O documento discute as marcas dialógicas presentes na peça teatral "O abajur lilás" de Plínio Marcos. A pesquisa analisa como as personagens apropriam a linguagem umas das outras e reproduzem discursos ideológicos, criando novas significações. A quebra de um abajur na peça representa a busca por liberdade em meio à opressão vivida pelas personagens marginalizadas.
O documento discute as marcas dialógicas presentes na peça teatral "O abajur lilás" de Plínio Marcos. A pesquisa analisa como as personagens apropriam a linguagem umas das outras e reproduzem discursos ideológicos, criando novas significações. A quebra de um abajur na peça representa a busca por liberdade em meio à opressão vivida pelas personagens marginalizadas.
O documento discute as marcas dialógicas presentes na peça teatral "O abajur lilás" de Plínio Marcos. A pesquisa analisa como as personagens apropriam a linguagem umas das outras e reproduzem discursos ideológicos, criando novas significações. A quebra de um abajur na peça representa a busca por liberdade em meio à opressão vivida pelas personagens marginalizadas.
As marcas dialgicas em O abajur lils de Plnio Marcos
Denise Aparecida de Paulo Ribeiro Leppos 8
A presente pesquisa tem por objetivo constatar e analisar o processo de apropriao da linguagem do Outro, de acordo com Bakhtin, na pea O abajur lils, de Plnio Marcos, observando o dialogismo presente, j que dialogia representa o jogo da constituio da comunicao (linguagem), a voz do outro refratando um novo discurso ressignificado. Segundo Bakhtin (1995, p.144), o discurso citado o discurso no discurso, a enunciao na enunciao, mas , ao mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciao sobre a enunciao, pois a palavra o discurso a correia de transmisso entre o mundo e o eu. O dilogo a lngua uma forma lingustica que reflete as interaes e interrelaes dos falantes, pois a linguagem se transformou em um objeto de luta, comunicao e desenvolvimento da sociedade. A linguagem tem em seu interior uma conscincia individual, que est repleta de signos ideolgicos.
Os signos tambm so objetos naturais, especficos, e, como vimos, todo produto natural, tecnolgico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas prprias particularidades. Um signo no existe apenas como parte de uma realidade; ele reflete e refrata uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou apreende-la de um ponto de vista especfico (BAKHTIN, 1995, p.32).
8 Aluna do curso de mestrado em Lingustica pela Universidade Federal de So Carlos (PPGL UFSCAR).
28 O signo no apenas um reflexo, mas uma sombra da realidade, sendo um fenmeno do mundo exterior, aparecendo nas experincias vividas, refletindo a realidade literalmente e refratando-a de forma resignificada, isto , a significao que o Outro quer ou deseja. Todavia, um instrumento pode ser convertido em signo ideolgico, por outro lado, possvel dar ao instrumento uma forma artstica, que assegure uma adequao harmnica da forma funo na produo (BAKHTIN, p.32).
FUSO SIGNO INSTRUMENTO
Na dramaturgia O abajur lils, um simples objeto o abajur expressa metonimicamente, a decadncia do Brasil das dcadas de 60 e 70, por meio das personagens Dilma, Clia, Leninha, Giro e Osvaldo.
DILMA Claro. No tem nada a perder. sozinha e ta com um p na cova. Tem que aprontar. Mas eu tenho um filho para criar. CLIA Trouxa! Trouxa! A bicha deve ter armado alguma treta medonha nas encolhas. S por isso que ele quebrou minha bronca. Mas eu atucano a vida do puto. Sente essa! (Clia agarra um abajur e joga no cho.) (MARCOS, 1975, p.31).
A quebra do abajur representa a transgresso, a busca pela liberdade, objetivo que as personagens tanto almejam. Porm, esto inseridas a uma condio marginal, que torna esse sonho impossvel. A pea (re)produz um discurso ideolgico sobre uma realidade presente no cotidiano de um mundo sociedade marginalizada. A linguagem expressa na dramaturgia expressa impacto, agressividade e crticas poltica dominante e ideologia imposta por ela.
29 Est exposto na obra um contedo de interao social caracterizado pela sua plurivalncia, ambivalncia, isto , a manifestao ideolgica que retrata as diferentes formas de analisar a realidade atual que so as ideologias impostas no apenas por uma sociedade opressora, mas tambm pelas personagens (Tonho e Paco) da pea e de tudo que est ao redor deles. Na pea, suas personagens prostitutas so exploradas por um gigol. Giro um cidado que sobrevive explorando o trabalho dos outros, portando-se como um digno representante da face perversa do opressor. Dilma e Leninha so acuadas pela necessidade de sobreviverem a primeira, por ter um filho para criar e a segunda, por querer ganhar dinheiro. Ambas so oprimidas pela violncia de Giro e caem na descrena, na desiluso, e ficam entregues a um sistema capitalista selvagem que as explora e as joga no lixo social como qualquer material descartvel, insersvel, imprestvel.
(Ao abrir o pano, Dilma acaba de fechar a porta de sada, como se despedisse algum. Volta contando a grana com expresso de desnimo, senta-se na cama e fica olhando o vazio. Est bem apagada. De repente, a porta aberta de sopeto. Dilma leva um grande susto. Entra Giro.) GIRO (rindo) Puta susto que tu levou! DILMA Por que tu no bate na porta antes de entrar? GIRO Queria te pegar no flagra. DILMA Essa que a tua? GIRO Sabia que ia te encontrar a sentada como uma vaca prenha. No quer mais nada. Estou na campana. Assim no d pedal. Tu e a outra no querem porra nenhuma. Que merda! Que merda! [...] DILMA V se eu sou besta de sustentar homem! Tenho um filho pra criar. (MARCOS, 1975, p.9; 12).
30 Essa ideologia que oprime o sujeito e, ao mesmo tempo, o torna capaz de criar suas prprias ideias manifesta em O abajur lils um conjunto de representaes dominantes, que determinada por uma classe dentro da sociedade (Gregolin, 1995, p.17). Em Marxismo e filosofia da linguagem (1995, p.144), Bakhtin afirma que um discurso citado visto pelo falante (locutor) como a enunciao de uma outra pessoa, ou seja, a partir disso, o discurso do outrem passa para um contexto narrativo do eu, porm com alguma conservao do contedo, mas de forma refratada. Em O abajur lils encontramos vrias ideologias, j que um discurso no deve ser analisado apenas na tica do sujeito (personagem), mas tudo que est a sua volta, pois ideologia no algo pronto, formatado, moldado, ela vai se formando a partir das vivncias sofridas na conscincia individual do homem.
[...] a questo da ideologia como algo pronto e j dado, ou vivendo apenas na conscincia individual do homem, mas inserem essa questo no conjunto de todas as outras discusses filosficas, que eles tratam de forma concreta e dialtica, como a questo da constituio dos signos, ou a questo da constituio da subjetividade (MIOTELLO, 2008, p.168).
Entende-se a partir dessa afirmao que h dois tipos de ideologia: a padro e a do cotidiano, a primeira se definiria como sendo aquela que padronizada e imposta todos, enquanto a segunda seria aquela do lugar do nascedouro, das casualidades, das eventualidades, do dia a dia.
A ideologia oficial entendida como relativamente dominante, procurando implantar uma concepo nica de produo de mundo. A ideologia do cotidiano considerada como a que brota e constituda nos encontros casuais e fortuitos, no lugar do
31 nascedouro dos sistemas de referncia, na proximidade social com as condies de produo e reproduo da vida. (MIOTELLO, 2008, p.168-169).
Os dois tipos de ideologia no podem ser separados, pois ela (a ideologia) seria um disfarce da realidade para que as foras dominantes se mostrem como realmente so, cujo objetivo (re)organizar a sociedade. Faz-se presente um grande dialogismo ideolgico na pea O abajur lils, j que as personagens (Dilma, Leninha, Clia, Giro e Osvaldo) reproduzem o discurso do outro, isto , alheio, cujo fito era criar condies para formarem um novo grupo de dominadores. As palavras que usamos no so unas, elas so plurivalentes, outro sujeito j as utilizou, pois as palavras no isoladas, mas sim contextualizadas e a cada uso muda-se algo ou lhe acrescenta alguma novidade, uma nova informao significao.
Evidentemente as palavras que usamos no esto capturadas do vocabulrio: provm do discurso alheio e no so isoladas, mas sim peas que formam parte de enunciaes completas, de textos. No so palavras neutras, vazias de valoraes, mas j alheias e com uma determinada direo ideolgica, ou seja, expressam um projeto concreto, um determinado nexo com prxis (PONZIO, 2008, p.101).
O discurso no nico ele reproduz algo que outro indivduo j disse, um discurso citado, pois ao produzirmos comunicao recorremos a o discurso alheio, visto que, a apropriao lingustica vai desde um processo de repetio at sua reelaborao.
32 O discurso reproduzido, o discurso citado, em suas diferentes formas, no representa somente um tipo especial de discurso, mas tambm est constantemente presente no sentido de que todo discurso um discurso reproduzido, que recorre ao discurso alheio. [...] A apropriao lingustica um processo que vai desde mera repetio da palavra alheia sua reelaborao, capaz de faz- la ressoar de forma diferente, de conceder-lhe uma nova perspectiva, de fazer-lhe expressar um ponto de vista diferente. Porm, permanece semi-alheia, em qualquer caso. A propriedade sobre a palavra no exclusiva e total (PONZIO, 2008, pg.101).
A ideologia dominante est fundamentada na categoria da identidade e no apenas em projetos que pretendem conservar ou mesmo reproduzir as relaes sociais, propondo modificaes e/ou substituies.
A ideologia dominante fundamenta-se, e est presente, na categoria da identidade e est presente no apenas nos projetos que tendem a conservar e reproduzir as atuais relaes sociais, mas tambm nos que se propem a modific-las. O domnio da identidade tamanho que toda forma de reivindicao se baseia na identificao: ter os mesmos direitos dos que mandam, as mesmas oportunidades, a idntica vida, a idntica felicidade de quem ostenta poder. Tudo isso cria um universo comunicativo, no qual tudo o mais so apenas possveis alternativas, mas no qual o mecanismo de identificao, da homologao, exclui qualquer alteridade (Ponzio, 2008, p.12).
O sujeito como tal, representado pelas personagens Dilma, Leninha, Clia, Giro e Osvaldo, manipula a palavra de outrem dando a ela um significado novo para expor suas opinies. Porm, eles no se utilizam apenas do discurso alheio, mas da ideologia do outro. As personagens de Plnio Marcos no se encontram apenas excludas da sociedade, mas tambm sem uma identidade, ou
33 melhor, ocorre um processo de (de)formao da identidade, que muitas vezes so impostas por uma sociedade capitalista, que tem por objetivo o lucro a dominao. Elas vo moldando sua identidade de acordo com a interpelao do meio onde vivem. Segundo Hall (2005, p.21),
Uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito interpelado ou representado, a identificao no automtica, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada. Esse processo , s vezes, descrito como constituindo uma mudana de uma poltica de diferena.
De acordo com ele (2005, p.34), a identidade do sujeito moderno no foi simplesmente fragmentada, mas deslocada. O autor revela um esboo de cinco grandes avanos na teoria social e nas cincias humanas: da descentrao s tradies do pensamento marxista, a descoberta do inconsciente realizada por Freud, o trabalho do lingista estrutural Ferdinand de Saussure, os estudos do filsofo e historiador francs Michel Foucault sobre o poder disciplinar e o impacto do feminismo como crtica terica e como um movimento social. Alm disso, a palavra, isto , a linguagem est presente em todos os atos de comunicao, compreenso e interpretao, pois a partir dela que a transmisso de ideologias ocorre, mesmo quando utilizada de forma marginalizada, como utilizada em O abajur lils.
Toda refrao ideolgica de ser em processo de formao, seja qual for a natureza de seu material significante, acompanhada de uma refrao ideolgica verbal, como fenmeno obrigatoriamente concomitante. A palavra est presente em todos os atos de compreenso e em todos os atos de interpretao (BAKHTIN, 1995, p.38).
34 A palavra manipulada no necessariamente representa algo negativo e nem deve ser dispensada, visto que ela apenas manipulada por pressupor um discurso alheio citado reproduzido, de forma refratada, ou seja, com uma nova significao.
[...] falamos de manipulao da palavra alheia, porm manipulao no tem nenhum significado negativo nem se refere a algo do que se possa ou deva prescindir: todo discurso manipulao do discurso alheio porque necessariamente o pressupe. Aquele deve recorrer a este como seu nico material, visto que s pode ser concebido sobre a base das prticas significantes que um discurso j tenha realizado (Ponzio, 2008, p.102).
Dessa maneira, a ideologia de um sujeito, no caso as personagens, deve ser analisada considerando sua essncia (o sujeito) e todo seu contexto histrico, isto , o que ele j viveu, suas experincias e o que est ao seu redor. Isso se evidencia na pea de Plnio Marcos, pois as personagens so frutos de uma realidade exterior e, para que se compreenda o real significado de cada personagem deve-se analis-las de forma descentrada, ou seja, tir-las do centro e observar tudo que est ao redor do sujeito. Nesse sentido, a questo da
ideologia entendida como relativamente dominante, procurando implantar uma concepo nica de produo de mundo. Enquanto a ideologia do cotidiano considerada como a que brota as causalidades, na proximidade social com as condies de (re)produo humana (BAKHTIN, 2008, p.169).
Essa descentralizao do sujeito cria a ideia de um crculo, pois a vida das personagens gira sempre em torno de um mesmo
35 ideal, de uma mesma situao. Essa circularidade torna a pea mais rica em detalhes, j que essa metfora (crculo roda) pode ser analisada como a vontade que as personagens possuem em se libertarem dos convencionalismos. A roda pode ficar em duas direes: vertical e horizontal, representando as oscilaes vividas por Giro, Dilma, Leninha, Clia e Osvaldo. Numa roda h sempre uma diviso, pois haver pessoas dentro dela e outras que estaro fora dela. Quem est dentro faz parte da cultura dominante e quem est fora, dos dominados. Ambas as peas trabalham os signos ideolgicos de forma refratada, isto , desvia do real tradicional tudo aquilo que faz parte de uma realidade exterior, exemplos disso so: o sapato e a flauta, objetos que adquirem grande significados na pea. Em O abajur lils, a linguagem marginal vai contra uma ideologia imposta por uma minoria elitizada, detentora do controle poltico e dos meios de comunicao. Por esse motivo, as personagens, ao expressarem suas idias, fogem desse controle, contrapondo-se aos valores das classes dominantes.
DILMA Eu no sei se foi ela. GIRO Eu sei. DILMA Ento fala com ela, porra! GIRO Acontece que eu quero escutar da tua boca. DILMA Eu no sei de nada. GIRO Que pena que tu mais amiga dela do que de mim. Que merda! Que merda! Que merda! (pausa). Dilma, eu sempre fui legal contigo. A Clia s te sacaneia. Tu ta nessa fria por causa dela. Teu filho vai se danar por cuasa dela. (Dilma chora.) GIRO Teu filho vai ser veado por causa dela. DILMA (em prantos) Eu no sei! No sei! Se tu diz que sabe, por que tu quer saber de mim? GIRO Quero confirmar. DIMA No sei.
36 GIRO Osvaldo, essa vaca tem que saber. (Osvaldo chega perto de Dilma. Como quem no quer nada, encosta o cigarro aceso nela. Dilma grita de dor.) [...] (Osvaldo pega um alicate e vai apertando o seio de Dilma.) (MARCOS, 1975, pg.55-56).
Assim, toda palavra, todo texto, seja ele escrito ou oral, est conectado dialogicamente com outros textos, outros discursos, outras palavras alheias, que por sua vez, so vivas, esto constantemente em evoluo, pois o discurso social e a ele podem ser atribudos novos sentidos.
Referncias
BAKHTIN, Mikail. Marxismo e filosofia a linguagem. 7. ed. So Paulo: Hucitec, 1995. GREGOLIN, M. do R. V. A anlise do discurso: conceitos e aplicaes. Alfa, So Paulo, v. 39, p. 13-21, 1995. HALL, S. In: A IDENTIDADE CULTURAL NA PS-MODERNIDADE. A identidade em questo. Traduo de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 7-47. MARCOS, Plnio. O abajur lils. 2. ed. So Paulo: Global, 1975. MIOTELLO, Valdemir. Ideologia. In: BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos chave. So Paulo: Contexto, 2008. PONZIO, Augusto. A revoluo bakhtiniana: o pensamento de Bakhtin e a ideologia contempornea. Traduo de Valdemir Miotello (Org.). So Paulo: Contexto, 2008.