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Glossário Bakhtin

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Acabamento
Bakhtin desenvolve a noção de acabamento ao analisar a relação entre autor e
personagem e a criação dessa última. Ao pensarmos na noção de acabamento, há que se
dizer, antes de mais nada, que se trata de uma especificidade estética (relacionado ao
mundo artístico): não é nem ética (relacionado ao mundo da vida), nem cognitiva
(relacionado ao psíquico), embora não se possa desconsiderar uma imbricação de
elementos ativos éticocognitivo-estéticos. No plano artístico, elementos da vida são
reorganizados de modo a compor uma nova unidade, da qual o próprio “autor -criador”
aparece como sendo ao mesmo tempo um elemento constituinte e organizador. O autor
aparece como a apropriação de uma voz social que ordena o todo estético e essa
ordenação é sempre um “ato valorativo”, mas ela só se realiza porque a ele é conferida
ao mesmo tempo uma posição privilegiada em relação ao seu herói e seu mundo: uma
posição exterior. No plano da vida (o plano ético), somente um excedente de visão
permite completar um indivíduo “naqueles elementos em que ele não pode completar-
se.” Eu não posso, ao contemplar-me, realizar um acabamento de mim, pois não me é
possível abarcar todos os elementos plásticos e picturais, isto é, o horizonte atrás de
mim e a minha própria imagem externa, nem expressividades volitivoemocionais que
constituirão um todo. E também porque essa minha autocontemplação se realiza na
linguagem das minhas auto-sensações internas; em outras palavra s, seria
demasiadamente subjetiva. Deste modo, o acabamento que o outro me dá, e que só é
possível a ele pela posição que ocupa em relação a mim, é uma conferência de valores
aos elementos (que me completam) que me são inacessíveis e transgredientes. Como
vivo em sociedade, com outro s, este acabamento é provisório até o encontro com outra
alteridade.

Alma
Interioridade, imediatidade. Nas palavra s de Bakhtin “sou o único em toda existência a
ser eu-para-mim”. A alma é a percepção que o eu tem de si mesmo. Sou o único na face
da Terra que posso tornar-me objeto de análise, para além do sentido empírico. Posso
sentir-me em pensamento. A alma é a experiência de si. Diferente é a experiência do
outro. O meu horizonte nunca se coincide com o horizonte daquele que contemplo à
minha frente. Assim como dois seres não compartilham o mesmo lugar no espaço, não
compartilham também a mesma alma. Sempre devemos voltar a nós mesmos quando de
alguma forma participamos da alma do outro . Se não houver essa volta a nós mesmos,
caímos em uma patologia que não gera nada, pois “sentiremos a dor do outro como
nossa e nada mais”. O outro é um corpo que não responde as nossas vontades imediatas.
Sua interioridade não nos pertence. Não conseguimos sentir em nossa pele o arrepio da
pele do outro , nem conseguimos compartilhar os pensamentos do outro. Essas
experiências são próprias da alma de cada um. A alma é o que é inerente a si mesmo,
ou, é tudo aquilo 
que do outro nos escapa. Nossa alma tem seus limites, “é o todo fechado da vida
interior, o qual é igual a si mesmo, coincide consigo mesmo e postula o ativismo
amoroso distanciado do outro. A alma é uma dádiva do meu espírito ao outro ”. Só
podemos abraçar o outro para nos sentirmos realmente abraçados: Minha imediatidade,
minha alma, não me permite um “auto abraço” emotivovalorativo, só físico. A alma é
um aqui, o outro é um ali. Essa sensação, essa impossibilidade de sentir-se outro , mas
só a si mesmo, caracteriza a presença de nossa interioridade. Jamais vou conseguir me
alojar por inteiro em qualquer objeto, pois “excedo qualquer objeto como seu sujeito
ativo”.

Alteridade
Para Bakhtin, é na relação com a alteridade que os indivíduos se constituem. O ser se
reflete no outro, refrata-se. A partir do momento em que o indivíduo se constitui, ele
também se altera, constantemente. E esse processo não surge de sua própria
consciência, é algo que se consolida socialmente, através das interações, das palavras,
dos signos. Constituímos-nos e nos transformamos sempre através do outro . É isso
também que move a língua . “Toda refração ideológica do ser em processo de formação,
seja qual for a natureza de seu material significante, é acompanhada de uma refração
ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente concomitante.” Nos atos de
interpretação e compreensão, a palavra alheia se faz sempre presente. Na filosofia de
Bakhtin, a noção de alteridade se relaciona com pluralidade, heteroglossia, polissemia,
muitas vozes, ideologia. Em “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin afirma que “é
impossível alguém defender sua posição sem correlacioná-la a outras posições”, o que
nos faz refletir sobre o processo de construção da identidade do sujeito, cujos
pensamentos, opiniões, visões de mundo, consciência etc. se constituem e se elaboram a
partir de relações dialógicas e valorativas com outros sujeitos, opiniões e dizeres. A
alteridade é fundamento da identidade.

Arquitetônica
 Para entender as considerações sobre arquitetônica, contidas em “O problema do
conteúdo, do material e da forma na criação literária” (“Questões de literatura
e estética”), devemos levar em conta algumas considerações de “O autor e o herói ”
(“Estética da criação verbal”). O conceito de arquitetônica presente, inicialmente, em
“Arte e Responsabilidade ”, vincula-se às considerações feitas pelo filósofo russo acerca
da relação entre arte e vida e da noção de responsabilidade. A  arquitetônica é a
construção ou estruturação do discurso – sempre relativamente estável -, que une e
integra o material, a forma e o conteúdo. De acordo com Bakhtin, a arquitetônica da
visão artística organiza tanto o espaço e o tempo quanto o sentido. Um todo
arquitetônico é imbuído da unidade advinda do sentido. O “todo” tem relação com o
acabamento , que se vincula ao excedente de visão como elemento constitutivo basal
tanto da interação quanto da atividade autoral. As formas arquitetônicas (visão artística
e processo de acabamento ) determinam os procedimentos estéticos externos (as formas
de composição): a ordem, a disposição, o acabamento. Assim, a forma arquitetônica é a
concepção da obra como objeto estético. A forma composicional, por sua vez, é o modo
específico de estruturação da obra externa a partir de sua concepção arquitetônica. O
momento arquitetônico, do objeto estético, poderia ser comparado à formação do
gênero, enquanto que o momento composicional, da obra material, poderia ser pensado
como a textualização do gênero concebido. Em suma, podemos dizer que a
arquitetônica é a criação de um todo integrado. Diz-se, também, de uma arquitetônica
do pensamento bakhtiniano, que defende que as categorias desenvolvidas em seus
estudos devem ser compreendidas em diálogo.

Atividade mental
Dado que a consciência adquire forma e existência no signo ideológico, qualquer
reflexão ou tomada de consciência não dispensa a expressão exterior e tampouco pode
dispensar a elaboração ideológica. Por isso, seja qual for a direção inflexiva da
experiência, toda atividade mental, enquanto discurso interior, somente pode realizar-se
a partir de uma orientação social. A atividade mental do eu e a atividade mental do nós
são os dois limites dentro dos quais se realiza a elaboração  ideológica; os distintos
graus na consciência, na clareza e na diferenciação da orientação social da experiência
mental. A “atividade mental do eu” tende para a auto-eliminação; ela constitui o nível
inferior da “ideologia do cotidiano”, e quanto mais próxima de seu limite, mais distante
fica de uma forma acabada. Isto é, quanto menos dotada de um auditório social , menos
dotada será de uma representação verbal e uma modelagem ideológica. Sua atividade
está diretamente ligada ao grau de orientação social, e se não se enraíza socialmente,
fenece e perde sua clareza e modelagem ideológica. Já a “atividade mental do nós”, pelo
contrário, constitui um nível superior na “ideologia do cotidiano”, que está diretamente
vinculada à firmeza e à estabilidade da orientação social. Quanto mais próxima de seu
limite, mais distinta e definida será essa atividade mental . Tal vínculo é de grande
importância, pois quanto “mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a
coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o
seu mundo interior”; a atividade mental deve buscar construir vínculos materiais
objetivos sólidos com seu grupo organizado, pois isso favorece a constituição de um
“terreno mais favorável para um desenvolvimento nítido e ideologicamente bem
formado”; e “quanto mais acultura do for o indivíduo, mais o auditório social se
aproximará do auditório médio da criação ideológica”.

Autor
“O autor é o agente da unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da
personagem e do todo da obra, e este é transgrediente a cada elemento particular desta.”
Bakhtin, em “O Autor e o Herói” (O autor e a personagem), ao conferir ao autor o
caráter de unidade, o coloca em relação dialógica (de responsividade ) com todos os
aspectos de sua obra. Por ter um excedente de visão específico e uma memória de futuro
específica em relação a sua obra, o autor possui um domínio do todo acabado dessa
obra, ao mesmo tempo em que esse domínio responde ao todo de cada uma das
unidades também tensamente ativas que fazem parte da obra. A relação de
responsividade entre o autor e os elementos da obra, principalmente o herói ,
possibilitou o desenvolvimento da noção de equipolência de vozes, fundamentando a
tese de Bakhtin sobre o romance polifônico de Dostoievski, relativizando o domínio do
autor em relação ao todo acabado da obra. Mesmo assim, Bakhtin enfatiza que o autor
se orienta no mundo Estético e o herói “vive de modo cognitivo e ético. Seu ato se
orienta em um acontecimento aberto e ético da vida ou no mundo dado do
conhecimento”. Em contraponto ao formalismo, Bakhtin irá defender que para
encontrarmos o autor de uma obra não é suficiente buscarmos na vida do autor
acontecimento s que se liguem de forma mecânica a um ou outro elemento da obra, mas
atentar para todos os elementos presentes na obra em relação com a unidade tensa e
ativa do todo da obra, unidade da qual é agente o autor. O autor “é participante do
acontecimento artístico”. E nem há uma passagem mecânica de pontos de vista e da
vida do autor-pessoa para os trabalhos estéticos do autor. Para haver acontecimento
estético é preciso haver transgrediência, é necessário haver duas consciências que não
coincidem; caso contrário estamos diante de acontecimentos éticos [quando a
personagem e o autor coincidem ou estão lado a lado diante de um valor comum ou
frente a frente como inimigos, o que se dá no panfleto, no manifesto, no discurso-
acusatório etc], ou acontecimentos cognitivos [um tratado, um artigo, uma conferência],
ou até mesmo acontecimentos religiosos [a outra consciência é uma consciência
englobante].

Carnavalização
Esse conceito nos remete de imediato ao signo carnaval. Porém, é necessário esclarecer
que, dentro da arquitetônica bakhtiniana, este signo possui um significado diferente do
que a maioria das pessoas entende, atualmente, por carnaval, ou seja, um espetáculo de
desfiles que acontece em um local fechado para um público restrito assistir ou ver por
televisão. Bakhtin considera o carnaval como festa popular universal que se passa no
espaço público aberto da cidade (ruas, praças), como momento de liberação das relações
hierárquicas de poder, êxtase do ser, rompimento de regras e tabus, sem privilégios e
assimetrias, apontando para um tempo futuro incompleto, de renovações. A lógica desse
carnaval dionisíaco é a do “homo demens” que o transforma no “lócus” privilegiado da
inversão, da ridicularização e da desobediência a tudo que seja oficial. A essa visão
ativa e dinâmica do carnaval, que é uma forma alternativa e alegre de relativizar as
verdades e o poder, podemos denominar carnavalização . Seu traço principal é o avesso
que se pode evidenciar com permutações entre o alto (cabeça, face = espírito, dignidade,
sagrado, puro) e o baixo (traseiro, genitais = obsceno, profano, sujo). Esses traços se
evidenciam no que Bakhtin chama de corpo grotesco que está em constante movimento
em torno do cosmos e seus quatro elementos: água, ar, terra e fogo. Estes elementos,
submetidos às leis cósmicas, anunciam nascimento e morte de todas as coisas da terra.
Ao contrário do corpo estético padrão do “homo sapiens” apolíneo, o corpo grotesco
não coloca a sexualidade como “raison d’être” da existência humana, uma vez que os
verbos utilizados para caracterizá-lo estão no mesmo eixo sintagmático, sem
hierarquias. Desse modo, urinar, arrotar, trepar, comer, beber, cuspir, defecar etc. nos
remetem a travessuras e diabruras típicas do carnaval, o que nos permite estabelecer um
diálogo com o outro por meio do: a) livre contato – não há diferença entre classes
sociais, pois no espaço aberto da rua e praças todos podem brincar, pular, dançar como
desejam. Todas as fantasias são permitidas. Por exemplo, um homem do campo pode
sair vestido de rei, uma senhora rica pode fantasiar-se de prostituta, homens se vestem
de mulheres. A paródia entra como elemento essencial para separar a barreira entre o
cotidiano e o privado; b) da excentricidade – violam o que é comum e deslocam a vida
ao colocar, por exemplo, bolas de futebol para aumentar as nádegas ou formar os seios,
o que provoca o riso indicando a mudança de poderes, de verdades, renovação; c) das
“mésalliances” - aqui se dá a união de algo considerado superior (rei - oficial) com
outro de valor inferior (escravo – nãooficial). As Saturnais, festa da Roma antiga, nos
serve para ilustrar o que seria a união entre o oficial sério e o nãooficial do riso. Nesta
festa os escravos sentavam-se à mesa e eram servidos pelos seus senhores, o que lhes
conferia um poder efêmero, paródico, invertendo a ordem social; d) da profanação - o
religioso é parodiado, profanado quando, por exemplo, usam-se elementos ou
hierarquias da igreja, considerados sagrados, nas ruas e praças durante o carnaval:
freiras grávidas, padres bêbados. Tais categorias carnavalescas apontam para a morte do
velho e o nascimento do novo que, mesmo que seja de forma simbólica, nos remetem a
um mundo utópico, sem privilégio do individual, sem hierarquias fechadas de valores,
fenômenos e ideologias que imperam na vida extracarnavalesca. 

Contrapalavra
Bakhtin trabalha com esta categoria para mostrar que sempre quando falamos ou
ouvimos, produzimos enunciados que respondem ao nosso interlocutor. Enquanto
ouvimos, também falamos. Ouvir e falar são movimentos de uma mesma atividade.
Desta forma, nossas respostas são formuladas a partir da nossa relação com a alteridade,
ou seja, são contrapalavra s às palavra s do outro. Troco signos alheios por signos
próprios. Desta forma é que construo a compreensão . Compreensão ativa e responsiva.
É importante ressaltar também que a contrapalavra, assim como a palavra , está
estritamente associada ao tema da interação - aos sentidos que são construídos na
interação com outro, e à entonação escolhida para a enunciação . Não é possível
compreender a palavra do outro arrancando a palavra da corrente da comunicação
verbal. Pensando assim, a palavra já é alheia mesmo ainda não tendo sido incorporada
pelo outro .
Cultura
Para Bakhtin, o homem constrói sua existência dentro das condições sócio-econômicas
objetivas de uma sociedade. Somente como membro de um grupo social, de uma classe
social é que o indivíduo ascende a uma realidade histórica e a uma produtividade
cultural . O nascimento físico não é uma condição suficiente para o homem ingressar na
história, pois o animal também nasce fisicamente e não entra na história. “Portanto, é
necessário, um segundo nascimento, um nascimento social , o qual se dá através de cada
fenômeno da cultura que é concreto e sistemático, ocupa uma posição substancial
qualquer em relação à realidade preexistente de outras atitudes cultura is e por isso
mesmo participa da unidade cultura l prescrita”. O domínio da cultura não é uma
entidade espacial qualquer. Todo ato cultural vive por essência sobre fronteiras, sem
estas ele perde terreno, torna-se vazio, pretensioso, degenera e morre. Enfim, deve-se
dizer que nem um ato vive nem se movimenta no vazio, mas na atmosfera valorizante,
tensa, em um mundo vivo e também significante, assim proporcionando e
proporcionado pela cultura em determinado tempo e espaço. 

Dialogia
Conceito da dialética do movimento, da dialética que não exclui, que não exauri a
essência da linguagem: o diálogo Eu/Outro. Dialogia é atividade do diálogo e atividade
dinâmica entre EU e Outro em um território preciso socialmente organizado em
interação linguística. Seria uma dialética que explica o homem pela produção do
diálogo , pela atividade humana da linguagem . As ideias de Bakhtin sobre o homem e a
vida são caracterizadas pelo princípio dialógico. A alteridade marca o ser humano, pois
o outro é imprescindível para sua constituição. A dialogia é o confronto das entoações e
dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões de mundo dentro de um
campo de visão: “na vida agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outro s,
tentando compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa própria
consciência: assim levamos em conta o valor conferido ao nosso aspecto em função da
impressão que ele pode causar em outrem [...]”. Ainda na mesa direção, “A vida é
dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo : interrogar, ouvir,
responder, concordar etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida:
com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se
totalmente na palavra , e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no
simpósio universal” (ano, p.). No movimento dialógico, Bakhtin vê três tipos de
relações: a) as relações entre os objetos (entre coisas, entre fenômenos físicos, químicos;
relações causais, relações matemáticas, lógicas, relações linguísticas etc; b) relações
entre o sujeito e o objeto; c) relações entre sujeito s (relações pessoais, personalistas;
relações dialógicas entre enunciado s, relações éticas; relações entre consciências,
verdades, influências mútuas, o amor, o ódio, a mentira, o respeito, a confiança, a
desconfiança etc.). Na dialogia as vozes estão presentes, as entonações (pessoais –
emocionais) são fundamentais, valoram e ideologizam, as palavra s e as réplicas são
vivas, e as consciências estão em interação . Ao apagar isso tudo, temos a dialética .
Pergunta e resposta não estabelecem relações lógicas, pois não podem caber em uma só
consciência; elas supõem uma distância recíproca, exigem o diálogo.

Dialética
Processo de interação Eu - Outro. O Eu existe em interação com o Outro , porque “ser
significa ser para o outro e, através dele, para si mesmo”. Diferencia-se da dialética
hegeliana, em que o Eu é a negação do Outro, já que o Ser depende do não-Ser, para
constituir-se como Ser criando apenas diálogo s sintéticos e lógicos. Na dialética para
Bakhtin, o Eu não apenas nega, mas, exige a presença do Outro para a constituição do
EU. O Eu necessita estética e eticamente do Outro , sendo que a interação é variável de
acordo com a situação, o espaço, o tempo (cronotopo) e o modo como as partes se
relacionam gerando movimentos – dialogia . Bakhtin vai paulatinamente optando pelo
conceito de dialogia e diálogo , pois para ele a dialética trabalha com conceitos e juízos
abstratos, aceita uma consciência abstrata, transforma enunciado s em orações,
transforma entonações pessoais e emotivas em sons sem relações; não exige
contrapalavras , anula os inter-agentes. A dialética trata doproblema da inter-relação
semântica, e é teorética,  enquanto que a dialogia é vivencial.

Dinâmica psíquica
Bakhtin demonstra que a “dinâmica psíquica” elaborada pela psicanálise como a luta de
forças psíquicas na relação entre consciência e inconsciente é uma noção arbitrária que
transfere para a alma individual a complexidade do jogo social em que o indivíduo se
constitui. Para Bakhtin essa relação se dá entre consciência oficial e consciência não
oficial , sendo os conflitos entre motivos reflexo das inter-relações sociais e, portanto,
como fenômenos da experiência objetiva, ideológicos. O conflito entre motivos, em
verdade, revela a luta entre correntes ideológicas contraditórias que se desencadeia no
terreno da ideologia do cotidiano (do discurso interior e exterior), de modo que a
consciência não oficial (o inconsciente da psicanálise) corresponde às camadas mais
instáveis dessa ideologia, as que se encontram mais distantes da ideologia oficial. Já a
consciência oficial corresponde às camadas superiores, mais estáveis, próximas da
ideologia oficial e enformada. Portanto, a compreensão do comportamento e do
enunciado verbalizado do homem a partir de uma “dinâmica psíquica” que se dá por um
conflito entre motivos subjetivos se mostra como apenas mais uma expressão de uma
visão psicologizante ou de um subjetivismo idealista. 

Discurso Citado
Este termo é trabalhado por Bakhtin, mais incisivamente nos capítulos 9 e 10 do livro
“Marxismo e Filosofia da Linguagem”. Nestes capítulos, Bakhtin desenvolve
suas teorias sobre linguagem a partir de exemplos concretos da utilização do discurso
citado (discurso de outrem) no decorrer dos últimos séculos na literatura, que
desemboca em uma análise mais específica desenvolvida no capítulo 11 do mesmo
livro. Tomando as palavra s do próprio Bakhtin, percebemos um direcionamento claro
da discussão do Círculo com relação ao discurso de outrem: “O discurso citado é o
discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo tempo, um discurso
sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação (...) o discurso citado conserva sua
autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama linguística do
contexto que o integrou”. Com isso, Bakhtin defende que o “contexto narrativo” (ou
contexto de transmissão) e o discurso citado propriamente dito, incluído neste contexto,
fazem parte de uma “inter-relação dinâmica”, que de certa forma “reflete a dinâmica da
inter-relação social dos indivíduos na comunicação ideológica verbal”. Esta relação
social entre os sujeito s falantes faz com que haja uma constante interação verbal.
Assim, todo discurso concreto presente nas diferentes esferas humanas nunca é
totalmente “inédito”, pois traz ecos de outro s discursos, ou seja, discursos de outrem,
reorganizados dialogicamente nas falas dos sujeito s, podendo aparecer mais
explicitamente marcados pelos recursos linguísticos (utilizados estilisticamente pelos
falantes), como no discurso direto, ou de maneira “diluída” e menos marcada, como
ocorre no discurso indireto e indireto livre, este, “a forma última de enfraquecimento
das fronteiras do discurso citado ”(p.).

Diálogo
Bakhtin sustenta que a unidade real da língua é o enunciado posto em diálogo : “a
interação de pelo menos duas enunciações”. Como mundo partilhado, lida-se com o
inconcluso, com uma realidade em constante formação. Nesse mundo partilhado, afirma
Bakhtin, vive-se “em um mundo de palavras do outro, de tal modo que as complexas
relações de reciprocidade com a palavra do outro em todos os campos da cultura e da
atividade completam toda a vida do homem”. A alternância dos sujeito s do discurso é
uma das características do diálogo , que exige um princípio absoluto e um fim absoluto
na ação de cada falante. Essa conclusibilidade específica do diálogo garante a ação
responsiva e estabelece relações de pergunta, objeção, aceitação, ordem etc. O diálogo
real entre dois falantes é constituído por ao menos dois enunciado s plenos a acabados, e
se constitui na forma mais simples e clássica da comunicação discursiva.

Entonação
Bakhtin vai dizer que, na interação , a forma linguística não tem importância “enquanto
sinal estável e sempre igual a si mesmo”. Nesse sentido, no acontecimento das
interações atribuem-se sentidos, negociam-se signo s ideologicamente marcados; e estes
signos estão impregnados de valores. Dependendo da orientação de sentidos e valores
que se responde à alteridade , orienta-se também uma entonação . Ela é considerada
elemento expresso do enunciado , ou seja, “a relação subjetiva emocionalmente
valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do enunciado ” (“Os
gêneros do discurso ”). A entonação registra claramente a presença do outro; por via da
entonação , exprimimos um juízo sobre o que estamos simultaneamente transmitindo
como informação em uma certa enunciação. É como se uma “mesma” palavra ,
impregnada de diferentes entonações, atendesse a novas, irrepetíveis e particulares
situações. A entonação é a minha presença na palavra, é o modo de passar à palavra o
meu ponto de vista, o valor que atribuo àquele pedaço do mundo significado; pela
entonação ideologizo a palavra.

Enunciado/enunciação
Se procurarmos diferenciar enunciado de enunciação , ao levarmos em conta a natureza
dialógica da comunicação discursiva, tal diferenciação perde sua importância. Vemos
que o enunciado é compreendido como elemento da comunicação em relação
indissociável com a vida. Neste sentido, o enunciado concreto é um evento social e não
pode ser reduzido a abstrações. Em “Marxismo e filosofia da linguagem” , a palavra
enunciação é utilizada muitas vezes como ato de fala. A enunciação concreta é a
realização exterior da atividade mental orientada por uma orientação social mais ampla,
uma mais imediata e, também, a interação com interlocutores concretos. Em“Os gêneros
do discurso”, o enunciado é definido como a  unidade real da comunicação discursiva,
diferenciando esta unidade (real) das unidades da língua, como palavras e orações
(convencional). Neste texto, Bakhtin discute as três principais peculiaridades do
enunciado como unidade real da comunicação discursiva: 1. alternância dos sujeitos
falantes; 2. conclusibilidade; 3. escolha de um gênero discursivo . É neste texto também
que Bakhtin afirma que “o desconhecimento da natureza do enunciado e a relação
diferente com as peculiaridades das diversidades de gêneros do discurso em qualquer
campo de  investigação linguística redundam em formalismo e em uma abstração
exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações da língua
com a vida”.

Ética
Em Bakhtin, a ética é uma preocupação constante. Nossa discussão fundamenta-se,
especialmente, em “Para uma filosofia do ato” e “Arte e Responsabilidade”. Nossas
reflexões estão calcadas ainda em “Discurso na vida e Discurso na arte”, tanto no que
diz respeito à ética quanto à estética, concepções impossíveis de serem pensadas
isoladamente. Ato ético refere-se ao processo, ao agir no mundo, à necessidade de
ocupar o lugar singular e único no mundo, o que se liga diretamente à realidade .
Responsabilidade e responsividade são categorias que se associam ao agir ético do
sujeito . Tratar da ética em Bakhtin significa pensar a integralização arquitetônica das
dimensões do sujeito humano estudadas pelo Círculo, “na unidade da responsabilidade
”. Responsabilidade de todo e qualquer sujeito humano. Bakhtin afirma que todo
discurso é respondível porque todo discurso é dialógico e porque o sujeito responde por
seus atos no mundo, porque ele é responsável por eles. O ato respondível corresponde,
então, ao ato ético, pois envolve o conteúdo do ato, o seu processo, valorado (avaliado)
pelo sujeito com respeito ao seu próprio ato, quando reflete sobre ele e lhe dá um
acabamento (estética ). A ética bakhtiniana corresponde ao espaço de decisões
cronotópicas no hic et nunc (agora e então) concretos do agir humano. Assim, a ética ,
para Bakhtin, é um conjunto de obrigações e deveres concretos. O mais fundamental
compromisso humano é o ato de pensar, que se põe como uma necessidade ética.
Apenas eu, do lugar que ocupo no mundo, consigo dizer o que digo daquele lugar. E
minha obrigação é pensar e dizer, já que ninguém mais poderá  ver o mundo como
apenas eu vejo. O sujeito é responsável por todos os momentos constituintes de sua vida
porque seus atos são éticos. Em outras palavra s, a ética refere-se ao ato de viver uma
vida singular, de arriscar, de ousar, de comprometer-se, de assinar responsavelmente seu
ponto de vista e seu viver; isso é que é responsabilidade e responsividade imediata do
sujeito , parte da vida, portanto. 

Estilo
Por referir-se, na maior parte de sua obra, ao discurso literário, o estilo está presente em
toda a obra de Bakhtin e se apresenta como acabamento estético. Estilo, em Bakhtin,
está intimamente relacionado à composição e ao tema de um texto. É no estudo das
formas, das categorias [contextualizadas], que encontramos o estilo : é a maneira do
acabamento - essencialmente interlocutivo e dialógico - que nos dá o estilo de um texto
e, é a maneira singular com que um autor faz uso dessas categorias, as quais, para
Bakhtin, nunca estão divorciadas de definições ideológicas, que possibilita um estilo ao
autor . Dessa forma, o estilo traz consigo a avaliação do autor e uma possibilidade de
comunhão avaliativa com o interlocutor. Isso significa que o estilo está relacionado a
um querer dizer do locutor, que ganha forma, que define seus limites sob as condições
de interlocução. Trata-se de um acabamento que é estético e provisório, sempre aberto a
novos sentidos por estar submetido a condições sócio-históricas de possibilidade. É
preciso levar em conta, para um estudo do estilo em Bakhtin, que as condições de
interlocução incluem também o que Bakhtin define como estilo de gênero , que impõe
certas constrições ao querer dizer do locutor e à forma como esse querer dizer se
manifesta. Por relacionar-se às atividades humanas, a percepção de acabamento
[acabamento estético e, portanto, estilístico], em um gênero de discurso, é uma relação
entre um “aqui” e um “agora”, pertencentes a uma cadeia infinita de enunciado s que se
articulam e que determinam, situada e provisoriamente, as coordenadas genéricas. 

Estética
A estética é uma das principais concepções bakhtinianas. Para compreendê-la,
precisamos pensá-la em diálogo com a ética . E esses dois conceitos se encontram
esparsos, mas sempre presentes ao longo de toda a obra de Bakhtin. Para tratar da
estética, embasamo-nos, especificamente, nos textos “Estética da Criação Verbal” e
“Questões de Literatura e Estética”. A estética aparece como acabamento do agir do
sujeito . O ato estético é a valorização, a reflexão elaborada, portanto, com acabamento
– e não necessariamente acabada – acerca da ação ética realizada pelo sujeito . A
concepção de estética resulta de um processo que busca representar o mundo do ponto
de vista da ação exotópica do sujeito (lugar de fora, ainda que um fora relativo, pois
uma posição de fronteira, lugar móvel, sem delimitação pré-determinada, de onde o
sujeito vê o mundo com certa distância, a fim de transfigurá-lo na construção de seu
discurso estético), fundada no social e no histórico. A posição exotópica é a posição a
partir da qual é possível o trabalho estético, a ação de construir o objeto estético. O
sujeito artista compõe o dizer estético a partir da forma, efetivamente material, e
inteiramente realizada no material a ele ligada e, por outro lado, como valor , indo além
dos limites da obra como material organizado, como coisa. A obra estética (produto
nem sempre acabado, mas sempre com acabamento ) resulta da articulação de vários
elementos. A articulação que constitui a composição da obra é definida a partir da
potência que é sua arquitetônica . Assim, a obra exterior está ligada ao material;
enquanto o objeto estético refere-se à forma, tanto de composição (textualização) quanto
arquitetônica (criação de um todo integrado). Em outras palavras, a estética é a forma do
dizer na arte, a reflexão posterior e exotópica (de fora, distante) do ato, a fim de dar-lhe
acabamento.

Excedente de visão
É a possibilidade que o sujeito tem de ver mais de outro sujeito do que o próprio vê de
si mesmo, devido à posição exterior (exotópica) do outro para a constituição de um todo
do indivíduo. Nas palavras de Geraldi, o outro tem “uma experiência de mim que eu
próprio não tenho, mas que posso, por meu turno, ter a respeito dele.” Bakhtin defende
que “o excedente de minha visão, com relação ao outro, instaura uma esfera particular
da minha atividade, isto é, um conjunto de atos internos ou externos que só eu posso
pré-formar a respeito desse outro e que o completam justamente onde ele não pode
completar-se”. Nesse sentido, o excedente de visão só é possível porque há essa
possibilidade de se situar fora do outro . É o olhar de fora: “exotopia – no espaço, no
tempo, nos valores”. O sujeito olha o outro de um lugar, de um tempo e com valores
diferentes; vê nele mais do que o próprio consegue ver. Quando alguém atribui a outro
seu excedente de visão , permite-lhe completar-se como sujeito naquilo que sua
individualidade não conseguiria sozinha. Ou seja, não conseguimos nos ver por inteiro,
totalmente. Precisamos do outro para nos completar. É a exotopia do observador que,
possibilitado de ver alguém de fora, constrói um excedente de visão , ou seja, vê no
outro algo a mais que o próprio sujeito não vê.

Exotopia/Extralocalidade
Exotopia e extralocalidade são categorias filosóficas de base sobre as quais Bakhtin
desenvolverá as discussões sobre Ética e Estética e, principalmente, suas considerações
sobre as relações dialógicas entre o Autor e o Herói, possibilitando o desenvolvimento
da idéia de excedente de visão . Bakhtin diz que “em todas as formas estéticas, a força
organizadora é a categoria axiológico de outro , é a relação com o outro enriquecida
pelo excedente axiológico da visão para o acabamento transgrediente”. Diante do outro,
estou fora dele. Não posso viver a vida dele. Da mesma forma que ele não pode viver a
minha vida. Mesmo para compreender o outro, vou até ele, mas volto ao meu lugar.
Apenas do meu lugar, único, singular, ocupado apenas por mim, é que posso
compreender o outro e estabelecer com ele uma inter-ação. A extralocalização é que põe
meu compromisso ético na roda. Se outro vivesse minha vida, se pudesse ver o mundo
como apenas eu vejo, se tivesse os mesmos pontos de vista que eu, então eu não
precisaria pensar, e expressar meu olhar único sobre as coisas e a vida. A exotopia é
minha possibilidade de responder. E também é minha obrigação de assumir minha
responsabilidade. Ser responsivo e responsável são decorrências de minha extra-
localização em relação ao Outro. 

Forças Centrífugas/Forças Centípetas


Quando discute a relação entre o romance e a estilística, no capítulo “A estilística
contemporânea e o romance” do livro “Questões de literatura e estética”, Bakhtin
defende, primeiramente, que o romance, enquanto gênero literário caracterizado pela
diversidade social de linguagens esteticamente compondo um todo, envolve a narrativa
do autor, a estilização de diversas formas da narrativa tradicionalmente oral, diversas
formas literárias fora do discurso literário do autor e os discursos da personagem
estilisticamente individualizados. A partir desta compreensão, ele diz que a filosofia da
linguagem, a linguística e a estilística, quando refletem sobre a linguagem do romance,
variam nas compreensões sobre o sistema da linguagem e o indivíduo que fala nela, mas
partem de um conteúdo estabilizado, ora historicamente, ora por meio de
problematizações internas da língua. Para Bakhtin, isso é um avanço para os estudos
estilísticos, mas é, ao mesmo tempo, uma limitação, pois prioriza uma compreensão
compartilhada por um grupo social privilegiado, vinculado a uma visão de mundo
considerada dominante. Este tipo de compreensão orienta um olhar para o estilo no
romance marcado pela “unificação e a centralização das ideologias verbais”, chamadas
por ele de forças centrípetas da vida social, linguística e ideológica. É preciso considerar
que, apesar de se constituir como homogênea e centrípeta, esta tendência traz consigo a
própria realidade da diversidade estilística, a qual ele chama de plurilinguismo real,
considerado por Bakhtin a dinâmica da vida real. Este plurilinguismo ganha força na
medida em que se tende a insistir na supervalorização da língua única, o que nos
permite entender que, junto com as forças centrípetas, existem as forças centrífugas ,
configuradas pela tensão e abertura, revelando, ideologicamente, as relações sociais
efetivas, relacionadas  à vida. Portanto, para Bakhtin, ao se considerar somente uma
dessas forças em uma análise sobre a linguagem, tende-se a uma compreensão
monológica do fenômeno estudado, separada da dialogia constitutiva das relações
humanas. 

Gêneros Discursivos
Todo texto participa de uma relação humana, de uma atividade humana. Essa é a
proposta bakhtiniana: “Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao
uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso
sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não
contradiz a unidade nacional de uma língua”. Compreendemos que os trabalhos que se
fazem com o conceito de gêneros do discurso estejam imprescindivelmente vinculados
ao movimento com uma percepção global da arquitetônica bakhtiniana, em que: 1)
Desenvolva a compreensão sobre a TOTALIDADEESTABILIDADE, onda a relativa
estabilidade de um gênero estaria relacionada a sua historicidade passada (memória do
passado). “Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos [...]” são o retrato
dos usos já feitos anteriormente, em várias atividades humanas, e são a memória e o
acúmulo da história de suas utilizações; assim os enunciados vão se constituindo em
tipos e formas mais consistentes para uso em esferas específicas, com estilos
específicos, tratando de temas específicos, se compondo com formas específicas. Daí a
discussão da relativa estabilidade para esses tipos e formas de enunciados: a repetição
de uso daqueles enunciados naquela situação precisa, naquela atividade humana precisa,
naquele jogo interativo preciso, vai estabilizando determinados tipos de enunciados que
são os que chamamos de gêneros do discurso. Esses enunciados, relativamente estáveis,
também se constituem como lugar de emergência dos sentidos históricos das
comunicações existentes em  determinados contextos e com determinadas significações,
e mantém vivas aquelas significações já socialmente consolidadas. 2) Desenvolva a
compreensão sobre a SINGULARIDADE-INSTABILIDADE, na qual a possibilidade
de os gêneros irem se atualizando, se modificando, está relacionada ao trabalho
desenvolvido pelo sujeito ocupado com um projeto de dizer, junção de seu passado e de
seu futuro, frente a uma alteridade viva e atuante, seu interlocutor. O trabalho
responsivo do sujeito instabiliza o gênero a cada vez que determinado enunciado é
empregado em determinada atividade humana. Esse movimento não nega a
historicidade do sentido, nem o tipo e a forma já relativamente estabilizada, mas a
movimenta para novas possibilidades, instaurando novas formas e novos tipos de
enunciados , relacionando com tipos e formas que são usualmente empregados em
outras atividades humanas; esse movimento relaciona gêneros , joga um dentro de outro,
obriga enunciados a frequentar novas atividades e significálas e, ao mesmo tempo,
renova o gênero dentro do qual se enuncia. Esse trabalho dialógico, responsivo,
centrado na alteridade , está sempre prenhe de perspectivas, e buscas por completudes
de sentidos, de identidades, de relações sociais, sempre inconclusas. Esse trabalho
responsivo instaura a renovação do gênero , veste novos temas sobre significações
históricas dos enunciados e das palavras , faz com que o estilo do gênero se conflite
com o estilo individual e vice-versa, reconfigura sua composição formal. Vale a pena
aqui fazer um leve aceno para o jogo que Bakhtin clareia ao posicionar os gêneros
discursivos como primários e secundários. Os gêneros primários, ele chama de simples,
e os secundários, de complexos. Simples porque “se formaram nas condições da
comunicação discursiva imediata”, e complexos porque “surgem nas condições de um
convívio cultural mais complexo e relativamente mais desenvolvido e organizado”; e se
estabelecem como relacionais entre si, numa troca infinita de sentidos e renovando
continuamente os gêneros. E se conseguimos nos comunicar é porque dominamos os
gêneros empregados naquela atividade verbal. E quanto mais os dominamos, mais livres
nos sentimos no seu uso – um uso que é também renovação pelos diálogos com outros
gêneros – e nas construções de sentidos possíveis que nosso projeto de dizer possibilita
no jogo com o outro que também se comunica comigo. Compreender gêneros do
discurso a partir das leituras das obras do Círculo de Bakhtin é compreender o texto
como parte fundante das atividades humanas dos sujeitos . Essa compreensão revela um
sujeito produtor de linguagem , de enunciados e de discursos ; e também nos mostra que
o texto é fundamental não somente para os estudos da língua mas para a própria
reconstrução da compreensão do homem e das Ciências Humanas.

Herói
O herói/personagem, para Bakhtin, “vive de modo cognitivo e ético. Seu ato se orienta
em um acontecimento aberto e ético da vida ou no mundo dado do conhecimento.” O
herói possui uma “realidade cognitiva ética (da realidade do ato, da realidade ética do
acontecimento único e singular do existir)”, uma realidade , portanto, diferente da
realidade estética do autor , mas não indiferente a ela. Isso significa que o herói não tem
um excedente de visão do todo da obra em que está inserido como o autor tem o
excedente de visão do herói em relação aos outros elementos da obra (outros
personagens, outros acontecimento s internos a obra) lhe confere também certa
autonomia em relação ao autor . No romance polifônico, o herói é um sujeito que
aparece na obra e os traços identificadores desse herói nos são dados com os pontos de
vista e as idéias que ele tem em relação ao mundo e sua existência. Mesmo quando o
herói é autobiográfico, ele não coincide com o autor , porque o autor , para construir
esse personagem, deve tornar-se outro em relação a si mesmo, encontrar-se em uma
extralocalidade , em exotopia . Somente poderá vê-lo, como herói , com um excedente
de visão específico para atingir o todo desse herói , o todo com valores que são
transgredientes a sua própria vida. A relação entre autor e herói é uma relação entre um
Eu e um Outro, uma relação de alteridade , fundada na dialogia , em relação de
responsividade . 

História
 Materialidade, acontecimento e descontinuidade. A história é o horizonte social de uma
época. Como sujeitos ativos e inacabados que somos, a história que produzimos e pela
qual somos produzidos é descontínua. Na teoria bakhtiniana, a história tem como noção
central a possibilidade de revisitar, refazer ou fazer de outra forma o que já está
constituído. Só nosso nascimento físico não é suficiente para nos dizermos sujeito s-
históricos; para sermos sujeitos-históricos é necessário um segundo nascimento, o
nascimento social . É enquanto inseridos no contexto sócio-econômico de uma
sociedade, que os indivíduos podem construir sua existência e, em decorrência, sua
produtividade cultural. A história é, portanto, um fenômeno social, uma produção
social, um acontecimento descontínuo comum a uma comunidade linguística.
Descontínuo devido ao fato de que é a linguagem que cria e recria o mundo histórico e
valorativo. A história é móvel, é tanto memória do passado quanto memória do futuro.
Mais precisamente, a história é como o veículo de todo signo produzido, funcionando
como a transportadora de signos ditos ao encontro de signos ainda não ditos. A cada
novo acontecimento, a cada nova produção ideológica a história se recompõe,
reescreve-se, atualiza-se. A grande percepção de Bakhtin é justamente de que a história
não está estagnada, pronta, concluída, já-dada, mas se rematerializa no uso do signo. É
por isso que  materialidade, nesse sentido preciso, não se contrapõe a descontinuidade. 

Horizonte social
Toda produção enunciativa relaciona-se com o conteúdo interior e com a expressão
exterior. A expressão é caracterizada exatamente pelo signo que parte de um sujeito e
direciona-se a outro. Essas relações se concretizam a partir de um horizonte social
envolvido na expressão. O horizonte social orienta os valores construídos na interação;
é o espaço-tempo compreendido em uma relação verbal, ou seja, o espaço-tempo da
enunciação. Essa relação espaço-temporal envolve um tempo mais prolongado e um
mais imediato, considerando, também, a memória do futuro na relação entre os
interlocutores. Da mesma forma, o espaço envolve tanto configurações mais amplas,
como específicas. Cada grupo construirá seu repertório de signos e enunciados que
direcionarão as criações ideológicas de sua época. É preciso estabelecer diferenciação
entre o horizonte e o ambiente: enquanto o primeiro coloca-se em relação ao signo , o
segundo referese ao lugar fora do signo ; o primeiro é social e o segundo, apesar de
social, é mais voltado para o físico. 
Ideologia
Para Bakhtin, a ideologia é social e se contrói em todas as esferas das interações: “A
ideologia não pode derivar da consciência, como pretedem o idealismo e o positivismo
psicologista, pois a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um
grupo organizado no curso de suas relações sociais”. Reforçando esse entendimento, a
ideologia poderia caracterizar-se, na perspectiva bakhtiniana, como a expressão, a
organização e a regulação das relações histórico-materiais dos homens. Seguindo esta
linha de raciocínio, também pode-se ver ideologia como uma representação. Isso porque
se dá na/pela linguagem . Precisa dela para poder manifestar-se e essa é
caracterizadamente representativa (simbólica) e constituída por signos ideológicos. Isso
significa que esses signos não só denominam um ser no mundo, mas também fazem
referência a uma outra realidade fora da imediata. Para Bakhtin, “tudo que é ideológico
possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo”. Por ser ideológico, o
signo comporta as crenças, os sonhos, as visões de mundo, os modos de interpretar a
realidade, etc. Se o signo não fosse também ideológico, nada disso poderia ser
identificado nele. O signo carrega, em sua constituição, numa face, uma oficialidade que
o faz pertencer a determinado sistema ideológico e, na outra, uma necessidade de
reorganização a partir do contato desse signo nas relações cotidianas travadas pelos
sujeitos . A ideologia é essa dupla face que faz com que o signo se mantenha na história
e também se transforme na interação verbal. Podemos definir a ideologia , portanto,
como um conjunto de valores e de ideias que se constitui através da  interação verbal de
diferentes sujeitos pertencentes a diferentes grupos socialmente organizados na história
concreta.

Infraestrutura
 A infraestrutura é a realidade concreta de onde parte o processo de comunicação. Os
signo s ideológicos se formam a partir desta realidade social, por isso a importância de
entender o contexto em que os signo s são formados, ou estudar sempre a situação
imediata em que a interação verbal ocorre para formá-los. A infraestrutura sempre está
relacionada com a superestrutura. É nesta relação que os sujeito s vivenciam a sua
história através da linguagem . Os sujeito s constroem sua identidade tanto na sua
vivência concreta em uma realidade infraestrutura l, quanto em uma realidade semiótica
superestrutural . Precisamos porém tomar cuidado ao analisar essa relação, pois por
vezes caímos no erro de separá-las, como se ora estivéssemos numa realidade
infraestrutural e ora estivéssemos na outra. Estamos sempre nessa região limítrofe entre
as duas realidades. A superestrutura transforma o objeto em signo . O objeto se
transforma em signo quando se envolve em uma esfera ideológica, quando a ideologia
constituída em um determinado grupo o faz funcionar no interior de um sistema de
valores. No grupo e no horizonte social tal objeto é determinado pelo valor semiótico e
se transforma em signo . Daí dizermos que o signo se desenvolveu da infraestrutura para
a superestrutura , ou seja, da realidade concreta para o sistema ideológico de um
determinado horizonte social 

Interação
Fundada sobre pilar da heteroglossia , isto é, sobre o conjunto múltiplo e heterogêneo de
vozes sociais que habitam a consciência humana ou, nas palavras de Voloshinov, sobre
um auditório social interior bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem nossas
deduções, nossas motivações, apreciações etc, a interação é a própria concepção de
linguagem em Bakhtin. A linguagem é inter-ação. Em “Marxismo e filosofia da
Linguagem” , Bakhtin (Voloshinov) diz que “Toda palavra comporta duas faces . Ela é
determinada tanto pelo fato de que procede de alguém quanto pelo fato de que se dirige
para alguém. Ela constitui justamente o produto da nteração do locutor e do ouvinte”
(grifos do autor ). Dessa forma, no próprio dizer de Bakhtin, “a interação verbal
constitui, assim, a realidade fundamental da língua”. Mas, o filósofo russo nos chama a
atenção para não reduzirmos a interação ao diálogo, no sentido estrito do termo
(interação face a face). Este, para o autor, constitui uma das formas primordiais de
interação , mas ele deve ser compreendida em uma concepção mais ampla, que engloba
toda a comunicação verbal de qualquer tipo. É importante termos em mente que, para
Bakhtin, a palavra é ideológica por natureza e comporta nossas avaliações, de forma que
a interação é um evento dinâmico onde o que está em jogo são posições axiológicas,
confrontos de valores sociais. A interação é, portanto, o diálogo ininterrupto que resulta
desse confronto e que constitui a natureza da linguagem . Para Bakhtin [e isso permeia
toda a sua obra], viver é tomar posições continuamente, é  enquadrar-se em um sistema
de valores e, do interior dele, responder axiologicamente. 

Linguagem
Em “Para uma filosofia do Ato Responsável”, a preocupação com a linguagem aparece
de forma secundária e vinculada à uma discussão ética -filosófica. Nesse texto, ela é tida
como atividade (e não como sistema abstrato), vinculada à dimensão da vida, sendo, por
isso, concreta: a linguagem é vista em relação aos atos únicos e singulares realizados e
ao ser-evento-unitário. Com isso, a linguagem carrega expressividade, ou seja, ela
carrega a atitude valorativa dos sujeito s em relação ao seu objeto discursivo. Já em o
Discurso na vida e discurso na arte (1926), a questão da linguagem (poética e cotidiana)
ocupa lugar central nas reflexões de Bakhtin/Voloshinov. Trata-se de reforçar a relação
intrínseca que existe entre a linguagem -enunciado e as situações sociais mais amplas e
mais específicas, que inclui o compartilhamento pelos interlocutores do horizonte
cronotópico, do conhecimento da situação e de avaliações e julgamentos. A distinção
entre linguagem tida como sistema e comoenunciado concreto é esmiuçada em
“Marxismo em  Filosofia da Linguagem”, nas distinções que Bakhtin/Voloshinov
estabelece entre, por exemplo, significação e tema, sinal e signo, entre outras. Por um
lado, tem-se a dimensão singular, plurivalente, concreta e irrepetível da linguagem , ou
seja, os enunciados; por outro, tem-se a dimensão reiterável, abstrata, unívoca, estrutural
e previsível da linguagem , ou seja, o sistema da língua . Essas duas realidade s
linguísticas, apesar de serem apresentadas a partir de uma série de distinções, não
constituem uma dicotomia, sendo que a linguagem-enunciado se apóia na linguagem -
sistema e vice-versa. Em  “Problemas da poética de Dostoievski”, além de focar a
dimensão discursiva dos estudos da linguagem , Bakhtin reforça a relação mútua
existente entre a metalinguística e a linguística, que tem como objetos, o discurso e a
língua - sistema, respectivamente: as duas “devem completar-se mutuamente e não
fundir-se”, sendo que a primeira lida com as relações dialógicas e a segunda com os
elementos da estrutura linguística. Enriquecendo a concepção enunciativa da
linguagem , “O discurso no romance” esmiuça as noções de plurilinguismo
(dialogizado), de plurivocalidade e de pluridiscursividade. Trata-se de ver as
estratificações social, ideológica, intencional e valorativa como características inerentes
às linguagens (do romance e da vida). Tais estratificações fundam-se tanto nas relações
dialógicas entre as vozes sociais e ideológicas como na tensão existente entre as forças
de unificação (centrípetas ) e de descentralização (centrífugas) operantes sobre as
ideologias e línguas. E o elo comum a todas as linguagens funda-se na ideia de que “são
pontos de vista específicos sobre o mundo, formas de sua interpretação verbal,
perspectivas específicas objetais, semânticas e axiológicas”, podendo, assim, estabelecer
relações dialógicas entre si. Nesta obra, o caráter dialógico da linguagem é desdobrado e
amplamente reafirmado: todo discurso é orientado (i) para um objeto já constituído por
discursos de outrem, (ii) para um já-dito e uma resposta antecipada, (iii) para os
interlocutores.

Literatura carnavalizada
Podemos entender como literatura carnavalizada aquela em que percebemos as
categorias de carnavalização e as imagens do corpo grotesco em evidência. Para discutir
os conceitos de carnavalização e corpo grotesco, Bakhtin vai à literatura. Ele toma os
romances Gargântua e Pantagruel, do autor francês Rabelais, e escreve a sua tese de
doutorado que, num primeiro momento, foi recusada. Em Gargântua, desde o início do
livro, podemos perceber as imagens do corpo grotesco que, em Rabelais, são gigantes e
muito exageradas, características típicas do grotesco. Após comer grande quantidade de
tripas em um banquete, Gargamelle, grávida de 11 meses, “sentiu mal e começou a
gemer, a gritar. Numerosas parteiras chegaram de todos os lados e, apalpando-a por
baixo, encontraram uns pedaços de pele de muito mau gosto. Pensaram que fosse a
criança, mas era o reto que escapara, por se ter afrouxado o ânus, que vos chamais de
olho-do-cu”. O bebê, que era gigante, sai pelo ouvido da mãe e começa a gritar: beber,
beber, beber. Por essa razão, o pai deu-lhe o nome de Gargântua. Um exemplo da
literatura brasileira é Macunaíma de Mário de Andrade. Similar ao romance francês, o
livro começa com o nascimento do herói : “no fundo da mata virgem nasceu
Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um
momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a
índia tapanhumas pariu uma criança feia”. Se Gargântua é o gigante, Macunaíma é
baixinho, o herói sem caráter e o que lhe caracteriza é a preguiça. No filme de Joaquim
Pedro de Andrade a imagem do nascimento está bem representada. Uma velha branca e
feia (o ator Paulo José), no meio do mato, parece cagar um negrinho velho e preto (o
ator Grande Otelo). Tanto em Gargântua como em Macunaíma, ambos explicitamente
calcados na cultura popular, podemos ver como os autores já anunciam a entrada para o
mundo carnavalizado onde há inversões, dialogismo, polifonia, paródia etc. Do velho
nasce o novo, indicando a renovação, a metamorfose. Mário de Andrade mistura a
linguagem indígena (não-oficial) com a oficial, cria neologismos, macacos podem falar;
Macunaíma, que é analfabeto, escreve em português perfeito. Para roubar, Macunaíma
se disfarça de mulher, mostrando a inversão sexual por paródia. Ou ainda, podemos ler
Macunaíma como uma paródia da índia romântica Iracema, de José de Alencar, a
virgem dos lábios de mel, perfeita, idealizada. O magnata Pietro é deposto pelo herói do
seu povo. Também é comum, tanto em Macunaíma, quanto em Gargântua, as descrições
de defecação e urinação. Gargântua conta a seu pai sobre o ritual do limpa cu e, quando
urina, provoca uma inundação. Macunaíma, para espantar os mosquitos de uma velha,
usa a urina quente. Tanto a idade média, contexto de Rabelais, quanto a semana de 22,
momento em que Mario de Andrade escreveu seu romance, são momentos de grande
transformação social. Daí um retorno ao popular por meio da literatura carnavalizada e
imagens grotescas, mostrando a necessidade de renovação, de abertura a novos
diálogos. Mario de Andrade, com Macunaíma, usa de forma extremamente criativa
características que o popular lhe oferece para criticar o colonialismo oficial e opressor
de sua época. 

Língua
Língua é a materialização da linguagem humana verbalizada. É fruto do trabalho
humano, o que implica dizer que é ideológica, ou seja, é mais do que um sistema
unirreferencial, pois além de referenciar o mundo imediato, ela também representa um
outro mundo para além da imediatez interacional. Portanto, língua é um sistema
linguístico-ideológico (pois se constitui de signos linguístico-ideológicos) através do
qual a linguagem humana verbal se materializa para referenciar o mundo, representá-lo
e constituir outro mundo para além do imediato. 

Memória
Divide-se em duas noções extremamente relacionadas: memória de futuro e memória de
passado. Memória de passado : pode-se definir como o solo comum que uma
comunidade linguística compartilha. São as experiências, enunciado s, discursos e
valores que nos constituem. A história da qual somos filhos é a memória de passado.
Memória de futuro : pode-se definir como projeção. Não se deve reduzir a memória de
futuro a uma relação temporal, mas a idéia de que o sujeito está incompleto, ou seja, não
foi concluído, pois sua história está acontecendo, vai se construindo a partir de suas
movimentações. Toda vez que o sujeito fala, isso afeta a si e ao outro . Faz-se presente
na sua fala o desejo de perpetuar-se, elevar-se e ampliar-se. Bakhtin, ao falar de
memória, explica que ela é sempre de passado e de futuro, pois ambas andam juntas, são
complementares. Ao enunciar, resgatam-se os valores já estabelecidos, mas ao invocar
os valores ou significações, concomitantemente, reinventa-se o sentido, pois o indivíduo
contribui com o tom, a expressão e o desejo do seu projeto discursivo. A memória de
passado é o que se pode chamar de atual, contemporânea; já a memória de futuro é
utópica, isto é, ainda sem lugar, não concretizada. A primeira tem a ver com a estética ,
com a constituição do indivíduo. A segunda com a moral, revisão e a reapresentação dos
valores. A memória de futuro é colocada como a imagem de um sujeito criativo, logo
com responsabilidade moral. O futuro garante minha justificação, pois ele revoga o meu
passado e o meu presente, mostra minha incompletude, exige minha realização futura, e
não como continuação orgânica do presente, mas como sua eliminação essencial, sua
revogação. Cada momento que vivo é conclusivo, e ao mesmo tempo inicial de uma
nova vida.

Método Sociológico
O método, em Bakhtin, consiste em submeter a materialidade linguística concreta -
entendida como o resultado verbal das interações sociais, geradora, por sua vez, de
formas de interação verbal específicas – a um olhar analítico que integre ideologia e
linguagem. Ou seja, não há dissociação entre os signo s e as formas concretas de
comunicação social, estas, por sua vez, intimamente relacionadas à base material da
sociedade em que se realizam. Bakhtin sugere uma orientação de pensamento a partir do
seguinte procedimento: primeiramente, identificam-se e analisam-se “as formas e os
tipos de interação verbal”, relacionando-os com “as condições concretas” em que se
realiza essa interação verbal. Em seguida, deve-se analisar “as formas das distintas
enunciações” e as “dos atos de fala isolados”, considerandoos como elementos
constituintes da interação verbal ideológica. Seguido esse procedimento, realiza-se o
“exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual”. Estes
procedimentos analíticos são complexos e operam de forma conjunta. 

Nascimento social
O nascimento social do homem, para Bakhtin, é considerado como algo indissociável do
seu nascimento biológico, pois o nascimento concreto ocorre em sua classe social, ou
seja, a partir do seu contato com a sociedade. Bakhtin elaborou sua teoria da consciência
fundamentando-se nos aspectos sociológicos, rompendo com os aspectos fisiológicos ou
biológicos. Ele não compreendeu a consciência aliada a processos internos, mas sim ao
contexto ideológico e social. Não julgou admissível a existência da consciência
individual; considerou possível somente a consciência social. No nível individual
existiriam apenas os signos, elementos externos emergentes do processo social), criados
pelo homem. O escritor russo viu a necessidade de criação de uma psicologia fundada
no estudo das ideologia s, conferindo à palavra o lugar de destaque na constituição da
consciência – sendo social (ou coletiva) – permeada pela existência dos signo s. A
atividade mental do indivíduo estaria concentrada na expressão anterior, por meio da
palavra, da mímica ou de outro canal de comunicação e internamente para o próprio
indivíduo, constituindo-se  no “discurso interior”. O interesse de Bakhtin pela
psicologia se relacionou à “necessidade de compreender a construção da consciência e,
por aí, apreender especificidades da criação artística”. A análise que fez da psicologia
foi baseada na perspectiva semiológica e social, tendo-se fundamentado na linguagem e
utilizado o método dialético. Ao considerar o homem como ser histórico e social
Bakhtin “historicizou” também a linguagem . Para ele, o mundo é pluralista e
polifônico, e a interação verbal é o fator essencial para a consciência do homem. É na
coletividade da sociedade que tomamos consciência. “O fenômeno ideológico por
excelência e o modo mais puro e sensível de relação social é a palavra , ou seja, a
linguagem no sentido mais amplo (...)”. 

Não-álibi da existência
 De acordo com Bakhtin, cada sujeito é único e ocupa um lugar único na existência; por
isso, ninguém tem álibi para a existência, ninguém tem como escapar da
sua responsabilidade existencial: temos o dever de responder. Trata-se, nesse sentido, de
uma ética sem concessões. Bakhtin vai dizer também que viver é responder; é assumir, a
cada momento, uma posição axiológica frente a valores. Viver é participar desse diálogo
inconcluso que constitui a vida humana. A dialogia é, portanto, fundante do nosso ser
no mundo e da nossa própria consciência. Na expressão consciência individual há, na
concepção bakhtiniana, uma contradictio in adjecto, porque a consciência é sempre
plural, no sentido de ser povoada por inúmeras vozes sociais que ali estão como efeito
do nosso existir no diálogo inconcluso com a alteridade. Nossa consciência é sempre
uma realidade plurivocal (heteroglóssica): Eu vivo em um mundo de palavra s do outro.
E toda a minha vida. Não há um álibi, “um ser divino” que esteja por trás de cada
atitude humana. Cada um de nós é responsável e, por isso, chamado a responder
eticamente pelos seus atos, sem álibi, sem proteção.

Objetivismo abstrato
Bakhtin faz uma crítica ao objetivismo abstrato , pois esse incide em um apagamento do
sujeito falante. Em “Marxismo e filosofia da linguagem”, Bakhtin desenvolve seus
argumentos dizendo que o objetivismo, herança de uma tradição filosófica presente já
em Descartes e Leibniz, postula que os sujeito s recebem a língua finalizada, pois essa é
transmitida aos indivíduos pronta para ser usada. Na Linguística, o objetivismo abstrato
foi desmembrado pelo linguista Saussure, quando afirmou que a língua seria o ápice
para toda e qualquer análise linguística. A fala, o contexto, o extra-verbal, os elementos
transitórios, para Saussure, não seriam objetos de estudo dessa corrente. Disso decorre
que o sujeito e sua produção comunicativa são deixados de lado, pois os sujeito s
deveriam, nesta compreensão, conformar-se com a estrutura da língua dada. Para
Bakhtin, o objetivismo separa da língua o conteúdo ideológico, acreditando que uma
mesma palavra usada nos mais diversos contextos será sempre determinada por um
mesmo e único significado. 

Organização sintática do discurso


Bakhtin discute as formas sintáticas em “Marxismo e Filosofia da Linguagem” , por
exemplo, no cap.8 (“Teoria da Enunciação e problemas sintáticos”) , no qual o autor diz
que “todas as análises sintáticas do discurso constituem análises do corpo vivo da
enunciação . As formas sintáticas são mais concretas que as formas  morfológicas ou
fonética s e são mais estreitamente ligadas às condições reais de fala”. Com isso não se
quer dizer que Bakhtin não dê também grande importância às categorias fonéticas e
morfológicas. O que ele ressalta o tempo todo é que “nenhuma das categorias
linguísticas convém à determinação do todo. Com efeito, as categorias linguísticas, tais
como são, só são aplicáveis no interior do território da enunciação”. Isto é, Bakhtin
toma a enunciação como o território para o estudo produtivo das formas, quer sintáticas,
quer morfológicas, quer fonológicas, com destaque para as primeiras por serem as que
mais se aproximam das formas concretas da enunciação . Para Bakhtin, um “corpo
monológico”, como os parágrafos, por exemplo, que tem a pretensão de ser um
pensamento completo, contem elementos essenciais que são análogos às réplicas de um
diálogo : pergunta e resposta; suplementação; antecipação de possíveis objeções; e
exposição de aparentes incoerências ou contradições no próprio discurso, onde
encontramos “ o ajustamento às reações previstas do autor e do leitor”. Sendo assim, a
organização sintática de um discurso, para Bakhtin, é a própria realização do
dialogismo, especialmente em um fenômeno que ele caracteriza por “nodal” que é o
discurso citado (discurso direto, discurso  indireto, discurso indireto livre), cujas
modificações e variantes podem ser encontradas na língua e servem para a transmissão
da palavra de outrem. Para Bakhtin, somente a orientação sociológica foi capaz de
“descobrir toda significação metodológica e o aspecto revelador desses fatos.” 

Outro: falante/ ouvinte


A interação entre o falante(locutor) e o ouvinte (interlocutor), para Bakhtin, é
constituída através dos signos. As palavra s funcionam como um elo entre os sujeito s
(interlocutores) e surgem carregadas de valores sociais que já foram também
constituídos socialmente. Essa interlocução entre sujeitos é construída por meio da
enunciação , dos discursos. Bakhtin atenta-nos, a todo instante, que o sujeito se constitui
socialmente, através de suas interações e de seus diálogo s. Ao abordar o diálogo,
Bakhtin, em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, explicita que “ a unidade real da
língua que é realizada na fala não é a enunciação monológica individual e isolada, mas a
interação, isto é o diálogo”. A recepção torna-se fundamental na consolidação do
diálogo entre os indivíduos. Ao ser interpelado pela enunciação de outrem, no processo
de compreensão e interpretação desses  enunciados, o interlocutor oferece suas
contrapalavras, o que torna a relação falante-ouvinte dialógica.” Os sujeitos, carregando
consigo suas orientações ideológicas, se constituem através do(s) outro (s),
dialogicamente, em uma interatividade complexa e dinâmica. Essa concepção de
interlocução entre sujeito s, no entanto, não deve se limitar à fala propriamente dita,
uma vez que existem outros tipos de diálogo s, outras  interações. 

Palavra
 Na teoria bakhtiniana, a palavra é um fenômeno ideológico por excelência. Relaciona-
se, portanto, diretamente com a realidade, quando se transmuta em signo e adquire
significação. Em Bakhtin, a palavra se posiciona sempre na relação eu-outro . Ele
explica que, no início, trata-se de palavra interior, quando se relaciona diretamente com
o psiquismo , concretizando-se como a base da vida interior. Depois, a palavra ganha
um caráter refratário, inserida no seio social como uma palavra exterior, caracterizando
e permeando as diferentes formas de interação verbal. Por meio da interação contínua,
da realidade concreta, a palavra assume sentido ideológico enquanto enunciado e não
como parte da língua sistêmica. Com isso, no jogo social, carrega consigo uma
expressividade entonativa – classificada como um ato ativo, contendo uma ubiquidade
social. Assim, a palavra é o elemento essencial para acompanhar e constituir a
concepção ideológica, enquanto material semiótico da vida interior e eternamente
presente no ato de compreender. Logo, por estar diretamente envolvida nas relações
humanas, é o indicador mais sensível das transformações sociais, contendo em si as
lentas acumulações que ainda não ganharam visibilidade ideológica, mas que já
existem.
Paródia
É a intertextualidade com intenção de produzir um efeito cômico. A forma como se
processa esse intertexto, a motivação e as consequências esperadas para esse
ato determinam a natureza literária da paródia . Há muitos recursos estéticos e
estilísticos para que este recurso se desenvolva focando a produção do riso na literatura.
Podemos citar os jogos de palavra s, a ridicularização, o estereótipo, o grotesco, o
burlesco, a obscenidade e a ironia, normalmente combinados entre si. De acordo com
Bakhtin, esses recursos evoluíram durante o Renascimento, no século XVIII até
tornarem-se “componentes estilísticos dos gêneros sérios, principalmente o romance”. É
nesse contexto que se destaca a paródia como um gênero peculiar de produção artística
que rompe com a vertente da seriedade na literatura, mostrando-se mais recreativa, em
uma atmosfera de liberdade e de licença. Ela é carnavalesca, ambivalente, bivocal (a
voz do parodiado e do parodiante) e dialógica. Nela, zomba-se da voz séria e, ao mesmo
tempo afirma-se uma alegria com a outra voz. Com isso, nega-se o discurso de autor
idade e afirma-se a relatividade das coisas. Bakhtin destacou o papel do dialogismo na
sua construção, cujo resultado ele chamou “híbrido premeditado”. Com isto, referia-se à
inseparabilidade da essência da paródia que, ao mesmo tempo em que dialoga
propositalmente com o texto parodiado, não se confunde com ele. As dicotomias
sério/cômico, gravidade/riso, sobriedade/embriaguez, espiritualidade/carnalidade
parecem evidenciar que a natureza humana subsiste em duas bases que se opõem e se
complementam ao mesmo tempo: de um lado a visão séria/trágica da existência
humana; do outro , a celebração da vida através do prazer e do riso. Dessa inversãose
constitui e efetiva a paródia . 

Realidade
Ao falarmos em realidade , a partir de Bakhtin, precisamos pensar na realidade per se (o
mundo, existente) e na realidade discursiva (construída e existente por meio da e na
linguagem ). A linguagem é histórica e constituída por sujeito s. A associação entre
cultura e realidade, entre mundo sensível e mundo inteligível, entre conteúdo e
processo, entre repetibilidade e irrepetibilidade caracteriza a vida (realidade per se)
complexa humana, composta pelo diálogo entre o agir concreto dos sujeitos (ética ) e o
pensar sobre o agir dos sujeito s (estética ). O empreendimento bakhtiniano consiste em
propor que há entre o particular (aquilo que só nele se faz presente) e o geral (aquilo que
cada ato tem em comum com outros atos), a vida e a arte, uma relação de
interconstituição dialógica que não privilegia nenhum desses termos, mas os integra na
produção de atos, de enunciados, de obras, enfim, de dizeres que produzem a realidade
discursiva. Bakhtin propõe a interconstituição entre texto e contexto, sujeito discursivo
e sujeito humano, e realidade discursiva (criada no e pelo discurso) e realidade per se.
Essa aproximação ocorre porque o sujeito , para o filósofo russo, é agente de sua
consciência e a consciência depende da linguagem para se formar e se manifestar. A
linguagem só existe imersa no mundo (real), por isso a consciência não é uma instância
anterior que impõe suas categorias ao mundo. Ao contrário, ela precisa do mundo para
se constituir, ao mesmo tempo em que também o constrói (realidade discursiva). Afinal,
as situações vividas (reais) chegam à consciência por meio da linguagem , no âmbito do
processo de interiorização do signo ideológico (realidade discursiva). 

Responsabilidade-responsividade
Em “Arte e Responsabilidade”, um dos primeiros textos publicados após a conclusão
dos estudos na Universidade de São Petersburgo, Bakhtin expõe sua força dialogizadora
o propor a ligação com os diversos campos da cultura humana: a ciência, a arte e a vida.
Segundo ele, para vencer o mecanicismo dialético é preciso garantir o nexo entre
elementos diferentes para compreendê-los em uma unidade de responsabilidade. “O
poeta deve compreender que a sua poesia tem responsabilidade pela prosa trivial da
vida, e é bom que o homem da vida saiba que a sua falta de exigência e a falta de
seriedade de suas questões vitais respondem pela esterilidade da arte”. “Arte e vida não
são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha
responsabilidade”. Uma boa maneira de se pensar isso é aliar responsabilidade e
responsividade: ao mesmo tempo em que sou responsável pelo que faço e digo, também
faço e digo em resposta a uma série de elementos presentes em minha vida como signos.

Romance polifônico
Para Bakhtin, é um gênero literário desenvolvido por Dostoievski. Como o próprio
nome revela, é um romance no qual há muitas vozes que convivem de modo a impedir
que o narrador seja a voz central. Em outras palavra s, não há narrador central,
protagonista, pois todas as vozes presentes no texto dialogam em pé de igualdade. Por
ser dialógica e polifônica, a narrativa no Romance polifônico, em vez de alimentar a
centralidade e o monólogo, caracteriza-se por vozes que, livres do domínio de um
narrador central, produzem significados em interação. Os elementos que constituem
esse tipo de narrativa são diferentes entre si, e é justamente essa diferença que
potencializa o texto, enriquecendo tanto seus feitos como efeitos. No romance
polifônico destaca-se a potência das paixões representada nas vozes de personagens
marcantes. Tais potências, para Bakhtin, expressam o ativismo do indivíduo, isto é, o
indivíduo não está finalizado, ele está em movimento de criação constante. Deve estar
evidente que as vozes em um romance polifônico não se sujeitam a um centro do qual
emanariam as palavra s finais. Nesse sentido, uma palavra não pode ser vista como a
finalização de uma ideia, mas sim, como uma nova retomada e ressignificação dos
sentidos. 

Signo
De início, Bakhtin é contundente em afirmar que tudo que é ideológico é signo . E ele
vai mais além ao dizer que o signo não se constitui fora de uma realidade material , mas
reflete e refrata outras realidades. Os signos somente emergem e podem existir dentro
da interação social, adquirindo significação dentro de uma realidade material e concreta.
Eles comportam em si índices de valores que espelham e constituem os sujeitos que os
utilizam e a realidade social por onde circulam. Tais índices operam como arenas de
lutas em que diferentes ideologias entabulam entre si relações dialógicas e disputas
pelos sentidos. Dentro do universo da linguagem , o signo tem seu espaço particular por
operar como uma ponte entre a língua sistêmica e a realidade sócio-histórica,
articulados pela ideologia . Assim, podemos dizer que o signo se dá em uma
encruzilhada tripartite e inseparável: uma parte de material, uma parte de materialidade
sócio-histórica, e uma parte do meu ponto de vista.

Subjetividade
A noção de subjetividade criticada pela obra de Bakhtin implica o limite do ser num
“eu” absoluto, de modo que se exclui a relação “eu-outro ”. Bakhtin questiona tal
primazia do eu na corrente filosófica que ele chamou de subjetivismo idealista, para a
qual os resultantes das relações sociais (inclui-se aqui a língua , a ideologia ) são
apenas produtos da consciência ou da ordem psicológica. Bakhtin refuta essa concepção
ao demonstrar que a consciência não pode derivar da natureza, nem a ideologia derivar
da consciência. Pelo contrário, a própria consciência toma forma e existência nos signos
ideológicos, de modo que o indivíduo somente se constitui, identifica-se e difere-se na
relação com o outro .

Subjetivismo idealista
Na obra “Marxismo e filosofia da linguagem”, Bakhtin critica o subjetivismo idealista ,
pois esse, assim como a compreensão da realidade marcada pelo objetivismo bstrato ,
não dariam conta de explicar a complexidade sociológica (e discursiva) da realidade. A
diferença básica do subjetivismo em relação ao objetivismo seria que o primeiro tentaria
explicar o ato de fala a partir da vida psíquica dos sujeito s falantes, sendo a fala vista
como o fundamento da língua . Para o subjetivismo, nada é imóvel, nada consegue
conservar uma identidade, sendo o sujeito individual o ponto de origem da enunciação.
Desconsideram-se, portanto, a natureza social da enunciação, a natureza da palavra
como produto da interação entre o locutor e o interlocutor, e o fato de que toda
enunciação surge de certas pressões sociais que configuram, também, os ouvintes
possíveis. 

Sujeito
Para Bakhtin e seu Círculo, a questão do sujeito está entre as mais importantes, pois
envolve diretamente conceitos fundamentais para sua teoria como dialogia , alteridade e
ideologia. Como aborda em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, o sujeito é
constituído socialmente, a partir da interação verbal na relação com o outro. Esta
concepção diferencia-se de outras trazidas pelo objetivismo abstrato (tendo Saussure
como maior representante) e o subjetivismo idealista (representado, entre outros, pela
escola de Vossler), correntes do pensamento linguístico discutidas por Bakhtin na obra
citada. Para o objetivismo abstrato , há um distanciamento do indivíduo com relação à
língua – tomada como autônoma; ou seja, o indivíduo utiliza-se deste código imutável
para comunicar-se, não tendo participação ativa sobre ele. Já para o subjetivismo
idealista , há uma defesa do indivíduo como ser criativo, que tem uma relação
psicológica com a língua – tomada como os outros tipos de arte, criada e expressa a
partir de pura inspiração, ou seja, num movimento do interior para o exterior do sujeito .
Ao criticar estas vertentes, Bakhtin é incisivo na defesa de um sujeito ativo na
constituição da língua , sendo assim também constituído por ela e a partir do diálogo e
da interação verbal com o outro. O sujeito é constituído de fora para dentro. Como
afirma Bakhtin, até mesmo o consciente e o discurso interior são formados socialmente;
e a língua está sempre em movimento na interação dos sujeito s, numa relação de
estabilidade e instabilidade entre estes e o meio social. Portanto, o sujeito na teoria
bakhtiniana é considerado como um ser de ações concretas, em contraposição à
concepção de sujeito abstrato ou idealizado. 
Superestrutura
 Uma questão primordial para todos e quaisquer estudos marxistas é a noção de
superestrutura . Trata-se de todo o sistema social-ideológico que uma sociedade
constitui na sua história . Bakhtin, no livro “Marxismo e filosofia da linguagem” , vai
dedicar um capítulo para discutir a relação entre Superestrutura e Infraestrutura, nos
mostrando que o lugar onde encontraremos a materialização da superestrutura é a
palavra , ou ainda, o signo ideológico. A superestrutura , como a ciência, a cultura , a
religião, a educação e a mídia, por exemplo, forma seus tipos relativamente estáveis de
signos ideológicos. Não devemos, entretanto, colocar a superestrutura como fundadora
desses signos, pois os signos se constituem na relação dialógica entre infraestrutura e
superestrutura . 

É o conjunto de instituições jurídico-políticas (Estado, direito, etc) e as “formas de


consciência social” que correspondem a uma dada infra-estrutura. É preciso lembrar, no
entanto, que essa correspondência não é mecânica, mas a superestrutura tem uma
relativa autonomia em relação à infraestrutura. (Linguagem e Ideologia, José Luiz
Fiorin, pág 83)

Tema
 A noção de tema vincula-se à perspectiva semântica presente nas obras do Círculo de
Bakhtin. Tal perspectiva contempla uma tensão existente entre a significação, que
contempla os sentidos reiteráveis, previsíveis, cristalizados, estabilizados e
dicionarizados da língua , e o tema, que trata dos sentidos verbais e não-
verbais, singulares, únicos, ideológicos, históricos, valorativos da língua. O tema é
determinado tanto pelas formas linguísticas quanto pelo contexto extraverbal que
compreende o compartilhamento pelos interlocutores do horizonte espaço-temporal, do
conhecimento da situação e de avaliações e julgamentos. O tema (conteúdo temático),
juntamente com o estilo e a construção composicional, ao serem marcados pelas
especificidades de uma dada esfera sócio-verbal, caracterizam o enunciado . A relação
entre a significação e o tema pode ser transposta tanto para as noções de linguagem -
enuciado e linguagem-sistema, como para o que Bakhtin (1919) definiu como o mundo
da cultura (das representações, objetificações, teorizações) e o mundo da vida (do ato
único, singular e vivido); assim, o ato vivido, ao ter seu sentido teorizado pela ciência,
filosofia, história ou estética , passa a assumir um valor abstrato, distante do que era
enquanto experiência. 

Valor estético
Segundo Bakhtin, "O excedente da minha visão contém em germe a forma acabada do
outro, cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe tirar
a originalidade. Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema
de valores, tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu
lugar, completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora
dele; devo emoldurálo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente de
minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu sentimento". É pela memória que se
estabelece os valores de nosso julgamento. E essa valoração somente se concretiza
através da exotopia (só um outro pode me dar acabamento, assim como só eu posso dar
acabamento a um outro). O sentido estético se processa através do excedente de visão,
no tempo e no espaço, em relação à consciência do outro, dá-lhe forma e acabamento, as
quais jamais se podem ter por conta própria, do “eu-para-si”. O valor estético para
Bakhtin, não decorre da definição de uma forma acabada, mas de um processo
axiológico, ou exotópico da minha relação com o outro, da consciência que eu tenho do
outro.

http://glossariandobakhtin.blogspot.com
Acesso em 12 de abril de 2011, às 11:33h

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15 comentários:

1.

Herbet Pereira4 de janeiro de 2015 14:53

Faltou o termo caracterização plástico picturial.

Responder

2.

Herbet Pereira4 de janeiro de 2015 14:57

Ótimo blog! Vou recomendar aos meus colegas. Parabéns professora!

Responder

Respostas

1.
Anônimo17 de maio de 2015 12:02

Este comentário foi removido por um administrador do blog.


Responder

3.

Tics Arte12 de abril de 2015 13:15

Esclarecedor , mas ainda não consegui decifrar a diferença se é que há entre


objeto estético e obra de arte

Responder

4.

Tics Arte12 de abril de 2015 13:16

Elementos transgredientes?

Responder

5.

Anônimo17 de maio de 2015 11:54

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

Responder

6.

Anônimo17 de maio de 2015 11:55

O livro se chama Palavras e Contrapalavras - cadernos de estudos I - é uma


coleção do nosso grupo GEGE/UFSCAR.

Responder

7.

Anônimo17 de maio de 2015 12:27

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

Responder

8.
Gilvani Kuyven9 de novembro de 2015 10:40

Muito bom o glossário! Irei usá-lo professora, clareou muito alguns tópicos da
teoria, a qual considero muito difícil.

Responder

9.

Micheleni Moraes1 de novembro de 2016 03:33

Olá. É louvável a socialização desse glossário. No entanto, faltou citar a fonte: a


produção é do grupo GEGE da UFSCAR. Livro volume I, Palavras e
Contrapalavras. Editora Pedro&João Editores. Creio ser importante citar a
referência. Obrigada e parabéns pela inciativa do blog.

Responder

10.

Unknown16 de maio de 2017 17:45

Excelente!

Responder

11.

ProfessoraSandraMendez11 de julho de 2017 19:15

Extremamente útil para iniciantes na teoria bakhtiniana! 

Responder

12.

David Lemos2 de agosto de 2017 21:35

Muito esclarecedor. Excelente!

Responder

13.

Luke Dattebane23 de abril de 2018 17:15

Não sei como agradecer! Este blog é maravilhoso, muito obrigado! :D


Responder

14.

Unknown27 de agosto de 2018 11:37

Muito obrigado pelas ideias organizadas de Bakhtin, neste Blog. Não é fácil ler este
filósofo da linguagem... as categorias de compreensão de Bakhtin dão uma luz
para o início do nosso entendimento. Muito obrigado.

Responder

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MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA 

Professora do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e participa do


Programa de Linguística / PROLING atuando na área de Teoria Lingüística,
Linguagem e Ensino, enunciação, interação e discurso. É líder do Grupo de
Estudos em Linguagem, Enunciação e Interação /GPLEI. Realiza um Estágio
Pós Doutoral na Universidade de Brasília sob a orientação da Professora
Doutora Stella Maris Bortoni_Ricardo. Participa do projeto PONTES
desenvolvendo pesquisas na área de formação docente na concepção
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