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Afrânio Silva • Bruno Loureiro • Cassia Miranda • Fátima Ferreira •

Lier Pires Ferreira • Marcela M. Serrano • Marcelo Araújo •


Marcelo Costa • Martha Nogueira • Otair Fernandes de Oliveira •
Paula Menezes • Raphael M. C. Corrêa • Rodrigo Pain •
Rogerio Mendes de Lima • Tatiana Bukowitz •
Thiago Esteves • Vinicius Mayo Pires

MODERNA
PLUS
SOCIOLOGIA
EM MOVIMENTO

COMPARTILHA
Afrânio Silva Marcelo Araújo Rodrigo Pain
Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Doutor em Antropologia pela Universidade Doutor em Ciências pelo curso de
pelo CPDA da Universidade Federal Rural do Rio de Federal Fluminense. Mestre em Artes pós-graduação em Desenvolvimento,
Janeiro. Mestre em Ciência Política pela Universidade Visuais pela Universidade Federal Agricultura e Sociedade, na área de
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor adjunto do Rio de Janeiro. Professor de Sociologia Estudos Internacionais Comparados, pela
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Colégio Pedro II (RJ). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
professor do Colégio Pedro II (RJ). (UFRRJ); bacharel e licenciado em Ciências
Marcelo Costa Sociais pela Pontifícia Universidade Católica
Bruno Loureiro Mestre em Sociologia (com concentração do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Professor do
Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela em Antropologia) pela Universidade Instituto Fernando Rodrigues da Silveira da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Professor de Sociologia da rede pública e de de Sociologia do Colégio Pedro II (RJ). (CAp/UERJ).
escolas particulares do Rio de Janeiro.
Martha Nogueira Rogerio Mendes de Lima
Cassia Miranda Doutora em Ciências Sociais pela Doutor em Ciências Humanas (Sociologia)
Mestra em Filosofia pela Pontifícia Universidade Universidade do Estado do Rio de Janeiro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
Católica do Rio de Janeiro. Professora de Sociologia (UERJ). Professora de Sociologia do (UFRJ). Professor de Sociologia do
na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (RJ). Colégio Pedro II (RJ). Colégio Pedro II (RJ).

Fátima Ferreira Otair Fernandes de Oliveira Tatiana Bukowitz


Doutora em Educação pela Universidade Estácio de Doutor em Ciências Sociais pela Mestre em Sociologia pelo Instituto
Sá (Unesa-RJ) e mestre em Ciências Sociais na área Universidade do Estado do Rio de Janeiro Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
de Sociologia pela Universidade Federal do Rio de (UERJ). Professor da Universidade Federal da Universidade Candido Mendes. Professora
Janeiro (UFRJ). Professora de Sociologia do Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). de Sociologia do Colégio Pedro II (RJ).
Colégio Pedro II (RJ).
Paula Menezes Thiago Esteves
Lier Pires Ferreira Mestra em Sociologia (com concentração Mestre em Ciências pelo Curso de
Doutor em Direito na área de Direito Internacional em Antropologia) pela Universidade pós-graduação em Ciências Sociais em
e Integração Econômica pela Universidade do Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Estado do Rio de Janeiro (UERJ); bacharel e Professora de Sociologia do da Universidade Federal Rural do Rio de
licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Colégio Pedro II (RJ). Janeiro (UFRRJ). Professor do Centro Federal
Federal Fluminense (UFF). Professor de Sociologia de Educação Tecnológica Celso Suckow da
do Colégio Pedro II (RJ). Raphael M. C. Corrêa Fonseca (Cefet/RJ).
Mestre em Planejamento Urbano e
Marcela M. Serrano Regional pela Universidade Federal do Rio Vinicius Mayo Pires
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Janeiro (UFRJ); bacharel e licenciado em Mestre em Sociologia e Antropologia pela
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora do Ciências Sociais pela Universidade Federal Universidade Federal do Rio de Janeiro
ensino básico técnico e tecnológico no do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor de (UFRJ). Professor de Sociologia do
Rio de Janeiro (RJ). Sociologia do Colégio Pedro II (RJ). Colégio Pedro II (RJ).

MODERNA
PLUS
SOCIOLOGIA
EM MOVIMENTO
1a edição

COMPARTILHA
© Afrânio Silva, Bruno Loureiro, Cassia Miranda, Fátima Ferreira,
Lier Pires Ferreira, Marcela M. Serrano, Marcelo Araújo,
Marcelo Costa, Martha Nogueira, Otair Fernandes de Oliveira,
Paula Menezes, Raphael M. C. Corrêa, Rodrigo Pain, Rogerio Mendes
de Lima, Tatiana Bukowitz, Thiago Esteves, Vinicius Mayo Pires, 2021

Coordenação editorial: Cesar Brumini Dellore


Edição de texto: André dos Santos Araújo, Janaina Batini
Gerência de design e produção gráfica: Everson de Paula
Coordenação de produção: Patricia Costa
Gerência de planejamento editorial: Maria de Lourdes Rodrigues
Coordenação de design e projetos visuais: Marta Cerqueira Leite
Projeto gráfico: Daniel Messias, Otávio dos Santos
Capa: Daniela Cunha
Coordenação de arte: Carolina de Oliveira Fagundes
Edição de arte: Carla Del Matto
Editoração eletrônica: Setup Editoração Eletrônica
Edição de infografia: Giselle Hirata, Priscilla Boffo
Coordenação de revisão: Maristela S. Carrasco
Revisão: Equipe Moderna
Coordenação de pesquisa iconográfica: Luciano Baneza Gabarron

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Pesquisa iconográfica: Camila Berne Lago
Coordenação de bureau: Rubens M. Rodrigues
Tratamento de imagens: Ademir Francisco Baptista, Joel Aparecido,
Luiz Carlos Costa, Marina M. Buzzinaro, Vânia Aparecida M. de Oliveira
Pré-impressão: Alexandre Petreca, Andréa Medeiros da Silva, Everton L. de Oliveira,
Fabio Roldan, Marcio H. Kamoto, Ricardo Rodrigues, Vitória Sousa
Coordenação de produção industrial: Wendell Monteiro
Impressão e acabamento:

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Moderna plus : sociologia em movimento : livro do


professor. -- 1. ed. -- São Paulo : Moderna,
2021.

Vários autores.
ISBN 978-85-16-13318-4

1. Sociologia (Ensino médio).

21-75228 CDD-301
Índices para catálogo sistemático:

1. Sociologia : Ensino médio 301

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Todos os direitos reservados
EDITORA MODERNA LTDA.
Rua Padre Adelino, 758 - Belenzinho
São Paulo - SP - Brasil - CEP 03303-904
Vendas e Atendimento: Tel. (0_ _11) 2602-5510
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www.moderna.com.br
2021
Impresso no Brasil

1 3 5 7 9 10 8 6 4 2

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3
CAPÍTULO
C1: H1, H2, H3,
H4, H5

Cultura e ideologia EM13CHS102


EM13CHS104
EM13CHS105
EM13CHS303
EM13CHS504

ITINERÁRIOS
FORMATIVOS

Ao final deste capítulo, Ampliar habilidades


você será capaz de: relacionadas à convivência e
atuação sociocultural.
Reconhecer a cultura
como produto das
relações sociais
estabelecidas
historicamente por
indivíduos em sociedade.
Compreender que as
sociedades humanas
são caracterizadas e se
diferenciam umas das
outras por sua cultura.
Avaliar as relações entre
cultura e ideologia e
sua importância na
compreensão dos
comportamentos sociais.
Distinguir as diferentes
manifestações culturais
como representações da
diversidade cultural das
sociedades humanas.
Reconhecer as relações de
poder existentes nos meios
de comunicação de massa.

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RAFALE SILVA
Evento organizado pelo grupo Slam Campão

TASSO MARCELO/AFP/GETTY IMAGES


em Campo Grande (MS), em 2017. Slam é uma
competição de poesias faladas que surgiu em
Chicago, nos Estados Unidos, nos anos de 1980,
realizada geralmente em espaços públicos por
coletivos de jovens poetas que se encontram à
margem dos veículos de produção e difusão cultural.
Esses eventos têm revelado uma grande efervescência
cultural com o protagonismo da juventude pobre e
negra das periferias urbanas.

Jovens participam do Rock in Rio, na cidade do Rio de Janeiro (RJ),


em 2015. A música é uma das expressões culturais da juventude.

RUBENS CHAVES/PULSAR IMAGENS


Dança de fitas na Festa do Divino Espírito Santo, em São Luiz
do Paraitinga (SP), em 2014.

Questão motivadora
De que modo nossas opiniões e decisões são influenciadas pela cultura e pela ideologia da sociedade em
que vivemos?
Atualmente muitos indivíduos têm justificado postagens intolerantes em redes sociais, muitas das quais afrontam os princípios dos direitos
humanos, da igualdade, da urbanidade e da civilidade, com base em pressupostos da liberdade de expressão de opiniões e decisões.
Tomando como exemplo esse fato, o professor pode desenvolver a questão motivadora de modo que os estudantes possam construir
competências e habilidades para analisar de maneira crítica tais episódios que, diferentemente do que o senso comum pregue, não são
protegidos por uma pretensa liberdade de expressão. Para tanto, os estudantes devem compreender que aquilo que denominamos gene-
ricamente cultura é, na verdade, o resultado de uma construção hegemônica marcada pelo conflito e pelas relações de desigualdade, que
consideram, por exemplo, a cultura popular como inferior a uma suposta cultura erudita. O mesmo ocorre com o fenômeno social chamado
ideologia. Isso porque a ideologia, isto é, nossas soluções, pensamentos, escolhas, visões de mundo, não é isenta de valores, visto que todos
temos interesses relacionados às ideias que construímos e que refletem os interesses dos grupos aos quais pertencemos. Desse modo,
espera-se que o estudante seja capaz de construir suas opiniões e decisões baseadas em uma lógica de respeito e tolerância às diferenças.

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1. Primeiras palavras resultado de nossas ações sociais. As práticas, os saberes e
sua aplicação pela coletividade resultam em um conjunto de
Em 2017, a Secretaria de Educação do Estado de São conhecimentos que orientam nossa ação no mundo e nos
Paulo registrava 10.298 estrangeiros matriculados na rede permitem reconhecer, explicar e construir a realidade social.
de ensino estadual. Esses estudantes vieram de diversas
No entanto, a construção da cultura não ocorre de
partes do mundo, como Bolívia, Japão, Angola, Venezuela
maneira harmônica e igualitária. Ela é marcada por conflitos
e Haiti. Além da barreira linguística, eles se depararam
e relações desiguais entre os diversos grupos humanos. Por
com o desafio de toda criança que muda de escola pela
exemplo, ao exaltarmos a diversidade cultural brasileira,
primeira vez: fazer novos amigos e enturmar-se. Não raro,
não podemos nos esquecer de que boa parte da cultura
estrangeiros acabam se tornando vítimas de preconceito e
popular sofre preconceito. Os processos históricos que ge-
violência quando chegam a um país que tem uma tradição
raram essas expressões culturais foram e são marcados por
cultural diferente da sua.
conflitos em que negros, mulheres, nordestinos, indígenas,
quilombolas, comunidades ribeirinhas e outras minorias
FÁBIO GONÇALVES/FOTOARENA

sociais são geralmente considerados cidadãos “menos


evoluídos”, e suas contribuições para a formação da cultura
são relegadas a um plano inferior. Entretanto, a história nos
mostra que, diante de interesses políticos e comerciais, as
classes dominantes incorporaram essas práticas, saberes
e costumes ao padrão cultural estabelecido.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PETER NEWARK AMERICAN PICTURES/BRIDGEMAN IMAGES/FOTOARENA

Venezuelanos fazem fila em frente ao prédio da Polícia Federal,


na cidade de Boa Vista, capital de Roraima, à espera de refúgio
no Brasil, em 2018. Até maio de 2020, o Brasil já havia recebido
253 mil pedidos de refúgio e de residência temporária de cidadãos
venezuelanos, que desde 2017 têm deixado o seu país de origem em Revolta de indígenas
virtude da miséria e de perseguições políticas. no século XVII
retratada na obra The
O termo cultura tem diversos significados e usos. Para pueblo indian revolt
a Sociologia, ela é a base sobre a qual as sociedades huma- of 1680, do artista
nas constroem seus diferentes modos de vida. É por meio estadunidense
Maynard Dixon.
da cultura que buscamos soluções para nossos problemas A construção das
cotidianos, interpretamos a realidade e produzimos novas diferentes culturas
formas de ­interação social. A maneira pela qual estrutu- é, em geral, marcada
ramos a economia, as formas de organização política, as pelos conflitos e
pela imposição de
normas e os valores que orientam nossas ações, todos esses valores das classes
elementos estão presentes na cultura. A cultura é também dominantes.

Cronologia É aprovado no Brasil o


Bronislaw Theodor Adorno e É inaugurada a Marco Civil da Internet.
Edward Tylor publica Malinowski publica Max Horkheimer primeira emissora de Clifford Geertz A lei criou mecanismos
Primitive culture Argonautas publicam Dialética televisão no Brasil, a publica de proteção ao usuário
(Cultura primitiva), do Pacífico do esclarecimento, TV Tupi. A interpretação e estabeleceu o acesso
em que explicita a ocidental, obra em que analisam Inicia-se, desse das culturas, à comunicação como
primeira definição que revolucionou e criticam a modo, a produção base da direito fundamental do
moderna de cultura as pesquisas industrialização da cultura de massa Antropologia cidadão, e não apenas
nas Ciências Sociais. antropológicas. da cultura. em sua fase mais interpretativa. como negócio comercial.
avançada no Brasil.
1871 1922 1947 1950 1973 2014
1896 1938 1949 1968 1992 2018

Franz Boas publica Mário de Andrade Lévi-Strauss publica Manifestações da juventude É criada Sônia Guajajara é a
“As limitações inicia sua Missão As estruturas por transformações culturais, a World primeira indígena a
do método de Pesquisas elementares do políticas e comportamentais Wide Web, concorrer ao cargo
comparativo em Folclóricas nas parentesco, em ocorrem em vários países, base para a de vice-presidente
Antropologia”, regiões Norte e que estabelece as com destaque para França difusão da da República.
artigo que critica Nordeste com o bases da corrente e Estados Unidos. O Maio internet.
fortemente o objetivo de registrar estruturalista na de 68, que reuniu estudantes
evolucionismo. manifestações da Antropologia. e trabalhadores, é seu evento
cultura popular. mais conhecido.

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Uma forma de perceber como esse processo de cons-

OSCAR ESPINOSA/ALAMY/FOTOARENA
trução da cultura ocorre é pensar na sua realidade como
estudante. Os conhecimentos, as normas, os valores e as
ações pedagógicas com que você interage no espaço es-
colar são produzidos em contextos históricos específicos
e por grupos que têm interesse em sua formação.
Muitas vezes, os saberes que você traz para a escola
ou sua experiência de vida e sua realidade social são igno­
rados no processo educativo. Assim, sua formação e a
maneira como você constrói suas opiniões, bem como os
comportamentos com os quais se identifica, podem não
representar o modo como os grupos dos quais você faz
parte representam a realidade.
Isso se relaciona, entre outros aspectos, às ideo- Mulheres da etnia hmong trabalham no mercado de Bac Ha,
província no norte do Vietnã, em 2018.
logias dominantes em nossa sociedade. Cada grupo A cultura pode ser percebida por meio de diversos elementos,
ou ­co­le­tividade constrói sua visão de mundo com base em como vestimenta, comida e normas de relações sociais.
contextos h ­ istóricos e práticas sociais específicas. Desse
processo surgem interpretações e ações que são difundidas Cultura como juízo de valor
socialmente com a pretensão de se tornarem o padrão geral
a ser seguido. ­Quando isso ocorre, estamos diante do que e como produção social
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

chamamos ideologia. Para entender esses significados, devemos atentar para


A escola tradicional é um veículo para a difusão algumas formas de utilização do termo, e a primeira delas
da ideo­logia dominante; por isso, há uma desvalorização da é a relação entre cultura e educação. Quando afirmamos
cultura popular, que propõe outras formas de pensar e que “uma pessoa tem muita cultura”, o termo está sendo
de agir. Por essa razão, várias práticas e saberes que não utilizado no sentido de educação formal ou acadêmica.
pertencem ou não interessam às classes dominantes foram Nesse aspecto, a cultura produz uma hierarquização
historicamente desconsiderados pela escola. dos indivíduos e grupos. Essa, porém, é uma visão típica do
Cultura e ideologia são conceitos que explicam a senso comum. Atualmente, as Ciências Sociais compreen-
relação intrínseca entre pensamento e ação. Diferentes dem diferentes formas de inserção na cultura, tendendo
contextos modelam nossas escolhas pessoais. Na atua- a descartar qualquer hierarquização que resulte na discri-
lidade, a expansão das novas tecnologias da informação minação de pessoas ou grupos sociais.
e da comunicação (TICs) é mais um elemento a interferir Tal como acontece com Jeca Tatu, personagem criado
em nossas opções de vida. Produzidas com base em uma pelo escritor Monteiro Lobato, o habitante das zonas rurais
dinâmica que envolve diversos interesses econômicos, foi muitas vezes apontado como preguiçoso e apático, o que
sociais e políticos, essas tecnologias provocam transforma- exemplifica um modo preconceituoso de tipificar a cultura
ções no modo pelo qual os diferentes atores sociais agem sertaneja. Esse é um exemplo de cultura utilizada como cri-
e se percebem no mundo. Por outro lado, o modo como tério de valor. Ainda hoje, muitas manifestações da cultura
indivíduos e coletividades se apropriam dessas tecnologias brasileira são vistas sob esse viés, sobretudo quando têm
pode gerar novas interpretações da realidade, capazes origem em grupos socialmente marginalizados.
de alterar o sentido e a utilização original planejada por
aqueles que incentivaram sua difusão.
JOSÉ FERRAZ DE ALMEIDA JÚNIOR. 1893. ÓLEO SOBRE TELA.
PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO, SÃO PAULO

2. Cultura e vida social


Perceber os múltiplos significados e usos da cultura é um
dos modos de constatar sua importância. Palavra de origem
latina, cultura deriva de colere, que significa cuidar, cultivar,
podendo também adquirir um sentido ligado à saúde fisio-
Obra Caipira picando
lógica (cuidar do corpo), à religião (cultuar uma divindade) fumo, 1893, de Almeida
ou ainda à produção de alimentos (agricultura). O uso do Júnior. Óleo sobre tela,
termo é, portanto, dinâmico e adquire sentidos diversos de 202 cm 3 141 cm.
acordo com o contexto social e histórico. Para a Sociologia, A hierarquização das
culturas urbana e rural
a cultura consiste, basicamente, no conjunto de práticas, é um exemplo do uso
saberes, normas e valores de uma coletividade, servindo discriminatório do termo
de fundamento para as relações sociais nela estabelecidas. “cultura”.

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Por outro lado, a cultura é pensada como práticas O conceito de cultura e a Antropologia
e valores de um grupo social, em sua dimensão material e
No campo das Ciências Sociais, a disciplina que
imaterial, como patrimônio a ser preservado e transmitido.
historicamente mais se dedica ao estudo da cultura é a
Nesse a­ specto, não há atribuição de superioridade de uma
Antropologia. Os antecedentes da discussão sobre cultura
expressão cultural sobre outra. A ideia de cultura funda-
situam-se no século XVI, quando as grandes viagens ma-
menta a construção de teorias sociais que nos permitem
rítimas permitiram que os europeus conhecessem novas
compreender os conflitos culturais e a construção de uma
partes do mundo e entrassem em contato com outros
crítica à dominação cultural que historicamente destruiu
grupos humanos, suscitando debates sobre os hábitos,
diversas sociedades e grupos sociais.
os costumes e a produção desses grupos. Esse momento
histórico construiu a visão de mundo que marcou a ruptura
HANS VON MANTEUFFEL/PULSAR IMAGENS

entre a forma como o feudalismo pensava sobre si mesmo


e a modernidade.

Antropologia. A Antropologia surgiu no século XIX e se


dedica ao estudo das culturas em todo o mundo. Inicialmente,
seu objeto de interesse foram as sociedades não industriais.
Mais tarde, incorporou a análise das sociedades industriais.

O surgimento de impérios coloniais estabeleceu um


processo de intercâmbio cultural e de dominação que até

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
hoje marca as relações entre as diferentes regiões do plane-
ta. A reflexão sobre os próprios padrões culturais diante da
inesgotável diversidade da criatividade humana tornou-se
mais complexa e ganhou uma abordagem científica, preo-
MARLON COSTA/FUTURA PRESS

cupada em desvendar os mistérios da organização social hu-


mana. O ­método científico oferecia, assim, uma nova chave
para a descoberta de nossas origens e futuros possíveis.
O “bom” e o “mau” selvagem
A partir do século XVI, destacavam-se entre os coloniza-
dores europeus duas posições opostas em relação aos povos
encontrados no Novo Mundo: a rejeição sistemática pelas
diferenças e o fascínio idealizado pelo “outro”. No primeiro
caso, o sentimento era traduzido pela “boa consciência”
sobre si mesmo e sua sociedade. No segundo, preponderava
um olhar sobre o outro como “bom selvagem”. O pensador
francês Michel de Montaigne destacou-se por relativizar
A igreja de Santo Antônio, em Igarassu (PE), no alto (em foto de
2019), é um exemplo de cultura material. Já a apresentação a civilização europeia diante das formas de organização
do grupo de maracatu rural, em Recife (PE), acima (em foto de culturais do Novo Mundo.
2020), constitui uma manifestação de cultura imaterial.
Quem escreveu sobre isso
Cultura material e cultura imaterial. A cultura material é
Michel de Montaigne
BRIDGEMAN IMAGES/EASYPIX

formada pelos bens tangíveis produzidos pelas sociedades,


como construções, alimentos, móveis, aparelhos eletrônicos Humanis ta, Montaigne
etc. A cultura imaterial é composta de práticas, expressões, (1533-1592) afirmou, em
valores, conhecimentos e saberes produzidos pelos membros
seu clássico Dos canibais,
de uma cultura ao longo do tempo.
que cada pessoa considera
bárbaro o que não se pratica
QUESTÕES em sua terra, argumentando
que o fato de os europeus
Toda realização humana é considerada parte da classificarem como bárba-
cultura? Existem atividades ou ações que fogem à Michel de Montaigne foi
ros os povos do Novo Mun- um pensador humanista
esfera da cultura? Dê exemplos.
do acabava por conduzir à francês do século XVI
Não, nem toda realização humana é formada por aspectos culturais.
cegueira sobre suas próprias que refletiu sobre o
Há traços inatos que escapam ao âmbito do aprendizado social, como
relativismo cultural.
a sucção do bebê quando levado ao seio da mãe. práticas e ações.

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Cultura, civilização e determinismo cultural temperado, ao passo que populações das regiões mais
Nos séculos XIX e XX, os relatos de viagem e a reflexão quentes do hemisfério sul possuiriam comportamento
filosófica sobre a diversidade dos povos abriram espaço mais displicente e criativo.
para a reflexão sociológica e antropológica sobre a cultura. Embora o determinismo biológico e o determinismo
Nesse período, surgiram diferentes formas de hierarquizar geo­gráfico sejam refutados pelas Ciências Sociais, essas
as sociedades segundo sua cultura. Anteriormente, tal ideias ainda influenciam o senso comum. Para esclarecer a
hierarquização se fundamentava em explicações não cien- questão, estudos antropológicos mostram que sociedades
tíficas, que utilizavam argumentos inspirados na Biologia com origens biológicas semelhantes ou que ocupam a mes-
e na Geografia, aos quais denominamos determinismo ma região geográfica podem apresentar comportamentos
biológico e determinismo geográfico. e formas de organização bem diversos.
De acordo com o determinismo biológico, as diferenças Para a Antropologia, as experiências históricas vividas
entre as sociedades são explicadas com base nas caracterís- em cada sociedade são o fundamento das diferenças entre
ticas físicas da população. Assim, haveria correspondência as culturas, que se explicam, por sua vez, pelos diferentes
entre as características culturais e a constituição genética valores e práticas advindos da vida em sociedade.
de uma população. Essa visão de mundo promoveu uma
explicação da cultura baseada em diferenças biológicas QUESTÕES
que justificavam a dominação das populações negras e
Com base nas definições de “determinismo bioló-
indígenas pelos europeus. gico” e “determinismo geográfico”, cite um exem-
Já para o determinismo geográfico, as características plo concreto de cada um desses conceitos no úl-
naturais das regiões, como o clima e o relevo, causariam timo ­século.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

as ­diferenças culturais entre as sociedades. O maior de- Para o determinismo biológico, pode ser citada a crença de certos
senvolvimento econômico das nações do norte do globo segmentos intelectuais europeus dos séculos XVII e XVIII quanto à
inferio­ridade do homem não europeu (especialmente o africano) quando
era explicado como resultado do suposto temperamento comparado a este; quanto ao determinismo geográfico, a igual crença
racional e ­laborioso dos povos naturais de regiões de clima sobre a suposta capacidade intelectual limitada dos nordestinos ou
dos nortistas no imaginário popular depreciativo de muitos indivíduos
de outras partes do Brasil.
JONATHAN NACKSTRAND/AFP

Para ler

S ANTOS, José Luiz dos. O que é cultura.


16. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. (Coleção Primeiros Passos).
A obra trata didaticamente do conceito de cultura e suas
conexões com a diversidade, as relações de poder, entre
outros aspectos.

3. Escolas antropológicas
Como a Antropologia explica as manifestações cultu-
rais em meio à diversidade existente? Agora veremos de que
maneira diferentes escolas antropológicas desenvolveram
as definições de cultura que são hoje objeto de seu estudo.
AGE FOTOSTOCK/EASYPIX

Antropologia evolucionista
A Antropologia evolucionista foi desenvolvida na Ingla-
terra do século XIX, especialmente por meio dos estudos de
Edward Burnett Tylor (1832-1917). Para Tylor, cultura é “o
todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, mo-
ral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos
adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.
Essa definição está em seu livro Primitive culture, de 1871,
e foi a primeira teoria social a abordar o tema da cultura.
A escola evolucionista é importante para a ­Antropologia
principalmente por ter elaborado a primeira teoria social
No alto, em pé, integrantes do povo sami, em Jokkmokk, na da cultura. No entanto, ela também é responsável pela
Suécia, em 2020; acima, inuíte em Gjoan Haven, no Canadá, em
2009. Apesar de viverem em clima semelhante, os povos podem construção de outro postulado, já ultrapassado, segundo
desenvolver traços culturais bem diversificados, o que pode ser o qual as sociedades têm início num estado primitivo e se
constatado por suas vestimentas e formas de construção. tornam civilizadas com o passar do tempo.

63
Essa tese contribuiu para justificar o processo de e difundiam práticas e saberes que seriam absorvidos por
colonização da África e da Ásia no século XIX, pois a outros grupos sociais pelo contato entre seus membros.
Europa levaria a civilização aos povos dos outros conti- O difusionismo foi importante por ser uma teoria alterna-
nentes. Baseada numa visão eurocêntrica do mundo, essa tiva para a compreensão da diversidade cultural.
forma de pensar ainda hoje exerce influência em nossa Um modo de refletir sobre a proposta difusionista é
sociedade. Isso pode ser percebido, por exemplo, quando pensar que muitos elementos da cultura brasileira surgiram
utilizamos como modelo padrões de comportamento em outros contextos culturais e foram trazidos para nosso
típicos do Ocidente — principalmente da Europa oci- país pelo contato com representantes de diversas culturas.
dental e dos Estados Unidos — para analisar formas de
organização social e práticas culturais de outras regiões

INÁCIO TEIXEIRA/PULSAR IMAGENS


do globo.
WORLD HISTORY ARCHIVE/ALAMY/FOTOARENA

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Foliões no Farol da Barra, em Salvador (BA), em 2015.
O carnaval, elemento marcante da cultura brasileira,
é exemplo de uma prática que se originou em outra
sociedade, mas foi absorvida, adquirindo caráter
próprio no país.

Culturalismo: trajetórias e percursos culturais


Die Kongokonferenz in Berlin (Conferência do Congo em Berlim),
1884, xilogravura feita com base em desenho de Adalbert von Outra crítica ao evolucionismo foi feita pela escola
Rössler. A Conferência de Berlim (1884-1885) lançou as bases culturalista. Seu principal representante, o alemão naturali-
para a “partilha” da África. A perspectiva evolucionista legitimou zado estadunidense Franz Boas, argumenta que o conceito
a expansão neocolonialista europeia no século XIX, com
consequências que persistem ainda hoje. de civilização, central na teoria evolucionista, deve ser re-
lativizado, uma vez que depende dos parâmetros utilizados
para sua definição. Segundo esse pensador, as diferenças
Relativismo cultural: Antropologia culturais seriam resultado das trajetórias independentes
e diversidade cultural dos grupos humanos. Assim, não indicariam uma hierar-
quia, mas as escolhas e experiências de cada sociedade.
Para contrapor-se ao evolucionismo que dominava o
pensamento social e político, foram desenvolvidos, a partir
de fins do século XIX, outros métodos de pesquisa e de
Quem escreveu sobre isso
análise da cultura.
O resultado desse esforço intelectual está presente Franz Boas
GRANGER/FOTOARENA

nas diferentes teorias sociais, que têm em comum o re- Formado nos Estados Unidos,
conhecimento da diversidade cultural. Nesse sentido, o alemão Franz Boas (1858-
difusionismo, culturalismo, funcionalismo, estruturalismo -1942) rejeitou o evolucio­
e interpretativismo são as múltiplas faces da construção do nismo e defendeu uma visão
pensamento antropológico até os dias de hoje. histórica da cultura por acredi-
tar que ela seria a única capaz
Difusionismo: empréstimos e imitação cultural de permitir a compreensão das
características de qualquer
Contemporâneo do evolucionismo social, o difusionis-
sociedade. Para ele, era função Franz Boas, antropólogo
mo cultural caracterizou-se pela rejeição da unilinearidade,
da Antropologia evidenciar os precursor da crítica ao
ou seja, não admitia a ideia de um desenvolvimento cons- percursos diferenciados cons- evolucionismo.
tante e ascendente das culturas defendida pelos evolucio- truídos historicamente pelas
nistas. Para os difusionistas, a cultura deveria ser pensada diversas culturas.
como um mosaico no qual as diferentes sociedades criavam

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Um exemplo da aplicação dessa teoria é a utilização O reconhecimento da diversidade cultural foi uma das
que cada cultura dá às inovações tecnológicas. Pesquisas contribuições do funcionalismo para a Antropologia. A abor-
recentes apontam que os chineses inventaram o papel dagem funcionalista nos permite entender, por exemplo,
e a imprensa mil anos antes que o Ocidente. O império como os variados ritmos e danças existentes expressam as
chinês também já dominava as tecnologias necessárias maneiras pelas quais os grupos sociais se relacionam com
para a construção de grandes embarcações, mas manteve a música e com a arte.
seu isolamento com o intuito de proteger sua sociedade. Do mesmo modo, outras expressões culturais (religio-
A China só se deu conta do seu “equívoco” quando não sas, artísticas, alimentares, vestimentas etc.) e formas de
pôde fazer frente às aspirações coloniais da Grã-Bretanha organização social (políticas, econômicas, institucionais etc.)
nas Guerras do Ópio, entre 1839 e 1860. Essa perspectiva devem ser compreendidas tendo como base os sentidos
de análise antropológica criou a noção de relativis- atribuídos a elas por seus próprios praticantes, e não por
mo cultural. aqueles que as observam de longe.

RUBENS CHAVES/PULSAR IMAGENS


Para jogar

Bumba
REPRODUÇÃO

Jogo musical inspirado


nas tradições culturais
do estado do Maranhão,
o aplicativo Bumba
objetiva fortalecer a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

identidade regional por


meio da descoberta dos
ritmos, das paisagens
e das particularidades folclóricas locais. Além do prazer
lúdico, o jogo incentiva os participantes a mergulhar nas
características que reforçam o pertencimento cultural.

Funcionalismo: método etnográfico


e relativismo cultural

CÉSAR DINIZ/PULSAR IMAGENS


Para a Antropologia funcionalista, a cultura é um todo
integrado, uma síntese de instituições (jurídicas, econô-
micas, religiosas etc.) responsáveis pela perpetuação da
dinâmica social entre seus membros. As instituições sociais
(família, sistema legal etc.) são, portanto, meios coletivos
de satisfazer necessidades individuais (alimento, abrigo) e
sociais (casamento, segurança coletiva).

Quem escreveu sobre isso


Bronislaw
FOTOTECA GILARDI/AKGIMAGES/
ALBUM/ALBUM/FOTOARENA

Malinowski
O polonês B ­ ronislaw
Malinowski (1884- Diferentes regiões do Brasil constroem, por meio da dança, formas
-1942) é um dos fun- distintas de expressão artística: no alto, apresentação de carimbó
dadores da escola em Santarém (PA), em 2019; acima, apresentação do grupo
Congada Verde de Atibaia (SP), em 2018. Para o funcionalismo,
­f uncionalista. Sua Malinowski em sua pesquisa nas cada cultura encontra sua forma de resolver necessidades comuns
principal contribui- ilhas Trobriand, na Nova Guiné, às sociedades humanas.
realizada de 1915 a 1918.
ção à Antropologia
social foi o desenvolvimento de um novo método de
investigação de campo, a etnografia, cujas origens Etnografia. Etnografia, ou observação participante, é o
método por meio do qual o pesquisador descreve de modo
remontam às suas pesquisas na Oceania. De lá, saiu sistemático o cotidiano de um grupo social. Atualmente,
uma de suas obras de maior envergadura, Argonautas constitui uma forma de pesquisa de campo utilizada por
do Pacífico ocidental, de 1922. diversas ciências.

65
Antropologia estrutural: um fundamento Sociologia compreensiva de Max Weber. Para Geertz, o
universal das culturas comportamento humano é sempre simbólico, dependen-
Corrente surgida por volta de 1950, a Antropologia te de como os indivíduos percebem a si próprios e das
estrutural (ou estruturalismo) inspira-se originalmente na ações que resultam dessa percepção.
Linguística (ciência da linguagem).
Para os estruturalistas, a cultura é um conjunto de
Quem escreveu sobre isso
sistemas simbólicos (arte, religião, educação) que atua Clifford Geertz

RANDALL HAGADORN PHOTOGRAPHER. FROM THE SHELBY WHITE


AND LEON LEVY ARCHIVES CENTER, INSTITUTE FOR ADVANCED STUDY,
PRINCETON, NJ, USA
de modo integrado e constitui a totalidade social. Logo, O antro pólogo es-
não é possível compreender uma cultura com base em tadunidense Clifford
elementos isoladamente considerados: ela só faz senti- Geertz (1926-2006)
do como um todo, assim como uma língua só faz sentido é comumente consi-
no conjunto de sua estrutura gramatical, de seu vocabu- derado o responsável
lário e de sua prática oral. pela difusão da An-
De acordo com seu principal representante, o antropó- tropologia interpre-
logo franco-belga Claude L­ évi-Strauss, existem elementos tativa. Influenciado
universais nas diferentes culturas — as estruturas — que pelas análises de Max
devem ser estudados pela Antropologia por meio da expli- Weber, defende que
cação dos modelos inconscientes que servem de referência a investigação antro-
para que indivíduos e coletividades organizem o mundo e pológica deve inter-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
deem sentido a ele. pretar os significados
que os membros de
uma cultura dão às A obra mais difundida de Geertz,
Quem escreveu sobre isso
suas práticas. A interpretação das culturas, de
1973, propõe que o trabalho
Claude Lévi-Strauss
JOEL ROBINE/AFP/GETTY IMAGES

etnográfico deve abordar o papel


Claude Lévi-Strauss (1908- dos símbolos na conformação
-2009) é considerado o das ações humanas.
­c riador da Antropologia
es trut ural. Iniciou seus
estudos sobre os indíge- Essa corrente permite, por exemplo, compreender o
nas no Brasil quando foi comportamento esperado de um torcedor no estádio de
professor da Universidade futebol no meio de sua torcida. Nesse ambiente, espera-se
de São Paulo (USP), nos que ele, assim como os demais, vibre, grite e torça de modo
anos 1930. Em suas obras, Claude Lévi-Strauss, entusiasmado a cada ataque de seu time. A forma de torcer
propõe a busca pelo enten- criador da Antropologia representa um conjunto de símbolos com significados com-
dimento das estruturas que estruturalista. partilhados entre indivíduos de um mesmo grupo social.
conferem sentido a um sis-
tema cultural. Em contraposição à escola funcionalista,

AAMIR QURESHI/AFP/GETTY IMAGES


defendeu a ­etnologia, em lugar da etnografia, como
principal método de estudo da cultura.

Etnologia. Área da Antropologia que estuda as


características culturais de diferentes populações com
base nos dados obtidos por meio de pesquisa de campo,
isto é, pela etnografia.

Antropologia interpretativa: o primado


dos significados
A Antropologia interpretativa — também chamada
­Antropologia hermenêutica ou simbólica — confere à cultura
um papel diferenciado. Nessa perspectiva, a cultura é um sis-
tema simbólico, uma complexa “teia de significados” tecida
pelos próprios seres humanos e da qual não podem se libertar. Devotos muçulmanos fazem suas preces diante da mesquita
Faisal, em Islamabad (Paquistão), em 2021. Uma das
Seu principal representante é o antropólogo esta- características de uma crença religiosa é o compartilhamento
dunidense Clifford Geertz, cujas bases teóricas estão na de símbolos entre seus participantes.

66
WAGNER MEIER/AGIF/FOLHAPRESS Para assistir

 rava gente brasileira


B
Brasil, 2001.

LÚCIA MURAT. BRAVA GENTE BRASILEIRA. 2002


Direção: Lúcia Murat.
Duração: 104 min.
No final do século XVII, o
cartógrafo Diogo e alguns
soldados se dirigem ao Forte
Coimbra, no interior do país.
No caminho, deparam com um
grupo de mulheres indígenas e
as violentam. Diogo é forçado
por Pedro, chefe dos soldados, a
participar do ato. O filme retrata
Torcida da Seleção Colombiana comemora gol na partida o choque entre as culturas
disputada contra a Costa do Marfim, durante a Copa do Mundo de branca e indígena, além de
2014, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF). A participação discutir os conflitos entre Diogo,
dos torcedores em um estádio envolve um conjunto de símbolos Pedro e outras personagens.
compartilhados que podem ser interpretados pelo antropólogo.

Atitudes preconceituosas e discriminatórias (como a


Etnocentrismo e relativismo cultural xenofobia, que é a aversão ao estrangeiro) derivadas de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A rejeição às práticas culturais (e aos grupos ou indiví- uma visão etnocêntrica continuam a ocorrer, apesar de se-
duos que as praticam) diferentes das culturas dominantes rem combatidas por grupos organizados da sociedade civil e
tem sido uma constante em quase todo o mundo. Nas pelo sistema judiciário, quando tipificadas no Código Penal.
Ciências Sociais, denominamos etnocentrismo a essa O olhar etnocêntrico sobre o mundo produz duas ati-
forma de pensar e agir. tudes que negam a diversidade: o preconceito e a discrimi-
Etnocentrismo é, por definição, a visão de mundo nação. O preconceito ocorre quando grupos ou indivíduos
característica de quem considera sua cultura e seu grupo avaliam as práticas culturais de outros com base em valores
étnico mais importantes que os demais. Com base em cri- e opiniões preestabelecidas. O preconceito se efetiva por
térios de sua própria cultura, o etnocentrismo julga como meio de atitudes discriminatórias, ou seja, que tratam de
atrasados ou sem sentido as práticas e os valores culturais modo distinto e pejorativo práticas, valores e costumes
de outros povos ou grupos sociais. de outras culturas.
Ao longo da história, os contatos entre povos com

SERGIO PEDREIRA/PULSAR IMAGENS


diferentes práticas culturais despertaram estranheza,
desconfiança e até mesmo rejeição. Em muitos casos as
consequências foram devastadoras para as sociedades
militarmente mais frágeis que, muitas vezes, tiveram
seus valores culturais relegados a uma posição subalterna,
quando não extintos. Essa prática persiste até hoje.
EVARISTO SÁ/AFP/GETTY IMAGES

Praticantes do candomblé realizam cerimônia religiosa no


município de Lauro de Freitas (BA), em 2014. O olhar etnocêntrico
produz o preconceito e a discriminação de grupos e culturas.
Os integrantes das religiões afro-brasileiras são vítimas constantes
de preconceito e discriminação.

Em oposição ao preconceito e à discriminação, as


Indígenas protestam em frente do Palácio do Planalto, ­ iências Sociais defendem o relativismo cultural. Essa
C
em Brasília (DF), em 2021, contra projeto do governo federal que
viabiliza exploração mineral em terras indígenas.
forma de pensar compreende que cada manifestação
As práticas derivadas do etnocentrismo colocam em risco cultural é legítima quando avaliada de acordo com seus
diferentes grupos sociais em todo o mundo. próprios critérios.

67
A ­diversidade cultural é vista como positiva no âmbito 4. Ideologia e comportamento
da prática relativista, que a compreende como portadora
dos direitos de se expressar e de existir.
social
As práticas culturais não estão isentas da influência Para começarmos a discussão sobre ideologia, façamos
das ideologias presentes na sociedade. Desse modo, antes uma pequena reflexão. Imagine que a sua escola
a ocorrência de casos de preconceito e discriminação venha enfrentando uma série de problemas que está
­expressa a permanência de visões de mundo que rejeitam prejudicando o desenvolvimento das atividades. Diante
a diversidade. Nesse sentido, o desafio é produzirmos disso, funcionários, estudantes e responsáveis convocam
novas ideologias que respeitem e valorizem a coexistência uma assembleia para decidir se vão entrar em greve até
das culturas e se tornem modelos alternativos a todas as que as dificuldades sejam resolvidas. Que elementos vão
formas de intolerância. orientar as decisões dos membros da escola? E como você
vai tomar sua decisão?
Na vida social, quando deparamos com um problema,
MLADEN ANTONOV/AFP/GETTY IMAGES

buscamos soluções para ele. No entanto, as soluções en-


contradas não são neutras, ou seja, não estão isentas de
valores. Todos os indivíduos e grupos sociais têm interesses
diretamente relacionados às ideias que construímos ou que
são apresentadas no processo de interação social.
Voltando ao exemplo, imagine que na assembleia
estejam presentes pessoas que são favoráveis à greve,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
aquelas que são contrárias à paralisação e outras propos-
tas de ação. Cada uma dessas atitudes expõe um olhar
específico sobre o mundo e uma forma de explicação da
realidade social. Esse conjunto de ideias e valores que
orientam o comportamento e as decisões dos indivíduos
e grupos compõe a ideologia.
Nossas ações e percepções do mundo são baseadas em
ideologias. Como veremos nos tópicos a seguir, a ideolo-
SAM PANTHAKY/AFP/GETTY IMAGES

gia, assim como a cultura, é um elemento essencial para a


compreensão das relações sociais.

LUCIANA WHITAKER/PULSAR IMAGENS

Um dos modos de perceber a diversidade cultural é observar a


relação das culturas humanas com os animais. No alto, turistas
utilizam elefantes para passear nas ruínas de Ayutthaya, em Protesto de estudantes e professores no Rio de Janeiro (RJ),
Bangcoc, na Tailândia, em 2020; acima, os animais são usados em 2019, contra o contingenciamento de verbas na educação
em cerimônia religiosa em Ahmadabad, na Índia, em 2019. Cada pública realizado pelo governo federal. As decisões que tomamos
uma dessas formas de relação só pode ser compreendida por sua no dia a dia são influenciadas pelas ideologias presentes na
própria lógica. sociedade.

QUESTÕES QUESTÕES

Atitudes preconceituosas são sempre formas de Nossas ações e percepções de mundo são basea-
­etnocentrismo? Explique sua resposta. das em ideologias. Apresente dois exemplos que
Nem sempre as atitudes preconceituosas são formas de etnocentrismo. justifiquem essa afirmativa.
Há atitudes preconceituosas quanto à sexualidade ou ao gênero que Há inúmeras ações no nosso cotidiano. Duas delas poderiam ser a
não se baseiam na crença de que o próprio grupo cultural é melhor, uma tendência ideológica de acreditar que a competição, e não a cooperação,
vez que os indivíduos discriminados, neste caso, em geral pertencem é a regra no mundo profissional ou escolar ou que mulheres são mais
ao mesmo grupo cultural. dadas à emoção enquanto o homem é mais inclinado à razão.

68
O conceito de ideologia como

VEETMANO PREM/FOTOARENA
falsa consciência
Nas Ciências Sociais, o conceito de ideologia está
inicialmente relacionado aos estudos desenvolvidos por
Karl Marx. Com base em um debate travado com outros
pensadores sobre o desenvolvimento da consciência, Marx,
em parceria com Engels, desenvolveu o conceito de ideo-
logia como ilusão ou falsa consciência. As visões de Marx e
Engels sobre a ideologia estão expressas em manuscritos de
1846 que se tornaram conhecidos como A ideologia alemã.
Nessa definição, Marx procura se contrapor à visão do-
minante em seu tempo de que o desenvolvimento da razão
humana por si só modificaria o mundo, ou seja, as ideias
seriam o fundamento da realidade. Marx contra-argumenta
explicando que a sociedade é compreendida em duas esfe-
ras. A infraestrutura é a esfera da produção material, que
produz os bens que satisfazem as necessidades materiais. Já
a superestrutura representa o conjunto das ideias, das leis,
das religiões, da moral e das organizações políticas existen-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tes em uma sociedade e sintetizadas na figura do Estado. Pessoas fazem fila em busca de emprego na Agência do Trabalho,
em Recife (PE), em 2015. A ideologia dominante imputa aos
Essas duas esferas relacionam-se mutuamente, devendo ser trabalhadores a responsabilidade pelo desemprego.
percebidas como um todo estruturado.
Afirmar que as ideias (que pertencem à superestrutura) do Estado (superestrutura) explicam as dificuldades dos
são autônomas consistiria em estabelecer uma representa- trabalhadores de encontrar emprego.
ção falseada das relações sociais; significaria desconsiderar Contudo, ao mesmo tempo, para evitar que se perceba
que as relações materiais de produção construídas funda- a causa real do aumento do desemprego, as classes domi-
mentam o modo pelo qual cada um explica e interpreta o nantes desenvolveram uma explicação dessas mudanças
mundo. Por isso, nesse sentido, a ideologia é vista por Marx segundo a qual as dificuldades para conseguir emprego
como uma falsa consciência da realidade. são atribuídas à falta de qualificação ou de dedicação dos
Como explicar isso? Pense no seguinte exemplo: nas trabalhadores. Essa forma de explicar o desemprego faz
últimas décadas, houve mudanças profundas na forma com que muitos trabalhadores considerem que estão
de organização das empresas em todo o mundo, e, com desempregados por sua própria culpa.
base em propostas para maximizar os ganhos e minimi- Temos, nessa situação, um caso de ideologia como
zar os custos de produção, foram implementadas, com falsa consciência. Cabe ressaltar que a percepção da ideo­
a autorização do Estado, diversas estratégias que, entre logia como falsa consciência não ocorre por uma relação
outras consequências, reduziram o número de trabalha- mecânica, em que a base material determina a superes-
dores empregados e aumentaram a taxa de desemprego. trutura, mas em razão da utilização das ideias como forma
Na concepção defendida por Marx, as mudanças na base de impedir os trabalhadores de compreenderem as causas
material (formas de organização da produção) e na postura materiais que formam sua realidade.

Esferas sociais: infraestrutura e superestrutura


ANDERSON DE ANDRADE PIMENTEL

Educação Direito/Leis Superestrutura

Estado

Religião Moral

Fonte: produzido
pelos autores.
Relações de
Economia
Meios de Na visão de Karl
produção produção Marx, infraestrutura
Infraestrutura e superestrutura são
duas esferas da sociedade
que se relacionam e se
complementam.

69
Quem escreveu sobre isso
Antonio Gramsci

LASKI DIFFUSION/HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES


Antonio Gramsci (18 91-
-1937) foi um dos principais
Para Marx, a
ideologia é o
intelectuais marxistas do
universo simbólico século XX. Para ele, a chegada
que garante a das classes trabalhadoras ao
manutenção da poder deve ser precedida pela
FILIPE ROCHA

ordem vigente mudança de mentalidade


sob o controle das
classes dominantes.
da sociedade. Ele atribui à
educação e à cultura uma As ideias de Gramsci
importância significativa na influenciaram muitos
Em qualquer tempo histórico, a classe que controla o pensadores brasileiros,
formação da sociedade, pois
sistema econômico procura desenvolver um conjunto de como Paulo Freire.
são espaços para a constru-
ideias que legitime seu controle. Produz, assim, represen-
ção da hegemonia social.
tações da realidade que atendem a seus interesses e lhe
permitem continuar a exercer seu domínio sobre as demais
classes sociais. Dessa forma, as ideologias da classe domi- Em qualquer sociedade, o exercício do poder pressupõe
nante tendem a tornar-se a representação da realidade de alternância entre a coerção e o consenso. O exercício da
todas as classes. hegemonia de uma classe sobre as demais prevê o domínio

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
No exemplo dado, os trabalhadores passam a crer em baseado no consenso e não na força. Isso pode ocorrer
uma explicação que favorece a manutenção das estraté­ pela difusão da ideologia da classe dirigente para todas as
gias das classes dominantes, contribuindo para a consolida- esferas da vida, de maneira que se torne a concepção de
ção da forma de organização da economia que foi elaborada mundo de todas as classes.
pelos detentores dos meios de produção. Se pensarmos no exemplo dos trabalhadores utilizado
anteriormente, significa que a classe dominante, ao difundir
Ideologia como visão de mundo as ideias sobre o papel dos trabalhadores na questão do
Outra abordagem teórica sobre a ideologia é a do desemprego, não tem como objetivo produzir uma falsa
filósofo e político italiano Antonio Gramsci. Seus estudos consciência da realidade, mas influenciar o modo como
procuraram valorizar o papel da cultura no desenvolvimen- esses trabalhadores vão se comportar em seu cotidiano,
to da luta de classes. cobrando mais de si mesmos do que de seus empregadores
Para Gramsci, a ideologia pode ser compreendida como ou do ­Estado. Portanto, a dominação ocorre também no
visão de mundo, isto é, um conjunto de perspectivas pro- âmbito das relações culturais.
duzidas por diferentes classes sociais que se materializam Para Gramsci, no entanto, as classes dominadas não
nas práticas sociais ao mesmo tempo que são influencia- precisam ser elementos passivos nesse processo. Elas podem
das por elas, formando um sistema de valores culturais. construir sua própria visão de mundo e contrapor-se à visão
A ideologia representa o modo pelo qual cada grupo ou dominante. Esse processo se chama contra-­hegemonia.
classe social atribui sentido a suas experiências no mundo. Para isso, é necessária a existência de intelectuais vinculados
Duas consequências importantes derivam dessa visão. às classes dominadas, que possam ajudar a produzir outros
A primeira é a valorização da cultura na análise das relações olhares sobre o mesmo fenômeno.
sociais. A segunda é o papel que as classes dominadas
JOSE LUCENA/FUTURA PRESS

podem ter no processo de transformação da sociedade.


Na visão de Gramsci, as ideologias são expressões
das experiências sociais e estão profundamente vincu-
ladas às práticas culturais de sujeitos coletivos. Sendo
assim, as classes dominantes procuram difundir sua
forma de explicar o mundo, de modo que possam condi-
cionar o comportamento cultural das classes dominadas.
Quando isso ocorre, estamos diante de uma situação
denominada por ele de hegemonia.

Hegemonia. Domínio moral e político de uma classe sobre as Funcionários do Estaleiro Eisa Petro fazem passeata pelas ruas
outras, com base no consentimento dos subordinados e não do centro do Rio de Janeiro (RJ), em 2015. A organização e os
na violência. movimentos dos trabalhadores são formas de lutar contra a
hegemonia das classes dominantes.

70
Retomando o exemplo, significa dizer que as organi- Tal processo é marcado pelos interesses distintos de cada
zações sindicais e os grupos políticos e culturais ligados um desses grupos e pela tentativa de as classes dominantes
aos trabalhadores podem produzir explicações distintas tornarem seus modelos referência para as demais classes.
daquelas apresentadas pelas classes dominantes. Ao fazê-lo, Desse modo, a relação entre culturas, grupos sociais,
permitem aos trabalhadores e ao conjunto mais amplo da poder político e poderio econômico, entre outras, repre-
sociedade rejeitar a ideia dominante e mobilizar-se contra senta como as conexões entre cultura e ideologia são
as relações vigentes. Logo, as organizações de trabalhadores construídas e efetivadas na vida social.
podem ser uma forma de construção de contra-hegemonia.
O educador e filósofo pernambucano Paulo Freire (1921- Para assistir
-1997) elaborou uma reflexão sobre o papel da ideologia A negação do Brasil
que se vale dos dois aspectos utilizados anteriormente. Brasil, 2000.

JOEL ZITO ARAÚJO. A NEGAÇÃO DO BRASIL É UM


DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO. 2000, BRASIL
Para ele, a ideologia dominante é incutida na mente e na Direção: Joel Zito Araújo.
prática dos indivíduos por meio do processo educacional. Duração: 90 min.
A pedagogia tradicional associa-se ao modo de ver e agir Perpassando o universo das
das classes dominantes e falseia a realidade, apresentando telenovelas, o documentário
o olhar dominante como o único possível. discute o papel nelas atribuído
Em sua obra, o pensador brasileiro discute como a esco- aos atores negros, quase sempre
relegados a funções subalternas,
la reproduz e ensina aos estudantes a ideologia dominante, como escravos e serviçais. Ao
principalmente quando adota o modelo que ele d­ enomina debater a importância desse
educação bancária. Freire afirma que o modelo de educação tipo de produção cultural
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

adotado em nossa sociedade produz exclusão, desigual- na formação da identidade


dade e miséria, além de manter a submissão das classes étnica dos afrodescendentes,
populares às elites dominantes. o documentário reivindica uma
inserção positiva do negro na
Mas a educação pode cumprir outro propósito social, teledramaturgia brasileira.
de caráter emancipatório. Como Gramsci, Freire considera
que a educação também pode ser utilizada como ação
contra-hegemônica. Por meio do desenvolvimento de uma Uma manifestação cultural de origem popular como
ação pedagógica que rejeite os valores pelos quais a ideolo- o funk pode ser caracterizada como expressão social de
gia dominante reproduz injustiças sob o discurso do mérito parcela das classes dominadas da sociedade brasileira.
individual, Freire acredita que as classes populares podem Apesar da origem estadunidense, o funk foi ressignificado
produzir um discurso alternativo sobre o mundo, permitindo pelas populações da periferia das metrópoles brasileiras
aos dominados se libertarem do controle ideológico e se e tornou-se uma de suas referências na construção da
tornarem sujeitos ativos na transformação da sociedade. identidade social.
Por causa dessa origem popular, o funk é frequente-
QUESTÕES mente visto como uma manifestação cultural de menor
valor e há até mesmo quem não o considere uma mani-
Discuta com os colegas e com o professor se o festação ­cultural legítima. Aqueles que dançam ou cantam
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra suas músicas sofrem preconceito e discriminação. Muitas
(MST) ­poderia exemplificar a ideia de educação
vezes, o funk também é associado à criminalidade e proi-
para a emancipação.
bido pelas autoridades ­policiais.
Comente com a turma que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra é formado por pessoas que estão organizadas e são orientadas
para a luta política. Nesse sentido, a educação política praticada no MARLENE BERGAMO/FOLHAPRESS
Movimento pode ser considerada uma educação para a emancipação,
visto que a prática política é contra-hegemônica.

5. Cultura e ideologia
A análise dos fenômenos sociais do cotidiano permite
perceber a mútua influência entre cultura e ideologia, seja no
modo pelo qual os grupos e as classes sociais expressam sua
compreensão e sua trajetória no mundo, seja na forma pela
qual essa trajetória é interpretada e valorizada socialmente.
Em cada contexto sócio-histórico, determinados pa-
drões de comportamento são valorizados e outros secun-
Baile funk DZ7, na favela de Paraisópolis, São Paulo (SP), em 2019.
darizados ou rejeitados. Essa condição depende da relação O funk é um elemento da cultura popular que exemplifica
entre os diversos grupos no processo de interação social. a complexa relação entre cultura e ideologia no Brasil.

71
Entretanto, como gera retorno financeiro, em deter- das ou populares. Representa o conjunto de manifestações
minados contextos essa expressão musical é encampada culturais cuja origem remete às experiências cotidianas
pelos meios de comunicação de massa e acaba se tornando daqueles que não pertencem às classes dominantes.
uma mercadoria difundida socialmente. O caso do funk Se afirmamos que a cultura erudita está ligada à
mostra como a cultura (práticas, saberes, valores) está cultura oficial, institucionalizada, devemos entender que
sempre articulada com a ideologia (interpretação, com­ a cultura popular expressa o saber não oficial, ou não
preen­são, difusão de ideias) e com os interesses econô- institucionalizado.
micos dominantes.

DAVI RIBEIRO/FOLHAPRESS
QUESTÕES

Vimos que o funk é muitas vezes tido como mani-


festação cultural de menor valor. No entanto, isso
parece mudar quando ele se transforma em merca-
doria vendável. Há algum outro estilo musical que
tenha sofrido processo semelhante? Identifique-o.
O gênero chamado sertanejo. Originalmente circunscrito às regiões
interioranas do país, é motivo, fora dessas regiões, de considerações
depreciativas (“música caipira”, “da roça” etc.). Contudo, ao ser
mercantilizado, sofre uma transformação que descaracteriza seu conteúdo
original, mas o torna acessível para públicos mais ampliados.

As diversas faces da cultura

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A cultura é produção humana e não pode ser hierarquiza- Apresentação da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
da. Dizer que determinada prática cultural tem mais valor que (Osesp), no 45o Festival de Inverno, no Auditório Cláudio
outra é afirmar o etnocentrismo. Porém, isso não significa que Santoro, em Campos do Jordão (SP), em 2014. Por causa de sua
não possamos relacionar a produção cultural com os grupos origem e do público ao qual era destinada, a música clássica é um
exemplo de cultura erudita. Nos últimos anos, contudo, há uma
que as geraram. Sendo assim, é possível afirmar que a cultura tentativa de popularizá-la por meio da promoção de eventos e de
assume diversas faces que, em grande medida, representam atividades voltados para as camadas populares.
os grupos, sujeitos e contextos dos quais surgiram. Hip-hop

Trocando ideias

SÉRGIO PEDREIRA/PULSAR IMAGENS


Funk é cultura?
Expressão das periferias e de populações marginalizadas,
o funk tem seu status cultural negado por diferentes
atores sociais, como artistas, autoridades públicas e
jornalistas. No entanto, também apresenta um número
cada vez maior de adeptos, espaço crescente na mídia
e forte penetração nas camadas médias da população.
Diante dessa controvérsia, pesquise os diferentes
argumentos que debatem o funk como manifesta-
ção cultural e responda: afinal, o funk é ou não uma
­expressão da cultura?
O professor deverá orientar os estudantes a buscar os dois argumentos
que estruturam o debate. O primeiro aponta para uma suposta baixa
qualidade sonora/melódica do funk, sua ambiência de violência,
machismo, sexismo, drogas etc., para justificar sua proibição legal
e negar seu status de manifestação cultural. O segundo aponta para
seu caráter popular, autêntico, sua feição de resistência aos padrões
dominantes, lutando pela sua plena legalidade e reafir­mando sua
pertinência e legitimidade ­sociocultural.

Mala de cordéis do escritor Jurivaldo Alves da Silva, em Feira


Cultura erudita e cultura popular de Santana (BA), em 2019. A literatura de cordel é um exemplo
de valorização do olhar das classes populares sobre o mundo.
Chamamos cultura erudita as práticas, os costumes
e os saberes produzidos pelas elites ou para elas. Normal- Pelo fato de as práticas culturais efetivarem as visões de
mente, tais práticas e saberes estão relacionados à produção mundo das diversas classes sociais, devemos entender que a
cultural das classes dominantes, que procura se distinguir relação entre cultura erudita e popular também está inserida
do que é produzido pelas outras classes. nesse contexto. Sendo assim, elementos da cultura erudita
Por cultura popular entendemos as práticas, os cos- podem ser utilizados para reforçar a dominação das elites
tumes e os saberes que têm sua origem nas classes domina- sobre o povo. Em outras palavras, a difusão de determinada

72
forma de linguagem ou sotaque como padrão nacional pode 6. Indústria cultural e meios
indicar o estabelecimento do domínio linguístico e cultural
de um grupo social sobre os demais.
de comunicação de massa
Por outro lado, na tentativa de construir valores contra- Na análise das relações entre cultura e ideologia, uma
-hegemônicos, membros das classes dominadas se valem de temática relevante para as Ciências Sociais é a discussão
elementos da cultura popular para se oporem aos padrões das relações entre cultura de massa, indústria cultural e
estabelecidos pelas classes dominantes. A ­valorização do fol- meios de comunicação de massa. A proximidade dos con-
clore de d
­ iversas partes do Brasil constitui uma possibilidade ceitos parece indicar uma coisa só, mas eles constituem
de difusão das experiências e visões de mundo das classes elementos distintos na estratégia de consolidação da
dominadas, ao mesmo tempo que fornece alternativas ao ideologia capitalista.
modo de ver e explicar o mundo das classes dominantes. Uma questão interessante é que, diferentemente das
culturas erudita e popular, que são produzidas respectiva-
mente pelas elites e pelas classes populares, a cultura de
JORGE HELY/FRAMEPHOTO/FOLHAPRESS

massa não é produzida pelas massas, mas para as massas.


Ela é gerada no interior da indústria cultural, conjunto
de empresas vinculadas à classe dominante que tem como
função “produzir” cultura. Mas como produzir industrial-
mente algo que, como vimos, surge das práticas cotidianas
dos diferentes grupos e classes sociais?
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

JARDIEL CARVALHO/FOLHAPRESS
Desfile da escola de samba do Grupo Especial Estação Primeira de
Mangueira, no Rio de Janeiro (RJ), em 2019. Eventos como esse
são exemplos de manifestações da cultura popular apropriadas
pelos interesses econômicos das classes dominantes.

Com o advento e a consolidação do capitalismo,


uma nova forma de expressão cultural foi desenvolvida.
É a cultura de massa, que se caracteriza por transformar
as práticas, os saberes e os costumes das diferentes classes
em mercadorias.
Entrevista com a atriz Regina Duarte para o programa Plano
Como veremos adiante, uma de suas consequências Sequência, da TV Escola, no Rio de Janeiro (RJ), em 2019.
é a ofuscação das diferenças entre as culturas popular e Programas de entrevista ou jornalísticos são uma forma de
erudita, que, ao serem incorporadas à cultura de massa, transmissão da ideologia das classes dominantes na atualidade.
perdem sua importância específica no cenário social con-
temporâneo. Isso acontece pela massificação de saberes e padrões
de comportamento que interessam às classes dominan-
É importante ressaltar que, diferentemente do que afir-
mam os meios de comunica­­ção, a cultura de massa também tes, para que sejam adotados pelas classes dominadas.
apresenta caráter ideológico. Seu atrelamento aos interesses Por meio de inúmeros produtos (novelas, filmes, livros,
capitalistas a transforma numa expressão crucial da visão de shows, programas de TV, revistas etc.), há uma difusão de
mundo das classes dominantes, ditando comportamentos elementos culturais que tem como premissa a consolida-
padronizados e colaborando de maneira central na conso- ção de valores e comportamentos que reforçam a ordem
lidação dos valores típicos do sistema capitalista. social capitalista. Para isso, esses produtos incentivam o
consumo e a padronização dos gostos, em um processo
Para ler em que prevalece a busca pelo lucro.
Os meios de comunicação de massa (televisão, rádio,
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias
cinema, jornais etc.), que são os principais veículos de divul-
para entrar e sair da modernidade.
São Paulo: Edusp, 2000. (Coleção Ensaios Latino-Americanos).
gação da cultura de massa, exercem papel essencial nesse
O livro estabelece relações entre a modernidade sociocultural
contexto. São eles os responsáveis por transmitir os ideais
e os processos de modernização econômica na América Latina, das classes dominantes para o conjunto da sociedade, de
tendo como base países como Brasil, Argentina e México. forma que possam consolidar seu controle hegemônico
sobre as classes dominadas.

73
Por exemplo, quando um programa jornalístico apre- O conformismo refere-se à aceitação tácita da realida-
senta uma notícia, o modo como são narrados os fatos ou de social, tal como mostrada pelos meios de comunicação,
apresentadas as entrevistas não é neutro. Procura-se cons- que não lhe fazem nenhuma crítica. O divertimento e o
truir determinado olhar sobre a realidade que representa a entretenimento reforçam a naturalização das situações
visão dos donos desses veículos de comunicação. Diante de opressão e desigualdade apresentadas nos filmes, nas
do cotidiano das classes trabalhadoras, a principal forma de telenovelas e nas séries televisivas.
obter informações é por meio da televisão. Por conta disso, a Esse processo de naturalização e conformismo produz a
maneira como essas pessoas vão interpretar os acontecimen- alienação das massas. Funciona como mecanismo de con-
tos será influenciada pela forma como a emissora apresenta trole social, pois neutraliza a possibilidade de o indivíduo
os fatos. Assim, a televisão é um veículo essencial para a entender e criticar os padrões de relações sociais aos quais
difusão da cultura e da ideologia dominantes. está submetido. Assim, a ideologia dominante transmitida
Essas e outras questões fizeram com que as Ciências por esses produtos culturais permite a reprodução das
Sociais estudassem os vínculos entre cultura, ideologia e relações de dominação na sociedade.
poder. O estudo da cultura sob a perspectiva das relações
História do cinema
de poder e dominação (ou controle social) levou Theodor QUESTÕES
Adorno e Max Horkheimer (1895-1973) a criar, em mea­dos
dos anos 1940, o conceito de indústria cultural. Esse con- Assista a uma mesma notícia nos telejornais de três
canais diferentes e depois responda às questões.
ceito foi elaborado para designar o modo como se produz
cultura, com base na padronização verificada em qualquer Houve neutralidade na narração do fato?
outra produção industrial. Assim, as empresas responsáveis  sua interpretação da notícia: ela foi ou não afe-
E

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pela produção em massa de bens culturais como mercadoria tada pelo modo como as emissoras informaram?
O capítulo demonstra, de vários modos, que não existe neutralidade na
fazem parte da indústria cultural. apresentação da notícia pelos canais de comunicação. Com isso, de
De acordo com Adorno, a produção da cultura passou forma mais ou menos frequente, a opinião ou senso crítico do espectador
são afetados, fazendo-o reproduzir o que assiste nesses canais em vez
a ter como principal finalidade o lucro. Esse processo de de desenvolver um julgamento pessoal e crítico dos fatos.
mercantilização tornou-se um obstáculo para a arte exercer
sua função de criticar a sociedade, já que ela passaria prio-
ritariamente pelos administradores e técnicos responsáveis Cultura, ideologia e identidade
por tornar os produtos mais rentáveis. Além disso, a neces- cultural no século XXI
sidade de consumo, caracterizada pela insaciabilidade, está Desde o século XIX, o telégrafo, o rádio, o telefone e
intimamente ligada à difusão da ideologia capitalista pela o cinema vinham alimentando o desejo humano de estar
indústria cultural e pelos meios de comunicação de massa. presente em todos os lugares ao mesmo tempo. A partir
A cultura de massa, como produto da indústria cul- dos anos 1970, a fusão das telecomunicações analógi-
tural, sustenta-se oferecendo divertimento e produzindo cas com a informática provocou uma transformação no
­conformismo. A diversão propiciada pelos produtos da modo como circulam as informações, permitindo uma
indústria cultural muitas vezes mascara os conflitos exis- comunicação multidirecional, desenvolvendo o que o
tentes na sociedade. sociólogo espanhol Manuel Castells (1942-) denomina
sociedade da informação.
Quem escreveu sobre isso
AMMAR AWAD/REUTERS/FOTOARENA
Theodor Adorno
IMAGNO/HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES

Theodor Wiesengrund Ador-


no (1903-1969) nasceu na
Alemanha e, como professor
na Universidade de Frankfurt,
participou da fundação do
Instituto de Pesquisas So-
ciais (IPS) no início dos anos
1920. Reunindo n omes
como ­Walter Benjamin, Max
Horkheimer e o próprio Ador-
no, o IPS propôs uma teo­ria
social engajada, de bases Entre as principais obras
de Adorno está A indústria Estudantes palestinas fazem selfie na cidade velha de Jerusalém
marxistas, sendo responsável (Israel), em 2015. A difusão do uso de equipamentos eletrônicos
cultural: o iluminismo
pela criação de conceitos como mistificação das no cotidiano exemplifica o alcance das tecnologias da informação
como “indústria cultural”. massas, de 1947. e, por extensão, dos processos de construção da cultura e
da ideologia.

74
A análise sociológica da sociedade da informação tenta diversidade e amplitude geográfica, gerando novos e
compreender as transformações sofridas pelas sociedades múltiplos sentidos e formas de pertencimento para
contemporâneas graças ao impacto da revolução digital. a juventude. A maneira como os vínculos sociais se
A ­indústria geradora de serviços e de conteúdos digitais difundem pela internet consolida e estabelece uma nova
passa a ter importância fundamental na formação de com- ordem comunicativa, na qual a solidariedade da tribo se
portamentos e hábitos de consumo. No entanto, a forma fortalece e se redefine pelas redes eletrônicas.
como essas mudanças ocorrem não pode ser compreendida O sociólogo franco-tunisiano Michel Maffesoli (­ 1944-)
sem que se perceba que a tecnologia não está separada da aponta a formação das tribos urbanas como reação ao
produção social nem da cultura. processo de homogeneização promovido pela cultura de
As tecnologias, bem como a linguagem e as institui- massa e pela indústria cultural. Assim, as tribos surgem e
ções sociais, são parte das construções humanas. Elas são vinculam-se a elementos específicos da cultura urbana.
produto da sociedade e da cultura, e tanto sua criação A partir daí, podemos dizer que na sociedade de massas
quanto seu uso constituem nossa própria noção de huma- há predominância das influências exercidas pelos meios de
nidade. Assim, elas não são neutras, e o desenvolvimento comunicação de massa na formação das práticas culturais e
tecnológico se orienta por interesses que podem considerar das ideologias. No entanto, existe espaço para que formas
ou não as desigualdades sociais e os abismos digitais. alternativas de concepção de mundo e de comportamen-
Por isso, é importante considerar os contextos culturais tos possam se desenvolver e indicar novos caminhos para
e ideológicos em que essas tecnologias são utilizadas. Por nossas ações cotidianas.
exemplo, os diversos usos que fazemos das redes sociais Como vimos, cultura e ideologia podem ter sentidos
­on-line são influenciados pelo conjunto de visões de mun- diversos, dependendo do contexto em que são produzidas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do em disputa na sociedade, assim como pelos interesses Assim, é importante compreender esses dois conceitos
comerciais e políticos de empresas e governantes. como passíveis de mudanças, cuja importância para a
Sociologia é indiscutível.
EDUARDO KNAPP/FOLHAPRESS

CERNAN ELIAS/ALAMY/FOTOARENA
Policiais da tropa de choque posicionam-se diante de manifestantes
durante protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, na esquina
da rua da Consolação com a rua Maria Antônia, em São Paulo (SP).
As manifestações populares ocorridas em junho de 2013 no Brasil
são um exemplo de que as redes sociais on-line podem ter papel
político fundamental.

Uma visão otimista da expansão das tecnologias da


informação é desenvolvida pelo filósofo francês Pierre
Lévy (1956-). Para ele, a propagação das redes sociais Fãs de música punk reúnem-se na cidade de Blackpool,
on-line pode transformar as relações culturais e políticas, Inglaterra, em 2015, para o festival anual Rebellion. As tribos
urbanas representam comportamentos culturais e identitários
gerando novos modos de exercício da cidadania e da de- contestadores da cultura e da ideologia dominantes.
mocracia, que ele chama de cibercultura. Nesse aspecto,
entende-se que o espaço digital poderá concretizar seu O século do eu
QUESTÕES
potencial político ao ser habitado por culturas cada vez
mais diversas e participativas. Um exemplo desse uso O termo “tribo urbana”, como vimos, refere-se a
político das redes sociais são as manifestações ocorridas alguns segmentos jovens que surgiram nas últi-
no Brasil em junho de 2013, em que essas redes tiveram mas décadas do século XX. Em sua opinião, existe
papel central na organização dos protestos. relação entre esse conceito e sua inspiração ori-
ginal, a tribo indígena? Comente com os colegas.
Nesse novo contexto social, também ganham des- A interpretação do conceito de “tribo urbana” entende, de forma um
taque as tribos urbanas e seu papel na formação das tanto errônea, haver certa homogeneidade nos comportamentos dos
identidades juvenis. Caracterizadas como grupos iden- indivíduos envolvidos nessas turmas de jovens, tanto quanto há,
supostamente, nos coletivos indígenas. Entretanto, tal conceito nem
titários que questionam os padrões de comportamento sempre pode ser utilizado para explicar esses comportamentos juvenis,
e a expressão cultural dominantes, as tribos urbanas já que o que mais marca os jovens em questão é a singularidade de
sua apresentação pública.
surgem nas últimas décadas do século XX e conquistam

75
Considerações sociológicas
Novelas brasileiras: alienação ou conscientização na tela?
No Brasil, uma das principais expressões da indústria e transmitir uma visão específica de mundo, como se
cultural são as telenovelas. O modelo, que consiste fossem uma leitura neutra da realidade social.
em contar uma história de maneira linear, tornou-se Em contraposição a essa ideia, há os que argumentam
comum nos jornais em fins do século XIX, passando que as novelas cumprem um papel social importante na
posteriormente para o rádio. No entanto, foi na televisão conscientização das pessoas e na discussão de compor-
que o gênero se consolidou como um tipo preponde- tamentos das diferentes classes sociais brasileiras. Para
rante de entretenimento. estes, representantes de uma posição de análise que de-
A trajetória da teledramaturgia se desenvolveu no fende as novelas como elemento integrador, tal gênero de
Brasil a partir dos anos 1950, com a adaptação de nove- produção cultural tem o mérito de colocar em discussão
las radiofônicas para o novo meio de comunicação. No temas próprios da realidade popular que não encontram
final dos anos 1960, as produções passaram a incorporar espaço de divulgação na agenda política de partidos e
diferentes técnicas e ficaram sofisticadas, o que tornou governos. Nesse sentido, assuntos como emancipação
o gênero o mais popular entre os programas televisivos. feminina, questionamento da estrutura patriarcal da
A partir desse momento, as telenovelas vêm causando sociedade brasileira, demandas de minorias sociais, como
admiração e comoção no público brasileiro e conquis- os homossexuais, foram debatidos primeiro nos folhetins
tando seu envolvimento, o que as transforma em mer- e posteriormente na sociedade. Ou seja, as novelas teriam

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cadoria de grande valor, exportada para outros países. o papel de despertar a sociedade para questões que, por
Por causa da importância que adquiriram no coti- serem enraizadas na estrutura cultural ou demandarem
diano, as novelas são objeto de debate em diferentes mudanças profundas de comportamento, dificilmente
esferas da sociedade e também nas Ciências Sociais. são discutidas no cotidiano. Além disso, elas cumpririam
No campo da Sociologia, sua interpretação apresenta o papel de ser uma forma de entretenimento produzida
duas visões. A primeira, filiada à perspectiva crítica de- com apuro tecnológico e artístico de alto nível.
senvolvida por Adorno e Horkheimer, as considera um Segundo a cientista social Esther Hamburger, as duas
veículo de difusão da ideologia das classes dominantes. perspectivas apresentam elementos válidos. De acordo
Nesse sentido, essa forma de entretenimento seria um com ela, as novelas, de fato, ultrapassam os limites da
modo de alienar o público, falseando a realidade, o que ficção e invadem a realidade social. Em determinados
significa dizer que enredos, personagens e cenas têm contextos, cumprem o papel de colocar demandas sociais
o propósito de impedir a audiência de refletir sobre sua em debate a despeito dos interesses da indústria. Em
própria realidade. A utilização do modelo clássico de outras situações, entretanto, elas se apresentam como
oposição simples entre o bem e o mal, a reprodução es- veículo de propaganda de grandes empresas e ideolo-
tereotipada de grupos e minorias sociais e a montagem gias, criando moda, vendendo produtos e estabelecendo
de cenas e situações com o objetivo de vender ou divul- maneiras homogeneizadas de interpretação da realidade.
gar produtos são alguns dos argumentos contrários a es- Cabe a nós interpretarmos as novelas brasileiras: elas
sas produções. Nessa concepção, as novelas contribuem ­constituem instrumentos de alienação ou de reforço de
para padronizar comportamentos, reforçar estereótipos demandas e identidades sociais?

Faça a leitura do texto com os estu-


JEAN GALVÃO/FOLHAPRESS

dantes em sala e peça que expressem


sua opinião sobre os argumentos apre-
sentados, levando em conta os dois
lados da questão. Comente a análise da
cientista social Esther Hamburger, que
considera elementos válidos nas duas
perspectivas. De acordo com ela, as
novelas de fato ultrapassam os limites
da ficção e invadem a realidade social.
Em deter­minados contextos, cumprem
o papel de colocar demandas sociais
em debate, a despeito dos interesses da
indústria. Diante disso, seria interessante Assistir a novelas é
pedir aos estudantes que comentem as um ritual enraizado
telenovelas que estejam sendo exibidas
e avaliem a pertinência das críticas que
no cotidiano de
apontam para a tendência à reafirmação grande parcela da
de padrões e discursos ideológicos. população brasileira.

76
Direito e sociedade Essa seção apresenta o problema das políticas públicas de promoção da cultura
no Brasil. Leia o texto com os estudantes e ressalte o paradoxo da antiguidade
das relações entre as manifestações culturais e o Estado e o caráter recente
O Direito e a promoção da cultura das ações deste em prol da salvaguarda e do fomento à permanência tanto
da cultura material quanto da imaterial no Brasil.
No Brasil, são antigas as relações entre Estado e estimular a presença da arte e da cultura no ambiente
manifestações culturais. Contudo, a proposição de po- educacional; e reconhecer os saberes, conhecimentos e
líticas públicas de apoio e promoção à cultura é muito expressões tradicionais e os direitos de seus detentores”.
mais recente. Um dos marcos da institucionalização das Essa valorização da cultura popular, entretanto, não
políticas culturais deu-se com a criação do Serviço do é uma benesse do Estado. É fruto de um longo pro-
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em cesso de lutas sociais, entre as quais estão as diversas
1937. Já entre os anos 1950 e 1960 verificou-se o início mobilizações populares que se estruturaram após a
de grandes investimentos privados, entre os quais estão redemocratização do Brasil, em 1985. Essas mobilizações
o Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro, e o impactaram a redação da Constituição Federal, de 1988,
Museu de Arte de São Paulo (Masp), na capital paulista. e continuam a atuar na tutela política e jurídica à cultura
As relações entre Estado e cultura são necessaria- popular brasileira.
mente marcadas pelas forças políticas e ideológicas que A Constituição Federal revitalizou e ampliou o concei-
se estabelecem na sociedade em cada momento his- to de patrimônio, substituindo a nominação “Patrimô-
tórico. Nos últimos anos, as políticas culturais buscam nio Histórico e Artístico” por “Patrimônio Cultural”. Essa
valorizar não somente as grandes instituições (públicas alteração incorporou o conceito de referência cultural
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ou privadas), artistas e produtores, mas também as ma- na definição dos bens passíveis de reconhecimento,
nifestações diretamente vinculadas à cultura popular. sobretudo os de caráter imaterial.
A Lei n o 12.343, de 2010, que instituiu o Plano Na- O artigo 216 da Constituição conceitua patrimônio
cional de Cultura (PNC), está especialmente voltada cultural como os bens “de natureza material e imaterial,
para a proteção e a promoção da diversidade cultural tomados individualmente ou em conjunto, portadores
brasileira. Entre seus principais objetivos estão “valori- de referência à identidade, à ação, à memória dos
zar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira; diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.
J. L. BULCÃO/PULSAR IMAGENS

O Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro (RJ), em foto de 2012. A instituição faz parte dos investimentos
que marcaram a institucionalização de uma política para a cultura no Brasil.

AS LEIS E O CONTEXTO SOCIAL


Tendo essas reflexões como parâmetro, junte-se a três 3. Listem as práticas, os serviços, os bens artísticos
colegas e realizem as atividades a seguir. e culturais que vocês conhecem e discutam a re-
levância deles para a cultura no país.
1. Pesquisem mecanismos de proteção do patrimô-
nio cultural existentes tanto em âmbito nacional 4. Que patrimônio cultural vocês gostariam de ver
quanto no plano do estado e do município em tombado ou registrado? Por quê?
que vivem.
5. Aproveitem a oportunidade e pesquisem qual é o
2. Existe algum patrimônio ­cultural tombado, in- processo jurídico que formaliza o tombamento de
ventariado ou registrado na região, no estado ou um patrimônio. Após a pesquisa, compartilhem
no município onde vocês vivem? com os outros colegas a informação.

Pode-se, assim, pedir aos estudantes que pesquisem, no estado ou região em que moram, outras práticas e manifestações submetidas a
registro pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), como é o caso das feiras de Caruaru, no estado de Pernambuco, e de
São Cristóvão, no Rio de Janeiro, da festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, no Pará, e da produção artesanal de queijo, em Minas Gerais.
Em seguida, peça que comentem a importância de tais registros para a valorização dos saberes populares, incentivando-os a pensar de
que forma essa cobertura jurídica pode trazer benefícios para a população de modo geral e, em particular, para os sujeitos envolvidos
nas referidas práticas culturais. 77

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