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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO


HISTÓRIA DA ARQUITETURA E URBANISMO III

ALÉM DA PEDRA NO CÉU —


estudos e reflexões sobre o MUBE,
por Paulo Mendes da Rocha

BRENDA THALIA CARNEIRO DE LIMA


LEO CASTRO
MARIA PETRINA OLIVEIRA CASTRO
THAMARA ARRUDA NUNES

FORTALEZA-CE
JULHO/2022
1. Introdução

O presente trabalho apresenta um estudo sobre o Museu Brasileiro da


Escultura e da Ecologia (MUBE), projetado por Paulo Mendes da Rocha (Figura
01), em 1987, que busca alinhar em um mesmo edifício espaços para a
exposição de esculturas, assim como para material sobre a ecologia. Busca-se,
portanto, compreender sobre o programa e as intenções que o traçado de
Mendes da Rocha pretendeu alcançar no MUBE, como também apresentar as
soluções estruturais de um projeto que desafiou as tecnologias vigentes e as
críticas que giram em torno dele.

Figura 01: Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia.


Fonte: Nelson Kon.
A escolha do MUBE como objeto de análise se deu por curiosidade em
estudar as respostas arquitetônicas encontradas para as solicitações do concurso
- por sua vez, resultado da pressão dos moradores contra a construção de um
shopping center no terreno em que se encontra o museu atualmente. O interesse
amplificou-se a partir à medida que o conhecimento sobre o projeto foi se
solidificando, percebendo, portanto, a dimensão poética que PMR coloca no
desenho do MUBE, integrando-o com a cidade e sempre buscando estabelecer
uma relação próxima com a escala humana e das esculturas.

2. Biografia do arquiteto

Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu em Vitória, Espírito Santo, e


formou-se arquiteto e urbanista em 1954 pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie. É um dos principais representantes da chamada “escola paulista'' -
junto com Villanova Artigas de quem é discípulo - e através do seu projeto do
Ginásio do Clube Atlético Paulistano estabelece as primeiras características pelas
quais essa escola viria a ser reconhecida.
Leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo – FAU/USP entre 1961 e 1998, com um hiato de 11 anos em virtude do seu
afastamento após a promulgação do Ato Institucional nº 5 – AI-5. Sua obra é
marcada pela verdade estrutural e a busca constante de um diálogo entre
arquitetura e cidade. Algumas de suas obras mais emblemáticas são: a sede
social do Jockey Club de Goiânia (1962); sua residência no bairro Butantã, em
São Paulo (1964); o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado – Parque
Cecap (1968), uma parceria com Artigas e Fábio Penteado; o Pavilhão do Brasil
na Expo’70, em Osaka; o Museu Brasileiro da Escultura – MuBE (1988); a
reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1993); e Museu dos Coches
(2015).
Ao longo de sua vida, Mendes da Rocha marcou a arquitetura brasileira,
defendeu o exercício da arquitetura e urbanismo ao presidir o Instituto dos
Arquitetos do Brasil (IAB) em São Paulo e ganhou diversos prêmios, incluindo
Pritzker, de 2006, condecoração máxima entre os arquitetos no mundo.

Figura 02: Paulo Mendes da Rocha.


Fonte: O Globo, 2016.

3. Programa

A partir do século XIX, as coleções de arte e história natural, antes contidas


em espaços privados, passaram a ter uma conotação pública e serem expostas
em museus que objetivavam reafirmar a importância histórica dos estados
nacionais modernos em formação. Nesse momento inicial, esses espaços ainda
possuíam uma configuração arquitetônica segmentada e as obras eram
organizadas de maneira sequencial e hierárquica, configurando-se como uma
caixa opaca, restrita a poucos grupos de pessoas e muito ligada ao colecionismo
(MAHFUZ, 2001).
Porém, com a chegada do século XX, a ideia de configuração de museus
passa a ser revista: primeiro, com a total negação desses espaços por artistas de
vanguarda que defendiam que a arte não poderia se limitar a esses recintos e,
posteriormente - a partir dos anos 30 - com a construção dos primeiros museus
de arte moderna que começaram a buscar ideais como a neutralidade dos
espaços, a planta livre e flexível, a utilização de iluminação natural, entre outros
aspectos.
Todavia, é a partir dos anos 80 que os museus começam a receber uma
maior atenção pela sociedade pós-industrial marcada pela valorização cultura
pós-moderna do ócio e da indústria cultural (MONTANER, 2003). Além disso,
percebe-se que a instalação desses edifícios de cunho cultural é um grande
atrativo para o turismo gerando rentabilidade em meio ao capitalismo vigente. No
Brasil, é após a redemocratização do país que o papel dos museus ganha
importância na sociedade — ainda de maneira tímida, com pouco capital e muito
limitado às elites — tornando-se, assim, um exemplo de superação da repressão
cultural presente no período da ditadura militar.
Quanto ao programa, modificações podem ser observadas, pois com o
aumento da importância dos museus na sociedade, as necessidades
programáticas começam a ir além das salas expositivas, incorporando, assim,
espaços educativos, livrarias, auditórios, cafeterias, lojas, bibliotecas, entre outras
atividades. Atenta-se também para a necessidade de recintos adequados para o
armazenamento do acervo e para outras funções administrativas, assim como
discute-se a importância da iluminação e acessibilidade nesses ambientes.
No caso do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE), Paulo
Mendes da Rocha tinha o desafio de agregar essas duas temáticas e para isso
propôs salas expositivas, pinacoteca e um jardim em que fosse possível contar a
história do paisagismo no Brasil, assim como expor esculturas ao ar livre. Além
disso, o museu conta com alguns outros usos temporários mencionados
anteriormente, são eles: cantina, auditório e uma pequena sala para oficinas. Vale
ressaltar que na questão do acervo, o MuBE conta com um depósito de pequenas
dimensões para escala do edifício — decisão defendida por Paulo Mendes da
Rocha por entender no contexto da projetação que o museu tinha mais o caráter
de gerir as esculturas da cidade de São Paulo e realizar exposições temporárias,
ou seja, não necessitaria de grandes espaços para armazenamento.

4. A Implantação como Partido

A forma como foi realizada a implantação do MuBE sintetiza não apenas o


desafio imposto pelas características geomorfológicas do terreno escolhido, mas
também pelas demandas projetuais, dado que as normas do concurso no qual o
projeto de Paulo Mendes obteve êxito almejavam um projeto simplista, no qual o
museu, como obra, não pudesse se sobrepor às esculturas. Outra exigência
tratava de especificar uma ocupação do lote de no máximo 30%, o que
consequentemente leva à ocupação do subsolo como solução (BASTOS, 2007).
A implantação nunca pretendeu ser genérica ou tradicional, e nesta
empreitada o terreno não se trata apenas de uma superfície estática na qual
pousa o edifício (TELLES, 1990). A obra tem caráter essencialmente urbano e de
diálogo com o entorno, numa relação quase que simbiótica entre lote e edifício,
em um exercício de continuidade do espaço público ao privado, da cidade ao
interior do museu.
Locado no bairro Jardim Europa, o lote — triangular e em declive — que
encontra-se logo ao lado do Museu da Imagem e do Som (MIS), com os seus
quase 7000 m², foi o destinado à construção do empreendimento (BASTOS,
2007). A Avenida Europa, uma das vias que delimita o lote — sendo a outra a
Rua Alemanha — atravessa a cidade de São Paulo do centro ao Rio Pinheiros
(Figura 03), e é exatamente perpendicular a ela que emerge a espetacular viga
protendida de 60 metros de vão livre (SEGAWA, 1995). Essa disposição
perpendicular à via explicita a necessidade de requalificar o espaço, não se
furtando de reordenar a paisagem e o traçado angular da rua Alemanha, como
apontam Montaner (1997) e Bastos (2010).
Figura 03: Imagem de satélite que mostra a implantação do MuBE com a Rua Alemanha marcada
em verde, a Avenida Europa em amarelo, o MIS em bege e o MuBe em laranja.
Fonte: Andrade e Moreira, 2021
A viga não apenas sinaliza o museu e referencia a paisagem (SEGAWA,
1995). Ela se pronuncia como uma escala visual e urbana anunciando a presença
de um museu subterrâneo — coerente com a escala do entorno, inclusive do MIS
— para as obras em amostra; e também como um plano de referência para a
declividade do entorno.
Este desnível presente entre a Avenida Europa — cota mais alta — e a
Rua Alemanha — cota mais baixa — permite que as dependências do museu
penetrem o subsolo como edifício semi-enterrado. Existe uma continuidade dos
espaços criados, da esplanada externa constituído de uma praça alta e outra
baixa às dependências ao nível do subsolo, numa relação recíproca entre interno
e externo intermediada pelas escadas e rampas entre os níveis e a iluminação
natural lateral e zenital (SEGAWA, 1995).
É a partir dessa implantação que tira proveito das condições topográficas e
a qual oferece uma resposta ao urbano, ao mesmo passo que o molda, que
emerge o partido como síntese das estratégias projetuais sob completo domínio
de Paulo Mendes da Rocha. A viga que marca o edifício é a pedra fundamental —
a pedra no céu — que reproduz arquetípicos arcaicos (TELLES, 1990), de um
sistema porticado de vigas sobre pilares; criando um espaço sombreado, público,
de abrigo — humano — e escala das coisas (Figura 04). Mas a viga não é o
edifício, como constata SEGAWA (1995), a solução projetual dissolve
completamente as noções de lote e edifício.
Figura 04: Croquis iniciais do projeto do MuBE, destacando a ideia de pedra no céu
Fonte: Revista Projeto

A paisagem também é remodelada nesta empreitada, a partir de uma


sucessão de planos horizontais em diferentes cotas de nível. TELLES (1990),
ressalta a forma como o partido condensa e potencializa os elementos presentes
— edifício, terreno, lote, implantação — numa tensão entre sua superfície
previamente imaculada e sua remodelação como lugar que insiste em projetar-se
sobre si mesmo (Figura 05).

Figura 05: Visão serial do entorno do MuBE


Fonte: Google Earth

Há de se comentar também, brevemente, o projeto paisagístico de Burle


Marx, responsável pelo jardim do MuBE, o qual, além da escultura, é também
museu da ecologia. O jardim cerca o edifício, ocupa a maior parte do lote e
estende-se até o vizinho MIS, além de prover uma referência de escala das
coisas à viga maciça implantada no lote através de suas árvores.

5. Solução Formal

5.1 Museu

Como já mencionado, o partido arquitetônico no MuBE possui dois vieses:


a adequação do volume que abriga as funções museológicas ao desnível
topográfico e o grande pórtico em concreto protendido que não possui função
alguma em seu interior, comportando-se mais como um volume de dimensões
esculturais, que possui aparência sóbria para não conflitar com as esculturas que
iam ser expostas na esplanada e que fornece uma grande sombra ao espaço
ajardinado, estabelecendo-se também como marco no ambiente urbano. Lima,
Quiroga e Perrone (2013) afirmam que o MuBE está inserido no que eles
chamam de neobrutalismo, definido com base e características estabelecidas por
Banham (1955) - legibilidade da forma, clareza estrutural e valorização do
material bruto - assim como por preceitos de Ruth Zein.
Essa inserção do museu em questão se dá, primeiramente, pela revelação
da topografia de concreto - resultante da alocação de programa em diferente
níveis do edifício semi enterrado - por meio da faixa de sombra gerada pelo
monólito que vai “se quebrando e desdobrando a cada nível” (LIMA et al, 2013),
sendo possível ter uma maior legibilidade da forma (Figura 06). Ainda é possível
configurar o MuBE dentro dessa estética pela sua valorização da materialidade do
concreto, deixando a estrutura de paredes de concreto aparente como também
pela valorização dos cheios sobre os vazios.

Figura 06: Maquete volumétrica do MuBE que exemplifica desse “relevo topográfico” em concreto
Fonte: Revista Projeto
Sobre a configuração espacial, a área da grande praça aberta ao público -
concentrada na face do terreno que acompanha a avenida Europa - apresenta-se
em dois níveis que são interligados por uma escadaria que também recebe a
função de anfiteatro - sendo parte dele coberto pela grande viga de concreto.
Mendes da Rocha em entrevista a faculdade de arquitetura da Universidade de
São Paulo em 1992 afirma que tal decisão foi pensada para criar uma
dinamicidade na escala dessa forma escultórica (Figura 07).

Figura 07: Imagem que exemplifica essa variação de escala entre o pórtico e o “chão”
Fonte: Revista Projeto

Sobre a forma angular do museu em planta, Telles (1990) nos faz observar
que na verdade se trata de uma ação simples de reproduzir o perímetro do lote
em escala menor (Figuras 08 a 10). Podemos perceber também uma
diferenciação de níveis entre ambientes internos (Figura 11): o percurso começa
com um grande largo que direciona o transeunte até uma entrada mais
comprimida que o leva até o hall que está há 1,30 metros acima desse primeiro
ambiente de recepção do público - tal ação de condução do público pode ser
explicitada pela inclinação da parede em concreto aparente (Figura 12).
Figura 08: Planta do nível +96,00 com planta do anexo em hachura cinza
Fonte: Revista Projeto

Figura 09: Planta do nível +101,10 com planta do anexo em hachura cinza
Fonte: Revista Projeto

Figura 10: Planta do nível +96,00 com planta do anexo em hachura cinza
Fonte: Revista Projeto
Figura 11 : Fotografias que mostram o largo da entrada com a viela mais comprimida
Fonte: Revista Projeto

Figura 12: Fotografias que mostram o largo da entrada com a viela mais comprimida
Fonte: Revista Projeto

Ao fundo do vestíbulo e em um nível abaixo deste, encontra-se a


pinacoteca com uma grande parede de 60 metros, correspondente ao tamanho
do monólito presente na praça. Para acessar esse espaço, o arquiteto propôs que
o indivíduo vá até a extremidade do hall e utilize uma escada helicoidal que chega
ao início da exposição (Figura 13).
Figura 13: Escada de acesso à pinacoteca
Fonte: Nelson Kon

Após passar por esse espaço expositivo, adentra-se ao grande salão de


exposição que possui cerca de 1000 m² e possui dois níveis interligados por uma
rampa, sendo projetado para exibição de esculturas e contando com uma
pequena iluminação zenital (Figura 14).

Figura 14: Mosaico com fotografias do grande salão de exposição de esculturas


Fonte: Nelson Kon
Percebe-se, portanto, a criação de um circuito com ambientes sequenciais
(Figura 15) que tem seu fim no auditório para 200 pessoas e na cantina. Os
recintos destinados para a educação e alguns depósitos se encontram no miolo
da edificação, sendo contornados pelos espaços expositivos.
Figura 15: Esquema que mostra o percurso sequencial presente no MuBE.
Fonte: ANDRADE e LIMA, 2021

Em análise, podemos definir que o projeto parte de dois princípios básicos


daqueles definidos por Frampton (2008), são eles: a importância da análise do
entorno e da topografia para a criação da arquitetura - perceptíveis no MuBE pela
proposição da construção semienterrada e da diferença de níveis mesmo nos
espaços interiores criando um percurso dinâmico; e a expressão da forma cívica
no programa do museu que por definição proporciona a socialização entre os
indivíduos, tendo que possuir, segundo o próprio Mendes da Rocha, “uma escala
tectônica e de generosidade espacial e simbólica do seu programa”, devendo ser
um espaço de aparição pública. No MuBE isso é perceptível pois mesmo que o
conteúdo programático esteja incrustado ao solo, o arquiteto propõe a criação do
grande pórtico para sinalizar que naquele sítio existe uma edificação de
importância cultural, social e urbana (Figura 16).

Figura 16: Pórtico do MuBE que confere a dimensão cívica ao museu.


Fonte: Nelson Kon
5.2 O anexo do MuBE

Apenas quatro anos depois da realização do projeto, é solicitado que Paulo


Mendes da Rocha projete um anexo - ainda não construído - que deveria abrigar
as funções de oficinas, vestiários e outras áreas técnicas que faltavam no museu.
Para isso, ele recorre à construção de um bloco monolítico de três pavimentos -
de gabarito semelhante ao que se apresenta no MIS - locado no canto interno do
terreno, possibilitando a criação de um acesso de carga e descarga nos limites do
lote, assim com uma ligação ao museu original por meio de um único acesso pelo
subsolo, sem aberturas para a praça. O volume desenvolve-se como uma caixa
opaca de concreto, sem aberturas, decisão influenciada pela necessidade de
preservação do acervo, apenas com a proposição de uma iluminação zenital que
desce até o piso. Perrone (2011) afirma que o volume ancora-se no chão, não
comprometendo a leitura volumétrica do grande vão da proposta primordial, mas,
sim, estabelecendo um contraponto entre “pedra no céu” e “pedra no chão”
(Figura 17).

Figura 17: Modelagem realizada por Ricardo Robles que mostra a interação do pórtico com o
volume do anexo
Fonte: LIMA et al, 2013
Em planta, esse anexo tem grandes espaços flexíveis em seu centro que
abriga pátio de carga e descarga e depósitos de apoio ao museu. Já em uma das
extremidades se encontram os vestiários, no nível do subsolo, e, na outra, as
circulações verticais em todos os pavimentos que corresponde também a fresta
que possibilita que a luz proveniente da abertura zenital chegue até o andar
inferior (Figura 18).

Figura 18: Corte que mostra a interação do pórtico com o volume do anexo
Fonte: Revista Projeto

5.3 Paisagismo

A ideia do paisagismo era criar algo que valorizasse a exposição das


esculturas no pátio. Por isso, Burle Marx e sua equipe propõem não utilizar uma
grande quantidade de vegetação rasteira, preservando árvores pré-existentes do
terreno e alocando grandes palmeiras ao longo da face do sítio voltada para a
avenida Europa. Em um primeiro projeto, a intenção era conectar o MuBE ao MIS
por meio da criação de um eixo geometrizado em pedra portuguesa vermelha,
mas Mendes da Rocha pede a simplificação do desenho buscando uma maior
sobriedade para um maior foco nas esculturas que seriam expostas ali (Figura
19).

Figura 19: Imagem retirada de vídeo que mostra a configuração do paisagismo do MuBE.
Fonte: Revista Projeto
Uma outra característica marcante no MuBE é a presença de dois
espelhos d’água: um em formato triangular locado na esquina da Avenida Europa
com a Rua Alemanha (Figura 20) por questões de perspetiva e continuação da
visual e outro locado no limite do terreno próximo a área de diretoria,
assemelhando-se a ideia de um rio devido suas dimensões 5 x 40 metros.

Figura 20: Imagem do espelho d’água na esquina da Rua Alemanha com Avenida Europa
Fonte: Anual Design

6. Tecnologias

Diferentemente de uma gama de projetos realizados em concreto armado,


o MuBE foi construído tal qual o projeto de PMR;.O plano era claro, conciso e os
profissionais altamente qualificados, resultando numa obra que, nas palavras do
engenheiro Mário Franco, “é um cartão de visita da tecnologia estrutural e
arquitetônica em concreto”. Dessa forma, o estudo estrutural desenvolveu-se todo
a partir da exequibilidade da ideia fundamental: colocar uma pedra no céu. Uma
ideia que não era novidade de maneira alguma, mas encontrava seu diferencial
no grande objetivo (uma enorme pedra).
Assim, a equipe de engenharia esbarrou em alguns problemas
fundamentais:
Imperiosamente, a escala punha-se como maior adversidade pois, para
manter a proporção, precisava-se de materiais mais leves e mais resistentes.
Logo, para atingir as dimensões colossais dos 60m x 12m utilizou-se uma viga de
estrutura alveolar composta por células vazadas de paredes muito finas, feita em
concreto FCK 350 e aço CP 190 (muito mais resistentes que os comuns).
Em seguida, para resolver a deformabilidade da estrutura, valeu-se do
sistema de protensão - gerando forças por intermédio do tensionamento de cabos
de aço ancorados em suas extremidades, com a finalidade de comprimir as peças
e assim eliminar as forças de tração atuantes. Além disso, também se executou
uma contra-flecha de 15cm para compensar a deformação natural dos materiais
(dilatação).

Figura 21: Projeto de estrutura: Seção transversal.


Fonte: Tecnolegis, 2012

Além disso, implementaram-se articulações fixas do lado do pilar menor e


articulações móveis do lado do pilar de grande altura, garantindo a estabilidade
apesar das forças atuantes sobre a peça.
No mais, tratando das outras peças da composição, observou-se um
intenso sistema de drenagem - desenvolvido abaixo do bloco em subsolo apesar
do lençol freático elevado na região. Também ressalta-se o usufruto de lajes
nervuradas da ordem de 18m e lajes protendidas com nervuras a cada 2,45m,
resultando num conjunto de apenas 10cm de espessura, apoiado em paredes de
concreto e muros de arrimo.
Logo, aqui vale lembrar que no auditório o teto nervurado é um reflexo do
piso em virtude do formato do ambiente, necessitando assim do trabalho extra de
protensão em vigas curvas (Figura 22).
Figura 22: Imagem que mostra a viga curva do auditório acompanhado a disposição das poltronas
Fonte: Nelson Kon

7. Significados

Mesmo com todo o requinte estrutural, arquitetônico, social, o projeto do


MuBE de Paulo Mendes da Rocha sofreu críticas agudas ao longo dos anos após
a conclusão.
O renomado arquiteto já citado, preservou suas afinidades pela arquitetura
brasileira de 1960, dado o concreto aparente e o grande vão no MuBE, que, para
muitos, significou uma ruptura com os atuais e predecessores precedentes da
arquitetura nacional e internacional, sendo o projeto considerado até minimalista
dentre as especulações. Foram diversos os estudos realizados acerca dessa
crítica, buscando entender os parâmetros possíveis do uso das características
brutalistas e referenciais à escola paulista de 1960, em detrimento das recentes
linhagens arquitetônicas da época da idealização do projeto e sua execução, no
fim da década de 80 e início da década de 90.
Nessa busca por entender as expressões arquitetônicas de Paulo Mendes
da Rocha, Montaner inspeciona dois tipos de expressões arquetípicas na obra. A
primeira, as formas intemporais pretendidas no edifício, isto é, um lugar público, o
marco do projeto, caracterizada pela praça em ângulo da esquina e o grande
pórtico, e a segunda expressão, Montaner chama de tesouro ou escavação
arqueológica, em razão da forma enterrada do museus, com seu programa
integrado ao subsolo, no qual os transeuntes acessam a partir da grande praça.
O museu também recebeu críticas acerca da ausência de um projeto
museológico, em circunstancial, pela falta de um acervo, pela indisponibilidade de
área para montagem, desmontagem e reparo, de obras e exposições. Esse
problema não é exclusivo ao MuBE, e já foi precedido em museus de tal
celebração quanto, à exemplo do Museu Guggenheim dos Gehry Partners, que
necessitou de um anexo, bem como recebeu também críticas com seu desafio
em suposições em torno das conexões existentes entre arte e arquitetura.
No projeto de anexos, em princípio, os que são posteriores aos programas
iniciais dos projetos, retomam-se, além dos debates sobre os requisitos
programáticos e funcionais, os pontos sobre patrimônio, estilo e continuidades.

8. Os compromissos estabelecidos no MuBE


Ao realizar um projeto, o arquiteto pode assumir compromissos a serem
considerados em projeto ou ignorá-los, resultando na valorização ou
comprometimento dos espaços concebidos. No caso do MuBE, a valorização da
cultura pode ser facilmente percebida como diretriz já que um projeto com essa
tipologia possui um caráter de representação cívica no meio urbano e preza pela
disseminação cultural. Esse aspecto está presente no contexto do MuBE antes
mesmo dos primeiros traços de Mendes da Rocha, já que a realização do
concurso para escolha do projeto para o museu se deu após um processo de
reivindicação contra a construção de um shopping center no local. Sobretudo,
esse fator é reforçado pelo partido adotado em estabelecer um grande jardim
para a exposição das esculturas, trazendo a arte para a dimensão pública.
Um outro compromisso presente na obra do célebre arquiteto é a
honestidade construtiva e estrutural que permanece no MuBE com uma
arquitetura definida basicamente por paredes estruturais em concreto aparente. É
certo que o projeto apresentou questões desafiantes como a presença do pórtico
com vão livre de 60 metros, porém com o saber técnico disponível foi possível
executar com excelência a “pedra no céu” idealizada pelo arquiteto.
Por fim, a acessibilidade ao museu é possibilitada devido a utilização de
rampas que conectam os diferentes níveis do terreno - embora hoje algumas
dessas rampas possam não vir a se adequar às normas de acessibilidade
vigentes (Figura 23). Sobre a questão da sustentabilidade que engloba, segundo
Peter Buchanan, “desde a otimização da sombra, da luz e da ventilação naturais;
[...] até a redução da quantidade de energia incorporada nos próprios materiais
construtivos” (FRAMPTON, 2008, p. 440 apud. BUCHANAN, 2005) o MuBE
apresenta certas deficiências no aspecto de ventilação e iluminação natural já que
por os espaços de utilização habitados estarem semi ou enterrados, a abertura de
janelas ficou prejudicada e não foi tomada soluções que permitissem a ventilação
cruzada pelo teto.

Figura 23: Imagem mostrando uma das rampas presentes no MuBE.


Fonte: Nelson Kon
Ainda nesse contexto, poucas são as áreas de iluminação natural,
possuindo apenas algumas esquadrias de vidro na administração e nas oficinas -
essas não recebem iluminação direta devido a parede da cantina - como também
uma pequena abertura zenital no salão de exposições que não gera muito efeito
devido ao amplo espaço em questão. Desse modo, essa falta de otimização gera
a necessidade de utilização de iluminação artificial que aumenta o consumo de
energia. Do ponto de vista térmico, a decisão de construir o volume do museu
semienterrado garante o conforto nesse sentido devido ao maior atraso térmico -
essa solução também foi positiva do ponto de vista acústico.

9. Conclusão
O interesse pelo estudo do MuBE se deu a partir do conhecimento da
movimentação pública que aconteceu para que ele fosse idealizado, mas foi
necessário apenas uma rápida pincelada em textos de referências para perceber
que trata-se de um verdadeiro símbolo da arquitetura brasileira, que engloba de
maneira coesa a estruturação dos espaços, a estrutura, o entorno, a poesia e a
arte. Uma arquitetura que mostra a essência de Paulo Mendes da Rocha e sua
obra sólida, que mesmo em tempos de espetacularização continuou austera.
(Thamara Nunes)

O MuBE de Paulo Mendes da Rocha, grande arquiteto brasileiro, traz numa


soma de interesses privados, a concepção de um projeto de caráter público, a
própria essência social, e ainda paisagista em sua obra, agregada de valor
urbano, valendo-se do entorno, apropriando-se de um edifício único em sua
verdadeira aparência e pureza. O estudo sobre sua obra faz vislumbrar a poetisa
e solidez, apesar das críticas, que são suas intenções arquitetônicas e sociais.
(Petrina Castro)

É notável a clareza — e a força — com a qual PMR transmite suas ideias e


princípios arquitetônicos através do MuBE. O caráter eminentemente urbano e a
preocupação com a escala e o viver humano são amostra de uma arquitetura que
não perdeu de vista a humanidade de onde nasceu. É a prova inegável de que
ainda é, sim, possível remodelarmos a realidade, inovar e criar novos espaços
públicos de requinte técnico e formal sem esquecer quem somos e onde estamos.
(Brenda Carneiro)

O museu surgiu como uma concretização das 3 principais qualidades


neobrutalistas: a clareza formal, a exposição estrutural, e o uso dos materiais tais
como eles são. Tal feito só foi possível de se realizar porque, para PMR, suas
obras são um reflexo das características de uma sociedade em determinado
tempo, coalizadas por sua visão poética e individualizadas na interpretação dos
programas arquitetônicos. Assim, essa obra efetiva o conceito da memorabilidade
da arquitetura através do ideal projetado.
(Leo Castro)
10. Bibliografia

ANDRADE, Danrlei Silva Felix de; MOREIRA, Fernando. Espaço, corpo e


cidade: o papel central da experiência no MuBE. 5% Arquitetura + Arte, São
Paulo, ano 16, v. 01, n.22, e188, p. 1-20, jul. dez/2021. Disponível em:
http://revista5.arquitetonica.com/index.php/periodico/ciencias-sociais-aplicadas/38
1-espaco-corpo-e-cidade-o-papel-central-da-experiencia-no-mube

ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Novos museus. Novos Estudos Cebrap, n. 31, p. 161-9,
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BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós-Brasília: rumos da arquitetura brasileira.


São Paulo: Ed. Perspectiva, 2003.

FRAMPTON, Kenneth . História crítica da arquitetura moderna. São Paulo:


Martins Fontes, p. 419-472, 2008.

GIACOMELLI, Anderson Rodrigo Ramos; SCHMITT, Giovane; ANJOS, Marcelo


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Sustentabilidade e Contemporaneidade nas Ciências Sociais, [s. l.], 2017.
Disponível em:
https://www.fag.edu.br/upload/contemporaneidade/anais/594c06c39b347.pdf.
Acesso em: 26 jun. 2022.

LIMA, Ana Gabriela G. et al. "UMA PEDRA NO CÉU" - ELEMENTOS DA


MATERIALIDADE BRUTALISTA NO MUSEU BRASILEIRO DA ESCULTURA DE PAULO
MENDES DA ROCHA (1988-1995). X SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL -
ARQUITETURA MODERNA E INTERNACIONAL: conexões brutalistas 1955-75,
Curitiba, 2013. Disponível em:
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MAHFUZ, E. C. . Da caixa de tesouro ao centro multifuncional. Boletim Idea, São


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MONTANER, J.M. La modernidad superada. Barcelona: Gustavo Gili, 1997.

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