Você está na página 1de 18

USO DE AVALIAÇÃO FORMATIVA NO ENSINO DE CIÊNCIAS

Antonio Ricarco Palma1


Silmara Sartoreto de Oliveira2

Resumo
O trabalho teve como objetivo construir uma significância real do processo de ensino-aprendizagem a
partir da avaliação formativa. Em um primeiro momento desenvolveu-se uma revisão bibliográfica em
torno da questão avaliativa no processo de ensino e aprendizagem de Ciências, aprofundando-se
também no uso do portfólio como instrumento de avaliação formativa. A partir desta perspectiva teórica,
elaborou-se um plano de intervenção pedagógica na disciplina de Ciências junto à escola e à
comunidade local e ribeirinha, abordando-se os conceitos de preservação ambiental, na perspectiva da
avaliação formativa. Para tanto foi analisado o contexto educacional e comunitário do entorno da escola
no que tange ao Rio Ivaí, evidenciando suas fragilidades e perspectivas para a forma de preservação
ambiental e manejo consciente dos recursos naturais por ele proporcionado, partir de entrevistas
realizadas pelos alunos. Após, os educandos identificaram problemas e soluções para sua realidade e
desenvolveram um seminário com cinco oficinas para a comunidade local. Ao fim, identificou-se que os
alunos, em sua maioria, tiveram um maior envolvimento com os conteúdos desenvolvidos, imprimindo
importância para o que estavam realizando, atribuindo significados vivenciais ao que aprenderam.

Palavras-chave: Avaliação. Avaliação formativa. Ensino de Ciências.

Introdução

Os alunos da rede pública de ensino do Estado do Paraná, muitas vezes, estão


alienados no desenvolvimento de seu papel no ambiente escolar. Entregam-se
passivamente às vontades daqueles que comandam à instituição e não conseguem
por vezes construir autocríticas. Não são agentes propositores e que buscam
conhecer por si. Sempre estão na dependência do comando de verdade.
Isso é reflexo de um modelo de ensino que busca, justamente, sujeitar os
indivíduos e não propiciar verdadeira construção de autonomia. Vê-se nos
documentos oficiais aquilo que se deseja que aconteça. No entanto, desde cedo
percebe-se que as práticas são outras, diametralmente opostas.
A avaliação, inseparável do processo de ensino e aprendizagem, está imersa
neste ambiente e reflete esta realidade. Alunos extremamente ansiosos, que colam e
fazem de tudo para tirar a “nota”. Há outros que nem sequer a nota lhes faz repercutir

1 Licenciado em Ciências e Biologia pela FAFIJAN (1990). Especialista em Morfofisiologia Humana


Reprodutiva e Comportamental (1999). Especialista em Educação do Campo (2013). Atualmente, é
professor da Rede de Ensino do Estado do Paraná, com lotação na Escola Estadual do Campo
Benedito Serra, em Lidianópolis/PR.
2 Licenciada em Ciências Biológicas pela UNESP/Assis (1997), Mestrado e Doutorado em Educação

para a Ciência UNESP/Bauru (2002 e 2008). Atualmente Profa. Adj. C do Dep. Biologia Geral, Área de
Metodologia e Prática de Ensino de Ciências e Biologia da Universidade Estadual de Londrina - UEL.
no ânimo: permanecem inertes e são absorvidos pelo sistema de exclusão social. Os
alunos cada vez mais se preocupam menos em aprender e se entregam à vida do
senso comum. E por quê? Provavelmente porque a vida no senso comum faz sentido
em suas atitudes e lhe estimula a viver.
A escola pública, produzindo e reproduzindo de maneira artificial, não consegue
incutir o desejo pelo aprendizado, pelo conhecimento, pela crítica e construção de
novas saídas, soluções pelos próprios educandos. Como consequência disso, cada
vez menos temos a construção de alunos autônomos e capazes de perceber-se como
agentes de transformação social.
Em vista disso, este artigo pretende mostrar o resultado de uma mudança na
prática docente durante o processo de ensino-aprendizagem, pela qual os alunos
passaram a ser os protagonistas de seu conhecimento, esforçando-se para
transformar a realidade, possibilitando construir, junto com o sistema escolar
(educandos, professores e agentes educacionais) e comunidade local, significância
real do processo de ensino-aprendizagem, sobre sustentabilidade e preservação
ambiental.
Em um primeiro momento, faz-se uma revisão bibliográfica quanto à concepção
moderna de avaliação, o percurso histórico da avaliação, a avaliação formativa como
uma possível prática que transforma o ambiente escolar e o portfólio como
instrumento.
A seguir, o projeto desenvolvido é explicitado, expondo-se a maneira como se
foi trabalhada, as etapas de desenvolvimento e a construção final, pelo próprios
alunos, de um seminário com cinco oficinas de aprendizagem aberto à comunidade,
que busca trazer problematizações e soluções para a realidade em que estão
inseridos.

1 Conceito Atual de Avaliação

A avaliação possui uma conotação que é reconstruída a todo o momento dentro


da sala de aula e no ambiente escolar.
Chueiri (2008) concebe a avaliação como “uma atividade não neutra ou
meramente técnica, isto é, não ocorre no vazio conceitual, mas é dimensionada por
um modelo teórico de mundo, de ciência e de educação, traduzida em prática
pedagógica”. Assim, a avaliação é construída com um propósito, num dado momento
histórico, perante determinados conhecimentos, sendo um dado precário,
historicamente situado.
André (1996, p. 17), aponta que

[...] desde as primeiras séries, os alunos se observam e se medem e dessa


comparação surgem hierarquias: os que leem melhor, os que escrevem bem,
os “fortes” em matemática, os bons no esporte, os que sabem discutir e
argumentar, os mais hábeis nos desenhos. E, da mesma maneira, definem
os que se saem apenas razoavelmente ou até mal nesses vários âmbitos.
Essas hierarquias aparecem mais rapidamente quando as tarefas são as
mesmas para todos e as condições similares, ficando mais claras as
diferenças de desempenho

A autora vê na homogeneidade das tarefas e comandos a fonte das hierarquias


e diferenciações classificatórias feitas pelos próprios alunos.
Mas não é só da relação entre os próprios educandos que surgem tais ideias.
Afinal, quem são os responsáveis pelas tais tarefas aos educandos?
O professor, além de enunciar o “certo” e “errado” atua no cognitivo das
crianças. Ele está definindo o mundo, colocando as regras num quadro de incertezas,
determinando a ordem no caos das possibilidades. Com isso, os educandos assimilam
e colocam em seu interior as normas do “certo” e do “errado” dentro da escola. Mesmo
aqueles que não as respeitam, mormente, estão dentro do jogo, vendo-se como
“maus” alunos. Para Silva e Moradillo (2002), “os alunos encontram dificuldades para
examinar criticamente a situação em que se encontram”, sendo que “desconhecem
outras finalidades da avaliação diferentes da classificação para a promoção, de modo
que torna-se natural também aos seus olhos”.
Silva e Moradillo (2002, p. 2) apontam a escola como um reflexo das relações
sociais, as quais, para eles, excluem uns e privilegiam outros conforme critérios
historicamente estabelecidos pela dinâmica das relações de vida.
O papel do professor em estabelecer normas dentro do ambiente da sala de
aula é intrínseco de seu papel, dado que “o professor quer queira, quer não, encarna
a norma. Dificilmente conseguirá orientar o trabalho dos alunos sem formular implícita
ou explicitamente um juízo de valor” (ANDRÉ, 1996).
Sordi (2001) também destaca que, ao ser realizada, a avaliação revela o sujeito
que a produz, visto que tem em seu bojo juízos interpretativos com matizes políticos,
ideológicos e sociais. Assim,
[...] uma avaliação espelha um juízo de valor, uma dada concepção de mundo
e de educação, e por isso vem impregnada de um olhar absolutamente
intencional que revela quem é o educador quando interpreta os eventos da
cena pedagógica (SORDI, 2001, p.173).

Se é esperado que o professor tenha que formular normas, e que o mesmo


represente as próprias normas, o que pode ser alterado então? Ora, se isso não pode
ser evitado, o conteúdo das normas e forma pelas quais são aplicadas o podem.
Importante ressaltar, portanto, que as normas propostas pelos professores estão
repletas de escolhas que perpassam o âmbito social e individual. No que tange à
avaliação, não podemos deixar de reconhecer que “ocorre por meio da relação
pedagógica que envolve intencionalidades de ação, objetivadas em condutas, atitudes
e habilidades dos atores envolvidos” (CHUEIRI, 2008, p.04). Desta percepção,
constata-se que de acordo com André (1996, p. 18), que é necessário que façamos o
reconhecimento de que

[...] tanto o objeto avaliado quanto o processo de valoração são construídos


e que, portanto, são ambos atentados por processos psicológicos,
componentes axiológicos, marcos institucionais e sociais.

Assim, considera-se necessário reconhecer o óbvio. As normas e critérios que


existem na sala de aula resultam da interação entre os seres humanos, afinal são
feitas para serem observadas. Deste modo, correto afirmarmos que estão dentro de
uma construção social, portanto não possuem uma existência absoluta, imutável. Um
determinado conjunto de regras e critérios, portanto, não são a única forma de se ver
a realidade em que está inserido, sendo possível que busquemos novas
possibilidades de melhor atender aos objetivos que temos no seio da instituição em
que atuamos.
Diante do exposto, vemos a necessidade “de uma atitude autocrítica, de
explicitação dos valores assumidos e então relativizar a ‘autoridade’ da avaliação e
procurar alternativas para amenizar o desastre que a mesma costuma produzir nas
relações escolares” (ANDRÉ, 1996, p. 18).
Cunha (1998, p.17) também reconhece na avaliação a existência de
fundamentos políticos e pedagógicos, de modo que percebe que “[...] ensinar e
aprender estão alicerçados numa concepção de mundo e de ciência [...]”.
Neste contexto, elegemos determinados valores e princípios e queremos que
possam ser refletidos dentro do ambiente escolar, assegurando aos professores e
demais agentes educacionais momentos de reflexão sobre seus saberes e fazeres.
Segundo Villas-Boas (1998, p.21), “as práticas avaliativas podem, pois, servir
à manutenção ou à transformação social”. Daí que Villas-Boas (1998) reconhece a
premência de considerarmos a avaliação como um processo necessário do início ao
fim do processo educacional.
Se estamos numa democracia e valorizamos ao mesmo tempo as diferenças e
a liberdade, devemos pensar numa avaliação em uma perspectiva democrática e
libertadora, o que vai demandar a “denúncia desses mecanismos, muitas vezes
ocultos, que permeiam as práticas educativas e a construção de um outro olhar que
modifique fundamentalmente os processos e relações escolares” (ANDRÉ, 1996, p.
18). Portanto, se queremos uma sociedade democrática, plural e em que haja
liberdade, se faz necessário refletir tais valores em todas as nossas instituições,
inclusive em nossos saberes e fazeres, tendo em vista que só existe socialmente
aquilo que se pensa e faz. Daí que “uma avaliação mais democrática implica
trabalharmos, simultaneamente, nos campos da avaliação, da didática, da relação
entre professor e aluno, da organização pedagógica da escola” (ANDRÉ, 1996, p. 18).
Na tentativa de refletir sobre as práticas escolares, vale neste momento,
ressaltar e apresentar os diversos momentos pelos quais passou a avaliação escolar.

2 Percurso Histórico da Avaliação

2.1 Avaliação classificatória

Segundo Perrenoud (1999, p.11) “A avaliação é tradicionalmente associada, na


escola, à criação de hierarquias de excelência”, ensejando também a certificação
generalizante sobre o nível de conhecimento das pessoas avaliadas, em busca de
uma situação formal em que não se precise controlar em especificidades a respeito
do que é conhecido pelo educando, servindo como “passaporte para o emprego ou
para uma formação posterior” (PERRENOUD, 1999, p.13).
Conforme Silva e Moradillo (2002, p. 4), nessa pedagogia a transmissão de
conhecimentos do professor para o aluno utilizando uma metodologia considerada
segura e precisa está no cerne da concepção de ensino. Assim, “[...] a aprendizagem
é suposta como recepção passiva, ordenada, igual para todos os alunos”. E ainda
mais:

A ideia de aprendizagem por recepção passiva pressupõe um processo


causal conduzido de fora dos alunos: o professor ensina, por isso, os alunos
aprendem. Aprender se reduz a assistir às aulas e a estudar o material
indicado para fixação. Como na ótica dos professores, as aulas e a
bibliografia recomendada são perfeitamente adequadas, a avaliação da
aprendizagem não precisa considerar o processo, mas apenas o resultado.
Se estes não são bons é porque os alunos não cumpriram com sua parte.
(SILVA; MORADILLO, 2002, p. 04).

Não se busca a transformação social. Preocupa-se em cercear os indivíduos


em suas potencialidades para garantir a reprodução do que já se sabe, mantendo as
injustiças e práticas que se perpetuam irrefletidamente ao longo do tempo.

2.1.1 Classificação por exames

Reafirmando-se ao longo do século XIX, a pedagogia tradicional vê na pratica


de exames como a forma de avaliar. Há os momentos estanques em que o aprendiz
deverá atender aos requisitos exigidos na prova que será cobrada. Afonso (2000)
evidencia a ligação desta forma de se avaliar com a estrutura estatal. Para ele “o
exame passa a mediar as relações mais amplas da cultura com o Estado, constituindo-
se num vínculo objetivo entre o saber da sociedade civil e o saber do Estado”
(AFONSO, 2000, p.30).
Luckesi evidencia que a pedagogia de exames não contribui para o ambiente
escolar, visto que

[...] a sala de aula é o lugar onde, em termos de avaliação, deveria predominar


o diagnóstico como recurso de acompanhamento e reorientação da
aprendizagem, em vez de predominarem os exames como recursos
classificatórios (LUCKESI, 2003, p.47).

2.1.2 Classificação por técnicas “científicas”

Conforme Chueri (2008), neste momento da pedagogia classificatória, começa-


se a se implementar testes padronizados para medir habilidades e aptidões dos
alunos. Surge a partir dos estudos acerca dos testes educacionais e dos avanços na
Psicologia, no início do século XX.
Aqui se tem uma ideia bem marcada, vinda da psicologia da época, de uma
noção de possibilidade de quantificação da aprendizagem e, portanto, sua
passibilidade para a medida.
Para Dias Sobrinho (2003, p.17), nesta fase, “a avaliação era eminentemente
técnica, consistindo basicamente em testes de verificação, mensuração e
quantificação de resultados”. Tem aqui a medida como tom marcante, porque se
pensava ser possível literalmente medir a aprendizagem e o conhecimento através
destes instrumentos.
Segundo Hadji (2001, p. 27) “medir significa atribuir um número a um
acontecimento ou a um objeto, de acordo com uma regra logicamente aceitável”. Vê-
se nas práticas escolares que a noção de medida atribuída à avaliação está
aprofundada na mentalidade dos agentes da escola, tanto em pais, alunos,
professores e demais agentes educacionais. Hadji (2001, p. 27) explicita-nos que há
uma imagem de confiabilidade em torno da avaliação como medida, em razão dos
chamados “parâmetros objetivos” pelos quais o plano do fato de uma aprendizagem
mensurável pode ser captado por critérios de observação comportamental e de
resultados. Em contraposição a esta visão, Hadji (2001) destaca que a avaliação não
é tão confiável como se imagina, visto que desconsidera o corte dos sujeitos que
acabam por influenciar o próprio resultado da avaliação, como o próprio professor.

2.1.3 Conceito de avaliação qualitativa

A partir da década de 1960, vê-se um grande movimento critico às concepções


pedagógicas que eram praticadas até o momento. Conforme Saul (1988, p.45):

Produziu-se um acelerado desenvolvimento do interesse sobre a perspectiva


chamada de avaliação “qualitativa”. Esse movimento deveu-se em grande
parte ao reconhecimento de que os testes padronizados de rendimento não
ofereciam toda a informação necessária para compreender o que os
professores ensinavam e o que os alunos aprendem.

Deste quadro, surge um grande desejo em encontrar um novo modelo


pedagógico que satisfaça às novas exigências que se veem necessárias para um
processo de ensino e aprendizagem satisfatório. No entanto, a percepção que se
forma na tradição qualitativa da avaliação, apesar de se tornar mais flexível, acaba
por ser um modelo híbrido, que não oferece uma resposta completa aos
questionamentos levantados. Esteban (2003, p. 26) evidencia que “a avaliação
qualitativa tenta responder à imposição da avaliação qualitativa [...], porém articulada
por princípios que sustentam o conhecimento-regulação-mercado, Estado e
comunidade”.

2.1.4 Conceito de avaliação somativa

Para Perrenoud (1999) nossas práticas avaliativas são atravessadas por dois
conjuntos: avaliação somativa e formativa, as quais, convivem em nosso sistema.
Acerca da avaliação somativa, Sordi aponta que:

Esta se relaciona mais ao produto demonstrado pelo aluno em situações


previamente estipuladas e definidas pelo professor, e se materializa na nota,
objeto de desejo e sofrimento dos alunos, de suas famílias e até do próprio
professor. Predomina nessa lógica o viés burocrático que empobrece a
aprendizagem, estimulando ações didáticas voltadas para o controle das
atividades exercidas pelo aluno, mas não necessariamente geradoras de
conhecimento (SORDI, 2001, p.173)

Portanto, vê-se que a avaliação somativa tende a se aproximar da pedagogia


tradicional e tecnicista, de modo a não considerar o processo global de ensino e
aprendizagem.

2.2 Avaliação não-classificatória

A respeito da avaliação formativa, Silva e Moradillo (2002, p. 6) apontam que


“a avaliação deve ter como perspectiva a procura de soluções para o problema maior
a ser enfrentado na aprendizagem, que é o da superação – permanente e incessante
– da realidade social”. Para eles a escola “é um lugar onde se pode exercitar a
transformação” quando se adota a perspectiva da avaliação formativa, visto que

Nessa linha de pensamento, a avaliação escolar serve à formação dos alunos


e professores para o exercício de seus direitos e a busca da realização de
seus desejos. É preciso considerar que cada um chega à sala de aula munido
de uma experiência de vida e de uma expectativa em relação à escola
distintas dos demais e que vão influenciar sua futura aprendizagem. Não se
deve esperar que todos lidem com o conhecimento do mesmo modo, nem
que aprendam igualmente. Por isso, não existem padrões pré-definidos para
servir de critérios de avaliação (SILVA; MORADILLO, 2002, p. 6).
Na avaliação formativa os critérios de avaliação devem ser construídos
coletivamente pelos agentes da escola, sendo que nesta perspectiva de avaliação,
onde “o objetivo da avaliação não é a atribuição de notas, mas a facilitação da
aprendizagem dos alunos e a orientação do ensino do professor: avaliação, ensino e
aprendizagem tornam-se facetas de um único processo educativo” (Silva; Moradillo,
2002, p. 06).

3 Avaliação Formativa

Conforme Araújo (2015, p. 38), a avaliação formativa diferencia-se pela forma


de atuação do professor, na forma como os alunos atuam e, fundamentalmente, “no
propósito com que se usam as inferências, proporcionando decisões ou ações
subsequentes diferenciadas”.
Os professores não estão numa posição de detentores do conhecimento,
conforme pontuam Silva e Moradillo (2002). Eles se colocam como mediadores para
uma avaliação que promova a aprendizagem, e não que sirva de opressão. Por sua
vez, os educandos têm um papel ativo, que propicie a construção de seu
conhecimento, tendo a avaliação como instrumento de auxílio no crescimento pessoal.
Araújo (2015) complementa, evidenciando que o aluno também deve
desenvolver uma percepção da distância entre os objetivos de aprendizagem e o seu
desempenho atual, e a necessidade de sua ação para diminuir esta distância. Neste
compasso, fazem-se essenciais orientação do professor, feedback e uma
autoavaliação. A autoavaliação não é algo inato e o aluno deve aprender também a
como desenvolvê-la.
A respeito do papel dos professores Araújo (2015) aponta o seu papel de
orientação e de produção de feedback. Diz mais, no que se refere à autoavaliação
pelos alunos: “O professor, no âmbito da avaliação formativa, assume um papel
central na organização das tarefas que potenciem a compreensão dos seus alunos
sobre a sua aprendizagem” (ARAÚJO, 2015, p. 53).
O propósito da avaliação formativa, para Araújo (2015), consiste na melhoria
da aprendizagem dos alunos, de modo que haja um foco em como os alunos
aprendem, ser utilizada de maneira construtiva, haver uma afetação positiva sobre a
motivação dos alunos, exista um encorajamento e desenvolvimento da autoavaliação,
aconteça a reconhecimento do desempenho de cada um dos alunos e também surja
a promoção da compreensão dos objetivos e critérios de avaliação previamente
traçados.

4 O Uso do Portfólio como Instrumento de uma Avaliação Formativa

O portfólio é um recurso que vem sendo utilizado por diversos educadores


como meio de construir um processo de avaliação formativa. Por este instrumento, o
aluno faz registro de suas experiências, agregando informações que venham a auxiliá-
lo na solução dos problemas que ele mesmo observa da concretude vivida.
Conforme Hernández (1998, p. 100), o portfólio consiste no

continente de diferentes classes de documentos(notas pessoais,


experiências de aula, trabalhos pontuais, controle de aprendizagem,
conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, etc) que
proporciona evidências do conhecimento que foi construído, das estratégias
utilizadas e da disposição de quem o elabora em continuar aprendendo.

Sá-Chaves (2000) avalia que o portfólio como ferramentais que proporcionam


o diálogo entre educador e educando durante todo o processo de ensino-
aprendizagem, não só ao final de um período. Para os autores há uma série de
benefícios no uso de tais instrumentos, como a contínua oportunidade de
reelaboração da ação e do teórico construído, ampliação da visão do educando,
proporcionando condições para melhor tomar decisões, julgar, definir critérios, permitir
dúvidas e conflitos, embocando no desenvolvimento da autonomia e do pensamento
reflexivo.
Um portfólio não é uma mera coletânea de trabalhos dos educandos. Nele o
aluno traça duas dúvidas e estratégias para superá-las. Vislumbra suas observações,
registra o que vê. Registra o que professor orienta. Registra suas próprias conclusões.
Muito mais: revê seus posicionamentos diante de novos fatos e informações,
demonstrando porque seu pensamento anterior estava equivocado. Nele não irá juntar
todos os trabalhos da disciplina, irá registrar o caminho de sua aprendizagem. Se não
for assim, seu uso será inadequado e não trará resultados satisfatórios.
Hernández (2000) oferece alguns passos para a construção de um portfólio,
quais sejam: (i) o estabelecimento do objetivo do portfólio por parte do docente; (ii) o
estabelecimento das finalidades de aprendizagem por parte de cada estudante; (iii) a
integração das evidências e experiências de aprendizagem; (iv) a seleção das fontes
que comporão o portfólio; (v) a reflexão do estudante acerca de seu próprio
desenvolvimento. Nesta construção o estudante tem que ter por princípio criar e
recolher e organizar todo o material que evidencie seu progresso e reflexões. Há
também que haver um meio no qual todo este material seja posto, geralmente
chamado de continente, o qual pode ser de diferente modalidades, como cartaz,
pasta, caderno, caixa etc.
Quanto ao modelo proposto, sua modificação deve acontecer conforme as
necessidade educativas, desde que os princípios do portfólio não sejam desvirtuados.
Collins (1991) tece a reflexão de que quatro evidências podem estar presentes
em um portfólio: 1) objetos produzidos durante o trabalho de aprendizagem; 2)
reproduções de fontes de informação; 3) documentos avaliativos sobre os trabalhos
dos alunos para que sejam realizadas novas reflexões e avaliações sobre o caminho
percorrido; 4) produções de explicação, as quais são feitas pelos donos dos portfólios
para explicar os objetivos, explicitar reflexões e conclusões, bem como evidenciar o
processo de reflexão através de anotações.
Pelo portfólio tem-se uma das muitas estratégias de avaliação formativa que
podem ser implementadas na prática de ensino do professor.

5 Implementação do Conceito de Avaliação Formativa através de Portfólio no


Colégio Estadual do Campo Benedito Serra

Vale ressaltar inicialmente que a escola por ser pequena e estar situada em
zona rural, possui um número considerado pequeno propiciando um trabalho de
intervenção que abrangeu toda a comunidade escolar e local.
Participaram os alunos do oitavo e nono ano do Colégio Estadual do Campo
Benedito Serra, Município de Lidianópolis, Paraná.
Foram realizadas atividades para a comunidade escolar e comunidade local,
seguindo-se o plano de ação constante no Apêndice A.
Todas as atividades foram norteadas por três questões consideradas
importantes para o desenvolvimento local, são elas:
(a) As famílias que vivem no entorno da escola, conseguem sobreviver com a
utilização dos Recursos naturais do Rio Ivaí?
(b) Quais situações encontram no modo de exploração desses recursos?
(c) Como a comunidade escolar e local pode reverter, melhorar, propor formas
conscientes de exploração desse Recurso natural?
Seguindo esse roteiro de questões previamente estudadas e discutidas com os
alunos na escola, os mesmos visitaram as casas dessas famílias e realizaram
entrevistas em busca de respostas a esses questionamentos, anotando todo o
processo em seu portfólio, chamado de Diário de Campo.
Com as informações obtidas, discutiu-se em sala de aula os problemas locais
e eventuais soluções; realizando-se, por fim, um seminário de integração com a
comunidade escolar e local, no qual os alunos apresentaram problemas e soluções
para a realidade vivenciada.

5.1 Entrevistas

Os alunos desenvolveram entrevistas levando-se em consideração as


seguintes questões e problematizações.
Questão 1 – "Sua família sobrevive a partir dos recursos do Rio Ivaí? Ou
indiretamente desses recursos?”. Problematização: se as famílias dependem dos
recursos do rio quer dizer que se o rio acabar elas passarão por grandes dificuldades?
Se isso é um grande problema, como podemos pensar maneiras de garantir, a médio
e longo prazo, que os recursos desse rio continuem existindo, propiciando a
continuidade do modo de vida dessas pessoas?
Questão 2 – “Quais recursos naturais sua família utiliza? E como é organizada
essa produção?”. Problematização: a escassez dos recursos e necessidade de
“manejo sustentável” para que não haja o fim deles e aconteça maior diversificação
da produção e capacidade de comercialização dos produtos existentes naquele
contexto.
Questão 3 – “Qual influência da sua atividade no meio ambiente do Rio Ivaí?”
Problematização: percepção de consciência acerca do papel de agente de
transformação do meio ambiente e possibilidades de degradação ou não desse meio
ambiente.
Questão 4 – “Há dejetos ou resíduos da atividade que você desenvolve? Quais
seriam? Qual o destino que recebem?”. Problematização: toda atividade econômica
utiliza de recursos naturais e os transforma, de alguma maneira (seja superficialmente
ou profundamente). Em decorrência dessa atividade, sempre há resíduos. Esses
resíduos ou dejetos se descartados de qualquer modo no meio ambiente produzem
efeitos devastadores, a médio e longo prazo, já que todo um equilíbrio que havia é
perdido pela maior ou menor concentração de substâncias. Assim, dar uma
destinação adequada para esses materiais é uma ação de grande importância no
contexto de uma economia local e sustentável.
Pode-se, até mesmo, que esses resíduos/dejetos poderiam ser objeto de uma
nova atividade econômica, garantindo maior rentabilidade ao produtor.
Assim, diante desse pensamento: como tais resíduos poderiam receber
diferentes destinações ou, a mais adequada? As respostas dadas pelos produtores
refletem esse pensamento?
Questão 05 – “O senhor(a) e sua família consegue sobreviver com essa
atividade?”. Problematização: a intenção é perceber se as pessoas estão contentes
com as atividades que desenvolvem e se elas mesmas veem a necessidade de algum
tipo de incremento. A sobrevivência é diferente de vida digna. Uma vida digna
pressupõe acesso à educação, a saúde, a alimentação adequada, o trabalho sem
perigos demasiados, a moradia adequado, o transporte necessário, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e à velhice, a
assistência aos desamparados, entre outros.
Questão 06 – “Quais seriam outras atividades que o senhor(a) poderia
desenvolver?”. Problematização: busca ver se a pessoa percebe a necessidade de
desenvolver outras atividades e se ela também percebe quais poderiam ser realizadas
dentro do contexto social e de recursos naturais em que está inserida.
Questão 07 – “Há interesse na participação de um seminário ou curso sobre
outras atividades econômicas que poderiam ser desenvolvidas a partir dos recursos
presentes no Rio Ivaí?”. Problematização: constatar se as pessoas possuem interesse
em angariar novos conhecimentos para suas atividades econômicas.

5.2 Seminário integrador

A partir das respostas oferecidas pela comunidade, os alunos pesquisaram os


problemas e soluções para a situação vivenciada. Assim, no seminário optaram por
abordar:
a) Construção de barragem para hidrelétrica no Rio Ivaí (o que está
acontecendo, consequências ambientais e sociais dessa construção a partir da
visualização de outras comunidades que já foram afetadas, perceber se a comunidade
vai ou não se beneficiar, se os prejuízos são maiores que os benefícios).
b) Propuseram e explicaram a construção de uma cooperativa para produção
de peixes em tanques (fazenda de peixes), com posterior filetagem e venda.
c) Promoveram a ideia de desenvolvimento de atividade turística (pesca
esportiva, pousadas, caminhadas ecológicas, passeio de barco, comida típica da
região – cascudo, pirão, cascudo na telha).
d) Evidenciaram o funcionamento do ecossistema para manutenção do Rio,
destacando que não basta cuidar de uma parte sem cuidar de outra, sendo necessário
promover uma ação coletiva intermunicipal.
e) Buscaram a conscientização de que jogar dejetos dos peixes no rio é
inadequado, abrindo espaço para possibilidades de rentabilidade a partir da
transformação dos dejetos, como produção de farinha para animais e biocombustível.
Com esses cinco campos definidos, os educandos preparam cinco oficinas de
meia hora para cada uma, as quais integraram o seminário. Os participantes
passaram de uma oficina a outra, num revezamento.

Considerações Finais

A realidade em que se está inserido não pode ser olvidada. A escola não deve
ser espaço de domínio de comportamentos. Deve servir como campo de libertação e
promoção dos valores eleitos pela comunidade em que se está inserido.
Diante deste contexto, a avaliação que é posta em prática e perpetrada no
ambiente de ensino deve refletir este papel que é atribuído à escola. Sendo assim, a
avaliação somativa e classificatória não serve aos novos propósitos pensados para a
consecução da finalidade escolar. É pela avaliação formativa que se consegue
promover os desideratos da escola contemporânea. Neste caminho, várias estratégias
e técnicas podem ser utilizadas, como o uso do portfólio.
Importante ressaltar que a mudança no avaliar é uma composição de
mudanças de concepção. Ao se estabelecer sua modificação, uma série de outros
elementos presentes no ambiente de ensino acabam por se alterar. Tendo em conta
tal perspectiva, mister destacar que uma escola renovada não surge tão somente pelo
discurso de uma nova avaliação, mas sim pela prática e teoria dos novos paradigmas
escolares nos diversos vieses que compõe a vivência escolar.
Portanto, este trabalho buscou reunir elementos teóricos que propiciassem um
novo encaminhamento à prática avaliativa no contexto de ensino de Ciências da
Escola Estadual do Campo Benedito Serra, ensejando também todo um novo conjunto
de posturas relativas aos conteúdos, práticas de ensino e diálogos presentes na
escola.
A partir desta conjuntura teórica suscitou-se a implementação de tais
perspectivas na concretude da Escola Estadual do Campo Benedito Serra, com a
elaboração de uma proposta de transposição da avaliação formativa no ensino de
Ciências, servindo como uma experiência de uso deste viés, a fim de que se possa
vislumbrar a efetividade desta visão de avaliação na realização dos fins da educação
escolar.
Com o desenvolvimento do projeto e sua implementação, percebeu-se que o
comportamento dos estudantes alterou-se em grande medida, passando a
desenvolver uma autonomia na construção de seu conhecimento e estando ligados
aos problemas que sua realidade enfrenta. Agora, a maior parte dos alunos que
participaram do projeto, demonstram ver um sentido para a escola, como um espaço
para a transformação social.
Com isso, percebeu-se que o projeto alcançou seu objetivo, construindo uma
significância real para o ensino de Ciências.

Referências

AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. 2.ed. São Paulo:


Cortez, 2000.

ANDRÉ, M. E. D. A. de. Avaliação Escolar: Além da Meritocracia e do Fracasso.


Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 99, p. 16-20, nov. 1996.

ARAÚJO, F. M. R. de. A Avaliação Formativa e o seu Impacto na Melhoria da


Aprendizagem. Tese de Doutoramento. Universidade de Lisboa, 2015.

CHUEIRI, Mary Stela Ferreira. Concepções sobre a Avaliação Escolar. Estudos em


Avaliação Educacional, v. 19, n. 39, jan./abr. 2008.
COLLINS, A. Portfolios for biology teacher assessment. Journal of Personnel
Evaluation in Education, 1991.

CUNHA, Maria Isabel da. O Professor universitário: na transição de paradigmas.


Araraquara, SP: JM, 1998.

DIAS SOBRINHO, José. Avaliação: políticas e reformas da Educação Superior. São


Paulo: Cortez, 2003.

ESTEBAN, Maria Tereza (org.) Ser professora: avaliar e ser avaliada. In: SILVA, J.
F.; HOFFMANN, J.; ESTEBAN, M. T. (orgs.). Escola, currículo e avaliação. São
Paulo: Cortez, 2003. p. 13-37.

___. O que sabe quem erra? Reflexões sobre a avaliação e fracasso escolar. Rio
de Janeiro: DP&A, 2001.

HADJI, Charles. A Avaliação desmitificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.

HERNÁNDEZ, F. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto


Alegre: Artmed, 2000.

___. Transgressão e Mudança na e Educação: os projectos de projectos de


trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

LUCKESI, Cipriano C. Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando


conceitos e recriando a prática. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos, 2003.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens –


entre duas lógicas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

SÁ-CHAVES, Idália de Sá. Portfólios reflexivos: estratégias de formação e de


supervisão. Aveiro: Universidade, 2000.

SAUL, Ana Maria. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e à prática da


avaliação e reformulação de currículo. São Paulo: Cortez, 1988.

SILVA, J. L. P. B.; MORADILLO, E. F. de. Avaliação, Ensino e Aprendizagem de


Ciências. Ens. Pesqui. Educ. Cienc. Belo Horizonte. Jun. 2002, v. 4, n. 1, p. 28-39.
SORDI, Mara Regina L. de. Alternativas propositivas no campo da avaliação: por
que não? In: CASTANHO, Sérgio; CASTANHO, Maria Eugênia (orgs.). Temas e
textos em metodologia do Ensino Superior. Campinas, SP: Papirus, 2001.

VILLAS-BOAS, Benigna M. de Freitas. Planejamento da avaliação escolar. Pró-


posições, v. 9, n. 3, p. 19-27, nov. 1998.

Você também pode gostar