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Trabalho Casa das Canoas. Kaio Tiago Onofre Silva Ramos. 1º Semestre.

RA: N6221E5

A Casa Das Canoas (Oscar Niemeyer)

O arquiteto Oscar Niemeyer ganhou o seu lugar na história da arquitetura do


século 20 com um número grande de obras públicas e os seus projetos para a
nova Capital Brasília. Dentro dessa obra volumosa, as habitações individuais
são uma exceção. O inventário somente relata algumas: Casa Kubitschek em
Pampulha (1943), casa Mendes (1949) e Casa Canavelas (1954). Além dessas, o
Niemeyer tomou a iniciativa de construir uma casa para ele mesmo duas vezes:
Casa da Lagoa em 1942 e Casa das Canoas em 1953, ambas no Rio de Janeiro. À
primeira vista, as residências parecem uma parcela trivial na produção dele,
mas não é uma avaliação correta. Pode-se dizer que a Casa das Canoas é uma das
habitações individuais mais fascinantes já realizadas nesse século.

Na sua publicação sobre a Casa das Canoas na Architectural Review (1954),


Ernesto Rogers chama a atenção para o valor excepcional dessa casa: "A casa
que um arquiteto projeta para ele mesmo em geral pode ser considerada uma
manifestação das suas aspirações, uma espécie de testemunha, um confissão dos
seus pecados, uma halografia em que não se pode apenas examinar o texto
visível, mas graficamente delinear os motivos secretos do texto e as raízes
profundas da inspiração do poeta." Quais as ambições e aspirações que levaram
Niemeyer aos projetos das duas residências e quais os motivos ocultos em sua
obra?

Em 1942, o Niemeyer constrói na Lagoa, no Rio de Janeiro, a sua primeira


residência. A casa corresponde minuciosamente aos 5 pontos da nova arquitetura
definidos por Le Corbusier. A utilização de pilotis, o uso de uma rampa para a
circulação interna e a escolha da planta livre tem origem nesses princípios.
Somente a inclinação do teto (da cobertura) desvia-se da caixa purista que os
modernistas propagaram.

Dez anos depois, Niemeyer resolveu construir mais uma casa para si. O
resultado final fica longe das duas casas modernistas referenciais daquela
época: a Farnswourth House, de Mies van der Rohe (1946-1950), e a Glass House,
de Philip Johnson (1949). Niemeyer optou por uma forma orgânica e não pela
caixa retangular com transparência máxima. Outro ponto fundamental é que
Niemeyer elaborou uma outra relação entre a casa e o seu entorno, permitindo a
entrada da natureza no interior da residência. Uma solução que também existe
na residência de Lina Bo Bardi, a Casa de Vidro em São Paulo (1951).
A força da Casa das Canoas está, em primeiro lugar, na relação com a situação
privilegiada. A vista ao mar, a presença do horizonte e o gabarito quase
horizontal da Pedra de Gávea, definiram a forma da cobertura. Hoje em dia,
essa experiência quase sumiu, uma vez que a vegetação ao redor da casa cresceu
muito. Fotografias da década de 50 revelam essa dimensão quase mágica do
entorno.

A promenade architecturale que o visitante tem no percurso até a casa também


tem uma relação forte com o local. De carro, chega-se pelas curvas da estrada
das Canoas num ponto em cima da casa. Em seguida uma trilha leva até a casa,
mais em baixo; o carro foi eliminado rigorosamente do lugar. Na caminhada, a
cobertura da casa se revela como uma lâmina colocada sobre colunas finas. O
caráter monolítico é reforçado pela ausência de platibanda.

A cobertura horizontal é uma linha continua e flutuante. Talvez Niemeyer faça


uma relação inconsciente com o entorno da Lagoa de Pampulha, a localização
onde projetou uma série de obras na década de 40. A plasticidade da marquise
da Casa do Baile na Pampulha (1942) é muito semelhante à cobertura da Casa das
Canoas.
Trabalho Casa das Canoas. Kaio Tiago Onofre Silva Ramos. 1º Semestre. RA: N6221E5

A piscina ao lado da Casa das Canoas ganha mais que um significado funcional,
por causa da rocha que se estende até o interior da casa. O volume da rocha
une solidamente a casa ao chão, solução parecida àquela de Luis Barragan na
Casa Prieto Lopez em México (1948), mas Niemeyer também consegue ligar o
exterior e o interior da casa através da rocha. Ao redor da piscina foram
colocadas esculturas do seu amigo Alfredo Ceschiatti. As ondulações elegantes
dos corpos femininos se incorporam perfeitamente na arquitetura ondulante. A
justaposição da lâmina de concreto, a rocha e as estátuas criam uma relação
sutil entre natureza e cultura.

Uma estimativa surpreendente é que a casa não tem frente nem fundo: o
movimento contínuo criou uma fachada de vidro com um ritmo fluente. Ao
contrário de Mies van der Rohe e Philip Johnson, Niemeyer buscou para a casa
um caráter ao mesmo tempo transparente e fechado. Isto se manifesta na parede
fechada e ondulada de madeira, que dá intimidade e privacidade na sala de
estar. Nessa parede encontra-se no lado sul uma pequena janela, colocada numa
altura bem baixa. Parece um quadro com a paisagem, uma abertura que dá vista
ao mar para quem está sentado.

Talvez não seja por acaso que ao lado da janela foi colocado um desenho de Le
Corbusier, com uma dedicatória para Niemeyer!
O que chama a atenção nas publicações sobre a casa é que em geral mostra
apenas a planta do andar principal da casa. O piso com os dormitórios, que foi
colocado no subsolo, está quase sempre ausente, mesmo possuindo uma
configuração completamente diferente em relação ao andar superior. Os dois
andares são ligados por uma escada larga. Embaixo da escada localiza-se a
biblioteca e uma lareira com uma abertura circular. O modo como Niemeyer
formaliza a chaminé, quase invisível na vista externa, é um detalhe
interessante em si e prova que ele considerou o volume da chaminé um elemento
perturbador na sua composição pura.

Nas áreas coletivas, Niemeyer introduziu algumas soluções que fortalecem a


fluidez dos espaços. Colocou por exemplo uma parede curva no espaço das
refeições, exigindo a presença de uma mesa redonda. Essa combinação é uma
referência clara à solução que foi introduzida por Mies van der Rohe na
Tugendhat House em Brno (1930). O limite entre dentro e fora é superado de
várias maneiras: o piso do interior continua nos dois terraços exteriores;
espaços intermediários fascinantes foram realizados com a penetração das
floreiras dentro da casa e até mesmo a colocação de uma coluna dentro de uma
delas...

Niemeyer projetou os sofás para o interior, mas para as cadeiras da mesa optou
pelo modelo clássico de Thonet. Não tentou criar uma unidade no mobiliário.
Imagens históricas da casa mostram um interior em que móveis velhos e
esculturas clássicas ganharam um lugar. Niemeyer sempre resistiu aos
interiores com objetos contemporâneos apenas. O lugar do homem precisa ser
marcado por uma confiança no passado e no futuro.

A poesia e a sensualidade que Niemeyer uniu na Casa das Canoas foram


subestimadas durante muito tempo, foram mesmo rejeitadas. Mas a casa foi a
resposta mais forte dada até hoje à Glass House de Johnson. Os críticos sempre
apontaram que a linha curva na obra de Niemeyer não é o resultado da
referência à paisagem, mas da sua fascinação pelo corpo feminino. Assim o
erotismo é considerado uma parte essencial de sua arquitetura. Será que a
rocha é uma imagem do Monte de Vênus? Pode se ver a piscina como um útero, com
as águas amnióticas em que todo mundo se encontrou uma vez? Será que a parede
preta com a lareira, com a sua abertura circular, é como uma vagina, com uma
Trabalho Casa das Canoas. Kaio Tiago Onofre Silva Ramos. 1º Semestre. RA: N6221E5

tentação fogosa? Fogo e água ganham um significado mais profundo que apenas o
funcional. Trata se de captar a essência da vida e da morte em arquitetura.
Essa casa é a construção mais sensual, talvez a casa mais erótica que um
arquiteto famoso jamais tenha imaginado. É um lugar deslumbrante, onde é muito
agradável estar e amar. Aqui Niemeyer mostra o que arquitetura orgânica quer
dizer para ele: uma configuração muito elegante, na qual o interior e o
exterior se unem em harmonia. A Casa das Canoas é a síntese de uma busca que
começou com o pavilhão brasileiro em Nova York (1939) e os prédios da
Pampulha. O essencial é unir a feminidade com uma experiência dinâmica da
natureza brasileira. A integração vital da casa na natureza foi influenciada
pela obra do amigo pessoal de Niemeyer, o paisagista Burle Marx, uma pessoa
muito importante para entender e situá-lo corretamente. Sem a visão de Burle
Marx sobre a paisagem, Niemeyer talvez jamais conseguisse chegar nessa
residência sublime. Os historiadores precisam destacar essas nuanças para
captar e enfatizar as qualidades intrínsecas da obra.

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