Você está na página 1de 37

A PRÁXIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de


aprendizagem:

 Conhecer dificuldades e obrigações da docência na área de Ciências, inclusive em seus


meandros de saúde, a fim de estabelecer parâmetros para contornar conflitos e evitar ou
amenizar problemas decorrentes da profissão.
 Projetar modelos de planejamento e avaliação, tendo em vista o equilíbrio entre o currículo
exigido pelas diferentes instâncias educacionais e o ideal pretendido da aprendizagem
significativa.
 Apresentar as realidades da prática pedagógica, ou seja, as implicações da docência, das
escolhas do que se ensina e relatos de profissionais e estudantes.

1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Podemos desenvolver diversas estratégias didáticas, todavia, na hora de aplicá-las, nem tudo pode
ocorrer de acordo com o planejado. A sequência didática aplicada em uma turma não terá resultado
idêntico em outra, mesmo que sejam do mesmo ano escolar, escola e período. Teremos alunos
diferentes, além das interferências que o professor pode receber: problemas com o projetor, a chave
da sala. Situações assim prejudicam o dia a dia do profissional.

O trabalho pedagógico é complexo e construído por um conjunto de pessoas – professores,


educandos, equipe pedagógica, poder público e privado –, mergulhado em contextos culturais
socialmente diferenciados. Torna-se impossível, contudo, tratarmos a questão metodológica como
uma “receita” a ser reproduzida em salas de aula. As metodologias e os possíveis arranjos
pedagógicos sugeridos neste material devem ser encarados como uma base para modelagem de
aulas que será utilizada na prática, em uma sala de aula.

Confrontar nossas próprias fantasias sobre ser professor é necessário, sobretudo aos que possuem
interesse em seguir a carreira. Nesse sentido, saber mais sobre este personagem, associado tanto a
um ideário nobre – a de “mestre” – quanto a um de piedade – a de “coitado” –, pode ser o primeiro
passo para desnaturalizar compreensões e práticas docentes, renovando-as.

Relatos de experiências são fontes inestimáveis de aprendizado indireto, pois embora haja
similaridades, são únicos, uma vez que os protagonistas, as condições de atuação, seus alunos, sua
época, seu tempo de prática são completamente distintos. Nossa adequação à cultura e a luta por
pertencimento e reconhecimento passam por um período de dialogicidade: o de ouvir a narrativa do
outro com empatia, disposto a verdadeiramente escutar, com dedicação e paciência.

2 SER PROFESSOR DE CIÊNCIAS

Ser professor exige constante modelação, com ajustes e adaptações, e até checagens no sistema
de crenças educacionais. Sempre teremos algo novo para ser enfrentado, seja pelo conhecimento –
em constante evolução, resultado direto de uma realidade mutante que acompanha as inovações
geracionais, culturais, tecnológicas e sociais, para citar algumas –, seja pelos estudantes.

Sacristán (1998 apud CARVALHO, 2006, p. 106) pondera que as “possibilidades autônomas e
competências do professor interagem dialeticamente com as condições da realidade”. Trocando em
miúdos: diversas situações ocorrem em sala de aula em razão de fatores externos, para as quais
não estamos preparados. Alunos conversando durante a aula, atrasos, agressões entre colegas,
problemas de saúde, desastres familiares. “As concepções educacionais vigentes não dão conta da
complexidade do cotidiano que vivemos neste século” (REIGOTA, 1995 apud TOZONI-REIS, 2004,
p. 11).

Competência: de acordo com Perrenoud (2000 apud PUENTES; AQUINO; NETO, 2009), é a
capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação.

Dialético: para Tozoni-Reis (2004), é aquilo que se movimenta e é contraditório.

Devemos fazer como Perrenoud (2002 apud SEARA; PETROLLI, 2006): admitir que os objetivos
traçados nem sempre são claros, mudamos de tática no meio do processo sem motivo aparente,
agimos impensadamente, não sabemos tudo. Se fazemos assim com nossa vida, por que seria
diferente em sala de aula?

Como se isso não bastasse, há a questão do imaginário. A ideia que formamos sobre este ator
social, ou como deve ser uma aula, surge dos exemplos recebidos ao longo de nossas experiências
culturais, mesmo que de forma não intencional e inconsciente. Há uma formação docente anterior a
qualquer curso diretivo, adquirida ao longo de muitos anos, como alunos: observando os
professores, vivenciando suas aulas, dialogando sobre o assunto com os colegas. As aprendizagens
derivadas da vivência, portanto, possuem um peso considerável (NETO; QUEIROZ; ZANON, 2009).

Uma vez que os saberes docentes têm origem em diferentes fontes – os pessoais, os provenientes
da formação escolar anterior, os da formação profissional, os relativos à disciplina ministrada, os
curriculares e os experienciais –, também incorporam “concepções de senso comum acerca do
processo educativo construindo, por essa via, diversas crenças sobre o ensino, a aprendizagem, o
papel da escola etc., as quais tendem a ser pouco afetadas pelos cursos de licenciatura” (NETO;
QUEIROZ; ZANON, 2009, p. 77).

Pesquise em livros, filmes, jornais, revistas e na internet representações positivas e negativas sobre
ser professor ou a atividade docente. Em seguida, reflita em como foram construídas e se você
concorda com as afirmações.

Essa construção ocorre somente no contato com a escola, mas por meio de filmes, livros,
propagandas, comentários aleatórios, ou até em anedotas. “Nossos olhares estão sendo
forjados/educados desde o momento em que nascemos e dificilmente nos damos conta das
estereotipias, dos enrijecimentos, dos vieses de classe social, de etnia, de gênero, de condição
cultural que caracterizam as leituras que fazemos da realidade” (ZANELLA, 2006, p. 143).

Como nossos olhares são orientados para a análise da figura do professor? Rocha, Maranhão e
Batista (2016) apontam como de maneira negativa. Possivelmente, até pela própria escola, segundo
os autores, tradicionalmente marcada pelas possibilidades de ascensão social e de superação das
desigualdades sociais que tinha no professor com a imagem da autoridade constituída, capaz de
conduzir jovens e crianças ao convívio social e à vida em democracia, e que, repentinamente,
desapontou.

FIGURA 1 – REALIDADE DO PROFESSOR


Desde a década de 1980, é difundida a ideia de que o conhecimento profissional dos professores
envolve saberes de diversas naturezas, e que são capturados de formas diferentes. Para Tardif et al.
(1991 apud PUENTES; AQUINO; NETO, p. 177, 2009), dentre os saberes dos docentes, inclui-se os
curriculares, associados “aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos, a partir dos quais a
instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como
modelos de cultura erudita e de formação para a cultura erudita”.

Nesse sentido, podemos também sintetizar o que Freire (1996 apud PUENTES; AQUINO; NETO,
2009) aborda sobre a ação de educar:

 É criar possibilidades para a produção ou a construção do conhecimento, pois o ensino


somente é válido quando resulta em aprendizado.
 Exige rigorosidade metódica, ou seja, é preciso reforçar no aluno a sua capacidade crítica,
curiosidade, insubmissão e rigor metódico na aproximação dos objetos cognoscíveis.
 Exige a busca contínua, a indagação constante daquilo que se pensa já saber, a constatação
e a intervenção.
 Necessita de respeito aos saberes dos educandos.
 É preciso manter no professor a curiosidade, a inquietação e o rigor na aproximação ao objeto
cognoscível.
 Exige estética e ética, porque o ensino do conteúdo não pode ficar alheio à formação moral
do educando.
 Exige risco pela aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação.
 Exige reflexão crítica sobre a prática.

Raymond (2000 apud PUENTES; AQUINO; NETO, 2009), em continuidade, aponta características
necessárias ao professor: saberes pessoais – adquiridos na família, no ambiente de vida, na
interação com seus interesses –, e os provenientes de programas e instrumental –relacionados
diretamente ao trabalho, com livros didáticos, cadernos de exercício, fichas, encontros e reuniões.

É possível notar que o processo de se tornar professor não envolve apenas elementos provenientes
de sua ação pedagógica, ou de sua prática. Há cinco elementos básicos: o que ensinar, a quem
ensinar, como ensinar, por qual motivo ensinar e quem ensina.

Se quem ensina acata a possibilidade da incerteza e da dúvida, o seu como ensinar possivelmente
prezará o debate e os questionamentos do que as respostas prontas. Se quem ensina for avesso à
atitude autoritária, é possível que o seu motivo de ensinar tenha o viés da inaceitabilidade de uma
sociedade verticalizada, em que o que uns decidem e os demais aceitam. Se quem ensina possui
consciência de que possui responsabilidade na condução do processo formativo de seus alunos,
espera-se que o seu conteúdo contenha habilidades e competências.
Suas ideias, seus preconceitos, seus paradigmas, seu caráter, seu histórico: tudo isso pode
influenciar na preparação, condução e avaliação das aulas. Logo, é necessário o que Larrosa
(2001 apud SANTOS, 2007) considera um gesto de interrupção: o momento em que precisamos
parar para pensar, olhar, escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, demorar-se nos
detalhes. Isso ocorre, especialmente, enquanto preparamos nossas aulas.

A preparação é primordial. De nada adianta organizar bons programas ou construir belas teorias a
respeito do que deveria ser realizado, desdenhou Piaget (1975), enquanto não for resolvido de forma
satisfatória.

Em primeiro lugar existe o problema social da valorização ou da revalorização do


corpo docente primário e secundário, a cujos serviços não é atribuído o devido valor
pela opinião pública, donde o desinteresse e a penúria (...) se apoderaram dessas
profissões. A seguir, existe a formação intelectual e moral do corpo docente, problema
muito difícil, pois quanto melhores são os métodos preconizados para o ensino mais
penoso se torna o ofício do professor, uma vez que aumenta o desafio do mestre em
acompanhar seus alunos e orientá-los da maneira adequada (PIAGET, 1975, p. 28-
29).

Para o autor, há dois princípios fundamentais que devem ser aplicados para solucionar tais
problemas, em referência a estudantes e professores de licenciatura:

Estreita união do ensino e da pesquisa, sendo os estudantes associados a esta última,


especialmente para a solução de problemas novos e ainda não resolvidos, desde os
anos de iniciação (...), [e] pesquisas de grupo dirigidas não apenas por um único
professor, mas por representantes de especialidades complementares, trabalhando
em constante cooperação (PIAGET, 1975, p. 29).

Além disso, não podemos deixar de lado a dimensão teórica. O conhecimento se constrói na relação
entre as práticas e as leituras, e entre as teorias e as interpretações. É o estabelecimento dessas
relações que permitirá ao professor avaliar, analisar, pensar suas práticas e ter a possibilidade de
promover intervenções e mudanças. A reflexão, nesse contexto, é relevante para a abertura de
caminhos à autocrítica e para a busca de uma melhoria nas práticas pedagógicas.

Carvalho (2006), para tanto, salienta que é preciso interrogar as teorias a partir de problemas
enfrentados pelo professor no cotidiano, tendo como orientação o aluno diante de si, a realidade
educacional e social e as contribuições da disciplina para essa realidade.

Em outras palavras, as teorias devem ser encaradas sob um prisma provisório e exploratório
(FONTANA; SILVA, 2009). Elas se tornarão inteligíveis quando dialogadas com os dados encarados,
em determinado contexto; no entanto, o contexto também é provisório e, por isso, deve-se retornar à
teoria, ainda exploratória, provisória. Isto é práxis: uma síntese entre teoria, palavra e ação (BENTO;
SCHWEDERSKY, 2016), uma intervenção humana sobre uma realidade concreta.

Os atuais objetivos do ensino de Ciências envolvem debate, desse modo, é preciso que os
educadores sejam abertos e dispostos a questionamentos com os alunos sobre o lugar da ciência no
mundo, sua relação com o bem-estar humano e não humano, além de outros valores da sociedade.

Parece simples. A maioria dos professores de Ciências, porém, não se sente à vontade para discutir
temas envolvendo valores, como opiniões políticas, paradigmas familiares, preconceitos ideológicos
e religiosos, pois é confortável e seguro se refugiar no cronograma, no planejamento proposto.

Sem a discussão de temas sociais – por exemplo, transgênicos, células-tronco, o superaquecimento


do planeta, o uso exploratório de animais, as queimadas, conflitos com indígenas – em relação a
outros, vinculados ao desenvolvimento social prometido pela ideia de progresso da ciência, o aluno
não consegue ver relação entre o que é veiculado pela mídia e o que aprende na escola.

Piaget (1975, p. 25) alerta sobre a temática: “Trata-se (...) de estarem imbuídos os próprios mestres
de um espírito epistemológico bastante amplo a fim de que, sem para tanto negligenciarem o campo
da sua especialidade, possa o estudante perceber, de forma continuada, as conexões com o
conjunto do sistema das ciências”.

Nessa linha, para Meksenas (1994 apud CARMINATI, 2015), a principal tarefa do professor, sendo o
interlocutor do aluno para com os conhecimentos organizados, é possibilitar a projeção do novo com
base na reprodução do antigo: deve garantir a sobrevivência do discurso humano de uma época ou
lugar, ao mesmo tempo em que se utiliza de experiências passadas para projetar o futuro. “Nesse
sentido, a educação [e, em consequência, o papel social do professor] não é apenas reprodução,
mas a possibilidade de transformação” (CARMINATI, 2015, p. 63).

É evidente que o educador continua indispensável, a título de animador, para criar as


situações e armar os dispositivos iniciais capazes de suscitar problemas úteis à criança,
e para organizar, em seguida, contraexemplos que levem à reflexão e obriguem ao
controle das soluções demasiado apressadas (PIAGET, 1975, p. 18).

Naturalmente, o sentido de “animador” possui maior relação com o de motivador, mediador,


instigador, do que o de apresentador de programas de auditório. As aulas devem começar com a
atitude docente de dar voz aos alunos. Isso não significa organizar os alunos em círculo e pedir para
que falem sobre suas vidas. Muitos professores são mestres em recolher as vivências dos
educandos, em motivá-los ao discurso, todavia, não vão além disso (MEKSENAS, 2015, p. 36).
2.1 PERSONAGEM VERSUS PESSOA

O que é ser professor? O que deve fazer, qual papel deve exercer, e qual é sua função social na
escola? Quando (ou enquanto) ajustamos as possíveis respostas, desenvolvemos um personagem.
As atitudes assumidas em frente dos alunos, e diante dos colegas, não são necessariamente um
reflexo do que somos, mas do que acreditamos ser: o melhor perfil de atuação.

Existe um imaginário sobre ser professor da Educação Básica, nascido e alimentado por aspectos
da memória escolar do próprio professor, e da prática de ensino na disciplina (SILVA, 2009). Afinal,
aprendemos a ser professor também sendo aluno; nossas técnicas e métodos se baseiam também
nos vivenciados enquanto alunos.

Sendo assim, tendo como base a racionalidade e o imaginário, podemos dizer que o ser humano
apresenta “duplo enraizamento” (THOMAZ, 2007): nossas características individuais (temperamento,
caráter, motivações, memórias discursivas) e nossa inserção no social. Dessa miscelânea surgem
diversas facetas de um mesmo indivíduo, diversos perfis que assumem a dianteira, conforme o
entorno enfrentado por seu dono.

Dentre os perfis, há o do professor: um personagem, uma invenção baseada em nossas acepções


do que é, do que deve fazer, que papel que deve exercer, e a sua função. Até mesmo este perfil se
decompõe em diversos outros, os quais acabam por receber rótulos, seguindo a recepção pela
comunidade escolar (o professor “bonzinho”, o “descolado”, o “durão”, o “turista”).

Em qualquer exemplo, há uma pessoa com seu histórico de vida, professando uma atividade
permeada por modelos construídos em praticamente todas as áreas do conhecimento. Artigos
acadêmicos escritos por estudiosos sempre terão opinião sobre como o professor deve atuar.
Colunas e quadros jornalísticos também são dados a expressar o que está certo e o que está errado
nas atitudes da escola e do professor. Até mesmo revistas para pais expõem o que pensam a
respeito do tema.

No entanto, o que pensa o professor? Há diversos fatores influenciadores, pois:

Possui um jeito particular de olhar e vivenciar a realidade, em parte, por terem


recursos profissionais diferentes e, também, porque cada um experiencia de uma
forma muito própria os acontecimentos surgidos no dia a dia da sala de aula. Por mais
que compartilhem de ideias comuns (...) (SANTOS, 2007, p. 81).

Há também o fator tempo – de experiência, de vivência, de vida, de aprendizado. Em cada etapa,


enfrenta dificuldades e possui posturas diferenciadas (BEJARANO; CARVALHO, 2003).
2.1.1 Antes do início

Na primeira fase, pré-ensino, o professor possui pouca ou nenhuma experiência prática, o que o
leva a ter muitas ilusões quanto à realidade da sala de aula. Como não possui referência de
realidade, não consegue observar importância em determinadas teorias do processo ensino-
aprendizagem, podendo queixar de falta de atividade prática durante seus estudos na universidade.

Tradicionalmente, a relação dos licenciandos com a sala de aula é feita por meio de idealização
(SEARA; PETROLLI, 2006). Nela, sabemos o que será feito em classe, até mesmo os ocasionais
imprevistos. Essa idealização é impregnada por imagens que se sobrepõem: a que licenciandos
fazem do professor-formador, dos alunos, de si, estando no lugar do professor, e dos significados
que envolvem a prática (OLIVEIRA, 2009).

O ‘eu professor’, que imagina a si próprio sob a perspectiva do outro (o aluno, o


professor formador, o professor da escola), quando este fala sobre sua identidade
profissional (as identificações que o constitui), ou seja, aquilo que imagina ser visto
pelos outros. (...) A expressão do desejo de ser o professor que esperam que ele seja
(que promove interações com os alunos, que aborde o conhecimento em profundidade
de maneira compreensível, que saiba bem sobre o que pretende ensinar)” (OLIVEIRA,
2009, p. 125).

Entre os estudantes de Ciências Biológicas, podemos dizer que há o “hábito” de pensar na


licenciatura como segunda opção (OLIVEIRA, 2009). Existem muitas explicações para o fato, porém,
durante o pré-ensino (ou pré-docência), dificilmente há meio-termo. Ou é nervosismo empolgado, ou
é aversão desesperada. Analisemos o relato de um licenciando: “Eu tinha em mente que bastava ser
uma pessoa apaixonada pelo ato de ensinar, uma pessoa de bom senso com uma visão crítica de
mundo e com consciência dos problemas que acometem as instituições de ensino, que você já seria
um ótimo educador” (CASSIANI; LINSINGEN, 2009, p. 141).

Ser apaixonado pelo ato de ensinar é excelente, mas insuficiente. Há uma expectativa que pode ser
superior, que nenhum aluno, nenhuma instituição, e nem o professor conseguirá cumprir. Ademais,
as ideias de “visão crítica” e “bom senso” são complexas, dissonantes e motivo de muitas discórdias.

Consideremos uma escola pequena, com uma sala de aula por ano de escolaridade. Sendo assim,
teremos duas turmas por ano escolar: a matutina e a vespertina. Cada turma possui, em média, 40
alunos. Sendo professor de Ciências, o profissional terá, em uma escola com tal porte, quatro
turmas pela manhã e quatro pela tarde, ou seja, oito turmas. Ao multiplicarmos por 40: 320 alunos,
todos distintos. Observe que estamos analisando uma escola pequena! Será possível, e
humanamente viável, cumprir sua profissão com excelência?
Para ser um professor competente, é preciso “focar sempre no aluno como ser que interage e que
deve participar de forma efetiva do processo ensino-aprendizagem" (NETO; QUEIROZ; ZANON,
2009, p. 91).

Não se iluda. Em muitas escolas, a barreira já foi fragilizada pelos professores, e definitivamente
recebidas pelos alunos. Quanto mais velhos ficam, menos consideram esta hierarquia. O desafio do
professor é fazê-los compreender que respeito não é sinônimo de submissão, arrogância não
reafirma sua inteligência, e desdém pelo mestre não significa ser independente.

2.1.2 O contato inicial

Na segunda fase, do contato inicial, por Bejarano e Carvalho (2003), já existe alguma experiência
de ensino, fundamentada em conflitos que evidenciam situações de tensão interpessoal (entre
professor, alunos, equipe pedagógica). Nessa fase, as preocupações do professor iniciante estão
centradas em si: seu controle em sala de aula, preocupação com a imagem, sua adequação,
ansiedade, medo de não conseguir apoio emocional dos alunos. Ele se depara com emoções
conturbadas, como pânico, desorientação e sentimento de impotência (SEARA; PETROLLI, 2006).

A falta de retorno dos estudantes e colegas perante seus esforços e planejamentos é interpretada de
modo pessoal, o que o afeta em níveis mais emocionais do que profissionais. Vejamos o que relata
uma licenciando quanto ao caso:

A vontade que dava era de jogar tudo para o alto, desencanar daqueles que não
querem nada com nada e deu raiva de alguns quando eu olhava para eles e via que
eles não se importavam com a sua presença ali. O sinal bate, os alunos saem para o
intervalo e eu me sentia cansada (...). Por mais que várias destas crianças quisessem
sustentar uma postura de descaso ou falta de interesse, eu sentia que tal
comportamento não passava de imaturidade e que a curiosidade na verdade estava ali
(CASSIANI; LINSINGEN, 2009, p. 142).

Complementando, analisemos o que declara um professor: “Não obtive sucesso. Os outros


professores não se interessaram em dar andamento no projeto, alegando falta de tempo, coisa difícil
de acontecer, pois estava no planejamento bimestral” (AMORIM, 2009, p. 15).

Os conflitos enfrentados pelos professores iniciantes marcam suas primeiras experiências de ensino.
Os mais comuns, conforme análise de Bejarano e Carvalho (2003), estão relacionados aos
seguintes aspectos:

 Precisar cumprir um currículo e, de forma concomitante, ser construtivista.


 Enfrentar o contexto social dos alunos e, ao mesmo tempo, as exigências da instituição de
ensino.
 Enfrentar a ambiguidade decorrente de sua transição entre ser aluno e ser professor.
 Enfrentar relações interpessoais com os alunos, com outros professores e com a equipe
pedagógica.

Diante de tais conflitos, os professores lidam, de modo pessoal, com as seguintes formas:

 Minimizam ou evitam o conflito, ignorando ou transferindo o problema para outro setor.


 Atribuem a causa do conflito à indisciplina dos alunos, à falta de engajamento dos colegas, à
precariedade da escola, ao estado atual da sociedade, ao descaso dos pais dos alunos, ao
governo.
 Confortam-se com o pensamento de que os alunos deixarão a escola cedo ou tarde, e de que
não há necessidade de se preocupar.
 Assumem conflitos e buscam formas de contorná-los em curto prazo, razão pela qual o que
parece ser a solução guarda uma armadilha – envolver-se de forma pessoal, assumindo
gastos, tempo e dispêndio de saúde.

Além das questões de ordem interpessoal, existe o problema da comunicação em si: “Explicar
alguns termos pela complexidade aprendida nas aulas da universidade demonstrou um tanto quanto
confuso na transposição para os alunos. (...) É muito difícil encontrar termos adequados, pois
estamos acostumados com os termos técnicos” (CASSIANI; LINSINGEN, 2009, p. 139).

2.1.3 Muralha ou filtro

Com mais experiência, o professor inicia a fase de despersonalização. Nela, o profissional


descentraliza suas preocupações, dirigindo-as aos alunos e ao processo de aprendizagem. Não
ocorre a confusão do fracasso de uma abordagem de ensino com o fracasso pessoal.

Wallace (1990 apud SEARA; PETROLLI, 2006) elaborou um sistema de modelos visando à
compreensão do desenvolvimento da prática docente, denominando “modelo experiencial” a etapa
em que o futuro professor é ensinado a repetir e imitar da melhor forma procedimentos didáticos
práticos preestabelecidos, e de “modelo da ciência aplicada” quando é preparado para acreditar que
o seu sucesso profissional está vinculado ao conhecimento técnico aprendido durante os cursos.

Finalmente, denominou de “modelo reflexivo” quando o profissional se prepara para refletir sobre a
própria prática. O autor propõe, para o cotidiano profissional do professor, o estabelecimento de uma
conexão entre os três modelos.
2.2 A SAÚDE

Os modos de lidar com os conflitos recorrentes na realidade escolar geram problemas que podem
chegar à esfera médica. Para Reis et al. (2006), a atividade docente é uma profissão altamente
estressante, e que gera repercussões de ordem física, mental e profissional.

Com base em estudos, podemos elaborar um quadro contendo possíveis problemas, bem como
suas causas e debilidades que afetam docentes.

QUADRO 1 – QUESTÕES DE ORDEM FÍSICA

ATIVIDADE PROBLEMA

Permanecer em pé Dores nas costas, pernas e pés, desvios e


sobrecarga da coluna.

Corrigir trabalhos escolares LER (lesão por esforço repetitivo) e outras


complicações relativas aos membros superiores
e pescoço.

Escrever no quadro Complicações nos ombros: bursite, capsulite.

Carregar material didático Desvio e sobrecarga da coluna, complicações


nos ombros.

Pó de giz Complicações de ordem respiratória, dermatite


e alergia.

Uso ininterrupto da voz, falar alto Faringite, inflamações e infecções na garganta,


rouquidão, pigarro.

Ruído constante, em decibéis maiores do que o Perda gradual da audição, otite, labirintite.
permitido (obras na escola, vozes dos alunos
em sala e no pátio)

FONTE: Adaptado de Reis et al. (2006)


Atualmente, grande parte dos quadros verdes, e seus indefectíveis gizes brancos e coloridos, foram
substituídos pelo quadro branco e canetões. Soluções para o desgaste da voz estão surgindo:
campanhas pela saúde da voz, distribuição de garrafas, microfones, entre outras ideias.

Escrever no quadro é importante, mas não precisa ser a atividade mais aplicada em aula. Escrever
textos e mais textos – o que gerará o problema nas articulações – é perder tempo pedagógico.
Nossa sugestão é a aplicação de diagramas, esquemas, palavras-chave, o aproveitamento de livros
oferecidos pelo poder público aos estudantes, projeções, impressões.

Além disso, o profissional da educação, durante sua jornada, também pode passar por situações de
ordem psíquica. Vejamos o quadro a seguir.

QUADRO 2 – QUESTÕES DE ORDEM PSÍQUICA

ATIVIDADE PROBLEMA

Concentração intensa Dispersão da concentração, insônia, fadiga,


tensão nervosa, neuroses, irritabilidade,
Pouco tempo para realizar tarefas + volume de impaciência, ansiedade, distúrbios alimentares,
tarefas a serem realizadas depressão, hostilidade, exaustão emocional,
baixa autoestima, apatia, desânimo,
Expectativas altas com relação ao compulsões, entre diversos outros
desenvolvimento profissional e dedicação à
profissão + falta de retorno esperado

Conflitos com alunos, pais, colegas e superiores

FONTE: Adaptado de Reis et al. (2006)

O profissional de educação – sobretudo o professor –, segundo Rocha, Maranhão e Batista (2016),


ocupa destaque nas estatísticas voltadas ao estresse ocupacional. É associado a este fato o
aumento das exigências burocráticas, as mudanças de atitude da sociedade perante a imagem do
professor, e as aparentes contradições quanto ao verdadeiro papel do docente. Em complemento,
temos questões como:

Salários não dignos, precarização das condições de trabalho, mau comportamento dos
alunos, falta de reconhecimento do profissional, preocupações envolvendo o
desenvolvimento acadêmico e socioemocional dos alunos (...), impossibilidade de
participação ativa nos processos que dizem respeito às mudanças rápidas nas
metodologias, na tecnologia e nos meios de ensino, as longas jornadas de trabalho, a
distorção entre o formal e informal na efetivação do trabalho escolar, falta de apoio do
sistema no processo de autonomia da escola (ROCHA; MARANHÃO; BATISTA.,
2016, p. 298).

O bem-estar dos indivíduos no trabalho, de acordo com os autores, pode ser afetado por fatores
organizacionais, forças externas e fatores individuais. Fatores organizacionais dizem respeito às
exigências do cargo e da organização; as forças externas dizem respeito ao que é externo à
organização, como a família do professor ou do aluno; por fim, os fatores individuais possuem
relação com a reação de cada um diante de determinado agente estressor. Também afirmam que há
maneiras principais de lidar com os agentes estressores:

 Enfrentamento focado na emoção: quando se recorre a estratégias comportamentais e


cognitivas.
 Enfrentamento focado no problema: quando o envolvimento é de modo direto com a
situação estressante, reduzindo as demandas, além de aumentar a capacidade de lidar com o
estressor.

Todavia, a questão é quando grande parte dos alunos não se propõe a realizar atividades, não
sendo possível o professor simplificar sem correr o risco de desvirtuar o próprio processo ensino-
aprendizagem; quando os filhos não obedecem aos pais. Para tais situações, aplicamos a primeira
forma de enfrentamento.

Alguns psicólogos chamam de “síndrome da desistência do educador” a situação em que o


professor “perde o sentido de sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já não o importam
mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil” (ROCHA; MARANHÃO; BATISTA, 2016, p. 290).
Assim, os planos, projetos, ideais, desejos e esperanças que o profissional nutria ao chegar na
escola, e que foram se deteriorando diante de um ambiente infecundo, transformam-se em
síndromes, atestados e afastamentos por saúde como uma reação prolongada a estressores
interpessoais crônicos no trabalho.

O professor idealista, entusiasmado com a docência, é mais vulnerável à Síndrome de


Burnout, pois seu comprometimento com o trabalho o faz envolver-se intensamente,
sentindo-se frustrado quando não percebe retorno desse esforço. O alto nível de
expectativa que o docente tem e que não é preenchido, também pode se associar à
síndrome (SINOTT et al., 2014, p. 521).

A síndrome de Burnout, “decodificada” nos anos 1970, abala profundamente profissionais de


educação. Ela apresenta três facetas:

 Exaustão emocional.
 Despersonalização ou atitudes de distanciamento emocional.
 Não realização profissional, refletida em sentimento de impotência, baixa produtividade no
trabalho e descontentamento pessoal.

Para corroborar, em pesquisa de campo realizada por Sinott et al. (2014) com professores de
Educação Física em escolas municipais de Pelotas, no Rio Grande do Sul, chegou-se ao
preocupante resultado de que, dos 94 professores analisados, 60,6% estavam com alta exaustão
emocional, 22,3% com alta despersonalização, 30% com baixa realização profissional, e 8,5% com a
presença inquestionável da síndrome.

Diante desses resultados, os autores apontam como necessários atenção e apoio aos profissionais,
em especial aos novos, para que exerçam a profissão com qualidade, conservando a saúde e
minimizando o abandono da carreira.

2.2.1 Evitando atestados médicos

Não podemos considerar segredo que as condições de trabalho docente, em diversas situações,
não são exatamente um sonho de consumo. Baixa remuneração, acúmulo de tarefas, choque de
gerações, responsabilizações inadequadas, falta de recursos materiais mínimos para a realização do
básico da educação e necessidade de aprofundamento teórico em áreas que nem sempre são de
domínio do profissional (CARVALHO, 2006) são alguns dos percalços enfrentados.

O profissional deve ser prevenir desde o princípio. Nesse sentido, apresentamos algumas medidas e
cuidados.

Alongamento

A prática de alongamentos (antes e depois do expediente) que envolvam pernas, tornozelos, costas,
pescoço, ombros, pulsos, dedos não demandam tempo excessivo.
Gargarejo

Além disso, a ingestão constante de água lubrifica e hidrata o principal instrumento de trabalho do
profissional da educação – as cordas vocais.

Relaxar

O profissional deve manter seu tempo de lazer. Entretanto, descanso não é sinônimo de lazer. “O
lazer promove uma sensação de satisfação e bem-estar e propicia descanso e divertimento, além de
agir como fator positivo para o desenvolvimento pessoal e social de cada indivíduo” (Madsen,
2002 apud ANDRADE; CARDOSO, 2012, p. 135). Por isso, há a necessidade de valorização dos
momentos de lazer.

Organização

Toda escola possui uma rotina burocrática, como a entrega dos diários de classe, as reuniões, os
encontros com os responsáveis legais dos alunos. Portanto, o professor pode tentar diminuir o
volume de tarefas que levará para fora do local de trabalho, usando as “janelas” entre uma aula e
outra, para planejar suas aulas, atividades, diminuir a carga de correções.

Solicitar ajuda

Seres humanos são gregários e sociais. Sobrevivemos e evoluímos apoiados uns aos outros. Nesse
sentido, recorrer a alunos, colegas, ou ao corpo técnico pode ser relevante. Em regra, o corpo
técnico faz parte da comunidade dos seus alunos. Ao estabelecer uma relação saudável e
respeitosa, toda a equipe ganha aliados.

3 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

“Acho surpreendente que os professores de Ciências, mais do que os outros se possível fosse, não
compreendam que alguém não compreenda” (BACHELARD, 1996, p. 23).

Podemos dizer que esta interpretação possui fundamento? Reflita sobre o assunto.

A educação visa a munir os indivíduos com variadas capacidades de solucionar problemas


(CUNHA et al., 2017), e por isso ensinar Ciências não pode se restringir ao acúmulo de
denominações, datas, nomes de personagens históricos considerados emblemáticos. A disciplina
deve contribuir para o desenvolvimento de entendimentos, de estabelecimento de relações entre
aquilo que se aprende em sala de aula e a realidade social; deve possibilitar que o estudante seja
estimulado a pensar por conta própria, a investigar a veracidade das informações; deve favorecer a
construção de sentidos que possam ajudá-lo a refletir e a questionar o mundo.

Dessa forma, a atividade profissional do professor de Ciências deve buscar a promoção de uma
educação problematizadora, e que ocorra na interlocução com o aluno, no diálogo entre o que o
professor considera importante ensinar e o que o aluno considera válido aprender.

Devemos considerar a dificuldade existente em executar o que desejamos ou entendemos como


sendo o ideal ou o correto, sobretudo quando os resultados obtidos não são os planejados. Em tais
situações, o docente precisa ter a responsabilidade de julgar a qualidade do ensino oferecida
(OLIVEIRA, 2009). Nessa linha, valores, estilo, personalidade, visão de mundo e outros fatores
impedem a formação de um manual que o professor possa seguir à risca (SANTOS, 2006).

A combinação de teoria com prática é crucial: a teoria auxilia a construir bases e gera orientações
para uma prática segura e consciente, além de ser o ponto de retorno para a melhoria. O que
significa, então, dizer que uma aula precisa ser significativa?

Como a própria denominação aponta, a aprendizagem significativa ocorre quando o conteúdo possui
significado ao estudante. Isso ocorre quando o conteúdo interage com ideias relevantes e existentes
na estrutura cognitiva do indivíduo, ou seja, com seus conhecimentos prévios.

O conhecimento comum, ou o saber cotidiano, ou o senso comum, é uma soma de saberes criados,
absorvidos, aplicados, adaptados e até reinventados durante a vida cotidiana, de modo ingênuo,
porém, essencialmente pragmático, cujo caráter de validade na esfera cotidiana é sua
funcionalidade (ALMEIDA, 2004). O fato de funcionar no dia a dia é um dos principais motivos de ser
tão difícil suplantá-lo.

De que modo podemos perceber se houve uma aprendizagem significativa? Basicamente, quando o
estudante consegue usar os modelos ou leis científicas em contextos diferentes aos quais foram
apresentados. Logo, é quando aplica o conceito científico em questões novas, ainda não
apresentadas; e para investigar se houve compreensão, podemos utilizar instrumentos e problemas
novos, não familiares, que exijam transformação do conhecimento adquirido.

3.1 VISÕES DE CURRÍCULO

De maneira sintética, podemos abarcar as seguintes concepções de currículo.

a) Como guia:

o Divisão em disciplinas.
o Existência de grade curricular.

o Divisão em conteúdos.

o Lista de conhecimentos (entendidos como “fixos”).

b) Como política cultural:

o Artefato disputado entre grupos com interesses políticos e econômicos.

o Tentativa de diferentes grupos, sujeitos e instituições em materializar aspectos da cultura que


consideram melhores.

c) Como política de representação:

o Luta por definir e representar concepções de conhecimento e de cultura que têm como intenção
produzir sujeitos e condutas específicas.

d) Como prática discursiva:

o Define papéis sociais.

o Autoriza/desautoriza representações do mundo.

o Hierarquiza documentos.

o Valoriza sujeitos, temas, grupos sociais e formas de vida, excluindo as demais.

Nessa perspectiva, o currículo pode ser compreendido como um espaço de lutas e conflitos que se
acionam em torno dos diferentes significados sobre o social e o político; uma fabricação humana
caracterizada pela concorrência entre diferentes interesses, visando à produção e ao fortalecimento
de conhecimentos socioculturais.

O currículo, assim, é um artefato de produção de significados e representações culturais, e um


objeto discursivo de produção de identidades, instituidor de condutas e comportamentos. É um lugar
de fabricação e revisitação de discursos, representações e significados, criando e reafirmando
identidades, pensamentos e modos de agir. Após sua produção, pode ser transformado.

“Os conteúdos escolares usuais foram selecionados entre os muitos possíveis e outros foram
simplesmente silenciados (...). Os conteúdos do ensino podem ser modificados com base em
critérios plausíveis de natureza política, filosófica ou pedagógica” (ALMEIDA; CASSIANI; OLIVEIRA,
2008, p. 16). Não temos a obrigação, portanto, de segui-lo, embora ir contra nos trará diversidade de
dores de cabeça enquanto seres sociais inseridos em um microespaço: a escola.
Seguindo essa linha, para os documentos oficiais sobre os quais debateremos no próximo capítulo,
o currículo é entendido como "a potencial ferramenta que norteia e fundamenta as práticas
pedagógicas dos professores e garante a qualidade do sistema de ensino” (SANTA CATARINA,
2019, p. 14), bem como:

O conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção e a socialização de significados no


espaço social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e culturais
dos estudantes. E reitera-se que deve difundir os valores fundamentais do interesse social, dos
direitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum e à ordem democrática, bem como
considerar as condições de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, a orientação
para o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não formais (BRASIL, 2013, p. 27).

3.2 A DISCIPLINA E O CURRÍCULO ESCOLAR

A biologia é uma temática ampla. Ela está alinhada a diversas áreas do conhecimento, ou seja,
podemos estabelecer diálogos com quase todas as áreas do conhecimento. De todo o montante, o
que decidir ensinar, nas diferentes etapas da educação? O que podemos considerar relevante,
crucial, opcional a um público?

Sem entrar em discussões de validade, autenticidade, legalidade, grande parte do que ensinamos
em sala de aula possui por referencial o currículo, o qual é definido pelo governo, por meio de uma
equipe formada para este fim, e que define a matriz curricular.

Há diversos estudos que tratam da criação, elaboração, reelaboração dos currículos ao longo da
história, e sempre possuem relação com a situação política e social do momento. Podemos
encontrar currículos de diversas vertentes, a depender do portador da autoridade signatária:
catedrático, dogmático, revolucionário, tecnicista, cientificista, ambientalista.

Para institucionalizar determinada disciplina na escola, considera-se necessário definir o espaço no


currículo, incluir instrumentos afins (no caso da Biologia, laboratórios e salas especiais), ganhar
importância acadêmica para a disciplina e seus docentes, e adquirir legitimação, por meio dos
instrumentos legais.

A seleção, a organização e a estruturação do conhecimento, enquanto artefato social e histórico,


para pessoas não é algo aleatório. “Visto desta forma, o currículo é muito mais que mero
processador de conteúdos, porque é processador de sujeitos, é construtor e orientador de
determinados arranjos sociais, produtores e organizadores das circunstâncias que o determinam”
(HORA, 2007, p. 50).
O argumento é endossado por Almeida, Cassiani e Oliveira (2008, p. 26). Para elas, o conhecimento
escolar “passa por uma seleção cultural de caráter ideológico e arbitrário, a partir de uma cultura
social mais ampla, passando por processos de mediação e disciplinarização”.

3.3 LINGUAGEM E COMPREENSÃO

Dois dos mais importantes pilares para a efetivação da aprendizagem significativa em Ciências,
linguagem e compreensão são os mais complexos de se alcançar. Para que tenhamos compreensão
é preciso estabelecer uma ponte linguística.

Como afirmam Oliveira et al. (2009), diversas dificuldades com a linguagem científica na escola
ocorrem por esta ser oposta aos que os alunos usam no dia a dia. Vejamos possíveis
especificidades:

 Falta de familiaridade: o desenvolvimento da linguagem em Ciência envolve mudança no


significado dos nomes (OLIVEIRA et al., 2009).
 Implicações causais geradas por interpretação do vocabulário científico dentro de
contexto não científico: por exemplo, a frase “‘todos os metais são condutores da
eletricidade’ pode ser também interpretada da seguinte forma: ‘se uma substância é
condutora de eletricidade, deve ser um metal’” (OLIVEIRA et al., p. 24, 2009).
 Existência de nomes técnicos não aparentes:

o Nomes comuns com outro significado no contexto científico: sal, fruto, trabalho, matéria, força,
energia, vida, campo.

o Nomes científicos utilizados na linguagem comum, com significado distinto: osmose, espectro,
depressão, luz, alergia (ao trabalho, ao estudo), dieta.

o Nomes científicos divulgados e popularizados, absorvidos pelo emprego comum, não


necessariamente da forma adequada: ambiente, órbita, clonagem, transgênicos, vírus.
Leia o trecho a seguir:

“Assistindo à gravação de uma enquete feita na rua, num povoado da Região Norte por uma TV
comunitária, vi alguém dizendo que o mosquito que transmite a aids é o ‘aids do Egito’”. (CASSIANI;
LINSINGEN, 2009, p. 134).

Agora, procure compreender como a aids acabou por ser associada a uma doença
transmitida por mosquitos. Em seguida, continue sua leitura. Façamos um percurso lógico,
por mais que não pareça (CASSIANI; LINSINGEN, 2009):

 Muitas pessoas aprendem que parte das doenças é contraída por picadas de mosquito.
 O governo dissemina maciça campanha contra a dengue, e as pessoas aprendem que o vilão
da doença é o mosquito Aedes aegypti.
 A formação mítica e religiosa da população associa o Egito com as sete pragas.
 O mosquito é considerado uma praga, pois as pessoas nunca se livram das doenças que ele
transmite.
 Paralelamente à campanha da dengue, é veiculada outra, contra a aids, cujo nome não faz
sentido para a população, mas é similar a Aedes.

A sua interpretação prévia possui relação com estas afirmações? Como visto, devemos
refletir a maneira pela qual compreensões incorretas podem ser realizadas.

A linguagem científica, assim, interfere na compreensão dos conceitos científicos e, por conta disso,
deve ser melhor explorada didaticamente (OLIVEIRA et al., 2009). Por vezes, os alunos não
compreendem um conceito, pois estão travados em um obstáculo epistemológico criado pela
linguagem da explicação. Assuntos que podem ser “simples”, como a fotossíntese ou a cadeia
alimentar, tornam-se impossíveis de compreender.

“Quando estamos confusos com o que nos defrontamos, renegociamos seu significado de uma
maneira que esteja de acordo com aquilo em que aqueles à nossa volta acreditam” (BRUNER, 2002,
p. 128).

A aula foi um fracasso? Alguns conceitos devem ser levados em consideração:

É preciso que o mestre-animador não se limite ao conhecimento da sua ciência (...); a experiência é
com frequência prejudicada pelo fato de que, embora seja ‘moderno’ o conteúdo ensinado, a
maneira de o apresentar permanece às vezes arcaica, enquanto fundamentada na simples
transmissão de conhecimentos (...) (PIAGET, 1975, p. 18-19).

Na mesma linha, Bruner (2002, p. 133) elucida que:

Se o professor deseja encerrar o processo de encantamento com declarações triviais sobre fatos
estanques, ele pode fazê-lo. O professor também pode abrir amplamente um tópico de locução à
especulação e à negociação. Quando os materiais didáticos são escolhidos por se prestarem à
transformação imaginativa e (...) apresentados de uma forma que convide à negociação e à
especulação [,] o aluno torna-se uma parte do processo de negociação através do qual os fatos são
criados e interpretados.

Não é interessante a escolha dos termos “encantamento” e “convite”? Não são, em regra,
associados à situação escolar, sobretudo quando os alunos crescem e estão “rebeldes”, mas é disso
que mais precisam.

3.4 EMOÇÕES NA SALA DE AULA

Estamos apegados a ideias e convicções não necessariamente pelo brilhantismo lógico e


racionalidade que apresentam, mas possivelmente por gostarmos delas. Elas se encaixam em
nossos modelos mentais, os quais são aprendidos desde a infância. Ou seja, o professor não está
apenas ensinando ideias; está combatendo ideias, outras, as que já estão com seus alunos.

De fato, aceitaremos argumentos vindos de outras ideias e convicções, principalmente se


apreciarmos quem está afirmando, ou a instituição que representa. Da mesma maneira, rejeitaremos
uma ideia quanto menos simpatizarmos com o seu portador. “A forma como um indivíduo fala acaba
sendo a forma como este mesmo indivíduo representa aquilo sobre o que ele está falando”
(BRUNER, 2002, p. 137).

Se considerarmos que, para que algo possua ou desenvolva significado, é necessário que exista
concordância ou, no mínimo, base operacional para a busca de concordância (BRUNER, 2002)
sobre conceito ou ideia. É preciso diálogo, portanto, as partes envolvidas precisam estar dispostas
a escutar. Nesse sentido, o professor também deve estar disposto a escutar o ponto de vista do
aluno.

Seguindo essa linha, em pesquisa realizada pelo Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro,
Corenza (2007) indica que os jovens entre 16 e 20 anos pouco observam a escola como espaço de
aprendizagem no sentido de sistematização e organização do conhecimento, mas um “espaço de
socialização” (70% dos entrevistados). Aqueles que se recordam de mencionar a existência dos
professores na escola (5%), apontam suas aulas favoritas como as que permitem a expressão do
que pensam, com participação no desenvolvimento.

Não deixe de assistir Entre os muros da escola. O filme busca retratar a realidade de uma sala de
aula no subúrbio na França. Trata-se de uma versão vívida do cotidiano escolar, não muito diferente
do que ocorre no Brasil.

FONTE: <bit.ly/2CAOUiu>. Acesso em: 18 jul. 2020.

Fazer isso parece compreensível em se tratando de disciplinas de Ciências Sociais. Contudo, na


fase escolar, como podemos, durante as aulas de Ciências ou de Biologia, aceitar o argumento
criacionista de um aluno, quando o necessário é apresentarmos um argumento evolucionista? Antes
de mais nada, não podemos confundir conceitos; e escutar não é aceitar.

Todo argumento sem erro lógico é racional para aquele que aceita as premissas fundamentais em
que ele se baseia. A razão se funda em premissas aceitas, e a aceitação apriorística pertence ao
domínio da emoção e não ao domínio da razão (MATURANA, 2002).

Por seu lado, o aluno pode se sentir confortável com a ideia de ser um ser superior, o qual criou
tudo, pois tudo é mais evidente assim; é um sistema de raciocínio mais “limpo” do que pensar na
existência de múltiplas possibilidades. “Os discursos racionais, por mais impecáveis e perfeitos que
sejam, são completamente ineficazes para convencer o outro, se o que fala e o que escuta o fazem
a partir de diferentes emoções” (MATURANA, 2002, p. 92).

Em consequência disso, falamos em “sedução intelectual”: a sedução, no plano mental, envolve


charme, carisma, tidos como racionais. Devemos encantar os alunos com o raciocínio científico,
mostrando primeiramente os benefícios, e, em seguida, persuadi-los com a lógica.
4 NADA SAI DA CARTOLA

Planejar é programar um roteiro em que são esboçadas metas, prioridades, intenções. No caso do
planejamento voltado à educação, entretanto, uma simples definição se torna algo dificultoso. De
início, desvela-se ao menos em três modalidades (LIBÂNEO, 1994): o plano da escola, o de ensino
e o de aulas.

Mais do que um roteiro programado, planejamento é o momento de reflexão das ações do professor
e de seus posicionamentos ideológicos, tendo em vista que a seleção de conteúdos, e o modo pelo
qual serão abordados dependerá de como o professor observa a escola, os alunos e o
conhecimento por construir. Por essa razão, é o passo inicial do trabalho dentro da sala, e a
definição do que se pretende alcançar ao final do encontro.

“A profissão de professor na etapa de preparação das aulas gera muitas incertezas, pois é só no
momento de sua aplicação que ele terá ideia de sua adequação, não é possível testar uma ideia
antes. Assim grande parte de seu serviço é invisível” (SEARA; PETROLLI, 2006, p. 81).

Três dimensões básicas devem ser consideradas na elaboração de um


planejamento: realidade (quem são os alunos, seus pais, e a escola); finalidade (o destino definido
pelo docente); e plano de ação (métodos, abordagens, e atividades pretendidas).

O planejamento precisa ser flexível, pois cada turma é diferente da outra, cada nível possui
particularidades. Embora ainda tenhamos escolas com compreensão de que o planejamento é um
meio burocrático, como mero preenchimento de fichas com prazos de entrega (AMORIM, 2009), e
como instrumento de controle da “eficiência” do professor (MONTEIRO, 2009), não é possível
totalmente cumpri-lo: sempre existirá modificação, o que é benéfico.

Erro comum, de acordo com Nunes (2010), é utilizar o momento do planejamento somente para
organizar uma sequência de conteúdos para um período. Em verdade, devemos alinhar tudo o que
será realizado, combinando sequências didáticas, atividades permanentes e projetos didáticos. Para
elaborar isso de modo correto, será necessário dialogar com os alunos, professores de Ciências do
Ensino Fundamental, com os seus colegas da equipe, pesquisar documentos oficiais da escola e
contribuir com o desenvolvimento mental e cívico.

4.1 PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO


O projeto político-pedagógico (PPP), ou projeto pedagógico, é um documento obrigatório desde
1996. Ele deve explicitar o que pretende realizar a unidade educativa escolar. Envolve questões
ideológicas, sociais, e até aspectos práticos, como horários, uso de uniforme, direitos e deveres dos
alunos, pais, professores.

Este documento é amplamente variável, ou seja, segue as definições de cada educandário. Logo, é
relevante lê-lo antes mesmo de entrar na sala de aula. Nem toda equipe pedagógica, todavia,
apresentará o PPP sem que o profissional o solicite. Podemos encontrar informações
desatualizadas, incompletas.

Há escolas, no entanto, apresentam o documento de forma on-line, isto é, em sites. Pode ser
acessado por alunos, pais e integrantes da comunidade escolar. Assim, o processo se torna
transparente, e todo o grupo poderá conhecê-lo.

4.2 PLANO DA ESCOLA

É um material que expressa orientações que sintetizarão as relações da escola com o sistema
escolar mais amplo (com a prefeitura e suas secretarias, por exemplo), e as relações do projeto
político-pedagógico da escola com os planos de ensino. No plano da escola ficam evidenciadas:

 A concepção pedagógica do corpo docente.


 As bases teóricas e metodológicas da organização didática.
 A contextualização da escola e seus aspectos históricos, sociais, econômicos, políticos e
culturais.
 A caracterização dos alunos, pais e demais membros da sociedade que frequentam a escola
e seu entorno.
 Os objetivos educacionais gerais.
 A estrutura curricular, as diretrizes metodológicas gerais, o sistema de avaliação e a estrutura
organizacional e administrativa.

Em regra, esse planejamento é realizado pela equipe pedagógica do educandário, composta por
diretores, supervisores e docentes.

4.3 PLANO DE ENSINO

O plano de ensino é a previsão dos objetivos e atividades que o profissional da educação pretende
realizar ao longo de um ano ou semestre. Será necessário, portanto, ser detalhado, dividido em
unidades sequenciais, pontuando objetivos específicos, conteúdos e metodologias. Podemos
apresentar como seus componentes: a justificativa da disciplina em relação aos objetivos da escola;
os objetivos gerais e específicos; o conteúdo, com divisão temática de cada unidade; o tempo
provável de cada unidade; o desenvolvimento metodológico, ou as atividades do professor e dos
alunos.

Para exemplificar, vejamos um modelo plano de ensino:

QUADRO 3 – MODELO DE PLANO DE ENSINO

PLANO DE ENSINO (ano ou semestre)


Disciplina:

Ano:

Nº de aulas previstas | no ano: no semestre:

Professor:

Justificativa da disciplina (uma ou mais páginas)

Objetivos gerais:

Desenvolvimento
Objetivos Nº de aulas
Conteúdos
específicos previstas
metodológico
Unidade I

1.

2.

3.

4.

Unidade II

1.

2.

3.

Bibliografia (do professor):

Bibliografia indicada aos alunos:

FONTE: Adaptado de Libâneo (1994)


4.4 PLANO DE AULA

Dentro do plano de ensino estão os planos de aula. A função básica deste plano é esboçar uma
previsão do que será tratado na prática, devendo por isso ter um olhar específico, em que revela os
métodos de abordagem escolhidos para tratar do assunto, atividades em classe, e o conteúdo.

O que devemos ponderar no planejamento da aula é que o tempo é variável; dificilmente


conseguiremos completar, em um só encontro, o desenvolvimento de uma unidade. O processo
ensino-aprendizagem, conforme ressalta Libâneo (1994), é composto por uma sequência de fases –
necessariamente articuladas, sendo uma continuidade de outra – que levam utilizam um roteiro:

 Preparação e apresentação dos objetivos, os quais precisam ter relação com os objetivos
gerais da disciplina, apresentados no plano de ensino, conteúdos e tarefas.
 Desenvolvimento do conteúdo.
 Consolidação do conteúdo, ou seja, fixação, exercícios, recapitulação, sistematização.
 Aplicação e avaliação.

Em outros dizeres, não basta prepararmos uma só aula, mas um conjunto, uma sequência didática.
E como selecionar os conteúdos? De acordo com Bossolan (2009), há critérios que devem ser
analisados: vínculos com o cotidiano do aluno; relevância social e científica; e adequação ao
desenvolvimento intelectual do estudante

Em outras palavras, visando a formar um cidadão cientificamente cônscio e responsável, os


conteúdos escolhidos para trabalhar em sala devem possuir relação com a realidade do aluno, ter
importância para a vida, e respeitar o ano de escolaridade, as habilidades de leitura do aluno,
interpretar e abstrair modelos, além de tantos outras fatores.

Projetos didáticos permitem mais flexibilidade no aspecto tempo, pois, dependendo do objetivo,
podem ocupar alguns dias ou vários meses; os projetos didáticos se orientam para a elaboração de
um produto tangível, como um mural ou uma apresentação teatral.

Sequências didáticas possuem como meta ensinar conteúdo específico, de forma encadeada e
sistemática.

Atividades permanentes podem ser desenvolvidas em todas as aulas, semanal, quinzenal ou


mensalmente, em razão de seu caráter de rotina e interesse em desenvolver, nos alunos,
familiaridade com temas ou conceitos. Um exemplo de atividade permanente é a leitura e debate de
notícias de jornais e revistas sobre uma atualidade científica.

4.5 PLANEJANDO A AVALIAÇÃO

A compreensão da ideia de atribuição de valor, dentro do processo ensino-aprendizagem, é


interpretada como uma “medição” dos conhecimentos adquiridos pelos alunos, e não em um sentido
desconectado desse aspecto “numérico”.

Considera-se um indicador, dentro de um contexto escolar, da aprendizagem dos conceitos


abordados em sala de aula (CUNHA et al., 2017); descreve quais conhecimentos, atitudes ou
aptidões foram adquiridas pelos alunos, quais objetivos de ensino foram atingidos em um ponto do
percurso da aprendizagem, e quais as dificuldades que os alunos estão enfrentando. Portanto, é
geradora da informação necessária ao professor, para que procure meios e estratégias de resolução
das dificuldades.

Sendo estratégia de ensino, a avaliação não pode ser compreendida como uma forma de
classificação entre os alunos, tampouco como uma maneira de para manter a ordem na classe.
Possui relação estreita com a abordagem curricular, e deve estar de acordo com os objetivos
educacionais almejados (CUNHA et al., 2017).

Atualmente, depois de definida pela Lei federal 9.394, de 1996, como contínua e cumulativa em
relação ao desempenho do estudante, a avaliação pode (e deve) ser vista como uma ferramenta de
compreensão dos conteúdos, bem como conjunto de caminhos para medir a qualidade do
aprendizado dos estudantes, e o desempenho do próprio professor. Uma avaliação produtiva não
veta os erros dos estudantes, mas os valoriza, a fim de retomar a compreensão equivocada e
retificá-la e ampliá-la.

A seguir, apresentamos uma comparação entre duas das mais comuns visões de avaliação.
QUADRO 4 – VISÕES DE AVALIAÇÃO

MODELO TRADICIONAL MODELO CONTINUADO


Foco na promoção: o alvo dos alunos é a Foco na aprendizagem: o alvo do aluno deve
promoção. Nas primeiras aulas, são discutidos ser a aprendizagem e o que de proveitoso e
as regras e os modos pelos quais as notas serão prazeroso dela obtém.
obtidas.
Implicação: a avaliação deve ser um auxílio
Implicação: as notas serão observadas e para se saber quais objetivos foram atingidos,
registradas, não importando como foram quais faltam e as interferências do professor
obtidas, ou por qual processo o aluno passou. que podem auxiliar o aluno.
Foco nas provas: são utilizadas como objeto Foco nas competências: o desenvolvimento
de pressão psicológica, sob o pretexto de serem das competências previstas no projeto
um “elemento motivador da aprendizagem”. educacional deve ser a meta comum dos
professores.
Implicação: as provas são utilizadas como
fator negativo de motivação. Os alunos estudam Implicação: a avaliação deixa de ser um objeto
pela ameaça da prova. Estimula o de certificação da consecução de objetivos, mas
desenvolvimento da submissão e de hábitos de se torna necessária como instrumento de
comportamento físico tenso (estresse). diagnóstico e acompanhamento do processo de
aprendizagem.
Estabelecimentos de ensino centrados nos Estabelecimentos de ensino centrados na
resultados das provas e qualidade: preocupados com o presente e o
exames: preocupam-se com as notas que futuro do aluno, sobretudo com relação a sua
demonstram o quadro global dos alunos, para inclusão social (percepção do mundo,
a promoção ou reprovação. criatividade, empregabilidade, interação,
posicionamento, criticidade).
Implicação: o processo educativo permanece
oculto. A leitura das médias tende a ser ingênua Implicação: o foco da escola passa a ser o
(não são analisados os reais motivos para resultado de seu ensino para o aluno, e não a
discrepâncias em disciplinas). média do aluno na escola.
Sistema social se contenta com as notas: Sistema social preocupado com o futuro: o
resultados dentro da normalidade são bem caminho para revertermos o quadro de uma
vistos, não importando a qualidade e os educação "domesticadora" para
parâmetros para sua obtenção (exceto em casos "humanizadora".
de avaliações como o Exame Nacional do Ensino
Médio, os quais avaliam e "certificam" Implicação: valorização da educação de
diferentes grupos de práticas educacionais e resultados efetivos para o indivíduo.
estabelecimentos de ensino).

Implicação: não há garantia sobre a


qualidade, pois somente os resultados
interessam, e são relativos. Sistemas
educacionais que rompem com esse tipo de
procedimento se tornam incompatíveis com os
demais, são marginalizados e, por isso,
pressionados a agir da forma tradicional.
FONTE: Adaptado de Kraemer (2005)

Para que a nova avaliação funcione, o professor necessita de uma reformulação conceitual, pois
mudar a forma como se avalia implica alterar também a forma pela qual se ensina e,
especialmente, como se planeja o processo de ensino.

O apoio do aluno, evidentemente, é necessário. Para isso acontecer, recomenda-se uma


negociação com a classe, expondo os objetivos da avaliação e discutindo os critérios, com
ênfase na necessidade de participação.

A avaliação pode ser baseada nos métodos antigos – com provas, trabalhos, seminários –
porém, sob nova perspectiva. O objetivo é verificar a compreensão dos estudantes. Nesse
sentido, a avaliação é também um espelho do modo como o professor aborda sua temática.

Os resultados das provas periódicas, geralmente de caráter classificatório, não devem ser
supervalorizados. A prova é somente uma formalidade do sistema escolar, ainda requisitada
nos moldes educativos formais, apesar da crescente inserção da avaliação contínua. Como, em
geral, a avaliação formal é datada e obrigatória, devemos ter inúmeros cuidados em sua
elaboração e aplicação. De acordo com Kraemer (2005) e Cunha et al. (2017), existem três
funções no processo avaliativo:

Função diagnóstica

Proporciona informações acerca das capacidades do aluno antes de iniciar o processo ensino-
aprendizagem. Busca a determinação da presença ou ausência de habilidades e pré-requisitos,
bem como a identificação das causas de repetidas dificuldades na aprendizagem.

Função formativa

Permite constatar se os alunos estão, de fato, atingindo os objetivos pretendidos, informando o


professor e o aluno sobre o rendimento da aprendizagem no decorrer das atividades escolares,
além da localização das deficiências na organização do ensino, a fim de possibilitar correção e
recuperação. Não possui finalidade classificatória.

Função somativa

Tem como objetivo determinar o grau de domínio do aluno em uma área de aprendizagem.
Também possui o propósito de classificar os alunos ao final de um período de aprendizagem,
de acordo com os níveis de aproveitamento.
Fora isso, podem ter funções pontuais, quando objetivam a checagem dos resultados de um
parâmetro, ou contínuas, quando visam à verificação da aprendizagem (CUNHA et al., 2017),
como critério usado para classificação e a regularidade com que ocorrem.

Do viés de uma escala de medida, ademais, a avaliação pode ser normativa ou por
critérios (CUNHA et al., 2017). Esta quando se atém aos indicadores de mérito a se alcançar
pelo grupo, podendo ser negociada ao longo da atividade em avaliação; aquela, quando o foco
é medir o desempenho de cada membro da classe, gerando uma medida de desempenho
médio.

Na sequência, vejamos grandes grupos de formas avaliativas.

QUADRO 5 – FORMAS AVALIATIVAS

TIPO PROVA OBJETIVA PROVADISSERTATIVA RELATÓRIOINDIVIDUAL


Série de perguntas Série de perguntas que
Texto produzido pelo
diretas, para exijam capacidade de
aluno depois de
Definição respostas curtas, estabelecer relações,
atividades práticas ou
com uma solução resumir, analisar e
projetos temáticos.
objetiva. julgar.
Avaliar quanto o
aluno apreendeu Verificar a capacidade
Averiguar se o aluno
sobre dados de analisar o problema
Função adquiriu os
singulares e central, formular ideias
conhecimentos previstos.
específicos do e redigi-las.
conteúdo.
É familiar às O aluno possui
crianças, simples de liberdade para expor os É possível avaliar o real
preparar e de pensamentos, nível de apreensão de
Vantagens responder e pode mostrando habilidades conteúdos após
abranger grande de organização, atividades coletivas ou
parte do exposto em interpretação e individuais.
sala de aula. expressão.
Pode ser respondida
ao acaso ou de Não mede o domínio do Não importa se você é
memória e sua conhecimento, cobre professor de Ciências.
Atenção análise não permite uma amostra pequena Corrigir os relatórios
constatar quanto o do conteúdo e não (gramática e ortografia) é
aluno adquiriu de permite amostragem. essencial.
conhecimento.
Selecione os
Uma vez definidos os
conteúdos para
conteúdos, promova
elaborar as Elabore poucas
atividades que permitam
questões e faça as questões e dê tempo
à turma tomar notas ao
chaves de correção. suficiente para que os
Planejamento longo do processo, para
Elabore as alunos possam pensar
que tenham em mãos,
instruções sobre a e sistematizar seus
depois, os dados
maneira adequada pensamentos.
necessários à elaboração
de responder
do relatório.
perguntas.
Análise Defina o valor de Defina o valor de cada Estabeleça pesos para
cada questão, e pergunta e atribua cada item a avaliar
multiplique-o pelo pesos à clareza das (conhecimento dos
número de ideias, ao poder de conteúdos, estrutura do
argumentação e à
respostas corretas. conclusão e texto, apresentação).
apresentação da prova.
Veja como cada
aluno está em
Se o desempenho não
relação à média da Cada relatório é um
for satisfatório, crie
classe. Analise os excelente indicador do
experiências e novos
Como utilizar as itens que muitos ponto em que os alunos
enfoques que permitam
informações erraram, para ver se estão na compreensão
ao aluno chegar à
a questão foi mal dos conteúdos
formação dos conceitos
formulada ou se é trabalhados.
mais importantes.
preciso retomar o
conteúdo.
FONTE: Adaptado de Sant’Ana e Ramos (2009)

QUADRO 6 – FORMAS AVALIATIVAS

TRABALHOEM
TIPO SEMINÁRIO DEBATE
GRUPO
Atividades de natureza Exposição oral para
Momento em que os
diversa (escrita, oral, um público, utilizando
alunos expõem seus
Definição gráfica, corporal) a fala e materiais de
pontos de vista sobre
realizadas apoio próprios ao
um assunto polêmico.
coletivamente. tema.
Possibilitar a
Aprender a defender
Desenvolver a troca, o transmissão verbal
uma opinião,
Função espírito colaborativo e das informações
fundamentando-a em
a socialização. pesquisadas de forma
argumentos.
eficaz.
Contribui para a
A interação é um Desenvolve a
aprendizagem do
importante facilitador habilidade de
ouvinte e do expositor,
da aprendizagem e a argumentação e
exige pesquisa e
Vantagens heterogeneidade da oralidade, e faz com
organização das
classe pode ser usada que o aluno aprenda a
informações e
como um elemento a escutar com um
desenvolve a
favor do ensino. propósito.
oralidade.
O procedimento não o Como mediador, dê
Conheça as
desobriga de buscar chance de
características
informações para participação a todos e
pessoais de cada
orientar as equipes, não tente apontar
Atenção aluno, para saber
tampouco deve vencedores, pois o
como apoiá-lo em
substituir os principal é priorizar o
suas principais
momentos individuais fluxo de informações
dificuldades.
de aprendizagem. entre as pessoas.
Proponha atividades Defina o tema, oriente
Ajude na delimitação
ligadas ao conteúdo, a pesquisa e combine
do tema, forneça
forneça fontes de as regras. Mostre
bibliografia, esclareça
Planejamento pesquisa, ensine os exemplos de bons
os procedimentos de
procedimentos e debates. Peça
apresentação e ensaie
indique materiais para relatórios sobre os
com todos os alunos.
alcançar os objetivos. pontos discutidos.
Análise Observe se todos Atribua pesos à Estabeleça pesos para
abertura, ao
participaram e desenvolvimento do a pertinência da
colaboraram, e atribua tema, aos materiais intervenção, a
valores às diversas utilizados e à adequação do uso da
etapas do processo e conclusão. Estimule a palavra e a obediência
ao produto. turma a fazer às regras combinadas.
perguntas e opinar.
Observe como o grupo Caso a apresentação
se desenvolve, para não tenha sido Crie outros debates
poder organizar satisfatória, planeje em grupos menores,
Como utilizar as agrupamentos mais atividades que faça a análise de um
informações produtivos da possam auxiliar no filme e aponte as
perspectiva da desenvolvimento dos deficiências e os
aprendizagem dos objetivos não momentos positivos.
conteúdos. atingidos.
FONTE: Adaptado de Sant’Ana e Ramos (2009)

QUADRO 7 – FORMAS AVALIATIVAS

TIPO AUTOAVALIAÇÃO OBSERVAÇÃO CONSELHODE CLASSE

Análise oral ou por escrito Análise do desempenho


Reunião liderada pela
que o aluno faz do próprio do aluno em fatos do
Definição equipe pedagógica de
processo de cotidiano escolar ou em
uma turma.
aprendizagem. situações planejadas.
Trocar informações
Fazer o aluno adquirir Obter informações sobre a classe e sobre
Função capacidade de analisar o sobre as áreas afetiva, cada aluno, para
que aprendeu. cognitiva e psicomotora. embasar a tomada de
decisões.
Favorece a integração
Estimula o aluno a ter uma entre professores, a
Perceber como o aluno
visão clara de seu análise do currículo e a
construirá o
desempenho e a se eficácia das propostas,
Vantagens conhecimento,
empenhar no além de facilitar a
seguindo todos os
desenvolvimento compreensão dos fatos
passos do processo.
conceitual. pela troca de pontos de
vista.
Faça anotações na
Faça observações
hora, evite
O aluno só se abrirá se objetivas e não rotule o
generalizações e
sentir que há um clima de aluno. Cuidado para a
julgamentos subjetivos,
Atenção confiança, e que esse reunião não virar só uma
e considere somente os
instrumento será usado confirmação de
dados fundamentais no
para ajudá-lo a aprender. aprovação ou
processo de
reprovação.
aprendizagem.
Elabore uma ficha com
Conhecendo a pauta de
Forneça um roteiro de atitudes, habilidades e
discussão, liste os itens
autoavaliação com as competências que
que pretende comentar.
Planejament áreas sobre as quais quer serão observadas. Isso
Todos devem ter direito à
o que ele trabalhe. Liste auxiliará na percepção
palavra, para enriquecer
conteúdos, habilidades e global da turma e na
o diagnóstico dos
comportamentos. interpretação dos
problemas.
dados.

Compare as anotações
Use o documento ou O resultado deve levar a
do início do ano com as
depoimento como uma das um consenso em relação
recentes, para perceber
Análise principais fontes para o às intervenções
no que o aluno avançou
planejamento dos próximos necessárias no processo
e no que precisa de
conteúdos. ensino-aprendizagem.
acompanhamento.
O instrumento serve Use as reuniões como
Ao tomar conhecimento como uma lupa sobre o ferramenta de
das necessidades do processo de autoanálise. A equipe
Como utilizar
aluno, sugira atividades desenvolvimento do deve prever mudanças
as
individuais ou em grupo, aluno, e permite a na prática diária, no
informações
para ajudá-lo a superar as elaboração de currículo e na dinâmica
dificuldades. intervenções para cada escolar, sempre que
caso. necessário.
FONTE: Adaptado de Sant’Ana e Ramos (2009)

Nesse sentido, a avaliação deve interessar a quatro públicos:

 Aos alunos, que possuem o direito de conhecer seu desempenho, e decidir a se empenhar
mais.
 Aos pais, corresponsáveis pelo desenvolvimento dos filhos, e um dos maiores estímulos ao
estudo, na ausência do professor.
 Ao professor, como maneira de analisar a própria prática.
 À equipe da escola, a qual deve garantir a continuidade e coerência do percurso escolar de
todos os estudantes; no caso das redes públicas, precisa ter material para apresentar a um
nível burocrático maior.

Existe ainda outra forma de estimular o aluno no desenvolvimento conceitual: a autoavaliação, o


que significa fazê-lo acompanhar seu próprio ritmo, comparar sua visão com a do professor, e
estimular outro olhar sobre si e seu comportamento – algo positivo para um indivíduo em
desenvolvimento. Assim como a avaliação no geral, a autoavaliação pode atingir conteúdos, atitudes
e procedimentos, tornando-se um instrumento de ampla aplicação. Para que a ela seja produtiva,
assim, são necessários critérios (BIBIANO, 2010): exposição dos conteúdos, definição dos
critérios, reflexão do aluno e do professor, e um plano de ação.

5 A AVALIAÇÃO NACIONAL
Ainda que possua certa autonomia, a escola possui regras que devem ser seguidas, cada qual em
seu nível de atuação e influência. Há aspectos que orientam o cotidiano burocrático da unidade
educativa, e que não são decididos por ela, determinando seu funcionamento, direta e
indiretamente.

A avaliação é um dos aspectos. Para tanto, no Brasil, temos avaliações educacionais em larga
escala, testes aplicados pelo Ministério da Educação (MEC), tendo como objetivo verificar a
qualidade da educação nacional. As grandes avaliações influenciam no modo pelo qual a escola é
considerada, o que implica em insumos que receberá (sobretudo em se tratando de rede pública).
Sendo assim, tal como ocorre em cursos preparatórios para vagas de empregos ou em
universidades, a escola que pretende ter uma boa pontuação no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB) orienta seus alunos para o melhor resultado na Prova Brasil, e outros
testes. A nota do acadêmico, no viés dessa sistemática, reflete o desempenho do professor.

A Ensino Médio aplica-se o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o qual utiliza como
instrumento avaliativo testes de desempenho escolar. Este exame avalia o desempenho dos
concluintes do 3° ano do Ensino Médio, e seus resultados podem contribuir para seu acesso à
educação superior. Já no caso da Educação para Jovens e Adultos (EJA), há o Exame Nacional e
Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), aplicado aos que estão fora da
idade escolar.

O denominado desempenho escolar se resume a uma atribuição de valor ao rendimento cognitivo


dos alunos. Sabe-se que esta relação entre valor e cognição não é o caminho mais adequado para o
desenvolvimento da aprendizagem, todavia, o desempenho escolar não consegue dar conta da
multiplicidade do processo educativo (CUNHA et al., 2017), pois não expressa integralmente o
desenvolvimento cognitivo do estudante, e não há como fazê-lo com o trabalho do professor.

Desde a década de 1990, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) coordena o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). Este sistema foi reconhecido,
em 1994, pelo MEC como a ferramenta apropriada para avaliar turma de 5º e 9º anos do Ensino
Fundamental (etapas que encerram, respectivamente, o primeiro e o segundo ciclo dessa fase), e o
3° ano do Ensino Médio. Em 2001, recebeu atualizações em razão dos PCN, e provavelmente
receberá novas alterações, devido à implantação das DCN, de 2013, e da BNCC, política de Estado
construída entre 2015 e 2017.

O SAEB é composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e pela Avaliação
Nacional de Rendimento Escolar (ANRESC) também conhecida por Prova Brasil. A primeira possui
caráter amostral, sendo aplicada em escolas escolhidas aleatoriamente; a segunda, aplicada em
todas as unidades educativas.
No universo do ensino de Ciências, as avaliações federais abordam a temática ainda de forma
insipiente; concentram-se na Matemática e na Língua Portuguesa. Para medir o desempenho
escolar na área do conhecimento de nosso interesse, os instrumentos de avaliação mais utilizados
são o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), iniciativa da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico, e o Relevance of Science Education (ROSE). Contudo,
não são aplicados, como os demais, em larga escala.

Ainda no plano internacional, há o Estudo Regional Comparativo e Explicativo (ERCE), promovido


pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação, da Oficina Regional da
Unesco para a América Latina e o Caribe. No Brasil, o INEP é o responsável pela aplicação, da qual
participa desde a primeira edição, em 1997. Anteriormente, e dependendo da edição, a avaliação
possuía denominações diversas.

Os estudos são realizados de maneira escalonada, de modo a produzir dados cronologicamente


comparáveis. O ERCE é composto por provas de Linguagem, Matemática e Ciências da Natureza
(esta exclusiva para o 6º ano).

Enquanto o SAEB e derivados são projetados para “medir diretamente o domínio dos conteúdos e
não a sua aplicação”, o PISA e o ENEM “usam itens construídos para medir a aplicação do
conhecimento em situações da vida prática” (SOARES; NASCIMENTO, 2012 apud CUNHA et al.,
2017).

As notas da Prova Brasil, as da ANEB, e os dados do Censo Escolar são usados no cálculo do
IDEB, atualmente o maior expoente de qualidade educacional do país – seus resultados são
norteadores, por exemplo, das políticas públicas de melhoria na educação.

Por fim, qual será a consequência disso, em termos práticos? O desempenho escolar é creditado
como de responsabilidade “privativa” da escola (do professor), desconsiderando-se a influência de
fatores além de suas competências: diferenças socioeconômicas, taxa de permanência nos estudos,
grau de motivação para aprender, desenvolvimento cognitivo e neurológico do estudante, vínculos
familiares com a dinâmica da escola, distância entre a casa e a escola, entre muitos outros. O
desempenho escolar não é um elemento isolado, mas tratado isoladamente na análise dos
resultados das amostragens do IDEB.

ATIVIDADES DE ESTUDOS

1 Qual formato de prova podemos considerar como preferencial?

A) Uma avaliação com questões objetivas, pois a correção é justa e rápida.


B) Apenas com questões dissertativas, pois será possível avaliar também a produção de texto.

C) Maior parte de questões dissertativas, visando a analisar o percurso de pensamento dos


alunos.

D) O formato dependerá do conteúdo e do que se pretende avaliar.

Responder

2 Assinale a alternativa que represente uma prova cujo nível de dificuldade e desafio esteja mais
adequado:

A) Quando os alunos não conseguem responder as questões e entregam boa parte em branco.

B) Todos os alunos demoram para responder as questões e erram em maior parte.

C) Todos os alunos fazem a prova no tempo estimado e acertam boa parte das questões.

D) Poucos alunos entregam a prova rapidamente, outros acertam um número médio de


questões.

Responder

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Diversas atividades são movidas por planejamento, sistemático ou não. Quando vamos ao
supermercado, por exemplo, podemos ter uma lista de compras. Para montá-la, precisamos verificar
os armários, nossa situação financeira e programar o uso dos itens. Esta alegoria serve para
demonstrar como ocorre o processo ensino-aprendizagem. Não é possível entrar em sala de aula e
“encarar” os alunos; é preciso preparo, ou seja, um planejamento básico, uma “lista” de assuntos.
Para poder elaborar elencar os conteúdos, precisamos ter noção de qual será o público, as
condições físicas do espaço, e, sobretudo, o que pretendemos fazer ao longo do contato.

A importância do planejamento vai além da formalidade a ser apresentada para a equipe escolar.
Planejar é importante para o profissional, a fim de que consiga elaborar um trabalho efetivo, ainda
que imprevistos ocorram durante o caminho.

Falar em planejamento implica falar em avaliação construtora, formadora, que estende o prazer de
aprender na hora de estudar, que transforma o momento da “nota” em um momento em que aluno e
o professor percebam o que foi entendido, e localizem as dificuldades – as quais serão vencidas, e
não castigadas.

Por isso, neste capítulo apresentamos as diferentes formas e modalidades de planejamento e


avaliação, sob nova roupagem. São itens tão importantes quanto os conteúdos e as metodologias.
De nada adianta, contudo, ter um bom planejamento se suas condições físicas, mentais e
emocionais estiverem despedaçadas; daí a relevância de falarmos em saúde, e de como mantê-la
ativa.

Tampouco vale discutir formas inovadoras de tratar o assunto se sua ideia de como o educador deve
se portar ou pensar estiver sustentada em alicerces ultrapassados. A necessária articulação entre o
que ensinar, como ensinar, por qual motivo ensinar e a quem ensinar depende de quem ensina.
Portanto, para que uma nova escola realize seu planejamento, um novo professor precisa ser
formado.

Você também pode gostar