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Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço1

Cristiane Rose Duarte2

O fato do conceito de Ambiência estar assumindo papel de destaque na pesquisa em


Arquitetura e Urbanismo pode ser explicado, em parte, pela lacuna existente nos estudos
urbanos, que haviam sido extremados em diferentes especialidades e não eram mais
capazes de dar conta de uma visão mais ampla do ambiente das cidades.

Realmente, a pesquisa em Arquitetura e Urbanismo já vinha se mostrando incompleta


quando se debruçava sobre os aspectos apenas funcionais, formais ou ambientais do
espaço construído como fatores isolados. O estudo das ambiências, ao se debruçar sobre o
conjunto de aspectos sensíveis e dinâmicos dos lugares, assim como de seus usuários, abre
possibilidades de compreensão das experiências sensíveis das cidades, apontando para
novas maneiras de pensar e atuar sobre o meio urbano.

No entanto, é importante fazer a ressalva de que o conceito de Ambiência continua sendo


lapidado e que, a cada dia, surgem novas pesquisas que apontam para diferentes facetas do
tema que buscam, na prática e na fundamentação de metodologias, o seu campo de
atuação. Muitas dessas pesquisas têm sido divulgadas por meio da rede ambiances.net, que
tem reunido pesquisadores de diversos países do mundo em torno do estudo das
ambiências, de suas aplicações, das metodologias de análise. Este livro reúne trabalhos de
alguns desses pesquisadores.

Ambiência: um conceito fácil de sentir, difícil de explicar

Já que uma ambiência nos leva a refletir sobre tipos de experiência, percepção e ação em
determinados e específicos contextos, podemos dizer que sua definição está muito mais
próxima do campo empírico do que teórico. Por isso, ultrapassar as amarras que tornam as
ambiências objetos explicitados simplesmente pela junção de descobertas e conceitos
definidores tem sido, há algumas décadas, um mote. Em uma de nossas pesquisas – ao
abordarmos determinados usuários em espaços públicos do Rio de Janeiro – ouvimos um
informante dizer: “aquele lugar tem um clima indescritível” (Duarte, 2011) quando se
referia exatamente a determinado local que não podia ser descrito separadamente de suas
características sensíveis (sons, cheiros, luzes), socio-culturais e físicos (a movimentação das
pessoas, o suporte espacial). Tal declaração sobre o "clima indescritível" se aproxima da
palavra usada em inglês para traduzir ambiência: “atmosphere” que, por mais estranho que
possa parecer num primeiro momento para os lusófonos, tem, de fato, um componente de
“atmosfera” social, material e moral da qual se refere Augoyard (2004:18).

1 Este texto é a tradução da introdução intitulada: “Ambiance: pour une approche sensible de l´espace"
publicado no livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, Jean-Paul e
DUARTE, Cristiane Rose. Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30
2 A autora agradece às revisões e sugestões das pesquisadoras do LASC Ethel Pinheiro Santana, Alice
Brasileiro e Paula Uglione.

1
Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço - Cristiane Rose Duarte
(Introdução do livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, J-P e DUARTE, C.R.
Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30)

Ainda, uma vez que a dimensão sensível é inerente à ambiência, torna-se impossível estudá-
la sem considerar a presença do corpo: é o corpo que sente; sem ele não há percepção nem
tampouco movimento a ser considerado.

Dessa forma, compreende-se que os processos de apropriação do local urbano passam pelo
reconhecimento da realidade sensorial das ambiências da cidade. Sendo o corpo o aparelho
sensível que capta a percepção do mundo com o qual interagimos, diríamos que este
reconhecimento se dá não apenas quando o corpo penetra na a ambiência urbana mas,
principalmente, quando esta ambiência penetra nosso corpo. Ouvir sons distintos que
caracterizam locais urbanos, sentir seus cheiros, sua luz, suas cores, suas diferenças de
temperatura e de velocidade do vento (e do tempo) batendo na pele é uma maneira de
situar o corpo nessa atmosfera urbana. Ter consciência dessa atmosfera e reconhecê-la em
seu suporte espacial propicia a experiência e a interação na ambiência.

De fato, como lembra Amphoux (2004: 51), a ambiência permite a passagem da dimensão
sensível para a dimensão cognitiva e Thibaud (Ibidem) ressalta que o fato de uma
ambiência ser considerada agradável (ou desagradável) reside na sua capacidade de ser
reconhecida. Tal reconhecimento, em nosso entender, nasce de um processo desencadeado
pela memória – e consequentemente pela fantasia, pelo desejo, pelo processo complexo de
significações - dos usuários na presença de determinadas ambiências. Assim, dizer que a
ambiência desperta familiaridade nas pessoas significa dizer que a memória desses usuários
foi capaz de “trabalhar”, atribuindo significados ao lugar a partir de seu caráter
multisensorial e íntimo dos registros previamente adquiridos por seus praticantes.

Augoyard (2007:33) ressalta que a Ambiência é algo muito fácil de sentir, ao mesmo tempo
em que explicá-la é o que há de mais difícil. Com base nessas considerações, o laboratório
de pesquisa LASC3, da UFRJ, se propôs a averiguar a noção do conceito de Ambiência
junto à população urbana, procurando se afastar das elaborações de teóricos e
pesquisadores em geral. O objetivo dessa investigação foi o de compreender o
entendimento dos reais praticantes da cidade sobre essa atmosfera que tem ocupado lugar
na base de suas pesquisas. Procurava-se, também, identificar algumas “ambiências
notáveis”, a fim de subsidiar a análise dos atributos que tornariam alguns locais mais
reconhecíveis por suas ambiências.

A pesquisa aplicou questionários junto a habitantes da cidade do Rio de Janeiro, buscando


uma equidade de gênero, assim como uma diversidade social e etária. No entanto, nenhum
elemento de restrição foi colocado a não ser a participação constante do usuário nos
espaços do centro da cidade.

As respostas a esta pesquisa demonstraram que as pessoas em geral têm uma noção do que
seja Ambiência e, mesmo que não verbalizem literalmente os atributos inerentes às
ambiências, elas aceitam como coerente a explicação do conceito, demonstrando que há
uma visão global da reunião de sensações e atributos físicos do lugar (como entidades

3
Laboratório de Pesquisa “Arquitetura, Subjetividade e Cultura”, vinculado ao Programa de pós-graduação em
Arquitetura da FAU/Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço - Cristiane Rose Duarte
(Introdução do livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, J-P e DUARTE, C.R.
Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30)

inseparáveis). O mais interessante é que a maioria dos entrevistados não apenas concordava
com as explanações fornecidas pelo pesquisador mas, de algum modo, lhes parecia que a
explicação para o conceito de Ambiência poderia ser ainda mais amplo: -“É isso, mesmo.
Concordo... Mas eu acho que é um pouco mais, eu sinto que algumas coisas não
conseguem ser ditas” (F., 29 anos).

Após esse primeiro contato, pediu-se que os informantes apontassem alguns locais da
região central da cidade do Rio de Janeiro que desejassem comentar a partir de suas
Ambiências. Ao fazer tais perguntas, tinha-se interesse em verificar a repetição de
determinados atributos desses lugares, construindo, desta forma, um panorama coeso para
a identificação de Ambiências notáveis na cidade.

Diante das profusas respostas, a pesquisa identificou algumas características presentes


nesses espaços. A principal delas é a capacidade desses locais de permitirem o encontro, o
evento, o compartilhamento, a fricção, a presença conjunta em torno de experiências
sensíveis diferenciadas.

Se, como dissemos mais acima, o corpo é o limite físico do “eu”, podemos concordar que é
também do corpo que emerge essa relação de fricção, de reconhecimento do que está além
de si mesmo: o reconhecimento do Outro. Essa alteridade é uma dimensão importante do
estudo das ambiências. Ter consciência da existência do Outro – aqui compreendido não
apenas como o grupo de pessoas com quem compartilhamos o ambiente urbano, mas
como a própria Ambiência em si mesma – é reconhecer o seu próprio lugar no espaço
(ético e estético) do mundo urbano.

A Ambiência funciona, então, como um agente de ligação entre as diversas sensações


experimentadas pelos usuários das cidades em uma dada situação. Por isso ela não pode ser
reduzida a uma somatória de objetos isolados, de impressões consecutivas ou moldes de
comportamentos individuais. Na realidade, é a Ambiência que unifica um suporte espacial e
o preenche de significados, num processo de retro-alimentação que nos permite
compreender que não percebemos a ambiência e, sim, percebemos de acordo com ela.
Somos o corpo que torna a Ambiência uma existência. Qualquer recorte espacial seria
inerte se não interagisse reciprocamente com as dimensões físicas, sensoriais, sensitivas e
psicológicas dos que o utilizam.

Rapoport (1969) lembra que, no estudo das relações culturais que as pessoas estabelecem
com o espaço, entender quais atividades as pessoas fazem é menos importante do que
estudar como elas realizam essas atividades. Da mesma forma, a Ambiência se referencia
muito mais com o "como" da ação do que propriamente com o "quê" da atividade. Isso
significa dizer que a Ambiência não é objeto da percepção: ela estabelece os termos da
percepção, afetando todos os tipos de ação.

Podemos dizer, então, que a Ambiência evoca nossa interpretação subjetiva da experiência
coletiva, da consciência de fazer parte de um lugar urbano cujas sensações possuem
significados compartilhados pelos seus usuários. Evidencia-se, assim, uma clara
Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço - Cristiane Rose Duarte
(Introdução do livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, J-P e DUARTE, C.R.
Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30)

“encarnação” da subjetividade, o que faz emergir a ideia de que uma ambiência se faz
reconhecer na coletividade, apesar de se representar na individualidade.

Verifica-se também que algumas ambiências têm a capacidade de motivar ações e


intervenções de seus ocupantes. Em muitos casos, verificamos que usuários embalados pela
ambiência de algumas ruas mostram atitudes pouco estáticas, sendo o deslocamento uma
etapa importante da negociação apropriativa num processo de construção do seu Lugar
dentro do ambiente. Isso se dá não apenas pelas características sensitivas de determinadas
ambiências (tipo de iluminação, sons, ritmos, aspectos climáticos e configuração física),
mas também pela existência de um caráter motivador, que envolve o ocupante e o convida
ao compartilhamento da atmosfera do lugar. Assim torna-se claro que um dos princípios
para a constituição deste conceito é o de „religamento‟: Com isso, reitera-se a noção de que
estar em movimento, atuar sobre o espaço e dotá-lo de valores de uso é um processo
dinâmico e automático da caracterização das ambiências que, apesar de coletivas, se religam
intimamente a cada usuário do espaço urbano e são configuradas a partir de quem as
pratica. A Ambiência não pode ser descrita se não for a partir da experiência – podemos
dizer – tanto do usuário quanto do pequisador; Aqui se abre um outro caminho que o
estudo das ambiências parece estar forçando ou reforçando no campo da arquitetura e
urbanismo: a premência da reflexão e da construção de metodologias de pesquisa que se
pautem em abordagens participativas e sensíveis dos sujeitos e subjetividades daqueles que
se inserem, agem e modificam a atmosfera estudada, como comentamos acima.

Isto significa dizer que a experiência dos usuários precisa ocupar lugar de maior destaque
em todas as formas de gestão do espaço público urbano. Concordamos com Augoyard
quando lamenta que os planejadores do espaço urbano ainda se guiem por um tecnicismo
redutor, desconhecendo muitas vezes esse "extraordinário poder de induzir um certo
clima a partir das dimensões não-visíveis do espaço construído"(2007:35).

Pesquisando as Ambiências - a emergência da rede no Brasil

Como foi visto acima, o planejamento de espaços arquitetônicos e urbanos se beneficiaria


muito com o aporte de uma visão voltada para a atmosfera do Lugar. Da mesma forma, a
pesquisa em Arquitetura e Urbanismo muito se enriquece em conteúdo quando a noção
reguladora de ambiente construído dá lugar a conceitos "mais criativos" como o de
Ambiência arquitetônica e urbana (Augoyard, 2007:35). Assim, essa visão abrangente e
multissensorial, proporcionada pelo estudo das ambiências, engendra diferentes
interpretações do espaço urbano que demandam novas formas de se analisar as relações
entre espaço e indivíduo. E, como se pode imaginar, o tema se desdobra em uma grande
gama de possibilidades de investigações.

Apesar do conceito de Ambiência já estar sendo explorado há mais de três décadas em


textos acadêmicos e científicos4, foi a equipe de pesquisadores do CRESSON
(ENSAGrenoble) uma das que mais incrementou e difundiu alguns dos diversos
direcionamentos para esta linha de estudo. Diversas publicações produzidas por este

4 Ver Cahiers de la Recherche Architecturale (Les) - 42/43- 1998


Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço - Cristiane Rose Duarte
(Introdução do livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, J-P e DUARTE, C.R.
Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30)

laboratório foram responsáveis pela difusão de uma série de aspectos a partir dos quais se
tornou possível classificar as ambiências, tais como, por exemplo, a possibilidade de
interação entre a percepção, as sensações lumínicas e sonoras, o afeto, a ação dos usuários e
as representações sociais que, por seu compartilhamento, permitem o reconhecimento do
Lugar5.

Foi também por iniciativa do CRESSON que se estabeleceu a rede internacional de pesquisa
"ambiances.net", que tem buscado unir estudiosos, planejadores e laboratórios de pesquisa
de vários países do mundo em torno desse campo do saber. Atualmente, fazem parte da
rede algumas equipes ligadas a universidades, centros de pesquisa e organismos de
planejamento do espaço urbano originários de diversos países, tais como França (8 grupos
de pesquisa); Belgica (2); Canadá (3); Alemanha(1); Tunísia (1); EUA (1); Brasil (3), além de
um grande número de pesquisadores individuais.

No Brasil, além de vários pesquisadores individuais, os três laboratórios institucionais que


estão inscritos na rede ambiances.net6 são: o laboratório Arquitetura, Subjetividade e
Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Laboratório Urbano da Universidade
Federal da Bahia, e o Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade Estadual de
Campinas, dos quais é importante fornecer mais detalhes.

O Laboratório de pesquisa Arquitetura, Subjetividade e Cultura7 (LASC) é vinculado ao


programa de pós-graduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). A equipe de pesquisadores do LASC/UFRJ se dedica ao estudo da relação pessoa-
ambiente construído, analisando os fatores de ordem subjetiva e cultural que participam da
construção do Lugar, buscando conhecer os vínculos identitários, apropriativos e
relacionais que os grupos sócio-culturais mantêm com o espaço; suas interpretações e
formas de perceber, identificar, usar e experienciar as ambiências. Assim, por meio de
metodologias que têm base interdisciplinar nas ciências humanas, as pesquisas dessa equipe
têm se debruçado sobre a análise de algumas características das ambiências, tais como a sua
capacidade de evocar a memória sensível, a sua participação nos processos de construção
identitária, o potencial que permitir a apropriação e uma experiência espacial.

Os resultados das pesquisas do LASC têm comprovado a importância dos aspectos


sensíveis e afetivos no sucesso dos projetos de arquitetura e urbanismo.

O Laboratório Urbano8 da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Universidade Federal


da Bahia (UFBA) não trabalha de forma específica e direta sobre as ambiências, mas o tema
é enfocado de forma indireta em todas as pesquisas do grupo, inclusive nas dissertações de
mestrado e teses de doutorado. De forma bem mais explícita, este laboratório realizou duas
pesquisas em colaboração com o CRESSON, a primeira já terminadas9 e a segunda ainda em

5 Ver, por exemplo, Thibaud, 2004


6 Considerando o momento em que este texto foi escrito.
7 www.lasc.fau.ufrj.br/
8 www.laboratoriourbano.ufba.br
9 Assepsia das ambiências pedestres no século 21: entre plasticidade e passividade dos corpos que andam nas

cidades (pesquisa realizada entre 2009 e 2011)


Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço - Cristiane Rose Duarte
(Introdução do livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, J-P e DUARTE, C.R.
Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30)

desenvolvimento (em parceria com o CRESSON e com o Centre Léa Roback da


Universidade de Montreal, Canadá, no âmbito do Programa "Ville et Environnement" do
Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS). O Laboratório Urbano colabora
com centros de pesquisa da Universitat de Barcelona (Espanha), Instituto Universitário de
Lisboa (Portugal), Universidad Simon Bolivar de Caracas (Venezuela) e Keele University
(Reino Unido).

O Labeurb - Laboratório de Estudos Urbanos10, da Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP), por meio de seu grupo denominado "Ambiência, Espaço Urbano e
Linguagem", se propõe a refletir sobre a dimensão simbólica e política - isto é: histórica -
das ambiências a partir de uma análise discursiva da linguagem, tomada como observatório
dos fenômenos urbanos e subjetivos. O grande desafio para a equipe do Labeurb nas
pesquisas sobre as ambiências é abordar um fenômeno definido, do ponto de vista
fenomenológico, como sendo em princípio pré-lingüístico, independente da linguagem
articulada.

Para tanto, considera o ponto de confluência entre a análise do discurso e a fenomenologia


na abordagem do fenômeno urbano é a crítica que tais perspectivas partilham à oposição
positivista clássica entre sujeito e objeto, crítica pela qual os sujeitos e o espaço em que
vivem são concebidos não como realidades independentes, mas sim como termos
indissociáveis de um mesmo processo histórico. Tal processo é simbólico, como sustenta a
equipe, e a linguagem (enquanto matéria igualmente simbólica) participa da produção do
espaço e dos sujeitos intervindo na constituição do fenômeno sensível (daí a afirmação de
que entre sujeitos, sentidos e espaço existe uma relação constitutiva). De acordo com tal
abordagem, os sentidos são anteriores ou externos à linguagem, mas estão constituídos em
e pela sua materialidade (seja esta verbal ou não verbal), num processo que escapa à
consciência dos sujeitos.

Ao lado do CRESSON/ENSA-Grenoble, esses três laboratórios brasileiros acima


referenciados foram responsáveis pela organização, em 2009, de um colóquio sobre
ambiências ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. Sob o título de "Ambiências
Compartilhadas" e dividido em três vetores para fins de direcionamento das reflexões:
Cultura, Corpo e Linguagem, o colóquio do Rio teve como ponto de partida as discussões
travadas no Colóquio “Faire une Ambiance”, realizado em Grenoble em 2008.

Neste Colóquio, buscou-se o compartilhamento de experiências e de metodologias que


revelassem o estado-da-arte das pesquisas sobre este tema nos países envolvidos e
colaborando com o fortalecimento da Rede Internacional Ambiências. Diversos
pesquisadores vindos de diversos países apresentaram e discutiram sobre suas pesquisas em
desenvolvimento sobre a questão das ambiências urbanas.

De igual modo, cremos que uma das maiores contribuições do Colóquio “Ambiências
Compartilhadas” tenha sido o de contemplar e funcionalizar alguns workshops urbanos
intitulados „desestabilizações‟ como forma de produzir um compartilhamento de

10 www.labeurb.unicamp.br
Ambiência: por uma ciência do olhar sensível no espaço - Cristiane Rose Duarte
(Introdução do livro AMBIANCES URBAINES EN PARTAGE. Organizado por: THIBAUD, J-P e DUARTE, C.R.
Genebra: Metis-Presses, 2013. pp.21-30)

experiências por todos os grupos envolvidos e de, sem dúvida, experimentar a cidade.
Assumindo que somos corpo-movimento-ação e nos deslocamos nos espaços
democráticos que habitam nossos sonhos e desejos, o desenvolvimento de três workshops
pautados na experiência das cidades trouxe à tona a totalidade empreendida pelas sensações
corporificadas em uma ambiência, pois as ambiências vividas se referem ao modo como a
cidade é habitada, ao desejo de nela estar, a ela pertencer e de partilhar os lugares.

Assim, podemos concluir que apesar de vivermos cada vez mais o paradoxo de identidades
incorporadas no espaço versus realidades espaciais virtuais, buscamos as imagens de um
espaço que nos acolha e de ambientes urbanos concretos, físicos e visíveis, capazes de nos
comover e conferir prazer ao nosso caminhar.

Este livro apresenta algumas dessas ideias e temos certeza da importância dos textos aqui
apresentados para a consolidação dos estudos sobre as Ambiências, que, temos
consciência, ainda está longe se esgotar. Seu desenvolvimento e futuros desdobramentos
apontam para novas maneiras de se intervir no espaço urbano, de forma mais holística,
enriquecida com outras dimensões, não apenas físicas e sensitivas, mas afetivas e
emocionais, contribuindo para a criação de espaços e cidades mais coerentes com as
aspirações de quem o habita.

Bibliografia
AMPHOUX, Pascal ; THIBAUD, Jean-Paul ; CHELKOFF, Grégoire. Ambiances en Débats. Bernin :
Editions A la Croisée, 2004.
AUGOYARD, Jean-François. Vers une esthétique des Ambiance. In : AMPHOUX, Pascal; THIBAUD, Jean-Paul
et CHELKOFF, Grégoire. Ambiances en Débat. Bernin : À La Croisée, 2004 pp. 07-30
AUGOYARD, Jean-François. A comme Ambiance(s). In: Les Cahiers de la Recherche Architecturale et Urbaine.
nos. 20/21 - mars 2007. p. 33-37
CAHIERS DE LA RECHERCHE ARCHITECTURALE (LES) - "Ambiances Architecturales et Urbaines".
42/43. Ed. Parenthèses, 1998
DUARTE, Cristiane Rose et all. « Exploiter les ambiances: dimensions et possibilites methodologiques pour la recherche en
architecture » in : Actes du colloque Faire une Ambiance. Cresson / ENSA Grenoble, 2008 - 415-422 -
disponível em: www.ambiances.net/index.php/fr/colloques/160-faire-une-ambiance
DUARTE, Cristiane Rose. Explorando Ambiências: Caminhos de Pesquisa e Possibilidades
Metodológicas. Relatório conclusivo da pesquisa CNPq, 2011
RAPOPORT, Amos. House, Form and Culture. London: Prentice-Hall Inc, 1969
THIBAUD, Jean-Paul. De la Qualité Diffuse aux Ambiances Situées. Paris: Editions de l'Ehess, 2004.

Agradecimentos

Ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura (Proarq), da Universidade Federal do Rio de


Janeiro; ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e à FAPERJ
( Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) pelo apoio às
pesquisas que estão na base deste texto

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