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Fotografia – Princípios

e Técnicas

U416. 75
Fotografia – Princípios e
Técnicas
Autoras: Profa. Dra. Nancely Huminhick Vieira
Profa. Dra. Maria Aparecida Atum
Colaborador: Prof. Alexandre Ponzetto
Professoras conteudistas: Nancely Huminhick Vieira / Maria Aparecida Atum

Professora conteudista: Profa. Dra. Nancely Huminhick Vieira

Nascida em São Paulo, doutora e mestre em Educação, tendo a fotografia como objeto de pesquisa em ambas as
titulações. Graduação em Artes Plásticas pela Unesp. Atuou durante dois anos como professora da Pós-Graduação EAD
em Artes pelo projeto Redefor em parceria com a Secretaria da Educação e a Unesp. Atualmente é professora da UNIP
e do Mackenzie em diversas disciplinas da área fotográfica. Atuou como fotógrafa durante vários anos nas seguintes
áreas: book, cult, still e eventos. Atualmente, desenvolve pesquisa com o tema: Fotografia Cultural. Coordenadora da
Pós-Graduação em Fotografia da UNIP.

Professora conteudista: Maria Aparecida Atum

Atua como webdesigner e professora universitária. Desenvolve trabalhos na área gráfica e como webconsulting.
Na área da informatização, desde 1987, é graduada em Sistemas de Informação e especialista em Comunicação e
Mídia, campo em que desenvolve projetos de pesquisa tendo como foco a animação dentro das novas mídias da área
digital. De 1990 a 1992, desenvolveu projetos-murais em Londres e Bari, na Itália.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V658f Vieira, Nancely Huminhick

Fotografia: princípios e técnicas. / Nancely Huminick Vieira,


Maria Aparecida Atum. – São Paulo: Editora Sol, 2014.

176 p., il

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-067/14, ISSN 1517-9230.

1. Fotografia. 2. Edição de imagem. 3. Câmeras digital e


analógica.

CDU 77

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

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Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

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Vice-Reitora de Unidades Universitárias

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Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Rose Castilho
Amanda Casale
Sumário
Fotografia – Princípios e Técnicas

Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................7

Unidade I
1 A HISTÓRIA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA....................................................................................................9
1.1 Os descobrimentos ópticos e químicos da fotografia...............................................................9
1.2 A fotografia no Brasil.......................................................................................................................... 21
2 O NASCIMENTO DA CULTURA FOTOGRÁFICA....................................................................................... 27
2.1 O mundo portátil e ilustrado............................................................................................................ 27
2.2 Fotografia e pós-modernidade........................................................................................................ 34
3 GÊNERO: JORNALÍSTICO E DOCUMENTAL.............................................................................................. 42
3.1 Fotojornalismo........................................................................................................................................ 42
3.2 Fotodocumentarismo.......................................................................................................................... 50
4 GÊNERO: ANTROPOLÓGICO E CULTURAL............................................................................................... 61
4.1 Fotografia antropológica.................................................................................................................... 61
4.1.1 Fotografia etnográfica........................................................................................................................... 69
4.2 Fotografia cultural................................................................................................................................ 74

Unidade II
5 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA CÂMERA ANALÓGICA.......................................................... 84
5.1 Câmeras analógicas compactas e reflex...................................................................................... 84
5.2 O visor........................................................................................................................................................ 87
5.3 O obturador............................................................................................................................................. 90
5.4 Objetiva, o olho mecânico................................................................................................................. 91
5.4.1 Normal (50 mm)....................................................................................................................................... 94
5.4.2 Teleobjetiva................................................................................................................................................. 94
5.4.3 Grande-angular........................................................................................................................................ 95
5.4.4 Macros.......................................................................................................................................................... 95
5.4.5 Zoom............................................................................................................................................................. 96
5.5 O Diafragma............................................................................................................................................ 97
5.6 A ISO, a sensibilidade do filme......................................................................................................... 99
5.7 Fotômetros e flashes..........................................................................................................................100
5.7.1 O fotômetro.............................................................................................................................................100
5.7.2 O flash........................................................................................................................................................101
6 REVELAÇÃO ANALÓGICA EM LABORATÓRIO PB ..............................................................................103
6.1 O laboratório fotográfico preto e branco..................................................................................103
6.1.1 Processamento em casa......................................................................................................................103
6.1.2 Teste de Vedação....................................................................................................................................103
6.2 Filmes e papéis.....................................................................................................................................106
6.3 Revelação e ampliação......................................................................................................................111
6.3.1 Materiais para revelação do filme PB............................................................................................ 112
6.3.2 Materiais para revelação do papel.................................................................................................. 112

Unidade III
7 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA CÂMERA DIGITAL.................................................................117
7.1 Categorias de câmeras digitais......................................................................................................117
7.1.1 Point-and-shoot cameras..................................................................................................................117
7.1.2 Advanced point-and-shoot cameras............................................................................................. 119
7.1.3 Digital Single Lens Reflex – DSLR...................................................................................................119
7.2 Componentes da câmera digital...................................................................................................120
7.2.1 Componentes externos...................................................................................................................... 120
7.2.2 Componentes internos....................................................................................................................... 122
7.3 Funções e simbologias.......................................................................................................................124
7.4 Resolução...............................................................................................................................................125
7.5 Compressão e formatos....................................................................................................................126
7.5.1 RAW............................................................................................................................................................ 126
7.5.2 JPG.............................................................................................................................................................. 127
7.5.3 TIFF.............................................................................................................................................................. 127
7.6 Meios de armazenamento...............................................................................................................127
7.6.1 CompactFlash......................................................................................................................................... 128
7.6.2 Sony Memory Stick/Memory Stick Pro........................................................................................ 128
7.6.3 Secure Digital (SD)................................................................................................................................ 128
7.6.4 xD Picture Card...................................................................................................................................... 129
7.7 Baterias....................................................................................................................................................130
7.7.1 Bateria de NiMH.................................................................................................................................... 130
7.7.2 Bateria de íons de lítio.........................................................................................................................131
8 EDIÇÃO E MANIPULAÇÃO...........................................................................................................................132
8.1 Backup e edição...................................................................................................................................132
8.1.1 Tipos de arquivos.................................................................................................................................. 134
8.1.2 As vantagens de usar um laptop.................................................................................................... 134
8.1.3 Impressão................................................................................................................................................. 135
8.2 Aplicativos de gerenciamento de imagens...............................................................................136
8.3 Photoshop..............................................................................................................................................136
8.4 Edição de imagens..............................................................................................................................137
8.4.1 Corrigindo exposições e cores......................................................................................................... 137
8.4.2 Brilho e contraste................................................................................................................................. 137
8.4.3 Transformando imagens coloridas em preto e branco.......................................................... 139
8.4.4 Mudando o tamanho das imagens............................................................................................... 145
8.4.5 Imagens para a Internet..................................................................................................................... 145
8.4.6 Digitalização/scanner.......................................................................................................................... 145
Apresentação

A disciplina Fotografia – Princípios e Técnicas tem base no conhecimento da história da fotografia


e da cultura fotográfica, como também nos diferentes tipos de aplicações técnicas e conhecimentos de
equipamentos e seus diferentes usos.

Nesta disciplina iremos habilitar o estudante a compreender as técnicas dos equipamentos


fotográficos analógicos e digitais. Com equilíbrio teórico e prático, formá-los ou direcioná-los para
as diversas formas de linguagem e gêneros existentes na fotografia. Mostrar a importância da antiga
técnica de revelação PB (preto e branco) para os princípios da fotografia.

Espera-se que o estudante seja capaz de identificar os diferentes gêneros fotográficos apresentados,
reconhecer seus fundamentos e aplicações; que ele saiba manusear os diferentes equipamentos
apresentados, tanto analógicos como digitais; que saiba aplicar os recursos fotográficos apresentados;
que reconheça os diferentes tipos de iluminação.

Sejam bem-vindos à magia do universo fotográfico!

Boa disciplina!

Introdução

Procuraremos focar, inicialmente, a narrativa histórica da fotografia, bem como aspectos


socioeconômicos e culturais que interagiram para a concepção do processo fotográfico além do próprio
curso cronológico do advento da técnica.

Teremos contato, primeiro, com o progresso econômico como alavanca para a aceitação burguesa da
nova descoberta e, em consequência, a democratização da imagem. Ambos os aspectos fazem surgir o
que chamaremos de civilização da imagem – uma busca pela identidade conflitante (a fotografia como
arte) diante de um mundo em transformação.

Relacionaremos os movimentos influenciados pelas vanguardas, responsáveis pela introdução


interpretativa e figurativa nas artes, por meio da imagem fotográfica, interacionada às questões sociais e
políticas e inspiradas na mass media (mídia de massa), com o surgimento de uma nova era: a pós-moderna.

Posteriormente, serão apresentados quatro gêneros da Fotografia. São eles: fotojornalismo,


fotodocumentarismo, fotografia antropológica e fotografia cultural.

A segunda e a terceira unidades estão reservadas ao universo técnico da fotografia. Veremos que a
qualidade de uma fotografia não depende apenas de um bom equipamento. O ato fotográfico, além de
envolver a formação cultural do fotógrafo, possui também outros fatores essenciais, como o controle da
luz, do tempo e todo o conhecimento técnico possível de sua câmera fotográfica.

Daremos conta do quanto as câmeras analógicas e digitais são semelhantes, e compreenderemos


seu funcionamento por meio do princípio fundamental da técnica fotográfica: o controle da luz!
7
Fotografia – Princípios e Técnicas

Unidade I
1 A HISTÓRIA DA IMAGEM FOTOGRÁFICA

O advento da fotografia não aconteceu a partir de uma única fonte genial, nem o crédito de sua
descoberta pertence a um grupo criador.

A fotografia foi como a montagem de um quebra-cabeça, em que a síntese e o resultado de inúmeras


descobertas, com o passar do tempo, contribuíram para aprimorar essa linguagem, que transformou a
forma e os temas relacionados à arte. A invenção da fotografia é aqui apresentada num enfoque que
nos permite estudá-la como algo que encontrou, no espírito da modernidade, o impulso decisivo para
fazer a sua aparição pública.

Registros históricos mostram que, mais ou menos ao mesmo tempo e em


diferentes lugares, estudiosos trabalharam isoladamente concebendo
soluções para juntar numa só máquina os conhecimentos de duas áreas
do saber: a óptica e a química. Todos procuravam criar um mecanismo
que reproduzisse a realidade e registrasse a sua imagem (MARTINS,
2010, p. 48).

1.1 Os descobrimentos ópticos e químicos da fotografia

No século XIV surgiu, na Itália, o Renascimento, movimento caracterizado pelo rico período de
desenvolvimento da cultura europeia, difundindo-se por toda a Europa durante os séculos XV e XVI.
Propunha a ruptura com as tradições medievais e a preocupação em reproduzir o mais fielmente possível
o mundo exterior, passando a ser o grande desafio dos artistas.

Foi nesse período que surgiram as referências mais precisas sobre a Câmara Escura, descritas no livro
de notas sobre espelhos de Leonardo Da Vinci – um dos mais importantes expoentes renascentistas –,
por volta de 1554, vindo a ser publicado somente em 1797.

Considerada a essência da técnica tradicional da fotografia, a Câmara Escura, ou camera


obscura (Figura 1), não sofreu, porém, alterações desde então. Conhecida desde a Antiguidade,
trazia curiosamente consigo o caráter mágico e polêmico da representação da visibilidade das
coisas. Seu princípio óptico, observado por Da Vinci, consistia basicamente em possibilitar a
passagem de luz através de um pequeno orifício dentro de um quarto escuro e o objeto refletido
na parede oposta aparecia invertido. A Câmara Escura é considerada, para a Fotografia, a alma da
técnica.

9
Unidade I

Figura 1 – Primeira ilustração publicada da Camera Obscura, em 1545

A partir do princípio da Câmara Escura, pintores e desenhistas utilizavam-se desse fenômeno físico
para reproduzir os retratos com maior fidelidade, pintando dentro do quarto, sobre um pergaminho.
Até meados do século XIX, muitos processos foram evoluindo: a lente colocada sobre o orifício, o jogo
de espelhos foi sendo adaptado para rebater a imagem na tela, a caixa foi ficando cada vez menor e
mecanismos foram desenvolvidos para facilitar o enquadramento e o aproveitamento da luz, conforme
podemos ver nas figuras a seguir.

Figura 2 – Camera obscura portátil com lente reflex, 1685

Figura 3 – Camera obscura de mesa, 1769

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Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 4 – Camera obscura portátil usada por Talbot e Daguerre, 1810

Sob o aspecto econômico, a fotografia surgiu como resposta inovadora a uma situação em que a
procura pelo aumento de produtividade encontrara um limite. O homem moderno não tinha mais tempo
e, portanto, não podia contar com a lentidão e o alto custo dos retratos produzidos pelos pintores e
desenhistas da época.

A fotografia surge como um fenômeno que qualificamos de revolucionário, dentro de outra


revolução certamente mais vasta e que se encontrava em curso: a Revolução Industrial, que foi um
processo de industrialização ou desenvolvimento industrial ocorrido na Inglaterra a partir do final do
século XVIII, estendendo-se mundialmente, gerando processos migratórios das zonas rurais às urbanas,
aumentando a especialização do trabalho e utilizando-se intensivamente do capital e da aparição de
novas ferramentas de trabalho especializado.

O historiador e fotógrafo brasileiro Boris Kossoy (1989) explica o advento da fotografia como um
novo meio de conhecimento do mundo, surgido em meio a uma série de invenções decorrentes da
Revolução Industrial e que viriam a influir decisivamente nos rumos da história moderna mundial.

A fotografia, uma das invenções que ocorrem naquele contexto, teria


papel fundamental enquanto possibilidade inovadora de informação e
conhecimento, instrumento de apoio à pesquisa nos diferentes campos da
ciência e também como forma de expressão artística (KOSSOY, 1989, p. 15).

O avanço nas pesquisas tecnológicas da fotografia deve-se, acima de tudo, à cultura de consumo e
de produção desencadeada pela Revolução Industrial, principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

A aceitação da nova invenção justificou aplicações significativas de capital em pesquisas e


equipamentos, propiciando o surgimento, a partir da década de 1860, de grandes impérios industriais e
comerciais da fotografia.

No contexto sociopolítico, a ascensão de amplas camadas sociais em direção a um maior significado


político e social traz o desejo da nova sociedade burguesa de dar visibilidade à sua ascensão econômica
e social, o que melhor justifica a oportunidade histórica da fotografia e explica o enorme sucesso
11
Unidade I

do invento. O nobre deixa de ser o único a poder fazer-se representar e a ostentar esse símbolo de
representação.

Os aspectos técnicos do novo invento nada têm a ver com as técnicas de pintura ou desenho dos
retratos, mas, até então, gravar a imagem diretamente sobre o papel sem intermédio do desenhista não
era possível, isto é, faltava descobrir, como substituto do pergaminho, um material sensível à ação da
luz, capaz de registrar uma imagem.

A descoberta da sensibilização à luz de certas substâncias químicas foi, depois da óptica, o outro
aspecto de maior importância à procura do processo fotográfico. A fotografia surge realmente com as
experiências químicas para revelar e fixar as imagens, cujo “parente” mais próximo encontrava-se na
Litografia, que vem inspirar Joseph Nicéphore Niépce nas suas descobertas.

Figura 5 – Nicéphore Niépce, 1795

Observação

“Litografia significa, literalmente, escrever sobre a pedra. Trata-se de


um processo químico que funciona graças à repulsa mútua entre óleo e
água, descoberto em 1796 pelo austríaco Alois Senefelder. Uma imagem
é pintada sobre um superfície de pedra, originalmente calcário alisado.
Uma solução ácida é então utilizada para gravar a imagem na superfície
de pedra, assim convertida numa chapa de impressão. Espalhando-se uma
tinta à base de óleo na pedra, esta pode ser pressionada contra uma folha
de papel e produzir, assim, uma impressão de alta qualidade – uma técnica
muito superior às modalidades anteriores de gravura, que abriu um novo e
vasto mercado para mapas e arte comercial” (ROGER, 2012, p. 90).

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Fotografia – Princípios e Técnicas

Em 1826, o químico e litógrafo francês Niépce (1765-1833), dez anos depois de obter êxito ao
registrar suas primeiras imagens utilizando a câmara escura e papel sensibilizado com cloreto de prata,
recobre uma placa de estanho com betume da judeia e a expõe durante oito horas na sua câmara
escura, em direção ao quintal de sua casa. Apesar de o resultado ser uma imagem escura e sem nitidez,
é considerada a primeira fotografia do mundo. O processo foi chamado de heliografia, ou seja, gravura
com a luz do sol.

Figura 6 – Primeira fotografia registrada, de Niépce, 1826/7

Em 1829, Niépce associou-se ao pintor, também francês, Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-
1851), prosseguindo juntos nos avanços químicos de imagens impressionadas. Após a morte de Niépce,
Daguerre, a quem podemos dar o crédito de juntar as “peças” do quebra-cabeça, prosseguiu com as
experiências de desenvolver uma substância que fosse mais sensível à luz que o betume da judeia.

Figura 7 – Louis Jacques Mandé Daguerre, 1846

Daguerre veio a descobrir o iodeto de prata como substância sensível à luz e o vapor de mercúrio
como agente “revelador” do processo. Submeteu então a placa a um banho fixador com sal de cozinha,
dando origem ao processo que denominou daguerreotipia.
13
Unidade I

A invenção da daguerreotipia foi divulgada à Academia de Ciências de Paris e, simultaneamente, à


Academia de Belas Artes, em 19 de agosto de 1839, tornando-se popular por mais de vinte anos. No
mesmo mês, o Estado francês, por proposta do deputado e astrônomo François Arago, compra a patente
do daguerreótipo e o coloca gratuita e democraticamente à disposição do público.

Figura 8 – Natureza morta, de Daguerre: a primeira daguerreotipia, 1839

Apesar do sucesso do daguerreótipo, a impossibilidade de se fazerem várias cópias e a fragilidade


do equipamento e dos acessórios fizeram que um escritor e cientista inglês chamado William Henry
Fox-Talbot buscasse solucionar e aprimorar essas limitações técnicas e pesquisasse profundamente
as fórmulas de impressão química no papel. “Em 1835, já havia construído uma pequena câmera de
madeira carregada com papel sensibilizado com cloreto de prata, porém era necessário de meia a uma
hora de exposição” (VIEIRA, 2006, p. 18).

Talbot foi considerado o primeiro fotógrafo a registrar uma imagem pelo processo negativo/positivo,
permitindo obter várias cópias a partir de uma matriz. Após aperfeiçoar suas pesquisas e adotar como
agente revelador o galonitrato de prata, o negativo era lavado e, depois de seco, tratado com uma cera
para ficar transparente. Revelado o negativo, obtinha as cópias por contato, com papel sensibilizado
com cloreto de prata.

Figura 9 – Fox Talbot, 1844

14
Fotografia – Princípios e Técnicas

A técnica ficou conhecida como talbotipia, patenteada na Inglaterra em 1841. Talbot buscou
incansavelmente uma técnica que alcançasse a fixação da imagem, um processo eficaz que interrompesse
o próprio processo de sensibilidade à luz.

Figura 10 – Fotografia de Fox Talbot, 1839

De fato, as imagens fotográficas, até aquele momento, careciam de tal técnica de conservação, pois
a luz do dia enegrecia gradualmente o papel. Foi então que Talbot descobriu, em 1839, o tiossulfato de
sódio, apresentado pelo químico e astrônomo inglês John Herschel, a quem a história atribui o mérito
da criação do termo photography, no mesmo ano.

Diante da descoberta da técnica que tornava a imagem permanente, Talbot exclama:

O fenômeno que acabo de descrever, a meu ver, participa do maravilhoso,


quase tanto quanto qualquer fato que a pesquisa física trouxe ao nosso
conhecimento. A coisa mais transitória, uma sombra, o emblema proverbial
de tudo o que é efêmero e momentâneo, pode ser acorrentado pelo encanto
de nossa “magia natural” e ser fixado para sempre na posição que ela parecia
destinada a ocupar apenas por um curto instante (TALBOT apud DUBOIS,
1993, p. 139).

Dubois acreditava que o aspecto que demandaria chegar, de fato, à fotografia era a importância de
conservá-la por um longo período no tempo. Interromper o processo de sensibilidade à luz era como
a busca por congelar um fragmento da vida para sempre. Nesse contexto, fixar o tempo na fotografia
seria como ludibriar o próprio processo natural que lhe é vital, mas que também carregava em si sua
própria morte: a luz.

Ao método de revelação pelo processo negativo/positivo é atribuído o desencadeamento da


reprodução em série da fotografia. Primeiro em papel, depois em vidro, em seguida em acetato e, hoje,
15
Unidade I

digitalmente. As exigências do mercado representaram, em todos os casos, alavancas lógicas desse


aperfeiçoamento técnico.

A partir daí, a fotografia se difundiu rapidamente pelos principais centros europeus e norte-
americanos em função das condições econômicas, sociais e culturais dos países onde a Revolução
Industrial se fazia mais evidente.

Já em 1841, surgem na Europa os primeiros ateliers – estúdios fotográficos –, alavancados pelos


novos recursos técnicos, e, em 1854, surge o carte-de-visite, fotografia colada sobre cartão de papel
rígido que poderia ser oferecido com uma dedicatória no verso. O carte-de-visite tornou-se o modismo
predileto durante o final do século XIX.

Figura 11 – Carte-de-visite com protetor de couro, 1870

O sucesso do carte-de-visite deveu-se ao seu formato, pois dava visibilidade à ascensão da nova
sociedade que se formava no início do século XX.

A disseminação da fotografia desenvolveu tanto fascinação quanto terror. Muitos a consideravam


uma invenção demoníaca.

Contudo, o estupor ao processo “mágico” caberia como aliado aos novos comerciantes, que
cultivavam um ambiente misterioso de obscurantismo em torno da nova atividade. Exemplo disso seria
o lendário gato de Oscar Rejlander (1813-1875), fotógrafo e pintor sueco radicado em Londres, que
era usado como primitivo fotômetro ao lado do retratado. Rejlander, ao observar-lhe a íris, decidia
fotografar ou não.

Os clientes não buscavam uma explicação racional diante do método, mas viam o que acreditavam
ver, associando a prática à bruxaria.

16
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 12 – Julia Jackson, de Rejlander, 1860

Figura 13 – The two ways of life, de Rejlander, 1857

Outro exemplo para compreender o misticismo em torno do advento da fotografia é o escritor francês
Honoré de Balzac (1799-1850), cujo pânico pelo daguerreótipo era notório. A imagem apresentada a
seguir é considerada a primeira e única chapa registrada do famoso escritor, fotografada pelo amigo
íntimo e um dos maiores fotógrafos de sua época, o francês Félix Nadar (1820-1910).

17
Unidade I

Figura 14 – Honoré de Balzac, por Félix Nadar, 1841

Figura 15 – Nadar in balloon gondola (in the studio), 1861

Balzac acreditava que o corpo fosse composto de séries de espectros em camadas sobrepostas ao
infinito; era a chamada “teoria dos espectros”. Phillipe Dubois observa o terror de Balzac diante do
daguerreótipo: “Como se vê, haveria no final, com essa transparência, um certo perigo em fotografar
infinitamente o mesmo corpo: ele passaria por inteiro, camada por camada, para a fotografia” (DUBOIS,
1993, p. 228).

Dubois define o terror de Balzac como se estivéssemos diante de um fantasma que nos vem roubar
a alma. É o sentimento angustiante de passar para o outro lado no momento da pose fotográfica,
suscitando ao modelo uma onda de medo, pois não se sabe o que esperar. É assombrado por uma
presença incerta, flutuante, virtual: ele próprio!
18
Fotografia – Princípios e Técnicas

À margem da polêmica atividade e do crescente juízo depreciativo que se fazia da profissão de


fotógrafo, foi por meio da multiplicação da imagem fotográfica e do baixo custo de produção, em
virtude do progresso econômico, que surgiu a “democratização” da imagem. Diante do fotógrafo, todos
os homens de todas as classes sociais poderiam realizar o desejo de igualdade, buscando interpretar
diante da câmera, sob o olhar austero, quase estereotipado, sua posição social e idoneidade moral,
desejo antes só realizado pelos retratistas da nobreza.

Segundo Kossoy (1989, p. 74), essa “civilização da imagem”, que ora começava a se formar
paralelamente à necessidade psicológica de perpetuação da imagem – “uma saída digna para a
imortalidade” –, traz consigo, além de um mercado ansioso por consumi-la, uma indústria da imagem
ávida por buscar um conhecimento ideal do mundo por meio dela.

O autor analisa o início da “civilização da imagem” a partir do momento em que a fotografia chega às
massas por modismos proporcionados pela democratização do retrato, como o carte-de-visite, “dando
ênfase à ideia de um mundo substituto, simulação analógica do real, composto de imagens que podiam
ser colecionadas” (KOSSOY, 1989, p. 74).

Essa tendência ganha impulso quando o retratado passa a ter a possibilidade de atuar como retratista.
Com o slogan publicitário “You press the button, we do the rest” (Você aperta o botão, nós fazemos o
resto), George Eastman, industrial norte-americano fabricante de celuloide em Rochester, Nova York,
introduzia no mercado, em 1888, a máquina fotográfica Kodak.

Figura 16 – George Eastman, 1860

Portátil e econômica, com um rolo flexível incorporado (emulsionado de nitrato de celulose), tinha
capacidade para registrar 100 imagens. Após o registro, o cliente devolvia a máquina ao vendedor,
que a enviava à fábrica em Rochester, onde o rolo era revelado e, finalmente, remetido ao cliente por
19
Unidade I

reembolso postal, juntamente com a câmera recarregada. Todo o processo durava 10 dias, ao preço de
10 dólares.

Figura 17 – Primeira fotografia registrada em negativo, de George Eastman, 1879-80

O ponto culminante da democratização da imagem surge por meio de uma magnífica campanha de
marketing norte-americana (apresentada na figura a seguir) que, no mesmo ano, conseguiu vender 90
mil câmeras Kodak. Em 1889, a Eastman Company começou a fabricar os primeiros filmes para cinema
e, em 1928, lançou o primeiro filme colorido, o Kodacolor.

Figura 18 – Campanha publicitária da Kodak, 1888

Finalmente, 450 anos depois da descoberta da imprensa, a fotografia invadia o invento de Gutenberg.
No dia 21 de janeiro de 1897, o New York Tribune, nos Estados Unidos, publicava a primeira fotografia
impressa da história do jornal.

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Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 19 – Primeira fotografia impressa da história do jornal

Mediante o processo de simplificação e de baixos custos, característicos da produção de bens de


consumo de massa, no início do século XX, grandes potências da indústria da imagem já tinham se
formado, como a Eastman, nos Estados Unidos, a Agfa, na Alemanha, e os irmãos Lumière, na França.

Era a Revolução Industrial presente na fotografia, abrindo as portas da Era Moderna.

1.2 A fotografia no Brasil

A chegada da fotografia ao Brasil não demorou muito após a invenção de Daguerre. Em 1840 já
existem relatos publicados sobre a novidade trazida ao Rio de Janeiro pelo abade francês Louis Compte,
a quem se devem as primeiras demonstrações do daguerreótipo no Brasil. Sobre o episódio, foi publicada
a seguinte notícia no Jornal do Commercio, de 17 de janeiro de 1840 (p. 2):

He preciso ter visto a cousa com os seus próprios olhos para se poder fazer
idea da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos
o chafariz do largo do Paço, a praça do Peixe, o mosteiro de S. Bento, e
todos os outros objectos circumstantes se acharão reproduzidos com tal
fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via que a cousa tinha
sido feita pela própria mão da natureza, e quasi sem intervenção do artista
(KOSSOY, 2002a, p. 112).

O abade teria registrado, nessa ocasião, as primeiras imagens fotográficas no Brasil e, possivelmente,
na América do Sul. Hoje, são consideradas exemplares de grande importância para a história da fotografia
brasileira.
21
Unidade I

Figura 20 – Paço da Cidade, Rio de Janeiro, de Louis Compte, a primeira daguerreotipia registrada na América do Sul, 1840

Três dias depois, Compte apresentava a daguerreotipia ao imperador Dom Pedro II, tornando-se este
praticante, colecionador, mecenas da nova arte e também o primeiro fotógrafo com menos de 15 anos
de idade do Brasil.

Curiosamente, além de se dedicar à fotografia, Dom Pedro II foi também o primeiro monarca do
mundo a ter seu fotógrafo oficial, o que confere ao Brasil uma tradição fotográfica.

Apesar disso, o estágio de desenvolvimento do Brasil, nessa área, ainda não era o mesmo, se
comparado com as profundas revoluções culturais e sociais pelas quais passava a Europa naquele
momento. Debates em relação à fotografia como manifestação artística só encontrariam espaço por
aqui depois da Semana de Arte Moderna, em 1922, quando viriam a ser questionados os padrões e
valores estéticos da sociedade arcaica daquele tempo.

Figura 21 – Capa para o programa da Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo, de Di Cavalcanti, 1922

22
Fotografia – Princípios e Técnicas

Foi nesse Brasil agrário e escravocrata, num ambiente desprovido de recursos tecnológicos e culturais,
que, em 1833, um francês radicado no País, Antoine Hercules Romuald Florence (1804-1879), descobriu
o processo fotográfico.

Foi isolado na antiga Vila de São Carlos, atual Campinas, e sem conhecimentos das descobertas
e dos avanços sobre a técnica fotográfica na Europa que Florence resolveu se dedicar a uma série de
invenções. Ele foi levado, principalmente, pela quase inexistência de recursos para impressão gráfica da
época.

Figura 22 – Antoine Hercules Romuald Florence

Em seus diários, relata a descoberta de um método de impressão por processos fotográficos, anos
antes de Daguerre, e que reproduzia em série imagens para diplomas maçônicos, rótulos farmacêuticos
e outras etiquetas comerciais.

Antes mesmo de Talbot ter a ideia de usar a técnica de negativo e positivo e aprimorar
outras técnicas de fixação, Florence, em 1833, já começa a fotografar com chapa de vidro e
papel sensibilizado com nitrato de prata para a impressão por contato. Além disso, ele descobre
o processo mais adequado de fixação de imagem por meio do amoníaco cáustico, substituído
posteriormente pelo tiossulfato de amônia, que é utilizado até hoje. À técnica, ele mesmo deu o
nome de photographie, do grego photo (luz) e graphein (escrever), cinco anos antes de o termo
ter sido empregado por Herschel.

A descoberta das pioneiras realizações de Hercules Florence deve-se ao historiador e fotógrafo


Boris Kossoy. A divulgação dessa descoberta causou grande polêmica a partir do momento em que as
realizações de Florence foram apresentadas nos círculos acadêmicos e institucionais. Kossoy comenta
as descobertas de Florence como uma peculiaridade da história da fotografia:

23
Unidade I

[...] em qualquer ponto onde o pesquisador se encontrasse, não importando


o grau de “civilização” de seu meio, a fotografia poderia ser descoberta.
Seu desenvolvimento, aperfeiçoamento e absorção pela sociedade, isto
sim, somente poderia ocorrer – como de fato ocorreu – em complexos
socioeconômicos e culturais totalmente diversos daqueles onde Florence
viveu: nos países onde se processava a Revolução Industrial (KOSSOY, 1989,
p. 93).

Segundo Kossoy, o fato de Florence levar avante suas pesquisas em um ambiente como o Brasil
daquela época, com recursos precários e à margem do progresso cultural e científico, não o impediu de
realizar sua descoberta, pois a ideia “estava no ar” (KOSSOY, 1989, p. 93).

As aplicações comerciais, porém, que decorreriam de condições econômicas e sociais favoráveis,


não poderiam ocorrer na realidade inóspita a que Florence estava condicionado para evoluir em seu
trabalho. A seguir, um exemplar de um dos trabalhos de Florence: uma cópia fotográfica do diploma
maçônico obtida em papel, por contato, sob a ação da luz solar:

Figura 23 – Diploma da Maçonaria, cópia fotográfica, de Hercules Florence, provavelmente datado de 1833

Saiba mais

As pesquisas comprobatórias da invenção de Florence foram registradas


no livro:

KOSSOY, B. Hercules Florence: 1833, a descoberta isolada da fotografia


no Brasil. 2. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1980.

Marc Ferrez, fotógrafo franco-brasileiro (1843-1923), também foi de grande importância na história
fotográfica no Brasil. Ele encontrou outro segmento fotográfico além do comercial, retratando cenas dos
24
Fotografia – Princípios e Técnicas

períodos do Império e início da República. Deixou um legado inestimável para a preservação documental
da história brasileira.

Figura 24 – Entrada da Barra do Rio de Janeiro, de Marc Ferrez, 1875

Autor de belíssimas imagens panorâmicas, Ferrez também deixou trabalhos importantes no campo
arquitetônico. Era o fotógrafo preferido da Família Real brasileira e também integrou a Comissão
Geológica do Império, realizando um trabalho riquíssimo também na área antropológica do País.

Figura 25 – Índios botocudos, de Marc Ferrez, 1876

Além de Ferrez, outros fotógrafos do século XIX e início do XX também registraram as paisagens
e a vida cotidiana das cidades brasileiras, como George Leuzinger, Augusto Malta, Juan Gutierrez,

25
Unidade I

Guilherme Gaensly, Rodolpho Lindemann, Militão Augusto de Azevedo, entre outros, ajudando a manter
a reconstituição de sua época.

Figura 26 – Jardim da Luz, de Guilherme Gaensly, virada do século XX

Figura 27 – Rua da Imperatriz, atual XV de Novembro, de Militão Augusto de Azevedo, 1887

26
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 28 – Carregador africano, de Rodolpho Lindemann, 1900

2 O NASCIMENTO DA CULTURA FOTOGRÁFICA

Paralelamente às pesquisas e aos avanços tecnológicos referentes à técnica fotográfica, a concepção


da fotografia conturbou o mundo cultural e artístico nos grandes centros da Europa e dos Estados
Unidos, numa época em que as artes passavam por uma série de mudanças, com proclamações e
manifestos de diferentes “ismos”.

Como afirma Kossoy (1989, p. 15): “O mundo, a partir da alvorada do século XX, se viu, aos poucos,
substituído por sua imagem fotográfica. O mundo tornou-se, assim, portátil e ilustrado”.

2.1 O mundo portátil e ilustrado

Representantes expressivos da cultura francesa menosprezavam publicamente a fotografia como


apenas um produto industrial e acessório auxiliar dos retratistas, negando-a como forma de expressão
artística. Nos círculos mais conservadores e nos meios religiosos da sociedade a invenção foi chamada
de blasfêmia.

Discursos inflamados e sarcásticos, como o do literário e crítico francês Charles Baudelaire (1821-
1867), após a divulgação do daguerreótipo, eram comuns nos salões parisienses, como nos aponta o
crítico literário, filósofo e sociólogo alemão Walter Benjamin (1892-1940):

Nestes lamentáveis dias surgiu uma nova indústria que não contribuiu
pouco para a chã estupidez fosse reforçada na sua crença [...] que a arte
mais não é, e mais não pode ser do que a reprodução exata da natureza [...]
um Deus vingativo satisfez a voz destas pessoas. Daguerre foi o seu Messias.

27
Unidade I

[...] se for permitido à fotografia completar a arte em algumas das suas


funções, imediatamente será esta oprimida e estragada por aquela, graças
à adesão natural que provocará na multidão. Por essa razão, ela tem que
voltar ao seu verdadeiro dever, que consiste em ser servidora das ciências e
das artes (BAUDELAIRE apud BENJAMIN, 1987, p. 134).

Baudelaire pregava a questão da modernidade na arte livre da mecanicidade ou tecnologia. Aqui se


constitui uma relação tipicamente idealista, romântica e antiburguesa, cuja utopia criativa se manifestou
em toda a sua plenitude no século XVIII, com o Romantismo, em que o homem se rebelaria contra tudo
aquilo que tivesse proporção, medida ou volume, e tudo o que implicasse uma redução abstrata das suas
qualidades individuais.

Contra a promessa moderna da “acepção positiva e libertadora da relação entre homem e tecnologia:
a pessoa cria enquanto a máquina repete” (FLORES, 2004, p. 96), como identificaram Descartes e outros
filósofos racionalistas do século XVII, que só valorizavam a razão na aquisição do conhecimento regido
por leis matemáticas perfeitas.

Saiba mais

René Descartes (1596-1650) é considerado o fundador da filosofia


moderna, o pai da matemática moderna e um dos pensadores mais
influentes da história humana. Descartes manteve um caderno secreto, há
muito perdido, escrito em código.

Saiba mais sobre ele no livro:

ACZEL, A. D. O caderno secreto de Descartes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


2007.

Curiosamente, Baudelaire tornou-se amigo íntimo de Nadar, deixando-se fotografar várias vezes em
seu estúdio, de forma que registrasse sua imagem para a posteridade. E não só isso: pediu que Nadar
registrasse uma fotografia de sua mãe, exigindo sua presença na tomada do retrato.

O fato é que o impacto causado pela fotografia na intelectualidade europeia tomou proporções
nunca vistas antes, afinal, não havia um consenso.

Em meio a essa efervescência cultural, foi gerado o impressionismo, e, três gerações após o advento
da fotografia, alguns pintores abandonaram o retratismo e passaram à abstração, enquanto outros
abriram seus ateliers fotográficos, inicialmente como atividade paralela e, logo depois, com exclusividade.

O impressionismo surge como o primeiro movimento artístico a sofrer as influências que a fotografia
começava a proporcionar no âmbito cultural e, mais tarde, nos movimentos de vanguarda, à medida

28
Fotografia – Princípios e Técnicas

que artistas foram introduzindo algo de novo quanto à percepção visual e do surgimento de novas
experiências com a própria linguagem.

Observação

Impressionismo é o movimento das artes plásticas iniciado em Paris,


no ano de 1874, com a exposição realizada no estúdio do fotógrafo Félix
Nadar.

A pintura ao ar livre já havia começado a ser praticada por artistas mais progressistas quando a
fotografia estava por vir. É a partir desse conceito que surge a pintura impressionista.

Guiado pela pesquisa da luz sobre a natureza, um grupo de pintores, encabeçado por Claude
Monet, rejeitava as regras clássicas impostas pela Academia e buscava retratar, em ambiente
externo, a incidência da luz natural sobre os objetos ou sobre qualquer cena da vida real. Essa
captura demonstrava que qualquer desvio no ângulo dos raios solares implicava uma mudança de
cores e tons, concomitantemente.

Figura 29 – Canoa sobre o Epte, de Monet, 1890

Os ângulos inesperados e a espontaneidade dos fatos da máquina fotográfica influenciaram esses


pintores. Nesse contexto, a relação entre a pintura impressionista e a fotografia é evidente, visto que
os resultados obtidos seriam sempre diferentes ao retratar o mesmo cenário várias vezes, assim como é
impossível tirar duas vezes a mesma fotografia, pois as condições de luz são mutáveis e variam a cada
segundo.

A imagem captada pelo olhar do agente, seja ele fotógrafo ou pintor, é conceituada por Kossoy
(1989, p. 85) como resultado de uma visão subjetiva do autor, que, “selecionando culturalmente
29
Unidade I

e organizando esteticamente o fragmento do mundo visível para o registro, torna o testemunho


fotográfico o resultado de um ato criativo e individual”, e complementa:

Qualquer que seja o assunto registrado na fotografia, esta também


documentará a visão de mundo do fotógrafo. A fotografia é, assim, um
duplo testemunho: por aquilo que ela mostra da cena passada, irreversível,
ali congelada fragmentariamente, e por aquilo que nos informa acerca de
seu autor.

Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo


tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia
representa o testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará
sempre a criação de um testemunho (KOSSOY, 1989, p. 33).

Kossoy compara o fotógrafo a um filtro cultural, pois o registro visual é consequência da sua própria
atitude, ou seja, sofre influência de bagagem cultural, estado de espírito, ideologia, criatividade e
sensibilidade, além do talento e do intelecto, que acabam transparecendo nas imagens. Essa condição
complexa testemunha a visão de mundo do fotógrafo, e seu respectivo registro testemunha a atividade
criativa do autor, em que surge a manifestação artística.

Como toda manifestação artística também é testemunho histórico, o contexto cultural daquele
momento proporcionou muitas críticas e repulsa por parte dos críticos e do público diante dos quadros
impressionistas. Cansados de verem suas obras recusadas no Salão dos Artistas Franceses, os artistas
impressionistas se reuniram em 1874 e organizaram uma exposição no estúdio de Nadar, onde foram
chamados pelos críticos de “lunáticos”. Porém, muitos desses pintores gozaram ainda em vida da
aceitação por parte desse mesmo público. Os primeiros críticos voltaram atrás e retificaram seus erros,
gerando, além da perda de prestígio da classe, maior autonomia a muitos pintores para investir em
novas técnicas.

O movimento impressionista foi, portanto, a porta de entrada para a experimentação que tomaria
conta do cenário artístico do século XX.

Para o austríaco Ernst H. Gombrich (1909-2001), um dos mais reconhecidos historiadores e teóricos das
artes plásticas e visuais do nosso tempo, a fotografia vem assumir, a partir daí, a função da arte pictórica,
em que só “o pintor podia derrotar a natureza transitória das coisas e preservar o aspecto de qualquer
objeto para a posteridade” (GOMBRICH, 1988, p. 416). Isso causou um golpe na posição dos artistas:

Antes dessa invenção, quase toda pessoa que se prezava posava para
seu retrato, pelo menos uma vez na vida. Agora, as pessoas raramente se
sujeitavam a isso, a menos que quisessem obsequiar e ajudar um pintor
amigo. Assim sendo, os artistas viram-se cada vez mais compelidos a
explorar regiões onde a fotografia não podia acompanhá-los. De fato, a arte
moderna dificilmente se converteria no que é sem o impacto dessa invenção
(GOMBRICH, 1988, p. 416).
30
Fotografia – Princípios e Técnicas

Enquanto os artistas buscavam explorar novas técnicas que a fotografia não poderia
acompanhar, a fotografia tentava buscar o reconhecimento artístico, por meio de novas correntes
artísticas decorrentes do impressionismo, em meio à questão sobre a aceitação ou a rejeição da
fotografia como arte.

Os adeptos da interpretação começaram então a fazer experiências, recorrendo a técnicas intrincadas


de manipulação óptica, química ou até mesmo manual, como riscar as chapas ou a fotomontagem de
negativos, em uma tentativa frustrada de imitar a pintura, principalmente a impressionista.

Contudo, anos mais tarde, alguns fotógrafos constatavam que o resultado estético da fotografia não
nasceria de um valor tomado de empréstimo à pintura, e que só surgiria uma fotografia de alto nível
estético quando eles, deixando de se envergonhar por serem fotógrafos, e não pintores, deixassem de
recorrer à pintura para tornar a fotografia artística e buscassem reconhecer o valor estético dentro da
sua própria técnica.

Originou-se a partir desse pensamento uma elite que se denominava “artistas-fotógrafos” (KOSSOY,
1989, p. 87), dando ensejo ao nascimento do pictorialismo, que teve a inglesa Julia Margaret Cameron
(1815-1879) como uma de suas maiores expoentes.

Figura 30 – Fruits of the spirit, de Julia Margaret Cameron, 1864

Para Dubois (1993, p. 253), o movimento pictorialista é o ponto culminante da inversão da


questão da fotografia enquanto arte (para ele, “questão ultrapassada”), ou seja, a questão, a partir
dali, seria a da arte que se tornou fotográfica encarar “a arte contemporânea como marcada em
seus fundamentos pela fotografia”. O pictorialismo teria esgotado a questão que o século XIX não
cessara de se colocar.

“A fotografia é uma arte?” cessa, não só de ser colocada, mas até de ter um
sentido, isto é, também a partir do momento em que, aos poucos, se vai

31
Unidade I

tomar consciência, com mais ou menos nitidez, de que as relações entre


arte e fotografia sofreram uma reviravolta e em questão é doravante saber
se não foi a arte (contemporânea) que se tornou fotográfica (DUBOIS, 1993,
p. 253).

Observação

“Chamou-se pictorialismo um movimento fotográfico que perdurou até


1910 e foi uma tentativa mais séria dos fotógrafos para sua aproximação
com a pintura. Tendo sido um dos pontos altos da história da fotografia
das imagens de arte, o pictorialismo enfrentou as maiores dificuldades
técnicas na impressão de suas imagens em chapas de vidro que, após serem
trabalhadas e retocadas, manualmente, eram copiadas em papel fotográfico.
A própria cópia, também retocada à mão, produzia um resultado final para
ser datado e assinado; o negativo em vidro era destruído, de forma que a
finalização imagística continuasse única” (RAHDE, 2010, p. 261).

A fim de compreender como a arte se tornou fotográfica, Dubois (1993) aponta algumas formas
de vanguarda histórica desempenhadas pelos precursores da arte moderna, artistas que “trabalhavam
fotograficamente”, e não fotógrafos que “faziam arte”.

Marcel Duchamp (1887-1968), pintor, escultor e poeta francês, foi o principal desses precursores e
modelo da ruptura absoluta com a representação clássica, inclusive com suas formas revolucionárias,
como o impressionismo ou o cubismo. Toda a sua obra “pode ser considerada como ‘conceitualmente
fotográfica’, isto é, trabalhada por essa lógica do índice, do ato e do traço, do signo fisicamente ligado
a seu referente antes de ser mimético” (DUBOIS, 1993, p. 253).

Observação

Mimético, adjetivo oriundo de mimetismo, é a propriedade que têm


certas espécies vivas de confundir-se pela forma ou pela cor com o meio
ambiente, ou com indivíduos de qualquer outra espécie (BUARQUE DE
HOLANDA, 2004).

Na arte de Duchamp – celebrado por pintar bigodes na Gioconda, obra original de Da Vinci, a fim de
demonstrar seu desprezo pela estética clássica –, a fotografia inicialmente exercia forte influência em
suas formas cubistas e futuristas, fase que atravessou e para a qual nunca mais voltou, tendo sua última
pintura a óleo realizada em 1918.

32
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 31 – La Gioconda L. H. O. O. Q, de Marcel Duchamp, 1919

A partir daí, o ato fotográfico torna-se, para Duchamp, absolutamente essencial, unindo-se e
provocando sua própria arte, cujo traço referencial é a simples impressão de uma presença, como marca,
sinal, sintoma, por meio de decalques, moldagens, transportes ou dos ready-made, objetos utilitários
transformados que tinham o intuito de discutir o que era arte.

Incitar o pensamento, acender discussões e ridicularizar as concepções tradicionais sobre arte, pela
sua obra, foram objetivos manifestados triunfalmente pela alma provocadora do artista – apesar de
sempre ter negado ser um artista.

Duchamp tentou se aproximar da realidade do objeto criado, com sua própria identidade plástica
dentro de sua absoluta objetividade. Desprezou o movimento e o símbolo, contentando-se em
representar a ideia e a forma no espaço, por meio da geometria e da matemática. E, a fim de preservar
seu patrimônio cultural, mandou que fossem feitas ampliações fotográficas de suas obras em grandes
tamanhos, fazendo uso, inclusive, da impressão e, como interferência óptica, do cinema.

A obra de Duchamp representa o momento em que a arte, finalmente, virá extrair da fotografia
todas as possíveis vertentes de renovação de seus processos criativos.

Essa ruptura das vanguardas do princípio do século XX com a representação convencional originou-
se, sobretudo, da introdução de técnicas fotográficas e fotomecânicas na produção artística. A vanguarda,
fascinada pela mecanicidade, também vem introduzir a intenção interpretativa no mundo artístico.

As vanguardas deram uma contribuição histórica relevante para além de sua


mera proposta crítica ou técnica. Junto com os ready-made de Duchamp,
as obras vanguardistas inauguram a predominância da intenção linguístico-
-conceitual sobre a intenção estética. Por isso, muitos críticos consideram
as vanguardas como antecessoras do espírito pós-moderno da crítica, da
alegoria e do pastiche (FLORES, 2004, p. 97-8).
33
Unidade I

Sob esse aspecto, o teórico norte-americano Steve Connor considera impossível identificar traços
pós-modernistas a partir de uma visão puramente estética. O que sustenta a análise da arte, segundo
ele, é uma mudança de programa ou ideologia; acrescenta que “o modernismo artístico é definido,
em algum ponto entre a prática e a teoria, entre os objetos artísticos e as suas definições. O debate do
pós‑modernismo torna essa inter-relação ainda mais complexa” (CONNOR, 1993, p. 70).

Kossoy (1989) afirma que a fotografia, interpretada exclusivamente sob o prisma estético, não se
sustenta, pois ela não é somente uma forma de expressão artística. Segundo o autor:

Ela é, também, ao mesmo tempo, um meio de informação e comunicação a


partir do real e, portanto, um documento da vida histórica. Nesse sentido,
ela ultrapassa a abordagem puramente artística obrigando o historiador
a situá-la e interpretá-la em sua estética peculiar, porém num contexto
cultural mais amplo (KOSSOY, 1989, p. 84).

A abordagem sobre a questão da arte fotográfica veio atingir praticamente todas as correntes
artísticas da arte moderna que viriam a nascer a partir da fotografia e dos precursores vanguardistas
do início do século XX. O cubismo, o expressionismo, o dadaísmo, o surrealismo, todos esses
movimentos da arte moderna provavelmente tiveram a fotografia como influência direta, mas
seria no pós-modernismo que a fotografia, de fato, se tornaria arte, por meio da hiper-realidade
do contemporâneo.

2.2 Fotografia e pós-modernidade

As vanguardas artísticas ocidentais são consideradas a revolução cultural que, no contexto moderno,
vem determinar seu auge, no pós-moderno será seu ponto de partida.

Para expressar melhor esse momento de transição, e antes de analisá-lo como determinante para o
papel da fotografia contemporânea, observaremos os conceitos que determinam a pós-modernidade e
o debate instalado pelos estudiosos quanto às controvérsias sobre o tema.

Identificar um período pelo estilo de época dominado por um sistema de normas e padrões culturais
é, como afirma Proença Filho (1988, p.13), “uma questão de modulação e de gradação de espaços
semânticos que atende à nossa necessidade humana de dividir para compreender”.

Portanto, segundo o autor, estilos de época se desenvolvem dentro de um ciclo estético e


histórico‑cultural, contribuindo para designar o conceito de determinadas manifestações, como
“sementes de sua própria ultrapassagem” (PROENÇA FILHO, 1988, p. 13).

Ao analisar o período pós-moderno, como o início, os conflitos ou até mesmo sua inexistência, não
há como evitar associá-lo diretamente ao período moderno. É importante levar em consideração que
a pós-modernidade não deve ser entendida como uma época linear, mas como um conceito. Proença
Filho nos auxilia na tarefa de esclarecer os diferentes conceitos usados:

34
Fotografia – Princípios e Técnicas

O pós-moderno vem sendo associado a realidades também distintas: ora se


une ao tempo da história que segundo historiadores como Arnold Toynbee,
por exemplo, já estaria sucedendo à época moderna desde meados de 1875, a
época pós-moderna; ora a um estilo manifesto em várias artes nas três últimas
décadas, com maior ou menor ênfase em várias delas, o pós-modernismo; ora a
uma tendência da filosofia francesa contemporânea, a corrente pós-moderna ou
pós-estruturalista.

A pós-modernidade, por sua vez, pode ser entendida como a condição geral da
sociedade e da cultura, notadamente nos países desenvolvidos, na citada época
pós-moderna.

Pós-modernismo se entende basicamente como o estilo estético que vem se


desenvolvendo na segunda metade do século atual, ainda que, por vezes, o termo
apareça como sinônimo de pós-modernidade (PROENÇA FILHO, 1988, p. 12).

A Teoria Pós-Moderna, que nos permite falar sobre o pós-modernismo no âmbito cultural, divide
os estudiosos quanto aos limites ou até à existência desse período, tornando o debate crítico. Trata-se,
então, de uma prova da sua existência, e questionar floresce o discurso do pós-modernismo, torna-o
legítimo. O período ganha força na metade dos anos 1970, quando algumas disciplinas acadêmicas
começam a afirmar sua existência.

A legitimidade desse debate foi estabelecida em duas direções, efetuando


uma estereoscopia conceitual. Em primeiro lugar, cada disciplina produziu
provas cada vez mais conclusivas da existência do pós-modernismo em sua
própria área de prática cultural; em segundo, e realmente mais importante,
cada disciplina aproveitou progressivamente as descobertas e definições de
outras disciplinas (CONNOR, 1993, p. 14).

Connor (1993) – que estuda a presença do pós-modernismo na arquitetura, nas artes visuais, na
literatura, na TV, em vídeos, em filmes e na cultura popular – cita o pensador Jean-François Lyotard, autor
de A Condição Pós-Moderna, publicado em 1979. O estudo analisa o surgimento da interdisciplinaridade
criada a partir dessas descobertas e definições de cada disciplina, que fortalece a ideia de que uma nova
concepção de valores estava formada. A partir da obra de Lyotard, de grande sucesso crítico, surgem
as controvérsias, que viriam a produzir os debates pela legitimidade do pós-modernismo nos meios
acadêmicos até hoje e de forma limitada e previsível.

Portanto, as vanguardas vêm assumir, no contexto pós-moderno, uma radicalização do vanguardismo


e do experimentalismo observado no começo do século XX, traduzindo a inquietação da Europa daquele
momento. Insurgem-se contra as teorias e as lógicas, contra o passado, o presente e o futuro, justificando
a falta de perspectiva que assolou a sociedade diante da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Diante de conflitos de interesses e crises sociais, a primeira metade do século passado vê a


intensificação do progresso científico e tecnológico, em um momento de plenitude da Era da Máquina.
35
Unidade I

O auge da modernidade traz ao mesmo tempo seus primeiros prenúncios de exaustão, depois da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945).

A frustração e a descrença quanto ao processo de industrialização, outrora reverenciado como a


solução dos problemas sociais, caracterizam-se pelo processo de desumanização que acompanhou os
resultados da modernização. Proença Filho (1988, p. 35) nos dá uma síntese do que representou esse
período “cultural e socialmente multifacetado”:

Essa perspectiva pessimista, que, como assinalam pensadores como Adorno,


por exemplo, sempre esteve vinculada ao racionalismo modernizador, atinge,
na era da cultura de massa, o seu ponto de sombria exaustão. Frustrado diante
da realidade presente, sem esperanças de futuro, o homem contemporâneo
parece ter assumido a passividade do conformismo, a busca nostálgica do
passado e a ilusória assunção dos signos ideologizados, sobretudo com que
o alimentam os aparelhos de televisão.

O autor avalia os efeitos da produção e do consumo de massa e da tecnologia moderna a partir


do esgotamento verificado pelas mudanças relevantes na sociedade e na cultura, desenvolvendo-se a
chamada sociedade de consumo.

Na década de 1940, logo após a guerra, cidades inteiras sofriam com a escassez de alimentos, a
corrupção política florescia e os soldados mutilados na guerra retornavam às suas casas. E, diante da
morte de milhões de pessoas, a sociedade passa a considerar a Arte Abstrata fútil e superficial, passando
o movimento por um período de declínio.

Em meio à década de 1950, os sentimentos de atemporalidade, instabilidade, mutabilidade,


variabilidade, dispersão e perda de confiança se encontravam cada vez mais intensos no âmago da
sociedade. A sociedade de consumo desenvolvia-se junto ao declínio do conceito modernista.

Em 1960, surge o Novo Realismo, a aventura do objeto e da fotografia de Andy Warhol, aliado ao
crescimento rápido da chamada Pop Art.

Figura 32 – Triple Elvis, de Andy Warhol, 1964

36
Fotografia – Princípios e Técnicas

A Pop Art foi um movimento surgido nos Estados Unidos, nas décadas de 1950 a 1970, e tinha como
base a utilização de materiais e conceitos da cultura em massa, principalmente, a norte-americana.

A fotografia talvez tenha sido o suporte pós-moderno mais utilizado na Pop Art, revolucionando a
forma como era vista, já que o objetivo do movimento era desprestigiar as regras exigidas da sociedade
consumista e conservadora daquele período.

Esse movimento significou o deslocamento para os Estados Unidos como centro reconhecido da arte
contemporânea, iniciado após a Segunda Guerra Mundial, ainda que a Europa o tenha sido na primeira
metade do século XX.

O norte-americano Warhol (1928-1987), o mais radical dos vanguardistas pós-modernos, foi um


dos precursores do culto da impersonalidade: “Quero ser uma máquina!” (apud DUBOIS, 1993, p. 273),
repetia ele, e formalizou e encenou o objeto de consumo.

[...] o estereótipo, o já pronto, o clichê, o cotidiano (flores, latas de sopa,


Jackie, Marilyn, Elvis etc.); um interesse maior em tudo o que procede
do múltiplo, da transformação, da repetição: a reprodução é o assunto
do trabalho da Pop Art, [...] Warhol opõe com violência um princípio de
isolamento simples dos objetos, não agrupa, não associa, recorta, faz um
levantamento, separa elementos precisos e apresenta-os um a um, mesmo
se é em série, na evidência codificada de um demonstrado brutal, cru, seco,
despojado (DUBOIS, 1993, p. 273).

Warhol reproduziu também imagens chocantes retiradas de jornal, buscando demonstrar como a
repetição, possibilitada pelas técnicas de reprodução mecânica, podia deixar o público insensível em
relação ao conteúdo de uma imagem.

Figura 33 – Marilyn Diptych, de Andy Warhol, 1962

37
Unidade I

Dubois compreende que é privilegiada a relação entre a Pop Art e a fotografia: “Não é nem
simplesmente utilitária, nem estético-formal, é quase ontológica: essa última quase exprime a ‘filosofia’
da primeira. A Pop Art é um pouco a polaroide da pintura” (DUBOIS, 1993, p. 273).

Se a intenção de Warhol foi interacionada às questões sociais e políticas, ou somente às comerciais ou


estéticas, não se sabe; o que realmente se assimilou mediante sua obra foi a força objetiva do consumo
em massa em resposta ao avanço tecnológico dos meios repetitivos de comunicação. A fotografia é a
chave dessa comunicação de massa. Está na base do cinema e da televisão e é quase onipresente na
imensa indústria de tecnologia do visível.

O objeto de consumo, tão incansavelmente repetitivo por sua utilização não durável, transforma‑se
em objeto de desejo por meio de publicidade, marketing, design, embalagem, internet, TV, cinema e
praticamente todas as formas de mídia possíveis.

A fotografia se eleva então à categoria de veículo de comunicação, apresentando-se como


instrumento em diversas áreas da cultura de informação.

Para Proença Filho (1988), seduzir ao máximo o consumidor faz parte da trama do capitalismo para
garantir sua própria existência. Essa estratégia do sistema ele chama de estetização e personalização dos
objetos destinados ao consumo, e analisa:

As mercadorias são tratadas como seres humanos, ou são convertidas em


coisas marcadas de beleza excepcional e até em objeto de profundo apego
afetivo, sejam geladeiras, automóveis, máquinas de escrever, aparelhos
de televisão ou microcomputadores. Para isso contribuem técnicas de
envolvimento sedutor e valorizador, em que veículos publicitários têm
posição de relevo. Este processo veio-se revestindo e se reveste a cada
instante de maior sofisticação no afã de vender a abstração do status ou
mesmo o requinte da embalagem, mais do que as próprias mercadorias
(PROENÇA FILHO, 1988, p. 36).

A fotografia é uma das técnicas com a funcionalidade de revelar um mundo subjetivo em que o
consumidor compra a imagem, e não o produto: “o mundo real como se desmaterializa, converte-se em
signo; em simulacro” (PROENÇA FILHO, 1988, p. 36).

Na fotografia publicitária, por exemplo, depara-se, frequentemente, com a presença do mock-up


publicitário, ou seja, modelo ou protótipo elaborado muitas vezes em tamanhos e cores maiores e mais
fortes que os reais, impressos em embalagens ou cartazes, e feitos exatamente para atrair o consumidor
com suas formas exageradas e atrativas. O público é convidado a consumir um produto irreal.

Kossoy faz uma análise interessante da relação entre a fotografia e a publicidade. Segundo ele:

Dos ingênuos – para os olhos de hoje – “reclames” do passado e aos


sofisticados apelos da propaganda comercial moderna, a fotografia, que
38
Fotografia – Princípios e Técnicas

compõe juntamente com o texto a retórica da mensagem publicitária,


percorreu um longo caminho; sempre, porém, “produzida” segundo técnicas
de persuasão que visam, em última análise, levar o homem ao consumo
(KOSSOY, 1989, p. 88-9).

Sobre o papel irreal que a fotografia assume quando visa propagar um conceito, Kossoy (2002c)
afirma que a imagem torna-se real quando é veiculada pela mídia e consumida enquanto objeto. Ela se
torna uma realidade imaginada, uma segunda realidade, uma outra verdade, ou seja, uma trama a mais
que envolve a fotografia. Segundo o autor:

Mensagens sofisticadas carregadas dos mais ambíguos e sedutores apelos


na sua proposta de alcançar o maior consumo possível, uma proposta que
visa lucros não importando os meios – isto é real. A ficção é o artifício. A
morte, o último ato (KOSSOY, 2002c, p. 53-4).

Kossoy (2002c) acrescenta que o fotógrafo interfere na imagem desde a invenção da fotografia, seja por
meio de recortes, ao emitir ou ressaltar detalhes, ao incluí-la numa outra finalidade que não seja aquela para
a qual foi produzida, no intuito de dramatizar, deformar, valorizar a estética da fotografia.

Pode também o simulacro da fotografia recorrer à manipulação de imagens, especialmente digital,


por programas de computador, a fim de produzir efeitos que causem uma intensidade consumista
ainda maior. São como laboratórios de pós-produção digital capazes de desenvolver a criação de outras
realidades fotográficas.

Afirmando-se como tendência pós-modernista, surge, nesse ínterim, o hiper-realismo, corrente


artística que também aparece nos Estados Unidos entre 1960 e 1970, tendo a Pop Art como sua principal
influência. Utilizava-se, porém, da técnica fotográfica para a representação de temáticas sociais da vida
urbana cotidiana, dando menos ênfase aos objetos de consumo.

Seu objetivo não era a reprodução, mas uma representação da representação, por meio de imagens
demasiadamente em evidência, excessiva e exagerada. O artista projetava o slide na tela e pintava a
imagem em grande formato e, em vez de corrigir as imperfeições e distorções decorrentes da fotografia –
afinal, ela não reproduz o mundo exatamente real –, registrava a imagem da forma mais exata possível em
sua pintura. Dubois (1993, p. 274) aponta esse momento em que a arte, finalmente, torna-se fotográfica:

Poderíamos dizer que o hiper-realismo cria o original com base em uma


reprodução, ou ainda, se quisermos, que o hiper-realismo representa na
história das relações entre foto e arte o movimento exatamente inverso do
pictorialismo: aqui a pintura se esforça por tornar-se mais fotográfica que a
própria foto. O excesso de que se trata é o excesso da fotografia na pintura.

O hiper-realismo, como sugerem as obras do pintores americanos Chuck Close e Richard Estes,
este último considerado o fundador do movimento fotorrealismo, tinha como propósito reproduzir a
realidade com as mesmas fidelidade e objetividade da fotografia.
39
Unidade I

Figura 34 – Big Self-Portrait, de Chuck Close, 1968

Figura 35 – Downtown, Richard Estes,1978

O papel da fotografia no trabalho dos artistas, na maioria pintores, que viriam a constituir a arte
contemporânea, tem o reconhecimento como instrumento indispensável sob o ponto de vista técnico
e, sobretudo, simbólico. Segundo Dubois (1993, p. 278), “faz-se e pensa-se pela fotografia”, ou seja,
a fotografia, como objeto, já não existe mais, pois foi incorporada pela tela, transformando-se em
instrumento no processo.

A fotografia, cuja principal preocupação na modernidade era a originalidade do fotógrafo, atualmente


é considerada pelos críticos e historiadores de arte como técnica de expressão artística de múltiplas
possibilidades.

40
Fotografia – Princípios e Técnicas

O ensaio de Connor sobre a fotografia faz uma análise sobre o movimento centrífugo da fotografia
pós-moderna, destinando-a à inclusão de maiores relacionamentos e determinantes, em reação a uma
“autorreferência-estética” (CONNOR, 1993, p. 83), que seria o culto da imagem autônoma estetizada da
fotografia modernista. Segundo o ensaísta, essa reação vem encerrar a subjetividade do fotógrafo, visto
a imagem moderna ter sido explorada esteticamente e voltada para si, metaforicamente, representando
um estado de espírito do artista, e, em consequência, surge o culto da imagem pura e do autor.

A fotografia pós-moderna vem, portanto, reconhecendo a incerteza dos códigos culturais e


usufruindo dos vários usos culturais de massa da fotografia, criando, segundo Connor (1993, p. 83-4),
“formas fascinantemente visíveis do fetichismo contemporâneo da mercadoria”, dando, dessa maneira,
maior importância à intenção (percepção) do que à forma em si (estética).

A fotografia contemporânea mostra traços que apresentam a superação diante do culto dessa
autorreferência-estética, geralmente acompanhada de conotação social. O ataque ao culto da
personalidade autoral, por exemplo, busca refotografar fotografias clássicas, representando a obviedade
do plágio e um ataque aos conceitos capitalistas de propriedade e posse. Connor (1993, p. 85) conclui
sua posição diante da fotografia pós-moderna:

Portanto, a fotografia é uma instância especialmente reveladora do


combate entre o restrito campo modernista, que acentua a individualidade,
a pureza e a essência, e o ampliado campo pós-moderno que acolhe as
condições contingentes que acompanham a fotografia como prática social.
Não surpreende descobrir que a luta de definições na fotografia toma a
forma de uma miniaturização da luta sobre definições no campo da arte
como um todo, visto estar a fotografia na problemática extremidade da arte,
marcando o ponto em que é preciso defender a absorção da teatralidade, o
estético do não estético.

Connor (1993, p. 85) revela haver uma contradição naturalmente explicável entre o que, ainda,
representa a fotografia moderna e a pós-moderna: “a subjetividade heroica do fotógrafo‑artista”,
isto é, uma arte impessoal praticamente sem intervenção do artista – resistente aos aspectos
significativos e interpretativos –, contra uma arte repleta da personalidade do artista,
respectivamente.

A explicação se baseia no fato de o contemporâneo requerer ainda o culto da imagem pura e do


artista para combater a ameaça da fotografia como prática popular contra a fotografia artística superior:
“se qualquer um pode tirar fotografias, somente a pessoa inspirada ou especialmente dotada pode tirar
uma fotografia que afirme ser uma obra de arte” (CONNOR, 1993, p. 84).

Avalizada pelos veículos de informação de massa, a pós-modernidade assistiu à democratização do


computador e, consequentemente, à fotografia invadindo a mídia digital.

41
Unidade I

3 GÊNERO: JORNALÍSTICO E DOCUMENTAL

Se eu pudesse contar a história em palavras,


não precisaria carregar uma câmera.
Lewis Hine

Neste tópico, serão apresentados quatro gêneros da Fotografia. São eles: fotojornalismo,
fotodocumentarismo, fotografia antropológica e fotografia cultural. Os três primeiros já são renomados
e do conhecimento da maioria das pessoas, já o último é um gênero novo, que pode abranger diversos
estilos e que foi classificado em 2012, no projeto de doutorado da autora deste livro, a partir de uma
pesquisa que durou cinco anos.

3.1 Fotojornalismo

O fotojornalismo oferece credibilidade ao texto. Esse tipo de fotografia informa, denuncia, revela,
opina, expõe e mostra. Como o valor informativo vem em primeiro lugar, valores técnicos ou estéticos
acabam por ser secundários.

Para definir esse estilo, recorremos a um autor considerado como referência na área: Jorge Pedro
Souza, que é pesquisador e professor de jornalismo na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, em
Lisboa:

[...] leva-me a considerar, de forma prática, as fotografias jornalísticas


como sendo aquelas que possuem “valor jornalístico” e que são usadas
para transmitir informação útil em conjunto com o texto que lhes está
associado. O fotojornalismo é, na realidade, uma actividade sem fronteiras
claramente delimitadas. O termo pode abranger quer as fotografias de
notícias, quer as fotografias dos grandes projectos documentais, passando
pelas ilustrações fotográficas e pelos features (as fotografias intemporais de
situações peculiares com que o fotógrafo depara), entre outras. De qualquer
modo, como nos restantes tipos de jornalismo, a finalidade primeira do
fotojornalismo, entendido de uma forma lata, é informar (SOUSA, 2002,
p. 7, grifos do autor).

Como indica o autor, o fotojornalismo é uma atividade sem fronteiras claramente delimitadas,
podendo transitar por diversos caminhos, mas que se dirige a uma mesma finalidade: informar.

Segundo Sousa (1998), as primeiras manifestações do que viria a ser o fotojornalismo foram notadas
quando os primeiros entusiastas da fotografia apontaram a câmera para um acontecimento, tendo em
vista fazer chegar essa imagem a um público, com intenção testemunhal. O autor acrescenta, ainda,
que o primeiro daguerreótipo político publicado na imprensa foi o The Great Chartist Crowd, em 1848,
divulgado no The Sunday Times, uma reprodução sob a forma de gravura de madeira.

42
Fotografia – Princípios e Técnicas

Lembrete

Conforme visto anteriormente, no dia 21 de janeiro de 1897, o New


York Tribune, nos Estados Unidos, publicava a primeira fotografia impressa
da história do jornal.

A fotografia é usada como news medium (mídia), entrando na história da informação desde 1842,
embora não se possa afirmar com propriedade sobre a existência de fotojornalismo nesse período, pois
os processos de reprodução necessários só foram desenvolvidos depois.

Sousa (1998, p. 12) nos auxilia:

Aliás, o fotojornalismo necessita de processos de reprodução que só se


desenvolvem a partir do final do século XIX — até meados do século passado,
desenhadores, gravuristas e gravuras de madeira eram intermediários entre
fotógrafos e fotografias e os leitores. De facto, a publicação directa de
fotografias só se tornaria possível com as zincogravuras, que surgiriam ao
virar do século. Até essa altura, a tecnologia usada envolvia papel, lápis,
caneta, pincel e tinta para desenhar; depois, tornava-se necessário recorrer
a madeira, cinzéis e serras para criar as gravuras.

Diversos são os suportes atuais em que temos a presença do fotojornalismo, desde jornais e
revistas até exposições e boletins de empresas, não se restringindo somente a veículos impressos,
tendo uma significação também nos meios digitais, como sites e blogs.

Observação

“São várias as definições para a palavra blog. O termo surgiu pela


primeira vez em 1997, quando o americano John Barger chamou sua
página pessoal na internet de weblog – em uma tradução direta, ‘registro
na rede’. Hoje, diversos autores tentam determinar o vocábulo. [...] Os blogs
costumam ser temáticos. Há os pessoais (nada mais que o retrato diário
da vida do autor), jornalísticos, políticos, corporativos e tecnológicos.
Existem ainda os que falam de saúde, beleza, celebridades, esportes e
viagens” (OLIVEIRA, 2007, p. 14).

Apresentamos, a seguir, imagens marcantes e significativas dos ataques do Primeiro Comando da


Capital (PCC), ocorridos em maio de 2006, nas páginas dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo. Inúmeras fotos preencheram, informaram e ilustraram jornais e revistas da capital e de algumas
cidades do interior do Estado. As pessoas tiveram medo de sair às ruas, evitavam sair à noite e houve até
uma espécie de “toque de recolher”.

43
Unidade I

Entre as fotografias apresentadas, temos duas da capa da Folha de S. Paulo, duas do caderno
Cotidiano, da mesma publicação, e duas da capa do caderno Cidades de O Estado de S. Paulo. A escolha
das imagens, tanto de capa como dos cadernos internos, explica-se pela dimensão das imagens e pela
sua gama de informações.

Figura 36 – Capa da Folha de S.Paulo (19/05/2006). Foto: Figura 37 – Capa do caderno Cidades de O Estado de S.
Diego Padgurschi Paulo (21/05/2006). Foto: Sebastião Moreira

Figura 38 – Caderno Cotidiano, p. C3, da Folha de S.Paulo Figura 39 – Capa da Folha de S.Paulo (18/05/2006). Foto:
(20/05/2006). Foto: André Porto Divaldo Moreira

44
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 40 – Caderno Cotidiano, p. C10 e C11, da Folha de Figura 41 – Capa do caderno Cidades de O Estado de S.
S. Paulo (16/05/2006). Fotos: repórteres fotográficos da Paulo (16/05/2006). Foto: Filipe Araújo
Folha Imagem

Percebe-se que os dois veículos cumpriram o seu papel de informar o leitor. Nota-se o valor
jornalístico dessas fotografias estampadas nos jornais. Ambos expuseram um panorama bem claro da
atual situação, mostrando os vários ângulos, como pessoas e espaços físicos envolvidos.

Apresentamos agora uma série de fotos jornalísticas, porém de um segmento mais leve: a presença das
imagens em blogs de destinos turísticos. Nesse caso, as mesmas imagens podem estar a serviço tanto da
fotografia jornalística como da publicitária, ou de outro gênero, dependendo do seu uso e associação.

Figura 42 – Blog Fatos & Fotos de Viagens

45
Unidade I

Figura 43 – Blog Giramundo

Figura 44 – Blog Caverna da Morcega

As fotografias de blogs também têm a intenção de informar o leitor por meio das imagens. No caso
dos blogs turísticos, elas são, em sua maioria, imagens de detalhes ou de paisagens.

Com o aparecimento da fotografia digital, na virada do século, os blogs deram um impulso criativo
aos antigos diários em que tínhamos textos e imagens coladas. Nascem aí os blogs para postagens de
fotos de viagens, semelhantes aos diários, porém de fácil acesso e disponibilização aos familiares e
amigos, e diferentes dos fotologs, que se destinavam apenas às postagens de fotos.

46
Fotografia – Princípios e Técnicas

Para Sousa (2002, p. 5), a comunicação tem ligação direta com esse tipo de fotografia. Acrescenta:
“[...] O domínio das linguagens, técnicas e equipamentos fotojornalísticos é, assim, uma mais-valia
para qualquer profissional da comunicação [...]”. Com o avanço da tecnologia, é imprescindível a esse
profissional ter conhecimento e domínio sobre o uso da fotografia nos diferentes meios.

Compartilhamos também da ideia de Severino (2001, p. 79), quando define o fotojornalismo como
uma estrutura não isolada, que, apesar de autônoma, articula-se com outras estruturas: “[...] seja esta a
legenda que a acompanha ou o artigo que ela ilustra.” Apesar de concorrentes, elas não se confundem,
pelo contrário, complementam-se.

Como podemos exemplificar na figura a seguir, na qual podemos observar uma criança tomando
banho dentro de um balde sobre um bloco de concreto. Ao lado, temos uma cadeira de fios plásticos e,
abaixo, uma caixa d’água fechada. O balde e a caixa são elementos antagônicos.

Observação

As três imagens que apresentaremos a seguir foram publicadas no


jornal Folha de S. Paulo, no mesmo dia, com destaques diferenciados. Todas
fazem referência à mesma temática: uma enchente ocorrida no Maranhão
em 2009.

Figura 45 – Criança tomando “banho de caneca”. Foto: Fernando Donasci

Como diz Severino (2001), a imagem e o texto se complementam, seja com a legenda (texto que a
acompanha), seja com o título da matéria. No exemplo, a foto tem um grande destaque, já que é uma
imagem de capa, e está diretamente ligada à reportagem a respeito da enchente. O plano da fotografia
é médio, e a foto foi tomada na vertical, o que dá a sensação de movimento.

47
Unidade I

Existem diferentes enquadramentos, separados em grupos. São eles: plano-geral, plano médio,
primeiro plano e plano de detalhe.

A figura a seguir foi publicada no alto da página, ao lado do logotipo do jornal, nomeada como
“chamada de caixa”, que é um jargão jornalístico.

Figura 46 – População busca água potável em bebedouros públicos. Foto: Fernando Donasci.

Podemos observar que a imagem, num primeiro plano, nos apresenta uma parede com várias
torneiras e, num segundo plano desfocado, vários galões de água sendo cheios. Um detalhe que chama
a atenção é um senhor olhando em direção ao fotógrafo. O ângulo utilizado é o normal, e o plano
utilizado é o médio.

Os leitores de uma imagem, segundo Kossoy (1989, p. 23),

[...] reagem de formas totalmente diversas – emocionalmente ou


indiferentemente – na medida em que tenham ou não alguma espécie de
vínculo com o assunto registrado, na medida em que reconheçam ou não
aquilo que veem (em função do repertório cultural de cada um), na medida
em que encarem com ou sem preconceitos o que veem (em função das
posturas ideológicas de cada um).

Dessa maneira, pessoas reagem diferentemente quando têm ligação direta ou indireta com o
conteúdo daquelas imagens expostas, sensibilizando mais algumas delas, por já terem vivenciado tais
situações, por exemplo.

A imagem em preto e branco apresentada a seguir mostra o reflexo de uma mulher na água de uma
caixa d’água. A foto está inserida no meio de uma reportagem.

48
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 47 – Mulher tem rosto refletido em água de caixa d’água

A fotografia foi tomada em primeiro plano ou plano de detalhe, ambos estão corretos. Sua tomada
é vertical para valorizar um melhor enquadramento para a caixa d’água. A imagem em preto e branco
normalmente traz mais drama à cena.

Para uma fotografia jornalística ter qualidade, ela precisa unir a força da notícia à força visual.
Enveredam-se aí pela intuição e pelo sentido de oportunidade do fotógrafo.

Segundo Vieira (2012, p. 46),

O fotojornalista deve estar constantemente se atualizando, afinal ele tem


um desafio diferente a cada momento, às vezes vários no mesmo dia, pois
tem pautas a cumprir, das quais só se inteira quando chega à redação. Para
isso ele precisa usar sua intuição, sensibilidade nas oportunidades que lhe
aparecem. É necessário também que o profissional esteja sempre em busca
de novos ângulos nas cenas cotidianas com que se depara, principalmente
em cenas de entrevistas coletivas, em que o espaço para atuação é ínfimo.

Outro momento difícil para o fotojornalista é quando ele precisa compor imagens no frenesi de
determinada situação, como ocorre em coberturas de greves, manifestações, guerras, grandes eventos
etc. Nesses casos, é comum encontrar ânimos alterados, e cabe a ele, por meio de sua intuição e
experiência, discernir o “instante decisivo”, que, para Henri-Cartier Bresson (1908-2004), significa o
momento fundamental de alguma situação qualquer (CARTIER-BRESSON, 1952). O fotógrafo via, na
fotografia, uma nova plasticidade. Bresson nasceu na França, morou em diversos países, realizando
ensaios fotográficos, e ficou mundialmente conhecido por trabalhos publicados na revista Life Magazine,
entre outras.

49
Unidade I

Independentemente do caminho percorrido pelo fotojornalista para fazer sua imagem, ele precisará transmitir,
pela mensagem fotográfica, o sentido que deseja. Segundo Sousa (2002), a fotografia ajuda a credibilizar a
informação textual. Assim, entendemos que no fotojornalismo há uma grande sintonia entre fotografias e textos.

Baynes (1971) sugere que o aparecimento do primeiro tabloide fotográfico,


o Daily Mirror, em 1904, marca uma mudança conceptual: as fotografias
deixaram de ser secundarizadas como ilustrações do texto para serem
definidas como uma categoria de conteúdo tão importante como a
componente escrita (SOUSA, 2002, p. 13).

Observação

A revista de fotojornalismo Life Magazine foi fundada em 1936 por


Henry Luce, também responsável pela criação da revista Time.

Segundo Severino (2001, p. 188):

Como objeto prenhe de experiências humanas e de vontades contraditórias,


ela se insere na pauta dos jornais, não apenas como ato de vontade
individual e isolada, do fotógrafo, mas, fundamentalmente, como parte
de um planejamento burocrático que, ao dirigir sua força comunicativa
para determinados objetivos, pode esvaziá-la. Nesse esvaziamento, aliena
a vontade de experiência em prol de realização de metas preestabelecidas.

Quando a autora coloca que ocorre um esvaziamento de sentido, ela se refere ao fato de que, muitas
vezes, no fotojornalismo, a fotografia está a serviço de uma meta já preestabelecida e burocrática,
vindo até mesmo a mudar a intenção primeira do fotógrafo. Esse fato já não é uma constante no
fotodocumentarismo, que trabalha por outro viés de comunicação e identidade.

Saiba mais

Sugerimos a leitura da seguinte revista digital:

FOTO GRAFIA. Balneário Camboriú: Lapis Comunicação e Cultura, 2009-


2012. Produção independente e colaborativa. Disponível em: <http://www.
revistafotografia.com.br/>. Acesso em: 8 maio 2014.

3.2 Fotodocumentarismo

A fotografia, desde o seu nascimento, é usada como fonte de conhecimento e documentação. Por
ser tão próxima à realidade, atinge uma semelhança que a pintura não alcança.
50
Fotografia – Princípios e Técnicas

Chamamos de fotodocumentarismo um conjunto de imagens em sequência, com conhecimentos e


significados que contam uma história. Tem como precursores John Thomson, Jacob Riis e Lewis Wickes
Hine. Os indícios do que viria a ser o fotodocumentarismo foram: fotografia de viagens, documentação
fotográfica da conquista do Oeste – nos EUA –, levantamentos etnográficos dos índios norte-americanos
e curiosidades etnográficas, entre outros.

O escocês John Thomson (1837-1921) foi o primeiro fotodocumentarista social, que se preocupou
com alguns temas, como a fome, conflitos étnicos e religiosos, guerras etc., questões até então
desconhecidas em algumas partes do mundo. As imagens a seguir são de autoria de Thomson:

Figura 48 – London Cabmen, de John Tomson Figura 49 – Old Furniture, de John Tomson

De acordo com Boni (2008, p. 2), “este tipo de segmento fotográfico, seria uma atividade de
fotógrafos ‘empenhados’ em modificar uma determinada realidade, procurando instigar a vergonha e
o acanhamento pelas injustiças”.

Saiba mais
Indico a obra a seguir, que faz parte de uma coleção de livros que traz
imagens clicadas por diferentes fotógrafos consagrados:
ROSENBLUM, N. Photo poche: Lewis W. Hine. Paris: Centre National de
La Photographie, 1999. (Coleção Photo Poche, n. 50).

Lewis Wickes Hine (1874-1940), sociólogo norte-americano, expôs à opinião pública as péssimas
condições de trabalho em que os metalúrgicos se encontravam. Foi muito influenciado pela estética
pictorialista e apresentou também, por meio de suas fotografias, as condições desumanas da exploração
da mão de obra, especialmente a infantil.
51
Unidade I

Lembrete
Como vimos anteriormente, “chamou-se pictorialismo um movimento
fotográfico que perdurou até 1910 e foi uma tentativa mais séria dos
fotógrafos para sua aproximação com a pintura” (RAHDE, 2010, p. 261).

Hine realizou uma importante pesquisa que resultou em dois livros sobre o assunto: Child Labour
in the Carolinas (1909) e Day Laborers Before Their Time (1909). Viajou por um período de 12 meses,
aproximadamente, fotografando crianças pelos Estados Unidos. Na verdade, ele foi também uma espécie
de investigador, pois fotografava as fábricas e as crianças que nelas trabalhavam para depois denunciar
e mostrar ao mundo as condições que ali se apresentavam. Em 1916, o Congresso finalmente aprovou a
legislação de proteção às crianças.

Figura 50 – Manuel, um catador de camarões do Mississipi, Figura 51 – Fiadora em fábrica de algodão


com cinco anos de idade inglesa (North Pownal, Vermont, 1910)

Figura 52 – Meninos em uma mina de carvão na Figura 53 – Oficina de meninos na Ethical Culture
Pensilvânia School, em Nova York (1907)

52
Fotografia – Princípios e Técnicas

Saiba mais
Os audiovisuais a seguir podem propiciar uma inter-relação com os
conteúdos da unidade:

Pesquise na internet os materiais audiovisuais:

LA MOSTRA fotografica “Infanzia Rubata” di Lewis Hine. Reportagem:


Magda Bersini. Imagens: Gabriele Tomasin. Ivrea: Obiettivo News. 2 minutos
e 57 segundos. Reportagem.

LEWIS Hine: el lado visual de la educación. Espanha: Centro de Medios


Audiovisuales (Cemav); Universidad Nacional de Educación a Distancia
(Uned). 21 minutos. Disponível em: <http://www.canal.uned.es/mmobj/
index/id/7810>. Acesso em: 12 maio 2014.

O dinamarquês Jacob Riis (1849-1914) fotografou e documentou a vida de imigrantes e indigentes


nos bairros pobres de Nova York. Ele acreditava que, se suas fotografias estivessem imbuídas em artigos
com textos denunciativos, poderiam ajudar os necessitados, fazendo-os serem vistos.

Segundo Boni (2008, p. 6):

[...] Ele chocou a sociedade ao mostrar as precárias condições de vida dos


imigrantes, especialmente os latinos, que viviam em cortiços, sem nenhuma
condição de higiene. Buscou – e conseguiu – ajudá-los. A sociedade se
mobilizou e exigiu das autoridades providências para amenizar as dificuldades
dessa população. Diversos conjuntos residenciais foram construídos, com
infraestrutura, luz e saneamento básico, além de parques e áreas de lazer.

Segundo Vieira (2012, p. 53):

Riis iniciou sua carreira como repórter, mas a condição de imigrante o


aproximou da fotografia, pois sentiu necessidade de mostrar a miséria
existente, não muito longe de onde viviam as classes mais altas. Assim, teve
êxito como fotodocumentarista de denúncia social. A fotografia de guerra
e de pequenos eventos foi consagrada na época pela imprensa, porém o
mesmo destaque não foi dado ao fotodocumentarismo.

Ambos os autores nos trazem contribuições sobre Jacob Riis e sua tentativa falida de publicar suas
fotos na imprensa. Riis queria ir um pouco além de seus precursores; não desmerecendo aqui as inúmeras
e riquíssimas publicações em álbuns (livros), queria associar suas imagens aos textos dos jornais, pois via
aí uma parceria fundamental.

53
Unidade I

Sousa (2002) entende que, de forma ampla, o fotodocumentarismo pode reduzir-se ao fotojornalismo,
já que ambos usam a imprensa como meio de divulgação e têm a intenção de informar, documentar etc.
Entretanto, em sentido restrito, por vezes, distingue-se um estilo do outro pela tipologia do trabalho.

Figura 54 – A família deste descarregador de carvão vivia em apartamentos populares,


conhecidos como Poverty Gaps. Foto: Jacob Riis

Figura 55 – Passageiros das piores acomodações pegam ar fresco no deck


do navio S.S. Pennland, em 1893. Foto: Jacob Riis

De acordo com Vieira (2012, p. 55):

O fotodocumentarismo trabalha com projetos fotográficos, requer mais


tempo de elaboração e gestação e não precisa obedecer a uma pauta.
Quando há um determinado acontecimento, o fotojornalista circunscreve
o seu trabalho à descrição e à narração fotográfica do acontecimento em
causa, já o fotodocumentarista procura registrar em suas fotos a forma como
esse acontecimento afeta as pessoas. Sousa (1998, p. 8) afirma que ambos
os gêneros contam uma história em imagens e que o fotodocumentarismo
de compromisso social, cujos temas ainda hoje são referenciais para o
fotojornalismo, vem dar crédito à ideia de que este estilo não é uma
ramificação deste segmento, como pensam alguns pesquisadores, mas,
caracteriza-se como um estilo próprio.
54
Fotografia – Princípios e Técnicas

No Brasil, temos um grande representante do fotodocumentarismo: Sebastião Salgado, nascido


em Minas Gerais, Aimorés, em 1944, e formado em economia. Também é considerado um dos mais
respeitados fotojornalistas da atualidade e desde o início se dedicou a retratar os que estavam à margem
da sociedade.

Publicou diversos livros fotográficos, dentre eles citaremos três mais conhecidos. Trabalhadores
(1996) foi publicado com material relacionado à documentação do trabalho manual pelo mundo todo. A
Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo, ambos publicados em 2000 e reconhecidos internacionalmente,
Salgado se dedicou por seis anos, de 1993 a 1999, documentando o desalojamento em massa pelos
quarenta países pelos quais passou. Passado um ano, em 3 de abril, o fotógrafo foi indicado para ser
representante especial da Unicef.

Observação

“A Unicef – traduzindo de seu significado na língua inglesa: Fundos das


Nações Unidas para a Infância – é uma instituição originária da Organização
das Nações Unidas; ela tem como meta proteger os direitos infantis,
procurar oferecer soluções às suas carências elementares e promover seu
desenvolvimento integral” (SANTANA, [s.d.]).

Em suas viagens, enquanto preparava material fotográfico para Êxodos, uma situação era sempre
análoga: encontrava crianças por toda parte, e todas que encontrava eram “loucas para serem
fotografadas”. Ele descreve na introdução de seu livro Retratos de Crianças do Êxodo:

Em toda situação de crise, seja de guerra, miséria ou desastre natural, as


crianças são as maiores vítimas. Mais fracas fisicamente, são sempre as
primeiras a sucumbir à fome ou à doença. Emocionalmente vulneráveis, não
têm condições de compreender por que estão sendo expulsas de suas casas,
por que os vizinhos passaram a atacá-las, por que foram viver numa favela
cercada de detritos ou num campo de refugiados cercados de dor. Isentas
de responsabilidade pelos próprios destinos são, por definição, inocentes
(SALGADO, 2000, p. 7).

Desse livro de muito sucesso, que traduzia beleza e tristeza ao mesmo tempo, trouxe uma belíssima
exposição a São Paulo, no Sesc Pompeia. Esse livro nos deixa uma pergunta que o próprio Salgado (2000
p. 7) nos faz: “Como é possível uma criança sorridente representar o infortúnio mais profundo?”.

Veremos agora uma pequena mostra das imagens do livro de Sebastião Salgado, no qual ele retrata
crianças de diferentes países, porém em situações semelhantes, de crise.

55
Unidade I

Figura 56 – Acampamento de sem-terra em Rio Bonito do Figura 57 – Campo de Kamaz, em Mazar-e-Sharif, para
Iguaçu (Paraná, Brasil, 1996) afeganes deslocados (Afeganistão, 1996)

Figura 58 – Campo de Polhó para índios zapatistas Figura 59 – Campo Quilômetro 42 de Biaro para
deslocados (Chiapas, México, 1998) refugiados hutu ruandeses, entre Ubundu e Kisangani
(Zaire, 1997)

Figura 60 – Campo de Shamak, em Puli Khumri, para Figura 61 – Centro para revitalização cultural dos índios
afeganes deslocados (norte do Afeganistão, 1996) Macuxi em Maturuca (Roraima, Brasil, 1998)

56
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 62 – Campo de Sakhi para refugiados do Figura 63 – Campo de Sakhi para refugiados do
Tadjiquistão (norte do Afeganistão, 1996) Tadjiquistão (norte do Afeganistão, 1996)

Figura 64 – Filha de sem-terra num acampamento em Barra do Onça (Sergipe, Brasil, 1996)

Os temas que são abordados pelos fotodocumentaristas são intemporais, assuntos relacionados com
a vida e que tenham significado para o homem (SOUSA, 2002).

Esta noção ampliou o leque de temas fotografáveis no campo do


fotodocumentalismo, já que, nos tempos em que a actividade dava os
primeiros passos, a ambição fotodocumental se direccionava unicamente
para os temas estritamente humanos. A tradição do fotodocumentalismo
social, aliás, permanece bem viva (SOUSA, 2002, p. 9).

Esse leque temático se expandiu, principalmente com as contribuições de Hine e Riis, dando início
ao nascimento do fotodocumentarismo moderno, e posteriormente com o trabalho dos fotógrafos da
Farm Security Administration:

[...] FSA, que foi o primeiro grande projeto de fotodocumentarismo


que se desenvolveu nos anos 30-40 nos Estados Unidos. Projeto este
57
Unidade I

que documentou a recuperação econômica da América durante a


implementação das políticas do New Deal, do Presidente Roosevelt.
FSA era um programa de ajuda financeira aos agricultores que tinham
perdido suas terras durante o período de depressão econômica. O
responsável pela administração deste projeto foi Roy Emerson Stryker
(1893‑1975), que reuniu os melhores fotógrafos americanos: Walker
Evans (1903‑1975), Dorothea Lange (1895-1965), Ester Bubley
(1921‑1998), Arthur Rothstein (1915-1985), Russell Lee (1986-1903),
Jack Delano (1914-1997), entre outros. As fotos foram publicadas na
revista Life e divulgadas por meio de exposições (VIEIRA, 2012, p. 55-6).

Dorothea Lange foi a fotógrafa americana que mais contribuiu com imagens para documentários
do século XX, tendo participado de diversos projetos. Inclusive, em 1935, juntou-se à Farm Security
Administration (FSA) e percorreu vinte e dois estados do Sul e do Oeste dos Estados Unidos, elaborando
imagens que documentavam o impacto da Grande Depressão na vida dos camponeses.

Observação

Entre 1933 e 1937, foi implementada nos Estados Unidos uma série de
programas que recebeu o nome de New Deal (Novo Acordo), inspirado no
Square Deal (Acordo Justo).

Vieira (2012, p. 57) complementa:

Suas fotos, na maioria, mostram mulheres mergulhadas na miséria e que,


através das lentes, jamais perderam a dignidade. Dorothea Lange nasceu em
Hoboken, New Jersey, em 1895, e morreu em São Francisco, Califórnia, em
1965. “Migrant Mother”, de sua autoria, é a fotografia mais famosa saída
da FSA e uma das mais reproduzidas na história da fotografia, tendo sido
estampada em mais de dez mil publicações.

Figura 65 – Migrant Mother, de Dorothea Lange (Nipomo, Califórnia, 1936)

58
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 66 – Daughter of Migrant Tennessee Coal Miner (filha de um mineiro de carvão


migrante de Tennessee, em tradução livre), de Dorothea Lange (1936)

Walker Evans, fotógrafo americano, fez uma série de fotos entre 1938 e 1941. Ele fotografava
escondido no metrô de Nova York, pois, desde aquela época, era proibido registrar imagens sem
permissão. Ficou famoso pelas imagens que fez, pois elas retratavam a devastação econômica
e moral da Grande Depressão nos Estados Unidos na década de 1920. O profissional usava a
fotografia como um manifesto contra a miséria em que viviam os agricultores americanos,
registrando o cotidiano com precisão e dignificando, apesar de tudo, a pobreza na qual esses
agricultores viviam.

Sousa (1998, p. 30) faz referência à intenção dos fotógrafos:

Por vezes, exploram um determinado frame, isto é, um enquadramento


contextualizador no processo de produção de sentidos, como é notório nos
fotógrafos do “compromisso social”, que tinham uma intenção denunciante
e reformadora, que as fotos deviam consubstanciar, atingindo mesmo
os que não queriam ou não sabiam ver. Se em Thomson esta tendência
não é totalmente visível, com Riis, Hine e o Farm Security Administration
já se evidencia essa preocupação denunciante, embora talvez um pouco
constrangida no FSA.

E é esta intenção denunciante e reformadora que traz à tona, pelo fotodocumentarismo, uma nova
motivação que a fotografia do século XX irá propiciar. Tratava-se de conhecer o outro, saber como ele
vive, o que pensa e como vê o mesmo mundo por um ângulo diferenciado.

59
Unidade I

Figura 67 – Subway Portrait, de Walker Evans (1938-41)

Figura 68 – Subway Portrait, também de Walker Evans (1938-41)

Figura 69 – Bud Fields and his Family, Hale County, Alabama, de Walker Evans (verão de 1936)

60
Fotografia – Princípios e Técnicas

4 GÊNERO: ANTROPOLÓGICO E CULTURAL

4.1 Fotografia antropológica

A Antropologia tem em sua raiz o estudo sobre o homem. Podemos dizer que, numa visão simplista
do conceito de fotografia antropológica, a relação está no que o antropólogo consegue extrair de
uma imagem, pois ela possui, na maioria das vezes, informações visuais significativas e uma vasta
gama de representações. Vieira (2012, p. 9) nos diz: “Assim algumas fotografias podem ser de interesse
antropológico sem terem sido produzidas com essa intenção”.

Observação

A antropologia é o estudo do homem como ser biológico, social e


cultural. O conhecimento antropológico é organizado nas seguintes áreas:
antropologia física ou biológica, antropologia social, antropologia cultural
e arqueologia.

A fotografia antropológica está ligada ao filtro cultural de seu autor, ou seja, à bagagem cultural que
o fotógrafo possui, e ele não precisa necessariamente ser um antropólogo.

Para Edwards (1996, p. 24):

Basicamente uma fotografia antropológica é qualquer uma da qual um


antropólogo possa retirar informações visuais úteis e significativas. A
essência definidora de uma fotografia antropológica não é seu assunto,
mas a classificação do conhecimento ou realidade feita pelo usuário, que a
fotografia parece transmitir.

Dessa maneira, Edwards (1996) compartilha a ideia de que, para a classificação do termo, o mais
importante não é se determinada fotografia foi feita por um fotógrafo profissional ou por um antropólogo.
O que é relevante é a classificação do conteúdo que existe na imagem, e, para isso, o fundamental é
que a pessoa que tirou a fotografia tenha conhecimento da realidade que está fotografando, o que
transparecerá na imagem final.

Assim, Andrade (2002) propõe unir o olhar fotográfico ao olhar antropológico quando defende a
ideia de que é possível pensar a antropologia como uma comunhão de técnicas, visões e experiências
na busca da criação e do conhecimento. A autora ressalta ainda que devemos aprender a olhar para
as diversidades culturais, independentemente de sermos ou não antropólogos, pois ainda não sabemos
como olhar para as mudanças, as desigualdades, os preconceitos etc.

Foram precisos alguns anos para que eu entendesse os olhares cruzados


entre a fotografia e a antropologia. Meu processo de percepção ao
fotografar assemelha-se ao observador na antropologia – olhar amplo e
61
Unidade I

pequeno. Perceber o outro, as diferenças do outro e registrá-las, isso sempre foi


para mim uma tarefa da fotografia. O antropólogo é um fotógrafo que escreve
aquilo que vê – e muito pouco fotografa. E a pergunta de Etienne Samain (1987)
vem complementar a reflexão: “o antropólogo não pode escrever com a imagem
sobre o assunto de sua dissertação ou tese de doutorado?” (2002, p. 18-9).

Observação

Etienne Samain: antropólogo e professor do Departamento de


Multimeios do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).

Andrade (2002, p. 27) manifesta-se, em diversos momentos, sobre o olhar: o olhar atento, cuidadoso,
meticuloso e até selvagem, e comenta a respeito de uma frase que aparecia nos muros da PUC/SP
(Pontifícia Universitária Católica de São Paulo), há alguns anos: “Ver com olhos livres” (frase presente
em pichação anônima nos muros da PUC-SP. Sem data. Nota da autora). Assim, quando um pesquisador
se torna participante do local pesquisado, ele passa a vivenciá-lo e a pertencer a ele. O olhar selvagem é
um olhar desprovido de preconceitos, é um olhar de quem sabe que deve ser cauteloso, silencioso, para
poder apreciar sua caça, estando assim aberto à afetividade e às fronteiras do inconsciente e da loucura.

Flusser (2002, p. 29) também compartilha dessa ideia quando afirma:

Quem observar os movimentos de um fotógrafo munido de aparelho (ou


de aparelho munido de fotógrafo) estará observando movimento de caça.
O antiquíssimo gesto do caçador paleolítico que persegue a caça na tundra.
Com a diferença que o fotógrafo não se movimenta em pradaria aberta, mas
na floresta densa da cultura.

O autor faz uma comparação significativa para este estudo, pois relaciona o fotógrafo ao aparelho
(no caso, a câmera) e à caça, envoltos numa densa cultura. Essa tarefa não é fácil, pois, ao fotografar, o
fotógrafo avança contra as intenções de sua cultura.

Compartilhamos da ideia de Morin, quando afirma:

[...] embora o conhecimento permaneça inscrito em uma sociedade, em


uma cultura e um tempo, ele pode buscar nessa sociedade, nessa cultura e
nesse tempo, meios de considerar outras culturas, outras sociedades, outros
tempos, assim como os meios de refletir sobre si mesmo sob o ponto de vista
dessas outras culturas (MORIN, 2008, p. 56).

Dessa maneira, além de romper com as barreiras entre as culturas, pode-se enxergar além do
tempo atual e da sociedade, transparecendo nas imagens não apenas situações que mais tarde serão
consideradas de uma determinada época e cultura, mas também podendo ser atemporais.
62
Fotografia – Princípios e Técnicas

Vieira (2012, p. 62) complementa: “Analisando a relação da fotografia com a antropologia e a


etnografia, percebemos que a fronteira entre as duas é ínfima. A investigação antropológica nasce junto
com a necessidade dos fotógrafos de documentarem o desconhecido”.

Freund (1974, p. 82) coloca que as pessoas deixam de ser retratadas individualmente para se
inserirem culturalmente e se reconhecerem nas fotografias das comunidades a que pertencem, tendo a
oportunidade de conhecer também o outro.

Entendemos que a imagem fotográfica nasce da observação de uma realidade que está contida
em uma estrutura cultural, criando, com isso, a possibilidade de uma imagem comungar com
o texto na esfera antropológica, proporcionando ao observador um melhor entendimento dos
significados.

O percurso da antropologia

Após o invento da primeira fotografia, já houve muito avanço com a evolução da técnica e da
simplificação dos procedimentos. Com isso, a fotografia passou a fazer parte importante da vida social
e do cotidiano das pessoas. Com o barateamento e a ampliação do acesso à fotografia, as pessoas
puderam ter uma visão mais autêntica da realidade. A fotografia aproximou, então, realidades distintas
e peculiaridades antes desconhecidas. Artistas começam a fazer uso da fotografia como fonte de
inspiração para as suas criações artísticas, entre eles Man Ray (1890-1976). Fotógrafos começam a
ir além dos retratos de famílias e fotografam cenas mais corriqueiras, como fez Alfred Stieglitz
(1864‑1946), ao fotografar o transporte; Eugène Atget (1857-1927), com as prostitutas em Paris; e
Paul Strand (1890‑1976), retratando em suas viagens pelo mundo diversos povos e culturas; e outros
ao registrarem festas populares.

Mais uma vez, as evoluções técnicas ocorridas na fotografia vieram trazer benefícios às pesquisas
e às investigações socioculturais. As máquinas fotográficas se tornaram mais leves e surgiram outros
formatos.

Os pioneiros a fazerem uso dessas técnicas mais evoluídas foram Margareth Mead (1901-1978) e
Gregory Bateson (1904-1980), que observaram por muito tempo a maneira de ser e a cultura do povo de
Bali entre 1936 e 1938. Seus objetivos eram claros: não queriam pesquisar só os costumes, mas também
o caráter dos balineses, como “as pessoas vivem, comportam-se, comem, dançam, dormem, entram
em transe e incorporam essa abstração à qual chamamos de cultura” (BECCKER, 1996 apud ANDRADE,
2002, p. 71).

Vamos conhecer um pouco mais sobre esses “artistas e fotógrafos”:

• Alfred Stieglitz nasceu em Hoboken, Nova Jersey. Foi pioneiro no uso de câmeras portáteis.

• Eugéne Atget nasceu na França e se dedicou arduamente à pintura e à fotografia.

• Man Ray (Emmanuel Radnitzky) nasceu na Filadélfia e foi pintor, fotógrafo e anarquista.
63
Unidade I

• Paul Strand nasceu em Nova York e teve aulas com o ilustre Lewis Hine.

• Guido Boggiani nasceu em Novarra. Foi antropólogo, etnógrafo, pintor e fotógrafo.

• Claudia Andujar nasceu na Suíça. Mudou-se para o Brasil em 1955, onde começou a fotografar as
populações isoladas, principalmente os indígenas.

Esses fotógrafos registraram 25 mil fotos e 6 mil metros de filme, porém declararam nos
resultados das pesquisas que, primeiro, ficaram por muito tempo observando, anotando e fazendo
descrições, mas concluíram, posteriormente, que as descrições verbais não eram suficientes para
traduzir imageticamente o que eles queriam. O resultado desse trabalho está no livro, com 759
fotografias, intitulado Balinese Character: A Photographic Analysis, publicado em 1942 pela New
York Academy of Sciences. Esse material foi uma das únicas obras consideradas de antropologia
visual que fizeram uso da fotografia de forma central. Os autores trataram a imagem como forma
narrativa indispensável às suas pesquisas (ANDRADE, 2002).

Fotógrafos como Guido Boggiani (1861-1901), Claudia Andujar (1931), Rosa Gauditano (1955), entre
outros, desenvolveram diversos trabalhos de pesquisa e projetos riquíssimos entre os índios e em outras
culturas.

Relatamos, a seguir, aspectos relevantes sobre cada um deles.

Guido Boggiani, italiano, nascido em Novarra, foi antropólogo, etnógrafo, pintor, fotógrafo
e aventureiro. Ele observou de forma participativa e registrou a aldeia dos Kadiwéu em 1934.
Podemos notar a espontaneidade e a segurança dos índios no belo resultado de suas fotos. Apesar
de estes permanecerem imóveis ao serem retratados, estavam inseridos em seu habitat, e tanto as
pinturas como as vestes contribuíam para a naturalidade da imagem. Apenas o que os incomodava
ainda era o fato de aquele instrumento de roubar almas, a máquina fotográfica, estar apontado
para eles.

Observação

A primeira notícia que se tem dos kadiwéu (família linguística: guaicuru)


data do século XVI, proveniente de uma expedição europeia que adentrou
a região chaquenha à procura de metais preciosos. Eles estão localizados
no Mato Grosso do Sul e somam 1.346, segundo dados da Funasa, de 2009
(PECHINCHA, 1999).

64
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 70 – Mulher Jovem Pintada, de Guido Boggiani


(Nabileque, Mato Grosso do Sul, 1897)

Figura 71 – Velho de Cabelo Branco, de Guido Boggiani


(tribo Chamacoco, Alto do Paraguai, 1896)

Andrade (2002, p. 58-61) afirma:

O olhar de Boggiani eternizou a alma indígena, a cultura, a arte na pele dos


kadiwéu, atuando como antropólogo, fotógrafo e artista. Mas será mesmo
que a câmera não pode também captar a alma para melhor transmitir e
sentir uma comunidade?

Desde o início da história da fotografia, a preocupação era que ela tivesse alguma ligação
com bruxaria, com o fato de que no momento do click a alma fosse roubada. Dubois (1993)
define esse sentimento angustiante de passar para o outro lado no momento da pose
65
Unidade I

fotográfica, suscitando ao modelo uma onda de medo, pois não se sabe o que esperar e
acreditando, ele mesmo, numa presença incerta, flutuante, virtual, em que lhe seria roubada
a alma.

Claudia Andujar, natural da Suíça, teve seu interesse pela fotografia e pela pintura despertado
após a Segunda Guerra Mundial, quando ela emigrou para os EUA. Em 1995, estabeleceu-se no
Brasil e passou a fotografar populações isoladas no litoral de São Paulo.

Ela fotografou várias etnias, mas foi entre os índios yanomami que permaneceu mais
tempo, desenvolvendo diversas pesquisas e os retratando ao longo de um período de quase
trinta anos. Eles se localizam em três lugares: Amazonas, Roraima e Venezuela. Entre 1972 e
1974, realizou um trabalho mais intenso, quando ganhou uma bolsa de estudos da Fundação
Guggenheim. A fotógrafa se apegou demais aos índios e praticamente morou com eles,
saindo apenas para fazer as revelações dos filmes. Como sua presença se prolongou na
Amazônia, isso incomodou muito os militares, pois era época de repressão. Nesse mesmo
período, Claudia iniciou um projeto de documentação sobre os índios yanomami, o que a
impulsionou a participar, entre 1978 e 1992, da Comissão pela Criação do Parque Yanomami.
A partir dessa experiência, ela criou um acervo de 100 mil imagens (entre elas, as figuras a
seguir), que resultou em um trabalho repleto de significados, tanto com publicações de suas
fotografias nacional e internacionalmente quanto com a publicação de diversos livros (BONI,
2010), dentre eles: Amazônia, em parceria com George Leary Love (1937-1995), pela editora
Praxis, em 1978; Mitopoemas Yanomami, pela Olivetti do Brasil, em 1979; Missa da Terra sem
Males, pela editora Tempo e Presença, em 1982; e Yanomami: A Casa, a Floresta, o Invisível,
pela editora DBA, em 1998. Em 2005, é lançado o livro A Vulnerabilidade do Ser, pela editora
Cosac & Naify.

Observação

“O etnônimo ‘Yanomami’ foi produzido pelos antropólogos a partir da


palavra yanõmami, que, na expressão yanõmami thëpë, significa ‘seres
humanos’. Essa expressão se opõe às categorias yaro (animais de caça) e yai
(seres invisíveis ou sem nome), mas também a napë (inimigo, estrangeiro,
‘branco’)” (ALBERT, 1999).

Saiba mais

Sugerimos a leitura da obra:

ANDUJAR, C. A vulnerabilidade do ser. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

66
Fotografia – Princípios e Técnicas

Figura 72 – Yanomami, de Claudia Andujar (1998)

Figura 73– Yanomani, de Claudia Andujar (1998)

Essa renomada artista, que se naturalizou brasileira em 1955, tem hoje 80 anos e ainda trabalha
como membra e fotógrafa da Galeria Vermelho, em São Paulo. Quando indagada sobre como gostaria
de ser lembrada, respondeu: “Gostaria de ser lembrada como uma pessoa que vai até o fim quando
acredita em algo” (ANDUJAR apud BONI, 2010, p. 253). Ao final, Boni pediu para fazer uma fotografia
para ilustrar a entrevista, mas, em resposta, Andujar (apud BONI, 2010, p. 253) disse:

Como sempre defendi a causa yanomami – e os considero meus parentes –


mandarei para você uma fotografia antiga em que apareço ao lado de uma
yanomami. Creio que essa fotografia seja a melhor forma de dizer aos seus
leitores quem é Claudia Andujar e a causa a que ela se dedica.

Observação
Fruto das ideias de Eliana Finkelstein e Eduardo Brandão, a Galeria
Vermelho foi inaugurada em 2002, após um intenso processo de
reconfiguração e restauro das três pequenas casas localizadas na vila de
número 350, da Rua Minas Gerais, em Higienópolis (SP). É um dos principais
pontos de criação e divulgação de arte contemporânea no Brasil. (GALERIA
VERMELHO, [s.d]).
67
Unidade I

A seguir, uma imagem que representa de forma belíssima o trabalho de Claudia Andujar:

Figura 74 – Claudia Andujar com índia yanomami, na década de 1970. Fotografia: Carlo Zacquini.

Rosa Gauditano fotografa índios há mais de dez anos, tendo sua produção intensificada no
final da década de 1980. Ela afirma que o interesse pelo assunto surgiu quando foi fazer uma
cobertura jornalística em 1989, em Altamira, no Pará. Desde então, não parou mais de documentar
o que chamamos genericamente de índios brasileiros, mas que, na verdade, são mais de duzentas
etnias falando cerca de 170 línguas diferentes.

Figura 75 – Foto de Rosa Gauditano

68
Fotografia – Princípios e Técnicas

Observação

Rosa Gauditano “nasceu na capital paulista em 1955, tendo estudado


jornalismo nas faculdades Integradas Alcântara Machado/Cásper Líbero e
fotografia na Fundação Armando Álvares Penteado. Começou a trabalhar
profissionalmente em 1977, para o jornal Versus, do qual se tornou editora
de fotografia no ano seguinte” (VASQUEZ, 2013).

O antropólogo é um observador integrante do objeto de estudo e, assim como na fotografia, as


tensões entre dualidades sempre existiram na antropologia, e, muitas vezes, por causa delas, soluções
foram geradas. O corpo e a alma, o uno e o diferente, a neutralidade e a participação são confrontos que
acompanham a prática da antropologia.

4.1.1 Fotografia etnográfica

A etnografia estuda os grupos da sociedade e suas características culturais, sociais e antropológicas.


Para que uma fotografia seja considerada uma fotoetnografia, ela precisa ser utilizada como instrumento
principal na realização de um trabalho etnográfico (BONI; MORESCHI, 2007).

Morin (2008 p. 19) coloca que as condições socioculturais do conhecimento, mesmo sendo de
naturezas distintas, estão ligadas por um nó górdio: “[...] as sociedades só existem e as culturas só se
formam, conservam, transmitem e desenvolvem através das interações cerebrais/espirituais entre os
indivíduos”. Fato este que está presente na fotografia etnográfica, pois esse tipo de fotografia tem caráter
peculiar no resgate de informações relacionadas a diferentes grupos da sociedade, é usado em diversos
tipos de publicações e pesquisas científicas e é objeto de estudo de diversos trabalhos acadêmicos.
Esse segmento também contribuiu para que houvesse um resgate de informações relacionadas aos
diferentes tipos de etnias.

Os parâmetros adotados na realização de um trabalho fotoetnográfico seguem a linha da antropologia


visual – que se designa por vezes também como antropologia da imagem ou antropologia visual e da
imagem –, que se dedica ao estudo e à produção de imagens, nas áreas de fotografia, cinema e novas
mídias.

A cultura e os costumes das etnias estão constantemente em transformação. Um exemplo disso é a


prática de Rosa Gauditano em suas imagens junto aos índios xavantes:

Uma das vantagens do material fotoetnográfico é que ele expõe ao receptor a


etnia em seu momento atual, bem como suas aculturações e transformações.
Por exemplo, ao presenciar a exposição fotoetnográfica sobre os índios
Xavantes, da fotógrafa Rosa Gauditano, não se veem indígenas totalmente
nus. No imaginário social, no entanto, ainda persiste a ideia de que os
índios vivem nus. Esse imaginário se deve à educação escolar, à televisão

69
Unidade I

e aos registros fotográficos mais antigos, que construíram o significado de


como eram e como são algumas comunidades indígenas. Nas fotografias da
comunidade retratada por Rosa Gauditano se vê índios com shorts e índias
com sutiãs (BONI; MORESCHI, 2007, p. 141-2).

Essa percepção reforça a importância da fotoetnografia nas pesquisas de campo e faz emergir
as transformações culturais da época atual com relação aos estereótipos com os quais convivemos,
desmistificando alguns. A foto a seguir retrata a prática de Gauditano, em que os índios participam de
rituais já com vestimentas que não lhes pertencem.

Figura 76

Outro fator de grande acuidade, como nos alerta Achutti (1997), refere-se à preparação e à
organização do material fotoetnográfico. O autor coloca que o fotógrafo, antes de iniciar o seu projeto,
deve fazer uma planificação, organizando e elaborando todos os tópicos importantes, desde o momento
da elaboração até o produto final (exposição, livro etc.), pois a linguagem apresentada deve ser acessível,
para que o leitor entenda e absorva as informações contidas nas imagens. Boni e Moreschi (2007, p. 141)
concluem: “As fotografias no resultado final devem formar um todo”.

A qualidade do material fotográfico é de suma importância, e o etnólogo deve ter domínio da técnica
fotográfica, bem como o fotógrafo deve ter conhecimento etnográfico da comunidade pesquisada.
Quanto melhor o resultado imagético, mais rico em detalhes se apresentará esse material para análise
nas pesquisas. É possível também fazer a análise de um material realizado por um fotógrafo que não
estava envolvido no momento, mas que possuía um material de interesse para a referida pesquisa.

Darbon (1998, p. 103) corrobora essa ideia:

Observar-se-á evidentemente que sua captação da imagem no quadro de


suas pesquisas não se limita aos documentos que ele mesmo produz por
ocasião de sua presença no campo: pode também aplicar-se à análise das
imagens produzidas por outros.
70
Fotografia – Princípios e Técnicas

Assim, o fotógrafo terá suas imagens analisadas por um pesquisador, o que facilitará, caso o
fotógrafo tenha se distraído ou perdido algum detalhe que será revelado na imagem, fazendo que
seja desnecessário ao pesquisador voltar ao campo.

Boni e Moreschi (2007) nos trazem informações sobre o início da fotoetnografia, revelando
que os primeiros indícios surgiram por volta de 1870, com John K. Hillers (1843-1925), que foi
contratado pelo Departamento de Etnologia Americana. Ele registrou várias tribos indígenas
dos Estados Unidos. Alice Flectcher (1838-1923), antropóloga, registrou em 1880 os índios
omahas e os sioux, em Dakota. Franz Boas (1858-1942) realizou em 1886 um trabalho de
campo com o grupo kwakiutl, que levou quarenta anos para ser finalizado. Outros apareceram
nesse percurso, mas foi Pierre Édouard Léopold Verger (1902-1996) quem ficou conhecido
mundialmente.

Pierre Verger nasceu em Paris, em 1902. Depois dos 30 anos, aprendeu um ofício que o encantou:
a fotografia. Descobriu, também, a paixão pelas viagens. Após aprender técnicas básicas, adquiriu
a sua primeira Rolleiflex.

Figura 77 – Autorretrato, de Pierre Verger (Bahia, 1946)

Passou 15 anos viajando pelo mundo em busca de civilizações que estavam se extinguindo,
sobrevivendo exclusivamente da fotografia. Ele, às vezes, negociava suas fotos com jornais, agências
e centros de pesquisas. Suas fotos foram posteriormente publicadas em periódicos internacionais,
como as imagens a seguir.

71
Unidade I

Figura 78 – Nova Orleans, Estados Unidos, 1934

Figura 79 – Elégun de Xangô (Benin, África, [s.d.])

Em Paris, realizou diversos trabalhos e parcerias com fotógrafos renomados, como Henri
Cartier‑Bresson (1908-2004) e Robert Capa (1913-1954). Trabalhou no Museu do Trocadero, onde
se tornou responsável pelo laboratório de revelação. Foi lá que acompanhou os resultados de
diversas expedições, entre elas Dakar-Djibouti (1931-1933), conhecendo então vários membros
desta: Marcel Griaule (1898-1958), Germaine Dieterlein (1903-1999), André Schaefner (1895‑1980),
Jacques Faublée (1912-2003), Denise Paulme (1909-1998), Alfred Métraux (1902-1963), entre
outros. Esse provavelmente tenha sido o seu primeiro contato com um trabalho etnográfico e de
fotografias etnográficas.

Paris se tornou, para o fotógrafo, um lugar onde revia amigos e fazia contatos para novas
viagens. Trabalhou para as melhores publicações da época, mas estava sempre sem destino certo.
A ansiedade de conhecer novos lugares, costumes, culturas diversas o encantava.
72
Fotografia – Princípios e Técnicas

As mudanças começaram a acontecer no dia em que Verger desembarcou na Bahia, em 1946,


para passar algumas semanas e acabou permanecendo por quase cinquenta anos, instalando‑se
em Salvador. Enquanto a Europa vivia o Pós-Guerra, em Salvador tudo era tranquilidade. Foi
seduzido pela hospitalidade e pela riqueza cultural da cidade, onde sempre preferia a companhia
do povo e os lugares mais simples. Os negros estavam em toda parte, monopolizando a cidade e
sua atenção, tornando-se então personagens para as suas fotos. Quando Verger teve contato com
o candomblé, acreditou ter encontrado a fonte da vitalidade baiana e tornou-se um estudioso
do culto aos orixás.

Figura 80 – Yemanjá manifestada em candomblé da Bahia

O seu envolvimento foi tão intenso como pesquisador africanista, que isso lhe rendeu bolsas de
estudos, convites para lecionar em universidades e até um título de doutor.

Em 1966, a Universidade Sorbonne, na França, conferiu-lhe o título de doutor ao defender


uma tese, na qual foi orientado por Paul Mercier. Seu trabalho, que teve início praticamente como
autodidata, acabou por ser reconhecido internacionalmente.

Promoveu durante muitos anos um intenso intercâmbio entre o Brasil e a África,


levando e trazendo imagens, objetos e saberes. Começou a trabalhar na organização do
Museu Afro‑Brasileiro, em Salvador, em 1973, e em 1979 a Universidade Federal da Bahia
outorgou‑lhe o título de professor-adjunto. Verger contribuiu ativamente para toda a
legitimação da “tradição africana” no Brasil, principalmente em Salvador. Tinha duas
grandes preocupações em seus últimos anos de vida: garantir a sobrevivência do seu acervo
fotográfico e de suas pesquisas, e disponibilizar esse material ao maior número possível
de pessoas. Em 1988 transformou a sua própria casa num centro de pesquisa e criou a
Fundação Pierre Verger (FPV), de que foi mantenedor, doador e presidente. Faleceu em 1996,
aos 93 anos de idade, deixando um acervo aproximado de 62 mil negativos fotográficos e
uma linda história de vida.

73
Unidade I

4.2 Fotografia cultural

Meu interesse pela fotografia adquiriu


uma postura mais cultural.
Roland Barthes

A fotografia cultural pode ser definida a partir de diversos olhares e compreensões, não
ficando restrita a um único conceito, podendo deixar essa definição apresentar-se como elemento
integrador das culturas humanística e científica, levando em conta a ética como perspectiva dessa
religação.

Todo olhar sobre a ética deve perceber que o ato moral é um ato individual
de religação; religação com o outro, religação com uma comunidade,
religação com uma sociedade, no limite, religação com a espécie humana
(MORIN, 2005, p. 21).

Para o autor, é dentro dessa harmonia que se busca desenvolver uma ética de solidariedade numa
comunidade, proporcionando aos sujeitos um comportamento fraterno. Existe uma fonte individual da
ética que leva o sujeito à amizade e ao amor, fazendo que este tenha uma posição altruísta.

Vieira (2012, p. 92) nos auxilia nesse entendimento:

A Fotografia Cultural evidencia e propicia estas religações, como


exemplificado nas imagens da Comunidade Nova Esperança, que foram feitas
desenvolvendo uma relação de respeito e ética, quando nos propusemos a
entrar nessa comunidade e registrar tais cenas. A comunidade chama-se
Nova Esperança, está localizada em São Miguel do Gostoso (RN) e faz parte
do Projeto Assentamento Incra.

Foto: Nan Huminhick

Figura 81 – Garoto na Comunidade Nova Esperança (RN, Brasil, 2010).

74
Fotografia – Princípios e Técnicas

Observação

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é um


órgão federal do Brasil que tem como objetivo a administração do processo
de colonização e reforma agrária do país.

Foto: Nan Huminhick

Figura 82 – Casal em moradia do assentamento em São Miguel do Gostoso (RN, Brasil, 2010).

Entendemos por fotografia cultural uma imagem que articula aspectos objetivos da técnica e
subjetivos da emoção.

Quando realiza as imagens para si ou para o outro, no caso de serviços contratados, o fotógrafo
seleciona determinado aspecto do real, organiza esteticamente sua composição, utiliza os recursos
oferecidos pela tecnologia que está ao seu alcance no momento e compõe o produto final: a
imagem como testemunho fotográfico que apresenta o resultado de um ato criativo e individual e
que configura a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural. Kossoy (2001, p. 50) nos apresenta
esse resultado como uma visão subjetiva do autor (fotógrafo) e nos auxilia nesse entendimento:

Qualquer que seja o assunto registrado na fotografia, esta também


documentará a visão de mundo do fotógrafo. A fotografia é, assim, um
duplo testemunho: por aquilo que ela mostra da cena passada, irreversível,
ali congelada fragmentariamente, e por aquilo que nos informa acerca de
seu autor.

75
Unidade I

Toda fotografia é um testemunho segundo um filtro cultural, ao mesmo tempo que é uma criação
a partir de um visível fotográfico. Toda fotografia representa o testemunho de uma criação. Por outro
lado, ela representará sempre a criação de um testemunho.

O autor atribui ao fotógrafo um filtro cultural, pois o registro visual é consequência de sua própria
atitude, de sua vivência, dos lugares por onde passou e das pessoas com quem conviveu, ou seja,
sua bagagem cultural, seu estado de espírito, sua ideologia, criatividade e sensibilidade, que acabam
transparecendo em suas imagens. O autor do registro fotográfico ora é agente, ora é personagem
desse processo, desenvolvendo, assim, distintos fatores que servirão como alicerces para reflexões
interpretativas posteriores e para estudos iconográficos e iconológicos.

Do ponto de vista iconológico, a fotografia cultural é aquela em que sentimos a presença da cultura
no seu dia a dia, deixando transparecer, por exemplo, os costumes da época em que a imagem foi
ou está sendo flagrada ou quando um detalhe nos salta à vista e nos provoca uma reflexão maior! É
também inclassificável. Citamos Barthes (1984, p. 12-3) para nos auxiliar:

Desde o primeiro passo, o da classificação (é preciso classificar, realizar


amostragens, caso se queira constituir um corpus), a Fotografia se esquiva.
As divisões às quais ela é submetida são de fato ou empíricas (Profissionais/
Amadores), ou retóricas (Paisagens/Objetos/Retratos/Nus), ou estéticas
(Realismo/pictorialismo), de qualquer modo exteriores ao objeto, sem
relação com sua essência.

Como a fotografia cultural transita em diversos âmbitos, como explica o autor, esquiva-se de
possíveis classificações.

O indivíduo fotógrafo é também um sujeito. Por isso, é necessário relacioná-lo com o outro e também
com o seu meio. Assim, temos um sujeito-fotógrafo que, para realizar seu trabalho, precisa ter uma
relação de pertencimento, misturando-se ora a determinado habitat, ora a um dos diversos personagens
de sua foto.

Uma fotografia cultural permite compreender o sujeito como Homo complexus que religa o sapiens
ao demens na cultura que, ao mesmo tempo, aprisiona e liberta, domina e emancipa, sendo produto e
produtora da espécie humana. Mas, como afirma Morin (2003, p. 277), “os indivíduos não se submetem
apenas à sociedade e à cultura, mas também aos deuses e às ideias.” Se tanto deuses como ideias
fazem parte da subjetividade humana, uma fotografia cultural é a mais subjetiva possibilidade de captar
sujeitos, objetos e seu contexto.

Portanto, uma fotografia cultural é a que cria, recria, integra fragmentos, contextos e realidades
numa rede relacional complexa que, ao passo que oculta, também desvela sonhos, desejos, expectativas,
saberes e fazeres dos sujeitos, das sociedades e das culturas.

No momento da criação, o fotógrafo deixa transparecer sua linguagem pessoal, que se desenvolverá
e se modificará ao longo de sua carreira e da vida.
76
Fotografia – Princípios e Técnicas

A fotografia se conecta fisicamente a seu referente, – e esta é uma condição


inerente ao sistema de representação fotográfica – porém, através de um
filtro cultural, estético, técnico, articulado no imaginário de seu criador. A
representação fotográfica é uma recriação do mundo físico ou imaginado,
tangível ou intangível; o assunto registrado é produto de um elaborado
processo de criação por parte de seu autor (KOSSOY, 2002b, p. 42-3).

É também no processo de criação do fotógrafo que ele insere não só sua bagagem cultural, mas
também sua ética, a partir do momento em que recria sua interpretação de um mundo físico ou
imaginado, como diz Kossoy.

Apresentaremos, a seguir, seis fotografias. Cinco delas são parisienses, e a primeira a ser apresentada
foi feita no nordeste do Brasil. Consideramos tais imagens como fotografias culturais, pois a cultura está
presente em cada uma delas, de diferentes maneiras, e exemplificaremos visualmente o que é, para nós,
esse novo conceito.

Podemos verificar que a imagem a seguir, intitulada Duchamp Nordestino, desperta e educa o olhar
de quem a vê, transformando-o num olhar sensível – o spectador, como diria Barthes (1984). Essa
fotografia cultural faz que o observador veja além do aparente, pois não mostra apenas a realidade
de quem mora naquela casa de pau a pique, mas traz todo um questionamento da relação dialógica
provocada pela presença da tecnologia – cultura científica, demonstrada por meio da antena parabólica,
que, a princípio, não parece estar no lugar certo, considerando que normalmente a vemos em locais
urbanos. Dessa maneira, a antena torna-se um punctum, que Barthes (1984) denomina como o detalhe
pungente que afeta, que seduz, ou seja, o ponto de efeito que nos torna interessante e nos provoca a
reflexão ao olhar determinada fotografia.

Foto: Nan Huminhick

Figura 83 – Duchamp Nordestino (S. M. do Gostoso, RN, Brasil, 2009)

Na cena seguinte, não existem ali, simplesmente, duas xícaras de café, mas vários elementos
culturais: a água com gás, que é o acompanhamento e é tomada antes, os cubinhos de açúcar

77
Unidade I

embalados, o que não é comum em nosso País, as diversas bicicletas estacionadas próximo à entrada
do metrô, o que também não é um costume nosso. Todos esses detalhes representam de maneira lírica
e poética aspectos de influência europeia.

Foto: Nan Huminhick

Figura 84 – Café próximo à Torre Eiffel, Paris, França, 2010

Essa fotografia, em particular, pode promover o cultivo do estado poético de quem fez a foto e
de quem a observa. Morin (2003, p. 45) nos auxilia:

A poesia, que faz parte da literatura e, ao mesmo tempo, é mais que a literatura,
leva-nos à dimensão poética da existência humana. Revela que habitamos a
Terra, não só prosaicamente – sujeitos à utilidade e à funcionalidade –, mas
também poeticamente, destinados ao deslumbramento, ao amor, ao êxtase.
Pelo poder da linguagem, a poesia nos põe em comunicação com o mistério,
que está além do dizível.

As próximas imagens mostram a Pont des Arts, também conhecida como Ponte dos Cadeados, em
Paris. Essa ponte é só para pedestres e liga o Institut de France ao Museu do Louvre. No local existe uma
tradição segundo a qual os casais apaixonados prendem cadeados em uma grade para simbolizar o amor
e uma relação sem fim; neles são gravados os nomes dos enamorados. Para finalizar, a tradição indica
jogar as chaves no Rio Sena, para os enamorados ficarem presos um ao outro para sempre.

Fotografias como essas, da Pont des Arts, provocam o spectador, despertam nele sensações e indagações:
romance, poesia, lirismo, o amor e a falta dele. Se a princípio não se sabe onde essa ponte se localiza, logo
passará pela cabeça de quem a observa que é um local que respeita os sonhos e dá vazão a eles.

Kossoy (2002c, p. 44-5) faz-nos pensar, ainda, sobre a leitura dessa imagem:

[...] somos seres carregados de emoção. E, felizmente, nossas emoções não


são programadas, nossas reações emocionais podem ser, em função dos

78
Fotografia – Princípios e Técnicas

estímulos externos, imprevisíveis. Ainda bem que é assim, caso contrário


seríamos robôs, replicantes.

O autor quer dizer que não há um sistema-padrão de interpretações, podendo uma mesma fotografia
atingir subjetivamente um observador e outro não, pois o conteúdo das imagens permite sempre uma
leitura plural, provocando diferentes impactos em cada um de nós.

Foto: Nan Huminhick

Figura 85 – Pont des Arts, Paris, França, 2010

Foto: Nan Huminhick

Figura 86 – Pont des Arts, Paris, França, 2010

As próximas cenas mostram os costumes de uma cidade em que as scooters (lambretas) ficam
estacionadas sobre as calçadas, disputando o local com os pedestres; outro fato curioso – que faz parte
da cultura local – é o uso de capas para proteger essas “motos”. Essa capa, usada como mostra a imagem,
é destinada principalmente a conter o frio nas pernas do condutor, que na época do inverno chega a
79
Unidade I

uma sensação térmica de até -15° C, e a proteger também da chuva. Queremos demonstrar que essas
imagens têm para nós a presença de uma cultura com costumes específicos.

Foto: Nan Huminhick

Figura 87 – Rue de Lappe x Rue de Charonne, Paris, França, 2010

Foto: Nan Huminhick

Figura 88 – Scooter com capa de chuva e frio, Paris, França, 2010

Kossoy (2002b, p. 44) nos auxilia: “Dependendo, porém, dos estímulos que determinadas imagens
fotográficas causam em nosso espírito, nos veremos, quase sem perceber, interagindo com elas num
processo de recriação de situações conhecidas ou jamais vivenciadas”. O spectador, ao observar a
imagem, no primeiro momento já questiona sua localidade geográfica, pois pode estar se deparando
com uma cena ainda não vista, promovendo na sequência a análise e a leitura de uma nova realidade.

Morin (2003, p. 33) diz: “[...] a cultura das humanidades favorece a aptidão para a abertura a todos
os grandes problemas, para meditar sobre o saber e para integrá-lo à própria vida, de modo a melhor
explicar, correlativamente, a própria conduta e o conhecimento de si”. Entendemos e concordamos com
o autor que é por intermédio dessa abertura que se dão as diferentes possibilidades de interpretação e
análise a partir de uma fotografia, ou até mesmo para sua pré-elaboração.

80
Fotografia – Princípios e Técnicas

Podemos dizer, ainda, que uma fotografia cultural nos transmite que:

É preciso ensinar que as coisas não são apenas coisas, mas também sistemas
que constituem uma unidade, a qual engloba diferentes partes. Não mais
objetos fechados, mas entidades inseparavelmente ligadas a seu meio
ambiente, que só podem ser realmente conhecidas quando inseridas em seu
contexto (MORIN, 2003, p. 76-7).

Mais uma vez, Morin (2005) nos auxilia com suas ideias e reflexões. Em uma fotografia, um detalhe
ínfimo, quase imperceptível para alguns, não é apenas uma “coisa”, como cita o autor. Esse mesmo
detalhe abre ao observador um leque desmedido de possíveis interpretações, podendo levá-lo até a
realidade do contexto em que a imagem foi feita.

Esse novo gênero fotográfico, a fotografia cultural, reconhece e demonstra fenômenos


multidimensionais, em vez de isolar parcialmente, de maneira reducionista, as suas dimensões gerais.

Resumo

Vimos a importância da história da fotografia como o estopim de uma


nova sociedade que se formava, no espírito da modernidade. Pudemos
observar ainda a contribuição de fotógrafos brasileiros dentro desse cenário
histórico.

O nascimento da cultura fotográfica fez surgir os vários movimentos


de uma civilização da imagem, de experimentações técnicas e artísticas,
vingando, a partir daí, os vários gêneros fotográficos existentes.

O fotojornalismo surgiu como provimento de informação e denúncia,


revelando que a Era Moderna mantinha ainda seus desajustes sociais.
Assim como o fotodocumentarismo, mostrou a necessidade de preservar
uma realidade, nem sempre bela, do mundo atual.

A fotografia antropológica tem em sua raiz registrar o homem em seu


habitat, mostrando seu modo de vida e sua relação com o meio. Como vimos,
a fotografia etnográfica é uma ramificação da fotografia antropológica.

Por fim, estudamos sobre a fotografia cultural e suas significações


antropológicas, cuja essência se encontra na própria bagagem cultural do
fotógrafo. A intenção do fotógrafo será o que transparece na fotografia
cultural, independentemente de sua formação acadêmica. É o ato
fotográfico como forma de expressão subjetiva.

81
Unidade I

Exercícios

Questão 1. O advento da fotografia não surgiu a partir de uma única fonte genial, nem o crédito de
sua descoberta pertence a um único criador. Como ela foi elaborada?

A) Como a montagem de um quebra-cabeça, onde a síntese é o resultado de inúmeras descobertas


que, com o passar do tempo, contribuíram para aprimorar essa linguagem, que transformou a
forma e os temas relacionados à arte.

B) Com a contribuição de alguns inventores que, com algumas descobertas, acabaram por desenvolver
esse advento ao acaso.

C) Como a montagem de um quebra-cabeça, em que a contribuição mais importante foi a de Joseph


Nicéphore Niépce, com a criação da câmara escura.

D) Com a síntese e o resultado de algumas descobertas, que rapidamente contribuíram para


transformar a fotografia em um fenômeno.

E) Com o trabalho em conjunto de vários pesquisadores, concebendo soluções para juntar numa só
máquina os conhecimentos de duas áreas do saber: a óptica e a química, criando um mecanismo
que reproduzisse a realidade e registrasse a sua imagem.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a fotografia surgiu com a montagem de um quebra-cabeça, em que vários pesquisadores


contribuíram, cada um a seu tempo, para aprimorá-la e transformá-la.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a fotografia não foi um invento ao acaso, mas sim uma busca de alguns estudiosos por
um mecanismo que reproduzisse a realidade e registrasse a imagem.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: as referências mais precisas sobre a câmara escura foram descritas no livro de notas
sobre espelhos de Leonardo Da Vinci – um dos mais importantes expoentes renascentistas –, por volta
de 1554, vindo a ser publicado somente em 1797.

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Fotografia – Princípios e Técnicas

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a evolução da técnica foi gradual e aprimorada com o passar do tempo.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: os pesquisadores trabalharam isoladamente na busca para junção da óptica e da


química.

Questão 2. O que é uma fotografia antropológica?

A) É necessariamente uma fotografia feita por um antropólogo.

B) É uma fotografia que tem como essência definidora o assunto que ela parece transmitir.

C) Basicamente, uma fotografia antropológica é qualquer uma da qual um antropólogo possa retirar
informações visuais úteis e significativas.

D) É uma fotografia que é produzida com intenção de atender a um fim antropológico.

E) É uma fotografia definida a partir de diversos olhares e compreensões, não ficando restrita a um
único conceito, podendo deixar essa definição apresentar-se como elemento integrador das culturas
humanística e científica, levando em conta a ética como perspectiva dessa religação.

Resolução desta questão na plataforma.

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