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Arte e agência

Alfred Gell

Capítulo 2
A teoria do nexo da arte
2.1 A construção de uma teoria: termos e relações
p. 39: teoria tem “afinidades”.
“objetos de arte” “obras de arte” “produções artísticas” parecem formar uma classe de
objetos, mas isso não se aplica a todos eles, sobretudo em contextos antropológicos.
Falar de “obra de arte” é falar de entidades que já foram institucionalmente definidas
como tais – o que não existe. O reconhecimento (ou “legitimação”) institucional de
objetos de arte é a matéria de que trata a sociologia da arte. A antropologia da arte,
para se distinguir da sociologia da arte, não pode restringir seu escopo às instituições
de arte “oficiais” e obras de arte reconhecidas. Ela não pode, na verdade, nem falar em
“obras de arte”, não só por causa das implicações institucionais do status, mas porque
esse termo tem conotações excludentes indesejáveis. Um objeto que foi legitimado
como objeto de arte se torna um objeto de arte de forma exclusiva, do ponto de vista
da teoria, e só pode ser discutido em termos dos parâmetros da teoria da arte, e é
exatamente disso que se trata ser legitimado dessa forma. A tendência dessa teoria é
explorar um domínio em que os “objetos” se misturam às “pessoas”, dada a existência
de relações sociais entre pessoas e coisas – e entre pessoas e pessoas via coisas;
relações sociais com os objetos.

2.2 O índice
p. 40: Objeto: índice: agente social.
Objeto: coisas reais: únicas e identificáveis: reais – não leituras, atuações, reproduções,
etc.
A antropologia da arte assim não seria se não se limitasse ao subconjunto de relações
sociais que associam “objeto” a um agente social de uma forma distinta – “artística”.
Descarta a relação “artística” com os agentes sociais, porque não há uma forma em
que eles se relacionam “não artisticamente”.

p. 41: “situações que se assemelham à arte” = índice material (fumaça)


a partir de um índice podemos fazer uma inferência causal; permite uma operação
cognitiva particular: abdução da agência social.
Os índices não fazem parte de um cálculo, nem são componentes de uma linguagem
natural ou artificial na qual os termos têm significados estabelecidos por convenção.

2.3 A abdução
p. 42: a abdução é uma inferência sintética; cuja suposição seria o caso de alguma
regra geral (suposição!)
A abdução consiste em traçar um sistema de regras de significação que possibilitem ao
signo seu próprio significado. (Umberto Eco, 1976, p. 131, citando Pierce II, 624).
A abdução consiste em uma inferência semiótica cuja pressuposição se funde às
inferências hipotéticas.
A abdução é uma introdução a um serviço de explicação, que se utiliza de uma NOVA
regra empírica para criar uma previsão daquilo que seria misterioso. Por meio de
premissas verdadeiras, ela produz conclusões que não são necessariamente
verdadeiras. (Boyer, 1994, p. 147, citando Holland et al. 1986, 89).
Ninguém poderia supor que uma relação de ordem artística entre pessoas e coisas não
envolva pelo menos alguma forma de semiose; seja qual for a maneira como o assunto
é abordado, parece haver algo irredutivelmente semiótico na arte.

p. 43: O conceito de abdução designa uma classe de inferências semióticas diferentes


de outras que partem de uma literalidade da linguagem. Essa diz respeito às hipóteses
interessantes derivadas de um caso particular. (Umberto Eco, 1984, p.40).
A abdução permite traçar os contornos da semiose linguística, de modo que não mais
nos sintamos tentados a aplicar modelos linguísticos onde eles não são aplicáveis, nem
deixemos de ter a liberdade de postular inferências não linguísticas. O Índice permite
inferências supositórias.
As maneiras que geralmente encontramos para formar uma noção da disposição e das
intenções dos “outros sociais” se dão por meio de um grande número de abduções de
índices que não são nem “convenções semióticas” nem “leis da natureza”, mas algo
que se encontra entre os dois.

p. 44: Os sistemas de inferência = abduções que associamos aos “signos indiciais” =


objetos de arte são muito parecidos com aqueles que vinculamos aos outros sociais.
A arte (visual) envolve a presença de algum índice a partir de abduções.
O autor propõe uma categoria de “índice relevante” a partir de uma abdução de uma
agência social.
Ferramenta = índice de que há uma agência social nessa arte. O índice é ele próprio
visto como o resultado e o instrumento da agência social. É uma ferramenta: logo, é
um índice de agência; tanto da agência de quem a fabricou quanto de quem a utilizou.

p. 45: não tem como distinguir a priori “artefatos” de “obras de arte” (GELL, 1996). Se
eu vejo um objeto de arte e me aproprio dele, ele se torna um índice da minha
agência.
A arte como um índice de que há uma agência social por trás disso. Isso inclui também
quando ela sobre uma reapropriação.

2.4 O Agente social


Qualquer pessoa deve ser considerada um agente social, pelo menos potencialmente.
A agência pode ser atribuída às pessoas iniciadoras de sequências causais, de eventos
causados por atos da mente, da vontade ou da intenção. Um agente é aquele que faz
com que os eventos aconteçam em torno de si.
Os agentes dão início a “ações” que são “causadas” por eles próprios, por suas
intenções. Um agente é a fonte, a origem dos eventos causais, independentemente do
estado do universo físico.

Fabulação para justificar a arte; a antropologia da arte para justificar os índices como
ferramentas para agentes sociais; os agentes sociais para justificar a existência e a
invisibilidade das mulheres.
Seitô e Satã: conversas iniciais sobre o feminismo e seus desdobramentos políticos?
p. 46: As ações dos agentes muitas vezes têm “consequências não intencionais”, de
modo que não se pode dizer que no mundo real os eventos (sociais) são apenas
reproduções do que os agentes pretendiam que acontecesse.
A questão aqui não é filosofar sobre a intenção, mas entender a ação, descrever formas
de pensamento que são possíveis termos sociais e cognitivos.
A “agência” sempre acredita que um evento acontece por causa de uma intenção
encontrada na pessoa ou coisa que inicia a sequência causal.
Todo processo cognitivo é social. O que nos faz refletir sobre a falácia da dicotomia de
que a fêmea está voltada para o solitário e o macho para a integração social, porque
mesmo o que não acontece em uma esfera pública, é social.
Logo, “agência social” é redundante (mas serve para esclarecer nossas intenções) e
serve para distinguir os “acontecimentos” (causados por leis físicas) e “ações”
(causados por intenções prévias). As intenções prévias implicam na atribuição ao
agente de uma mente semelhante à de um humano, se não idêntica. Pode se atribuir
uma mente e intenções também a animas e objetos materiais (animismo).

p. 47: A mente humana é inevitavelmente uma mente “social”, só conhecemos nossa


própria mente em um contexto social de algum tipo. A “ação” só pode ser
efetivamente concebida em termos sociais.
Objetos de arte não são “autossuficientes”, mas apenas agentes “secundários” que
atuam em conjunto com certos associados (humanos). A teoria filosófica dos “agentes”
pressupõe a autonomia e a autossuficiente do agente humano; pensamos o tipo de
agência de segunda classe que os artefatos adquirem uma vez que passam a estar
enredados no tecido das relações sociais.

2.5 Coisas como “agentes sociais”


O “outro” imediato em uma relação social não tem de ser outro “ser humano”. A
agência social pode ser exercida em relação às “coisas” e pelas coisas e animais. As
pessoas formam relações sociais com as coisas.

p. 48: apenas um passo separa as bonecas dos ídolos. As maneiras pelas quais a
agência social pode ser investida em coisas, ou pode emanar de coisas, são
extremamente diversificadas (ver uma análise teórica da “objetivação” em Miller,
1987).
O índice também é o lócus de uma agência “autônoma” própria

2. 5. 1 Eliminando o paradoxo
p. 49: Um agente é definido como alguém que tem a capacidade de dar início, em seu
entorno, a eventos causais que não podem ser atribuídos ao estado atual do cosmos
físico, mas apenas a uma categoria de estados mentais; intenções.

p. 50: Agência: seres dotados de sensibilidade, “inculturados”


x
o tipo de causalidade física que explica o comportamento de meras coisas

Existe uma ação INTENCIONAL.


Cadeias causais iniciadas por agentes intencionais vêm a existir como estados de
espírito; e se voltam como os estados de espírito de “outros” sociais; Isso só é possível
por uma mediação física (corpo);

O Corpo de um índice tem propriedades causais múltiplas do mundo físico (processos


cognitivos, sentimentos, estados de espírito, história, experiência, ambiente,
comportamento etc.) que permite a interação entre o agente e paciente. Coisas
dotadas de propriedades causais características são tão essenciais para o exercício da
agência quanto estados de espírito (não diferença entre eles). O meio causal no
entorno de um agente age sobre a intenção que será abduzida produzindo a presença
de um outro agente. O autor não sabe dizer se alguém é um agente antes de ele agir
antes de perturbar o meio causal de tal maneira que isso só possa ser atribuído à sua
agência.

A agência se faz assim na detecção dos efeitos da agência no meio causal, ou seja, um
ambiente como um todo, e característica global do mundo de pessoas coisas em que
vivemos, e não como um atributo exclusivo da psique humana (natureza é cultura!!!)

p. 51: um índice é uma emanação ou manifestação de agência, uma fonte de


experiências potentes de “copresença”.

Distinção entre agentes primários (dotados de intenção) x agentes secundários


(artefatos, bonecas, obras de arte); não tem como falar de um índice sem falar de seu
contexto social e sua intenção

p. 52: Artefatos como “agentes sociais”; modo como a agência social se manifesta e se
realiza por meio da proliferação de fragmentos de agentes “primários” dotados de
intenção em suas formas artefatuais “secundárias”

2. 5. 2 Agentes e pacientes
p. 53: O autor diferencia entre “agente” e “paciente”; Agente quem atribui um sentido
e paciente quem o recebe, podendo ser pessoas, animais ou coisas, mas sempre
relacional: para qualquer agente, existe um paciente.

p. 54: Um agente exerce a agência enquanto outro é (momentaneamente) um


“paciente”. Isso decorre das implicações essencialmente relacionais, transitivas e
causais da nossa noção de “agência”. Para ser “agente”, é preciso agir com relação ao
“paciente”: o paciente é o objeto que é afetado de modo causal pela ação do agente.
É importante entender, porém, que “pacientes” em interações de agente/paciente não
são totalmente passivos; o conceito de agência implica a superação da resistência,
dificuldade, inércia. A “dificuldade” é característica dos objetos de arte. Eles são difíceis
de criar, pensar e se envolver em transações. Eles fascinam, compelem, enredam e
encantam o espectador. Têm a eficácia de instrumentos sociais.

No entorno de objetos de arte desenrolam-se disputas por controle nas quais


“pacientes” intervêm no encadeamento da intenção, instrumento e do resultado como
“agentes passivos” isto é, intermediários entre agentes definitivos e pacientes
definitivos (não há definitivo).
2.6 O artista
p. 55: A agência pode ser atribuída a coisas sem que isso gere algo particularmente
semelhante à produção e à circulação da “arte”.
Os tipos de índice com os quais a teoria antropológica da arte tem de lidar são
geralmente (mas nem sempre) artefatos. Esses artefatos têm a capacidade de indexar
suas “origens” em um ato de fabricação, que motiva uma abdução que especifica a
identidade do agente que o criou ou originou. Objetos fabricados são “causados” por
seus criadores. São índices daqueles que os fabricaram; uma relação social com o seu
criador.

Costuma-se acreditar que muitos objetos que são de fato objetos de arte fabricados
por artistas (humanos) não se originaram dessa forma; costuma-se pensar que eles
têm origem divina ou fabricaram a si mesmos misteriosamente.

2. 7 O Destinatário
p. 56: Uma segunda abdução de agência que um índice sob a forma de um artefato
normalmente motiva é a abdução de seu “destino”, a recepção pretendida por ele; os
artistas fazem o índice porque querem ser vistos!

Ex: embora possa se sentir pertenço ao público “a que se destina” a arte


contemporânea, sei muito bem que a arte egípcia exposta no British Museum nunca se
destinou aos meus olhos.

Essa arte possibilita a abdução indireta de sua recepção original como um componente
de sua recepção atual, não pretendida (O tempo se fazer visto na sua ausência).

p. 57: Os “destinatários de uma obra de arte (um índice) – isto é, o público –


estabelecem, de acordo com a teoria antropológica da arte, uma relação social como
“pacientes” como o índice. Um índice deve sempre ser visto em relação a alguma
recepção específica, que essa recepção pode ser ativa ou passiva e que é provável que
ela seja diversificada.

2.8 o protótipo
A maior parte da literatura sobre “arte” na verdade trata da representação
Arbitrariedade do signo Saussure ? generalização exagerada da linguística semiótica

p. 59: há uma espécie de agência que é abduzida do índice, de tal modo que o
protótipo é considerado um “agente” em relação ao índice.

2.9 Resumo
p. 60: A teoria antropológica da arte é uma teoria das relações sociais que abrange o
entorno de obras de arte ou índices. Essas relações sociais fazem parte da textura
relacional da vida social dentro do quadro biográfico (antropológico) de referência. As
relações sociais existem na medida em que se manifestam em ações. Quem
desempenha ações sociais é “agente” que agente sobre o paciente (um agente social
na posição de “paciente” em relação um agente em ação). As relações entre os agentes
e pacientes sociais, abrangem entidades que podem estar em relação:
1. índices: entidades materiais que motivam inferências abdutivas, interpretações
cognitivas;
2. Artistas: aqueles a quem se atribui, por abdução, responsabilidade causal pela
existência e pelas características do índice;
3. destinatários: aqueles em relação aos quais, por abdução, considera-se que os
índices exercem agência, ou que exercem agência por meio do índice;
4. Protótipos: entidades consideradas, por abdução, como representadas no índice

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