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Acabamento
Alma
Interioridade, imediatidade. Nas palavra s de Bakhtin “sou o único em toda existência a ser eu-
para-mim”. A alma é a percepção que o eu tem de si mesmo. Sou o único na face da Terra que
posso tornar-me objeto de análise, para além do sentido empírico. Posso sentir-me em
pensamento. A alma é a experiência de si. Diferente é a experiência do outro. O meu horizonte
nunca se coincide com o horizonte daquele que contemplo à minha frente. Assim como dois
seres não compartilham o mesmo lugar no espaço, não compartilham também a mesma alma.
Sempre devemos voltar a nós mesmos quando de alguma forma participamos da alma do outro .
Se não houver essa volta a nós mesmos, caímos em uma patologia que não gera nada, pois
“sentiremos a dor do outro como nossa e nada mais”. O outro é um corpo que não responde as
nossas vontades imediatas. Sua interioridade não nos pertence. Não conseguimos sentir em
nossa pele o arrepio da pele do outro , nem conseguimos compartilhar os pensamentos do outro.
Essas experiências são próprias da alma de cada um. A alma é o que é inerente a si mesmo, ou,
é tudo aquilo
que do outro nos escapa. Nossa alma tem seus limites, “é o todo fechado da vida interior, o qual
é igual a si mesmo, coincide consigo mesmo e postula o ativismo amoroso distanciado do outro.
A alma é uma dádiva do meu espírito ao outro ”. Só podemos abraçar o outro para nos
sentirmos realmente abraçados: Minha imediatidade, minha alma, não me permite um “auto
abraço” emotivovalorativo, só físico. A alma é um aqui, o outro é um ali. Essa sensação, essa
impossibilidade de sentir-se outro , mas só a si mesmo, caracteriza a presença de nossa
interioridade. Jamais vou conseguir me alojar por inteiro em qualquer objeto, pois “excedo
qualquer objeto como seu sujeito ativo”.
Alteridade
Para Bakhtin, é na relação com a alteridade que os indivíduos se constituem. O ser se reflete no
outro, refrata-se. A partir do momento em que o indivíduo se constitui, ele também se altera,
constantemente. E esse processo não surge de sua própria consciência, é algo que se consolida
socialmente, através das interações, das palavras, dos signos. Constituímos-nos e nos
transformamos sempre através do outro . É isso também que move a língua . “Toda refração
ideológica do ser em processo de formação, seja qual for a natureza de seu material significante,
é acompanhada de uma refração ideológica verbal, como fenômeno obrigatoriamente
concomitante.” Nos atos de interpretação e compreensão, a palavra alheia se faz sempre
presente. Na filosofia de Bakhtin, a noção de alteridade se relaciona com pluralidade,
heteroglossia, polissemia, muitas vozes, ideologia. Em “Estética da Criação Verbal”, Bakhtin
afirma que “é impossível alguém defender sua posição sem correlacioná-la a outras posições”, o
que nos faz refletir sobre o processo de construção da identidade do sujeito, cujos pensamentos,
opiniões, visões de mundo, consciência etc. se constituem e se elaboram a partir de relações
dialógicas e valorativas com outros sujeitos, opiniões e dizeres. A alteridade é fundamento da
identidade.
Arquitetônica
Dado que a consciência adquire forma e existência no signo ideológico, qualquer reflexão ou
tomada de consciência não dispensa a expressão exterior e tampouco pode dispensar a
elaboração ideológica. Por isso, seja qual for a direção inflexiva da experiência, toda atividade
mental, enquanto discurso interior, somente pode realizar-se a partir de uma orientação social. A
atividade mental do eu e a atividade mental do nós são os dois limites dentro dos quais se
realiza a elaboração ideológica; os distintos graus na consciência, na clareza e na diferenciação
da orientação social da experiência mental. A “atividade mental do eu” tende para a auto-
eliminação; ela constitui o nível inferior da “ideologia do cotidiano”, e quanto mais próxima de
seu limite, mais distante fica de uma forma acabada. Isto é, quanto menos dotada de um
auditório social , menos dotada será de uma representação verbal e uma modelagem ideológica.
Sua atividade está diretamente ligada ao grau de orientação social, e se não se enraíza
socialmente, fenece e perde sua clareza e modelagem ideológica. Já a “atividade mental do
nós”, pelo contrário, constitui um nível superior na “ideologia do cotidiano”, que está
diretamente vinculada à firmeza e à estabilidade da orientação social. Quanto mais próxima de
seu limite, mais distinta e definida será essa atividade mental . Tal vínculo é de grande
importância, pois quanto “mais forte, mais bem organizada e diferenciada for a coletividade no
interior da qual o indivíduo se orienta, mais distinto e complexo será o seu mundo interior”; a
atividade mental deve buscar construir vínculos materiais objetivos sólidos com seu grupo
organizado, pois isso favorece a constituição de um “terreno mais favorável para um
desenvolvimento nítido e ideologicamente bem formado”; e “quanto mais acultura do for o
indivíduo, mais o auditório social se aproximará do auditório médio da criação ideológica”.
Autor
Carnavalização
Esse conceito nos remete de imediato ao signo carnaval. Porém, é necessário esclarecer que,
dentro da arquitetônica bakhtiniana, este signo possui um significado diferente do que a maioria
das pessoas entende, atualmente, por carnaval, ou seja, um espetáculo de desfiles que acontece
em um local fechado para um público restrito assistir ou ver por televisão. Bakhtin considera o
carnaval como festa popular universal que se passa no espaço público aberto da cidade (ruas,
praças), como momento de liberação das relações hierárquicas de poder, êxtase do ser,
rompimento de regras e tabus, sem privilégios e assimetrias, apontando para um tempo futuro
incompleto, de renovações. A lógica desse carnaval dionisíaco é a do “homo demens” que o
transforma no “lócus” privilegiado da inversão, da ridicularização e da desobediência a tudo que
seja oficial. A essa visão ativa e dinâmica do carnaval, que é uma forma alternativa e alegre de
relativizar as verdades e o poder, podemos denominar carnavalização . Seu traço principal é o
avesso que se pode evidenciar com permutações entre o alto (cabeça, face = espírito, dignidade,
sagrado, puro) e o baixo (traseiro, genitais = obsceno, profano, sujo). Esses traços se evidenciam
no que Bakhtin chama de corpo grotesco que está em constante movimento em torno do cosmos
e seus quatro elementos: água, ar, terra e fogo. Estes elementos, submetidos às leis cósmicas,
anunciam nascimento e morte de todas as coisas da terra. Ao contrário do corpo estético padrão
do “homo sapiens” apolíneo, o corpo grotesco não coloca a sexualidade como “raison d’être” da
existência humana, uma vez que os verbos utilizados para caracterizá-lo estão no mesmo eixo
sintagmático, sem hierarquias. Desse modo, urinar, arrotar, trepar, comer, beber, cuspir, defecar
etc. nos remetem a travessuras e diabruras típicas do carnaval, o que nos permite estabelecer um
diálogo com o outro por meio do: a) livre contato – não há diferença entre classes sociais, pois
no espaço aberto da rua e praças todos podem brincar, pular, dançar como desejam. Todas as
fantasias são permitidas. Por exemplo, um homem do campo pode sair vestido de rei, uma
senhora rica pode fantasiar-se de prostituta, homens se vestem de mulheres. A paródia entra
como elemento essencial para separar a barreira entre o cotidiano e o privado; b) da
excentricidade – violam o que é comum e deslocam a vida ao colocar, por exemplo, bolas de
futebol para aumentar as nádegas ou formar os seios, o que provoca o riso indicando a mudança
de poderes, de verdades, renovação; c) das “mésalliances” - aqui se dá a união de algo
considerado superior (rei - oficial) com outro de valor inferior (escravo – nãooficial). As
Saturnais, festa da Roma antiga, nos serve para ilustrar o que seria a união entre o oficial sério e
o nãooficial do riso. Nesta festa os escravos sentavam-se à mesa e eram servidos pelos seus
senhores, o que lhes conferia um poder efêmero, paródico, invertendo a ordem social; d) da
profanação - o religioso é parodiado, profanado quando, por exemplo, usam-se elementos ou
hierarquias da igreja, considerados sagrados, nas ruas e praças durante o carnaval: freiras
grávidas, padres bêbados. Tais categorias carnavalescas apontam para a morte do velho e o
nascimento do novo que, mesmo que seja de forma simbólica, nos remetem a um mundo
utópico, sem privilégio do individual, sem hierarquias fechadas de valores, fenômenos e
ideologias que imperam na vida extracarnavalesca.
Contrapalavra
Bakhtin trabalha com esta categoria para mostrar que sempre quando falamos ou ouvimos,
produzimos enunciados que respondem ao nosso interlocutor. Enquanto ouvimos, também
falamos. Ouvir e falar são movimentos de uma mesma atividade. Desta forma, nossas respostas
são formuladas a partir da nossa relação com a alteridade, ou seja, são contrapalavra s às palavra
s do outro. Troco signos alheios por signos próprios. Desta forma é que construo a compreensão
. Compreensão ativa e responsiva. É importante ressaltar também que a contrapalavra, assim
como a palavra , está estritamente associada ao tema da interação - aos sentidos que são
construídos na interação com outro, e à entonação escolhida para a enunciação . Não é possível
compreender a palavra do outro arrancando a palavra da corrente da comunicação verbal.
Pensando assim, a palavra já é alheia mesmo ainda não tendo sido incorporada pelo outro .
Cultura
Para Bakhtin, o homem constrói sua existência dentro das condições sócio-econômicas
objetivas de uma sociedade. Somente como membro de um grupo social, de uma classe social é
que o indivíduo ascende a uma realidade histórica e a uma produtividade cultural . O
nascimento físico não é uma condição suficiente para o homem ingressar na história, pois o
animal também nasce fisicamente e não entra na história. “Portanto, é necessário, um segundo
nascimento, um nascimento social , o qual se dá através de cada fenômeno da cultura que é
concreto e sistemático, ocupa uma posição substancial qualquer em relação à realidade
preexistente de outras atitudes cultura is e por isso mesmo participa da unidade cultura l
prescrita”. O domínio da cultura não é uma entidade espacial qualquer. Todo ato cultural vive
por essência sobre fronteiras, sem estas ele perde terreno, torna-se vazio, pretensioso, degenera
e morre. Enfim, deve-se dizer que nem um ato vive nem se movimenta no vazio, mas na
atmosfera valorizante, tensa, em um mundo vivo e também significante, assim proporcionando e
proporcionado pela cultura em determinado tempo e espaço.
Dialogia
Conceito da dialética do movimento, da dialética que não exclui, que não exauri a essência da
linguagem: o diálogo Eu/Outro. Dialogia é atividade do diálogo e atividade dinâmica entre EU e
Outro em um território preciso socialmente organizado em interação linguística. Seria uma
dialética que explica o homem pela produção do diálogo , pela atividade humana da linguagem .
As ideias de Bakhtin sobre o homem e a vida são caracterizadas pelo princípio dialógico. A
alteridade marca o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua constituição. A dialogia é
o confronto das entoações e dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões de
mundo dentro de um campo de visão: “na vida agimos assim, julgando-nos do ponto de vista
dos outro s, tentando compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa própria
consciência: assim levamos em conta o valor conferido ao nosso aspecto em função da
impressão que ele pode causar em outrem [...]”. Ainda na mesa direção, “A vida é dialógica por
natureza. Viver significa participar do diálogo : interrogar, ouvir, responder, concordar etc.
Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a
alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra , e essa palavra entra no
tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal” (ano, p.). No movimento dialógico,
Bakhtin vê três tipos de relações: a) as relações entre os objetos (entre coisas, entre fenômenos
físicos, químicos; relações causais, relações matemáticas, lógicas, relações linguísticas etc; b)
relações entre o sujeito e o objeto; c) relações entre sujeito s (relações pessoais, personalistas;
relações dialógicas entre enunciado s, relações éticas; relações entre consciências, verdades,
influências mútuas, o amor, o ódio, a mentira, o respeito, a confiança, a desconfiança etc.). Na
dialogia as vozes estão presentes, as entonações (pessoais – emocionais) são fundamentais,
valoram e ideologizam, as palavra s e as réplicas são vivas, e as consciências estão em interação
. Ao apagar isso tudo, temos a dialética . Pergunta e resposta não estabelecem relações lógicas,
pois não podem caber em uma só consciência; elas supõem uma distância recíproca, exigem o
diálogo.
Dialética
Processo de interação Eu - Outro. O Eu existe em interação com o Outro , porque “ser significa
ser para o outro e, através dele, para si mesmo”. Diferencia-se da dialética hegeliana, em que o
Eu é a negação do Outro, já que o Ser depende do não-Ser, para constituir-se como Ser criando
apenas diálogo s sintéticos e lógicos. Na dialética para Bakhtin, o Eu não apenas nega, mas,
exige a presença do Outro para a constituição do EU. O Eu necessita estética e eticamente do
Outro , sendo que a interação é variável de acordo com a situação, o espaço, o tempo
(cronotopo) e o modo como as partes se relacionam gerando movimentos – dialogia . Bakhtin
vai paulatinamente optando pelo conceito de dialogia e diálogo , pois para ele a dialética
trabalha com conceitos e juízos abstratos, aceita uma consciência abstrata, transforma enunciado
s em orações, transforma entonações pessoais e emotivas em sons sem relações; não exige
contrapalavras , anula os inter-agentes. A dialética trata doproblema da inter-relação semântica,
e é teorética, enquanto que a dialogia é vivencial.
Dinâmica psíquica
Bakhtin demonstra que a “dinâmica psíquica” elaborada pela psicanálise como a luta de forças
psíquicas na relação entre consciência e inconsciente é uma noção arbitrária que transfere para a
alma individual a complexidade do jogo social em que o indivíduo se constitui. Para Bakhtin
essa relação se dá entre consciência oficial e consciência não oficial , sendo os conflitos entre
motivos reflexo das inter-relações sociais e, portanto, como fenômenos da experiência objetiva,
ideológicos. O conflito entre motivos, em verdade, revela a luta entre correntes ideológicas
contraditórias que se desencadeia no terreno da ideologia do cotidiano (do discurso interior e
exterior), de modo que a consciência não oficial (o inconsciente da psicanálise) corresponde às
camadas mais instáveis dessa ideologia, as que se encontram mais distantes da ideologia oficial.
Já a consciência oficial corresponde às camadas superiores, mais estáveis, próximas da
ideologia oficial e enformada. Portanto, a compreensão do comportamento e do enunciado
verbalizado do homem a partir de uma “dinâmica psíquica” que se dá por um conflito entre
motivos subjetivos se mostra como apenas mais uma expressão de uma visão psicologizante ou
de um subjetivismo idealista.
Discurso Citado
Este termo é trabalhado por Bakhtin, mais incisivamente nos capítulos 9 e 10 do livro
“Marxismo e Filosofia da Linguagem”. Nestes capítulos, Bakhtin desenvolve suas teorias sobre
linguagem a partir de exemplos concretos da utilização do discurso citado (discurso de outrem)
no decorrer dos últimos séculos na literatura, que desemboca em uma análise mais específica
desenvolvida no capítulo 11 do mesmo livro. Tomando as palavra s do próprio Bakhtin,
percebemos um direcionamento claro da discussão do Círculo com relação ao discurso de
outrem: “O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao
mesmo tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação (...) o discurso
citado conserva sua autonomia estrutural e semântica sem nem por isso alterar a trama
linguística do contexto que o integrou”. Com isso, Bakhtin defende que o “contexto narrativo”
(ou contexto de transmissão) e o discurso citado propriamente dito, incluído neste contexto,
fazem parte de uma “inter-relação dinâmica”, que de certa forma “reflete a dinâmica da inter-
relação social dos indivíduos na comunicação ideológica verbal”. Esta relação social entre os
sujeito s falantes faz com que haja uma constante interação verbal. Assim, todo discurso
concreto presente nas diferentes esferas humanas nunca é totalmente “inédito”, pois traz ecos de
outro s discursos, ou seja, discursos de outrem, reorganizados dialogicamente nas falas dos
sujeito s, podendo aparecer mais explicitamente marcados pelos recursos linguísticos (utilizados
estilisticamente pelos falantes), como no discurso direto, ou de maneira “diluída” e menos
marcada, como ocorre no discurso indireto e indireto livre, este, “a forma última de
enfraquecimento das fronteiras do discurso citado ”(p.).
Diálogo
Bakhtin sustenta que a unidade real da língua é o enunciado posto em diálogo : “a interação de
pelo menos duas enunciações”. Como mundo partilhado, lida-se com o inconcluso, com uma
realidade em constante formação. Nesse mundo partilhado, afirma Bakhtin, vive-se “em um
mundo de palavras do outro, de tal modo que as complexas relações de reciprocidade com a
palavra do outro em todos os campos da cultura e da atividade completam toda a vida do
homem”. A alternância dos sujeito s do discurso é uma das características do diálogo , que exige
um princípio absoluto e um fim absoluto na ação de cada falante. Essa conclusibilidade
específica do diálogo garante a ação responsiva e estabelece relações de pergunta, objeção,
aceitação, ordem etc. O diálogo real entre dois falantes é constituído por ao menos dois
enunciado s plenos a acabados, e se constitui na forma mais simples e clássica da comunicação
discursiva.
Entonação
Bakhtin vai dizer que, na interação , a forma linguística não tem importância “enquanto sinal
estável e sempre igual a si mesmo”. Nesse sentido, no acontecimento das interações atribuem-se
sentidos, negociam-se signo s ideologicamente marcados; e estes signos estão impregnados de
valores. Dependendo da orientação de sentidos e valores que se responde à alteridade , orienta-
se também uma entonação . Ela é considerada elemento expresso do enunciado , ou seja, “a
relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido
do enunciado ” (“Os gêneros do discurso ”). A entonação registra claramente a presença do
outro; por via da entonação , exprimimos um juízo sobre o que estamos simultaneamente
transmitindo como informação em uma certa enunciação. É como se uma “mesma” palavra ,
impregnada de diferentes entonações, atendesse a novas, irrepetíveis e particulares situações. A
entonação é a minha presença na palavra, é o modo de passar à palavra o meu ponto de vista, o
valor que atribuo àquele pedaço do mundo significado; pela entonação ideologizo a palavra.
Enunciado/enunciação
Ética
Estilo
Por referir-se, na maior parte de sua obra, ao discurso literário, o estilo está presente em toda a
obra de Bakhtin e se apresenta como acabamento estético. Estilo, em Bakhtin, está intimamente
relacionado à composição e ao tema de um texto. É no estudo das formas, das categorias
[contextualizadas], que encontramos o estilo : é a maneira do acabamento - essencialmente
interlocutivo e dialógico - que nos dá o estilo de um texto e, é a maneira singular com que um
autor faz uso dessas categorias, as quais, para Bakhtin, nunca estão divorciadas de definições
ideológicas, que possibilita um estilo ao autor . Dessa forma, o estilo traz consigo a avaliação do
autor e uma possibilidade de comunhão avaliativa com o interlocutor. Isso significa que o estilo
está relacionado a um querer dizer do locutor, que ganha forma, que define seus limites sob as
condições de interlocução. Trata-se de um acabamento que é estético e provisório, sempre
aberto a novos sentidos por estar submetido a condições sócio-históricas de possibilidade. É
preciso levar em conta, para um estudo do estilo em Bakhtin, que as condições de interlocução
incluem também o que Bakhtin define como estilo de gênero , que impõe certas constrições ao
querer dizer do locutor e à forma como esse querer dizer se manifesta. Por relacionar-se às
atividades humanas, a percepção de acabamento [acabamento estético e, portanto, estilístico],
em um gênero de discurso, é uma relação entre um “aqui” e um “agora”, pertencentes a uma
cadeia infinita de enunciado s que se articulam e que determinam, situada e provisoriamente, as
coordenadas genéricas.
Estética
Excedente de visão
É a possibilidade que o sujeito tem de ver mais de outro sujeito do que o próprio vê de si
mesmo, devido à posição exterior (exotópica) do outro para a constituição de um todo do
indivíduo. Nas palavras de Geraldi, o outro tem “uma experiência de mim que eu próprio não
tenho, mas que posso, por meu turno, ter a respeito dele.” Bakhtin defende que “o excedente de
minha visão, com relação ao outro, instaura uma esfera particular da minha atividade, isto é, um
conjunto de atos internos ou externos que só eu posso pré-formar a respeito desse outro e que o
completam justamente onde ele não pode completar-se”. Nesse sentido, o excedente de visão só
é possível porque há essa possibilidade de se situar fora do outro . É o olhar de fora: “exotopia –
no espaço, no tempo, nos valores”. O sujeito olha o outro de um lugar, de um tempo e com
valores diferentes; vê nele mais do que o próprio consegue ver. Quando alguém atribui a outro
seu excedente de visão , permite-lhe completar-se como sujeito naquilo que sua individualidade
não conseguiria sozinha. Ou seja, não conseguimos nos ver por inteiro, totalmente. Precisamos
do outro para nos completar. É a exotopia do observador que, possibilitado de ver alguém de
fora, constrói um excedente de visão , ou seja, vê no outro algo a mais que o próprio sujeito não
vê.
Exotopia/Extralocalidade
Gêneros Discursivos
Todo texto participa de uma relação humana, de uma atividade humana. Essa é a proposta
bakhtiniana: “Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da
linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão
multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade
nacional de uma língua”. Compreendemos que os trabalhos que se fazem com o conceito de
gêneros do discurso estejam imprescindivelmente vinculados ao movimento com uma
percepção global da arquitetônica bakhtiniana, em que: 1) Desenvolva a compreensão sobre a
TOTALIDADEESTABILIDADE, onda a relativa estabilidade de um gênero estaria relacionada
a sua historicidade passada (memória do passado). “Os enunciados e seus tipos, isto é, os
gêneros discursivos [...]” são o retrato dos usos já feitos anteriormente, em várias atividades
humanas, e são a memória e o acúmulo da história de suas utilizações; assim os enunciados vão
se constituindo em tipos e formas mais consistentes para uso em esferas específicas, com estilos
específicos, tratando de temas específicos, se compondo com formas específicas. Daí a
discussão da relativa estabilidade para esses tipos e formas de enunciados: a repetição de uso
daqueles enunciados naquela situação precisa, naquela atividade humana precisa, naquele jogo
interativo preciso, vai estabilizando determinados tipos de enunciados que são os que chamamos
de gêneros do discurso. Esses enunciados, relativamente estáveis, também se constituem como
lugar de emergência dos sentidos históricos das comunicações existentes em determinados
contextos e com determinadas significações, e mantém vivas aquelas significações já
socialmente consolidadas. 2) Desenvolva a compreensão sobre a SINGULARIDADE-
INSTABILIDADE, na qual a possibilidade de os gêneros irem se atualizando, se modificando,
está relacionada ao trabalho desenvolvido pelo sujeito ocupado com um projeto de dizer, junção
de seu passado e de seu futuro, frente a uma alteridade viva e atuante, seu interlocutor. O
trabalho responsivo do sujeito instabiliza o gênero a cada vez que determinado enunciado é
empregado em determinada atividade humana. Esse movimento não nega a historicidade do
sentido, nem o tipo e a forma já relativamente estabilizada, mas a movimenta para novas
possibilidades, instaurando novas formas e novos tipos de enunciados , relacionando com tipos
e formas que são usualmente empregados em outras atividades humanas; esse movimento
relaciona gêneros , joga um dentro de outro, obriga enunciados a frequentar novas atividades e
significálas e, ao mesmo tempo, renova o gênero dentro do qual se enuncia. Esse trabalho
dialógico, responsivo, centrado na alteridade , está sempre prenhe de perspectivas, e buscas por
completudes de sentidos, de identidades, de relações sociais, sempre inconclusas. Esse trabalho
responsivo instaura a renovação do gênero , veste novos temas sobre significações históricas
dos enunciados e das palavras , faz com que o estilo do gênero se conflite com o estilo
individual e vice-versa, reconfigura sua composição formal. Vale a pena aqui fazer um leve
aceno para o jogo que Bakhtin clareia ao posicionar os gêneros discursivos como primários e
secundários. Os gêneros primários, ele chama de simples, e os secundários, de complexos.
Simples porque “se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata”, e complexos
porque “surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente mais
desenvolvido e organizado”; e se estabelecem como relacionais entre si, numa troca infinita de
sentidos e renovando continuamente os gêneros. E se conseguimos nos comunicar é porque
dominamos os gêneros empregados naquela atividade verbal. E quanto mais os dominamos,
mais livres nos sentimos no seu uso – um uso que é também renovação pelos diálogos com
outros gêneros – e nas construções de sentidos possíveis que nosso projeto de dizer possibilita
no jogo com o outro que também se comunica comigo. Compreender gêneros do discurso a
partir das leituras das obras do Círculo de Bakhtin é compreender o texto como parte fundante
das atividades humanas dos sujeitos . Essa compreensão revela um sujeito produtor de
linguagem , de enunciados e de discursos ; e também nos mostra que o texto é fundamental não
somente para os estudos da língua mas para a própria reconstrução da compreensão do homem e
das Ciências Humanas.
Herói
O herói/personagem, para Bakhtin, “vive de modo cognitivo e ético. Seu ato se orienta em um
acontecimento aberto e ético da vida ou no mundo dado do conhecimento.” O herói possui uma
“realidade cognitiva ética (da realidade do ato, da realidade ética do acontecimento único e
singular do existir)”, uma realidade , portanto, diferente da realidade estética do autor , mas não
indiferente a ela. Isso significa que o herói não tem um excedente de visão do todo da obra em
que está inserido como o autor tem o excedente de visão do herói em relação aos outros
elementos da obra (outros personagens, outros acontecimento s internos a obra) lhe confere
também certa autonomia em relação ao autor . No romance polifônico, o herói é um sujeito que
aparece na obra e os traços identificadores desse herói nos são dados com os pontos de vista e as
idéias que ele tem em relação ao mundo e sua existência. Mesmo quando o herói é
autobiográfico, ele não coincide com o autor , porque o autor , para construir esse personagem,
deve tornar-se outro em relação a si mesmo, encontrar-se em uma extralocalidade , em exotopia
. Somente poderá vê-lo, como herói , com um excedente de visão específico para atingir o todo
desse herói , o todo com valores que são transgredientes a sua própria vida. A relação entre
autor e herói é uma relação entre um Eu e um Outro, uma relação de alteridade , fundada na
dialogia , em relação de responsividade .
História
Horizonte social
Toda produção enunciativa relaciona-se com o conteúdo interior e com a expressão exterior. A
expressão é caracterizada exatamente pelo signo que parte de um sujeito e direciona-se a outro.
Essas relações se concretizam a partir de um horizonte social envolvido na expressão. O
horizonte social orienta os valores construídos na interação; é o espaço-tempo compreendido em
uma relação verbal, ou seja, o espaço-tempo da enunciação. Essa relação espaço-temporal
envolve um tempo mais prolongado e um mais imediato, considerando, também, a memória do
futuro na relação entre os interlocutores. Da mesma forma, o espaço envolve tanto
configurações mais amplas, como específicas. Cada grupo construirá seu repertório de signos e
enunciados que direcionarão as criações ideológicas de sua época. É preciso estabelecer
diferenciação entre o horizonte e o ambiente: enquanto o primeiro coloca-se em relação ao signo
, o segundo referese ao lugar fora do signo ; o primeiro é social e o segundo, apesar de social, é
mais voltado para o físico.
Ideologia
Para Bakhtin, a ideologia é social e se contrói em todas as esferas das interações: “A ideologia
não pode derivar da consciência, como pretedem o idealismo e o positivismo psicologista, pois
a consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso
de suas relações sociais”. Reforçando esse entendimento, a ideologia poderia caracterizar-se, na
perspectiva bakhtiniana, como a expressão, a organização e a regulação das relações histórico-
materiais dos homens. Seguindo esta linha de raciocínio, também pode-se ver ideologia como
uma representação. Isso porque se dá na/pela linguagem . Precisa dela para poder manifestar-se
e essa é caracterizadamente representativa (simbólica) e constituída por signos ideológicos. Isso
significa que esses signos não só denominam um ser no mundo, mas também fazem referência a
uma outra realidade fora da imediata. Para Bakhtin, “tudo que é ideológico possui um
significado e remete a algo situado fora de si mesmo”. Por ser ideológico, o signo comporta as
crenças, os sonhos, as visões de mundo, os modos de interpretar a realidade, etc. Se o signo não
fosse também ideológico, nada disso poderia ser identificado nele. O signo carrega, em sua
constituição, numa face, uma oficialidade que o faz pertencer a determinado sistema ideológico
e, na outra, uma necessidade de reorganização a partir do contato desse signo nas relações
cotidianas travadas pelos sujeitos . A ideologia é essa dupla face que faz com que o signo se
mantenha na história e também se transforme na interação verbal. Podemos definir a ideologia ,
portanto, como um conjunto de valores e de ideias que se constitui através da interação verbal
de diferentes sujeitos pertencentes a diferentes grupos socialmente organizados na história
concreta.
Infraestrutura
Interação
Fundada sobre pilar da heteroglossia , isto é, sobre o conjunto múltiplo e heterogêneo de vozes
sociais que habitam a consciência humana ou, nas palavras de Voloshinov, sobre um auditório
social interior bem estabelecido, em cuja atmosfera se constroem nossas deduções, nossas
motivações, apreciações etc, a interação é a própria concepção de linguagem em Bakhtin. A
linguagem é inter-ação. Em “Marxismo e filosofia da Linguagem” , Bakhtin (Voloshinov) diz
que “Toda palavra comporta duas faces . Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de
alguém quanto pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da
nteração do locutor e do ouvinte” (grifos do autor ). Dessa forma, no próprio dizer de Bakhtin,
“a interação verbal constitui, assim, a realidade fundamental da língua”. Mas, o filósofo russo
nos chama a atenção para não reduzirmos a interação ao diálogo, no sentido estrito do termo
(interação face a face). Este, para o autor, constitui uma das formas primordiais de interação ,
mas ele deve ser compreendida em uma concepção mais ampla, que engloba toda a
comunicação verbal de qualquer tipo. É importante termos em mente que, para Bakhtin, a
palavra é ideológica por natureza e comporta nossas avaliações, de forma que a interação é um
evento dinâmico onde o que está em jogo são posições axiológicas, confrontos de valores
sociais. A interação é, portanto, o diálogo ininterrupto que resulta desse confronto e que
constitui a natureza da linguagem . Para Bakhtin [e isso permeia toda a sua obra], viver é tomar
posições continuamente, é enquadrar-se em um sistema de valores e, do interior dele, responder
axiologicamente.
Linguagem
Literatura carnavalizada
Podemos entender como literatura carnavalizada aquela em que percebemos as categorias de
carnavalização e as imagens do corpo grotesco em evidência. Para discutir os conceitos de
carnavalização e corpo grotesco, Bakhtin vai à literatura. Ele toma os romances Gargântua e
Pantagruel, do autor francês Rabelais, e escreve a sua tese de doutorado que, num primeiro
momento, foi recusada. Em Gargântua, desde o início do livro, podemos perceber as imagens do
corpo grotesco que, em Rabelais, são gigantes e muito exageradas, características típicas do
grotesco. Após comer grande quantidade de tripas em um banquete, Gargamelle, grávida de 11
meses, “sentiu mal e começou a gemer, a gritar. Numerosas parteiras chegaram de todos os
lados e, apalpando-a por baixo, encontraram uns pedaços de pele de muito mau gosto. Pensaram
que fosse a criança, mas era o reto que escapara, por se ter afrouxado o ânus, que vos chamais
de olho-do-cu”. O bebê, que era gigante, sai pelo ouvido da mãe e começa a gritar: beber, beber,
beber. Por essa razão, o pai deu-lhe o nome de Gargântua. Um exemplo da literatura brasileira é
Macunaíma de Mário de Andrade. Similar ao romance francês, o livro começa com o
nascimento do herói : “no fundo da mata virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era
preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande
escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia”. Se
Gargântua é o gigante, Macunaíma é baixinho, o herói sem caráter e o que lhe caracteriza é a
preguiça. No filme de Joaquim Pedro de Andrade a imagem do nascimento está bem
representada. Uma velha branca e feia (o ator Paulo José), no meio do mato, parece cagar um
negrinho velho e preto (o ator Grande Otelo). Tanto em Gargântua como em Macunaíma, ambos
explicitamente calcados na cultura popular, podemos ver como os autores já anunciam a entrada
para o mundo carnavalizado onde há inversões, dialogismo, polifonia, paródia etc. Do velho
nasce o novo, indicando a renovação, a metamorfose. Mário de Andrade mistura a linguagem
indígena (não-oficial) com a oficial, cria neologismos, macacos podem falar; Macunaíma, que é
analfabeto, escreve em português perfeito. Para roubar, Macunaíma se disfarça de mulher,
mostrando a inversão sexual por paródia. Ou ainda, podemos ler Macunaíma como uma paródia
da índia romântica Iracema, de José de Alencar, a virgem dos lábios de mel, perfeita, idealizada.
O magnata Pietro é deposto pelo herói do seu povo. Também é comum, tanto em Macunaíma,
quanto em Gargântua, as descrições de defecação e urinação. Gargântua conta a seu pai sobre o
ritual do limpa cu e, quando urina, provoca uma inundação. Macunaíma, para espantar os
mosquitos de uma velha, usa a urina quente. Tanto a idade média, contexto de Rabelais, quanto
a semana de 22, momento em que Mario de Andrade escreveu seu romance, são momentos de
grande transformação social. Daí um retorno ao popular por meio da literatura carnavalizada e
imagens grotescas, mostrando a necessidade de renovação, de abertura a novos diálogos. Mario
de Andrade, com Macunaíma, usa de forma extremamente criativa características que o popular
lhe oferece para criticar o colonialismo oficial e opressor de sua época.
Língua
Método Sociológico
Nascimento social
O nascimento social do homem, para Bakhtin, é considerado como algo indissociável do seu
nascimento biológico, pois o nascimento concreto ocorre em sua classe social, ou seja, a partir
do seu contato com a sociedade. Bakhtin elaborou sua teoria da consciência fundamentando-se
nos aspectos sociológicos, rompendo com os aspectos fisiológicos ou biológicos. Ele não
compreendeu a consciência aliada a processos internos, mas sim ao contexto ideológico e social.
Não julgou admissível a existência da consciência individual; considerou possível somente a
consciência social. No nível individual existiriam apenas os signos, elementos externos
emergentes do processo social), criados pelo homem. O escritor russo viu a necessidade de
criação de uma psicologia fundada no estudo das ideologia s, conferindo à palavra o lugar de
destaque na constituição da consciência – sendo social (ou coletiva) – permeada pela existência
dos signo s. A atividade mental do indivíduo estaria concentrada na expressão anterior, por
meio da palavra, da mímica ou de outro canal de comunicação e internamente para o próprio
indivíduo, constituindo-se no “discurso interior”. O interesse de Bakhtin pela psicologia se
relacionou à “necessidade de compreender a construção da consciência e, por aí, apreender
especificidades da criação artística”. A análise que fez da psicologia foi baseada na perspectiva
semiológica e social, tendo-se fundamentado na linguagem e utilizado o método dialético. Ao
considerar o homem como ser histórico e social Bakhtin “historicizou” também a linguagem .
Para ele, o mundo é pluralista e polifônico, e a interação verbal é o fator essencial para a
consciência do homem. É na coletividade da sociedade que tomamos consciência. “O fenômeno
ideológico por excelência e o modo mais puro e sensível de relação social é a palavra , ou seja, a
linguagem no sentido mais amplo (...)”.
Não-álibi da existência
De acordo com Bakhtin, cada sujeito é único e ocupa um lugar único na existência; por isso,
ninguém tem álibi para a existência, ninguém tem como escapar da sua responsabilidade
existencial: temos o dever de responder. Trata-se, nesse sentido, de uma ética sem concessões.
Bakhtin vai dizer também que viver é responder; é assumir, a cada momento, uma posição
axiológica frente a valores. Viver é participar desse diálogo inconcluso que constitui a vida
humana. A dialogia é, portanto, fundante do nosso ser no mundo e da nossa própria consciência.
Na expressão consciência individual há, na concepção bakhtiniana, uma contradictio in adjecto,
porque a consciência é sempre plural, no sentido de ser povoada por inúmeras vozes sociais que
ali estão como efeito do nosso existir no diálogo inconcluso com a alteridade. Nossa consciência
é sempre uma realidade plurivocal (heteroglóssica): Eu vivo em um mundo de palavra s do
outro. E toda a minha vida. Não há um álibi, “um ser divino” que esteja por trás de cada atitude
humana. Cada um de nós é responsável e, por isso, chamado a responder eticamente pelos seus
atos, sem álibi, sem proteção.
Objetivismo abstrato
Bakhtin faz uma crítica ao objetivismo abstrato , pois esse incide em um apagamento do sujeito
falante. Em “Marxismo e filosofia da linguagem”, Bakhtin desenvolve seus argumentos dizendo
que o objetivismo, herança de uma tradição filosófica presente já em Descartes e Leibniz,
postula que os sujeito s recebem a língua finalizada, pois essa é transmitida aos indivíduos
pronta para ser usada. Na Linguística, o objetivismo abstrato foi desmembrado pelo linguista
Saussure, quando afirmou que a língua seria o ápice para toda e qualquer análise linguística. A
fala, o contexto, o extra-verbal, os elementos transitórios, para Saussure, não seriam objetos de
estudo dessa corrente. Disso decorre que o sujeito e sua produção comunicativa são deixados de
lado, pois os sujeito s deveriam, nesta compreensão, conformar-se com a estrutura da língua
dada. Para Bakhtin, o objetivismo separa da língua o conteúdo ideológico, acreditando que uma
mesma palavra usada nos mais diversos contextos será sempre determinada por um mesmo e
único significado.
Organização sintática do discurso
Palavra
Na teoria bakhtiniana, a palavra é um fenômeno ideológico por excelência. Relaciona-se,
portanto, diretamente com a realidade, quando se transmuta em signo e adquire significação. Em
Bakhtin, a palavra se posiciona sempre na relação eu-outro . Ele explica que, no início, trata-se
de palavra interior, quando se relaciona diretamente com o psiquismo , concretizando-se como a
base da vida interior. Depois, a palavra ganha um caráter refratário, inserida no seio social como
uma palavra exterior, caracterizando e permeando as diferentes formas de interação verbal. Por
meio da interação contínua, da realidade concreta, a palavra assume sentido ideológico enquanto
enunciado e não como parte da língua sistêmica. Com isso, no jogo social, carrega consigo uma
expressividade entonativa – classificada como um ato ativo, contendo uma ubiquidade social.
Assim, a palavra é o elemento essencial para acompanhar e constituir a concepção ideológica,
enquanto material semiótico da vida interior e eternamente presente no ato de compreender.
Logo, por estar diretamente envolvida nas relações humanas, é o indicador mais sensível das
transformações sociais, contendo em si as lentas acumulações que ainda não ganharam
visibilidade ideológica, mas que já existem.
Paródia
Realidade
Responsabilidade-responsividade
Romance polifônico
Para Bakhtin, é um gênero literário desenvolvido por Dostoievski. Como o próprio nome revela,
é um romance no qual há muitas vozes que convivem de modo a impedir que o narrador seja a
voz central. Em outras palavra s, não há narrador central, protagonista, pois todas as vozes
presentes no texto dialogam em pé de igualdade. Por ser dialógica e polifônica, a narrativa no
Romance polifônico, em vez de alimentar a centralidade e o monólogo, caracteriza-se por vozes
que, livres do domínio de um narrador central, produzem significados em interação. Os
elementos que constituem esse tipo de narrativa são diferentes entre si, e é justamente essa
diferença que potencializa o texto, enriquecendo tanto seus feitos como efeitos. No romance
polifônico destaca-se a potência das paixões representada nas vozes de personagens marcantes.
Tais potências, para Bakhtin, expressam o ativismo do indivíduo, isto é, o indivíduo não está
finalizado, ele está em movimento de criação constante. Deve estar evidente que as vozes em
um romance polifônico não se sujeitam a um centro do qual emanariam as palavra s finais.
Nesse sentido, uma palavra não pode ser vista como a finalização de uma ideia, mas sim, como
uma nova retomada e ressignificação dos sentidos.
Signo
De início, Bakhtin é contundente em afirmar que tudo que é ideológico é signo . E ele vai mais
além ao dizer que o signo não se constitui fora de uma realidade material , mas reflete e refrata
outras realidades. Os signos somente emergem e podem existir dentro da interação social,
adquirindo significação dentro de uma realidade material e concreta. Eles comportam em si
índices de valores que espelham e constituem os sujeitos que os utilizam e a realidade social por
onde circulam. Tais índices operam como arenas de lutas em que diferentes ideologias
entabulam entre si relações dialógicas e disputas pelos sentidos. Dentro do universo da
linguagem , o signo tem seu espaço particular por operar como uma ponte entre a língua
sistêmica e a realidade sócio-histórica, articulados pela ideologia . Assim, podemos dizer que o
signo se dá em uma encruzilhada tripartite e inseparável: uma parte de material, uma parte de
materialidade sócio-histórica, e uma parte do meu ponto de vista.
Subjetividade
A noção de subjetividade criticada pela obra de Bakhtin implica o limite do ser num “eu”
absoluto, de modo que se exclui a relação “eu-outro ”. Bakhtin questiona tal primazia do eu na
corrente filosófica que ele chamou de subjetivismo idealista, para a qual os resultantes das
relações sociais (inclui-se aqui a língua , a ideologia ) são
Subjetivismo idealista
Sujeito
Para Bakhtin e seu Círculo, a questão do sujeito está entre as mais importantes, pois envolve
diretamente conceitos fundamentais para sua teoria como dialogia , alteridade e ideologia.
Como aborda em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, o sujeito é constituído socialmente, a
partir da interação verbal na relação com o outro. Esta concepção diferencia-se de outras
trazidas pelo objetivismo abstrato (tendo Saussure como maior representante) e o subjetivismo
idealista (representado, entre outros, pela escola de Vossler), correntes do pensamento
linguístico discutidas por Bakhtin na obra citada. Para o objetivismo abstrato , há um
distanciamento do indivíduo com relação à língua – tomada como autônoma; ou seja, o
indivíduo utiliza-se deste código imutável para comunicar-se, não tendo participação ativa sobre
ele. Já para o subjetivismo idealista , há uma defesa do indivíduo como ser criativo, que tem
uma relação psicológica com a língua – tomada como os outros tipos de arte, criada e expressa a
partir de pura inspiração, ou seja, num movimento do interior para o exterior do sujeito . Ao
criticar estas vertentes, Bakhtin é incisivo na defesa de um sujeito ativo na constituição da
língua , sendo assim também constituído por ela e a partir do diálogo e da interação verbal com
o outro. O sujeito é constituído de fora para dentro. Como afirma Bakhtin, até mesmo o
consciente e o discurso interior são formados socialmente; e a língua está sempre em
movimento na interação dos sujeito s, numa relação de estabilidade e instabilidade entre estes e
o meio social. Portanto, o sujeito na teoria bakhtiniana é considerado como um ser de ações
concretas, em contraposição à concepção de sujeito abstrato ou idealizado.
Superestrutura
Uma questão primordial para todos e quaisquer estudos marxistas é a noção de superestrutura .
Trata-se de todo o sistema social-ideológico que uma sociedade constitui na sua história .
Bakhtin, no livro “Marxismo e filosofia da linguagem” , vai dedicar um capítulo para discutir a
relação entre Superestrutura e Infraestrutura, nos mostrando que o lugar onde encontraremos a
materialização da superestrutura é a palavra , ou ainda, o signo ideológico. A superestrutura ,
como a ciência, a cultura , a religião, a educação e a mídia, por exemplo, forma seus tipos
relativamente estáveis de signos ideológicos. Não devemos, entretanto, colocar a superestrutura
como fundadora desses signos, pois os signos se constituem na relação dialógica entre
infraestrutura e superestrutura .
Tema
A noção de tema vincula-se à perspectiva semântica presente nas obras do Círculo de Bakhtin.
Tal perspectiva contempla uma tensão existente entre a significação, que contempla os sentidos
reiteráveis, previsíveis, cristalizados, estabilizados e dicionarizados da língua , e o tema, que
trata dos sentidos verbais e não-verbais, singulares, únicos, ideológicos, históricos, valorativos
da língua. O tema é determinado tanto pelas formas linguísticas quanto pelo contexto
extraverbal que compreende o compartilhamento pelos interlocutores do horizonte espaço-
temporal, do conhecimento da situação e de avaliações e julgamentos. O tema (conteúdo
temático), juntamente com o estilo e a construção composicional, ao serem marcados pelas
especificidades de uma dada esfera sócio-verbal, caracterizam o enunciado . A relação entre a
significação e o tema pode ser transposta tanto para as noções de linguagem -enuciado e
linguagem-sistema, como para o que Bakhtin (1919) definiu como o mundo da cultura (das
representações, objetificações, teorizações) e o mundo da vida (do ato único, singular e vivido);
assim, o ato vivido, ao ter seu sentido teorizado pela ciência, filosofia, história ou estética ,
passa a assumir um valor abstrato, distante do que era enquanto experiência.
Valor estético
Segundo Bakhtin, "O excedente da minha visão contém em germe a forma acabada do outro,
cujo desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe tirar a originalidade. Devo
identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores, tal como ele o vê;
devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com
tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele; devo emoldurálo, criar-lhe um ambiente
que o acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu desejo e de meu
sentimento". É pela memória que se estabelece os valores de nosso julgamento. E essa
valoração somente se concretiza através da exotopia (só um outro pode me dar acabamento,
assim como só eu posso dar acabamento a um outro). O sentido estético se processa através do
excedente de visão, no tempo e no espaço, em relação à consciência do outro, dá-lhe forma e
acabamento, as quais jamais se podem ter por conta própria, do “eu-para-si”. O valor estético
para Bakhtin, não decorre da definição de uma forma acabada, mas de um processo axiológico,
ou exotópico da minha relação com o outro, da consciência que eu tenho do outro.