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TROPIC-ANA: UM RELATO DE SI NA OBRA DE ANA MENDIETA (1948-1985).

Lucas Cardoso do Espírito Santo, graduando em História pela PUC-SP com período de estudos e pesquisa na
Universidade de Santiago de Compostela- Espanha. Aluno do departamento de História da PUC-SP.
E-mail: ​lucas.cardoso021@outlook.com

RESUMO

Este resumo apresenta uma reflexão sobre alguns dos resultados obtidos a partir de uma pesquisa desenvolvida sobre a
artista Ana Mendieta. Os principais aspectos aqui explorados de suas obras são sobre gênero, religiosidade e subalternidade,
tomando os seus relatos, uma seleção de suas obras e uma revisão bibliográfica sobre a artista, como litoral e espaço
historiográfico. Para isso, vale-se do conceito de ​performance biográfica, na relação sujeito-artista, como possibilidade de
análise do indivíduo performativo. Sendo a​ rticulado a partir dos escritos sobre relato de si, as contribuições do pensamento
pós-colonial e os estudos feministas, também cumpre a função de pensar a arte na sua potencialidade política -como a
própria artista apresenta. Concluindo-se que sua obra é fundamental para pensar o feminino na arte, a diversidade de
práticas religiosas na América e o imperialismo Estadunidense.

Palavras-chave: ​Ana Mendieta; Arte Contemporânea; Gênero; Religiosidade; Subalternidade.

INTRODUÇÃO

Ana Mendieta, ou como assinava suas cartas ​Tropic-Ana​, nascida em Havana- Cuba, em 1948, foi uma artista
que integrou na sua produção ​esculturas, pinturas, videoarte, fotografias e performances, sendo mais conhecida
pelas suas obras ​earth-body​, onde integrava seu corpo à natureza. Tem sua maior produção durante os anos 70,
em que realiza grande parte de sua série de ​siluetas.​ É retirada de sua terra natal e da família aos 12 anos e
levada aos Estados Unidos- Iowa pela operação ​peter pan​, que idealizada juntamente com organizações
religiosas estadunidenses dois anos depois da revolução cubana, fez Mendieta percorrer diversas instituições e
casas de acolhimento.
Torna-se conhecida por ocasião de sua morte controversa, no ano de 1985, que ganha grande repercussão entre
os grupos feministas que vão às ruas em protesto com os dizeres “where is Ana Mendieta”. Os protestos se
deram por conta do julgamento contra seu marido, o artista minimalista Carl Andre. Acusado de ter a jogado do
seu apartamento em Nova York no 34º andar, Andre em 1988 é declarado inocente por dúvida, onde descrevia a
morte de Mendieta como um suicídio ou um acidente.
A obra de Mendieta se compreende negando o olhar frio, calculista e industrial da “arte pura” do minimalismo, e
assume um caráter organicista, corporal, político e sexual, que ela própria atribui o nome de ​earth- body
(terra-corpo). Como María Ruido observa, a artista participa do movimento de desconstrução e crítica do objeto
artístico tradicional, em favor da entrada “de materiais que subvertem a valoração tradicional, por exemplo, à
consideração do corpo e da paisagem como materiais ou ações suscetíveis de serem chamadas de arte”. É dentro
deste espectro que Mendieta realiza sua obra, na denúncia da dominação dos corpos, da reiteração da
performatividade de gênero, do indivíduo performático e colonizado. Centrando-se no questionamento sobre o
binarismo de gênero, a liturgia sincrética da ​santería​, as tradições dos povos ancestrais Latinos, na tentativa de
questionar um discurso unívoco sobre sobre a historiografia tradicional em relação a arte e a cultura ocidental ou
na expressão de Laura Pérez “​decolonialized​”.

OBJETIVOS

Através da análise das obras, escritos e relatos de Ana Mendieta como fonte, a pesquisa objetivou retomar seus
questionamentos e dimensioná-los através de suas intérpretes. Direcionando-os a uma lógica histórica, com
auxílio teórico da arte contemporânea, dos estudos feministas e a proposta pós-colonial, tomando desta maneira
perspectivas para pensar a cultura -na concepção de Mendieta- e suas formas de se materializar na vida. Assim,
suas obras surgem como indícios das lógicas de dominação, seja sobre os corpos ou sobre culturas
subalternizadas.
No âmbito da corporeidade, gênero e ato político foi tomada a discussão apresentada por diversas teóricas dos
feminismo para retomar a performatividade como ambiente produtor de identidade e compreender seus
processos dentro da cultura. Como por exemplo, suas influências no modo de produção de Mendieta, ou ainda,
sobre o estigma estrutural estipulado sobre as corporeidades. Com base nos textos e obras da artista, foi
construída uma argumentação em diálogo com mais de uma noção sobre feminismos.
A américa latina cumpre função expressa na obra de Mendieta, através de sua viagem ao México e depois a
Cuba, onde realiza uma série de performances que ela viria a chamar de ​siluetas, que representam sua criação
identitária e autobiográfica. Assim, a artista pretende confundir seu corpo e sua memória, com a terra, a história
e os ausentes, num projeto que tenta recuperar um ampliado de si mesma, uma identidade Latina, tal como ela
expressa em suas obras e seus escritos. Portanto, à pesquisa buscou explorar essa produção acerca da América
Latina dada sua dupla experiência: de Latina, mas também de exilada forçosamente nos Estados Unidos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Conforme suas obras eram redescobertas nas mãos, principalmente, de autoras feministas e/ou latinas, se
percebeu o valor de percepção que elas continham sobre a experiência da América Latina, o poder instaurado
para um processo de “deculturação” da mesma, nas palavras da própria artista, e também sobre uma determinada
colonização dos corpos. Com essa profusão de estudos sobre a artista e sua obra, uma literatura especializada se
tornou cânone por trazer as primeiras e maiores contribuições sobre Mendieta. Essas são: Nancy Spero, ​Tras el
rastro de Ana Mendieta (1992); Mary Sabbatino, Ana Mendieta, série Siluetas (1996); Jane Blocker, ​Where Is
Ana Mendieta?: Identity, Performativity, and Exile ​(1999); María Ruído, ​Ana Mendieta (2002); Olga viso, ​Ana
Mendieta: Earth-body​ (2008).
Todas essas autoras evidenciaram que os componentes, formas e interpretações que se constituem acerca da obra
de Mendieta são diversos. Um grande trabalho de pesquisa mais recente, chamado ​Radical Virtuosity, Ana
Mendieta and the black atlantic (2019), Genevieve Hyacinthe evidencia o olhar da artista sobre o feminismo
dominante naquele período que, nas palavras da artista, era basicamente “branco e de classe média”, e suas
relações com uma América Latina fundida com a África nas práticas religiosas da santería. Além disso,
Hyacinthe centraliza o discurso pós-colonial que a artista desenvolvia em seus textos e curadorias.

METODOLOGIA

A pesquisa foi elaborada em parte no Brasil, com financiamento da PUC-SP e parte na Universidade de
Santiago de Compostela, onde se tem um estudo sistematizado sobre a artista. As atividades de pesquisa se
centraram em coletar diversos trabalhos sobre a obra de Ana Mendieta, a fim de reconstruir uma trajetória
histórica de: I) sua vida, II) seus trabalhos e III) bibliografia crítica sobre a artista como objeto. No período
inicial da pesquisa, foi feita uma busca sendo possível observar que seus trabalhos sempre tentavam de alguma
forma fazer uma alusão à sua vida, e mais que isso, à trajetória de sua vida.1) Então a pesquisa se direcionou em
reconstituir sua vida e de sua família para concentrar as informações e estabelecer paralelos com as suas obras.
Esse trabalho de reconstituição se deu através da coleta de materiais com suas notas, palavras, cartas, entrevistas
e discursos. Neste sentido foram aprofundadas as relações sobre uma escrita de si e uma performatividade
biográfica que se constitui na relação da biografia da artista e à execução de suas obras.
2) Neste período também foi necessário recolher uma maior quantidade de trabalhos seus, percorrendo diversos
sites, museus e exposições online do seu trabalhos para assim poder reuni-los e organizar por: data, tipo,
intencionalidade (falar da sua terra natal, fazer alusão ao imperialismo norte americano, estabelecer laços com a
América Latina, crítica de gênero ou santería) e por último a forma forma como ela própria organizava suas
obras (silhueta séries, huellas corporais, body tracks, rupestre sculptures).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A escolha de uma metodologia que revisita a literatura especializada sobre a artista, deu margem para perceber a
multiplicidade de possibilidades que a artista apresenta para interpretação. A leitura sistematizada da literatura,
de forma cronológica, deixa claro que suas obras eram reivindicadas de acordo com as lógicas do tempo em que
elas estavam inseridas. A leitura mais atual de Hyacinthe demonstra esses interesses ligados aos movimentos
“black lives matter” e “me too”, que denuncia a possibilidade de pensar a arte contemporânea em conjunto com
uma situação contemporânea da arte. Portanto, suas obras são reivindicadas por diversos grupos, com múltiplas
óticas que acabam por enriquecer o legado da artista.
Por fim, a pesquisa corrobora para a leitura da obra da artista no sentido de uma crítica às lógicas dominantes de
gênero, leva em consideração a recente obra de Hyacinthe sobre religiosidade e aprofunda as questões ligadas ao
Imperialismo e a Cultura Latino Americana com a utilização de conceitos da história social.

CONCLUSÕES
Conclui-se que a obra de Mendieta figura um papel importante para pensar as contribuições para arte
contemporânea e para a construção de uma perspectiva interseccional do feminismo. A artista inova ao pensar a
earth-body art, ligando à natureza ao seu corpo. Suas experiências favoreceram para a percepção da realidade
Latina e a dominação Estadunidense. Por fim, sua obra serve como referencial para uma postura pós-colonial e
apreensão da pluralidade religiosa na América.

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