Após apresentar a definição de currículo oculto, a autora reflete sobre como
tal conceito se faz importante no ambiente educacional. Nesse contexto, ela
faz uso das teorias pós-críticas para ambientar a prática docente, quando se
trata da presença do currículo oculto dentro da sala de aula, concluindo que:

As representações que os professores têm de seus alunos fazem


parte do currículo oculto, daí a necessidade dos professores e futuros
professores refletirem sobre esse conceito. Essas representações
corroboram com o sucesso ou fracasso escolar (ARAÚJO, 2018).

E, ao finalizar seu artigo, Viviane deixa claro que o currículo é algo vivo e
ideológico, não neutro.

Assim, o currículo oculto forma as identidades dos alunos, por meio


daquilo que se ensina no ambiente escolar de forma implícita, pois ao
frequentar a escola, os alunos criam as suas representações sobre as
disciplinas e os rituais desse universo, formando identidades e
subjetividades. (ARAÚJO, 2018).

Antônio Fernando Santos, em seu artigo “Currículo oculto: Um importante fator


nos processos da aprendizagem formal”, também traz algumas contribuições a
respeito de currículo oculto. Para Antônio, o currículo oculto representa uma
dimensão implícita no processo educacional não mensurável e informal, que
também faz parte do cotidiano escolar, contribuindo e transmitindo experiências
e aprendizagens socioculturais, nas inter-relações. No entanto, a preocupação
em cumprir um currículo pré-estabelecido, para atingir os objetivos
educacionais e as avaliações, faz com que o mesmo seja visto como uma
atitude neutra.

Sendo o currículo uma forma de poder, que pode levar a liberdade, construir e
transformar, McLoren (1977), diz que o currículo beneficia uma classe,
assegurando, seus sonhos desejos, e discrimina outros grupos raciais, classe e
gênero.

São muitas as definições de currículo oculto. Para Libâneo (2001), o currículo


representa tudo o que os alunos aprendem pela convivência espontânea em
meio a várias práticas.

Para Tomaz Tadeu da Silva, o currículo oculto infere no cotidiano das escolas
básicas nas relações interpessoais, através de rituais, gestos e práticas
corporais, muito mais do que as manifestações verbais. Estas inferências,
segundo Tomaz, ocorrem dentro de uma “perspectiva crítica, o que se aprende
no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e
orientações que permitem que crianças e jovens se ajustem de forma mais
conveniente às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas
e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista”. É como
se cada criança aprendesse atitudes e ações pertinentes a sua classe social, e
pode ser percebido nas relações entre professores e alunos, administradores e
alunos, e entre alunos e alunos, proporcionando um espaço rígido e organizado
dentro de salas de aula tradicional, permitindo o aprendizado de controle de
tempo, pontualidade, divisão de tempo ao resolver as tarefas, bem como
regras, regulamentos e normas.

CURRÍCULO OCULTO, ESTIGMA E CIBERESPAÇO

Pensar o currículo oculto é analisar um conjunto de ideias que perpassam as


ideias de Silva(2011) e Magalhaes e Ruiz(2011), este pensa na combinação da
tríade teoria (conteúdos curriculares), ação (ações e planejamentos escolares)
e cenário, compondo a teoria e a prática, enquanto o currículo oculto se
expressa na constituição social não programada da escola, mas que se
constroem nas relações, demonstrando o quanto a sociedade está na escola e
o quanto na escola a sociedade se reconstrói, passando para as gerações
futuras as contradições sociais do presente. Uma ideia que parte da noção de
geral que Silva (2011) traz:

“O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do


ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito,
contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais
relevantes.” (SILVA 2011)

O que se passa a definir como currículo oculto não é só o que deve ser ensino,
mas também o dever de como deve ser ensinado, pois as interações são
destacadas como veículos de ensino tão relevantes quanto o conteúdo. Pois,
estão se tratando de comportamentos, são normas, regras de convivência,
ritualísticas sociais, códigos de condutas e as ideologias que permeiam a
sociedade se manifestando no dia-a-dia, e não conteúdos e matérias que são
estabelecidos pelos documentos curriculares.
“o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes,
comportamentos, valores e orientações que permitem que crianças e
jovens se ajustem da forma mais conveniente às estruturas e às
pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e,
portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista.” (SILVA 2011)

Visto dessa forma, consegue-se partir da noção que de a teorização sobre o


currículo oculto não é apenas uma forma de ensino indireto, mas um definidor
social do que é esperado do aluno.

“O currículo não pode ser considerado apenas como um condutor da


socialização no interior das escolas, mas, também como responsável
pelo controle social, operando no sentido de oferecer escolarização
diferenciada para os diversos tipos de alunos.” (MAGALHÃES e RUIZ
2011)

O desenvolvimento da teoria do currículo oculto parte da noção crítica sobre a


escola, suas teorias críticas, justamente por se tratar de um recorte
sócio-educativo que extrapola a relação conteúdo e aprendizado, tal qual se
propunha a reprodução técnica, sua crítica progressista e a culminância do
currículo avaliativo de Tyler.

“Ele (o currículo oculto) expressa uma operação fundamental da


análise sociológica, que consiste em descrever os processos sociais
que moldam nossa subjetividade como que por detrás de nossas
costas, sem nosso conhecimento consciente.” (SILVA 2011)

Pensando dessa forma, Magalhães e Ruiz nos apresentam como a


estigmatização social da teoria de Erving Goffman é visivelmente construída
dentro do currículo oculto. Os estigmas, segundo Goffman, podem ser inatos
(relativos ao corpo), individuais (relativo ao caráter individual, como vícios e
imoralidade) e sociais (caráter étnico, religioso e nacional), são intercambiáveis
dentro de um mesmo sujeito e construídos através das relações sociais. Assim,
dentro das escolas e, através do currículo oculto, os estigmas são perpassados
e influenciam diretamente na avaliação dos professores sobre os alunos, uma
vez que a intenção avaliativa do professor sempre terá um critério subjetivo.
Dos tais estigmas, os autores Magalhães e Ruiz abordam como a
estigmatização, principalmente a médica quando se trata da educação
especial, se desenrola como dificuldade justamente no currículo oculto. Como
ao dar o exemplo sobre a pesquisa sobre o desenvolvimento de alunos com
deficiência no meio da década de 70, em que os critérios avaliativos de seus
desenvolvimentos sempre partiam de seu estigma de deficiente, logo
interpretado como incapaz a priori das avaliações formais.

“As pesquisas supracitadas foram desenvolvidas na década de 1970.


Não podemos chamá-las de curriculares em sentido estrito, mas seus
procedimentos e análises mostram o currículo oculto e seu
lusco-fusco entre o interdito e o explícito. Determinados padrões de
comportamento, noções de trabalho e lazer, norma e desvio passam
lenta e gradualmente, a se tornar naturais e são incorporadas pelos
alunos.” (MAGALHÃES e RUIZ 2011)

O artigo de Magalhães e Ruiz faz uma abertura e fechamento sobre estigma e


a prática de bullying ao relatar o caso do tiroteio de Realengo que ocorrera em
2011, levando em consideração que um caso desse não deve ser naturalizado
e que tal violência tem correlação com a teoria do Estigma de Goffman. Porém,
essa ideia se encontra datada, sob a correlação com bullying, pois o perfil
violento de autor de atentados escolares afirma e ultrapassa a análise
goffmaniana: o próprio sistema de estigmatização em que são postos reafirma
seus próprios estigmas, pois não conseguem sair do ciclo vicioso da
socialização pós-moderna e então, desprovido de crítica apropriada, se fecham
em grupos extremistas que culpabilizam minorias políticas pelos próprios
fracassos. A busca em fugir da sua própria condição estigmatizada a uma
direção que apenas afirma sua própria condição de sujeito pós-moderno: vazio
e individualizado, preso na competição neoliberal ao mesmo tempo em que
está preso na condição de consumidor passivo; incapaz de encontrar sentido
na mediocridade niilista que o neoliberalismo empurra; uma cultura multimídia
em constante transformação, mas que impera a estrutura de dominação
tradicional do capital ocidental (desprezo às minorias étnicas, mulheres, pobres
e negros), sua catarse desprovida de crítica, envereda-se pelo extremismo
ideológico, do discurso fascista e da ascensão de um herói deslocado, que
mais nada é que um indivíduo confuso, pois não conseguiu consumir como os
demais consumistas: um cliente insatisfeito. Não é por acaso que as vítimas
são mulheres. Enquanto, se o bullying e a estigmatização recai sobre negros,
mulheres e PCDs, por que estes são as principais vítimas dos tiroteios,
enquanto são os que mais sofrem tanto pelo bullying quanto pela exclusão
social?
Porém, mais do que ensaiar sobre este fenômeno, o que temos hoje em dia
com ele e a teoria sobre currículo oculto é como abordar as teorias do
currículo, em especial o currículo oculto nos dias de hoje com os avanços da
internet e as integrações e relações que são feitas através do ciberespaço.
Ora, desde o momento que se consolidou a internet, os fóruns que espalham
discursos de ódio sobre minorias, já ascenderam em espaços de aliciamento
de jovens garotos, inseguros e que correspondem ao mesmo padrão,
estigmatizados, encontram-se em fóruns na internet onde se encontram,
compartilhando ódio que explodem em rompantes que ceifam vidas inocentes
em locais destinados, justamente, a construção e reconstrução de vidas.
Portanto, com essa discussão, podemos observar que o currículo oculto já
começa a se adentrar no ciberespaço, da internet, dos modos como a
sociabilidade vem se constituindo, o compartilhamento de conhecimentos e a
propagação e constituição dos diversos discursos, inclusive do discurso de ódio
e do fascismo. “Tornar-se consciente do currículo oculto significa, de alguma
forma, desarmá-lo” (Silva 2013)

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Viviane Patricia Colloca. O conceito de currículo oculto e a


formação docente. REAe - Revista de Estudos Aplicados em Educação, v. 3,
n. 6, jul./dez. 2018.

MAGALHÃES, Rita de Cássia Barbosa, RUIZ, Erasmo Miessa. Estigma e


Currículo Oculto. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 17, ed.
especial, p. 125-142, maio/ago. 2011.

SANTOS, Antônio Fernandes. Currículo oculto: Um importante fator nos


processos da aprendizagem formal. Rebena - Revista Brasileira De Ensino E
Aprendizagem, 5. Disponível em: Currículo oculto: Um importante fator nos
processos da aprendizagem formal | Rebena - Revista Brasileira de Ensino e
Aprendizagem (emnuvens.com.br). Acesso em: 25 out. 2023. Cap. 8, p.
222–228.

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às


teorias de currículo. p. 77 - 81. 3 edição. Belo Horizonte. Autêntica. 2011

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