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REFERÊNCIA

KRAMER, Sonia. Pela História, penetrando na Linguagem com


Bakhtin”____________________________________________________________________
KRAMER, Sonia. Na História, pela linguagem, indo ao encontro do sujeito com
Vygotsky____________________________________________________________________
in KRAMER, Sonia.Por entre as pedras: arma e sonho na escola. Editora Ática, 1993.

Este trabalho tem o objetivo de realizar uma análise crítica dos capítulos “Pela
História, penetrando na Linguagem com Bakhtin” e “Na História, pela linguagem, indo ao
encontro do sujeito com Vygotsky”, contidos no livro Por entre as pedras: arma e sonho na
escola, da autora Sonia Kramer. Estes capítulos relacionam o ensino da linguagem com a
perspectiva de teorias críticas e historiográficas de dois importantes autores do campo da
linguagem e do desenvolvimento, relacionando história, sociologia, psicologia e educação.
Ao dissertar sobre a teoria de Bakhtin, a autora fala das relações entre história, língua e
arte, fazendo uma importante apresentação didática e crítica da obra do autor. Falando dos
conceitos de enunciação, entoação e interação, Bakhtin valoriza uma concepção de linguagem
que é coletiva e dialógica, rompendo com as dualidades e individualismos tradicionais
trazidos pelo subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Com uma concepção marxista, o
autor faz uma leitura da linguagem como produto e produtora histórica e dialética, sendo
teorizada pela classe dominante como um conjunto de regras distantes da realidade
comunitária. Para ele, a língua é contradição, é ironia, emoção, choro e alegria; ela ocorre de
forma relacional, assim como arte, produzindo realidade e sendo transformada pelo contexto.
Como produtora de subjetividade e pensamento, a língua não é individualista, e, pelo
contrário, introduz o sujeito na coletividade.
Sobre a teoria de Lev Vygotsky, a autora fala sobre a língua como primordial na
construção da psique, do pensamento. Não há pensamento sem linguagem e não há linguagem
fora de um contexto sócio-histórico. O psicólogo soviético foi responsável por uma grande
revolução na história da psicologia e das teorias de aprendizagem ao propor sua teoria de uma
psicologia sócio-histórica, que levasse em conta os atravessamentos de cada sociedade,
rompendo com as teorias supostamente neutras e “higienizadas” do contexto. No campo da
aprendizagem, o teórico defende a potencialidade de aprendizagem da criança, de leitura do
mundo e construção de conhecimento, localizando o professor como auxiliar neste processo.
Assim, Sonia Kramer traz importantes apontamentos, também, sobre a prática do professor,
utilizando-se dos relatos e reflexões de sua própria experiência como recurso na construção do
texto.
Estes capítulos possuem singular relevância muito para além do campo específico do
estudo da linguística; ele mostra que a compreensão da linguagem rompe velas estruturas
históricas dualistas que sobrevivem até à atualidade no campo científico. A partir deste
debate, se percebe a importância de dialogar com outros campos do conhecimento para buscar
o que não se explica no estudo da gramática formalística pura e simples ou na linguística
ascendente da filologia, inaugurada por Saussure. É possível encontrar traços da psicanálise
lacaniana que afirma que o sujeito se inscreve na linguagem e não apenas a recebe ou
introjeta, além de diálogos possíveis com as reflexões de Lélia Gonzalez sobre a linguagem
como produtora e sustentadora de estruturas sociais e psíquicas.
Separar a linguagem do contexto sócio-histórico é incorrer em erro epistemológico, ou
cometer desonestidade, para aqueles que já são conscientes das relações existentes entre um
campo e outro. A concepção linguística de Bakhtin trazida por Sonia Kramer leva em conta as
bases da psicologia Vygotskyana sobre a construção do pensamento, além de lembrar as
concepções freudolacanianas de construção do aparelho psíquico. Em resumo, é compreender
não se é ser humano pensante, nem, tampouco, se constrói relações sem se estar inserido na
linguagem. Portanto, reduzir o estudo da língua a regras gramaticais e estruturas ortodoxas da
linguística é empobrecer o potencial do estudo da língua. Este potencial envolve compreender
a relevância social e histórica da língua, o que é urgente, posto que tudo o que se está tido
como posto na sociedade tem como alicerce a linguagem, desde formas culturais específicas
de comunicação, até estruturas perversas como o racismo e patriarcado.
Linguagem é relação, é coletividade. Ao mesmo tempo que pode ser usada para
fortalecer desigualdades, distâncias e exclusões, também pode passar pelas brechas das
estruturas e produzir resistência. Kramer, ao falar da teoria de Bakhtin sobre a necessária
relação linguística com a esfera artística, levando em conta que a realidade arte mas a arte
também produz realidade, nos leva até a produção de conhecimento, cultura e resistência
popular através da arte. Nos denota Suassuna e Luiz Antônio Simas ao dar abertura de uma
outra concepção da língua possível: aquela que passa através das imposições, que vem da
realidade popular, periférica. Esta arte-linguagem produz conhecimento vivo e relacional,
materializando o que Bakhtin e Vygotsky falam sobre o exercício verbal e do aprendizado da
linguagem serem coletivo, sobre não existir fala individual; o eu só existe a partir do nós.
Portanto, os capítulos aqui resenhados possuem relevância didática, mas também
simbólica e política para a prática do ensino-aprendizagem das linguagens em sala de aula e
em outros espaços, trazendo debates importantes que merecem o olhar sério e comprometido
na construção de uma educação crítica e implicada.

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