Você está na página 1de 18

Para habitar o corpo-encruzilhada

Tese apresentada ao Programa de Pos-Graduaço e m


Artes Cenicas da Unirio como requisito parcial a obtenço
do titulo de Doutora em Artes Cenicas.

Linha de Pesquisa: Performances: Corpos, Imagens,


Linguagens e Culturas

Rio de Janeiro 2019


Tratar das relacoes entre corpo(s), performances, pedagogias e praxis feministas e o proposito deste trabalho, que tem
como bussola etica a atenço as interseccoes entre genero, raca, classe e demais mar- cadores sociais assim como aos
efeitos da colonialidade. A analise de como estes marcadores operam nos processos de subjetivaço e de criaço artistica
possibilitou o adensamento de discussoes teoricas e de proposicoes artisticas relativas ao campo da arte da performance
na America Latina. Tomando como re- ferencia estudos feministas interseccionais, estudos feministas descoloniais e
pedagogias criticas os acon- tecimentos desta tese se deparam e se desdobram em encruzilhadas. Nas fronteiras entre arte
e vida, nos encontros com distintos coletivos como o La Pocha Nostra, Teatro de Operacoes, Mujeres Creando, entre
outros, e na fricço entre temporalidades distintas. Ao convocar processos existenciais em alianca com a escrita
academica busca-se que a produço de conhecimento seja feita desde uma sistematizaço corpo- rificada de saberes
situados. A ideia de corpo-encruzilhada e manejada para propor que nossas imersoes criativas estejam implicadas numa
etica que considere que as diferencas şo vivenciadas nas relacoes entre corpos e por meio do corpo. A alianca entre
performance e processos pedagogicos afinados com metodo- logias feministas e descoloniais nos provoca a trocar de pele,
reconhecer-se na encruzilhada e a desejar habitar o corpo. No que diz respeito aos dialogos estabelecidos com as praticas
artisticas solo, a aborda- gem de questoes contemporaneas que vinculam arquivo, escrita, experiencia e performance
acompanhou o tracado de uma sismografia da arte da performance na America Latina, composta de acoes artisticas
criadas na segunda decada do seculo XXI por artistas de diferentes partes deste territorio. Şo elas: Ania Carillo, Dani
d’Emilia, Daniel B. Coleman Chavez, Marta Soares, Michelle Mattiuzzi, Miro Spinelli, Na- dia Granados, Priscila
Rezende, Regina Galindo e SaraElton Panamby.
Introduço: Abrir os trabalhos, escutar as fendas

1 – Travessias para chegar ao corpo: performance e feminismos


1.1 - Modernidade /colonialidade e produço de imagem/imaginario
1.2 - Entre visibilidade e invisibilidade: o lugar das mulheres na arte da performance
1.3 –Performance e Feminismos: desafios sutis e vias de m̧o dupla
1.4 - Questoes em torno de corpo, regimes de poder e arte no Ocidente
1.5 – Aportes do Feminismo Interseccional e do Feminismo Descolonial
1.6 – Assentando o corpo-encruzilhada
2 – Pedagogias que levam a encruzilhada – coletivos, processos de criaço e
ativaço do corpo
2.1 - Desafios da descolonizaço para as Artes da Cena
2.2 - La Pocha Nostra – pedagogia fronteirica e ternura radical
2.3 - Teatro de operacoes: B-T-G-P-T-1-4-0-5-9-CAMBIO
2.4 – Mujeres Creando – espacio para abortar
2. 5 – 6 minutos
2.6 - Resistencias Feministas nas Artes da Vida
2.7 – Que desejos movem nossos processos de criaço?
3 – Uma sismografia da performance na ‘America Latina’
Rompi tratados, trai os ritos .:. America Latina es un misterio.
Sismografando
ARQUIVAÇO
Alertas sismograficos
Merci Beaucoup, Blanco! – Michelle Mattiuzzi
Vestigios – Marta Soares
Bombril – Priscila Rezende
Carro limpio, consciencia sucia – Nadia Granados
gordura trans – Miro Spinelli
Estados Unidos No Existe – Daniel B. Coleman Chavez
U TE(A)R US – Dani d’Emilia
El extraño olor que hay en mi – Ania Carillo
Manada – Regina Galindo
Rebentacoes: Movimento #3 dequitaço (reparir) – SaraElton Panamby

imantar-se do que ņo se sabe


Abrir os trabalhos, escutar as fendas
Por meio da arte da performance e de sua proposiço etica por uma imbricaço entre arte e vida talvez seja possivel
implicar-se numa experimentaço revolucionaria da existencia que esteja afinada com a atualizaço dos afetos no
presente. Ainda que essa revoluço experimental se de em dimensoes micropoliticas. Mesmo que seja so uma tentativa.
A enfase na singularidade das questoes que atravessam o proprio corpo e o entrelacamento concreto entre arte e vida e o
que permite conectarmos a arte da performance, os feminismos, as pedagogias e os processos de descolonizaço.

corpo-encruzilhada
Corpo-encruzilhada e uma ideia-forca que servira de eixo para o tracado de relacoes entre performance, feminismos,
pedagogias e processos de descolonizaço.

A proposiço de corpo-encruzilhada que trago aqui esta intimamente conectada com o pensamento do feminismo
interseccional e do feminismo descolonial, mas foi inspirada pela poeta e ativista Gloria Anzaldua, que propoe que para
sobreviver as fronteiras e preciso ser a propria encruzilhada. Anzaldua, poeta das encruzas, ela mesma cindida de tantas
maneiras por ser lesbica num mundo heteronormativo e por habitar a cruel fronteira entre Mexico e Estados Unidos.

O interesse por pensar a encruzilhada me veio inicialmente pelos meus trabalhos com teatro de rua e performance em
espaco publicos: TEATRO DE OPERACÕES
Traca uma cartografia de sua trajetoria na performance e na academia relacionando-a a
conjuntura macropolitca: nascimento anos 80, numa transiço ditadura-democracia/
disseminaço HIV/ corpos com medo, porem com desejos de mudanca. Narra o que a
levou a escolher o tema em quesţo: o proprio corpo, a propria historia, trazendo a sua
singularidade ao texto, utilizando-se da maxima feminista de que o pessoal e politico.
Travessias para chegar ao corpo: performance e feminismos

1.1 Modernidade /colonialidade e produço de imagem/imaginario


- Apresenta problematicas acerca de genealogias e narrativas hegemonicas
sobre a arte da performance.
- Traca relacoes entre modernidade/colonialidade e produço imagetica de
corpos racializados: dispositivos modernos como fotografia, os zoologicos
humanos, os freak shows e as exposicoes coloniais.
- Genealogias possiveis da arte da performance: processos de privaço de
humanidade, cidadania e liberdade, caracteristicos da colonialidade como
detonadores do desejo de implicar o proprio corpo em acoes artisticas
interessadas em questionar esses poderes.
1.2 Entre visibilidade e invisibilidade: o lugar das mulheres na arte da performance

1.3 Performance e Feminismos: vias de m̧o dupla

- Contexto historico que leva as mulheres ao mundo das artes (mulheres brancas, e da elite cultural ou classe
media)

- Aponta um paradoxal apagamento da presenca das mulheres na arte da performance, um dos primeiros “generos
artisticos” em que as mulheres haviam ganhado algum destaque

- Aborda desafios sutis no que diz respeito a pensar “arte feminista”, e classificar o que/quais seriam
“performances feministas”, atentando para o fato de que a categoria da raca esta ausente em muitos dos discursos
acerca da arte feminista.

- Introduz conexoes entre performance e feminismos: revisão teórica em relação aos dois termos. Cita trabalhos
de diversas artistas, teoricas e feministas estadunidenses e latino-americanas, sobretudo no campo da performance;

- Questiona a ideia de arte feminista como categoria inventada por criticos homens.
“Meu foco aqui ņo esta exatamente em contestar a validade da categoria arte
feminista nem seu uso, principalmente nesse momento politico especifico de
tanta perseguiço a movimentos sociais e teorias culturais que contestam a
ordem heteropatriarcal e racista vigente.
O que defendo e a importancia de percebermos certas ausencias, de nos
fazermos certas perguntas e de estarmos atentas a diversidade de argumentos
que existem a respeito da questao.”
1.4 Questoes em torno de corpo, regimes de poder e arte no Ocidente

- regimes de poder, arte e regimes de representaço – que produzem verdades, corpos e


subjetividades: revisao teórica em torno dessas questões relacionando-as à performance;

“O corpo ņo e simplesmente um dado passivo sobre o qual agem o bio e o necropoder. E tambem
a potencia mesma que torna possivel a contestaço das arestas bio-necropoliticas (LIMA, 2018)
(…) Mas, talvez, seja preciso que “o corpo” torne-se consciente destas arestas para, assumindo
sua condiço de artefato vivo, recuperar a potencia de insurgir-se contra elas. ”
1.5 Aportes do Feminismo Interseccional e do Feminismo Descolonial
- aportes oriundos desses feminismos para lancar a proposiço de corpo-encruzilhada
como uma ideia para os estudos da performance, os discursos do corpo e da imagem.
- revişo teorica e decolonialidade como essencial para entender as artes da performance
no contexto latino-americano, sobretudo.
Pedagogias que levam a encruzilhada:
coletivos, processos de criaço e ativaço do corpo
- traz propostas pedagogicas e metodologicas para criacoes que queiram operar levando em conta o que tensiona cada
corpo, tanto no que diz respeito a sua forma e a dimenşo macropolitica, quanto no que e relativo as forcas que o
atravessam e a dimenşo micropolitica.
- desafios dos processos de descolonizaço para as artes da cena e abordando a teoria de Suely Rolnik sobre inconsciente
colonial e represşo do saber do corpo em sociedades colonizadas como as da America Latina.
- contribuicoes de pedagogias auto intituladas femi- nistas e feministas descoloniais, como as feitas pelas autoras bell
hooks, Chela Sandoval, Audre Lorde, Ochy Curiel, Yuderkys Espinosa Miñoso e Maria Lugones
- processos de criaço permeados pelas sistematizacoes de pedagogias-metodologias propostas por teoricas/os/es, artistas
e ativistas latino-americanas/os/es, como: Guillermo Gomez-Peña e o Colectivo La Pocha Nostra, Teatro de Operacoes,
Mujeres Creando, as Resistencias Feministas nas Artes da Vida e o processo de criaço de 6 minutos: processos
vivenciados ou propostos por ela mesma

“O objetivo aqui e tanto socializar as metodologias que conformam suas pedagogias quanto refletir acerca de
como suas escolhas pedagógicas-metodológicas e seus processos de criacao podem ser pen- sados como
projetos artisticos em si”
Uma sismografia da arte performance na “America Latina”

“A sismografia registra os movimentos ondulatorios das placas tectonicas que conformam a crosta terrestre,
camada rigida da Terra. Ou seja, registra os abalos sismicos que muitas vezes ņo şo sentidos ou
percebidos por nos. Todos os dias, em todos os lugares, nas camadas profundas da terra, as placas tectonicas
ou blocos rochosos, e muitas outras coisas, esţo se movendo. Nos ņo as sentimos ou ņo nos percebemos
afetados/as/es diretamente. A ņo ser quando ocorrem sismos ou terremotos de magnitudes mais intensas.
Os sismos şo causados pela vagarosa, porem continua tenşo existente entre duas placas tectonicas.
Com a arte da performance se da algo parecido. Ņo maioria das vezes o processo e vagaroso e invisivel,
ņo percebemos ou ņo sentimos de imediato como (ou se) uma performance nos abala, nos afeta ou nos
transforma. Outras vezes, por estarmos talvez na beira do acumulo de tensoes existentes ha tempos,
sentimos ou percebemos muito nitidamente como, onde e porque uma performance nos abala. Como
quando o abalo sismico da terra e de magnitude ţo expressiva que altera radicalmente ņo so o interior mas
tambem o exterior, transformando e afetando a superficie, o clima e alterando radicalmente a paisagem.”
(…) convoco acoes performaticas de dez artistas cujos trabalhos me interessam, me mobilizam e cujo
manejo do proprio corpo me parece estar em sintonia com a ideia de corpo-encruzilhada.”
“- Na busca por uma escrita que me permitisse estar mais condizente com as caracteristicas que singularizam a
arte da performance, que permitisse que meu corpo se colocasse em risco, e a altura dos riscos assumidos pelas
artistas que convoco, passei a cultivar o desejo de operar uma sismografia da arte da performance. A
sismografia que proponho e uma conversa, um dialogo com aquilo que remexeu aqui dentro, ņo e um
“registro”, nem uma analise. E um sedimento dos abalos das minhas placas tectonicas gerados pelas acoes
artisticas escolhidas. Nesse sentido, as acoes e as artistas que as realizam ņo şo meus objetos de analise, şo
minhas interlocutoras, suas acoes me ajudam a pensar em nossas relacoes sociais e em nossos modos de
habitar o mundo.

- Para que a escrita operasse como uma manifestaço de forcas subterraneas, percebi que ņo podia
escrever sobre. Precisei escrever pró́imo. Como aponta a cineasta Trinh T.

- A necessidade de situar o conhecimento e a posicionalidade do sujeito de enunciaço e uma das estrategias mais
relevantes na tarefa de descolonizar o pensamento. Fazer com, em diferenca. (monica sacramento)

- Metodologicamente optei por fusionar dois tipos de escrita. Uma mais academica, em que abordo elementos
dramaturgicos de cada performance e me aproximo delas tambem dialogando com teorias descoloniais ou que
tratam da interseccionalidade entre genero, raca, classe etc. E uma mais afetiva, cujo manejo ocorreu por escrever
escrevendo cartas para os/as/es artistas. Foi pela forma epistolar que procurei desarmar-me, ficando um pouco
mais exposta. Assim, busco levar a escrita a uma frequencia mais condizente com a corajosa forma de colocar o
corpo, escolhida por tais artistas.”
“- Outra escolha metodologica para dar conta de pensar nos modos como a performance permanece
foi buscar contato com pessoas que estiveram presentes nestas mesmas performances ao vivo. Pedi a
quem se dispos a colaborar se seria possivel que me enviassem por escrito um pequeno relato de suas
impressoes, sensacoes, memorias, enfim tudo o que quisessem sobre a performance em quesţo.
Assim, ao longo dos textos trarei impressoes e memorias sobre algumas performances de outros
corpos que ņo o meu.

- A sismografia que proponho aqui ņo deixa de ser uma forma de arquivaço da arte da performance
realizada na America Latina nos ultimos dez anos. De forma que trago uma breve discusşo sobre
arquivo, afeto, memoria e praticas his- toriograficas afins com a arte da performance dialogando com
autoras/es como Jacques Derrida, Suely Rolnik, Rebecca Schneider, Amelia Jones, Eleonora Fabi̧o,
Giulia Palladini.

- Ao sismografar estas dez acoes, me deparei com questoes delicadas, polemicas, contraditorias, con-
troversas, sensiveis. Me deparei comigo mesma.”

Você também pode gostar