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III SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE LÍNGUA,

LITERATURA E PROCESSOS CULTURAIS


Novas vozes. Novas linguagens. Novas leituras.
ANAIS – VOL. 2 TRABALHOS COMPLETOS ISSN: 2237.4361

O PRECONCEITO ENQUANTO MATÉRIA DE RISO: O CASO D’A SENHORA DOS


ABSURDOS

Graziella Steigleder Gomes (PUCRS - CAPES)

O preconceito na sociedade existe para todos. De fato, mais para alguns que para
outros – pensando-se em termos de etnias, religiões, orientação sexual, etc. À guisa de
ilustração, citamos o dicionário Houaiss (2001, p. 2282), em que aparecem as seguintes
definições, que servem como parâmetro dos registros recorrentes no senso comum:

1. Qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido


sem exame crítico; 1.1. Ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori,
sem maior conhecimento, razão ou ponderação. 2. Atitude, sentimento ou parecer
insensato, esp. de natureza hostil; [...] intolerância.

As atitudes geradas por considerações preconceituosas podem ser de crítica, revolta,


ou mesmo de uma, explícita ou velada, aderência. Assim considerado o preconceito, temos
que, cada um de nós, traz em si características passíveis de se tornarem objeto de chacota. Os
alvos de escárnio são frequentemente as minorias, e essa valoração negativa se dá por parte
dos que se julgam livres de preconceito (tal como a personagem que será objeto de nosso
escrutínio). Esse tipo de relação traz, principalmente na linguagem, marcas de tensão – a
partir de uma perspectiva dialógica. Uma das formas de lidar com isso é tratando o assunto de
modo humorístico.
Segundo Possenti (2014), fatos sociais que podem ser considerados humorísticos e,
portanto, tornarem-se motivo para piada estão relacionados a assuntos populares e
aparentemente sem solução na sociedade (tais como homofobia e racismo). Assuntos novos,
que ainda não tenham se tornado correntes, não parecem se constituir em material profícuo
para criação de piadas.
Tendo em vista o exposto, buscaremos, com base na teoria erigida pelo Círculo de
Bakhtin, constatar de que formas um discurso de intolerância pode ter como objetivo projetar
o riso. Baseados nesse questionamento, como objeto de estudo, elegemos a personagem A
Senhora dos Absurdos, do programa 220 Volts, que vai ao ar no canal de televisão
Multishow139. O bordão da personagem é “[sou] branca, hétero e rica”, delineando um

139
O programa 220 Volts foi ao ar de 2011 a 2013 em 4 temporadas. Atualmente (2015), está no ar a 5°
temporada.
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discurso que pretende ser livre de qualquer tipo de discriminação. Em sua enunciação,
percebe-se a intolerância em relação a negros, índios, pobres, idosos, obesos, analfabetos e
homossexuais, isto é, a grupos minoritários em geral.
Um trabalho com essa temática faz-se relevante e pertinente à medida que pode
contribuir para a compreensão do humor enquanto crítica social, a partir de um discurso
repleto de julgamentos de valor e posições axiológicas pré-determinadas. Tomamos uma
citação de Gonçalves (2015)140, cuja dissertação de mestrado versa sobre charges com temas
polêmicos, e a reformulamos para nosso escopo, a fim de evidenciar a importância de um
estudo como o nosso. Diz a autora que um trabalho dessa natureza:

[...] Torna-se relevante por levar o sujeito a perceber a mobilização dos discursos
sociais evocados nos enunciados do gênero [esquete], a fim de compreender como
acontece a construção dialógica dos sentidos e, nesse ato, levantar a discussão
acerca da formação crítica de [telespectadores]. (p. 8). Grifos nossos.

Para darmos conta do nosso intento, da teoria bakhtiniana, utilizaremos,


metodologicamente, as noções de signo ideológico, vozes sociais, relação eu/outro e gênero
discursivo. Também nos serviremos do trabalho de autores como Patrick Charaudeau, Carlos
Alberto Faraco, José Luis Fiorin, Sírio Possenti, entre outros.
Para Bakhtin e seus pares, a dinâmica dos signos e seus valores são de ordem
multifatorial: envolvem os sujeitos, o contexto e as relações com outros signos verbais ou não
verbais. Para o Círculo, a dinâmica dos signos, sua relação com o contexto e com os parceiros
da comunicação discursiva faz circular valorações, pontos de vistas, edificados a partir das
construções sociais. Nesse sentido, Marxismo e Filosofia da Linguagem apresenta que “tudo o
que é ideológico possui valor semiótico” ([1929] 2014, p. 33). Segue Bakhtin/Volochínov:

Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como todo
corpo físico, instrumento de produção ou produto de consumo; mas, ao contrário
destes, ele também reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo que
é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em
outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.
[...] (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, p. 31)

140
“[...] Torna-se relevante por levar o sujeito a perceber a mobilização dos discursos sociais evocados nos
enunciados do gênero charge, a fim de compreender como acontece a construção dialógica dos sentidos e, nesse
ato, levantar a discussão acerca da formação crítica de leitores.”

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Para Faraco, “ideologia é o nome que o Círculo costuma dar [...] para o universo que
engloba a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as
manifestações superestruturais (para usar certa terminologia da teoria marxista)” (2009, p.
46). À ideologia também se atribui um caráter de ordem axiológica, i.e., toda posição do
sujeito é determinada por uma perspectiva de origem tanto social quanto avaliativa e
ideológica.
Relativamente à personagem que constitui o objeto de nosso estudo, podemos
perceber que sua enunciação está impregnada de signos ideológicos, como veremos a seguir.
Um exemplo desse tipo de consideração é o de que, no esquete analisado, ela se refere aos
“pobres” como “toscos”, e que por esse motivo não são merecedores de um bom tipo de
serviço de assistência à saúde.
Levando-se em conta que nos constituímos na interação por meio da linguagem, é
possível verificar que, em nossas falas ou enunciações, temos, além da nossa própria voz, que
já é por si constituída a partir de diversas valorações, muitas outras vozes sociais, que nos
atravessam subjetivamente. É nesse sentido que, em Marxismo e Filosofia da Linguagem,
capítulo três, que Bakthin/Volochínov ([1929] 2014) discorre sobre o fato de a subjetividade
formar-se a partir do social.
Dessa maneira, nossa voz não é uma, mas composta por várias, as quais se encontram
em constante tensão ideológica. Explica Faraco: “Em outros termos, o [nosso] mundo interior
[que se constitui em uma espécie de “microcosmo heteroglóssico”] é uma arena povoada de
vozes sociais em suas múltiplas relações de consonâncias e dissonâncias; e em permanente
movimento, já que a interação socioideológica é um contínuo devir” (2009, p. 84).
Portanto, ao procurarmos que nossas opiniões sejam aceitas e compartilhadas,
encontramos o paradoxo que é o de nos mantermos singulares ao mesmo tempo em que
desejamos pertencer a um grupo. Assim sendo, o sujeito é construído na relação social com o
outro, num jogo dialógico em que divergentes perspectivas de observar o mundo, bem como
diferentes universos axiológicos, permitem que nos reconheçamos. Somos dotados de
individualidade, mas a construção do nosso ser passa pela coletividade.
Como afirma Charaudeau (2016): “[...] como eu saberia quem eu sou, como teria
consciência de minha existência se não existisse um outro diferente de mim?” (2016, p. 24-
25)
Segue o autor francês: é nas atividades discursivas

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[...] que, na flutuação entre pensamento individual e pensamento coletivo, [os


indivíduos] tomam consciência ao mesmo tempo de sua singularidade e de seus
pertencimentos sociais; é falando que lançam no espaço público inúmeras bolhas de
sabão que flutuam, se entrechocam, explodem e se recompõe em controvérsias sem
fim. (CHARAUDEAU, p. 42)

Por esse motivo, “a percepção da diferença é acompanhada, geralmente, de um


julgamento negativo, pois ameaça a sobrevivência de si mesmo.” (CHARAUDEAU, p. 25) É
assim que precisamos considerar as enunciações d’A Senhora dos Absurdos. O que ela diz se
encontra impregnado de considerações preconceituosas proferidas individualmente, mas que
refletem e são também perpassadas por saberes e dizeres de outras pessoas ou grupos que
compartilham desse ideário preconceituoso.
A respeito de gêneros, nos diz Fiorin (2016) que: “Os gêneros são tipos de enunciados
relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma construção
composicional e um estilo. Falamos sempre por meio de gêneros no interior de uma dada
esfera de atuação.” (p. 68-69) Eles se dividem em primários e secundários: os primeiros se
referem à linguagem do dia a dia, familiar, entre amigos, etc. Já os gêneros secundários se
referem a enunciados mais elaborados, por exemplo, os encontrados nas esferas científicas e
jurídicas. A enunciação da personagem objeto de nosso estudo de se dá pelo que Bakhtin
([1979] 2016) chamará de gêneros primários. O estilo que A Senhora usa é informal, como
uma conversa entre amigos. No esquete objeto do presente trabalho, ela aparece bastante à
vontade, se dirigindo a um interlocutor por ela projetado como um cúmplice de sua
enunciação.
Para propósitos de análise, escolhemos o primeiro episódio da primeira temporada
(2011-2012), que foi ao ar em 25/10/2011. A temática do programa é “Medo”. Visualmente,
no trecho a seguir, temos a personagem sentada em uma cadeira giratória, vestida
elegantemente, em um ambiente requintado. Ela é loira, tem cabelos curtos, é magra, está bem
maquiada, tem a pele alva.
Importa dizer que, na realidade, A Senhora é encenada por um homem que se traveste
de mulher, seu autor-criador é Paulo Gustavo. Ele cria uma caricatura de proporções
hiperbólicas. No esquete abaixo, A Senhora liga para o Ministério da Saúde e propõe uma
“tática” para que o problema da lotação dos hospitais seja solucionado. Logo após o esquete,
passaremos à análise de segmentos que consideramos de maior relevância, consoante aos
ensinamentos do Círculo.

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“Alô, oi. É do Ministério da Saúde, queridos? Eu tô ligando pra falar em relação à


lotação dos hospitais, que é um assunto que vem me amedrontando. Eu tô com uma
tática boa pra isso, que é o seguinte: eu acho que a gente tem que aumentar, de fato,
consideravelmente, o preço do plano de saúde, de forma que a massa, né, os pobres,
o tosco, não tenham acesso aos hospitais, entendeu? Porque aí eu acho que a gente
vai selecionar melhor quem vai frequentar, entendeu? Exatamente. Eu acho, gente,
que assim, quem não tem dinheiro pro plano, eu não digo matar, eu digo, deixar
morr..., fazer vista grossa, digamos assim. Eu acho melhor. (tosse) Uhum, não, isso
aqui é uma tosse minha que eu peguei aqui no Leblon, não dá nada. Exatamente,
entendeu? Então eu acho que é isso. Porque você mexer numa virose de uma pessoa
dessas tá mexendo numa obra que é de Deus, porque às vezes foi Deus que jogou
aquela virose na vida daquela pessoa, e você mexer nisso é até pecado. Caiu. Mas
ele tava concordando com tudo. Mais tarde eu ligo.”

Passemos aos segmentos:

Alô, oi. É do Ministério da Saúde, queridos? Eu tô ligando pra falar em relação à


lotação dos hospitais, que é um assunto que vem me amedrontando. Eu tô com uma
tática boa pra isso [...] eu acho que a gente tem que aumentar, de fato,
consideravelmente, o preço do plano de saúde, de forma que a massa, né, os pobres,
o tosco, não tenham acesso aos hospitais, entendeu? Porque aí eu acho que a gente
vai selecionar melhor quem vai frequentar, entendeu?

Aparecem nessa sequência duas técnicas para que um texto cômico funcione: a quebra
de expectativa e a surpresa. Elas se dão porque, ao invés de A Senhora apresentar uma saída
razoável para esse grave problema social, que é a lotação dos hospitais, ela sugere que a
maneira ideal de lidar com isso é aumentar o valor do preço dos planos de saúde, ou seja,
aumentar a exclusão e o acesso das camadas mais populares ao serviço de saúde.

Eu acho, gente, que assim, quem não tem dinheiro pro plano, eu não digo matar, eu
digo, deixar morr..., fazer vista grossa, digamos assim. Eu acho melhor.

Nesse trecho temos a explicação do porquê do nome da personagem ser “Senhora dos
Absurdos”: a proposta dela é deixar de atender ao público menos favorecido simplesmente os
abandonando à própria sorte. Não matando, mas fazendo “vista grossa”, os deixando, dessa
forma, perecer, sem auxílio de qualquer sorte. O nome da personagem a autoriza, de certa
forma, a proferir esse discurso circulante em nossa sociedade, carregado axiologicamente por
vozes de teor intolerante.

(tosse) Uhum, não, isso aqui é uma tosse minha que eu peguei aqui no Leblon, não
dá nada.

Nesse segmento vemos que, se a tosse (uma possível virose) foi pega no Leblon,
bairro de classe alta do Rio de Janeiro, não há problemas. Subentende-se que, entretanto, se a
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tosse tivesse sido adquirida num bairro de menor classe econômica, talvez isso a fizesse
efetivamente se preocupar com seu estado de saúde.

Porque você mexer numa virose de uma pessoa dessas tá mexendo numa obra que é
de Deus, porque às vezes foi Deus que jogou aquela virose na vida daquela pessoa, e
você mexer nisso é até pecado.

Vê-se aqui que até o discurso religioso entra em pauta quando o assunto é defender-se
do inimigo, que no caso, é o desprovido, o pobre, o “tosco”, como ela mesma o define no
começo do esquete. Para legitimar o descaso com a saúde, relacionado às camadas mais
humildes da população, entra em pauta a vontade de Deus, como se fosse trabalho Dele fazer
com que tal ser humano pegasse determinada doença, e que, assim sendo, não cabe a nós,
homens, interferir nesse processo. Tem-se aqui a inversão do discurso religioso, porque este,
socialmente, se edifica no sentido de ajudar, não de deixar morrer, como a personagem
sugere. Aqui entram também ecos do discurso calvinista, em que Deus escolhe quem salvar,
independentemente de sua trajetória sobre a Terra. Isso não depende das boas ações
praticadas, mas da decisão divina. Certamente, A Senhora se considera uma das escolhidas,
não se sentindo desconfortável em relação ao fato de que há pessoas que não têm acesso aos
serviços de saúde em nosso país, já que ela os possui.
Charaudeau nos diz que: “Segundo os dogmas da natureza, os seres não são iguais
entre si, isso é uma essência, uma marca da humanidade.” (2016, p.101). Esse tipo de
argumento é o que legitima o discurso que promove a desigualdade e a exclusão (no que tange
a raças ou etnias, tal é o berço do racismo). Assim, os destinatários desse discurso excludente
podem aderir à ideia de que existem seres humanos inferiores, que, portanto, não devem ser
considerados membros plenos da sociedade.
Essa é a ideia que perpassa todo o discurso da personagem A Senhora dos Absurdos. A
cada palavra proferida, há uma valoração que se filia a discursos sociais de intolerância. Para
ela, há efetivamente seres humanos inferiores, e ela os desqualifica através de uma fala
irônica e jocosa.
Um outro fator a ser levado em conta é que o programa 220 volts foi veiculado à noite,
em um canal conhecido especialmente por produzir atrações brasileiras de humor. Assim
sendo, o telespectador já sabe que o que vai assistir não tem compromisso com a realidade; é
claro, críticas são feitas, mas os textos humorísticos ou piadas que aparecem parecem ter

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menor grau de potencial ofensivo justamente porque os esquetes são construídos a partir de
assuntos polêmicos.
Devemos também considerar o fenômeno da heteroglossia dialogizada, ou seja, a
personagem encontra-se atravessada por preconceitos e fobias que ela incorporou
naturalmente através do ambiente em que ela cresceu, e provavelmente herdou esse ideário
intolerante das pessoas que a rodeavam, sem deixar passar pela própria consciência e espírito
crítico esses juízos de valor.
Mais uma vez, levemos em consideração o nome da personagem: A Senhora dos
Absurdos. Não temos aqui a individualidade de um ser, mas uma caricatura. É a representação
de uma educação antiquada e preconceituosa. Ela se considera herdeira de uma linhagem
superior e se julga isenta de motivos para tornar-se objeto de escárnio de qualquer sorte. Em
seu discurso humorístico e intolerante, percebe-se um tom de crítica e reivindicação social.
Aparece nessa enunciação um certo tipo de antítese, na qual a personagem diz algo, mas dá
pistas de que deseja expressar o contrário. Essa enunciação revela uma tensa relação entre a
classe dominante e as minorias, mas essa tensão pode ser considerada de modo relativo,
levando-se em conta que

O riso participa organicamente desse processo porque tudo dessacraliza [...]. Rir dos
discursos deixa clara sua unilateridade e seus limites, descentrando-os, portanto. A
consciência socioideológica passa a percebê-los como apenas um entre muitos e em
suas relações tensas e contraditórias. O riso destrói, assim, as grossas paredes que
aprisionam a consciência no seu próprio discurso, na sua própria linguagem.
(FARACO, p. 82)

Finalizando, traremos uma citação de Di Fanti, que se mostra muito produtiva para os
nossos propósitos: “É necessário ir além do dito, do visível, observando que há uma tensão
entre o que é mostrado e o que não é aparente, mas decisivo para produção de sentidos.”
(2015, p. 428, itálico da autora).

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora
34, 2016.

BAKHTIN, M./VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo:


Hucitec Editora, 2014, 16ª. ed.

CHARAUDEAU, Patrick. A conquista da opinião pública. São Paulo: Contexto, 2016.

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DI FANTI, Maria da Glória Corrêa. Discurso, mídia e produção de sentidos: questões de


leitura e de formação na contemporaneidade. Revista do Programa de Pós-Graduação em
Letras da Universidade de Passo Fundo – v. 11 –n.2 – p. 418-438 – jul/dez 2015.

FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. 2ª. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo. As ideias do Círculo de Bakhtin. São
Paulo: Parábola Editorial, 2009

GONÇALVES, Tamiris M. Vozes sociais em confronto: sentidos polêmicos construídos


discursivamente na produção e recepção de charges. PUCRS, Porto Alegre, 2015.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1ª. ed. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001.

POSSENTI, Sírio. Humor, língua e discurso. São Paulo: Contexto, 2014. 1 ed. 2ª.
reimpressão.

Esquete Lotação hospitais <https://www.youtube.com/watch?v=-ks9V8qTmKQ> Acesso em


01 out 2016.

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