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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Patrícia Gino Bouzón

CONSTRUINDO IDENTIDADES: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE


MANIPULAÇÃO DA APARÊNCIA EM SALÕES DE BELEZA NA CIDADE DO
RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro
2010
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PATRÍCIA GINO BOUZÓN

CONSTRUINDO IDENTIDADES: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE


MANIPULAÇÃO DA APARÊNCIA EM SALÕES DE BELEZA NA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Tese de doutorado submetida ao Programa de


Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu
Nacional, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutora em Antropologia
Social. Orientador: Gilberto Cardoso Alves
Velho.

Rio de Janeiro
2010
3

Bouzón, Patrícia Gino.


Construindo identidades: um estudo etnográfico sobre manipulação
da aparência em salões de beleza na cidade do Rio de Janeiro/ Patrícia
Gino Bouzón. Rio de Janeiro: UFRJ/ Museu Nacional/ PPGAS, 2010.
ix, 321 f.: il; 31 cm.
Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho.
Tese (doutorado) – UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social, 2010.
Referências Bibliográficas: f. 288-299.
1. Sociabilidade. 2. Corpo. 3. Identidade. 4. Salão de beleza
5. Antropologia urbana. 6. Performances. I. Velho, Gilberto. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional,
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. III. Título.
4

Patrícia Gino Bouzón

CONSTRUINDO IDENTIDADES: um estudo etnográfico sobre manipulação da


aparência em salões de beleza na cidade do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2010.

Tese de doutorado submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em


Antropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal de Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Antropologia Social.
Aprovada por:

________________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho (MN/UFRJ)

________________________________________________________
Prof.ª Dr.a Adriana de Resende Barreto Vianna (MN/UFRJ)

________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte (MN/UFRJ)

_______________________________________________________
Prof.ª Dr.a Myriam Moraes Lins de Barros (ESS/UFRJ)

________________________________________________________
Prof.ª Dr.a Claudia Barcellos Rezende (CCS/UERJ)
5

A minha avó Ivanilde Ignês Ribeiro Gino. Escritora de belas histórias.


6

AGRADECIMENTOS

À Capes e ao Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelo apoio a esta
pesquisa.

Ao meu orientador Prof. Gilberto Velho, a quem devo todo o meu respeito, carinho e gratidão.
Obrigada pelo voto de confiança.

Aos membros da banca, por terem generosamente aceito participar como avaliadores deste
trabalho. Especialmente à Prof.ª Adriana Vianna e ao Prof. Luiz Fernando Dias Duarte, pelas
críticas fundamentais oferecidas por ocasião dos dois exames de qualificação.

À Prof.ª Myrian Lins de Barros, pelo modo atencioso como me orientou durante o estágio
docência.

Aos colegas do PPGAS, por tudo que pudemos aprender e viver juntos nestes quatro anos.
Especialmente a Liane Braga, Júlia O’Donnell e Tatiana Siciliano, pelo apoio e
compartilhamento de emoções.

Aos professores do PPGAS, pelo ambiente de estímulo intelectual, e aos professores que,
desde os tempos de graduação, incentivaram minha entrada na vida acadêmica.

A todos os entrevistados e salões de beleza que participaram desta pesquisa, por terem aberto
mais do que suas portas.

Ao meu marido Mauro Frota pelo amor, paciência e compreensão. Aos meus pais Marco e
Fátima, e minha irmã Biti, pelo carinho eterno.

Por fim, e muito especialmente, a Clarice Pamplona, Denise Gariani, Fabiana Santos, Fabiano
Morais, Flávia Haddad, Gabriela Cunha, Isa Laxe, Joana Alvares, Joana Machintosh,
Leonardo Ayres, Mao Tse Tung Brito, Márcia Abdon, Maria de Fátima Conceição, Mariana
Carneiro, Marina Silva, Marta Alves, Renata Júnior e Valdecy Leite. Este trabalho não teria
sido possível sem vocês.
7

RESUMO

Em meio a tantos espetáculos que a cidade encena diariamente, os salões de beleza se


oferecem enquanto universo privilegiado para observar e analisar certos movimentos de
distanciamento e aproximação que a interação em escala metropolitana produz. Ao se mostrar
um híbrido entre as esferas do público e do privado, os salões de beleza se revelam um
fenômeno particular, com densidades e colorações próprias, cujo interesse se encontra,
justamente, no fato de tornar menos nítidas certas fronteiras entre palco e bastidor. Foi
enxergando os salões de beleza em termos de seu potencial etnográfico que teve início esta
investigação. Durante mais de um ano foram acompanhadas as atividades cotidianas de três
salões de beleza, localizados em diferentes bairros na cidade do Rio de Janeiro: um deles
considerado de “elite”, outro um salão “popular” e, por fim, um salão “classe média”. Na
tentativa de apreender os usos e sentidos atribuídos a tais espaços pelos sujeitos que o
constituem, muitos foram os temas levantados e trabalhados ao longo desta tese, com
destaque especial para as temáticas da sociabilidade e da perfectibilidade. Dessa forma, os
salões de beleza puderam ser trabalhados em termos de sua materialização típica de um modo
de vida metropolitano, sem perder de vista o fato de que integram um fenômeno de massa
maior, por meio do qual os indivíduos elaboram esteticamente suas inserções na sociedade e
na cidade.
8

ABSTRACT

Amidst so many performances on stage in the daily lives of cities, beauty salons are the
preferred sites to observe and analyze certain movements of distancing and approaching that
the interaction in metropolitan scenarios produces. By offering a mix of public and private
settings, beauty salons are a peculiar phenomenon with their own densities and colors. The
purpose of this phenomenon is to make certain stage-backstage frontiers less marked out. This
study was triggered by considering the ethnographic potential of beauty salons. Over a year,
we observed routine activities at three beauty salons located in different districts in the city of
Rio de Janeiro: a “first class” beauty salon, a “low class” beauty salon and, lastly, a “middle
class” one. Trying to grasp the uses and meanings assigned to such spaces by the individuals
involved in it, many themes were addressed and studied over the development of this thesis,
especially the issues of sociability and perfectibility. Hence, beauty salons could be
investigated in terms of a typical fruition of a metropolitan lifestyle, without overlooking the
fact that they are part of a larger phenomenon through which individuals esthetically devise
their inclusion in society and in the city.
9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO - OS SALÕES COMO TEMA .................................................................... 1

PRIMEIROS PASSOS ................................................................................................................... 2


SOBRE O POTENCIAL ETNOGRÁFICO DOS SALÕES DE BELEZA ................................................... 3
A DEFINIÇÃO DOS SALÕES A SEREM INVESTIGADOS ................................................................. 6
A ENTRADA NO CAMPO: PERMISSÕES E RESISTÊNCIAS .............................................................. 7
A DIFICULDADE EM SEPARAR OS PAPÉIS DE CLIENTE E PESQUISADORA .................................. 12
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE METODOLOGIA .................................................................... 15
APRESENTAÇÃO DOS CAPÍTULOS............................................................................................ 22

CAPÍTULO I - OS SALÕES PESQUISADOS .................................................................... 25

SOBRE A ETAPA EXPLORATÓRIA ............................................................................................. 26


PRIMEIRA PARADA: CENTRAL DO BRASIL .............................................................................. 26
O SALÃO NO HOTEL POPULAR ............................................................................................... 31
PRIMEIRAS INCURSÕES A SALÕES EM COPACABANA .............................................................. 34
OUTRA FACE DE COPACABANA: A GALERIA RITZ .................................................................. 39
PALAVRAS FINAIS SOBRE A ETAPA EXPLORATÓRIA ................................................................ 43
IPANEMA: O BAIRRO E O SALÃO DE BELEZA DE “ELITE”.......................................................... 44
CATETE: O BAIRRO E O SALÃO DE BELEZA “POPULAR” ........................................................... 52
BOTAFOGO: O BAIRRO E O SALÃO DE BELEZA “CLASSE MÉDIA” ............................................. 61
ZONA SUL: O PANO DE FUNDO DA PESQUISA .......................................................................... 66
A RUA COMO PRINCIPAL VIA DE ACESSO ................................................................................ 70
ANTIGOS FORMATOS, NOVAS VARIAÇÕES .............................................................................. 75

CAPÍTULO II - ATORES, CARREIRAS E APROPRIAÇÕES ....................................... 81

PROFISSÕES DE SALÃO: ESTIGMAS, PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES ......................................... 82


ATRIBUTOS ESPERADOS DOS PROFISSIONAIS .......................................................................... 95
AS HIERARQUIAS PROFISSIONAIS DENTRO DOS SALÕES .......................................................... 98
ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS .......................................................................................... 103
SOBRE FREQÜENTADORES DE SALÃO DE BELEZA.................................................................. 106
PENSANDO GÊNERO NOS SALÕES DE BELEZA ........................................................................ 107
QUANDO TUDO COMEÇA: SOBRE IDADES E SALÕES .............................................................. 117
A RESPEITO DE OUTRAS VARIÁVEIS ANALÍTICAS .................................................................. 125
10

CAPÍTULO III – SOCIABILIDADE, A VIDA NOS SALÕES ....................................... 137

A EMERGÊNCIA DA SOCIABILIDADE PÚBLICA MODERNA ...................................................... 138


SOBRE O CONCEITO DE SOCIABILIDADE ................................................................................ 142
O CARÁTER RELACIONAL DA SOCIABILIDADE ...................................................................... 143
O PAPEL DOS SENTIDOS NA SOCIABILIDADE MODERNA......................................................... 145
O DESENROLAR DE UMA “CULTURA” DO DIÁLOGO E DA CONVERSAÇÃO .............................. 147
BELEZA E ESTILÍSTICAS DE SI ............................................................................................... 151
SOCIABILIDADE: OS USOS E OS SENTIDOS DO ESPAÇO URBANO ............................................. 156
SOBRE AMIZADE EM SALÃO.................................................................................................. 160
O SALÃO ENQUANTO ESPAÇO PARA VERBALIZAÇÃO DE SI .................................................... 165
FOFOCA EM SALÃO: PARTE DE UMA CONVERSAÇÃO GENERALIZADA.................................... 174
EM BUSCA DE EMOÇÕES: O CUIDADO DE SI NOS SALÕES DE BELEZA ..................................... 185

CAPÍTULO IV - O CORPO NO SALÃO .......................................................................... 214

HIGIENE, BELEZA E SAÚDE: O CORPO EM CONTATO COM O SALÃO ........................................ 215


PRAZERES E DESPRAZERES: SOBRE A DOR EM SALÕES DE BELEZA ........................................ 228
CONSTRANGIMENTOS DO CORPO: A VERGONHA NO SALÃO .................................................. 235
DESEJOS E AFETOS: SOBRE A NEGOCIAÇÃO DE CORPOS NOS SALÕES .................................... 239
O CORPO APRENDIDO: CONHECIMENTO, MANIPULAÇÃO E NEGOCIAÇÃO DO PRÓPRIO
CORPO .................................................................................................................................. 245

O CORPO MODULAR: PARTES QUE CONDUZEM AO TODO ....................................................... 251


UNHAS ................................................................................................................................. 254
PÊLOS .................................................................................................................................. 264
CABELOS.............................................................................................................................. 267

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 281

“EU NO MUNDO”: O PAPEL DO SALÃO NA APRESENTAÇÃO DE SI ........................................... 282


“EU NO SALÃO”: DIFERENTES POSSIBILIDADES DE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO ...................... 284
“O SALÃO NO MUNDO”: SOBRE SALÕES E OUTROS CONTEXTOS MAIS AMPLOS...................... 286

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 288

GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 300

ANEXOS ............................................................................................................................... 302


11

INTRODUÇÃO - Os salões como tema


12

Primeiros passos

Há sete anos eu era uma estudante de mestrado de antropologia que, deslumbrada com

as infinitas possibilidades de pesquisa que a disciplina proporciona, procurava um campo de

investigação. A cada semana me encantava com uma temática, queria poder pesquisar tudo.

Mas os limites e prazos exigidos pelo Programa 1 me colocavam a difícil tarefa de definir um

único tema para direcionar meus estudos. Enquanto não encontrava o tema ideal, tratava de

outras coisas tão importantes quanto. Minha aparência pessoal era uma delas.

Na época, eu não poderia ser considerada uma freqüentadora assídua de salões de

beleza. A minha casa era o meu salão. Aprendi desde nova a manipular o meu próprio corpo:

era eu quem fazia minha própria unha, minha própria sobrancelha e ia ao salão cortar cabelo

apenas duas vezes ao ano, quando não o fazia eu mesma. Apesar de os salões serem

ambientes relativamente distantes de minhas experiências pessoais, um dia pedi indicação à

minha mãe e fui a um salão perto de minha residência, na época em Ipanema.

Enquanto era atendida em uma salinha reservada no segundo andar, o silêncio entre

mim e a profissional que cuidava de meu corpo permitiu escutar o momento de encontro entre

duas amigas que, pelo timbre de voz mais grave, aparentavam ter em torno de 60 anos.

Uma delas perguntou o que a outra fazia ali. Naquele momento, ainda não tinha noção do

quanto a resposta a ser dada viria a nortear minha trajetória de estudos dentro da antropologia

social. Foi quando a amiga falou: – “Salão de beleza é o playground da terceira idade”.

Que variáveis de idade estavam sendo colocadas? O que o ambiente do salão de beleza

representava para aquelas mulheres? Que dimensões sobre lazer estavam sendo consideradas

ao se fazer uma aproximação com playgrounds? A frase teve um efeito tão arrebatador sobre

mim que, ao abrir a porta e sair daquela salinha, passei a enxergar o salão em que eu havia

1
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA-UFF).
13

inicialmente entrado com outros olhos. Foi então que percebi a potencialidade etnográfica dos

salões de beleza. Minha dissertação de mestrado finalmente tinha ganhado um tema 2.

Sobre o potencial etnográfico dos salões de beleza

Algumas características em especial chamam atenção para os salões de beleza. A

começar pela amplitude da sua distribuição espacial: os salões de beleza se encontram

presente nos mais variados espaços urbanos e não-urbanos do Brasil 3. Praticamente, a cada

esquina é possível esbarra com um 4.

Um segundo ponto diz respeito ao seu caráter heterogêneo. Apresentam-se sob

diversas formas (barbearias, salões “afro”, unissex, infantis, caseiros, especializados em

2
Dissertação intitulada O teu cabelo não nega? Um estudo de práticas e representações sobre cabelos.

Um breve parêntese faz-se necessário para explicar a especificidade do trabalho desenvolvido no mestrado.
Durante um ano acompanhei o dia-a-dia de um salão de beleza localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro. Um
salão sofisticado, de frente para a praia do Leblon, localizado nas dependências de um hotel quatro estrelas. O
público, na época, era constituído, em sua maioria, por mulheres cariocas de estratos superiores, entre 30 e 60
anos. Minha intenção inicial era estudar o ambiente do salão, mas quando cheguei lá, não consegui deixar de me
surpreender com o papel protagonista dos cabelos da cabeça em comparação aos outros elementos corporais ali
trabalhados. Foi observando com mais atenção a relação das pessoas com os cabelos que desenvolvi então as
principais considerações de minha dissertação De forma bastante resumida, a minha intenção foi refletir sobre
como os cabelos da cabeça são trabalhados, pensados e vividos em suas diversas representações. Sendo assim, o
salão de beleza serviu como espaço para observar o desenvolvimento de eventos e a construção de noções
fundamentais sobre corpo, beleza, saúde, gênero, idade, classe social e raça, entre outras. Embora o recorte
escolhido tenha sido muito produtivo, alguns temas interessantes, inevitavelmente, tiveram que ser deixados em
aberto. Questões referentes aos próprios usos e significados atribuídos ao espaço dos salões de beleza são um
exemplo de tema que não pude dar o tratamento que gostaria no mestrado, mas que tenho a oportunidade de
retomar no doutorado. É dessa forma que digo privilegiar agora não uma pesquisa no salão, como havia feito no
primeiro momento de minhas investigações, mas uma pesquisa do salão.
3
Naturalmente, tal presença dos salões no espaço urbano não é uma exclusividade do Brasil. Porém, dado que a
proposta é realizar uma pesquisa em salões de beleza na cidade do Rio de Janeiro, o Brasil é tomando aqui como
referência.
4
Recordo-me da etapa exploratória desta pesquisa. Estimulada pelos trabalhos de Gilberto Velho, especialmente
por seu artigo “Os mundos de Copacabana”, dediquei um feriado percorrendo todas as ruas do tradicional bairro
e me impressionou a quantidade de salões de beleza encontrados. A cada rua que entrava me deparava com, pelo
menos, um salão. Às vezes eram mais de quatro em um mesmo quarteirão. Terminei minha investigação
impressionada com o fato de que não havia uma única rua no bairro que não tivesse seu salão.
14

cabelos “orientais” etc.). Além de serem freqüentados por, praticamente, todos os segmentos

socioeconômicos, idades e gêneros.

Os salões de beleza também chamam atenção pelo fato de ser um dos mais ricos

espaços dedicados à preparação coletiva e ritualística do “corpo belo”. Sobretudo em tempos

em que a identidade pessoal é cada vez mais expressa, exibida, e revelada no corpo físico

(EDMONDS, 2002:216). Quando se pensa em “local para ficar belo”, os salões de beleza são

uma das primeiras referências que vem à mente.

Evidentemente existem outros espaços em que os corpos são postos em evidência,

como academias de ginástica, clínicas de estética, consultórios médicos etc. O que não

impede que considerações e aproximações com estes outros espaços sejam levadas em

consideração ao longo da tese. Ainda assim, os salões de beleza se apresentam como um

ambiente particularmente rico em significados.

Mais do que o espaço coletivo, por excelência, dedicado à elaboração de cabelos,

unhas e outras partes do corpo, os salões de beleza se destacam no contexto urbano pela

singularidade do tipo de encontro que promovem e pela qualidade das relações e experiências

que ali dentro tomam forma.

Em outras palavras, os salões de beleza não apenas são locais em que se dá um tipo

específico de manipulação estética de corpos, mas existe uma outra dimensão, tão importante

quanto a primeira, que não pode ser ignorada. Refiro-me à questão da sociabilidade pública. É

importante enxergar o salão como, marcadamente, um dos principais espaços de sociabilidade

feminina. Porém, trata-se de uma forma de sociabilidade muito distinta: revela-se um misto de

lazer e compartilhamento de histórias pessoais, práticas de consumo e “transformação

psicológica” 5.

5
Uma discussão mais elaborada sobre o tema da sociabilidade será desenvolvida no capítulo III.
15

Por mais contraditório que pareça, os salões são uma dimensão pouco referida nos

estudos sobre beleza. Ao procurar a produção brasileira dedicada à análise de tais espaços,

descobre-se que os trabalhos que mais chegam próximos são pesquisas realizadas em “salões

afro”, cujo foco é a questão da identidade negra 6. Tal fato apenas reforçou minha vontade de

levar adiante meu tema de investigação.

No entanto, meu encantamento com o universo dos salões de beleza não impediu que

algumas questões fossem levantadas. Talvez a mais latente delas eu possa colocar sob os

seguintes termos: O que me leva, dentre tantas possibilidades “mais nobres” de temas

clássicos da antropologia, escolher justamente o campo das práticas embelezadoras?

Confesso que um dos receios que tive quando decidi realizar minha pesquisa em

salões de beleza foi quanto à recepção do meu tema. O salão é tão fortemente associado a uma

dimensão de futilidade, um universo tão estigmatizado (apesar de adorado por muitos), que

tive receio de que tais percepções se estendessem ao meu trabalho.

Talvez, uma das maiores contribuições que esta pesquisa tenha trazido para mim foi,

justamente, a confirmação de algo a que Michel Foucault (1984a) já havia chamado atenção:

que são nas dimensões mais sutis da vida quotidiana que é possível encontrar aspectos

centrais da organização de uma sociedade. É sob esse ponto de vista que guio esta tese até a

última sentença escrita.

6
Cf. FIGUEIREDO (1994); GOMES (2006); LUCINDA (2004). É evidente que a questão racial é um tema
importante para a minha pesquisa. Porém, a minha intenção é expandir a discussão para outras direções.
Contudo, apesar de tais trabalhos citados focarem a questão racial, interessantes considerações foram elaboradas
sobre o espaço do salão de beleza em si.
16

A definição dos salões a serem investigados

Tendo definido salões de beleza como o campo privilegiado para minhas

investigações, senti necessidade de propor algo diferente do que havia feito anteriormente.

Como no mestrado o trabalho de campo havia sido realizado em um salão de beleza

localizado em um hotel quatro estrelas no Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro, com um

tipo muito específico de público, no doutorado me senti motivada a estender minha pesquisa a

outros salões, de acordo com os diferentes perfis socioeconômicos de seus freqüentadores 7.

A fim de empregar uma análise comparativa, optei por pesquisar três salões. A idéia

era que um deles fosse muito sofisticado 8, freqüentado por camadas sociais mais elevadas e,

preferencialmente, situado em bairros valorizados da Zona Sul da cidade, dada a maior

concentração de renda e as representações simbólicas valorativas que certos endereços da

região carregam.

O segundo estabelecimento deveria ser bastante contrastante. Daí a opção por um

salão “popular”, que atendesse a um público economicamente menos favorecido, excluído de

certas práticas e representações, porém, participante de outras.

Um terceiro salão fez-se necessário ser incluído, para que o contraste gerado pelos

dois salões, com estruturas tão diferentes, não conduzisse minha análise a uma visão muito

polarizada. Sendo assim, também freqüentei um salão considerado de “classe média”, com o

propósito de verificar se as hipóteses levantadas ao longo do trabalho de campo nos dois

outros salões não estavam muito influenciadas pelo tipo de salão em questão.

7
Vale aqui destacar que a opção por fazer um recorte nos salões de beleza a serem investigados a partir de
critérios de “classe” foi muito menos baseada em critérios socioeconômicos descritivos (como renda, ocupação,
grau de instrução etc.) e muito mais pautada em termos de ethos e visão de mundo. Compartilho da opinião de
Bourdieu (1974), para quem a definição de classes como uma estrutura estática não é a melhor forma de análise.
8
Embora o salão do hotel do Leblon correspondesse ao que estava procurando em termos de “sofisticação”, não
faria sentido fazer trabalho de campo no mesmo salão pesquisado durante o mestrado. Senti necessidade de
vivenciar novas experiências, em um salão diferente.
17

A entrada no campo: permissões e resistências

Abro aqui um pequeno parêntese para lembrar que a entrada em campo, quando se

trata de salões de beleza, pode parecer fácil por ser um local, a princípio, aberto ao público em

geral. Sem dúvida o fato de serem ambientes voltados para a prestação de serviços facilita o

primeiro acesso do pesquisador. Todas as observações iniciais nos salões de beleza pelos

quais passei puderam ser feitas sem que eu tivesse que revelar formalmente minhas intenções

enquanto pesquisadora. Tendo condições de arcar com as despesas dos serviços oferecidos,

não haveria, a princípio, maiores impedimentos ou dificuldades.

Porém, a partir do momento em que eu tomava a decisão de que aquele seria o salão

onde eu gostaria de fazer minha pesquisa, após ter freqüentado o local algumas vezes até ter

certeza de minha escolha, é que minha posição se tornava vulnerável. Por uma questão de

ética e respeito ao estabelecimento, sentia a obrigação de me apresentar aos proprietários dos

salões escolhidos e explicar meu projeto de pesquisa. Em alguns casos obtive prontamente

permissão para dar início ao trabalho de campo. Em outros encontrei resistências, cujas

justificativas eram bastante plausíveis.

Quando se faz pesquisa de campo em estabelecimentos comerciais, não se pode

esquecer que se trata de um negócio, de um ambiente profissional voltado para a prestação de

serviços. Dessa forma, é esperado que seus freqüentadores consumam algum dos serviços

oferecidos, e não que passem o dia ocupando o espaço físico de outros potenciais clientes.

É, ainda, o local de trabalho de muitos profissionais, o que torna a observação direta

por parte do pesquisador, por mais discreta que seja, uma intervenção que foge ao cotidiano

daquele ambiente, o que pode gerar desconfianças e incômodos não apenas para a equipe de

profissionais como também para os próprios clientes.


18

Contudo, o maior problema que enfrentei foi a desconfiança em relação à minha

atividade ou real identidade. Mais especificamente, o medo de que eu fosse fiscal da Agência

Nacional de Vigilância Sanitária 9. Relato o caso mais extremo que vivenciei.

Em minhas buscas por Copacabana encontrei um salão de beleza que parecia ter

parado no tempo. Mais especificamente, na época áurea do bairro, apesar de parecer voltado

para uma classe média menos favorecida e apresentar certo ar de decadência. Não apenas a

decoração remetia à década de 70, mas as próprias clientes também. Eram senhoras que ainda

ostentavam cortes de cabelo armados à base de muito laquê e se vestiam com roupas não

muito atuais. Maquiagem carregada no blush e bijuterias douradas em excesso completavam o

visual.

Fiquei fascinada pelo salão. Descobri que existia há mais de 30 anos e que era um

negócio passado de pai para filho, há três gerações. A família conduzia o negócio. O marido

era encarregado da administração geral e a esposa costumava ficar na recepção, junto com um

filho de aproximadamente 20 anos.

Como de costume, freqüentei o salão como cliente por algum tempo e estabeleci

relações com algumas manicures, o que me forneceu boas informações sobre o salão. Nessas

primeiras visitas, enquanto tinha as minhas unhas feitas, conversava com as profissionais e,

eventualmente, fazia algumas anotações na caderneta de campo.

Passado esse tempo inicial de interação, decidi finalmente me apresentar ao dono do

estabelecimento e pedir permissão para lá trabalhar na condição de antropóloga pesquisadora.

Expliquei detalhadamente sobre o que se tratava meu tema de pesquisa, minhas experiências

anteriores durante o mestrado e disse que atualmente fazia o mesmo em dois outros salões.

Tudo em vão. A resposta foi negativa.

9
Trata-se de uma agência reguladora criada pelo Governo Federal, vinculada ao Ministério da Saúde, cujo
objetivo é fiscalizar a segurança sanitária de produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. Os
profissionais dos salões de beleza em que fiz trabalho de campo me contaram que um dos métodos empregados
pelos fiscais da Vigilância Sanitária é se passar por cliente para flagrar irregularidades no estabelecimento.
19

Alguns “nãos” são mais fáceis de serem aceitos do que outros. Não queria perder a

oportunidade de estudar aquele salão. Considerava-o muito interessante por ainda manter uma

estrutura e uma clientela de muito tempo. Mesmo fazendo uso de todos os argumentos

acadêmicos, racionais e emocionais, o dono não cedeu em sua posição. Foi então que joguei

com um último recurso: perguntei se ele aceitaria minha presença enquanto cliente

convencional, uma vez que eu tinha adorado o serviço de sua equipe de manicures.

Forcei o limite para ver até onde o princípio de “estabelecimento comercial aberto a

todos” seria sustentado. Sob esta condição, o dono aceitou minha presença. Saí do salão

contente por ter conseguido reverter até certo ponto a situação. A idéia era, com o tempo,

ganhar a simpatia do proprietário e poder fazer meu estudo de forma mais à vontade. Não

fazia idéia do que havia reservado para mim.

Na visita seguinte, fui fazer unha com a manicure que eu havia estabelecido uma

relação mais próxima. Ela revelou que o dono do salão não confiava em mim, achava que eu

era fiscal da Vigilância Sanitária, e que ele havia colocado uma funcionária de confiança para

“ficar de olho” em mim. A partir de então meus dias naquele salão se transformaram em uma

verdadeira queda de braço velada entre a minha teimosia e a acirrada vigilância do

proprietário.

Como eu não marcava horário, para poder chegar de surpresa e evitar eventuais

manipulações da situação, ele fazia questão de me receber pessoalmente na recepção e

escolhia a dedo a profissional que iria me atender. Uma vez, para me ter sob maior controle,

colocou-me sentada na cadeira em frente à ele na recepção, cadeira esta que nunca era

utilizada por nenhum profissional.

A situação limite se deu quando fui delatada pela manicure encarregada de me vigiar,

provavelmente por ter sido vista anotando algo ou fazendo perguntas. O dono do salão se

colocou de pé atrás de mim, de braços cruzados, fingindo que estava assistindo televisão
20

enquanto me observava de perto. A alternância de papéis no trabalho de campo, entre

observador/observado, havia ultrapassado o limite que eu considerava produtivo para a

pesquisa.

Fiquei irritada com a situação. Mas terminei o serviço com toda a calma do mundo e

ainda esperei um tempo o esmalte secar para poder colocar os sapatos, enquanto folheava uma

revista, como se não houvesse percebido nada. A intenção era demonstrar que aquele tipo de

atitude não me inibiria, para evitar que se repetisse outras vezes.

Nesse dia voltei para casa com um sentimento de angústia. Por mais que soubesse que

ele tinha o direito de não aceitar uma atividade de pesquisa em seu salão, incomodava o fato

de não acreditar que eu fosse capaz de não gerar nenhum tipo de inconveniência para o

negócio, especialmente por eu já ter experiência no passado com este tipo de trabalho em

salões.

Esta situação foi interessante no sentido de me mostrar o quanto tive dificuldade de

trabalhar a ambigüidade que pode surgir durante uma pesquisa de campo. Refiro-me ao

contraste de experiências vivenciadas entre aquelas pessoas que não apenas gostam, mas se

empenham em contribuir para uma pesquisa (especialmente ao expor suas concepções) e

aquelas que optam por preservar seus domínios, sua privacidade, seja por medo da vigilância,

de serem observadas e criticadas ou pelo simples fato de não ver sentido em ajudar.

O trabalho neste salão de Copacabana não estava andando no ritmo esperado, eu tinha

diversos tipos de dificuldade de acesso e aquele clima de vigilância me consumia. Sustentar

aquela situação não foi uma simples atitude de teimosia frente a uma resposta negativa, mas

uma opção para ver até onde iam os diversos limites em jogo. Percebi então que havia forçado

tanto os limites de um atendimento ao público, quanto os meus próprios limites internos.

Minha vontade era partir para outro salão, por mais interessante que o de Copacabana

parecesse. Mas forcei-me a sustentar tal situação porque achava que eu precisava
21

experimentar uma situação de dificuldade, uma vez que a maior parte das entradas em campo

nos salões havia se dado sem grandes empecilhos.

A última vez que fui a este salão de Copacabana, após pagar pelos serviços

contratados, o dono se voltou para mim e perguntou se eu já havia terminado o que precisava

para minha pesquisa. Tentando inutilmente sustentar uma imagem de menina simpática e

inofensiva, respondo que estava ali só para fazer “coisas de mulher”.

Salva esta situação mais extrema, a entrada em campo se deu de forma bastante

positiva no caso dos três salões escolhidos para realizar a pesquisa. No salão de “elite” eu

havia conseguido duas frentes de abordagem: uma delas foi usar um contato pessoal para

perguntar à dona do salão sobre a possibilidade de realizar minha pesquisa lá. Uma tia minha

conhecia a dona e era muito amiga de sua irmã 10.

Tendo conseguido permissão prévia, o passo seguinte foi me apresentar pessoalmente

à proprietária do salão, explicitar minhas intenções de trabalho e agradecer a oportunidade.

Uma vez lá dentro, a outra frente que facilitou muito o andar de minha pesquisa foi o fato de

eu conhecer parte da equipe de funcionários. Eles haviam trabalhado no salão de beleza no

Leblon onde eu realizei minha pesquisa para o mestrado. Por já saberem como se dava meu

trabalho e pelo tipo de relação amistosa que havíamos desenvolvido naquela ocasião, a

pesquisa pôde fluir muito bem.

No salão “popular” a situação foi muito curiosa. O dono do salão era um homem alto e

corpulento, com cavanhaque e pulseira grossa de prata. À primeira vista parecia uma figura

mal-encarada, o que me gerou certa inibição. Com o tempo é que pude perceber que se tratava

de uma pessoa muito doce.

Parecia uma “criança” no corpo de adulto. Passava o dia fazendo brincadeiras com os

funcionários. Talvez por conta de tais atitudes, demorei a perceber que ele era o proprietário,

10
Para uma apresentação mais completa dos três salões investigados ver capítulo I.
22

dada a qualidade da interação que ele estabelecia com os colegas de trabalho no dia-a-dia e

pelo fato de trabalhar a maior parte do tempo como barbeiro.

Como ainda não havia tido oportunidade de interagir com o proprietário, aliado ao fato

de ele parecer ser uma pessoa tímida, minha opção foi tentar, por meio da recepcionista,

provocar uma apresentação. Revelei à funcionária os objetivos da minha pesquisa e disse que

gostaria de pedir permissão ao dono do salão. Ao final de minha explicação, para minha

surpresa, a recepcionista sorriu para mim e autorizou, ela mesma, a pesquisa no

estabelecimento. – “Pode fazer, não tem problema não”.

Não questionei sua autoridade, embora a situação inicialmente tenha me deixado

desconfortável. Passei mais de um ano fazendo pesquisa de campo no salão “popular” sem ter

pedido permissão formal ao dono. Nunca fui questionada pelo mesmo, pelo contrário. Ele

sabia de minhas atividades ali e parecia não se importar.

No salão de “classe média” minha entrada também se deu de forma bastante facilitada.

No primeiro contato mais enfático com o dono do salão, que também trabalha como

cabeleireiro, aproveitei que estava descansando em uma cadeira de clientes e me sentei ao seu

lado após ter feito as unhas. Comecei a puxar assunto sobre o salão e aproveitei a

oportunidade para comentar sobre meu estudo.

Antes mesmo de aprofundar a explicação de minha pesquisa para finalmente pedir

permissão, o proprietário ofereceu espontaneamente que eu pesquisasse lá. – “Sinta-se à

vontade” foi a frase que me disse.

A dificuldade em separar os papéis de cliente e pesquisadora


23

A opção por fazer uso dos serviços oferecidos nos salões de beleza investigados foi

motivada não só pela intenção de estreitar minhas relações, uma vez que ao contratar um

serviço de manicure, por exemplo, eu garantiria uma interação mais intensa com tais

profissionais. Também fui levada por certa culpa de fazer uso da boa-vontade dos

proprietários sem nada dar em troca. Entretanto, ao fazer tal escolha, algumas questões se

colocaram.

A minha imagem acabou por se constituir de forma híbrida. Ao mesmo tempo em que

eu era uma antropóloga que pesquisava salões de beleza, eu também era cliente. Logo, ficava

estabelecida uma hierarquia vertical, tanto no sentido de posse de capital cultural (enquanto

doutoranda) quanto de recursos econômicos (no papel de contratante dos serviços oferecidos).

Contudo, hoje acredito que os profissionais dos salões investigados tiveram mais facilidade

em lidar com tais questões do que eu própria.

Quanto ao fato de ser uma doutoranda em antropologia, as conseqüências foram

relativamente suaves, salvo um caso ou outro de profissionais que faziam uso de termos e

sentenças mais elaboradas ou perdiam um pouco da espontaneidade ao tentar me dar respostas

que achavam que seriam aproveitáveis para uma tese de doutorado. Quanto a esses tipos de

situação, o próprio passar do tempo cuidou de corrigir. Percebi minha presença ser

gradativamente diluída, à medida que o convívio semanal me tornava mais próxima às

pessoas com as quais interagia nos salões.

No entanto, o meu papel enquanto cliente foi aquele que mais tive dificuldade em

administrar. Especialmente porque eram minhas referências estéticas e meu corpo que

estavam em jogo. Muitas foram as situações em que tive dificuldade de deixar o papel de

cliente em suspenso para voltar ao de pesquisadora.

Recordo-me de uma ocasião que vivi no salão “popular”. Era a primeira visita ao

estabelecimento, ainda não conhecia ninguém, mas eu queria passar o máximo de tempo
24

possível naquele ambiente. Solicitei então os serviços de manicure, pedicure e cabeleireiro (a

intenção era apenas aparar as pontas dos fios).

Havia, no entanto, um agravante naquela situação em especial. Como eu havia sido

convidada para uma festa de casamento de amigos a se realizar no dia seguinte, aproveitei a

oportunidade para cuidar da aparência. A manicure, não muito simpática, primeiro fez minhas

unhas das mãos e depois as dos pés. Entretida ao tentar estabelecer um diálogo com a

profissional, não percebi que ela havia borrado duas unhas dos pés ao final do serviço. A

manicure fingiu que não reparou e rapidamente se distanciou para não ter que refazer.

De forma amistosa, sem apontar culpados, pedi que a manicure refizesse a pintura

borrada. Com muita má vontade ela o fez. Porém, só em uma das duas unhas borradas.

Levantou e tomou como finalizado o serviço. Para evitar uma situação de desconforto, o que

poderia comprometer meu trabalho de campo naquele salão, fingi não ter percebido e aceitei a

unha borrada. Confesso que, no fundo, carreguei até o último dia de pesquisa de campo uma

implicância com aquela profissional.

Com a unha ainda borrada, sentei-me para cortar as pontas do cabelo. Pelo menos o

cabeleireiro era simpático e passou o tempo de atendimento contando como havia sido sua

trajetória nesse meio profissional. O corte de cabelo em si se deu sem grandes traumas. O

problema foi o produto que o cabeleireiro passou nos fios.

Mesmo após ter sido secado com secador, o cabelo parecia molhado, ficou com

aspecto de ensebado. Parecia que eu não lavava a cabeça há dias. Não podia falar nada para o

cabeleireiro, mas sentia vontade de chorar quando olhava no espelho. Saí na rua com

vergonha. Prendi o cabelo para as pessoas não perceberem. Cheguei em casa e fui correndo

para debaixo do chuveiro. Foram cinco lavagens com xampu. Demorei mais de 40 minutos

tentando remover o produto.


25

Pode parecer besteira ou falta de controle, mas esses tipos de evento são capazes de

gerar um desconforto muito grande. Lembro uma vez que a manicure do salão de “classe

média” lixou as unhas de forma desalinhada. Nesse dia, passei o resto do tempo em campo

incomodada com a situação e a primeira coisa que fiz ao sair do salão e virar a esquina foi

sacar uma lixa da bolsa e acertar o formato das unhas. Senti um alívio indescritível, seguido

de uma culpa por falhar enquanto pesquisadora.

Breves considerações sobre metodologia

Para finalizar este capítulo, algumas palavras valem ser ditas referentes à metodologia

empregada em campo. Durante janeiro de 2008 e fevereiro de 2009 freqüentei

sistematicamente os três salões de beleza escolhidos para o desenvolvimento de minha

pesquisa. A cada dia da semana ia a um deles e lá passava horas a fio conversando e

observando o vai-e-vem de coisas e pessoas.

A observação direta e participante e as entrevistas (com auxílio de gravador) foram os

recursos metodológicos privilegiados na coleta do material etnográfico. Meu objetivo era

focar a atenção, sobretudo, nos dados qualitativos, tais como práticas, costumes, regras,

códigos e discursos encontrados no universo dos salões de beleza.

No caso da observação direta, considero-a fundamental. Não apenas pelo fato de ter

sido o que permitiu acompanhar o cotidiano dos sujeitos, levando a uma maior aproximação

com a realidade observada, mas, sobretudo, porque nos salões de beleza, especialmente

naqueles com maior circulação de clientes e profissionais, os olhos e ouvidos do pesquisador

não podem descansar um segundo sequer, dada a multiplicidade de ações, situações e

conversas que fluem pelo ambiente, todas ao mesmo tempo.


26

Como se trata de um espaço com muita informação visual e sonora, é difícil se

concentrar. A cada minuto uma nova situação desvia a sua atenção para outro fato ou direção.

Ainda, o barulho excessivo do ambiente é um fator que prejudica bastante a obtenção de

informações. Por muitas vezes o rumor alto dos secadores, a música e as várias pessoas que

conversavam simultaneamente me impediram de pegar algumas conversas no ar.

Brinco que me vi obrigada a desenvolver uma técnica para reter a minha atenção nos

casos em quisesse focar em uma conversa específica. O princípio é o mesmo que costumamos

experimentar quando fechamos os olhos deitados na praia – parece que a conversa das

pessoas ao nosso redor se aproxima ainda mais de nós. Isso acontece porque, suspendendo

momentaneamente a visão, imediatamente a audição toma a frente dos outros sentidos 11.

Como fechar os olhos no salão tornaria minha presença enquanto pesquisadora ainda

mais esquisita, o recurso que passei a utilizar foi pegar uma revista e fingir que a lia. Dessa

forma, ao fixar os olhos em um ponto qualquer do papel, era possível prestar mais atenção a

uma conversa que me interessava. Outra vantagem dessa técnica era que ela neutralizava

momentaneamente minha presença. Ou seja, para as pessoas ao meu redor, minha atenção

parecia estar voltada para a revista e não para elas, o que por vezes as deixava mais à vontade

para conversar certos assuntos.

Contudo, não era apenas eu quem observava. Também era observada pelos clientes e,

sobretudo, pelos profissionais dos salões. Naturalmente, estes tentavam me mapear. Faziam

perguntas pessoais, tais como se eu tinha namorado ou onde morava, e ficavam atentos às

minhas evidências corporais. Quanto às roupas, por serem veículos de indício significativos,

11
Interessante esta questão dos sentidos. Uma mudança que percebi ao ter iniciado meu trabalho de campo em
salões de beleza foi a importância que o olfato adquiriu para mim. Hoje sinto cheiro de salão à distância.
Familiarizei-me com os odores característicos de acetona misturada a produtos para cabelos. Às vezes faço um
teste com quem me acompanha. Ao subir as escadas rolantes de uma galeria comercial desconhecida já digo se
há ou não um salão no próximo andar. Para quem não está com a percepção seletiva voltada para salões, fica
mais difícil fazer tal inferência.
27

foi importante ter atenção e aprender a manipular meu vestuário de acordo com o salão em

questão 12.

No entanto, escapar de tais tentativas de mapeamento nunca é fácil. Uma vez cometi

um erro ingênuo, no intuito de “colaborar” para o bem do salão “popular” ao qual eu havia me

afeiçoado. Ao perceber que os clientes, muitas vezes, ficavam à procura de revistas para ler

(havia poucas), tive a brilhante idéia de levar para o salão algumas revistas de moda um pouco

desatualizadas que eu tinha guardadas em casa.

Feliz, entreguei as revistas à manicure que era uma das principais colaboradoras para

minha pesquisa. Ela pegou, analisou as capas, olhou para mim e falou: – “Ih, ela é fashion!”.

Meu esforço de manipular minha imagem havia ido por água abaixo.

Além das dificuldades impostas pela própria natureza das atividades empenhadas em

salões de beleza (como o barulho de secadores, por exemplo), tal ambiente proporciona certas

facilidades compensatórias. A primeira que destaco diz respeito aos espelhos. Espalhados por

todo o ambiente, são um instrumento de grande utilidade para a observação direta. Facilitam o

pesquisador olhar por diversos ângulos as inúmeras cenas que acontecem pelos diferentes

cantos do salão.

Outra facilidade que tal ambiente proporciona, especialmente nos salões de beleza

maiores e mais movimentados, é um relativo anonimato do pesquisador. Os sofás de espera se

apresentam como um local estratégico para dar início a interações com os freqüentadores. Ser

confundida com uma cliente que aguarda ser atendida facilitou bastante a aproximação com

outros clientes ao longo do trabalho de campo. Boa parte dos dados desta tese teve origem de

conversas informais em que eu era percebida também como uma cliente.

12
No salão “popular” costumava ir vestida de forma simples, calça jeans e uma camiseta que poderia ter sido
comprada em qualquer lugar. Procurava ir sempre com a mesma bolsa e o mesmo par de sandálias. Não queria
exibir poder de consumo mostrando variedade de acessórios. É tão interessante isso, porque no dia em que
apareci neste salão com uma sandália mais diferente da usual, uma das manicures logo notou e fez um
comentário elogioso. Quanto ao salão de “elite”, procurava ir bem arrumada. Já ao salão de “classe média” roupa
não era uma preocupação. Ia vestida como me visto cotidianamente.
28

Não havia tempo ou mesmo oportunidade para me apresentar enquanto antropóloga,

embora em algumas conversas mais longas, quando eu considerava pertinente, comentava

sobre minha pesquisa. Por vezes, os próprios profissionais dos salões me poupavam esta etapa

de apresentação e contavam para suas clientes meu tema de estudo, o que me proporcionou,

na maior parte das vezes, excelentes oportunidades para iniciar uma conversa.

A maior parte dos funcionários dos salões de beleza que estudei sabia que eu estava ali

fazendo um trabalho acadêmico de pesquisa. Às vezes eu sentia muita dificuldade de colocar

em termos claros o suficiente em que constituía o trabalho de um antropólogo. Algumas vezes

as manicures e cabeleireiros faziam uma aproximação de meu trabalho ao de jornalistas.

Outras vezes simplificavam, ao explicar para outras pessoas que se tratava de um trabalho

para a faculdade.

Ainda sobre as metodologias de pesquisa, as entrevistas foram um recurso

fundamental. Porém, diferentemente do que fiz por ocasião do mestrado, desta vez optei por

não realizar entrevistas dentro dos salões de beleza e não empregar o uso de gravador no

registro de minhas conversas com os profissionais dos salões investigados. A intenção era

afastar para longe daquele ambiente o peso do registro formal das falas, a fim de deixar as

pessoas à vontade, aproveitando o clima de conversa próprio de salões de beleza.

Minha principal estratégia para ter acesso e estreitar minha relação com os

profissionais do salão, como comentado anteriormente, era contratar algum dos serviços

oferecidos. Sendo assim, toda semana eu me colocava no lugar de cliente para poder ter 40

minutos (se fizesse apenas o serviço de manicure ou pedicure) ou uma hora e meia que fosse

(caso contratasse ambos os serviços) de interação exclusiva com as manicures. Esses

momentos foram privilegiados para a obtenção de dados.

Confesso que fiz pouco uso dos serviços de cabeleireiro e depilação nos salões que

trabalhei. O primeiro por um motivo pessoal: minha carência genética de cabelo não permite
29

colocar meus já escassos fios em experiências de campo. O segundo serviço também evitei

realizar, dada a exposição da intimidade do corpo que a técnica de depilação costuma exigir.

Embora a reserva das cabines de depilação tenha me rendido informações e

experiências muito interessantes, eu precisava desta “evitação” para conseguir conviver por

mais de um ano com aquelas pessoas sem me constranger com a lembrança de que elas já

haviam tido acesso a partes íntimas de meu corpo.

O salão de “elite” foi o único em que não fiz uso do recurso de contratação de

serviços, dado que os valores de seus serviços excediam o montante de dinheiro que eu tinha

disponível para investir semanalmente em meu trabalho de campo. Em compensação, este

salão tinha algumas vantagens que me proporcionaram trilhar outros caminhos para

aproximação. A mais importante delas é que boa parte dos cabeleireiros e assistentes que lá

trabalham já me conheciam há alguns anos, o que facilitou em muitos sentidos minha

investigação.

Vale aqui destacar outro ponto importante. Por maior que fosse a boa vontade das

pessoas em colaborar com a minha pesquisa, não podia ignorar o fato de que o salão de beleza

é o ambiente de trabalho de muitas pessoas. Naturalmente, tive que lidar com uma grande

dificuldade de abordagem dos profissionais, uma vez que na maior parte do tempo estavam

absorvidos em suas atividades, atendendo um cliente atrás do outro.

Foi preciso muito tato para saber os momentos adequados para ensaiar uma

aproximação. O que também não garantia a continuidade do diálogo iniciado seja com

profissionais ou com clientes. Fazer trabalho de campo em salões de beleza é ter suas

conversas interrompidas a todo e qualquer momento.

Muitos são os limites que devem ser respeitados. Meu acesso não era livre a qualquer

lugar ou a qualquer pessoa em qualquer momento. Atenção e discrição eram predicados que

não me podiam falhar em nenhum momento. Existia uma preocupação muito grande de minha
30

presença não ser vista pelos gerentes ou donos dos salões como um elemento de distração dos

profissionais.

Porém, o salão não apenas é o local de trabalho de alguns. É também o lugar de

relaxamento e privacidade de muitos outros, no caso dos clientes. Quando pedia permissão

para realizar minha pesquisa e explicava a natureza de minha atividade aos responsáveis pelos

salões de beleza, uma das principais preocupações era a interferência que eu poderia vir a ter

com os clientes. Afinal, não era esperada durante a prestação de serviço em um salão de

beleza a presença de uma antropóloga os observando ou fazendo perguntas.

A fortuita presença dos clientes no salão, durando em média apenas uma hora

(guardadas as devidas exceções), obrigou as conversas informais a tomarem o caminho de

uma dinâmica mais ágil. Quando sentia, através da conversa, que uma cliente poderia

contribuir mais com a minha pesquisa, aí era feito o convite para um bate-papo mais

estruturado, em outro ambiente que não o salão de beleza. Bancos de ruas, cafés, restaurantes

e livrarias próximas aos salões foram alguns dos ambientes sugeridos por mim. Em nenhum

caso fui convidada a ir à residência dos entrevistados.

Foi nesse sentido que o emprego de entrevistas com clientes foi estratégico. Não

apenas para tentar compensar essa diferença em relação ao tempo de interação que pude ter

com os profissionais, como também para deixar os clientes à vontade para falarem sobre suas

relações com o universo dos salões de beleza sem se sentirem constrangidos pelo próprio

ambiente.

No total, foram realizadas 15 entrevistas, cada uma com duração aproximada de uma

hora e meia. Embora a prioridade tenha sido focar nos discursos dos freqüentadores dos salões

investigados, a pesquisa não se privou de estender-se a indivíduos que freqüentam outros

salões, assim como pessoas que não possuem o hábito de freqüentar este tipo de ambiente 13.

13
Para cada participante foi entregue uma ficha e pedido que preenchessem alguns dados, não apenas sociais,
mas relativos a seus atributos corporais. O objetivo foi não apenas tornar os participantes visuais para o leitor da
31

Também me preocupei em incluir as mais variadas parcelas da população em termos

de faixa de renda, grau de instrução, bairro de residência, idade, gênero e raça. O objetivo de

tal diversificação no perfil dos entrevistados foi tentar evitar predominância de certas

concepções e práticas e obter uma maior diversidade de fatos e concepções.

Sendo assim, ao eleger como informantes privilegiadas pessoas que freqüentam e

trabalham em salões de beleza, pude lidar com grupos sociais que se encontram em contato

direto e constante com práticas e vivências específicas e que podem ser considerados

importantes formuladores e reprodutores de valores e sentidos atribuídos à experiência dos

salões de beleza.

Ainda sobre a metodologia empregada, devo mencionar que o emprego de uma

caderneta de anotações para registrar as observações em campo foi fundamental. Consegui

encontrar para vender bloquinhos de anotação que cabiam na palma da minha mão, tal como

uma caneta do mesmo tamanho. Dessa forma eu conseguia deixar menos evidente meus

instrumentos de trabalho aos olhos dos freqüentadores dos salões.

Mas isso nem sempre funcionou. Em uma dada situação, uma manicure se sentou ao

meu lado, já sabendo de minhas atividades ali no salão, e espontaneamente me contou

diversas histórias. Em poucos minutos de conversa forneceu muitas informações novas e

valiosas para mim. Quando terminou e se afastou para retomar suas atividades, peguei

correndo minha caderneta de anotações para registrar o que tinha acabado de ouvir, com medo

que os relatos se perdessem em minha memória.

Enquanto escrevia concentrada, a manicure surgiu e sentou ao meu lado. Olhou para

meu caderninho, esticou o pescoço e começou a ler o que eu havia escrito. Pega de surpresa,

senti que não seria razoável, naquela situação em que me encontrava, evitar que a manicure

tivesse acesso às minhas anotações, especialmente porque o conteúdo dizia respeito ao que ela

tese a partir de suas próprias descrições, como também apreender o contraste entre aquilo que eles declaravam
sobre si e o que eu via em minha frente. Tais fichas encontram-se reproduzidas na íntegra, na seção de anexos.
32

havia acabado de me revelar. A saída que encontrei, para evitar que a leitura do caderno se

estendesse além do que deveria, foi pedir que me ajudasse a escrever uma sentença sobre os

assuntos comentados.

Eventualmente, haverá referência a outras fontes de informação, tais como revistas,

matérias jornalísticas, campanhas publicitárias, páginas de internet, embalagens de produtos

para beleza e apostilas de curso de cabeleireiro, entre outros.

Já na etapa final da pesquisa, durante o processo de escrita, senti necessidade de

retornar algumas vezes a campo. O objetivo era verificar e elucidar alguns pontos que

pareciam ainda não muito claros na análise dos dados. Considero tais momentos como tendo

sido de extrema riqueza para a pesquisa.

Apresentação dos capítulos

Em uma tentativa de organizar os temas que surgiram ao longo da pesquisa de forma

que fizessem sentido para o leitor, optei por estruturar esta tese em quatro capítulos.

Basicamente, seguem a seguinte ordem: começo por apresentar os salões de beleza

investigados, em seguida os sujeitos que constituem tais universos e, por fim, abro espaço

para a discussão sobre as duas características que destaco como constituintes principais de tal

universo, a saber: a sociabilidade e a perfectibilidade.

O primeiro capítulo - intitulado Os salões pesquisados - encontra-se dividido em duas

partes. Na primeira me dedico a descrever quatro momentos vivenciados ainda durante a

etapa exploratória. Foram visitas que se deram com certa freqüência a determinados salões em

diferentes lugares da cidade que, pela qualidade das experiências neles vivenciadas, seria um

equívoco omitir.
33

A principal motivação ao incluir relatos da etapa exploratória na narrativa foi trabalhar

o tema da imprevisibilidade. Ou seja, este aspecto constituinte da experiência em campo que

é, justamente, a possibilidade de encontrar o que não se está procurando (e que, muitas das

vezes, só descobrimos o quanto é importante quando escrevemos). Dessa forma, a primeira

parte do capítulo é dedicada ao processo, à experiência da pesquisa de campo - em suas

tensões, negociações ou surpresas - como uma condição para pensar.

Na segunda parte do capítulo apresento os três salões de beleza sobre os quais

concentrei a investigação. A intenção é apresentar um quadro de cada um dos salões a partir

de dados os mais variados. Neste sentido, objetos, decoração, divisão espacial, serviços

oferecidos, características da equipe de funcionários e dos freqüentadores, entre outros

elementos, ajudam a desenhar a estrutura mais geral de cada salão.

A partir de tal desenho, a proposta é analisar não apenas as diferenças, mas as

aproximações entre os três salões em questão. Compreender os dispositivos de apropriação de

tais espaços pelos diferentes sujeitos que se movem por meio desses cenários e os

ressignificam. Para tal, faz-se importante a contextualização de cada estabelecimento em

função da região em que se localizam. A rua, o bairro e a cidade se tornam, neste capítulo,

pontos de referência fundamentais para a análise.

Atores, carreiras e apropriações é o título que abre o segundo capítulo, dedicado aos

dois principais interlocutores de minha pesquisa: os profissionais dos salões e os clientes que

os freqüentam. A intenção aqui é pesquisar os indivíduos não como unidades autônomas, mas

em termos de suas relações. Investigar como os sujeitos localizam a si e aos outros dentro de

um mapa de interações específico, circunscrito ao universo dos salões de beleza.

Quando o foco são os profissionais da beleza, “ambigüidade” é a palavra-chave para

compreender o local a partir do qual se relacionam com os outros atores e situações.

Ambigüidade que passa pela extrema valorização ou desvalorização da profissão; pelas


34

expectativas geradas a partir de sua posição enquanto profissional, em contraste com seus

projetos e trajetórias pessoais que não se esgotam no salão; ou mesmo ambigüidade em torno

de sua sexualidade. Em poucas palavras, trata-se de um capítulo dedicado à complexidade dos

trânsitos e dos pertencimentos.

Quanto aos clientes dos salões, a questão principal é compreender quem são as pessoas

que freqüentam salões de beleza. A partir das formas de classificação praticadas pelos

próprios entrevistados, a análise é conduzida por variáveis como gênero, classe social, idade e

cor de pele, entre outras, para compreender como as pessoas descrevem a si mesmas e aos

outros quando o salão de beleza é colocado em perspectiva. O desafio é conseguir enxergar,

nessa complexidade classificatória que iguala em determinados planos e hierarquiza em

outros, os muros invisíveis que delimitam pertencimentos e não-pertencimentos.

O terceiro capítulo é dedicado à temática dos encontros. Sob o título Sociabilidade - a

vida nos salões, busca-se tanto na história do desenvolvimento da sociabilidade pública

moderna a partir da expansão dos grandes centros urbanos, como também nas formas de

associação particulares que se dão no ambiente dos salões de beleza na atualidade, elementos

para analisar a riqueza das formas com que os sujeitos são capazes de se apropriar dos

diferentes espaços para, em última instância, criar aquilo que talvez lhes seja o bem mais

valioso: relações.

O quarto e último capítulo da tese, O corpo no salão, tem por objetivo problematizar

os fenômenos que tomam espaço nos salões de beleza colocando em perspectiva a

corporalidade. Partindo da hipótese de que as técnicas corporais vêm representando um dos

principais artifícios de constituição de vínculos identitários e de socialidade, cabe enxergar os

corpos não como meros depositórios, mas como um conjunto de relações e ao mesmo tempo

ação, vivência, experiência, fundamentais para pensar muitas questões referentes à nossa

sociedade.
35

CAPÍTULO I - Os salões pesquisados


36

Sobre a etapa exploratória

Antes de apresentar os três salões com os quais trabalhei mais sistematicamente,

gostaria de dar voz a alguns outros: refiro-me aos salões de beleza que freqüentei até o

momento de me decidir por aqueles que melhor viriam a se encaixar nas definições por mim

estabelecidas inicialmente.

Abro tal espaço por dois motivos. Primeiro para situar o leitor em eventuais

referências ao longo da tese que possam vir a ser feitas sobre tais salões. O segundo motivo é

deixar registrado um pouco das experiências que vivenciei ao longo dessa etapa exploratória.

Desde o segundo ano do doutorado comecei a fazer incursões esporádicas aos mais

variados cantos da cidade em busca de salões de beleza para minha pesquisa. De certa forma,

cada salão que encontrei pelo caminho ajudou a construir esta tese. Foram situações tão ricas

e que me levaram ao encontro de personagens tão fascinantes, que seria equívoco de minha

parte omiti-las.

Seleciono então quatro momentos dessa etapa exploratória que considero válidos

apresentar. Trata-se de experiências marcantes, cujos aprendizados, de uma forma mais ou

menos explícita, estarão presentes nas reflexões desenvolvidas ao longo da tese.

Primeira parada: Central do Brasil

Era época de eleições para Governador no Rio de Janeiro. Um amigo fazia os filmes

para a campanha de um dos candidatos (posteriormente eleito). Na ocasião, este amigo havia
37

14
acabado de voltar de uma filmagem feita na Central do Brasil . Cansado e eufórico,

comentava sobre sua experiência. De todas suas percepções, um dos pontos de sua fala me

chamou atenção: disse-me que nunca havia visto tanta gente feia reunida.

Pedi que me explicasse melhor como era essa “gente feia” a qual se referia. Não

conseguiu explicar. Falou que só indo àquele lugar para entender. No dia seguinte acordei,
15
vesti-me de feia , peguei um ônibus e lá estava eu na Central do Brasil pela primeira vez.

Precisava ver de perto essas pessoas, entender os critérios de beleza que estavam sendo

colocados e compreender a associação da feiúra com aquele espaço da cidade em especial.

Ao chegar à estação me deparei com um imenso salão, espaçoso e iluminado. Ao

contrário de um lugar inóspito e perigoso, encontrei uma estação de trem limpa e organizada.

Para minha surpresa, ao invés de gente feia vi pessoas como outras quaisquer (de acordo com

minhas concepções de beleza e feiúra), aparentando serem de classe trabalhadora, preparando-

se para retornar às suas casas após um dia de trabalho. Foi então que a descrição de meu

amigo fez sentido, uma vez que o conceito de feio pode estar associado ao de pobre.

Comecei então a procura por um salão de beleza. Era quase impossível naquele espaço

tão estratégico não haver pelo menos um salão ou barbearia. Procurei no saguão principal e os

únicos estabelecimentos que encontrei foram lanchonetes, um supermercado e lojas de objetos

para o lar, além de stands de doces e bijuterias. Mas não desisti. Não acreditava na

possibilidade de não haver um salão de beleza naquele local.

Foi então que descobri um vão que levava ao subsolo da Central. Embora o local fosse

bastante movimentado, confesso que desci com um pouco de receio. Não sabia o que havia lá.

14
Trata-se da Estrada de Ferro Central do Brasil, principal pólo de ligação do Rio de Janeiro com a periferia do
Município, região metropolitana e outros estados do Brasil por meio de trens. O prédio-sede atual foi construído
entre 1936 e 1945, durante o período do governo de Getúlio Vargas. Possui uma torre de 135 metros de altura e
tem no seu topo o famoso relógio da Central do Brasil, que permite ver a hora a partir de alguns pontos da
cidade.
15
Cabelo preso em um rabo-de-cavalo, nenhum resquício de maquiagem, óculos de grau, brincos quase
imperceptíveis, uma t-shirt velha, calça jeans, tênis All Star e uma bolsa discreta, atravessada pela frente do
corpo. Meu andar era firme e apressado, como se tivesse um lugar a ir e um horário a cumprir, tal como a
maioria dos transeuntes ali pareciam ter. Não queria destoar do restante das pessoas.
38

Caminhando com certo medo e pouca esperança, prestes a dar a volta e encerrar minha

pequena aventura, avistei um guichê de atendimento da Prefeitura, uma papelaria, um brechó

e avançando mais à frente... um salão de beleza.

No letreiro de sua fachada estava escrito o seguinte nome: Patty’s Coiffeur. Parei por

um momento, sorri com a ironia da situação e fui caminhando em direção ao salão de beleza

que tinha meu apelido. Em meu íntimo, como uma boa antropóloga não deve ser, pensava que

aquilo era um sinal.

Reunidos em um espaço de aproximadamente 20m2, uma recepcionista, duas

manicures e dois cabeleireiros constituíam a equipe daquele pequeno salão. Entrei e perguntei
16
se havia a possibilidade de alguém fazer minhas unhas. Conduziram-me a Niely , uma

jovem negra, alta, bonita, com sorriso largo e um comprido aplique de tranças nos cabelos.

Sentei e comecei meu trabalho, enquanto Niely se preparava para o dela. Um serviço

de manicure, que era suposto durar 30 minutos se estendeu a uma hora e meia de pura

“conversa de salão” com Niely. Ao deixar o Patty’s Coiffeur, com os olhinhos brilhando de
17
felicidade, pensei comigo: encontrei minha Doc .

Niely é manicure desde quatorze anos de idade. Agora, com 22 anos, completava o

segundo grau. Conta que parou de estudar cedo porque começou a trabalhar em salão e ganhar

dinheiro, o que a fez se sentir desestimulada com a escola. Hoje Niely tem planos de fazer

faculdade e “trabalhar com alguma área relacionada com gente”, porque se considera uma

pessoa comunicativa.

Conta-me também sobre seu projeto de um dia abrir um estabelecimento que

concentre, em um único prédio, salão de beleza, restaurante com comidas light e academia de

16
Todos os nomes referentes a pessoas nesta tese são fictícios, com o intuito de preservar a identidade das
pessoas que contribuíram com a pesquisa.
17
Referência ao informante privilegiado de Willian Foote White em sua investigação de uma comunidade ítalo-
americana em Boston, nos Estados Unidos (1943).
39

ginástica. Cada um desses ambientes em um andar. Diz que ainda não o pode fazer porque lhe

falta “capital”.

Enquanto pinta minhas unhas Niely aborda os mais diversos temas a partir do relato de

sua experiência nos salões de beleza em que trabalhou. Traz assuntos sobre relações de

gênero, classe e raça, levanta questões e pensa respostas junto comigo. Ao final do

atendimento escreve, espontaneamente, o número de seu telefone residencial para que

continuemos a conversa à noite. Precisava atender outra cliente que havia chegado.

Aproximadamente um mês depois, retorno ao salão da Central do Brasil, sem hora

marcada. Niely estava com a cabeça abaixada, fazendo a unha de uma cliente. Não a

reconheci. Havia retirado o aplique. Quando me vê, uma das primeiras frases que fala é: -

“Viu que tirei o aplique? Estou me sentindo muito estranha”. Seus planos são colocar um

aplique ainda mais comprido, que alcance a altura da cintura. Revela que já tem parte dele em

casa. A outra parte diz que o “namorido” vai lhe dar de presente. O total do aplique custa R$

800,00, o que equivale ao salário de dois meses de trabalho como manicure no Patty’s

Coiffeur.

Niely confessa que achava que eu nunca mais apareceria por lá. Respondo que não se

livrará de mim tão cedo. Mais uma rodada de conversa se dá enquanto minhas unhas são

feitas. Antes de deixar o salão, dou uma gorjeta de R$ 5,00. Ela se despede e me chama de

sócia. Adorei ouvir aquilo. A partir daquele dia tínhamos uma sociedade fechada. Iríamos

ambas construir e desconstruir salões dali para frente.

Voltei posteriormente algumas vezes ao Patty’s Coiffeur para fazer minhas unhas e

conversar com Niely. Por conta da carga-horária nos cursos do doutorado precisei me afastar

do salão durante dois meses. Assim que tive a oportunidade logo retornei a campo. No

entanto, quando desci o vão que conduzia ao subsolo meu coração disparou.
40

O salão de beleza que eu tinha escolhido para fazer minha pesquisa havia fechado. Um

brechó ocupava seu lugar. Fiquei muito decepcionada. Inocentemente, não havia me dado

conta de que o campo que escolhi para estudar, tal como os mais diversos elementos que

compõem uma cidade, estão sujeitos a encerrar suas atividades, mudar de local ou

simplesmente desaparecer. De certa forma, subestimei o dinamismo próprio que caracteriza o

fenômeno urbano.

Procurei a dona do novo brechó e perguntei sobre o destino das funcionárias do

salão. Ela contou que Niely havia largado o emprego de manicure para concluir seus estudos

de segundo grau e que estava trabalhando em um posto de gasolina como frentista, em São

Gonçalo. Talvez por uma dificuldade pessoal de desassociar Niely do Patty’s Coiffeur, nunca

liguei para seu telefone na tentativa de retomar o contato.

Decepcionada com a perda, o sentimento era estar de volta ao ponto zero. Porém, ao

invés de desistir da Central do Brasil, coloquei em minha cabeça que deveria haver outro

salão na região. Tratava-se de um local de passagem, muito movimentado, ideal para um salão

de beleza. Procurei dentro da Central e em seus arredores. Pedi informações para algumas
18
pessoas, até que alguém comentou sobre um salão que havia dentro do Hotel Popular .

Começava então uma segunda fase de minha etapa exploratória.

18
O Hotel Popular foi inaugurado no prédio da Central do Brasil em 2002 pela então Secretária Estadual de
Ação Social, Rosinha Matheus. O objetivo do Hotel era oferecer pernoite a R$ 1,00 para trabalhadores que saem
tarde do serviço ou que, por falta de dinheiro, não têm como voltar para casa. De dia, o local é utilizado como
escola para formação de mão-de-obra no setor de hotelaria e estética, além de oferecer cursos de alfabetização de
adultos, idioma e informática, mediante parceira com a Fundação de Apoio a Escola Técnica (FAETEC-RJ).
Para uma discussão sobre esse espaço de assistência social na Central do Brasil, Cf. BORGES (2003).
41

O salão no Hotel Popular

Chegando ao Hotel Popular, levei um tempo até explicar e convencer os funcionários

da portaria a me deixarem subir para conhecer o salão de beleza. Geralmente o meu acesso a

salões nunca havia sido uma etapa complicada. Só mais tarde que fui compreender o porquê

de tal burocracia. Finalmente fui apresentada a um jovem funcionário que me conduziu por

entre os intermináveis corredores desocupados do Hotel. O fato de caminhar por muito tempo

dentro daquele prédio e não chegar ao salão de beleza, unido ao silêncio enigmático do rapaz

foram me gerando certa ansiedade.

Passamos por uma entrada que fornecia o primeiro indício da real existência do salão.

Em uma cartolina, com letras coloridas recortadas, havia escrito o seguinte nome: Oficina

popular de beleza Hebe Camargo 19. Tive a infeliz idéia, com a intenção de quebrar o gelo, de

perguntar ao rapaz se a Hebe havia ido lá para inaugurar o espaço. O rapaz não entendeu, ou

fingiu não entender, a brincadeira em minha pergunta. Achei melhor continuar calada durante

o curto caminho que nos restava.

Finalmente cheguei aonde queria. Mas para minha surpresa encontrei algo que não

esperava. Descobri que, na verdade, tratava-se de um salão-escola. Em um imenso salão do

Hotel os alunos uniformizados com calça preta e blusa branca se espalhavam por entre as
20
diversas cirandinhas, cadeiras e lavatórios e colocavam em prática as técnicas de

embelezamento recém aprendidas.

O salão-escola da Central funciona da seguinte maneira: os alunos aprendem o ofício

de cabeleireiro, manicure, maquiadora ou depiladora e as aulas práticas são desenvolvidas

como serviço gratuito à população. Trata-se, literalmente, de um salão popular. O curso

19
Hebe Camargo é uma famosa apresentadora de TV brasileira. Faz sucesso desde a década de 40, tendo
iniciado sua carreira em programas de rádio.
20
Alguns termos referentes a instrumentos, mobiliários ou técnicas próprias de salões de beleza encontram-se no
glossário ao final da tese.
42

também é gratuito e fornece, ao final de aproximadamente quatro meses, um certificado

técnico emitido pela FAETEC aos alunos.

Quanto aos “modelos” - como eram chamadas as pessoas que procuravam os serviços

de beleza do salão-escola -, bastava pegar uma senha na portaria e ter coragem para entregar

seus corpos aos cuidados de principiantes. Boa parte era proveniente do Morro da Providência
21
, localizado logo atrás do Hotel Popular. Sobre a origem dos outros freqüentadores, Caxias,

Bangu e São Gonçalo são algumas das regiões que consegui descobrir.

Conheci a coordenadora do projeto, obtive autorização da FAETEC mediante

apresentação de uma carta timbrada da instituição de ensino a qual eu estava vinculada e,

durante algumas semanas, participei do dia-a-dia do salão-escola. Observava as atividades,

servia como modelo para os alunos de maquiagem e conversava muito.

O acesso à beleza enquanto um benefício proporcionado pelo Estado parecia um tema

sedutor. Mas meu interesse estava voltado para os formatos de salão comerciais, mais

comumente encontrados em qualquer esquina da cidade.

Com o passar do tempo comecei a me sentir pouco confortável com a forma com a

qual eu estava sendo envolvida por aquela situação: um misto de informalidade e formalidade

em sua forma mais burocrática – a governamental. Por mais que a minha presença para fazer

trabalho de campo tenha sido aceita, algumas situações cotidianas começaram a me mostrar

que algum tipo de troca, além do que eu imaginava, deveria ser estabelecido.

O primeiro sinal foi o fato de a coordenadora do curso ter colocado, de forma

simpática porém manipuladora, como condição para minha pesquisa que eu fizesse um

discurso na festa de formatura dos alunos. Meu título de doutoranda de Antropologia Social

da UFRJ era negociado em termos de atribuir uma legitimidade simbólica ao diploma daquele

curso. Concordei com a proposta. A troca parecia justa.

21
O Morro da Providência foi uma das primeiras favelas a se desenvolver na cidade do Rio de Janeiro, em 1897.
43

A segunda “sugestão” foi que eu participasse de um evento a ser feito em uma

comunidade pobre no Rio de Janeiro. Os alunos prestariam seus serviços de beleza a

moradores da comunidade, numa espécie de mutirão da beleza. Ao perguntar detalhes sobre o

evento, senti seu planejamento pouco estruturado. Não havia um lugar ainda definido às

vésperas do evento, não havia apoio do Governo para legitimar tal ação e, quando soube que a

comunidade onde se realizaria o mutirão era um lugar com um histórico de violência

complicado, fiquei com receio e no dia do evento decidi não ir.

Minha ausência foi cobrada pela coordenadora de uma forma que eu não esperava.

Comecei a me sentir pressionada a situações que iam além do que julgava razoável me

envolver. Depois fiquei sabendo que o evento teve que ser encerrado por problemas com

traficantes da comunidade. Estes episódios, aliados a outros tipos de circunstâncias em que

me eram reveladas informações comprometedoras que não interessava saber, fizeram me

sentir de tal forma exposta que decidi descontinuar minha pesquisa naquele salão-escola.

O fiz sem aviso prévio. Simplesmente no dia seguinte deixei de ir. Por um lado me

senti aliviada. Por outro carrego até hoje certa culpa por ter partido sem agradecer às pessoas

que me receberam, dispostas a ajudar minha pesquisa e conversar comigo. Mas não estava

confortável com a rede de obrigações que se estabeleceu. É claro que em todo tipo de relação

existem trocas. Não é a primeira vez que as experimento em campo. Mas aquelas que me

estavam sendo colocadas não pareciam saudáveis para o tipo de pesquisa a que me propunha.

Terminei meu último dia de campo na Central do Brasil e me vi em uma cena irônica.

Andando no meio do gigantesco saguão da Central, voltava para casa no sentido contrário ao

daquela massa de transeuntes trabalhadores que também terminavam sua jornada de trabalho.

Embora meu caminho fosse muito mais curto para chegar ao meu destino final, em

comparação ao longo caminho de ferro a ser trilhado por todas aquelas pessoas, sentia o quão

longe eu ainda estava de descobrir um salão “popular” para realizar minha pesquisa.
44

Primeiras incursões a salões em Copacabana

Do salão “popular” ao salão “classe média”, o caminho escolhido foi procurar este

último pelas ruas de Copacabana. Certa vez uma amiga perguntou o que eu fazia em minha

etapa exploratória. Enquanto explicava, fui questionada: – “Mas como você faz?

Simplesmente chega e começa a andar?” A resposta foi muito simples: – “Sim”.

Descendo a Nossa Senhora de Copacabana, principal avenida do bairro e a mais

movimentada, especialmente pela forte presença de comércio, comecei a procurar salões de

beleza. No coração de Copacabana, em pleno corredor de consumo, eu certamente haveria de

encontrar um. Mas não encontrei apenas um; encontrei vários.

Envidraçados, disputando espaço nas calçadas lado a lado com lojas de marcas

famosas, ou mais discretos, dentro de galerias, as opções eram muitas. Eu entrava nos salões,

dirigia-me à recepção e, sob a desculpa de perguntar o valor do serviço de manicure,

aproveitava para dar uma olhada no ambiente. Agradecia e ia embora quando sentia que

estava muito vazio 22 ou que aquele não era o perfil de salão que procurava.

Entrei em uma galeria que conduz a uma conhecida loja de eletroeletrônicos. Não

encontrei nenhum salão no andar térreo. Decidi subir as escadas. Foi então que me deparei

com letreiros de dois salões. Seguindo minha orientação ocidentalmente destra, primeiro me

conduzi ao salão do canto direito. Escuro, quase sem iluminação natural, com paredes

revestidas de madeira, não havia um único cliente em plena tarde de quarta-feira. Apenas

olhei pela vitrine e segui em direção ao outro estabelecimento.

22
Um salão vazio nem sempre é uma escolha produtiva quando se trata de fazer trabalho de campo,
especialmente por tornar a observação de clientes um ato menos freqüente. Não que um salão com pouco
movimento não possa se revelar um local etnograficamente rico. Pode, inclusive, ser muito interessante para
trabalhos que privilegiem a análise da dinâmica e interação dos profissionais que ali trabalham. Porém, depois de
ter passado pela experiência na Central do Brasil, em que o salão escolhido teve que fechar suas portas,
escolhendo um salão mais movimentado acredito correr menos risco de que um dia o mesmo venha a falir pela
pouca rentabilidade, comprometendo a continuidade da minha pesquisa. Além do mais, mesmo o salão mais
movimentado possui seus dias da semana ou horários especiais em que o movimento reduz, o que me oferece a
oportunidade de trabalhar a relação dos profissionais nesses momentos.
45

O segundo salão era amplo e bem iluminado. Toda sua fachada de janelas de vidro se

voltava para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Era um ambiente simples, com

equipamentos antigos e havia um certo aspecto de desorganização, talvez pela ausência de

decoração planejada. O salão estava relativamente movimentado, com aproximadamente oito

mulheres sendo atendidas, a maior parte fazendo uso de serviços para cabelos.

Sentei-me e, enquanto aguardava ser atendida, prestei atenção na conversa de um

cabeleireiro com sua cliente. Assisti a um exemplar momento de negociação de preferências

estéticas, em que a cliente tentava, em vão, convencer o profissional a fazer uso de um tom de

vermelho mais escuro. A cliente perdeu. O argumento do cabeleireiro foi mais forte: um

vermelho mais escuro na raiz do cabelo não combinaria com o tom de vermelho do resto do

cabelo.

Minha atenção foi interrompida pela chegada de Eunice, a manicure que iria me

atender. Era uma senhora negra, cabelos bem curtos, óculos de grau e uma esperteza que se

revelava à primeira troca de olhares, confirmada pela primeira troca de palavras. Quando

Eunice começou seu trabalho, dei início ao meu.

Fui puxando assunto, sempre tendo o salão como tema. Sabia que meu tempo de

exploração não passaria do tempo de um serviço de manicure, então tinha que ser o mais

rápida possível para conseguir informações de forma a não assustar a manicure com minhas

perguntas.

Queria saber quem era o tipo de público que freqüentava aquele salão, os dias em que

havia mais movimento, um pouco da história do salão, como a Eunice havia começado a ser

manicure, suas impressões sobre o que as mulheres procuravam no salão, tudo em vão:

Eunice apenas me dava respostas curtas. Às vezes parava seu serviço, levantava a cabeça,

olhava para mim em um momento de pausa e só então dava a resposta. Evasiva, sempre.
46

Comecei a me sentir mal. Não consegui ganhar a simpatia de Eunice com a facilidade

com a qual costumava ganhar as manicures com quem havia conversado até então. Resolvi

abrir o que eu estava fazendo ali. Expliquei que estudava salões de beleza, não em termos

comerciais, mas para a universidade. Que eu tinha que descobrir um salão em Copacabana em

que eu pudesse encontrar diversos perfis de clientes em um mesmo lugar para fazer a

pesquisa, mas estava tendo dificuldades, porque não conhecia os salões do bairro e precisava

de alguma indicação. Ganhei Eunice.

Em poucos minutos, a desconfiança da manicure se transformou em solidariedade.

Eunice mobilizou os outros profissionais que estavam à nossa volta para pensar junto com ela

em salões que pudesse me indicar. Disse que o salão em que ela trabalhava era mais

“sofisticado”, mas seu eu quisesse realmente ver “mistura”, deveria ir à Galeria Ritz, ali perto.

Disse que em salão de rua entra muito mais gente diferente do que em salão de galeria, cujo

público costuma ser mais homogêneo. Mas que eu não iria encontrar “rico” e “pobre” em um

mesmo ambiente não.

Minha unha já havia sido terminada. Eunice levanta, pisca para mim (em um código

de cumplicidade) e quando vejo já tem três pessoas envolvidas no assunto sobre salão para me

indicar. Peço um café e um pouco de sal. Fazer trabalho de campo no Rio de Janeiro em pleno

verão às vezes faz cair a pressão.

Ainda lenta na cadeira, esperando a pressão voltar ao normal, a cliente cuja conversa

com o cabeleireiro eu estava acompanhando no início pergunta meu nome e se senta ao meu

lado para conversar sobre os motivos pelos quais ela gostava tanto daquele salão: – “O

atendimento, as pessoas, o olhar nos olhos e o sorriso sincero. Ser bem atendida”. Eunice já

havia me adiantado que Vera era um exemplo de cliente que toda semana está no salão.

Vera era uma mulher de aproximadamente 55 anos. Uma figura um tanto exótica.

Tinha os cabelos pintados de vários tons entre o loiro e o vermelho, o que dava a impressão de
47

algumas mechas serem rosa-claro. No lugar de suas sobrancelhas, havia uma tatuagem,

comum em casos de sobrancelhas ralas ou que não mais possuem pêlos. Era uma mulher alta,

com ancas largas. Usava uma camisa muito colorida, calça jeans e anéis dourados. Pelos

detalhes que ia revelando sobre sua vida pessoal, parece que era mulher de militar e mãe de,

pelo menos, um filho.

Quando me dei conta, havia perdido Eunice de vista e Vera dominava a minha

atenção. Com a pressão ainda baixa e Vera sentada ao meu lado falando muito próxima de

mim, em uma distância em que nossos rostos quase se encostavam, comecei a ficar irritada.

Estava ansiosa para ir à Galeria Ritz e Vera não parava de falar sobre sua vida pessoal. Senti-

me presa à armadilha de uma “caçadora” de assunto e atenção. Perfil que se acredita ser

comumente encontrado em salões de beleza.

Dei a desculpa de que precisava ir antes que anoitecesse e me levantei para pagar.

Despedi-me de todos agradecendo e dizendo que voltaria lá. Chamei Vera pelo próprio nome,

embora tivesse acabado de conhecer aquela pessoa. Senti-me muito estranha com tamanha

intimidade, especialmente por saber histórias da vida pessoal dela. Depois de pagar, separei

aproximadamente 20% do valor do serviço de manicure para dar à Eunice como gorjeta.

Encontrei-a do lado de fora do salão, sentada acabando de fumar seu cigarro.

Agradeci a indicação de salão, as lindas unhas que havia feito em mim e falei que

voltaria outras vezes para fazer os pés. Mostrei o cartão que peguei com o número de telefone

do salão e Eunice perguntou se eu não queria anotar o telefone da casa dela, caso precisasse

de mais ajuda. Achei curioso isso, pois no salão da Central do Brasil, na primeira vez em que

fui, a manicure ao final também me fez escrever os números de telefone pessoais dela, após

eu ter revelado que se tratava de um estudo.

Guardo na lembrança diversas outras situações de iniciativas para ajudar minha

pesquisa. Cito não apenas a boa-vontade das pessoas em me fornecer informações e pensar
48

junto comigo, como também casos de profissionais dos salões que se disponibilizaram a

contar sobre suas trajetórias ou aguardavam minha chegada para relatarem acontecimentos

ocorridos em minha ausência que poderiam ajudar na elaboração da minha tese 23.

As próprias clientes também tiveram semelhante iniciativa. Era só falar que estudava

salão de beleza que as mulheres no salão se animavam: começavam a dar espontaneamente

suas impressões sobre tal universo e contar casos ocorridos com elas ou com pessoas

conhecidas. Após perceber o quanto abria portas o simples fato de mencionar meu tema de

estudo, confesso que muitas vezes fiz uso desse recurso para entrar com maior rapidez e

objetividade em situações de interação dentro dos salões.

O que me surpreendeu foi como as pessoas se dispuseram a ajudar uma pesquisadora

que mal conheciam. Pergunto-me se isso se dá por algum tipo de solidariedade feminina, pelo

assunto despertar a curiosidade daquelas pessoas ou por se sentirem valorizadas, no caso dos

profissionais da beleza, uma vez que suas atividades e meio profissionais não costumam ser

objeto de interesse acadêmico 24.

Apesar de tantas situações de solidariedade que tive a oportunidade de vivenciar, não

podia esquecer que aquilo também se tratava de uma relação de troca. Reproduzo uma fala

ilustrativa de uma manicure de um dos salões em que fiz campo: – “Podemos fazer uma troca.

Você vem aqui toda semana, eu te conto tudo que precisa e você faz a unha comigo”.

23
Uma manicure, em especial, chamou minha atenção. Após explicar que era antropóloga e o tipo de trabalho
que eu fazia em salões de beleza, no encontro seguinte ela me procurou, disse que refletiu sobre meu trabalho e
que um dia eu deveria estudar as situações que se passam em ônibus coletivos. Peço que ela me explique por que
deveria estudar isso e fico contente em perceber o quanto ela era perspicaz em suas observações. Sugiro que ela
mesma um dia estude tais relações. Ela ri e diz: - Quem sabe um dia?
24
Sobre esta questão, Beaud e Weber (1997: 68) sugerem que o termo estudante tranqüiliza, pois muitos são os
pesquisados que já foram ou conhecem estudantes. Por estarem em situação de aprendizagem, os estudantes não
representam ameaça social.
49

Outra face de Copacabana: a Galeria Ritz

Como sugerido pela manicure Eunice, segui em busca dos salões “misturados” da

Galeria Ritz. Nunca havia ouvido falar daquele lugar, não sabia o que me esperava. Sem o

endereço certo, tinha apenas indicações. Caminhando pela Avenida Nossa Senhora de

Copacabana ainda perdida, fui abordada por um rapaz na porta de uma galeria, que me

entregou um folheto de um salão de beleza. Passei os olhos pelo papel e percebi que

finalmente havia encontrado a galeria que procurava.

Entrei caminhando com bastante calma. Queria observar tudo. Era uma galeria quase

exclusivamente composta por salões de beleza. Um relojoeiro, uma costureira e uma pequena

loja de produtos para salão eram as exceções. Os estabelecimentos eram todos muito simples

e pareciam atender um segmento bem popular. A galeria, propriamente, não era um local

muito convidativo. Goteiras, fiação exposta e pouca iluminação davam ao lugar um aspecto

de sujo e mal conservado.

O rapaz que havia entregado o folheto na porta, quando percebeu que entrei na galeria

foi atrás de mim. Sua abordagem foi bastante insistente. Fez de tudo para que eu entrasse em

seu salão e não nos da concorrência. Para me livrar da situação disse que não procurava por

salão e entrei em um dos corredores auxiliares.

No fundo da galeria um pequeno salão com decoração kitsch chamou minha atenção.

Flores de plástico dividiam espaço com inúmeros bibelôs e objetos de decoração, em um

ambiente iluminado por lâmpadas frias e colorido por paredes com tons chamativos. Objetos e

pessoas pareciam empilhados uns sobre os outros, era muita informação visual.

Parei na frente de sua porta de vidro e me surpreendi não apenas com a habilidade de

acomodar em pouco mais de 15m2 uma considerável quantidade de mulheres, uma gaiola com

um casal de periquitos e mais dois gatos persa lindamente peludos, que se enroscavam nos pés
50

das clientes e viravam de barriga para cima em busca de chamego. Todos pareciam conviver

harmonicamente em um mesmo ambiente fechado com ar-condicionado.

Como havia acabado de fazer as unhas no outro salão de Copacabana, contive-me em

ficar sentada ao lado de outras clientes nas cadeiras de espera que havia do lado de fora. Não

conseguia tirar os olhos daquele lugar. Logo percebi que a dona do salão se tratava de uma

travesti. Diferente das manicures, estava sem uniforme e era a única que desempenhava a

atividade de cabeleireira. Reparei um rapaz novo, também sem uniforme, que parecia atuar

como assistente da cabeleireira. Não demorou para descobrir que se tratava do namorado da

dona do salão.

Precisava voltar àquele lugar em uma nova oportunidade para conseguir entrar no

concorrido pequeno espaço. Na semana seguinte voltei à Galeria Ritz. Coincidentemente, a

dona do salão - Katarina - e seu assistente estavam na porta fumando cigarros. A situação era

perfeita para dar início a uma conversação.

Não demorou muito para chegarmos à conversa sobre o tipo de clientes que

freqüentam aquele salão. Katarina diz que “dá de tudo. Maluco, gente fina com grana,

empregada, puta, safado, gente sem vergonha...”. Mas que não deixa homem “feio” entrar. Só

permite a entrada de “coroas” ou “bem apessoados”, numa tentativa de afastar do salão

homens que possam vir a causar algum tipo de confusão. Embora isso não garanta que

mulheres gerem problemas.

Katarina conta a história de uma senhora de idade bastante avançada que já havia ido

ao salão algumas vezes. Um dia tal senhora fez uso de diversos serviços no estabelecimento

(cabelo, unha etc.), totalizando o total de R$ 90,00. Falou que ia almoçar e na volta traria o

dinheiro. Nunca mais apareceu. Katarina se exalta quando conta a história.

Diz que um tempo depois encontrou a tal senhora em Copacabana e a abordou para

perguntar quando iria pagar a conta que devia ao salão. Percebendo que a cliente não iria
51

saldar sua dívida, Katarina conta que fez um escândalo na rua. Xingou a senhora de “velha

sem-vergonha” e “pilantra”. Terminou o relato dizendo para mim: – “Viu, sem-vergonhice

não tem idade!”

Quando pergunto sobre sua trajetória, como começou a trabalhar com beleza, Katarina

prontamente responde que nasceu com o “dom”: – “Cada um tem a sua estrela. A minha é

essa”. Katarina espontaneamente começa a fornecer informações sobre sua condição

econômica. Diz que se quisesse poderia viver de renda e que entre os imóveis que tem, um
25
deles é um apartamento na Avenida Atlântica . – “Número 1.111, apartamento 302”, diz

Katarina em tom de confirmação, antes que alguém se atreva a duvidar.

No meio de nossa conversa, somos interrompidas pela chegada de uma moça que, sem

mesmo se apresentar ou dar bom-dia, tira de uma sacola de plástico um anel e mostra para

Katarina, que o elogia. A mulher fala: – “Katarina, comprei e vim te mostrar porque você tem

bom gosto” e vai embora sem se despedir. Katarina olha para mim e fala: – “Essa é uma das

clientes malucas que te falei”.

Katarina volta para dentro do salão enquanto continuo aguardando do lado de fora

para ser atendida. Converso com duas clientes que passavam pela rua e foram convidadas pelo

namorado de Katarina na porta da galeria a conhecer o salão. Uma delas era da Paraíba e

estava de férias no Rio. Diz que achava que o preço do serviço de manicure no Rio seria

muito mais caro. Para sua surpresa, não diferenciava muito daqueles praticados em sua

cidade.

Sentada à minha esquerda, uma estudante que mora ali por perto puxa assunto comigo.

Diz que foi fazer unha porque era véspera de feriado e estava com preguiça de fazer sozinha,

porque leva a tarde toda para conseguir fazer suas próprias unhas dos pés e das mãos. Em

25
Ponto imobiliário nobre da cidade, localizado na orla de Copacabana.
52

pouco menos de dez minutos de conversa me conta como estava cansada porque havia ido ao

Centro da cidade atrás de uma camiseta de São Jorge que havia gostado.
26
Fico sabendo que é adepta da “curimba” , que estava de ressaca porque havia

“bebido todas na noite anterior”, pede minha opinião sobre a cor de esmalte que deve pintar as

unhas e interrompe nossa conversa para fazer um comentário a respeito de dois homens fortes

e bonitos que passam pelo corredor. Era muita informação ao mesmo tempo. A impressão é

que aquele salão prometia boas observações.

Katarina volta para fora do estabelecimento enquanto aguarda a tintura fazer efeito

sobre o cabelo de uma das clientes. Continua a conversa comigo do ponto em que havia

parado. Diz: – “Tem horas que o ambiente está leve. Tem horas que está pesado. Eu sinto, sou

kardecista”.

Finalmente sou chamada para fazer as unhas. Sento entre as clientes enfileiradas umas

ao lado das outras, com nenhum espaço entre as cadeiras. Se alguém começa uma conversa

em tom alto no salão, não há como se manter alheio. Uma senhora de idade começa a puxar

assunto comigo. Fala sobre sua sobrinha, que está a apenas uma cadeira de distância de mim.

Comenta que a sobrinha era bonita, mas casou e engordou muito. Fico muito sem

graça, porque sei que a sobrinha, embora finja que não, escuta nossa conversa, tal como o

salão inteiro. Desvio o olhar assim que posso para tentar cortar o assunto. O mesmo faz a

manicure, que abaixa ainda mais a cabeça enquanto pinta as unhas da senhora.

Ao terminar as unhas, vou até Katarina, pago meu serviço e pergunto se posso voltar

para conversarmos mais. A essa altura já havia dito que era antropóloga, que estudava salões e

que tinha me interessado pelo seu. Katarina me diz que seria muito complicado, porque o

salão é muito cheio. O recado já havia sido dado, mas insisto um pouco mais, em vão.

Katarina não permite que meu trabalho de campo se realize ali. Acato sua decisão por

26
Termo que se usa para definir “macumba”, na própria explicação da cliente.
53

concordar que, embora aquele ambiente pudesse render boas observações, seu espaço físico

era um impedimento concreto (embora tal negação também pudesse estar ligada a inúmeros

outros motivos não revelados). É triste se interessar por um lugar e não poder estudá-lo.

Palavras finais sobre a etapa exploratória

Olhando para trás, considero a etapa exploratória especialmente produtiva em termos

de organização de idéias e de algumas definições importantes. Avalio-a como uma valiosa

oportunidade que tive para explorar potenciais campos de estudo. Fiquei contente por ter ido a

salões que me chamavam atenção há algum um tempo, além de ter me sentido à vontade para

poder explorar outros bairros ou certos cantos da cidade que sempre me despertaram

curiosidade.

O contato com as pessoas com as quais interagi, as conversas informais, as visitas aos

mais variados tipos de salões, as experiências empíricas enquanto mulher, participando dos

rituais de embelezamento e me colocando também como objeto de análise, enfim, cada parte

dessa etapa exploratória serviu para dimensionar melhor o meu campo de estudo e levantar

dados importantes a serem explorados com maior atenção no decorrer de minhas posteriores

investigações.

Foi um processo que, por ter sido realizado de forma pouco ansiosa e sem uma

estruturação prévia ou rígida, permitiu-me descobrir pessoas e lugares que talvez não tivesse a

oportunidade de conhecer. Senti-me mais segura para tomar aqueles que viriam a ser meus

próximos passos.

A partir de agora apresento então os três salões em que desenvolvi minha pesquisa

etnográfica de forma mais sistemática. Para cada um deles conto um pouco da história do
54

bairro em que se localizam 27, seguida de uma breve exposição de como se dá a estruturação

geral de cada um dos três salões.

Ipanema: o bairro e o salão de beleza de “elite”

Seguindo a faixa costeira que vai da ponta do Arpoador até os limites do canal que liga a

Lagoa Rodrigo de Freitas ao mar, atravessando o parque conhecido por Jardim de Alah,

Ipanema 28 é um bairro cercado por águas, ao norte pela referida Lagoa e ao sul por uma praia

oceânica 29.

Até o final do século XIX o bairro não passava de uma estreita faixa de terra arenosa

fronteiriça a Copacabana. Sua ocupação urbana só se viabiliza com a abertura do Túnel Velho, em

1892. Por volta de 1910, já existem mais de 100 residências construídas, impulsionadas pela

inauguração da iluminação elétrica do bairro e a chegada do bonde.

Um dos fatores que estimulam o adensamento mais efetivo de Ipanema é a reforma de

Pereira Passos, que implementa uma transformação urbanística na cidade, impondo novos

conceitos para o uso do espaço urbano, no início do século XX. Os bairros das zonas Norte e

Sul começam então a se consolidar seguindo um processo de estratificação social que

praticamente separa a cidade em classes.

A camada economicamente menos favorecida da população, obrigada a se retirar das

áreas mais valorizadas do Centro – pressionada por ações como a demolição dos cortiços,

27
A respeito dos dados históricos dos bairros, foi tomado como referência o estudo do Instituto Pereira Passos,
Nota Técnica n º 12. Quanto a uma literatura antropológica sobre bairros, Cf . VELHO (1973), ABREU (1987),
COSTA (1999) e CORDEIRO (1997).
28
Ipanema significa em Tupi água imprestável, ruim, sem peixes.
29
Ver em anexo Figura I – Vista aérea do bairro de Ipanema.
55

iniciada ainda em 1893 - começa a ocupação dos subúrbios em direção à Zona Norte,

ampliando a malha urbana ao longo dos trilhos das ferrovias.

Enquanto isso, a população mais abastada toma a direção salubre e arejada da Zona Sul,

agora já aterrada e saneada, inicialmente em áreas não muito distantes do Centro. O grande areal

desabitado de 1919 passa a dispor de acesso através de uma moderna e ampla avenida, iluminada

e pavimentada - Avenida Vieira Souto - tendo início então a ocupação mais intensa do bairro,

especialmente dos terrenos da orla. Ipanema surge como decorrência do sucesso de Copacabana.

Nas décadas de 1940 e 1950 os bairros já estão consideravelmente urbanizados, com

grande número de casas edificadas. Com sua superfície ocupada, tem início na década de

1960 o processo de verticalização, que atinge o auge em meados dos anos 1970. A explosão

demográfica e os problemas decorrentes do intenso adensamento ocorrido em Copacabana

acabam levando a uma crescente valorização dos bairros de Ipanema e do Leblon.

Nos anos 60, a bossa nova e o sucesso internacional da canção Garota de Ipanema

trazem para o bairro notoriedade mundial. Ipanema é enaltecida simultaneamente como praia

freqüentada pela juventude dourada e como reduto boêmio de intelectuais, poetas e artistas,

passando a competir pelo título de praia mais famosa do mundo com Copacabana.

Hoje o bairro residencial ainda sustenta sua fama pelos atrativos naturais e se destaca

pela vocação para o comércio sofisticado, a gastronomia e a vida noturna. Não por menos se trata

de um dos IPTUs (Imposto Predial e Territorial Urbano) mais caros do Brasil. É nesse cenário que

encontramos localizado o primeiro salão investigado para esta tese, que me limito a chamar de “o

salão de beleza de Ipanema”.

Em uma reservada e arborizada rua residencial, localizado em um dos pontos mais nobres

de Ipanema, um muro alto protege dos olhares mais indiscretos uma bonita casa onde funciona,

há nove anos, um dos mais sofisticados salões de beleza do Rio de Janeiro. Não há letreiros,

luminosos ou qualquer sinalização chamativa que identifique à distância que se trata de um

salão. Uma única e discreta logomarca na porta de entrada apenas revela o nome do
56

estabelecimento que, por sua vez, não faz referência a palavras que costumam ser usadas para

identificar tal tipo de atividade 30.

Os diversos carros de luxo estacionados em frente à casa (ou irregularmente pelas

calçadas) além da presença de manobristas e seguranças vestidos de terno não apenas

despertam a curiosidade como também se colocam como elementos inibidores para certas

pessoas. A alta e larga porta de madeira que dá acesso ao salão, sempre entreaberta, colabora

de forma significativa para o afastamento de qualquer presença indevida que não corresponda

ao perfil de usuários daquele espaço.

Após ultrapassar esta primeira barreira simbólica, a entrada de qualquer pessoa no

salão não se dá de forma despercebida. Os clientes costumam ser imediatamente recebidos

por uma das recepcionistas ou profissionais, sempre atentos a qualquer nova presença que se

perceba no ambiente. A atenção, os sorrisos e os bons tratos começam no exato momento em

que se atravessa tal porta.

A casa onde funciona o salão é espaçosa, bem decorada e com muita iluminação

natural, o que torna o ambiente extremamente agradável. É possível perceber a atenção

despendida aos mais sutis detalhes: desde os pequenos aparelhos elétricos que destilam um

suave perfume que se propaga pelo salão, até a trilha sonora desenvolvida especialmente para

o estabelecimento.

As cores predominantes são o verde-claro e o branco. Orquídeas enfeitam balcões e

aparadores. Uma pequena fonte e cristais na entrada sugerem uma decoração voltada para

elementos que remetam a equilíbrio. O jardim da entrada se liga à recepção por meio de uma

parede de vidro que integra ambos os ambientes. Ali se encontram o balcão de atendimento,

com recepcionistas em trajes sociais de cor preta, móveis expositores envidraçados com os

30
“Salão de beleza” e “cabeleireiro”, além dos termos estrangeiros “coiffeur” e “hair salon” são os termos
usualmente mais utilizados na composição de nomes para salões de beleza no Rio de Janeiro.
57

produtos de beleza à venda, além de uma mesa com computador e acesso à internet disponível

aos clientes.

Existem vários ambientes na casa pelos quais o cliente pode circular. No salão

principal se concentram as atividades de cabeleireiro. Nos fundos da casa, do lado de fora,

existe uma sala envidraçada reservada para coloração de cabelos. Ainda no exterior, encontra-

se um jardim de inverno com espelho, cadeiras, mesas e espreguiçadeiras em que os clientes

podem relaxar, tomar um café ou mesmo optar por fazer um serviço de beleza ao ar livre 31.

Há, ainda, uma pequena copa no formato de cozinha americana, onde são preparadas

bebidas variadas (de chá a prosecco), sanduíches e pequenas refeições. Garçons se encontram

à disposição dos clientes. No andar de cima se concentram as salas reservadas para serviços

de estética corporal e maquiagem. Os banheiros são um espetáculo à parte. Espaçosos, neles é

possível encontrar desde cadeira de descanso até um box para ducha. São neles que as clientes

trocam de roupa, penduram seus casacos ou blusas nos cabides e vestem roupões

impecavelmente limpos que lá se encontram.

Próximas às confortáveis poltronas de camurça espalhadas pelo salão principal se

encontram disponíveis revistas nacionais e internacionais, especialmente as de moda, além de

jornais. Não existe acesso a emissoras de rádio ou canais de TV. A única televisão existente

exibe somente filmes promocionais dos produtos de beleza comercializados no salão. É um

veículo de merchandising, exclusivamente.

Contudo, o espaço de 180m2 da casa parece não ser suficiente para abrigar todas as

atividades. Descubro uma outra casa, do outro lado da rua, onde funciona uma clínica de

medicina estética, cuja parte é alugada pelo salão de Ipanema. Lá funcionam o escritório

administrativo da dona do salão, a cozinha e o vestuário dos funcionários, além da lavanderia

que cuida da higiene das diversas toalhas e roupões utilizados nas atividades cotidianas do

31
Ver figura IV - Planta baixa salão de beleza de Ipanema, em anexo.
58

salão. Até mesmo as escovas de cabelo são esterilizadas. Vale destacar que quase todos os

materiais utilizados no salão de beleza de Ipanema são descartáveis. A assepsia e higiene se

revelam parte importante da apresentação do salão.

No que se refere ao corpo de colaboradores, trata-se de uma equipe extensa: são 50

funcionários, aproximadamente. A maioria trabalha com uniformes brancos, com a logomarca de

uma multinacional de cosméticos bordada na manga da blusa. Os poucos que não trabalham com

uniforme são os cabeleireiros de maior prestígio. Porém, a orientação é que todos façam uso de

roupas brancas, exclusivamente 32.

Algo que me chamou bastante atenção é o uso que os funcionários fazem de acessórios.

Sapatos, relógios e bijuterias se transformam em elementos de diferenciação extremamente

valorizados. Se por um lado a obrigatoriedade de roupa branca uniformiza todos os funcionários,

por outro, são os pequenos detalhes dos acessórios que agregam valor e distinguem cada

indivíduo.

A fama do salão de Ipanema é construída com base não apenas na qualidade do

atendimento e dos serviços oferecidos, como também no nome dos profissionais que nele

trabalham. Dessa forma, o grande cabeleireiro ou o grande colorista se tornam peça

fundamental para o sucesso do empreendimento em questão 33.

Entretanto, quando um profissional se destaca, alguns salões fazem propostas salariais

atrativas ou oferecem sociedade, o que torna a rotatividade comum nesse meio profissional.

Quando já havia terminado a etapa de campo, foram necessárias apenas algumas semanas sem

contato com a equipe do salão de Ipanema para descobrir que quinze profissionais haviam

32
Vale destacar que o branco é uma cor culturalmente ligada a representações de higiene, saúde e pureza, entre
outras. Daí sua utilização tanto em atividades médicas, estéticas, culinárias ou religiosas. Vestir roupas brancas
transmite confiança ao remeter a uma imagem de assepsia e higiene corporal.
33
Um dos cabeleireiros do salão de Ipanema, por exemplo, possui um quadro semanal em um programa de
televisão da Rede Globo, em que “transforma” o visual de uma pessoa da platéia. Isso rende considerável
notoriedade e prestígio não apenas para o profissional, como também para o salão.
59

aceitado uma proposta de mudança para um salão concorrente no Leblon (curiosamente o

salão do ex-marido e também ex-sócio da proprietária do salão de Ipanema) 34.

O salário de um cabeleireiro conceituado pode chegar a um valor significativo. O que

confirma a valorização a que um corte ou uma pintura de cabelo pode ter. Vinte mil reais por

mês é o salário mensal do colorista do salão de Ipanema. Assustou-me quando tive acesso a

tal informação. No entanto, entre manicures ou outras atividades profissionais do salão o

espaço para ascensão é mais limitado.

No que se refere à clientela, o salão de Ipanema é majoritariamente freqüentado por

mulheres, brancas, com uma concentração na faixa entre 35 e 60 anos. Os poucos clientes

homens quando vão ao salão, ou estão acompanhados de suas esposas ou namoradas, ou

fazem de sua presença o evento mais discreto possível. Aquele em especial é um reduto

feminino e, como tal, costuma ser “respeitado” pelo público masculino.

Mulheres pertencentes à elite econômica carioca se misturam a atrizes, cantoras,

empresárias de renome, socialites, manequins, celebridades do esporte e esposas de políticos.

Além de um grande e coletivo camarim, o salão de Ipanema também parece uma verdadeira

passarela, onde desfilam não apenas bolsas importadas, jóias e roupas de grife, como também

corpos meticulosamente trabalhados por exercícios físicos, cirurgias plásticas e os mais

avançados recursos estéticos.

Os olhares no salão de Ipanema parecem não conseguir se fixar somente nas revistas

ou nas próprias imagens refletidas no espelho. É praticamente impossível uma pessoa entrar

no salão e não ser notada. Os olhares, tanto das clientes quanto dos funcionários, deslizam de

cima a baixo sobre as figuras que por ali passam. O curioso é que tal prática não parece

34
Vale lembrar que parte desta mesma equipe costumava trabalhar no salão do hotel no Leblon, onde fiz meus
primeiros estudos para o mestrado. Logo, estamos falando de duas mudanças de local de trabalho em um período
de cinco anos. Fora outros profissionais que conheci que passaram por muito mais que dois salões diferentes em
períodos de tempo menores.
60

constranger observadores nem observados. O salão de Ipanema, definitivamente, é um lugar

para ver e ser visto.

Engana-se quem entra no salão de Ipanema achando que irá encontrar apenas serviços

relacionados a cabelos e unhas. Cílios, sobrancelhas, pêlos e pele também dão lugar a uma

variedade extensa e curiosa de intervenções. A lista de serviços disponibilizados,

distintamente precificados, ultrapassa a quantidade de 130. A inferência que aqui faço a partir

de tais dados é que quanto mais voltado para os estratos superiores da hierarquia social, maior

a variedade de serviços ofertados.

Para tornar mais compreensível o universo de serviços do salão de Ipanema a que me

refiro, apresento uma organização que fiz com base nas partes do corpo que são objeto de

intervenção, sintetizando os principais tratamentos relacionados.

 Cabelos
- Corte (infantil; masculino; feminino)
- Coloração (simples; nutritiva suprema;
balayage; decapagem; retoque de raiz frontal)
- Tratamento capilar (cauterizações molecular ou
a frio; rituais de firmeza, de força, de brilho, de cor, de nutrição, de proteção,
disciplinante, purificante, clarificante, color lock, age resist; tratamentos de
keratina, colágeno ou outras substâncias; escova ciment thérmique)
- Estilo (secagem; escova; lavagem; baby liss)
- Penteado (solto; preso; de noiva; teste de
penteado noiva)
- Alisamento
- Mega hair

 Mãos e pés
- Manicure e pedicure (francesinha; esmalte; unha de silicone)
- Tratamento para os pés
- Reflexologia
61

- Shiatsu

 Rosto
- Cílios (eyelash; pintura; permanente)
- Sobrancelha (design; coloração; alisamento)
- Maquiagem (simples; noiva; teste noiva)
- Estética facial (limpeza de pele; peeling; revitalização; hidratação facial)

 Corpo
- Bronzeamento (instant bronze)
- Descoloração de pêlos (banho de lua)
- Estética corporal (massagens; drenagem linfática; gomagem)

 Depilação (buço; perna; meia-perna; virilha; virilha cavada; axilas; faixa; braço)

Ao analisar a oferta de serviços, fica evidente a predominância de técnicas e de

procedimentos estéticos direcionados aos cabelos, comparados àqueles voltados para as outras

partes do corpo. Os tratamentos relacionados a cabelos também costumam ser aqueles que

praticam os preços mais elevados. Para se ter uma noção de valores, um corte de cabelo no

salão de Ipanema pode chegar a R$ 280,00.

Apesar de a lista de serviços ser vasta, um detalhe me chamou atenção. Nem na

recepção ou em nenhum outro lugar do salão o cliente encontra uma relação com os serviços

disponibilizados ou seus respectivos preços. Todo cliente do salão de Ipanema recebe um

cartão magnético personalizado com seu nome (cujo formato curiosamente é semelhante ao

de um cartão de crédito) no qual os serviços contratados são computados pelos assistentes de

cabeleireiros ou manicures, através de pequenas máquinas distribuídas em alguns cantos do


62

salão. Se a pessoa não perguntar previamente o preço do serviço, saberá o valor da conta a ser

pago apenas ao final, o que pode reservar surpresas desagradáveis para clientes desavisadas.

Foi neste estabelecimento altamente sofisticado e renomado que realizei minhas

investigações sobre aquilo que previamente havia definido como um salão de “elite”. Nele

pude observar ethos e estilos de vida bastante específicos, que me proporcionaram

importantes subsídios para elaborar uma visão comparativa com as outras realidades

encontradas nos dois salões que apresento a seguir.

Catete: o bairro e o salão de beleza “popular”

35
A ocupação do bairro do Catete pode ser considerada uma história de luta

permanente contra a natureza. De acordo com o já referido estudo do Instituto Pereira Passos,

o acesso era extremamente dificultado pelo percurso entre o Catete e a Lapa, um trajeto

tortuoso que se estreitava entre lagoas, pântanos e morros. As marés que inundavam o

caminho eram um problema constante 36.

A área entre a colina da Glória e a região do Catete era uma zona rural que floresceu

durante o ciclo do café, no século XIX. Durante esse período, grandes fazendeiros de café

com plantações na planície do rio Carioca e nas encostas dos morros do Cosme Velho,

seguidos por membros da nobreza e por comerciantes ricos, instalaram-se em imponentes

mansões.

O adensamento do Catete se dá como conseqüência do saneamento e dos inúmeros

aterros realizados na orla e no curso dos rios. Ruas estreitas são alargadas, reconstruídas ou

35
Catete - corruptela de cateto, que em Tupi significa espécie de milho miúdo.
36
Ver em anexo Figura II – Vista aérea do bairro do Catete.
63

calçadas; inúmeras casas de arquitetura simples – de origem portuguesa – dão lugar a prédios

de estilo arquitetônico francês. Em março de 1854 finalmente é inaugurado o sistema de

iluminação pública a gás encanado. A população passa a usufruir de lazer noturno em bares e

restaurantes.

Criadas as condições para a expansão instala-se na região uma classe média abastada,

seguida por pequenos comerciantes e, mais adiante, por pessoas de todas as classes sociais.

No Segundo Reinado, os bairros do Catete e da Glória atraem para as cercanias nobres

representantes dos poderes eclesiásticos (Palácio Episcopal), político (Palácio do Catete) e até

integrantes de movimentos filosóficos doutrinários, como o positivismo de Auguste Comte,

cujos discípulos ainda se reúnem no Templo da Rua Benjamim Constant, número 74.

O Palácio do Catete é um episódio à parte. Sua construção pelo Barão de Nova

Friburgo, em 1862, impulsiona o desenvolvimento da Região. Este mesmo Palácio serviu

como moradia para 18 presidentes. Foi nele que Getúlio Vargas cometeu suicídio com um tiro

no coração, em agosto de 1954, em um dos episódios mais dramáticos da história republicana

brasileira. Com a mudança da capital para Brasília em 1960, o Palácio torna-se Museu da

República.

O Catete, que havia entrado no século XX conservando resquícios do seu período de

esplendor, acaba se destacando pela presença de um forte comércio varejista, devido à

característica geográfica de corredor de passagem para outros bairros da Zona Sul. Com sua

desvalorização iniciada a partir da abertura dos túneis de ligação com as praias oceânicas, é

um dos bairros que mais sofre com o deslocamento das atenções do poder público e dos

interesses da iniciativa privada para Copacabana, passando a atrair populações de baixa renda.

O Catete se destaca, ainda, por uma vocação singular: muitos dos comerciantes abastados que

ali ergueram mansões também haviam se tornado proprietários de cortiços para exploração

dos seus aluguéis.


64

O bairro tem o seu declínio acentuado a partir dos anos 1930, com o deslocamento do

fluxo de veículos para a Avenida Beira-Mar, tendo como conseqüência uma crescente

ocupação por pessoas de baixo poder aquisitivo. O processo de tomada irregular das encostas

dos morros também aumenta. O desvio do acesso viário à Zona Sul para o aterro do

Flamengo, na década de 1960, aumenta a estagnação econômica do bairro, acentuando o

processo de decadência do comércio e de desvalorização dos imóveis.

Constituindo-se simultaneamente em uma área de transição para o Centro da cidade e

em corredor para as praias oceânicas da Zona Sul, o Catete até hoje não conseguiu retomar a

imagem de bairro nobre, apesar de localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro e ainda possuir

prédios bastante valorizados voltados para o Aterro do Flamengo. A revitalização do Centro e

os inúmeros eventos que têm sido realizados no entorno do bairro, em locais como a Marina

da Glória, o Museu de Arte Moderna e outros, apontam possíveis mudanças.


37
Apesar de morar no município do Rio de Janeiro há 16 anos , o Catete para mim

sempre foi um bairro relativamente desconhecido. Por carregar a percepção de que se tratava

de um bairro perigoso, evitava freqüentá-lo. Minha aproximação se deu durante a etapa

exploratória, quando eu procurava por um salão “popular”, que fosse voltado para estratos

socioeconômicos menos privilegiados.

Uma cabeleireira de um salão que visitei em Botafogo, na ocasião, falou-me sobre um

lugar que poderia se aproximar daquilo que eu procurava. Sugeriu que eu fosse conferir um

salão no Catete, pelo qual todo dia ela passava de ônibus. O estabelecimento havia chamado

sua atenção pelo fato de na vitrine estar escrito: “Corte R$ 6,00”. Fiquei curiosa e decidi

conferir pessoalmente.

37
Apesar de ter nascido e sido criada nos primeiros anos de vida no município do Rio de Janeiro, morei minha
infância e início de adolescência em Itaipu, bairro da região oceânica do município de Niterói, no Rio de Janeiro.
Aos quinze anos, aproximadamente, mudei-me com minha família para o bairro de Ipanema e lá residi por 11
anos. Há cinco moro em Botafogo. Forneço tais informações sobre minha trajetória para mostrar que existe uma
relação de proximidade e conseqüente conhecimento sobre determinados bairros, o que até então não existia
quando comecei a fazer trabalho de campo no Catete.
65

Optei por chegar ao salão de ônibus, tal como minha informante o fazia. Deixei pouco

dinheiro na carteira, tirei os documentos originais e não levei meu relógio. Tive receio de ser

assaltada no caminho 38. Sabia que, apesar de haver um batalhão da Polícia Militar na esquina

da rua, a área no entorno não era das mais seguras. Existe uma comunidade, conhecida como

morro Santo Amaro cujas vias de acesso são justamente no final da rua ou por meio de uma

escadaria a poucos metros do salão.

Desci uma parada de ônibus antes daquela que me levaria mais próxima ao salão e,

subindo a rua com calma, fui reparando as características da vizinhança. Vidraçaria,

lavanderia, loja de motos, botequim, casa de lanches. Tratava-se de uma área voltada para a

oferta de pequeno comércio. A movimentação de ônibus e automóveis era mais intensa do que

a de pedestres. Não foi difícil encontrar o salão. Sua localização é bem exposta, separada da

rua apenas por uma estreita calçada.

Percebi a primeira grande diferença: enquanto o grande muro do salão de Ipanema

afasta olhares mais curiosos, a fachada do salão do Catete é um verdadeiro convite à

visualização. Qualquer um que passe por sua frente consegue enxergar praticamente tudo que

acontece lá dentro através de sua fachada de vidro. Também é possível saber o quanto a

pessoa que ali se encontra está pagando pelo corte de cabelo, manicure ou pedicure, uma vez

que os preços dos respectivos serviços se encontram adesivados em letras garrafais na

fachada: “Manicure/ pedicure: R$ 4,99 (de 2ª a 4ª feira)” e “Qualquer corte R$ 6,00”.

38
Mais uma vez considero importante esclarecer certos aspectos de minha trajetória a fim de tornar
compreensíveis algumas percepções e atitudes. No caso dos medos que acabo por revelar em alguns momentos
da tese, creio que são fortemente influenciados por experiências pessoais relacionadas a violência urbana pelas
quais passei. Apenas para citar as mais relevantes, em um sinal de trânsito no Catete um bando de meninos
cercou o carro em que me encontrava com minha mãe e irmã pequena e vi colocarem um caco de vidro no
pescoço de minha mãe como ameaça para roubar seu relógio. Uma segunda experiência se deu na porta do
prédio que morei em Ipanema. Dois homens armados renderam a mim, meu pai, e minha mãe quando
entrávamos em nosso carro e nos mantiveram como reféns por algumas horas, dirigindo pela cidade e nos
ameaçando de morte. Dessa forma, acredito que meu medo de passar por certas ruas do Catete ou conhecer a
Central do Brasil possam ser relevados pelo leitor. Talvez um pesquisador com trajetória diferente da minha não
trouxesse tal questão de forma tão latente. No entanto, considero importante tais registros sobre medos uma vez
que dizem respeito a um fenômeno particular que não está desassociado da vida cotidiana nos centros urbanos.
66

Entro no salão e o primeiro fato que me impressiona, além da fina camada branca de

produtos químicos que se acumula no ar, é a barulheira de secadores, rádio e as muitas

conversas em tom alto que se misturam ao mesmo tempo. O salão é bastante movimentado.

São muitas as cenas que acontecem ao mesmo tempo, deixando um pesquisador menos

acostumado ligeiramente atordoado no começo.


39
Todas as atividades acontecem no salão principal . Apenas a cabine de depilação, o

pequeno almoxarifado que serve como vestiário para os funcionários e o banheiro,

naturalmente, é que são espaços separados. Contudo, mesmo estando todos os profissionais

concentrados em um mesmo ambiente, é possível observar uma divisão espacial de acordo

com as atividades. Os barbeiros ocupam o lado direito, os cabeleireiros o lado esquerdo e as

manicures ficam posicionadas ao longo da vitrine da entrada.

O ambiente no geral é decorado de forma bem simples. O mobiliário parece ter sido

escolhido em função do que havia de mais acessível. Algumas cadeiras de manicures

necessitam de reparação. Quando não é a rodinha que se desprende projetando a profissional

para trás, é a gaveta que não mais encaixa na cirandinha ou o apoio para as mãos das clientes

que não mais se fixa reto.

Um sofá preto de couro sintético no meio do salão acomoda não apenas os clientes que

esperam ser atendidos, como também revistas e jornais, que ficam espalhados pelo assento.

Achava engraçado ver conviverem lado a lado revistas evangélicas e jornais populares com a

foto de mulheres em trajes sumários. Na TV de plasma fixada na parede ao fundo do salão

assiste-se a programações de canais abertos.

Comparando os salões de Ipanema e do Catete, no lugar de luz incandescente ou

natural, no Catete encontram-se bocais com lâmpadas frias. Na ausência de uma cozinha

equipada com toda sorte de bebida e comida, é preciso contentar-se com um bebedouro que,

39
Ver figura V - Planta baixa salão de beleza Catete, em anexo.
67

para fazer uso, é necessário pedir um copo descartável à recepcionista. O toalete amplo, com

objetos e decoração pensados nos mínimos detalhes, dá lugar a um banheiro escuro e sem

manutenção apropriada, em um espaço extremamente reduzido que não permite dar mais que

dois curtos passos.

Ao invés de produtos de beleza de marcas internacionais renomadas, o que se vê no

salão do Catete são linhas de produtos nacionais. No lugar de uniformes brancos assépticos,

todos os funcionários se vestem com roupas próprias. A única orientação é que calça e blusa

sejam ambas de cor preta 40. No lugar de uma trilha sonora instrumental com efeito calmante,

no Catete o pagode toma conta do salão, sendo suas letras românticas muitas vezes

acompanhadas pelas vozes das profissionais, como em um karaokê.

Apesar das discrepâncias que se colocam em uma primeira impressão, veremos mais

tarde que os salões estudados mantêm entre si muitas aproximações. Continuemos então esta

breve apresentação do salão do Catete.

O salão existe há pouco mais de um ano. O mesmo dono possui outro salão de mesmo

nome com um sócio, a poucas quadras dali. Grande parte da equipe, inclusive o atual dono do

salão do Catete, trabalhava junta em um salão concorrente, também próximo dali. Tendo

condições de finalmente abrir seu próprio negócio, o barbeiro convidou parte de seus colegas

de trabalho a integrarem sua equipe.

O salão possui em tono de dezoito funcionários. A maioria constituída por mulheres,

muitas delas jovens, em torno de 20 a 30 anos. Também foi possível acompanhar certa

rotatividade de funcionários no salão do Catete. Presenciei, durante minha permanência em

campo, a entrada e saída de sete funcionários no total.

Em termos de distribuição de tarefas, uma das características que mais o distancia do

salão de Ipanema diz respeito ao papel do auxiliar. Não existe tal função no salão do Catete

40
O que gerou uma situação de confusão por eu ter ido, na primeira visita, vestida justamente de calça e blusa
pretas. Passei o resto do dia respondendo a clientes desavisados que entravam no salão que eu não trabalhava lá.
68

41
(nem no de Botafogo ), enquanto no de Ipanema pode-se chegar ao caso de um profissional

ter dois a três auxiliares, como é o caso do colorista mais requisitado.

Se tivéssemos que fazer uma divisão das atividades desempenhadas no salão de

Ipanema, tal segmentação poderia seguir os critérios de área de atuação ou área de

especialização. Dessa forma, haveria três principais tipos de atuação profissional:

- Profissionais da beleza (cabeleireiros, coloristas, manicures, depiladoras, esteticistas,


maquiadores, escovistas etc.)

- Profissionais administrativos (gerentes, recepcionistas, caixa etc.)

- Profissionais de apoio (auxiliares de cabeleireiro ou de colorista, manobristas,


seguranças, equipe de limpeza e manutenção etc.)

Enquanto no salão de Ipanema cada profissional costuma desempenhar um único

papel, observo tanto no salão do Catete quanto no de Botafogo funções acumuladas:

manicures que também atuam como depiladoras, cabeleireiros que cuidam das sobrancelhas,

quando não são os próprios profissionais da beleza os responsáveis pela limpeza do local de

trabalho, também podendo atuar como recepcionistas. Tais diferenças percebidas sugerem que

tamanho da equipe e recursos financeiros são dois fatores que interferem na distribuição das

tarefas dentro de um salão de beleza.

Quanto aos clientes, o salão do Catete atende, basicamente, moradores do morro que

se localiza atrás do estabelecimento ou de ruas próximas, além de pessoas que trabalham nas

imediações. Pelos trajes, modos de falar e outros indícios reveladores de origem

socioeconômica, é possível inferir que se trata de pessoas pertencentes a camadas mais

“populares”.

41
Embora ainda não tenha apresentado o salão de “classe média” em Botafogo, antecipo algumas comparações
que forem pertinentes.
69

No que se refere à idade dos freqüentadores, não se diferencia muito do observado nos

outros dois salões. Entretanto, no salão do Catete pude observar maior presença de crianças

ou de pessoas de pele negra, tanto clientes quanto funcionários. Outra diferença que se

destaca é a maior freqüência de homens, embora a presença feminina no salão do Catete

também seja majoritária.

É nítida também a diferença em relação à diversificação da oferta de serviços.


42
Reproduzo abaixo exatamente o conteúdo que é possível ler no cartaz de plástico preto

fixado na parede ao lado do balcão da recepção:

Temos várias promoções. Venha conferir. Qualidade comprovada.


Qualquer corte – R$ 6,00
Manicure (Seg a Quarta) – R$ 4,99
Pedicure (Seg a Quarta) – R$ 4,99
Escova a partir de – R$ 8,00
Depilação a partir de – R$ 3,00
Hidratação a partir de – R$ 10,00
Tintura a partir de – R$ 10,00
Reflexo a partir de – R$ 30,00
Luzes a partir de – R$ 30,00
Relaxamento – R$ 30,00
Penteado a partir de – R$ 30,00
Barba – R$ 6,00
Escova gradativa R$ 35,00
Balayage R$ 35,00
Escova de chocolate a partir R$ 30,00
Depilação buço R$ 3,00
Depilação meia-perna R$ 10,00
Perna inteira (sem preço)
Sobrancelha simples R$ 4,00

42
Comum em padarias ou barbeiros, cujas pecinhas de plástico amarelas em formato de letras permitem formar
frases.
70

Sobrancelha na cera R$ 6,00


Virilha a partir de 8,00
Virilha cavada 15,00
Virilha completa 20,00
Jesus te ama

Embora preço, por si só, não seja o fator exclusivo que defina o perfil dos

freqüentadores de um salão de beleza, para ter uma idéia da distância entre o salão de

Ipanema e o do Catete, um único corte de cabelo no primeiro equivale a, praticamente, à soma

do valor de todos os serviços listados acima encontrados no salão do Catete. Sob outro ponto

de vista, o valor de um único corte no salão de Ipanema é capaz de pagar, aproximadamente,

47 cortes no salão do Catete.

Mesmo oferecendo preços menores que a média praticada, o salão do Catete ainda

permite que o cliente compre e leve a tinta que usará para tingir os próprios cabelos. Nesses

casos, o valor do serviço de coloração é reduzido a mais da metade do valor original.

O sistema de controle utilizado pelo salão do Catete consiste em fichas de plástico

(como as de cassinos), cada uma com valores distintos, que todo funcionário deve buscar com

a recepcionista após a conclusão do serviço. Às manicures fica estipulado que devem fazer 20

fichas por dia. Aos cabeleireiros e barbeiros, a meta são 15 cortes diariamente.

Como estímulo à superação, aqueles que ultrapassarem a cota estipulada durante três

meses seguidos ganham 5% a mais sobre o valor do salário. Aqueles que se mantém muito

abaixo da cota esperada podem vir a ter problemas, embora eu não tenha tido conhecimento

sobre situações de demissão relacionadas a baixa produtividade.

Outra diferença que percebo em relação aos salões de Ipanema e do Catete é em

relação à preferência na busca por profissionais. No primeiro, é raro ver um cliente entrar no

salão sem saber previamente com que profissional deseja fazer determinado serviço,

sobretudo quando se trata de cabelos.


71

Já no Catete, as pessoas costumam entrar no salão e serem direcionadas pela

recepcionista ao profissional da vez que se encontra disponível. Parte disso pode ser explicada

pelo fato de o salão ser uma loja de rua e ter muitos clientes de passagem. Mesmo assim é

possível observar uma menor freqüência de agendamentos ou preferência por atendimento.

A partir de todos estes elementos descritos e das relações observadas, pude trabalhar

uma concepção de salão “popular” que até então eu tinha pouca noção. Foi minha primeira

experiência em um salão de beleza voltado para um segmento social economicamente menos

favorecido, o que me colocou em contato com visões de mundo bastante variadas,

fundamental para ter acesso a novos pontos de vista que não ficassem restritos aos de salões

refinados, que eu vinha estudando desde o mestrado.

Mas ainda faltava um terceiro elemento para tornar ainda mais ricos os prismas pelos

quais eu me propus a enxergar os diferentes salões de beleza. Finalmente o apresento a seguir.

Botafogo: o bairro e o salão de beleza “classe média”

Seguindo ainda os dados históricos fornecidos pelo Instituto Pereira Passos, vejamos
43
como se deu a transformação do bairro de Botafogo. No século XVII, Botafogo servia

apenas como ligação entre o Catete e os fortes da Urca, na Praia Vermelha 44. Até o início do

século XIX, a região era rural. Com a chegada da corte portuguesa, em 1808, foram erguidas

43
O nome Botafogo tem origem no sobrenome do sertanista português João Pereira de Sousa Botafogo, que se
estabelecera no Rio de Janeiro no final do século XVI. João Botafogo ganhou como recompensa uma extensa
sesmaria ao longo da praia e parte da enseada, por ter se destacado no combate aos franceses e índios Tamoios
remanescentes em Cabo Frio.
44
Ver em anexo Figura III – Vista aérea do bairro de Botafogo.
72

grandes mansões em frente à enseada, como a casa de campo no início da praia de Botafogo, a

pedido de dona Carlota Joaquina, admiradora da beleza do Lac 45.

Com os bairros da Glória e do Catete já ocupados, Botafogo começa a se adensar,

atraindo o interesse de ricos aristocratas que ali erguem seus palacetes, transformando pouco a

pouco o bairro em uma região seleta. Primeiro foram os ingleses, que se fixaram ao longo da

praia construindo imponentes mansões. Posteriormente, as terras foram sendo ocupadas pelos

barões do café e grandes comerciantes, com suas amplas residências construídas

principalmente na rua São Clemente.

O fator mais efetivo para o crescimento da região foi o advento do transporte marítimo

de passageiros. Em 1843 um serviço de barcos a vapor passa a ligar o bairro de Botafogo ao

Saco do Alferes, no Centro (atual bairro de Santo Cristo). Em 1844, outra companhia inicia a

ligação da Enseada de Botafogo à Ponta do Caju, próxima à Quinta da Boa Vista.

O dinamismo do bairro, proporcionado pelas novas facilidades de transporte, atrai

também camadas mais modestas. Dessa forma, as ruas internas de Botafogo passam a ser

ocupadas por imigrantes e pessoas menos abastadas, que constroem casas simples e

estabelecem lojas de pequeno comércio. Posteriormente, já na virada do século, surgem

inúmeras vilas para habitação de operários, uma das características típicas do bairro.

Na segunda metade do século XIX, o perfil do bairro delineia-se através de pequenas

ruas, com os donos das fazendas desmembrando suas propriedades em chácaras e sítios. A

abertura do Túnel Velho, em 1892, possibilita a chegada das linhas de bonde até Copacabana.

Botafogo gradativamente passa a se transformar em corredor de passagem para as então

recém-descobertas praias de mar aberto.

Com a reforma urbana do prefeito Pereira Passos e a construção da Avenida Beira-

Mar, o bairro está consolidado. Um amplo comércio começa a se implantar, os serviços

45
Le Lac era como a enseada de Botafogo costumava ser chamada pelos franceses, por conta de suas águas
tranqüilas.
73

expandem-se e muitas das imponentes mansões do bairro de Botafogo são então ocupadas por

embaixadas, consulados, colégios e, mais tarde, por clínicas, restaurantes e sedes de empresas.

Apesar do crescimento demográfico do Rio de Janeiro, o desenvolvimento e

adensamento de Botafogo e Humaitá se mantêm, tendência que persiste até a década de 1960,

quando se registra a estabilização populacional e urbana do bairro.

Entretanto, a inauguração do metrô e a escassez de terrenos e áreas disponíveis em

outros bairros da Zona Sul promovem, a partir da década de 1980, a redescoberta do bairro,

estimulando novos lançamentos imobiliários. Prédios de apartamentos passam a ocupar

terrenos dos antigos casarões, revivendo uma vocação residencial que nunca deixou de existir.

Em uma rua muito característica de Botafogo, dividindo espaço com lojas de peças

automotivas, oficinas mecânicas, supermercados e prédios residenciais, encontrei o salão de

beleza de “classe média” que ajudou a complementar o estudo.

Trata-se de um salão pequeno e pacato 46. A televisão que existe quase nunca é ligada.

O mesmo acontece com o rádio. O salão não é dos mais movimentados. Inaugurado no

começo de 2008, sua clientela está sendo constituída aos poucos. O fato de o estabelecimento

ser uma loja voltada de frente para a rua facilita a divulgação para aqueles que passam pela

calçada, apesar de a vitrine não ser muito grande a ponto de chamar muita atenção.

As paredes possuem cartazes promocionais que divulgam as diferentes linhas de

cosméticos de uma marca brasileira. O ambiente, no geral, é simples e agradável. As

poltronas para clientes são confortáveis, as revistas de fofocas costumam ser edições

atualizadas, há sempre um jornal do dia disponível, além de café e água oferecidos como

cortesia.

O nome do salão é uma junção das primeiras letras dos nomes dos dois sócios – um

homem e uma mulher. A história de tal sociedade é interessante. Contam que se conheceram

46
Ver figura VI - Planta baixa salão de beleza de Botafogo, em anexo.
74

quando o salão funcionava nas dependências de um grande condomínio residencial, também

em Botafogo. A então sócia, na época, era apenas cliente do salão. Havia aberto mão da

profissão de advogada para poder se dedicar à criação de seus filhos, após o nascimento do

caçula.

O salão do condomínio, nessa época, era administrado pelo atual sócio e sua esposa

(que hoje também trabalha como cabeleireira no salão pesquisado). Porém, o fato de não

poder atender clientes que não fossem moradores do condomínio estava limitando as

possibilidades de crescimento do negócio. O dono do salão chegou a comentar com algumas

clientes que tinha a intenção de se mudar do condomínio e abrir um novo salão. Visualizando

nisso uma oportunidade de emprego que lhe permitisse mobilidade de horários para poder

cuidar dos filhos pequenos, a então cliente se ofereceu para ser sócia do novo projeto. Assim

nasceu o salão de Botafogo em questão.

Toda a equipe atual, com exceção de uma manicure, trabalhou junta (todos como

funcionários, incluindo o atual dono) em um salão no passado. Essa mesma equipe foi então

convidada pelo dono do salão de Botafogo a trabalhar no salão do condomínio residencial e

depois se mudaram juntos para o atual endereço.

Proporcional ao tamanho do salão, a equipe é pequena. Possui duas cabeleireiras (uma

delas esposa do dono do salão), três manicures e dois sócios (o sócio homem também

desempenha a função de cabeleireiro; já a sócia mulher não possui experiência na área, o que

a faz assumir a tarefa de recepção). Com exceção do dono, a equipe é toda constituída por

mulheres em torno de 30 anos.

No entanto, aos finais de semana tal composição muda, em função da maior circulação

de clientes. A equipe recebe reforço de dois profissionais: uma manicure e um cabeleireiro.

Ambos possuem atividades distintas durante a semana. A primeira é professora primária e o

segundo faz graduação em advocacia.


75

Quanto à clientela do salão de Botafogo, é composta basicamente por moradores da

região e pessoas que trabalham próximas ao local. Uma grande empresa de telefonia é

responsável por boa parte dos clientes que freqüentam o estabelecimento. Algumas são

antigas clientes, de quando o salão ainda funcionava no condomínio residencial em Botafogo.

Mantiveram-se fiéis e parecem não se importar em deslocar-se de um extremo do bairro a

outro para serem atendidas pelos mesmos profissionais do passado.

Não existe meta a ser cumprida no que se refere ao número diário de atendimentos que

os profissionais devem fazer. Uma das manicures revela que a quantidade de atendimentos

para tal serviço varia entre quatro (considerado um dia ruim de trabalho) e quinze por dia.

A sócia do salão, em uma dada ocasião, conta que cada manicure consegue gerar até

R$ 1.500,00 por mês em épocas boas. Ou seja, no total fazem R$ 3.000,00, sendo que metade

fica com a profissional e a outra metade é comissão do salão. Para se ter uma noção dos

preços dos serviços deste salão que considero de classe média, reproduzo a relação a que tive

acesso.

Corte masculino - R$ 15,00


Corte feminino - R$ 25,00
Lavar e secar - R$ 18,00
Hidratação - R$ 25,00
Escova - R$ 25,00
Escova de vinho - R$ 100,00
Escova de chocolate - R$ 100,00
Escova inteligente - R$ 200,00
Regeneração capilar - R$ 100,00
Reconstrução capilar extreme up - R$ 80,00
Piastra - R$ 15,00
Retoque raiz - R$ 60,00
Aplicação de coloração - R$ 30,00
Coloração - R$ 65,00
76

Reflexo - R$ 100,00
Relaxamento - R$ 100,00
Cauterização - R$ 80,00
Cauterização extreme up - R$ 140,00
Manicure - R$ 9,00
Pedicure - R$ 11,00
Maquiagem - R$ 60,00
Penteado - R$ 80,00
Noiva - R$ 360,00

Zona Sul: o pano de fundo da pesquisa

Apesar das diferenças mais evidentes entre bairros e perfis de público bem

particulares, os salões investigados compartilham alguns pontos em comum. Gostaria de

destacar aquele que considero um dos principais: o fato de todos os três se encontrarem

localizados em uma parte bastante específica da cidade: a Zona Sul do Rio de Janeiro. Antes

de dar início à analise das implicações de tal concentração, considero importante fazer uma

breve apresentação da localização em questão.

A Região Zona Sul é formada por 18 bairros: Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme

Velho, Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras,

Leblon, Leme, Rocinha, São Conrado, Urca e Vidigal 47.

Localizada entre o Maciço da Tijuca, o Oceano Atlântico e a Baía de Guanabara, a

Zona Sul se destaca por ser uma região constituída por montanhas e praias. Além da paisagem

natural privilegiada, possui rico acervo arquitetônico e ostenta dois dos postais mais famosos

47
Ver figura VII - Distribuição bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, em anexo.
77

do mundo - o Corcovado e o Pão de Açúcar - além de praias como Copacabana e Ipanema,

conhecidas internacionalmente.

Até o fim da República Velha, a nova Zona Sul carioca (orla oceânica) havia se

mantido como área predominantemente residencial, ocupada principalmente pelas camadas

mais ricas da sociedade. O período de 1930-1950, entretanto, veio impor a essa parte da

cidade uma série de transformações. O processo de verticalização começa a se fazer sentir,

especialmente em Copacabana, com a substituição de casas por edifícios de quatro ou cinco

andares, passando o gabarito de oito a doze andares na década de 1940.

O crescimento populacional da Zona Sul estimulou o desenvolvimento do comércio e

dos mais variados serviços, transformando a região em importante mercado de trabalho, o que

passou a atrair grande quantidade de mão-de-obra barata, que passou a ocupar os terrenos

íngremes até então desvalorizados, dando origem a novas favelas (ABREU, 1987:112).

Alguns dados gerais sobre a região, de acordo com o Censo 2000 48: 630.473 é número

total de habitantes da Zona Sul. Trata-se da segunda maior região empregadora da cidade,

sendo a atividade econômica local composta por cerca de 21 mil estabelecimentos, dos quais

94,7% são voltados para o segmento de comércio e serviços.

A longevidade média da população da região Zona Sul é considerada alta, em torno de

70 anos (nos países que apresentam melhores indicadores socioeconômicos a média chega a
49
71,2 anos para homens e 78,6 anos para mulheres) . A renda média da região Zona Sul é a

maior da cidade (14,25 salários mínimos), quase duas vezes e meia superior à renda média do

48
Estudo do Instituto Pereira Passos, Nota Técnica n º 12. Vale destacar que os dados estatísticos aqui utilizados
servem como dados de contextualização, que permitem que se especifiquem certas características sociais do
campo, embora não dêem conta de todas as nuances que constituem aquilo que se compreende por “Zona Sul”.
49
Ver figura VIII – Longevidade de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, em anexo.
78

50
município (seis salários mínimos) . Valores estes considerados bastante altos, tanto para os

padrões da cidade quanto para os do país.

No que se refere a educação, a região também apresenta os melhores índices da


51
cidade: a taxa média de alfabetização é de 96,2% . O percentual da população com

escolaridade de nível superior na Zona Sul é de quase 44%, bastante superior à média da

cidade (18,2%) 52.

Apesar de enfrentar questões como violência, trânsito e especulação imobiliária,

quando nos referimos à Zona Sul, estamos falando da região responsável por apresentar os

melhores indicadores socioeconômicos da cidade. Conseqüentemente, estamos lidando com

uma região que concentra moradores cujos recursos são os melhores, em termos de saúde,

escolaridade e renda.

Somado a estes dados estatísticos, existe uma dimensão simbólica que corrobora para

a supervalorização da região. Parece existir uma vocação da Zona Sul enquanto pólo de

produção de valores, representações e estilos de vida associados ao que há de mais belo,

sofisticado e moderno na cidade. Os melhores restaurantes, as melhores lojas e,

conseqüentemente, os melhores salões de beleza se encontram concentrados na região 53.

No entanto, vale pontuar uma distinção importante. É possível identificar uma

segmentação que vai além daquela formalmente estabelecida segundo as regiões

administrativas da cidade. A questão é que, para muitos cariocas, a máxima expressão do que

se compreende como “Zona Sul” não é compatível com a lista de 18 bairros sugerida pelos

50
Ver figura IX – Renda média de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, em anexo.
51
Ver figura X – Alfabetização de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, em anexo.
52
Ver figura XI – Escolaridade nível superior de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, em
anexo.
53
Apesar de possuir um arranjo diferente do que se observa na Zona Sul, a Barra da Tijuca é uma região da
cidade que não pode ser ignorada enquanto relevante espaço de elaboração de valores e estilos de vida de uma
elite que, no entanto, possui contornos bastante particulares, relacionados a ascensão social. Para uma discussão
mais aprofundada sobre ethos “emergente”, Cf. LIMA (2007).
79

órgãos governamentais. De acordo com tais representações, no limite extremo, a Zona Sul se

resume aos bairros Ipanema e Leblon, com restritas extensões ao Jardim Botânico, Lagoa e

Gávea.

Dessa forma, é possível perceber que, mesmo dentro da região simbolicamente mais

valorizada da cidade existem segmentações que recortam seus diferentes bairros e os

classificam em uma escala mais ou menos valorativa, o que impede que a Zona Sul seja vista

como tendo uma representação única, estática e uniformizante. Dessa forma, é possível fazer

um estudo em diferentes bairros de uma mesma região ciente que, apesar de certas

aproximações que as ligam, muitos são os afastamentos que devem ser levados em conta.

Foi seguindo tal concepção não oficial, mas oficiosa, do que se entende por Zona Sul

que selecionei os bairros e seus respectivos salões de beleza de acordo com o público a que eu

gostaria de ter acesso: Ipanema como o bairro “chique”, Botafogo como o bairro “classe

média” e Catete como o bairro “popular”.

No entanto, estou ciente de que qualquer forma de classificação dos três salões em

discussão não deixaria de ser arbitrária nem tampouco estaria isenta de minha própria

interpretação e representação. Porém, olhando para o material coletado durante a pesquisa,

considero acertadas as minhas escolhas pautadas em consideração sobre localização e

aparência dos salões de beleza. Ao seguir tais imagens valorativas sobre os diferentes bairros

da Zona Sul consegui encontrar semelhanças e contrastes bastante produtivos para o

desenvolvimento desta tese.


80

A rua como principal via de acesso

Além do fato de serem localizados na Zona Sul da cidade, outro ponto em comum

aproxima os três salões investigados. Refiro-me ao fato de todos serem lojas de rua, ou seja, a

calçada pública é sua principal via de acesso. Não se encontram em locais reservados como

no interior de galerias comerciais, shopping centers ou hotéis. Pelo contrário, dividem espaço

lado a lado com prédios residenciais, estabelecimentos comerciais os mais diversos, hospitais,

escolas, áreas de lazer etc.

Porém, tal escolha não se deu aleatoriamente ou por coincidência. Era intenção minha

estudar aqueles tipos de salões que se aproximassem dos formatos mais “tradicionais”. Em

outras palavras, não queria que fossem salões de cadeia (franchising - com ambiente físico e
54
processos padronizados) nem salões com formato atípico (salões de beleza caseiros ou

localizados em dependências comuns de condomínios residenciais, fábricas, clubes etc.).

Tampouco era minha intenção explorar formatos alternativos de serviços de beleza

usualmente prestados em salões, como atendimentos em domicílio ou no próprio ambiente de

trabalho (casos de auxiliares de limpeza ou de cozinha que, nas horas vagas do almoço, fazem

as unhas das funcionárias do escritório em que trabalham). Também estariam desconsideradas

ações comunitárias (mutirões de beleza que geralmente ocorrem em comunidades carentes) ou

salões-escola. Espaços voltados para a oferta de apenas um tipo de serviço de beleza, como o

caso dos chamados “institutos de depilação” ou salões exclusivos de manicure ou de

cabeleireiro, também não me interessavam.

54
Refiro-me àqueles tipos específicos de salões, comuns nos subúrbios da cidade, cujas atividades de beleza são
desenvolvidas informalmente em um ou mais cômodos de uma residência. Atualmente, tal formato também se
tem feito presente nos bairros mais desenvolvidos. Conhecido pelo termo “salão studio”, trata-se de cabeleireiros
que fazem uso do próprio apartamento para receber sua clientela. Geralmente, a sala de suas residências é o
ambiente que se transforma em salão, recebendo o mobiliário adequado para tal prática, como cadeira regulável,
espelho de parede e lavatório.
81

Também fez parte do recorte desta pesquisa excluir salões de beleza segmentados por

idade (salões infantis), gênero (barbearias) ou tipo de cabelo (salões “étnicos” especializados

em cabelos crespos ou em cabelos grossos e lisos, como os de orientais). A intenção foi

buscar uma análise comparativa baseada em condições socioeconômicas e critérios

socioespaciais, como já discutido. Sendo assim, dei início à minha pesquisa.

Quando perguntava às pessoas onde se encontra salão de beleza, pude perceber a

recorrência de dois tipos de resposta. A primeira e mais imediata era dizer que salão de beleza

se encontra em “qualquer lugar”, “qualquer esquina”, “todo canto da cidade”. Interpretei tal

generalização feita pelos respondentes como uma forma de verbalizar o quanto a presença de

salões na cidade é um reflexo da importância que os serviços de beleza hoje adquirem.

Salão é igual farmácia, padaria, você encontra em toda esquina. Igual pet
shop e boteco no Rio, toda rua tem um. (Inês, assistente de edição)

Eu acho que eles estão em todos os lugares. Porque é uma coisa que todo
mundo quer ir. Todo mundo quer fazer depilação, fazer unha, fazer tudo.
Então eles vão ter sempre público. Acho que eles estão cada vez mais se
espalhando e tem público para isso. (Fabrícia, trainee)

Naturalmente, não é todo lugar em que há presença de salões de beleza. Quando

pergunto o inverso, ou seja, em quais locais não se encontram, as respostas convergem para

“zonas rurais”, “cidades de interior”, “escolas” ou “igrejas”. Ao darem tais respostas, as

pessoas realizam um movimento de afastamento, que pode ser lido enquanto uma separação

entre esferas consideradas “puras” (como infância e religião) e “impuras”, como o salão de

beleza, envolto por representações negativas como vaidade e fofoca (DOUGLAS, 1966).

Quanto às representações ligadas aos meios rurais ou cidades de interior, é possível

identificar nos discursos uma distinção entre cidades grande e pequena, que se reflete no grau

de vaidade esperado desses respectivos dois tipos de mulheres. Acredita-se que no interior as
82

oportunidades de encontro e espaços para sociabilidade não apenas são reduzidos, como

exigem um menor controle sobre a aparência pessoal, uma vez que se trata de um estilo de

vida mais “simples”, nas palavras dos entrevistados. Daí a menor presença de salões de

beleza.

Tem algum lugar específico em que não se encontra salão de beleza?


Acho que mais no interior.
Por que no interior?
Porque talvez as pessoas sejam menos vaidosas. Por falta de público mesmo.
Mas por que uma pessoa do interior é menos vaidosa?
É tudo uma questão de cultura. A mulher do interior geralmente não
trabalha. O marido talvez ganhe pouco e não dê importância pra que ela
fique mais bonita. É tudo uma questão social mesmo: aonde ela vai, se é
importante ela se sentir bonita nos lugares que ela freqüenta...
Salão é uma coisa de cidade grande?
Eu acho. Porque em uma cidade grande as mulheres se arrumam mais,
trabalham, vão a mais festas. (Fabrícia, trainee)

Um segundo tipo de resposta bastante comum quando perguntava os lugares em que se

encontram salões de beleza era shopping center. Quando percebi que muitas pessoas faziam a

mesma correlação, tentei aprofundar um pouco mais o tema para entender tais aproximações.

Compreendi então que shopping não apenas era visto como um local alternativo à tradicional

localização dos salões de rua, especialmente pelo fato de serem ambos locais de grande

concentração de pessoas, como também são associados a atividades comerciais 55.

Hoje em dia os salões se concentram muito em shopping. Pela facilidade de


estacionamento, pela segurança. Antigamente era em rua, mas hoje em dia
não. Ainda tem muito salão de rua em Copacabana, por exemplo. Mas a
maioria hoje se concentra em shoppings. Tem shopping que praticamente só
tem salão, é um atrás do outro, uma epidemia. (Ivanilde, empresária)

55
Como referência para uma discussão sobre formas de sociabilidades em shopping centers, Cf. FRÚGOLI JR.
(1990).
83

É questionável a afirmação sobre a predominância de salões em shopping centers, em

comparação à sua presença pelas ruas da cidade. Porém, uma parte interessante da citação

chama atenção. Aquela que diz respeito à questão da violência urbana.

Ela se faz presente na pauta de preocupações de todo tipo de estabelecimento comercial

em que haja circulação de dinheiro. Foi muito comum em minhas andanças pelos mais

variados salões da cidade observar vigilantes de terno ou à paisana, câmeras de segurança,

alarmes ou portas automáticas que só se abriam aos clientes mediante permissão das

recepcionistas.

Em dois dos salões em que realizei etnografia, havia segurança particular. No caso de

Ipanema, eram exclusivos do salão e se posicionavam à sua porta, cobrindo todo o expediente

de funcionamento. Já no salão de Botafogo existe um vigia contratado em conjunto pelos

comerciantes da rua para tomar conta da área.

No salão do Catete, por outro lado, o único tipo de segurança com a qual se podia contar

era a pública. Especialmente pelo fato de haver um batalhão da polícia militar no início da rua

era comum a cena de policiais passando de carro em frente ao salão com suas metralhadoras

visivelmente para fora da janela ou abordando certos meninos que costumavam circular de

forma suspeita pela área.

Salões de beleza certamente são sentidos como lugares mais seguros do que bancos, por

exemplo. Todavia isso não os isenta de serem assaltados (como no caso de um salão em

Copacabana que visitei). No salão de Botafogo as manicures me contaram o caso de um

arrastão que ocorreu na rua. Era época de Natal e um bando de aproximadamente trinta

homens armados, em plena luz do dia, passou pela rua assaltando pedestres, arrombando

carros e roubando estabelecimentos comerciais.

A ação não durou mais que 20 minutos. Em desvantagem, o vigia da rua apenas pôde

avisar aos estabelecimentos do final da rua para fecharem as portas. O salão de Botafogo não
84

foi invadido, pois naquela altura da rua o bando já havia se dissipado e deixado o local. No

entanto, mesmo tendo sido informada sobre o ocorrido, nunca me senti insegura no salão de

Botafogo.

A única experiência negativa que vivenciei mais próxima a uma situação de insegurança

foi no salão do Catete. O controle sobre a entrada de pessoas era quase nulo, o que certa vez

permitiu a entrada de um rapaz descalço com roupas sujas e rasgadas. Sua aparência não se

assemelhava à dos freqüentadores do salão. Trazia nas mãos um par de sandálias de criança

usadas e tentava vendê-las ali dentro.

Como eu estava sentada muito próxima à porta de entrada, fui a primeira pessoa que ele

escolheu para abordar. Insistiu de forma ligeiramente agressiva que eu comprasse as

sandálias. Ninguém do salão fez nada. Assustada, recusei diversas vezes a oferta e agradeci. O

rapaz persistiu e ainda insinuou que eu era tão bonita quanto o objeto que tentava vender.

Cortei o contato olho a olho e imediatamente passei a ignorar sua presença. A atitude

surtiu efeito. O rapaz foi fazer o mesmo com outras clientes e se mostrava cada vez mais

insatisfeito com as recusas recebidas. Finalmente saiu do salão espontaneamente, passados

sete minutos aproximadamente, sem que ninguém tivesse inibido sua atividade.

Não sei se pedir que se retirasse poderia acarretar algum tipo de problema e por isso as

pessoas ali dentro optaram por ignorar sua presença. Fizeram o mesmo com o evento que

acabara de acontecer: após a saída do rapaz, as pessoas continuaram suas atividades como se

nada houvesse ocorrido, sem tecer um único comentário a respeito. Optei por seguir a mesma

atitude do grupo, a fim de não quebrar tal código de silêncio.

No entanto, para mim foi uma experiência bastante desconfortável. Senti-me vulnerável

em um ambiente que, a princípio, eu era conhecida pelas pessoas, mas que eu poderia me

tornar uma “estranha” no caso de uma situação adversa onde a segurança dos outros

indivíduos também estivesse em jogo. Ou seja, a ameaça de violência era capaz de colocar em
85

suspenso a rede de relações e solidariedade que se instaurava pelo compartilhamento de um

espaço e experiências em comum, deixando clara a fragilidade de tais laços.

Antigos formatos, novas variações

Voltando à discussão da rua como acesso, mais especificamente com referência à

localização, uma categoria interessante surge durante a pesquisa: a de “salão de bairro”.

Considero-a interessante exatamente por aquilo que se define como seu inverso. Ou seja, o

que classifica um salão como não sendo “de bairro”, uma vez que todo salão se encontra

localizado em um?

Descubro que a distinção é fortemente pautada em questões de tempo: quanto mais

antigo o salão, mais capaz de guardar características baseadas em relações de vizinhança.

Dessa forma, mais tempo de convívio se mantém entre as pessoas que trabalham no salão e os

moradores dos arredores que o freqüentam.

Além do tempo de existência, é levado em conta também o tamanho do

estabelecimento, assim como os serviços prestados e tipos de relação com o cliente. A

imagem que se faz do salão de bairro é a de um salão pequeno, que oferece os serviços mais

tradicionais, como manicure e cabeleireiro, e que mantém um tipo de relação mais pessoal

com seus freqüentadores. Ao contrário dos formatos de salão mais atuais, nos quais as

relações comerciais se encontram mais evidenciadas.

Destaco um trecho bastante ilustrativo de tal relação, verbalizado por Inês, uma das

entrevistadas:
86

E que tipo de salões existem?


Pois é, tem salões menores. São esses que você encontra mais em galerias.
No Largo do Machado você vai naquela galeria e um andar é só de salão.
Mas é tudo pequenininho, mais antigozinho. É mais bairrista. É o estereótipo
de salão que você vê que está no bairro há muito tempo, que você cresceu e
ele já estava lá. São esses salõeszinhos de galerias, de Centro do Rio, que são
mais lojinhas. Que dividem o mesmo espaço com um sapateiro e uma
costureira. Os cabeleireiros dos salões de beleza do Leblon são diferentes
dos salões de beleza do Catete.
Qual a diferença?
Eles são mais novos. E se não são mais novos, eles são reformados e maiores
e bem mais vitrines... de exposição. Eles não vendem mais só o serviço, eles
vendem também os produtos, os cosméticos. Virou uma coisa muito maior.
Eles têm de tudo. Hoje você marca uma hora e tem um cabeleireiro para
cada pessoa, além de uma pessoa que serve bebida. No Catete não, lá é a
mesma tiazinha, ou então a bicha filha da tiazinha, que agora modernizou o
salão, colocou nome no cabeleireiro e envidraçou. Mas ainda tem várias
coisas iguais.
Como o quê?
Ah! O espaço mesmo. De serem poucas cadeiras, o espaço ser menor, de
convívio com os outros, aquele banquinho acolchoado pra você esperar a sua
vez.
E o que isso tem de diferente de um salão no Leblon?
Ah! No salão do Leblon você espera com uma bebida. Você normalmente
marca hora, é muito difícil chegar lá e conseguir algum cabeleireiro à toa
que possa te atender naquele momento. É uma outra relação com o cliente.
Você tem um horário, uma consulta. Como em uma consulta de médico, que
você marca e vai ser muito bem recebido. Você espera um pouquinho, mas
espera tomando um café, um chá, uma água ou um prossecco. (Inês,
assistente de edição)

Aproveito uma menção na fala de Inês para introduzir outro tema: o do salão de beleza

enquanto vitrine. A grande maioria dos salões pelos quais passei possui, pelo menos, algum

elemento de vidro em sua fachada - quando a fachada não é toda em vidro - o que permite, da

rua, ter acesso visual ao interior do salão 56. Mas o que a transparência do vidro torna visível e

o que faz parecer opaco?

Uma das primeiras sugestões é que tal transparência torna explícito um duplo processo

característico de salões de beleza: eles se apresentam não apenas como bastidor, mas,

56
Richard Sennet (1988:183) localiza nas últimas décadas do século XIX o nascimento de um novo movimento
entre as grandes lojas de departamento: começam a trabalhar o caráter de espetáculo de suas empresas por meio
do recurso das vitrines, fazendo uso de decorações cada vez mais elaboradas enquanto apelo para a sedução ao
consumo.
87

sobretudo, como palco em que um conjunto específico de práticas e de representações toma

forma (GOFFMAN, 1959).

É nesse sentido que a visão se torna um dos sentidos centrais para compreender os tipos

de relação que se desenvolvem no ambiente público dos salões de beleza. Muitos pensadores

chamaram atenção para a preponderância do olhar, com destaque especial para Benjamin

(1985) e Simmel (1908). Este último atribui à grande cidade a causa desta preponderância, em

função dos múltiplos estímulos que a constituem. Alguns pensadores chegam mesmo a

sugerir que vivemos atualmente uma ditadura ocular 57.

Seguindo tais sugestões, é possível pensar as fachadas envidraçadas dos salões de

beleza como um convite ao exercício do olhar, um voyerismo permitido. Os bastidores da


58
manipulação estética de certas partes do corpo são trazidos para frente das calçadas . Uma

camada de vidro é a única coisa que separa o salão do mundo da rua, tornando embaçados os

limites das dimensões entre público e privado.

Mas como se sentem as pessoas que freqüentam os salões? Percebo entre os

profissionais certa naturalização desta situação de relativa exposição. Para algumas clientes

que entrevistei, a interação dentro do ambiente do salão é tão grande, as atividades absorvem

de tal maneira suas atenções, que afirmam esquecer que existem transeuntes do lado de fora

que, eventualmente, observam o que acontece lá dentro. O fato de compartilharem não apenas

um universo, mas práticas comuns é outro motivo que neutraliza de certa forma tal exposição:

Eu não vejo problema. Porque eu estou fazendo o que todo mundo ali
também está fazendo. Não estou deslocada. Eu estou lá fazendo a unha. Se
eu estivesse fazendo depilação no meio de todo mundo, aí eu me sentiria
deslocada. Eu me sinto à vontade, mesmo sabendo que pode ter gente lá fora
que vê. (Nazaré, estatística)

57
Sugestão de Evgen Bavcar, filósofo franco-esloveno em entrevista para o jornal O Globo. Cf. NAME (2003).
58
O mesmo tem se observado em academias de ginástica, onde também é possível ver os corpos sendo
manipulados por meio de exercícios físicos.
88

No entanto, existe quem se incomode com a situação. Uma das entrevistadas chega a

comparar a exposição pela vitrine do salão com aquela também observada em algumas pet

shops, onde é possível enxergar através do vidro os serviços de lavagem e secagem de cães e

gatos. Sendo assim, é levantada a possibilidade de os salões de beleza terem suas fachadas

devassadas como uma forma de exposição dos aspectos tangíveis do serviço oferecido; como

uma oportunidade de mostrar ao público os equipamentos e os tipos de clientes do

estabelecimento: - “O tipo de gente que freqüenta. Se é mais mulher, mais homem ou criança.

Se é mulher mais perua, se é mais tranqüila...” (Inês).

O momento no salão de beleza pode ser vivenciado tanto como um compartilhar

coletivo de práticas, quanto um momento íntimo de contato com o próprio corpo. Momento

este que, para alguns clientes, é algo que deve ser reservado e pessoal 59.

Para mim nada é muito natural, nada é muito confortável. Isso porque você
está pedindo para outra pessoa fazer um trabalho que vai ser um processo
tenso. E também tem a coisa de você não querer ficar exposta ali na vitrine,
então você reza para não ter ninguém conhecido por ali.
Dentro do salão?
Dentro ou então que passe na rua e fale: - “Eu te vi no salão!”
Por quê?
Eu não quero ninguém participando desse processo, nem namorado nem
ninguém. É um momento muito específico, você está em uma tensão com o
seu cabelo, pois alguém está mexendo nele e você já tem problemas com
isso. Então você não pode se distrair. Eu acho que não é para ser visto. É
quase que nem depilação, não é para ninguém ver o processo, só o resultado
final. Pelo menos eu sempre procuro o lugar mais reservado do salão. Não
quero que ninguém me veja de cabelo molhado.
E qual o problema de te verem de cabelo molhado?
Por que eu tenho pouco cabelo. Eu fico parecendo um Bambi. Fico muito
carequinha. Não é toda pessoa que fica bonita de cabelo molhado. (Inês,
assistente de edição)

59
Para uma discussão sobre o tema da reserva e da privacidade, no sentido de manter a sociedade à distância por
meio de uma busca por espaços íntimos Cf. ELIAS (1933), MORAES (1994), ARIÈS & DUBY (1991).
89

Por fim destaco um último assunto também relacionado com a questão da localização.

Refiro-me à fidelidade. É importante lembrar que as questões de comodidade e facilidade de

acesso são capitais para a escolha de um salão em determinado ponto, embora não sejam

exclusivas. No geral, as pessoas costumam freqüentar salões próximos às suas residências,

locais de trabalho ou de estudo, especialmente quando se trata de serviços de manicure ou

pedicure.

Já quanto aos cabelos, tal tendência se torna mais frouxa. Existem muitos clientes que

se dispõem a se deslocar por distâncias consideráveis para poderem ser atendidos por um

cabeleireiro específico. O caso mais extremo a que tive acesso foi o de uma cliente que

mensalmente viaja 140 km de Arraial do Cabo, onde reside, até a cidade do Rio de Janeiro

para ter seus cabelos pintados.

Também conheci muitas clientes que, embora já tivessem se mudado há tempos para

outra localidade, mantiveram o hábito de freqüentar o salão de beleza de seu antigo bairro, a

que estavam acostumadas. Dizem ter criado um vínculo com o lugar ou com alguns dos

profissionais, a ponto de não conseguirem se acostumar a outros salões.

A questão da lealdade é um tema interessante quando relacionado a serviços de beleza.

Manter um cliente fiel a um salão requer certo esforço, especialmente quando tal fidelidade se

encontra associada ao profissional, dado o risco de ele se mudar para salões concorrentes ou

abrir seu próprio negócio.

Recordo-me de uma frase enunciada por um colorista na época em que eu fazia

pesquisa para o mestrado. Reproduzo tal fala, um pouco forte, mas ilustrativa, de como tal

relação pode ser sentida por parte do profissional: - “Adoro vovó. Essas meninas novas são
90

tudo piranha. Elas pulam de salão em salão. As vovós não, elas são fiéis, me acompanham

aonde eu vou” (Francis, colorista) 60.

Foi possível perceber uma diferença entre os salões do Catete e de Ipanema no que se

refere à fidelidade dos clientes. Observo pouca preferência por profissionais específicos, no

caso do primeiro salão. As pessoas chegam e logo são encaminhadas para o profissional que

estiver desocupado (existe um sistema de “vez” que controla a distribuição dos clientes entre

os profissionais para que não seja feita de forma desigual). No salão de Ipanema é

praticamente impossível ver uma pessoa chegar ao salão e não saber por quem será atendida,

especialmente quando se trata de serviços relacionados aos cabelos.

Quanto ao salão de Botafogo, as duas formas - “fidelidade” e “infidelidade” -

coexistem em graus semelhantes. Confesso que, hoje, localizo-me no primeiro grupo.

Finalmente encontrei uma manicure que faz as unhas do jeito que gosto e até hoje freqüento o

salão como cliente, estritamente. Embora acredite que nunca mais conseguirei entrar em um

salão e ser apenas cliente.

60
Não consegui identificar em minhas investigações de campo uma relação tão direta entre idade e fidelidade, tal
como sugerida pelo cabeleireiro. Observei mulheres de diferentes faixas etárias seguirem os profissionais que
gostavam por diferentes salões.
91

CAPÍTULO II - Atores, carreiras e apropriações


92

Profissões de salão: estigmas, práticas e representações

Seguindo a sugestão de Foote Whyte (1949) em seu trabalho sobre restaurantes em

Chicago, uma das primeiras preocupações que se deve ter ao fazer pesquisa de campo em

organizações comerciais voltadas para serviços é descobrir, pelo menos de uma maneira geral,

que tipo de estrutura possuem e que problemas humanos são encontrados nesses lugares.

Não se trata apenas de analisar o funcionamento dos salões de beleza, em termos de

sua organização interna, hierarquias e distribuição de papéis, mas, sobretudo, buscar os usos e

os sentidos que profissionais e clientes atribuem a tais espaços.

Dessa forma, podemos dar início a tais considerações começando pela análise dos

salões de beleza a partir daquela que se mostra sua característica mais evidente. Refiro-me ao

salão como um negócio; mais especificamente como um ambiente de trabalho. Um local em

que atividades profissionais são desempenhadas 61.

Pude identificar na fala de alguns profissionais de beleza com os quais tive contato,

certo ressentimento quanto ao reconhecimento formal da profissão. Vilma, manicure do salão

de Botafogo diz com indignação: - “Você acredita que muita gente diz na nossa cara que

manicure não é profissão?”.

Ao procurar dados sobre a profissão, surpreendo-me com a informação de que faz

menos de um ano que foi aprovado o Projeto de Lei 6960/06 que regulamenta as profissões de

cabeleireiro, manicure, pedicure e outras atividades relacionadas a serviços de beleza e

higiene 62.

61
A leitura de trabalhos sobre organizações sociais voltadas para comércio ou serviços foi essencial para o
desenvolvimento de muitas das análises contidas ao longo desta tese. Destaco, em especial, os trabalhos de
CAVAN (1966), MACHADO DA SILVA (1969), RIAL (2003) e SANTOS (1976).
62
Mais especificamente a aprovação do Projeto de Lei 6960/06 se deu no dia 12 de novembro de 2008. Fonte:
site da Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www2.camara.gov.br. Acesso em 16 jun. 2009.
93

Pelo projeto original, para exercer a profissão o profissional deve ter certificado de

conclusão do ensino fundamental (de 1ª a 5ª série) ou diploma de habilitação técnica

específica, fornecido por entidades públicas ou privadas legalmente reconhecidas. Os

profissionais que já exercem a profissão há pelo menos um ano, a partir da homologação da

nova lei, independentemente do grau de instrução, estão liberados para exercerem a profissão.

No entanto, o tempo que se levou para regulamentar as atividades profissionais ligadas

a salão de beleza no Brasil, aponta para algo muito além de uma mera negligência dos órgãos

legitimadores. Revela um processo mais amplo de não legitimação que mantém à margem

certas profissões que ainda carregam fortes estigmas relacionados a baixa escolaridade.

Profissões estas que, seguindo a sugestão de Goffman, podem ser encaradas como “carreiras

morais” (2001:42).

Como observa a pesquisadora e economista Ruth Dweck (1998), a maioria das

atividades ligadas a beleza exige um treinamento mínimo, tanto aqui como em qualquer lugar

do mundo. Entretanto, no Brasil, não há grandes exigências quanto à educação formal. Dweck

constata que o baixo grau de instrução é uma constante da força de trabalho brasileira, não

sendo exclusividade de tal segmento. Embora hoje em dia se venha observando uma maior

exigência na formação profissional de cabeleireiros. Mas os estigmas de baixo nível de

educação formal e a falta de legitimação médica, entre outros, são fatores que ainda impedem

uma melhor aceitação social de tais profissões.

Resgato uma frase dita por um cabeleireiro (BOUZÓN, 2004) que ilustra tal

sentimento de “menor valor” associado à profissão:

Eu não me orgulho de ser cabeleireiro. Se eu te conhecesse hoje, diria que


sou DJ ou que faço produção de moda, mas eu nunca diria que sou
cabeleireiro. Eu não gosto de me comparar àquele tipo de pessoa que não
soube fazer outra coisa da vida, que foi excluído de outras profissões e caiu
no cabelo porque sabia pentear e porque que não exige tanto estudo.
Antigamente não exigia estudo, não exigia muito da pessoa, então era uma
pessoa leiga, que só fazia aquilo. (Théo, cabeleireiro)
94

Outro cabeleireiro, do salão de Ipanema, completa:

Existe um ranço de que quem trabalha em salão é visto como alguém de


origem mais pobre. Mas isso tem mudado. Você vê hoje aqui, por exemplo,
a cabeleireira ali é formada em psicologia, eu me formei em jornalismo, o
colorista fez três faculdades. Mas, ainda assim, o pessoal que trabalha em
salão carrega essa coisa. (Alejandro, cabeleireiro)

Outros fatores também podem contribuir para a desvalorização das profissões

desempenhadas em salões de beleza. O primeiro deles diz respeito ao próprio estigma de

ambiente fútil e envolto por fofocas atribuído aos salões de beleza, o que pode vir a marcar

negativamente os profissionais que constituem tal universo. Um segundo fator pode estar

relacionado à qualidade daquilo que é manipulado pela profissão. Em poucas palavras, restos

de cabelos, pêlos, peles e unhas são tidos como resíduos corporais extremamente poluentes

(DOUGLAS, 1966), o que aproxima aqueles que as manipulam de noções relacionadas a

impureza.

Por fim, um terceiro fator deve ser considerado. Refiro-me a uma distinção valorativa

que separa trabalhos “manuais” (relacionados a menores níveis de instrução) de trabalhos

“intelectuais” (BOLTANSKI, 1979:168). Sendo assim, as profissões desempenhadas em

salões de beleza, por se aproximarem do campo das artesanias e práticas manuais, sofrem

mais um tipo de desvalorização.

Porém, foram justamente estas artesanias que me chamaram atenção durante a

pesquisa de campo. Por muitas vezes me peguei hipnotizada observando a destreza das

técnicas corporais adquiridas pelos profissionais do salão (MAUSS, 1934). Era como se

estivesse diante de um grande espetáculo, no qual corpos e instrumentos de trabalho eram


95

manipulados de forma tão particular, que mais pareciam coreografias encenadas. O modo

como os auxiliares lavam os fios de cabelos nos lavatório ou o rápido gesto de manicures

testando a afiação dos alicates na palma de suas próprias mãos são momentos excepcionais.

Marcou-me uma cena em especial, protagonizada por um cabeleireiro do salão de

Ipanema. Ao finalizar o corte na cliente, lança no ar um produto fixador em spray branco,

parecido com uma teia de aranha, que cai suavemente sobre a cabeça da cliente. Começa

então a brincar com as diversas formas e penteados possíveis, transformando o simples ato de

cortar cabelo em uma verdadeira experiência lúdica.

Entretanto, as práticas manuais podem sofrer ressignificações quando apropriada pelos

discursos dos próprios profissionais da beleza: são extremamente valorizadas quando

aprendidas por meio de cursos reconhecidos (a ponto de ser elevada ao patamar de “técnica”),

em contraposição às formas autônomas de aprendizado (consideradas ilegítimas, mesmo em

casos em que são parte fundamental do aprendizado da profissão). Um cabeleireiro do salão

de Ipanema faz uma distinção ainda mais elaborada, ao correlacionar técnica e tempo de

execução do serviço.

Costumo levar até mais de uma hora cortando um único cabelo. Técnica é
tudo. A cliente chega em casa, lava, sacode o cabelo e o corte está lá. Quase
não tem manutenção. Alguns cabeleireiros daqui [refere-se ao salão em que
trabalha] ainda trabalham no estilo antigo: levam cinco minutos para cortar e
uma hora moldando o cabelo no secador. Antigamente era mais penteado.
Hoje é mais corte. (Rubens, engenheiro)

Uma rápida observação vale ser feita a respeito da questão sobre tempo, mencionada

na fala do cabeleireiro. Quando se trata de corte de cabelos, o processo costuma durar meia

hora, aproximadamente. Com tintura, esse tempo pode dobrar, em função da ação da química

sobre os fios. Um dos pontos que me chamou atenção no salão do Catete foi justamente o

tempo de atendimento: os cortes de cabelo, especialmente os masculinos, eram muito rápidos,


96

não duravam nem dez minutos. O cliente mal sentava e logo já estava liberado. Ao contrário

do salão de Ipanema, em que a qualidade do serviço parece ser avaliada, entre outras coisas,

em função de seu tempo de duração.

Voltando à questão das formas autônomas de aprendizado, ao longo dos relatos dos

profissionais de beleza sobre suas trajetórias de vida percebi que parte considerável delas se

encontravam em determinado ponto. Ouvi muitas histórias de manicures e cabeleireiros que

iniciaram o processo de aprendizado fazendo suas próprias unhas/ cabelos ou de familiares e

amigos, até se tornarem profissionais. - “Toda manicure tem em comum o fato de, no passado,

terem tido o costume de fazer suas próprias unhas. Esse é o aprendizado”, diz Soraya,

manicure do salão de Botafogo.

Além da manipulação do próprio corpo, outro ponto de encontro nas narrativas de

alguns cabeleireiros e manicures era o fato de terem sido estimulados a entrar na profissão por

parentes que já trabalhavam em salões. A influência da família na escolha da profissão pode

se dar tanto por uma indicação de vaga no salão em que trabalham (iniciar-se no ramo da

beleza por uma questão de necessidade, em casos de desemprego) quanto por uma questão de
63
tradição (casos de pais cabeleireiros que passam adiante o ofício aos filhos) . O papel

desempenhado pelas redes de relações nos processos de iniciação ou recrutamento, muitas

vezes, são fatores determinantes.

Ao ter acesso a um estudo desenvolvido pela ABIHPEC (Associação Brasileira da

Indústria de Higiene pessoal, Perfumaria e Cosméticos) sobre o crescimento de empregos no

setor (considerados os anos de 1994 a 2008), os resultados apontam para um crescimento de

130%, aproximadamente, no que se refere a oportunidades de trabalho geradas por salões de

63
Para uma literatura sobre projeto, trajetória individual e campo de possibilidades, Cf. VELHO (1981 e 1994).
97

beleza em um período de quatorze anos. Um crescimento médio de 6% ao mês, não indicando

estagnação 64.

Tais resultados não deixam de ser um reflexo do interesse que a profissão pode vir a

despertar em muitas pessoas. A história de uma das manicures do salão do Catete é ilustrativa.

A profissional conta que veio da Paraíba para o Rio de Janeiro estimulada por uma amiga,

também paraibana, que fez o mesmo percurso e a convenceu que trabalhar como manicure na

cidade “dava muito dinheiro”. Resolveu fazer um curso em sua cidade-natal para então vir em

busca de emprego. Hoje trabalha no salão do Catete.

Embora biografias e trajetórias não fossem meus focos de interesse, ao longo do

trabalho de campo fui descobrindo o quanto as narrativas de cabeleireiros e manicures

relacionada às suas carreiras em salões de beleza eram fontes valiosas para apreender

sentimentos e experiências sociais compartilhadas a partir de um quadro institucional

estruturado.

Para alguns, a atividade desempenhada em salão de beleza foi o primeiro emprego.

Para outros, uma mudança de atividade. Psicólogas que se tornam esteticistas, professoras que

aos finais de semana trabalham como manicure, instrumentadores cirúrgico que ao cortarem

os cabelos de colegas de trabalho com bisturis descobrem uma nova vocação, donas-de-casa

cujos maridos as abandonam com filhos pequenos e encontram na atividade de manicure uma

porta de entrada no mercado de trabalho... Os exemplos são muito variados, mostrando que os

turning points (HUGHES, 1952) que levam à iniciação em uma profissão dependem, em

grande medida, das respostas dadas por cada indivíduo aos acontecimentos que incidem sobre

sua vida.

As etapas percorridas dentro da carreira também podem seguir caminhos variados.

Embora o treinamento formal seja exigido por lei e cumprido por boa parte dos profissionais,

64
Ver tabela I em anexos. Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e
Cosméticos. Panorama do setor 2008-2009. Disponível em: http://www.abihpec.org.br. Acesso em 23 jul. 2009.
98

como estratégia de empregabilidade, o que destaca a qualidade do trabalho de um profissional

não é o conhecimento padronizado aprendido nas aulas práticas ou apostilas de formação. Diz

respeito a uma combinação de competências e sensibilidades ligadas, sobretudo, às dimensões

da estética e da sociabilidade.

A consagração pode se dar com a acumulação de uma carteira de clientes fiéis,

eventual exposição na mídia, atrativas propostas de trabalho por parte de outros salões ou

mesmo o início de carreira enquanto dono de seu próprio salão. Sendo assim, a possibilidade

de alcançar relativo status e reconhecimento social a partir de um ofício desempenhado em

salão de beleza (tendo como exemplos mais ilustrativos cabeleireiros do salão de Ipanema,

anteriormente mencionados) chama atenção para um processo não apenas de legitimação,

como também de definição de uma nova identidade profissional que aos poucos se afirma.

Por vezes, o emprego em salão de beleza pode representar muito mais do que uma

fonte de renda. Pode ter significados relacionados a sentimentos de pertencimento, de “estar

no mundo”. Impressionou-me a história de uma depiladora do salão de Copacabana que

investiguei por um curto período de tempo.

Era uma senhora de aproximadamente 70 anos. Sua figura sempre me chamou a

atenção porque nunca estava uniformizada, mas era possível perceber que trabalhava no salão,

menos pela freqüência de serviços a ela demandados e mais pela intimidade que tinha com os

outros funcionários. Além do fato de lá passar o dia lendo revistas, jornais e, eventualmente,

cochilando sentada nas cadeiras.

Descobri que trabalhava no salão há mais de 30 anos. Morava no Centro da cidade e,

embora já estivesse aposentada, todo dia sem exceção ia para o salão. O dono havia feito um

acordo com a antiga funcionária, que não consista em uma contratação formal, mas ela teria

liberdade de fazer uso do espaço, como sempre o fez, para atender as poucas clientes que
99

ainda a procuravam. Não ganhava um salário, mas uma comissão sobre os serviços prestados.

A manicure que me conta a história da senhora depiladora diz:

Ela vem porque é muito sozinha. Não é casada, sente-se muito sozinha em
casa. Ela tem Alzheimer, mas não se trata. Aqui é um lugar para ela se
distrair. Se a gente fala para ela procurar um médico para tratar sua doença
ela manda a gente para aquele lugar. Às vezes ela dá uma desligada do
ambiente por causa da doença. (Isaura, manicure)

Voltando a pensar sobre os motivos de desvalorização das profissões desempenhadas

em salões de beleza, o estigma de homossexualidade é outro fator que marca a imagem de

salões de beleza. Um breve parêntese merece ser feito a fim de contextualizar a discussão

acerca de tal tema.

A categoria “homossexual” faz parte de um sistema classificatório que vem sofrendo

constantes ressignificações e tem sido tema de debate intenso, especialmente para a

Antropologia (CARRARA, 2007). Apesar dos esforços do movimento gay e de direitos

humanos em geral, junto a outros interlocutores, de reorganizar as categorias ou identidades

sexuais de forma a evitar que novas formas de rotulação e marginalização sejam instituídas, a

preferência por parceiros do mesmo sexo, no Brasil, costuma ser vista predominantemente em

termos de inversão, desvio de comportamento ou anomalia.

Quando recorremos à terminologia empregada ao longo dos tempos para definir a

categoria “homossexual”, deparamo-nos com inúmeras definições e conceitos associados a

perversão ou imoralidade, doenças ou distúrbios da sexualidade. O Conselho Federal de

Medicina em 1985, e a Organização Mundial de Saúde em 1994, excluíram da Classificação

Internacional de Doenças o Código 302.0, que até então definia a homossexualidade como

“desvio e transtorno sexual”. Na mesma esteira, o Conselho Federal de Psicologia proibiu em


100

1999, através da edição da Resolução CFP nº 01/99, a colaboração de qualquer psicólogo com

eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades (ROCHA, 2007).

Hoje, com o desenvolvimento do movimento gay/ homossexual, assistimos a uma

multiplicação de categorias baseadas na distinção de orientação sexual, destinadas a nomear o

sujeito político do movimento, manifesta nas atuais siglas GLBT ("gays, lésbicas, bissexuais,

travestis e transexuais"), GLS ("gays, lésbicas e simpatizantes") ou HSH ("homens que fazem

sexo com homens"), a fim de ampliar o potencial de inclusão de diferentes sujeitos nas

discussões políticas sobre o tema.

Sobre o movimento gay no Brasil, vale destacar que começou a se organizar entre o

final da década de 1970 e o início dos anos 1980. Nessa época, não somente este, mas outros

movimentos sociais se articulavam pela defesa da cidadania e pela luta por direitos civis. O

fim da ditadura militar fazia surgir um sentimento de otimismo que possibilitava sonhar com

uma sociedade mais democrática, igualitária e justa. Trazia para o movimento gay a esperança

de que a homossexualidade poderia ser vivida sem restrições. O advento da AIDS e,

conseqüentemente, a discussão levantada sobre práticas sexuais foi um segundo momento de

intensificação do movimento gay organizado.

Apesar de todos os esforços para que a categoria “homossexual” não seja apropriada

de forma marginalizante, por diversas vezes durante a pesquisa observei o termo

“cabeleireiro” ser empregado enquanto categoria acusatória, ao colocar em dúvida a

heterossexualidade de quem desempenha tal atividade.

Cabeleireiro, historicamente, é uma profissão gay. Quando o homem fala


que é cabeleireiro, por mais que seja heterossexual, ele é questionado sobre a
sua sexualidade. (Fabrícia, trainee)
101

Uma vez que o humor é um canal comumente utilizado para fazer comentários de

assuntos tabu que, em outros contextos de enunciação poderiam ser tomados como insulto

(EMERSON, 1969), a análise de piadas sobre cabeleireiros se mostra um recurso interessante

para compreender a dimensão depreciante que tal profissão carrega. Reproduzo algumas que

selecionei, em especial, pelo fato de revelarem uma visão extremamente machista e

homofóbica.

Piada 1- Teste de viadeza


Desconfiado com as constantes desmunhecadas do filho, o pai leva o garoto a um
psicólogo para tirar suas dúvidas.
- Qual o vegetal que você mais gosta? - o psicólogo pergunta ao menino.
Ele vai responder cenoura ou pepino, pensa o pai.
- Chuchu - responde o garoto.
O pai respira aliviado.
- Qual o seu número preferido? - torna o psicólogo.
24, pensa o pai.
- Onze - responde o garoto.
O pai respira aliviado.
- Qual o animal que você mais gosta? - pergunta o psicólogo.
Carneirinho, pensa o pai.
- Jacaré - responde o garoto.
- O que você quer ser quando crescer?
Cabeleireiro, pensa o pai.
- Juiz de Direito - responde o garoto.
Aliviado, o pai se dirige ao psicólogo confiante:
- Então, doutor, me parece que o menino não tem tendências homossexuais!
- Ora, o seu filho é um veado nato! Veja as respostas dele: o chuchu, dá o ano inteiro; o
número 11, é um atrás do outro; o jacaré se defende com o rabo e o juiz vive na Vara.

Piada 2

Você sabe quais são os cinco animais que uma mulher precisa para ser totalmente feliz?
Um gato na cama, um veado no cabeleireiro, um vison no guarda-roupa, um jaguar na
garagem e um burro para pagar.

Nos três salões trabalhados durante a pesquisa de campo, percebi diferenças quanto à

distribuição por gênero e orientação sexual dos funcionários. No salão de Ipanema só existe
102

uma única mulher cabeleireira. O resto da equipe é toda constituída por homens, sendo a
65
maior parte, senão todos, homossexuais . Quanto ao salão do Catete, não parece haver

presença de homossexuais, com exceção de uma cabeleireira. Quanto ao salão de Botafogo,

apenas um cabeleireiro é homossexual.

Em salão de mulher, quando você vê um homem trabalhando é uma certa


surpresa. Porque você espera que todos que trabalhem em salão sejam gays
ou mulheres. É difícil ver homens. É uma profissão que não interessa a
homem. Acho que talvez seja uma profissão também não muito bem quista
pelos filhos da classe média. Você não vai chegar para o seu pai e dizer: -
“Eu vou ser cabeleireiro. Vou fazer fortuna com isso!”
Mas por que o homem não deseja a profissão de cabeleireiro?
Porque, sobretudo nas classes mais baixas, a idéia de que isso é uma
profissão de mulher ou de viado é muito forte. As crianças escutam isso
desde sempre. Nas classes baixas um homem vai ser pedreiro, garçom,
motorista. Vai ser barbeiro, mas não vai trabalhar em salão.
Por que não?
Porque salão é um ambiente predominantemente feminino. O número de
mulheres que passam em um salão no mês é muito mais alto do que o de
homens. (Rubens, engenheiro)

Sendo um universo predominantemente feminino (apesar de certa freqüência masculina)

a presença de profissionais homens não se dá sem que haja uma negociação de performances

de gênero (BUTLER, 2003:200). Não desconsidero a percepção da maior parte das pessoas

que entrevistei de que é comum encontrar homossexuais masculinos atuando

profissionalmente em salões de beleza. Apenas atento para o fato de que, independentemente

das preferências sexuais em jogo, é possível observar que os profissionais do sexo masculino

que trabalham nesses ambientes, por muitas vezes, adotam trejeitos afeminados, o que

colabora para tornar o salão de beleza um espaço ainda mais feminizado:

65
É oportuno aqui esclarecer que as categorias “homem”, “mulher”, “homossexual”, “heterossexual” ou
“metrossexual” utilizadas nesta tese não devem ser lidas sem deixar de considerar a arbitrariedade de tais
classificações. Por vezes, trata-se de reproduções de categorias empregadas pelos próprios entrevistados. Por
outras, emprego meu próprio universo de referência para dar conta de situar os sujeitos no que se refere às suas
orientações sexuais, tendo sido tais orientações, em alguns casos, explicitadas pelos próprios indivíduos em
questão (como o caso de cabeleireiros homens que se revelam casados entre si ou deixam bem claro, ao longo de
nossas conversas, sua preferência por pessoas do mesmo sexo).
103

Tenho amigos cabeleireiros. Inclusive tem um que fala como bicha, mas é
homem. Acho que o ambiente, a profissão, a convivência com homossexuais
acaba influindo muito no jeito dele falar. (Fabiana, designer)

Não se pode também ignorar o fato de que o contato corporal entre homens e mulheres

no ambiente do salão se encontra desprotegido da barreira simbólica erguida, por exemplo,

pela legitimidade atribuída à ciência - nos casos de contatos corporais entre médicos e

pacientes. Logo, ser homossexual (ou parecer ser) sugere colocar em suspenso o risco

iminente de envolvimento físico-amoroso, promovendo relativa liberdade para que certas

partes do corpo possam ser tocadas sem denotar intimidade sexual.

No salão de Botafogo aconteceu um caso que se aproxima à questão discutida. Uma

cliente conta ao dono do salão - que é seu cabeleireiro - que o seu marido passou a ter ciúmes

do cabeleireiro porque ela fez mais de um comentário sobre as dicas relacionadas a

computador que o cabeleireiro havia dado. O cabeleireiro (alvo do ciúme), sua esposa (que

também trabalha no salão) e a cliente caem juntos na gargalhada quando a própria esposa do

cabeleireiro sugere que ele se faça passar por homossexual da próxima vez que o marido da

cliente aparecer no salão.

Outro fator que pode contribuir para a associação que se faz entre a atividade de

cabeleireiro e homossexualidade masculina diz respeito a prescrições baseadas em gênero no

que se refere à divisão do trabalho. Curiosamente, mesmo sendo as dimensões da beleza, da

nutrição ou da moda tradicionalmente associadas ao universo feminino, inúmeros são os

exemplos de homens que se destacam enquanto cabeleireiros, renomados chefs de cozinha ou

grandes estilistas.

No entanto, este trânsito por domínios diferentes do esperado para cada gênero não se

dá sem algum tipo de sanção. Não bastasse o estigma da homossexualidade, é esperado que o
104

sujeito em questão realize a atividade de forma mais eficiente do que costuma fazer o gênero

ao qual tal tarefa costuma ser atribuída. Uma vez que se trata de uma apropriação “indevida”,

a condição que se coloca é fazê-la bem.

Existem alguns cabeleireiros homens. Geralmente eles são muito bons.


Porque quando o homem faz uma coisa que seja da mulher, eles fazem mais
bem-feito. Você já viu como homem varre bem casa, minha filha?
Mas por que eles fazem mais bem-feito?
É igual mulher. Você já viu mulher dirigindo ônibus? Ela tenta ser a mais
perfeita possível. E geralmente é melhor que o homem. Eu acho que é por aí.
A pessoa tenta fazer melhor ou tão bem quanto. Eu sempre falei: o homem
quando pega uma coisa para fazer, que é uma coisa de mulher, ele faz
melhor. E vice-versa. (Rebeca, auxiliar administrativa)

Fala sobre a relação entre cabeleireiro e homossexual que você


comentou.
Ai meu Deus! Estou com medo de falar. Mas eu acho que é isso mesmo.
Pensa no estereótipo de bicha antigamente: é aquela bicha lá lá lá, que adora
mexer no cabelo da mulher, quer cortar, pentear. Aí quando ela se identifica
homossexual, ela pode ter uma relação com o cabelo. A pessoa já teve que
romper com várias coisas porque é viado, sabe? Teve que quebrar várias
barreiras. Ela desmunheca, ela gosta de homem, já assumiu para a família
que dá a bunda. O que é então virar cabeleireiro? Isso é pinto, perto de ter
assumido que não gosta de mulher. Então agora ela pode se jogar no cabelo.
Pode assumir várias outras preferências, que não tem problema. Passa por
moda, por vaidade, por cabelo, por coisas que ficam estereotipadas como
femininas. (Inês, assistente de edição)

Ao mesmo tempo em que não representa um perigo à cliente - pelo fato de não sentir

atração sexual pelo sexo feminino - o homossexual pode, por outro lado, representar uma

ameaça à mulher no sentido de rivalidade. É instaurada então uma desconfiança quanto às

suas tentativas de intimidade.

O homossexual muitas vezes eu acho que tem um “quê” de inveja, sabe?


Inveja da mulher. Eu não gosto da maneira como eles me tratam. Porque se a
mulher é falsa - de tudo aquilo que a gente já falou, que ela quer que você
volte ao salão - o homossexual ele é mais falso ainda. Eu acho que é uma
coisa forçada. Falam: - “Ah! Você está maravilhosa, divina!” Querem ser o
seu melhor amigo. (Jordana, promotora de eventos)
105

Outra diferenciação interessante que se estabelece é entre o “homossexual de salão de

beleza” e os tipos restantes. Emerge a idéia de que homossexuais que trabalham em salão

costumam ser mais evidentes em termos de suas preferências sexuais, fazendo um uso

exagerado, quase caricato, de trejeitos femininos.

O homossexual de salão é totalmente escrachado. Porque tem gay que é


calmo. O homossexual do salão não, ele quer que o mundo inteiro saiba que
ele é gay. Eu os acho forçados. É uma coisa de você demorar pra se assumir
e quando se assume você já é diferente. Aí você quer ser mais diferente
ainda. E assim você força uma barra pra criar uma identidade. (Jordana,
promotora de eventos)

E quanto aos profissionais no salão de beleza do sexo masculino que não são

homossexuais? Como costumam ser sentidas tais presenças? Basicamente, são verbalizadas

em termos de constrangimento, para algumas mulheres, ou simples indiferença, para outras.

Eu não fico constrangida, mas acho estranho. É que nem loja. Eu detesto
essas lojas que estão colocando vendedor homem. Lojas de sapato
principalmente. Eu não quero um vendedor homem para me atender. Eu
acho um estranho fora do ninho. (...) Tem um salão perto do meu trabalho
que tem um cabeleireiro homem, homem mesmo. Acho estranhíssimo. Eu
me sinto desconfortável. Porque eu acho que ele olha para a gente com olhar
de homem. Então eu não gosto da presença dele no salão. (Jordana,
promotora de eventos)

Atributos esperados dos profissionais

Pesquisando apostilas, livros e manuais para a formação de profissionais de beleza que

desejam atuar em salões, é possível encontrar um mundo de conselhos e prescrições


106

relacionadas ao comportamento e à forma de colocar-se durante a interação com clientes e

colegas de trabalho. O interessante desse material é analisar não apenas as prescrições em si -

no sentido de compreender que comportamentos são exigidos ou proibidos em determinados

tipos de situação/ instituição (GOFFMAN, 1961). Mas se perguntar também o que faz do

salão de beleza uma situação de encontro social que exija uma atenção particular no que se

refere ao controle das emoções, da espontaneidade e do corpo (ELIAS, 1939). Seleciono

alguns trechos desse material e reproduzo a seguir.

É necessário para o bom desempenho do seu trabalho o preparo técnico e uma correta
conduta profissional como:
- Ser educado, recepcionando bem o cliente;
- Ser comunicativo;
- Ser discreto;
- Ser organizado;
- Ter noção de estética;
- Praticar higiene pessoal;
- Manter sempre a aparência impecável (jaleco limpo, unhas e cabelos cuidados);
- Fazer assepsia do instrumento;
- Saber orientar a cliente através de sugestões;
- Demonstrar segurança no que faz;
- Ter bom relacionamento com os colegas, chefes e clientes.

ALGUMAS REGRAS DE BOA COMUNICAÇÃO


A comunicação é um fator decisivo para o nosso êxito pessoal e profissional. A maneira
de falar de uma pessoa influi muito na impressão que ela dará aos seus semelhantes.
A comunicação oral não se trata de palavras difíceis. O importante é ser claro, natural e
espontâneo. A gesticulação também deve ser moderada.

Seria interessante observar os seguintes conselhos:


1- Fale com voz natural.
2- Pronuncie as palavras claramente, bem articuladas.
3- Fale sem arrancos.
4- Trate adequadamente as pessoas: Você, o Senhor, a Senhora etc.
5- Evite expressões vulgares e gírias.
6- Evite gargalhadas estrondosas e tom de voz gritado.
7- Procure adquirir gestos simples.
A caminhada é longa e não é tão fácil, como muita gente pensa. Mas nada é difícil
quando se tem determinação. Para isso, basta que você seja:
1- Honesto
2- Educado
3- Amável
4- Limpo
5- Pontual
6- Responsável
107

Fica evidente a preocupação de instruir os futuros profissionais para aquela que talvez

seja uma das mais árduas tarefas inerente às suas profissões: relacionar-se com o outro a partir

de uma nova posição social. Posição esta que demanda mudança nos sentimentos de

delicadeza e sutileza, em que todo um esforço de contenção e controle corporal deve ser

empregado.

Porém, por mais enfáticas que sejam as orientações sobre comportamento, é difícil

conter os gestuais e os altos tons de voz tão característicos do ambiente de salões de beleza.

Observo que, mesmo no salão de Ipanema, onde tais regras costumam ser seguidas de forma

mais efetiva, cabeleireiros, coloristas e maquiadores conseguem fazer ecoar pelo imenso salão

suas gargalhadas e comentários efusivos, sobre os mais diversos assuntos. Apesar dos

esforços empreendidos pela dona do salão – no caso, uma empresa de consultoria é contratada

para dar treinamentos e workshops sobre atendimento ao público – as regras de comunicação

que imperam são aquelas próprias dos profissionais.

Alejandro, cabeleireiro do salão de Ipanema, conta em tom de confidência o que

acontece nos bastidores do salão. Mais especificamente, na outra casa em que se localiza o

vestuário e refeitório dos funcionários.

Nossa, você nem faz idéia. Rola muita baixaria, muito palavrão, quem
comeu quem... Ontem mesmo a cabeleireira estava em uma discussão
ensandecida com os outros cabeleireiros dizendo que tinha 60 anos e não
havia uma única celulite em seu corpo. Para provar ela arriou a calça ali
mesmo, no meio do refeitório. A gente morre de rir. (Alejandro, cabeleireiro)

Em todos os estabelecimentos que pesquisei a informalidade e a brincadeira

generalizada são o que dão o tom ao ambiente dos salões, seja entre os próprios funcionários,

entre funcionários e clientes ou mesmo entre os próprios clientes. No geral, trata-se de um


108

ambiente descontraído e agitado. Risadas e conversas preponderam sobre o silêncio ou a

seriedade. Entre outros atributos, bom-humor é o que se espera de um profissional da beleza.

Para trabalhar em salão tem que gostar de lidar com o público. Isso porque
chega mulher chata enjoada e diz: - “Faz assim, faz assado”. Então tem que
ter paciência e bom-humor. Tem que gostar muito do que faz. (Rebeca,
auxiliar administrativa)

Ainda sobre as regras de comportamento extraídas de livros, apostilas e manuais para

aspirantes a cabeleireiro ou manicure, a questão da apresentação pessoal é assunto capital.

Dessa forma, a aparência corporal do profissional é tratada como instrumento a serviço do

salão em que trabalham (BLACK, 2004:125). Ficam então restritas roupas “provocantes”

(como transparências, fendas, decotes ou barriga de fora), bijuterias em excesso, maquiagem

pesada ou perfumes muito fortes. Quando o controle sobre a própria aparência falha, muitas

vezes são os próprios colegas de trabalho que atuam como fiscais.

Especialmente no salão de Ipanema, tal controle se revela muito mais rigoroso,

especialmente aquele dos cabeleireiros em relação às manicures. - “Vira e mexe elas precisam

ser chamadas atenção por não estarem com batom, pela pele manchada sem base ou por causa

dos cabelos desgrenhados”. (Jacques, cabeleireiro)

As hierarquias profissionais dentro dos salões

O tema que abordo a seguir, a princípio, pode parecer contradizer os pontos até então

trabalhados referentes à desvalorização das profissões ligadas à beleza, mais especificamente

aquelas desempenhadas dentro dos salões. No entanto, especialmente quando se trata de


109

cabeleireiro - pela importância que os cabelos adquirem na apresentação de si (BOUZÓN,

2004), as diversas discriminações atribuídas à profissão eventualmente dão lugar a

encenações de extrema valorização.

Afinal, tal profissional possui técnicas e habilidades que poucas pessoas dominam,

além de um dos mais valiosos bens: o segredo de um bonito cabelo. Tanto que muitos usam o

termo “consultor de beleza” ao invés de “cabeleireiro” para definirem suas atividades. Nas

palavras de Goffman, eles são os responsáveis pela “construção, conserto e manutenção do

espetáculo que seus clientes exibem diante de outras pessoas” (2001:143).

A relevância de tais profissionais se manifesta, por exemplo, na impossibilidade de

tirarem férias por muitos dias seguidos, tendo que parcelá-las durante o ano: - “Senão as

mulheres vão à loucura”, explica o colorista Francis do salão de Ipanema. O valor mais

elevado dos serviços ligados a cabelo e, conseqüentemente, o maior salário de cabeleireiros

são outros indicativos de tal valorização. Quanto às profissões ligadas a outras partes do corpo

usualmente trabalhadas em salões de beleza, o mesmo não se observa.

Pude perceber, em todos os salões investigados, uma disputa velada (ou mesmo

aberta) entre manicures e cabeleireiros. Uma manicure do salão de Ipanema é enfática: - “Os

cabeleireiros muitas vezes querem ser mais estrelas que as próprias estrelas que freqüentam

aqui o salão” (refere-se às celebridades de TV clientes do salão).

Tive a oportunidade de presenciar o que a manicure do salão de Ipanema queria dizer.

Alguns cabeleireiros, em situações de interação com clientes ou com colegas de trabalho,

fazem uso de diversos recursos para se colocarem no centro das atenções. Manipulam a

atenção e conduzem as conversas de forma a sempre terem como emitir sua opinião pessoal

ou relatar, direta ou indiretamente, algo positivo a respeito de si.

Esses profissionais, em especial, tornaram o trabalho de campo um exaustivo exercício

de gerenciamento de egos. Em certas situações, mesmo tendo sido eu a pessoa a iniciar uma
110

situação de conversação coletiva, tinha que ser muito cuidadosa para não parecer que era eu

quem conduzia a conversa ou para não dar mais atenção a uma cliente ou outro profissional

em detrimento do cabeleireiro ou colorista. Era ele quem deveria ser o dono da situação,

especialmente quando o espaço em questão era sua sala pessoal ou a parte do salão

exclusivamente reservada à sua atividade.

Nos outros dois salões investigados essa disputa entre cabeleireiros e manicures

também era expressa. Os relatos sempre chegavam a mim de forma espontânea. - “Os

cabeleireiros são as estrelas do salão. Nós somos a ralé. Nós somos humildes. A gente tem

cliente, mas não ‘se acha’”, diz uma das manicures do salão do Catete. Outra manicure, do

salão de Botafogo, inverte tal hierarquia colocando a questão da confiança e da lealdade como

definidoras do processo de valorização:

A maior estrela do salão é a manicure. Porque é atrás dela que os clientes


vêm ao salão. São elas que colocam cliente sentada na cadeira do
cabeleireiro. O cliente pega mais confiança com a gente. (...) Os
cabeleireiros se sentem superiores, os cursos são superiores e eles tratam as
manicures como se fossem as faxineiras do salão. (Vilma, manicure)

Sobre a questão da hierarquia entre as profissões encontradas na estrutura de um salão

de beleza, perguntei explicitamente às clientes entrevistadas se percebiam algum tipo de

diferenciação. Todas as respostas convergiram de forma a colocar os cabeleireiros em posição

superior às manicures. Destaco alguns trechos em que a distância entre tais profissões se

mostra bastante evidente:

A cabeleireira é a principal. Em vários salões, por exemplo, a dona é


cabeleireira. Eu acho que a ordem deve ser assim: cabeleireira primeiro,
depois as mulheres da recepção - porque eu acho que elas têm certo poder,
elas podem estar mais abaixo do que a cabeleireira, mas estão acima das
manicures. Então depois vêm as manicures e as depiladoras. Eu vejo a
manicure assim, não sei se pela posição física que ela fica para fazer a unha,
111

uma coisa meio rebaixada. (...) Por último seriam as meninas que servem
bebidas. Tem mais alguém no salão que eu esteja esquecendo?
Tem a faxineira.
É tem a faxineira, que normalmente é a menina que serve a bebida. (Jordana,
promotora de eventos)

Eu vejo o cabeleireiro como uma figura maior, mais acima.


Se tivesse que hierarquizar todo mundo que trabalha em salão, como
você faria?
Acho que é o dono, o gerente. Depois vêm os cabeleireiros. Um pouco
abaixo vêm as mulheres que fazem depilação. Depois as manicures,
juntamente com aquelas que são ajudantes do cabeleireiro. Depois as
atendentes da recepção.
E por que a manicure fica tão lá embaixo?
Eu vejo as manicures como de classes mais baixas. O salário que a manicure
recebe é menor do que o do cabeleireiro.
Mas por que paga-se menos pra manicure do que para cabeleireiro?
Porque cabelo a gente não faz com a mesma freqüência, a gente não vai lá
cortar, pintar ou hidratar toda semana. Unha é mais simples para o
profissional e as pessoas vão com muita freqüência. É um trabalho por
produção. (Fabrícia, trainee)

Porém, não são apenas disputas entre manicures e cabeleireiros o que se encontra em

salões de beleza. Fricções também ocorrem entre profissionais que desempenham a mesma

atividade. Muitas foram as cenas de ciúmes, deboche ou intriga que presenciei. Confesso que

me divertia em algumas situações, como uma vez que ouvi dois assistentes de cabeleireiro do

salão de Ipanema comentando entre si sobre a escova recém feita nos cabelos de uma cliente

por uma escovista rival: - “Parece a Farrah Fawcett”, diz um dos assistentes, referindo-se ao

marcante penteado de uma personagem da antiga série de TV “As Panteras”. O colega

responde: - “É, essas ondas eram lindas... mas na década de 70”. Os dois riem ironicamente.

Por vezes, também me vi tendo que administrar situações de ciúmes entre os

profissionais do salão. Alguns se sentiam menos privilegiados por ainda não terem sido

“entrevistados” por mim. O caso extremo se deu no salão da Central. A manicure conta que,

pelo fato de no último atendimento termos ficado muito tempo conversando, as outras

manicures sentiram ciúmes e levaram tal questão para a reunião quinzenal que a dona do salão
112

costumava ter com a equipe. Porém, felizmente em nenhuma das situações vividas o ciúme

gerou conseqüências negativas para os profissionais ou para minhas atividades de campo.

A disputa entre funcionários de um mesmo estabelecimento parece adquirir uma

coloração especial quando o lugar em questão é o salão de beleza. O próprio dono do salão de

Botafogo resume: - “Salão é um mundo alegre, mágico, porém, há rivalidade”.

Salão é um negócio muito concorrido. Ainda mais quando tem várias


manicures, porque uma tenta queimar a outra. Falam: - “Você está fazendo
unha com a fulana? Nossa, mas ela é fofoqueira! Você vai contar da sua vida
e ela vai falar para todo mundo”. Eu acho que é igual loja. É uma tentando
fazer mais que a outra. Se puder vai roubar o cliente da outra. (Rebeca,
auxiliar administrativa)

Tal percepção do salão de beleza como um lugar de competição acirrada entre os

profissionais também é compartilhada pelas próprias pessoas que trabalham nesse tipo de

ambiente. Chiara, manicure do salão do Catete, associa tal clima de disputa por se tratar de

muitas mulheres compartilhando o mesmo espaço. Diz: - “Homem, se estranhar com outro

resolve logo na porrada, na hora, e fica tudo bem. Ou até mata. Já mulher não, elas ficam

eternamente de cara fechada, fazem bico, é um saco” (Chiara, manicure).

Outro tipo de conflito que também se coloca é aquele que se dá entre funcionário e

patrão. Curiosamente, tal questão foi muito mais levantada nas falas dos próprios donos de

salão do que pelos funcionários. Muitos reclamam da dificuldade de lidar com as diferentes

personalidades existentes na equipe.

Por se tratar de um ambiente geralmente permeado por brincadeiras e informalidades,

alguns donos de salão sentem certa dificuldade em delimitar os limites hierárquicos que

devem ser respeitados. Uma das sócias do salão de Botafogo conta sobre sua divergência com

a equipe de manicures: - “Não posso me igualar a elas. Manicures não têm instrução. Por isso
113

aprendi a ficar na minha, no meu canto, sem brincar muito, sem dar intimidade, porque senão

confundem as coisas” (Leny, dona de salão).

Administração de conflitos

Porém, quando o assunto é administração de conflitos, não se podem deixar de lado

aqueles que se dão entre os próprios clientes ou entre estes e os prestadores de serviço.

Incontáveis foram os relatos a que tive acesso, como o de duas clientes que foram para a

calçada em Copacabana para bater boca por motivo da presença do cachorro de uma delas

dentro do salão.

Em outra situação, um cliente do salão do Catete foi tirar satisfação com a

recepcionista, pois achou que ela ria e comentava sobre ele com outra funcionária - situação

essa que não passou de um grande mal entendido, uma vez que a recepcionista era estrábica, o

que fez parecer que estava olhando para o cliente quando, na verdade, conversava sobre outro

assunto.

No entanto, quando o assunto é salão de beleza, nenhuma situação é capaz de gerar

mais conflitos do que o tempo de espera. Ser prontamente atendida é uma forma

extremamente valorizada pelas clientes. Representa receber atenção, ser valorizada e

respeitada. Uma cliente do salão do Catete reclama por não ser atendida no horário marcado: -

“Poxa, injustiça isso. Sou cliente há tantos anos!”. Detalhe: o salão foi inaugurado há apenas

alguns meses.

É extraordinário observar a encenação que muitas clientes fazem para mostrar que

estão impacientes e desejam ser atendidas depressa: levantam da cadeira, suspiram alto, vão

reclamar com a recepcionista, ameaçam ir embora andando em direção à porta... Mas se


114

realmente não valesse à pena esperar, muitas não continuariam ali até serem atendidas. As

recepcionistas, por sua vez, põem em ação um jogo de convencimento, reduzindo a

expectativa da clientela ao falar que a manicure está quase terminando, oferecendo uma

revista ou algo para beber.

O caso mais extremo, relacionado a tempo de espera, ocorreu no salão do Catete. Uma

cliente, insatisfeita porque a manicure ainda estava fazendo a unha de outra cliente (que havia

chegado tarde e atrasou o atendimento seguinte da profissional), começou a provocar a cliente

que estava sendo atendida, proferindo indiretas para que a cliente responsável pelo atraso

ouvisse. Esta respondeu às provocações dando início a uma discussão que culminou com o

seguinte diálogo em tom alto e humores já estremecidos:

- “Ei, fica calma minha filha, você está muito nervosa, está precisando é
gozar.”

- “Quanto a isso eu estou satisfeita. Você é que está precisando de um p...!”

Outro estopim para desencadear conflitos, também comum em salões de beleza, é a

insatisfação com o serviço prestado ou mesmo erros profissionais. No caso do serviço de

manicure, além dos “bifes”, muitos são os relatos sobre clientes que borram a unha minutos

depois de ter sido pintada ou pedem para trocar a cor do esmalte após a profissional já ter

pintado todas as unhas.

Já entre os serviços relacionados a cabelo, erros ou resultados não esperados

costumam ser mais difíceis de serem reparados. Cabelos que caem por não agüentar a química

empregada, rolinhos que se emaranham nos fios, cortes que não ficam exatamente iguais ao

da foto da revista, enfim, muitas são as situações.

No salão do Catete havia um taxista que toda vez dizia ao final do serviço que não

havia gostado do corte, mas sempre voltava para cortar no salão, com o mesmo barbeiro. No

salão de Ipanema também pude presenciar a situação de uma cliente que voltou no dia
115

seguinte para refazer o corte, pois não havia gostado. Também insatisfeita com o segundo

corte que fazem em seus cabelos, ela se tranca no banheiro por um tempo, enquanto a gerente

discretamente se esforça para administrar o humor da cliente e evitar um rebuliço maior.

Outro tipo de situação a que se está exposto no salão de beleza é o furto de pequenos

objetos. Em todos os salões escutei histórias de desfalques de esmaltes, alicates, maquiagem e

até mesmo toalhas. No entanto, no salão de Ipanema chamou atenção o tom de

excepcionalidade com o qual tais situações foram narradas tanto pela gerente quanto por um

dos cabeleireiros, como se o fato de se tratar de um público com situação econômica bastante

confortável tornasse tais furtos ainda mais condenáveis.

Todas estas situações citadas fazem parte daquilo que muitas das pessoas com as quais

conversei definem como “lidar com o público”. Quando pergunto à Fabrícia (uma das clientes

entrevistadas) qual profissão relacionada a salão de beleza escolheria, caso tivesse que optar

por uma, ela pergunta rindo se pode ser nenhuma. Pergunto o porquê da resposta e Fabrícia

justifica dizendo que “todas devem ser muito desgastantes, justamente por ter que lidar

diariamente com diferentes vontades e manias”.

Os profissionais dos salões de beleza também compartilham tal concepção. Por

diversas vezes servi como ouvido para os desabafos de manicures e cabeleireiros em relação a

clientes que os tiravam do sério. No caso de cabeleireiros, reclamam de clientes que choram

quando cortam o cabelo de maneira que não as agrada, ou que trazem uma foto de quando

eram jovens na esperança de que o profissional as faça voltar no tempo por meio de um corte

ou uma pintura. Clientes “grossas”, “inseguras”, “reclamonas” ou “teimosas”, que desejam

algo que “não cabe ao tipo de cabelo que possuem” é sempre um problema para cabeleireiros

e coloristas.

Já o terror das manicures são clientes com unha encravada ou as conhecidas por “pé de

festa”, expressão usada para indicar aquelas que só vão ao salão em época de Natal, dia das
116

mães ou aniversário de casamento: - “Elas querem que a gente faça milagre, que deixe lisinho

aquele casco de cavalo”, explica uma das manicures.

Uma tarde, neste mesmo salão, as manicures se juntaram para traduzir para mim os

diversos termos que usam como código entre si para falar sobre suas clientes ou outros tipos

de situação que não cabe abrir ao conhecimento público. Reproduzo os termos que me foram

ensinados:

- “Aguarde seu momento (porque o meu chegou)” – utilizado para as colegas de trabalho
invejosas.

- “Só Jeová dos exércitos mais povo de Israel” – quando a situação ou a pessoa é demais,
beira o insustentável.

- “Ebó mal despachado” – pessoa mal amada que vem para a cadeira da manicure “ebosar
nossa mente”, nas palavras das informantes.

- “Nunca nesse Brasil” – indica não querer fazer certo serviço ou atender certo cliente.

- “Embrulha e manda” – significa não demorar com o cliente porque ele é chato.

- “Não tem akwê” – gíria de umbanda para dizer que o cliente não tem dinheiro.

- “Brilho” – nome dado ao profissional que fez todas as fichas do dia; aquele que consegue
atender mais clientes.

- “Reunião no escritório” – como se referem à cerveja de sexta-feira com os colegas de


trabalho.

Sobre freqüentadores de salão de beleza

Apresentadas as considerações a respeito dos profissionais que trabalham em salão de

beleza, cabe agora voltar nossa atenção para outros atores que compõem tal universo. Refiro-

me aos clientes.

“Quem freqüenta salão de beleza?” Quando fazia essa pergunta, as respostas mais

imediatas que costumava receber eram: “qualquer pessoa”, “todas as pessoas”, “pessoas
117

comuns”. No entanto, eu precisava entender melhor quem era “todo mundo”. Na tentativa de

tornar tais definições mais inteligíveis a mim, os entrevistados trouxeram à tona um sistema

classificatório extremamente complexo, com base em múltiplos eixos que se cruzam e

dialogam entre si.

Gênero, idade, classe socioeconômica e cor de pele foram as variáveis que se

destacaram nas falas das pessoas com quem conversei. Justamente por terem sido acionadas

com maior recorrência para definir freqüentadores de salões de beleza, fiz uso de tais

variáveis como mapas, que ajudaram a guiar minha análise. Não foi minha intenção operar

com nenhuma definição rígida de gênero, classe ou idade. Ou mesmo esperar que tais

variáveis, por si só, dessem conta de tornar apreensíveis os diferentes matizes que compõem o

mundo dos salões.

A proposta é que tais variáveis sejam úteis à análise à medida que lançam luz sobre

discussões mais gerais. Dessa forma, mediados pelas lentes de suas posições de classe, gênero

etc., os entrevistados mostraram como o salão de beleza não apenas produz uma gama de

experiências relacionadas a gênero, idade, classe etc., como também reforça a elaboração de

divisões e hierarquias a partir de tais categorias. (BLACK, 2004:10-11).

Pensando gênero nos salões de beleza

“Para compreender o papel do salão na vida das mulheres, é importante localizá-lo no

contexto das experiências das mulheres” (BLACK, 2004:7). Foi somente a partir de uma

orientação aparentemente simples como esta que pude ter acesso à chave de entendimento
118

para orientar minhas observações em campo, de modo a não me perder na seara de discussões

que permeiam as abordagens teóricas sobre gênero 66.

A tarefa inicial que me coloquei foi a mais elementar possível: observar como as

variáveis de gênero se constroem nos espaços dos salões de beleza. Feito isso, uma das

primeiras características que chamou minha atenção foi o fato de que as mulheres são maioria

absoluta em todos os salões de beleza que tive a oportunidade de pesquisar, mesmo se

tratando de salões unissex.A discreta presença de clientes homens, curiosamente, faz-se

enquanto uma “minoria invisível” (BLACK, 2004:10).

No entanto, nos salões de Ipanema e de Botafogo investigados, percebi que a

freqüência feminina é quase exclusiva. Já no salão do Catete, a presença masculina é mais

comum. Tal diferença leva a sugerir que quanto mais elevado o estrato social para o qual o

salão está voltado, maior a segmentação do espaço por gênero.

Embora tenha sido possível observar, nos últimos anos, um crescimento da

participação masculina no universo dos salões de beleza, esse continua a ser simbólica e

hegemonicamente um território feminino. Mesmo que prevaleçam profissionais do sexo

masculino em seus quadros, os salões de beleza ainda abrigam formas de convívio e de

sociabilidade que sugerem uma “cultura” feminina distinta da esfera de ação dos homens, que

de certa forma colocam os salões como espaços de afirmação da diferença sexual.

À primeira vista, um salão de beleza pode gerar certo estranhamento. Seu ambiente

rodeado por espelhos e cadeiras enfileiradas mais parece uma fábrica de fazer mulheres ainda

mais mulheres, no sentido de femininas. Mas quem são as “mulheres” a que me refiro, tendo

em vista que o termo não denota uma identidade comum ou estável? O que se está falando ao

fazer referência a gênero? Como essa variável se articula com outras dimensões? Ou, ainda,

que ideais de feminilidade estão sendo elaborados nos espaços dos salões?

66
Uma vez que a discussão sobre gênero é muito rica e vasta, seleciono alguns trabalhos cujas leituras considero
mais que estimulantes para pensar o tema no campo investigado: BUTTLER (1990 e 1997), FOUCAULT
(1985), MOORE (1999), SIMMEL (1944), STOLCKE (1992) e VALE DE ALMEIDA (1995).
119

Sobre tais questões, Paula Black lembra que, apesar da posição de gênero, a mulher

também pertence a outras estruturas sociais objetivas. Que ela também se move por diversos

campos e acumula uma variedade de capitais. Por todas essas razões, a mulher é capaz de

abraçar ou, igualmente, rejeitar uma feminilidade idealizada (BLACK, 2004:70). Dessa

forma, os salões de beleza apresentam uma de suas maiores potencialidades: a de se colocar à

disposição como espaço para negociação de feminilidades.

Tal sugestão se torna mais fácil de ser compreendida quando levadas em consideração

as proposições de Judith Butler sobre performatividade de gênero, no sentido de um

empreendimento nunca completo ou terminado, mas que requer constante performance e

reiteração para sua existência (BUTLER, 1990). Podendo gênero ser compreendido enquanto

ato e performance que passam por atos corporais, os salões de beleza se colocam como

espaços privilegiados para observar como se dá a negociação de tais variáveis.

Proponho que voltemos nossa atenção às definições verbalizadas pelos próprios

sujeitos investigados, a fim de perceber que outras noções são adicionadas à composição do

que é ser feminino ou masculino. Uma das entrevistadas tenta dar inteligibilidade ao fato de

mulheres serem maioria em salões de beleza a partir da seguinte percepção:

Mulher vai muito mais a salão, certamente! Isso porque mulher tem essa
cultura da vaidade. Ela é cobrada por mídia, por família, por tudo. Isso é
cultural. A mulher tem que ser vaidosa. Ela tinha que estar arrumada, linda
para o homem, desde sempre. Então a mulher tem que estar bonita para o
mercado de trabalho, para o marido... Ela agora tem que envelhecer bonita,
não pode nem relaxar na velhice! Ela tem que ser uma velhinha gata. Enfim,
isso tudo é em função de beleza. (...) O salão dá uma coisa de segurança, de
auto-estima para a mulher. Eu acho que para o homem é mais no sentido de
resolver um incômodo. Por exemplo, o cabelo está grande, aí ele vai e apara.
(Inês, assistente de edição)

Uma visão masculina se aproxima de sua percepção:


120

As mulheres têm uma relação mais próxima do salão. Os homens têm uma
relação assim: vou a qualquer lugar para cortar o cabelo curto e dane-se! Eu
acho que as mulheres vão em busca de tratamentos estéticos e de beleza.
Então quando a mulher vai ao salão ela acaba mais propensa a adquirir
outros serviços, a fazer uso de outras coisas, ela se interessa mais. Para os
homens é mais uma relação de resolver alguma coisa que tem que ser feita e
que, muitas vezes, não dá para fazer em casa. (Rubens, engenheiro)

O sexo feminino aparece aqui como o sexo, por excelência, ligado à noção de belo. A

vaidade entra em cena como um dispositivo que deve ser mantido em alerta constante para a

construção e manutenção dos atributos que constituem o belo. Sendo assim, o corpo da

mulher é visto como um corpo próprio a ser trabalhado nos detalhes (unhas, sobrancelhas

etc.). Diferente do corpo masculino, que deve buscar o salão de beleza como solução para um

“problema” pontual e rápido de ser corrigido, como por exemplo um cabelo que se encontra

fora dos padrões esperados.

Vaidade e feminilidade são dimensões tão próximas que o descuido da primeira pode

colocar em cheque a própria sexualidade da pessoa em questão. Lembro de uma situação que

se passa entre o colorista do salão de Ipanema e uma cliente que aparece em sua sala com a

raiz do cabelo com fios brancos por pintar. Extremamente incomodado com o descuido, o

profissional diz em tom de reprovação após sua saída: - “Um horror essa mulher. Uma

relaxada. Acho até que ela é sapatão. Tem cara de bofe!”.

Apesar de fortemente associada enquanto atributo do feminino, nos últimos anos tem

sido possível observar uma crescente elaboração de discursos e práticas que tornam a vaidade

cada vez mais próxima do mundo masculino. Conhecido pelo termo “metrossexual”, é

identificado um novo perfil de homem que encontra nos produtos e serviços de estética

ferramentas para a manifestação de novas formas de masculinidade.

Para Vigarello, o princípio da igualdade mudou as relações dos sujeitos com seus

corpos. “A beleza, que não mais define gênero, pode ser cultivada e mesmo reivindicada pelos
121

dois sexos. Ela se emancipou do espectro da ‘força’ ou da ‘fraqueza’, da valorização ou da

desvalorização, tornando-se ‘beleza ilimitada’” (VIGARELLO, 2004:177).

Hoje em dia o heterossexual está muito vaidoso. Tem um monte de


metrossexual por aí cheio de não me toques com cabelo, barba... que é tudo
muito bem pensado. O homem macho hoje já pode ter uma relação com o
cabelo. (Inês, assistente de edição)

Conseqüentemente, os salões de beleza cada vez mais recebem a presença de homens

à procura de um corte de cabelo moderno, depilação ou mesmo serviços de estética facial. Em

relação aos serviços de manicure ou pedicure, não percebi uma procura muito grande por

parte de homens mais jovens. Os poucos que vi fazendo unha aparentavam ter acima de 40

anos e pertencerem a classes menos abastadas. No salão de Ipanema nunca presenciei a cena

de um homem tendo as unhas feitas, ao contrário dos outros dois salões investigados. Eles

solicitam que a manicure as lixe, cutile e, em alguns casos, que passe uma base incolor.

Fazer as unhas em salão não se mostrou uma prática muito difundida entre homens, o

que pode vir a levantar suspeitas em relação à sexualidade. Em minhas andanças por

Copacabana vivenciei uma situação ilustrativa. Em um salão na rua Prado Júnior, um homem

estrangeiro sentou ao meu lado enquanto aguardava ser atendido para fazer as unhas das

mãos. Aproveitei para puxar assunto. Como era um salão freqüentado pelas prostitutas da

região, na segunda ou terceira frase fiz questão de me identificar dizendo que era antropóloga

e estava ali a trabalho. Ele faz o mesmo logo após minha fala. Esclarece que não é “gay”,

apesar de estar fazendo as unhas.

No salão do Catete pude presenciar uma atitude de repreensão pública. Um cliente

homem, de meia-idade, que tinha seu cabelo cortado pelo barbeiro fez o seguinte comentário

a respeito de outro cliente homem, da mesma faixa etária, que era atendido por uma manicure:

- “Que horror. Esses homens não se valorizam”.


122

Porém, embora certas práticas de beleza ainda sofram preconceitos de gênero, hoje os

homens são menos estigmatizados por freqüentarem salões. Não à toa que nos últimos tempos

tem sido possível assistir a uma gradual substituição das antigas barbearias por salões unissex.

O próprio termo “barbeiro” já se tornou pejorativo entres alguns profissionais do ramo, que

preferem ser chamados de cabeleireiros, mesmo que tal denominação venha às vezes

acompanhada pelo estigma de homossexualidade, como já discutido anteriormente.

Cortes mais elaborados e modernos. Este é o principal motivo que leva cada vez mais

homens a procurarem os salões de beleza, segundo as pessoas que entrevistei. A barbearia,

cada vez mais, se torna um lugar antiquado, freqüentado por gerações de homens que faziam

barba a lâmina e usavam tal espaço para a prática de sociabilidade. Um dos entrevistados

conta o estranhamento que sentiu quando deixou de ir ao barbeiro e passou a freqüentar salões

de beleza:

Eu estranhei um pouco o ambiente de salão, porque é um lugar maior, com


mais gente. Barbearia não tem um monte de mulher passando com papel
alumínio na cabeça, não tem tinta, não tem mulher com pé para cima,
barulho de secador, nada disso. Os barbeiros masculinos são mais quietos,
menos agitados. É um ambiente mais calmo. Ao mesmo passo tem uma
coisa de tradição, de mais velho. Os utensílios parecem que são mais velhos,
os tipos de corte também. Eu acho que foi até por isso que eu mudei para
salão. Para poder ter um corte mais moderno. (...) O barbeiro era um lugar
para você ir cortar curto. Você nem falava muito o que queria fazer: o cara
olhava pelo formato da sua cabeça e pelo seu tipo de cabelo e, sem te
perguntar, já cortava para durar um mês, dois meses. Mas os barbeiros
perderam muito espaço, eles foram agregados aos salões de beleza.
E por que perdeu tanto espaço? O que mudou na sociedade?
Acho que talvez porque os salões tenham encontrado esse filão, através
dessa preocupação do homem com beleza. É engraçado pensar no homem de
antigamente. Os caras eram vaidosos também. Só que havia uma divisão de
espaço. O barbeiro para o homem era um espaço de confraternização. Onde
você tinha aquela tradição, porque a barba ficava mais bem feita com aquela
navalha. Lá eles liam jornal, escutavam rádio, falavam sobre os jogos, os
resultados. Era um lugar masculino. Você não vê gays trabalhando em
barbeiro. É um espaço extremamente masculino mesmo. (Rubens,
engenheiro)
123

Sendo exceções que confirmam a regra, tive acesso a duas informações que caminham

na contramão desse processo de substituição das antigas barbearias. A primeira delas foi ter

descoberto, para minha surpresa, que três cabeleireiros do salão de Ipanema apenas cortavam

seus cabelos em barbeiros.

Eu corto meu cabelo em barbeiro. Porque ele tem noção de forma, não deixa
minha cabeça torta. Antes, quando eu morava no Flamengo, também cortava
em um barbeiro do bairro. Mas é barbearia mesmo, daquelas com revista
Playboy e Ela. Eu sentava na cadeira e o barbeiro logo jogava uma revista de
mulher pelada no meu colo. Não gosto de cortar com cabeleireiro, não gosto
de ter cabelo “estiloso”, “modernoso”, de quem freqüenta salão. Eu já
trabalho em salão, já sou cabeleireiro, não quero ter estampado na cara que
sou cabeleireiro, sabe? Aqueles cabelos super elaborados, com luzes loiras...
Não gosto. (Armando, cabeleireiro)

Algumas pessoas mantêm preferência por barbeiros, seja para fugir do estigma de

cabeleireiro (no relato de Armando) ou para reinventar um novo espaço de sociabilidade,

como é o caso de um grupo de rapazes em São Paulo.

Na minha cabeça, homem que é homem vai ao barbeiro. Claro que eu tenho
consciência de que existem muitos homens que freqüentam salão. Em São
Paulo tem uma barbearia que é toda no estilo retrô, que é o point dos bulldog
crew, uma turma de caras com tatuagens old school que curtem carro antigo
e têm cachorros bulldog. Eles se reúnem nesse salão para bater papo. Não
entra mulher, é o cantinho deles, onde eles falam assuntos de homem. Ficam
dentro da barbearia durante horas conversando, marcam de se encontrar lá.
Já virou um bar, praticamente. Tem cerveja e whisky. Eles fizeram da
barbearia o “clube do bolinha” deles. É muito engraçada a relação desses
meninos com a barbearia, eles só deixam ir lá as meninas que eles querem
namorar ou as namoradas fixas, que passam lá só de vez em quando. Quando
um menino desses fala para a menina encontrar com ele na barbearia, é que o
negócio está ficando sério. Não é qualquer uma que vai lá. (Fabiana,
designer)
124

Embora o foco de minha pesquisa fossem os salões de beleza, barbearias nunca

deixaram de despertar minha curiosidade. Havia uma em Copacabana que sempre me chamou

atenção, pelo fato de ser super discreta em uma rua tão movimentada como a Santa Clara. Um

dia decidi conhecer a barbearia de perto. Havia dois homens sendo atendidos. Um deles tinha

seus cabelos cortados e o outro as unhas feitas. Percebi que a manicure era a única presença

feminina dentro daquele pequeno ambiente.

Olhei pelo vidro e me direcionei à porta. Antes que eu entrasse, um homem de

aproximadamente 40 anos, que pela atitude parecia ser dono ou gerente do salão, logo abriu a

porta para me atender. Perguntou, educadamente, se poderia me ajudar. Indaguei se a

manicure estaria disponível para fazer minhas unhas. Prontamente o homem me indicou um

salão na esquina. Como se não tivesse sido clara o suficiente, perguntei novamente se aquela

manicure da barbearia, em especial, não poderia fazer as minhas unhas. Mais uma vez o

homem me aconselhou procurar uma manicure ótima neste salão que havia indicado. Disse

que ela já havia trabalhado ali e era muito boa.

Fiquei inibida em insistir pela terceira vez e fui procurar o salão indicado. Minutos

depois lá estava eu de volta, sendo mais uma vez atendida na porta do estabelecimento, ao

invés de convidada a entrar. Falei para o homem que não havia horário disponível no outro

salão e perguntei novamente se poderia fazer unha em sua barbearia. O homem falou que em

breve chegaria outro cliente já agendado.

Como último recurso, decidi abrir o motivo de minha insistência. Falei que era

estudante de antropologia e pesquisava diferentes salões. O homem, embora simpático, pouco

se interessou pelo meu estudo. Foi então que perguntei mais enfaticamente se os clientes

masculinos se incomodariam com uma presença feminina. O homem respondeu: - “Pelo

contrário. São as mulheres que se incomodam com a presença de homens”.


125

Apesar de uma “androginização cultural da modernidade” (VALE DE ALMEIDA,

1995:58), em que o mundo público oferece oportunidades de sociabilidades inter-sexuais,

alguns espaços da cidade - tais como certas barbearias ou salões de beleza – são fortemente

marcados por uma sociabilidade intra-sexual. Não são todos os homens e nem todas as

mulheres que se sentem à vontade em compartilhar o mesmo ambiente com o sexo oposto

quando se trata de um salão de beleza unissex.

Alguns salões se preocupam em reservar espaços de forma que clientes homens e

mulheres possam ficar fisicamente separados uns dos outros. No entanto, na maior parte dos

salões não existe tal segregação. Especialmente nos que tive a oportunidade de investigar, os

clientes pareciam à vontade em um ambiente misto. Com exceção de dois casos: uma senhora

cliente do salão de Ipanema que usualmente se recusava a fazer o cabelo na presença de

clientes homens e, no caso do salão do Catete, um homem que uma vez abriu a porta do salão,

levantou o dedo timidamente e perguntou baixinho à recepcionista se era um salão unissex.

Entrou e comentou que nunca viu tanta mulher junta. Pareceu relaxar apenas quando atendido

pelo barbeiro.

Contudo, a maior parte das pessoas com quem conversei afirmou não se sentir

constrangida ou incomodada com a presença do sexo oposto no mesmo ambiente do salão.

Eu até prefiro quando tem homem, porque eu parto do princípio de que o


homem não está entendendo direito o que está acontecendo. Ele não vai ficar
reparando no que está sendo feito: - “Olha lá! Eu não acredito que ela vai
cortar uma franja”. Ele não faz isso. A mulher repara. Ela corta o cabelo de
rabo de olho no seu. Ou é para “urubuzar” ou para elogiar. (Inês, assistente
de edição)

Quanto a casais que vão juntos ao salão de beleza, embora não seja comum, tive a

oportunidade de observar alguns. No geral, eram jovens namorados ou pessoas casadas,

embora uma vez eu tenha presenciado no salão do Catete um casal de amantes (desconfiança
126

minha confirmada pela manicure) - enquanto a menina fazia manicure e ele aproveitava para

cortar o cabelo.

Nesses episódios de casais que vão ao salão juntos, pude observar que quando a

mulher não tinha nenhum serviço agendado para si, colocava-se ao lado para explicar ao

cabeleireiro como gostaria que fosse feito o corte no parceiro e acompanhava o serviço até o

fim. A cena parecia se confundir com a de mães decidindo sobre o corte dos filhos,

reproduzindo uma prática comum em que mulheres se colocam como vigilantes ou

especialistas sobre o visual dos homens, seja na esfera familiar ou mesmo no ambiente de

trabalho (BOUZÓN, 2004:103).

Contudo, nem sempre ir com o cônjuge ao salão se revela uma boa idéia. Nino, um

rapaz com quem conversei no salão de Botafogo, conta a vez em que sua namorada pediu que

a acompanhasse ao salão. Quando deixam o estabelecimento a namorada diz que nunca mais

o levaria porque sentiu que as manicures se alvoroçaram com a presença dele.

Um fato curioso que observei nos salões investigados é que, diferente do que fazem as

clientes mulheres, raramente os clientes homens puxam conversa com outros clientes

enquanto aguardam ser atendidos. Geralmente só conversam com o/a profissional que os

atende. O comentário de uma das entrevistadas reforça minhas observações: - “Homem

quando vai a salão não fica falando tanto quanto a mulher. Cabelo de homem sempre faz

rápido. Eles não ficam enrolando muito lá. A gente não, fica conversando durante horas!”

(Rebeca, auxiliar administrativa).

Quando tento explorar se existe diferenciação quanto ao conteúdo das conversas, mais

uma distinção com base em gênero é trazida à tona. Os assuntos de homem são tidos como

aqueles que giram em torno de esporte, família ou mulheres, enquanto os assuntos femininos

se concentram basicamente em recursos de estética corporal, como roupas e maquiagem. O

dono do salão de Botafogo traz sua percepção referente a anos de experiência:


127

Quando o homem senta na cadeira, você começa puxando assunto sobre


futebol. Se o assunto não render você puxa família. Se o cliente continuar
calado você fala sobre mulher. Se depois disso ele não falar nada é porque
ele realmente não quer conversar. Aí é para você ficar calado. Já com mulher
você puxa assunto sobre roupa, moda e maquiagem. Aí ela começa a falar.
Ou então ela chora. (Josias, cabeleireiro e dono de salão)

Pode até ser que haja certa recorrência de assuntos de acordo com o gênero em

questão. Apesar de identificar maior presença de assuntos femininos relacionados a filhos,

encontros e desencontros amorosos - com especial atenção para o tema da traição - o que pude

observar em campo é que os assuntos são muito generalizados. Tanto homens quanto

mulheres conversam sobre tudo.

Concluindo as observações sobre gênero, cabe ainda se perguntar se o salão de beleza

não seria um local de aprendizado de modelos hegemônicos do que é ser feminino ou

masculino. Certamente é possível afirmar que os próprios modos de apropriação destes

ambientes já indicam formas pelas quais concepções sobre masculinidades e feminilidades

são elaboradas. Ou seja, os próprios usos e significados que homens e mulheres atribuem aos

salões de beleza são capazes de revelar noções bastante particulares sobre gênero.

Quando tudo começa: sobre idades e salões

Partamos agora para a análise de outra dimensão fundamental na elaboração de

sentidos para o espaço do salão de beleza: refiro-me às noções referentes a idade 67. Apesar de

ter optado por manter as variáveis usadas pelas próprias pessoas entrevistadas, a sugestão que

67
Destaco o trabalho de três autores, em especial, que me ajudaram a relativizar a noção de idade: LINS DE
BARROS (1999 e 2006), ALVES (2004 e 2006) e ARIÈS (1978).
128

proponho é que as idades aqui mencionadas não deixem de ser vistas como construções

históricas e sociais, ou seja, como variáveis culturalmente produzidas que têm como

referência processos biológicos universais.

O salão de beleza se apresenta como espaço singular para a produção e reprodução de

rituais, práticas e estilos de vida relacionados a períodos distintos da trajetória de uma pessoa.

Isto porque o uso do salão pelas mulheres varia de acordo com a idade e o momento no curso

de suas vidas. Ou seja, o tipo de tratamento procurado e a regularidade das visitas não

permanecem estáticos ao longo dos tempos. Como bem coloca Paula Black, não é possível

dizer como a passagem do tempo afeta o uso do salão, mas, em todos os casos, tempo é um

fator de influência significante na experiência dos serviços de beleza (BLACK, 2004:53).

Quando perguntava às pessoas se lembravam da primeira vez que haviam ido a um

salão de beleza ou com que idade começaram a freqüentar, poucos souberam precisar

exatamente. Alguns se recordam apenas dos carrinhos de brinquedo usados como assento para

cortar cabelos de crianças, comuns em salões infantis.

Seja para acompanhar as mães ou ter os cabelos cortados, desde cedo as crianças são

iniciadas no universo dos salões de beleza. Durante a pesquisa de campo observei a presença
68
de bebês recém-nascidos até senhoras de 92 anos . Entretanto, apesar de não existirem

restrições de idade para ter acesso ao ambiente dos salões, o mesmo não ocorre quanto aos

serviços ofertados: quanto menor a idade, maiores as restrições sobre o acesso a práticas

estéticas realizadas em salões de beleza (com exceção de cortes de cabelo). Embora isso não

impeça observar crianças muito novas de unhas pintadas, cabelos tingidos ou expostos a

alguma técnica para modificação de textura.

Uma criança no salão do Catete, em especial, proporcionou-me momentos

privilegiados de observação. Era uma menina de sete anos, negra, magra e alta, de presença

68
Comparado aos salões do Catete e de Botafogo, no salão de Ipanema a freqüência de crianças, adolescentes ou
pessoas muito idosas é pouco comum. Acredito que, tal como ocorre com gênero, quanto mais sofisticado um
salão de beleza, maior a segmentação por idade.
129

encantadora. Usava óculos de grau, cabelos compridos ondulados e, pelos detalhes das roupas

e acessórios, parecia ser vaidosa.

A mãe conta que a filha adora salão de beleza, mas quando vai nem sempre a leva

junto. Insatisfeita com a “exclusão”, uma vez a filha questionou por que a mãe tinha direito de

ir ao salão e ela não podia ir também, “para pintar florzinha na unha”. Sua argumentação

parece ter vencido, dado que nunca vi a mãe ir sem a filha durante os meses que acompanhei

o cotidiano daquele salão.

Lembro da primeira vez que as vi. Enquanto a mãe era atendida por uma manicure, a

filha era atendida por outra. No entanto, a partir de certo momento, como se as luzes se

apagassem e um holofote se colocasse sobre a pequena menina, dá-se início a uma cena

espetacular. Ao final do serviço de manicure, a criança se transforma: levanta da cadeira, solta

os longos cabelos antes presos em um rabo-de-cavalo e, balançando os fios de forma

intencional, caminha em linha reta até os fundos do salão como se estivesse em uma passarela

de moda. No percurso de volta, para em frente à mãe, coloca uma das mãos na cintura e dá

uma viradinha, como se posasse para fotógrafos. A mãe ri e diz sem-graça, mas com um

fundo de orgulho: - “Ih...Começou!”.

Minutos antes, coincidentemente, uma pedagoga havia sentado ao meu lado no banco

de espera e passado 20 minutos de conversa falando o quanto as crianças de hoje, diferente de

antigamente, querem se vestir, maquiar e pentear como adultos, “tal como na Idade Média”.

Discursa, de forma inflamada, o quanto as crianças atualmente se encontram muito mais

expostas a sexualidade, o que as faz pular etapas e iniciar a vida sexual muito cedo.

Exemplifica dizendo que quando a criança pinta as unhas, no fundo, já sabe que aquele é um

artifício para seduzir.


130

Divirto-me com a ironia da situação que acaba de acontecer aos nossos olhos. Para

finalizar, antes de ir embora a menina saca de sua bolsinha uma nota de R$ 2,00 e dá como

gorjeta para a manicure que a atendeu.

Não me admiro que o salão de beleza desperte interesse em crianças, especialmente

meninas. Recentemente vi um brinquedo ser anunciado na televisão. Tratava-se de um iate

para bonecas que continha vários tipos de diversão. Entre piscina e tobogã, as bonecas

também tinham acesso a um salão de beleza.

Vale também mencionar a atual moda de festas infantis de meninas realizadas em

salões de beleza. Ou mesmo em playgrounds ou casas de festa, em que o ambiente de um

salão de beleza é simulado e profissionais de cabelos, unhas e maquiagem contratados para

cuidar da aparência dos pequenos convidados. Embelezar-se torna-se uma diversão desde

cedo.

Diariamente, sem exceção, eu acompanhava a cena de pais ou avós levando seus filhos

ou netos aos salões para terem seus cabelos cortados 69. Geralmente era o parente adulto quem

explicava ao cabeleireiro que tipo de corte deveria ser feito. Quanto maior a criança, maior a

atenção e consideração dadas a suas preferências estéticas pessoais.

Acredita-se ser preciso um processo de socialização relativamente longo para o

indivíduo dominar boa parte das técnicas de embelezamento corporal. Fica estabelecido então

que crianças não devem manipular sozinhas seus próprios corpos. A passagem da infância

para a adolescência é um momento privilegiado para observar mudanças que se estabelecem

na relação do indivíduo com o próprio corpo e, conseqüentemente, com o salão de beleza.

Com a chegada da adolescência, a pessoa adquire maior autonomia sobre o próprio

corpo e se torna cada vez mais responsável pela própria aparência. A partir deste ponto,

especialmente no caso feminino, começar a cuidar da estética corporal é um dos pré-requisitos

69
Os salões de beleza, neste sentido, também são espaços de encontro inter-geracional. Encontro este que se
estende da infância à vida adulta, sendo possível ver pais e filhos de qualquer idade acompanhando uns aos
outros nas visitas a salões.
131

para se tornar e se fazer cotidianamente mulher, sendo o salão um dos espaços privilegiados

para a construção de si.

Lembro uma vez que fui com minha avó ao salão. Eu devia ter oito anos. Eu
a vi fazendo a unha e quis também. Ela pediu então para a manicure pintar
minhas unhas. Nossa, eu fiquei toda feliz com a unha pintada. Eu me senti
mulher. Pensei: - “Olha, estou grande!” (Jordana, 25 anos, promotora de
eventos)

Apesar de a adolescência ser marcada como a fase em que se inicia uma relação mais

direta e independente com o salão de beleza, sem a mediação de parentes, a freqüência se

diferencia de outras faixas etárias mais avançadas. Acredita-se que adolescentes freqüentem

menos os salões por se tratar de uma fase que exige menos manutenção da beleza. Afinal, têm

aquilo que mais se busca: juventude. Com o passar da idade a relação com salão de beleza se

intensifica, paralela à insatisfação com a aparência do corpo trazida com o processo de

envelhecimento ou demandas sociais.

Por volta dos 30 anos, tal relação muda de tom. Dá-se início à busca por uma beleza

que parece aos poucos desaparecer. Os serviços prestados pelo salão de beleza passam a ser

encarados em termos de “necessidade”. Conseqüentemente, a freqüência a tal ambiente se

torna maior, o que cria oportunidade para novas práticas de sociabilidade.

A mulher começa a freqüentar mais quando vai se aproximando dos 30. Que
é quando ela mais sente a necessidade de uma vaidade que você não resolve
tão facilmente em casa. É quando você está trabalhando e pode administrar o
dinheiro que ganha com isso. (Inês, 27 anos, assistente de edição)

Eu, por exemplo, só comecei a procurar salão depois dos 40. Tudo fica lindo
quando você é novo, qualquer jeitinho que você der em casa é lindo. A
média de idade que usa muito salão são mulheres de 30 a 60 anos, no
máximo. Porque as mulheres de 70, muitas já assumiram o cabelo branco.
Ou então elas prorrogam, ficam com quatro dedos de raiz branca e só vão ao
salão quando têm um casamento ou aniversário. Porque o grau de vaidade
vai diminuindo com a idade. Você é mais vaidosa aos 40 do que aos 50 e
132

muito mais aos 50 do que aos 60. Eu acho que na sua balança você começa a
ter outros valores que não só a estética, o visual. Você fala assim: - “Ah!
dane-se se alguém vir minha unha mal feita, eu não tenho a obrigação de
mostrar aos outros que eu fiz a unha”. A mulher mais nova, no final de
semana, vai se encontrar com as amigas e não pode estar com a unha mal
feita, senão vão dizer que é relaxada. Quando você chega a certa idade, você
diz: - “Essa semana não estou a fim de fazer, dane-se o que os outros vão
pensar”. Você já tem mais autoconfiança, é diferente. Não sei como explicar
isso, mas conforme vão passando os anos você vai relaxando mais nessas
obrigações. (Ivanilde, 52 anos, empresária)

Não sei se os mais jovens só vão ao salão quando estão precisando e as mais
idosas, no caso, não dão tanta importância a isso. Mas o que eu vejo quando
vou ao salão é essa faixa dos 30 aos 50 anos, que estão lá fazendo unha toda
semana, fazendo o cabelo mais de uma vez ao mês. Acho que nessa idade, as
pessoas estão se mostrando mais. Querem se afirmar jovens: estou
envelhecendo, amadurecendo, mas continuo enxuta, continuo me cuidando,
continuo bonita.
Mas seguindo essa lógica, não era para as mulheres quanto mais velhas
mais freqüentarem o salão?
Mas aí eu acho que depois de um tempo elas não dão tanta importância.
Muda o conceito do que é salão para elas.
Então me fala: o que é um salão para a mulher de 30 a 50 e o que é um
salão pra a mulher acima de 50?
De 30 a 50 é mais um lugar para ela se sentir melhor, arrumar-se, sentir-se
mais bonita. Talvez para passar o tempo, algumas das vezes. É como se
fosse uma parte social. Ela está se relacionando com outras mulheres da
idade dela. De 50 anos para cima, as mais velhas, que vão chegando à
terceira idade, não têm essa necessidade de estar vivendo aquele lado social.
Eu acho que tem um apelo social, de convivência, de sociedade no salão. Eu
vejo isso pelas conversas, fofocas, “tititi”, essas coisas. As mulheres mais
velhas não têm tanto isso. Elas já estão querendo viver com os filhos, com os
netos, com o marido. Elas não têm mais esse apelo de vaidade. Eu acho que
depois de um tempo vira uma futilidade, talvez. Elas pensam: - “Ah! Eu não
preciso disso”. Já perceberam que o marido não presta atenção se elas
fizeram a unha, se cortaram o cabelo ou pintaram de uma cor diferente.
(Fabrícia, 23 anos, trainee)

Quando a idade se encontra mais avançada, a partir dos 50 anos, a crença é que a

preocupação e a cobrança com a aparência pessoal gradativamente diminuam, reduzindo as

idas a salões de beleza. Como se o passar da idade liberasse a mulher da obrigação de se

apresentar sempre de unhas feitas ou cabelos pintados e a maturidade colocasse outras


133

70
prioridades na vida. Já venceram o grande desafio de adquirir matrimônio , já possuem

netos e a vida sexual já não mais está em seu auge, liberando a mulher da obrigação de se

fazer atrativa por meio do corpo.

Outra leitura que se faz diz respeito às situações de sociabilidade. Como se ao final da

vida a mulher participasse com menos intensidade de encontros ou situações de interação

pública, especialmente no que se refere às que envolvem trabalho remunerado.

A minha avó é extremamente vaidosa, ela tem 80 anos e vai ao salão. Ela
quebrou a perna e teve que parar de ir, mas o salão foi até ela. Ela ficava em
casa de camisola, com a perna sem poder mexer, mas tinha uma mulher lá
fazendo o pé, a outra fazendo a mão, outra o cabelo. A minha avó precisa
disso, porque ela jamais sairia na rua desgrenhada. Mas eu acho que esse
exemplo não é uma regra. Porque quando você começa a ficar muito
velhinha você pode dar uma relaxada, né? Ah! Você já está viúva, você não
tem uma vida social, não está na rua, não está sendo vista. Você se arruma,
de repente, para uma festa ou evento. Mas não precisa estar bem em tempo
integral, com a unha feita toda semana. (Inês, 27 anos, assistente de edição)

Depende da pessoa. A minha mãe está com 72. Ela é religiosa e só vai ao
salão se tiver um casamento ou alguma coisa muito importante. Fora isso, eu
nem lembro a última vez que ela pisou em um salão. Mas tem uma vizinha
que todo fim de semana vai ao salão e é da mesma idade da minha mãe. É
que ela é mais vaidosa, ela trabalha fora. Já minha mãe não, ela lava, passa
cozinha, se arruma e vai à igreja de noite. Ponto. (Rebeca, 35 anos, auxiliar
administrativa)

É como se a dimensão doméstica exigisse menos cuidado com a aparência do que

aquela ligada ao trabalho formal. Quanto maior a exposição a pessoas fora do núcleo familiar,

maior a cobrança de uma apresentação de si dentro dos parâmetros tidos como apresentáveis,

especialmente se tratando de cabelos e unhas.

70
Quanto a estado civil, não percebi a concentração de nenhuma condição específica no que se refere a uma
maior ou menor freqüência a salões de beleza. A percepção dos profissionais e clientes com quem conversei
reforçam minha suposição: que os salões de beleza são freqüentados tanto por pessoas solteiras, casadas, viúvas
ou divorciadas, entre outras.
134

A dona-de-casa vai uma vez por semana ou de 15 em 15 dias fazer o pé e a


mão. Uma vez por mês vai pintar o cabelo. As mulheres que trabalham fora,
que são independentes, é exigido delas estar com a aparência sempre
impecável. O cabelo nunca aparecendo a raiz branca, as unhas bem feitas,
porque elas estão em contato com o público. Então elas usam mais o salão
que as donas-de-casa. Por exemplo, a aeromoça está sempre maquiada, com
as unhas e os cabelos bem feitos, por uma questão de apresentação.
Recepcionista e artista também, porque é exigência do próprio trabalho
delas. Não vão aparecer na telinha com a raiz dois centímetros de branco por
fazer. (Ivanilde, 52 anos, empresária)

Por outro lado, reconhece-se que a questão da vaidade independe de idade. Muitos são

os relatos de mulheres, conhecidas ou familiares, com mais de 70 anos que ainda mantêm o

costume de ir ao salão de beleza com regularidade. Uma das entrevistadas conta sobre uma

senhora de 100 anos que conseguia se locomover com muita dificuldade, mas todo final de

semana ia com suas duas filhas ao salão para todas terem os cabelos arrumados.

Tive a oportunidade de conhecer uma cliente do salão de Copacabana com

aproximadamente 90 anos. Sua saúde é bastante debilitada. Pergunto à filha por que não

chama uma manicure em casa. Esta diz que o salão é um dos poucos lugares que a mãe tem

para passear. As duas vão todo domingo ao salão, religiosamente 71.

Neste sentido, é possível pensar o salão de beleza não apenas como um espaço de

diversão, mas como um lugar para se sentir viva e participante do mundo. Adorei a resposta

dada por uma senhora de 92 à filha. Ambas estavam no salão de Ipanema e a filha sugere à

mãe que pare de pintar o cabelo e assuma os fios brancos. Em um tom de indignação, a mãe

responde: - “Deixe você de pintar!”

71
Vale destacar que muitos salões de beleza funcionam aos sábados e domingos, ficando a segunda-feira
reservada como dia de folga para os funcionários.
135

A respeito de outras variáveis analíticas

Em uma das passagens de Behavior in public places, Goffman comenta que, nas

sociedades ocidentais, o desenvolvimento da classe média é expresso em termos do

surgimento de um uso relativamente igualitário dos espaços públicos (1963:163). Embora os

salões de beleza sejam estabelecimentos comerciais voltados para a oferta de produtos e de

serviços disponíveis a qualquer pessoa que tenha condições de arcar com as despesas de um

corte de cabelo ou serviço de manicure, esse “uso relativamente igualitário” deve ser

relativizado.

Em outras palavras, o fato de serem “abertos a todos” não exclui a possibilidade de

existência de representações valorativas e demarcadoras de classes sociais. Na prática, não

são todos os salões que são freqüentados por qualquer pessoa. Levando em consideração que,

na cidade do Rio de Janeiro, o preço de um corte de cabelo pode variar mais de 450%, tal

diferença sugere como o valor de uma simples prática estética é capaz de gerar uma

segmentação bastante particular baseada em poder de consumo. No entanto, quando falamos

de posição de classe, devemos atentar não apenas para os aspectos econômicos, mas também

para os aspectos simbólicos.

Uma das mulheres de classe popular com quem conversei traz suas percepções sobre o

estranhamento que sentiu ao freqüentar um salão considerado de classe média, na Barra da

Tijuca - por motivo de ter ganhado um serviço de manicure oferecido pelo escritório em que

trabalha, em homenagem ao Dia das Mulheres 72.

O sentimento de inferioridade é manifestado por um distanciamento percebido no que

se refere a formas distintas de apresentação do self. Um conjunto de técnicas corporais, modos

72
Tal forma escolhida para homenagear as mulheres por si só é uma informação interessante
136

de vestir e falar, e visões de mundo que são capazes de apontar a participação de determinado

sujeito em um ethos de camadas privilegiadas.

E você sentiu alguma diferença entre o salão da Barra e o de Caxias, que


você costuma freqüentar?
Ah! O público. As pessoas que freqüentam.
Tem diferença?
Com certeza! As pessoas, a classe social... Ah, você percebe! Eu acho que as
pessoas são diferentes. Eu olho para a pessoa e sei que é alguém que mora na
Barra e não na Baixada. Eu acho que a pele é mais bonita, o estilo da roupa,
o jeito de se vestir. Ela pode estar de shortinho com havaiana no pé. Mas é
diferente de mim, por exemplo, de shortinho com havaiana no pé.
Por quê?
Porque somos diferentes. Eu acho diferente o jeito de falar, a pele, o cabelo.
Tem diferença, é óbvio. (Rebeca, auxiliar administrativa)

Uma das clientes do salão de Ipanema conta suas impressões sobre o primeiro dia em

que foi ao mesmo:

A primeira vez que eu fui achei lindo! Mas fiquei morrendo de medo.
Pensei: - “E meu bolso? Entrei num lugar desses, estou lascada! Vou ter que
pagar a conta”. Eu tive que ir porque o meu colorista foi transferido para lá e
ele é o único que acerta a cor do meu cabelo. A primeira vez então eu entrei
de gaiata. Terminou de pintar o meu cabelo, aí veio o ajudante secar. Depois
eles oferecem uma massagem com um creme hidratante que vai dar uma
vida ao seu cabelo. Não, deixe! Qualquer tubozinho daquele você paga R$
7,80 na L’Oréal e no salão eles cobram R$ 25,00. Ou então oferecem um
creme que tem uma substância do tomate que faz bem. O cabelo sai uma
delícia, mas custa R$ 70,00 a aplicação. Então você não pode entrar nessa de
salão chique, de passar cremezinho ou secar cabelo. Eu acho que o salão
tinha obrigação de secar, porque se você chegou com o cabelo seco, então
tem que sair com ele seco. Em um salão mais simplesinho a secagem já está
incluída na pintura. Eu já vi mulher lá que entra, faz pé e mão, pinta o
cabelo, faz sobrancelha, passa um cremezinho e deixa quase R$ 600,00 no
salão. Mas isso não é problema para ela. (Ivanilde, empresária)

Evidentemente que o preço cobrado pelos serviços nos salões de beleza é um dos

principais elementos segmentadores. Porém, não é o único. Pode-se também levar em

consideração a variedade de tratamentos e técnicas disponibilizadas, a localização do


137

estabelecimento (mais especificamente bairro e rua), decoração e objetos materiais que

compõem o ambiente, qualidade percebida do serviço, atendimento prestado pela equipe de

funcionários, ou mesmo a própria clientela que freqüenta o salão. Nesse sentido, o que conta

na escolha de um salão de beleza, muitas vezes, não diz respeito apenas ao valor cobrado

pelos serviços, mas à representação que o espaço adquire no imaginário de cada indivíduo.

Acho muito curiosa a opinião de um dos cabeleireiros do salão de Ipanema. Armando

me diz que não existe diferença entre certos tipos de cortes de cabelo se feitos em salões de

elite ou em salões populares.

São todos iguais. Se você mudar a roupa da socialite, tirar sua bolsa Louis
Vutton e a calça de marca e colocar na mulher pobre, você vai ver que, pelo
cabelo, não dá para diferenciar uma da outra. Aquela ali, por exemplo,
[aponta uma cliente que cruza o salão com cabelos castanhos compridos em
corte reto] deve ter gasto, no mínimo, R$ 400,00 com corte e pintura. Me diz
quantos cabelos iguais a esse você não vê na rua? É tudo igual! (Armando,
cabeleireiro)

Uma das entrevistadas com que conversei possui opinião similar. Quando peço para

pensar a diferença entre o salão mais chique a que já foi e o menos sofisticado, responde:

O corte é melhor. A higiene também. Mas depende do corte: se for fio reto
até um macaco treinado faz. Mas se for mais elaborado, aí requer uma
técnica. Por isso que eu não vou a salão caro para cortar só as pontas do
cabelo. (Juliana, desempregada)

No salão de Ipanema, a única situação que presenciei de pessoas que usualmente não

teriam condições de arcar com os custos dos serviços ali prestados, foi um caso bastante

específico. Tratava-se de uma jovem modelo recém-descoberta que foi ao salão para ter os

cabelos pintados e cortados, custeada pela agência que a representa.


138

Acompanhada pela mãe, ambas destoavam do resto da clientela, não apenas pelo

vestuário diferente como pela postura corporal da mãe, que se mostrava inibida, sentada na

cadeira de forma tímida, sem repousar o corpo nas costas do assento ou deixar de segurar no

colo sua bolsa, como se fosse uma bóia salva-vidas para aquela situação que aparentava

desconfortável. Quanto ao inverso, nunca tive a oportunidade de observar. Ou seja, no salão

do Catete ou no de Botafogo nunca consegui perceber nenhum cliente que parecesse destoar

dos perfis que costumam freqüentar tais salões.

Ao longo da pesquisa de campo me coloquei a seguinte questão: é um luxo freqüentar

salão de beleza? Hoje acredito que depende do que se entende por “luxo”. Para muitas das

pessoas entrevistadas, o salão é uma questão de “necessidade”. Uma obrigação (por vezes

prazerosa, por outras não) para se “sentir bem”, “apresentável”. Sendo assim, pode ser

considerado um luxo ou não de acordo com a importância que o sujeito enxerga nos serviços.

O salão também pode ser encarado enquanto luxo no sentido de atribuir status e

prestígio a quem freqüenta determinados estabelecimentos valorizados, como é o caso do

salão de Ipanema. Dessa forma, salões de beleza podem ser usados para a construção de

impressões sobre si, especialmente no que se refere a atributos relacionados a possibilidades

econômicas. Como observa Miguel, um dos cabeleireiros do salão de Ipanema: - “Tem muita

mulher que vem aqui para desfilar, para ver e ser vista”.

Lembro de uma situação durante a pesquisa para o mestrado, em que o colorista do

salão do Leblon me disse que fazia “caridade”. Pensando que participava de alguma

organização de assistência a pessoas menos favorecidas, perguntei o tipo de caridade que

fazia. O colorista explica, com um ar de altruísmo, que pinta de graça os cabelos de uma

socialite cujo marido havia falido. A caridade, aqui, tratava de não privar um ser humano de

uma necessidade tão importante que, por falta de dinheiro, havia se transformado em um luxo.
139

Boa parte dos homens com quem conversei formal ou informalmente compartilham

uma visão bastante parecida sobre salão de beleza. Em uma palestra que dei sobre meu tema

de pesquisa para uma turma do curso de graduação em Administração na Universidade

Federal do Rio de Janeiro, propus uma dinâmica antes mesmo que começasse minha fala.

Pedi que cada um, individualmente, entregasse a mim um papel no qual deveriam escrever o

próprio nome e completar a seguinte frase: “Salão de beleza é...”

As frases dos alunos homens se destacaram por convergir em percepções relacionadas

a preço. “Caro”, “um negócio muito lucrativo”, “tempo e dinheiro gastos para se agradar e/ou

agradar os outros” foram algumas das opiniões registradas (além de uma mais engraçadinha

que, embora não tenha feito referência a lucratividade, mas sim a gênero, destacou-se em

meio às outras opiniões masculinas: “Salão é coisa de mulher e tricolor.”).

Porém, não são apenas homens que associam salão a gasto financeiro. Quando

pergunto à recepcionista do Catete o que as mulheres vão fazer no salão, ela imediatamente

me responde: - “Gastar dinheiro”. Comenta em tom inflamado sobre um caso que parece tê-la

incomodado:

Um dia uma mãe trouxe a filha de sete anos para fazer escova. Para quê, me
diz? A criança vai brincar na rua e vai sair toda a escova! Só naquele dia,
essa mulher gastou R$ 65,00 aqui no salão. Fez escova e hidratou o próprio
cabelo, cortou o cabelo do filho, fez escova no cabelo da filha. Pagou tudo
em dinheiro. (Monique, recepcionista de salão)

Para algumas pessoas a ida ao salão de beleza pode ser eventual. Para outras, trata-se

de uma prática periódica, na maior parte das vezes semanal - quando se trata da manutenção

das unhas. Quanto às mulheres com quem conversei, parte considerável afirma ir ao salão

para fazer unhas das mãos toda semana e unhas dos pés quinzenalmente. Se considerarmos

um preço médio de R$ 12,00 para serviços de manicure e R$ 15,00 para pedicure, tal perfil de
140

freqüentadora gasta R$ 78,00 por mês, o que equivale a um investimento de R$ 936,00 por

ano, apenas para a manutenção estética de unhas. Adicionados serviços relacionados a

cabelos, certamente o gasto anual é significativamente maior.

Uma das entrevistadas conta que quando decidiu se mudar da casa dos pais para morar

sozinha, uma amiga que já havia feito tal movimentação a aconselhou montar uma planilha

em Excel para ter noção de todos os gastos que passaria a ter mensalmente, tais como contas

de luz, água, IPTU etc. E chamou atenção da amiga para que não se esquecesse de incluir os

gastos mensais com salão de beleza. Uma manicure do Catete resume: - “Salão de beleza

entra na conta mensal da mulher”.

Porém, algumas mulheres questionam o valor gasto com tais serviços estéticos,

especialmente por se tratar de algo que requer constante manutenção, dado que unhas, cabelos

e pêlos estão em constante processo de crescimento e mutação, desafiando toda tentativa de

imprimir formatos ou cores sobre nosso corpo.

Salão é chato e caro. É uma despesa mensal. Se você somar, tem muito
dinheiro gasto com unha, depilação a laser, sobrancelha...
Você considera um dinheiro bem gasto?
Se você parar e raciocinar, é uma coisa que expira muito rápido. Às vezes eu
saio do salão e quebro a unha. Me irrita isso. São R$ 20,00 jogados no lixo.
Ou você sai do cabeleireiro linda, achando que o cabelo ficou maravilhoso.
Mas aí você lava e vê que não era bem aquilo o que você queria, sabe? Às
vezes é um investimento alto e você se decepciona. Então é muito dinheiro.
Eu poderia fazer coisas absurdas com o dinheiro gasto em salão. Por isso que
eu diminuí minhas idas. Hoje eu faço pé só uma vez por mês. A mão eu
tento estender por duas semanas. Mas no final das contas eu acho que é
necessário. É um dinheiro bem gasto porque a sua imagem necessita daquilo.
(Jordana, promotora de eventos)

E quanto às mulheres que possuem recursos financeiros mais limitados e não podem

arcar com um investimento mensal em serviços oferecidos por salões de beleza? “Pendurar” a

conta, parcelar o pagamento ou contar com a boa vontade do profissional ou dono do salão
141

para não cobrarem pelo serviço são alguns dos recursos que podem ser empregados. Contudo,

manipular o próprio corpo é uma das principais alternativas utilizadas.

Por mais que se possa encontrar em qualquer estrato social pessoas que tenham

habilidade para fazer a própria unha ou cuidar do próprio cabelo, tais recursos de beleza feitos

caseiramente costumam ser associados a práticas comuns entre camadas populares. Dessa

forma, o fato de não fazer uso de salões de beleza pode ser apropriado enquanto um

dispositivo para criar diferenças entre classes.

A classe mais baixa faz em casa, faz no intervalo do trabalho, tem seu
alicatezinho, faz sua unha, sua limpeza. Às vezes também porque ela tem
necessidade de se sentir limpinha, bonita, com boa aparência. Mas ela pinta
o cabelo em casa. Então ela não está nem aí se a cor não ficou muito legal, se
não ficou igual à feita por aquele expert de tintura, mas ela também quer
colorir o cabelo. Às vezes para mudar a cor, às vezes para tapar os fios
brancos. A mulher quando quer economizar faz em casa. Mas a classe social
eu acho que influi muito. Porque, hoje em dia, um pé e uma mão em um
salão custam em torno de R$ 30,00. Uma pintura de cabelo, no mínimo, R$
70,00. Isso, para uma pessoa que não tem, é difícil. (Ivanilde, empresária)

Tal capacidade de manipulação estética do próprio corpo pode ser associada não

apenas a classes populares, como também a profissões específicas (empregadas domésticas) e

cor de pele (negra).

Eu não sei como é que funciona, mas toda empregada sabe fazer unha. Volta
e meia elas perguntam: - “Você quer que eu faça a unha para você? Está
lascadinha, quer que eu dê um jeito para você?”. Ou elas sabem fazer ou
gostam de tirar onda que sabem.
E por que toda empregada sabe fazer unha?
Talvez seja por necessidade, por não querer pagar mesmo. Eu acho que essas
caixinhas de tinta para fazer o próprio cabelo elas devem usar mais que
madame. Eu posso até estar errada, mas com certeza devem ter alguns salões
para cabelo de negros. (Jordana, promotora de eventos)
142

Quanto às pessoas que freqüentam os salões em que realizei trabalho de campo, raras

foram as clientes negras que tive a oportunidade de observar nos salões de Ipanema ou de

Botafogo. Quanto ao salão do Catete, a presença de clientes não brancas era mais comum.

É possível observar também uma segmentação baseada na cor de pele quando se

tratam dos profissionais. No salão do Catete, aproximadamente metade dos funcionários é

constituída de pessoas negras. No salão de Botafogo, cinco entre as sete pessoas que

compõem a equipe fixa possuem pele branca. Já no salão de Ipanema, os poucos funcionários

negros costumam ser assistentes de cabeleireiro, manobristas ou seguranças.

Sobre os aspectos relacionados a tipos de cabelo, também se encontram segmentações,

seja na forma dos chamados salões “afro”, “étnicos”, salões especializados em cabelos

“orientais” ou voltados para a produção de penteados específicos, como é o caso de salões

angolanos, ou, ainda, práticas de depilação que ficaram conhecidas como brazilian wax.

Nestes tipos de segmentação é possível observar como a manipulação de determinadas

variáveis pode revelar aspectos da organização não apenas de grupos específicos, mas de uma

idéia de Estado-Nação ou mesmo de uma noção de “cultura”. Européias que não possuem o

hábito de remover a cutícula com alicate. Argentinas que não gostam do formato quadrado ao

terem suas unhas lixadas. Inglesas que se depilam com menor freqüência. Diversas são as

elaborações a que tive acesso em campo.

Ao fazer uma comparação entre Rio de Janeiro e Londres, Armando – cabeleireiro do

salão de Ipanema que estudo e trabalhou como tal na Inglaterra – aciona noções como “frio”,

“quente”, “moderno” e “tradicional” para tecer diferenças relacionadas a nação.

No Brasil é tudo muito mais emocional. Muito beijo, abraço, história


pessoal, as mulheres falam do marido. Na Inglaterra é mais cabelo. O
pessoal é mais frio. As brasileiras, que freqüentam aqui o salão, são aquelas
mais tradicionais, que o marido não deixa trabalhar, bem cultura latina
mesmo. Então o salão é o local que elas têm para se distraírem. É o que elas
têm para fazer. Tem cliente que está aqui quase todo dia da semana. Vem,
pelo menos, três vezes por semana. (Armando, cabeleireiro)
143

Umas das entrevistadas que residiu em Londres durante dez anos acrescenta algumas

percepções que vão de encontro às fornecidas pelo cabeleireiro:

Uma vez, eu era estudante e ainda não tinha manicure em casa, então fui a
um salão. Estava barato nesse dia, porque normalmente fazer unha em salão
em Londres é muito caro, você paga R$ 70,00 só para fazer a mão. Só que a
unha não era bem feita. Lá não pode tirar a cutícula, só empurrar. E o
esmalte também não pode pintar por cima da cutícula. E também não tinha
esse negócio de ficar batendo muito papo. Salão lá é silencioso, não tem
muito “pipipi” não. Inglês, normalmente não fala muito. A tendência é não
saber da sua vida, isso é cultural deles mesmo. É um choque quando as
pessoas vão e acham que o inglês é seco. Eles não são secos, eles
simplesmente não gostam de saber da sua vida se não te conhecem. (Maitê,
auditora)

Falamos até aqui de gênero, idade, classe socioeconômica, cor de pele, profissão e

nação. Cabe agora abordar outro ponto que as pessoas fazem uso para pensar os salões de

beleza. Refiro-me a religião. Embora exista quem afirme que “mulher é igual em todo lugar,

são todas vaidosas, independente da religião” (Ivanilde, empresária), algumas doutrinas

religiosas se destacam pelas restrições que colocam a certos tipos de manipulação estética dos

corpos.

Pessoas religiosas eu acho que não vão muito a salão. Porque pensam: -
“Ah! Está bom assim, Deus quer assim. Então meu cabelo está bom”. Aí não
cortam o cabelo, não fazem sobrancelha. Dependendo da religião, não pode
ficar freqüentando muito salão de beleza. Vejo pela minha mãe que é
evangélica. Unha só pode passar base e tirar cutícula. Não pode ficar
cortando o cabelo. Se o cabelo for escuro, o produto também tem que ser
escuro, não pode mudar radicalmente a cor do cabelo. A religião não gosta.
Já as Testemunhas de Jeová se arrumam muito bem, estão com o cabelo
sempre bonito. Quando eu vou ao salão as Testemunhas de Jeová estão
sempre lá. O pessoal da Igreja Batista também é bem vaidoso. Tem igrejas
que são mais sérias, como a Assembléia de Deus. Agora tem uma, a
Assembléia Renovada e também a Casa da Benção, essas são bem rígidas.
Tem uma religião lá perto de casa que eu não lembro o nome, mas que não
pode cortar o cabelo, não pode usar preto, não pode usar um monte de coisa.
(Rebeca, auxiliar administrativa)
144

Tive a oportunidade de conversar com uma entrevistada que havia recentemente “feito

o santo” na religião Candomblé. Teve os cabelos da cabeça raspados e recebeu uma série de

restrições que deveria seguir, muitas delas relacionadas a seu corpo. O interessante da fala é o

tom de alívio relacionado à permissão para voltar a cuidar de partes do corpo como cabelo e

pêlos.

A pior restrição foi raspar o cabelo. A segunda pior foi ter que dormir no
chão, demorei muito para acostumar. Comer com a mão também foi muito
complicado. Mas a ficha caiu mais quando eu tive que voltar a trabalhar,
porque eu, putz, estava com esse cabelo [refere-se a um corte raspado].
Agora está um pouco melhor, mas eu me senti horrorosa. Nossa senhora!
Antes também não podia pintar unha, agora pode. Mas isso não estava me
incomodando totalmente não. O que incomodava mais era o cabelo muito
curto, porque ele está branco e, por enquanto, não pode passar tintura. É o
santo quem libera o que pode e o que não pode fazer. Nem dar uma aparada
você pode. Está crescendo aqui e começa ficar feio. Raspar cabeça também
nunca mais pode. Passar hena, alguma coisa natural pode. Mas eu queria
voltar a ser loira. Aí quando fui liberada a depilar corri para o salão. Que
desespero! Os pêlos do meu braço, você não tem noção do tamanho que
estavam. Eu usava blusa de manga comprida com medo de alguém reparar.
Eu estava igual a um macaco. (Maura, comerciante)

As crenças religiosas ou mágicas também se encontram presentes fisicamente no

próprio ambiente dos salões de beleza. No de Ipanema, por todo o espaço se encontram

cristais, mandalas e fontes de água. Segundo um dos cabeleireiros que trabalha lá, tudo tem

um sentido ali. Conta que a dona do salão é muito mística e que uma vez receberam a palestra

de uma astróloga/ numeróloga sobre energias que circulam dentro do salão. Esta mesma

numeróloga foi quem recomendou o nome do salão.

Já no salão de Botafogo o que se encontra é uma verdadeira mistura: estátuas de Buda

dividem espaço com pequenas estátuas de anjinhos e divindades indianas. Um elefante virado
145

de costas para a porta (denotando prosperidade, segundo a dona) e uma pequena fonte de água

corrente em forma de pirâmide também compõem o ambiente.

Quanto ao salão do Catete, embora tenha sido o local em que as escolhas religiosas

eram mais verbalizadas, o único elemento no salão que indicava algum tipo de crença era uma

página de internet impressa, colada na parede ao lado do balcão de recepção, com as

diferentes fases da lua distribuídas pelo calendário anual - para o caso de quem acredita que

tais fases influenciam no crescimento dos cabelos.

Um destaque especial vale ser dado às “energias” que se acreditam ser particulares a

ambientes de salões de beleza, de uma forma geral. Tais percepções costumam ser

compartilhadas, sobretudo, pelos profissionais de salões. O fato de lidar diariamente com o

público, de estar em contato direto com diferentes pessoas e, sobretudo, pelo fato de existirem

trocas, sejam elas corporais ou verbais, contribui para a crença de que energias mágico-

religiosas circulam no ambiente do salão de beleza com grande intensidade.

Em todos os salões de beleza que pesquisei, sem exceção, tal tema foi trazido

espontaneamente pelos profissionais sem que eu precisasse estimular. - “Tem horas que o

ambiente está leve. Tem horas que está pesado. Eu sinto. Sou kardecista”, diz uma

cabeleireira. Outra manicure do salão do Catete diz que às vezes tem que tomar banho de sal

grosso quando chega em casa, porque “volta e meia aparece cliente com ‘zica’, me dá até dor

de cabeça e tontura.”

Um cabeleireiro do salão de Ipanema refere-se ao modo como tal energia se passa

pelas mãos, ao tocar a cabeça dos outros: - “É muita troca de energia. Tem gente que te passa

uma coisa boa. Outras te sugam”. Uma manicure do salão de Botafogo fala que, por trabalhar

em salão, às vezes a profissional sai “carregada, porque tem muita energia negativa de

cliente”. Peço que explique como é essa energia. A profissional me diz que a pessoa sai “para

baixo”, sentindo-se “pesada”.


146

Lembro de uma cena que vivenciei no salão do Catete: estava sendo atendida por uma

manicure. Conversávamos entretidas sobre os mais diversos assuntos quando, de repente, a

manicure para de fazer minha unha e se abaixa fingindo que está pegando algo na gaveta de

sua cirandinha. Pergunto o que houve e ela explica que não quer que uma cliente que acabou

de entrar no salão a veja.

Conta que tal cliente cisma em fazer unha com ela, mas que não gosta, por isso tenta

se esquivar. Pergunto se a cliente é uma pessoa chata de conversar ou muito exigente e a

manicure fala que não se trata disso. Não gosta da mulher porque uma vez esta cliente elogiou

suas unhas e, na semana seguinte, todas as unhas começaram a quebrar. Desde então, tenta

não mais atender a cliente por receio de seu “olho gordo”.


147

CAPÍTULO III – Sociabilidade, a vida nos salões


148

A emergência da sociabilidade pública moderna

Diariamente, milhares de mulheres 73 deixam suas casas ou locais de trabalho rumo a

um ambiente cercado por espelhos e iluminação, que mais parece um grande e coletivo

camarim. Nestes locais elas compartilham com outras mulheres - a maior parte desconhecidas

- não apenas um mesmo espaço físico, como também experiências, impressões e medidas

comuns. Após passarem por um particular processo de embelezamento, elas deixam aquele

local - agora “lindas e bem-cuidadas” - prontas para entrar em cena e continuar a

desempenhar publicamente o papel de “mulher”.

Porém, o que ocorre durante esse tempo que se passa dentro dos salões de beleza? O

que as mulheres dizem buscar nesse local e o que efetivamente encontram? Que formas de

associação entre indivíduos são proporcionadas neste espaço em especial? Ou, ainda, por que

salões de beleza e não outros espaços que a cidade oferece? Muitas são as perguntas e,

igualmente, muitos são os caminhos para tentar compreender o que o universo dos salões de

beleza esconde e revela sobre aspectos centrais da organização de uma sociedade.

O salão de beleza não apenas é o local em que se dá um tipo específico de

manipulação estética de corpos. Ele também abriga outra dimensão fundamental: a da

sociabilidade pública. É neste sentido que podemos considerar os salões como um universo

privilegiado para observar certos deslizamentos entre as esferas do público e do privado; o

jogo sutil das distâncias e aproximações que a interação em escala metropolitana produz.

Coloca-se como um espaço privilegiado para pensar as diversas formas de relação entre

indivíduo e cidade.

Antes de elaborar qualquer consideração a respeito dos tipos de relação que se

desenrolam nos salões de beleza, faz-se importante pensar o papel das grandes cidades ao

73
Homens também, porém, em menor proporção e freqüência.
149

proporcionarem as condições de emergência da sociabilidade pública. A sugestão é lançar luz

sobre os desdobramentos desse acelerado fenômeno de urbanização - que desponta com maior

ênfase no século XVIII - e buscar os reflexos de tais transformações na qualidade dos

vínculos de indivíduos que compartilham uma mesma realidade social. Considero este

exercício de contextualização histórica importante por trazer aportes teóricos que se mostrarão

fundamentais para as discussões que examinaremos adiante.

Comecemos tal contextualização por aquele que talvez seja um dos mais importantes

acontecimentos da época. A expansão das grandes metrópoles, possibilitada, sobretudo, pela

crescente industrialização, seguida por um aumento progressivo da população das cidades foi
74
o palco do nascimento do fenômeno da multidão , um espetáculo que chamou a atenção de

uma série de pensadores da época, em especial do sociólogo alemão Georg Simmel.

Mas não é apenas a densidade populacional ou o novo contexto de aceleração da

circulação de grupos e de indivíduos por diferentes estratos sociais e econômicos o que se

destaca como novidade. A paisagem urbana também muda, em termos de sua arquitetura e

dos novos estímulos sensoriais que oferece. Em poucas palavras, a grande cidade faz surgir

não apenas um novo estilo de vida, como também gera novas formas de sociabilidade e, o

mais importante: um novo tipo de sujeito.

Comparada à cidade pequena e ao modo de vida subjetivo a ela correspondente,

Simmel (1903) propõe enxergar a cidade grande como uma janela interpretativa da “cultura

objetiva e do espírito moderno”. Porém, segundo o autor, tal desenvolvimento só pode ser

compreendido a partir do desdobramento de três fatores fundamentais, a saber, a economia

monetária, a cultura moderna e a cidade grande.

O primeiro deles - a economia monetária - Simmel entende como a base de uma nova

racionalidade objetiva que caracteriza o mundo ocidental moderno. Privilegiando a

74
Vale lembrar que o tema da multidão só emerge a partir de uma concepção individualizante da sociedade.
Enquanto não se tem uma representação da sociedade enquanto composta por indivíduos conduzidos pela razão,
não há o tema da “multidão” e sim o das “coletividades”.
150

quantidade, a objetividade e o espírito contábil, tal economia acaba por organizar a nova vida

citadina, que desponta no horizonte de indivíduos agora nivelados por um item comum que

cada vez mais demarcará diferenças - o dinheiro.

O segundo aspecto é o que Simmel define como cultura moderna, marcada pela

preponderância do espírito objetivo sobre o subjetivo. O que está em jogo é a dificuldade do

indivíduo de se adaptar, na velocidade e na forma exigidas, às condições de vida de uma

modernidade cada vez mais mercantilizada e planificada (no sentido de um achatamento dos

diversos níveis da vida social). Tal cenário leva o homem moderno a fugir da massificação e

buscar uma singularização qualitativa, a fim de se destacar diante desta nova realidade social.

Tal dinâmica entre igualar-se e diferenciar-se permite enxergar a cidade não apenas

como realização máxima de uma cultura objetiva, mas potencialmente como locus ideal para

o desenvolvimento de uma cultura subjetiva, para a construção de si. Dessa forma, é colocada

então a reflexão sobre a construção da pessoa ocidental moderna, fundamentada pela

categoria “indivíduo”.

O terceiro aspecto destacado por Simmel é o próprio espaço da cidade grande.

Preocupado tanto com as propriedades sociológicas quanto afetivas do fenômeno urbano, o

pensador chama atenção para as novas condições psicológicas produzidas pelas metrópoles.

Plurifacetada, a vida na cidade expõe o indivíduo a uma quantidade e diversidade de

estímulos tão grande que um de seus efeitos se traduz na atitude blasé. De acordo com o

autor, se o homem na cidade pequena reage com o sentimento, na cidade grande ele precisa

fazer uso do entendimento enquanto recurso para preservar sua vida subjetiva, frente à

intensificação da vida nervosa.

Esse deslocamento da emoção para a razão engendra, ainda, outras formas de relação.

Ao caráter blasé soma-se o caráter de reserva, traduzido pela evitação de contato entre as

pessoas diante da proximidade corporal que a vida urbana as obriga, com elementos de uma
151

“leve aversão” ou “repulsa mútua”. Nesse sentido, trata-se de um movimento duplo não

apenas de se destacar na multidão, mas também de se destacar da multidão, via diferenciação

econômica, política, intelectual etc., introduzindo novas formas de expressão assimétricas.

Em suma, as relações que unem os homens também são aquelas que os separam. Na

medida em que os momentos de interação se multiplicam e se intensificam, tornam evidente o

jogo sutil da sociedade na perspectiva de suas aproximações e afastamentos, tão bem

observado por Simmel em variados tipos de relações sociais 75.

Tal reserva, sob outra perspectiva, é também acompanhada de certa indiferença, o que

possibilita a independência do indivíduo na forma do anonimato urbano, em oposição à

experiência da communitas (onde todos se conhecem e se relacionam com todos). No entanto,

a contrapartida desta maior liberdade individual adquirida é a solidão. Sentimento interessante

de ser pensado em consonância com um contexto de maior aproximação física e de contatos

cada vez mais freqüentes.

Nasce então aquilo que se pode chamar de uma sociabilidade pública moderna. Como

define Boltanski, a grande cidade se torna um microcosmo da sociedade (1993:50). É nela que

irão surgir novos espaços em que novas exigências de comportamento serão criadas e antigas

formas de interação social deixadas para trás. É sob este cenário histórico-social que os salões

de beleza começam a adquirir suas primeiras formas e se consolidam como um dos poucos

espaços públicos de encontro feminino.

Segundo Paula Black (2004:22), os salões de beleza não são um fenômeno atual. De

acordo com os primeiros registros a que se tem acesso (registros estes em que o profissional

da beleza já é reconhecido como tendo uma qualificação formal e códigos de comportamento

e éticas definidos), os salões têm origem em meados do século XIX.

75
Com especial destaque para suas análises sobre a coqueteria, no que se refere ao jogo de aceitação e recusa
constituinte da forma de sedução feminina. Cf. SIMMEL (1909).
152

De acordo com a autora britânica, as produções históricas a respeito do tema são

escassas ou se concentram, sobretudo, no contexto dos Estados Unidos, o que por vezes pode

apresentar práticas não encontradas em salões de beleza de outras localidades. Porém, tal fato

não invalida o esforço de localizar a história da emergência dos salões, uma vez que muitas

são as similaridades que podem ser traçadas tendo como referência outros contextos sociais.

A mesma dificuldade eu senti para conseguir dados históricos específicos sobre a

emergência dos salões de beleza no contexto brasileiro. No entanto, para mim fica muito claro

que, para compreender os salões no passado ou no presente, a chave-analítica central é o tema

da sociabilidade.

Sobre o conceito de sociabilidade

Tentar definir sociabilidade é caminhar por conceitos como integração, solidariedade,

compartilhamento, coletividade, pertencimento, participação, sociedade. Mas como pensar a

tendência para associação em um contexto histórico-social urbano que cada vez mais se

atomiza? Simmel (1903) argumenta que todo o processo de surgimento de uma vida

específica da grande cidade, embora pareça dissociador, consiste em um processo positivo de

surgimento de novas formas de sociabilidade. Mas do que são constituídas estas

sociabilidades?

Em um de seus trabalhos sobre o tema, Simmel (1917) define sociabilidade como uma

forma, dentre outras possíveis, de associação. Em sua manifestação mais “pura”, diz o autor, a

sociabilidade se apresenta emancipada dos conteúdos. Diferente das outras formas de

associação, ela não busca propósitos objetivos ou resultados, mas apenas o sucesso do
153

momento sociável, a simples satisfação de estar em interação. Sendo assim, o fim último da

sociabilidade se torna a própria relação.

Liberta dos conteúdos, a forma que resulta desse processo ganha vida própria e passa a

existir por si mesma, colocando as relações em movimento. Daí Simmel classificar a

sociabilidade como a “forma lúdica das associações”. Um jogo em que o prazer de jogar é o

que realmente atrai. “O sentido mais profundo, o duplo sentido de ‘jogo social’ é que o jogo

não é só praticado em uma sociedade, mas que, com ele, as pessoas ‘jogam’ realmente

‘sociedade’” (SIMMEL, 1917:174).

A conversação é um dos exemplos que deixa clara tal relação: quando se trata de

sociabilidade, diz Simmel, os indivíduos não precisam conversar em razão de algum conteúdo

que queiram comunicar. O falar se torna o próprio fim, sendo o assunto simplesmente aquilo

que o viabiliza. A arte da conversação, nesse sentido, pode ser considerada uma das principais

atividades da sociabilidade.

Uma última consideração do autor vale ser destacada para quando pensarmos mais à

frente o caso específico dos salões de beleza. Refiro-me à sua reflexão sobre a vida moderna.

Segundo Simmel, ela é sobrecarregada pelos conteúdos objetivos e pelas exigências formais.

Porém, somos capazes de esquecer todas essas sobrecargas diárias quando inseridos em uma

reunião social.

O caráter relacional da sociabilidade

Dentro de um registro histórico de separação entre pessoas e coisas, o autocontrole

entra em cena para compor uma nova ordem, não apenas na relação dos indivíduos com o
154

espaço público, mas também na relação entre indivíduos. A vida na grande metrópole

prescreve novas convenções e maneiras de se portar, segundo os padrões da civilité.

Como enfatiza Nobert Elias, “O senso do que fazer e não fazer para não ofender ou

chocar os outros torna-se mais sutil e, em conjunto com as novas relações de poder, o

imperativo social de não ofender os semelhantes torna-se mais estrito” (1990:91).

Com especial ênfase nos controles corporais, uma primeira temática é então colocada:

faz-se imperativo realizar uma nova reflexão a respeito da presença do corpo humano no

mundo. Gestos, tom de voz, cheiros, olhares, nada pode ser deixado ao acaso; nada deve

escapar à reflexão do sujeito racional. O processo “civilizador” é, sobretudo, um controle do

corpo pela mente. É a autoridade da razão.

O postulado cartesiano deixa como herança não apenas uma distinção analítica entre
76
duas esferas - espírito e matéria (modelo moral que se desdobra, na cultura ocidental , em

diversas outras oposições e modos de pensar o sujeito em sua relação com os eventos do

mundo), como também instaura uma ambigüidade: a supremacia da alma sobre o corpo.

Localiza-se aí aquilo que Steinmetz (1988) chama de “caráter dramático” desse

postulado ocidental, ou seja, o fato de a “natureza” humana ser aquilo que constitui os sujeitos

e, ao mesmo tempo, aquilo que dificulta o desenvolvimento de sua razão. A fisicalidade

humana, sob tal perspectiva, torna-se uma ameaça. Colocado em risco pela irracionalidade

dos seus sentidos, o homem cartesiano deve impor, sustentado pelas idéias de reflexividade e

improvement, controles sobre os impulsos de satisfação de seus desejos.

O controle corporal, dessa forma, torna-se um dos caminhos que a civilização deve

fazer uso não apenas para estabelecer um convívio com seus iguais, mas para, em um último

nível, aprimorar sua natureza humana e buscar a perfeição. Porém, este autocontrole não

76
Entendendo como “cultura ocidental” um sistema de significação específico do qual participamos, que implica
certa maneira de perceber e compreender os fenômenos de nossa vida. Cf. DUARTE (1999:22).
155

apenas é fundamentado em sua concepção relacional; torna-se um dever para com os outros e

também para consigo, desvendando tanto sua faceta pública quanto sua dimensão privada.

Em função dessa nova vida social que se aprimora no século XVIII, assiste-se a uma

reorganização da interioridade dos sujeitos. Visualiza-se não apenas um novo espaço público,

mas um novo ambiente interior humano. Para que seja livre, o ser humano precisa ser

autoconsciente (daí a importância da observação de si enquanto um processo que se aprende,

uma tecnologia do self, para usar o termo sugerido por Foucault e Sennet, 1981).

Duas características importantes são então produzidas nesse processo de

racionalização do corpo humano: a elaboração de parâmetros e medidas comuns, e também as

refrações desses controles para dentro do próprio sujeito (para seus “horizontes interiores”,

nas palavras de Elias, 1990), como sensorium commune.

Daí a ênfase em pressupostos como interiorização, internalização e introspecção

enquanto condições do processo civilizador, sendo o tema da intimidade fundamental para

pensar a relação entre as dimensões do público e do privado, especialmente nas modalidades

de interação.

O papel dos sentidos na sociabilidade moderna

As regras de comportamento impostas ao corpo pela via dos hábitos e dos costumes,

ao mesmo tempo em que tolhem e autorizam, criam códigos restritivos extremamente

sensorializantes. É sob este ponto de vista que a cidade grande promove um de seus

fenômenos mais interessantes: aquilo que podemos chamar de uma ressensibilização dos

sentidos. Uma ampliação das possibilidades sensoriais que se dá, entre outras formas, a partir

da percepção sensorial do outro.


156

Sobre esta questão, Simmel (1908) propõe um aumento das lentes de análise

sociológica, voltando-se para o plano micro da vida social. Privilegiando as primary

relationships, sua sugestão é que nos dediquemos a analisar o cotidiano das relações

interpessoais, especialmente em suas relações face-a-face, pelas experiências sensoriais que

os indivíduos têm uns dos outros.

O ponto para o qual Simmel chama atenção é que cada um dos sentidos humanos tem

sua contribuição particular na percepção do outro, produzindo diferentes tipos de interação.

Contudo, para o autor, alguns sentidos têm primazia em certos momentos e situações, como

no caso da visão. Ao contrário da cidade pequena, diz Simmel, - onde não há anonimato e

todos se conhecem, sendo a fala o que prepondera - na cidade grande é a visão que se destaca

como sentido principal.

Para o autor, o anonimato que caracteriza a vida urbana e a atitude de reserva frente

aos diversos tipos de encontro que a cidade promove, tornam o “ver” o meio privilegiado de

sociabilidade. O contato olho a olho implica um movimento mútuo de ver e ser visto,

oferecendo a oportunidade de conhecimento recíproco e imediato. Dessa forma, olhar é se

colocar como sujeito e ao mesmo tempo se oferecer como objeto. Localiza-se aí o potencial

socializante da visão.

Paula Black (2004:26) traz outro ponto de vista ao chamar atenção para a importância

da introdução da iluminação pública nas ruas, a disseminação da fotografia e a difusão de

espelhos (que até os séculos anteriores ao XIX era ainda incipiente, o que levava as pessoas a

terem apenas uma vaga noção de suas próprias características faciais). Segundo a autora,

todos estes elementos contribuíram de forma determinante para a mudança na forma como

homens e mulheres enxergavam a si mesmos e aos outros nos espaços públicos.


157

Porém, apesar da sociabilidade nas grandes cidades se fundamentar mais na visão, o

trabalho reunido dos sentidos humanos é fundamental não apenas para a constituição plena do

objeto, mas como mediador entre experiência e cognição, entre indivíduo e sociedade.

Em função não apenas dos novos tipos de relação que promove, mas também dos

múltiplos estímulos que oferece à percepção, a grande cidade emerge como determinante da

sensibilidade na vida moderna. Os aparatos urbanos, nesse sentido, se colocam enquanto

instrumentos fundamentais desse “treinamento” sensorial a que o sujeito urbanita é exposto.

O desenrolar de uma “cultura” do diálogo e da conversação

Os grandes centros urbanos modernos, entre outras novidades, oferecem inéditos

recursos para excitação e intensificação dos sentidos. As gigantescas salas de cinema, o teatro

de palco italiano moderno (com sua platéia, em oposição ao teatro de corte), as coffeehouses,

os jardins públicos e as próprias calçadas das ruas se transformam em verdadeiros espaços

coletivos de hiper-sensibilização. Tal experiência de estímulo sensorial, sendo

simultaneamente compartilhada, torna-se ainda mais ampliada por se tratar de eventos de

massa.

Outra consideração sobre os espaços públicos diz respeito à sua característica de

serem, a princípio, abertos a todos. Se nos salões (refiro-me às instituições aristocráticas e de

elite) a entrada era limitada aos gigantes da burguesia que tivessem sido convidados pelos

anfitriões da aristocracia, nas coffeehouses ou nos cinemas qualquer um que pudesse pagar

seu café ou ingresso imediatamente estava habilitado a participar.

É verdade que certos espaços são freqüentados essencialmente por um ou outro grupo

social e que a apropriação desses territórios pelos grupos sociais pode ser bastante sutil,
158

tornando suas fronteiras muitas vezes imperceptíveis. De qualquer forma, nesses espaços

“abertos a todos”, o que está em jogo é o tipo de reunião que promove: um encontro

relativamente igualitário entre membros de diferentes origens, onde se pode desfrutar de um

sentimento de compartilhamento, de fazer parte de uma coletividade.

Enquanto espaços de lazer e de encontro, tais lugares se tornam territórios

privilegiados de sociabilidade. No entanto, nas palavras de Boltanski, trata-se de um

“compartilhamento à distância”, sendo o verdadeiro espetáculo encenado nesses espaços a

coexistência da proximidade e da intocabilidade (1993:52). Com regras de comportamento

mais ou menos rígidas, alguns desses espaços se tornam emblemáticos para observar os novos

contornos que a sociabilidade toma no contexto urbano moderno, como é o caso das

coffeehouses na Europa cosmopolita do século XVIII 77.

O papel que as coffeehouses desempenharam na história econômica, social e cultural

da classe média da época é ilustrativo. Com uma economia mais desenvolvida, restrições mais

delineadas, um maior grau de disciplina do trabalho e também um novo grupo de bebidas a

substituir as antigas, o álcool acaba perdendo espaço para as bebidas quentes que chegam à

Europa no século XVII, sobretudo o café.

Mas o que está em jogo se trata menos do consumo em si, do que a atitude em torno

do beber (SCHIVELBUSCH, 1993:34). Os sujeitos agora devem cultivar boas maneiras, um

tom de voz baixo e conter a expansão de seus gestos, ou seja, tudo o que não se costumava

fazer em tabernas. O novo estilo de vida de uma classe média intelectualizada e inflacionada

por ideais do Iluminismo demanda novos espaços públicos para acolher esse novo homem

sóbrio e moderado, em busca de novidades e negócios 78.

77
Cf. SCHIVELBUSCH (1993).
78
Schivelbusch (1993:69) atenta, ainda, para o fato de que a clientela das coffeehouses, longe de senhoras de
idade avançada ávidas por bolos, era constituída por homens de negócios, ligados a política, arte e literatura. Na
Inglaterra, por exemplo, o acesso das mulheres às coffeehouses chegava mesmo a ser negado. Contudo, no
século XX os homens abandonam tais espaços, que passam a ser freqüentados por círculos de senhoras que,
159

Enquanto centro social de comunicação e de troca de informações (lembrando que se

tratava de um período em que ainda não havia jornal impresso diário), o efeito mais

importante e imediato que as coffeehouses tiveram (e outros espaços públicos de uma forma

mais geral), foi o fato de terem ajudado a criar uma nova “cultura” do diálogo e da

conversação generalizada, posteriormente alimentada pelo advento da imprensa diária e pela

formação de uma “opinião pública”, como sugerem Schivelbusch (1993:57) e Boltanski

(1993:185).

Mas não era a penas a dimensão dos negócios o que levava as pessoas a se reunirem

em público. A diversão e o lazer também atuaram como importantes propulsores desse

encontro. Em contraposição ao tempo do trabalho, o tempo livre passa a ser gradativamente

valorizado, sendo criada uma série de atividades ligadas à excitação dos sentidos, que

imitariam as excitações do mundo real, mas de uma forma controlada (ELIAS & DUNNING,

1992).

As sensações suscitadas pelas óperas, pelos filmes e pelos esportes, por exemplo, são

ilustrativas por colocarem em cena a mimesis e a catarse a partir de tais experiências


79
compartilhadas . Dessa forma, a excitação mimética adquire características particulares,

como o fato de ser paga ou ser uma atividade voluntária (ELIAS & DUNNING, 1992).

Todas estas transformações dos sentidos e das diferentes experiências de sociabilidade

marcam não apenas a concretização de uma nova esfera pública, como também a reinvenção

de uma esfera privada. A ênfase na interioridade, na dimensão subjetiva e na intimidade, faz

emergir novos valores atrelados à esfera do lar e da família. A invenção das necessidades de

antes mesmo, já participavam de outro tipo de sociabilidade: as coffee parties vespertinas, no ambiente privado
das residências, da qual participavam apenas mulheres.
79
A respeito da experiência mimética enquanto parte das experiências de lazer, Norbert Elias e Eric Dunning
(1992) consideram que aquilo que foi reprimido pelos controles sociais, que não pode ser satisfeito na vida
cotidiana, precisa entrar nos fluxos da experiência mimética.
160

“privacidade” e “conforto” faz do espaço doméstico apoteose do capitonê, do almofadado, de

tudo que amortece os choques e garante o bem-estar (BRUCKNER, 2002:42).

Tal processo de intimização se reflete, ainda, na própria arquitetura das residências

burguesas e nos palácios da nobreza, que passam a contar com espaços segmentados por

atividades (lugares de estudo, de trabalho, de sociabilidade doméstica etc.) e papéis (cada

pessoa em seu cômodo, separando criados de patrões, crianças de adultos, solteiros de

casados...).

Como salienta Eliane Moraes (1994), a privacidade moderna nasce marcando suas

diferenças em relação ao mundo lá fora, produzindo novas formas de discurso e de existência,

postulando zonas de segredo que não existiam antes. Esse processo de manter a sociedade à

distância, confiná-la a um espaço limitado, chega mesmo a se manifestar em uma recusa ao

social.

Não apenas a cidade é associada a um local de perigo, poluição e maus hábitos (tema

dos “males da civilização”), como certos espaços de sociabilidade, especialmente as cortes e

os salões (mais uma vez, refiro-me às instituições aristocráticas e de elite), são vistos como

lugares de cerimônia, pompa, aparência, valores falsos e máscaras que encobrem a verdadeira

“natureza” humana (MORAES, 1994:180-181).

No entanto, o que a especificidade dessas relações de distância e proximidade nas

sociedades urbano-industriais nos mostra é que a intimidade é mais um dos elementos que

deslizam por entre as esferas do público e do privado. E alguns espaços sociais são

privilegiados para mostrar como tais separações entre vida social e vida íntima não se dão de

forma tão hermética, como é o caso dos salões de beleza.


161

Beleza e estilísticas de si

Até aqui pudemos explorar as lógicas peculiares de apropriação simbólica do espaço

público, que se reconstroem na esfera do cotidiano e permitem pensar a historicidade do

próprio processo de urbanização. Agora, cabe-nos pensar o caso específico dos salões de

beleza (em seu formato tal como conhecemos atualmente) e buscar os usos e os sentidos

atribuídos a este universo a fim de compreender não somente a qualidade das interações que

ali tomam forma, assim como os diversos significados atribuídos a tais espaços.

Se tivéssemos que definir os salões de beleza em termos dos principais processos que

promovem, seria possível distinguir dois fenômenos centrais. O primeiro deles estaria ligado à
80
questão da perfectibilidade . Quando se pensa em salão de beleza, é a construção social do

corpo belo, no sentido de uma busca por uma fisicalidade cada vez mais melhorada, o que

arrasta milhares de mulheres diariamente para os salões de beleza.

Embora não seja intenção desta tese privilegiar o tema da beleza (mesmo porque o

tema é tão rico que mereceria uma atenção especial), vale refletir sobre que noções de beleza

e feiúra estão em jogo quando o salão emerge enquanto espaço de correção, produção e

manutenção de corpos belos, especialmente corpos femininos. Como diz a frase escrita em um

pára-choque de caminhão, “quem gosta de mulher feia é salão de beleza”.

Falar sobre beleza é tocar em algumas dimensões importantes para o entendimento dos

processos por meio dos quais uma sociedade se vê e se organiza. Estejam relacionadas a

valores estéticos (componentes físicos apreensíveis pelos sentidos humanos) ou morais

(conceitos abstratos como bom, bem ou correto), as noções de “feio” ou “bonito” são formas

de atribuir ordem ao mundo. Por mais que se trate de categorias não absolutas, ou seja,

80
O tema da perfectibilidade (improvement), elaborado na passagem do século XVII para o XVIII, com origens
na idéia da razão, parte do princípio de que o ser humano deve fazer uso de sua capacidade de entendimento para
se aperfeiçoar indefinidamente, em um progresso não apenas material mas, sobretudo, físico e psíquico. Cf.
Steinmetz (1988).
162

variáveis de acordo com referências estéticas coletivas e individuais, influenciam nossas

percepções, atitudes e comportamento em relação aos outros e a nós mesmos. A beleza, neste

sentido, é uma potente força social.

A boa aparência é um capital estético, negociável nas mais diversas esferas da vida de

uma pessoa. Diz respeito, entre outras coisas, à manutenção das relações sociais. Ao anseio de

ser desejado não só fisicamente, mas desejado pelo grupo, para interações. A aparência, neste

sentido, funciona como um vetor de agregação. E um dos bem-estares gerados é o de se sentir

membro de um ou mais grupos, de fazer parte de algo. Como define Maffesoli, “a estética é

um meio de experimentar, de sentir em comum e é, também, um meio de reconhecer-se”

(2000:108).

As modernas técnicas de embelezamento permitem criar uma grande variedade de

efeitos visuais. Cirurgias plásticas para arredondar olhos orientais; remoção de costelas a fim

de tornar a cintura mais fina; lipoaspiração nos dedos dos pés; implante de bulbo capilar do

couro cabeludo nos cílios, para deixá-los com aparência volumosa; cirurgia para extensão dos

ossos das pernas a fim de ganhar alguns centímetros a mais de estatura.

Estas e muitas outras práticas estéticas já consolidadas apontam não apenas para a

capacidade criativa do ser humano em criar expedientes de modificação corporal, como

sugerem certa padronização em termos de simetrias, alinhamentos e disposições ideais.

Em outras palavras, mesmo com toda a variedade de possibilidades estéticas, é

possível observar certas orientações de estilos e aparências. Atrevo-me mesmo a sugerir a

existência de “hierarquias estéticas” (MALYSSE, 2002:133), embora menos rígidas nas

sociedades tidas como “complexas”. Porém, o interessante é que, mesmo internalizando os

“padrões de beleza” referentes à sua cultura, os indivíduos são capazes de com eles operar de

formas particulares e variadas.


163

É nesse sentido que a apresentação de si deve ser compreendida como uma construção

de si. Observa-se nesse processo a vontade de fazer parte de um ou mais grupos, misturada à

necessidade de se afirmar como indivíduo único, singular.

O que você acha que as pessoas buscam em salão de beleza?


Beleza.
Então define beleza.
Beleza é ficar esteticamente em harmonia, com as coisas combinando e
fazendo algum sentido. Tem que combinar o que você acha bonito com o
que as pessoas acham bonito.
E por que você não pode fazer só o que você acha bonito?
Porque você vai ficar muito estranha e as pessoas vão achar que você é
esquisita e não bonita. A beleza nunca é o individual, é o coletivo. Porque
não é um conceito concebido por uma única pessoa. Porque se a pessoa
conceber sozinha, ela vai ficar dançando sozinha. Ninguém vai entender o
ritmo que ela está dançando e todo mundo vai achar estranho.
Esse “dançar sozinha” é em relação a quê?
Às relações sociais. Você sempre é taxada de estranha, de esquisita ou de
diferente. Ninguém gosta de ser taxada assim, mesmo quem é estranho,
esquisito ou diferente. (Dione, diagramadora)

A fala da entrevistada é interessante, entre outras coisas, pela importância que se

atribui à noção de harmonia. Trata-se de um equilíbrio não só de cores, comprimentos, formas

e texturas (no caso dos elementos corporais trabalhados no salão de beleza), como também de

um equilíbrio referente a gostos pessoais e convenções sociais. Lembro de uma frase da dona

do salão de Ipanema ao falar sobre sua resistência a permitir cortes mais ousados em seu

salão: - “Eu opto pela beleza. Tenho um compromisso com a harmonia. Não quero mulher

diferente, quero mulher bonita” (Cíntia, dona de salão).

Embora exista uma distinção entre “ser belo” (noção de algo inerente à pessoa) e

“estar belo” (produto de uma intervenção externa), mesmo para os que já nasceram

“privilegiados”, no sentido de mais próximos aos ideais de beleza corporal vigentes, a estes

também é colocada a obrigação da manutenção estética. Manutenção esta que se faz sentir
164

cotidianamente na vida de cada indivíduo, especialmente quando se trata de mulheres, o “sexo

belo” por excelência 81.

Hoje em dia a mulher tem que estar bela o tempo todo. No trabalho, para
jantar com o namorado, para encontrar a família, para a vida social. Quando
acorda já tem que estar bonita. Até para malhar tem que estar bonita. Ela só
não tem que estar bonita quando não precisa ver ninguém. Aí a mulherada
bota moletom, pega o pote de sorvete Häagen-Dazs e senta na frente da TV.
Acho que quando você é criança, dependendo da família, você já é cobrada.
Se está gorda, se o cabelo é enrolado, se você mastiga de boca aberta, dizem:
- “Isso é feio, isso é bonito”. Adolescente você não tem cabeça pra ter noção
do que é exagero social e do que você realmente precisa. Tem gente que
nunca acha esse ponto. Que obedece as regras da sociedade mesmo: -
“Tenho que ser a mais bonita para pegar o homem que eu que quiser, para
ter o emprego que quiser”. (Dione, diagramadora)

A fala de Dione levanta uma importante problemática: a questão do desempenho

individual e a relação desse desempenho com a ordem social. Ao mesmo tempo em que a

aparência pessoal atribui capital, ela também tira capital. É instaurado assim o medo do

fracasso no cuidado de si. O medo de falhar no mercado de competências (especialmente o

feminino), no qual se acredita o sucesso da apresentação corporal estar ligado ao sucesso do

encontro de um parceiro sexual, da união estável, da maternidade, do mercado de trabalho etc.

Segundo Vigarello, no século XIX novas sensibilidades emergem a partir de um

contexto urbano de encontros. Os locais públicos estimulam o olhar e se colocam enquanto

locais de expectativas estéticas. A visibilidade dos corpos estimula uma verdadeira arte de se

mostrar, uma “vontade de atrair o olhar, de fabricar uma estética da presença” nas palavras de

Le Breton (1999:40).

É nesse período que surge a responsabilidade pela aparência pessoal. A beleza é

transformada em dever obrigatório, cabendo a cada indivíduo uma participação ativa e

81
Para uma visão sobre o desdobramento da categoria “sexo belo” ao longo da história, Cf. VIGARELLO
(2004).
165

engajada na apresentação estética de si (VIGARELLO, 2004:142). Um trabalho contínuo de

manter a credibilidade sobre si.

Na medida em que o visível, no mundo moderno, passa a ser o modo privilegiado de

se relacionar consigo mesmo e, sobretudo, com o outro (MALYSSE, 2002:133) e que a

dimensão externa, ligada aos valores estéticos, passa a ser a que primeiro se presta à

formulação de juízos (OTTA & QUEIROZ, 2000:24), certas partes do corpo acabam

adquirindo papel de peso, como o caso de cabelos, unhas e pêlos. É como se quase falassem

pela pessoa. Algo como: diga como é teu cabelo, unha ou pêlo e te direi quem és.

No meio de todo este processo, o consumo acaba por se destacar como variável

fundamental. Deve ser concebido não apenas em termos de mercados e de seus atores

econômicos, mas como um processo que constrói identidades. Sob tal perspectiva, o

investimento financeiro feito na própria aparência corporal se torna um indicativo de classe e

de poder econômico (embora o consumo de determinados serviços e produtos ou a freqüência

a determinado salões de beleza estejam longe de garantir uma situação de equivalência entre

os sujeitos).

No Renascimento as mulheres eram bonitas gordinhas, porque os pobres


eram magros. Agora, os ricos é que são magros. A sociedade também é
ditada pelo dinheiro. Quem é que consegue ser bonito e ter uma vida? Só
quem tem dinheiro! Senão você tem que abdicar de mil coisas pela beleza. A
beleza dos dias de hoje depende muito mais da quantidade de dinheiro que
você tem para manter sua beleza. Não basta você ser bonito por natureza,
tem que usar creme pra isso, fazer drenagem, lipo... Tem que se encaixar no
padrão absoluto que é aquele que se a mulher envelhece naturalmente, ela
não é bonita, ela está acabada. É um absurdo, porque se você vive
normalmente está acabada. Se você bota um botox você está inteira. E aí as
coisas vão invertendo. A gente vê uma dessas velhas emborrachadas e uma
velha natural e a bonita é a feia. Questão dos valores. E como o valor atual é
o dinheiro, então o bonito é o caro. Tipo comida. Dizem que o ideal é você
comer tudo que é plantado, o suco feito na hora. E quem é que tem tempo de
plantar, colher e descascar na sociedade atual? É quem tem um empregado
que vai, abate o frango e corta os legumes. (Dione, diagramadora)
166

Sociabilidade: os usos e os sentidos do espaço urbano

O enfoque que se dá nos salões de beleza enquanto lugar de definição e produção de

novas formas e concepções de corporalidade oculta uma dimensão, tão relevante quanto a

primeira: a dimensão do encontro, da união, da troca. É nesse sentido que podemos definir a

sociabilidade como o segundo principal processo que dá sentido ao espaço do salão de beleza

tal como é experimentado na contemporaneidade.

A sociabilidade pode adquirir muitas formas. No caso dos salões de beleza, ela não é

estabelecida somente em torno de um consumo coletivo de práticas estético-corporais. Ela se

insere em um circuito de sociabilidade cotidiana, marcada por um forte viés de gênero que

envolve, entre outras coisas, a conquista e a manutenção de um território de pertencimento e

de identificação.

Neste sentido, os usos feitos do espaço do salão de beleza podem ser vistos como uma

estratégia que as mulheres empregam para estabelecer relações sociais bastante singulares,

que não comportam ser vivenciadas em outros espaços públicos da cidade. Termos como

“clima” ou “atmosfera” própria do salão são utilizados pelas mulheres com as quais conversei

para tentar expressar suas impressões a respeito das particularidades dos salões de beleza.

Não sei como explicar, mas eu penso na integração. Essa interação do cliente
com todo mundo. Aí estimula outra coisa também de conversar, de fofocar.
Deve ter muita gente que vai lá para ter o seu momento mulherzinha. Porque
fica um bando de mulher falando, mas não é nem um desabafo não, é mais
descontraído, falando besteira mesmo.
Define esse momento mulherzinha.
É você chegar e cortar o cabelo, é a manicure que está fazendo a unha de
uma cliente e conversando com a outra que está fazendo o cabelo...
Então o momento mulherzinha não é o cuidar de si, é...
Não, é tudo. É o ambiente. É você estar sendo paparicada, digamos assim.
Estão pintando as suas unhas, estão fazendo o seu cabelo e você ainda está
conversando com um bando de mulher, sobre coisas de mulher. Salão tem
essa atmosfera. (Inês, assistente de edição)
167

A primeira dimensão para a qual eu gostaria de chamar atenção no que se refere aos

usos e significados atribuídos a salões de beleza é pensar tais espaços como locais de

encontros. Digo “encontros”, no plural, pela variedade de interações que os salões

possibilitam, enquanto espaços públicos, entre sujeitos com diferentes trajetórias, idades,

condições econômicas, locais de residência, profissões, interesses etc. Neste sentido, o salão

de beleza pode ser enxergado enquanto uma instituição agregadora, uma vez que cria, a partir

da homogeneização na esfera do consumo, certas bases para a convivência e contato entre

diferentes grupos sociais (FRÚGOLI, 1990:54).

Nos salões de beleza a intenção, duração e intimidade das relações variam. É possível,

por exemplo, neles passar algumas horas sem ter que se comprometer muito. No geral, as

relações que ali se dão são abreviadas, ou seja, possuem um caráter mais episódico. Caráter

este que pode ser elucidado pelos termos “amiga de salão” ou “amiga de unha”, usados para

descrever o tipo de interações casuais entre grupos fluidos de companhia que raramente

ultrapassam a reciprocidade de conversas que se dão dentro dos salões.

No entanto, apesar de a maior parte das interações permanecerem trocas momentâneas,

os salões podem gerar interações que, por vezes, transcendem suas fronteiras e vêm a ter

continuidade em outras situações sociais. Assisti, no salão de Botafogo, o nascimento de uma

amizade entre duas clientes que, aos poucos, foram se conhecendo por meio de conversas

despretensiosas enquanto tinham suas unhas feitas.

Um fato em comum, além de freqüentarem o mesmo salão e morarem na mesma

vizinhança, serviu como gatilho de aproximação entre tais mulheres: ambas haviam se

mudado recentemente para o Rio de Janeiro (uma residia em Minas Gerais e a outra em

Belém do Pará). Acompanhavam os respectivos maridos que haviam sido transferidos pelas
168

companhias em que trabalham. Hoje os dois casais costumam se freqüentar e promovem

situações de encontro para práticas de lazer e de sociabilidade em conjunto.

No entanto, o salão de beleza não é apenas um espaço privilegiado de encontro entre

desconhecidos. Também costuma abrigar o encontro de pessoas conhecidas. Seja por

coincidência ou mesmo tendo sido marcado, o salão, por vezes, é utilizado como ponto de

encontro. Observo amigas que se reúnem no salão para colocar o assunto em dia enquanto

têm as unhas feitas. Outras se encontram por acaso e aproveitam para tomar um café e

estender o tempo no salão por meio de conversa.

É o fato de pessoas se conhecerem mutuamente de vista, de nome, de experiência

partilhada, ou seja, são essas múltiplas formas de interconhecimento o que dá o tom especial

aos salões. Uma frase dita pelo dono do salão de Botafogo parece resumir de forma

espetacularmente simples os encontros que o ambiente dos salões de beleza promove: - “O

salão faz o mundo ficar pequeno”, diz ele, referindo-se às redes de relações que ali se formam

ou se entrecruzam, como o caso de uma “coincidência” em que ele e sua cliente descobrem

que têm um amigo em comum, embora nunca tenham sabido de tal ligação.

Um segundo tipo de encontro, que analiticamente considero o mais rico, diz respeito

ao encontro de classes. Refiro-me ao contato entre diferentes estratos socioeconômicos que o

salão de beleza proporciona. Mais especificamente, aquele que se dá entre funcionários do

salão e clientes. Contato este que, no geral, se caracteriza por uma relação transpassada por

dessemelhanças no que diz respeito a possibilidades econômicas, visões de mundo e estilo de

vida.

Assisto moradoras da Zona Sul terem acesso a histórias que não fazem parte de seu

cotidiano e vice-versa. Moradores da Baixada Fluminense ou de regiões da cidade

consideradas menos nobres terem acesso a histórias e presenciarem, em seu cotidiano de

trabalho, estilos de vida relacionados a um ethos muito distante de suas realidades.


169

Tal contraste se apresenta mais evidente no salão que pesquisei em Ipanema. Recordo

que uma das diversões entre dois assistentes de cabeleireiro era mandar o outro ir à porta de

entrada do salão para dar uma olhada no carro importado da cliente, estacionado na calçada, e

voltar para dizer que marca era aquela.

Em outra situação, presenciei uma conversa interessante entre uma cliente e duas

manicures. A primeira falava sobre a importância de cuidar do próprio corpo e dava dicas às

duas funcionárias. Em seu discurso, pautado por ideais de saúde e bem-estar, dizia que elas

deveriam fazer algum exercício como alongamento, musculação ou caminhada, lembrando

sempre de passar um protetor solar no rosto, FPS acima de 30. - “Não pode ser ‘deixa a vida

me levar’, senão a vida leva mesmo”, ensinava a cliente.

Quando a cliente finalmente deixa o salão, alguns minutos se passam em silêncio. Em

tom de ironia, uma das manicures quebra o silêncio e sugere à colega de trabalho: - “Viu

Rosana, se duas vezes por semana você vier andando de Rio das Pedras até aqui o salão, já

adianta”.

Outra situação, ocorrida na sala de coloração do salão de Ipanema, também ilustra o

desalinhamento por vezes gerado neste encontro entre ethos diferentes. A assistente do

colorista, uma mulher muito desinibida que há anos acompanha o profissional, conversa com

as clientes presentes. Conta que havia sido reprovada na prova prática de auto-escola e teria

que refazê-la. Como uma forma de lidar com seu insucesso, reproduz o que disse brincando

para o avaliador que a reprovou: - “Para que aprender a estacionar se os lugares que eu

freqüento em Bangu só têm manobrista?”

Era para ser uma piada, mas nenhuma cliente ri. O colorista imediatamente faz a

mediação, dizendo em tom de brincadeira: - “De onde ela tira essas coisas?”. Uma cliente

logo se coloca na situação de interação e completa: - “Muito chique ela!”. A sala toda, só

então, começa a rir. Interpreto os risos como uma forma de colocar a assistente em seu
170

“devido lugar”. Porém, o mais interessante e sutil da história é que a própria assistente, ao

contar sua resposta ao avaliador da auto-escola, estava fazendo graça justamente com este seu

“devido lugar”, sua posição desprivilegiada enquanto moradora da periferia sem condições

financeiras de freqüentar lugares que ofereçam serviço de manobrista.

Ambas as situações relatadas mostram que este tipo de encontro que o salão de beleza

proporciona, embora coloque em contato pessoas que em outra situação estariam apartadas,

não garante que as fronteiras entre classes socioeconômicas, quando ensaiam se embaralhar

pela proximidade ao compartilhar um mesmo ambiente, rapidamente sejam corrigidas.

Percebo que geralmente o são pela via do humor ou da ironia.

Sobre amizade em salão

Outro ponto que surgiu com grande recorrência durante a pesquisa de campo foi a

temática da amizade. Especialmente os laços que se desenvolvem entre clientes e prestadores

de serviço. Percebo que são os profissionais dos salões de beleza quem mais reforça este

aspecto da relação. Fazem questão de frisar que possuem clientes que, pela empatia e

convivência, acabam se transformando em amigas.

Convites para festas ou casamentos costumam ser recebidos pelos profissionais dos

salões com grande euforia, como o caso de uma festa de máscaras realizada na residência de

uma cliente para a qual a equipe do salão de Botafogo foi convidada. No salão de Ipanema,

uma foto ampliada pendurada na parede da recepção mostra, como se fosse um troféu, um
171

82
evento social realizado pelas “socialites de terço” para o qual alguns poucos cabeleireiros

do salão foram convidados.

No entanto, por parte das clientes, tais idiomas de aproximação parecem não se

confirmar. O que se vê em seus discursos, no geral, são movimentos de afastamento, que

podem ser exemplificados pela distinção que uma das entrevistadas faz entre os termos

“colega” (como considera manicures e cabeleireiros) e “amiga” (relacionado a pessoas mais

próximas de sua realidade socioeconômica).

(...) Eu sei que se eu for a outro salão vou ter um serviço pior. Além disso, as
pessoas não me conhecem, então tentam ficar investigando sobre a minha
vida, o que eu não gosto. Lá onde eu vou semanalmente já me conhecem,
então tem coisas que já nem me perguntam mais.
Como o quê?
- “E aí, o que você fez no seu final de semana? Você namora? Você faz
isso?”. Tentam saber onde você mora, o que você faz normalmente.
E porque que elas tentam?
Eu acho que é para pegarem intimidade com você. Para terem um trabalho
mais saudável, um contato maior com você. Para que ela não seja tratada
como uma manicure e sim como uma pessoa. Ela é uma pessoa com
sentimentos, que também tem problemas. Eu acho que tudo que você diz ali
elas querem te ajudar.
Por que você faz assim entre aspas com os dedos para dizer “querem te
ajudar”?
Porque querem me ajudar, mas não são amigas minhas. Eu não abriria a
minha vida para elas. Porque eu acho que são pessoas que... Tá, tudo bem,
eu conheço esse salão há anos. Mas eu não gosto daquele contato de
amizade, aquela coisa que tem que saber de tudo da minha vida. Ela é uma
colega para mim, não uma amiga. Entendeu a diferença de relacionamento?
Amiga é aquela em quem eu confio, com quem eu posso contar, ligar, sair
para jantar, ir ao cinema.
E por que você não pode fazer essas coisas com a manicure?
Porque a manicure... Primeiro que já vive uma vida diferente da minha. Não
insinuando que ela seja menos ou mais do que eu, mas é alguém com um
mundo diferente. Ela tem um trabalho diferente. Ela não me vê todo dia, eu
não tenho o telefone dela, coisas pessoais dela. As coisas que eu sei, são
aquelas ditas ali. Muitas vezes eu não pergunto, são coisas que eu escuto.
(Maitê, auditora)

82
Termo utilizado internamente pelos cabeleireiros do salão de Ipanema para se referirem às socialites que
possuem forte ligação com a Igreja Católica.
172

O trabalho de Claudia Rezende sobre o tema da amizade é valioso para ajudar a

compreender as categorias acionadas nos discursos das clientes entrevistadas. Segundo a

antropóloga, a palavra “amizade”, na língua portuguesa, refere-se tanto a um sentimento

(afeição, simpatia, ternura etc.) quanto a uma relação específica. Sentimento este que pode

estar presente em relações que não são caracterizadas como de amizade (2002:69). No caso

dos salões, enquanto os profissionais ressaltam tanto o sentimento quanto a relação, as

clientes costumam se restringir aos sentimentos.

Ainda de acordo com Rezende, a amizade é vista em geral como uma relação afetiva e

voluntária, que envolve práticas de sociabilidade, trocas íntimas e ajuda mútua, e necessita de

algum grau de equivalência ou igualdade entre amigos. Sendo assim, as tensões que ocorrem

entre o modo de pensar e experimentar a amizade, de acordo com as concepções de clientes e

funcionários dos salões, colocam em questão certas noções de pessoa e realçam o caráter

situacional - em termos de gênero, classe social e fase da vida - dos indivíduos em jogo

(REZENDE, 2002:69).

Goffman ajuda a pensar tal questão quando aponta a oposição e o conflito inerentes a

determinadas formas de deferência. De acordo com o autor, perguntar sobre a saúde de um

indivíduo, como vai sua família ou mesmo sobre suas relações amorosas pode tanto ser

interpretado como um sinal de preocupação simpática, como uma invasão da intimidade. Este

último desdobramento costuma indicar que um ator com status diferente teve sua condição

revelada, justamente por perguntar algo que - pela sua posição - não deveria (GOFFMAN,

1976:487).
83
Uma das diferenças pontuadas entre amigas e manicures diz respeito às obrigações

implícitas nas relações de amizade, diferente daquelas que envolvem a prestação de serviço

83
Destaco manicures pelo fato de os próprios entrevistados não trazerem exemplos com outros profissionais do
salão de beleza. Justificam dizendo que a relação com manicures é mais próxima pelo fato de as unhas
demandarem uma manutenção mais constante, o que leva a uma maior freqüência ao salão e, conseqüentemente,
173

(uma troca comercial que se dá, sobretudo, pela via do dinheiro). Na amizade, qualquer tipo

de interesse (seja econômico, material, sexual etc.) deve estar afastado. Uma entrevistada, em

especial, chama atenção pela forma que diz ter encontrado para evitar a constituição de laços

com manicures:

O outro salão que eu fui, eu peguei uma manicure por indicação de uma
amiga. Aí eu fui criando uma relação com ela. Eu já sabia que ela tinha um
filho, que era do Nordeste, sabia dos relacionamentos dela, e isso foi ficando
uma coisa muito pessoal. Eu não gosto. A minha amiga às vezes convidava
essa manicure para aniversário e eu me sentia mal, porque eu não convido.
Eu também não dou gorjeta. Não gosto de ter a obrigação de dar gorjeta para
ninguém, de criar uma relação em que eu me vejo obrigada a fazer coisas
pela pessoa. Quando era aniversário dela eu levava um presente e eu não
quero mais ter essa cobrança. A manicure me presta um serviço, ela não é
minha amiga. Eu compro um presente para as minhas amigas. Se eu não
tenho tempo nem para as minhas amigas, eu não quero ter que disponibilizar
tempo para a minha manicure. Então depois desse salão eu mudei e estou
tentando não ter um relacionamento com a manicure atual. Mas nunca é
fácil. Isso porque você fica meia hora lá e sempre tem alguma coisa para
conversar. Às vezes eu levo meu I-pod e fico escutando música, para não ter
que conversar. Eu não quero me envolver. Quero ter a liberdade de, caso ela
tire um bife, poder trocar de manicure e não me sentir culpada. Ou não ter
que dar presente de Natal. (Jordana, promotora de eventos)

Outro ponto que costuma ser destacado para distinguir a diferença entre os papéis de

manicures e amigas, diz respeito à relação entre as noções de intimidade e confiança. Embora

seja possível relatar informações íntimas a ambas, da amiga é esperado discrição e

confidência, em respeito à relação de amizade estabelecida. Da manicure, a princípio, não é

exigido segredo, uma vez que ela faz parte de um ambiente em que informações circulam, não

sendo possível evitar que o assunto caia no conhecimento de outras pessoas.

O sentimento de indiferença quanto à possibilidade de se tornar assunto de fofoca feita

por manicures, acaba por revelar a qualidade das relações em jogo, como pode ser observado

nas entrevistas com clientes.

maior contato com tais profissionais. No entanto, como saliente Clyde Mitchell, uma alta freqüência de contato
não necessariamente implica em uma alta intensidade de relações sociais (1971:29).
174

A diferença é porque a minha amiga é uma pessoa pra quem eu passei minha
confiança. Ela sabe da minha vida, sabe o que eu passo, as dificuldades que
eu já tive. Ela tem noção de onde eu vim e o que eu fiz. E minha manicure
não é minha amiga, ela é uma pessoa que eu encontro uma vez por semana.
Sento ali, pergunto como foi o final de semana e ponto. Eu não sei da vida
dela e ela não sabe da minha. Então se ela falar mal de mim não vai me
machucar, até porque ela deve falar, mas eu nunca vou saber. Por isso que eu
digo: falar pelas costas todo mundo faz ou já fez. Isso não é só no salão.
(Maitê, auditora)

O que acontece: o salão é um ambiente de fofoca. Independente de a pessoa


ser fofoqueira ou não, ela sempre aumenta, sempre inventa, sempre procura
saber coisas da sua vida. Então não é amizade, porque se uma pessoa fala
mal de outra para você, ela vai falar de você para outra pessoa. Então se eu
chego na minha manicure e ela falou de uma outra cliente, para eu estar na
boca dela amanhã é um passo. Então eu não gosto. (Jordana, promotora de
eventos)

Um dado curioso que percebi durante as entrevistas com clientes foi que todas faziam

questão de deixar claro que não falavam de suas vidas pessoais para os profissionais do salão

de beleza ou, muito menos, perguntavam sobre a vida dos outros.

Quando vou ao salão não sou daquelas que ficam fofocando pra me sentir
melhor. Se eu sei da vida das pessoas, ou de alguém do salão, é por escutá-
las conversando. (Maitê, auditora)

Eu, por exemplo, quando vou ao salão, óbvio que não vou falar nada da
minha vida.
Nada?
Não, nada!
E sobre o que você conversa?
Muito pouco, muito pouco mesmo! Às vezes eu falo alguma coisa do próprio
salão. Sobre a minha vida eu não conto nada. (Nazaré, estatística)

Embora não se reconheçam em tais situações, as entrevistadas dão exemplos de

clientes que fazem uso dos profissionais do salão como confidentes ou conselheiros. Nesse

sentido, é reconhecido que outras clientes (que não elas próprias) podem sim considerar tais
175

profissionais enquanto amigos. Inversamente, o tipo de relação verbalizada pelos profissionais

também pode ser destacada em termos profissionais, ao invés de pessoais, como se costuma

colocar.

As pessoas acham que as manicures são suas confidentes. Elas acham que
quem está fazendo a unha delas ali é sua melhor amiga. Justamente por saber
que dali para fora a pessoa não é amiga, talvez ela até fique mais à vontade
para contar certas coisas. Acaba que a pessoa que está lá com você, bem ou
mal, vai ter que te ouvir. Ela está fazendo a sua unha, você vai ficar falando
e ela vai ficar te ouvindo. A pessoa que não tem ninguém para conversar
acaba que chega ali e encontra um ouvido. E fora que quem está fazendo a
unha também vai querer te agradar, né? Ela não vai dizer que não quer
conversar. Elas também puxam papo. Sempre perguntam alguma coisa. Até
porque elas sempre vão querer criar uma relação, um vínculo com a pessoa.
Que tipo de vínculo?
Acho que para quem está lá trabalhando é muito menos o vínculo de
amizade do que para quem está fazendo. Porque elas dependem de
conquistar as pessoas para que sempre as procurem. Se você vai fazer unha e
a manicure fica muda, da próxima vez você pode procurar qualquer outra.
Eu não. Quando volto fico com pena de não fazer com ela. Porque ela
sempre me trata bem. Mas eu acho que para elas é importante criar um
vínculo. Tanto que tem profissionais que saem do salão e levam todos os
clientes junto. (Nazaré, estatística)

Sobre o último trecho da citação, lembro das palavras de uma manicure, que chama

atenção para o fato de várias profissionais conquistarem as clientes muito mais pela simpatia

do que propriamente pela perfeição com que fazem unha.

O salão enquanto espaço para verbalização de si

Independentemente de como a relação é classificada (amizade, coleguismo ou mera

prestação de serviço), um dos pontos que vale atentar é o fato de que o salão é um espaço para

verbalização de si. Embora as clientes o procurem para tratamentos específicos de beleza,


176

parte da experiência que elas desejam é ser ouvida e poder falar. Seja por meio de desabafos

ou confissões; para ouvir conselhos ou manipular impressões sobre si 84.

No salão de beleza as mulheres conhecem pessoas, conversam, trocam confidências,

desabafam, expõem sua intimidade e ensaiam uma aproximação que poucos ambientes sociais

permitem. Segundo Maffesoli, “a desumanização da vida urbana produz agrupamentos

específicos com a finalidade de compartilhar a paixão e os sentimentos” (MAFESSOLI,

2000:62).

Por muitas vezes o assunto gira em torno da vida das próprias pessoas que conversam,

com direito a atualização semanal, como se fosse uma novela contada em capítulos. Uma das

manicures de um salão em Copacabana diz: - “As clientes contam um caso, aí acontece algo

durante a semana e elas ficam loucas para te contar, como se fosse uma continuação da

história”.

O falar de si não se dá apenas no ambiente do salão. O próprio tema da minha pesquisa

desperta nas pessoas com quem comento, algum tipo de relato sobre suas experiências

pessoais ou algum salão que elas acham que eu devo ir por considerarem interessante. Em

suma, existe sempre uma história de salão a ser contada.

Mas o que existe de particular no ambiente dos salões de beleza que estimula tal

verbalização de si, muitas vezes de assuntos tão íntimos que não cabem ser comentados em

outras esferas sociais? Algumas direções sobre tal questão podem ser apontadas.

Ao mesmo tempo em que é considerado um espaço público, o salão de beleza abriga

certas formas de interação social características da esfera do privado - como a intimidade e a

familiaridade. Isto coloca o salão em um status híbrido: poucos são os locais públicos nos

84
É possível afirmar que muitas pessoas que expõem suas intimidades no salão de beleza utilizam tal ambiente
para tornar sua vida conhecida, disseminando informações positivas a seu respeito (lembrando que a
manipulação da identidade para menos também é uma possibilidade), como qualidades pessoais, posses
materiais, status social etc. Tal movimento faz lembrar o indivíduo narcisista, proposto por Christopher Lasch.
Oprimido pela cultura do individualismo competitivo, o narcisista é descrito como alguém hábil em administrar
as impressões que transmite aos outros e ávido por admiração, uma vez que depende de uma audiência para
validar sua auto-estima (LASCH, 1983).
177

quais as pessoas se sentem tão à vontade para relaxar, trocar confissões e contatos físicos ou

mesmo se deixarem ser vistas em estados de relativa “feiúra”, como acontece durante o

processo de construção da fachada pessoal.

Outro fator é que o salão de beleza é um ambiente, no geral, sem ligação com as outras

esferas da vida de uma pessoa (trabalho, família, amizades, relacionamento amoroso etc.). De

acordo com Gluckman (1963), quanto mais estreitos os laços de relacionamento entre os

sujeitos envolvidos, mais atraente a fofoca se torna. Inversamente, quanto menor o laço entre

os sujeitos, menor o interesse despertado pela notícia.

Sendo assim, por mais que as informações circulem dentro do salão, não costumam

ultrapassar suas fronteiras (embora haja casos em que elas efetivamente transbordem). O

salão, neste sentido, pode ser enxergado pelos seus freqüentadores como um espaço “neutro”

ou “seguro”, justamente por se tratar de um ambiente repleto de pessoas, a princípio,

desconhecidas, que não necessariamente estão em contato com os sujeitos que constituem as

redes sociais do indivíduo em questão.


85
É este “anonimato relativo” o que permite que as pessoas se exponham, fazendo com

que os segredos da vida privada ultrapassem os muros das casas e encontrem nos salões de

beleza um novo local para serem comentados.

Sabe coisas que às vezes você está muito em dúvida e não quer contar para
uma amiga e aí você conta para uma pessoa que você nunca viu na sua vida?
Tem um pouco disso em salão. É a oportunidade que você tem para contar
alguma coisa que você espera a reação de uma pessoa para te dar o “clique”
do que você tem que fazer. Assim você não se expõe. É como se fosse um
pré-teste, para ver a reação da pessoa. (Jordana, promotora de eventos)

A sua única ligação com aquela pessoa é ali, naquele ambiente, naquele
momento em que você está sentada. Não sai dali. Então vira um ambiente
seguro para desabafo. Você pode falar mal do seu marido para a mulher do
salão porque ela não o conhece e nem vai conhecer. São coisas que você não
falaria para sua irmã, para sua amiga, para pessoas com quem você se

85
Cf. MACHADO & VELHO (1977).
178

relaciona de uma maneira diferente, que têm ligação com a sua casa, com a
sua família.
Mas aí não existe o risco da sua intimidade ficar na boca dos outros?
Existe, mas quem está ali falando sobre sua própria intimidade não pensa
nisso. Vê aquilo só como um ambiente de desabafo. Ninguém ali realmente
se conhece, não é preciso dar nomes aos bois. O próprio fato de saber da
vida das pessoas, que outras pessoas também têm questões, já é uma
identificação. A pessoa deve se sentir até mais sossegada: - “Que bom que
tem outras mulheres que também estão passando pelas mesmas coisas!”
Pode ser até falso, ilusório, mas fica um ambiente seguro de mulheres. É
uma coisa de companheirismo mesmo, ali, naquele lugarzinho. Que nem
homem com bar antigamente. (Inês, assistente de edição)

No salão de beleza, pelos laços de “amizade” entre prestador de serviço e contratante

serem considerados mais frágeis, não julgar ou não questionar o cliente se torna um valioso

recurso de manutenção e fidelidade da clientela. Dessa forma, poder se abrir sem ser julgada é

uma situação confortável, difícil de ser encontrada em relações que envolvam pessoas

íntimas, justamente pela liberdade que se tem de questionar ou contrariar a pessoa, quando se

tratam de amigos ou parentes 86.

As clientes são muito inseguras, não têm ação. Dá vontade de falar: - “Bota
esse homem para fora de casa! Ele não presta!”. Mas se a gente fala isso,
elas não voltam mais. Falam do mesmo problema o ano inteiro, do filho
drogado.... (Manicure de um salão em Copacabana)

As clientes comentam suas vidas com manicure e cabeleireiro porque são


pessoas que fazem elas se sentirem bem. Estão fazendo um bem, de certa
forma, deixando elas bonitas. Então elas se sentem seguras. Também tem o
fato de ser uma pessoa que não vai te julgar, porque eles não vão discutir
com você, te questionar. Eles estão ali para te agradar. Você paga e eles te
tratam bem. Não é só em salão. Eu trabalhei num restaurante nos Estados
Unidos e as pessoas iam lá para contar os eventos do dia, contar as
conquistas, eu me sentia uma psicóloga dos clientes. (Mirela, psicóloga)

86
Sobre este ponto, Elisabeth Bott (1976) já havia chamado atenção para a diferença de comportamento, por
exemplo, em situações de relação com um grupo mais fechado de amigos - closed networks (onde o sujeito é
consideravelmente influenciado por desejos e expectativas desses amigos) ou quando em relação com grupos
com os quais possui menor envolvimento - open networks (seu comportamento tende a ser mais inconsistente,
uma vez que suas atitudes não o colocam em situações de grande desprestígio).
179

A entrevistada que diz ter passado por situação similar na posição de garçonete atenta

para uma observação interessante, comum a certas profissões que lidam diretamente com o

público. Uma vez que tratar bem a clientela (no sentido de ser paciente e dar atenção, entre

outros aspectos) é fundamental para o sucesso do negócio, alguns clientes acabam por fazer

uso de tal orientação e transformam a pessoa que presta o serviço em algo além de suas

obrigações formais: em confidente, conselheiro ou ouvinte.

Tal como o “profissional da escuta”, deve imperar idealmente, nas relações dos

profissionais da beleza com as clientes, atitudes como discrição, saber ouvir e guardar

segredos. Podemos identificar aqui não apenas um forte processo de conversação, mas

também de confissão 87.

Tal tema se torna ainda mais evidente nas orientações dadas aos futuros profissionais

da beleza. Em uma apostila voltada para a formação profissional de cabeleireiros, foram

encontradas, sob o título “psicologia do cabeleireiro”, as seguintes sugestões:

1- O profissional deve enaltecer, sem exagero, os dotes físicos da cliente, descobrindo, entre eles,
aquele que mais mereça elogios, como, por exemplo, os olhos, o nariz, a boca, a tez, o formato
do rosto, o próprio cabelo etc.

2- Quanto aos defeitos físicos da cliente, não devem ser “notados” e quando o forem, devem ser
apontados naturalmente e de maneira bastante inteligente para não ferir a sua sensibilidade.

3- As comparações de semelhanças fisionômicas das clientes, para o elogio indireto, se houver


realmente semelhança, somente devem ser feitas com pessoas de renome e que sejam
consideradas como tipos de beleza, pois, o simples renome ou fama não significa beleza e,
portanto, não justifica a comparação.

4- O profissional, ao ser interpelado para se manifestar sobre a idade da cliente, deverá declarar
sempre alguns anos a menos do que realmente calculou.

5- O profissional deve ser bom observador e bom ouvinte, pois a cliente, muitas vezes, mais pede
sugestão do que propriamente expõe a sua vontade.

6- O profissional não deve se imiscuir nas conversas sigilosas das clientes, bem como deve
aprender a ouvir desabafos e não expor os seus.

87
Embora se refira às tecnologias do sexo, o tema da confissão, pensado por Michel Foucault (1984b), é
interessante para pensar a sociedade ocidental moderna enquanto uma sociedade da confissão. Falar a verdade
(seja sobre o sexo, seja sobre outras questões da esfera do íntimo- tal como ocorre em salões de beleza) seria
uma relação não apenas entre interioridade e saber de si, mas entre interioridade e construção de si, uma vez que
não se fala apenas de “verdades”, mas de sonhos, desejos e projeções.
180

7- Os assuntos de conversas com as clientes, quando iniciados pelo profissional, devem ser
sadios e proveitosos, sem se estenderem em prolixidades.

Ao analisar tais recomendações, é possível identificar as diversas dimensões que

fazem parte do universo dos salões de beleza no que se refere às regras gerais que regem as

relações entre clientes e seus profissionais. Dessa forma, a sociedade estabelece modos

especiais de interação, construídos sobre questões que se acreditam próprias do universo

feminino.

Fica então subentendido que as mulheres buscam no salão a exaltação de suas

qualidades, o ignorar de seus defeitos, a comparação com pessoas famosas bonitas, sentir-se

mais jovem, sugestões sobre sua aparência, desabafo de problemas ou simples bate-papos.

Porém, tais sugestões não esgotam o que as pessoas buscam em salões de beleza.

Considero muito interessante a fala de um cabeleireiro do salão de Ipanema. Ele diz

que salão de beleza é um grande teatro, no qual ele tem que desempenhar vários papéis: o

psicólogo, o louco (o que certas clientes falam deve entrar por um ouvido e sair pelo outro), o

médico (dar conselhos de saúde) ou o cozinheiro (trocar receitas).

O papel de psicólogo, em especial, chamou minha atenção ao longo da pesquisa de

campo pela freqüência com que era mencionado por manicures e cabeleireiros com quem tive

contato. “Apesar do nível somente técnico dos profissionais, muitas vezes eles são mais

eficazes que os psicólogos de nível superior”, diz o dono do salão de Botafogo.

Tive a oportunidade de entrevistar duas psicólogas freqüentadoras de salões. Conto

que ouvi muitos profissionais da beleza afirmarem que, no dia-a-dia, desempenham o papel de

psicólogos e peço que comentem sobre isso. A primeira separação que uma das entrevistadas

faz é distinguir psicólogo de confidente, uma vez que se confundem por ambos terem em
181

comum a questão da escuta. Uma formação acadêmica reconhecida e ética profissional são

dois outros elementos de diferenciação acionados.

Falar que são psicólogos é um pouco forte. Primeiro que eles não estudaram
para isso, não têm o conhecimento acadêmico. Eles não têm uma ética
profissional. Enfim, eu acho que eles talvez se sintam como psicólogos
porque sabem que o psicólogo escuta muito. E a posição deles ali é sempre
de ouvir. Não tem como você ir ao salão e ficar quieta, não falar nada.
Alguma coisa você fala, até a água e o cafezinho que é servido te faz se
sentir mais à vontade. O que aproxima os profissionais do salão do psicólogo
é que eles acabam escutando muitos relatos de vida. E muitas vezes eles se
sentem em uma situação de dar conselhos para o cliente, apesar de psicólogo
não dar conselhos. Então existe um papel mesmo de confidente.
Define confidente.
É uma pessoa que passa confiança. O cliente vai até o salão e encontra um
momento, uma oportunidade de falar da própria vida, de se abrir.
E por que o salão inspira isso? Por que o salão acaba se tornando um
lugar propício pra se abrir?
Não é exclusividade de um determinado salão. Qualquer salão tem isso. Não
importa se é de grande ou pequeno porte, se tem filial ou não. Mas eles
sempre têm pessoas comentando, ou da própria vida ou da vida do outro. A
pessoa está ali sem máscara, sem armadura, na sua essência, com as suas
dificuldades. E acho que passa muito por essa coisa da auto-estima, da
pessoa estar buscando melhorar a aparência. Então quando ela chega ao
salão, ela já está buscando alguma coisa: - “Poxa! Hoje eu não estou muito
bem, então eu queria fazer um corte diferente, levantar o astral”. (Bady,
graduada em psicologia)

Outros apontamentos para tentar compreender o que torna o salão um ambiente

propício para a verbalização de si podem ser encontrados não apenas em elementos do

ambiente físico, como também na própria disposição física das pessoas envolvidas nas

situações de interação. Como observa o dono do salão de Botafogo, “A cadeira do

cabeleireiro é como se fosse um divã. O cliente se olha pelo espelho e, no fundo, ele está

conversando com ele mesmo”.

Uma das psicólogas entrevistadas atenta para o fato de o próprio cliente estar sentado

de costas para o cabeleireiro e de frente para a imagem de si, refletida no espelho. Disposição

que lembra a utilizada em consultórios de psicanálise, com a exceção da presença do espelho.


182

No entanto, com relação à manicure tal configuração muda. O contato é face a face, sem a

intermediação do espelho. Profissional e cliente encontram-se sentadas próximas, uma de

frente para a outra.

É diferente do cabeleireiro. Aquela aproximação, de eu estar olhando nos


olhos da minha manicure, com um problema engasgado na garganta,
querendo falar, me abrir com alguém e não tenho ninguém. E aí chega uma
pessoa e pega na minha mão, olha para mim e aí pronto [risos]. Eu acho que
talvez isso influencie as pessoas a contarem suas vidas, seus problemas.
(Bady, graduada em psicologia)

Contudo, nem sempre são os funcionários que desempenham o papel de psicólogos

para os clientes. Por vezes, tal jogo pode se inverter, evidenciado que se trata também de uma

relação de troca, como foi o caso ocorrido entre mim e uma das manicures do salão de

Botafogo.

Um dia a percebo mais introvertida do que o usual. Pergunto por que está quietinha e a

manicure revela que não está num dia legal. Começo então a conversar com ela e me coloco

como sua ouvinte. Diz que está muito triste, mas não sabe o porquê. Revela que se mudou

para a casa do namorado há uma semana. Em seguida me mostra a sandália que comprou na

hora do almoço, mas que não está muito convencida se realmente gostou.

Embora eu acredite que a dúvida diz mais respeito à situação nova de coabitação do

que ao novo objeto, tento reanimá-la. Começo então a elogiar a sandália. Falo que é um

modelo clássico, que lembra um estilo Channel, que nunca sai de moda. Digo, ainda, que a

cor é neutra, o que a permite combinar com tudo. Quando estou indo embora do salão, a

manicure vem me procurar e diz que está passando a gostar mais da sandália.

Saio do salão e me sinto feliz, tal como acredito que muitos dos profissionais que

trabalham em salão de beleza se sentem ao darem um simples conselho ou tirar um sorriso de

uma cliente que chegou desanimada. No entanto, é preciso enxergar não apenas a satisfação,
183

mas também a dificuldade que deve ser para os profissionais da beleza desempenhar este

“serviço de escuta”.

Sobre tal questão, Paula Black atenta para o fato de os salões de beleza abrigarem

formas de relações que costumam ser mais íntimas que aquelas formadas em outros setores de

serviço. Aponta então duas possibilidades para a compreensão de tal fenômeno: que o contato

íntimo com o corpo, pressupõe uma sensibilidade para lidar com as emoções dos outros; e que

as competências profissionais de manicures e cabeleireiros costumam ser relacionadas a

qualidade femininas tradicionais, tais como cuidar, ouvir, sensibilidade emocional ou

intimidade corporal, o que possibilita uma aproximação com contornos bastante específicos

(BLACK, 2004:81).

Segundo a autora, o que parece uma amizade superficial é, na verdade, um trabalho

emocional cuidadosamente elaborado. O profissional da beleza enxerga os conselhos que dá

como parte vital de seu papel, não apenas pelo bem que costuma proporcionar ao cliente,

como também pelo fato de garantir a lealdade do cliente em um mercado altamente

competitivo.

No entanto, apesar de cientes dos benefícios trazidos, esse “trabalho de escuta” não

deixa de ser sentido enquanto uma experiência ambígua para o profissional da beleza. Em

termos de sua saúde emocional, tal papel por vezes é uma experiência difícil e exaustiva.

(BLACK, 2004:18) Uma das manicures do salão do Catete desabafa: - “Imagina, você já tem

seus problemas em casa. Aí você chega no trabalho e as clientes, ou descontam o problema

delas em você ou resolvem contar para a gente. Não é mole não” (Joelma, manicure).
184

Fofoca em salão: parte de uma conversação generalizada

Finalmente chegamos a um ponto controverso quando o assunto é salão. Apesar de

valorizado em determinados aspectos, o salão de beleza pode ser desvalorizado em alguns

outros. Existe quem afirme não gostar do ambiente por estar associado a um lugar de

futilidades, supérfluos, egos exaltados e exibição, como fica evidente nas falas das

entrevistadas.

É um lugar cheio de futilidades, mas quando você não tem faz uma falta!
São papos fúteis, onde a grande preocupação, o foco, é só a aparência.
(Mirela, psicóloga)

Sinceramente, eu acho salão de beleza um lugar muito estranho. Porque você


encontra pessoas estranhas fazendo coisas estanhas, onde uma coisa trivial
como cortar o cabelo vira assunto de vida ou morte. (Juliana, desempregada)

O salão [refere-se ao salão de Ipanema investigado] é um pouco desfile, ele


se posiciona na rua X, em Ipanema, onde tem muita gente com poder
aquisitivo alto. Então elas vão o salão e levam suas melhores bolsas
importadas. Elas estão com uma sandália Chanell, um sapato baixinho Gucci
ou uma bolsinha Prada. Cada uma quer mostrar que tem a bolsa mais
moderna. Ah! E muita jóia. Aqueles anéis cheios de brilhantes, brincos
exagerados. Então eu acho um pouco de exagero. (Ivanilde, empresária)

Falsidade é outro estigma que o ambiente de salões de beleza carrega. Ao levantar tal

tema as pessoas se referem, mais especificamente, às tentativas empregadas por cabeleireiros

e manicures de estreitar laços de fidelidade com os clientes, seja pela via da conversação ou

pela estratégia do elogio. Destaco uma passagem enunciada por uma cliente que coloca tal

questão de forma bastante ilustrativa:

As pessoas ficam incomodadas com o silêncio, ficam constrangidas por não


terem assunto com a pessoa, nenhuma intimidade. Então eu acho que a
pessoa procura um link, algo que tenha alguma coisa a ver entre você e ela
185

ou entre você e outra pessoa que vocês conheçam em comum; um gancho


para puxar assunto. Para a manicure isso é importante, ela quer te fisgar, seja
pela unha ou pelo papo, para que você goste dela. Porque se ela sair de férias
e você for fiel a ela, você vai fazer a unha com outra pessoa, mas depois vai
voltar a fazer com ela. O ser-humano tem isso, de gostar de se sentir
especial. Então a manicure, o cabeleireiro, a vendedora, todo mundo faz isso,
querem que você se sinta especial nas mãos deles para que você volte. O
cabeleireiro fala: - “Ah! Como você esta linda!” Como se ele não dissesse
isso para toda cliente. Então essa falsidade me incomoda um pouco. Quando
eu era mais nova sempre falava para os meus amigos que não tem nexo as
pessoas “ficarem”. Porque você vai a uma night e um cara vem puxar
assunto com você. Ele te pergunta um monte de coisa que, no decorrer da
conversa, ele nem lembra mais. Ele não está puxando assunto porque quer te
conhecer. Ele está puxando assunto porque quer te beijar. Não faz sentido
esse tipo de relação na minha cabeça. Então não tem sentido você ter uma
relação profunda com a manicure, porque ela é só a sua manicure. Você só a
encontra naquele lugar. Então não tem porque você expor muito a sua vida e
querer saber da vida dela, porque abre margem para outras coisas. Por
exemplo, o cabeleireiro do salão que eu freqüentava volta e meia dá uns
golpes. Fala que a filha estava grávida e foi fazer um aborto escondida, mas
não deu certo e agora está mal de saúde, precisando de dinheiro. As pessoas
ficam sensibilizadas e dão dinheiro para ajudar. O meu namorado caiu nessa.
Anos depois o cabeleireiro deu o mesmo golpe em um amigo nosso. Então
isso abre margem para a pessoa se sentir à vontade para te contar coisas e
você sentir pena. Então eu corto os vínculos. (Jordana, promotora de
eventos)

No entanto, é a associação a um ambiente envolto por fofocas o que mais costuma

marcar negativamente os salões de beleza. Mas a quê exatamente as pessoas se referem

quando empregam o termo “fofoca”?

De acordo com a definição de Elias e Scotson (2000:21), fofoca são informações sobre

terceiros, transmitidas por duas ou mais pessoas umas às outras, que podem ter tanto um

caráter depreciativo (blame gossip) quanto elogioso (pride gossip). Definição esta que se

aproxima daquela proposta por Epstein, para o qual fofoca é a discussão de assuntos e

comportamentos de outras pessoas em sua ausência (1961:112).

De acordo com as pessoas com quem conversei, fofoca pode tanto ser uma

conversação generalizada (cujo conteúdo geralmente é descontraído e genérico), quanto uma

informação sobre outrem que não deveria ser passada adiante pelo grau de intimidade que
186

revela sobre a vida do(s) sujeito(s) do enunciado. Ainda, a mesma informação pode ser

considerada como “simples comentário” ou “fofoca intencional” dependendo da maneira

como é comentada. Se for identificado um tom de “deboche” ou de “maldade”, é classificada

como fofoca.

Comentário é algo sem maldade, sem intenção. Já a fofoca é quando você


quer passar uma imagem de uma pessoa, quando tem intriga por trás. Pode
também ter fofoca de coisas boas. Depende muito do contexto do que está
sendo falado. Comentário é uma coisa sem importância, dizer: - “A roupa
dela é bonita!”. Não é falar: - “Nossa! Olha como ela está gorda”. Talvez
fofoca seja uma coisa um pouco mais maldosa, ou uma coisa que faz parte
da intimidade da pessoa, como a informação de que ela vai se casar: é uma
coisa que não é ruim, mas é a intimidade dela e talvez ela não queira que isso
seja exposto. (Nazaré, estatística)

Fofoca são coisas faladas pelas costas de uma pessoa. Um exemplo que teve
nesse salão que freqüento: tem um homem que faz unha toda semana. Mas
ele não é viado, tá? Isso tudo eu sei sem perguntar, para você ter noção de
como são essas coisas em salão. Aí ele se separou e depois casou com uma
mulher, que é até uma loira, nada de muito bonita não, mas dizem que ela é
mais nova do que ele. Ele é um engenheiro “bambambam” de uma
construtora. E antes dele se separar já estavam dizendo que ele estava com
uma amante. Isso, para mim, é fofoca. Porque eu tenho certeza que ele não
abriu esse espaço com as manicures. Provavelmente ele só deve ter falado
que estava se divorciando e logo depois apresentou a tal. É isso que eu sei,
eles não são casados, mas moram juntos e que ela é daquelas mulheres que
se cuidam bem. Então são coisas escondidas, faladas por trás de uma pessoa.
Aumentadas, às vezes. (Maitê, auditora)

Em todo caso, o que vale destacar é como a fofoca, seja ela condenatória ou não,

implica a existência de um juízo de valor, ou seja, faz referência a normas de comportamento

comuns àqueles que participam da disseminação da informação (EPSTEIN, 1971:121). Nem

toda fofoca que ouvi nos salões investigados tinha um ar condenatório, o que não significa

que não houvesse implícitos valores e normas sociais. O próprio fato de ser assunto digno de

comentário já aponta sua relevância enquanto forma de controle social.


187

Um dos primeiros apontamentos para tentar explicar o porquê de salões de beleza

serem vistos como locais propícios para comentários, diz respeito à associação que se faz

entre fofoca e mulher. Em outras palavras, é atribuída uma “natureza” própria ao gênero

feminino, caracterizada por fazer comentários sobre a própria vida ou a de terceiros.

É um conceito geral de que salão é um ambiente onde se fala muito. Um


ambiente de fofoca. Até as revistas que têm no salão são de fofoca. Então é
um ambiente propício para isso, só tem mulher. E mulher adora falar da vida
da outra, adora contar os podres da vida da outra. (Jordana, promotora de
eventos)

Eu acho que é um lugar de fofoca pela reunião de mulheres. O salão junta de


20 a 30 mulheres dentro de um mesmo quadrado grande. É óbvio que vai
rolar fofoca. É natural da mulher, ela fala muito. (Maitê, auditora)

Diferente dos homens, as mulheres são tidas como mais ligadas à aparência e propícias

a empregar um exercício contínuo de comparação de si com outras mulheres. O salão aparece

então como espaço privilegiado para tais características serem potencializadas, não apenas por

ser um espaço onde se trabalha a aparência física, mas também por concentrar muitas

mulheres. Os espaços masculinos equivalentes para homossociabilidade destacados seriam o

bar ou a pelada semanal.

A gente tem o salão e o homem tem o dia de chope com os amigos. Homem
diz que não fofoca, diz que conversa. Eles falam de futebol, trabalho,
dinheiro. Eles não reparam muito se o outro homem está bonito. Já a mulher
é muito mais preocupada com o visual dela e das outras. Preocupa-se muito
toda vez que vai sair, como vai ser vista pelas outras pessoas. O homem põe
a roupa que quer, é muito tranqüilo. (Maitê, auditora)

Outro fator mencionado que justifica o salão ser um ambiente fértil para fofocas é a

convivência. Não apenas aquela que se dá entre os profissionais que compartilham o mesmo
188

espaço físico durante oito horas diariamente, como também a convivência mais fortuita com

ou entre clientes. De acordo com a definição de Gluckman (1963:313), fofocas são feitas por

sujeitos sobre outras pessoas com as quais se encontra em relação social próxima. À medida

que os salões de beleza proporcionam formas de associação bastante particulares, os

comentários e histórias passam a ser não apenas sobre a vida de artistas e celebridades, mas de

indivíduos sentados ao seu lado.

Porque no salão você vai sempre. Por exemplo, quando você vai consertar a
torradeira, você não estabelece vínculo nenhum com o cara, porque a sua
torradeira não quebra toda semana. No salão você vai toda semana, todo
mês. Então é um lugar onde, querendo ou não, você vê a pessoa com muita
freqüência. (Jordana, promotora de eventos)

Você acaba encontrando as mesmas pessoas. Se eu faço unha toda quinta, no


mesmo horário, vai ter uma pessoa com quem eu vou encontrar toda semana.
Tem outras pessoas que também são fieis ao salão e eu vou acabar
encontrando. Isso cria amizade, a pessoa passa a conhecer a outra, mesmo
que seja de vista. Então um profissional faz um comentário aqui, outro ali,
acaba gerando uma fofoca e você acaba sabendo de quem é. (Bady, graduada
em psicologia)

A propensão a fofoca se intensifica quando se tratam de salões de “bairro” ou de

“condomínio”. Acredita-se que estes tipos de estabelecimento, pelas relações de vizinhança

que comportam, são ainda mais propícios a fofoca.

Nesses salõeszinhos mais antiguinhos, os de bairro, rola mais fofoca. Porque


já tem uma relação com o cliente, todo mundo conhece todo mundo. É uma
coisa de cidade pequena mesmo. Você vai e todo mundo te conhece, fulano
esteve aqui, falou de cicrano, aí fica uma fofoquinha. (Inês, assistente de
edição)

Principalmente salão de condomínio, todo mundo sabe da vida de todo


mundo. Então é um lugar onde você se mantém informada, de revista, de
fofoca da vizinhança... (Jordana, promotora de eventos)
189

Hábito ou costume são duas outras noções mencionadas. Como se em salões de beleza

o fofocar fosse uma prática naturalizada, parte do cotidiano daquele tipo de espaço. A ponto

de não ser percebida como algo negativo pelos profissionais que se encontram imersos em tal

circuito de disseminação de informações.

Talvez o fato de os profissionais ficarem ali tanto tempo sem sair. Eles
acabam não percebendo o que estão fazendo ou, se percebem, já é tudo
muito natural. A manicure fica ali o dia inteiro. Eu acho que isso é uma coisa
que facilita. (Bady, graduada em psicologia)

No salão você está ali sentada, imóvel recebendo um serviço, então você não
pode fazer nada além de falar. E essas pessoas que estão ali fazendo também
levam muito no automático. Elas são especialistas, então conseguem fazer
outras coisas ao mesmo tempo. Elas podem conversar, podem te ouvir,
inclusive fofocar. (Inês, assistente de edição)

Falar sobre a vida de pessoas públicas ou de celebridades é outra atividade tida como

característica de salões de beleza, o que contribui fortemente para sua associação à dimensão

da fofoca.

Conversa-se muito sobre revistas. É impressionante! A televisão está ligada


e parece que é para isso. Toda vez que eu vou ao salão escuto uma coisa
assim. Eles sempre falam mal ou bem de alguém pela mídia. E tem sempre
uma cabeleireira que tira onda que conhece alguém que é amigo da atriz tal,
que ela está voltando para o namorado, mas eles ainda estão escondidos da
mídia. Ou seja, ela quer dar o babado antes da revista. (Jordana, promotora
de eventos)

Outra categoria relacionada a fofoca surge nos discursos dos entrevistados. Diz

respeito não àquela que se dá sobre a vida dos clientes, mas sim entre os funcionários do
190

próprio salão. Picuinhas e competição entre colegas de trabalho ou reclamação contra

superiores são situações que costumam gerar fofocas.

Sempre me disseram que salão é um antro de fofoca. É muita richazinha


entre os funcionários. É um que quer sempre competir, ser o melhor
cabeleireiro, o melhor maquiador, a melhor manicure. Dizem que é muita
competição. Tem dias que a malhação está muito grande, malhando,
malhando os outros. O que me decepciona é o excesso de fofoca, a
maledicência. Não que eu não goste de fofoca. Qual é a mulher que não
gosta de fofoca? De ouvir? Mas às vezes, estão metendo tanto o pau nos
outros que eu saio e fico no jardim de inverno, fumando meu cigarrinho.
(Ivanilde, empresária)

E quando fica aquela fofoquinha, aquele tititi? Uma funcionária falando mal
da outra. Incomoda demais. A pessoa não está nem fazendo a sua unha
direito porque está olhando se a fulana atendeu fulano, se pegou a cliente
que é dela, reclamando que ganha pouco e vai mudar de salão. Eu vejo isso
muito forte em salão, em todos. Não vejo um único salão que não tenha isso.
(Maura, comerciante)

O cara que cortava o meu cabelo, falou que salão é um dos ambientes de
trabalho mais pesados que se pode imaginar. Pela competição, um falando
mal do outro. Eles também são muito maltratados pelos donos do salão, em
relação à carga horária. Então ele dizia que era um ambiente horrível, um
lugar pesadíssimo. (Rubens, engenheiro)

O salão de beleza carrega uma imagem tão associada a fofocas que, por vezes, uma

simples conversa estimulada pelo profissional do salão, seja para passar o tempo ou para

sociabilizar, pode ser sentida em termos de invasão de privacidade.

Salão é muita pergunta. Você chega lá e é interrogada, do início ao fim:


Como está seu trabalho? E a sua filha? E o seu marido? E o seu neto? Vocês
estão morando aonde? Aí você responde o mais simples possível, que está
tudo bem, graças a Deus, e fica doida para acabar e ir embora. Você tem que
saber como responder as perguntas. E são sempre perguntas de interesse da
sua vida particular, é incrível! (Ivanilde, empresária)

A minha manicure antiga, toda vez perguntava quando eu ia casar. Acho que
por isso também que fui embora. Cara, eu não agüento mais, senão daqui a
191

pouco ela vai querer que eu a convide para o meu casamento. (Jordana,
promotora de eventos)

Chegamos finalmente a um ponto que vale atenção. Não há como negar que fofoca é

uma realidade encontrada em salões de beleza, embora não seja exclusividade de tais

ambientes. Contudo, o que se encontra nestes espaços voltados para a beleza é muito mais que

comentários maliciosos. Refiro-me a uma conversação generalizada; ao salão de beleza

enquanto um centro de comunicação ou mesmo um “circuito da opinião”, tal como o espaço

dos cafés analisado por Boltanski (1993:50).

As próprias mídias disponibilizadas em salões, como revistas, jornais, rádio, televisão

e até computador com acesso a internet, contribuem para a circulação de informações. Nas

palavras de uma manicure, “para estar nessa profissão é preciso ser bem-informada”. Refere-

se às clientes que puxam assunto sobre acontecimentos e notícias atuais.

Embora parte importante de tal conversação seja composta por fofocas, o que se

observa, efetivamente, é um grupo de indivíduos que conversam sobre os mais variados

assuntos, contam suas experiências, trocam notícias sobre acontecimentos, discutem idéias

etc.

A troca de informações, definitivamente, é parte fundamental do ritual do salão. Pelo

fato de ser uma “região aberta” (CAVAN, 1966:142), ou seja, um lugar no qual é esperado

das pessoas presentes maior liberdade para iniciar ou aceitar uma conversação, a experiência

no salão de beleza é um verdadeiro convite à interação.

Nele é possível observar pessoas estranhas conversarem entre si em maior proporção

do que ocorre em outras situações sociais de encontro, como viagens em ônibus coletivos ou

salas de espera de consultórios médicos, por exemplo. Apesar de, naturalmente, existirem
192

pessoas mais abertas a interação do que outras, prevalece no salão um clima geral de

aproximação, e não de evitação. A comunicação, neste sentido, assume uma forma particular.

Os assuntos costumam ser os mais variados, desde aqueles ligados à vida privada até

grandes acontecimentos internacionais. Fala-se de gravidez a futebol, de signos astrológicos a

aparelho ortodôntico, de política a práticas sexuais. No entanto, é possível sugerir a

prevalência de algumas temáticas. Se eu tivesse que definir aquelas a que tive mais acesso

durante a pesquisa de campo, diria que família, relacionamentos amorosos e a vida de

celebridades são os assuntos prediletos.

Elas falam da vida, dos amores, da família, dos amigos. E de alguma forma
esperam conseguir ali conselhos para questões que estão latentes. Acho que
não existe sobre o que não se fale no salão. (Rubens, engenheiro)

Corpo é outra temática que emerge com recorrência, sob os mais variados aspectos.

Seja em conversas sobre dieta, exercícios físicos, troca de informação sobre médicos,

atualizações sobre as últimas tendências em cosméticos etc.

Tal fato se torna possível pelo próprio conteúdo do que está sendo trabalhado ali

dentro dos salões: a beleza corporal. Por se tratar de uma “obrigação” compartilhada entre

mulheres, os esforços empreendidos para a boa apresentação de si por muitas vezes atuam

como dispositivos de conversação. É comum ver mulheres no salão puxarem assunto a partir

de tópicos relacionados a beleza. Um corte de cabelo bonito ou uma cor de esmalte diferente,

por exemplo, podem atuar como gatilho para o início de uma interação.

De qualquer forma, o ponto a que nos devemos ater é que os salões de beleza podem

ser enxergados sob outro prisma: enquanto um ambiente de troca de informações e

aprendizagem. A partir dos encontros promovidos por aquele espaço é possível ter acesso a

outros mundos, como saber o que se passa nos bastidores de um hospital público por meio das
193

histórias contadas por uma médica que tem suas unhas feitas. Ou ter conhecimento sobre a

estrutura de uma operadora de telefonia celular e receber dicas de uma pessoa que lá trabalha

sobre como lidar com operadores de telemarketing a fim de conseguir resolver seus problemas

com maior facilidade.

Uma situação vivenciada no salão de Botafogo despertou minha atenção. Uma cliente,

enquanto tinha suas unhas feitas, conversava com sua manicure e mais dois funcionários,

incluindo a dona do salão. Contava sobre a sua luta para remover um tumor no ovário e a

dificuldade de encontrar uma solução rápida, uma vez que seu plano de saúde não cobria tal

cirurgia e o tempo de espera pela rede pública de saúde era muito demorado.

Percebo as pessoas que participam da conversa cada vez mais se sensibilizarem com a

história e se envolverem na busca por soluções. Pensam juntas diversas alternativas e parecem

chegar a uma idéia que parece a mais efetiva: a cliente deveria casar rapidamente em cartório

com o namorado, uma vez que já tinha a intenção de fazê-lo, e entrar como dependente do

plano de saúde oferecido pela empresa do mesmo, que provavelmente cobriria os custos da

operação.

A cliente não apenas sai com uma nova perspectiva, mas com informações valiosas

(por exemplo, que o cartório do bairro Catete costuma ser o mais ágil) e oferta de ajuda (a

dona do salão se oferece para buscar a papelada no Catete assim que ficar pronta, pois passa

toda semana pelo cartório). A manicure que faz minhas unhas e sabe sobre minha pesquisa,

olha para mim e diz quando a cliente vai embora: - “Viu, salão é informação. Aqui você fica

sabendo de tudo, aprende com a experiência dos outros”.

Percebo um esforço por parte dos próprios profissionais da beleza de tentar reverter o

estigma do salão de beleza enquanto espaço de assuntos fúteis. Contudo, alguns o fazem com

uma veemência que beira o tragicômico. Uma tarde, na sala do colorista do salão de Ipanema,

conversamos despretensiosamente sobre os mais diversos assuntos quando o profissional


194

engrena em um papo e fica, pelo menos, 30 minutos falando de forma inflamada sobre

política, Brasil, Rio de Janeiro e violência

“Tem que passar trator nas favelas, para reconstruir aquilo tudo. Deixar um ano o

pessoal alojado nas escolas públicas. O pessoal perde um ano de aula, mas vale à pena. É só

dar uma bolsa-auxílio para cada família enquanto espera terminar a obra”, diz Jacques, o

colorista. Segue fazendo comparações sobre o quanto considera a Austrália um país

“civilizado”, que deveria ser referência para o Rio de Janeiro (havia acabado de voltar de

viagem de lá), sem sujeira, sem população de rua, com pessoas educadas...

O assunto me intriga, pois não sei aonde ele quer chegar com tamanha exasperação de

discurso. Ao final dos 30 minutos o colorista olha para mim e fala: - “Viu, como aqui também

se fala de política?”

Pergunto então sobre o que mais se fala ali. Ele responde: - “Fala-se de tudo, menos

fofoca, porque odeio”. No entanto, minutos antes de engrenar no papo sobre política o

colorista havia me contado a vida de duas clientes em detalhes: a primeira costumava tirar a

roupa no vestiário do salão e ele tinha medo, porque achava que a cliente se oferecia para ele.

Dizia que ele era gostoso e que um dia iria “pegá-lo”. - “Eu dava logo pinta de gay, me

entregava na hora. Morria de medo daquela mulher”.

A segunda cliente sobre a qual comenta era uma senhora que havia acabado de chegar

à sala para pintar o cabelo. Enquanto se preparava no lavabo, o colorista me resume em

poucos minutos seu drama familiar, sem eu ter perguntado nada. Conta que é uma viúva

muito rica, cujos filhos se aproveitam do dinheiro dela. Quando ficam endividados vão morar

em seu apartamento de seis quartos em Ipanema.

Como define uma cliente para mim, “papo de salão é muito bom”. Confesso que, por

algumas vezes, tive que me conter para não dar uma gargalhada e perceberem que eu estava

atenta às conversas ao meu redor. Os assuntos variam dos mais dramáticos aos mais
195

inusitados. Uma vez observo duas clientes de idade já avançada conversarem em um salão de

Copacabana. O assunto é de que forma desejam que sua morte seja consumada. Ambas

desejam ser cremadas e trocam informações a respeito, inclusive que cremação é “baratinho”

e que é possível parcelar por mês.

As conversas, na maior parte das situações, são paralelas entre o profissional e o

cliente atendido. No entanto, muitas vezes tal esquema de duplas de conversa é quebrado,

podendo se transformar em uma grande conversa coletiva. Especialmente no espaço em que

ficam concentradas as manicures, as conversas costumam se transformar em uma verdadeira

“mesa redonda”, nas palavras de uma cliente com quem conversei. - “É pura diversão”,

conclui.

Em busca de emoções: o cuidado de si nos salões de beleza

Com a crescente segmentação dos serviços de beleza, os salões hoje se oferecem como

um espaço para muito além da produção estética de unhas e cabelos. Cabeleireiros e

manicures dividem espaço com maquiadores, depiladoras, eyebrow designers, esteticistas,

dermatologistas, acupunturistas, massagistas, numerólogos, astrólogos, tarólogos,

aromaterapeutas, fitoterapeutas, psicanalistas e orientadores vocacionais.

Nas palavras de uma empresária dona de um salão de beleza que concentra algumas

dessas especialidades, “Como Platão no ano 380 AC escreveu: a cura da parte não deve ser

feita sem o tratamento do todo. Não podemos curar o corpo sem considerar a alma e devemos

começar curando a mente porque tanto a mente quanto o corpo deve ser saudável” 88.

88
Matéria jornalística, disponível em <http://www.hairbrasil.com> 28/05/2007.
196

Observamos aí a representação corpo/ mente associada a uma cosmologia que não

apenas persiste no imaginário ocidental atual como adquire formas concretas no que tange às

novas propostas de salões de beleza na atualidade.

Uma das psicólogas entrevistadas, ao comentar sobre a distinção entre psicólogo e

profissional da beleza, traz para discussão outra dicotomia: aquela entre “exterioridade” e

“interioridade”.

Acho que as pessoas confundem. Acreditam que estar bonita é estar feliz. O
profissional do salão faz o que? Faz você ficar bonita, o que dá a falsa
sensação de estar bem. Mas nunca poderá ser comparado a um psicólogo.
Porque o que ele faz é extremamente externo, arrumar a casca. O que está
por dentro continua e vai voltar a aparecer. (Mirela, psicóloga)

No entanto, não se pode ignorar o potencial que esta “dimensão externa” possui, em

termos dos efeitos positivos que é capaz de produzir sob os indivíduos, por mais imediatos ou

a curto prazo que sejam. Os profissionais da beleza, melhor que ninguém, sabem disso. Um

dos sócios do salão de Botafogo comenta que a mudança corporal promovida pelo salão é

capaz de alterar não só o humor como o comportamento da cliente.

O comentário do dono do salão de Botafogo me faz lembrar um caso que me

relataram. De acordo com a descrição do narrador, tratava-se de uma colega de trabalho

“quarentona, solteira, toda apagada”. Usava o mesmo estilo de cabelo há anos e um dia

resolveu mudar (coincidentemente, ela havia feito um corte de cabelo no salão de Ipanema

que investigo). Quando a mulher chegou ao trabalho com o novo visual, todos elogiaram com

grande ênfase a mudança 89.

O ponto destacado na fala do narrador foi justamente o fato de a “nova” mulher ter

passado a agir de modo diferente. Diz que agora ela voltava do almoço e só tirava os óculos

89
Sobre a “obrigação” de notar mudanças na aparência do indivíduo em relação, Cf. GOFFMAN (1976:486).
197

escuros quando sentava em sua mesa, já dentro do escritório. - “Era muito engraçado, ela

chegava como se fosse uma pop star. Porque ela estava se sentido muito bem, ela estava

curtindo muito”.

Entre as diversas pessoas com quem conversei ou entrevistei, muitas trouxeram a

percepção de que no salão de beleza o sujeito entra uma pessoa e sai outra. Fazendo uso dos

termos empregados pelos próprios entrevistados, “entra feia e sai bonita”. Como se a porta de

entrada separasse dois mundos distintos: o da preparação e o mundo lá fora, onde a

“transformação” será apresentada, posta à prova.

O salão de beleza é um lugar onde as mulheres ficam mais feias, depois


saem lindas. Porque é um horror! Você entra lá e passa aquela tinta toda no
cabelo, fica parecendo bicho e depois você se transforma. Sai linda,
maravilhosa, mais leve. Então é um lugar de transformação. (Ivanilde,
empresária)

Eu entro e penso que quando sair, eu serei uma outra pessoa. Pode ser a
coisa mais ridícula, fazer unha. Sua cara não mudou, seu corpo não mudou,
você tem o mesmo rosto, o mesmo cabelo, mas você se sente melhor, se
sente mais limpa. (Maitê, auditora)

O salão parece uma fábrica de sonhos. É a mágica da transformação. Eu


penso no gênio da lâmpada, que você faz um pedido, um corte para
revolucionar os cabelos, aí ele vai chegar, usar a varinha e fazer a mágica.
Transforma a realidade em sonho. Isso porque você entra do jeito que você é
realmente, naturalmente, e sai de outro modo. (Nazaré, estatística)

É um lugar onde você entra de um jeito e sai bem melhor. Mesmo que seja
em um detalhe que ninguém vai perceber, mas você já está se sentindo bem.
Eu não gosto de freqüentar, mas eu sempre me sinto mais bonita quando eu
saio com a unha feita, com o pé direitinho. (Jordana, promotora de eventos)

A mudança pode ser vivenciada como uma experiência prazerosa e até lúdica. No

entanto, nem sempre garante resultados positivos. Muitos são os relatos de pessoas que foram
198

ao salão e não tiveram um serviço bem sucedido. Nestas situações específicas, o salão pode

deixar de ser um espaço que gera prazer para se tornar uma fonte de insatisfação.

Mas que mudança é essa que o salão de beleza proporciona? Fazer um corte diferente,

pintar as unhas de uma nova cor ou mesmo mudar a tonalidade dos cabelos pode estar

associado tanto a uma sensação de bem-estar quanto a um desejo de renovação, de recomeço.

Pode ser usado para marcar a entrada do indivíduo em um novo status social, para dar

significado a um novo momento da vida, podendo este ser concreto ou algo ainda não

atingido. Em outras palavras, por meio de uma nova realidade corporal dá-se sentido a uma

nova realidade social (BOUZÓN, 2004:54).

Sobre a temática da mudança, Le Breton sugere que “não é a metamorfose banal de

uma característica física; ela opera, em primeiro lugar, no imaginário e exerce uma incidência

na relação do indivíduo com o mundo” (LE BRETON, 1999:30). O salão, dessa forma,

oferece-se como ponto de partida para transformações na vida dos sujeitos.

Se não o faz efetivamente, ao menos serve como motivação para a pessoa se abrir a

novas possibilidades e, mais “segura” com o novo visual, buscar sozinha a mudança desejada.

Tal transformação sugere um fenômeno terapêutico que poucos espaços no contexto urbano

atual são capazes de proporcionar, como explicitado nas citações a seguir.

Salão de beleza para mim é um lugar que eu uso quando estou com alguma
chateação que não consigo resolver sozinha. É como um clínico geral, você
vai quando não sabe que remédio tomar para curar algum problema.
Definitivamente, quando a minha aparência começa a me incomodar não é
apenas um problema externo. Tem a ver com necessidade de auto-estima.
Costumo apelar para os salões quando eu quero dar uma mudada na minha
vida. Começo sempre pelo cabelo. (Fabiana, designer)

Salão de beleza é remédio para baixa auto-estima. Pra mim é como comprar
uma boa calça jeans. (Flaviana, publicitária)
199

Desacreditados do poder renovador que uma simples unha feita ou um corte de cabelo

pode ter sobre o humor de uma pessoa, alguns profissionais da beleza revelam certo

sentimento de impotência frente às dificuldades pessoais dos clientes. Uma manicure

comenta: - “O problema, muitas vezes, está na cabeça delas, não no cabelo!”. Resignado, um

cabeleireiro do salão de Botafogo completa: - “A cliente pede conselho e você a maquia,

porque no fundo você não pode fazer nada por ela”.

Lembro quando o primeiro dia de pesquisa de campo no salão de Ipanema logo de

cara me coloca um desafio. Assim que entro no salão principal, ouço a seguinte frase de uma

cliente para sua cabeleireira: - “Brigite, eu quero que você me emocione! Vim aqui para você

me emocionar!”. Que emoção é esta a que a cliente se referia? Em um sentido mais geral, que

emoções são buscadas em salões de beleza?

Seguindo a orientação de Rezende,

Mais do que tratar um discurso emotivo como meio de expressão dos


sentimentos (que, segundo uma visão ocidental moderna, estariam situados
"dentro" da pessoa), ele deve ser analisado enquanto um conjunto de atos
pragmáticos e performances comunicativas, tanto sobre emoções como sobre
aspectos tão variados como relações de gênero e de classe. Nesse sentido, é
fundamental para a compreensão do discurso considerar o contexto em que é
acionado - por quem, para quem, quando, com que propósitos. (REZENDE,
2002:74)

No começo da pesquisa de campo, quando me deparava com categorias como “estado

de espírito”, “auto-estima” ou “beleza interior”, entre outras, confesso que sentia dificuldade

em lidar com elas no contexto em que eram ditas. Precisei me dar conta de que não poderia

pensar os processos produzidos a partir dos salões de beleza sem levar em consideração

estados interiores, humores, emoções e sentimentos.


200

O léxico de palavras utilizado para descrever o que as pessoas buscam nos salões gira

em torno de palavras como “bem-estar”, “satisfação”, “segurança”, “auto-estima”, “conforto”,

“felicidade” e “alegria”. Um discurso hedonista que relaciona cuidado de si a felicidade.

[Sobre salão de beleza] O próprio nome já diz: beleza. Muitas mulheres


procuram a aparência como uma segurança. Estar bonita quase sempre
significa estar bem, feliz. (Mirela, psicóloga)

O retorno psíquico de fazer as unha ou cortar os cabelos no salão de beleza por vezes é

tão recompensador que muitas pessoas não poupam esforços - no sentido de tempo ou

dinheiro - quando se trata de produzir esteticamente os próprios corpos.

E você se sente como quando vai ao salão?


Eu sinto que estou cuidando de mim. Naquele momento é um investimento
para mim. Um investimento que faço comigo mesma. (Bady, graduada em
psicologia)

No salão a questão da auto-estima salta aos olhos. As mulheres parecem que


estão lá pedindo, por favor, para serem valorizadas. É um templo de culto ao
ego, mas ao mesmo tempo você vê que quem está lá todo dia, toda hora, está
caindo aos pedaços em termos de auto-valorização. Como se deixar de ir ao
salão, ficar sem escova ou com a raiz do cabelo por fazer, fosse te
desvalorizar como pessoa.
E quem não tem dinheiro para comprar auto-estima?
Aí é um problema sério. Ou você trabalha isso muito bem, tem uma cabeça
muito boa, ou sucumbe. Porque essa dominação da beleza em cima das
mulheres é cruel, o tempo inteiro, TV, revista, programa de transformação de
baranga em gatinha. Mas mesmo quem tem dinheiro sempre está no déficit,
porque nunca é suficiente. Se não é o cabelo é o peito, se não é o peito é a
bunda. Hoje em dia existe até lifting vaginal, tem noção disso!? Pois é, para
quem teve parto normal. Poupe-me! (Juliana, desempregada)

O salão de beleza enquanto espaço para “cuidar de si”, categoria que emerge diversas

vezes nos discursos das mulheres, pode estar associado a um afastamento temporário das

atividades utilitárias do dia-a-dia. É encarado como um momento que a pessoa reserva para si
201

mesma, deixando em suspenso temporariamente os cuidados com filhos, marido, casa ou

trabalho. O salão, neste sentido, se torna um espaço de dedicação e de encontro consigo

mesma.

Na interpretação de Paula Black, o tempo no salão não é a mesma experiência para

todos os clientes. Algumas mulheres o experimentam no sentido de uma separação espacial,

social e temporal do “mundo lá fora”, em termos de uma mudança de cenário, uma fuga da

vida cotidiana (BLACK, 2004:52).

Ao clamar tempo para si no salão, completa a autora, a mulher está fazendo uma

afirmação sobre seus próprios sentimentos de valia. Esse tempo para si, geralmente, é uma

mensagem aos parceiros ou outras pessoas que fazem demandas sobre seu tempo. Tal

escapismo, conclui, pode ser visto enquanto “um mecanismo de sobrevivência” (BLACK,

2004:56).

Porém, esse cuidar de si, no contexto dos salões de beleza, solicita certa freqüência. É

tido como um processo contínuo que, no geral, deve se dar semanal ou mensalmente (havendo

variações de acordo com os serviços de beleza, as idades e os gêneros em questão). No

entanto, sanções simbólicas são impostas quando ultrapassadas as fronteiras do que se entende

por freqüência ideal. “Perdida”, “insatisfeita” ou “volúvel” são algumas formas de classificar

aquelas mulheres que procuram demais o salão. Para as que freqüentam menos, “relaxada”,

“sem vaidade” ou “largada” são os termos associados.

Esse cuidar de si quando é acima do normal é um exagero.


E o que você chama de exagero?
A pessoa que vive no salão, sempre fazendo alguma coisa. Às vezes a pessoa
vai mais de uma vez por semana, está lá toda semana. Eu acho que é para
buscar uma beleza ou manter uma beleza. Ou o medo de envelhecer. (Bady,
graduada em psicologia)
202

Outro ponto interessante são as aproximações e os distanciamentos feitos do salão de

beleza em comparação a outros espaços igualmente relacionados ao cuidar de si. Foram

identificados três ambientes específicos: lojas de roupa, academias de ginástica e clínicas de

cirurgia plástica 90. O que confirma ser o salão de beleza não um fenômeno isolado, mas parte

de um sistema maior que engloba outros espaços. Nas palavras de Paula Black, “diferentes

mulheres investem em suas feminilidades em diferentes arenas, e essa feminilidade é

produzida em uma variedade de instituições sociais existentes (BLACK, 2004:183).

Podemos considerar que vivemos uma época em que o imediatismo é um atributo cada

vez mais valorizado. Esta busca pelo imediato também se faz sentir na relação das pessoas

com seus corpos e, conseqüentemente, com os salões de beleza.

A questão da mudança da aparência por meio de intervenção estética em cabelos,

unhas ou pêlos, leva fortemente em conta fatores como rapidez, facilidade e custo. A

percepção é que estas partes específicas do corpo são de fácil modificação, uma vez que não

demandam o emprego de grandes esforços pessoais. Em termos práticos, não é a pessoa que

executa, mas executam por ela. É um processo dependente da intervenção de um outro que

não o próprio sujeito.

A passividade do processo, nesse sentido, é o que diferencia o salão de beleza da

academia de ginástica, por exemplo. Seja fazendo exercícios físicos ou dieta, nestes dois

casos o indivíduo é o principal agente empregado na mudança que se tenta imprimir no

próprio corpo.

Salão de beleza, na minha percepção, é um espaço de indulgência. É se dar


prazer, fazer alguma coisa para você mesmo. A academia eu acho que
também é um espaço de indulgência. Mas com a academia você pode ter
uma relação de amor e ódio. Porque muitas vezes é um saco, você tem que
se esforçar. Aquela melhora no desempenho físico, o emagrecimento, não
vem sem esforço. É árduo. Ela te cobra um investimento físico de dedicação.

90
Para cada um dos ambientes citados indico as seguintes leituras: shopping centers, Cf. FRÚGOLI JR. (1990);
academias de ginástica Cf. SABINO (2004); cirurgia plástica Cf. GONÇALVES (2001).
203

Já no salão o investimento é de grana. Se você tem grana, você chega lá e


quer tudo do mais caro e do melhor. As coisas acontecem em você, apesar de
alguns tratamentos exigirem certa paciência, certo esforço. Mas esse esforço
se paga mais rápido no salão. É rápido, como um Mc Donald's. A mulher vai
lá e faz um kit básico. Terminou com o namorado ela vai logo para o salão
com as amigas. Para melhorar a auto-estima. (Rubens, engenheiro)

No caso da cirurgia plástica, tal prática se aproxima daquelas empregadas nos salões

de beleza justamente pela característica da passividade. Mas se distanciam pela qualidade da

mudança empregada: enquanto nos salões trata-se de uma manutenção pequena e regular, sem

mudanças dramáticas na aparência, nas clínicas de cirurgia estética as intervenções corporais

se fazem permanentes.

Por fim, a aproximação mais recorrente é aquela que relaciona com compras em

shopping centers. Por diversas vezes o ato de comprar roupas ou acessórios para si foi

associado ao ato de ir ao salão. Vestimentas, cabelos, pêlos e unhas, neste sentido, são

associados por serem mudanças da aparência cujo caráter é provisório. Dentre as

possibilidades disponíveis para modificação rápida da aparência e manipulação da identidade,

costumam ser os recursos mais acionados.

Equivalente ao salão eu acho que é sair para comprar roupas, sapatos,


alguma coisa para você. Porque é uma coisa que você está fazendo por você.
Para se cuidar, ficar mais bonita. Eu acho que é a mesma sensação de bem-
estar, você fazer a unha, fazer o cabelo ou comprar alguma coisa para você.
(Maura, comerciante)

Se você está bem vestida, mas seu cabelo está horroroso ou você está sem
maquiagem, você não vai ficar tão bonita. Você só fica linda se tiver roupa
bonita, sapato bonito, cabelo feito e rosto maquiado. Eu acho que é um
conjunto perfeito: salão e loja de roupa. (Rebeca, auxiliar administrativa)

Por trás do discurso elaborado sobre o cuidar de si, podemos encontrar muitas outras

motivações que ajudam a compreender o desejo de se sentir “bonita” ou “bem consigo


204

mesma”. Aceitação e competição são dois pontos que merecem atenção especial. O primeiro

diz respeito à apresentação de si. Os serviços buscados em salões de beleza, por vezes, são

vistos como uma “obrigação”, uma “necessidade” de se adequar às expectativas sociais no

que se refere à apresentação estética de si.

Acho que elas vão atrás de aceitação. Normalmente quem freqüenta salão
regularmente são pessoas que têm uma maior exigência de beleza na vida.
Podem ser pessoas de mundos diferentes, desde a mais ralé que tira parte do
salário pra ir, até a mais madame para quem ir ao salão é um passatempo.
Mas, com certeza, elas têm algo em comum. Acho que porque a beleza, para
elas, abre portas para se sentir bem, para arrumar um namorado rico, um
emprego melhor, adquirir mais confiança, manter uma imagem, segurar o
marido, fazer amigas, não ser motivo de comentários sobre como a pessoa se
descuida e tudo mais. Na vida de algumas pessoas a beleza é uma obrigação,
como escovar os dentes. (Fabiana, designer)

Nem todo mundo precisa de uma academia. Já salão, todo mundo necessita
ir. (Rebeca, auxiliar administrativa)

Justamente pelo caráter “obrigatório”, muitas vezes freqüentar o salão é vivenciado

enquanto uma experiência pouco prazerosa.

Salão é um lugar onde eu tenho que ir por obrigação. Eu tenho que ir porque
senão as pessoas ficam comentando que minha unha está horrorosa, que eu
tenho que fazer a raiz do cabelo. Eu não vou porque gosto. É chato, porém
necessário. (Jordana, promotora de eventos)

Quanto à temática da competição, no que se refere às motivações que levam uma

pessoa a se fazer bela, compartilha-se a idéia de que as mulheres não apenas se embelezam

para atrair a atenção do sexo oposto, como também para se destacar na competição velada (ou

aberta) que existe entre o sexo feminino. A feminilidade, neste sentido, é construída não
205

apenas em contraste à masculinidade, mas a partir de uma competição intragênero. Pergunto a

um cabeleireiro por que as mulheres se produzem tanto e o profissional resume:

Elas se arrumam para as outras mulheres. Repara só em uma festa, em


casamento. De um lado tem os homens reunidos falando sobre o quê?
Trabalho, negócios. Do outro, estão as mulheres falando do vestido da outra,
do cabelo. Elas reparam nos detalhes, são detalhistas. Já os homens não, eles
enxergam a mulher como um todo. (Dudu, cabeleireiro) 91

Apesar de o tema da competição entre mulheres reinar enquanto “lugar comum” na

elaboração de significados sobre gêneros 92, outro tipo de competição é apontado por uma das

entrevistadas: aquela que se dá consigo mesma no ambiente do salão de beleza. Refere-se ao

esforço das mulheres em tentarem melhorar cada vez mais a própria aparência, processo este

que se dá independentemente de contrastes ou comparações com outras mulheres.

Você mencionou que a mulher encontra solução para baixa auto-estima


nos salões. Os homens encontram isso aonde?
O homem pode até encontrar na mulher dele que saiu do salão. É porque ele
vai estar com uma mulher gata e vaidosa do lado. Isso, para o homem, é
muito importante. O homem lida com a auto-estima dele nas relações com
outros homens, no ambiente de trabalho. O homem não tem que se achar
bonito, ele tem que se achar poderoso. E salão é uma coisa muito mais
individual, porque a mulher vai para se sentir melhor. É um remedinho para
ela. No momento em que a mulher sai do salão, ela sai se sentindo bonita, se
achando melhor do que estava antes. Não necessariamente se comparando
com outras mulheres. É uma comparação do antes e depois dela mesma.
(Inês, assistente de edição)

91
A fala do cabeleireiro faz lembrar a leitura de Lipovetsky (1989:136) sobre como o cuidado com o corpo é
distintamente trabalhado por homens e mulheres. O autor sugere que o corpo masculino recebe uma imagem
mais global, existindo pouco interesse pelo detalhe e sendo poucas as regiões a serem cuidadas esteticamente
como elementos separados. Em compensação, na mulher, o cuidado com o corpo é estruturalmente fragmentado.
Seu olhar analítico se encontra mais voltado para as partes que para o todo.
92
Embora também seja identificada uma competição entre homens, a diferenciação feita pelos entrevistados é
que tal competição se constitui menos pela via da apresentação física e mais pelo poder, especialmente no que se
refere à dimensão do trabalho.
206

A competição entre mulheres pode se observada no próprio ambiente do salão,

especialmente entre as clientes, seja por meio de enaltecimento das próprias qualidades e

conquistas ou por meio do olhar que lançam às outras clientes em busca de elementos para

crítica ou comparação.

Muitas mulheres vão ao salão para se garantirem, se sentirem bonitas,


mostrarem que são casadas, que têm um relacionamento. “Quero que o meu
homem repare em mim, não em outras mulheres”. Então tem muita
insegurança. Mulher é muito insegura. (Maitê, auditora)

Durante a pesquisa de campo era possível observar as clientes reparando umas nas

outras. Por vezes, não conseguiam ao menos disfarçar seu olhar ao acompanhar uma mulher

que chamasse atenção por algum motivo. No entanto, acredito que o objetivo de tal atenção

nem sempre se destine a uma posterior crítica. Muitas vezes, o outro atua como espelho, como

um modelo considerado positivo para imitação.

Eu tenho um problema com salões de beleza. Porque eu acho que as pessoas


que freqüentam ficam observando umas as outras. Esse tipo de observação
até se dá em outros lugares, mas eu acho que no salão é mais forte. Por
exemplo, você está pintando o cabelo e as outras pessoas que estão lá
fazendo unha estão te observando. Eu mesmo observo as outras pessoas, não
é nem por maldade. Mas você olha, você observa o que a pessoa está
fazendo, se é alguma coisa diferente. Às vezes você até tira uma idéia. Já
aconteceu isso comigo, de uma pessoa cortar o cabelo e eu achar legal. Eu
estava no salão esperando para cortar e não tinha a menor idéia do que fazer,
então pedi um corte igual em mim. (Maura, comerciante)

Entretanto, nem sempre o outro é usado enquanto modelo positivo. Em um

determinado episódio, eu me encontrava na sala do colorista do salão de Ipanema observando-

o pintar, pela primeira vez, o cabelo de uma adolescente. Ela havia sido levada pela mãe, uma
207

mulher de aparência vaidosa, que insistia para que o colorista convencesse a filha de que seu

cabelo era bonito, mesmo sendo volumoso.

De repente, o colorista caminha até mim, pega no meu cabelo e mostra à adolescente o

quanto é ruim ter fios finos e ralos. Ele fala: - “Olha para ela aqui, olha só a quantidade de

cabelo! Desculpa Patrícia, não é por nada não, mas é que ela tem que aprender a valorizar o

cabelo dela”. Com muito esforço consigo ensaiar um sorriso. Considero o silêncio a melhor

alternativa a ser empregada naquela situação.

Não são apenas os clientes do salão que servem como “vitrine” para imitação. Os

próprios profissionais que trabalham em salão de beleza também se enxergam enquanto tal. -

“Você tem que dar o exemplo”, diz uma cabeleireira do salão de Botafogo. Daí a preocupação

de estarem bem maquiados, com os cabelos arrumados e as unhas feitas, sempre.

No entanto, a questão da imitação pode adquirir dimensões maiores quando o assunto

é corpo. Um dos cabeleireiros do salão de Ipanema revela, impressionado, que ultimamente

tem notado as mulheres não apenas quererem o cabelo igual ao da amiga ou da artista de

televisão, mas também o nariz, os seios, a maçã do rosto...

O estranhamento e a surpresa do cabeleireiro são interessantes não somente para

pensar a questão da imitação (Quem imita quem? O que é imitado? Que padrões estético-

corporais estão sendo seguidos?), mas bons para pensar também os limites dos atuais

processos de interferência e modelação dos corpos que se observam na atualidade, graças às

sofisticadas técnicas de embelezamento que se modernizam a cada dia.

Voltando à questão do cuidado de si, vale lembrar que o mesmo não se dá sem a ajuda

de terceiros. Neste sentido, o salão de beleza se destaca enquanto espaço não apenas para

cuidar de si, como também para ser cuidada. Nele é criado todo um ambiente de receptividade

e cuidados, no qual muitos dos clientes afirmam se sentirem bem e à vontade. Segundo

Goffman,
208

Verificamos com freqüência que os clientes podem contratar um especialista


não para obter ajuda num espetáculo que estão montando para outros, mas
para o próprio número que consiste em ter um especialista cuidando deles.
Muitas mulheres, ao que parece, vão a salões de beleza para se alvoroçarem
e serem chamadas de “madames”, e não simplesmente porque precisam fazer
um penteado. (GOFFMAN, 1959:146).

Pergunto a uma das entrevistadas o que mais gosta no ambiente de salão de beleza.

Categoricamente ela responde:

Ser paparicada (assumindo meu lado fútil). Ficar sentada e todo mundo fazer
tudo por mim. O melhor é quando você faz cabelo, pé, mão, tudo ao mesmo
tempo. Várias pessoas fazendo alguma coisa por você. Deve ser uma
imagem arquetípica da época dos grandes imperadores, que ficavam
sentados e todos fazendo de tudo pra ele se sentir bem, dando uva na boca,
bobo da corte para fazer ele rir... (Mirela, psicóloga)

Dos três salões de beleza em que realizei trabalho de campo, a criação de um ambiente

voltado para o bem-estar do cliente é muito mais evidente no de Ipanema: é praticamente

impossível uma cliente passar despercebida pelos funcionários. Logo quando chega ao salão,

é pessoalmente recepcionada pelos cabeleireiros, assistentes ou manicures. Os funcionários

olham e sorriem para os clientes a maior parte do tempo, enquanto os garçons se encarregam

de oferecer bebidas.

Os elogios, por sua vez, não cessam de serem feitos até a cliente ir embora, seja em

relação às suas roupas ou acessórios, à magreza, à beleza de alguma parte específica de seu

corpo e, sobretudo, aos cabelos após terem sido cortados, alisados ou penteados.

Cabeleireiros, assistentes, manicures, gerente e até mesmo clientes desconhecidos,

todos enaltecem uns aos outros, revelando um importante aspecto dos salões de beleza: um

lugar para se sentir notada e valorizada.


209

Eu tenho birra com manicures. Porque elas sempre me dão bronca porque
rôo unha e não tiro cutícula. Já o cabeleireiro nunca fala que o seu cabelo
está uma bosta. Ele fala que vai te deixar linda, realçar seu rosto, ele te dá
confiança, te coloca pra cima. Eu, que sempre fui gordinha, adoro ir a salão,
porque eles falam que meu rosto é lindo, nunca se referem ao meu corpo.
(Fabiana, designer)

Por vezes, são as próprias clientes que entram na dinâmica e fazem questão de elogiar

a si mesmas. Durante a pesquisa de campo ouvi clientes comentarem com os profissionais dos

salões como suas unhas são fortes e bonitas, como seus cabelos são naturalmente brilhosos ou

sua sobrancelha fácil de ser desenhada.

Um jogo inverso também ocorre, ou seja, as clientes criticam alguma parte de seu

corpo esperando um elogio do profissional. Ou mesmo perguntam diretamente se o mesmo

reparou alguma melhoria, como uma vez assisti uma cliente perguntar à sua cabeleireira se

havia percebido que ela perdeu peso.

Os profissionais da beleza, por sua vez, não são excluídos de tal dinâmica. Também

recebem elogios referentes à sua aparência pessoal ou à qualidade de seu trabalho, tanto por

parte de clientes quanto de seus assistentes (com maior ênfase) ou colegas de trabalho com os

quais nutrem maior amizade.

Maitê, uma das clientes entrevistadas, considera muito ruim quando uma pessoa não

repara que ela cortou o cabelo. Representa o não reconhecimento de toda uma preparação e

investimento empregados. Rubens, outro entrevistado, sobre a temática do elogio, toca na

questão da obrigação de reparar, ao contar sobre uma colega de trabalho que havia feito uma

grande mudança de visual na cor do cabelo.

Todo mundo elogiou quando ela chegou ao trabalho. Mas eu acho que as
pessoas elogiaram mais do que realmente merecia. Porque a pessoa faz uma
mudança e espera ser notada, elogiada. Então se alguém aparece com uma
210

nova cor de cabelo, o meu papel enquanto pessoa que trabalha com ela, que
se relaciona com ela, é elogiar essa mudança. É esperado isso de mim, o
elogio. (Rubens, engenheiro)

Entretanto, não é apenas o ato de elogiar que é sentido como uma forma particular de

prestar atenção a uma pessoa. A conversa que se dá entre profissionais e clientes no salão é

outra forma de atenção extremamente valorizada. Aída, manicure do salão do Catete, conta

que quando uma cliente está na cadeira sendo atendida não gosta que outra se aproxime e

inicie uma interação com a manicure. - “Elas querem atenção exclusiva, só para elas”, diz a

profissional. Um dos cabeleireiros do salão de Ipanema completa: - “Tem a questão da

atenção. Existe um ser humano sentado ali na sua cadeira. Você não pode enxergar só cabelo,

tem que enxergar a pessoa” (Armando).

Um fato ocorrido no salão do Catete me ajudou a ter uma melhor compreensão do que

representa tal “atenção”. Ao retornar depois de um tempo sem ir, por conta de ter encerrado

minhas atividades de campo, uma das manicures comenta que estou sumida e que sua outra

cliente perguntou sobre mim dia desses. É então que me dou conta do fato de que nos salões

de beleza existe alguém que percebe a sua ausência, que sente a sua falta. Imagino o quanto

isso deva ser valorizado por pessoas que não costumam ser lembradas ou notadas em outras

esferas da vida pública ou mesmo da vida privada.

Em alguns casos, se a atenção não é recebida espontaneamente, alguns recursos podem

ser empregados. O mais efetivo deles parece ser o ato de tratar bem os profissionais da beleza,

especialmente pela via da dádiva. A troca de presentes ou favores é muito presente no


93
ambiente dos salões . Observo clientes trazerem lembranças de viagem, pingente para

proteção de mau-olhado, docinhos feitos por elas mesmas, presentes de aniversário, ovos de

páscoa e lembranças de Natal.

93
Para uma interessante discussão sobre trocas em outro contexto - entre patroas e empregadas domésticas - Cf.
COELHO (2006).
211

Os profissionais, por sua vez, dão para as clientes produtos para cabelo, aplicam

cremes especiais em suas mãos (no caso de manicures), gravam CDs para as clientes ou

prestam algum serviço sem cobrar. Dessa forma, é estabelecida uma série de prestações e

contra-prestações, por meio das quais circulam não apenas coisas, mas também direitos e

deveres morais (MAUSS, 1924).

A gorjeta dada aos profissionais nos salões de beleza é outro recurso utilizado para

estabelecer laços ou ter acesso a determinados benefícios. O que não deixa de instaurar

assimetrias que incomodam aqueles que deixam de ser privilegiados pelos profissionais, como

fica claro na declaração de uma cliente do salão de Ipanema:

Uma coisa que me choca muito é a paparicação das mulheres que têm nome
e dinheiro. Quanto mais nome, dinheiro e poder, melhor você é tratada no
salão. Porque eles sabem que aquela cliente vai deixar uma excelente
gorjeta. Eles não são bobos, conhecem os clientes que são famosos, os que
têm muito dinheiro, o que é dono de empresa ou a dermatologista renomada.
Todos têm um tratamento especial. Toda hora mandam trazer cafezinho com
biscoitinho para eles. Então tem essa paparicação, essa puxação de saco mais
pesada para os que têm dinheiro e nome. (Ivanilde, empresária)

A busca por atenção que se dá no ambiente dos salões de beleza conduz, mais uma

vez, a discussão para o campo das emoções. É muito comum, sobretudo no discurso dos

profissionais da beleza, interpretar tal busca como um indício de carência (embora tal

associação esteja presente tanto nos discursos de profissionais quanto nos de clientes, no caso

destes últimos, a carência é sempre projeta em terceiros, nunca localizada no conjunto de

motivações que os levam aos salões de beleza).

Ao tentar compreender o que se entende por “carência”, as clientes entrevistadas hora

acionam variáveis de gênero, hora fazem leituras a partir de variáveis de idade. A carência é

tida como algo inerente ao ethos feminino ou uma experiência a que pessoas idosas estão
212

sujeitas, dado que o passar do tempo é interpretado como algo que reduz a quantidade e a

variedade de interações sociais do indivíduo.

As mulheres vêm buscar no salão cuidado, serem cuidadas. Acho que


mulher, no geral, é muito carente. (Isaura, cliente do salão de Ipanema)

Os idosos acabam sendo um pouco mais carentes. Porque eles ficam muito
sozinhos. Quem é mais novo tem o ambiente de trabalho, o namorado, os
amigos. Acaba que as pessoas vão ficando mais idosas e não têm mais tudo
isso. Elas ficam mais em casa. Às vezes só com o marido. Não saem.
(Nazaré, estatística)

A sócia do salão de Botafogo, na tentativa de ilustrar o que entende por carência, conta

sobre o dia em que inauguraram o salão. Junto com os funcionários, ela panfletava na frente

do estabelecimento quando uma senhora passa pela calçada naquele momento. A sócia do

salão entrega um panfleto e a convida para entrar e conhecer o lugar. Em poucos minutos de

interação, a senhora começa a relatar um problema de família e acaba se emocionando para

aquela desconhecida que acabara de conhecer. A sócia finaliza seu relato enfatizando que tal

senhora é cliente do salão até hoje.

Este e muitos outros episódios a que tive acesso lançam luz sobre uma questão

fundamental que se acredita própria dos salões de beleza: refiro-me ao transbordamento de

emoções que tal ambiente proporciona, especialmente aquele que se dá por meio de desabafos

que podem vir precedidos ou antecedidos por choro. O salão, neste sentido, funciona como

uma válvula de escape.

O curioso nos discursos que pude analisar é que tal carência, quando “suprimida” no

ambiente do salão de beleza, costuma ser tomada como ilegítima pelo fato de a amizade

estabelecida entre “cliente carente” e profissional do salão adquirir contornos de falsidade e

frouxidão de laços.
213

Tem muita gente, muita gente mesmo, que é carente. Precisando de colo,
acaba chorando no colo de qualquer pessoa. Não que manicure seja qualquer
pessoa. Mas, assim... Não criou um laço afetivo, um vínculo de amizade.
Não é nem amizade, acho que as pessoas buscam companhia. (Bady,
graduada em psicologia)

As pessoas são carentes. Elas querem alguém para escutá-las. Mesmo que
você demonstre uma falsa amizade. Para elas é o suficiente, basta isso.
(Mirela, psicóloga)

A carência também aparece representada enquanto um sintoma próprio das sociedades

complexas contemporâneas. Um estado interior que nasce da tendência dos indivíduos de se

isolarem cada vez mais uns dos outros, dada a transitoriedade frenética das experiências de

vida cotidianas nos centros urbanos, que parece tornar o tempo dedicado aos outros cada vez

mais escasso (ANTÔNIO, 2006:105).

Por que você diz que existe muita gente carente?


Talvez seja conseqüência da visão de mundo de hoje, um mundo
globalizado, das pessoas estarem sempre trabalhando. As pessoas estão
muito vivendo a sua própria vida. É tudo muito corrido. As pessoas não têm
tempo para compartilhar. Não tem mais aquela proximidade de chegar do
trabalho, a família estar ali reunida e cada um falar como foi o seu dia. Não
que isso seja uma coisa extinta, mas diminuiu bastante. Eu acho que isso
contribui. Não que seja o único fator. Por exemplo, eu estou me sentindo
sozinha e é difícil falar com alguém. Então eu procuro uma amiga e essa
amiga não tem tempo. O meu marido também está cheio de trabalho e o meu
problema é com ele, que não quer me ouvir. O meu filho está com a
namorada... E aí a manicure está ali. Eu estou com ela toda semana. Ela está
ali quietinha, o que eu falar ela vai escutar. E ela pode falar alguma coisa que
até pode ser boa para mim. (Bady, graduada em psicologia)

Neste sentido, o momento vivido no salão, mais especificamente a interação com

aquelas pessoas com quem se tem um contato (seja esta fortuita ou periódica) pode ser

encarada enquanto um novo tipo de arranjo social. Trata-se de novos grupos associativos que
214

se formam a partir da necessidade de compartilhamento de experiências de vida, de ter

alguém que escute, preste atenção e se interesse por você. Nas palavras de Walter Benjamin,

Uma experiência quase cotidiana nos impõe a exigência dessa distância e


desse ângulo de observação. É a experiência de que a arte de narrar está em
vias de extinção. (...) É como se estivéssemos privados de uma faculdade
que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar
experiências. (BENJAMIN, 1936:197)

Por proporcionar espaço a desabafos ou confissões, o salão de beleza pode vir a ser

interpretado enquanto espaço de acolhimento de pessoas infelizes. Segundo uma cabeleireira

de um salão que visitei na Barra da Tijuca, “salão é um espaço para fugir da decepção, da

solidão, da traição, do abandono. Aqui as pessoas buscam sua cota diária de amor-próprio”.

Outra entrevistada completa:

Em salão tem sempre uma história de desgraça. Já pesquisou isso? A maioria


das vezes alguém foi abandonada, largada, tomou esporro do chefe, foi
despedida, essas coisas. Sempre tem alguém em ruína dentro de salão.
Pesquisa só! Acho que é quase estatístico. (Juliana, desempregada)

A dimensão do choro foi uma das temáticas que me impressionou no começo de

minhas investigações. Recordo a primeira vez que tive contato com histórias que faziam

referência a isso. Foi durante uma visita exploratória a um dos mais tradicionais salões de

beleza da cidade de São Paulo. Após me identificar como pesquisadora, fui encaminhada a

uma funcionária que me levou a um passeio para conhecer as dependências do salão.

Durante o passeio fui fazendo perguntas sobre os tipos de relacionamento que se dão

no espaço do salão de beleza. A funcionária aproveita que estamos em uma parte reservada do

salão e começa a narrar uma série de histórias que vivenciou naquele salão, relacionadas a
215

emoções. São clientes que, ao deitar na maca para um tratamento de beleza facial, em

silêncio, deixam escorrer lágrimas pelo rosto. Ou ligam para o salão solicitando falar com a

funcionária com quem possuem mais intimidade e passam mais de 30 minutos na linha

contando seus problemas pessoais.

No salão do Catete uma depiladora conta uma experiência igualmente interessante.

Uma de suas clientes havia ido depilar a sobrancelha e, na primeira puxada da cera, deu um

grito muito alto e começou a chorar. A depiladora pergunta o motivo pelo qual estava

chorando e a cliente diz que a profissional a havia machucado.

A depiladora retruca a acusação alegando que a cera não está quente, que ela está

chorando por outro motivo e colocando a culpa injustamente em seu trabalho. A cliente pede

desculpas e fala que vai contar a verdade. Em meio a lágrimas e soluços, revela que foi

recentemente diagnosticada com câncer.

Entretanto, nem sempre o choro é exclusividade das clientes. Algumas manicures e

cabeleireiras revelam já ter chorado por motivo de grosseria por parte de algumas clientes.

“Elas nos pegam para Cristo. Mas não fazem por mal. No fundo são pessoas que têm

dinheiro, mas não são felizes”, pondera uma manicure do salão de Ipanema.

Dada a abundância de relatos sobre clientes que se permitem mudanças de humor a

ponto de perderem controle sobre regras de boa educação, atrevo-me a sugerir que o salão de

beleza pode ser visto também enquanto espaço de afrouxamento de temperamentos e

revelação de personalidades. Cristina, gerente do salão de Ipanema, resume a situação de

forma bastante ilustrativa: - “Aqui, é capaz de uma pessoa super calma e equilibrada virar

uma fera. Ou o inverso, a gente fazer um leão se tornar calminho, amaciar”.

No entanto, os salões de beleza não se caracterizam apenas por lágrimas. O riso é parte

constituinte fundamental de tais espaços. Por vezes, durante a observação em campo, eu

olhava ao meu redor e tinha a impressão que as clientes pareciam crianças se divertindo com
216

as manicures e cabeleireiros. Falavam besteiras, davam gargalhadas e se mostravam

totalmente entregues à situação de interação.

Lembro do dia em que uma senhora de 80 anos cliente do salão de Ipanema, para fazer

graça, instiga o colorista em relação à roupa íntima que diz estar vestindo: uma calcinha fio

dental com estampa de oncinha. O colorista duvida de sua audácia e a senhora, sem pensar

duas vezes, levanta a sai e comprova o que havia descrito. Clientes, funcionários e

antropóloga, todos caem na gargalhada. O ambiente se enche de animação.

Se prestarmos atenção, a própria palavra “salão” já denota uma sociabilidade voltada

para a diversão, tal como salão de jogos, salão de recreação, salão de festas ou mesmo os

antigos salões da aristocracia. Lembrando as palavras de uma cliente, citada no início da tese,

“salão de beleza é o playground da terceira idade”.

Os próprios momentos em que os salões ficam mais cheios - finais de semana e épocas

de festividade do calendário anual - apontam para essa relação com a questão do lazer. Seja

Natal, réveillon, carnaval, festas de aniversário ou casamento, no geral, datas comemorativas

costumam ser momentos que incluem a ida ao salão de beleza, marcando uma diferença na

apresentação de si que se dá no dia-a-dia e aquela que se dá em eventos especiais 94.

Quanto aos dias da semana, sexta-feira e sábado costumam ser os mais concorridos em

salões de beleza. Alguns motivos são atribuídos a tal preferência. O primeiro é poder passar o

final de semana se sentindo mais “apresentável”, com os cabelos ou as unhas feitas. Sejam

situações de lazer ou de trabalho, o que está em jogo é se colocar bonita para os casos de

interações sociais.

Fim de semana é quando as pessoas saem para se divertir, ver os familiares,


ir ao cinema, ao teatro. Acaba que fica uma coisa relacionada. Por isso que

94
Lembrando que essas ocasiões festivas fornecem contextos para as práticas embelezadoras serem utilizadas
uma vez que são marcadas pela atenção ao corpo e apresentação do mesmo. Por meio do adorno corporal,
escreve Turner, a integração na sociedade é dramatizada e reafirmada (TURNER, 1969).
217

elas freqüentam salão sexta e sábado, para se prepararem para o fim de


semana. (Nazaré, estatística)

Eu só vou a salão dia de semana, porque eu acho que no final de semana


existem coisas mais importantes. Mesmo que seja só ficar em casa. Para
mim, cortar cabelo é uma obrigação, uma coisa que eu tenho que resolver,
então faço logo durante a semana. O engraçado é que eu escuto muito os
meus amigos falando das namoradas ou das esposas assim: - Vamos
combinar um chope, alguma coisa sábado. Porque fulana vai para o salão e
passa a manhã ou a tarde inteira lá. Porque sábado é dia de salão. (Rubens,
engenheiro)

A falta de tempo durante a semana - no caso de mulheres que trabalham - é outro

motivo mencionado para a maior freqüência se dar nos fins de semana. No entanto, uma das

entrevistadas desafia tal interpretação ao afirmar que, mesmo ocupada, a mulher sempre acaba

arrumando tempo: - “Dá-se um jeitinho. Para fazer um negócio que estava precisando na casa,

nunca sobra tempo. Mas tem uma hora que dane-se o mundo, eu estou indo para o salão! Tem

que ir” (Rebeca, auxiliar administrativa).

Associa-se a freqüência durante a semana a mulheres aposentadas ou donas-de-casa.

Uma cliente do salão do Catete, que trabalha em uma rede de varejo, reclama que só tem os

sábados disponíveis para ir ao salão e quando chega lá sempre encontra senhoras de idade: -

“Por que elas têm que vir justamente no sábado? Não podem vir durante a semana? Elas não

têm nada pra fazer durante a semana!”

Contudo, tanto senhoras de idade quanto mulheres que têm pouco tempo durante a

semana, podem compartilhar a mesma concepção, ou seja, o salão pode ser tido como um

espaço de prazer, próprio para ser freqüentado no tempo livre.

Para as clientes habitués, o salão faz parte da vida quase diária. Para outras, sua

freqüência é semanal, mensal ou ainda mais esparsa. Existem, ainda, clientes que possuem

horário cativo no salão de beleza: toda semana, no mesmo horário, a agenda já conta com sua

presença.
218

A época do ano em termos de estação também pode ser um elemento condicionante da

freqüência. Para as pessoas que adotam a prática de alisamento de cabelos por escova ou

química, o verão é uma época que as faz procurar mais os salões, dado que lavam o cabelo

com mais freqüência por conta do calor. Já no inverno, por exemplo, a tendência a fazer

depilação ou serviços de pedicure diminui, uma vez que tais partes do corpo se mantêm

cobertas por roupas ou sapatos fechados.

Outro fator a ser levado em consideração é dinheiro. No salão do Catete percebo

aumento no movimento a partir da segunda semana do mês - período em que os salários

costumam ser creditados. No salão de Ipanema sinto dificuldade de perceber tal variação na

freqüência, embora um dos cabeleireiros diga que em início de mês o movimento é menor,

“porque chega a fatura do cartão de crédito para pagar, então as clientes se seguram mais.

Depois do início do mês elas começam a se soltar” (Richard, cabeleireiro).

Para tentar equilibrar a distribuição das clientes pelos dias da semana e aumentar a

freqüência nos dias mais vazios, alguns salões de beleza costumam oferecer promoções de

segunda a quarta-feira 95.

Quanto aos horários, é possível perceber maior movimentação no final da tarde, início

da noite. Especialmente no salão do Catete, talvez por se localizar em um local de passagem

mais movimentado. É nítida a mudança a partir das 17 horas: o salão recebe mais crianças

(pelo horário de saída de escola) e homens (final do expediente de trabalho).

Voltando à discussão sobre lazer, o salão de beleza também é vivenciado enquanto

espaço de relaxamento. Algumas clientes o classificam como um lugar de “descanso”, um

momento de “prazer”, para “relaxar corpo e mente”, para se “distrair”, uma “terapia”.

Uma pessoa não-familiarizada com o ambiente de salões de beleza poderia questionar

como se consegue relaxar em um espaço com tantos estímulos sensoriais. No geral, o salão é

95
Lembrando que alguns salões de beleza não abrem na segunda, por o fazerem no domingo.
219

um lugar agitado, com pessoas andando de um lado para o outro; um ambiente barulhento,

com secadores, música e conversas em tom alto, além do cheiro forte de químicas como água

oxigenada, laquê e esmalte que se espalha pelo ar. Mas suas freqüentadoras não apenas

relaxam como algumas chegam mesmo a cochilar sentadas, enquanto têm suas unhas feitas ou

os cabelos massageados nos lavatórios.

Apesar de algumas mulheres usarem o espaço do salão para trabalhar (fazem ligações

de negócios, estudam apresentações etc.) no salão de beleza, parece que as preocupações do

dia-a-dia dão lugar ao prazer de ter os cabelos tocados, os pés massageados e as unhas

pintadas. Especialmente quanto aos cabelos, trata-se de um lavar especial que se aproxima de

algumas representações sobre o cafuné 96. Embora muitas vezes se trate de um serviço rápido

e um tanto brusco.

O ambiente do salão me cansa. Toda vez que eu vou fico com sono. Mas tem
gente que gosta, que sente prazer, que relaxa, que pega a revista pra ler e
esquece do mundo. É o tempo para ela. Mas tem uma coisa que eu amo em
salão: lavar o cabelo. É o momento que eu mais gosto. Eu deito e não tenho
a obrigação de lavar. Aí eu fico relaxando e às vezes a mulher faz uma
massagem. Mas eu não durmo. Porque tem muito barulho, então eu fico
cansada. O número de bocejos que eu dou no salão é maior do que em
qualquer outro lugar. Eu fico com sono, lerda. Ele me relaxa. (Jordana,
promotora de eventos)

Tendo em vista uma realidade de controles corporais tão impositivos, tal como

vivenciada na atualidade, é interessante pensar a importância que se atribui aos salões de

beleza. Não apenas por ser um local para a elaboração do corpo belo, como também pelo fato

de ser escolhido para o relaxamento desse mesmo corpo vigiado, que deve ser corretamente

exercitado, nutrido, vestido e esteticamente manipulado.

96
Cf. BASTIDE (1941) e FREYRE (1936).
220

A dimensão do relaxamento, por vezes, vem associada ao consumo de bebidas

alcoólicas. No salão do Catete presenciei homens entrarem no salão para terem os cabelos

cortados com uma lata de cerveja na mão. Uma das entrevistadas defende seu ponto de vista:

Sou super a favor de salão que serve bebida alcoólica, porque eu acho que
realmente relaxa o cliente. Lembro de uma vez que fui com uma amiga e a
gente ficou bebendo um prossecozinho. Mas nesse caso era um salão maior e
a gente não ficou de fofoca. Cada uma foi para um canto com sua tacinha e,
no final, a gente se encontrou para ver a transformação nos nossos cabelos.
Funciona. (Inês, assistente de edição)

Contrariando toda a questão já discutida sobre o salão de beleza enquanto espaço de

verbalização de si, quando se trata de uma busca por relaxamento, por vezes a conversação

deve ser suprimida. Tal como clientes que não conversam em salão não é o padrão de

comportamento observado com maior freqüência (embora exista), o trecho reproduzido a

seguir pode ser analisado enquanto a exceção que confirma a regra.

A minha avó é da mesma geração da minha mãe, de mulheres que não


tinham um ambiente social, que não trabalhavam. Então o salão era o meio
onde você encontrava outras donas-de-casa. Mas eu acho que está mudando.
Porque a nova geração não quer muito papo. A pessoa paga pelo serviço e
não está ali para jogar conversa fora. Você falou o dia inteiro com a amiga,
você está mandando mensagem no celular, você vai sair dali e ir para um
evento em que você vai encontrar pessoas para fofocar, você passou o dia no
trabalho convivendo com milhões de pessoas, você tem o analista... Então
você não precisa. E talvez no salão aquele seja um momento que você não
queira falar. Tem alguém fazendo o seu cabelo, outra o seu pé, a mão. Você
não tem essa necessidade de conversar. Você está ali para não pensar. (Inês,
assistente de edição)

Entretanto, o relaxamento não está estritamente associado ao silêncio. Pode-se relaxar,

tal como se costuma fazer em salões de beleza, lendo um livro, escutando música no MP3,
221

lendo revistas ou vendo televisão. Porém, uma das formas mais utilizadas para se distrair,

definitivamente, é a conversação.

É muito curioso o fato de algumas clientes possuírem o hábito de irem aos salões

apenas para tomarem café e conversar, sem necessariamente se entregar a um dos serviços de

beleza oferecidos. Tal fato reforça o modo particular de encontro e comunicação que o

ambiente dos salões proporciona.

Salão é um lugar onde as pessoas buscam preencher o tempo. É muito aquele


lugar onde as pessoas que não têm nada o que fazer vão. Aí elas passam o
dia inteiro. Também tem muito isso: se você freqüenta o salão sempre na
mesma hora, você encontra as mesmas pessoas. Aí você toma um café, fica
sabendo da vida das outras pessoas e estabelece um vínculo com o ambiente
do salão como um todo. (Jordana, promotora de eventos)

Seja como passatempo, lugar para papear ou mesmo para fazer hora quando se precisa

ir ao encontro de outro compromisso, nestes e em muitos outros sentidos, o salão de beleza

acaba por se tornar uma extensão da própria casa. Algumas clientes mais habituais se sentem

à vontade para fazer uso daquele espaço como se estivessem na intimidade do próprio lar.

Talvez isso ajude a compreender algumas atitudes que, a princípio, só caberiam ser

feitas em lugares ou na presença de pessoas com as quais se tem muita intimidade, como o

fato de algumas clientes irem ao salão de saia e sem calcinha (como relatam, indignadas,

algumas manicures com quem conversei).

Impressionou-me a cena de uma cliente habitué do salão de Ipanema. Um dia ela

adentra o salão principal em um andar mais apressado, cheia de sacolas de loja de roupas nas

mãos, tira um iogurte da bolsa e, sem ao menos parar, entrega para o primeiro assistente de

cabeleireiro que vê pela frente para que coloque na geladeira. A mesma atitude que

provavelmente ela faz com sua empregada doméstica, sente a liberdade de fazer com

determinados funcionários do salão.


222

Um dado curioso que pude observar com recorrência no salão do Catete, foi o uso de

tal espaço como lugar de parada para quem se encontra de passagem. O fato de a vitrine ser

toda em vidro facilita este tipo de contato com os transeuntes conhecidos.

É muito comum neste salão amigos e parentes entrarem rapidamente para

cumprimentar ou conversar com os profissionais ou com clientes conhecidos. Brincadeiras

também costumam ser recorrentes. Lembro de ter me assustado com um senhor que, ao passar

pela frente do salão, abriu a porta e gritou “nense” em comemoração à vitória de seu time de

futebol. O dono do salão, torcedor do time rival que havia perdido a partida, ri da provocação.

Uma menina em especial despertou minha curiosidade. Tratava-se de uma vendedora

de chiclete com, aproximadamente 14 anos. Presenciei muitas vezes a mesma cena: ela

entrava no salão do Catete, por vezes nem mesmo oferecia chicletes aos clientes, e ia direto ao

banco de espera em busca das revistas de fofocas. Toda semana ela sentava, lia, levantava e

partia. Nunca ninguém a impediu de entrar ou a olhou de forma repreendedora. Sua presença,

de certa forma, se assemelha à de algumas clientes que costumam ir ao salão apenas para

papear e se distrair.

Essa informalidade no que se refere à circulação de pessoas tive a oportunidade de

observar não apenas no salão do Catete, como em outros salões mais populares que visitei 97.

A máxima expressão de tal informalidade talvez possa ser expressa pelo uso que se faz do

salão de beleza enquanto local para práticas de comércio informal.

Engana-se quem pensa que nos salões são comercializados apenas serviços voltados

para a beleza. Existem salões onde se vende de tudo: balas, chicletes, bombons caseiros,

97
A impressão que passa é que o salão do Catete é aberto não só a todos, como também a muitas outras situações
de informalidade que seriam impensáveis em salões mais sofisticados (como a entrada de vendedores
ambulantes, estacionamento irregular de caminhões em cima da calçada na entrada do salão ou até mesmo a ação
de promotores de absorventes íntimos, que entram, distribuem brindes, colam cartazes, tiram fotos e vão
embora). Tal permissividade se espelha, inclusive, na forma como se deu minha entrada em campo, sem uma
apresentação formal.
223

barras de chocolate, alho, salame, empadas, fraldas, DVDs piratas, cosméticos, lingeries,

planos de saúde, sacolé, bijuterias, cartões telefônicos etc. Mais parecem uma feira livre.

Alguns vendedores chegam mesmo a aplicar um sistema de vendas a prazo para os

funcionários do salão do Catete: anotam em um caderninho os nomes dos devedores e seus

respectivos gastos e, pontualmente no dia 5 de todo mês - dia de pagamento dos salários - lá

estão eles com suas anotações em punho para fazer a cobrança.

No salão de Botafogo, tal prática costuma ser mais controlada. Os donos permitem a

entrada de poucos vendedores ambulantes no estabelecimento, sendo o critério de escolha

aqueles produtos que possam vir a interessar suas clientes, como maquiagens ou bijuterias,

explica a sócia do salão.

É impressionante, em todo salão tem uma mulher que vende bolsa


falsificada. Ou então ela conhece a confecção da loja tal e vende mais barato
a roupa da loja. Isso você não encontra em nenhum outro lugar, só em salão.
Você chega e tem aquelas mulheres vendendo bijuterias, Natura. Sempre no
salão você consegue comprar essas coisas. Ou então é aquele lanchinho da
tarde. Sempre tem aquele cara que entra com variedade de doces. (Jordana,
promotora de eventos)

Já no salão de Ipanema, é terminantemente proibida a prática de comércio informal, de

qualquer natureza. A única prática comercial admitida é aquela de produtos cosméticos de

selecionadas marcas multinacionais, o que inclui uma negociação financeira prévia de

determinados espaços expositores do salão. Para estimular as vendas, os próprios cabeleireiros

do salão são empregados como vendedores, comissionados pelas respectivas marcas.

Sob este aspecto do consumo e diversos outros até aqui abordados, o salão de beleza

se apresenta enquanto fenômeno valioso para o entendimento da dinâmica cultural e dos

valores que permeiam a vida dos sujeitos inseridos em uma sociedade urbana contemporânea.
224

CAPÍTULO IV - O corpo no salão


225

Higiene, beleza e saúde: o corpo em contato com o salão

Não haveria como fazer um estudo antropológico em salões de beleza sem levar em

consideração um dos elementos mais importantes que compõem tal universo: refiro-me ao

corpo humano. Ao observar os modos pelos quais o corpo se insere e é trabalhado nestes

espaços, é possível ter acesso a práticas e representações que ajudam a compreender não

apenas a sociodinâmica da construção de identidades como também a qualidade das relações

que ali se tornam possíveis.

Comecemos então pelas ameaças a que o corpo se torna sujeito quando em contato

com o ambiente do salão de beleza. Para tal, noções como “higiene” e “saúde” se apresentam

fundamentais para pensar a relação entre corpo e salão. Recordo as palavras de uma amiga,

que definiu salão como “um lugar branco que tenta ser limpo, mas é sujo. Tem cabelo velho

cortado”.

Em muitos sentidos, o salão de beleza se aproxima de um espaço potencialmente

poluente. É um local destinado a práticas corporais que envolvem resíduos. O fato de ser um

ambiente coletivo, em que se está sujeito a proximidade e contato com resíduos corporais de

pessoas desconhecidas - como pêlos removidos, peles, unhas e cabelos cortados - torna o

salão um ambiente ainda mais ameaçador.

Minhas próprias reações de repulsa a cenas observadas serviram como elementos de

reflexão. Ficava admirada com a quantidade de pele morta que voava pelo ar e se espalhava

pelas mãos e colo de manicures que lixavam os pés de clientes. Em outra situação, peguei-me

não conseguindo conter a reação de nojo ao ouvir uma cliente falar para a manicure que a

cutilava: - “Meu pé está com tanta pelanca que parece carne de quinta”.
226

Mas como compreender esse “medo” ou “repulsa” por resíduos corporais? Como

podem cabelos e unhas, enquanto partes constituintes do corpo, serem objetos de elaboração e

de cuidado, mas quando desprendidos do corpo se tornarem sujos e perigosos?

O trabalho de Mary Douglas (1966) que enfatiza o conceito de poluição é fundamental

para apreender as formas que usamos para lidar com forças ambíguas, sujas ou anômalas que

desafiam a coerência de nossos sistemas de classificação. Segundo a autora, todas as

experiências que temos em relação a fronteiras exteriores, regiões marginais e estrutura

interna são um reservatório de símbolos da sociedade. Os limites do corpo humano, por sua

vez, representam estas fronteiras ameaçadas ou precárias.

Não podemos desconsiderar o fato de cabelos, pêlos e unhas parecerem ter vontade

própria; crescem constantemente, independentes da vontade humana. Sendo assim, é preciso

imprimir algum tipo de controle sobre tais partes. Segundo José Carlos Rodrigues:

Pela natureza de seu espírito, o homem não pode lidar com o caos. Seu medo
maior é o de defrontar-se com aquilo que não pode controlar, seja por meios
técnicos, seja por meios simbólicos. Este código estruturador gera lei e
ordem, e a expectativa de organização responsabiliza-se por todo o medo à
anarquia e à confusão de domínios que por definição devem se manter
separados. (RODRIGUES, 1980:14)

Outro fator que aproxima pêlos, cabelos e unhas da noção de sujeira é sua localização

ambígua: encontram-se presentes tanto no exterior quanto no interior do corpo humano. Dessa

forma, não estando nem inteiramente dentro nem inteiramente fora, desafiam o sistema de

classificação.

De acordo com Douglas, um mesmo elemento pode adquirir representações sociais

inversas de acordo com o estado em que se encontra. Sugere, por exemplo, que resíduos

corporais como lágrima, cabelo, saliva ou sangue são símbolos de perigo pelo fato de

atravessarem, pela simples saída física, os “limites” do corpo. Fora do seu lugar de origem,
227

ameaçam a boa ordem das coisas, pois ainda carregam um resto de identidade. É neste estado

que são perigosos 98.

Sendo assim, quando rompem sua ligação com o corpo (desprendendo-se ou sendo

cortados) e ganham o mundo, é preciso reenquadrá-los em alguma categoria. Podem se tornar

fonte de recordação (casos de parentes que guardam mechas de cabelo de crianças), elemento

mágico (podem ser utilizados em rituais que acredita-se influir magicamente no destino de seu

proprietário) ou sujeira (simbolizando desordem e descontrole).

Acredita-se que cabelos unhas e pêlos fazem parte do indivíduo e não do mundo.

Dessa forma, desprendidos do corpo a que um dia pertenceram, seu status é modificado,

devendo tais elementos serem removidos de cena, varridos e jogados no devido lugar a que

pertencem: o lixo.

No salão do Catete é comum observar cabelos cortados acumularem pelos cantos. Por

outro lado, no salão de Ipanema não ficam no chão por muito tempo. São varridos até mesmo

quando o cabeleireiro ainda realiza o corte. Tal preocupação em manter longe da vista dos

clientes os resíduos corporais, sugere uma maior sensibilidade a tal “desordem” por parte dos

estratos socioeconômicos mais privilegiados.

Outro exemplo ajuda a marcar tal distinção: no salão de Ipanema os assistentes de

cabeleireiro, junto com os faxineiros, são aqueles responsáveis pela higiene dos instrumentos

de trabalho e do ambiente. Os cabeleireiros não tocam em vassouras ou panos para limpar

absolutamente nada, ao contrário do observado no salão do Catete ou no de Botafogo.

Segundo Rodrigues, “a lógica disso tudo é muito simples: quanto mais próximo do

centro de poder, mais distante da sujeira; quanto mais periférico em relação ao centro de

poder, tanto mais íntimo com a sujeira” (RODRIGUES, 1995:97).

98
No entanto, Mary Douglas chama atenção para o fato de os resíduos corporais também serem símbolo de
poder. Ao mesmo tempo em que trazem a desordem que ameaça os padrões, fornecem matéria-prima para a
padronização. Dessa forma, a tentativa de controlar a desordem, limpar ou evitar a sujeira, são gestos positivos à
medida que nos forçam, de modo criativo, a organizar o nosso meio positivamente. (DOUGLAS, 1966)
228

A preocupação com a higiene deve se dar não apenas sobre instrumentos (tesouras,

alicates de unha, toalhas, escovas, pentes e bacias) e lugares (lavatórios, chão, banheiros), mas

também se estende às próprias pessoas que trabalham no salão. A apresentação física dos

profissionais passa a ser uma prova de que se está atento às convenções. Uniformes, aventais,

cabelos, dentes e unhas devem estar sempre impecáveis para não gerarem suspeitas quanto à

limpeza do estabelecimento em questão.

Em um trecho extraído de uma apostila para formação profissional de cabeleireiros

encontram-se as seguintes recomendações:

Todos nós, graças à contínua convivência familiar, escolar, profissional, social


etc., aprendemos direta e indiretamente, imposta ou não, a ver de maneira
constante e progressiva, inúmeras regras de higiene que nos permitem viver de
maneira civilizada e saudável 99. Contudo, existem determinados casos e
ocasiões em que a higiene é mais exigida, a ponto de se tornar visualmente
“palpável”, como parte integrante e essencial de uma atividade como a do
profissional cabeleireiro, pois beleza e higiene são partes harmônicas de um
todo. Em outras palavras, podemos dizer que existem, para os profissionais
cabeleireiros, regras éticas e legais de higiene consideradas obrigatórias e
indispensáveis para o cabal desempenho e sucesso da profissão. Assim, embora
sejam regras sobejamente conhecidas na prática, quando não pela lógica, pela
importância que assumem merecem ser recordadas e ensaiadas.

a) O salão de beleza e demais dependências devem estar em perfeitas condições de


limpeza, principalmente os banheiros e lavatórios.

b) Todos os instrumentos de trabalho devem ser esterilizados antes de cada


trabalho.

c) As mãos devem ser lavadas antes e depois de cada trabalho, não só como prova
de asseio, mas de respeito à cliente.

d) As toalhas, sejam quais forem as utilizações, devem estar sempre limpas e


passadas, nunca utilizando uma toalha já servida, por mais limpa que a mesma
aparente.

e) O uniforme de trabalho deve se apresentar limpo e impecável, a fim de não


destoar do ambiente, causando má impressão e suspeitas quanto ao resto do
salão.

Em casos de suspeita ou confirmação de ser a cliente portadora de alguma


moléstia capilar contagiosa, além da devida orientação à mesma de maneira

99
Grifo meu.
229

inteligente, todos os materiais utilizados na mesma, sem exceção, devem ser


levados à desinfecção.

Tais recomendações são interessantes uma vez que colocam em relação três
100
importantes domínios: a higiene, a estética e a saúde . Destaco duas passagens em especial

de tal apostila que apontam para o mesmo caminho: a primeira sugere uma questão de

“civilidade” e a segunda menciona “respeito à cliente”. No sentido manifestado, prezar pela

higiene é indício de boa educação. Uma prática que visa, além do benefício pessoal, o bem-

estar do outro, o que demonstra seu caráter coletivo e de respeito à ordem social.

Entretanto, o perigo potencial que se espreita em salões de beleza nem sempre é um

“inimigo” visível, identificável. Existe um tipo de risco presente no cotidiano de todo salão

que nem todas as medidas profiláticas empregadas parecem conseguir trazer segurança.

Refiro-me ao risco de contrair doenças, desde micoses de pele, impetigo, foliculite, sarna ou

piolho, passando por herpes, hepatites B e C ou mesmo AIDS.

Dessa forma, alicates, pinças, escovas, lixas, espátulas e palitos de laranjeira se

transformam em verdadeiros instrumentos nocivos. Um dado curioso é que, apesar do medo

de contaminação, observo que poucas são as clientes que levam para o salão de beleza seus

próprios instrumentos de manicure, não sendo percebida diferença quanto a tal hábito nos três

salões investigados.

Em uma de minhas incursões a campo, ainda durante a etapa exploratória, fui conferir

um salão perto de minha residência que sempre me despertou curiosidade. Entrei e solicitei o

serviço de manicure, como de costume. Já havia sido abordada pela profissional que iria me

atender e encaminhada ao local quando abri a bolsa e percebi que havia esquecido de levar

100
Para uma reflexão mais detalhada sobre as diversas concepções elaboradas a partir das dimensões “saúde” e
“doença”, Cf. HERZLICH (1986). Sobre a associação entre os conceitos de “higiene” e “beleza”, Cf.
VIGARELLO (2004).
230

meus instrumentos pessoais. Não havia como voltar atrás, eu já estava sentada na cadeira da

manicure, prestes a ser atendida.

A profissional surge de uma porta nos fundos e coloca em minha frente o alicate que

seria usado. Eu não havia visto nenhuma autoclave. Esperei então a manicure virar de costas

e, discretamente, peguei o alicate para conferir se estava usado, se havia algum resíduo de

pele ou ferrugem. O alicate tinha acabado de sair do forno de esterilização, estava fervendo.

Levei um susto ao queimar os dedos, soltei um pequeno grito e deixei o alicate cair no

chão. A manicure se virou para ver o que havia acontecido e apenas falou com um ar de

flagrante: - “Cuidado que está quente!”. Nunca mais voltei àquele salão. Minha relação tinha

começado da pior forma: na base da desconfiança.

Suspeitas quanto à higiene de certas práticas ou de instrumentos utilizados nos salões

de beleza podem gerar duas situações: por parte do profissional pode ser sentido como uma

ofensa pessoal, uma vez que coloca em dúvida a assepsia de suas práticas; e por parte do

cliente vergonha, pelo receio de ser estigmatizada como uma pessoa demasiadamente

preocupada com higiene. Separo um relato para ilustrar:

Uma coisa que acho meio nojenta é quando ela [manicure] machuca a gente.
O que ela faz: pega o mertiolate para colocar no machucado. E mertiolate é a
coisa mais anti-higiênica do mundo! Você já parou para pensar? Você pega
o mertiolate com aquela espatulazinha, coloca no seu sangue e depois mete a
espatulazinha de volta no vidro. Então eu acho muito anti-higiênico. Eu
penso assim: - “Vou falar para ela não fazer isso”, mas na hora fico com
pena.
Pena de quê?
Ah! De ela achar que sou neurótica. Mas eu ainda vou falar isso, porque é
anti-higiênico. (Nazaré, estatística)

As inspeções sanitárias, por sua vez, propõem-se a atuar como uma forma de controle

em benefício à saúde pública. Para proprietários e funcionários de salões de beleza,


231

representam uma ameaça que pode surgir a qualquer momento e multar o salão (ou mesmo

interditá-lo), caso algum deslize no cumprimento das normas seja flagrado.

Tive acesso ao Decreto no 23915 da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que

estabelece uma série de normas e procedimentos sanitários a salões de cabeleireiro, institutos

de beleza, estética, podologia e estabelecimentos congêneres.

De acordo com o documento, nenhum destes estabelecimentos pode funcionar sem

licenciamento e é obrigatória a adoção de procedimentos de limpeza e/ou esterilização dos

utensílios e instrumentais que entrarem em contato direto com o corpo do usuário.

Especialmente no caso de instrumentais invasivos (que penetrem na pele ou na

mucosa) ou que entrem em contato direto com sangue ou pus, devem passar por processo de

esterilização por meio de calor úmido (autoclave, 15 minutos a uma temperatura entre 121º e

137º C) ou calor seco (estufa, 60 minutos a uma temperatura entre 160º e 170º C). É

obrigatório também o acondicionamento dos instrumentais em invólucros, de modo que

possam manter sua condição de esterilidade até o momento do uso.

Quanto aos procedimentos de depilação, de acordo com o Decreto, deve ser utilizado

material descartável para a forração de macas e é proibida a prática de reutilização de ceras. É

vedada também a utilização de produtos que não possuam registro no órgão sanitário

competente.

Ao observar as diferenças entre os três salões em que realizei trabalho de campo, fica

evidente a maior preocupação com tais normas no salão de Ipanema (desde as escovas de

cabelo higienizadas e embaladas em um envelope plástico que só é aberto na frente da cliente,

até as lixas e pauzinho de laranjeira quebrados na frente da mesma, após o uso).

No salão do Catete parece que as normas de higiene são conduzidas de maneira mais

frouxa. Presenciei a cena de uma manicure que, ao cutucar uma unha encravada do pé de uma

cliente, teve contato direto de suas mãos com o sangue da cliente, que não cessava de
232

irromper dada a gravidade da inflamação (a ausência de luvas cirúrgicas me levou a pensar no

quanto se trata de uma profissão arriscada). Após atender esta cliente, logo em seguida

recebeu outra. O alicate utilizado na primeira havia ido para a autoclave. Porém, a espátula de

inox não, tendo sido utilizada no atendimento seguinte sem sofrer nenhum tipo de assepsia.

Outra cena presenciada no salão do Catete, a princípio impensável no salão de

Ipanema ou no de Botafogo, foi a de uma manicure espirrar exatamente em cima do pé da

cliente que atendia e continuar a cutilar e conversar, como se nada tivesse acontecido.

Por exigir o emprego de materiais descartáveis, desde lixas de unha e de pele,

passando por pinças e ceras de depilação, as medidas de higiene exigem considerável

investimento, o que gera impacto às finanças mensais do salão. A noção que algumas clientes

possuem do custo de tal investimento em materiais descartáveis, acaba por levantar suspeitas

sobre os salões que dispõem de menos recursos materiais.

Não piso em um salão decente há mais de um ano. O último que fui tive
medo de pegar hepatite cortando cabelo, de tão chulé que era. (Juliana,
desempregada)

Hoje abomino os salões de beleza. Só o Dr. Sholl [loja especializada em


podologia], por causa de doenças, micoses. Virou lei que todo salão deve ter
forno. Esse forninho de salão, comum, não esteriliza o material no grau
elevado suficiente. Mas no salão de Ipanema 101 é diferente. Lá tem o forno
que é exigido por lei. Cada manicure tem 20 alicates, para dar tempo de todo
o material ser esterilizado. Lá tudo é descartável. Não se põe nada de molho
mais em água. É usado algodãozinho molhado para amolecer a cutícula. Eles
usam óleos de massagem, colocam sais na água para relaxamento, isso tudo
encarece. Um serviço de manicure nesse salão custa R$ 35,00. No salão
comum, de R$ 10,00 a R$ 12,00. Olha a diferença! Mas isso porque eles
usam coisas boas. Todo o material, a espátula, a lixa, é tudo descartável. É
muito mais higiênico, por isso que é muito mais caro. (Ivanilde, empresária)

Contudo, a questão da higiene não se restringe aos salões de beleza ou aos seus

profissionais. Não podemos esquecer que um dos motivos que leva clientes aos salões é,
101
Refere-se ao salão de Ipanema no qual foi feita a etnografia para esta tese.
233

justamente, a questão da limpeza pessoal. Um corpo belo e asseado é algo que se deve exibir

socialmente. Simboliza distinção, elegância e atenção à ordem. Sobre o assunto, Rodrigues

comenta:

Somente aos poucos, muito aos poucos, é que se foi formando a idéia de que
limpeza física constituísse também limpeza moral. O pensamento que
associava sujeira pessoal e sujidade moral não nasceu socialmente antes do
fim do século XVIII. A partir desse momento, contudo, os seres bem-
apessoados, os homens limpos, banhados, penteados, os indivíduos atentos
aos detalhes de seus corpos começaram, de modo cada vez mais intenso e
sofisticado, a ser considerados também como pessoas confiáveis e
aproximáveis, como gente com quem fosse possível fazer amizade, como
seres a quem se pudesse abrir as portas, com quem fosse admissível partilhar
refeições, casar, negociar... (RODRIGUES, 1999:169)

Freqüentar o salão de beleza com certa regularidade é uma das formas de manutenção

dos predicados de higiene socialmente demandados. Em poucas palavras, acredita-se que

cabelos e unhas bem cuidados são sinônimos de pessoa limpa, saudável, bonita, vaidosa e

feliz. Em uma cultura tão fortemente visual, o corpo externo é lido como um significante de

um estado interno (BLACK, 2004:167).

Tal percepção é reforçada pelo fato de todos os serviços prestados em um salão de

beleza serem capazes de gerar sensação de higiene para quem os contrata, como evidenciado

em diversos momentos pelas pessoas entrevistadas. Contudo, vale destacar que a associação

com higiene se mostra mais latente quando o serviço em questão é a depilação, especialmente

a remoção de pêlos da virilha e das axilas femininas.

Os pêlos do corpo, quando se trata de mulheres, são tidos como “sujos”, “feios”,

“nojentos”. Sofrem aproximações a uma concepção de animalidade ou mesmo acredita-se

gerarem odores desagradáveis:


234

Eu vejo a questão de depilação como higiene, não só como uma coisa


cultural. Porque se eu não me depilo eu me sinto suja. Muitas amigas minhas
sentem também. Eu não faço depilação com cera na axila sempre. Eu uso
gilete, porque eu não consigo deixar crescer para ter o tamanho certo para
puxar com cera. Mas a cera limpa melhor, ela tira a raiz do pêlo. Por
exemplo, eu não tenho “cecê”, não tenho! Mas se tem pêlo na axila, não é
que eu vou estar com “cecê”, mas fica um odor diferente. Eu não vou exalar
porque eu nunca tive, mas eu sinto que fica diferente. (Bady, graduada em
psicologia)

Uma vez fui ao salão e me depilei toda. Minha pele sem pêlo nenhum, eu
fiquei me sentindo maravilhosa.
Por que maravilhosa?
Ah! Eu acho mais bonito. Eu sou muito branquinha e tenho o pêlo escuro.
Então parece que estou suja. A sensação que eu tenho de pelo é essa, de
sujeira. Eu acho muito horrível. Tive que ficar um tempão sem depilar [por
motivo de um ritual religioso], então debaixo do meu braço estava enorme,
eu estava igual a um macaco. Eu nem olhava no espelho!
Mas homem peludo dá essa sensação de sujeira?
Não, eu só acho estranho. Eu acho que é mais em mulher... Engraçado, não
sei se é preconceito. Em homem eu não tenho essa sensação não. Eu acho
mais bonito. Chama atenção homem com o pêlo lisinho. Um homem mais
peludo eu não teria preconceito nenhum. Já namorei um homem assim e
nunca tive problema. (Maura, comerciante)

As unhas, por sua vez, também são associadas a higiene. A explicação que as pessoas

costumam dar é que se trata de uma parte do corpo muito visível, daí a importância de sua

manutenção. O curioso é que em nenhum momento associam sujeira das mãos com eventuais

resíduos do dia-a-dia. Utilizam o termo “sentir as mãos limpas” como sinônimo para unhas

pintadas e lixadas, com ausência de cutículas. É esse tipo de sensação de limpeza que um

serviço de manicure proporciona.

Um fato que sempre me intrigou em relação à discussão sobre higiene era ver as

mulheres que acabavam de fazer as unhas dos pés no salão saírem às ruas descalças, a fim de

evitar borrar o esmalte recém aplicado ao calçar os sapatos para retornarem às suas casas.

Todas as cenas que acompanhei - e não foram poucas - se deram no salão do Catete. Uma das

clientes fala: - “Eu vou descalça, não tem problema. Pé a gente lava”. No salão de Ipanema

chinelos de borracha descartáveis são fornecidos às clientes.


235

Sobrancelhas e cabelos também aparecem nos discursos quando se trata de sentimento

de bem-estar causado pela sensação de higiene: - “O olhar fica diferente. Quando eu faço a

sobrancelha me sinto de cara limpa”, comenta Bady (graduada em psicologia). Pintar a raiz do

cabelo que cresceu ou ter os cabelos cortados se enquadram no mesmo caso: - “Eu até gosto

de deixar o meu cabelo crescer um pouco mais, de vez em quando. Porque quando eu vou ao

salão e corto, tenho a sensação de que mudei o visual, de que estou mais limpo. Então às

vezes eu me largo mais. Assim como eu faço com barba também” (Rubens, engenheiro).

Por vezes, as dimensões da estética e da saúde são reorganizadas pelas entrevistadas,

de modo a diferenciar uma da outra. Outras vezes tais fronteiras se mostram embaralhadas,

como fica evidente no depoimento de Bady:

Eu acho que lavar o cabelo no salão, usando um produto, uma hidratação,


não é higiene. Trata-se de saúde. Você está hidratando o seu cabelo. Hoje em
dia existem vários estudos e a gente sabe, por exemplo, que cabelo tem
idade, que a gente pode fechar as cutículas para ele ficar mais saudável...
Então tem vários tipos de tratamentos que os salões oferecem que cuidam
dessa parte de saúde, saúde do fio. A parte estética é tintura, coloração, fazer
umas mechas, um corte mais ousado. A limpeza de pele eu acho que é uma
questão de higiene. Drenagem linfática facial já entra para uma parte
estética. A esfoliação é uma parte que é de estética, mas da mesma maneira
ela limpa, hidrata. Tem horas que isso se mistura sabe? (Bady, graduada em
psicologia)

A noção de saúde se mostra presente de outras formas muito interessantes, quando os

profissionais da beleza, por exemplo, comparam sua profissão à de enfermeiros. Uma

manicure do salão de Botafogo justifica: - “Afinal, a gente também lida com saúde, micose,

essas coisas. É um cuidado com o corpo do outro” (Alexandra, manicure). Lembro da

terapeuta capilar do salão investigado para minha dissertação de mestrado (BOUZÓN, 2004),

que expressava forte desconforto com a interseção entre as duas dimensões com as quais tinha

que lidar diariamente - a medicina e a estética. A profissional desabafa:


236

Para trabalhar com tratamento capilar você tem que ser muito sincera,
porque não existe milagre. Eu não posso fazer uma análise porque eu não
sou médica, embora existam muitos charlatões por aí. Eu não fiz nenhum
exame para dizer que a queda de cabelo da pessoa é causada por isso ou por
aquilo. Eu não peguei o fio de cabelo e coloquei naquele aparelhinho para
dizer se o bulbo da pessoa está estressado. Não podemos diagnosticar
nenhum caso de clientes. São vários os fatores para a queda de cabelo: a
pessoa pode ser diabética, pode estar anêmica, com câncer, pode ser estresse
ou hereditário. (Julieta, terapeuta capilar)

Não sendo formada em nenhuma especialidade médica, a profissional se coloca como

desabilitada a fornecer diagnósticos - domínio exclusivo da ciência, interditado oficialmente

ao conhecimento empírico - mesmo que a experiência e a prática profissional acumuladas em

anos se apresentem tão eficientes quanto os exames laboratoriais. Como observa Boltanski,

O aparecimento e a extensão de uma necessidade social do médico, mais


geralmente, do especialista ou do “consultor”, é talvez apenas um indicador
entre outros das mudanças sobrevindas desde um século na economia dos
bens intelectuais (ou culturais), em que a passagem de uma economia natural
a uma economia de mercado pôde se operar tanto mais eficaz e brutalmente
quanto o número de indivíduos dispostos a reconhecer e aceitar a
legitimidade do especialista patenteado e diplomado. (BOLTANSKI, 1979:
184-185)

A partir dos mais diversos aspectos que se observam atualmente, é possível sugerir

que saúde e estética são dois domínios cada vez mais próximos. Um dos caminhos de

compreensão para tal processo pode ser localizado no fato de o campo da estética estar em

busca de legitimação. Para isso precisa acionar o discurso médico-científico, por este ainda

possuir grande influência e credibilidade social. Um discurso, segundo David Le Breton que,

por vezes, apresenta-se como uma “promessa messiânica - os velhos ficarão novos, os feios

belos e todos alcançarão a juventude.” (LE BRETON, 1999:10). Como observam Goldenberg

e Ramos,
237

Outros veículos (programas de televisão, cenas de novela, reportagens de


revistas e jornais) também, muitas vezes de forma aparentemente
desinteressada, vendem o que Bourdieu (1989) chama de “ilusões bem
fundamentadas”. Ilusões estas que, ao tomarem como referência o discurso
científico dos especialistas (médicos, psicólogos, nutricionistas, esteticistas,
professores de educação física, entre outros), prometem perfeição estética,
desde que sejam cumpridas, rigorosamente, todas as suas orientações (muitas
vezes contraditórias) (GOLDENBERG & RAMOS, 2002: 33).

Dessa forma, novas definições sobre saúde são criadas para dar conta das diferentes

experiências humanas. Paula Black sugere que, para que as práticas empreendidas nos salões

de beleza façam sentido, é necessário que nos afastemos das compreensões sobre saúde

baseadas puramente em termos biomédicos (BLACK, 2004:178). A noção de saúde, neste

sentido, ultrapassa a dimensão física e pode se desdobrar em outras variações, como a saúde

psíquica. Sendo os salões de beleza apropriados enquanto espaços para promoção de bem-

estar, como coloca uma das entrevistadas:

Bady, define salão para mim.


Salão é um espaço onde existem profissionais que estão ali preparados - ou
deveriam estar - para cuidar da beleza das pessoas, contribuindo com a saúde
também.
Em que sentido?
Contribuir com a saúde? É nessa parte de higiene. Além disso, tem a parte de
estética. Se a pessoa não está se sentindo muito bem, não está feliz com a
aparência, ela vai ao salão e isso contribui com a auto-estima dela. Ela pode
se sentir melhor. Às vezes tem uma pessoa que está triste, que acordou meio
deprimida e decide: - “Ah! Vou fazer o meu cabelo”. Aí muda, faz um corte,
pinta. Então eu acho que isso contribui para saúde, nesse aspecto. Saúde
mental. (Bady, graduada em psicologia)
238

Prazeres e desprazeres: sobre a dor em salões de beleza

Vejamos agora a questão do risco sob outro prisma. Quando se tratam de salões de

beleza, o risco não está apenas relacionado a doenças. A dor física é outro importante

elemento em jogo. Refiro-me ao risco de ter uma parte do próprio corpo lesada, dado o

contato direto com objetos cortantes ou com produtos químicos.

Especialmente no que se refere a serviços de manicure ou de pedicure, enquanto a

profissional manipular o alicate o risco se mantém presente. Algumas clientes parecem

habituadas à situação. Para outras, a tensão é visivelmente constante, do início ao fim. Vejo-as

tensas ao puxarem a mão ou ao levarem sustos quando o alicate belisca uma parte mais

sensível da pele. Nas diversas falas das entrevistadas, registram-se palavras como “medo”,

“pavor”, “trauma” e “nervoso”.

Um divertido episódio aconteceu em campo. Cheguei ao salão de Botafogo e reparei

um cliente homem, de aproximadamente 60 anos, que eu nunca tinha visto por lá. Estava

inclinado na cadeira de cabeleireiro e era atendido por duas profissionais. Uma cortava seus

cabelos e pêlos do nariz. A outra fazia suas unhas dos pés e das mãos. A conversa girava em

torno de sua vida pessoal: pelo que pude escutar, parece que estava prestes a se casar. Os três

sujeitos da cena pareciam bastante entrosados e entretidos com a conversação.

Quando o homem terminou os serviços de beleza e finalmente deixou o salão, a

manicure que o atendia correu em direção ao patrão para contar o que havia passado. Disse

que achou estranho enquanto fazia as unhas das mãos do cliente. Toda hora ele agarrava sua

mão [a da profissional] com força, enquanto conversavam. Sentiu-se confusa com a situação,

pois o clima da conversa estava bastante respeitoso e ficou em dúvida se tratava-se de uma

insinuação sexual. Conta que os apertos continuaram até o serviço ser finalizado.
239

Antes de ir embora, o homem chegou perto da manicure, olhou para ela em tom de

vergonha e disse: - “Posso ser sincero com você”? A manicure diz que sim e ele desabafa: -

“Você me desvirginou”. Faz referência ao fato de ter sido a primeira vez que fazia unha em

sua vida. Solucionado o mistério: apertar a mão da manicure era uma reação à situação de

tensão, e não um flerte.

Constato, a partir de minhas observações e conversas, que o medo de ser machucado

no salão possui diferentes graus de apreensão. Quando se tratam de serviços relacionados a

unha, o medo é maior em relação aos pés do que às mãos.

Eu tenho pavor de fazer o pé. Eu morro de medo. Geralmente eles


machucam, encravam. Da última vez que tentei fazer, a mulher me
machucou de novo. Então eu pensei: - “Ah! Quer saber, eu não vou me
arriscar mais não”. Então às vezes eu faço sozinha, em casa mesmo. Aí no pé
passo só uma base, não tiro cutícula. Geralmente no salão eu só faço mão,
porque não tem tanto problema de rasgar errado. Não fica unha encravada na
mão, fica no pé. Então eu tenho o maior pavor disso. Conheço várias pessoas
assim. (Nazaré, estatística)

É perigoso, porque eu acho que o pé tem mais carne, mais cutícula, do que a
mão. Tem muito mais pele por dentro e em volta do que na mão. (Maitê,
auditora)

As próprias manicures revelam que o que mantém a fidelidade do cliente é não “tirar

bife”. Uma manicure do salão de Botafogo conta que várias pessoas sempre a perguntam

como ela sabe o limite de não ferir a cliente. Acho interessante a curiosidade das pessoas. É

uma pergunta que eu nunca havia formulado. Acredito que efetivamente exista um limite, cuja

linha entre a dor e a satisfação é muito tênue.

Quanto à reação do profissional diante das manifestações de dor eventualmente

expressas pela clientela, como é sentida e negociada? Cynthia Sarti, ao analisar as formas

culturais de expressão da dor, escreve: “Frente à dor do outro, há comoção, sofrimento, ou


240

mesmo gozo, com maior ou menor distância e intensidade” (SARTI, 2001:1). Entretanto, o

que observo nos salões de beleza é uma reação de relativa indiferença por parte das

profissionais.

A dor faz parte não apenas das práticas de embelezamento (lembrando do caráter

espontâneo de tais escolhas por parte das clientes - questão do livre-arbítrio) como do

cotidiano dos salões. Sem uma atitude blasé frente a tais emoções (SIMMEL, 1903), talvez os

profissionais da beleza tivessem suas atividades profissionais dificultadas por esse excesso de

estímulos.

No salão-escola da Central do Brasil, as alunas eram avaliadas pela própria

coordenadora do curso, que fazia questão de ver cada trabalho de manicure e pedicure

finalizado para então lançar uma nota à ficha do aprendiz. Uma aluna em especial era o terror

das modelos, pois não apresentava muito talento para a profissão.

Um dia ela entra toda feliz na sala da coordenadora e mostra o serviço de manicure

que acabara de fazer. Diz para a coordenadora que está orgulhosa de si mesma porque tirou

poucos "bifes" da mão da modelo: - “Lembra do primeiro dia? O modelo saiu com os dez

dedos pingando em sangue, de tanto bife que tirei!”, compara entusiasmada a aluna.

Curioso também são as correlações que se fazem de acordo com o gênero, no que se
102
referem às distintas formas de lidar com a dor . Embora suportar a dor em silêncio seja um

sinal de virilidade para homens e, em contrapartida, para as mulheres a expressão explícita do

sofrimento seja não apenas permitida como valorizada (SARTI 2001:6), nos salões parece que

tais performances se inverterem. O homem é visto pelas profissionais dos salões como menos

resistente à dor. Já a mulher apresenta uma atitude contida. Como se no salão de beleza não

existisse espaço para ensaiar o papel de “sexo frágil”.

102
Embora eu não tenha tido acesso a nenhuma representação sobre sentir dor que diferenciasse classes
socioeconômicas distintas, recordo do comentário de uma única depiladora, sobre uma menina de 9 anos que já
depilava os pêlos da perna com cera e não demonstrava dor. A surpresa da profissional com tal reação aponta
distinções também com base em idade, além de gênero.
241

Homem é muito mais medroso que mulher. Eles têm medo de machucar, de
sair sangue. Mulher não, nem liga. Tem umas que se você não tirar sangue,
se não cutucar muito a unha, acham que não está bem feita. (Alexandra,
manicure do salão de Botafogo)

Uma vez um rapaz veio aqui para depilar a barba pela primeira vez. Foi
muito engraçado, porque ele não conseguiu suportar a dor e desistiu. Foi
embora com apenas um lado do rosto depilado. Ficou super estranho.
(Geralda, manicure e depiladora do salão do Catete)

Interessante pensar a representação do sangue nos serviços de manicure ou pedicure.

O rompimento da pele não indica apenas que um limite foi ultrapassado pela profissional.

Muitas vezes, são as próprias clientes que forçam tal limite, exigindo que se remova o

máximo de cutícula possível. O sangue, neste tipo de situação, torna-se uma prova concreta de

que o serviço foi bem feito. Podendo a dor se converter em certo gozo.

Muitas são as manicures que relatam o desconforto que este tipo de cliente gera: - “Eu

já chorei porque a cliente era muito exigente. Ela queria que eu tirasse cutícula muito a fundo,

mas não tinha mais o que tirar. E eu odeio ver sangue” (Alexandra, manicure do salão de

Botafogo).

Outra manicure conta sobre aquele que considera o dia mais angustiante de todos os

cinco anos que trabalha em salões. A cliente queria que a profissional removesse cutícula

além do que poderia sem machucá-la, incluindo sabugo e unha encravada. Porém, tratava-se

de uma cliente diabética.

A profissional levou duas horas para finalizar apenas os pés (tempo mais que

suficiente para serem feitos ambos os serviços de pedicure e manicure). Conta que a cliente

solicitava a remoção de mais e mais pele. - “Ela sugou toda a minha energia. Voltei para casa

chorando. No dia seguinte eu nem queria ir trabalhar, de tão chateada” (Soraya, manicure do

salão de Botafogo).
242

A questão do diabetes, em especial, torna-se um risco não apenas para o portador da

doença, mas também para a manicure. Sendo um dos sintomas da doença a dificuldade de

cicatrização de feridas, um simples “bife” pode gerar, no caso mais extremo, necessidade de

amputação de um membro. Assim sendo, todo cuidado na manipulação de objetos cortantes é

pouco.

Sabendo do cuidado redobrado que as manicures devem ter com clientes diabéticas,

fiz uso de tal informação em benefício próprio e guardo grande arrependimento. Ainda na

etapa exploratória, entrei em um salão que nunca havia ido com a desculpa de fazer unhas

para poder observar melhor o ambiente. No entanto, a última vez que eu havia ido a um salão,

a manicure me machucou ao remover as cutículas. Com a pele ainda inflamada, em processo

de cicatrização, não queria que mais uma vez me machucassem no mesmo local.

A solução que encontrei foi pedir para que a nova manicure tomasse cuidado, pois eu

era diabética. Arrependi-me amargamente por de ter mentido. A manicure passou o

atendimento todo conversando sobre diabetes. Pedia informações sobre a doença que eu não

tinha conhecimento. Descubro que seu extremo interesse era porque a doença havia sido

recém diagnosticada em sua irmã.

A manicure relatou todas as dificuldades pelas quais sua irmã e pessoas que possuem

tal doença passam. Senti-me muito mal, especialmente quando ao final do atendimento ela

desejou que Deus me abençoasse, em função da doença que eu disse ter. Nunca mais fiz uso

desse argumento. Preferi continuar sofrendo com os beliscos de alicate. Ossos do ofício.

Existe quem considere fazer unha menos doloroso do que depilação. Muitas são as

reclamações, tanto dos métodos que fazem uso de cera quanto os mais modernos a laser: -

“Depilação a laser dói muito! É muito ruim, você paga para ser machucado. Mas no meu caso

eu não tinha outra opção, porque eu tenho alergia a gilete” (Jordana, promotora de eventos).
243

Uma das entrevistadas levanta uma questão interessante: em alguns casos, a dor pode ser

encarada como um investimento, que se coloca no mesmo nível dos investimentos feitos em

termos de tempo ou de dinheiro.

Fala um pouquinho sobre dor no salão de beleza.


Pois é. Isso é uma coisa que eu sempre penso na hora de fazer a virilha. Eu
não consigo deixar de fazer, porque eu tenho que ficar limpa. Mas é uma dor
que eu penso que vale à pena. Vai ser rápido. Não é só com dinheiro que eu
estou pagando. Estou investindo, inclusive, a minha dor para ter esse
benefício. Como na perna não é tão importante, porque eu tenho
pouquíssimo pêlo, eu não vou investir a minha dor nem o meu dinheiro.
Então gilete resolve o problema. (Bady, graduada em psicologia)

Uma vez que a remoção de certos pêlos do corpo feminino é tida enquanto uma

“obrigação” a ser cumprida, a dor envolvida deve ser colocada em suspenso no momento em

que se opta por tal prática:

Ah! A dor é abstraída. Eu acho que as mulheres já se acostumaram. Elas


acham que vale à pena sentir essa dor para ficar sem os pêlos. Às vezes você
se pergunta se vale à pena sentir essa dor, comparando com o resultado.
Mas acho que é meio que uma imposição, uma regra você estar depilada,
alguma coisa assim. Então eu não me importo, sinto dor mesmo. (Fabrícia,
trainee)

As sugestões de David Le Breton (1995) são valiosas para esta discussão, no sentido

que propõem enxergar a dor, embora vivenciada pelo indivíduo que a sente, como algo

situacional, ou seja, modelado pela cultura. Segundo o autor, o significado da representação

que cada indivíduo tem acerca de seu corpo depende de sua história pessoal e do contexto

sociocultural, o que oferece as matrizes que dão forma a tal sentimento.


244

Ainda fazendo referência a Le Breton (1995), vale lembrar que as pessoas que sofrem

de dor não conseguem participar dos momentos de prazer e de alegria dos outros que estão à

sua volta. Em seu extremo, a dor gera indivíduos ansiosos, temerosos, enfim, anti-sociais. É

nesse contexto que existe um clima de relaxamento e distração a ser preservado no ambiente

do salão de beleza. Ocultar a dor e agüentar o sofrimento físico não só em nome da beleza,

mas em nome do que representa o espaço do salão em termos de relaxamento para muitas

mulheres, é prova de respeito às convenções e pertencimento a uma coletividade especifica.

Nas palavras de Le Breton,

Encontramos em muitas atividades sociais essa passagem obrigatória pela


dor para fabricar o sentido. (...) Trata-se também de produzir uma dor
significante para o ator em uma relação ritualizada com um outro. (LE
BRETON, 1999:43)

Por fim, vale lembrar que não são apenas os clientes que se submetem a processos

dolorosos quando o assunto é beleza. Para deixar outras pessoas bonitas os profissionais da

beleza também investem sua saúde. Basta atentar aos diversos problemas que o esforço

repetitivo e as condições inadequadas de trabalho geram a esta categoria de profissionais.

Descobri ser comum entre manicures dores de coluna (dada a posição reclinada que

passam a maior parte do dia), bursite entre cabeleireiros (pelo esforço do braço suspenso a

maior parte do tempo, cortando, penteando e, sobretudo, segurando secador de cabelo) e

alergias entre coloristas (devido à exposição diária a fortes químicas dos produtos que

manipulam).
245

Constrangimentos do corpo: a vergonha no salão

A questão da reserva e da intimidade no salão de beleza encontra sua situação mais

extrema quando o assunto é depilação. Trata-se, justamente, do único serviço feito de forma

não coletiva, em uma sala separada. Especialmente quando se trata das partes íntimas do

corpo, a depilação é a prática de beleza que mais parece gerar vergonha nas clientes.

“É uma relação que não é boa. Quando ela vai fazer a sua virilha, dependendo do que

você vai fazer, é uma área sua que ninguém vê, só a mulher e o seu namorado” (Jordana,

promotora de eventos). Para evitar se expor a mais de uma depiladora, existe quem prefira

procurar sempre a mesma profissional.

Quando pergunto às depiladoras sobre a questão do constrangimento, dizem que já

estão acostumadas: - “Sinto-me igual uma ginecologista”, diz Luciene, do salão do Catete. A

mesma aproximação com tal especialidade médica é feita por parte das clientes. No entanto,

distinções com base em reconhecimentos formais são traçadas: como se o diploma de

medicina minimizasse o peso negativo de lidar com as partes íntimas do corpo ou atribuísse

legitimidade, seriedade e discrição ao trabalho. Destaco dois comentários:

E como é depilação em salão?


É constrangedor! Um horror! Eu acho a pior coisa, pior que ir ao dentista.
Fico com pena da pessoa, acho um absurdo! Eu quase peço desculpas. Sinto
muito por não conseguir fazer a virilha em casa.
O que você acha um absurdo?
Eu fico com muita pena, a pessoa ter que depilar as partes íntimas dos
outros. Eu só consigo pensar nisso: quantas partes íntimas essa mulher não
viu hoje? Eu fico com muita vergonha, coitadinha.
Você fica com vergonha de se expor?
Não, eu não fico com vergonha de me expor, mas eu penso: que trabalho
ingrato a pessoa passar cera e arrancar pêlo de 20 partes íntimas por dia. Eu
acho injusto, desconfortável. Não é uma coisa que eu gostaria para mim.
Mas o ginecologista também não passa o dia em contato com partes
íntimas?
Eu odeio ginecologista, eu tenho pavor. Mas eu acho que ginecologista é
uma escolha mais rigorosa. Você escolheu, você estudou, foi uma opção.
Depilação não, às vezes é um “bico” de depiladora, é mais uma alternativa
para você ganhar dinheiro. Ninguém escolhe: - “Vou ser depiladora!”
246

Ninguém investe a vida nisso. A pessoa cai nisso. O salão está precisando?
Eu sei fazer. Então vamos lá. (Inês, assistente de edição)

Eu não iria a um depilador homem porque eu acho que não é um profissional


tão sério quanto um ginecologista.
Por que você diz “não tão sério”?
Se fosse uma questão de saúde você iria passar vergonha, mas já que é só
uma questão de estética você não vai passar pela vergonha de ser atendida
por um homem. Porque médico é uma coisa mais séria. Eu já vi depiladora
falando do ânus da cliente. Fez um comentariozinho. Não falou o nome da
pessoa, mas...
Falou o quê?
Falou que a menina devia ter dado muito, porque “tava que tava”. É por isso
que eu não gosto, viu? Ginecologista não vai falar uma coisa dessas.
(Rebeca, auxiliar administrativa)

Quanto às outras partes do corpo trabalhadas em salões de beleza, a questão da

vergonha parece ter um peso menor, embora não se mostre ausente. Presenciei uma cliente no

salão de Ipanema, de aproximadamente 20 anos, que se recusou a colocar uma touca de

plástico na cabeça, mesmo sabendo que era importante para acelerar o efeito da coloração que

estava fazendo. A insistência do colorista foi em vão. Disse a cliente: - “Tenho que ter o

mínimo de dignidade, não é? Não uso touca, nem para tomar banho! Prefiro prender com uma

piranha e molhar o cabelo inteiro.”

Recorro a um episódio que presenciei quando fazia campo para minha dissertação.

Visitei uma das maiores feiras de negócios voltadas para cabeleireiros da América Latina, que

ocorre anualmente na cidade de São Paulo. No estande de uma grande multinacional de

cosméticos era oferecido ao público um rápido diagnóstico sobre o cabelo da pessoa, por meio

de um aparelho que filmava o couro cabeludo e reproduzia em tempo real a imagem ampliada

em uma televisão. Tal imagem era visível a todos que passassem pelo local.

Uma pequena ferida na cabeça de uma mulher que se habilitou a ter o couro cabeludo

examinado roubou a cena: o atendente que manipulava a micro-câmera parecia estar em busca

das “imperfeições”, mantendo por muito tempo o foco nas pequenas feridas. A curiosidade do
247

atendente e o constrangimento da mulher ao ter um “defeito” seu ampliado e exposto

publicamente, levou-a a ativar a sensação de nojo como autodefesa e autopunição, dizendo a

seguinte frase para a amiga que a acompanhava, referindo-se ao próprio corpo: - “O ser

humano é nojento!”.

Assim como o nojo, a vergonha é um sentimento moral produzido socialmente. Para

Goffman (1975), a dinâmica da diferença vergonhosa é uma característica geral da vida

social, que geralmente surge quando o indivíduo percebe que um de seus atributos é impuro.

Neste sentido, a mulher participante falhou duplamente: não apenas em manter a saúde

perfeita de seu corpo - livre de feridas - como também em permitir que seu “defeito” fosse

exposto e compartilhado com outros espectadores.

Os cabelos da cabeça também se destacam no que se refere a sentimentos de vergonha.

É incrível como tal parte do corpo é capaz de fazer uma pessoa não sair de casa até ter seu

problema estético solucionado, como o caso de uma entrevistada que comentou sobre o

processo de passagem de uma química a outra: teve que ficar quatro meses sem passar

determinado tipo de alisante e conta que abriu mão temporariamente de sua vida social.

Foram os piores dias da minha vida! Fica horrível Patrícia. É porque o seu
cabelo é bom 103. O meu fica horroroso. Eu dava graças a Deus que nessa
época eu não estava trabalhando e não precisava sair de casa. Porque é muito
horrível, muito horrível mesmo. Quando esteve duro eu não saía para lugar
com muita gente, rejeitei festa, não ia na praça comer pizza. Se eu fizesse
escova e em duas horas suasse um pouquinho, ou se batesse um vento,
acabava-se tudo. Aí eu não ia para lugar nenhum. (Rebeca, auxiliar
administrativa)

Uma história que me marcou foi narrada por uma enfermeira (entrevistada para minha

pesquisa de mestrado) que cuidou de uma senhora em situação de coma vígil. Por

conseqüência de um câncer no cérebro, a paciente havia perdido os cabelos ao longo do


103
Para uma discussão sobre as categorias “cabelo bom” e “cabelo ruim”, Cf. BOUZÓN (2004).
248

tratamento de quimioterapia. Alternando entre estados de inconsciência e consciência, nos

momentos em que a paciente recuperava sua lucidez, a primeira coisa que fazia era passar as

mãos na cabeça para se certificar que estava com a mesma coberta. A enfermeira conta:

Ela tinha turbantes de várias cores. Então quando passava a mão, a gente já
sabia o que ela queria. Não gostava de ficar carequinha, mesmo na cama.
Então a gente colocava o turbante para fazer a vontade dela, mesmo que logo
depois ela apagasse de novo. Era impressionante: passava a mão, sentia o
turbante e só assim relaxava. Era uma coisa que ela não aceitava, de jeito
nenhum. É gozado, a pessoa chega a aceitar a doença, mas não aceita a
queda do cabelo. (Rosa, enfermeira)

Ainda sobre o tema da vergonha, vale lembrar que, para muitas mulheres, o salão de

beleza é um espaço em que se sentem bastante à vontade. Tão à vontade que é comum ouvir

reclamação por parte de manicures em relação a clientes que vão ao salão de saia e sem roupa

íntima, deixando mais do que pernas à mostra ao apoiar seus pés sobre os joelhos das

manicures, parecendo não se preocuparem.

A falta de constrangimento, por vezes, pode ultrapassar as portas dos salões e tomar as

ruas. Vi cliente sair do salão para fumar na calçada da Nossa Senhora de Copacabana, uma

das mais movimentadas ruas do Rio de Janeiro, sem aparentar o mínimo desconforto por estar

em público vestida com capa-protetora e ter os cabelos e fronte cobertos por tinta. Cabelos

enrolados em grampos, toucas plásticas na cabeça e pés descalços recém-pintados não são

cenas incomuns nos arredores de alguns salões de beleza, embora eu não tenha presenciado

nada parecido no salão de Ipanema.


249

Desejos e afetos: sobre a negociação de corpos nos salões

Se existe uma especificidade dos salões de beleza, difícil de ser concebida em outras

esferas, é a demonstração pública de afeto. O que se presencia é uma encenação de extrema

valorização e intimidade entre clientes (mulheres) e profissionais (de ambos os sexos), com

direito a muitos beijos e abraços 104.

No entanto, não é em qualquer salão que tais encenações de intimidade são

observadas. Dentre os três salões de beleza que investiguei com maior profundidade, nos do

Catete e de Botafogo vez ou outra era possível observar clientes e profissionais se

cumprimentarem com dois beijinhos nos momentos de chegada ou de partida.

Já no salão de Ipanema, tais situações se tornavam um verdadeiro espetáculo.

Especialmente com as clientes que representavam algum ganho de status (atrizes,

celebridades e socialites) e permitiam tal alvoroço, a festa era ainda maior. Os beijos se

faziam quase obrigatórios, os abraços eram longos e apertados e a felicidade pelo encontro era

expressa a ponto de ser escutada na extremidade oposta do salão principal. Porém, nem

sempre tal encenação parte dos profissionais. Por vezes são as próprias clientes que fazem a

festa ao encontrarem o profissional no salão.

Cabeleireiros, coloristas e maquiadores o costumam fazer com mais freqüência do que

manicures, o que sugere uma separação entre as hierarquias profissionais existentes dentro de

salões. Em outras palavras, é como se a mensagem de intimidade - transmitida pela

“permissão” para beijar e abraçar clientes - erguesse um muro, revelando pertencimentos e

exclusões, distinguindo quem está dentro e quem está fora de tais associações.

A partir da observação dos diferentes salões, presumo que tal encenação pública de

intimidade é muito mais oportuna em relações nas quais a distância social entre clientes e

104
Para uma reflexão histórica sobre os códigos e convenções relacionados a beijos e abraços, entre outros
gestos, Cf. BREMMER &ROODENBURG (1993).
250

profissionais é maior (como no caso do salão de Ipanema). Interpreto-a como uma tentativa de

aproximação e equilíbrio da relação, para que tal encontro possa se dar da forma mais

harmônica possível, já que os profissionais possuem algo de grande valor para as clientes -

práticas e saberes específicos - ao passo que as clientes podem ser portadoras de fama, status

ou dinheiro, para remunerar o serviço prestado. Observo que quando a distância social entre

clientes e profissionais é menor (como no caso do salão do Catete), quase nenhum esforço é

empregado neste sentido.

Lembro de uma cena peculiar ocorrida com um cabeleireiro do salão de Ipanema. Ele

falava justamente sobre esta questão da demonstração pública de afeto. Comparava-se aos

outros colegas de trabalho dizendo que se considerava mais frio, talvez por sua formação

profissional ter se dado em Londres. Diz que se abraçasse uma cliente sua e a colocasse no

colo (em alusão ao que alguns colegas de trabalho fazem) elas nunca mais voltariam.

No meio de nossa conversa somos interrompidos pela chegada de uma cliente. O

cabeleireiro se vira, abre um sorriso de uma orelha a outra, se lança em um longo abraço e

começa então o atendimento à cliente. Não consigo enxergar a diferença entre sua atitude e

aquelas que observo em seus colegas.

Além dos beijos e abraços, outro tipo de contato corporal bastante particular se dá no

ambiente dos salões de beleza. Diz respeito aos toques que se dão entre corpos de clientes e

de profissionais durante a execução do serviço. São pés de clientes que encostam no colo ou

mesmo nos seios de manicures, abdômen de cabeleireiros ou de coloristas que tocam braços

de clientes, mãos que tocam mãos, pés, ombros, nuca e cabeça, em uma aproximação que

poucos espaços públicos autorizam.

Como observa Desmond Morris (1971), algumas categorias de indivíduos como

cabeleireiros, médicos e alfaiates, são socialmente autorizadas a tocar as pessoas, uma vez que

suas funções são claramente definidas como não-sexuais e, por isso, tidas como menos
251

perigosas. No entanto, por mais que tais papéis sejam validados, o risco de que a fronteira do

profissionalismo seja ultrapassada pelo desejo sexual não se faz ausente.

Nos salões de beleza, as partes do corpo manipuladas, embora consideradas “zonas


105
públicas” , encontram-se fortemente relacionadas à dimensão da sexualidade. Em outras

palavras, mãos, pés, cabelos e pele são elementos corporais passíveis de elaboração estética e

comumente utilizados em situações de conquista sexual. Logo, tais partes do corpo são dignas

de atenção, uma vez que, em outras situações fora do salão de beleza, o ato de tocá-las

costuma carregar múltiplas conotações eróticas.

Segundo Morris, as formas de reduzir o imaginado erotismo, especialmente dos

contatos corporais heterossexuais, é justamente restringi-los às partes menos privadas do

corpo humano e multiplicar o número de pessoas que participam do evento, a fim de eliminar

a atmosfera de um par íntimo (MORRIS, 1971:128).

Por mais que usualmente gerem simples sentimento de relaxamento ou ingênua


106
sensação de cócegas , os toques e pequenas massagens que os clientes ganham quando têm

os cabelos lavados ou pés e mãos cuidados, por vezes, podem vir a despertar emoções mais

intensas. Como definiu uma cabeleireira de um salão, “o toque mexe com a emoção das

pessoas”.

De acordo com os relatos a que tive acesso, posso afirmar que manicures e depiladoras

são, dentro dos salões de beleza, as duas profissões mais sujeitas a situações de paquera ou de

cantada por parte de clientes. A maior proximidade física entre os corpos ou a própria posição

em que manicures se encontram (sentadas frente a frente com o cliente, estando sua cadeira

105
Sobre a diferença entre “zonas públicas” e “zonas privadas” do corpo, Cf. MORRIS (1977). A partir da
observação de que apenas amantes ou pais em relação a seus bebês têm acesso livre a todas as partes do corpo do
outro, o autor chama atenção para a complexa combinação de áreas do corpo passíveis ou não de serem tocadas -
“zonas tabu” - de acordo com a qualidade das relações em questão.
106
Presenciei duas cenas inusitadas, ocorridas com crianças. Uma delas no salão do Catete tratava-se de um
menino de oito anos que se contorcia de cócegas ao ter os cabelos enxaguados no lavatório. Outra se deu com
uma criança de aproximadamente quatro anos que não podia sentir o pente do cabeleireiro se aproximar de sua
cabeça que ria de nervoso da sensação que experimentava.
252

em um nível mais baixo, em uma postura que remete submissão) pode ajudar a explicar a

maior exposição de tal categoria profissional a possíveis iniciativas de flerte.

Muitas manicures com quem conversei, sobretudo as do salão do Catete, reclamam de

clientes homens que olham para seus seios durante o atendimento, roçam as pernas contra as

suas, alisam ou apertam suas mãos e chegam mesmo a pedir seu número de telefone.

Porém, não são apenas homens que costumam flertar com manicures em salões de

beleza. Tal como em outras situações da vida social, no salão também há espaço para

conquistas homossexuais. Uma das manicures do Catete conta sobre uma cliente de 46 anos

que costumava enviar mensagens românticas anônimas por SMS e no Natal lhe deu R$

200,00 de gorjeta. Um dia tal cliente decidiu se declarar pessoalmente e não foi correspondida

pela manicure. Nunca mais voltou ao salão.

Quanto às depiladoras, essas se encontram frente a outro tipo de exposição,

intensificada pela reserva e intimidade da sala de depilação. Muitos são os relatos de homens

que solicitam tal serviço e o encaram como uma forma de estímulo erótico. Alguns também

chegam a se declarar para tais profissionais.

Por vezes, a depilação é encarada como um fetiche. São namorados ou maridos que

pedem às depiladoras para entrar na sala privativa e acompanhar o serviço feito em suas

companheiras. Uma depiladora do salão da Central do Brasil conta a história de um marido

que fazia questão de ver a esposa ser depilada: - “Não sei se era ciúme ou fetiche, mas eu

ficava muito sem graça”.

No salão do Catete, embora fosse restrita a entrada de casais na sala de depilação, uma

depiladora conta a história de um casal de namoradas, em que uma delas pediu para assistir a

parceira ser depilada: - “Aí nesse caso eu deixei, porque é mulher né!? A namorada dela tirou

foto e tudo”, explica a depiladora.


253

Se os salões de beleza se abrem enquanto espaço para práticas de fetiche ou de

paquera, situações de ciúmes também se encontram presentes. Algumas entrevistadas relatam

não gostarde levar os namorados a salão de beleza, para evitar que sejam paquerados pelas

outras clientes ou profissionais. Rubens, um dos homens entrevistados, conta ter passado por

situações em que duas profissionais de um salão, sempre que ele ia cortar cabelo, faziam

comentários e flertavam com ele.

Desmond Morris possui uma leitura bastante particular sobre contato corporal. Ao

correlacionar as condições de aglomeração da vida moderna (especialmente a necessidade de

manter distância de estranhos) ao surgimento de sentimentos como tensão, ansiedade e

insegurança, Morris sugere que, paradoxalmente, quanto mais somos forçados a nos manter à

parte, mais necessitamos de contatos corporais, uma vez que a intimidade acalma tais

sentimentos (MORRIS, 1971:120).

Sendo assim, completa o autor, uma das estratégias é fazer uso do que chama de

“tocadores profissionais”, definidos como “estranhos ou semi-estranhos que, ao nos prestarem

algum serviço, são obrigados a tocar nosso corpo” (Ibid., p. 120). Esse exército de tocadores

profissionais, a que Morris se refere, encontra-se preparado para massagear, amaciar,

desembaraçar, alisar, e friccionar corpos ávidos por proximidade física. Nas palavras de

Morris, “visitar um salão de beleza moderno não é nada se não for uma experiência tátil”

(Ibid., p. 130).

No entanto, recordo de meu estranhamento logo quando comecei a fazer trabalho de

campo em salão de beleza. Ficava extremamente incomodada com o hábito dos cabeleireiros

mexerem em minha franja quando conversavam comigo ou passavam por mim. Não era

preciso pedir permissão, afinal, eu estava em um dos poucos lugares em que tal contato não

apenas é permitido como faz parte do ethos de tal profissão. A impressão que tenho é que,

quando dentro de um salão, a pessoa se torna menos senhora de seu corpo.


254

Por fim, outro elemento entra em cena como mediador para o toque entre corpos de

clientes e profissionais: refiro-me ao dinheiro. No salão de Ipanema é recorrente observar a

cena de clientes que possuem maior intimidade com os profissionais colocarem as notas de

gorjeta no bolso de trás da calça (geralmente justa) dos cabeleireiros ou coloristas, caso estes

se encontrem ocupados em suas atividades.

Mesmo havendo no balcão da recepção do salão de Ipanema uma caixa de acrílico

transparente, fechada a cadeado, onde os clientes podem depositar em envelopes brancos com

identificação (“de” e “para”) as gratificações para os profissionais que as atenderam, o hábito

de dar a gorjeta pessoalmente não desaparece. Nos outros salões investigados, apesar da

prática também ser comum, não vejo clientes colocarem notas ou moedas nos bolsos dos

profissionais. Entregar o dinheiro em mãos ou colocar, no caso das manicures, na gaveta de

suas cirandinhas são as práticas mais recorrentes.

Observo outro hábito muito comum em todo salão de beleza: cliente pedir que a

manicure abra sua bolsa para pegar a carteira ou que pegue no próprio bolso da calça ou na

alça de seu sutiã o dinheiro reservado para pagar o serviço, uma vez que o esmalte recém-

aplicado nas unhas das mãos corre risco de borrar.

Em outra situação, uma manicure do salão do Catete passa com as mãos ocupadas

carregando uma bacia de água. Ela para na minha frente e pede que eu arrume sua calça na

altura da cintura, pois havia descido à medida que ela andava, por motivo do elástico estar

frouxo. Fiz o solicitado, embora tenha me sentido constrangida, justamente por achar que não

possuía um grau de intimidade suficiente que permitisse tocar tal parte de seu corpo. Os

exemplos são muitos, o que nos mostra que nos salões de beleza os toques não se restringem a

mãos, pés e cabeças, podendo se estender a seios e nádegas em determinadas situações,

mesmo que por cima das vestimentas.


255

O corpo aprendido: conhecimento, manipulação e negociação do próprio corpo

Gostaria aqui de chamar atenção para uma discussão que localiza o corpo a partir de

outros aspectos. Mais especificamente, a proposta é fazer uma reflexão sobre o tema dos

saberes do corpo. A primeira vez que atentei para tal aspecto, encontrava-me no salão de

Ipanema fazendo trabalho de campo. Sentada em um lugar estratégico, em que conseguia ter

acesso visual a diversas partes do salão, uma cena chamou minha atenção.

Nas escadarias que ligavam o salão principal ao segundo andar, uma cliente descia

vagarosamente cada degrau enquanto ouvia com muita atenção os conselhos do cabeleireiro

sobre cuidados especiais na manipulação dos cabelos, seguindo literalmente seus passos. A

imagem do profissional vestido de branco, que para tornar a acena ainda mais interessante

carregava consigo uma pequena caixinha madeira, parecia a personificação de um guru. Um

guia ou líder, não espiritual, mas corporal, que dava importantes conselhos à sua seguidora.

A partir deste dia, comecei a perceber com mais atenção a forma como os

profissionais da beleza se empenham na tarefa de instrução dos clientes em relação à

manipulação estética de seus próprios corpos. Um verdadeiro trabalho de elaboração e difusão

de medidas comuns, de corporalidades a serem observadas e seguidas. O corpo, nos salões de

beleza, torna-se um objeto de aprendizado.

Atrevo-me a afirmar que parte do trabalho de cabeleireiros, manicures e depiladoras

está atrelada, justamente, a esta transmissão de saberes. Detentores de um conhecimento

altamente valorizado, demonstrar aos clientes que possuem tais informações não deixa de ser

uma forma de atestar suas capacidades enquanto especialistas. Também chamados de

“consultores do visual”, um dos cabeleireiros do salão de Ipanema diz: - “Hoje sou muito

mais um educador. Esse é o caminho para o qual a profissão está caminhando” (Armando,

cabeleireiro).
256

Por sua vez, a interpretação da ciência sobre cabelos, pêlos e unhas sai dos

laboratórios e ganha os salões, caindo no conhecimento não apenas dos profissionais como

também dos consumidores que, além de produtos e serviços, também passam a consumir

conhecimentos científicos.

Segundo Boltanski (1979), quanto maior o nível de instrução de um grupo social,

maior o grau de uso profissional (leia-se médico) que irão fazer de seu corpo. Isto porque,

segundo o autor, quanto menor a intensidade do uso físico do corpo, maior a atenção, a

consciência e a relação reflexiva com este.

Especialmente os clientes freqüentadores do salão de Ipanema, por fazerem parte de

estratos privilegiados da hierarquia social, são justamente os que parecem mais preocupados

em obter conhecimentos e adotar procedimentos estéticos recém-lançados. Aprendem a

distinguir as diferentes qualidades e estados de seus cabelos, unhas e pêlos, compartilhando

um vocabulário extenso quando o assunto é corpo, fórmulas de produtos ou práticas estéticas.

Os salões, neste sentido, atuam como importantes meios para aprender como

manipular a aparência estética, o que se enquadra em um processo mais amplo de

conhecimento do próprio corpo e apresentação de si no mundo. Mas não são os salões de

beleza os únicos responsáveis por tal aprendizado.

Tais informações sobre corpo se encontram disponíveis por toda parte. Especialmente

cabelos e unhas se tornaram assuntos dignos de ocupar colunas fixas em revistas femininas e

se encontram presentes em programas de televisão, blogs e publicações especializadas. No

entanto, a rede de circulação de informações não se restringe apenas às grandes mídias. Tais

conhecimentos também circulam por meio de divulgação boca-a-boca.

Porém, por maior que seja o conhecimento sobre o próprio corpo, o sujeito nem

sempre se sente autorizado a colocar em prática. A técnica e o saber acumulados pelo

profissional da beleza fazem com que a manipulação do corpo, idealmente, deva ser entregue
257

às mãos do especialista. É estabelecido assim um monopólio sobre um conjunto de atividades

que, idealmente, deve ser reconhecido por todos os membros da sociedade.

Mesmo que o sujeito se sinta capaz para fazer determinado procedimento estético em

si mesmo, seja pintar as próprias unhas ou cortar o próprio cabelo, o resultado gerado pelo

profissional da beleza é visto como mais “perfeito”, um trabalho que possui “técnica”, feito

com maior “habilidade”.

Pelo menos para mim funciona assim: eu fico satisfeita com a maquiagem
que eu faço em mim em casa. Só que eu tenho total consciência de que não
sei fazer uma porção de coisas que o maquiador sabe fazer. Então fica
melhor em salão. (Inês, assistente de edição)

Você já pintou o cabelo em casa? Sempre encosta tinta na parede, suja o


banheiro todo, mancha toalha. Então tem épocas que eu falo: - “Ah! Não há
nada como um cabelo pintado no salão!” É um dinheiro bem pago. (Ivanilde,
empresária)

Por vezes, o profissional é visto enquanto detentor de uma “fórmula mágica”, o que

torna os clientes dependentes de seus serviços (sendo algumas mulheres literalmente

dependentes químicas, como brinca o colorista do salão de Ipanema).

Tem vários salões por perto onde eu moro. Mas é aquele negócio: eu só faço
meu cabelo com a menina de um salão. Porque eu fico com medo de mudar
a química. Eu faço cabelo tão bem quanto ela, só que ela tem um produto
secreto que eu não sei qual é. Não tem nem rótulo na embalagem. Ela não
conta de jeito nenhum. Eu sei fazer relaxamento porque eu faço na minha
sobrinha e nas minhas amigas. Mas eu tenho medo de colocar outro produto
no meu cabelo e não ficar legal, cair. (Rebeca, auxiliar administrativa)

No entanto, algumas clientes questionam o valor que se dá ao conhecimento dos

profissionais da beleza, especialmente em casos que envolvam erros ou quando a expectativa

do cliente não é atendida.


258

Eu cheguei ao salão e pedi para cortar o cabelo Channel, na altura do ombro.


Parecia que eu tinha pedido para a cabeleireira construir um foguete. A
mulher cortou com muita má vontade e ficou p. da vida porque eu estava
com uma franja caseira que eu mesma tinha cortado antes. Elas devem achar
que têm monopólio, reserva de mercado, essas coisas. Como se fosse uma
coisa muito especializada cortar uma franja. (Juliana, desempregada)

Funciona mais ou menos como uma receita: você explica que o bolo vai ter
que ser batido dessa forma, a pessoa bate e mesmo assim não fica bom.
Então a pessoa não tem jeito para aquilo. Teve um salão que eu fui e falei:
quero unha quadrada com redondo em volta. Quando eu vi, a manicure tinha
deixado a unha torta. Poxa! O trabalho dela é lixar unha, como é que ela
deixa a minha unha torta? Então você olha e fala: essa mulher não é uma boa
manicure, ela tem que procurar um novo emprego, porque deixou a minha
unha torta. (Jordana, promotora de eventos)

Esse saber teórico e prático do especialista, quando em contraste com o tipo de

aparência do corpo imaginada e desejada pelo cliente, gera um terceiro processo: a

negociação entre dois sujeitos, entre dois pontos de vista distintos. Além de preferências e
107
gostos pessoais , o que está sendo negociado nestes momentos é a autonomia sobre o

próprio corpo (no caso dos clientes) e a autoridade sobre o assunto (no caso de cabeleireiros,

manicures ou depiladoras).

Neste duelo de argumentações e expectativas, que tem como arena o salão de beleza,

não interessa saber quem é vencedor ou quem é vencido, mas observar seu processo, ou seja,

como se dá a negociação entre clientes e especialistas.

Um dos cabeleireiros do salão de Ipanema explica a técnica de convencimento que

costuma empregar. Diz que lê nas clientes roupa, tom de voz, postura corporal e, a partir de

então, sabe o que aquela mulher deseja. Pega como exemplo a gerente do salão que,

coincidentemente, passa perto de nós naquele momento:

107
Para uma discussão sobre preferências e gostos sociais, Cf. GANS (1974).
259

Vê aquela ali? Olha bem para o cabelo dela, comprido e castanho claro. Olha
a roupa, repara no decote. Se ela senta na minha cadeira, sabe como consigo
que ela deixe eu trabalhar o cabelo dela do jeito que acho melhor? É só dizer
algumas palavras mágicas, como “comprido”, “volume” e “sexy”. Ela deixa
eu fazer qualquer coisa. (Armando, cabeleireiro)

O extremo a que se pode chegar em termos de negociação, é o profissional se recusar a

fazer algum tipo de serviço que não considere adequado. Contudo, as definições do que é

“adequado” podem revelar uma complexa série de interdições e permissões baseadas em

representações sobre cor de pele, gênero, idade, entre outras. O relato de um colorista, feito

ainda na ocasião do trabalho de campo para o mestrado, ilustra tal questão.

É muito comum uma mulher de pele morena querer ser loira, porque isso é
status. Em todos esses anos de experiência, eu já vi até mulata querer ficar
loira. Eu tive que ser cara-de-pau e falar: - “Meu bem, vai para outro terreno
porque aqui eu não vou fazer”. Mas tem que ter muita sensibilidade para
falar com a pessoa. Você tem que explicar que o cabelo loiro não fica bem
em tom de pele moreno. Mas se a mulher tem a pele mais branquinha você
pode abusar, botar ela mais loira. Mas só vai até o grau em que o cabelo da
pessoa agüenta. Nem todo cabelo agüenta um loiro claríssimo. (Francis,
colorista)

Mesmo sendo a palavra final a do cliente (com exceção de casos em que o profissional

se recusa a fazer o serviço solicitado), o processo de negociação pode ser vivenciado, para

ambas as partes envolvidas, enquanto uma etapa desgastante e incômoda.

Se eu pudesse dar uma dica para o pessoal de salão seria a seguinte: não
insiste. Detesto quando a pessoa tenta me convencer que devo fazer aquilo
que não quero. Eu não acho que vou ficar bonita. Então eu não gosto quando
eles tentam forçar a barra. Falam: - “Ah, pinta a unha não sei de que cor”. Eu
não quero, eu não estou a fim! Pode ser que daqui a duas semanas eu passe a
gostar. Pô, me dá um tempo! Eu não gosto de pressão, eu não gosto de me
sentir assim, invadida. (Jordana, promotora de eventos)
260

Por maior que seja a oferta de produtos do tipo “faça você mesmo”, muitas pessoas

declaram sentir dificuldade muito grande para manipular os próprios cabelos, unhas ou pêlos
108
. Especialmente no caso feminino, tal falta de destreza pode ser tomada como uma falha no

próprio desempenho de ser mulher, que implica, entre outras coisas, uma boa coordenação

motora e um olhar atento capaz de identificar as melhores formas estéticas de acordo com

suas características corporais pessoais.

E por que você acha que mulher gosta de salão?


Porque tem muitas mulheres que não têm habilidade para fazer uma escova.
Tem mulher que não sabe segurar direito um secador. Tem mulher que não
tem jeito para nada, para secar um cabelo, fritar um ovo... (Ivanilde,
empresária)

Para aqueles que conseguem manipular o próprio corpo e optam por fazer unha,

depilação ou cabelo em casa, tal escolha pode estar associada a, basicamente, três fatores:

falta de recursos financeiros; comodidade de não ter que se deslocar fisicamente; não gostar

do “ambiente” do salão. Para estes dois últimos motivos, vale lembrar a possibilidade de

contratar um atendimento de beleza em domicílio 109.

Desde criança eu achava lindo aquela mulher dos Jetsons 110 que enfiava as
unhas em uma máquina e saía tudo prontinho, pintado e seco. Ela já tinha na
própria espaçonave dela, onde ela morava. Eu gostaria de ter um aparelho
desses em casa, para não ter que sair à rua só para fazer isso. (Ivanilde,
empresária)

108
Os banheiros residenciais podem ser vistos, sob determinados aspectos, como uma versão privada e solitária
dos salões de beleza. Embora não tenha me dedicado a um trabalho comparativo entre estes dois ambientes,
considero a temática da domesticação de práticas e de objetos, particularmente interessante, especialmente para
pensar as relações entre manutenção doméstica e manutenção pública do corpo.
109
Nesses casos, outros tipos de relações são estabelecidos, especialmente no que tange às dimensões do público
e do privado. Embora a proposta desta tese não se estenda a tal variação de oferta de serviços, acredito que o
tema da “beleza em domicílio” possa ser rico em possibilidades de reflexão antropológica.
110
Série animada de televisão produzida pela Hanna-Barbera em 1962. Essa série introduziu no imaginário da
maioria das pessoas o que seria o futuro da Humanidade: carros voadores, cidades suspensas, trabalho
automatizado, toda sorte de aparelhos eletrodomésticos e de entretenimento, robôs como criados etc.
261

Quanto aos profissionais da beleza, como se coloca a questão da manipulação do

próprio corpo, especialmente no que se refere aos serviços em que são especialistas?

Surpreendeu-me conhecer manicures que afirmam não fazer a própria unha porque acham que

“fica ruim”. Preferem ir a um salão e pagar pelo serviço. O mesmo ocorre com cabeleireiros.

Porém, a prática mais recorrente é fazer uso do próprio local de trabalho e da mão-de-obra dos

colegas para cuidar da própria aparência.

Apesar de alguns salões restringirem a certos horários o uso do espaço para cuidados

pessoais dos funcionários (como é o caso do salão de Ipanema, que apenas o permite em

horários fora do expediente, sem a presença de clientes), em muitos outros é comum ver os

profissionais de cabelos molhados, nas cadeiras de manicure sendo atendidos ou saindo das

salinhas de depilação.

O corpo modular: partes que conduzem ao todo

Na raiz da discussão sobre corpo, não podemos deixar de localizar as reflexões

sugeridas por Marcel Mauss a partir da formulação da noção de “técnicas corporais”

(MAUSS, 1934). Tais reflexões viabilizam enxergar penteados de cabelo, tratamentos de pele

e cuidados com as unhas, entre outras práticas encontradas em salões de beleza, como algo

muito além de meras manifestações estéticas, mas como partes constitutivas de um universo

simbólico maior.

É neste sentido que o trabalho de Mauss é fundamental para refletir sobre a

importância que o corpo, em suas múltiplas manifestações culturais, pode adquirir na

construção de variáveis basilares, tais como as de indivíduo, gênero, idade, classe social etc.
262

Na sugestão do próprio autor, conhecendo-se as modalidades de utilização do corpo humano,

é possível conhecer uma sociedade.

Gostaria então de dar a início às próximas considerações propondo uma nova

perspectiva para pensarmos o lugar do corpo no salão de beleza. Sugiro, a partir de agora,

trabalharmos a noção de corpo a partir de sua fragmentação. Ou seja, olhar para suas partes,
111
mais especificamente aquelas usualmente trabalhadas nos salões , a fim de apreender o

modo como as representações sobre unhas, cabelos e pêlos se abrem a novas questões ou vão

de encontro a outras até aqui trabalhadas.

Como observam Otta & Queiroz (2000:23), na cultura ocidental o corpo humano é

mapeado de acordo com critérios simbólicos ou classificatórios e suas diferentes partes são

tratadas separadamente, dando margem a várias representações. Para ilustrar tal suposição,

destaco uma frase mencionada durante o trabalho de campo:

A academia de ginástica é mais relacionada ao corpo, músculo, gordura,


peso. Está mais preocupada com o interior, com o corpo mesmo, a máquina.
Já salão não, é mais com coisas exteriores, como cabelo, unha, depilação.
Coisas acessórias. (Nazaré, estatística)

O que chama atenção na distinção que a entrevistada traça entre cabelos, unhas e pêlos

- em contraste com uma noção de “corpo” mais global - são menos os afastamentos

estabelecidos e mais as aproximações realizadas. A frase nos leva a refletir, entre outras

coisas, sobre as especificidades que levam cabelos, pêlos e unhas a se destacarem enquanto

elementos corporais privilegiados no ambiente dos salões de beleza.

Uma primeira sugestão aponta para o caráter de contínua renovação que estas três

partes do corpo compartilham. Em outras palavras, qualquer modificação que se imprima em

111
Embora outras partes do corpo também sejam ser trabalhadas em salões de beleza, optei por privilegiar a
análise daquelas que conduzem com maior freqüência as pessoas aos salões de beleza: refiro-me a cabelos, unhas
e pêlos.
263

112
unhas, cabelos e pêlos sempre será temporária ; mais cedo ou mais tarde, será desfeita pela

renovação. Sob tal perspectiva, elas começam a “desfazer” nosso trabalho no instante seguinte

em que as cortamos, pintamos, lixamos ou removemos.

Unhas, cabelos e pêlos também compartilham a característica de ultrapassar o limite

da pele e crescerem em velocidades e constâncias particularmente maiores, em comparação a

outras partes do corpo. Parecem não respeitar por muito tempo as intervenções estéticas que

escolhemos lhes infligir.

Sob outra perspectiva, esse caráter de renovação contínua que caracteriza tais partes do

corpo parece cair como uma luva para as dinâmicas que a vida nas grandes metrópoles

estabelece. Esclareço melhor o ponto a que pretendo chegar: pensando nos diferentes mundos
113
e “províncias de significado” que se sobrepõem nas sociedades complexas, muitas são as

possibilidades de trânsito e de circulação abertas aos indivíduos, permitindo que vivam em

diversos planos, simultaneamente. Em função dos diferentes planos em que se movem, podem

então vivenciar diferentes papéis e jogar com múltiplas identidades, sendo a manipulação da

aparência um dos recursos acionados.

O problema que se coloca não é apenas a presença do corpo no mundo. Mas a

apresentação desse corpo nos diferentes mundos. Justamente por se tratarem de elementos

corporais passíveis de modificações temporárias, unhas, cabelos e pêlos permitem a

manipulação transitória de aparências que se façam necessárias para acompanhar a elaboração

de identidades provisórias, sujeitas a uma reciclagem regular.

A noção de “metamorfose”, no sentido utilizado por Gilberto Velho (1994), mostra-se

perfeitamente apropriada para a discussão que proponho. Segundo o autor, a metamorfose

“possibilita, através do acionamento de códigos, associados a contextos e domínios

112
Com exceção de depilação definitiva a laser, embora mesmo esta técnica não garanta que o ciclo de
crescimento dos pêlos cesse por completo.
113
Cf. SCHUTZ (1979).
264

específicos - portanto, a universos simbólicos diferenciados - que os indivíduos estejam sendo

permanentemente reconstruídos” (VELHO, 1994:29).

Os salões de beleza, neste sentido, apresentam-se como um dos espaços em que se dá

uma permanente reconstrução não apenas de universos simbólicos, mas de realidades

corporais múltiplas. Volto a chamar atenção para as inúmeras possibilidades de variação que

unhas, cabelos e pêlos permitem, em comparação a outras partes do corpo. Ao brincar com

suas infinitas possibilidades de formas, além da transformação, outros processos podem ser

colocados em ação, como o ato de criação ou de personalização 114.

Nas palavras de Vigarello, “a beleza, longe da simples geometria física, é também

ação e comportamento” (VIGARELLO, 2004:46).

Unhas

Lancemos, a partir de agora, nossa atenção para as partes elementares do corpo a

serem estudadas. Interessa-nos aqui menos as reduções e mais as expansões que unhas,

cabelos e pêlos oferecem enquanto formas de expressão visual e de atribuição de valores.

Comecemos pelas unhas. As principais técnicas relacionadas a tal elemento corporal

são a manicure (do francês manucure) e a pedicure (do francês pédicure) que, na realidade

cultural estudada, correspondem basicamente às seguintes etapas do serviço: corte e

polimento das unhas, remoção das cutículas e esmaltagem. No entanto, que significados tais

práticas adquirem para as pessoas, especialmente para as mulheres, a ponto de semanalmente

lotarem os salões de beleza? A partir das investigações em campo foi possível ter acesso a

algumas sugestões.

114
Para uma reflexão a respeito de criação e personalização Cf. CAMPBELL (2004).
265

“Estar de unhas feitas” é verbalizado pelas entrevistadas em termos de bem-estar; uma

satisfação gerada a partir do melhoramento da aparência pessoal. Embora o serviço seja

constituído, no geral, por três etapas (já mencionadas), a esmaltagem se destaca. Talvez pelo

fato de se abrir a um maior leque de possibilidades visuais.

Em síntese, unhas pintadas são encaradas como um elemento “acessório” no processo

de elaboração da aparência pessoal. O interessante nesta definição é a aproximação feita com

relação a outro acessório, mais especificamente a roupa. A cor de esmalte escolhida para as

unhas não apenas entra em cena para compor um elaborado quadro de combinação junto às

cores de outras peças de vestuário, como a ausência de esmalte, por vezes, é sentida enquanto

“nudez”, o que gera constrangimentos.

Eu me sinto outra pessoa de unha feita. Posso estar de chinelo, com uma
camiseta tosca e se eu estiver com a minha unha sem estar feita vou me
sentir muito mais desgrenhada. Porque eu acho que a unha é quase como um
acessório. É que nem você estar acostumada a usar brinco: no dia em que
você sai sem, você se sente nua. Eu fico muito tensa se estiver com a unha
ou por fazer ou com o esmalte já saindo. Eu preciso das minhas unhas feitas.
Faz toda a diferença do mundo uma mulher com a unha feita. A unha vira
um “a mais”. E faz toda a diferença de combinação com roupa. Tem roupa
que fica muito apagada se eu estiver com a unha normal, sem esmalte. (Inês,
assistente de edição)

Quando eu tiro o esmalte parece que estou pelada, passo logo uma base, para
segurar até eu poder ir à manicure outra vez. Sei lá, é que eu já estou
acostumada com a “roupinha” na unha. Porque parece uma roupinha que a
gente veste na unha, você sente que a unha está protegidinha, maravilhosa,
bonitinha. (Ivanilde, empresária)

Quando pergunto o porquê de tal constrangimento quando a unha não está feita, as

respostas convergem para a questão do olhar do outro, no sentido de “reparar”.

Quando você faz as unhas, os outros reparam mais. Porque você mesma
passa a dar mais atenção às suas unhas. Então quando elas estão feitas você
as expõe mais, gesticula mais. Não fica envergonhada de verem as suas
266

unhas no metrô, no ônibus ou quando conversa com amigos. As unhas são


um dos principais instrumentos de sedução. (Lurdes, professora)

Especialmente as unhas das mãos, por se acreditar ser uma área muito exposta e

visível, são consideradas sujeitas a uma manutenção mais constante, diferente das unhas dos
115
pés : - “Eu acho que a importância da mão é muito maior. Porque ela é mais vista e o pé às

vezes está com sapato fechado ou a mulher acha que ninguém vai olhar para o pé. É

importante também, mas não tanto quanto a mão” (Fabrícia, trainee).

A explicação funcional, baseada no critério do “escondido”, do “fora do olhar”, não se

faz suficiente para explicar a predominância de cuidado das unhas das mãos sobre as unhas

dos pés. Especialmente se levarmos em consideração a perspectiva masculina, cuja simples

visualização de tal parte do corpo feminino é capaz de despertar os mais libidinosos desejos
116
.

Essa “menor importância” dos pés em comparação às mãos atualiza uma noção de

anatomia moralizada e verticalmente hierarquizada, baseada na separação entre partes

superiores e inferiores do corpo que, embora tenha perdido fôlego ao longo da história, ainda

se mostra presente na atualidade (VIGARELLO, 2004).

Confirmando tal sugestão, as unhas dos pés são neutralizadas frente à predominância

das unhas das mãos. Daí o costume de muitas mulheres com quem conversei de usar cores

neutras nos pés e coloridas nas mãos. O inverso raramente ocorre, embora também seja

considerado dentro das convenções pintar unhas dos pés e das mãos da mesma cor.

115
Para considerações mais específicas sobre mãos, Cf. HERTZ (1980).
116
Seja pelo conto da Cinderela, que data de pelo menos 2000 anos, cuja heroína feminina conquista o príncipe
pelos pés que se ajustam com perfeição ao sapatinho de cristal, seja pela antiga tradição Chinesa de deformar pés
femininos desde a infância para que quanto menores mais atraentes se tornem, ou mesmo observando na
atualidade os sofríveis pés femininos equilibrados em stilettos, é possível ter uma noção do quanto tal parte do
corpo pode ser valorizada e engendrar as mais diferentes práticas (MORRIS, 1971).
267

Você não vê muitas cores diferentes na unha do pé, não vê muitas cores
escuras. Geralmente você pinta a mão de vermelho e o pé de clarinho. As
unhas das mãos às vezes querem transmitir alguma informação. As unhas
dos pés não têm muito esse objetivo. Eu sinto que o pé, com um esmalte
mais claro, tem um aspecto de mais limpo. (Fabrícia, trainee)

Outra distinção feita entre unhas dos pés e das mãos diz respeito a comprimento.

Enquanto para as mãos femininas unhas compridas costumam ser valorizadas, o inverso é

atribuído às unhas dos pés - associado à noção de sujeira.

Unha do pé é bonita bem aparadinha. Porque se ficar grande parece unha de


relaxada. Engraçado, unha grande da mão não parece que a mulher é porca,
mas unha do pé grande parece que a mulher é suja. Apesar de a unha da mão
ser grande e pode juntar sujeira debaixo da unha. (Ivanilde, empresária)

Quanto ao hábito de “roer unha”, costuma ser extremamente desvalorizado. É

relacionado a nervosismo, ansiedade, insegurança ou falta de vaidade. Espera-se que apenas

crianças o façam. A entrada na vida adulta, especialmente para as mulheres, muitas vezes

pode ser marcada pelo abandono de tal hábito, seguido da adoção de práticas de manicure.

Lembro da primeira vez que fui a um salão fazer unha. Eu tinha 15 anos e a
minha prima havia me convidado para ser madrinha do casamento dela. Eu
tinha exatos doze meses para ter uma unha decente, pois além de roer eu
comia a pele. (Flaviana, publicitária)

As unha também são utilizadas para identificar determinados perfis de pessoas,

especialmente no que se refere a atividade profissional e classe social. Uma das elaborações

acerca do tema é a distinção feita entre “unha de dona-de-casa” e “unha de madame”, sendo a
268

primeira mal-cuidada pelas exigências do trabalho doméstico e a segunda conservada pela

ausência de esforço físico na casa.

A maioria das mulheres que trabalha muito em casa tem aquela unha colada
no dedo, rente ao dedo, quebradiça, esfacelando dos lados, sempre feinha.
Tem dona-de-casa que faz faxina em casa, que lava louça. Por outro lado,
tem as unhas de perua de shopping, que não faz nada da vida, está sempre
em shopping o dia todo, madame. (Ivanilde, empresária)

No caso masculino, unhas feitas costuma ser uma prática atribuída a homens de classe

trabalhadora ou a segmentos populares.

Homem não faz unha. A não ser dono de padaria, motorista de ônibus,
trocador... E trocador ainda deixa aquela unha do dedo mindinho bem
comprida, que é para contar moeda, tirar meleca e sujeira do ouvido.
Você já fez unha?
Não! Porque eu sou macho, homem-alfa. Eu não tenho porque fazer unha.
Para quê eu vou fazer unha? Eu corto e fica bem feita. Às vezes eu mordo a
pelinha.
A cutícula?
Pelinha, cutícula, dá tudo no mesmo. (Rubens, engenheiro)

Voltando para o domínio do feminino, a cartela de cores de esmalte é um caso à parte.

Apresenta-se enquanto um verdadeiro manual de atribuição de valores morais. Instaura

direitos e privilégios quanto à apropriação de determinadas cores de acordo com os sujeitos

em questão. Coloca em jogo sutis dinâmicas de valorização e de desvalorização.

Dentre todas as cores comentadas pelas entrevistadas, aquela que desperta

considerações mais ambíguas e acaloradas é a vermelha. Ao mesmo tempo em que é desejada

e admirada por ser tida como um tom que “está na moda”, não deixa de carregar associações

negativas.
269

Unhas vermelhas, especialmente as compridas, são geralmente associadas à dimensão

da sedução. Transitam pela fina linha entre o sensual e o vulgar. Ao pesquisar os nomes de

esmaltes fabricados em tais tonalidades, encontram-se termos como “malícia”, “desejo”,

“deixa beijar”, “love”, “salto alto”, “volúpia” e “pin-up”.

Unhas vermelhas dão uma idéia de uma coisa mais audaciosa, fatal, sedução.
Mas se você tem as unhas curtas não fica assim, fica até meigo. Fica fofo,
Hello Kitty 117. Eu não acho nem um pouco vulgar a unha vermelha curta.
(Inês, assistente de edição)

Eu não sei se eu teria coragem de colocar um vermelho. Eu acho muito forte.


Não que quem use vermelho seja esse tipo de mulher, mas acaba que você
associa a uma mulher vulgar. Toda prostituta usa vermelho. Você não vê
prostituta com rosinha. (Nazaré, estatística)

Quando eu era mais nova gostava de esmalte escuro, mas não colocava
porque o meu pai e a minha avó não gostavam. Eles associavam um pouco
com piranha. Mas o vermelho que era associado a prostituta, há algum
tempo atrás, hoje está na mão de todo mundo. Não sei como quebraram as
barreiras e agora vermelho é moda. Não sei como funciona, acho que é
muito difícil ser antropóloga, esse negócio de você não poder julgar as
pessoas. Porque não tem como, sabe? É um exercício diário. Porque você é
isso, você nasce e já estão estabelecidas algumas coisas. É feio, mas, por
exemplo, o judeu é associado a pão-durismo. Ele pode ser mão-aberta a vida
inteira, mas se foi pão-duro um dia é por que é judeu. Eu não sou judia, mas
garanto que eu sou mais pão-duro do que muito judeu. Mas já está
estereotipado. Você já nasce com certos conceitos que a sociedade tem
preguiça de mudar. No caso das unhas: não é certo associar vermelho a
prostituta, mas em determinada época, quando só elas pintavam as unhas de
vermelho, ficou associado a isso. Embora agora a sociedade já não enxergue
dessa forma, é muito difícil você não se prender a estereótipos que já
existem. (Jordana, promotora de eventos)

Até mesmo associações relacionadas a crenças religiosas a cor vermelha é capaz de

despertar. Associada a mulheres exuberantes e poderosas, tal cor costuma ser evitada por

pessoas que se consideram tendo personalidade mais reservada.

117
Hello Kitty é uma personagem criada pela empresa japonesa Sanrio em 1974. Trata-se da figura de uma gata
branca com traços humanos que usa um laço na orelha esquerda e não possui boca.
270

O vermelho mais aberto, assim como o rosa, não combina comigo. É para
uma mulher mais despojada. Eu sou toda na minha, mais quietinha, então
acho estranho. Associando com religião, por exemplo: filho de Inhasã são
essas mulheres mais poderosas. Elas chegam arrasando, tipo “ninguém mexe
comigo porque eu rodo a baiana”. São mulheres mais exuberantes. É uma
pessoa que não está nem aí, ela chega mesmo. Já comigo, quanto menos
pessoas olharem para mim melhor. Não sou desse estilo, não adianta. Eu já
tentei colocar o esmalte vermelho, mas não sou eu. É como se eu tivesse
vestido uma máscara, mas eu não vou conseguir interpretar aquele papel por
muito tempo, por muitas horas. (Maura, comerciante)

Fazendo um contraponto à cor vermelha, os tons de esmalte mais claros (cores como

branco, rosa ou bege) são associados a mulheres discretas, recatadas, sóbrias, clássicas ou

mesmo meigas. Os próprios nomes de esmaltes sugerem tais leituras. São termos que

remetem a signos de status superior (“pérola”, “condessa”, “princesa”), destinos sofisticados

(“Paris”, “Mônaco”, “Nice”), figuras castas (“angélica”, “fada”, “sonho”, “neném”) ou bons

presságios (“final feliz”, “boa-sorte”, “vida”).

A pessoa que só usa cor clarinha é a certinha, que gosta de tudo padronizado.
Querem manter um padrãozinho, como se fosse um uniformezinho de unha.
(Fabrícia, trainee)

Lembro quando fui fazer minha entrevista para seleção no Museu Nacional. Sinto um

pouco de vergonha em revelar, mas cada detalhe de minha apresentação pessoal foi pensado

para tentar passar uma imagem positiva à banca de seleção. Prendi o cabelo em um coque

(suspensão da sexualidade), coloquei roupas de tons escuros misturados com beges neutros

(sobriedade), tive a preocupação de deixar as unhas das mãos em tamanho médio (nem muito

insegura, nem muito fatal) e pintar todas em um tom claro (seriedade). Acho que foi isso que

deu certo.
271

As cores claras também recebem leituras de acordo com variáveis de idade. Tais tons

costumam ser associados a mulheres idosas ou muito jovens. A chave analítica, nestes dois

casos, é a sexualidade. No primeiro caso, trata-se de assinalar uma sexualidade que se acredita

cada vez menos presente com o avanço da idade. No segundo, distinguir uma sexualidade que

ainda deve se manter em suspenso, uma vez que não se chegou à fase considerada ideal para

seu desenvolvimento.

As jovens apostam mais no novo, nas cores diferentes. Já as mulheres bem


mais velhas não têm isso. Mas acho que até a faixa dos 30 a 40 anos ainda
ousam nos esmaltes que são lançados. Geralmente unha de vovozinha é curta
e mais clarinha. A de criança, por mais que esteja feita, nunca é pintada de
cor escura. (Fabrícia, trainee)

Teve uma época em que as mulheres andavam com esmalte de velha. Aquele
tom champanhe ou rosa clarinho, cor de velha. Pareciam que estavam todas
mortas. (Ivanilde, empresária)

No entanto, entre o vermelho e o claro existe uma imensa gama de cores que não

deixam de ser consideradas. As cores “fantasia” - cores que fogem aos tons mais tradicionais -

são relacionadas a mulheres corajosas, menos preocupadas com convenções sociais e que se

permitem a liberdade de experimentar novas possibilidades estéticas em seu corpo. São os

casos de cores como amarelo, azul, cinza, verde, laranja e roxo, entre outras.

Quem usa azul, amarelo, são pessoas mais despojadas, até com a maneira de
se vestir. Que não estão pensando muito naquela coisa certinha, gostam de
mudar, de coisas diferentes. (Fabrícia, trainee)

Eu cheguei no salão para fazer o meu cabelo e a minha manicure estava de


unha verde, a outra de unha amarela e a outra pintando de verde. Não
entendi nada. Quase perguntei se era época de Copa. Então eu acho que hoje
todo mundo usa de tudo. Tem tanta diversificação de cores de esmalte que,
hoje em dia, não tem mais cor cafona. (Jordana, promotora de eventos)
272

A estação do ano é outra variante que influencia na escolha da cor de esmalte a ser

usada. Para o inverno a preferência é por cores mais escuras, como marrom, café, vinho ou

preto. Já para o verão, a convenção aponta para cores mais claras ou “abertas”, como o

vermelho e o rosa.

O tipo de esmalte também é tido como capaz de revelar a condição socioeconômica da

pessoa que o porta. No geral, às mulheres de camadas populares é atribuído o uso de esmaltes

perolados ou com efeito cintilante. Além de produtos com qualidade inferior. Unhas artísticas

(desenhos feitos nas unhas, tais como borboletas, flores etc.) é outra modalidade utilizada para

demarcar diferenças entre classes.

Eu não vejo mulheres de classe econômica mais alta colocando um esmalte


cintilante, douradão. Ou esmaltes de uma qualidade um pouco inferior.
E dá para perceber?
Dá sim.
Como?
Unha descascada. Às vezes você consegue perceber que é a falta de
qualidade de um esmalte. Ou a unha não foi feita de maneira atenciosa. Ou
você vê que aquela unha foi feita há três semanas atrás e a mulher ainda não
tirou aquele esmalte. (Fabrícia, trainee)

Antigamente tinha essa diferença, o esmalte de empregada era vermelho-


cheguei e o da madame era aquele begezinho, renda, clarinho. Agora não há
mais essa separação, todo mundo usa tudo. (Ivanilde, empresária)

Formato e tamanho das unhas são duas outras características sobre as quais se

elaboram diferentes significados. No que se refere a comprimento, unha pintada e comprida

denota sedução e poder. Já a unha curta pode remeter a uma aparência infantil.

Eu não sei muito explicar, mas quando eu faço a unha me sinto muito mais
bonita. Parece que todo mundo vai olhar. É uma coisa de poder, não sei que
poder é esse, mas é uma coisa assim de mais poderosa. Principalmente
deixar a unha comprida. (Maura, comerciante)
273

Eu acho que eu sou muito baixa, muito mignon, toda pequena, magrinha.
Então eu não consigo ter a unha grande. Porque me sinto uma perua mirim.
Eu gosto de unha curta e já até me acostumei. Só que fica parecendo mão de
criança quando fica curtinha. (Inês, assistente de edição)

Apesar de valorizada por algumas, outras mulheres abrem mão de ter unhas grandes

não apenas por uma questão de preferência estética, mas também pelo desconforto que o

comprimento proporciona em tarefas do dia-a-dia, especialmente quando se trata de digitação

no teclado do computador. Unhas curtas, nesse sentido, além de consideradas belas, também

podem estabelecer uma relação com praticidade.

Muitas mulheres poderiam ter unha grande e não têm por causa do
computador hoje em dia. Eu, pelo menos, não gosto do barulho que faz, tic
tic tic. Escorrega. Não é confortável. Até no dia-a-dia de quem tem filho,
pode arranhar. A unha curta é praticidade. Não é preciso ter curta no sabugo,
mas um pouco mais curta. (Maitê, auditora)

Eu acho lindo, mas não deixo muito comprida porque me enrolo para tirar a
lente de contato e enfio a unha no olho. Sou muito desastrada. (Maura,
comerciante)

Unha comprida também pode ser relacionada à ausência de trabalho manual. Uma vez

que o uso do corpo para atividades remuneradas é desvalorizado, acredita-se que esforços

podem ser empregados no sentido de manter a unha forte, comprida e pintada para não

quebrar.

As classes mais baixas têm tendência a enfeitar mais. Usam florzinha ou jóia
na unha. E normalmente elas têm unhas maiores, engraçado isso.
Por quê?
Isso é uma coisa que até eu queria saber, porque eu acho interessante como
as unhas delas não quebram. Elas lavam prato, esfregam chão, isso tudo
acaba com a unha. Então eu acho que esse negócio da classe popular com a
274

unha é um método de elas se enfeitarem, de mostrarem assim: - “Ah! A


gente também pode fazer, a gente também é mulher”. Você vê muito em
ônibus aquelas mulheres segurando com a unha bem feita, geralmente muito
enfeitada. (Maitê, auditora)

Quanto a formato, quadradas e redondas são duas formas de lixar as unhas que

também dão margem para diferentes leituras. O tipo arredondado é relacionado a uma moda

antiga, ultrapassada. Daí ser recorrente a associação de tal formato com mulheres de idade

avançada.

As senhoras eu vejo mais com a unha arredondada. Mas não sei se é uma
coisa que vai mudar daqui para frente. Elas usam redonda pela força do
hábito. Não tem tanto tempo assim que unha quadrada virou moda. Antes
todo mundo usava redonda. (Jordana, promotora de eventos)

Por fim, aos formatos das unhas também são atribuídos gêneros. São as chamadas

unha “fêmea” e unha “macho”. O tipo fêmea, também conhecido pelo nome “menina-moça”,

é a unha naturalmente curta, que não costuma avançar muito além do dedo. Já a unha macho é

aquela do tipo larga e comprida. Geralmente utilizada em propagandas de esmalte como

modelo.

Pêlos

Trataremos agora de outro elemento corporal que ganha destaque em salões de beleza.

Refiro-me aos pêlos que revestem partes específicas do corpo, especialmente do corpo

feminino. De um modo geral, possuímos pêlos por quase toda a extensão do corpo (algumas
275

pessoas mais, outras menos), com exceção das palmas das mãos, solas dos pés, boca e parte

dos genitais externos.

No entanto, os pêlos que revestem o ser humano não são considerados todos da mesma

espécie. Os significados atribuídos variam de acordo com as diferentes partes do corpo das

quais fazem parte. Raymond Firth (1973) comenta a existência de pêlos comuns a homens e

mulheres que, porém, são tidos como neutros para eles e inconvenientes para elas.

Superfluous hair é o termo utilizado pelo autor para se referir aos pêlos que costumam

ser removidos do corpo, como pêlos da perna, axilas, buço e virilha (especialmente no caso

feminino), peito, costas e barriga (no caso masculino em geral). No entanto, o que se observa

hoje é uma expansão cada vez maior da categoria de superfluous hair, ou seja, um processo

de extrema valorização da ausência de pêlos tanto em corpos masculinos quanto femininos. O

que amplia para ambos os gêneros as significações acerca dos pêlos a que devemos nos livrar.

A não-remoção de determinados pêlos pode gerar situações de constrangimento ou

desconforto. No caso de mulheres, a feminilidade pode ser questionada, além de colocar em

dúvida atributos de higiene relacionados à sua pessoa. Já em relação aos homens, a tolerância

quanto à presença de pêlos parece ser um pouco maior, embora também não escapem de

atribuições negativas.

Por que se remove? Ah! Eu acho que fica esteticamente mais bonito. Uma
perna cabeluda é feia. A mulher fica parecendo masculina. Não tem aquela
coisa delicada de mulher. (Fabrícia, trainee)

Os homens hoje em dia estão fazendo muita depilação. Virou moda depilar o
peito. Tem também muito homem que malha e, para mostrar mais a
definição dos músculos, tira o pêlo do corpo. Eu não gosto, acho horroroso.
Mas, por outro lado, tem homem que é horroroso, tem muito pêlo. Tanto
para o homem quanto para a mulher, se você vê uma pessoa muito peluda dá
rejeição. Mulher fica parecendo largada, que não se cuida. Infelizmente
mostra falta de higiene. E homem muito peludo fica uma pessoa bizarra,
estranha. Então muita gente tem nojo de pêlo. As pessoas estão tirando cada
vez mais. (Maitê, auditora)
276

Sobre as técnicas empregadas, podemos citar lâminas gilete, aparelhos elétricos, ceras,

linha, pinça, raio-laser e cremes. Quanto à freqüência, dependendo da região do corpo, do

método empregado e do ciclo de crescimento do pêlo da pessoa, a remoção pode ser feita

diariamente ou levar mais de um mês, com exceção dos casos de remoção definitiva. Sendo

assim, os pêlos, para algumas pessoas, podem vir a se tornar uma preocupação diária.

Quanto ao controle sobre o crescimento de pêlos, pode ser definido em termos de

“paranóia” ou “obsessão”. Algumas das pessoas entrevistadas afirmam não conseguir explicar

o porquê dessa busca por corpos cada vez mais lisos. Outros sugerem que se trata de um

afastamento simbólico de uma animalidade que se acredita ligada às origens do ser humano.

Depilação é a melhor coisa do mundo! Eu, se pudesse, tirava tudo, não tinha
nada. Porque eu detesto pêlo, eu sou muito peluda. (Maura, comerciante)

Essa paranóia com pêlos eu acho que é para fingir que não somos
mamíferos. (Juliana, desempregada)

Tem que ser tranqüilo, sem a coisa da rejeição. Mulher não tem que estar
com a depilação em dia. A depilação tomou uma dimensão, que virou uma
coisa obsessiva. Você não pode relaxar mais. Tem que estar sempre
depilada. E uma obsessão masculina também. O homem passou a se depilar,
a não gostar de pêlo. Virou uma tara. As mulheres começam a competir para
ver quem depila mais. Agora toda mulher só faz virilha cavada com faixa.
Eu acho feio. Ou a mulher está toda depilada ou só com um fiozinho. Aí
você pensa: Gente, pára! Vocês estão criando um monstro! A mulher não
precisa ser cabeluda, mas ter algo ali é representativo, um triangulozinho que
indique mulher. (Inês, assistente de edição)

Especialmente quanto aos pêlos pubianos, existe a possibilidade de criar desenhos e

brincar com diferentes formas por meio da depilação artística. As possibilidades são

inúmeras, embora não se trate de uma prática corriqueira, como revelam as depiladoras com
277

quem conversei. Este tipo de depilação, por vezes, é associado a profissionais do sexo, como

sugere uma das entrevistadas:

Prostituta então deve ter de tudo: estrelinha, o rosto do cafetão... Acho que
cada vez ela deve fazer um desenho. Deve ser personalizada, ao gosto do
cliente, a bandeirinha do país. (Nazaré, estatística)

Cabelos

Justamente por se tratar de uma parte do corpo cujas práticas e representações sempre

me despertaram curiosidade, dedico esta parte da tese a fazer uma análise sintética, porém, um

pouco mais elaborada (comparada àquela feita com unhas e pêlos) com base em minhas
118
investigações realizadas em salões de beleza para a elaboração de minha dissertação .

Vejamos então como a análise desta parte específica do corpo também pode se estender a

considerações mais gerais sobre unhas e pêlos.

Abro um pequeno parêntese aqui para lembrar que, pelo fato de estar trabalhando com

um universo bastante particular (o dos salões de beleza), os discursos e as representações

acerca de pêlos, unhas e cabelos apresentam certa especificidade. São expressões de um ethos,

de uma taste culture específica de pessoas que costumam compartilhar com freqüência o

universo dos salões. Sendo assim, a predominância de determinadas características se fará

sentir com maior intensidade, o que não significa que outras leituras ou preferências

relacionadas a tais partes do corpo não sejam possíveis.

Os cabelos da cabeça são imaginados e trabalhados, em vários sentidos, por todas as

culturas. Cortamos, raspamos, alongamos e implantamos; usamos apliques, enfeites e perucas;

vendemos, compramos, alugamos, doamos e roubamos; lavamos, secamos e sujamos;


118
BOUZÓN (2004).
278

escovamos, desembaraçamos, penteamos e despenteamos; adornamos e escondemos; usamos

para fazer magias ou como oferenda a divindades; alisamos, encaracolamos e frisamos;

colorimos e descolorimos; condicionamos, reconstruímos, modelamos; hidratamos,

queimamos, guardamos de recordação, puxamos na hora da briga e na hora do amor, damos

nó, arrancamos fio a fio, acariciamos e até comemos, numa múltipla e curiosa arte de utilizar

essa parte tão especial do corpo humano.

Ao longo da vida de uma pessoa, os cabelos passam por diversos momentos, podendo

variar de acordo com o papel que ela desempenha no interior de um determinado grupo social,

com a época, a educação, as convenções, as modas e os prestígios (MAUSS, 1934). As

representações simbólicas e as técnicas utilizadas no trato dos cabelos podem ser

compreendidas como resultado de um longo aprendizado cultural.

Tendo em vista o contexto social contemporâneo, um bom caminho para se dar início

a uma investigação sobre o tema é atentar para a expansão e a segmentação nunca antes vistas

de práticas e de representações sobre beleza corporal que se observam atualmente. Em uma

sociedade que “julga” e “condena” as pessoas pela aparência física, o indivíduo passa a ser o

maior responsável pela sua imagem corporal. O que exige um cuidado constante e uma

vigilância contínua sobre o corpo.

O cabelo “mal cuidado”, por exemplo, pode diminuir a aceitação social. É considerado

indicativo de preguiça, desleixo, baixa auto-estima e até falha moral, tal como apontado por

Featherstone (1993). Já um cabelo despenteado, desgrenhado e selvagem pode sugerir um

afastamento de normas de civilidade, como costuma ocorrer com mendigos ou loucos.

Um corte “cafona”, uma cor “escandalosa” ou um cabelo “sujo” podem estigmatizar

uma pessoa, inabilitando-a para a aceitação social plena (GOFFMAN, 1975). Como veículo

estético e suporte de significados, o cabelo classifica e hierarquiza, qualifica e desqualifica,


279

exclui e inclui, aproxima e distancia, deixando pouco espaço para indefinições. Nas palavras

de um dos cabeleireiros entrevistados:

O cabelo pode ser uma arma. Com ele você pode conseguir muitas coisas:
um bom emprego, um bom amigo, um bom namorado. Mas você também
pode se destruir com o cabelo. Ele pode te fazer ficar completamente à parte
da sociedade, ninguém te querer mais. É possível. Ou você pode chegar com
um cabelo que fará com que todo mundo te adore, te ame e te queira para o
grupo deles. Com o cabelo você pode conseguir muitas coisas. (Théo,
cabeleireiro)

Os cabelos são classificados a partir de diversas características. Porém, gostaria de me

ater a duas em especial: à cor e à textura dos cabelos. Por meio da análise dos discursos acerca

destes elementos, é possível apreender a forma como duas características aparentemente

simples se abrem às mais diversas dimensões sociais, revelando concepções sobre idade, cor

de pele, classe social, comportamento sexual, entre outros. Veremos que loiras, morenas e

ruivas estão longe de serem meras colorações de cabelo. Assim como cabelos crespos ou lisos

vão muito além de diferentes texturas de fios.

Entre a gama de cores de cabelo existente de acordo com a diversidade humana,

branco é a única que quase toda pessoa irá experimentar, se a morte não se antecipar. Esta cor

guarda, no entanto, um simbolismo especial. A associação mais imediata - e talvez a mais

forte - que se faz de cabelos brancos é com a velhice, simbolizando maturidade, experiência e

sabedoria. A expressão popular “respeite meus cabelos brancos” confirma tal representação.

Daí também ser comum representar imageticamente cientistas, gênios, magos e deuses com os

cabelos esbranquiçados.

Por outro lado, os fios brancos podem assumir representações negativas: anunciam o

início de uma trajetória de perdas físicas e simbólicas. Especialmente nos dias de hoje, em que
280

se observa, paralelamente a um fenômeno de dissimulação da velhice, um infindável culto da

juventude - tendência que, segundo Lipovetsky (1989), caminha junto ao culto do corpo.

Não basta ser “bonito” ou “saudável”; é preciso aparentar jovem.

Sob tal perspectiva, os cabelos brancos, especialmente para as mulheres, assumem um

papel de estigma. Seu não-disfarce pode ser interpretado como sinal de desleixo, pouca
119
vaidade ou mesmo sujeira . Neste contexto, as práticas de tintura são estimuladas, fazendo

muitas mulheres se sentirem “escravas da coloração”, tal como definem tal relação. Disfarçar

os cabelos brancos, para muitas, é sentido enquanto necessidade, obrigação moral.

Entretanto, ao mesmo tempo em que a dissimulação dos fios brancos é estimulada,

pode ser igualmente condenada. É esperado que mulheres de idade avançada “aceitem” a

própria condição da idade e “assumam” seus cabelos brancos. A idéia é que não se deve lutar

eternamente contra o envelhecimento. A partir de determinado momento, é conveniente

deixar os cabelos brancos aparecerem.

Podemos sugerir que essa exigência moral é um dos meios que a sociedade encontra

para marcar o corpo de tais pessoas, justamente com um dos mais fortes signos de

enquadramento na categoria social de velhice. Dessa forma, torna-se mais fácil identificá-las e

manter a ordem social, incluindo-as ou excluindo-as de atividades e meios que não as

convêm.

Disfarçando os cabelos brancos ou excluindo seus portadores de diversos momentos

da vida social, acredita-se afastar para longe a lembrança de finitude da vida. Curiosamente, a

expressão popular “deu um branco” significa esquecimento.

Já no que se refere aos homens, a dissimulação dos cabelos brancos é condenada,

colocando-se quase como uma interdição cultural. Compartilha-se da concepção que “homem

que é homem não pinta cabelo”. Os cabelos grisalhos, por sua vez, são considerados sinal de

119
Isto demonstra o quanto o simbolismo das cores varia de acordo com o objeto em questão. O branco, cor por
excelência da pureza, da limpeza e da assepsia, pode se tornar, inversamente, significante de sujeira quando
situado no campo polissêmico dos cabelos.
281

homem maduro e até vistos como certo charme. Dessa forma, o cuidado com o corpo segue

sendo distintamente trabalhado entre homens e mulheres.

Voltemo-nos agora para reflexões sobre outra cor que se abre a um outro mundo de

representações. Refiro-me aos tons de cabelos claros. Ser loiro, sobretudo quando se trata de

mulheres, é assumir papéis singulares dentro de um imaginário social repleto de

representações. É se submeter a certas atuações e domínios sugeridos pela cultura. Ser objeto

de paixões e de desconfianças, de atração e de repulsa, de valorização e desvalorização. Em

poucas palavras, ser loira é personificar a ambigüidade.

Atualmente, por conta da diversidade de recursos disponíveis para modificação da cor

dos cabelos, ser loira, mais do que nunca, é uma opção. A partir do momento em que a pessoa

faz parte de uma cultura, por concordância ou por discrepância, ela compartilha de seus

valores e representações. Sendo assim, a opção pela cor loira de cabelos vem carregada de

imagens, crenças e desejos específicos, ainda que tal processo não se dê por meios

estritamente conscientes.

Num país em que a grande maioria das mulheres é morena, o cabelo loiro se tornou

símbolo de um ideal de beleza pouco próximo de um biótipo brasileiro. O simples fato de ser

pouco comum ou diferente, entretanto, não é suficiente para explicar tal idealização. Sua

associação com uma origem européia certamente é uma pista que revela não apenas algumas

questões do presente como também conduz a representações de um passado que ainda parece

nos influenciar.

Voltando ao tempo do Brasil-colônia, é interessante lembrar que as mulheres loiras

nesta época, predominantemente de origem européia, eram esposas de imigrantes que viveram

e prosperaram no país. Ligadas aos estratos mais altos, elas não só pertenciam a um status

social valorizado como também eram detentoras de estilos de vida, maneiras, costumes e
282

aparências tidas como representação do nobre, do civilizado, do puro e do belo, em

contraposição às representações inversas ligadas a negros, indígenas e mestiços.

Embora tenham sofrido variações, tais representações se encontram presentes ainda

hoje. Prova disso é que o cabelo loiro continua a ser associado aos estratos superiores da

hierarquia social - sendo a cor da pele outro fator determinante. Não por coincidência, no

salão de beleza do Leblon pesquisado, ao abrir o armário onde ficam armazenadas as tintas

para cabelo, o colorista confirma minha impressão de que a sala de coloração mais remete a

uma fábrica de produção em série de mulheres loiras: vê-se apenas duas caixas de tinta

escura, nenhuma vermelha e uma imensa variedade de tonalidades claras.

Sendo os cabelos loiros símbolos de status social, não é toda mulher que “pode” ou

“deve” tê-los. A opção por ser loira, entre outras coisas, pode ser interpretada como a

expressão da vontade de fazer parte de estratos sociais dificilmente atingíveis. Pintar os

cabelos de loiro, portanto, seria uma tentativa simbólica de desempenhar novos papéis,

efetivamente ou não.

Um dos mais efetivos meios de controle sobre a ameaça de uma “anarquia estética” é

estabelecer e difundir regras de combinação de colorações de cabelo “corretas” para cada tipo

de pele. Às negras e orientais devem ser evitadas cores de cabelo claras, como o loiro. A

exceção se abre apenas a alguns tipos de morenas, preferencialmente de pele alva. O que não

faltam são discursos e práticas sociais que hierarquizam os sujeitos a partir de seus corpos.

A recusa de um dos coloristas em pintar de loiro os cabelos de uma cliente negra

(anteriormente mencionado) ilustra um dos modos de interdição que se dá por meio das cores

de cabelo. É uma das maneiras que se encontra para colocar o negro “em seu devido lugar”.

Dessa forma, a separação social entre brancos e negros, no Brasil, reafirma um de seus

principais aspectos estruturantes: a aparência física.


283

Sobretudo quando a discriminação social no país se baseia não apenas no status

econômico, mas também na cor de pele, cor e textura de cabelo, infringir o esquema de

coloração de cabelos, não é nada fácil, como expresso pelas palavras de uma informante

negra: - “Para a minha raça, pintar o cabelo de loiro eu acho que é preciso coragem” (Rosa,

enfermeira, negra).

As cores de cabelo não são utilizadas apenas para dar forma a concepções racistas.

Elabora igualmente outros tipos de discriminação, seja em relação a sexualidade, posição

socioeconômica ou critérios de inteligência.

É neste sentido que emergem interessantes classificações de cores, tais como: o “loiro-

puta” (descrito, de forma geral, como muito claro, ressecado e sempre com o retoque da raiz

por fazer); o “loiro-vulgar-sucesso” (também muito claro, associado a mulheres que ascendem

socialmente ao se exporem na mídia de massa, especialmente pela valorização de seus

atributos físicos); ou, na contramão do “loiro-puta”, o “loiro angelical” (relacionado a figuras

inocentes e puras, com suas madeixas claras e cacheadas).

Outras classificações também freqüentes são a “loira-burra” (representada como pouco

esperta e intelectualmente inferior, sempre disponível sexualmente e exageradamente

preocupada com a própria aparência); a “loira-perua” (relacionada à extravagância e exagero,

características que se refletem também em sinais de decoração corporal como bijuterias e

roupas); a “loira-socialite” (pertencente aos estratos superiores da hierarquia social,

freqüentadora de eventos e colunas sociais); ou a “loira-farmácia” (também conhecida como

“loira-falsa”, para a qual o cabelo loiro é uma opção e não uma herança genética 120).

Em síntese, de todas as cores de cabelo, a loira certamente é aquela que recebe mais

classificações. É também a que mais encontra representações associadas à sexualidade e à


120
Este último tipo, discriminado por se apropriar de um signo corporal que não lhe pertence “por natureza”,
levanta uma discussão interessante sobre o inato e o adquirido, especialmente em tempos em que a “aparência
natural” é fortemente apropriada pela indústria de cosméticos enquanto argumento de venda. Para maiores
considerações sobre o tema, Cf. VIGARELLO (2004).
284

121
eroticidade . Acredita-se que a loira seja sexualmente mais livre e ativa em comparação às

outras mulheres, sobretudo morenas. A atração que parecem exercer sobre o sexo oposto

confirma a decodificação de tais mensagens. Não à toa, muitas mulheres consideradas

“símbolo sexual” no Brasil têm seus cabelos clareados.

Podemos indagar se este também não seria um dos motivos que leva mulheres mais
122
velhas a pintarem os cabelos de loiro , em uma tentativa de resgate da atratividade sexual

que se acredita perdida com o passar da idade. Segundo relato de um entrevistado, “minha

amiga virou loira e falou que ouvia coisas dos homens que ela nunca tinha ouvido quando era

morena” (Théo, cabeleireiro). Sob tal perspectiva, a passagem de morena para loira, entre

outras coisas, representa um novo status social e sexual.

Mesmo sendo a cor loira desvalorizada socialmente, sob vários aspectos, esta

tendência “albinizante” - para usar a expressão de Gilberto Freyre - que leva proporções

consideráveis de mulheres a lotarem os salões todo mês para terem seus cabelos pintados de

loiro, apenas comprova que tal cor gera um retorno compensatório bem maior do que os

preconceitos são capazes de desencorajar.

Porém, cabe perguntar: O que é que a morena tem? Sejam as de cabelo castanho ou

preto, também possuem lugar especial em nosso imaginário, estimulado, especialmente, pela

figura mítica da moura-encantada - mulher morena e de olhos pretos, envolta em misticismo

sexual ou erótico que por muito tempo foi objeto de fascinação dos portugueses que

colonizaram o Brasil, como descreve Gilberto Freyre. Segundo o autor,

Pode-se, entretanto, afirmar que a mulher morena tem sido a preferida dos
portugueses para o amor, pelo menos para o amor físico. A moda de mulher
loura, limitada, aliás, às classes altas terá sido antes a repercussão de

121
De uma forma geral, os cabelos da cabeça, como um todo, encontram-se fortemente ligados a dimensões
libidinosas. Cf. LEACH (1983).

122
Tendo como referência a expressão cada vez mais difundida de que “brasileira não fica velha, fica loira”.
285

influências exteriores do que a expressão de genuíno gosto nacional. Com


relação ao Brasil que o diga o ditado: “Branca para casar, mulata pra f....,
negra para trabalhar”; ditado em que se sente, ao lado do convencialismo
social da superioridade da mulher branca e da inferioridade da mulher preta,
a preferência sexual pela mulata. Aliás o nosso lirismo amoroso não revela
outra tendência senão a glorificação da mulata, da cabocla, da morena
celebrada pela beleza dos seus olhos, pela alvura dos seus dentes, pelos seus
dengues, quindins e embelegos muito mais do que as virgens pálidas e as
louras donzelas. (FREYRE, 1933: 9-10)

Se antes a morena era a expressão maior de idealização sexual, podemos indagar se na

atualidade ela não divide parte de seu trono com as loiras. À medida que os papéis sociais não

são estáticos e estão sujeitos a variações ao longo da história, pode-se sugerir que a melhor

opção, hoje, numa alusão ao ditado popular citado por Freyre, é: “morena para casar e loira

para f...”.

É curioso observar como a construção social da morena encontra no contraste e na

comparação com a loira seu principal processo de criação. Atributos como “discrição”,

“seriedade” e “pouca ousadia” associam a morena a um estereótipo de mulher que preza o

respeito sobre sua aparência e sobre sua moral. Segundo interpretação de um entrevistado,

As mulheres de cabelo castanho são as clássicas. Nunca gostam de chamar


atenção. São familiares. Nunca passam daquilo. Nunca arriscam, não
petiscam. São clássicas na cama, na comida, no cabelo e na roupa. São até
clássicas sexualmente, coitadas. São umas bobas. (Théo, cabeleireiro)

Outra imagem que emerge relacionada à morena diz respeito à inteligência e à

intelectualidade. Entretanto, como beleza e inteligência são duas dimensões que costumam ser

separadas - especialmente no que se refere às mulheres - a inteligência atribuída à morena

coloca em questionamento sua atratividade sexual.


286

O comportamento da mulher inteligente é diferente do da mulher sensual. A


mulher sensual está sempre pintando a unha, passando um batom, um creme.
A mulher inteligente não, ela se preocupa com outras coisas. Não que ela
não se preocupe com o cabelo, mas eu acho que não faz parte de todas as
horas do dia dela. A mulher super vaidosa se preocupa muito com o cabelo,
toda hora tem que dar uma ajeitadinha, pegar um secador, dar uma
puxadinha, ela se olha em tudo quanto é espelho. Eu acho que a mulher
inteligente não tem disso. (Fantine, dona-de-casa)

Outro tipo de processo observado é a tendência a aproximar as morenas à dimensão da

“natureza”. Nas palavras de algumas entrevistadas, “cabelo castanho é normal, comum”

(Paula, modelo). “Morena eu acho que é natural. São as pessoas mais naturais. Como dizia a

minha mãe, um cabelo castanho é cor de quê? Eu acho que ninguém pinta o cabelo de

castanho. Você nasce com o cabelo castanho” (Kássia, dona-de-casa).

Pode-se sugerir que tal dificuldade de definição esteja associada ao fato de os cabelos

castanhos não terem representações simbólicas tão fortes quanto os cabelos loiros. Para a

informante Isa, “Cabelo castanho é indiferente”. Enquanto o castanho aparece como

indiferente, o loiro se encontra longe de tal interpretação. A beleza do cabelo castanho - tida

como discreta, quase “sem sal”- faz contraste com a beleza do cabelo loiro - que se destaca,

chama a atenção.

Se morenas e loiras são representadas em função de seus contrastes, as ruivas abrem

tal construção binária colocando-se como um terceiro elemento, diferente dos outros dois e,

ao mesmo tempo, semelhante em diversas características. A opção por ser ruiva passa, então,

a ser uma forma de fugir de certos estereótipos, mas não evita que se caia em outros. Na

definição de um cabeleireiro,

O cabelo vermelho é um cabelo vulgar. E a ruiva é uma mulher extrovertida,


que não quer passar batida. Ela é individualista, não quer ser igual à outra.
Ela luta contra o que é regra. Ela se veste diferente. Nunca tem o cabelo tão
longo, é mais curto. Ela é a favor do contra. (Théo, cabeleireiro)
287

Mais uma vez, a questão da sexualidade se mostra presente por meio das cores de

cabelo. A ruiva, assim como a loira, é tida como uma mulher que deseja se destacar e

despertar atração sexual: - “Aquela que pinta o cabelo de vermelho geralmente quer parecer

gostosona, mulher fatal” (Isa, tradutora). Tanto que a categoria “vermelho-piranha” também

se encontra relacionada às ruivas, compartilhando semelhante conjunto de significados, tais

como aqueles atribuídos às mulheres de cabelo loiro.

Mais do que qualquer outra cor, a ruiva é indicada como a que mais fica marcada

como “artificial” quando se trata de tintura de cabelo. Não só pela raridade de ruivas

“legítimas” no Brasil, como também por uma série de elementos corporais que caracterizam

uma pessoa genuinamente ruiva.

Ser ruiva é todo um conjunto. Não é chegar no salão e falar: - “Pinta aí o


meu cabelo de vermelho”. Eu já fiz isso. Já comprei henna e passei. Fiquei
igual a uma cenoura. Na época eu gostei. Mas eu sabia que não estava ruiva.
Porque elas são cheias de sardinhas, são branquinhas. Ruivo é uma coisa à
parte. (...) Não que eles sejam uma coisa do outro mundo, mas se a gente
quiser ficar loira ou morena, a gente fica. Ruiva já é diferente. (Maria
Carolina, estudante)

Como indicado pela entrevistada, ser ruiva, diferente de ser morena ou loira, é mais do

que uma simples opção; é um conjunto estruturado de indícios corporais: cabelo vermelho,

pele muito clara e sardinhas.

A cor de cabelo vermelha possui uma excepcionalidade que desperta reações tanto de

valorização quanto de desvalorização. “A pessoa tem que ter muita coragem para pintar o

cabelo de vermelho. É uma cor que chama muita atenção. Se o tom de pele dela não combinar

com essa tonalidade fica muito esquisito”, diz Paula - modelo que possui os cabelos pintados

de preto.
288

Já na percepção do colorista, “a mulher de cabelo vermelho é uma pessoa que sabe o

que quer. Uma vez que ela sabe que o vermelho combina com a pele dela, então ela sabe que

tem bom gosto” (Francis, colorista). “Corajosa”, “decidida”, “bem resolvida”, os atributos não

param por aqui, demonstrando que para ser ruiva não se pode ter medo de encarar as

implicações geradas por “ser diferente”.

Voltemo-nos agora para outra dimensão tão reveladora de aspectos de nossa sociedade

quanto as cores do cabelo. Consideremos as diferentes texturas. Dentre as principais

características do cabelo, a textura aparece como aquela que, com maior freqüência, leva as

pessoas a desejarem modificação. Nas palavras de uma entrevistada, “quem tem cabelo liso

quer enrolar e quem tem cabelo enrolado quer alisar” (Mara, gerente de marketing).

A mudança pode estar relacionada à insatisfação, ao desejo de ser diferente da maioria

ou à aspiração de atingir um padrão de cabelo socialmente valorizado. Também é possível

mudar simplesmente pelo prazer da modificação, de estar na moda ou de se sentir bem com

uma textura diferente. Não existe explicação única para a vontade da mudança, mas

motivações múltiplas, reguladas e influenciadas pela cultura.

O alisamento dos cabelos aparece como um caso à parte. Uma vez que o racismo se

dá, sobretudo, pela discriminação de signos estético-corporais de negros e, sendo os cabelos

um dos principais reveladores de ascendência africana, pesados investimentos costumam ser

aplicados no sentido de modificar a textura crespa para evitar a exclusão pela aparência física.

Duas expressões muito utilizadas - “cabelo bom” e “cabelo ruim” - reforçam os

extremos liso/crespo como dois tipos de cabelo considerados desejáveis e indesejáveis,

atribuindo juízo de valor e definindo o lugar dos sujeitos no complexo sistema de


123
classificação racial . “Cabelo bom é cabelo liso. Cabelo ruim é cabelo de preto, cabelo

duro”, explica a entrevistada Maria Carolina, estudante, branca. Tal representação pode ser

123
Cf. GOMES (2006:241) para uma discussão mais densa sobre os diferentes significados atribuídos às texturas
de cabelo lisa e crespa.
289

resumida pelo seguinte esquema: Ruim = negro = crespo = duro; Bom = branco = liso =

macio.

Entretanto, tais expressões não dizem respeito apenas à textura. “Cabelo bom é aquele

que tem movimento, brilho, que não amassa, não enrola. É um cabelo que toda mulher

desejaria ter. Cheio, com bastante volume, com caimento. Você amarra, solta e ele está lindo,

não marca. Fios bons”, explica Fantine, dona-de-casa, branca.

Em contrapartida, “cabelo ruim” é considerado rebelde, arredio, difícil de controlar.

No entanto, a indústria trata de criar formas de contê-los, por meio de cremes que prometem

domar os cachos revoltosos e que ganham curiosos nomes, tais como: “disciplinantes”,

“tratamento de choque” ou “harmonia”.

Em suma, o “cabelo ruim” é tido como um estigma que “mancha” a aparência de seu

portador (GOFFMAN, 1975). As pessoas que possuem tal cabelo tentam fugir desse estigma

recorrendo aos mais variados recursos. No entanto, quando ultrapassam certos limites de

preocupação considerados “normais”, são classificadas como “neuróticas”, “inseguras” ou

“limitadas”.

A minha amiga tem o cabelo ruim, mas ruim por causa da raça. Então ela dá
uma importância tão grande ao cabelo, que se ela fizer uma escova hoje,
amanhã ela não vai à ginástica. Como a filha da minha amiga, que na
Disneylândia não foi aos brinquedos que caíam na água porque o cabelo ia
encolher. Tem gente que se sacrifica por causa do cabelo. (Kássia, dona-de-
casa)

O medo de perder o controle sobre a própria aparência e sua “fachada” ser revelada

leva muitas mulheres a adotarem uma vigilância constante sobre a textura dos cabelos. O que,

por vezes, extrapola o frágil limite do plano simbólico, fazendo-se sentir no plano biológico.

“A minha cunhada já deu tanta importância ao cabelo, já tacou tanta coisa ali que acabou

ficando careca, quase teve que implantar cabelo. Cada hora ela estava com uma forma ou uma
290

cor de cabelo” (Rosa, enfermeira). Porém, ao mesmo tempo em que a sociedade não permite

que se dediquem atenções excessivas a esta parte do corpo, também não admite desleixo ou

falta de atenção.

De uma forma geral, podemos dizer que a valorização da textura lisa ultrapassa o

domínio dos cabelos: se, por um lado, o que se assiste atualmente é uma busca incessante pela

cabeleira lisa, por outro, é exigido do corpo o mesmo tipo de textura. Sob essa perspectiva,

rugas, celulites, estrias, pêlos, flacidez, enfim, tudo que coloque em risco o corpo liso, leve e

esguio deve ser eliminado. Nas palavras de Jean-Jacques Courtine,

Todas essas técnicas de gerenciamento do corpo, que florescem no decorrer


dos anos 80, são sustentadas por uma obsessão dos invólucros corporais: o
desejo de obter uma tensão máxima da pele; o amor pelo liso, pelo polido,
pelo fresco, pelo esbelto, pelo jovem; ansiedade frente a tudo o que na
aparência pareça relaxado, franzido, machucado, amarrotado, enrugado,
pesado, amolecido ou distendido. (COURTINE, 1995:86)

Para finalizar, reproduzo as palavras de Mary Douglas de que o corpo é, a um só

tempo, fonte e expressão de símbolos. Nele se encontra simbolicamente impressa a estrutura

social (DOUGLAS, 1966:143). É neste sentido que cabelos, unhas e pêlos constituem um

universo simbólico, heterogêneo e plural. Caem, crescem, mudam de cor e de textura, em uma

transformação constante e sem tréguas que coloca em movimento não apenas pessoas, lugares

e práticas específicas, mas concepções, relações, sentimentos.


291

CONSIDERAÇÕES FINAIS
292

“Eu no mundo”: o papel do salão na apresentação de si

Reduzir o mundo dos salões de beleza ao seu uso em termos estritos de vaidade é

ignorar toda a complexidade e ambigüidade que torna este fenômeno urbano, justamente,

“bom para pensar”.

Naturalmente, não se trata de ignorar ou subestimar a busca por beleza enquanto

justificativa para a procura por salões. Mas desconfiar de qualquer motivação que se declare

única, sem perder do horizonte que, por mais que compartilhem os mesmos serviços e um

espaço físico comum, os sujeitos podem atribuir uma enorme gama de possibilidades de

sentidos às diferentes experiências que vivenciam nos salões.

O primeiro processo mais geral a ser identificado é aquele que faz referência ao corpo.

Que papel os salões desempenham frente a esta idolatria do corpo que se observa nos dias

atuais? Quais os impactos da beleza na vida cotidiana, tendo como ponto de referência a

quantidade de salões que habitam as esquinas das grandes cidades e os milhões gastos em

cosméticos e serviços voltados para o embelezamento do corpo?

Uma das pistas a ser seguida diz respeito à própria noção sobre corpo que se

compartilha atualmente. Sendo da ordem do movimento, do contínuo, o corpo nunca está

pronto por completo (LE BRETON, 1999). Demanda vigilância atenta, revisão constante e

correção contínua. Todo um aparato envolvendo técnicas e práticas embelezadoras é então

criado para atender as dinâmicas de construção deste corpo eternamente inacabado.

Mas não é apenas a noção de corpo o que ajuda a explicar o fenômeno dos salões de

beleza na atualidade. É preciso prestar atenção também às novas coerções e constrangimentos

distribuídos ao corpo que emergem a partir da transformação da intimidade e das formas de

sensibilidade na cultura ocidental moderna. Em outras palavras, estar atento às aparências que

passam a ser valorizadas e àquelas que se tornam desqualificadas.


293

Aos indivíduos é colocada a incumbência de observar e acompanhar os códigos de

comportamento e as regras de apresentação estética. A responsabilidade sobre a própria


124
aparência se torna mais que uma obrigação do sujeito consigo mesmo . É uma obrigação

perante o outro, no sentido de se apresentar de uma forma apropriada. São marcas de

obrigação que se fazem necessárias às relações.

Não atender às expectativas sociais é uma possibilidade que faz parte deste processo

de construção de si. Logo, ela instaura uma vulnerabilidade simbólica que pode ser

experimentada tanto pela violência das categorias de acusação disciplinadoras - acionadas

para mostrar que algo está fora do lugar -, quanto pelos próprios elogios que, ao enaltecer o

sucesso estético atingido, aprisionam os sujeitos pela via do reconhecimento e da premiação.

Este trabalho exaustivo de controle do prestígio, do capital acumulado e das posições

conquistadas, encontra nos salões de beleza um de seus principais espaços de auxílio (e de

exigência, ao mesmo tempo). O que os rituais de cuidado do corpo no salão revelam, entre

outras coisas, é um trabalho em conjunto que se dá entre clientes e profissionais da beleza no

sentido de manter um senso do que é esteticamente “apropriado” ou “inapropriado”, em

relação a categorias de gênero, idade, classe e cor de pele, entre outras (BLACK, 2004).

Dado que o que é apropriado ou inapropriado é absolutamente situacional, devendo ser

analisado dentro de seus contextos de enunciação, a escolha que o indivíduo faz, dentro da

variedade de representações e possibilidades estéticas, situa-o não apenas dentro de grupos

sociais específicos, como também é um importante indicativo sobre estilos de vida, valores e

crenças.

Como observa Paula Black (2004), o self moderno foi institucionalmente demandado a

construir sua vida através do exercício da escolha entre as alternativas. Cada aspecto da vida,

124
Lembrando que as obrigações colocadas aos sujeitos não se limitam à esfera do corpo, sendo também
esperado destes obrigações quanto à felicidade e ao bem-estar, entre outras. Os salões de beleza, à medida que
trabalham não somente sobre o corpo, mas sobre as emoções dos clientes, acabam por transcender o dualismo
mente/corpo inerente a muitas tradições do pensamento Ocidental (BLACK, 2004).
294

cada produto que consumimos possui um sentido auto-referencial; cada escolha que fazemos

é um emblema de nossa identidade, uma marca de nossa individualidade, uma mensagem para

nós mesmos e para os outros sobre o tipo de pessoa que somos. Na definição de José Carlos

Rodrigues, “este é o corpo-consumidor, de uma sociedade em que a liberdade se define pela

possibilidade de optar, de escolher segundo as preferências individuais. Mas é também o

corpo de uma sociedade em que não é possível não optar” (RODRIGUES, 1991:157).

A temática do desejo versus obrigatoriedade é aqui colocada para pensar não somente

a agência dos sujeitos, mas o campo de possibilidades que se coloca à disposição para a

construção do self. Em outras palavras, é preciso lembrar que não são todos os indivíduos que

fazem uso do espaço ou dos serviços disponibilizados por salões de beleza; que existem

diferentes graus de adesão às pedagogias estéticas predominantes e que muitas são as margens

de manobra possíveis para lidar com tais coerções (VELHO, 1981 e 1994).

Neste sentido, compreender o mundo dos salões é se perguntar que noções e

experiências sobre beleza e identidade estão sendo negociadas e produzidas, sem deixar de

enxergar as escolhas estéticas enquanto um processo complexo e heterogêneo.

“Eu no salão”: diferentes possibilidades de apropriação do espaço

Talvez uma das melhores surpresas que tive ao estudar o mundo dos salões de beleza

foi perceber não apenas a riqueza das relações humanas, como a capacidade dos sujeitos de

atribuir diferentes significados a um espaço tão particular. “Spa”, “confessionário”, “abrigo”,

“clube” - durante a pesquisa de campo tive acesso a essas e muitas outras definições que

tentam dar conta das várias possibilidades de arranjo possíveis no interior desses espaços.

Definições estas que sugerem uma multiplicidade de usos voltados não só para a
295

beleza, mas para o consumo, o lazer, o entretenimento, a busca de encontro, a troca de

informações, a conversação etc. Sob tal perspectiva, o salão pode ser enxergado enquanto um

valioso e importante microcosmo das relações sociais mais gerais (BLACK, 2004:10).

Ainda sobre situações ocorridas durante o trabalho de campo, recordo-me de certa vez

em que fui apresentada a uma cliente de um salão que pesquisava. Quando tomou

conhecimento sobre meu tema de estudo, disse-me a seguinte frase: - “Existem cinco coisas

que não vivo sem: (na seguinte ordem) família, amigos, trabalho, celular e salão”. Achei a

frase extremamente interessante pelo fato de jogar luz sobre uma dimensão fundamental que

caracteriza todas as cinco dimensões elencadas: a dimensão do encontro.

Ao aproximar redes de relações (família, amigos e colegas de trabalho) a meios que

permitem estabelecer contatos (celular) e a instituições que atuam como mediadoras para se

travar encontros sociais (no caso do salão), está sendo colocada uma das principais

problemáticas das sociedades complexas contemporâneas: compreender as formas de

sociabilidade presentes e possíveis no contexto urbano.

Os salões de beleza, neste sentido, destacam-se enquanto um espaço que cria

oportunidades. Um locus privilegiado para estudar formas de interação distintas.

Especialmente a coreografia da sociabilidade feminina. Nas palavras de Paula Black, os

salões de beleza possibilitam pensar teoria social a partir do mundo cotidiano das mulheres

(BLACK, 2004:9).

E talvez o que o estudo das formas de sociabilidade tragam de mais valioso seja pensar

as trocas que compreendem os tipos de associação que se dão no ambiente dos salões. São

trocados não apenas serviços de beleza, mas informações, experiências de vida, presentes,

contatos corporais e afetos, entre muitas outras coisas. A troca, neste sentido, deve ser vista

enquanto o nexus das relações. Justamente por ser na atuação, na troca, na relação, que os

sujeitos se constroem.
296

“O salão no mundo”: sobre salões e outros contextos mais amplos

“Toda etnografia apresenta-se como uma tensão entre aquilo que é familiar e aquilo

que é estranho” (BEAUD & WEBER, 1997:36). Esta frase consegue verbalizar com

sabedoria e simplicidade o que é fazer trabalho de campo em salões de beleza. Em meio a

tantos espetáculos que a cidade encena diariamente, o salão se oferece enquanto universo

privilegiado para observar os processos de distanciamento e aproximação que a interação em

escala metropolitana produz. No entanto, apesar de sua intensa presença na paisagem urbana,

é possível afirmar que essa grande visibilidade que os salões possuem, por vezes, os tornam

invisíveis.

O mundo dos salões é algo particular, um fenômeno com densidade própria que

desperta (ainda que de forma modesta) curiosidade aos olhos das ciências sociais. Talvez sua

beleza esteja em se mostrar um híbrido entre as esferas do público e do privado, em fazer uma

mediação entre o universo do íntimo e o “mundo lá fora” ou por tornar menos nítidas as

fronteiras entre palco e bastidor.

Em síntese, os salões de beleza são uma materialização típica de um modo de vida

metropolitano. Integram um fenômeno de massas maior e mais complexo, por meio do qual

os indivíduos elaboram esteticamente suas inserções na sociedade e na cidade (FRÚGOLI,

1990). Não são meros reflexos da sociedade abrangente, mas produzem sociedade.

Quanto à questão se os fenômenos apreendidos a partir desta pesquisa realizada em

salões de beleza na Zona Sul do Rio de Janeiro são extensíveis a outros contextos sociais,

apenas novas pesquisas poderão responder. É certo que estamos falando de estilos de vida, de

um ethos muito particular. Porém, acredito que generalizações poderão ser feitas para outros

contextos que não sejam os específicos dos salões de beleza investigados. Sobretudo se o
297

horizonte das preocupações se assentar não sobre o universo dos indivíduos, mas sobre o

universo de relações que constitui o mundo dos salões (BEAUD & WEBER, 1997:187).

Quando cheguei ao campo, possuía noção sobre algumas pistas que deveria perseguir.

Porém, diariamente fazia um exaustivo esforço para deixar que os próprios salões de beleza

apontassem os caminhos a serem percorridos pela pesquisa. Ao invés de recortar os salões

como uma unidade coesa, optei por prestar atenção nas dinâmicas que o constituem. O

resultado foi ter acesso a uma miríade de experiências, que tive o prazer de poder trabalhar.

Se consegui transformar em fonte criativa um objeto aparentemente sem valor,

transformar em narrativa antropológica eventos ordinários da vida de pessoas comuns,

considero minha proposta inicial concluída. Espero que, a partir deste trabalho, ao olhar pelos

espelhos que circundam o espaço dos salões de beleza, seja possível olhar para nossa própria

sociedade e problematizar os contornos que a organizam e dão forma.


298

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Janeiro: 2005.

______ (1906). The sociology of secrecy and of secret societies. In: Tiryakian, E. A. (ed.) On
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Sons, 1974.

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on Culture. Selected writings. Londres: Sage, 1997.

______ (1909). Filosofia da Coqueteria. In: Cultura femenina y otros ensayos. Buenos
Aires: Espasa-Calpe, 1944.

______. (1917). Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal. In: Moraes Filho,
Evaristo de (org.). Simmel. São Paulo: Ática, 1983.

SOUZA, Gilda de Melo e. O espírito das roupas: a moda no século XIX. São Paulo: Cia. das
Letras, 1987.

STEINMETZ, Rudy. Surveillance du corps et émancipation de l'âme: la vigilance alimentaire


à l'âge classique. In: Dubois, Philippe; Winkin, Yves (org). Rhétoriques du corps. Bruxelas:
De Boeck-Wesmael, 1988.

STOLCKE, Verena. Is sex to gender as race is to ethnicity? In: Del Vale, Teresa (org.).
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STRAUSS, Anselm. Espelhos e máscaras. São Paulo: Edusp, 1999.

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1974.

VALE DE ALMEIDA, Miguel. Senhores de si: uma interpretação antropológica da


masculinidade. Lisboa: Fim de Século, 1995.
309

VELHO, Gilberto (1973). A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de


Janeiro: Zahar, 2002.

______ (1981). Projeto, emoção e orientação em sociedades complexas. In: Individualismo e


cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar,
2004.

______ (1994). Trajetória individual e campo de possibilidades. In: Projeto e metamorfose:


antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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______. Metrópole, cultura e conflito. In: Velho, Gilberto (org.). Rio de Janeiro: cultura,
política e conflito. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

VIGARELLO, Georges (2004). História da beleza: o corpo e a arte de se embelezar, do


renascimento aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

WACQUANT, Loïc. Corpo e alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de


Janeiro: Relume Dumará, 2002.

WHYTE, William Foote (1943). Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana
pobre e degradada. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

______ (1949). The social structure of the restaurant. In.: Birenbaum, Arnold; Sagarin,
Edward (org.). People in places: the sociology of the familiar. Nova Iorque: Praeger, 1973.

FILMES CINEMATOGRÁFICOS
BEAUTY Shop. Direção: Mark Brown. EUA: 2004.

CARAMELO (Sukkar Banat). Direção: Nadine Labaki. Líbano: 2007.

INSTITUTO de Beleza Vênus (Venus Beauté). Direção: Tonie Marshall. França, 1998.

SHAMPOO. Direção: Hal Ashby. EUA: 1975.


310

GLOSSÁRIO

Autoclave – aparelho utilizado para esterilizar objetos (no caso dos salões, alicates, tesouras,
pinças, espátulas, empurradores de cutícula ou palitos em inox) ao submetê-los a temperaturas
acima de 120º C.

Baby liss – Penteado feito com auxílio de um instrumento modelador cujo efeito é o de
cachos nos cabelos. Os cabelos são umedecidos e mechas são separadas para então serem
enroladas no aparelho de formato circular que, por meio de ação do calor, molda os fios.

Balayage – Técnica de coloração que consiste em tingir mechas, a fim de criar contraste com
o tom predominante do cabelo. Uma prancheta é colocada embaixo de alguns fios e o
descolorante aplicado. Retira-se a prancheta para o produto agir por alguns minutos. A
diferença entre a balayage e o reflexo é que a primeira é mais irregular.

Cauterização – Tratamento capilar de hidratação profunda que sela as escamas dos fios e
suaviza as pontas duplas, o que permite eliminar o aspecto arrepiado dos cabelos. O objetivo
principal é repor a queratina perdida dos fios que passaram por processos químicos, a fim de
deixar os cabelos com mais brilho.

Cirandinha – Cadeira baixa com rodinhas e gaveta embutida comumente utilizada por
manicures para fazer o atendimento a seus clientes.

Decapagem – Método de descoloração que utiliza água oxigenada e pó descolorante para


retirar os pigmentos do cabelo tingido. Indicado em mudanças radicais, para clarear mais de
quatro tons.

Escova – Penteado que consiste no alisamento do cabelo pela ação do calor do secador, no
qual os fios são manipulados por escovas de formato circular. Os fios são umedecidos antes
da ação do secador. Pode-se também fazer uso de produtos modeladores ou termoativadores.

Eyelash – Processo de alongamento no qual cílios sintéticos são colados um a um na base dos
cílios naturais. As extensões possuem diversos tamanhos, cores e espessuras. Podem durar de
três semanas a três meses.

Francesinha – Técnica de decoração de unha que consiste na coloração das pontas com
esmalte geralmente de cor branca, a fim de fazer contraste com o resto da base da unha,
pintada em tom claro mais suave.
311

Gomagem – Método de esfoliação da pele para remoção de células mortas, seguida de


hidratação. Indicado para peles ressecadas por natureza ou pela exposição excessiva e crônica
ao sol (ou ao bronzeamento artificial).

Lavatório – Mobiliário que consiste em uma cuba com ralo para escoamento de água
acoplada ao topo de uma cadeira onde os clientes se sentam e apóiam a cabeça inclinada para
trás para que seus cabelos sejam lavados.

Mega hair – Técnica de alongamento realizada a partir da aplicação de mechas de cabelos


naturais ou sintéticos com cola quente (de silicone ou queratina) à raiz dos cabelos originais.
As mechas podem ser coladas com pinça aquecida, aparelho de alta freqüência ou laser.

Peeling - Procedimento de esfoliação cutânea seguido de posterior renovação celular, cujo


objetivo é normalizar a pigmentação da pele, atenuando marcas e minimizando rugas. A
esfoliação pode ser provocada por meio químico, físico (lixamentos e abrasões) ou a laser.

Permanente de cílios – Procedimento que muda a estrutura dos fios tornando-os curvados
através da aplicação de um produto especial e com a ajuda de um instrumento que promove a
ondulação. O efeito dura cerca de dois meses.

Pintura de cílios – Processo de coloração dos cílios. Indicado para quem possui cílios claros.
Diferente das máscaras tradicionais (produtos cosméticos) que são removíveis na primeira
lavagem ou com demaquilantes, a pintura de cílios possui duração prolongada.

Reflexo – Técnica de coloração que clareia de 80 a 90% dos fios e trabalha com cores claras
mais fortes e definidas. O resultado final são mechas bem marcadas e espalhadas pelo cabelo.

Relaxamento – Processo de alisamento capilar que consiste em intervenção na textura do


cabelo. Inclui aplicação de produtos químicos e ações mecânicas (desde a manipulação do
cabeleireiro com escovas, pentes e secadores, até a utilização de equipamentos especiais,
como chapas térmicas).

Luzes – Técnica de coloração em que mechas finas por toda a cabeça ganham fios mais claros
que se misturam à cor original do cabelo. Cerca de 50% dos fios são descoloridos neste
processo, que produz mechas sutis, clareando o cabelo até três tons.
312

ANEXOS

Figura I – Vista aérea do bairro de Ipanema

Figura II – Vista aérea do bairro do Catete


313

Figura III – Vista aérea do bairro de Botafogo

Figura IV – Planta baixa salão de beleza de Ipanema


314

Figura V – Planta baixa salão de beleza do Catete

Figura VI - Planta baixa salão de beleza de Botafogo


315

Figura VII – Distribuição bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro

Figura VIII – Longevidade de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de


Janeiro
316

Figura IX – Renda média de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de


Janeiro

Figura X – Alfabetização de acordo com os bairros da Zona Sul do Rio de


Janeiro
317

Figura XI – Escolaridade nível superior de acordo com os bairros da Zona Sul


do Rio de Janeiro

Tabela I – Oferta de empregos


318

Reprodução das fichas preenchidas por cada pessoa entrevistada.

BADY
Idade: 28 anos
Sexo: Feminino.
Peso corporal: 75 quilos
Altura: 1,75 metros
Cor dos olhos: castanhos.
Cor dos cabelos: loiros.
Textura dos cabelos: finos.
Cor da pele: morena.
Tipo de unha: quadrada.
Estado civil: solteira.
Filhos: ø
Profissão / ocupação atual: Coord. de campo.
Profissões anteriores: Vendedora, Técnica de atendimento social, Psicóloga.
Classe social: B
Grau de escolaridade: Superior.
Religião:
Bairro em que reside atualmente: Ipanema.
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Além Paraíba
(MG).
319

DIONE
Idade: 34 anos
Sexo: feminino
Peso corporal: 86 quilos
Altura: 1.69 metros
Cor dos olhos: castanhos escuros
Cor dos cabelos: castanho escuro
Textura dos cabelos: ondulado
Cor da pele: morena
Tipo de unha: curta
Estado civil: solteira
Filhos: n
Profissão / ocupação atual: diagramadora
Profissões anteriores: designer gráfico, diretora de arte…
Classe social: não sei, talvez média
Grau de escolaridade: 3º grau completo
Religião: católica não-praticante
Bairro em que reside atualmente: Humaitá (Rio de Janeiro)
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Centro (SP),
Lagoa (Itapecerica da Serra – SP), Fonseca (Niterói – RJ)
320

FABIANA
Idade: 23 anos
Sexo: fem.
Peso corporal: 90 quilos
Altura: 1,71 metros
Cor dos olhos: castanhos
Cor dos cabelos: pretos
Textura dos cabelos: liso
Cor da pele: branca
Tipo de unha: grande
Estado civil: juntada
Filhos: não
Profissão / ocupação atual: designer
Profissões anteriores: -
Classe social: média alta
Grau de escolaridade: graduação
Religião: católica
Bairro em que reside atualmente: Pinheiros (SP)
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Ipanema
321

FABRÍCIA
Idade: 22 anos
Sexo: Feminino
Peso corporal: 70 quilos
Altura: 1,63 metros
Cor dos olhos: castanhos
Cor dos cabelos: castanhos
Textura dos cabelos: ondulado
Cor da pele: clara
Tipo de unha: -
Estado civil: solteira
Filhos: ø
Profissão / ocupação atual: Trainee
Profissões anteriores: -
Classe social: média
Grau de escolaridade: Superior
Religião: Católico
Bairro em que reside atualmente: Catete
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: -
322

IVANILDE
INÊS
Idade:
Idade: 27
52 anos
anos
Sexo:
Sexo: Feminino
Feminino
Peso
Peso corporal:
corporal: 44
60 quilos
quilos
Altura:
Altura: 1,59
1,65 metros
metros
Cor dos
Cor dos olhos:
olhos: Castanho
castanhos Escuro
Cor dos
Cor dos cabelos:
cabelos: castanhos
Antes Castanho Escuro agora Dourado
Textura dos
Textura dos cabelos:
cabelos: cabelo
Fina cacheado / fino / ralo
Cor da
Cor da pele:
pele: Amarelada
Branca
Tipo de
Tipo de unha:
unha: Masculina
curta
Estado civil:
Estado civil: Casada
solteira no papel
Filhos: Duas
Filhos: não
Profissão // ocupação
Profissão ocupação atual:
atual: Empresária
Assistente de edição
Profissões anteriores:
Profissões anteriores: Do
Produção;
lar Pesquisa
Classe social:
Classe social: Média
Média baixa
Grau de
Grau de escolaridade:
escolaridade: cursando
Superior graduação
Religião: Espírita
Religião: Não tem
Bairro em
Bairro em que
que reside
reside atualmente:
atualmente: Ipanema
Flamengo
Outro(s) bairro(s)
Outro(s) bairro(s) // estado(s)
estado(s) // país(es)
país(es) em
em que
que residiu
residiu até
até hoje:
hoje: Tijuca,
Grajaú, Centro
Tijuca,e
Jardim Botânico, Pendotiba, Nova Iorque.
Barra.
323

JORDANA
Idade: 25 anos
Sexo: Feminino
Peso corporal: 70 quilos
Altura: 1,65 metros
Cor dos olhos: castanhos
Cor dos cabelos: castanho claro com luzes
Textura dos cabelos: fino
Cor da pele: branca
Tipo de unha: quadrada
Estado civil: solteira
Filhos: não
Profissão / ocupação atual: promotora de eventos
Profissões anteriores: -
Classe social: classe média alta
Grau de escolaridade: pós-graduada
Religião: Espírita
Bairro em que reside atualmente: Recreio dos Bandeirantes
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Barra da Tijuca
324

JULIANA
Idade: 32 anos
Sexo: feminino
Peso corporal: 45 quilos
Altura: 1,58 metros
Cor dos olhos: castanho claro
Cor dos cabelos: castanho escuro
Textura dos cabelos: Eu acho ondulado, mas os outros acham liso.
Cor da pele: parda
Tipo de unha: ex -roída.
Estado civil: solteira
Filhos: não tenho.
Profissão / ocupação atual: desempregada
Profissões anteriores: estudante remunerada
Classe social: média baixa
Grau de escolaridade: pós-graduação (mestrado)
Religião: não tenho
Bairro em que reside atualmente: Flamengo
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Icaraí - Niterói.
325

LEANDRO
Idade: 43 anos
Sexo: M
Peso corporal: 71 quilos
Altura: 1,70 metros
Cor dos olhos: castanhos
Cor dos cabelos: castanhos
Textura dos cabelos: liso
Cor da pele: branco
Tipo de unha: curta
Estado civil: solteiro
Filhos: 0
Profissão / ocupação atual: analista de mkt
Profissões anteriores: analista de sistemas
Classe social: B?
Grau de escolaridade: superior completo
Religião: ateu
Bairro em que reside atualmente: Laranjeiras (RJ)
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Leblon (RJ)
326

MAITÊ
Idade: 24 anos
Sexo: Feminino
Peso corporal: 54 quilos
Altura: 1,68 metros
Cor dos olhos: Castanhos/ mel
Cor dos cabelos: Loiro escuro
Textura dos cabelos: Liso
Cor da pele: Branca
Tipo de unha: Quadrada e curta
Estado civil: Solteira
Filhos: 0
Profissão / ocupação atual: Auditora
Profissões anteriores: Auditora
Classe social: Alta
Grau de escolaridade: Superior completo
Religião: Católica
Bairro em que reside atualmente: Ipanema / RJ
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Londres e
Manaus
327

MAURA
Idade: 39 anos
Sexo: Feminino
Peso corporal: 55 quilos
Altura: 1,57 metros
Cor dos olhos: Castanhos
Cor dos cabelos: Castanhos
Textura dos cabelos: Lisos
Cor da pele: Branca
Tipo de unha: Curta
Estado civil: Solteira
Filhos: 1 filha
Profissão / ocupação atual: Comerciante
Profissões anteriores: A mesma
Classe social: média
Grau de escolaridade: Pós-graduação
Religião: Espírita
Bairro em que reside atualmente: Botafogo
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: RJ: Vila Isabel,
Jacarepaguá – SP: Morumbi, Centro.
328

MIRELA
Idade: 30 anos
Sexo: feminino
Peso corporal: 55 quilos
Altura: 1,66 metros
Cor dos olhos: castanhos
Cor dos cabelos: loiros
Textura dos cabelos: lisos
Cor da pele: branca
Tipo de unha: -
Estado civil: solteira
Filhos: Nenhum
Profissão / ocupação atual: psicóloga
Profissões anteriores: garçonete
Classe social: Média-alta
Grau de escolaridade: Superior
Religião: Nenhuma
Bairro em que reside atualmente: Washington - EUA
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Copacabana e
Flamengo.
329

NAZARÉ
Idade: 29 anos
Sexo: Feminino
Peso corporal: 75 quilos
Altura: 1,60 metros
Cor dos olhos: Castanho Claro
Cor dos cabelos: Castanho Claro
Textura dos cabelos: Liso
Cor da pele: Clara / Branca
Tipo de unha: Fêmea (porte redondo)
Estado civil: Solteira
Filhos: Não
Profissão / ocupação atual: Estatística
Profissões anteriores: -
Classe social: Média
Grau de escolaridade: Pós Graduação
Religião: Católica
Bairro em que reside atualmente: Catete
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Copacabana
330

REBECA
Idade: 35 anos
Sexo: feminino
Peso corporal: 75 quilos
Altura: 1,72 metros
Cor dos olhos: preto
Cor dos cabelos: preto
Textura dos cabelos: grosso
Cor da pele: negra
Tipo de unha: normal
Estado civil: casado
Filhos: 2 filhos
Profissão / ocupação atual: auxiliar adm.
Profissões anteriores: copeira
Classe social: C
Grau de escolaridade: Ensino médio (técnico)
Religião: não tenho
Bairro em que reside atualmente: Duque de Caxias
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: não
331

RUBENS
Idade: 31 anos
Sexo: Masc.
Peso corporal: 75 quilos
Altura: 1,80 metros
Cor dos olhos: castanhos
Cor dos cabelos: castanhos
Textura dos cabelos: crespo
Cor da pele: morena
Tipo de unha: -
Estado civil: casado
Filhos: -
Profissão / ocupação atual: engenheiro
Profissões anteriores: -
Classe social: A
Grau de escolaridade: 3º completo
Religião: católico não praticante
Bairro em que reside atualmente: Botafogo
Outro(s) bairro(s) / estado(s) / país(es) em que residiu até hoje: Belo Horizonte /
RJ / Angola / RJ (Flamengo – Ipanema – Jardim Botânico – Laranjeiras – Leblon –
Lagoa)
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