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Circuito ... um percurso em torno de Para Marchán Fiz, o que marca a diferença
uma periferia ... espaço contido numa na forma do conceitualismo espanhol e
circunferência ... um sistema de dupla também do argentino é que eles
co municação. I expandiram a crítica às instituições e às
práticas al-tísticas, realizada pela arte
Em 19 72, fazendo um inventário do estatuto
co nceituai norte-americana, para uma
da arte conceitual nos países ocidentais, o
análise de questões políticas e sociais. Ao
historiador da arte espanhol Simón Marchán
mesmo tempo, quando ele fez essas
Fiz observou os primórdios de uma
observações, o lado radical da crítica da arte
tendência direcionada a um "conceitualismo
conceitual norte-americana era obscurecido
ideológico" emergindo em sociedades
pela generalização, na postura redutora de
periféricas, como a Argentina e a Espanha 2
Kosuth, ort-os-ideo-os-ideo 3 Nesse modelo o
Essa ve rsão da ai-te conceitual ve io a
trabalho de ai-te como proposta conceitual
reboque das polêmicas proposições sobre a
é reduzido a uma afirmação tautológica ou
natureza da arte e das práticas artísti cas
auto- refere nte . Ele insi stiu na afirmação de
introduzidas, nos meados dos anos 60, pelos
que a arte consiste em nada mais além da
norte-americanos Robert Barry, Mel
idéia do artista sobre ela e de que a ai-te
Bochner, Douglas Hu e bler, Joseph Kosuth,
prescinde de signikados além dela mesma.
Sol LeWitt e Lawrence vVeiner, assim como
Mal-chán Fiz comparou a rigidez desse
pelo grupo inglês Art & Language. Esses
modelo, analítico e auto-referente, co m a
artistas invest igaram a natureza do objeto
potência do "conceitualismo ideológico"
de ai-te, assim como seus mecanismos
para mostrar realidades políticas e sociais.
institucionais de su porte. e o resultado
Para os arti stas ele viu nessa versão hlbrida
tendeu a retirar a ênfase do objeto art(stico
do conceitualismo a possibilidade de uma
ou eliminá-lo em favor do processo ou das
saída do Impasse tauto lógico que, do seu
idéias a ele subjace ntes. Os art istas
ponto de vista, levou a um beco sem salda a
conceituais norte-americanos também
prática da arte conceitual em torno de 1972.
questionaram o papel dos mu se us e das
galel-ias na promoção da arte, se u estatuto Com relação à América Latina, Marchán Fiz
de mercado, bem como sua relação com o referia-se especificamente ao Grupo de los
público. Essa exposição das funções da arte Trece, da Argentina, embora a versão da
em circuitos sociais e culturais redeflniu arte conceitual q ue ele descreveu não
significativamente a prática da arte tivesse florescido apenas na Argen tin a, mas
contemporânea nos últimos 30 anos. também no Uruguai, Chile e Bras il desde os
T R ti oUçAo • M A RI C A RM ( N R A ,~ I R EZ I S5
a/e REVISTA DO PROGRAi0A DE POS-GRADUAÇÃO EM ARTES V I SUA IS EBA U F RJ 2 oo 1
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espaço de mudança em meio à rede de artist as latino-americanos. Estal- em
circuitos econômicos e culturais que Nova York também co locava em perspectiva
continuam a determinar a experiência dos os problemas sociais e artísticos do s
art istas nessa região B latin o -ame ri canos. 13
Os art ist as conceituais-políticos aqui A geração que viveu o otimismo dos anos
considerados destacam-se po r sua 60, co ntudo, experime ntou uma frustração
deliberada aceitaçã o dessa co ndi ção de suas esperanças para a Amé rica Latina.
periférica como ponto de o rige m de seus Entre 1964 e 1976, seis dos mai o res países
traba lhos9 ( ... ) Alcança nd o a maio ridade da América do Sul foram submetidos a
d urante o esfo rço desenvolvimentista do governos mi litares, incluindo Brasil, Ch ile e
pós-guerra, conhecido como desorrolhismo, UI-ugu ai, cujos regimes autoritários não só
que reorganizou significati vamente as abo li ram os d ireitos e privilégios da
estruturas socioeconômi cas da maioria dos demouacia, mas também institucionalizaram
países da América Latina,I Oesse gl-upo a t ortul-a, a repressão e a censura. 14 O
também vive u sob a promessa de libertaçã.o uítlco Nelly Richard analisou como a queda
do estrangul amento político e econômico do pl-esidente do Chile Sa lvador Allende, em
dos Est ados Unidos. Empregando a Teoria da 1973 , acompan hada da subida ao poder do
Depe ndên cia para analisar a situação, eles general August o Pinochet, destroçou a
projetaram um papel emancipado para a estrutura existente de experiências sociais e
Amél-ica Lat in a na ordem do Primeiro políticas associadas à demouacia. Essa
Mundo. Esse otimismo coincidiu com o transformação abrupta das estrut uras soc iais
deslocamento do centro do mundo artístico trouxe uma "crise de inte legibi li dade" , como
de Paris para Nova York, reduzindo a denominada por Richard. Submetidos a
distância - pelo menos geogra flc amer~.c estritas regras de censura, arti st as
e ntre aq uele centro e a periferia latino preocupados com a produção de um a arte
americana. O amb ient e artísti co de Nova relevam e para a hi stória nasce nte do país
York t eria um papel de pivô na emergência não t ive ram o utra saída alé m de buscar
do conceitual e de o utras te ndê ncias caminhos alternativos para resgatar o
experimentais na América Latina, por signifi cado dessa história, que foi substituída
oferecer ao grande núm ero de artistas pela "Grande Hi st ória dos Vitoriosos". 's As
latin o -ameri canos que lá chega ram nos anos desCi"!ções de Richard podem ser estendi das
60 liberdade em relação ao a países como Argentina e Uruguai que, até
conservadol-ismo oficial das instituições a metade dos anos 60, con hece l-am algum
artísticas em seus países de o l-igem. 11 É nível de democracia.
import ante notar que, diferentemer,ce do
Todos os art istas aqui apo ntad os
Brasil, onde o t raba lh o ini cial de Hé.o
experimentaram o autoristarismo, em suas
Oiticica e Lyg ia Clark ant ecipou muitas
formas mate ri al e psicológica, bem como a
tendênci as experime ntai s, Arge ntina, Ch '" e
condição de exilados internos ou
Urugu ai tinh am pequena tradição artística
externos. 16 Para ti-aduzir artisticamente essa
para dar suporte à emergente prática
experiência, de forma signi~cat i va, se i-ia
radical da arte conceitual . 12 POI- contraste, a
necessário dar novo sentido ao papel do
postura de irrevel-ência despojada de
arti sta como interve ntor ativo nas
artistas nova-yorkinos, como Robe rt
estruturas políticas e ideológicas.( ... )
Rauschenberg, jasper jo hns, jim D ine, Andy
Wa rh o l e Robe rt Morr is, oferece u um O ape lo q ue a arte conceitual t eve para
contexto no qua l se e ngaja r abertamente esses artistas baseo u-se em do is fatore s: o
numa experiment ação artísti ca. Em gera l, o primeiro, sua equação de arte como
trabalho desses arti stas norte-americanos co nhecimento q ue t ra nsce nde o domíniO da
ofe rece u um a críti ca ao formali smo e um a eS1:étíca, que lhes pe rmitiu e xplo!-al
reto mada do legado iconoclast a de Ma rc el problemas e questões ligados a situações
Duc hamp, ambos com forte apelo para os concretas sociais e pol i'ticas; o segundo, sua
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relaci o nad os a sua
função dentro de um
amplo circuito social
Essa é a pro posição
conceitual latino
americana. Na maioria
dos casos a mistu ra de
ampl o s Significados
estratégicos é ativada
pela retirada do objeto
de circulação,
transformando -o
fi sicamente e, no caso
de Meireles,
reintroduzindo-o em um
circuito cotidiano.
Med iante atos ta is como
serigrafar mensagens nas
garrafas de Coca-Cola e
em notas bancárias
. (Meireles), costurar e
juntar grandes
quantidades de lixo
(Leirner), ampliar, COI"tar
e justapor fotografias
"achadas" (Dittborn), ou A lógica política da versão latino"americana
rasgar e manchar embalagens comerciais de da arte conceitual descrita até aqui apóia
papelão com tinta vermelha simu la ndo se em dois fatores. De um lad o , ela afirma a
sangue (Camnitzer) o artista rein sc reve retomada do objeto e su a insersão numa
significado no o bjeto mercadológico. Dessa proposição conceitual ou em um espaço
forma, o reodymode, como empregado por físico. Essa característica pode ser
esses arti stas, vai além da fet ichização pop interpretada co mo anacrônica no âmbito em
do objeto, transformando-o em um que ela se opõe às pri ncipais tendências da
condutor de significados políti cos num arte conceitual que apontam no sentido de
contexto social específico. Uma vez abolir o objeto de arte. A presença
transformado. o objeto é in serido em uma constante do objeto no trabalh o dos al"ti sta s
proposição em que opera por meio dos di scutidos sugere que as razões para essa
seguintes mecanismos lingüísticos: mensagem diferença e stejam relacio nadas com a
explícita, metáfo ra e analogia.( ...) demanda do contexto latino -americano.
Basear linguagens artíst icas em
preocupações extra"artísticas tem sido uma
C ircuitos de saída: "contextos
constante na vanguarda da Amé rica Latina,
reci clados " de sde os anos 20. Isso foi não apenas uma
pa rte intrínseca do processo de romper ou
Na tautologia existe um duplo assassinato :
reciclar formas transmitidas pelos centros
mata-se a racionalidade porque ela resiste;
mata-se a linguagem porque ela trai ... Agora
culturais e po líticos, mas uma etapa lógica
qualquer recusa à linguagem é a marte. A no ato de co nstruir uma tradição em que a
tautologia cria um morto, um mundo sem cópia é o po nto de origem. Por outro lado ,
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arte política latino-america na, que se Para esses artistas o ato de substituir a
baseavam no conteúdo da "mensagem" tauto logia pelo significado é baseado em um
artística, a política dessa ai-te requer projeto mais amplo de saída de circuitos
"desdobramentos", desconstruindo códigos polít ico-ideológicos em exaustão pela
lingüísticos e visuais, subvertendo significados revitalização de contextos - artísticos,
e ativando espaços no sentido de imprimir geográficos, econômicos - nos quais eles
no espectadol- os efeitos dos mecanismos praticam sua arte. Esse projeto, por sua vez,
de pode r e ideol ogia. Apresentando o reve la um complexo entendimento das
trabalho como um espaço (quer físico ou realid ades da América Latina em relação
metafórico), essa arte retoma a noção de àquelas do Primeiro Mundo. O profundo
audiência, o que significa dizer que ela objetivo do trabalho re side na maneira pela
retoma para o art ista a possibil idade de qual ele consegue "co locar em crise a
engajamento em uma comunicação ativa por história de sua própria cultura sem trair um
meio do objeto artístico ou instalação. compromisso com essa mesma cultura"28
Nessas circunstâncias, o espectador, Contudo, não mais confinado a fronteiras
como um recepto r: socialmente constituído, nacionais ou dividido entre força s nacionai s
torna-se parte integrante da proposição e internacionais, centro e periferia, Primeiro
conceitual do artista. e Terceiro Mundo, ele expõe as relações
entre essas construções e sua
independência. Atingir esse objetivo req uer
uma negociação ativa de sign ificados. O
modelo "invertido" da arte conceitual latino
americana reve la, assim, uma prática que não
apenas é insc rita em um diferente contexto
de 'desenvolvimento, mas responde ao
desalinhamento das políticas globais. Por sua
capacidade de misturar fontes periféricas e
centrais na estrutu ra e na função de um
trabalho , ele desafia a autoridade do "centro"
como originador de formas artísticas.
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r
10 Ver Cancli ni, Néstor Garcia. Culturas híbridos: Estroteg1os 15 Rlchard, Margins and Institutlons: 17.
poro entrar y so/ir de /0 modernidod, Cidade do
México: Editorial Grijalbo, 1989: 65-93 16 CamMzer estava em Nova York quando o governo
II Dos artistas considerados neste ensaio. Camnitzer ele não ter retorn ado. o evento marcou
viveu na área de Nova York ininterruptame nte indelevelmente sua vida e sua experiência nos
desde 1964, e Meireles lá morou em 197017 1. Estados Unidos. Dittborn e D iaz permaneceram no
Refietind o sobre a razã o de ter se mudado para lá, Chile durante O governo mi litar de P,nochet. Jaar
Camnitze r declarou: "Nova York parecia fascinante: o viveu a queda de Allend e e deixou o Chile, indo
centro do impéri o. A medida do sucesso era para Nova York em 198 2. Meirele s permaneceu no
estabelecida pelo império e não pelas coI6nias". Brasil durante a ditadura militar, com exceção dos
Citado em Stellweg, Carla, Magnet - New York: dO Is anos que passou em Nova York, Grippo viveu
Conceptual, Performance, Environmental. and os anos negros na Argentma, leirn er vivenciou o
Installation Art by Latin Ameri can Artlstls in New retorno da democracia e o período subseqü ente, de
York, in Cancel, Luis et 0/., The Lotin SPlrit: Art and pro funda crise econ6mica e social. no Brasil.
Artists in the United States, /920-/970, New York:
Bronx Museum of the Arts and Harry N. Abrams, " O tema arte e tortura no trabalho de Camnitzer,
1988 : 285. Para um reconhecimento de outros Dittborn e outros artistas da AméClca do Sul foi
artistas conceituai s latino-americanos ativos em analisado por Adams, Beverly, The Sublect o fTorture ,
Nova York durante esse período, ver Stellweg. op.cit.: e por Merewether, Charles, EI arte de la violencia:
284-31 I e BarMz, Jacqueline: Nelson, Florencia Un asunto de representación en el arte
Bazzano e Carton, Bergman. Lotin Americon Artists in contempo raneo, in Art Nexus, 2, out. 190 I: 92-96, e
New York since /970, Austin: Archer M. Huntingto n 3, jan 1992: 132-135, respectivamente.
Art Gallery, University ofTexas, 1987: 13-19.
18 "Se a interferência de Duchamp foi no nível da Arte
12 Para mais detalhes ver Barnitz, jacqueline. Conceptual (lógica do fen6meno) ( ... ) uma vez que o que se fa z
Ar t and Latln América: A Natural Alliance, in hoje tende a estar mais próximo da cultura do que
Encoun terslDisp/ocements: Luis Comnitzer, A/redo Joor, da Arte, é necessaClame nte uma Interferência
(i/do Meire/es, Austin : Archer M. HuntingtonArt polrtica. Porque se a estética fund amenta a A rte, é a
Gallery, University o fTexas, 1992: 35-48. política que fundamenta a Cultura," (Cildo Meireles.
Arte -Cu ltura, in Ma/osane s, I , set.lout./nov. 1975: 15.
13 Vários artistas latino-americanos em Nova York criaram
trabalhos experimenta is sob os auspícios do New 19 Arti stas concei tuais utilizam objetos em seu trabalh o
York Graph lc Workshop, fundad o por Camnitzer, fotografias, fitas de vídeo e áudio, desenhos, mapas,
Lilian Porter e José Guilhermo Castillo em 1964 e diagramas -, que fun cionam como documentos que
dissolvido em 1970 (entrevista por telefone registram a proposta co nceitual.
concedida ao autor por Luis Camnitzer em 24 de
20 Camnltzer, por exemplo, referiu-se à forma como
setembro de 1992). O Workshop foi mado como
importante enquanto submetida aos propósitos do
uma forma de ativismo político que rejeitava o
conteúdo, e Meireles falou a respeito de suas
est atuto de mercadoria atribuído à arte, buscando,
experiências para desenvolver uma linguagem de
em vez disso. fazê-Ia acessível a uma audiência de
inserçõo mais do que um "estilo". Ve r Camnitze, Lu is.
massa por meio de estampas. Lançou a idéia da
Cronology, in Camnltze, Mosquera e Ramlrez.
gráfica serializada na qual um único elemento
Camnitzer Retrospective: 52: e Meireles, in Brito e
poderia ser utilizado de muitas maneiras, conceit o
Marcieira de Sousa, (i/do Meire/es: 24.
descrito pelo acr6nimo Fandso ({ree ossemb/oge,
non{unctiono/, disp osab/e, seria/ object). Ver Camnitzer, 21 Buchloh. Co nceptuo/ Art - /9 62-/96 9: 124 -1 27.
Luis. Art in Editíons, In New Aprooches, New York:
Pratt Center for Contemporary Printmaklng and n Para uma aná li se da relação entre M elreles , leirner e
New York University, 1968. Shifra M. Goldman outros artistas brasileiros com Warhol, ver
analisou as atividades do Workshop em Presencias y Herkenhoff, Paulo. Arte e money, in Revisto Galena,
ausen cias: Liliana Portes en Nueva York, 1964 -1974, 24, out. 1989 : 60-67.
in Liliona Porter: Obro Gráfico, 1964 -1 990, San Juan:
Instituto de Cultura Puertorriquena, 1991: I, -22. 23 Barthes, Roland. Myth%gies (Lavers, A nnette trad.) ,
subject ofTorture:The Art of Camnitzer, Nunez, Mosquera e Ramírez, Comnitzer Retrospective: 53.
l.
TRADUÇÃO M A RI C A RM E N RA M I R EZ I 63