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Lev Vigotski: Contribuições de um amante da arte que revolucionou a

educação
Isabelle Cerqueira da Silva

RESUMO
Inicialmente será apresentada uma breve biografia de Lev Seminovish Vigotski
e seu contexto pessoal, em seguida serão abordadas suas principais temáticas
com embasamento teórico em diferentes artigos referenciais já publicados. Por
fim, será feita uma análise-reflexiva utilizando-se das observações e da leitura
assimilativa. O artigo tem por objetivo apresentar uma síntese interpretativa e
identificar o contexto-histórico em que Vigotski viveu, as linhas de pensamento
e por fim, a sua importância e a influência de suas ideias na educação e no
desenvolvimento psicológico do indivíduo.
Palavras-Chave: Lev Vygotski. Educação. Desenvolvimento.

Introdução
Fundador da psicologia histórico-cultural ou psicologia interativista socio-
cultural, o psicólogo, professor, apreciador da literatura, da história e do teatro
trabalhou como crítico, ator, diretor de teatro e foi chefe de cargos
organizacionais. O bielo-russo nasceu no final do século XIX na cidade de
Orsha, no império Russo, em família judaica, e apesar de impedido de ir à
escola, seus pais foram grandes incentivadores intelectuais. Rodeado de
estímulos, Lev Vygotsky se graduou em direito e transitou por diversas áreas
multidisciplinares na sua formação, algo decisivo para a base de suas ideias e
da sua forma de pensar. Morreu jovem de tuberculose e deixou um legado na
psicologia e pedagogia com sua marcante, produtiva e revolucionária trajetória.
Suas obras mais conhecidas são “Pensamento e Linguagem”, “Psicologia da
Arte”, “Pedologia da Idade Escolar”, “Pedologia da juventude” e “Pedologia do
Adolescente”.

Principais resultados

I. Vida e obra de Lev Vygotsky

a) Traduções e Apropriações
As obras de Vigotski sofreram alterações e tiveram suas ideias originais
deturpadas, ao exemplo da palavra Obutchenie. Com o significado de
instrução, segundo Zoia Prestes, o conceito é uma atividade que tem seu
sentido nela própria, “daí porque se pode afirmar que a atividade contém nela
própria os elementos que promovem o desenvolvimento”. O conceito foi
alterado para aprendizagem pelo fato de que, no Brasil, a palavra¹ ser
frequentemente associada à forma de transmitir e adquirir conhecimento junto
de um papel de passividade. Contudo, a palavra não existe na língua russa.
Não obstante, na versão mais recente do livro Psicologia e arte “fala” foi
distorcido para “linguagem” e zona de desenvolvimento iminente traduzido para
zona de desenvolvimento proximal ou zona de desenvolvimento imediato.

Na própria linguística está presente a diferença entre linguagem e


fala. A fala é uma categoria da linguagem e, portanto, língua e fala
não são a mesma coisa. Tudo o que diz respeito à fala diz também
respeito à linguagem, mas nem tudo o que diz respeito à linguagem
pode ser entendido como fala. Para Vigotski, a fala está relacionada à
principal neoformação da primeira infância e graças a ela a criança
muda a sua relação com o ambiente social do qual é parte integrante.
É importante destacar que a certeza de que Vigotski, em seus
estudos, está referindo- -se à fala e não à linguagem encontra
fundamentos em seus próprios trabalhos, quando conhecemos suas
ideias sobre o sentido da palavra que se realiza na fala viva,
contextualizada. Inicialmente, diz Vigotski, a fala é um meio de
comunicação, surge como uma função social. Aos poucos, a criança
aprende a utilizá-la para seus processos internos e a transforma em
um instrumento do próprio pensamento; o domínio da fala leva à
reestruturação da consciência (p. 217).

As traduções, segundo Prestes, sofreram descuidos e intencionalmente


quiseram esconder seu comprometimento político, ou seja, a força da influência
da cultura e do contexto histórico é hiper evidente não somente na obra, mas
também nas traduções, nos cortes e na censura.

b) Vivência em Vigotski
A importância da vivência para o autor está na possibilidade de transformação
da expressão estética em percepções e impressões individuais. Relacionada
às emoções e às experiências pessoais da existência, a arte a partir do
despertar de afetos, conseguiria transmitir tais vivências e assim, expressar o
inefável, condição em que a linguagem e as palavras através de um discurso
são insuficientes e incapazes. A possibilidade de comunicar uma dada vivência
depende de vários fatores, e o pensamento está limitado tanto às condições
psicossociais existentes na interação quanto ao conteúdo, interações para
concluir o objetivo da linguagem, a comunicação efetiva. A arte, dessa forma,
enquanto mediadora simbólica, tem a potência de exercer a função de
comunicar, apesar de não apresentar o discurso e de que cada sujeito encarar
e interpretar a partir de suas próprias estruturas psíquicas.
c) Conceitos, desenvolvimento, Pensamento e Linguagem
O desenvolvimento de conceitos ocorre a partir de processos contínuos, diz
respeito a exercer uma atividade em que se deseja dominar, não se limitando-
se a entrar em contato com o objeto e é acompanhado de outros. Por trás de
cada conceito se oculta uma ação objetal-cognitiva especial (Davidov 1988, p.
153), ou seja, há a formação de operações mentais a partir dessa atividade,
que está associada ao período de desenvolvimento psíquico, cuja formação de
conceitos vai além da apropriação e do estudo teórico de um objeto e passa
por um longo caminho de pensamento e linguagem, de educação, formulações
de sentidos e significados. Ainda sobre a linguagem e o pensamento:
Não há como estudar o pensamento e a fala a não ser pelo método
dialético, que confere um caráter histórico às questões ligadas ao
comportamento humano. Ele afirma que a questão do pensamento e
fala supera os limites das ciências naturais e se transforma em um
fato histórico-social (Vygotski, 1934/2001). Segundo ele, é pela
aquisição da fala que nos relacionamos socialmente e, ao mesmo
tempo, interferimos na construção do meio. O que o sujeito pensa,
interpreta e expressa é o que ele apreende de seu entorno, mas
também, dialeticamente, é pela fala que este mesmo sujeito pode
interagir e transformar o mundo (Vigotsky, 1931/2007).

Em suma, para alcançar a verdadeira internalização de conceitos, a teoria tem


de ser alinhada à prática da atividade a partir dessa mediação sujeito-
sociedade. O sentido é algo particular, construído a partir de processos
singulares de vivências e percepções e dependente do interpretador e do
contexto em que se está inserido. Então, se o contexto histórico-cultural, -
responsável pela estrutura psíquica e cognitiva - altera, o sentido também há
de se alterar.

II. Produções de Lev Vigotski.

a) Arte e Criação na infância


A partir do ato de criar uma situação imaginária, de dramatizar e do brincar
ativo, a criança coloca em prática a sua imaginação e tem um grande potencial
frente ao desenvolvimento infantil, da própria imaginação, da criatividade e do
pensamento abstrato. E em especial, através do teatro e afastada de
pretensões estéticas, a brincadeira lúdica fornece concretismo à sua
elaboração mental e aos seus desejos.
Assim, na brincadeira, a criança é incorporada num mundo de pernas
para o ar, que não abala, mas, ao contrário, reforça as regras do
mundo real: “até o absurdo é para a criança um instrumento de
domínio da realidade” (VIGOTSKI, 2001, p. 328 [VYGOTSKY, 1971,
p. 259]).

b) Estética e Educação
Para o autor, duas considerações importantes são apontadas sobre arte, moral
e educação estética: primeiramente, a arte com propósito moral deve ser
evitada, pois para ele não existe certeza do efeito causado no leitor e pode-se
chegar a diversas interpretações e conclusões morais. Ainda para ele, outro
ponto problemático é “impor à estética problemas e objetivos que lhe eram
estranhos” (p. 328)

III. A arte na Psicologia de Vigotski.

a) Arte e Catarse
A catarse é o efeito emocional da tragédia sobre o espectador que,
identificando-se com as personagens, sentiria piedade e terror (Barros et al,
2011; Leite, 2015; Wedekin, 2015). De acordo com Müller, passa-se de um
estado de desprazer para o de prazer, porém o autor põe-se a discordar da
visão aristotélica e Freudiana de que esse sentimento estaria reduzido a uma
descarga emocional e de que a arte é reflexo objetivo da realidade, e ainda,
acrescenta o poder de transformação dos sentimentos pela reação estética e a
superação do conteúdo pela forma (Ramos, 2015; Schühli, 2011; Zanatta &
Silva, 2017). A mediação da arte ocorre nas relações humanas por meio da
catarse, o elemento gerador de prazer, e contrapondo às teorias psicológicas,
essa é própria do espectador e vai além do contágio passivo de sentimentos,
visto a postura ativa do próprio, que a partir de conflitos e sofrimento (Schühli,
2011). No mais, ao exprimir, induzir a sentimentos contraditórios e provocar um
curto-circuito transformador (Zanatta & Silva, 2017) há a ocorrência do
equilíbrio do sujeito e da reorganização psicológica, através da preparação
indireta da arte e de seu processo simbólico e tranquilizador chamado catarse.
Pelas palavras de Vigotski (1965/1999b), a arte é “uma organização do nosso
comportamento visando ao futuro, uma orientação para o futuro, uma exigência
que talvez nunca venha a concretizar-se, mas que nos leva a aspirar acima da
nossa vida o que está por trás dela” (p. 320). Assim, a arte assume uma função
organizadora antecipatória, permitindo uma nova organização do psiquismo
(Barroco & Superti, 2014; Guimarães, 2000).
Ainda sobre a reação estética:
A reação estética permite, por meio da imaginação e fantasia, a
solução e reelaboração de sentimentos, mediando aspectos
subjetivos e sua objetivação na realidade concreta através da catarse.
O processo de catarse, portanto, promove um redimensionamento da
consciência, que traz à tona sentimentos e emoções elaborados por
meio da vivência estética (Guimarães, 2000; Magiolino, 2014;
Wedekin, 2015).

b) O teatro para Vigotski


arte fundamental da vida e da formação do psicólogo desde novo, Vigotski
destaca bem não somente a importância da arte na construção da identidade
de um sujeito social e coletivo, mas também da diferença entre o teatro adulto
e o infantil, sendo o primeiro recheado de regras e elementos para um
resultado qualificado, enquanto o último enfatiza o processo, o drama, e
através da brincadeira a criança se envolve na atividade, na ação e exercita a
sua imaginação. Dessa maneira, ao se envolver com a atividade, o teatro se
torna um veículo e incentivador do desenvolvimento e da criatividade humana.
c) O trágico
A ideia de trágico de Lev. S Vigotski se diferencia de Aristóteles à medida em
que para o filósofo grego não existe solução para o conflito da tragédia e para
seu final infeliz, enquanto para Lev, a experiência estética pode ser
acompanhada de elaboração e transformação dos sentimentos, mesmo que
nem sempre chegasse ao prazer, assim como em “Hamlet”. Vigotski (1999) fala
sobre os pontos misteriosos, angustiantes e sombrios da tragédia, e nesse
ponto onde ocorre a aproximação com o expressionista Pavel Filonov, cujas
obras refletem o papel do trágico, do negativo, do mistério e do inefável. O
trágico, então, decorre dos próprios alicerces da existência humana (1999) e
acompanha o ser humano desde o nascimento, do seu isolamento à solidão.

Conclusão
Ao finalizar a leitura das obras ficou evidente a importância da sua teoria para o
desenvolvimento humano e para a educação. Nessa perspectiva, a educação,
a arte, a linguagem e o pensamento andam juntos em caminho com o
desenvolvimento. A arte com sua função disruptiva, transformadora, educadora
e prazerosa, afastada de pretensões estéticas tem um potencial enorme na
formação do indivíduo. O brincar e o teatro, bases essenciais para a
criatividade, imaginação e para um desenvolver saudável e expressivo. Desse
modo, ainda ocorre as funções mentais superiores, socialmente formadas e
culturalmente transmitidas pela interação e mediação do indivíduo-cultura, que
ocorre a partir da linguagem através de seus símbolos, signos e significados.
Referências

1. PRESTES. Zoia. Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev


Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados,
2012.

2. TOASSA, Gisele. Relações entre comunicação, vivência e discurso em


Vigotski: observações introdutórias. Psicol. educ., São Paulo, n. 39, p.
15-22, dez.  2014.  

3. PORTO, Kaira e MARTINS, Ligia. Formação de sistemas conceituais e o


desenvolvimento do pensamento: implicações para a educação
escolar. Nuances: estudos sobre Educação, Presidente Prudente-SP, v.
29, n.3, p.4-22, Set./Dez., 2018.

4. SOUZA, Vera Lucia Trevisan, ANDRADA, Paula Costa de. Contribuições


de Vigotski para a compreensão do psiquismo. Estudos de Psicologia.
Campinas. 30(3) pp 355-365. julho – setembro, 2013.

5. MARQUES, Priscila Nascimento. O “jovem” Vygótski: inéditos sobre arte


e o papel da criação artística no desenvolvimento infantil. Educ. Pesqui.,
São Paulo, v. 44, e183267, 2018.

6. WEDEKIN, Luana Maribele; ZANELLA, Andrea Vieira. L. S. Vigotski e o


ensino de arte: "A educação estética" (1926) e as escolas de arte na
Rússia 1917-1930. Pro-Posições, Campinas, v. 27, n. 2, p. 155-176,
Aug. 2016.

7. FARIA, Paula Maria Ferreira de; DIAS, Maria Sara de Lima; CAMARGO,
Denise de. Arte e catarse para Vigotski em Psicologia da Arte. Arq. bras.
psicol., Rio de Janeiro, v. 71, n. 3, p. 152-165, dez. 2019.

8. BARROS, Edlucia Robelia Oliveira de; CAMARGO, Robson Corrêa de;


ROSA, Michel Mauch. Vigotski e o teatro: descobertas, relações e
revelações. Psicol. estud., Maringá, v. 16, n. 2, p. 229-240, June 2011.

9. WEDEKIN, L. M. O trágico em Vigotski e Filonov. ouvirOUver, v. 11, n.


1, p. 238-256, 31 dez. 2015.

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