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A construção do Enunciado

(Continuação da aula do dia 12/9/22)


Introdução aos
Estudos da Língua
Portuguesa II –
IELP II

Profa. Vanessa
Fonseca Barbosa
(DLCV/USP/CAPES)
Referência • VOLOCHINOV, V. N. A construção do
enunciado. In: ______. A palavra na
vida e a palavra na poesia: Ensaios,
da Artigos, Resenhas e poemas [1930].
Organização, tradução, ensaio

aula: introdutório e notas de Sheila Grillo


e Ekaterina Vólkova Américo, São
Paulo: Editora 34, 1 ed., 2019.
2. O discurso monológico e o
discurso dialógico

• A comunicação discursiva é
constituída por dois momentos: o
enunciado do falante e a sua
A construção do compreensão pelo ouvinte.
enunciado
• O diálogo (troca verbal) é a forma
(VOLÓCHINOV, 1930)
mais natural de linguagem.

• Enunciados aparentemente
monológicos são também dialógicos -
conferência, aula expositiva –
interlocutor vivo e variado (expressão
facial, postura, tosses, troca de
posição etc.).
IAKUBÍNSKI, L. P. O Objetivo: mostrar que o
dialoguítcheskoi rietch diálogo é um fenômeno
(Sobre a fala dialogal), especial do discurso, e
Rússkaia rietch: sbórniki apontar em que consiste
statéi, 1923. esse caráter “especial”
• A linguagem é um comportamento
humano ao mesmo tempo de natureza
psicobiológica e de natureza
sociológica, considerando o estudo da
A linguagem: língua na dependência das condições de
comunicação (ordem sociológica) uma
base fundamental da linguística da
época.
Naturalidade do diálogo:

• A tendência do nosso organismo é a reação, havendo uma


relação estreita entre representações, julgamentos e emoções
com a manifestação discursiva exterior a qual desperta uma
reação discursiva;
• a observação de encontros para discussão de temas científicos
mostrou que as apresentações entram interrompidas por
réplicas, transformando-se em conversas, observando-se uma
tendência ao diálogo (mesmo quem se calava nesses encontros
tinha expressões faciais de quem queria falar);
Naturalidade do diálogo
• Em conferências científicas, por exemplo, observa-se a tendência ao
diálogo, à réplica, manifesta no discurso interior, que acompanha a
escuta da apresentação.
• Frequentemente essa escuta é acompanhada de anotações no
papel, que muitas vezes revelam as réplicas interiores que
acompanham a percepção do monólogo.
• Até mesmo a percepção de um monólogo escrito (livro, artigo)
desperta interrupção e réplica, às vezes, mentalmente, às vezes em
voz alta e às vezes escrito – por meio de grifos, observações nas
margens, listas etc.
2. O discurso monológico e o
discurso dialógico

“Todo orador ou palestrante


experiente sabe muito bem desse
aspecto dialógico do seu
A construção do discurso. Os ouvintes atentos de
enunciado modo algum se contrapõem a ele
(VOLÓCHINOV, 1930) como uma massa indiferente,
inerte e imóvel de indivíduos
alheios que o acompanham. Não,
diante dele está um interlocutor
vivo e de múltiplas faces” (p.
273).
3. Dialogicidade da
linguagem/discurso (rietch) interior

• Intervenções verbais íntimas:


dialógicas, valoração de um ouvinte
potencial

• Condicionamento social da
A construção do linguagem interior
enunciado
(VOLÓCHINOV, 1930) • Linguagem/discurso interior se
fragmenta em réplicas, em
intervenções separadas

• Vozes interiores – visão e opiniões


das classes ou grupos a que
pertencemos

• Sociologicidade da consciência
humana
3. Dialogicidade da
linguagem/discurso (rietch) interior

Polêmica com o interlocutor ouvinte do


discurso interior:

• No fluxo verbal interior: conflito


entre duas ideologias, duas visões de
A construção do classe em luta
enunciado
(VOLÓCHINOV, 1930) • Exemplo ódio feroz pela sociedade
proletária de um contra-
revolucionário (menciona
personagens de Dostoiéviski)

• Contexto atual: os conflitos políticos


entre pró e contra impeachment,
entre “coxinhas” e “petralhas”, entre
esquerda e direita, entre grupos
anticorrupção e o PT.
3. Dialogicidade da
linguagem/discurso (rietch) interior
Exemplo de um artigo de opinião veiculado no site Jus.com.br,
em 07/03/2016:

Brasil: chega de corrupção


Sergio Furquim
A construção do O Brasil é um pais maravilhoso onde não há
enunciado guerra. Onde não há furacões. Onde não há fanatismos
(VOLÓCHINOV, 1930) religiosos. Mas estamos desperdiçando as vantagens em
relação aos outros países.
Brasil um país desgovernado onde a maioria que
comanda não pensa na população, pensa apenas em si
próprio.
Basta verificar os noticiários diários onde só se
fala em corrupção.
Corrupção que de uns tempos para cá só vem
aumentando.
A corrupção vem ocorrendo dentro da cúpula do
governo que ai esta.
Este e o belo exemplo que estamos tendo por
parte do governo. Isto só vai incentivar as pessoas a achar
que a corrupção e normal.
Brasil um pais que tem tudo para se tornar uma
potencia mundial, mas esta desperdiçando a chance.
3. Dialogicidade da
linguagem/discurso (rietch) interior

Exemplo de um artigo de opinião veiculado no site Jus.com.br,


em 07/03/2016:

Brasil: chega de corrupção


Sergio Furquim
A construção do Com a corrupção instalada no governo o pais
enunciado começa a entrar na recessão. Temos que unir e lutar contra a
corrupção. Não podemos ficar assistindo de camarote os
(VOLÓCHINOV, 1930) a poderosos da cúpula governamental tirar proveito próprio
e nt ? enquanto a maioria da população vem passando necessidades
ust res s
e s eito am a
a maioria endividados.
u
q s l in ta Vamos tirar a bunda do sofá ou da cadeira e sair em defesa da
a
ic ão o erm pos nossa pátria.
g
ló s et res Temos que unir as forças não podemos ficar
o
i de uem os d l a acomodados enquanto uma minoria vem levando vantagem
i ção ? Q pect Qua achando que tudo pode devido estar no poder.
pos iado s as as? a? Olha o poder tem prazo determinado o prazo
l a unc doi stic rad deste governo já se esgotou. Chega de corrupção basta de
a n lí e
Qu se e sses esti esp jeitinho brasileiro, esperamos que a justiça abra os olhos.
es o e lhas Chega de nomeações junto ao STF- STJ e outros tribunais, as
m
Co esco
nomeações são para beneficiar quem esta no poder tem que
acabar com todas as nomeações inclusive com o quinto
constitucional.

Texto disponível em: <https://jus.com.br/amp/artigos/47120/brasil-


chega-de-corrupcao>. Acesso em 14 set. 2022.
3. Dialogicidade da
linguagem/discurso (rietch) interior

Entonação e escolha de palavras: Todo


enunciado é construído, considerando o ponto
de vista do(s) ouvinte(s) presumido(s); suas
opiniões e avaliações possíveis determinam
tanto o som interior (ou exterior) da voz
(entonação) quanto a escolha das palavras e a
A construção do sua distribuição em um enunciado concreto.
enunciado
• No discurso interior, soa ainda uma luta de
(VOLÓCHINOV, 1930)
duas vozes contraditórias

• Quando há a perda do ouvinte interno e o


desprendimento ideológico do indivíduo do
ambiente social – alienação/ decomposição
da personalidade social – mundo das
inclinações sensíveis, puramente naturais (a
loucura ou o idiotismo).
3. Dialogicidade da
linguagem/discurso (rietch) interior

Literatura e vida:

A construção do • Os princípios e as condições sociais


enunciado que na vida real criam as
(VOLÓCHINOV, 1930) características e situações que
interessam ao escritor.

• A força expressiva da literatura


depende da força da verdade da
vida contida na obra.
4. A Orientação Social do
Enunciado

• Todo discurso é dialógico, dirigido


ao outro, à sua compreensão e à sua
efetiva resposta potencial.

A construção do • A correlação hierárquica entre os


enunciado interlocutores é o que determina a
(VOLÓCHINOV, 1930) orientação social do enunciado.

• A dependência do peso socio-


hierárquico do auditório considera,
dentre outros elementos: sua classe,
condição econômica, hierarquia no
serviço, título, grau, capital etc.
4. A Orientação Social do
Enunciado

• A orientação social pertence a todo


enunciado e está presente não só no
verbal, mas também no gestual, nas
expressões faciais.
A construção do
enunciado • O auditório do enunciado reflete-se
(VOLÓCHINOV, 1930) na orientação social.

• A orientação social (peso sócio-


hierárquico do auditório) + situação
do enunciado constituem a forma
estilística e a estrutura gramatical
do enunciado.
5. A Parte Extraverbal
(Subentendida) do Enunciado

• Exercício:

Encontrar situações em que “Ah, é


assim” tenha os seguintes sentidos:
A construção do
enunciado - Surpresa
(VOLÓCHINOV, 1930)
- Indignação

- Alegria

- Tristeza
5. A Parte Extraverbal
(Subentendida) do Enunciado

• Todo enunciado contém


um conteúdo ou
significado/sentido
determinado.
A construção do
enunciado • Dificuldade para fixar o
(VOLÓCHINOV, 1930) sentido do enunciado -
“Ah, é assim!” – na falta
das condições em que foi
pronunciado.
5. A Parte Extraverbal
(Subentendida) do Enunciado

• Os três aspectos subentendidos


da parte não verbal:

1) O tempo e o espaço em que


ocorre o enunciado
A construção do
enunciado 2) O objeto ou tema de que trata
(VOLÓCHINOV, 1930) o enunciado

3) A atitude ou valoração dos


falantes face ao que ocorre no
enunciado
5. A Parte Extraverbal
(Subentendida) do Enunciado

• Diferentes situações determinam


diferentes sentidos de uma
mesma expressão verbal.
A construção do
enunciado • A expressão verbal é a resolução
(VOLÓCHINOV, 1930) da situação, é sua conclusão
avaliadora e a condição
necessária para seu posterior
desenvolvimento ideológico.
5. A Parte Extraverbal
(Subentendida) do Enunciado

A construção do
enunciado
Situação
(VOLÓCHINOV, 1930)

Enunciado
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras

• O enunciado pode se constituir do


som da voz (com entonação) ou de
um gesto.
A construção do
enunciado
(VOLÓCHINOV, 1930) • O enunciado só existe em uma
expressão material (verbal ou não
verbal)

• Os três elmentos fundamentais do


enunciado: a entonação – som
expressivo da palavra; a seleção de
palavras e a disposição das
palavras.
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras
• Entonação – variações de altura do tom
laríngeo que não incidem sobre um fonema
ou uma sílaba, mas sobre uma sequência mais
longa (palavra, sequência de palavras) e forma
a curva melódica da frase. São utilizadas, na
fonação para veicular, fora da simples
A construção do enunciação, informações complementares, de
que um certo número, as mais simples, são
enunciado reconhecidas pela gramática: a interrogação
(VOLÓCHINOV, 1930) (frase interrogativa), a cólera, a alegria (frase
exclamativa), etc. A entonação contém os
elementos de informação afetivos,
conotativos, estéticos, pelos quais os
sentimentos e as emoções se unem à
expressão de idéias.
(DUBOIS, J. et al. Dicionário de linguísticia. Trad.
I. Blikstein et al. São Paulo: Cultrix, 1998. p.
217).
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras

• A ENTONAÇÃO:
 estabelece o vínculo entre o
enunciado, sua situação e o seu
auditório;
A construção do
enunciado
(VOLÓCHINOV, 1930)
 atribui significados diferentes a
uma mesma expressão ou palavra:
“Sim!”, “Sim?”;

 é a expressão sonora da
valoração social.
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras
• Almas, na Rússia czarista do Séc. XIX
são os servos ligados à terra. Na Rússia, como
eles não tiveram a passagem da Idade Média
para o Renascimento, os servos só foram
libertados, dessa relação de servidão com a
terra em 1861. Por isso, diz-se que o “Séc. de
ouro” deles é o XIX, quando surgem os
escritores como Tolstói, Dostoiévski e Gógol.

• "Ducha" era como os senhores se


referiam aos servos, por exemplo, se tenho
tantos Duchas, tenho tantos servos. E o enredo
de Almas Mortas se refere aos servos mortos
que ainda não tinham sido computados pela
burocracia oficial. Vamos, então, ler o
fragmento nas páginas 288 e 289.
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras
• Resenha1: Ambientado durante a Rússia czarista, Almas
Mortas foi escrito pelo autor russo-ucraniano Nikolai Gógol e
publicado originalmente em 1842. O autor nos apresenta a história de
Pável Ivánovitch Tchítchicov, um ex-funcionário público que foi
afastado de suas atividades laborais por corrupção. Agora Pável parte
em uma vigem pelo seu país (Rússia) em busca de respeito e
principalmente dinheiro que ele acredita que vai obter por meio de
"bons negócios".
• Pável Tchítchicov é um homem educado, tem boa aparência,
bom de conversa e pode ser visto como empreendedor e a sua meta
de obter respeito e dinheiro pode ser visto como algo normal, mas
para isso ele traça um plano no mínimo bizarro e um tanto quanto
imoral, pois ele deseja comprar "almas mortas".

Em suas andanças pelo país, Pável aproveita-se de uma brecha, uma


lacuna na lei e começa um grande negócio; comercializar identidades
de camponeses mortos, mas que ainda estavam registrados no censo
do seu país. Esse "material" para comércio era algo que não faltava
em seu país, tendo em vista que a Rússia em sua época era um país
predominantemente agrário. Os campos eram na verdade grandes
propriedades rurais que pertenciam aos grandes fazendeiros e nesses
locais existia muitos servos, era basicamente um regime quase semi-
feudal (os camponeses eram praticamente escravos) e a possibilidade
de mortes ocorrerem eram grandes.

1Texto disponível em:


<https://www.sagaliteraria.com.br/2018/08/resenha-511-almas-mortas-
nikolai-gogol.html>. Acesso em 14 set. de 2022.
• Exemplo 1 de Almas Mortas (p. 288-289)
• “É preciso dizer que nós, na Rússia, se ainda não alcançamos os estrangeiros em algumas
coisas, já os deixamos muito para trás no que diz respeito à perícia no trato com as pessoas. É
impossível enumerar todas as nuances e sutilezas de nossas maneiras de dizer quando nos
dirigimos uns aos outros. Um francês ou alemão nunca vai conseguir captar nem entender toda
essa peculiaridade e diferença; eles se põem a falar com um milionário e com um pequeno
vendedor de tabaco quase com a mesma voz e com o mesmo linguajar, embora,
naturalmente, no fundo, se rebaixem diante do primeiro. Entre nós não é assim: temos sábios
que, com um senhor de terras que possui duzentas almas, falam de maneira completamente
distinta de como falam com outro, que possui trezentas, e falam ainda de modo diferente
com um que possui quinhentas, e também não falam com o que possui quinhentas almas da
mesma forma como falam com o que possui oitocentos; numa palavras, mesmo que
cheguemos a um milhão de almas, sempre haverá nuances. Por exemplo, vamos supor que
existe uma repartição pública, não aqui, mas num fim de mundo qualquer, e nessa repartição,
vamos supor, existe um chefe. Peço que observem quando ele estiver sentado em meio a
seus subordinados – por puro medo, ninguém dirá uma palavra sequer! Orgulho, nobreza, e
nem sei mais o quê: é o que seu rosto exprime. É só pegar um pincel e fazer uma pintura: um
Prometeu! Contempla como uma águia, explana e modo fluente, compassado […]”
• Exemplo 1 de Almas Mortas (p. 288-289)
“Essa mesma águia, assim que sai de seu reduto e se aproxima do
gabinete de seu superior, anda como uma perdiz, com os papéis enfiados
embaixo do braço, e tão afobado que bota os bofes pela boca. Em
sociedade ou num sarau, se todos os presentes são funcionários de
escalão inferior, o Prometeu continua Prometeu, mas basta haver
alguém um pouquinho superior a ele, para que ocorra com o Prometeu
uma metamorfose que nem Ovídio poderia imaginar: uma mosca, ainda
menos do que uma mosca, ele é aniquilado, até virar um grão de areia!
‘Ora, esse não é Ivan Petróvitch’, dizemos, quando olhamos para ele. ‘Ivan
Petróvitch é mais alto, esse aí é baixote, magrinho, o outro fala alto, tem
voz grave e nunca ri, e esse, só o diabo sabe o que é: pia como um
passarinho e ri o tempo todo’. Chegamos mais perto, olhamos bem, é
igualzinho ao Ivan Petróvitch! ‘Ora, ora!’, pensamos [...]”.
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras
• Exemplo 1 de Almas Mortas (p. 288-
289), considerações:
 mudança brusca de entonação
corresponde a uma mudança da
situação e do auditório da
A construção do enunciação/enunciado;
enunciado
(VOLÓCHINOV, 1930)
•  desigualdade social encontra sua
expressão nos diversos matizes da
entonação e no corpo (gestos,
movimentos, mímica ou expressão
facial)

 Outros exemplos…
• Exemplo 2 de Almas Mortas (p. 290-291)
• “Pliúchkin já estava parado havia vários minutos, sem falar nada, e Tchítchikov
ainda não conseguia dar início à conversa, desconcertado com o aspecto do
anfitrião e, também, com tudo o que havia em seu quarto. Por muito tempo,
não foi capaz de imaginar com que palavras explicaria o motivo de sua visita.
Gostaria de entrar no assunto dizendo que, como ouvira falar das virtudes e das
raras qualidades de seu espírito, julgava ser sua obrigação vir pessoalmente
apresentar seus respeitos, mas pensou melhor e sentiu que aquilo seria
excessivo. Depois de lançar mais um olhar, com o canto dos olhos, para tudo que
estava no quarto, sentiu que as palavras ‘virtude’ e ‘raras qualidades de
espírito’ podiam ser substituídas, com proveito, pelas palavras ‘economia’ e
‘ordem; e por isso, tendo reformulado dessa maneira seu discurso, disse que
tinha ouvido falar de sua economia e de sua forma incomum de administrar a
propriedade e que, por isso, julgava ser sua obrigação conhecê-lo e apresentar
pessoalmente seus respeitos”.
6. A Situação e a Forma do
Enunciado; A Entonação, A Escolha
e a Disposição das Palavras

• Exemplo 2 de Almas Mortas (p. 290-


291), considerações:
A construção do  processo de seleção de palavra mais
enunciado adequada à correlação social entre o
(VOLÓCHINOV, 1930) falante e o ouvinte, palavra que leva em
conta minuciosa e precisamente todos
os detalhes da pessoa social do
interlocutor, sua posição econômica, sua
classe, sua posição social etc.
• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-293)
• “Inclinando respeitosamente a cabeça para o lado e estendendo para a frente as mãos um
pouco afastadas, como se fosse erguer uma bandeja com xícaras, ele sodrou o corpo
inteiro, com uma agilidade admirável e disse:
- Julguei ser meu dever apresentar-me a Vossa Excelência. Como nutro respeito pelas
virtudes dos homens heroicos que salvaram a pátria no campo de batalha, julguei ser meu
dever apresentar-me pessoalmente a Vossa Excelência.
O general, obviamente, não deixou de apreciar aquele gesto. Depois de fazer um
movimento francamente favorável com a cabeça, respondeu:
- Muito me agrada conhecê-lo. Faça a gentileza de sentar-se. Onde o senhor prestou seus
serviços?
[....].
• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-293)
• [....]
- Minha carreira no serviço público – respondeu Tchítchikov, sentando não no meio da
poltrona nas na diagonal, e segurando com a mão o braço da poltrona – começoy na Câmara
do Tesouro, Vossa Excelência. O desdobramento subsequente se cumpriu em diversos
lugares: na corte de justiça, na comissão de construções e na alfândega.

Pode-se comparar minha vida a um barco em meio a ondas, Vossa Excelência. A


persistência foi a fralda que vesti e, pode-se dizer, foi o leite que bebi, sendo também eu
mesmo, por assim dizer, a própria persistência encarnada. O que sofri na mão dos inimigos,
que atentaram até contra a minha vida, não há nem palavras, nem tintas, por assim dizer,
nem mesmo pincéis que saibam representar, tanto assim que, no declínio de minha vida,
busco apenas um cantinho onde possa passar o resto dos meus dias”.
7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-


293), considerações:

 Construção estilística do enunciado


 Guia da seleção de palavras e sua
A construção do disposição: alta posição social do
enunciado ouvinte – estilo elevado
(VOLÓCHINOV, 1930) Contextualização:
• Quando: anos 1820 e 1830
• Onde: Rússia
• Orientação social: relação entre uma pessoa
excepcionalmente respeitável, poderosa e de aspecto
majestoso – o general Betríchev – e outra menos
poderosa e menos representative, mas ainda de
aspecto “respeitável” – o conselheiro Tchítchicov
7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-


293), considerações:

 Vida real: relação entre a base


econômica e o tipo de intercâmbio
A construção do comunicativo cotidiano
enunciado
(VOLÓCHINOV, 1930)  Situação e o auditório determinam a
orientação social da enunciação e o
tema da conversação

 A orientação social determina a


entonação e a gesticulação
7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-


293), considerações:

Composição temática das enunciações


A construção do
de Tchítchicov:
enunciado  Tema da motivação do conhecimento/
justificação da autoapresentação
(VOLÓCHINOV, 1930)

 Tema da narração da própria vida

 Entonação obsequiosidade (exagero de polidez)


e submissão (Relato do narrador: Inclinando
respeitosamente a cabeça… e sentando-se com a
mão ao braço da poltrona...)
7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-


293), considerações:

Composição temática das enunciações


A construção do de Tchítchicov:
enunciado  predomínio de palavras e expressões
(VOLÓCHINOV, 1930) emprestadas da linguagem livresca eclesiástica;

 grande quantidade de palavras e de expressoes


“descritivas” que substituem as denominações
habituais de alguns objetos;

 ausência do pronome pessoal “eu”.


7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-


293), considerações:

Composição temática das enunciações


de Tchítchicov:
A construção do
enunciado
Omissão do pronome pessoal
(VOLÓCHINOV, 1930)

Verbo no passado – dever já cumprido

Substitui o vocativo com um dative

Resultado: nulidade de Tchítchicov e a grande


importância de seu interlocutor
7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-293),


considerações:

Composição temática das enunciações de


Tchítchicov:

A construção do “pessoalmente” – anuncia a possibilidade de uma


enunciado passagem para um plano mais pessoal
(VOLÓCHINOV, 1930)
Resposta do general (Muito prazer em conhecê-lo.
Queira sentar-se. Onde foi que o senhor serviu?) –
êxito da manobra verbal de Tchítchicov

Adjetivos possessivos

Comparações e metáforas

Repetiçao ou estribilho “Vossa Excelência” – sublinha


orientação fixa do discurso.
7. A ESTILÍSTICA DO ENUNCIADO
COTIDIANO

• Exemplo 3 de Almas Mortas (p. 292-


293), considerações:

A construção do gênero – visita e conversação


enunciado cotidiana com um simples mortal
(VOLÓCHINOV, 1930)

entonação insinuante e bajuladora


presente no ritmo e na entonação das
frases – determinados pela situação e
pelo auditório da enunciação.
Volóchinov (1930)

“Nunca poderemos compreender a


construção de um enunciado (por mais
autônomo e finalizado que ele nos
pareça) sem considerar que ele é só um
momento, uma gota no fluxo da
comunicação discursiva, tão
ininterrupto quanto a própria vida
social e a própria história” (p. 267)
“O bravo guerreiro”, de Gustavo Dahl –
https://www.youtube.com/watch?v=QPNKSj1Hsgg

1) Aponte marcas da orientação social do enunciado nas


réplicas/turnos do empregado, do senador Augusto, de
Péricles e de Miguel.

2) Comente o uso da conjunção “mas” no diálogo inicial do


filme.

3) Comente a sintaxe dos turnos desse trecho inicial do filme:


que tipo de construção sintática predomina.

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