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SOBRE O TEMA

A biônica [...] estuda os sis-


temas vivos [...] para desco-

Carolina da Rocha Lima Borges | Professora do CAU UCB


brir processos, técnicas e
novos princípios aplicáveis

A BIÔNICA COMO FERRAMENTA PROJETUAL


à tecnologia. Examina os 67
princípios, as características e
os sistemas com transposição
de matéria, com extensão de
comandos, com transferência
de energia e de informação
Figura 24: trabalho da aluna Brenda Mascarenhas - PA3 2016

(MUNARI, 1998, pag. 330).

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Ao iniciar um projeto arquitetônico, é diferente do “tempo” do pensamento,
comum aquela situação em que existem sendo que o ultimo acaba sendo coman-
tantas possibilidades de criação e cons- dado pelo primeiro no ato de criação. O
trução da forma que, principalmente o mesmo processo acontece com ferramen-
aluno menos experiente, não sabe por tas computacionais, a diferença é que o
onde começar, tamanha é a diversida- movimento do teclado muitas vezes não
de de possibilidades. Faltam ferramentas é tão ágil quanto o do desenho livre, e
para desenvolver e direcionar suas ideias esse restrito movimento do teclado deixa
e eliminar aquelas menos coerentes. Cabe de enviar algumas mensagens ao cérebro,
ao professor indicar algumas alternativas dificultado a conexão entre ação e pensa-
metodológicas com qualidades libertado- mento.
ras da criatividade capazes de inspirar o
aluno e dar-lhe encorajamento, fazendo Tanto Bruno Munari (1998) quanto o pro-
com que se sinta capaz de encontrar boas fessor da PUC- GO, Tai Hsuan-An (1997,
soluções. 2002), propõem metodologias de proje-
to baseadas na biônica e no desenho en-
Dentro dessa metodologia de projeto, o quanto ferramenta de projeto. Tais pro-
desenho se torna uma ferramenta proje- cessos são inspirados em metodologias
tual indispensável para o ato da criação. da Bauhaus e nos estudos feitos por Kan-
Entendemos aqui o desenho como um dinsky, denominados “Método Ternário”.
68 método de se chegar a uma ideia, e não
somente o produto final em si. Tendo o Sabemos que a criação de formas arqui-
aluno esta consciência, o desenho se tor- tetônicas e até de mobiliário a partir de
na mais livre e desprovido de um compro- estudos da natureza já existiam em civili-
misso de se fazer um “desenho perfeito”. zações anteriores, como no Egito antigo
O croqui ganha um sentido experimental e na antiguidade clássica, por exemplo. A
e um caráter de expressão, e é nesse mo- própria proporção áurea e a sequencia de
mento que o desenho se reveste em um Fibonacci, tão aplicadas à arquitetura e ao
estudo com a possibilidade de manifesta- design, possuem uma relação intrínseca
ção de uma personalidade e, por fim, se com a natureza. Vitrúvio descrevia a ar-
torna um “desígnio”. quitetura como um reflexo do belo natu-
ral, fazendo associações de templos com
A metodologia proposta aqui faz uma crí- o corpo humano, onde as colunas nos
tica às novas ferramentas projetuais com- templos, assim como as pernas do corpo
putacionais que, ao pular a etapa do de- humano, deveriam ter números pares. O
senho a mão livre, muitas vezes massifica capitel jônico possui uma relação com o
e reduz o processo de criação por elimi- cabelo das mulheres, ou com o chifre dos
nar algumas possibilidades de desenvolvi- carneiros, como sugerem alguns críticos.
mento de um pensamento. Sabemos que Seu fuste é mais elegante e esbelto do
o movimento do lápis tem um “tempo” que o da coluna dórica, que possui um

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caráter masculino.
“O design de produto, prin-
Assim como as colunas egíp- cipalmente, deve envolver
cias e gregas, a coluna gótica a biomimética, tirando pro-
se inspira no perfil da árvore veito não só das ‘dicas’ e
e a ornamentação usa te- ‘segredos’ revelados pelos
mas florais que se agregam à elementos da natureza, como
harmonia estática. (...) Além também do próprio processo
de dar maior resistência e criativo da biomimética para
crescimento harmonioso, as descobrir novas ideias e pro-
linhas de flores ou frutos são duzir obras inovadoras, este-
símbolos de germinação, flo- ticamente atraentes, funcio-
rescência e fecundidade que nalmente justificáveis”. (Tai
sugerem também a ideia de Hsuan-an)
oferenda. (Santos, 1959)
Não há dúvida de que formas belas da 69
natureza não são gratuitas: a beleza ge-
rada por diferentes cores e texturas tem
uma função, inclusive os cheiros (de plan-
tas e animais) e alguns sons emitidos por
animais/ insetos podem ser considerados
“ornamentos” da natureza que têm a
função de atrair o sexto oposto (no caso
dos animais) para reprodução, e no caso
das plantas, os insetos são atraídos para
polinização. Na arquitetura, formas extra-
ídas da natureza, seja na estruturação ou
mesmo com relação aos elementos biocli-
maticos, quando respondem à necessida-
des reais e concretas, se tornam não só
justificados, mas também legitimados.

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Para concluir o tema, segue um fragmen- METODOLOGIA
to do texto de Fábio Lima:
A metodologia aqui proposta se baseia
A natureza pode simultane- em experimentos do professor Tai Hsuan-
-an na PUC-GO que são expostos no livro
amente apresentar, por meio “Desenho e Organização Bi e Tridimensi-
da sua aparência simples, nal da Forma”, no texto de Bruno Munari,
uma alta complexidade na “Das Coisas Nascem Coisas”, no artigo
de Fábio F. Lima, “Processos Criativos e
sua gênese, por uma con- Metodologias de Projetos para Design e
sonância de características Arquitetura”, e em demais observações e
como ordem, harmonia, pro- experiências nossas adquiridas em sala de
aula. Para a elaboração do estudo, a divi-
porção, etc. (...) Agregando os são em etapas, sempre tendo o desenho a
fatores climáticos e as carac- mão livre como ferramenta, tem tido bons
terísticas do solo, enquan- resultados.

to fatores exógenos, há um Etapa 1) Escolha de um modelo bioló-


acúmulo de interferências gico: este deve conter aspectos e elemen-

70 que resultam nas melhores tos que mereçam ser explorados e des-
construídos enquanto forma e também
possibilidades com que a enquanto função. Tais aspectos podem
natureza pôde se desenvolver. ser condicionados ao grau de experiência
Em resumo, o princípio ele- do aluno, pois determinadas qualidades
podem ser pouco evidentes.
mentar é que as formas exis-
tentes não são assim gratui- A análise de um fruto, de um
tamente, mas empreendem inseto, de uma semente, de
uma resposta mais adequada uma flor, de uma ramificação,
às interveniências – internas do movimento de um animal,
e externas – pelas quais se da flexibilidade de uma cana
justificam em função de sua de bambu, da resistência da
resistência ao meio ou sobre- casca de um ovo... são cer-
vivência. (LIMA, 2011). tamente úteis ao conheci-
mento e podem estimular a
criatividade. (MUNARI, 1998,
pag.330)
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Figura 25 - Trabalho da aluna Daniela Rodrigues - PA3 2015

Etapa 2) Desenhos de observação: Re-


[...] Observação de tais carac-
alização de registros gráficos detalhados
sob a forma de croquis, com o objetivo terísticas com muita atenção
de desenvolver a percepção das relações e registro gráfico em diversos 71
das partes e das formas do objeto entre
ângulos e de diversas manei-
si e com o conjunto, além da captação de
outras sensações como cheiros e texturas. ras; análise em maior profun-
Os desenhos devem ser acompanhados deza dos fenômenos observa-
de anotações ou pequenos textos expli-
dos (detalhes interessantes e
cativos quando estes se mostrarem insufi-
cientes no entendimento. importantes) e tentativas de
traduzi-los em desenhos es-
quemáticos ou croquis (HSU-
AN- AN, 2002, pag.184).

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Figura 26 - Trabalho da aluna Bárbara Tavares - PA3 2016

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Etapa 3) Análise da Estrutura e Sín-
Constrói-se assim um mo-
tese da Forma: Interpretação subjetiva
e expressiva das estruturas apresentadas delo geométrico [...] como
nas etapas anteriores. Transposição das se o órgão natural fosse um
formas para esquemas mais simples (ins-
modelo reconhecível na sua
crição em formas geométricas) capazes
de resguardar particularidades do mode- forma e estrutura. A investi-
lo. Definição da estruturação da forma, gação prossegue geometri-
de eixos e traçados reguladores. Em ou-
zando as várias peças, mas
tras palavras:
conservando suas exatas pro-
porções e funções, continua-
mente controladas pelo mo-
delo natural (MUNARI, 1998,
pag.336).

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Figura 27: trabalho da aluna Brenda Mascarenhas - PA3 2016

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Etapa 4) Abstração do objeto: Reorga- Por fim, o desenho e a maquete de estu-
nização e composição com as partes e os do como ferramentas de projetação e de-
elementos formais da etapa anterior por senvolvimento da forma têm tido bons re-
meio de separação das partes, espaços sultados. A maquete é fundamental para
negativos, rotação, espelhamento, repe- o raciocínio espacial, fazendo com que
tição, duplicação, sobreposição, redução, o aluno trabalhe a partir das relações de
ampliação, associação de ideias, etc. Tais proporção e da geometria, usando formas
desenhos, muitas vezes tendem a expres- e volumes separados para montar várias
sar um ritmo e uma musicalidade. possibilidades volumétricas. Já o desenho
tem um papel de libertar a imaginação e
Etapa 5) Interpretação Tridimensional: a criatividade, estabelecendo uma relação
Conversão para uma possibilidade utilitá- de diálogo e promovendo a autonomia e
ria – croquis de estudo de possibilidades a auto confiança no aluno.
arquitetônicas.

Etapa 6) Modelos Experimentais de


Estudo (maquetes físicas): os modelos
tridimensionais são pensados aqui como
croquis e como produtos da análise e da
síntese da forma, onde ver e expressar são
74 influencias recíprocas.

Durante todo o processo de estudo, tudo


que inspira ou sugira algo novo, merece
ser explorado. O aluno deve registrar as
linhas estruturais, tensões e movimentos
onde, muitas vezes, os desenhos da etapa
final tem pouca similaridade com o objeto
inicial de inspiração, tamanha foi a abstra-
ção da forma. Isso não invalida o processo
de criação, pois o direcionamento acon-
teceu e o objeto inicial serviu para o de-
senvolvimento de uma ideia. Assim como,
por ser de inspiração na natureza, o pro-
duto final não tem que necessariamente
ser composto por curvas. Ângulos retos
e formas ortogonais são comuns nesses
processos, pois a etapa de geometrização
acaba por sintetizar as formas por esse ca-
minho.

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Figura 28: trabalho da aluna Brenda Mascarenhas - PA3 2016

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Figura 29 - Trabalho da aluna Bárbara Tavares - PA3 2016

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BIBLIOGRAFIA

BAXTER, Mike R. Design de Produto: Guia


Prático para o Projeto de Novos Produtos.
Trad. Itiro Lida. São Paulo: Edgard Blucher,
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HSUAN-AN, Tai. Desenho e Organização


Bi e Tridimensional da Forma. Goiânia: Ed.
da UCG, 1997.

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Design Contemporâneo. Goiânia: Ed. da
UCG, 2002.

LIMA, F. Processos Criativos e Metodolo-


gias de Projetos para Design e Arquitetu-
ra. In: Revista de Estética e Semiótica. Vol.
1, n. 2, 2011. P. 39 – 49. http://periodicos.
unb.br/index.php/esteticaesemiotica/arti-
76 cle/view/11928

MARTINEZ, A. Corona. Ensaio sobre o


Projeto. Trad. Ane Lise Spaltemberg. Bra-
sília: edUNB, 2000.

MUNARI, Bruno. Das Coisas Nascem Coi-


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OSTROWER, Fayga. Criatividade e Proces-


sos de Criação. Petrópolis: Vozes, 2009.

SANTOS, M. F. Tratado de Simbólica. São


Paulo: Logos, 1959. Enciclopédia de Ciên-
cias Filosóficas e Sociais. v. VI

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A análise de um fruto, de
um inseto, de uma semen-
te, de uma flor, de uma ra-
mificação, do movimento de
um animal, da flexibilidade
de uma cana de bambu, da
resistência da casca de um
ovo... são certamente úteis
ao conhecimento e podem
estimular a criatividade.
Munari

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