Você está na página 1de 195

SERVIÇO SOCIAL E CIÊNCIA

O ensino do Serviço Social


Se os primeiros tempos, após o nascimento do
Serviço Social, ainda foram dominados pelas
práticas de tipo assistencial das " visitadoras
sociais', todo o movimento de profissionalização
do Serviço Social, iniciado pela COS e pelos
Settlements, conduziu a crescentes chamadas de
atenção para a importância da formação dos
trabalhadores sociais levando, como seria
previsível, ao desenvolvimento de iniciativas
formais de ensino nesta área.
Refere Trattner (1994) que, em 1883, a
National Conference of Chañties and
Correction foi o cenário escolhido por Anna
Dawes para reclamar a necessidade de
escolas para ensino da nova profissão.
Segundo Dawes esta necessidade era justificada
por duas grandes ordens de razões: em primeiro
lugar, para qualificar todos os que já faziam
intervenção e pretendiam essa qualificação; em
segundo lugar, para capitalizar, transmitindo-os
às gerações mais novas, os conhecimentos
adquiridos com a experiência, por aqueles que,
há mais tempo, faziam trabalho social.
Além do mais, defendia Dawes, o acervo de
teorias e competências, acumulado na
prática do trabalho social, era já mais que
suficiente para organizar formações
académicas em Serviço Social.
Apenas quatro anos depois, em 1887, a
Conferência Anual volta a receber um novo e
determinante contributo, desta vez de Mary
Richmond, na defesa da criação de escolas
para formação de trabalhadores sociais, que
designava por escolas de filantropia aplicada.
Gerou-se, então, todo um clima de
pensamento em que estas escolas de
filantropia aplicada eram apresentadas como
o requisito final para legitimação social da
profissão.
Defendia-se que, dada a prática de intervenção
já acumulada, tais escolas deveriam constituir,
antes de mais, espaços de reflexão sobre essa
prática, assentes muito mais numa troca de
conhecimentos entre quem ensina e quem é
ensinado, que numa transmissão de saberes
académicos entre professor e alunos.
Nos últimos anos do século XIX e primeiros
dois decénios do século XX, sucederam-se
iniciativas de criação de escolas, na Europa e
nos EUA, vocacionadas para a formação em
Serviço Social, nas suas vertentes de teoria,
prática, metodologias e ética profissional.
Em 1898, a. COS de Nova Iorque inicia cursos
de formação em filantropia aplicada.
Tratava-se de um programa com a duração de
seis semanas, que não era, na verdade, um
curso de formação inicial, mas antes uma
formação de sistematização e
aperfeiçoamento, orientada para
profissionais com experiência prévia de
trabalho social.
Além desta primeira iniciativa de formação,
ligada à COS nova-iorquina, importa• não
esquecer que também a COS de Londres
esteve na génese da London School o/
Sociology, em 1903.
Na Europa, em 1899, foi criado, em
Amesterdão, o Instituto de Formação de
Serviço Social, unanimemente reconhecido
como a primeira Escola de Serviço Social. O
reconhecimento do pioneirismo da Escola de
Amesterdão resulta do seu objectivo expresso
de fazer uma formação completa em Serviço
Social, com a duração de dois anos,
integrando no seu plano de estudos a
formação metodológica, teórica e prática do
Serviço Social.
Em 1904 foi criada a Escola de Filantropia de
Nova Iorque, cujo programa de estudos foi
alargado para uma duração de dois anos, em
1910. Já no final da década, em 1919, a
escola altera a sua designação, passando a
chamar-se New York School ofSocial Work.
Em 1901, o movimento dos Settlements de
Chicago, em associação com a Universidade,
inaugura uma formação em filantropia
aplicada, abrindo caminho à criação, em 1907,
da Chicago School of Civics and Philantropy
que, mais tarde, passa a designar-se Graduate
School of Social Semice Administration e cuja
decana, Edith Abbott, constitui uma
importante referência, na exigência de
desenvolvimento do espírito e método
científicos, no âmbito do Serviço Social.
A evolução do ensino do Serviço Social foi no
sentido da passagem do modelo da filantropia
(de inspiração voluntária) ao modelo do
Serviço Social profissional, como resulta claro
na própria evolução na nomenclatura dos
cursos.
Multiplicou-se, assim, a criação de escolas de
formação para o Serviço Social, nas grandes
cidades americanas, ligadas à COS ou aos
Settlements. A relação entre as escolas e as
instituições filantrópicas era muito próxima,
não apenas porque a formação estava a cargo
dos responsáveis das instituições, mas
também porque permitia a estas recrutar os
profissionais de que necessitava, para
desenvolver a sua acção junto das
populações.
Por toda a Europa, e além das já mencionadas escolas

de Amesterdão e Londres, foram sendo instituídas

formações em Serviço Social. Por exemplo, em França,

a criação das primeiras escolas de formação em Serviço

Social decorreu em 1911 (École Normale Sociale) e 1912

(École Pratique de Semice Sociale).


A relevância da formação qualificada, para a
afirmação, legitimação e reconhecimento,
pela sociedade, do Serviço Social profissional,
ficou bem patente na formação, em 1928, da
Associação Internacional de Escolas de
Serviço Social, a que já aludimos em capítulo
anterior, e que pretendia, justamente,
garantir a coerência e o desenvolvimento das
qualificações em Serviço Social.
Nos planos de estudo das diferentes escolas,
nos vários países, a evolução foi no sentido
de uma gradual diversificação dos curricula,
alargando o programa de estudos a matérias
teóricas, cujo conhecimento era de
reconhecido suporte à prática do Serviço
Social.
Como consequência, os cursos acabaram por
desenvolver uma estrutura bastante
semelhante, assente em três grandes
vertentes: as aulas teóricas, a preparação
para a investigação social e o trabalho de
campo supervisionado,
Dos curricula da formação em Serviço Social,
nas diferentes Escolas, constavam: os
conhecimentos acerca do homem e da
sociedade, por referência aos
desenvolvimentos, à época, da Psicologia, da
Sociologia e da Psicologia Social, mas também
da Medicina e do Direito; os conhecimento tos
de metodologia da investigação social; os
conhecimentos acerca dos métodos e técnicas
de intervenção social e o treino da sua
aplicação no terreno (a dimensão prática desta
formação era particularmente enfatizada);
o conhecimento das várias instituições e
serviços sociais disponíveis; e, ainda, o
desenvolvimento de um quadro de valores e
de atitudes éticos, coincidentes com os
princípios fundamentais do Serviço Social.
A década de 1930, no que ao ensino do
Serviço Social se refere, foi marcada pela
vontade de o colocar no patamar da
formação de nível superior, investindo-se,
para tal, no fortalecimento das componentes
teóricas e no desenvolvimento de
metodologias de investigação científica.
Em Portugal a primeira Escola de Serviço
Social surgiu em 1935 em Lisboa, na
sequência de proposta apresentada no I
Congresso cla União Nacional, realizado no
ano anterior. Em 1937 foi criada em Coimbra
a Escola Normal Social. O Decreto-Lei ne
3()135, cle 14 de Dezembro de 1939,
reconheceu que a titularidade destas
formações habilita ao exercício profissional
das assistentes sociais.
Na formação em Serviço Social
são considerados elementos
essenciais:

 Conhecimentos acerca do
homem e da sociedade;
 Conhecimento dos
métodos e técnicas de
intervenção e treino da
sua aplicação;
Conhecimento das
instituições e serviços
sociais;
 Desenvolvimento da
responsabilidade
social, fundada no
respeito pela pessoa
humana e pela sua
dignidade.
A formação ministrada nestas escolas tinha a
duração de três anos e organizava-se em
torno de alguns eixos curriculares principais,
designadamente: a área médico-sanitária; a
área jurídica; a área moral e religiosa e a
área técnica. A formação foi alargada para
quatro anos em 1956, em que o quarto ano
passou a incluir a realização de uma
monografia social. Ainda em 1956, foi
também criado o Instituto de Serviço Social
do Porto (Martins, 1999 a).
No caso português, sublinha-se, ainda que no
que se refere à formação de grau superior, isto
é, universitária, em Serviço Social, ela foi
instituída, pela primeira vez, pelo ISCSPU
(actual ISCSP), no ano de 1967, com a criação
do Curso Complementar em Serviço Social, na
sequência da prévia criação (em 1964) do curso
de bacharelato em Serviço Social.
Como sublinham Branco e Fernandes, a
institucionalização do Serviço Social em
Portugal, tanto enquanto formação académica
como enquanto profissão, teve por "marco de
referência o Estado Novo, cuja visão acerca do
Serviço Social era a de uma espécie de
apostolado exclusivamente feminino, de forte
inspiração confessional católica" (2007: 192), o
que enformou, claramente, as representações
e as expectativas sociais em torna da própria
profissão e dos profissionais que a exerciam.
A relação com outras ciências

O Serviço Social, no desenvolvimento da


sua prática profissional, tem recorrido a
conhecimentos produzidos nos mais
variados domínios científicos, o que
contribui, de forma significativa, para o
seu enriquecimento.
O Serviço Social configura-se, desta forma,
como uma profissão integradora de conceitos
e saberes elaborados por outras disciplinas
que lhe permitiram) elaborar o seu próprio
referencial teórico e metodológico (García e
García, 2004: 201).
Em consequência, parece-nos útil traçar um
breve retrato acerca da relação do Serviço
Social com algumas das ciências que mais
influenciaram o seu desenvolvimento, como
sejam, a Sociologia, a Psicologia, a
Economia, o Direito ou a Medicina.
No que respeita à Sociologia, por ter como
objecto o estudo da sociedade e dos
processos sociais, constitui-se como uma das
áreas do saber que maiores contributos tem
fornecido ao Serviço Social, tanto a nível
conceptual, quanto no plano metodológico.
A Sociologia constituiu, aliás, a primeira, e
mais profícua, das relações estabelecidas
pelo Serviço Social, no momento da sua
legitimação, como resulta da proximidade e
colaboração das figuras pioneiras do Serviço
Social com académicos da Sociologia,
designadamente, da Escola de Chicago.
Na sua procura do conhecimento dos
fenómenos e factos sociais, a Sociologia tem
como preocupação central, a
contextualização desses fenómenos e factos,
ou seja, a apreensão dos processos sociais na
sua totalidade, e essa contextualização
afirmou-se também, desde muito cedo, como
um objectivo do conhecimento em Serviço
Social, na sua aproximação aos indivíduos e
aos grupos.
De igual modo, ao explicar os factos em si
mesmos, mas também as suas causas, a
Sociologia fornece informação social de
extrema importância para a definição de
políticas públicas e de reformas sociais.
Paralelamente, a já referida preocupação
com a contextualização cultural dos factos
sociais, permite uma perspectiva de
diversidade, essencial para a eficiência
dessas políticas e dessas reformas.
Finalmente, do ponto de vista metodológico,
a Sociologia forneceu muitas das técnicas e
dos instrumentos com que o Serviço Social
procede à apreensão da realidade.
Relativamente à Psicologia, as suas
influências sobre o Serviço Social, situam-se
no plano teórico mas também, e sobretudo,
ao nível dos métodos e modelos de
intervenção. Na verdade, é possível
encontrar muitos elementos em comum,
entre eles, dado que ambos se ocupam do
comportamento dos indivíduos e dos grupos e
dos modelos de interacção por eles
estabelecidos.
Talvez, por isso, desde os primórdios do
Serviço Social que este, ao interagir com os
casos e os grupos e ao atender às
necessidades e problemas sociais, adoptou
como referência as teorizações do campo da
Psicologia.
Historicamente, as teorias do campo da
Psicologia, designadamente a teoria
psicanalítica, foram das que mais
interessaram aos trabalhadores sociais e que,
por isso mesmo, em muito influenciaram as
suas práticas profissionais (Howe, 1999). O
carácter comprovadamente científico destas
teorias terá correspondido, de igual modo, a
uma necessidade de legitimação teórica da
própria praxis do Serviço Social.
Pode dizer-se que os contributos da
Psicologia, para o desempenho técnico do
Serviço Social, se situam no plano do saber
fazer — conhecimentos teóricos — do saber
ser — técnicas relacionais — e do saber estar
— atitudes.
Quanto à Economia, a sua importância para o
Serviço Social advém de elementos
fundamentais, como o bem-estar social e a
redistribuição da riqueza.
Quando se afirma o importante papel do
serviço social, no aumento e generalização
do bem-estar, é essencial o conhecimento dos
métodos de aferição do bem-estar e os
modelos explicativos dos efeitos sociais do
funcionamento do sistema económico.
De igual modo, ao trabalhar directamente
com fenómenos como a pobreza e a exclusão
social, e atendendo à complexidade
crescente destes fenómenos, é essencial a
sua perfeita explicitação — o que implica o
recurso a conceitos e instrumentos de
análise, desenvolvidos pela Economia.
Também o Direito se constitui como fonte de
conhecimentos relevante para a prática do
Serviço Social, na medida em que a
intervenção social implica um conhecimento
dos enquadramentos legais e normativos da
sociedade.
O sistema legal fornece as directrizes para
dimensões essenciais da vida dos indivíduos,
dos grupos e das comunidades,
nomeadamente no que respeita aos direitos
essenciais, às relações familiares e à
protecção dos elementos mais vulneráveis,
como sejam os menores.
No seu trabalho de promoção da mudança e
de melhoria da qualidade de vida, o
trabalhador social representa, com muita
frequência, o veículo de consciencialização,
dos indivíduos e dos grupos, relativamente
aos seus direitos fundamentais de cidadania,
e às formas de exercício desses direitos.
Em relação à Medicina, desde cedo se
constituiu como uma influência fundamental
para o Serviço Social. Os desenvolvimentos
científicos da Medicina moderna,
responsáveis pela identificação das causas de
muitas doenças, abrindo caminho ao seu
tratamento e erradicação,
foram particularmente inspiradores para os
teóricos da filantropia social que pretendiam,
pelo desenvolvimento de uma metodologia
científica, identificar as origens de problemas
sociais como a pobreza ou o crime e
promover a sua eliminação.
Enquanto referência fundamental do Serviço
Social, é claramente reconhecível, no
pensamento de Mary Richmond, a
importância consagrada à utilização, na
abordagem de casos, de uma metodologia
semelhante à da Medicina, assente em
processos de recolha de dados, elaboração de
diagnóstico e tratamento dos problemas.
Esta abordagem de tratamento implicava a
consideração do cliente como paciente e do
trabalhador social como terapeuta e, por isso
mesmo, responsável pelo diagnóstico do
problema e pela prescrição da solução.
Além dos elementos metodológicos, a
influência da Medicina no Serviço Social fica
patente na orientação médico-social,
dominante nos primórdios da
profissionalização do Serviço Social e assente
em acções de assistência, prevenção e
educação sanitária.
Simultaneamente, verifica-se uma relação
estreita entre trabalhadores sociais e
profissionais da saúde, nomeadamente da saúde
mental, herdada também dos primórdios do
Serviço Social, quando por exemplo, ainda em
1918, Mary Jarrett defendeu a aplicação da
prática clínica psiquiátrica no Serviço Social
(Stuart, 1999).
Outra das ligações entre a Medicina e o Serviço
Social advém da consciência da forte
correlação entre desigualdades sociais e saúde
dos indivíduos que levou, desde muito cedo, os
trabalhadores sociais a procurarem promover a
igualdade de acesso a cuidados de saúde,
através de iniciativas de saúde pública e
comunitária.
Influências teóricas no Serviço Social

Analisaremos neste ponto algumas


referências teóricas fundamentais para
o desenvolvimento do Serviço Social, nas
suas diferentes abordagens da realidade
com que trabalha.
Sublinhamos que estes referenciais teóricos
assumem uma dupla dimensão, respeitando,
por um lado, à maneira como o Serviço Social
se perspectiva e posiciona a si mesmo na
sociedade, apoderando-se de uma identidade
própria e, por outro lado, às diferentes
práticas de intervenção por ele adoptadas.
Recorrendo às análises de alguns autores de
referência nesta matéria, apresentaremos
uma síntese das principais influências
teórico-filosóficas, no processo de
desenvolvimento do Serviço Social.
Se como vimos em capítulo anterior, toda a
história da acção social, bem como a génese
e afirmação do Serviço Social têm que ser
analisadas nos seus contextos sociais,
económicos, políticos e culturais específicos,
não é menos verdade que o aparecimento e o
fortalecimento de doutrinas teórico-
filosóficas que influenciaram a prática do
Serviço Social têm, também eles, que ser
percebidos de forma contextualizada.
Se cada homem é fruto do seu tempo, por
maioria de razão o serão, também, as
doutrinas filosóficas por ele formuladas e que
mais não pretendem que lançar luz sobre
esse mesmo tempo.
Assim, tanto numa análise retrospectiva
quanto numa perspectiva de
contemporaneidade, é possível identificar no
Serviço Social, quer no plano metodológico
quer no plano teórico, influências de
orientações predominantes no panorama mais
geral das ciências sociais.
Esta influência é, sublinhe-se, fruto de uma
conjuntura específica, e enformada pelas
condições históricas concretas, bem como
pelos meios técnicos disponíveis no âmbito do
próprio Serviço Social.
O Interaccionismo Simbólico
Relativamente ao Interaccionismo Simbólico,
esta corrente teórica, em muito fundada na
obra de George Herbert Mead, concentra a
sua análise nas interacções estabelecidas
entre os indivíduos e na forma como estas
estão impregnadas de significado simbólico,
confinando o real ao processo de
acção/reacção estabelecido entre os
indivíduos.
O reconhecimento público, por parte de Mary
Richmond, da influência do pensamento de
George Herbert Mead sobre as suas próprias
teorizações acerca dos problemas sociais e do
trabalho social é revelador do papel do
interaccionismo simbólico no
desenvolvimento teórico do Serviço Social.
A ênfase posta por Mead na relação entre o
individual e o social e na interacção social
como contexto de formação das identidades
pessoais, consubstancia um elemento
intensamente explorado pelas referências
pioneiras do Serviço Social, que é o da pessoa
na situação social, uma vez que, para Mead,
a pessoa só se realiza, enquanto tal, porque
está envolvida num conjunto de relações com
a comunidade.
De acordo com o postulado pelo
interaccionismo simbólico, a consciência de si
próprio, enquanto ser social, é determinante
para o comportamento dos indivíduos. Como
tal, todos os comportamentos devem ser
entendidos como comportamentos sociais e
com consequências para o todo social.
E também neste princípio que se funda a
moral social, entendida como o conjunto de
normas, socialmente prescritas e em
permanente actualização, que rege a
conduta individual na comunidade.
Esta visão rejeita as teses da moral absoluta,
fundadas no imperativo categórico de Kant e
coloca, na sociedade, e não no idealismo
moral, as razões para os comportamentos
humanos.
Esta análise revelou-se fundamental para os
ideais de reforma social defendidos pelos
pioneiros do Serviço Social, cujo pensamento
e acção se debatia, ainda, com uma visão
moral dos problemas sociais, dominante em
muitos sectores da sociedade da época e
herdada da tradição protestante.
Ao colocar, em termos científicos, a tónica
nos contextos sociais, Mead contribuiu para o
fortalecimento da tese reformista da origem
social de problemas como a pobreza, o
desemprego ou o crime.
No mesmo sentido, ao afirmar a coincidência
entre o desenvolvimento individual e o
desenvolvimento social, George Herbert
Mead forneceu argumentos científicos ao
propósito reformista de acção sobre o todo
social.
A grande influência do interaccionismo
simbólico sobre os trabalhadores sociais foi
exercida no sentido da procura dos
significados das interacções sociais, para os
inclivíduos nelas envolvidos, compreendendo
a dinâmica entre esses significados e as
expectativas e condutas individuais.
Nesta dinâmica, assume lugar de destaque o
conceito de "role", isto é, os papéis e
correspondentes condutas, assumidos pelos
indivíduos, em função daquelas que são as
expectativas sociais (próprias ou dos outros),
bem como, o conceito de " label" (rótulo),
desenvolvido por Goffman, e que designa o
processo de categorização, ou etiquetagem,
social a que os indivíduos se submetem nesse
processo de atribuição de significados no
quadro das interacções sociais.
O conceito de rotulagem foi, posteriormente
desenvolvido por Lemmert e Becker para
salientar o carácter determinante da reacção
social (atribuição de significado, à luz das normas
sociais) à acção inicial, que conduz a que,
perante a atribuição do rótulo de desviante, seja
provável que os indivíduos acabem por
desempenhar os papéis desviantes que lhes
atribuem as expectativas sociais. Desta forma, a
rotulagem inicial condiciona a um processo (ou
carreira) desviante que se autoalimenta
permanentemente.
Considerando que a atribuição de significados
simbólicos é resultado de processos cognitivos
complexos, Chaiklin, (citado por Payne
2002:251) defende que o interaccionismo
simbólico constitui uma alternativa para os
trabalhadores sociais como modo estritamente
psicológico de compreensão do comportamento
humano.
A Sociologia de Chicago

Se as referências ao pensamento de George


Herbert Mead foram recorrentes na produção
teórica dos primeiros tempos do Serviço
Social, não o foram menos as referências aos
académicos da Sociologia de Chicago como
Small, Park, Burgess ou Thomas.
A escola de Sociologia de Chicago constituiu a
primeira grande escola da Sociologia
americana, tendo, durante as três primeiras
décadas do século XX, sido responsável por
intensa produção sociológica, assente em
investigação empírica relacionada com a
expansão urbana de Chicago e com os
problemas sociais por ela gerados.
O interesse, por parte dos sociólogos de
Chicago, pelos problemas sociais decorrentes
da industrialização e da urbanização»,
determinou uma aproximação aos reformistas,
pioneiros do Serviço Social, nomeadamente,
por intermédio dos Settlements, aproximação
essa que resultou em claros benefícios para
ambas as partes.
Por um lado, e para os sociólogos, a
experiência de proximidade com os problemas
sociais, no espaço urbano, devidamente
registada pelas trabalhadoras sociais, revelou-
se de extrema utilidade do ponto de vista
metodológico. Por outro lado, e na perspectiva
de quem fazia trabalho social, a perspectiva
ecológica da Sociologia de Chicago, bem como
o seu enfoque no conceito de desorganização
social, forneceram os argumentos científicos
necessários ao seu projecto reformista.
Foram várias as coincidências de interesses
entre os sociólogos de Chicago e as
trabalhadoras sociais, podendo destacar-se: a
partilha de objecto de interesse — a pobreza
e o espaço urbano; a partilha de ideais de
reforma social — a urgência de melhoria das
condições sociais ligadas à industrialização,
ao urbanismo, ou às migrações; e, ainda, a
vontade de constituição e afirmação das
respectivas disciplinas científicas.
Chicago constituía, à época, um verdadeiro
laboratório social, onde se desenrolavam novos
fenómenos (como a chegada massiva de
imigrantes e migrantes), onde fenómenos
conhecidos assumiam novas feições (uma
criminalidade de características particulares
proliferava pela cidade) e onde pulsavam todos
os paradoxos da vida moderna (a pobreza dos
operários e a opulência capitalista, a exclusão e
o cosmopolitismo, as reivindicações do
movimento operário e o florescimento cultural).
Estes cenários, conhecidos há muito pelos
trabalhadores sociais, converteram-se no
objecto de estudo dos sociólogos de Chicago,
resultando nas famosas Monografias que
constituem a marca da escola de Chicago.
Estas monografias eram o produto de
investigações acerca dos principais problemas
sociais identificados na cidade, nomeadamente,
os sem-abrigo, os imigrantes, os grupos juvenis
delinquentes, a prostituição ou as assimetrias
entre os estilos cle vida dos habitantes dos
bairros pobres e dos bairros ricos (Herpin,
1982).
Destacaremos, como exemplos destes
trabalhos da Escola de Chicago, e pelo seu
impacto e relação com áreas de intervenção
social, as seguintes Monografias:
The Hobo de Niels Anderson de 1923. Fundado
na sua própria experiência familiar e pessoal,
Anderson publica a sua investigação acerca da
situação de muitos sem-abrigo na cidade de
Chicago que eram, na verdade, trabalhadores
migrantes sazonais que percorriam os Estados
Unidos realizando trabalhos não qualificados na
construção, na agricultura, na silvicultura, na
pesca ou nas minas, e que permaneciam em
Chicago (dada a boa ligação ferroviária com
todas as regiões do país) antes de iniciarem uma
nova viagem.
A situação destes sem-abrigo desencadeou
múltiplas iniciativas de instituições de
caridade para as quais o trabalho de
Anderson se revelou muito útil para melhor
conhecimento da população com quem
trabalhavam.
The Gang de Frederic Thrasher de 1927. Esta é
uma investigação acerca da realidade dos gangs
de jovens que abundavam, à época, na cidade de
Chicago. Neste trabalho Thrasher sublinhou a
relação entre a actividade dos gangs e a
envolvente social e apresentou os gangs como o
fruto da degradação urbana, da conflitualidade
étnica e da desorganização social.
The Ghettq monografia de Louis Wirth
publicada em 1928. Wirth teve profunda
ligação com o movimento dos Settlements,
através da Hull House. Nesta monografia que
constituiu, aliás, a sua dissertação de
doutoramento, Wirth, partindo da analogia
com o fenómeno europeu do gueto analisa as
condições específicas do bairro judeu de
Chicago, fundado pela comunidade de
imigrantes judeus provenientes da Europa
oriental.
The Táxi-dance Hall investigação realizada
por Paul Cressey e publicada em 1932, onde
se procedeu à análise dum fenómeno
semelhante ao que hoje se designa como
alterne, fazendo um retrato social dos
diferentes sujeitos envolvidos — os
proprietários, as raparigas e os clientes.
O Funcionalismo
Embora seja frequentemente apresentada
como a primeira influência teórico-filosófica
no Serviço Social, a verdade é que a simples
análise histórica revela a precedência
cronológica de toda uma importante
produção teórica em Serviço Social,
relativamente à afirmação da corrente
funcionalista.
O pensamento funcionalista defende uma
explicação dos factos sociais através de uma
relação de causalidade linear entre variáveis
dependentes e independentes.
Identificar esta dinâmica de causalidade é
condição essencial para a compreensão dos
factos sociais e tal identificação é conseguida
por processos empíricos, cuja função
principal é a descoberta de regularidades e
uniformidades relativas a esses factos.
A perspectiva funcionalista é também
marcada por um "sentido orgânico do social
(Carrillo, 2004: 164) que confere ao conceito
de função, o significado de contributo de
cada elemento para o todo da organização
social.
E nesta lógica que se desenvolve a teorização
funcionalista acerca das funções
estruturantes, desempenhadas pelas diversas
instituições sociais, como a família, a escola,
a religião e o sistema legislativo, através da
sua acção socializadora e de controlo social.
Através do processo de socialização, estas
instituições preparam os indivíduos para agir
em conformidade com as expectativas ditadas
pela norma social. Por outro lado, pelo
exercício do controlo social garantem que os
indivíduos ajustam os seus comportamentos aos
padrões socialmente expectáveis (Kisnerman,
1998).
Os processos de socialização e controlo social
tornam-se então determinantes, quer para a
satisfação das necessidades sociais quer, em
última instância, para a manutenção do
equilíbrio da estrutura social.
Do ponto de vista do Serviço Social, o
funcionalismo terá contribuído para uma
visão dos fenómenos percebidos à luz de
causalidades lineares; para uma ênfase na
preservação do equilíbrio do todo social e
para alguma patologização do diferente.
Com efeito, a excessiva preocupação com a
procura de relações causais e de
regularidades, sustentada pela prática
profissional empírica, coloca o trabalhador
social perante a necessidade de colocar
ordem nesse caos inicial prefigurado nos
problemas sociais.
Recorre então a técnicas de recolha de

informação que lhe permitam ordenar e

hierarquizar situações e correspondentes

estratégias de abordagem.
A utilização do empirismo é, nesta
perspectiva, uma forma de produzir
conhecimento objectivo, isto é, quantitativo
e científico, acerca das situações/problemas
com que se defronta no quotidiano e nos
quais tem de intervir.
A procura de regularidades, empiricamente
mensuráveis e quantificáveis, conduz,
inevitavelmente, à separação do
indivíduo .com a sua situação/problema) da sua
história de vida pessoal, do seu meio
envolvente directo e do contexto particular em
que nele se manifesta essa situação/problema.
Ao fazer esta separação, a todos os títulos
artificial, o Serviço Social acaba por interpretar
as condutas individuais à luz de visões
estereotipadas, integrando-as em categorias e
grupos que, pelo facto de não serem conformes
à norma social, representam um factor de
desequilíbrio e desordem social.
Citando Carrillo, "se o mundo é concebido
como estrutura perfeita, em que cada
elemento ocupa um lugar adequado, o
dissonante é considerado patológico"
(2004:168).
A influência funcionalista resulta evidente em
práticas que configuram aquilo que Howe
(1999) designa por intervenção de perfil
assistencialista. Neste tipo de intervenção, a
procura da manutenção da ordem e do
equilíbrio social,
leva os trabalhadores sociais a limitar as suas
acções a pequenas mudanças que
restabeleçam essa ordem e esse equilíbrio,
mas que não impliquem alterações profundas
no meio social.
De igual modo, a ênfase no ajustamento das
condutas às normas sociais, relega para plano
secundário o livre arbítrio do cliente, e fá-lo,
privilegiando, na explicação das
situações/problema, os estereótipos
(fundados em regras e explicações causais
que regem o todo social), em detrimento das
interpretações individuais do sujeito acerca
da sua própria situação.
O Marxismo
O contexto social e económico de desigualdade,
aliado às teses de Hegel e Marx, foi
determinante para o desenvolvimento, no
Serviço Social, de uma teoria do conflito, cujos
conceitos centrais são, justamente, as
formulações marxistas acerca da dialéctica e da
alienação.
Relativamente à primeira, Marx defende que
o mundo é regido por uma dinâmica de
conflito nas relações sociais — a luta de
classes traduzida, em última instância, no
binómio dominadores/dominados.
Quanto à alienação, Marx concentra-se no
seu significado de desumanização do
indivíduo, defendendo que as instituições da
sociedade capitalista, sejam elas sociais,
económicas, religiosas ou políticas, servem
apenas para afastar o homem de si mesmo,
da sua essência, retirando-lhe dimensão
humana e reduzindo-o a objecto.
Do ponto de vista do Serviço Social, o

paradigma do conflito opõe-se claramente à

orientação funcionalista.
Assim, onde o funcionalismo procura a adaptação
à norma social, o marxismo preconiza a mudança
radical da ordem vigente; onde a orientação
funcionalista procede a análises lineares de
relação causa/efeito, a teoria marxista procura
analisar as dimensões latentes, ligadas às
desigualdades sociais originadas pelo capitalismo.
Finalmente, onde o Serviço Social de
orientação funcionalista vê o patológico, isto
é, a perturbação à norma social, o Serviço
Social de inspiração marxista encontra o
único motor para a transformação da
estrutura social.
Reconhecidamente, a história da afirmação
do Serviço Social e a sua progressiva
assimilação ao aparelho dos Estados, colocou-
o numa situação intermédia, de mediação,
entre dois grupos sociais portadores de
interesses antagónicos: de um lado, o grupo
dos detentores do poder político e da
riqueza, do outro, o grupo dos excluídos,
colocados à margem do sistema e sem
recursos de autonomia pessoal e social, que
lhe permitam superar essa sua situação.
Payne (2002:299), citando Rojek, distingue três
posições distintas que podem ser assumidas
pelo trabalhador social: em primeiro lugar, uma
posição progressista, em que o trabalhador se
perspectiva a si próprio como agente de
mudança, ao ligar a sociedade burguesa
(detentora do poder e dos recursos) com a
classe operária. Aqui, o trabalhador social
detém uma importante função, ao nível da
promoção da consciência e acção colectivas e
contribui, por essa via, para a mudança social.
Em segundo lugar, identifica-se uma posição
reprodutiva, em que o trabalhador social se
converte, ele próprio, em elemento de
perpetuação do sistema capitalista, na medida
em que, ao transferir recursos materiais, capazes
de satisfazer as necessidades mais prementes dos
grupos desfavorecidos, ele está a atenuar os
efeitos da desigualdade social e a controlar uma
eventual revolta desses grupos, convertendo-se,
desse modo, num instrumento de opressão, ao
serviço dos interesses da classe dominante.
A terceira das posições possíveis corresponde
ao que Rojek designou por posição
contraditória, em que o trabalhador social
surge como um elemento debilitador da
própria luta de classes, pois se por um lado,
actua como agente de controlo social, por
outro, ele também contribui para o
desenvolvimento da classe operária,
fornecendo-lhe recursos de conhecimento e
poder.
A influência do marxismo sobre o Serviço
Social fez emergir o chamado Serviço Social
radical que, tendo conhecido amplo
desenvolvimento na década de 1970, foi
depois objecto de intensa controvérsia, que
implicou significativa perda de influência
durante a década seguinte, ressurgindo
depois, nos anos 90, associado à constatação
das profundas desigualdades geradas pela
governação conservadora em muitos países
ocidentais (Payne, 2002).
O Serviço Social radical desenvolveu-se, então, a
partir da crítica ao designado Serviço Social
tradicional, demarcando-se dos seus métodos e
colocando novas questões/desafios ao Serviço
Social. Salienta-se, no entanto, que muitas das
perspectivas defendidas pelo Serviço Social
radical estavam já presentes no pensamento de
Gordon Hamilton,
quando, ainda em 1940, se insurge contra a
linearidade da análise aos problemas sociais,
defendendo que estes têm de ser abordados
na sua complexidade, bem como contra a
patologização do cliente, que acreditava
dominar, ainda, a prática do Serviço Social
(Aranda, 2004).
No que respeita às novas questões colocadas
pelo Serviço Social radical, elas interrogam
todo o sistema do trabalho social, tal como
ele se tem organizado desde a sua génese.
Neste sentido, considera que ao ser atribuída,
ao Serviço Social, uma função de controlo
social, no quadro do aparelho de Estado, o seu
principal empregador (seja em organismos
estatais seja em organismos por ele
controlados) isso acaba por se traduzir numa
prática de preservação dos interesses das
classes dominantes.
De igual modo, a profissionalização e a
formação de um grupo profissional, com
identidade própria, podem conduzir à
submissão dos interesses do cliente aos
interesses profissionais de classe (Payne,
2002:301).
O Humanismo
Pela ênfase colocada na dimensão subjectiva e
interpretativa, e pela centralidade da
experiência pessoal, o Humanismo estabelece
uma ruptura com as orientações funcionalista e
marxista, na medida em que, se por um lado
rejeita as explicações objectivas e fundadas na
lógica hipotético-dedutiva,
próprias da abordagem de tipo funcionalista,
por outro, rejeita também a existência de um
determinismo filosófico, de tradição
hegeliana e marxista, que presida à evolução
das sociedades humanas e aos factos sociais a
ela subjacentes.
A orientação compreensiva caracteriza-se,
antes de mais, pela procura das razões
subjectivas que se ocultam por trás da
realidade objectivável e aparente dos factos
sociais, ou seja, pela busca dos significados
mais profundos que os homens atribuem às
suas condutas.
O Humanismo, que teve como uma das suas
figuras centrais Carl Rogers, e a sua Terapia
Centrada no Cliente, reivindicou, como
premissa teórica e metodológica a tese que
todos os indivíduos procuram a
autorealização, através de um projecto de
vida dotado de significado individual, sendo
esta procura de auto-realização o elemento
determinante de todas as suas condutas.
Enquanto influência para o Serviço Social, é
determinante o pressuposto humanista da
subjectividade como única forma de
conhecimento da realidade. A abordagem das
situações tem de ter como ponto de partida,
o ponto de vista do protagonista dessas
mesmas situações.
Assim, o que realmente conta é a apreensão
dos significados e intenções que subjazem à
conduta individual, isto é, "dos significados que
assumem, para os indivíduos, as suas
experiências quotidianas e aforma como estas
experiências afectam o seu comportamento e a
sua conduta perante os outros' (Carrillo,
2004:191).
Ainda do ponto de vista da influência das
teorias humanistas para o Serviço Social,
importa sublinhar a centralidade atribuída à
relação entre o terapeuta e o cliente e às
condições em que esta relação deve ocorrer.
Assim, na sua exploração teórica acerca da
temática da relevância da relação terapêutica,
Rogers defendeu que é pela relação
estabelecida com o profissional que o cliente
descobre, em si mesmo, o seu potencial de
crescimento e transformação, convertendo a
própria relação num espaço de desenvolvimento
individual (Rogers, 1984).
Já no que se refere à sua teorização acerca
das condições que constituem requisitos para
a relação, Rogers destacou e sistematizou
alguns conceitos centrais para o Serviço
Social, como sejam, a empatia, a
sinceridade, a transparência e a aceitação
(Rogers, 1974).
O estatuto científico do Serviço Social

O reconhecimento do estatuto de disciplina


científica do Serviço Social não tem,
tradicionalmente, sido fácil, sendo variadas
as questões que se colocam face à
reclamação deste estatuto.
Acreditamos ser possível identificar algumas
razões que subjazem a esta dificuldade: em
primeiro lugar, o seu carácter recente, cujos
efeitos se tornam particularmente claros,
perante a reconhecida partilha de objecto
com outras ciências sociais, de historial
comparativamente muito mais longo
Em segundo lugar, a própria génese do Serviço
Social, que sendo produto de toda uma
evolução histórica de acção social, ou seja, da
arte de ajudar os outros, continha implícita a
vontade de afirmação de uma dimensão técnica
e de carácter eminentemente prático e
especializado, de intervenção em situações
concretas.
Os conhecimentos produzidos nestas
intervenções acabaram por dar origem à
constituição dum corpo de saberes próprio do
Serviço Social que, todavia, não se
identificou, de imediato, como conhecimento
científico, mas antes como saber prático,
construído ao longo do tempo e transmitido
informalmente, configurando o que alguns
autores designam por theory in use
(Viscarret, 2007).
Em terceiro lugar, a recorrente utilização,

pelo Serviço Social, de conhecimentos

científicos produzidos noutros campos do

saber, como suportes da sua prática de

intervenção.
Na verdade, "a utilização precipitada de
materiais de outras disciplinas gerou uma má
utilização das mesmas (... ) esta utilização de
variáveis e indicadores desadequados
significa privar a teoria do Serviço Social da
possibilidade de se enriquecer com conceitos
extraídos da prática" (Caparrós, 1997:20).
Por se ter afirmado com uma lógica
profissionalizante, de "profissão de ajuda", sem
preocupações de demarcação de um espaço
específico no âmbito das ciências sociais, o
Serviço Social só posteriormente se concentrou
na constituição de um corpo teórico e de
métodos de investigação próprios.
Não deixa, aliás, de ser interessante
sublinhar que foi, justamente, a existência
de uma intervenção profissional instituída,
associada a uma formação profissional
específica, que acabou por se constituir como
o elemento legitimador da identidade
científica do Serviço Social.
Paulatinamente, o Serviço Social foi, ao longo
do seu século de existência instituída,
conquistando um espaço próprio, no campo
dos saberes e das práticas das ciências sociais
e, à medida que foi delimitando o seu
alcance real, os seus conteúdos específicos e
a sua praxis profissional, foi-se também
afirmando como uma disciplina social com
fundamentos científicos:
O Serviço Social distingue-se, cada vez mais,
por um esforço de elaboração teórica e
conceptual, de sistematização e
fundamentação da sua experiência e
actividade, que está para além do
conhecimento meramente prático da
sociedade (Lagos, 2004:269)
Segundo Lima (1989), o Serviço Social, no seu
processo de desenvolvimento, passou por
uma sucessão de etapas, cuja designação
ilustra todo um percurso evolutivo no sentido
da afirmação do estatuto científico: etapa
pré-técnica, etapa técnica, etapa pré-
científica e, finalmente, etapa científica, ou
seja, o momento em que o Serviço Social
chama a si a análise das relações causais
entre os fenómenos, abordando-as com um
procedimento científico.
Só nesta última etapa se consagra a faceta
reflexiva do Serviço Social que permite a
produção de teorias que transcendem o
marco da experiência imediata e a
abordagem segmentada dos fenómenos
sociais.
Nesta medida, o Serviço, Social foi-se,
progressivamente, distinguindo das formas de
intervenção social que o precederam,
também pelo seu carácter científico, ou seja,
porque recorre à investigação para construir
conhecimento e planificar
as suas intervenções, porque recorre à teoria
para compreender a realidade social e para
abordar essa realidade e, finalmente, porque
recorre ao pensamento sistemático e à
análise lógica para deduzir, relacionar e
argumentar.
A investigação em Serviço Social

Num breve olhar sobre a história do Serviço


Social verifica-se que, na sua origem, a
investigação em Serviço Social esteve muito
ligada aos trabalhos realizados no âmbito do
Charity Organization Movement e do
movimento dos Settlements (tanto em
Inglaterra como nos EUA) e à Russell Sage
Foundation.
Para além das investigações realizadas por
figuras de relevo da COS e dos Settlements e
da importância dos Social Surveys, a
valorização da investigação própria do Serviço
Social, marcou, também, as iniciativas de
formação nesta área, com incentivo à produção
de investigação fundada no espírito e
metodologia científica.
Como exemplo da produção científica,
associada à formação em Serviço Social,
pode citar-se a investigação acerca das
condições de vida das mães de classe
trabalhadora, realizada, na década de 1930,
por estudantes da Graduate School o/Social
Semice Administration, e que esteve na base
de alterações à legislação federal de
protecção da maternidade e à melhoria das
prestações sociais atribuídas (Aranda, 2004).
De igual modo, percebeu-se desde cedo a
necessidade de criação de revistas científicas
especializadas, como condição para a
legitimação do Serviço Social, como profissão
e como disciplina científica.
Assim, das Actas das Conferências Anuais de
Caridade, contendo os principais contributos
teórico-práticos apresentados, rapidamente
se passou ao desenvolvimento de publicações
especializadas, ainda nos finais do século XIX
e, mais uma vez, sob a égide da COS de Nova
Iorque — Charities Review (1891) — e dos
Settlements de Chicago — The Commons
(1896).
Já no século XX, particularmente durante a
década de 1920, sucedem-se as revistas
especializadas em temas do Serviço Social,
designadamente, a Social Case Work ou a
Child Welfare.
Depois de um papel proeminente na fase de
afirmação do Serviço Social, a revalorização
da importância da investigação de carácter
científico, deu-se na segunda metade do
século XX, primeiro nos EUA, depois na
América Latina com o movimento de
reconceptualização, e finalmente, na Europa.
A evolução particular do Serviço Social,
associada ao facto de a investigação em Serviço
Social se relacionar mais com a intervenção
que com a generalização do conhecimento
teórico, condicionou o questionamento,
demasiado frequente, da própria utilidade da
investigação em Serviço Social.
Assim, e perante esta questão que, desde
cedo, inquietou os trabalhadores sociais e que
se refere aos reais contributos do enfoque
científico para o Serviço Social, Viscarret
identifica dois contributos fundamentais: a
prática empírica como referência para
construir e orientar a intervenção social —
investigação aplicada à intervenção — e como
elemento de construção de conhecimento —
investigação aplicada à sistematização e
reflexão (Viscarret, 2007:55).
Por promover a teorização da prática e abrir
caminho à sua modificação no sentido de uma
maior eficácia, a investigação no domínio do
Serviço Social constitui um instrumento
essencial para os técnicos; para as
populações e para os decisores políticos.
Como sublinha Barros, o Serviço Social deve
procurar um enfoque científico sobre os
problemas práticos e, para tal, deve fundar-
se no conhecimento científico, nos métodos
científicos e na sistematização da prática,
contribuindo, dessa forma, para a produção
de conhecimento (Barros e outros, 1993).
Na verdade, para que a sua intervenção possa
resultar eficaz, o Serviço Social necessita
compreender a realidade do seu campo de
acção directa, utilizando procedimentos de
investigação diversificados e adaptados ao
carácter multidimensional do seu objecto, não
se podendo limitar a conhecimentos gerais e/ou
produzidos noutras áreas.
De igual modo, só a investigação sobre a
própria actividade profissional do Serviço
Social pode dar lugar ao conhecimento
teórico acerca da sua natureza e
fundamentos, ao nível do objecto,
problemas, necessidades e modelos de
actuação (Caparrós e outros, 1997).
É, todavia, de sublinhar que, no seu esforço de
construção de saber científico e,
consequentemente, da própria identidade de
disciplina científica, o Serviço Social deparou-se
com dificuldades, algumas de natureza singular,
outras partilhadas com as demais ciências sociais
e que, como tal, têm sido mais amplamente
referenciadas, analisadas e debatidas.
De facto, o paradigma científico da
Modernidade exaltou as qualidades de
método (científico), de objectividade, de
causalidade linear, de mensuração e de
generalização, enquanto requisitos essenciais
à produção de conhecimento.
Ao constituir-se como disciplina, o Serviço
Social procurou um compromisso com estes
requisitos, desenvolvendo métodos de
investigação e de intervenção, fundados no
princípio da objectividade e da
imparcialidade.
Seguindo o princípio-base da ciência positivista, os
primeiros desenvolvimentos do Serviço Social
fundaram-se na premissa de que, também em
sociedade, todo o efeito tem uma causa. Assim, a
investigação cuidada dos factos sociais,
consubstanciada no diagnóstico social, seria a única
via para a identificação das causas dos problemas
sociais, condição sine qua non, para a sua solução
eficaz.
Para cumprimento dos requisitos de
objectividade, imparcialidade e causalidade,
no processo de produção de conhecimento
científico, o Serviço Social depara-se,
inevitavelmente, com alguns
condicionalismos facilmente identificáveis.
Em primeiro lugar, o facto de às condutas e
comportamentos individuais (manifestos)
subjazerem motivos profundos (invisíveis)
que é essencial explorar, torna difícil
conseguir condições experimentais que
cubram a complexidade e imprevisibilidade
dos fenómenos individuais e sociais.
Em segundo lugar, este carácter de
complexidade, imprevisibilidade, mas
também de mutabilidade, de que se
revestem estes fenómenos, dificulta o
estabelecimento de causalidades lineares, de
tipo, uma causa — um efeito.
Finalmente, o estudo de fenómenos sociais
não pode reclamar-se pleno de
objectividade, na medida em que estes
fenómenos se ligam aos contextos e sentidos
da vida dos próprios investigadores que, por
eles são, também e necessariamente,
afectados.
Neste caso, a procura da objectividade não
poderá, em rigor, ser mais que a procura do
conhecimento "para além de nós", isto é, uma
atitude de abertura à realidade que
ultrapasse as falsas evidências, os pré-
conceitos e as apropriações do senso comum.
Segundo Powell (2002), independentemente
das diferentes abordagens à questão da
investigação em Serviço Social, deve existir
consenso relativamente aos seus dois
objectivos fundamentais: melhorar a
intervenção prática e promover o
desenvolvimento.
A investigação de tipo científico constitui-se,

assim, como a forma mais segura, mais

rápida e mais eficiente de conhecer a

realidade para melhor a transformar.


A capacidade científica de análise do seu

objecto e a investigação acerca de respostas

inovadoras são essenciais, enquanto

elementos orientadores da intervenção

social.
A metodologia da investigação em
Serviço Social

As questões do método e das técnicas de


investigação são recorrentemente
abordadas na análise ao
desenvolvimento científico do Serviço
Social.
A metodologia de investigação em Serviço Social surge
a partir da acumulação e sistematização de
experiências práticas e dos contributos das diversas
ciências humanas e sociais.

Por outro lado, e no que toca às técnicas de


investigação utilizadas, embora elas sejam partilhadas
com outras ciências, diferenciam-se pela finalidade
que adquirem e pela especificidade da sua utilização
no Serviço Social.
Em termos da metodologia de investigação
em Serviço Social, distinguem-se a
metodologia quantitativa, assente na
medição dos factos sociais e a metodologia
qualitativa que procura a interpretação da
realidade através dos significados
subjectivos.
A metodologia quantitativa representa uma tentativa
de extensão, para as ciências sociais, da metodologia
usada pelas ciências naturais. O investigador pauta a
sua conduta pela objectividade, restringindo a sua
implicação com o objecto de estudo ao estritamente
necessário para a recolha de dados. Nesta função de
apreensão do objecto de estudo o investigador limita-
se a acumular dados que, só posteriormente, serão
processados e tratados.
O objectivo da metodologia quantitativa é a
formulação de leis gerais e, para o atingir,
recorre à lógica hipotético-dedutiva que tem
a vantagem de permitir as generalizações, ao
mesmo tempo que coloca em evidência nexos
causais entre fenómenos.
A metodologia quantitativa realiza estudos com
grande número de indivíduos, seleccionados com
recurso a técnicas de amostragem, a quem são
aplicados testes com medidas objectivas e
quantificáveis (escaIas, intervalos, frequências).
Estes testes são, depois, submetidos a análise
estatística que sustente as inferências e
generalizações.
A metodologia qualitativa constitui-se como

uma categoria mais flexível, tanto ao nível da

formulação do problema, quanto no plano da

recolha da informação.
Relativamente ao investigador, a metodologia
qualitativa admite á existência de elementos
que comprometem a sua objectividade.
Defende, mesmo, a implicação do investigador
com o objecto de estudo, considerada a única
forma de atingir um conhecimento profundo do
mesmo — o homem como instrumento de
investigação.
Neste processo de implicação com o objecto

de estudo, os processos de recolha de

informação e a sua interpretação decorrem

em simultâneo.
O objectivo da metodologia qualitativa é a
interpretação (compreensão) dos fenómenos
e, para a conseguir, recorre à lógica indutiva.
A investigação de tipo qualitativo centra-se
no particular e a sua teoria funda-se na
realidade (grounded theory).
Do ponto de vista das técnicas e instrumentos
de investigação, favorece os que lhe
permitem obter conhecimento em
profundidade dos significados subjacentes aos
fenómenos, como sejam, a observação
participante, as entrevistas os focus group,
ou as histórias de vida.
Identificam-se, assim, duas orientações
principais, da investigação científica em
Serviço Social. Estas orientações remetem
para a questão central da abordagem da
realidade fundada na objectividade ou, em
oposição, na subjectividade.
A filiação num destes paradigmas traduz-se,

como vimos, em opções metodológicas

totalmente distintas, em termos de

quantitativo ou qualitativo.
A primeira, influenciada pelo paradigma
empirista (experimentação e quantificação)
dotou o Serviço Social de destreza na
investigação, capacidade de previsão e
instrumentos para avaliação das
intervenções.
Todavia, esta análise fundada em causalidades
lineares, a exaltação da objectividade do
investigador e a defesa da universalidade das
conclusões, tornam esta orientação
particularmente vulnerável a críticas à
profundidade das suas conclusões, face à
comprovada complexidade dos problemas
investigados.
A segunda orientação, dominada pelo paradigma
heurístico, ao destacar a complexidade e
imprevisibilidade do real, rejeita a existência de
conclusões universais e as condutas objectivas do
investigador.

Na sua defesa de uma abordagem contextualizada dos


problemas e, por isso, privilegia os pontos de vista e os
juízos individuais, e a profundidade de análise em
detrimento das verdades estatísticas.
No que respeita aos procedimentos científicos
utilizados pelo Serviço Social, identificam-se
como mais frequentes (Caparrós e outros, 1997:
17-18):
A comparação, que permite correlacionar
fenómenos;
A classificação, que ordena elementos e
fenómenos, mediante critérios determinados;
 A experimentação, que usa a modificação deliberada do
fenómeno para identificar nexos causais;
 A análise, que segmenta os fenómenos para os descrever e,
posteriormente os reintegra no todo, explicando-os;
 A medição, que procura relações quantitativas entre
fenómenos;
 A inferência, que extrai conclusões generalizadas a partir dos
factos observados;
 A avaliação, que determina os resultados da acção;
 O registo e sistematização, que produzem teoria a partir da
prática.
A investigação-acção
Na investigação em Serviço Social tem-se
destacado a metoclologia da investigação-
acção, originariamente desenvolvida por Kurt
Lewin, na década de 1940.
Comparativamente a outras formas de
investigação, a investigação-acção parece
constituir uma metodologia particularmente
adequada aos objectivos práticos do Serviço
Social.
Os fundamentos da investigação-acção estão

muito próximos de uma concepção das

ciências sociais como solução para os

problemas sociais (Barbier, 1996).


Por inspiração do processo científico nas
ciências naturais, em que o conhecimento dos
fenómenos serve para solucionar esses
fenómenos, as ciências sociais afirmaram o
seu propósito de utilizar métodos e resultados
científicos para conseguir, primeiro, o
conhecimento e, depois, a resolução dos mais
diversos problemas sociais (Viscarret, 2007).
A investigação-acção tem como objectivo
resolver problemas de carácter prático, para
os quais não existem soluções baseadas na
teoria, através do emprego do método
científico. Este objectivo implica entender as
dinâmicas sociais na sua génese e interrogar-
nos sobre as intervenções realizadas funções
de compreensão e avaliação.
Trata-se, assim, de um processo que é,
simultaneamente, de investigação e de
aprendizagem, onde a descoberta de elementos
acerca do funcionamento social tem como
primeiro propósito desenvolver (e avaliar)
possibilidades de melhoria desse funcionamento
(Ferreira, 2008).

A investigação-acção constitui-se, assim, como


resposta a quatro interrogações fundamentais:
 Para que serve o conhecimento (se não reverter
em benefício para as pessoas)?
 "Ao serviço de quem" está o conhecimento?
 Pode haver uma ciência que não seja de
intervenção?
 Pode fazer-se intervenção sem fundamentação
científica?
Como resultado, propõe uma concepção
pragmática do conhecimento rejeitando a
ciência contemplativa, isto é, afirmando que
a razão de ser da ciência reside na sua
possibilidade de intervenção na realidade,
transformando-a e, por essa via, melhorando
as condições individuais e sociais.
A estratégia da investigação-acção
corresponde a uma estrutura lógica e
científica de abordagem da realidade, na
medida em que delimita o problema,
explora-o e investiga-o, interpreta-o e
analisa-o e, finalmente, oferece respostas e
soluções para esse mesmo problema
(Caparrós e outros, 1997).
Existem, no entanto, limitações da utilização
da investigação-acção, nomeadamente, pelo
facto de, por defender uma perspectiva
sistémica (e perante sistemas complexos) ter
dificuldade em apreender causalidades
lineares, isto é, em termos de causa/efeito.
Por outro lado, o facto de ter um carácter

dirigido (que parte de um problema concreto

e localizado), não permite a generalização e

dificulta o controlo dos resultados obtidos.

Você também pode gostar