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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS (IFCS)

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA


(PPGSA)

VINICIUS MAYO PIRES

A “invenção” do município: a criação de Japeri

Rio de Janeiro
Junho de 2012
VINICIUS MAYO PIRES

A “invenção” do município: a criação de Japeri

Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e
Antropologia (PPGSA-UFRJ) como
parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de mestre em
Sociologia (com concentração em
Antropologia).

Orientadora: Prof. Dra. Karina Kuschnir

Rio de Janeiro
Junho de 2012
PIRES, Vinicius Mayo
A “invenção” do município: a criação de Japeri/ Vinicius Mayo Pires. – Rio de Janeiro,
UFRJ, 2012.

Orientadora: Karina Kuschnir


Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro/ IFCS/ PPGSA, 2012.

1- Emancipação Municipal. 2- Japeri. 3- Agentes emancipacionistas. 4- Divisas


municipais – Dissertação. I. Kuschnir, Karina. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia. III. Título: A “invenção” do município: a criação de Japeri.
VINICIUS MAYO PIRES

A “invenção” do município: a criação de Japeri

Dissertação de Mestrado
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e
Antropologia (PPGSA-UFRJ) como
parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de mestre em
Sociologia (com concentração em
Antropologia).

Aprovada em 17 de julho de 2012

Banca Examinadora:

_______________________________________
Profª. Dra. Karina Kuschnir (orientadora)

_______________________________________
Profª. Dra. Elina Gonçalves Pessanha (PPGSA/IFCS/UFRJ)

_______________________________________
Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra (PPGA/ICHF/UFF)

Suplentes:

_______________________________________
Prof. Dr. André Pereira Botelho (PPGSA/IFCS/UFRJ)

_______________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Alkmin (IBGE/PUC-Rio/FGV)
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao meu pai Nelson, minha mãe Neli e minhas irmãs
Juliana e Marcela pelo amor mais do que necessário que recebo ao longo de minha vida.

Aos meus amigos, Alexandre Goulart, Diego Inagoki, Guto Menezes, Bruno
Seabra, Guilherme Castro, Helio Sá, Bruno Drumond, Cleiderman Braga, Denis de
Barros, Mariana Leoncini, Lilian Samea, Mauricio Hoelz, Paloma Malaguti, Jorge
Donato e Ismael Esteves, por me fazerem acreditar a cada dia que “sonhos não
envelhecem”.

À Silvia Canatto, pela companhia e o amor a mim dedicados nos últimos anos.

Aos amigos Lier Pires, Afrânio Oliveira, Marcelo Silva e Lésio Tavares no
amadurecimento da prática docente.

À minha orientadora Karina Kuschnir, pela compreensão dos atrasos e


limitações no desenvolver da pesquisa, mas principalmente pelo incentivo na reta final
de conclusão da dissertação.

Agradeço também à professora Beatriz Heredia, pelos diálogos e enriquecimento


intelectual da pesquisa através do curso “Comunidade, localidade e nação”.

À professora Elina Pessanha e Marco Otávio Bezerra, agradeço pela


receptividade e contribuições no exame de qualificação.

Aos moradores e amigos de Japeri, que sempre se mostraram dispostos,


juntamente comigo, para a compreensão da formação e das questões em torno do
município.

Agradeço aos amigos Anísio, Geraldo, Jonas e Danilo, pela ajuda e companhia
no florescer de cada manhã na Rua Camerino.

Aos meus alunos, pela compreensão da minha militância para um saber mais
crítico e reflexivo.

À CAPES, pelo auxílio financeiro nos primeiros anos de pesquisa.


RESUMO

O objetivo do presente estudo é proporcionar uma reflexão sobre as


emancipações municipais ocorridas a partir da redemocratização do Brasil, consolidada
com a Constituição Federal de 1988. Neste período ocorreram sucessivas incorporações,
divisões e fragmentações de municípios, correspondendo a um acréscimo de 32% dos
municípios brasileiros, no período compreendido entre 1988 até 2001(IBGE, 2003). O
estudo apresenta como recorte analítico a emancipação de Japeri, município do estado
do Rio de Janeiro, que obteve sua emancipação no ano de 1991. A pesquisa analisa a
emancipação de Japeri a partir de uma multiplicidade de fatores, demonstrando que o
município não é um dado a priori, com população, divisas e território definido, mas sim
resultado de contínuas invenções de significados e ressignificados ao longo de sua
história.

Palavras-chave: Antropologia Política, Emancipação Municipal, Japeri, agentes


emancipacionistas, divisas municipais

ABSTRACT

The main goal of this study is providing a reflection about the municipal
emancipation that occured as of the redemocratization of Brazil, that was consolidated
with the Federal Constitution of 1988. In this period successive incorporations,
divisions and fragmantations of towns occured, correspondind to 32% increase of
Brazilian towns from 1988 until 2001(IBGE, 2003). The study shows as an analytic cut
the emancipation of Japeri, a town of Rio de Janeiro, that obtained its emancipation in
1991. This research analyses the emancipation of Japeri from a variety of factors,
demonstrating that the town is not a priori a data with population, divisions and a
definite territory but rather a result of continuous inventions of meanings and
resignifications during its history.

Keywords: political anthropology, municipal emancipation, Japeri, emancipationist


agents, municipal borders.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................10

Capítulo 1
1.1. A história de Japeri ........................................................................................21
1.2. A emancipação municipal de Japeri................................................................28

Capítulo 2
A legitimação das “bases” e os “apóstolos” da emancipação de Japeri .................39

Capítulo 3
3.1. Localidades, divisas e pertencimento - Japeri e Engenheiro Pedreira: iguais ou
diferentes? .............................................................................................................53
3.2. Os moradores das divisas municipais e o sentimento de pertencimento..........58

Capítulo 4
O município à procura de uma “vocação” ..............................................................67

Considerações finais .............................................................................................80

Referências bibliográficas ....................................................................................87

Anexos.................................................................................................................... 91
LISTA DE MAPAS:

Mapa 1 – Município de Nova Iguaçu em sua extensão territorial atual e os municípios


emancipados com os respectivos anos de emancipação.................................................... 14

Mapa 2 – Localidades de Nova Iguaçu que tentaram emancipação em 1988.................. 27

Mapa 3 – Municípios que fazem divisa com o município de Japeri..................................60

Mapa 4 – Município de Japeri – Região Metropolitana do Rio de Janeiro...................... 60

LISTA DE FOTOS:

Foto 1 – Estação de trem de Japeri.....................................................................................23

Foto 2 - Bar e cafeteria no interior da estação de trem de Japeri.......................................24

Foto 3 - Campanha pela emancipação de Queimados, Cabuçu, Japeri e Engenheiro


Pedreira..............................................................................................................................25

Foto 4 - Campanha pela emancipação de Japeri e Engenheiro Pedreira...........................33

Foto 5 – Divisa entre os municípios de Japeri e Nova Iguaçu..........................................62

Foto 6 – Divisa entre os municípios de Japeri e Paracambi..............................................63

Foto 7 – Estação de trem de Japeri....................................................................................68

Foto 8 – Acesso à estação de trem de Japeri.....................................................................68

Foto 9 – Centro urbano de Japeri......................................................................................68

Foto 10 – Centro urbano de Engenheiro Pedreira.............................................................69

Foto 11 – Rua do bairro Chacrinha (Japeri)......................................................................69


LISTA DE QUADROS:

Quadro 1 – Eleição para prefeito de Japeri 1992...............................................................43

Quadro 2 – Eleição para prefeito de Japeri 1996...............................................................43

Quadro 3 – Eleição para prefeito de Japeri 2000...............................................................43

Quadro 4 – Eleição para prefeito de Japeri 2004...............................................................44

Quadro 5 – Eleição para prefeito de Japeri 2008...............................................................44

Quadro 6 – Número de estabelecimentos industriais – Construção Civil..........................71

Quadro 7 – Número de estabelecimentos industriais – Extração Mineral.........................71

Quadro 8 – Número de estabelecimentos industriais – Transformação.............................71

Quadro 9 – Índice de pobreza - POF 2002/2003...............................................................75

Quadro 10 – Índice de pobreza subjetiva - POF 2002/2003..............................................75

Quadro 11 – Transferências Constitucionais – Município de Japeri (2001-2006).............76

LISTA DE TABELAS:

Tabela 1 – Produção Agrícola do município de Japeri (2009).........................................70

Tabela 2 – Índice de Desenvolvimento Humano – Municípios do Estado do Rio de


Janeiro (1991)....................................................................................................................73

Tabela 3 – Índice de Desenvolvimento Humano – Municípios do Estado do Rio de


Janeiro (2000)....................................................................................................................73

Tabela 4 – Pessoas de 15 anos ou mais de idade, não alfabetizadas e taxa de analfabetismo, por
grupos de idade, segundo as Regiões de Governo e municípios - Estado do Rio de Janeiro –
2010...................................................................................................................................73
10

INTRODUÇÃO

Aí Queimados queria se emancipar e era o segundo distrito. Japeri era


sexto distrito e Cabuçu, no outro extremo, não queria pertencer a
Queimados, queria ficar com Nova Iguaçu. Então inviabilizava a
emancipação. Porque o pessoal de Cabuçu não votava e não dava
cinqüenta por cento mais um (...) então refizeram a divisão e
resolveram tirar Cabuçu de Queimados. Aí ficou Queimados e Japeri
(...) Eu tinha certeza absoluta que seria humanamente impossível
votar para Japeri pertencer a Queimados. (...) Nós éramos o apêndice
de Vassouras, fomos o apêndice de Nova Iguaçu e passaríamos a ser o
apêndice de Queimados. Eu entendia no momento que Queimados
ficaria um município pobre, um município com dois distritos grandes,
uma população extensa (...). Então eu resolvi, como era vereador de
Nova Iguaçu, saber se era viável separar Japeri de Queimados e fazer
duas emancipações. (Carlos Moraes, ex-vereador de Nova Iguaçu,
principal agente da emancipação e ex-prefeito de Japeri. Entrevista
concedida dia 02/04/2010)

A declaração de Carlos Moraes, o qual considero um dos principais agentes da


emancipação municipal de Japeri, alude à complexidade de se pensar um processo
emancipacionista. De antemão, a tendência de muitos é achar que o município aparece
como um dado a priori, com história, fronteiras, território e moradores definidos. Por
outro lado, quando adentramos na pesquisa, averiguamos a dificuldade de se pensar um
município como algo acabado. O município, enquanto objeto de pesquisa científica,
etnográfica, extrapola os dados e discursos oficiais e passa a apresentar novas nuanças
interpretativas. O município não para no tempo e no espaço, sendo constantemente
objeto de significados e ressignificados por aqueles que o constituem. O momento
histórico, as tramitações e deliberações na antiga sede administrativa e na Assembleia
Legislativa Estadual, assim como argumentos e anseios do grupo emancipacionista e da
própria população, são peças-chaves na compreensão de como se deram os primeiros
passos do novo município.

Para a compreensão do surgimento deste novo município, a pesquisa mostrará


que a emancipação se realizou por uma multiplicidade de fatores, como citado acima, e
por diferentes vozes que podem ser confrontadas: o discurso oficial, os moradores, a
mídia e os principais agentes da emancipação de Japeri.
11

A ESCOLHA DO TEMA E AS DIRETRIZES METODOLÓGICAS

Na Antropologia, a pesquisa depende, entre outras coisas, da biografia


do pesquisador, das opções teóricas da disciplina em determinado
momento, do contexto histórico mais amplo e, não menos, das
imprevisíveis situações que se configuram no dia-a-dia no local da
pesquisa, entre pesquisador e pesquisados. (PEIRANO, 1992, p. 13)

A pesquisa sobre a formação de novos municípios no Brasil há algum tempo faz


parte do meu interesse de pesquisador social. Quando saía de Petrópolis, município no
qual sou residente, e me deslocava em direção ao Rio de Janeiro, passava por “divisas”
entre diferentes municípios, ou distritos, no interior do estado do Rio de Janeiro, e
sempre tive curiosidade de entender como se organizavam politicamente aquelas
comunidades. O que parecia confuso na minha experiência, por não conseguir definir
como se encadeavam os tipos de sociabilidade política destas localidades, aparecia, em
um segundo momento, como estimulante tema de pesquisa.
Instigado pelo tema das emancipações municipais, e já compondo minha
biografia como pesquisador, como menciona Peirano (1992), me perguntava onde
estaria o subsídio metodológico que abarcaria tais questionamentos. Percebia que no
campo vasto e variado da antropologia social e da política encontraria respostas mais
satisfatórias para minha investigação.
Como recorte histórico, decidi focar nas emancipações municipais ocorridas no
Brasil na década de 1990. A partir da abertura política em 1985, após vinte anos de
ditadura militar, o Brasil formula sua Carta Constitucional de 1988, por muitos chamada
de “Constituição Cidadã”. A sociedade brasileira se democratizava. Dentro deste
contexto, o município assumiu significativa responsabilidade para o estabelecimento de
uma “nova” sociedade. O “reordenamento federativo” (TOMIO, 2002) atribuiu ao
município o papel de ente federativo, juntamente com a União, os Estados e o Distrito
Federal. O município foi caracterizado como célula fundamental para o estabelecimento
da democracia e da efetivação dos direitos de cidadania. Entre os anos de 1988 a 2001,
ocorrem sucessivas emancipações municipais representando um incremento de quase
40% dos municípios brasileiros1. (IBGE, 2002)
A descentralização representada pela “criação, a incorporação, a fusão e os
desmembramentos de municípios” (Artigo 4º da Constituição Federal de 1988) esteve

1
Perfil dos municípios brasileiros: gestão pública 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
12

associada como elemento crucial para o estabelecimento do regime democrático que se


estabelecia pós-ditadura militar. Pela nova Carta, a emancipação se realizaria a partir de
um plebiscito com a participação da população diretamente envolvida no processo
emancipacionista. A Constituição de 1988 conferia às assembleias legislativas estaduais
o deferimento ou indeferimento da emancipação do município, resultado este que seria,
posteriormente, sancionado ou não pelo governador do estado. Este dado representa um
processo de descentralização do poder, uma vez que cabia aos governos estaduais,
através de Lei Complementar, a criação de parâmetros e procedimentos para a
realização de determinada emancipação municipal. Portanto, o crescimento no número
de municípios brasileiros está, em certa medida, diretamente relacionado ao contexto
democrático e descentralizador2. Durante a ditadura militar, a criação de municípios era
praticamente irrisória quando comparada ao contexto pós-1988 Segundo dados do
IBGE (2002), durante os anos de 1965-1985, foram criados 63 municípios no Brasil. Já
no período entre 1985-1997 foram emancipados 1.402 municípios.
Em 1996, no entanto, o governo federal propõe a Emenda Constitucional 15/96
ao artigo 4º da Constituição estabelecendo novos parâmetros que dificultaram a
realização das emancipações municipais.3 Dentre as principais mudanças, podemos citar
as regras da consulta plebiscitária, que passaram a requerer consulta aos eleitores de
todos os municípios envolvidos. Tornou-se, portanto, muito mais difícil aprovar um
projeto emancipacionista.4 Assim sendo, é de suma importância o entendimento de que
política municipal (local) está articulada com a política nacional, pois “são planos
sociais nos quais certas relações se objetivam, e não esferas autônomas compreensíveis
em si mesmas...” (BEZERRA, 2001, p. 181). Deste modo, a representação política do
município se apresenta inerentemente relacionada aos efeitos e decisões que partem
tanto do seu âmbito como de outros níveis de produção. Este modo de pensar a política
exclui de antemão a produção da “grande política” e da “pequena política”. Esta
compreensão sobre a articulação entre nacional e local possibilita entender o município
como o “lugar” por excelência de disputas políticas.
A emancipação municipal não pode ser vista apenas como um evento que eleva
um distrito à categoria de município, sem levar em consideração questões políticas,

2
O debate sobre a associação entre descentralização e democracia se encontra no capítulo 1 dissertação.
3
Ver o sítio < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc15.htm#art1 >.
4
Durante os anos de 1997-2001 foram criados 53 municípios no Brasil (IBGE, 2002). No entanto, cabe
ressaltar, que todos os pedidos emancipacionistas que tramitavam antes da aprovação da emenda 15/96
foram julgados dentro do regimento anterior.
13

econômicas e culturais que antecedem a formulação da emancipação. A emancipação


não se restringe ao momento do pedido emancipacionista, ao plebiscito e a sua
aprovação do ponto de vista legal. O novo município que se forma, ou se encontra em
processo de formação, apresenta implicações tanto do ponto de vista científico como
das populações diretamente envolvidas neste processo.
A bibliografia sobre o tema não é vasta, mas apresenta uma diversidade de
modos de interpretação sobre as emancipações municipais, como veremos adiante.

A escolha do município a ser estudado partiu de uma investigação sobre os


municípios emancipados do estado do Rio de Janeiro. Nesta busca, achei interessante
trabalhar em torno dos municípios emancipados de Nova Iguaçu, município da região
metropolitana do estado, ante o fato de, a partir de um único município, terem surgidos
mais quatro só na década de 1990: Belford Roxo, 1990; Queimados, 1991; Japeri, 1991;
e Mesquita5, 1999. Entendia que esta fragmentação territorial e político-administrativa
acarretaria um reordenamento das relações políticas e de poder na região metropolitana
do estado do Rio de Janeiro.

Mapa 1 – Município de Nova Iguaçu em sua Extensão Territorial Atual e os Municípios


Emancipados com os Respectivos Anos de Emancipação 6

Na delimitação do tema, resolvi estudar o município de Japeri. Ao longo de


minha trajetória na pesquisa, cada vez mais, Japeri se mostrou como estimulante objeto
de estudo, principalmente por ouvir, com frequência, declarações como: “mas por que

5
Sobre a emancipação de Mesquita, ver Figueiredo (2006).
6
Fonte: Centro de Memória Oral da Baixada Fluminense Disponível:
<http://www.cemobafluminense.com.br> Acesso: 07/12/2011.
14

estudar Japeri? Lá não tem nada”. A pesquisa sobre o município de Japeri, em certa
medida, aparecia dentro da lógica de estudar o “exótico”, como algo distante e
desconhecido e desprovido de familiaridade (VELHO, 1987). O encaminhamento da
dissertação por uma proposta antropológica é a transformação de Japeri de exótico em
familiar e, necessariamente, do familiar em exótico. (DA MATTA, 1978). O
estranhamento, em grande parte, em relação a Japeri repousa no fato de que o município
é caracterizado por elevados índices de pobreza e baixíssimos índices desenvolvimento
humano. Segundo dados do IBGE (2003), Japeri apresenta o maior índice de pobreza e
desigualdade (76,37%) de todo estado do Rio de Janeiro. Assim sendo, se em um
primeiro momento Japeri não possui “nada”, como descrito acima, aos poucos, a
emancipação de Japeri foi se apresentando como instigante tema de pesquisa.

A pesquisa utiliza como fonte primária o jornal do grupo emancipacionista, as


matérias dos jornais de maior circulação (O Globo, Jornal do Brasil e O Dia) e o Jornal
de Hoje, de Nova Iguaçu, além de documentos e informativos recolhidos no trabalho de
campo, em especial, junto a uma das associações de moradores de Japeri.
Apesar de a dissertação ser essencialmente bibliográfica e documental, julguei
importante a utilização do trabalho de campo como forma de enriquecer a pesquisa a
partir da experiência dos sujeitos que participaram ativamente da emancipação do
Município. O trabalho de campo, as entrevistas e os contatos feitos com os moradores
enriqueceram as discussões apresentadas pela revisão bibliográfica e os dados
estatísticos.

Na obra Estabelecidos e Outsiders: sociologia das relações de poder a partir de


uma pequena comunidade, por exemplo, Nobert Elias e John Scotson estudam a
demarcação de hierarquias e estigmatização de três zonas diferentes na comunidade de
Winston Parva. Os autores afirmam que a pesquisa quantitativa apresenta limitações e
que “sem o uso das palavras como instrumento de pesquisa, os números ficariam
mudos” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 59). Parafraseando Elias e Scotson, o simples
movimento de dar voz ao campo possibilita uma compreensão para além da
historiografia oficial, possibilitando resultados mais consistentes dos fenômenos
oficiais.
15

A proposta inicial era a realização de um trabalho de campo intenso nos moldes


realizados por Foote Whyte em Sociedade de esquina (2005). Aos poucos, tal
possibilidade foi se tornando inviável diante o tempo e a dedicação que tal projeto
demanda. A intenção era participar ativamente do cotidiano e possibilitar uma
participação integral ao ponto de me ver representado nos dizeres de Doc para Bill
Whyte: “Você é uma coisa tão parte desta esquina como aquele poste ali.” (FOOTE
WHYTE, 2005, p. 306) Assim, o objetivo era que a experiência de campo explorasse
em todos os sentidos, o esforço que tal procedimento metodológico proporciona por
meio de um esforço intelectual a partir da descrição densa (GEERTZ, 2008).
A decisão de não priorizar a pesquisa qualitativa como opção metodológica
primordial é justificável no escopo deste trabalho, uma vez que o mesmo exigiria um
esforço maior e um tempo não disponível a fim de obter uma amostra considerável
entrevistas de campo. No entanto, utilizei alguns relatos de moradores, obtidos durante
as visitas ao município, como importantes fontes da pesquisa. As entrevistas que
ganharam maior atenção foram as realizadas com os agentes emancipacionistas devido à
riqueza das informações e à facilidade de analisar um número menor de discursos. A
intenção é mobilizar os dados obtidos no trabalho de campo em diálogo com a literatura
sobre as emancipações municipais, mas principalmente com a área das ciências sociais,
em particular, da antropologia e da sociologia.
Espero que o estudo direcionado em apenas um município não exclua o
entendimento das outras emancipações ou de outros processos em que esteja envolvido
um desmembramento ou a anexação de “localidades”. No caso, a pesquisa sobre a
emancipação de Japeri se apresenta como um “microcosmo” que pode indicar
relevâncias para a compreensão de implicações “macrossociológicas” (ELIAS e
SCOTSON, 2000). A intenção é corroborar a ideia de que “os problemas em pequena
escala do desenvolvimento de uma comunidade e os problemas em larga escala do
desenvolvimento do país são inseparáveis.” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 16). A
emancipação de Japeri não se realiza “num vazio sociológico” e também não representa
um “marco zero” da política praticada anteriormente à emancipação. Assim sendo,
analisar a emancipação de Japeri proporciona desvendar as entrelinhas e meandros que
estão postulados quando um distrito ou localidade deseja se tornar município. De acordo
com Elias, a proposta “de visualizar casos singulares limitados torna possível seguir
determinados detalhes de certa figuração, que em figurações maiores do mesmo tipo
dificilmente seriam percebidos e comprovados.” (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 200). A
16

configuração ou figuração que emprega Norbert Elias está na proposta de entender a


interdependência das relações e como as categorizações propostas apresentam sentido
relacional. A orientação é o afastamento de dicotomias pautadas na oposição indivíduo
versus sociedade, ou no caso das emancipações municipais, local versus nacional.
(BEZERRA, 2001).
A pesquisa, quando aborda as questões sobre as práticas políticas envolvendo a
emancipação municipal de Japeri, terá como diretriz a forma como a mesma foi e é
praticada (BEZERRA, 1999 e KUSCHNIR, 2007), uma vez que a “antropologia pode
contribuir nesse debate, já que sua principal tarefa é estudar não o que a política deve
ser, mas o que ela é para um determinado grupo, em um contexto histórico e social
específico.” (KUSCHNIR, 2007b, p. 166).
A justificativa da dissertação para o estudo das emancipações municipais dentro
deste caráter processual compreender-se-á pelo afastamento de formulações de caráter
normativo e político-ideológico que se debruçam a adjetivar e mensurar as qualidades e
defeitos das emancipações municipais.
A relevância repousa justamente no ponto de vista metodológico proposto por
esta dissertação. A maioria dos estudos sobre as emancipações municipais se encontram
em outras áreas das ciências humanas e sociais, ocupando menor destaque no âmbito da
antropologia e da sociologia. A relativização e desconstrução do município como algo
fixo e imutável, assim como o diálogo das referidas disciplinas com o trabalho de
campo proposto, proporcionariam uma visão ampla, a partir de um olhar mais
horizontal e menos verticalizado sobre as emancipações municipais. O desafio a ser
tratado pela dissertação aparecerá atrelado à sua importância para a compreensão do
município dentro do federalismo e da política brasileira. Ao utilizar a ótica
antropológica e sociológica para a análise das emancipações municipais, a dissertação
também apresentará limitações, uma vez que, para cumprir o objetivo de entender as
emancipações municipais do ponto de vista processual e da “invenção”, foram
selecionadas abordagens analíticas que não esgotam a complexidade do tema. Assim
sendo, a dissertação apresentará pontos reflexivos e menos conclusivos, no entanto, de
substancial indicação para se pensar as emancipações municipais.
A dissertação utilizará o conceito município ao ordenamento federativo, com
administração e, aparentemente, um território específico. Distrito é posto como divisão
administrativa de um município. O conceito localidade será tratado como uma dada
região, sem poder administrativo direto conferido por lei. O conceito de cidade como a
17

área urbana do município. O conceito bairro como um microssegmento territorial e


social presente no município. Deste modo, convém elucidar que município não é a
cidade, não é o urbano, mas a função administrativa regente dos mesmos. Sendo assim,
no trabalho de campo que contempla esta pesquisa, tem-se como agente determinante
nas entrevistas estabelecidas o indivíduo enquanto munícipe (cidadão do município).
Esta preocupação com a questão conceitual repousa no fato de que o mesmo se encontra
em um campo científico e político de luta de legitimação e dominação (BOURDIEU,
2010).

O trabalho de campo

A inserção no campo apresentou algumas dificuldades, principalmente por eu


não conhecer a cidade ou alguém que morasse em Japeri. As tentativas de contato feitas
com órgãos de imprensa e assessores políticos ligados ao município de Nova Iguaçu
não alcançaram êxito.
Em um segundo momento, procurei o partido no qual era filiado o principal
articulador da emancipação de Japeri, Carlos Moraes, e consegui o contato de um
assessor político que se disponibilizou a fazer a conexão entre mim e o político
supracitado. O contato com o assessor político em questão se estendeu por um longo
tempo. Através do mesmo, consegui documentos, entrevistas com vereadores do
município e outros contatos relevantes para a realização da pesquisa. Após alguns
telefonemas, consegui marcar uma entrevista que se realizou em seu escritório no
município de Nova Iguaçu. A entrevista possibilitou o esclarecimento de inúmeras
questões, uma vez que se tratava de um informante central da pesquisa. No entanto, o
contato com Carlos Moraes não foi significativo para abrir outras possibilidades de
entrevistas e aprofundamentos, diante do baixo interesse dado pelo mesmo à pesquisa.
Como terceira tentativa, recorri às comunidades sociais virtuais (Orkut e
Facebook) com o objetivo de estender o quadro de possibilidades, onde obtive êxito.
Em fóruns virtuais direcionados a soluções e críticas para o município de Japeri, me
apresentei, expressei o que pretendia com minha pesquisa e recebi algumas respostas
positivas. Nos contatos que se concretizaram, consegui a ajuda de um responsável pela
associação de moradores de um bairro de Japeri, chamado Chacrinha, que
disponibilizou sua residência e mobilizou alguns informantes para entrevistas comigo.
A partir deste momento, estabeleci uma relação de proximidade e de amizade com este
18

morador e com outras pessoas que se disponibilizaram a ajudar com informações para a
constituição da minha pesquisa.
No local em que fiquei hospedado, pertencente a uma família tradicional que
morava no município desde o início do século XX, proprietária de alguns terrenos e um
armazém7, comecei a experimentar os primeiros contatos com a população de Japeri. O
trabalho de campo se realizou em uma semana durante o mês de abril de 2010 e,
posteriormente, no mês de dezembro do mesmo ano. Neste período, percorri as ruas dos
bairros, conversei com moradores e participei da vida do município.
Nas primeiras entrevistas como os moradores das regiões de divisas, percebi
muita desconfiança por parte dos mesmos por achar que eu trabalhava para algum
vereador ou prefeito local, apesar de me apresentar como pesquisador vinculado a uma
instituição de ensino. Deste modo, resolvi estabelecer nas entrevistas posteriores uma
conversa mais informal, não recolhendo dados (nome, idade e profissão)ou informações
sobre os moradores.
Sei das implicações metodológicas de minha permanência em uma única
residência e o trabalho de campo em um período curto. Porém, como mencionado
anteriormente, estes dados representaram uma fonte importante, que dialoga com outras
utilizadas nesta dissertação.
O trabalho de campo foi fundamental para a pesquisa, pois propiciou minha
aproximação e conhecimento do município, assim como, o reconhecimento das suas
divisas e a vivência de alguns moradores. Deste modo, pude sair das questões
puramente teóricas e historiográficas e penetrar numa pequena parte de um universo
empírico. Muito além dos dados oficiais e das referências sobre o município, o
encaminhamento de dar “voz ao campo”, apesar de suas limitações, permite um
enriquecimento da pesquisa, uma vez que não encontrei pesquisas sobre emancipação
municipal que utilizem essa abordagem.

Estrutura do trabalho

A análise sobre a emancipação e a “invenção” do município de Japeri será


apresenta da seguinte forma:

7
Em recente visita à casa onde fiquei hospedado, o referido armazém da família virou uma igreja
evangélica.
19

O Capítulo 1 aborda a história do município de Japeri desde o momento de sua


ocupação na segunda metade do século XIX até a emancipação municipal. Juntamente
com esta seção, realizar-se-á uma revisão da bibliografia sobre o tema das
emancipações municipais, assim como uma reflexão em torno de matérias de jornais da
época da emancipação de Japeri.
O Capítulo 2, denominado “A legitimação das “bases” e os “apóstolos” da
emancipação de Japeri”, trata do pensamento e dos interesses dos principais agentes da
emancipação do município de Japeri. Neste capítulo também proponho uma discussão
em torno da “dádiva” e das relações de tipo “clientelista” dentro do tema das
emancipações municipais.
O Capítulo 3 retrata o desmembramento administrativo e territorial a partir da
visão dos moradores de Japeri como dos municípios limítrofes. A proposta é entender o
significado particular que cada morador confere a viver na região de divisa em
confronto e/ou concordância aos limites territoriais estabelecidos pelos órgãos
especializados. O capítulo também contempla a discussão sobre a junção do antigo 6º
distrito de Nova Iguaçu, sendo este constituído por Japeri (bairro) e Engenheiro
Pedreira, para a formação do município de Japeri.
O Capítulo 4 propõe uma reflexão sobre o município de Japeri visto hoje a
partir de dados estatísticos, da visão do universo de moradores entrevistados, assim
como, da opinião dos agentes emancipacionistas. Da mesma forma, a proposta se
desencadeia para o entendimento das emancipações municipais nos dias atuais.
O trabalho termina com algumas Considerações Finais, onde sintetizo seus
principais argumentos e aponto para possíveis desenvolvimentos futuros da pesquisa.
20

CAPÍTULO 1

1.1. A HISTÓRIA DE JAPERI


As informações deste Capítulo são resultado de inúmeros informativos cedidos
por integrantes de associações de moradores de bairros de Japeri e Engenheiro Pedreira.
As fontes, os autores e publicações não estão claros nestes informativos, sendo difícil
indicar com precisão a devida referência. Ao final da dissertação, se encontram todos os
informativos consultados para a realização da presente dissertação. Na busca por
referências mais precisas sobre a história do município de Japeri recorri a alguns sítios
virtuais onde encontrei as mesmas informações que havia conseguido anteriormente nos
informativos (ambas carecem de fontes precisas). Portanto, o presente esforço de
elencar informações sobre a história de Japeri apresenta lacunas devido à falta de
publicações e, até mesmo, de uma história oficial. Utilizamos também o depoimento de
Carlos Moraes, onde encontramos os primeiros passos do município de Japeri narrados
da mesma forma que nos informativos.8 Feitas essas ressalvas, a seguir, veremos os
principais elementos dessa história, segundo as fontes encontradas.

Durante o período colonial, mais precisamente no ano de 1743, as terras que


compõem hoje o município de Japeri foram concedidas no formato de sesmarias a
Ignácio Dias da Câmara Leme. Neste local se desenvolveu um engenho com a produção
de açúcar e outros gêneros. O nome da localidade, denominada de Morgado de Belém,
então pertencente à Freguesia de Paty do Alferes, foi devido à construção de uma igreja
sob a invocação de Menino de Deus de Belém. Após a morte de Câmara Leme, seu
filho, Fernando Paes Leme, o Marques de São João Marcos, assume o Morgado de
Belém.
A notoriedade de Belém se deu a partir da construção da Estrada de Ferro D.
Pedro II inaugurada em 8 de dezembro de 1858, formando um entroncamento

8
Segundo Moraes: “Japeri antigamente se chamava Belém. (...) Devido a família Paes Leme, vindo atrás
das esmeraldas (...) e veio por cima das terras de Tinguá mas não deu certo.(...) Ali ele montou uns
engenhos e um lado da família se fixou ali e ele continuou a aventura dele. E depois ate então nessa época
do Império, existia uma figura jurídica chamado morgadio que tinha característica de uma sociedade
anônima, onde o Imperador doava para umas famílias uma sesmarias que explorasse a agricultura e
mantivesse as estradas abertas para o escoamento da produção do Império. A família ganhou a sesmaria e
foi denominado Morgado de Belém em homenagem a uma capela que eles fizeram que era Menino Jesus
de Belém. Isso foi em 13 de agosto de 1743.” (Carlos Moraes, entrevista concedida em 2/04/2010).
21

ferroviário de importância significativa para a integração entre os estados brasileiros,


pois a linha férrea que advinha do Rio de Janeiro (Leopoldina) se desdobrava neste local
para os estados de São Paulo e Minas Gerais. Belém, neste momento, apresentava
intensa movimentação de viajantes, trabalhadores ferroviários e comerciantes,
propiciando a formação de residências e de um intenso núcleo urbano ao redor da
estação Belém. Segundo o depoimento de Willian, morador de Copacabana e que possui
um sítio em Japeri:
O movimento da estação era uma coisa imensa, era muita gente, bares
importantíssimos, muita gente em função de tudo isso. Acabou; não
tem mais nada disso. (...) O entroncamento era muito importante,
passava para Paty de Alferes, Miguel Pedreira, Minas Gerais, São
Paulo. Tinha muito turista. Do Rio de Janeiro saíam duas vertentes de
linha, uma passava por Méier, Engenho de Dentro, Nova Iguaçu e
outra da Leopoldina que passava por Triagem, São João de Meriti,
Belford Roxo. (Willian Teixeira, entrevista concedida 02/11/2009).

Carlos Moraes, principal articulador da emancipação de Japeri e por duas vezes


prefeito do município, também afirma a importância da estação para o crescimento e
desenvolvimento da localidade. Segundo o mesmo:

Ali era um entroncamento ferroviário que em 1858 foi aberta a


ferrovia. E ali por ser a base da montanha que sobe a Serra do Mar, as
máquinas a Maria Fumaça que eram tocadas a vapor, tinha que
abastecer com água, com areia e com carvão para poder subir. E se
instalou ali uma base da ferrovia, mas nós sempre pertencendo a
Vassouras. Enquanto estava florescendo a ferrovia nós tivemos uma
vida razoável, dentro do padrão da época. Muitos ferroviários, uma
base da ferrovia, todos os trens que iam para São Paulo e Minas eram
obrigados a parar ali. Depois houve o declínio da ferrovia e Japeri foi
regredindo” (Carlos Moraes, entrevista concedida em 02/04/2010).

Tanto Willian Teixeira9 como Carlos Moraes afirmam que a localidade onde
hoje é o município de Japeri floresceu veementemente com a abertura da ferrovia e que,
após o declínio desta, aos poucos a localidade foi renegada ao esquecimento. As

9
Willian Teixeira em seu depoimento apresenta um ceticismo sobre Japeri nos dias atuais. E, de forma
descontraída, sugere que o melhor título da presente dissertação seria “O trem descarrilhou de Belém para
Japeri.”
22

imagens a seguir demonstram a famosa estação10 de trem de Japeri e uma das cafeterias
frequentadas pelos viajantes.

Figura 1 – Estação de Trem de Japeri. Fonte: Centro de Memória Oral da Baixada Fluminense

Figura 2 – Bar e Cafeteria no Interior da Estação de Trem de Japeri. Fonte: Centro de Memória Oral
da Baixada Fluminense

10
Cyro Corrêa Lyra, em “Documenta Histórica dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro”, destaca que
na época do lançamento dos selos em homenagem as estações Luz, Japeri e São João Del Rei, a Revista
Ferroviária de julho e agosto de 1984 traz uma nota descrevendo a estação de Japeri da seguinte forma:
“O prédio, no mesmo estilo das construções usadas no norte da Europa, foi construído na técnica
enxaimel, que consiste em estacas ou caibros de madeira constituindo um engradado a receber a vedação
de alvenaria de tijolo maciço. O telhado, em telhas francesas originais, é formado de três elementos: o
primeiro cobrindo o corpo principal do prédio; os outros dois, em quatro águas com mansardas cobrindo
os dois pavimentos superiores que formam os corpos laterais. Os elementos decorativos das fachadas são
compostos pela própria estrutura de madeira formando desenhos geométricos, pelas mãos francesas e
pelos apliques em madeira recortada.”.
23

Com a morte de Fernando Paes Leme, em 1890, as terras do Morgado foram


divididas entre os herdeiros e, logo após, vendidas para a Companhia de Seda e Ramie.
Em 1904, a Companhia é dissolvida e suas terras são divididas entre os acionistas. A
maior parte das ações são vendidas para a Empresa de Obras Públicas do Brasil. Em
1906, Raimundo Otoni de Castro Maia compra grande parte das terras pertencentes à
Empresa de Obras Públicas do Brasil. Neste mesmo ano, Belém foi anexada à
localidade de Macacos, compondo o 6º distrito de Vassouras (Lei Estadual n. 735, de 21
de dezembro) deixando de ser 7º distrito como promulgado no ano de 1872. Belém
passa ao longo do tempo por sucessivas mudanças político-administrativas, sendo que
no ano de 1909 retorna como 7º distrito de Vassouras na condição de sede. (Lei n. 881,
de 11 de setembro). Em 1919, a partir da Lei 1.619 de 6 de novembro, a sede do distrito
de Belém passa para Paracambi, onde o distrito passou a ser reconhecido por este nome.
Em 31 de dezembro de 1933, por meio da Lei Estadual no. 661 e, logo após, ratificada
pelo decreto no. 322ª, de 31 de março de 1938, transfere o distrito (Belém) de Paracambi
para o município de Vassouras. Em 1943, O Decreto Estadual no. 1056 de 28 de janeiro
transfere uma parte do 7º distrito de Vassouras para Nova Iguaçu, compondo o 2º
distrito deste município. No ano de 1952, com a Lei Estadual 1.452 de 28 de abril, o
distrito de Belém (já conhecida por Japeri, a partir de 1947) foi agregado à localidade de
Engenheiro Pedreira, como 6º distrito de Nova Iguaçu.
O significado de Japeri advém da palavra Tupi “Japey” e depois do Tupi-guarani
“Japoyui” que significa “flutuante ou aquilo que flutua”.11

11
Apesar de não conseguir documentos precisos que demonstrem o porquê ou o momento da mudança
do nome da localidade de Belém para Japeri, indiretamente, por analogia, o nome aparece como sugestiva
hipótese. Japeri, cujo significado é “flutuante ou aquilo que flutua”, parece corroborar com as diversas
mudanças administrativas que sofreu ao longo de sua história. Neste caso, o objeto da presente
dissertação aparece como mais uma “flutuação” de Japeri, no momento que o 6º distrito de Nova Iguaçu é
elevado à categoria de município.
24

No dia 10 de junho de 1988, o 6º distrito de Nova Iguaçu (Japeri e Engenheiro


Pedreira), juntamente com Queimados e Cabuçu tentam se emancipar de Nova Iguaçu,
fato não concretizado pela insuficiência do quórum mínimo. A principal justificativa
para a não formação de um novo município a partir da fusão referida acima foi atribuída
ao não comparecimento às urnas dos moradores de Cabuçu.

Figura 3 – Campanha pela Emancipação de Queimados, Cabuçu, Japeri e Engenheiro Pedreira.


Fonte: Jornal de Hoje (10.07.1988)

A matéria do Jornal de Hoje do dia 12 de julho de 1988, intitulada “Queimados


não consegue quórum”, apresenta o seguinte argumento:

O distrito de Queimados não conseguiu se desligar de Nova Iguaçu. O


sonho da emancipação esbarrou no desinteresse da população de
Cabuçu, que com um nível de participação de 5 por cento, contribui de
forma decisiva para a não obtenção do quorum. Para o plebiscito ter
validade seria necessário que 60.547 eleitores comparecessem às
urnas, o que corresponderia a 50 por cento mais um do número de
eleitores do distrito. A presença girou em torno de 40 por cento, um
total de 48.292 votantes. Mais de 47 mil votaram no Sim. (Jornal de
Hoje, dia 12/07/1988)

Luiz Barcelos, um dos principais agentes emancipacionistas de Japeri,


argumenta que o “desinteresse” de Cabuçu para com o plebiscito é corroborado pela
proximidade da localidade com o município de Nova Iguaçu e, que não seria coerente,
segundo ele, um morador sair de Cabuçu e ir para Queimados pleitear melhorias para a
localidade na prefeitura de Queimados.
25

Ali foi um processo que Queimados pilotou a situação e todo mundo


tinha medo de criar um município novo, de o município não dar certo,
não ter arrecadação suficiente para pagar os professores, bancar as
escolas. Aí juntou Engenheiro Pedreira, Japeri, Queimados e Cabuçu,
aí não tiveram quórum. Ai tentou Japeri sozinho, Queimados sozinho.
Porque o pessoal de Cabuçu, como eles vão ter uma prefeitura lá em
Queimados e isso era uma incoerência. (Luiz Barcelos, entrevista
concedida em 28/04/2011)

Carlos Moraes também declara sobre o “desinteresse” de Cabuçu para pertencer a


Queimados:

Aí Queimados queria se emancipar e era o segundo distrito. Japeri, era


sexto distrito e Cabuçu, no outro extremo, não queria pertencer a
Queimados, queria ficar com Nova Iguaçu. Então inviabilizava a
emancipação. Porque o pessoal de Cabuçu não votava e não dava 50%
(cinquenta por cento) mais um (...) então refizeram a divisão e
resolveram tirar Cabuçu de Queimados. Aí ficou Queimados e Japeri
(...) Eu tinha certeza absoluta, que seria humanamente impossível
votar para Japerí pertencer a Queimados. (...) Nós éramos o apêndice
de Vassouras, fomos o apêndice de Nova Iguaçu e passaríamos a ser o
apêndice de Queimados. Eu entendia no momento que, Queimados
ficaria um município pobre, um município com dois distritos grandes,
uma população extensa (...). ( Carlos Moraes, entrevista concedida em
02/04/2010)

Mapa 2 – Localidades de Nova Iguaçu que tentaram a emancipação em 198812

Carlos Moraes afirma que, se a emancipação de Japeri fosse realizada neste


momento, Japeri continuaria sendo apenas um apêndice (de Queimados, no caso), ou

12
Fonte: Portal do Cidadão – Governo do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.portaldocidadao.rj.gov.br/municipal.asp?M=76>
Acesso: 07/12/2011, editado pelo autor em: 07/12/2011
26

seja, estaria na mesma condição que a localidade foi submetida ao longo de sua história.
Após a derrota no plebiscito de 1988, Carlos Moraes – então vereador de Nova Iguaçu –
começa a pleitear a possibilidade da emancipação de Japeri sem a anexação (fusão) a
outros distritos:

Então eu resolvi fazer uma consulta se era viável separar Japeri de


Queimados e fazer duas emancipações....ficaria bom para Queimados
e ficaria bom para Japeri. Até no mote da nossa campanha : “É
preferível ser cabeça de sardinha do que rabo de baleia”. Nós fizemos
esse marketing. Com a nossa pobreza nos íamos nos autodeterminar e
sair da pobreza. E pertencendo a Queimados nos seriamos um
apêndice, sendo pobre eternamente. E conseguimos.(...) Japeri foi o
único que passou de primeira vez. Belford Roxo duas vezes, Mesquita
três vezes, Queimados duas vezes. (Carlos Moraes, entrevista
concedida em 02/04/2010)

No dia 30 de junho de 1991 é realizado um novo plebiscito visando a


emancipação do 6º distrito de Nova Iguaçu. O plebiscito separatista atingiu o quórum
suficiente para a referida emancipação. No dia 1º. de janeiro de 1993 ocorre a fundação
do município de Japeri.

1.2. A emancipação municipal de Japeri

Como descrito acima, a primeira tentativa de emancipação de Japeri de Nova


Iguaçu fracassou pela insuficiência de quórum. De qualquer maneira, como descreve
Carlos Moraes, Japeri se tornaria novamente “apêndice” de outro município, no caso
Queimados, o que de certa maneira não alteraria o quadro de pobreza e abandono em
que se encontrava o 6º distrito (Japeri e Engenheiro Pedreira) de Nova Iguaçu.

A célebre13 frase de Carlos Moraes de que é preferível ser “cabeça de sardinha


do que rabo de baleia” demonstra o verdadeiro significado e o mote da campanha
emancipacionista. Neste caso, ser “cabeça de sardinha” é ser pequeno, porém pensante e
autônomo e “rabo de baleia” é ser algo maior, no entanto, sem representatividade e que
segue os comandos realizados pela “cabeça”. Japeri, ao deixar de ser distrito de Nova

13
Durante as entrevistas com os moradores de Japeri e dos próprios agentes emancipacionistas, a frase “é
melhor ser cabeça de sardinha do que rabo de baleia” aparece sempre para justificar o discurso pró-
emancipação. Apesar de não encontrar nenhum documento da campanha da emancipação de Japeri que
apareça a frase, tanto Carlos Moraes como Luiz Barcelos afirmam que este era o slogan da campanha
emancipacionista.
27

Iguaçu14 (“rabo de baleia”) e elevar-se à categoria de município (“cabeça de sardinha”)


se tornaria livre para gerenciar suas necessidades e as demandas de seus moradores. Na
época do plebiscito visando a emancipação do 6º distrito, circulava um jornal15 do grupo
emancipacionista pretendendo explicar aos moradores os benefícios que a emancipação
traria para Japeri e Engenheiro Pedreira. Segundo os dizeres emancipacionistas,
sugeridos dentro da proposta de que “é melhor ser cabeça de sardinha do que rabo de
baleia”, afirma que:

A emancipação vai diminuir o território a ser administrado com os


recursos nele arrecadados. Logo, esses recursos estarão concentrados
em uma área menor com o Poder Público local, podendo aplicá-los em
obras e serviços que virão beneficiar diretamente seus habitantes e
passando a receber do Governo Estadual e Federal o que a
constituição destina aos municípios. A emancipação oferecerá mais
empregos e permitirá melhores condições de vida para todos os
moradores do 6° distrito. Emancipados essas comunidades, teremos
todos a liberdade de ação e não ficaremos presos a uma administração
inconsequente, irresponsável e longínqua. (JORNAL
EMANCIPACIONISTA, 1991)

O argumento principal da campanha é de que a “liberdade” e a autonomia


político-administrativa advinda com a emancipação proporcionariam uma melhor
aplicabilidade de recursos, pois os mesmos seriam destinados a atender
fundamentalmente às necessidades e carências negligenciadas por Nova Iguaçu. De
acordo com o Jornal Emancipacionista:

O compromisso do SIM é de todos os moradores capacitados para o


exercício democrático do voto consciente, para a libertação de Japeri e
Engenheiro Pedreira que, assim, pela vontade do povo e com a graça
de Deus, atingirá finalmente sua maioridade, passando a governar seu
próprio destino, a resolver seus problemas e atender as mais
elementares reivindicações de todos os seus habitantes laboriosos.
(JORNAL EMANCIPACIONISTA, 1991).

14
Nova Iguaçu, antes da emancipação de Japeri (1991) e dos distritos de Belford Roxo (1990),
Queimados (1991) e Mesquita (1999), se encontrava entre os dez municípios mais populosos do país.
Segundo Bremaeker, “Nova Iguaçu era em 1991 um município de 764 km² e com 1.293.611 habitantes.
Já em 1993 estava com 528 Km² e 769.963 habitantes (BREMAEKER, 1993a). Mesquita (1997) afirma
que Nova Iguaçu também se transformou em um município novo, pois apresenta “novo recorte, novo
contingente populacional e nova estrutura econômica, refletida em nova composição de recursos”
(MESQUITA, 1997, p. 94).
15
Como o jornal não apresenta uma referência precisa, título, número de páginas e autores definidos, o
mesmo, na presente dissertação, quando for utilizado para fins de citação será tratado como o Jornal
Emancipacionista.
28

A questão dos recursos aparece em destaque no Jornal Emancipacionista. O


argumento é que as receitas produzidas no 6º distrito (Japeri e Engenheiro Pedreira) não
eram aplicadas nos mesmos, e sim outras localidades, o que confirmaria o estado de
“esquecimento” do 6º distrito.

Os prefeitos de Nova Iguaçu ficam muito distantes. Distantes demais


para ouvir os gemidos das crianças doentes, o lamento dos adultos
revoltados. Separam-se no tempo, distanciaram-se no espaço, levando
somente para a sede do município a receita aqui auferida, drenando a
receita que custa o sacrifício, o suor, o sangue de tantos. No final de
tudo, até essa receita auferida no 6º distrito vai financiar o asfalto de
outros distritos iguaçuanos, marcando um processo desumano e
injusto no fim do qual restou para Japeri, Engenheiro Pedreira,
(...) somente amargar as péssimas condições de vida, a lama, a
poeira, as doenças e o isolamento. (JORNAL
EMANCIPACIONISTA, 1991, grifos meus)

Na literatura sobre o tema das emancipações municipais encontramos diversas


análises orientadas para resoluções favoráveis e de estímulos ao processo
emancipacionista, similares aos expostos pela campanha emancipacionista de Japeri.
Entre as propostas difundidas pelos defensores das emancipações municipais, estão os
benefícios das emancipações para o fortalecimento da democracia brasileira16, assim
como a geração de um desenvolvimento econômico e uma eficácia na gestão pública.
De acordo com Bremaeker, pesquisador vinculado ao IBAM (Instituto Brasileiro de
Administração Municipal):
[...] nada mais estimulante que a criação de novas unidades municipais
que, além de levarem a figura do poder público a atuar mais e mais
pelo interior do país, promovem uma melhor redistribuição dos
recursos públicos pelo espaço do território nacional. (BREMAEKER,
1991, p. 91)

A bibliografia produzida a partir do IBAM apresenta uma clara tendência pró-


emancipação. Por intermédio da RAM (Revista de Administração Municipal), diversos artigos
foram publicados visando discutir e afirmar a necessidade do surgimento dos novos
municípios.17 Do mesmo modo, afirma Jacobi (1990),a “participação cotidiana dos
cidadãos na gestão pública é uma potencialização de instrumentos adequados para um
uso mais eficiente dos escassos recursos públicos” (p. 122).

16
No marco inicial destas transformações podemos citar a Carta Constitucional Federal de 1988 que, em
seu regimento, apresentava inúmeras propostas de mudanças estruturais significativas em diferentes
esferas da sociedade, conforme vimos na Introdução.
17
Ver por exemplo Bremaeker (1991, 1993); Lordello de Mello (1992); e Noronha (1996).
29

A indicação dos favoráveis à emancipação é de que a proximidade das


instituições administrativas (Prefeitura, Câmara dos vereadores, Secretarias municipais,
entre outros) advindas com a formação do município, possibilitaria um maior
envolvimento e participação da população, além do gerenciamento mais eficaz dos
recursos produzidos e recebidos pelo município18.
Por outro lado, Santos Jr. (2001) argumenta que a descentralização19 não é
“elemento suficiente para garantir nem maior democracia e participação nem tampouco
maior eficiência e eficácia administrativa.” (p. 45). A discussão está pautada na junção
dos termos descentralização e democracia, onde os mesmos aparecem em uma
correlação necessária. Segundo Tomio (2002a):

Ela foi legitimada numa determinada cultura política, generalizada


entre grupos políticos de diferentes matrizes ideológicas, que associou
democratização à descentralização, tratando estes dois termos quase
como sinônimos. Os impactos, os limites e o encaminhamento desse
processo num ambiente político-democrático, apesar de não
totalmente esclarecidos, têm sido objeto de estudo de diversos autores
em diferentes especialidades das ciências sociais. (p. 62)

Do mesmo modo, Gouvêa (2005) destaca que “descentralizar passou a ser um


verbo conjugado em quaisquer declarações de princípios, pois se acreditava que os
governos locais, por estarem mais próximos dos cidadãos, poderiam resolver todos os
dilemas no campo das políticas publicas” (p. 174). Tomio (2002) argumenta que o
“novo pacto federativo” valoriza as unidades subnacionais (estados e municípios) como
representativas por excelência e eficácia do exercício democrático. O autor questiona
esta matriz de pensamento afirmando que:

Esta reorientação da estrutura federativa brasileira, que não era


formalmente imprescindível à redemocratização, favoreceu as
unidades subnacionais, tanto pelo restabelecimento de competências
usurpadas pelo regime ditatorial, quanto pela criação, sobretudo no

18
Além das arrecadações que são produzidas no próprio município, como o IPTU (Imposto Predial e
Territorial Urbano), o município passou a receber recursos do âmbito federal (FPM – Fundo de
Participação Municipal) e estadual (ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias). No caso de
Japeri, outra fonte de arrecadação são os royalties provenientes da passagem do gasoduto da Petrobrás
pelo município.
19
O termo descentralização utilizado acima se refere às modificações do federalismo brasileiro a partir do
processo de redemocratização e da Constituição de 1988 É interessante estar atento para o fato de a
utilização do termo “descentralização” não ser unicamente para a compreensão das emancipações
municipais, podendo ser aplicado a outros contextos (a municipalização do Sistema Único de Saúde
(SUS), por exemplo).
30

caso dos municípios, de novos mecanismos de autonomia política. (p.


7)

Os argumentos favoráveis e críticos às emancipações municipais, assim como a


proposta dos agentes emancipacionistas, são encontradas na imprensa20 sobre a
emancipação de Japeri.
A matéria do Jornal do Brasil, um dia após o plebiscito, traz o seguinte
depoimento de um morador de Japeri:

Entre a população de Japeri, distrito-dormitório onde a média salarial


gira em torno de um salário mínimo, a opção pela autonomia perante
Nova Iguaçu era justificada com palavras simples: “A gente vai ter
facilidade de conviver com o pessoal que vai manobrar aqui”, festejou
o pedreiro aposentado, Carmelindo Augusto, 68 anos, morador do
bairro Nova Belém, ao descer de um ônibus da Transnobel para se
juntar, na Rua Leni Ferreira, ao meio-dia, à festa antecipada da
emancipação, brindada com cerveja, cachaça e tira-gostos de
botequim. (JORNAL DO BRASIL, 1/07/1991)

No jornal O Dia, do dia 16 de junho de 1991, a chamada associa o exercício do


“direito democrático” à liberdade, noticiando: “Japeri espera o fim da miséria com a
liberdade: cidade quer conquistar o direito de ser independente de Nova Iguaçu”. O
mesmo jornal, no dia seguinte ao plebiscito, traz uma matéria sobre a emancipação do
município de Japeri que se inicia do seguinte modo: “Japeri festeja a liberdade”. Em
seguida, cita o samba-enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense: “Liberdade,
liberdade, abra as asas sobre nós” como o canto proferido pela população de Japeri e
Engenheiro Pedreira ao saber do resultado vitorioso pela emancipação. No decorrer da
matéria, aparece o depoimento de um ex-comerciante da cidade, que havia se mudado
para o Mato Grosso, dizendo que agora pretendia voltar para Japeri.
O Jornal de Hoje, do dia 2 de julho de 1991, noticiou a festa e a alegria de
moradores de Japeri após a vitória nas urnas:

“Unir para vencer, vencer para mudar”. O slogan que dominou a


campanha de emancipação de Japeri e Engenheiro Pedreira resume
bem a intenção dos 24.807 eleitores que compareceram às urnas no
último domingo para emancipar o 6º distrito e o subdistrito de Nova
Iguaçu. O clima ontem nas principais ruas do centro de Japeri ainda
era de euforia e a vitória esmagadora do sim era o comentário geral da

20
Ao total foram consultadas dezoito matérias em diferentes jornais sobre a emancipação de Japeri. Dez
matérias no Jornal do Brasil, duas no jornal O Dia e jornal O Globo e quatro matérias no Jornal de Hoje
(Nova Iguaçu). Cabe ressaltar que os jornais serão utilizados a fim de realçar o debate sobre a
emancipação de Japeri e não como verdades ou objeto de análise em si mesmo.
31

maioria dos 79.869 habitantes do novo município. Para comemorar


oficialmente a emancipação, um grande baile da vitoria está previsto
domingo, na Praça de Japeri, a partir das 19h. O grupo Furacão 2000,
o comunicador Alberto Brizola e o cantor Marcelo animarão a festa,
que será procedida por uma missa campal em homenagem à padroeira
do novo município, Nossa Senhora da Conceição. Apesar da grande
movimentação favorável à emancipação de Japeri, os principais
líderes emancipacionistas não esperavam uma votação tão
significativa, já que com apenas 18mil votos a favor a vitória estaria
garantida. “A esperança sempre foi maior, mas sem dúvida sempre
deixava a gente na expectativa”, declara Sonia Maria de Carvalho, a
única mulher no meio de uma animada rodinha de moradores que
comemoravam ontem pela manhã a emancipação na porta de um bar
do Centro do novo município. Completamente rouca e com uma
camiseta pedindo o voto do sim, ela era o retrato fiel da alegria e
satisfação que tomava conta da maioria dos moradores. (JORNAL DE
HOJE, 02/07/1991)

No mesmo jornal aparecem os depoimentos de três moradores que votaram a


favor do “sim” evidenciando as expectativas e anseios para a construção do futuro
município, assim como o “esquecimento” em que se encontraria o 6º distrito de Nova
Iguaçu.

“Votei a favor do sim e quero que a situação melhore. O povo de


Japeri colaborou com isso. Se continuar do jeito que está não dá. Isto
aqui parece uma cidade esquecida” (Irene Cardoso, 29 anos,
doméstica)

“Estou radiante, alegre e muito feliz. Votei a favor com muito amor e
isto aqui vai melhorar se Deus quiser. Fiz campanha e tudo pela
emancipação.” (Arnaldo Tomás, 65 anos, aposentado)

“Acho a emancipação muito importante. Votei a favor porque até


agora Nova Iguaçu não fez nada por nós. Se tivermos um bom
prefeito, acredito que as coisas aqui melhorarão.” (José Sebastião
Alves, 46 anos, aposentado)

No Jornal do Brasil, do dia 1º de julho de 1991, há uma chamada: “Japeri vai às


ruas festejar o ‘sim’”. Na foto que ilustra a matéria, observa-se um dos ônibus gratuitos
oferecidos pelo grupo emancipacionista para levar a população às urnas. Ao fundo, um
muro de uma casa com a seguinte frase: “Japeri e Pedreira: liberte-se”, juntamente com
um desenho de um braço rompendo duas algemas.
32

Figura 4 – Campanha pela Emancipação de Japeri e Engenheiro Pedreira.


Fonte: Jornal do Brasil, 1/07/1991

A matéria do jornal O Globo, do dia 1º de julho de 1991, trazia uma reportagem


afirmando que a maioria21 da população de Japeri compareceu às urnas. O cenário da
votação é descrito da seguinte forma:

A principal tarefa dos integrantes do movimento emancipacionista de


Japeri e Engenheiro Pedreira foi convencer os eleitores a deixarem
suas casas para votar num domingo chuvoso. Cartazes e faixas
convocando para o plebiscito foram espalhados pelos distritos. Até
mesmo ônibus com passagem gratuita circularam pelas comunidades.
Nas ruas cheias de lama, os cabos eleitorais da emancipação com
distintivos do “sim” fizeram o corpo-a-corpo para incentivar os
indecisos e os preguiçosos a votar. Os manifestantes do “sim”
montaram uma torcida na escola municipal Ary Schiavo, onde foram
computados os votos. Os integrantes do “não” ficaram afastados do
local da apuração. (JORNAL O GLOBO, 1/07/1991)

No entanto, não é somente a questão da liberdade que aparece atrelada à


emancipação nos jornais de maior circulação. A falta de recursos e a pobreza de Japeri e
Engenheiro Pedreira também aparecem como empecilho para a constituição e o futuro
do novo município. Em O Globo, de 30 de junho de 1991, na chamada da matéria:
“Búzios e Japeri: os opostos vão às urnas”, aparece em destaque o fato de que Búzios,

21
O jornal O Globo não informa o número de eleitores que compareceram às urnas no dia do plebiscito.
O Jornal do Brasil, do dia 1º de julho de 1991, informa que o total de eleitores aptos a votar era de 33.573
mil eleitores e que 24.751 eleitores compareceram as urnas computando um total de adesão de 73,3%. No
Jornal de Hoje do dia 2 de julho de 1991 informa que 91% da população de Japeri compareceram às
urnas, enquanto em Engenheiro Pedreira o percentual foi de 52%. O jornal ainda informa que houve 334
votos contrários, 106 nulos e 250 brancos.
33

que também pretendia emancipar-se de Cabo Frio, tinha todas as possibilidades de se


erguer como município, ao contrário de Japeri. O destaque fica por conta do potencial
turístico, das belezas naturais e do apoio de artistas famosos (como, por exemplo, do
ator Marcos Paulo e da modelo Luiza Brunet) e de empresários da rede hoteleira. Do
outro lado, a pobreza e a miséria de Japeri, cuja campanha contava com apoio de igrejas
evangélicas locais e de ex-jogadores de futebol, como Quincas e Nivaldo. A reportagem
se inicia do seguinte modo:

Conexão Japeri-Búzios: morador de Búzios quando precisa chegar


rápido ao Rio pega um jatinho. Morador de Japeri disputa lugar no
trem das 5h 10min, única ligação direta para o centro do Rio. Diversão
em Búzios é passear de veleiro, windsurf e jet-ski. Em Japeri, o jeito é
andar de carroça ou bicicleta, principais meios de transporte depois do
trem. Búzios ganhou fama internacional nos anos 60 com a visita de
Brigitte Bardot. Japeri só aparece na imprensa estrangeira quando o
assunto é violência na Baixada Fluminense. Búzios tem 23 praias.
Orla para os moradores de Japeri são as margens do Rio Guandu. E
para quem considera exagero tantos sinais de prosperidade em Búzios,
seus moradores têm na ponta da língua, um ditado popular como
resposta: “Pobre de búzios tem duas casas alugadas”. (O GLOBO,
30/06/1991)

Segundo a matéria do jornal O Globo, o único aspecto em comum entre Búzios e


Japeri era “a vontade de se transformar em município”. A reportagem destaca Japeri e
Engenheiro Pedreira como dois distritos “parados no tempo”. A inexistência de clubes,
parques, agências bancárias e telefones públicos – segundo a reportagem, havia apenas
uma mesa da Telerj (prestadora de serviços telefônicos estatal, única disponível na
época) em um estabelecimento comercial – corrobora o estado de “atraso” em que se
encontravam os respectivos distritos. O Jornal do Brasil do dia anterior ao plebiscito
destaca o ex-distrito de forma semelhante:
A 70 quilômetros do Rio, sem indústrias, bancos, hospital e cinema, o
município terá 82 quilômetros quadrados, incluída a localidade
Engenheiro Pedreira. Um dos desafios do prefeito, eleito em 92, será
enfrentar os problemas crônicos da Baixada, como as valas negras, a
violência e a pobreza. (Jornal do Brasil, 30/06/1991)

Este mesmo estado de “inércia” no qual vivia o ex-distrito é representado de


forma similar no jornal O Dia:
Com 82 quilômetros quadrados, Japeri mais parece uma cidade do
interior completamente decadente. Das 600 ruas, apenas duas são
calçadas, 10 mil crianças não têm escola, não há um hospital público e
existem 100 quilômetros de valas negras. Os sinais de miséria são
vistos por todos os lados. A temperatura no distrito varia entre 30 e 32
graus nessa época do ano, aumenta no verão com a violência gratuita,
34

motivada pelo desemprego, pela fome e pela falta de perspectiva. Um


lugar sem identidade, até porque qualquer morador que queira tirar
uma carteira de identidade, um título de eleitor ou registrar o
nascimento de uma criança tem que ir a Nova Iguaçu, distante 40
quilômetros. (JORNAL O DIA, 16/06/1991)

No Jornal de Hoje, do dia 30 de junho de 1991, é possível observar o mesmo


cenário:
Com 368 quilômetros quadrados, o sexto distrito de Japeri e o sub-
distrito de Japeri e o sub-distrito de Engenheiro Pedreira pleiteiam a
emancipação da região. A vitória do sim já é tida como certa, apesar
da infra-estrutura da região não estar de acordo com as necessidades
do município. Sem indústrias ou estabelecimentos comerciais
suficientes para atender a demanda de uma cidade, Japeri conta
somente com os impostos provenientes da passagem do gasoduto da
Petrobrás e com o repasse de verbas federais e estaduais.Mas, mesmo
assim, os membros da comissão de emancipação tentam convencer a
maioria dos 33.573 eleitores da região de que a autonomia política é o
único caminho para o desenvolvimento. Se o sim realmente vencer em
Japeri e Engenheiro Pedreira, o futuro prefeito terá que enfrentar uma
avalanche de problemas, A precária rede de água e esgoto,
responsável por dezenas e quilômetros de valas negras (...). (JORNAL
DE HOJE, 30/06/1991)

O jornal O Dia do dia 1º de julho de 1991 traz uma entrevista com o subprefeito
do 6° Distrito de Nova Iguaçu (Japeri e Engenheiro Pedreira) sobre as possíveis receitas
que o Município receberia após a emancipação:

[...] se o distrito for emancipado contará como principal fonte de renda


com o Fundo de Participação Municipal (FPM), que o governo federal
distribui de acordo com o número de habitantes, e com os recursos do
ICMS do petróleo pago pela Petrobrás, já que no território passa um
oleoduto. A população conta ainda com os impostos pagos pelas duas
únicas indústrias, a Pedreira J. Serrão e Mineração e a fábrica de
caldeiras de Engenheiro Pedreira, olarias e areias. (O DIA, 1/07/1991)

Sobre este aspecto, também encontramos divergências na literatura sobre as


emancipações municipais. Gouvêa (2005) afirma que muitos municípios seguiram
dependentes de receitas de outras unidades da federação para a sua sobrevivência.
Assim, o Fundo de Participação Municipal (FPM) e o ICMS (Imposto sobre Circulação
de Serviços e Mercadorias), respectivamente, receitas advindas do âmbito federal e
estadual, seriam as principais fontes de renda para a sustentação do município. Ora, se
por um lado se advoga a favor de uma independência político-administrativa, por outro
se recorre à tutela econômica22 (GOUVÊA, 2005).

22
Adentrando nesta discussão, podemos extrair uma questão interessante a partir de Gouvêa (2005), onde
o mesmo estabelece um contraponto entre descentralização política e desconcentração administrativa. A
35

Do mesmo modo, Chacon (2001) propõe uma reflexão sobre o federalismo a


partir da tendência municipalista, apresentando um viés critico sobre a
insustentabilidade e dependência financeira dos municípios brasileiros.

Na prática há no Brasil uns cinco mil e oitocentos municípios, dos


quais uns três mil com até quinze mil habitantes cuja receita municipal
disponível se alimenta apenas de dez por cento dos impostos
municipais, portanto noventa por cento provêm de transferências
estaduais e federais. Mesmo para os trezentos municípios com mais de
duzentos mil habitantes, a principal receita é o fundo de participação
distribuído pelo governo federal. (p. 44)

Apesar de proceder em favor das emancipações municipais e reconhecer que o


FPM é fundamental para a sobrevivência de muitos municípios, Bremaeker (1993)
destaca o lado positivo desta questão, pois de antemão estaria posto o trabalho
cooperativo em um sistema de parceria entre governo local (município) e governo
federal. Como modo de justificar tal afirmativa de dependência da esfera municipal ao
governo federal, o autor afirma que:

Não é por acaso que nos países mais desenvolvidos a participação dos
Governos locais nas receitas públicas é maior. Estes países já
descobriram que o Governo local é mais eficiente e executa os
programas de governo de forma mais barata. (BREMAEKER, 1993.
P. 90)

Apresentando um tom de entusiasmo pela corrente emancipacionista, Lordello


de Mello (1992) propõe desconstruir algumas visões negativas e contrárias às
emancipações. O principal argumento combatido é o de que as emancipações
municipais estariam atreladas aos “interesses políticos eleitoreiros” principalmente no
âmbito estadual, por ser o legislativo estadual o responsável pelo deferimento (ou
indeferimento) de um pedido emancipacionista23. Como argumento oposto à criação de
municípios estaria o aumento do número de cargos políticos, em função da criação de

diferença estaria presente no fato de que a descentralização seria o repasse de atribuições de um nível de
maior hierarquia, ou seja, o governo federal, para um menor (municípios), sem apresentar níveis de
dependência. A desconcentração, por outro lado, apesar da incumbência de atribuições, mantém níveis de
subordinação com as esferas superiores. Quando colocamos a questão da arrecadação tributária
observamos diferenças entre os níveis da federação, ou seja, o discurso da equidade político-
administrativa esbarra em uma diretriz econômica, apesar da ocorrência de uma descentralização fiscal
(TOMIO, 2002a). Segundo Gouvêa, observa-se “uma forte intenção de descentralizar atividades, sem que
ocorra, no entanto, a correspondente descentralização dos recursos disponíveis.” (GOUVÊA, 2005, p.
177).
23
No Capítulo 4 haverá uma discussão sobre as modificações no procedimento dos pedidos
emancipacionistas.
36

uma prefeitura e de suas respectivas secretarias. O autor, por outro lado, não nega este
fato, ao contrário:.
Daí o interesse eleitoreiro de muitos políticos na criação de novos
Municípios, pois, além de contarem com os Prefeitos e Vereadores
como cabos eleitorais, poderão valer-se deles para a obter empregos
nas Prefeituras e nas Câmaras Municipais para os seus apaziguados
políticos, visto que o sistema de mérito ainda não conseguiu
implantar-se na grande maioria dos nossos Municípios, nem nos
Estados e no Governo Federal como regra geral. (LORDELLO DE
MELLO, 1992, p. 26-27)

Como demonstrado acima, encontramos tanto na literatura sobre as


emancipações municipais, como na mídia impressa, certas ambiguidades e conflitos
sobre a emancipação de Japeri. Os favoráveis às emancipações argumentam que a
autonomia político-administrativa acarretaria diretamente uma proximidade de gestão e
uma eficácia na aplicação de recursos. Os críticos às emancipações apresentam-se
cétidos de que a transformação dos distritos em municípios melhoraria a vida da sua
população, trazendo mais democracia e direitos de cidadania. A descrença ainda
repousa na suposta sustentabilidade dos municípios, uma vez que grande parte das
receitas adviria de outras esferas da federação. Nas matérias vinculadas na mídia
impressa sobre a emancipação de Japeri encontramos estas proposições, ora com
otimismo, ora com pessimismo.
Apesar de todos os jornais apresentarem a situação precária e de “miséria” em
que se encontrava Japeri, podemos atribuir significados diferentes às matérias
vinculadas sobre o 6º distrito de Nova Iguaçu. O Jornal O Globo, por exemplo, quando
compara Japeri e Búzios, defende que este possuía todas as condições para se tornar
município e aquele provavelmente não. Diante do cenário de pobreza de Japeri, a
reportagem apresenta um tom pessimista sobre seu futuro após a emancipação.
Diferentemente, no jornal O Dia e no Jornal de Hoje, a “liberdade” como
superação da “miséria” é o principal debate postulado sobre a emancipação de Japeri.
Quando retratam como o samba-enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense
“liberdade, liberdade abre as asas sobres nós” representou a matriz motivadora da
emancipação de Japeri, evidenciam um tom de otimismo.O mesmo ocorre quando
descrevem o tom de felicidade e esperança no depoimento de alguns moradores. Já o
Jornal do Brasil apresenta um posicionamento neutro, não evidenciando otimismo nem
pessimismo quando descreve a emancipação de Japeri.
37

No início deste Capítulo foi analisado o pensamento do grupo emancipacionista,


simbolizado pelo tom de otimismo da frase “é melhor ser cabeça de sardinha do de rabo
de baleia”. No Capítulo a seguir, o objetivo será analisar mais detalhadamente a
proposta da corrente emancipacionista de Japeri.
38

CAPÍTULO 2

A LEGITIMAÇÃO DAS “BASES” E OS “APÓSTOLOS” DA EMANCIPAÇÃO


DE JAPERI

O processo de emancipação de Japeri teve a participação central de Carlos


Moraes e Luiz Barcelos, na época, dois vereadores de Nova Iguaçu cujas “bases”
eleitorais, respectivamente, se encontravam nas localidades de Japeri e Engenheiro
Pedreira.
A categoria nativa “bases” eleitorais, como apresentado por Bezerra (1999),
ajuda na compreensão do fenômeno emancipacionista. No livro Em nome das “bases”:
política, favor e dependência pessoal, o autor procura “examinar o sistema de relações
sociais produzido em torno da atuação dos parlamentares dirigida para a liberação de
recursos federais para suas ‘bases’ eleitorais” (BEZERRA, 1999, p. 12). Assim, o autor
analisa as relações que estão presentes no procedimento de liberação de verbas por parte
dos deputados federais para os estados e municípios aos quais estão vinculados, locais
onde possuem maior número de votos. Bezerra faz questão de destacar que a ação do
deputado federal não está unicamente voltada para “seus interesses e vínculos com as
bases eleitorais”, uma vez que também orientam a conduta do deputado “atribuições
formais, afiliações partidárias, interesses de classe e corporativos” (BEZERRA, 1999,
p. 13).
No jornal do grupo emancipacionista de junho de 1991 existe uma chamada
destacando a importância do comparecimento às urnas e do voto pelo “sim”. A partir da
emancipação, diz a publicação, cada morador de Japeri e Engenheiro Pedreira tornar-se-
ia “arquiteto” e “senhor do seu destino”. A liberdade sucedida pela emancipação
proporcionaria a visibilidade e o fim do isolamento.24 O objetivo da proposta
emancipacionista, através do jornal, era tornar-se independente da tutela de Nova
Iguaçu, considerado um município de grande extensão territorial e populacional. Para
seus defensores, a emancipação traria recursos e autonomia política e,
consequentemente, o desenvolvimento da região.

24
Este argumento já foi trabalhado no capítulo anterior a partir do slogan da campanha emancipacionista:
“É melhor ser cabeça de sardinha do que rabo de baleia”.
39

Ex-prefeito de Japeri e ex-vereador de Nova Iguaçu, além de um dos principais


agentes da emancipação, Luiz Barcelos explica a emancipação:
(...) na época eu era vereador e a gente tinha lá em Nova Iguaçu uma
unidade da prefeitura que chamava Senferp que controlava o
maquinário que era enviado para as subprefeituras (...) porque o
morador não conhecia asfalto, ele queria que passasse uma máquina
na rua para tirar a lama e acabar com os buracos. E quando a máquina
saía de Nova Iguaçu ela chegava no meio do caminho e quebrava, não
ia. Então você ficava lá e perguntava: eu sou vereador de que?
Nem uma máquina eu posso passar no meu bairro. (Luiz Barcelos,
entrevista concedida em 28/04/2011, grifos meus.)

Podemos perceber nessa fala que a mobilização pró-emancipação de Japeri, do


ponto de vista desses vereadores, tinha, entre outras coisas, o objetivo de atender
diretamente as demandas da população. Barcelos deixa claro que a emancipação
municipal proporcionaria também uma aproximação com sua “base” eleitoral, tornando
mais “visível” sua ação na localidade (PALMEIRA e HEREDIA, 2010, p. 128).
O empenho para a realização da emancipação de Japeri, segundo o Jornal
Emancipacionista, era atribuído “às Igrejas católicas e evangélicas, ao Grupo
Ecológico, à Maçonaria e a outras pessoas e instituições empenhadas na libertação do 6º
Distrito.”, mas também aos vereadores, denominados, entre outros nomes, como os
“apóstolos” da emancipação. (JORNAL EMANCIPACIONISTA, 1991). Neste caso, o
ato de se intitularem “apóstolos” da emancipação confere a Luiz Barcelos e a Carlos
Moraes um caráter de missionários e propagadores da causa emancipacionista.25
Buscando mapear as redes políticas que participaram da luta pela emancipação,
vemos que a busca de romper com a prefeitura de Nova Iguaçu mobilizou alianças
também no plano estadual. Na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, sob
a liderança do ex-deputado Paulo Duque, formou-se uma rede de apoio à emancipação.
Segundo o ex-deputado:
O problema era que os políticos não deixavam que os distritos se
transformassem em novos municípios. Por isso existiam municípios
gigantes, sem assistência nenhuma. Quero dar um exemplo prático,
exatamente com Nova Iguaçu. Consegui emancipar Queimados, que
hoje é um município de 300 mil habitantes, com um pólo industrial,
um progresso enorme, e que antes era apenas um distritozinho de
Nova Iguaçu. Belford Roxo, onde ficam a fábrica da Bayer e outras
indústrias, Japeri. Tudo isso saiu de Nova Iguaçu.(...) Eu tive um
papel relevante na modificação do mapa do nosso Estado, sou o
responsável pelo novo desenho geopolítico do atual estado do Rio de
Janeiro. Eu e outros deputados, que tiveram coragem de se bater

25
Mais adiante, veremos como o universo de moradores entrevistados associa os nomes de Carlos Moras
e Luiz Barcelos diretamente à emancipação de Japeri.
40

contra certas aberrações quase que eternizadas. Não havia essa


mentalidade municipalizadora, foi implantada graças a muito
esforço, muitos pronunciamentos, muitas conferências. (Paulo
Duque, depoimento ao CPDOC/FGV, 1998, p. 165, grifos meus)

Paulo Duque deixa claro que o estabelecimento de um município passa por


negociações e acordos políticos. É interessante observar que o ato de elevar um distrito
à categoria de município está intrinsecamente ligado a outras instâncias e que não
dependem unicamente dos anseios e da vontade da população. Duque afirma como seu
papel foi relevante na reconfiguração do mapa do estado do Rio de Janeiro e que sua
“coragem” e “esforço” foram os responsáveis pelo surgimento de novos municípios no
Estado do Rio de Janeiro. Afirma também que o mais difícil em todo esse processo foi
convencer os políticos das áreas a serem emancipadas a aderirem ao projeto
emancipacionista, pois os mesmos achavam que o surgimento de novos municípios
geraria uma alteração dos “currais eleitorais”. (Paulo Duque, depoimento ao
CPDOC/FGV, 1998: 167).
Além do apoio da Assembleia Legislativa, Barcelos afirma que na Câmara de
Vereadores de Nova Iguaçu não houve empecilhos nas discussões feitas em plenário
sobre a emancipação de Japeri. Barcelos argumenta que os vereadores que compunham
o legislativo municipal também possuíam interesse em emancipar as localidades onde
possuíam suas “bases eleitorais”.26
A pesquisa sobre a emancipação de Japeri tem mostrado que a participação dos
vereadores de Nova Iguaçu, Carlos Moraes e Luiz Barcelos, foram fundamentais para
que a emancipação se realizasse. A constituição do novo município parte do esforço e
da ação direta de seus agentes emancipacionistas. Seja pela questão financeira ou de
conhecimento político, a emancipação deve-se em grande parte à ação dos articuladores
do movimento, o que gerou por parte dos moradores de Japeri uma relação direta entre
emancipação e agentes emancipacionistas. Nas minhas conversas com os moradores que
vivenciaram o processo de emancipação de Japeri, os primeiros nomes que lhes vêm à

26
Barcelos afirma que após a Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica do município de Nova Iguaçu
(30 de maio de 1990) foi refeita e que no regimento municipal já consta a possibilidade de emancipação
dos distritos de Nova Iguaçu. Carlos Moraes e Luiz Barcelos estavam entre os vereadores que elaboraram
a Lei Orgânica de Nova Iguaçu. No regimento municipal existem artigos que tratam sobre a fusão e
desmembramento de distritos, e no Título VII (Das Disposições Gerais e Transitórias), o Artigo 3º
menciona as emancipações municipais. Segundo o Artigo 3º da Lei Orgânica: “Os Distritos de Nova
Iguaçu que se transformarem em Municípios reger-se-ão pela presente Lei Orgânica até a edição de leis
próprias.”
41

lembrança são os de Carlos Moraes e Luiz Barcelos. Para os entrevistados na pesquisa,


era fundamental mencionar os nomes dos principais agentes como os responsáveis pela
elevação do distrito a município.
Japeri pertencia a Nova Iguaçu. Tudo dependia de Nova Iguaçu. Aí o
que aconteceu? Conseguiram fazer dois vereadores, um de Japeri e um
de Engenheiro Pedreira. Esses dois vereadores foram os que lutaram
para emancipar o município (...). O Carlos Moraes Costa aqui de
Japeri e o Luiz Barcelos de Engenheiro Pedreira. (Mauro Belém,
entrevista 23/04/2010)

A emancipação foi uma luta muito grande do Carlos Moraes, um


grande batalhador. (Filomena, entrevista dia 22/04/2010)

Como demonstrado anteriormente, os agentes emancipacionistas se intitulavam


os “apóstolos” da emancipação, sendo aqueles que tiveram o papel central na
construção e propagação da causa emancipacionista. Barcelos afirma que todo o
processo emancipacionista foi custeado por ele e por Moraes: “Fizemos panfletos,
comícios, trouxemos prefeitos de outras cidades como Paty (de Alferes) para
demonstrar como a emancipação foi bem sucedida.” (Luiz Barcelos. Entrevista em
28/04/2011). Barcelos atribui importância salutar ao comício, uma vez que resultou na
mobilização e agrupamento da população. Durante o comício houve shows de artistas
da região e de uma equipe de som. De acordo com Palmeira e Heredia (2010):
Políticos e candidatos são não apenas indispensáveis, mas centrais na
composição de qualquer palanque. Um comício sem candidato, feito
apenas por militantes de uma certa candidatura, é quase inconcebível.
Todavia, o palanque de um grande comício exige mais que candidato
se políticos do lugar. Além deles, políticos de fora, figuras de destaque
do município e de fora, artistas de alguma notoriedade são presenças
obrigatórias. Um palanque que se preze, na expressão de
apresentadores e oradores, deverá comportar, necessariamente,
autoridades, artistas e convidados. (p. 34-35)

O comício se apresenta como o momento em que Moraes e Barcelos e outras


pessoas envolvidas com a emancipação projetam sua “força” para o projeto
emancipacionista. Estar presente no palanque e apoiar a causa emancipacionista
representa a possibilidade de formar um “nome” junto ao eleitorado, visando a eleições
futuras, já que a emancipação traz novas cadeiras de vereadores, postos em secretarias
municipais, entre outros cargos.
Barcelos e Moraes “tomaram à frente” do processo emancipacionista de Japeri.
A facilidade e a competência para a realização da emancipação ficam por conta da
procedência de um “capital político” que já acumulavam no distrito (por serem
42

vereadores de Nova Iguaçu e com a “base eleitoral” em Japeri e Engenheiro Pedreira) e


nas outras esferas de poder (na Assembleia Legislativa, por exemplo). O “capital
político”, segundo Bourdieu (2010):

[...] é uma forma de capital simbólico, crédito firmado na crença e no


reconhecimento ou, mais precisamente, nas inúmeras operações de
crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa – ou a um
objeto – os próprios poderes que eles lhes reconhecem. (BOURDIEU,
2010, p. 187-188)

Os quadros abaixo apresentam as cinco eleições municipais do município de


Japeri desde a sua emancipação e demonstram as posições ocupadas por Carlos Moraes
e Luiz Barcelos em campanhas majoritárias após a emancipação.

Eleição para prefeito de Japeri – 1992


Nome dos candidatos Votos
ARILDO RODRIGUES CAPITAO 6.974
JOSE SABINO DA GRACA 1.128
CARLOS JESUS ONTIVEROS GUARDIA 5.149
CARLOS MORAES COSTA 8.527
MARIO JOAQUIM DOS SANTOS 381
Quadro 1 – Eleição para prefeito de Japeri – 1992. Fonte: Tribunal Regional Eleitoral - Rio de Janeiro

Eleição para prefeito de Japeri – 1996


Nome dos candidatos Votos
LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS 11.171
JOSÉ CARLOS MENEZES DA SILVA 11.118
MARINA DE ALMEIDA 6.709
Quadro 2 – Eleição para prefeito de Japeri – 1996. Fonte: Tribunal Regional Eleitoral - Rio de Janeiro

Eleição para prefeito de Japeri – 2000


Nome dos candidatos Votos
CARLOS MORAES COSTA 21.370
LUIZ BARCELOS DE VASCONCELOS 11.658
ELIEZE ROZENDO DA SILVA 3.790
VICENTE CARLOS MARQUES 397
Quadro 3 – Eleição para prefeito de Japeri – 2000. Fonte: Tribunal Regional Eleitoral- Rio de Janeiro
43

Eleição para prefeito de Japeri – 2004


Nome dos candidatos Votos
BRUNO SILVA DOS SANTOS 22.824
CARLOS MORAES COSTA 21.097
Quadro 4 – Eleição para prefeito de Japeri – 2004. Fonte: Tribunal Regional Eleitoral- Rio de Janeiro

Eleição para prefeito de Japeri – 2008


Nome dos candidatos Votos
IVALDO BARBOSA DOS SANTOS 16.657
CARLOS MORAES COSTA 13.920
ANDRÉ LUIZ CECILIANO 12.241
CARLOS JESUS ONTIVEROS GUARDIA 6.956
Quadro 5 – Eleição para prefeito de Japeri – 2008. Fonte: Tribunal Regional Eleitoral- Rio de Janeiro

Se analisarmos a formação do quadro de prefeitos de Japeri a partir de sua


emancipação, encontramos dois mandatos de Carlos Moraes (1993-1996 e 2001-2004) e
um mandato de Luiz Barcelos (1997-2000). Moraes concorreu às eleições de 2008 para
prefeito, sendo derrotado para o candidato Timor (PSDB) com uma margem de votos de
5,5%. Portanto, das cinco eleições para prefeito de Japeri, por três mandatos o executivo
municipal ficou a cargo dos agentes emancipacionistas Moraes e Barcelos. Ser agente
emancipacionista conferiu diretamente o exercício direto de posições de poder por parte
de Moraes e Barcelos.
O jornal da campanha emancipacionista declarava que a emancipação de Japeri
dependia do esforço de todos os moradores para o fim do “esquecimento” de Japeri e
Engenheiro Pedreira por parte de Nova Iguaçu. No entanto, Luiz Barcelos argumenta
que a emancipação de Japeri foi dificultada pela falta de interesse e entendimento por
parte da população do significado que a emancipação representava.
Foi difícil levar o eleitor para votar. Tinha que pegar pelo colarinho.
Não se fazia política. Eles não tinham conhecimento sobre esta
prática. Os moradores nunca tinham visto um prefeito. Em uma parada
de 7 de setembro, por exemplo, o prefeito de Nova Iguaçu tinha várias
cidades para visitar. Lá não se fazia política (...) Foi muito difícil a
mobilização dos eleitores para votar no plebiscito. (Luiz Barcelos,
entrevista em 28/04/2011, grifos meus.)

Carlos Moraes, do mesmo modo, afirma que não havia por parte dos moradores
de Japeri uma “consciência coletiva”, o que dificultava a mobilização em prol da
emancipação.
44

Porque o mais difícil em Japeri seria a consciência coletiva que não


existia. Para se fazer uma emancipação precisa de uma consciência
coletiva, a população tem que participar, o comerciante, a sociedade
toda tem que participar. E lá era um povo meio arredio, muito
desgastado, muito maltratado pelo tempo, pelas autoridades. (Carlos
Moraes, entrevista em 02/04/2010, grifos meus.)

Indiretamente, o discurso sobre a emancipação é atribuído a um caráter coletivo


e tem por objetivo o convencimento da população de que a emancipação seria o melhor
caminho para o futuro de Japeri. Contudo, não se pode negar, como afirmou Bourdieu,
que o “monopólio da produção e da imposição dos interesses políticos instituídos lhes
deixa a possibilidade de imporem os seus interesses mandatários como sendo os
interesses de seus mandantes.” (BOURDIEU, 2010, p. 168)
Bourdieu destaca que os possuidores do monopólio político incorporam o
habitus e o domínio prático do “campo político”. A habilidade fica por conta da
oratória, do domínio da linguagem e da retórica que compõem o jogo
de que eles que têm o monopólio e que precisam perpetuar para
assegurarem a rentabilidade dos seus investimentos, não se manifesta
nunca de modo tão claro como quando o jogo chega a ser ameaçado
como tal. (BOURDIEU, 2010, p. 173)

Assim, podemos dizer que a emancipação municipal representaria, nas palavras


de Bourdieu, o jogo que “valendo a pena ser jogado, une a todos os outros participantes
por uma espécie de conluio originário bem mais poderoso do que todos os acordos
abertos ou secretos.” (BOURDIEU, 2010, p. 173) A possibilidade de emancipar Japeri
representou para os agentes emancipacionistas o reforço e a legitimação de sua
importância junto às suas “bases” eleitorais reforçando seu “capital político”.
Em seu trabalho intitulado “Ensaio sobre a dádiva”, Marcel Mauss procura
atribuir ao ato da troca, mas precisamente à tríade “dar, receber e retribuir”, o
fundamento das relações sociais. O caráter simbólico envolvido no ato da troca propicia
uma compreensão da dinâmica das sociedades, correspondendo a uma atribuição moral.
O dom, como um princípio vital da sociabilidade humana, apresenta-se como uma
obrigação simbólica, caracterizando uma “economia moral” entre os indivíduos.
Diferente do que, teoricamente, poderíamos chamar de um paradigma utilitarista
moderno, pautado nas relações de troca por um interesse material imediato (onde o
objeto apresentaria características inanimadas), o dom não é caracterizado por seu valor
de uso, da coisa material trocada, mas sim em uma lógica simbólica. Mauss está atento
para como a lógica da dádiva assume características diferentes em cada sociedade. A
45

dádiva constitui um sistema amplo, estando presente em diferentes esferas da vida


social. Sendo assim, sabemos que a dádiva não é instituída politicamente, mas se torna
um princípio constituinte da política. É interessante estar atento que o “ato de dar pode
assim se associar em maior ou menor grau a uma ideologia da generosidade, mas não
existe a dádiva sem a expectativa da retribuição” (LANNA, 2000, p. 176).
Bourdieu (2010) afirma que:

[...] o homem político, como homem de honra, é especialmente


vulnerável às suspeitas, às calúnias, ao escândalo, em resumo, a tudo o
que ameaça a crença, a confiança, fazendo aparecer à luz do dia os
atos e os ditos secretos, escondidos, do presente e do passado, os quais
são próprios para desmentir os atos e os ditos presentes para
desacreditar o seu ator ( p. 188-189).

A dádiva política também designa a reciprocidade. Barcelos e Moraes, a partir


do momento que possibilitam a “liberdade” do distrito e “benefícios” políticos, a partir
da emancipação, esperam a contrapartida por meio do voto. A lógica da dádiva
pressupõe uma expectativa, sendo que a mesma não se realiza unicamente por um ato
desinteressado. A presente dissertação não pretende defender que exista uma relação
necessária entre dádiva e emancipação municipal, no entanto, a elevação do distrito à
categoria de município é associada pelos moradores de Japeri a um bem advindo dos
agentes emancipacionistas. Apesar das evidências demonstrando que, na maioria das
vezes, o executivo municipal ficou a cargo dos agentes emancipacionistas, tal afirmativa
correlacionando dádiva e emancipação municipal não poderá ser corroborada, assim
como a perda nas últimas duas eleições municipais de Carlos Moraes pareceria estar
associada à ruptura da lógica da dádiva.

As motivações políticas e o clientelismo

Através de entrevistas com moradores de municípios recém-emancipados ou em


processo de emancipação no estado do Rio de Janeiro, Noronha (1997) procura entender
os motivos que levam um distrito ou localidade a se tornar município. Deste modo,
Noronha estabelece quatro motivações principais27: administrativas, econômicas
dinâmicas, econômicas por estagnação e políticas. As motivações administrativas

27
As motivações apresentadas, segundo o autor, não são tidas como classificações em sua essência,
podendo uma emancipação municipal apresentar mais de uma motivação.
46

seriam aquelas presentes em todo processo emancipacionista, na existência de uma


“demanda legitima” (NORONHA, 1997, p. 66) da comunidade por serviços públicos
ausentes que só seriam supridos a partir da emancipação. Noronha destaca que este
argumento representa a “grande fachada” das emancipações.28 As motivações
econômicas dinâmicas ocorreriam nos distritos que possuem autonomia econômica com
bases sólidas para a constituição e sustentação financeira. Nesta situação, os distritos ou
localidades não são dependentes economicamente da sede municipal, sendo que em
muitos casos possuem condições melhores do que do município-sede.29 As motivações
econômicas por estagnação seriam aquelas em que somente pela autonomia política-
administrativa, o distrito, economicamente estagnado, viabilizaria uma chance de
dinamizar a economia local.30 A possibilidade de crescimento, segundo o autor, estaria
nos repasses oriundos da esfera estadual e federal. Noronha demonstra que esta
motivação apresenta argumentos pró – a possibilidade do novo município negociar
diretamente com o governo federal e estadual obras de infraestrutura e maiores
investimentos na saúde e educação – e contra – pela insustentabilidade do município,
gerando endividamentos da prefeitura. Segundo o autor, a ultima motivação, a
motivação política, consiste na realização da emancipação municipal tendo em vista as
lideranças locais formarem novas áreas de influência e poder através do executivo
municipal. Noronha afirma que é difícil que ocorra uma emancipação sem intermédio
de grupos políticos que atuem como monopolizadores do processo emancipacionista.
Inclusive, o autor destaca que a emancipação de Japeri se realizou preponderantemente
por motivação política.31 Quando Noronha descreve o significado das emancipações por
motivações políticas, é possível estabelecer uma associação com os argumentos
desenvolvidos pela presente dissertação.

Os autores do processo político muitas vezes já estão em cena há


tempos, participando como vereadores ou até mesmo vice-prefeitos e
prefeitos do município de origem, como ocorreu em muitos casos. Por
outro lado temos situações em que intelectuais do local, como
advogados, professores ou médicos, ou mesmo comerciantes,
pecuaristas ou clérigos, encabeçam o movimento da emancipação e
28
No entanto, afirma que melhorias do serviço público acontecem, citando o caso de Italva, Paty do
Alferes, Itatiaia e Arraial do Cabo. (NORONHA, 1997, p. 67)
29
Noronha cita a emancipação de Itatiaia, Paty do Alferes, Arraial do Cabo, Rio das Ostras, Queimados e
Belford Roxo como exemplos de emancipações vinculadas às motivações econômicas dinâmicas.
30
As emancipações por motivações econômicas estagnadas, segundo o autor, seriam representadas pelos
municípios de Quatis, São José do Vale do Rio Preto, Italva, Cardoso Moreira, Varre-Sai, Quissamã e
Guapimirim.
31
Além de Japeri, o autor destaca os municípios de Comendador Levy Gasparian, Areal e Aperibé como
emancipações resultantes de motivações políticas.
47

em seguida se candidatam aos novos cargos eletivos, tornando-se as


novas lideranças locais. (NORONHA, 1997, p. 71)

O argumento proposto por Noronha, de que a emancipação de Japeri foi


motivada por interesses políticos, se relaciona de forma interessante com o relato de um
morador de Japeri:

A emancipação foi uma coisa pensada e feita por um grupo, ela não
foi uma coisa planejada [pela população]. Tinha interesse em
emancipar o município. A gente sabe disso, que tinha uma ou duas
famílias que já faziam parte da política e queriam criar um
“curral eleitoral” para eles. Eles já tinham o voto porque eram
vereadores de Nova Iguaçu e então teve a oportunidade de emancipar
e fez. (Francisco, morador de Japeri, entrevista concedida em
21/06/2010, grifo meu.)

O morador acima afirma que a emancipação de Japeri foi motivada por


interesses eleitoreiros, na intenção dos emancipadores formarem um “curral-eleitoral”.
Ou seja, o interesse primordial da emancipação, dentro dessa lógica, é a possibilidade da
utilização do executivo municipal para o estreitamento ou fortalecimento das relações
entre políticos e eleitores. Na literatura sobre a relação entre políticos/eleitores e
políticos/municípios encontramos diferentes tendências e abordagens metodológicas,
muitas das quais associaram este fenômeno ao chamado coronelismo, mandonismo ou
clientelismo.
Dentre as abordagens clássicas sobre o coronelismo, podemos citar o estudo de
Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto [1949] (1976) e da socióloga Maria
Isaura Pereira de Queiroz, O mandonismo local na vida política brasileira e outros
ensaios (1976) e O coronelismo numa interpretação sociológica (1976). Victor Nunes
Leal (1976) definiu o coronelismo como “uma forma peculiar de manifestação do poder
privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e
exorbitante poder privado tem conseguido coexistir com um regime político de extensa
base representativa.” (LEAL, 1976, p. 20). O coronelismo é analisado como um
fenômeno caracterizado a partir do momento da história brasileira de prevalência de um
poder público fortalecido e a manutenção da “decadente influência social dos chefes
locais, notadamente dos senhores de terras” (LEAL, 1976, p. 20). Apesar do
coronelismo relacionado com o advento da república, tal fenômeno pode ser “observado
frequentemente durante o Império e alguns deles no próprio período colonial” (LEAL,
1976, p. 254)
48

O município, por sua vez, seria a esfera pública predominante do continuísmo e,


de certa maneira, da manifestação da esfera privada sobre a esfera pública. Leal tem o
compromisso de estudar o município brasileiro não tendo como referência modelos
ideais, mas sim pela resultante do mesmo no cenário nacional. Segundo o autor:
De resto, não comporta o plano deste trabalho discutir questões do
municipalismo ideal, mas tão somente procurar compreender alguns
aspectos do municipalismo que o nosso país efetivamente tem
conhecido. Neste sentido, o que mais importa é verificar como se tem
ampliado ou restringido a esfera própria do município, comparado às
diversas fases umas com as outras e não com qualquer modelo erigido
a priori em definitivo critério de aferição. (LEAL, 1976, p. 56)

Nas diretrizes intelectuais de Oliveira Vianna (1973), Leal tem a preocupação de


entender a formação da sociedade brasileira a partir de sua formação e, desta forma,
direcionar sua analise para a esfera municipal, associando o município (público) ao
poder do coronel (privado). No entanto, Leal reforça que o coronelismo não pode ser
associado diretamente com o patriarcalismo, característico do período colonial, pois tal
fenômeno é caracterizado pela decadência deste poder privado. O coronelismo, por sua
vez, estaria na associação deste poder privado em declínio com o poder público
fortalecido.
Leal detalha as diferentes faces assumidas pela esfera municipal na colônia, no
império e na república. Utilizando-se das diferentes proposições constitucionais e
decretos nestes períodos, o autor se debruça sobre a questão da centralização e
descentralização como forma a dar contornos mais precisos das atribuições que a esfera
municipal foi assumindo. O autor constata a negligência da esfera municipal frente às
outras esferas de poder. Leal (1976) afirma que:
A concentração do poder em nosso país, tanto na ordem nacional
como na provincial ou estadual, processou-se através do
enfraquecimento do município. Não existe a menor contradição
neste processo. É sabido que o poder central, na Monarquia, não
mantendo relações com o município senão para o tutelar, assentava
sua força política no mando incontrastável exercido pelos presidentes
de província, delegados de sua imediata confiança.
Consequentemente, o próprio poder central se consolidou através de
um sistema de concentração de poder provincial, isto é, de
amesquinhamento dos municípios. (p. 101, grifo meu)

Assim sendo, Leal afirma que indiretamente existia uma correlação entre o
fortalecimento dos “coronéis” num cenário de desinteresse velado para com o
município. O que aparentemente representava um “abismo” e paradoxo entre poderes,
49

por outro lado, se apresentava como uma concomitância de interesses – o que Leal
denominou inúmeras vezes por “sistema de reciprocidade” (LEAL, 1976). José Murilo
de Carvalho afirma que “o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de
relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo
compromissos recíprocos” (CARVALHO, 1997, p. 131). Durante a República Velha, na
denominada “república oligárquica” o autor destaca que não havia uma ruptura entre as
diferentes esferas de poder. Conforme destaca Leal:

Assim como nas relações estaduais-federais imperava a “política dos


governadores”, também nas relações estaduais-municipais dominava o
que por analogia se pode chamar “política dos coronéis”. Através do
compromisso típico do sistema, os chefes locais prestigiavam a
política eleitoral dos governadores e deles recebiam o necessário
apoio para a montagem das oligarquias municipais. (LEAL, 1976, p.
102)

A esta “política dos coronéis” denominada por Leal é que se firmavam as


relações entre “coronel” e “eleitorado rural” através do “voto de cabresto” tendo em
vista a manutenção da política vigente. O autor afirma que a população se via submetida
aos mandos e desmandos do potentado rural. O homem do campo vivia em pleno estado
de pobreza e ignorância ante a impossibilidade de alfabetização e acesso à informação.
A dependência e as relações de favor colocavam o roceiro em estado de subserviência,
uma vez que a referência do mesmo se direciona para o coronel. É por este motivo que o
homem do campo irá lutar, e a existência de qualquer tipo de manifestação contrária,
praticamente nula, era inibida pela figura do jagunço como forma de reforçar o mando
do coronel. Contudo, sem esta liderança e prestígio exercidos pelo coronel “o governo
não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a
liderança do “coronel” ficaria sensivelmente diminuída” (LEAL, 1976, p. 46)
Em O coronelismo numa interpretação sociológica, Maria Isaura Pereira de
Queiroz (1976) estabelece um contraponto à ideia de que as relações pessoais traduzidas
através do voto de cabresto. Queiroz afirma que na eleição não está postulada a “escolha
do mais capacitado para exercer funções administrativas ou de mando; é o momento da
barganha ou da reciprocidade de dons” (p. 168) A autora afirma que “o voto não é
inconsciente, muito pelo contrário, resulta do raciocínio do eleitor, e de uma lógica
inerente à sociedade à qual pertence” (p. 168). Glaucia Villas Bôas (2009) demonstra
que, diferentemente de Leal, Queiroz estabelece que “os eleitores podiam medir o peso
50

das vantagens e desvantagens de suas escolhas, constituindo um sistema de dom e


contradom, como lhe ensinara Marcel Mauss” (p. 287)
Por sua vez, Leal pretende desmistificar a ideia proposta por parte da literatura
política de que o “coronel” possui uma “mentalidade estreita” e que “os interesses de
sua facção sobrepõem os da pátria” (LEAL, 1976, p. 37). O autor afirma que:
É ao seu interesse e à sua insistência que se devem os principais
melhoramentos do lugar. A escola, a estrada, o correio, o telégrafo, a
ferrovia, a igreja, o posto de saúde, (...) tudo exige seu esforço que
chega ao heroísmo. É com essas realizações de utilidade pública,
algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio político,
enquanto outras podem requerer contribuições pessoais suas e dos
amigos, é com elas que, em grande parte, o chefe municipal constrói
ou conserva sua posição de liderança. (LEAL, 1976, p. 37)

José Murilo de Carvalho (1997) em Coronelismo, mandonismo, clientelismo:


uma discussão conceitual descreve que o conceito de mandonismo e de clientelismo em
muitos casos é associado diretamente ao conceito de coronelismo. O autor afirma que o
mandonismo e o clientelismo não se apresentam enquanto sistemas propriamente ditos,
como o coronelismo, mas sim como características que, de alguma forma, sempre
estiveram presentes na política brasileira. O mandonismo seria típico da política
tradicional onde os “mandões” ou “chefes” exercem o controle dos recursos através de
um domínio pessoal. Carvalho afirma que o mandonismo ainda se faz presente em
algumas partes do país, no entanto, tende a diminuir na medida em que se expandem os
direitos de cidadania (CARVALHO, 1997). O clientelismo, diferentemente do
coronelismo, não se apresentaria como uma relação direta de subordinação, como
anteriormente visto na figura do coronel e seus mandatários, “pois ela se dá entre o
governo, ou políticos e os setores pobres da população” (CARVALHO, 1997, p. 134).
De acordo com o autor:

Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que


conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder
Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo
se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o
decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais
perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam
de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com
os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística.
(CARVALHO, 1997, p. 135)
51

A proposta da dissertação não é cair no reducionismo de alocar as emancipações


municipais, mais precisamente de Japeri, como resultantes apenas de interesses
eleitoreiros e oportunistas. Atrelar a ação dos agentes emancipacionistas como apenas
clientelista seria negar a própria racionalidade e eletividade dos eleitores no plebiscito
popular. No entanto, a hipótese levantada é de que o protagonismo dos agentes
emancipacionistas foi fundamental para a emancipação de Japeri, assim como de suas
redes de apoio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e na Câmara
Municipal de Nova Iguaçu, onde havia parlamentares interessados em emancipar os
distritos nos quais tinham sua “base eleitoral”.
Portanto, a “invenção” do município de Japeri passa por negociações políticas,
conversas e possibilidades, como anteriormente houve a tentativa de anexar Japeri
(Japeri e Engenheiro Pedreira) e Cabuçu a Queimados. Minha intenção é relativizar e
desconstruir o município como um dado a priori¸ tomando-o como resultado de um
processo constante de invenção e reinvenção. A “invenção” de Japeri foi favorecida
pelo contexto histórico que vinculou as emancipações à eficácia democrática (TOMIO,
2002), como corroborado no discurso dos agentes emancipacionistas. Ao se intitularem
“apóstolos” da emancipação, Moraes e Barcelos se submetem ao papel de “propagar”
ou “pregar”, no sentido bíblico, a causa emancipacionista. Ao assumir a liderança da
emancipação de Japeri, Moraes e Barcelos não apenas legitimam e reforçam suas “bases
eleitorais”, mas conquistam um capital simbólico através da associação por parte dos
moradores entre agentes emancipacionistas e emancipação.
52

CAPÍTULO 3
LOCALIDADES, DIVISAS E PERTENCIMENTO

3.1 Japeri e Engenheiro Pedreira: iguais ou diferentes?

Engenheiro Pedreira e Japeri, desde 1952, a partir da Lei Estadual 1.452 de 28


de abril de 1952, formavam o 6º Distrito de Nova Iguaçu. As tentativas de elevar Japeri
e Engenheiro Pedreira à categoria de município, seja em 1988 – com a proposta de
união destes com Cabuçu e Queimados –, seja no plebiscito de 1991 – quando de fato o
6º Distrito conseguiu a emancipação de Nova Iguaçu – vai ao encontro do argumento de
que a criação do município de Japeri dependeu, dentre outros fatores, de negociações e
articulações políticas.
O sexto distrito de Nova Iguaçu era composto pelas localidades de Japeri e
Engenheiro Pedreira, que foram reunidas para formar um só município, o que Nunes
(1992) denominou de “consórcio”, ou seja, uma comunhão de interesses. Apesar de
serem do mesmo distrito, Engenheiro Pedreira e Japeri32 apresentam diferenças
importantes aos olhos de seus habitantes, como podemos perceber através da fala de um
morador do bairro Chacrinha, Japeri:

A partir da emancipação, teve melhorias, mas não foi como a gente


esperava (...). Engenheiro Pedreira, se você ver o centro, é bem maior
que este nosso (se referindo a Japeri). Evoluiu para lá, aqui não, sendo
que aqui é o município. (...) Era para evoluir onde? Aqui. O interesse
dos governantes é só o lado de lá, não é o lado de cá. Petrobras tá para
onde (...) as fábricas, tudo para o lado de lá, aqui não tem nada. Não
duvide muito, daqui a uns anos Engenheiro Pedreira vai passar a ser
município (...). Vai ficar independente disso aqui (...). Vamos ficar
inválidos, porque não tem nada para tirar daqui. (Francisco,
morador de Japeri, entrevista em 22/04/2010, grifo meu)

Outra moradora de Japeri apresenta argumento semelhante quando confronta Japeri


(bairro) e Engenheiro Pedreira.
Japeri, Japeri (bairro), não ganhou quase nada (emancipação), ganhou
Engenheiro Pedreira. Porque tudo que você vai fazer é em Engenheiro
Pedreira. Porque as pessoas falam assim: “Japeri e Engenheiro
Pedreira é a mesma coisa.” Mas não é. Japeri é Japeri e Engenheiro
Pedreira é Engenheiro Pedreira. Engenheiro Pedreira tem banco,

32
Japeri é o nome dado ao município. No entanto, ele é formado por Engenheiro Pedreira e Japeri
(bairro).
53

mercado, tem tudo e Japeri (bairro) não tem nada, nem uma praça.
(Regina, moradora de Japeri, entrevista em 04/06/2010, grifo meu)

Luiz Barcelos afirma que Engenheiro Pedreira possui um maior contingente


populacional e por isso o empresariado prefere esta localidade para a abertura de
negócios ou aplicação de investimentos.
Essa questão é muito comentada em Japeri, mas não é culpa nossa. Eu
sou de Engenheiro Pedreira. A primeira escola que abri quando fui
prefeito foi em Japeri. A gente procurou manter a secretaria de
educação em Japeri. Agora, o que acontece com Japeri? Japeri, eu to
falando o bairro de Japeri, onde tem o nome da sede do Município.
Ele tá imprensado entre o Rio Guandu e a serra. Não tem mais
planície para se desenvolver (...) e Engenheiro Pedreira é uma planície
grande, loteamento pronto e reconhecido pela Prefeitura. Quando os
empresários vêm de São Paulo e de outros estados para instalar
bancos, agências, lojas maiores, eles escolhem. Não é imposição dos
prefeitos, vereadores. (...) O fluxo populacional é bem maior. Acho
que chega a 3:1. (Luiz Barcelos, Entrevista em 28/04/2011)

No Jornal de Hoje, do dia 30 de junho de 1991, traz interessante questionamento


a respeito de onde seria instalada a prefeitura do município.

Outro problema que será enfrentado pelos futuros administradores do


município, caso a emancipação seja decidida, diz respeito ao nome da
cidade e à sede da prefeitura. Os membros da comissão
emancipacionista se dividem entre os dois distritos. Enquanto uns são
favoráveis à instalação da prefeitura em Engenheiro Pedreira, outros
apoiam Japeri por ser distrito. Os defensores do subdistrito contra-
argumentam, alegando que se Engenheiro Pedreira tentasse a
emancipação sozinho, Japeri, além de ficar fisicamente isolado de
Nova Iguaçu, jamais teria condições de tentar mais tarde a separação
do município. (Jornal de Hoje, 30/06/1991)

No depoimento de Willian Teixeira, o mesmo informa que a prefeitura de Japeri


foi instalada entre Japeri (bairro) e Engenheiro Pedreira, que, para além do aspecto
político, o objetivo era não desagradar nenhuma das localidades33.

Quando houve a emancipação, o primeiro prefeito eleito era de Japeri,


mas como Japeri tem um 1/3 da votação de Engenheiro Pedreira, o
que ele fez? Ele não botou a sede do município em Japeri. Ele botou
entre Japeri e Engenheiro Pedreira. No mato, no mato mesmo. Que ali
nesse mato não tem acesso. Engenheiro Pedreira chega de trem, Japeri
chega de trem e esse mato não levou a nada. Tanto é que até hoje se
construiu o fórum, a prefeitura e o corpo de bombeiro e um hospital.
Não construiu uma casa, não cresceu. Ele pensou que ia ser uma
Brasília, não. Não tem acesso. Ele quis fazer para ficar bem em Japeri
e bem em Engenheiro Pedreira. Botou no meio, por questão de voto,
por questão de política.

33
No depoimento de Luiz Barcelos, perguntei ao mesmo se a instalação da prefeitura entre Japeri (bairro)
e Engenheiro Pedreira foi estratégico, e ele respondeu que sim.
54

Bourdieu (2010) oferece interessante debate sobre a ideia de “região” para se


discutir a junção de Engenheiro Pedreira e Japeri em um só município. A classificação
corrente, representada pelos dados oficiais, coloca Japeri como sendo um município
com características próprias, população, administração e território definidos. Por outro
lado, do ponto de vista “nativo”, as implicações para o surgimento do município são
diferentes e não vistas com aparente naturalidade. Nas ciências sociais, na luta pela
classificação do objeto, no caso, a região (BOURDIEU, 2010), cabe ao pensamento
científico
[...] romper com as pré-noções da sociologia espontânea, entre a
representação e a realidade e com a condição de se incluir no real, a
representação do real ou, mais exatamente, a luta das representações,
nas imagens mentais e também de manifestações sociais destinada a
manipular as imagens mentais. (BOURDIEU, 2010, p. 113)

Analisar uma comunidade com identidade e vínculos de solidariedade requer do


cientista social o compromisso e o entendimento das limitações e implicações que a
classificação corrente impõe na realidade e no imaginário. Bourdieu (2010) procura se
afastar em sua análise da “falsificação” e enraizamento das representações oficiais,
legitimadas dentro na luta do campo científico. Sua proposta estaria na superação da
“representação da realidade à realidade da representação”. (p. 118)
Essa luta pela definição da realidade, segundo Bourdieu, objetivada e legitimada
pela classificação, faz parte do discurso científico que impera como efeito simbólico na
“unidade real” e na “crença da unidade”. Deste modo, analisar conceitos como
“comunidade”, “localidade”, “município”, “nação”, requer o afastamento de seu caráter
normativo ou, no sentido de Bourdieu, de “mitologias” científicas. O discurso científico
é legitimador e produz no objeto estudado realidades objetivas e subjetivas. A
legitimação parte de uma estrutura de campo de luta e aos olhos do pesquisador podem
aparecer despercebidos e sobre o paradigma da verdade. Para Bourdieu (2010):

[...] é com a condição de exorcizar o sonho da “ciência régia”


investida da regalia de regere fines e de regere sacra, do poder
monotético de decretar a união ou separação, que a ciência pode
eleger como objeto o próprio jogo em que se disputa o poder de reger
as fronteiras sagradas, quer dizer, o poder quase divino sobre a visão
do mundo, e em que não há outra escolha para quem pretende jogá-lo
(e não resignar-se a ele) a não ser mistificar ou desmitificar. (p. 123)

Em Forma e variação na estrutura da aldeia balinesa, Geertz (1999) analisa a


complexidade e a natureza múltipla das aldeias balinesas, onde apresenta a dificuldade
55

de se pensar uma unidade territorial orgânica com um único princípio de afiliação


social. Ao adentrar no seu argumento sobre a sociedade balinesa, o autor afirma que o
fundamental é analisar “o conjunto de componentes dos quais ela é feita, não a estrutura
em si”. (p. 279)
Cordeiro e Costa (2006), na análise sobre os bairros populares, Alfama e Bica,
em Portugal, buscam uma reflexão sobre o imaginário e a “permeabilidade” que
circunscrevem o significado e a identidade destes territórios urbanos em Lisboa.
Segundo os autores, os bairros apresentam a princípio, uma unidade temática (LYNCH,
1982, p. 58), sendo que:
No plano da sua existência local, não possuem, contudo, fronteiras
territoriais estáveis. São territórios sociais aproximados cuja definição
pertence, exclusivamente, ao domínio da tradição oral (...) os bairros
surgem-nos como lugares reais e imaginados, intrinsecamente
articulados com outras unidades sociais: desde os pequenos nós de
interação vicinal, informais, por vezes estruturados em redes discretas,
ou polarizados em torno de uma rua, de uma associação ou de uma
loja. (CORDEIRO E COSTA, 2006, p. 60)

O objetivo dos autores é o rompimento da ideia de “bairro” como algo fixo e


imutável. A proposta é mostrar que, além da ideia aparentemente “cristalizada” que se
tem dos bairros, no imaginário dos frequentadores existe uma vivência e um processo
constante de transformações traduzido por diferentes sociabilidades.
Em A dinâmica da cultura, Eunice Durham (2004) traz uma coletânea de artigos
por ela publicados ao longo de sua trajetória acadêmica e, entre eles, merece destaque o
verbete Comunidade, publicado originalmente em 1972, para a Enciclopédia Abril.
Neste artigo, Durham propõe analisar o conceito de comunidade dentro das diferentes
matizes da tradição intelectual da sociologia. Passando pela sociologia alemã, francesa e
norte-americana, a autora empreende uma reflexão em torno do conceito de comunidade
e sua aparente oposição, o conceito de sociedade. A partir dos preceitos de Tönnies e
da obra de autores alemães, Durham (2004) define o conceito de comunidade como “um
tipo de relação entre vontades humanas (ou, como se diria modernamente, uma
formação social), caracterizada pela vontade social baseada na concordância, nas regras
sociais comumente aceitas e na religião” (p. 221). O conceito de sociedade, por outro
lado, “se caracteriza por uma vontade baseada na convenção, na legislação e na opinião
pública” (p. 221). Assim, encontraríamos na comunidade os vínculos de afetividade, de
sentimento e de prazer e, na sociedade os laços impessoais, objetivos, marcados por
uma “hostilidade potencial” (DURHAM, 2004, p. 221).
56

Quando aborda a sociologia francesa, principalmente a obra de Durkheim, a


autora afirma que os conceitos de “solidariedade mecânica” e “solidariedade orgânica”
pressupõem modelos, respectivamente marcados, pela oposição entre comunidade e
sociedade. Em ambas as diretrizes intelectuais, Durham (2004) demonstra que:
[...] associam à comunidade as características de proximidade
espacial, homogeneidade, afetividade, consenso e participação em
uma totalidade. Em oposição, à sociedade são atribuídas as
propriedades de heterogeneidade, interdependência, racionalidade,
bem como de luta e confronto. (p. 222)

A partir das formulações de Freyer e Tönnies, a autora demonstra como a


comunidade se relaciona à ideia de autoridade e sociedade ao domínio. O conceito de
comunidade está ligado à integralidade e à totalidade, sendo que os vínculos e
pertencimentos repousam na autoridade de uma coletividade, apesar da existência das
liberdades individuais. O conceito de sociedade, por outro lado, apresenta características
marcadas pelo conflito (luta) de um grupo aberto e extremamente heterogêneo, que
marca a separação entre indivíduos não semelhantes e não representativos de
solidariedade aparente, como membros de uma coletividade. Quando se debruça na
análise da escola sociológica norte-americana, Durham mostra a existência de uma
correlação e superação da presente dicotomia. A referida matriz intelectual formulava
suas preposições dentro do entendimento “clássico” dos conceitos de comunidade e
sociedade. No entanto, estes conceitos “estão presentes de uma forma atenuada,
comportando certo grau de diferenças de classe e de nível educacional, interesses
divergentes que coexistem com o sentimento subjetivo que têm os participantes de
constituírem o todo.” (DURHAM, 2004, p. 225)
A escola norte-americana está interessada na relação entre conceitos, no entanto,
como expõe a autora, a proposta de análise recai sobre um “grupo local” como “cidades
pequenas ou bairros rurais”, onde não se postulava a compreensão do entendimento de
totalidade.
A discussão sobre os conceitos de comunidade e sociedade pode ser muito útil
para tratarmos o tema desta dissertação. Seria um erro pensar em Engenheiro Pedreira e
Japeri como totalidades, representando “comunidades” fechadas em si. No entanto, não
se pode negligenciar a existência de particularidades e posicionamentos materiais e
subjetivos que são próprios de cada “comunidade” e que a possibilidade de junção sobre
o mesmo território e administração política podem proporcionar diferenças e conflitos.
As discrepâncias entre Engenheiro Pedreira e Japeri são “verbalizadas” e fazem jus ao
57

presente discernimento analítico. A emancipação, como já dito, não representa o marco


zero destes distritos que se emancipam, pois os mesmos são constituídos por diferenças
históricas, econômicas, culturais e sociais. Entretanto, como demonstrado acima, o
processo de anexar, fragmentar e constituir municípios implica em questões que vão
além da autonomia político-administrativa.

3.2 “Aqui é tudo e não é nada”: os moradores das divisas municipais e o


sentimento de pertencimento

No interior das fronteiras já está o estrangeiro, exotismo ou sabbat da


memória, inquietante familiaridade. Tudo ocorre como se a própria
delimitação fosse a ponte que abre o seu dentro para seu outro.
Onde o mapa demarca, o relato faz uma travessia.
(Michel de Certeau, A invenção do cotidiano, 2008, p. 215)

O tema das emancipações municipais traz diretamente a discussão sobre a


delimitação das divisas do novo município. É interessante observar que as
emancipações municipais “reconfiguram” um novo fazer das práticas e da intensidade
da rotina habitual do novo município. Segundo Lima (2000), a emancipação municipal:

[...] – reordena fluxos que se deslocam entre os pontos fixos onde está
o poder e que antes da emancipação seguiriam para a antiga sede
municipal. Estes fluxos de pessoas, documentos, recursos, ordens,
instruções, sejam eles tangíveis ou não, costumam atrair os fluxos de
produtos, pessoas, informações e recursos (p. 6)

De acordo com a Lei Complementar N° 59 de 1990, lei estadual que “dispõe


sobre a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios”, nas
demarcações, “dar-se-á preferências, para a delimitação, às linhas naturais, facilmente
reconhecíveis”. Em princípio, faz sentido, como parâmetro de uma divisão municipal,
utilizar os acidentes geográficos, como uma rocha ou um rio, uma vez que estes sofrem
poucas alterações ao longo do tempo, ocasionando certa coerência quando analisado do
ponto de vista da demarcação e limites municipais. Por outro lado, um sentimento de
pertencimento a uma localidade, um município, como é o caso, se estende além de uma
divisa tida como uniforme e duradoura.
Quando colocados, por meio do trabalho de campo, o confronto entre acidente
geográfico e o sentimento de pertencimento a um município, os resultados apresentam
certos conflitos. De antemão, seria enganoso enxergar em um município uma coerência
58

social, econômica, política e geográfica, uma vez que o sentimento de pertencimento


pode se estender para além das suas divisas.
Japeri faz divisa territorial com os municípios de Nova Iguaçu, Paracambi,
Miguel Pereira, Queimados e Seropédica. Segundo a Lei n° 1902 de 02 de dezembro de
1991, sobre criação do município de Japeri perante o desmembramento do município de
Nova Iguaçu, sancionada pelo ex-governador Leonel de Moura Brizola, os limites
territoriais são definidos da seguinte forma:
1- Com o Município de Nova Iguaçu:
Começa na ponte E.F. Leopoldina, sobre o Rio São Pedro e sobe por
este até a ponte do Antigo Ramal Rio D´Ouro. Daí pelo leito do
referido ramal até encontrar a Estrada Queimados-Rio D´Ouro,
continuando por esta até o canal Quebra-Coco; segue pelo leito deste
até a sua confluência com o Rio Santo Antônio formando o Rio dos
Poços; segue por este ultimo até a linha de transmissão da Light que
fica distante cerca de 800 (oitocentos) metros da rodovia Presidente
Dutra, continua pela referida Linha de Transmissão até o seu
cruzamento com o Rio Guandu;

2- Com o Município de Itaguaí:


Começa no cruzamento da Linha de Transmissão da Light com o Rio
Guandu, num ponto situado cerca de 800 (oitocentos) metros da ponte
da Rodovia Presidente Dutra sobre o referido Rio; sobe por este até o
seu ponto de origem, na confluência do Ribeirão das Lages com o Rio
Santana;

3- Com o Município de Paracambi:


Começa na confluência do Ribeirão das Lages com o Rio Santana e
sobre este último até um ponto situado próximo ao marco do Km 75
da E.F. Leopoldina;

4- Com o município de Miguel Pedreira:


Começa num ponto do Rio Santana próximo ao marco do Km 75 da
E.F. Leopoldina e segue por este por uma reta que passando pelo
referido marco atinge a ponte da E.F. Leopoldina sobre o Rio São
Pedro.
59

Mapa 3 – Municípios que fazem divisa com o município de Japeri34

Mapa 4 – Localização do Município de Japeri – Mapa do estado do Rio de Janeiro35

Para além dos dados oficiais, da lei que determina a criação do município de
Japeri e da configuração de sua nova territorialidade, o município e seus limites
limitróficos enquanto conceitos não são suficientes para a compreensão de sua vida
social.
Anteriormente à ida ao campo, em conversa com um informante, sobre a questão
das divisas municipais, o mesmo disse:
Quando foi criado o município, tinha o interesse de gente, por
exemplo, que queria que aquela parte ali de Seropédica (...) na
verdade aquelas pessoas de Seropédica na entrada de Japeri, ninguém
vai a Seropédica fazer nada vem tudo para Japeri. Toda a vida é aqui:
escola, comercial (...) a vida intelectual é toda em Japeri. Aquela parte
de Engenheiro Pedreira (localidade que faz divisa com Queimados), o
pessoal vai para Queimados para nada. Pegaram o rio, perto do posto,
34
Fonte: Instituto de Pesquisas e Análises Históricas e de Ciências Sociais da Baixada Fluminense
Disponível: http://www.ipahb.com.br/. Acesso: 23/10/2010. Modificado pelo autor: 26/11/2011
35
Fonte: Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro
Disponível: http://www.emater.rj.gov.br/japeri.asp. Acesso: 08/11/2011.
60

então aquela parte já é Seropédica (...) o limite poderia ser a Dutra (...)
lá tem um rio, poderia ser o limite do rio mesmo. Se você pegar da
entrada da Dutra até Japeri são 10 km e da entrada da Dutra até
Seropédica são 40 km, 30 km dependendo (...) (Henrique, morador de
Japeri, entrevista concedida dia 19/04/2010)

O informante traduz a dificuldade de muitos moradores que, pela divisão


territorial, pertencem a Seropédica, mas constroem sua vida em Japeri, onde a distância
para chegar ao município no qual estão cadastrados e no qual pagam seus impostos é
grande.
Com o intuito de corroborar esta informação, assim que cheguei a campo,
percorri inicialmente duas divisas municipais: a de Nova Iguaçu e a de Paracambi. A
divisa estabelecida entre o município de Japeri e Paracambi é determinada pelo rio
Guandú. Nesta localidade, o acesso entre os dois municípios é uma ponte longa e
móvel. Ao atravessar esta ponte, fui com o objetivo de procurar moradores antigos com
o intuito de saber se eles foram pesquisados na época da emancipação de Japeri sobre a
delimitação do município. Apesar de não ter encontrado este perfil de morador,
constatei que muitos moradores que residiam nestas regiões (representada por uma área
rural, com a preponderância da plantação de mandioca) eram oriundos do interior do
estado de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Este dado demonstra de certa forma a
mobilidade de moradores entre municípios, uma vez que nenhuma das pessoas que
encontrei eram moradoras de Japeri (ou de outro município vizinho) na época da
emancipação.
Na divisa entre o município de Japeri, na localidade chamada Jaceruba, e o
município de Nova Iguaçu, três moradores retrataram a localização e a utilização de
serviços da seguinte forma:
“Aqui é Nova Iguaçu. Mas quando utilizo serviço é em Engenheiro
Pedreira”

“Aqui é Japeri, Nova Iguaçu é do colégio para lá. Mas eu sou de


Japeri, voto em Japeri e utilizo os serviços de Japeri.”

“Aqui é Nova Iguaçu, Japeri é do rio para lá. Eu utilizo mais os


serviços em Nova Iguaçu mesmo.”

(Entrevistas concedidas em 21/04/2010)


61

Foto 1 – Divisa entre os municípios de Japeri e Nova Iguaçu

O suposto desencontro de informações entre os moradores traduz os caminhos


diversos percorridos pelos que vivem nesta região de divisa. Apesar de habitarem o
mesmo espaço físico, há diferentes narrativas sobre o pertencimento ao município no
qual estão oficialmente situados, a transitoriedade diária de seus percursos de escolha
para a realização de suas tarefas como estudo, trabalho ou acesso a serviços em geral.
Uma moradora da mesma localidade citada acima comentou sobre a alteração
administrativa de uma escola estadual que foi municipalizada. Havia a disputa de Japeri
e Nova Iguaçu para a obtenção da escola que ficou localizada neste último. A moradora
comentou que muitos eleitores de Japeri que votavam na escola transferiram o título de
eleitor para Nova Iguaçu em função de sua praticidade. Sobre esta aparente “confusão”,
retrata a moradora:
Aqui é Nova Iguaçu. Mas eu frequento mais Japeri. Eu voto em
Japeri, não porque é mais perto, mas nosso título está para lá. Todo
mundo ali votava em Japeri, mas o colégio ali foi para Nova Iguaçu
(um colégio estadual que foi municipalizado por Nova Iguaçu). Aí
todo mundo foi para Nova Iguaçu. Aí agora muita gente colocou o
título para Nova Iguaçu. (...) mas tá vendo que dor de cabeça (...); a
gente vive em terra de ninguém (...). Aqui é tudo e não é nada.
Muita gente de Jaceruba vai para Queimados, Nova Iguaçu, Japeri.
(Entrevista concedida dia 21/04/2010, grifo meu)

Em conversa com uma moradora de Seropédica sobre sua experiência na região


de divisa, ela informou:
Tem um posto (saúde) aqui dentro, tem colégio (em referência a
Seropédica). Mas vou lá (Japeri) para fazer compra, supermercado,
farmácia (...) aí eu vou lá fora (...) Nova Iguaçu, Vilar dos Teles. Aqui
tem um colégio que só vai até a quarta série, a quinta série é lá fora
62

(Japeri). Minhas crianças estudam em Japeri. (Entrevista concedida


dia 20/04/2010)

Foto 2 – Divisa entre os municípios de Japeri e Paracambi

Em outra residência, conversei com um grupo de moradores que estava


limpando o terreno. Indaguei a eles sobre a experiência de viver em uma região de
divisa e sobre o sentimento de pertencimento deles ao município de Seropédica. Um dos
moradores afirmou:
Para mim, ir para o centro de Seropédica, tenho que ir até Japeri. Pego
uma condução até Paracambi para ir. Dependendo do lugar, ainda tem
que pegar outra condução (...) Já faço muito de pagar o IPTU e o
imposto. A senhora minha mãe tem uma casa aqui e outra do outro lado
(Japeri). Eu boto o título (eleitor) para lá. (Entrevista concedida em
20/04/2010)

No caso, o informante não tem acesso ao próprio município de origem sem antes
ter de passar por outros dois municípios. O simples fato de ser cadastrado em um
município não confere a ele pertencimento e nem vínculo com a vida local. O
informante utiliza serviços e vota em Japeri, mas paga impostos para Seropédica.
Existe a compreensão por parte dos moradores das divisas sobre os limites municipais,
no entanto, esta é ressignificada no trajeto dos moradores na busca do acesso aos bens
de serviço e melhorias na qualidade de vida.
Em A invenção do cotidiano, Michel de Certeau (2008) propõe uma análise
focada nas “ações narrativas”, onde o objetivo seria passar das “estruturas às ações”,
onde a compreensão da vida e do mundo estaria na “arte do fazer” (2008). Deste modo,
o autor atribui uma importância aos relatos, onde o mesmo “abre um teatro de
legitimidade e ações efetivas” (p. 210). Certeau utiliza os relatos quando retrata a
“bipolaridade” entre “mapa” e “percurso”, sendo que este último é a forma utilizada no
63

cotidiano pelos indivíduos para atribuir referências e significados aos seus


deslocamentos espaciais.
A partir dos depoimentos, é possível identificar os processos simbólicos de
apropriação dos espaços pelos moradores. É para estas demarcações, que, para o
pesquisador podem parecer de certo modo arbitrárias e confusas, que se pode propor
uma reflexão em torno do conceito de divisa/limites dentro da pesquisa sobre
emancipação municipal. Desse modo, a pesquisa pretende atribuir aos limites
municipais uma dimensão processual, já que
o sentido relacional do território [...] não significa simplesmente
enraizamento, estabilidade, limite e/ou fronteira. Justamente por ser
relacional, o território inclui também o movimento, a fluidez às
conexões. (HAESBAERT, 2006, p. 55).

Como visto anteriormente, os processos de constituição de novos municípios


passam por acordos e interesses de redes sociais e políticas. Como vimos, a intenção
inicial do grupo emancipacionista era juntar três localidades com o objetivo de reunir
quórum para a criação de um novo município. Portanto, circunscrever o sentido de
Japeri em sua territorialidade formal seria um caminho equivocado. O objetivo não é
analisar estes novos municípios como uma realidade dada a priori, mas como o
resultado de um processo. O município, bem como sua administração e território,
passaram por negociações e significados distintos ao longo do tempo.
A questão dos limites municipais a que nos referimos não se restringe apenas
aos novos municípios emancipados. A compreensão deste fenômeno social se estende a
qualquer município, localidade ou bairro. A proposta não é delimitar e mensurar a
quantidade e a variabilidade de interseções de sociabilidades e pertencimentos que
cruzam diariamente as fronteiras. O interesse é mostrar as diferentes formas de
compreensão, na vivência do dia a dia, dos trajetos percorridos através da espacialidade
que o discurso dos moradores proporcionam, suas experiências de percursos
(CERTEAU, 2008).
Os limites municipais se configuram de forma variada para cada indivíduo,
dependendo diretamente de seu trajeto particular, seja pela busca de trabalho, auxílio
médico ou por serviços. Busco problematizar as divisas municipais evitando cair na
armadilha de associar indivíduos a territórios administrativos de maneira unívoca, sem
levar em conta a complexidade dos pertencimentos. A vinculação formal ao município,
onde se paga impostos, é muitas vezes menos importante do que a experiência de se
relacionar com o meio social e natural. Morar em um município, votar em outro, estudar
64

no mais próximo e trabalhar no qual teve oportunidade extrapolam a ideia de


pertencimento, atribuindo, desta forma, variações múltiplas. O conhecimento do espaço
onde se vive, localizado nos “percursos” frequentes, assim como o reconhecimento do
político-adminstrativo, estabelece a estes territórios (fronteiriços ou não) uma dinâmica
própria e única a cada indivíduo e sua coletividade, onde os mesmos manipulam estas
variantes em seus itinerários e anseios.
Ione Salomão Rahy do Centro de Estatísticas e Estudos de Pesquisas
(CEEP/CPERJ) afirmou, em entrevista, que o órgão não foi consultado para a realização
de pesquisas para a demarcação das divisas do território fluminense. Ione relatou que os
limites eram determinados pela Assembleia Legislativa no próprio projeto de lei que
criava o município. A pesquisadora afirma que recentemente, entre os anos de 2003 e
2007, foram realizados estudos que procuravam refazer as divisas municipais levando
em consideração o relato de moradores e de possíveis incoerências apresentadas pela
inexistência atual do marco delimitador. Porém, o referido estudo atualmente se
apresenta arquivado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Barcelos relata que, após as emancipações dos distritos de Nova Iguaçu, ocorreu
uma reunião com os prefeitos dos novos municípios para tentar reorganizar as divisas
municipais. No entanto, como houve inúmeras divergências de interesses, a discussão se
paralisou, e ficou decidida a manutenção das divisas como estavam decretadas.
Analisar Japeri e Engenheiro Pedreira como comunidades distintas, assim como
a formação das divisas municipais, faz parte de uma das hipóteses levantadas por esta
dissertação sobre a “invenção” dos municípios. O objetivo é “desmistificar” e
“desnaturalizar” a ideia de município, levando em consideração as diferentes formas de
apropriação do espaço municipal, seja pelos agentes emancipacionistas, seja pelos
moradores.
A discussão sobre a emancipação municipal a partir da anexação de distritos,
localidades e municípios aparentemente distintos, ou sobre divisas municipais, não se
configura um “falso problema” ou uma pesquisa de menor importância. Emancipar,
fragmentar, anexar municípios ou distritos estavam em consonância com o pensamento
político democrático no Brasil pós-abertura política.
O interesse político de juntar Japeri e Engenheiro Pedreira num único distrito e a
ausência de um planejamento prévio que discutisse critérios sobre as divisas municipais
demonstram o significado latente de uma emancipação que se justificava pelo momento
histórico em consonância com os anseios dos agentes emancipacionistas, assim como de
65

atores políticos interessados na sua concretização. A discrepância fica evidente no


conflito existente entre os relatos dos moradores e suas formas de relação com o espaço
social, entendendo este como o lugar das hierarquias “dissimulada[s] pelos efeitos de
naturalização” (BOURDIEU, 2011, p. 160)
66

CAPÍTULO 4
O MUNICÍPIO À PROCURA DE UMA “VOCAÇÃO”

Criamos um município pobre, sem uma “vocação”, não sabíamos se


era agrícola (...), pois lá temos sítios, mas não tem a figura do
agricultor. Planta aipim, quiabo (...), um município pobre, pequeno
com oitenta quilômetros quadrados, com oito mil hectares, cinquenta
por cento é de loteamento, de zona urbana. Então não tinha uma
definição, uma cara. O que é? Nada. (Carlos Moraes, entrevista
concedida em 02/04/2010)

No discurso do principal agente da emancipação de Japeri, o município aparece


como uma entidade sem “vocação”. Na fala de Carlos Moraes, o município aparece
como algo sem aptidão ou definição, nem rural nem urbano. De certo modo, também
podemos entender “vocação” como a ausência de oportunidades e sustentabilidade do
município.
Segundo um morador de Japeri, aposentado e atualmente pastor de uma igreja
evangélica local, percebemos o mesmo tipo de discurso, revelando a dependência de
Japeri de outros municípios, mas, principalmente, do Rio de Janeiro:
Eu penso que não houve um preparo com a comunidade, com os
moradores, sendo apresentados os benefícios da emancipação. Os
compromissos que cada morador ia ter com essa emancipação. O que
seria retirado desta emancipação, o que se ia ganhar em termos de
verba e orçamento da prefeitura. Tanto é que Japeri é ainda hoje
uma cidade dormitório, nenhum banco resiste ficar aqui nesta cidade
(...), Ou seja, a pessoa sai daqui no trem de quatro horas da manhã
para chegar oito ou nove horas da noite. O banco está aberto? Não
está! (...) Mas vem para aqui de manhã cedo, na estação de trem, às
três e quarenta e cinco da manhã(...) quantas pessoas passam descendo
para Rio de Janeiro! A emancipação foi precoce. (Fernando, morador
de Japeri. Entrevista concedida em 23/04/2010, grifos meus)

Da mesma forma, outro morador revela a saída diária dos moradores de Japeri
para outros municípios em busca de emprego.

O trabalhador sai daqui 4 e meia da manhã, deixa a família em casa e


só retorna 8 horas da noite. Chega toma um banho e dorme. Acorda 4
horas e sai 4 e meia, de segunda a sexta, Outros trabalham sábado e
domingo, para ganhar um salário melhor. Se tivesse as indústrias
funcionando aqui para nós seria uma “mão da roda”. (Mauro Belém,
entrevista concedida em 23/04/2010)
67

Foto 3 – Estação de trem de Japeri

Foto 4 – Acesso à estação de trem de Japeri

Foto 5 – Centro urbano de Japeri


68

Foto 6 – Centro urbano de Engenheiro Pedreira

Foto 7 – Rua do bairro Chacrinha (Japeri)

A “precocidade” da emancipação, segundo o morador, pode ser caracterizada


como um despreparo ou mesmo uma ausência de planejamento na constituição do
município de Japeri. Barcelos relata que a constituição do município dependia
diretamente dos prefeitos e, no caso de Japeri, dos agentes da emancipação, porque não
existia qualquer tipo de cartilha ou explicação sobre como proceder:
Nós aprendemos a fazer política, tudo foi muito novo. Se acertamos ou
erramos, fomos saber tempos depois. Acho até que muitas coisas
deveriam ser revistas. (Luiz Barcelos. Entrevista concedida em
28/04/2011)

Do mesmo modo, Noronha (1997) afirma que:


69

O prefeito de um município novo descobre sozinho as regras do


cotidiano do executivo municipal, não recebendo subsídios para a
instalação da nova estrutura por parte das outras esferas do governo.
Em geral, recorre ao município de origem ou a outros municípios
instalados há poucos anos, no sentido de viabilizar a plena existência
da nova entidade. (p. 111)

Apesar da existência de repasses e auxílios financeiros oriundos de outras


esferas da federação, não existia um preparo jurídico e institucional para que os novos
prefeitos transformassem o antigo distrito em município. Os novos prefeitos
necessitavam de um conhecimento legal para criar secretarias municipais, fazer o
credenciamento do município nos ministérios federais e nas secretarias estaduais.

Os depoimentos a seguir demonstram como a prefeitura se relaciona com o


caráter “vocacional” do município, do ponto de vista de alguns de seus moradores.

A grande preocupação dos governantes é com o trem. Bota o povo


para trabalhar lá em baixo, porque eles querem (...) Japeri tem quantos
anos? Dezesseis, dezoito, vinte. Qual é a empresa hoje que emprega
alguém? Só a Prefeitura. Então a emancipação foi fundamental para o
nosso município, para o nosso crescimento, mas os moldes feitos
poderiam ter sido mais realistas. (Henrique, morador de Japeri.
Entrevista concedida em 19/04/2010)

Japeri sempre foi uma cidade dormitório. Emprego aqui sempre foi
muito baixo. Não tem nada e eu acho que continua a mesma coisa
desde a emancipação. Você trabalha no comércio, na prefeitura e
acabou (...) não cresceu em nada. (Francisco, morador de Japeri.
Entrevista concedida em 22/03/2010)

Segundo dados da EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão


Rural) e da Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado do Rio de Janeiro a produção
agrícola do município de Japeri no ano de 2009 ficou da seguinte forma:

Tabela 1 – Produção Agrícola do município de Japeri (2009


MUNICÍPIO CULTURAS ÁREA COLHIDA (ha) PRODUÇÃO COLHIDA
(kg)

JAPERI AIPIM 315,00 4.387.972,00


BANANA 228,00 1.538.544,00
COCO VERDE 68,00 576.521,00
GOIABA 15,00 300.000,00
JILÓ 24,00 241.761,00
MILHO VERDE 76,50 626.000,00

QUIABO 82,00 962.563,92


TOTAL 808,50 8.633.361,92
70

FONTE: Acompanhamento Sistemático da Produção Agrícola - ASPA, Estado do Rio de Janeiro, 2009. Empresa de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro - EMATER - RIO/CPLAN/NIDOC

Japeri se apresenta como 56º município em produção colhida (kg) dos 92


municípios que compõem o estado do Rio de Janeiro (EMATER, 2009). Nota-se que
Japeri não possui uma produção agrícola expressiva quando em comparação a outros
municípios. As tabelas a seguir mostram o potencial industrial de Japeri quando
comparado com os municípios selecionados para análise.

Quadro 6 – Número de estabelecimentos industriais –


Construção Civil.
Município Número de empresas/ Ano
2000 2002 2010
Niterói 328 299 362
Rio de Janeiro 3.133 2646 3500
Nova Iguaçu 167 139 188
Belford Roxo 57 57 101
Queimados 14 14 34
Japeri 8 14 12
Mesquita -- 9 30
Fonte: CEPERJ/CEEP - Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro (2011)

Quadro 7 – Número de estabelecimentos industriais – Extração


Mineral.
Município Número de empresas/ Ano
2000 2005 2010
Niterói 6 8 6
Rio de Janeiro 101 90 152
Nova Iguaçu 8 6 5
Belford Roxo -- 1 1
Queimados 6 4 4
Japeri 2 4 4
Fonte: CEPERJ/CEEP - Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro (2011)

Quadro 8 – Número de estabelecimentos industriais –


Transformação
Município Número de empresas/ Ano
2000 2005 2010
Niterói 509 465 551
Rio de Janeiro 6.647 5999 6671
Nova Iguaçu 486 392 416
Belford Roxo 134 142 171
Queimados 39 43 56
Japeri 7 16 18
71

Mesquita -- 49 93
.Fonte: CEPERJ/CEEP - Anuário Estatístico do Estado do Rio de Janeiro (2011)

O Quadro 6 apresenta os números dos estabelecimentos industriais voltados


para a construção civil. Japeri apresenta o menor número de indústrias, além de
apresentar entre os anos de 2005 e 2010 um decréscimo de aproximadamente 14% e,
quando comparado com os municípios emancipados de Nova Iguaçu, percebemos que
os mesmos apresentaram acréscimos significativos: Belford Roxo (77%), Queimados
(142%) e Mesquita (233%). O Quadro 7 diz respeito ao número de estabelecimentos
industriais voltados para a extração mineral. Japeri não apresenta discrepâncias em
relação aos outros municípios. No entanto, a partir dos números, não podemos afirmar
que a extração mineral apresenta importância significativa para a economia de Japeri. A
extração mineral no município é principalmente de areia e pedra. O Quadro 8 se refere
às indústrias de transformação, que são aquelas destinadas em transformar a matéria-
prima em produto final. Japeri não apresenta números expressivos neste segmento
industrial, quando comparados aos outros municípios. No entanto, existe um
crescimento de 128% ( 2000-2005) e de 12,5% (2005-2010).
As tabelas a seguir são referentes ao Índice de Desenvolvimento Humano (1991
e 2000) e à taxa de analfabetismo (2010) em municípios selecionados para comparação:
72

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) 1991


Esperança Índice de
Taxa de Taxa bruta de Renda per Índice de Índice de Índice de
de vida ao capita Desenvolvimento Classificação Classificação
MUNICÍPIO UF alfabetização frequência longevidad educação renda
nascer (em (em R $ de Humano Municipal na UF Nacional
de adultos (%) escolar (%) 2 0 0 0 ) e (IDHM-L) (IDHM-E) (IDHM-R)
anos) (IDH-M)
Niterói RJ 68,03 94,59 83,13 555,83 0,717 0,908 0,828 0,818 1 7
Rio de Janeiro RJ 67,85 93,90 78,18 446,67 0,714 0,887 0,791 0,797 2 24
Nova Iguaçu RJ 65,49 89,08 66,24 168,49 0,675 0,815 0,629 0,706 28 1111
Belford Roxo RJ 62,82 87,94 60,22 137,04 0,630 0,787 0,594 0,670 58 1888
Queimados RJ 62,82 85,21 59,98 128,18 0,630 0,768 0,583 0,660 68 2111
Japeri RJ 62,56 81,11 55,01 119,51 0,626 0,724 0,571 0,640 80 2520

Tabela 2 – Índice de Desenvolvimento Humano – Municípios do Estado do Rio de Janeiro (1991). Fonte: PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) 2000


Esperança Índice de
Taxa de Taxa bruta de Renda per Índice de Índice de Índice de
de vida ao capita Desenvolvimento Classificação Classificação
MUNICÍPIO UF alfabetização frequência longevidad educação renda
nascer (em ( e m R $ de Humano Municipal na UF Nacional
de adultos (%) escolar (%) 2 0 0 0 ) e (IDHM-L) (IDHM-E) (IDHM-R)
anos) (IDH-M)
Niterói RJ 73,49 96,45 95,25 809,18 0,808 0,960 0,890 0,886 1 3
Rio de Janeiro RJ 70,26 95,59 88,62 596,65 0,754 0,933 0,840 0,842 2 60
Nova Iguaçu RJ 67,99 92,81 79,67 237,50 0,717 0,884 0,686 0,762 45 1526
Belford Roxo RJ 67,64 91,99 78,01 182,33 0,711 0,873 0,642 0,742 60 2106
Queimados RJ 66,41 90,72 77,93 183,00 0,690 0,865 0,642 0,732 73 2372
Japeri RJ 66,66 87,60 83,60 156,45 0,694 0,863 0,616 0,724 77 2531

Tabela 3 – Índice de Desenvolvimento Humano – Municípios do Estado do Rio de Janeiro (1991). Fonte: PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)

Regiões de Pessoas de 15 anos ou mais não alfabetizadas Taxa de analfabetismo


Governo e 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 anos 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 anos
Total Total
municípios anos anos anos anos anos ou mais anos anos anos anos anos ou mais
Estado 542 241 14 684 36 343 61 031 85 568 100 745 243 870 4,30 0,12 0,29 0,48 0,68 0,80 1,93
Rio de Janeiro 150 098 5 115 13 915 19 606 23 781 26 137 61 544 2,95 0,10 0,27 0,38 0,47 0,51 1,21
Niterói 9 374 265 709 1 037 1 459 1 745 4 159 2,31 0,07 0,17 0,26 0,36 0,43 1,02
Nova Iguaçu 28 074 980 1 746 2 863 4 025 5 239 13 221 4,64 0,16 0,29 0,47 0,66 0,87 2,18
Belford Roxo 17 536 625 1 080 1 827 2 733 3 295 7 976 4,98 0,18 0,31 0,52 0,78 0,93 2,26
Queimados 5 847 252 443 612 854 1 125 2 561 5,68 0,24 0,43 0,59 0,83 1,09 2,49
Japeri 5 017 142 319 624 823 927 2 182 7,09 0,20 0,45 0,88 1,16 1,31 3,09
Mesquita 4 495 194 299 454 607 761 2 180 3,45 0,15 0,23 0,35 0,47 0,58 1,67
Tabela 4 – Pessoas de 15 anos ou mais de idade, não alfabetizadas e taxa de analfabetismo, por grupos de idade, segundo as Regiões de Governo e municípios - Estado do Rio de Janeiro –
2010. Fontes: IBGE, Censo Demográfico e Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro - Fundação CEPERJ.
73

A análise do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Japeri nos anos de


1991 e 2000 suscita interessante debate a respeito das questões econômicas e sociais do
município. A proposta é uma análise comparativa de Japeri com os outros municípios
que se emanciparam de Nova Iguaçu36, assim como o mesmo, e os municípios de
Niterói e do Rio de Janeiro que apresentam, respectivamente, o primeiro e o segundo
lugar no ranking do IDH do estado do Rio de Janeiro. O Índice de Desenvolvimento
Humano37 varia entre 0 e 1, com a seguinte classificação: baixo desenvolvimento
humano (0 a 0,49); médio desenvolvimento humano (0,5 a 0,79) e alto desenvolvimento
humano (0,8 a 1).
Analisando estritamente o município de Japeri a partir do Índice de
Desenvolvimento Humano entre os anos de 1991 e 2000, percebemos que não houve
alterações relevantes no município. Japeri apresentou uma alteração de três posições na
classificação do IDH dos municípios do estado do Rio de Janeiro, ocupando 77ª posição
(2000) dos 91 municípios que compunham o território fluminense. No mesmo período
ocorreu uma queda drástica do IDH de Nova Iguaçu devido principalmente às
emancipações municipais que ocorreram neste mesmo período. Contudo, comparando
com os municípios emancipados de Nova Iguaçu, Japeri foi o único que apresentou
melhoras no ranking do IDH, apesar de se encontrar em posição inferior aos mesmos.
Na tabela 4, encontramos dados atuais (2010) sobre a educação, mais
especificamente sobre a taxa de analfabetismo nos municípios do estado do Rio de
Janeiro. Dentre os municípios analisados, Japeri apresenta a maior taxa de

36
O município de Queimados não está presente na lista do IDH, pois tanto o plebiscito como sua
fundação se realizaram no ano de 1999.
37
A mensuração do Índice de Desenvolvimento Humano é determinada pelos cálculos dos seguintes
critérios: (a) Esperança de vida ao nascer: Número médio de anos que as pessoas viveriam a partir do
nascimento; (b) Taxa de alfabetização de adultos (%): Percentual de pessoas acima de 15 anos de idade
que sabem ler e escrever; (c) Taxa Bruta de Frequência Escolar (%): Proporção entre o número total de
pessoas em todas as faixas etárias que frequentam os cursos do ensino fundamental, segundo grau ou
superior em relação ao total de pessoas na faixa etária de 7 a 22 anos; (d) Renda per Capita: Razão entre
o somatório da renda de todos os indivíduos (incluindo aqueles com renda nula) e a população total; (e)
Índice de Longevidade (IDHM-L): É obtido a partir do indicador esperança de vida ao nascer, através da
fórmula: (valor observado do indicador - limite inferior) / (limite superior - limite inferior), onde os
limites inferior e superior são equivalentes a 25 e 85 anos, respectivamente; (f) Índice de Educação
(IDHM-E) e Índice de Renda (IDHM-R): Obtido a partir da taxa de alfabetização e da taxa bruta de
frequência à escola, convertidas em índices por: (valor observado - limite inferior) / (limite superior -
limite inferior), com limites inferior e superior de 0% e 100%. O IDHM-Educação é a média desses 2
índices, com peso 2 para o da taxa de alfabetização e peso 1 para o da taxa bruta de frequência; (g) Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal: É obtido pela média aritmética simples de três índices,
referentes às dimensões Longevidade (IDHM-Longevidade), Educação (IDHM-Educação) e Renda
(IDHM-Renda); (h) Classificação na UF: Posição do município dentro do estado a que pertence em
relação ao IDHM; (i) Classificação Nacional: Posição do município no Brasil em relação ao IDHM.
74

analfabetismo, assim como fica distante da média estadual. Dos 19 municípios que
compõem a região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, Japeri é o 3º em
analfabetismo.
O quadro a seguir demonstra a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) dos
anos de 2002-2003.

Quadro 9 – Índice de pobreza - POF 2002/2003


MUNICÍPIO INCIDÊNCIA
Niterói 12,47%
Rio de Janeiro 23,85%
Nova Iguaçu 54,15%
Belford Roxo 60,06%
Queimados 67,52%
Japeri 76,37%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 e Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF 2002/2003.

Quadro 10 – Índice de pobreza subjetiva - POF 2002/2003


MUNICÍPIO INCIDÊNCIA
Niterói 4,54%
Rio de Janeiro 10,71%
Nova Iguaçu 29,27%
Belford Roxo 32,87%
Queimados 41,17%
Japeri 51,37%
. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 e Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF 2002/2003.

A pesquisa sobre os orçamentos familiares tem por objetivo “mensurar as


estruturas de consumo, dos gastos e dos rendimentos das famílias e possibilita traçar um
perfil das condições de vida da população a partir da analise de seus orçamentos
domésticos.” (IBGE, 2004) A partir dos dados, é feito um cálculo em porcentagem que
estabelece a incidência de pobreza baseada nos respectivos critérios. Quanto menor a
porcentagem, menor a incidência de pobreza das famílias. O estudo abre margem
também para a opinião dos moradores sobre sua condição de vida, que é estabelecida
pela incidência de pobreza subjetiva (IBGE, 2004).
Analisando os números acima, percebemos que Japeri possui a maior incidência
de pobreza familiar e subjetiva entre os municípios analisados. Na totalidade dos
municípios do estado do Rio de Janeiro, Japeri apresenta um quadro semelhante, sendo
75

o primeiro município com maior incidência de pobreza e o segundo maior na incidência


de pobreza relativa.38
Japeri se apresenta como um município dependente de outros municípios, no que
diz respeito à busca da população por oportunidades e empregos, e, financeiramente, no
repasse de verbas de outros âmbitos da federação. O quadro abaixo demonstra os
repasses recebidos por Japeri entre os anos de 2001 e 2006.

Quadro 11 – Transferências Constitucionais – Município de Japeri (2001-2006).


ANO VALORES

2001 1.605.273.26
2002 1.990.012.72
2003 1.986.903.40
2004 2.369.216.49
2005 2.767.017.06
2006 3.210.303.47
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ). Valores referentes ao mês de novembro
de cada ano. Transferência Estadual (ICMS/ IPVA/ FPEX (IPI)/ Royalties) e Federal (FPM/ ITR/ LC
87/96/ FUNDEF).

As conclusões do estudo socioeconômico de Japeri, publicado pelo Tribunal de


Contas do Estado do Rio de Janeiro (2004) revelam que, no exercício de 2003, a
autonomia financeira do município foi prejudicada diante de um aumento de receita
tributária de 28% contra 169% das despesas de custeio do município, o que gera
indiretamente uma dependência das transferências constitucionais. Segundo o relatório
do TCE-RJ:

Conclui-se que houve uma queda na capacidade do ente em


manter as atividades e serviços próprios da administração com
recursos de sua competência tributária, tornando-o mais
dependente de transferências de recursos financeiros dos demais
entes governamentais. Não resta dúvida que toda capacidade de
investimento no município está atrelada ao comportamento da
arrecadação de outros governos, Federal e Estadual, em função das
transferências de recursos. (TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO, 2004, grifo meu)

A relação da categoria “vocação” com os dados estatísticos sobre o município de


Japeri revela objetivamente um exemplo de como se realizaram a constituição dos
municípios no estado do Rio de Janeiro e, em certa medida, no Brasil. O contexto
democrático e o regimento constitucional de 1988, a urgência emancipacionista, as

38
No estado do Rio de Janeiro, o município de São Francisco de Itabapoana apresenta a maior incidência
de pobreza subjetiva (57,32%)
76

facilidades de aprovação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,


proporcionaram a formação de municípios que, no entanto, não parecem ter uma
“vocação” que justifique sua existência. Os dados apresentados revelam uma oposição
às formulações que afirmavam que a descentralização (no caso, as emancipações
municipais) possibilitaria o fortalecimento da democracia e do acesso aos direitos de
cidadania. Aparentemente, a questão do planejamento não se configura uma
preocupação central dos agentes mobilizadores da emancipação, pois o que move
fundamentalmente seu discurso é a independência político-administrativa.

Em sua defesa, Moraes afirma que Japeri é um município novo e que não pode
ser comparado com municípios que já estão constituídos por longos anos. Na sua
opinião, a emancipação foi bem sucedida:

Japeri é um exemplo, com toda dificuldade... E se você fizer hoje um


plebiscito, perguntando se [o morador de Japeri] quer pertencer a
Vassouras, ou a Nova Iguaçu, eu tenho certeza que vai ser de 100%
que quer continuar Japeri. (Carlos Moraes. Entrevista concedida em
02/04/2010)

Barcelos afirma que muitas coisas precisariam ser “revistas”. Todavia, contra-
argumenta que, no caso da educação, a emancipação foi benéfica:

Hoje vemos lá quase 20 mil alunos estudando na rede municipal. E na


época que não era emancipado você tinha lá 3 ou 4 escolas. Ou seja,
tinha mais de 10 mil crianças fora da sala de aula. Então no primeiro e
segundo governo você via aluno de 12 anos que nunca tinha ido à
escola, sentado no banco escolar. Não era problema de família porque
o pai não deixava estudar, é porque não tinha vaga mesmo. (Luiz
Barcelos. Entrevista concedida em 28/04/2011)

Não há como negar que a emancipação trouxe benefícios para o município de


Japeri, mesmo que não seja representado por números significativos. No entanto, não é
possível afirmar que esses benefícios só foram possíveis graças à emancipação.

4.1 As emancipações municipais no contexto contemporâneo

A partir da abertura política em 1985 e a concomitante Carta Constitucional de


1988, o cenário político brasileiro é marcado por um período de ruptura e reformulação
em diferentes esferas da sociedade. Dos 5.560 municípios que formam hoje a República
Federativa do Brasil, 1.381 (¼ dos municípios) surgiram após o período de
77

redemocratização (IBGE, 2003). A redemocratização do Brasil passa pela via da


descentralização, e esta perspectiva se faz presente até os dias de hoje. As emancipações
municipais, por outro lado, receberam outro tipo de encaminhamento. O fluxo das
emancipações municipais é “freado” pela emenda constitucional nº 15/96. Até a entrada
em vigor desta emenda, o município que desejasse sua autonomia político-
administrativa deveria fazer uma consulta à população dentro da área a ser emancipada
a partir de um plebiscito e, mediante a aprovação do TRE (Tribunal Regional Eleitoral),
o pedido seria encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado que, por meio de uma
comissão39 que elaboraria o projeto de lei para a criação do município, e depois enviado
para votação em seção plenária, onde o projeto seria deferido ou indeferido. Aprovado o
projeto, caberia ao governador sancionar (ou não) a criação do novo município. No
entanto, o governo federal, a partir da Emenda Constitucional n° 15, de 12 de setembro
de 1996, revogou o artigo 4° da Constituição e atribuiu uma nova redação na qual
retirava a autonomia dos estados para a gerência dos pedidos emancipacionistas assim
como outros requisitos. Analisando a alteração do artigo 4º da Constituição podemos
perceber que os novos critérios dificultam as emancipações. Dentre as mudanças na
redação do regimento constitucional podemos citar os seguintes trechos:

(a) “dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos


Municípios envolvidos” ao invés de “dependerão de consulta prévia, mediante
plebiscito, as populações diretamente interessadas.” Neste caso, o pedido
emancipacionista continua sendo avaliado mediante o plebiscito, no entanto, este, por
sua vez, deve ser aplicado e ampliado não apenas na área interessada, mas também no
município sede e a todos os municípios que estariam circunscritos dentro desta
mudança. Ou seja, os agentes ou grupos interessados que almejam emancipar um
município, devem necessitar de mais recursos e dinâmicas de mobilização para
convencer os moradores da área de origem daquela que deseja ser emancipada.
(b) “após a divulgação dos Estudos de Viabilidade municipal, apresentados e
publicados na forma da lei”. Este incremento no artigo 4º da Constituição é central na
alteração constitucional. A justificativa, indiretamente, está contida no argumento de
que o aumento de municípios ocasionou uma instabilidade fiscal no Brasil (TOMIO,
2002a). Além da aprovação do plebiscito, que procura incorporar a participação e o

39
No caso do Rio de Janeiro, a responsabilidade para a elaboração do projeto de lei ficava a cargo da
Comissão de Assuntos Municipais e de desenvolvimento Regional.
78

conhecimento da população da causa emancipacionista, o município a ser emancipado


também precisa passar por “pareceres tecnocráticos” (NORONHA, 1997) para
demonstrar a viabilidade de sua gestão político administrativa.
A partir dessas duas alterações constitucionais, um pedido emancipacionista não
se realizará no mesmo tempo e com as mesmas “facilidades” de antes. De certa maneira,
o espírito democrático e descentralizador demonstrado no período da abertura política
apresenta agora um contorno diferenciado no caso das emancipações municipais.
Segundo Tomio:

Caso o espírito da Emenda Constitucional 15/96 se reproduza na lei,


esta somente expressará a posição política dominante que vê na
criação de municípios um problema e na recentralização política uma
solução. Exatamente o contrário do consenso que predominou nos
anos oitenta e teve a máxima expressão político-institucional no
processo constituinte. (TOMIO, 2002a, grifos do autor).

Esta discussão apresenta uma similaridade com a agenda de discussões do


pensamento social brasileiro40, onde dicotomias, como descentralização versus
centralização, postuladas a partir, respectivamente, da autonomia versus a tutela
político-administrativa, ou do “americanismo” versus “iberismo” (WERNECK
VIANNA, 1997), se configuram pertinentes para a análise das questões que
prescreveram a autonomia municipal ora como “salvação” ora como “empecilho para
um projeto de nação”.

40
Ver Tavares Bastos (1977); Alberto Torres (1978); Oliveira Vianna (1973); Leal (1976); Queiroz
(1976)
79

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação de mestrado teve por objetivo reflexões em torno das


emancipações municipais ocorridas no Brasil a partir da década de 1990 e tentou
“desnaturalizar” e “relativizar” a ideia de município como algo fixo e imutável. Isso
porque fica evidente que as discussões em torno do tema não se esgotaram, podendo
gerar novas formulações e inquietações. O projeto não teve o propósito de atribuir
preceitos valorativos e ideológicos, qualidades ou defeitos das emancipações
municipais.
O município é um lugar de interseções, conflitos políticos, disputas de poder e
de território. Para justificar a proposta de que os municípios são inacabados e
idealizados constantemente, utilizou-se a ideia de “invenção”. O termo “invenção” não
é empregado de forma pejorativa, como atribuição de um valor negativo e que se
ausenta de verdade. Ao contrário, o município se apresenta como algo em movimento e
resultado de frequentes mutabilidades. Assim sendo, o esforço para se obter o resultado
do município enquanto “invenção” passa diretamente pela análise criteriosa do mesmo
pelos diferentes contextos históricos. Desta maneira, a dissertação sobre a emancipação
de Japeri não se limita ao evento emancipacionista, mas ao processo de formação do
município desde sua ocupação até os dias de hoje. Por outro lado, é interessante
ressaltar que algumas invenções em torno do município perduram e se solidificam
através de tradições. Em A invenção das tradições, Hobsbawm e Ranger (1984)
afirmam que:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas,


normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais
práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores
e normas de comportamento através da repetição, o que implica,
automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. (p. 9)

A dissertação apresenta um diálogo com a análise proferida por Hobsbawm e


Ranger. Os autores destacam que existem “novas” tradições que se utilizam de
elementos de “antigas” tradições como empréstimos para a sua constituição.41 No caso
de Japeri, podemos perceber que o objetivo dos agentes emancipacionistas era

41
Hobsbawn e Ranger citam o estudo de Rudolf Braun sobre a formação do nacionalismo suíço, onde
elementos tradicionais como: canções folclóricas, os campeonatos de ginástica e tiro ao alvo receberam
novos significados, sendo institucionalizada dentro da proposta patriótica. (Hobsbawm e Ranger,
1984:14)
80

justamente o contrário. No Jornal Emancipacionista, o discurso era de ruptura com o


passado, representado pelo abandono e descaso de Nova Iguaçu para com o seu 6º
distrito. A elevação de Japeri à categoria de município representaria um novo momento,
não apenas da independência político-administrativa, mas também do início da tradição
de um município que aos poucos era inventado. Hobsbawm e Ranger afirmam que
“toda tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora
das ações e como cimento da coesão grupal” (HOBSBAWN E RANGER, 1984, p. 21).
Em A invenção do exército brasileiro, Castro (2002) analisa a invenção e
institucionalização de três importantes tradições do exército brasileiro.42 A preocupação
de Castro é que a tradição não é um elemento de estabilidade, mas que é constantemente
reinventada, onde “a dialética de invenção e convenção é um processo sempre
inacabado.” (CASTRO, 2002, p. 11) As tradições são constantemente atualizadas na
escolha de uma narrativa ou memória em detrimento de outras (CASTRO, 2002, p. 57).
O município “inventado” e “reinventado” é corroborado por aqueles que o constituem,
além de serem legitimados pela história ou dados oficiais. Carlos Moraes, quando
afirma que, se realizasse um plebiscito hoje, teria certeza que 100% da população
votaria por continuar pertencendo a Japeri, mostra que Japeri é um município cuja
invenção passar também por um processo de legitimação.

Entender todo o emaranhado de distritos, municípios, localidades, comunidades


que se formam pelo Brasil sempre se apresentou como estímulo pessoal na minha
atividade de pesquisador social. Mesmo sem determinar questionamentos sociológicos e
antropológicos implícitos, a própria origem do nome Japeri, do tupi “Japey” e do Tupi-
guarani “Japoyui” que significa “flutuante ou aquilo que flutua”, já representava, por
analogia, o desafio de entender os deslocamentos e mudanças político-administrativas
que distritos, localidades, comunidades foram sofrendo ao longo da história do Brasil.
O primeiro passo da pesquisa foi investigar a ocupação do território que hoje
compõe o município de Japeri e perceber que, ao longo do tempo, inúmeros
deslocamentos políticos e administrativos foram realizados, culminando na
emancipação. A imprecisão das informações e documentos sobre este período se
apresentou como um empecilho para um estudo mais rigoroso deste movimento de

42
As três tradições do exército brasileiro analisadas por Castro são: O culto a Caxias como patrono do
exército brasileiro, as comemorações da vitória da Intentona Comunista de 1935 e o Dia do Exército.
81

formação do município. Contudo, o objetivo principal de investigar as sucessivas


alterações foi realizado.
No entanto, como referido anteriormente, a “invenção” do município de Japeri e,
em certa medida, as emancipações municipais no Brasil, deve-se a uma multiplicidade
de fatores. Deste modo, foi de suma importância o entendimento do recorte histórico
pautado na abertura política e conclamação dos preceitos democráticos após vinte anos
de uma ditadura de cunho militar. Este momento não representou apenas o resgate das
liberdades civis e dos direitos políticos, mas todo um movimento de reformas que se
direcionavam para as diferentes esferas da sociedade. A emancipação municipal seria o
“grande trunfo” para a conquista de tal objetivo, pois, emancipando determinado distrito
ou localidade, teoricamente abandonados por seus municípios sedes, a conquista de
representatividade e participação política seria alcançada. Os argumentos para a
emancipação de Japeri se baseiam neste argumento. Não apenas para o grupo
emancipacionista, representada na célebre frase de Carlos Moraes “é melhor ser cabeça
de sardinha do que rabo de baleia”, mas também para a mídia jornalística da época, a
emancipação seria em grande parte a chance de conquista dos direitos sociais
esquecidos por longos anos. No entanto, como avaliado, algumas matérias dos jornais
apresentam desconfianças e ceticismos sobre a emancipação de Japeri.
Nesta dissertação, o objetivo foi analisar a emancipação para além da ideia da
mesma como sinônimo de democracia, apesar de este argumento apresentar
significativa importância para o entendimento das emancipações municipais. No estudo
de caso de Japeri, uma das hipóteses centrais foi atribuir a iniciativa da emancipação a
um processo de legitimação e reforço de “bases eleitorais”. (BEZERRA, 1999). Os
agentes emancipacionistas, Carlos Moraes e Luiz Barcelos, que na época eram
vereadores de Nova Iguaçu e tinham suas “bases eleitorais”, respectivamente, em Japeri
(bairro) e Engenheiro Pedreira, encabeçaram o processo emancipacionista do antigo 6º
distrito de Nova Iguaçu. Apesar de os mesmos conferirem a outros personagens de
Japeri referida importância no processo de emancipação do distrito, Moraes e Barcelos
se apresentam (e são apresentados pelas fontes) como figuras chaves para a
compreensão da emancipação de Japeri. Os agentes emancipacionistas estiveram à
frente do próprio financiamento da campanha para o plebiscito, colocando à disposição
ônibus para levar os moradores até os colégios eleitorais, assim como na divulgação
através de comícios (HEREDIA e PALMEIRA, 1995) e panfletos de divulgação.
82

A transformação do município em distrito proporcionou aos agentes


emancipacionistas um novo status perante suas “bases”, onde os mesmos são vistos
como aqueles que possibilitaram a autonomia política e administrativa do município e,
de certa maneira, como os que deram início a um novo projeto de redenção frente ao
esquecimento que assolava o município.
Não foi possível na pesquisa averiguar com precisão se a emancipação trouxe
melhorias ao município, corroborando a ideia de que o objetivo da emancipação seria a
aproximação da população com a política, dentro da chave de entendimento de que a
descentralização traria diretamente a democracia e os direitos de cidadania. De acordo
com o trabalho de campo, para o universo de entrevistados, a questão das melhorias da
emancipação não foi postulada em caráter de dúvida, pois a afirmativa foi que muitas
coisas ainda estão por fazer, mas os benefícios aconteceram desde a emancipação. Por
outro lado, não é possível afirmar se estas melhorias estariam diretamente ligadas à
emancipação do município ou se viriam da mesma forma diante do aumento, nos
últimos anos, das políticas públicas voltadas para a diminuição da pobreza e da
desigualdade em todo o país.
A pesquisa não teve a intenção de dar aos agentes emancipacionistas o caráter
puramente ativo da emancipação e à população o papel de ausente do processo. É de
suma importância atribuir o caráter eletivo do munícipe no plebiscito e nas discussões
em torno da emancipação. No universo de entrevistados, quando interrogados sobre a
emancipação municipal, o início do discurso referenciava o nome dos agentes
emancipacionistas. Assim, podemos atribuir indiretamente aos agentes
emancipacionistas, após a emancipação, o reforço de suas “bases” eleitorais
representado pela legitimação e o predomínio de um capital político e simbólico.
(BOURDIEU, 2010). Vimos que, na agenda de discussões do pensamento social
brasileiro esta questão é debatida de forma diferente nas obras de Leal (1976) e Queiroz
(1976). Enquanto para aquele os eleitores representariam um arranjado amorfo, sem
liberdade diante ao potentado do “coronel”, garantida pelas relações pessoais e
violentas, para esta, “as relações pessoais envolvem a afetividade na determinação do
voto, o sistema do dom e contradom implica já o raciocínio, o peso das vantagens e
desvantagens, a escolha.” (QUEIROZ, 1976, p. 168).
A pesquisa não teve como mensurar a participação e envolvimento da população
para com a emancipação do município. No entanto, apesar do discurso pessimista
apresentado por Carlos Moraes sobre a ausência de “consciência coletiva” dos
83

moradores de Japeri, não há como negar o interesse de escolha da população sobre os


rumos que seriam dados ao 6° distrito de Nova Iguaçu. A campanha emancipacionista, o
momento histórico que clamava por democratização e novos rumos políticos, assim
como os jornais de grande circulação e o próprio jornal de Nova Iguaçu divulgavam as
vantagens e desvantagens de um processo emancipacionista. A capacidade de agência
da população não pode ser descartada na “invenção” do município de Japeri, não apenas
pelo comparecimento no plebiscito, mas por serem parte integrante de todo este
processo. Apesar do destaque central dado pela pesquisa aos agentes emancipacionistas
na emancipação de Japeri, o protagonismo das “bases” não pode ser esquecido e
representado pela ausência de interesse.
Seguindo as premissas ressaltadas acima, a pesquisa procurou relacionar a
emancipação municipal à lógica da dádiva. Longe de se caracterizar como um valor
utilitarista, a dádiva apresenta uma economia moral a partir da constituição de vínculos
sociais. A dádiva aparece como uma obrigação moral à coletividade, independente da
coisa a ser trocada, e sim por seus atributos simbólicos.
No caso de Japeri, os agentes emancipacionistas são vistos diretamente, pelo
universo de entrevistados, como aqueles que propiciaram a emancipação da localidade.
Pelo fato de propiciarem a elevação do distrito à categoria de município, os agentes
emancipacionistas, dentro da perspectiva da economia moral, não que a lógica da dádiva
pressuponha desde o início o estabelecimento da mesma, esperavam uma “retribuição”
por propiciarem a emancipação do município.
Até a presente data, das cinco eleições municipais de Japeri desde a sua
emancipação, as três primeiras eleições estiveram sobre o executivo dos agentes
emancipacionistas. Em conversa informal com um dos agentes emancipacionistas, o
mesmo apresentou certo ressentimento pela derrota na última eleição municipal, o que
evidenciaria uma quebra da lógica da dádiva. A pesquisa apresenta uma dívida no
aprofundamento desta questão pelo fato de o tema não se apresentar como elemento
principal da dissertação. No entanto, um mapeamento cuidadoso e detalhado,
juntamente com um trabalho de campo mais efetivo, proporcionaria uma resposta mais
satisfatória.
O estudo da emancipação de Japeri proporcionou levantar outra questão
interessante: a junção de duas localidades aparentemente distintas em um único
município. Apesar de, antes da emancipação, Japeri (bairro) e Engenheiro Pedreira
pertencerem ao 6º distrito de Nova Iguaçu, os mesmos se apresentaram, quando
84

interrogado o universo de entrevistados, como localidades também simbolicamente


distintas. Nas conversas do dia a dia, quando se fazia referência a determinada pessoa,
havia sempre a indicação: “ela não é de Japeri (bairro) é de Engenheiro Pedreira”, ou
mesmo no trajeto: “Hoje fui a Engenheiro Pedreira”. No trabalho de campo foi
interessante constatar que a população refere-se a Japeri ora como bairro ora como
município. Tudo indica que o ato de juntar Japeri (bairro) e Engenheiro Pedreira deveu-
se mais à necessidade de conseguir quórum para a realização da emancipação do que
por afinidades entre os dois bairros.
A emancipação de Japeri seguiu o fluxo do momento democrático e
descentralizador, sem a ocorrência de um planejamento prévio. A hipótese defendida de
que os municípios são “invenções” repousa também sobre este ponto. Desta maneira,
corrobora-se esta suposição quando Moraes afirma que o município de Japeri se formou
sem uma “vocação” aparente, dentro de uma oposição e abismo entre rural versus
urbano, ou quando Barcelos afirma que a emancipação representou uma experiência
nova para os agentes emancipacionistas diante do desconhecimento das diretrizes e das
próprias questões práticas de se emancipar um município.
Em relação à alteração dos procedimentos para a realização das emancipações
municipais que culminou na aprovação da emenda constitucional 15/96, minha hipótese
é que a emenda constitucional 15/96, advinda por parte do governo federal, demonstra,
em certa medida, o resquício ou propriamente a marca do “iberismo” (WERNECK
VIANNA, 2004) no Brasil. Atualmente, a proposta de divisão do estado do Pará em
outros dois estados, Tapajós e Carajás, pode ser citada como exemplo de um novo
movimento, no cenário brasileiro, de repensar do federalismo.
As questões levantadas pela dissertação podem ser de grande valia para o
aprofundamento desta discussão, pois elementos sobre a inviabilidade da criação de
outros dois estados, os critérios que serão utilizados para a realização do plebiscito, a
alocação de municípios a um estado ou a outro, as fronteiras e divisas estaduais, a
diferença econômica dos estados, os interesses políticos envolvidos, as novas
articulações de poder, os sentimentos de pertencimento a uma determinada localidade,
podem apresentar uma futura pesquisa, ou mesmo, uma complementaridade do que foi
previamente discutido neste trabalho.
A proposta da dissertação foi desconstruir o conceito de município como um
dado a priori, com fronteiras, territórios, fronteiras e população definida. Assim sendo,
podemos sugerir, a partir de Bourdieu (1998), quando em Efeitos de lugar o autor
85

propõe “a condição de proceder a uma análise rigorosa das relações entre as estruturas
do espaço social e as estruturas do espaço físico.” (BOURDIEU, 1998, p. 159)
O objetivo é o entendimento da construção dos conceitos para além do espaço
físico dado por sua realidade objetiva e conferir as compreensões subtendidas no âmbito
subjetivo, pois “esta dupla verdade, objetiva e subjetiva, que constitui a verdade
completa do mundo social”. (BOURDIEU, 2010, p. 53)
A análise sobre as diferenças entre Japeri e Engenheiro Pedreira permitiu a
desconstrução em torno do “espaço físico” e “espaço social”, onde, a princípio,
aparecem “dissimulada pelo efeito de naturalização que a inscrição durável das
realidades sociais do mundo natural acarreta” (BOURDIEU, 1998, p. 160). A
desnaturalização e desconstrução do mundo social são os preceitos metodológicos que
abarcam a obra de Pierre Bourdieu. Assim, o autor apresenta uma visão crítica das
ideias de “lugar”, “espaço” e “região”, demonstrando que as mesmas devem ser
entendidas como um campo de luta e de legitimidade. Além da análise sobre a
diferenciação entre Japeri e Engenheiro Pedreira, outra interessante discussão
contemplou a respectiva pesquisa: a formação das novas divisas municipais.
A emancipação municipal acarreta diretamente um reordenamento territorial
das divisas municipais que implica diretamente uma mudança não apenas no espaço
físico dos novos municípios, mas se estende aos vínculos de solidariedade e
pertencimento de um morador com determinado município. A definição dos limites da
divisa de um município com outro são importantes e instigantes objetos de análise, pois
anexar uma determinada área que anteriormente pertencia a outro município pode
proporcionar questionamentos por parte dos moradores que durante tempos pagavam
impostos e quando havia toda uma relação de pertencimento, tanto físico quanto social,
no município de que agora este não faz mais parte. Assim, a definição das novas divisas
municipais pode se apresentar como o resultado de disputas políticas e, diretamente, do
“reforço” ou a possibilidade de conferir novas “bases” eleitorais.
Por outro lado, não se justifica entender estes distritos, localidades e
comunidades como algo estável, e que possivelmente podem sofrer outras variações
territoriais e político-administrativas. O intuito não é a defesa e o entendimento de
comunidades como representantes de uma totalidade, sem espaços para interseções e
modificações. No entanto, cabe salientar as implicações e decorrências que o processo
emancipacionista ocasiona sem levar em consideração as devidas decorrências
86

produzidas, pois neste processo estão em jogo também mudanças que aparentemente
são imperceptíveis, como vínculos de solidariedade, pertencimento e identidade.
A “invenção” do município: a criação de Japeri não apresenta efeitos
conclusivos sobre as discussões a respeito das emancipações municipais. A pesquisa de
dissertação, ao elencar alguns temas para análise da emancipação municipal,
indiretamente, também, inventou um município. No início, e agora no término de leitura
das presentes linhas, o município de Japeri tal como foi apresentado pela pesquisa já
não é o mesmo. O “município” deve ser atribuído como um marco temporal e histórico
e não normatizado e simplificado categoricamente e espacialmente. A “invenção” e
“reinvenção” do município, seja no caso de Japeri ou de outros municípios, devem ser
feitas com cuidados analíticos imprescindíveis para não cair no erro da naturalização e
da legitimação conceitual que se realiza em um campo de lutas. (BOURDIEU, 2010)
O estudo sobre Japeri a partir de então já requer novas formulações que
merecem revisão e investidas pelas orientações inconclusas e instigantes apresentadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PERIÓDICOS CONSULTADOS:

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11.07.1988 – “Queimados faz hoje apuração do plebiscito”
12.07.1988 - “Faltou Quorum em Queimados”
20.11.1990 - “Rio ganha 4 municípios”
25.11.1990 - “Plebiscito decide emancipação em 6º. distrito do Rio”
30.06.1991- “Eleitor de Búzios vota hoje a separação de Cabo Frio”
01.07.1991 - “Plebiscito dão ao Estado do Rio 2 novos municípios”
“Japeri vai às urnas para festejar o sim”
02.07.1991- “Búzios não se emancipa”
04.07.1991- “Ivo Saldanha critica ação por Búzios”
05.07.1991- “Búzios espera que recurso vença no TRE”
Jornal O Dia:
16.06.1991- “Japeri espera o fim da miséria com a liberdade”
01.07.1991- “Plebiscito dão ao Rio de Janeiro mais 2 municípios”
Jornal O Globo:
87

30.06.1991 - “Búzios e Japeri: os opostos vão às urnas”


01.07.1991 - “Búzios: emancipação depende do TRE”
Jornal de Hoje (Nova Iguaçu):
10.07.1988 - “Queimados pode ser o novo município do Rio de Janeiro”
28.06.1991 - “Plebiscito: Euforia domingo para Japeri e Engenheiro Pedreira”
30.06.1991 - “33 mil eleitores decidem o destino de Japeri”
02.07.1988 - “Moradores comemoram emancipação de Japeri”

OBRAS CONSULTADAS

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91

ANEXOS

Anexo 1 – Jornal Emancipacionista.


92
93
94
95

Anexo 2 – Informativo sobre o município recebido na Associação de moradores do


bairro Chacrinha.
96

Anexo 3 – Jornal O Dia – 16/06/1991


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Anexo 4 – Jornal O Globo – 30/06/1991


98

Anexo 5 – Fotos do município de Japeri

Foto 1 – Rua do bairro Chacrinha (Japeri).

Foto 2 – Esgoto lançado no Rio Guandú.


99

Foto 3 – Residências às margens do trilho de trem.

Foto 4 – Divisa entre os municípios de Paracambi e Japeri


100

Foto 5 – Residências em torno da estação de trem.

Foto 6 – Pedreira localizada em Japeri.


101

Foto 7 – Base da Petrobras – gasoduto Japeri – REDUC.

Foto 8 – Centro de Engenheiro Pedreira. Acesso da estação de trem.

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