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ISSN 1517-2422 (versão impressa)

ISSN 2236-9996 (versão on-line)

cadernos

metrópole
as metrópoles sob governança
neoliberal/ultraliberal
Francisco Fonseca
Humberto Meza
Nelson Rojas de Carvalho
Organizadores

Cadernos Metrópole
v. 24, n. 54, pp. 435-856
maio/ago 2022
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5400

Ar go publicado em Open Acess


Crea ve Commons Atribu on
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,

Semestral
ISSN 1517-2422 (versão impressa)
ISSN 2236-9996 (versão on-line)
A par r do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
A par r de 2016, a revista passou a ser quadrimestral.

1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pon cia
Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório
das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional. Observatório das Metrópoles

CDD 300.5
Periódico indexado no SciELO, Redalyc, La ndex, Library of Congress – Washington

Cadernos Metrópole

Pon cia Universidade Católica de São Paulo


Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles
Rua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes
05015-001 – São Paulo – SP – Brasil

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das Metrópoles
Av. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão
21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

Pon cia Universidade Católica de São Paulo


Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais
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Raquel Cerqueira
as metrópoles sob governança
neoliberal/ultraliberal
PUC-SP

Maria Amalia Pie Abib Andery

EDUC – Editora da PUC-SP

Thiago Pacheco Ferreira

Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente), Carla Teresa Mar ns Romar,
Ivo Assad Ibri, José Agnaldo Gomes, José Rodolpho Perazzolo,
Lucia Maria Machado Bógus, Maria Elizabeth B. T. Morato Pinto de Almeida,
Rosa Maria Marques, Saddo Ag Almouloud,
Thiago Pacheco Ferreira (Diretor da Educ)

Sonia Montone

Equipe Educ

Carolina Siqueira M. Ventura

Vivian Mo a Pires

Raquel Cerqueira

Waldir Alves

Rua Monte Alegre, 984, sala S-16


05014-901 São Paulo - SP - Brasil
Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085
educ@pucsp.br
www.pucsp.br/educ
cadernos
metrópole

EDITORES
Lucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)

COMISSÃO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pon cia Universidade Católica
de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/
Brasil) Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São
Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil)

CONSELHO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/
Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Cris na Fernandes (Universidade Federal de Pernambuco, Recife/
Pernambuco/Brasil) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Bri o (Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia
Catenazzi (Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argen na) Angélica Tanus Bena Alvim (Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Carlos Antonio
de Ma os (Pon ficia Universidad Católica de Chile, San ago/Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Claudino
Ferreira (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Cris na López Villanueva (Universitat de Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de
Castro (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Eduardo Salvador Maria Lépore (Pon ficia Universidad Católica Argen na, Buenos Aires/Argen na)
Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/
Portugal) Francisco César Pinto da Fonseca (Fundação Getúilio Vargas, São Paulo/São Paulo/Brasil) Frederico Rosa Borges de Holanda (Universidade de
Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa ((Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna
(Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pon cia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesus Leal Maldonado (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto Vieira Rio
Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Universidade
Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Chris na Duarte
Dias (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/
Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Maria Cris na da Silva Leme (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do
Livramento M. Clemen no (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília,
Brasília/Distrito Federal/Brasil) Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) Montserrat Crespi Vallbona (Universitat
de Barcelona, Barcelona/Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Norma Lacerda (Universidade Federal de
Pernambuco, Recife/Pernambuco/Brasil) Pedro Roberto Jacobi (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos
(Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo
Silva (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas
Gerais/Brasil) Rogério Proença de Sousa Leite (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ins tuto
de Pesquisa Econômica Aplicada, Curi ba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Sarah Feldman
(Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pon cia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil)
Colaboradores ad hoc

Ana Lucia Lucas Mar ns (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Ana Paula Fracalanza (Universidade de São Paulo-USP, São
Paulo/SP/Brasil) Annelise Caetano Fraga Fernandes (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Bruno César Euphrasio de Mello
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Porto Alegre/RS/Brasil) Carlos Roberto Monteiro de Andrade (Universidade de São Paulo-USP, São Paulo/SP/Brasil)
Chris ana Soares de Freitas (Universidade de Brasília-UnB, Brasília/DF/Brasil) Claudio de Farias Augusto (Universidade Federal Fluminense-UFF, Niterói/RJ/Brasil)
Cris na de Araújo Lima (Universidade Federal do Paraná-UFPR, Curi ba/PR/Brasil) Danielle de Melo Rocha (Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, Recife/
PE/Brasil) Eduardo José Grin (Fundação Getulio Vargas-FGV, São Paulo/SP/Brasil) Elisa Maria Almeida Vasconcelos (Universidade Federal do Pará-UFPA, Belém/
PA/Brasil) Erick Silva Omena de Melo (Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Rio de Janeiro/RJ/Brasil) Ernesto López-Morales (Universidad de Chile-UC,
San ago/Chile) Georges Gérard Flexor (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Giselle Megumi Mar no Tanaka (Universidade
Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Rio de Janeiro/RJ/Brasil) Glenda Dantas Ferreira (Universidade Federal da Paraíba-UFPB, João Pessoa/PB/Brasil) Heloísa Soares de
Moura Costa (Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte/MG/Brasil) Jeferson Cris ano Tavares (Universidade de São Paulo-USP, São Paulo/SP/
Brasil) Jeroen Johannes Klink (Universidade Federal do ABC-UFABC, Santo André/SP/Brasil) Juan Pedro Moreno Delgado (Universidade Federal da Bahia-UFBa,
Salvador/BA/Brasil) Jupira Gomes de Mendonça (Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte/MG/Brasil) Jussara Jéssica Pereira (Fundação
Getulio Vargas-FGV, São Paulo/SP/Brasil) Laura Rodríguez-Negrete (Universidad Austral de Chile-UAC, Valdivia/Chile) Leandro Cardoso (Universidade Federal de
Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte/MG/Brasil) Leandro Dias de Oliveira (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Leda Velloso
Buonfiglio (Universidade Federal Fluminense-UFF, Niterói/RJ/Brasil) Le cia Nerone Gadens (Universidade Federal do Paraná-UFPR, Curi ba/PR/Brasil) Lucio Hanai
Valeriano Viana (Fundação Getúilio Vargas, São Paulo/SP/Brasil) Luís Alves Falcão (Universidade Federal Fluminense-UFF, Niterói/RJ/Brasil) Luis Felipe Ayres
Magalhães (Pon cia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP, São Paulo/SP/Brasil) Monica Muniz Pinto de Carvalho (Pon cia Universidade Católica de São
Paulo-PUCSP, São Paulo/SP/Brasil) Regina Coeli Moreira Camargos (Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, Campinas/SP/Brasil) Ricardo de Sampaio
Dagnino (Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Porto Alegre/RS/Brasil) Robson Dias da Silva (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ,
Seropédica/RJ/Brasil) Rosa Maria Locatelli Kalil (Universidade de Passo Fundo-UPF, Passo Fundo/RS/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ins tuto de Pesquisa
Econômica Aplicada-IPEA, Curi ba/PR/Brasil) Silvana Maria Zioni (Universidade Federal do ABC, Santo André/SP/Brasil) Simone Aparecida Polli (Universidade
Tecnógica Federal do Paraná-UTFPR, Curi ba/PR/Brasil) Thamine de Almeida Ayoub (Universidade Norte do Paraná-Unopar, Londrina/PR/Brasil) Vera Lucia
Rezende (Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, Campinas/SP/Brasil) Wania Amélia Belchior Mesquita (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro-UENF, Campos dos Goytacazes/RJ/Brasil)Le cia Nerone Gadens (Pon cia Universidade Católica de Minas Gerais-PUCMG, Belo Horizonte/MG/Brasil)
sumário

443 Apresentação

dossiê: as metrópoles sob governança


neoliberal/ultraliberal

Neoliberal management of precarity: 451 Gestão neoliberal da precariedade:


rental housing as a new neoliberal o aluguel residencial como nova fronteira
fron er of housing financializa on de financeirização da moradia
Isadora de Andrade Guerreiro
Raquel Rolnik
Adriana Marín-Toro

Mapping large urban projects: 477 Mapeando grandes projetos urbanos:


a survey of urban consor um levantamento de operações urbanas
opera ons in brazilian ci es nos municípios brasileiros
Marina Toneli Siqueira
Carolina Silva e Lima Schleder

Neoliberal urbaniza on 501 Urbanização neoliberal e megaeventos


and mega events in Lima and Callao em Lima e Callao
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

Densifica on and ver caliza on 523 Adensamento e ver calização


in the central ci es of the Metropolitan nos municípios centrais da Região
Region of Baixada San sta Metropolitana da Baixada San sta
Lenimar Gonçalves Rios
Mônica Antonia Viana
Alexandre Lukas Morrone

Neoliberalism and the emptying of the State 549 Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado
in public transporta on in Araraquara, no transporte público de Araraquara–SP
state of São Paulo, Brazil Ta ane Borchers
Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

“Doing their best for the company”: neoliberalism 577 “Ves ndo a camisa da empresa”: neoliberalismo
and the subjec vity of shopper workers e a subje vidade dos trabalhadores shoppers
Brauner Geraldo Cruz Junior
Claudio Luis de Camargo Penteado
Paulo Roberto Elias de Souza

Passarelas urbanas projetadas 603 Urban walkways designed by João Ba sta


por João Ba sta Vilanova Ar gas Vilanova Ar gas
Ana Tagliari
Wilson Florio

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 435-856, maio/ago 2022 441
Neoliberal governance in mining territories: 625 Governança neoliberal em territórios minerários:
private social investment in the Metropolitan o inves mento social privado na RMBH
Region of Belo Horizonte Junia Maria Ferrari de Lima
Renato Barbosa Fontes
Léa Guimarães Souki

Bi ersweet mining dependency in Minas Gerais 647 Doce fel da minero-dependência nas cidades
towns: Brumadinho and Itabira in perspec ve mineiras: Brumadinho e Itabira em perspec va
Frederico Dornellas Mar ns Quintão
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
André Luiz Freitas Dias

Urbaniza on and management 669 Urbanização e gestão de riscos hidrológicos


of hydrological risks in São Paulo em São Paulo
Afonso Celso Vanoni de Castro
Angélica Tanus Bena Alvim

Poten ali es and contradic ons 697 Potencialidades e contradições do FMSAI


of the Municipal Fund for Environmental no município de São Paulo – 2011-2018
Sanita on and Infrastructure in the city Lucas Daniel Ferreira
of São Paulo – 2011-2018

Crea ve Economy: an urban 721 Economia Cria va: uma estratégia


development strategy in Belo Horizonte de desenvolvimento urbano em Belo Horizonte
Renata de Leorne Salles

Porto Alegre as a growth machine: recent 739 Porto Alegre como máquina de crescimento:
housing produc on in the metropolis a produção habitacional recente na metrópole
Mario Leal Lahorgue
Paulo Roberto Rodrigues Soares
Heleniza Ávila Campos

Real estate market regula on 765 A regulação do mercado imobiliário


and housing policy in Rio de Janeiro e polí ca habitacional no Rio de Janeiro
Thêmis Amorim Aragão

Produc on of residen al space in Santos, state 793 Produção do espaço residencial em Santos/SP:
of SP: urban parameters and the “urban order” parâmetros urbanís cos e a “ordem urbana”
Marina Ferrari de Barros
Flavia da Fonseca Feitosa
Jeroen Johannes Klink

The interna onal dimension in the urban 831 A dimensão internacional nas transformações
transforma ons of the Floresta urbanas no bairro Floresta em Porto Alegre
neighborhood in Porto Alegre Vanessa Marx
Gabriela Luiz Scapini
Gabrielle Araújo

853 Cadernos Metrópole

442 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 435-856, maio/ago 2022
Apresentação

Este número do Cadernos Metrópole tem por objetivo compreender as diversas e complexas
facetas da governança neoliberal/ultraliberal em distintos territórios: no ambiente urbano
construído, nos clássicos espaços extrativistas e na vida cotidiana dos indivíduos, conformando
abordagem rica acerca do modus operandi, das dinâmicas e das lógicas pelos quais se movimentam,
consolidando-se, as ideias e as práticas advindas do neoliberalismo.
Deve-se ressaltar que por neoliberalismo/ultraliberalismo se entende o conjunto de valores
e ideias que objetivam – com êxito nos últimos quarenta anos – se estabelecer em paradigmas
e métricas, em perspectivas e manuais e, sobretudo, em princípios concretos de gestão, de
formulação e de implementação de políticas públicas.
Trata-se, portanto, simultaneamente de doutrina (sistema orgânico de ideias), ideologia
(arcabouço de valores com vistas a obter hegemonia), projeto político, e por vezes eleitoral,
perspectiva sistêmica de gestão/políticas públicas e concepção de mundo. A radicalidade de
diagnósticos elaborados, tendo o “mercado” como agente organizador das relações sociais, e
sobretudo de suas proposições, materializa-se em: meritocracia individual como valor supremo;
fluxos supostamente livres de informação (caso dos preços) com a participação minimalista do
Estado; visão generalizante e fortemente negativa dos aparatos estatais como gerenciadores do
público; concepção da economia como “fluxos espontâneos”; defesa das desigualdades sociais
como “expressão natural das desigualdades humanas”, espécie de bordão ultraliberal; entre
outras características.
Na experiência brasileira, a consolidação ultraliberal acelerada com a consagração do golpe
de 2016 tem como reflexos o desmonte gradativo da concertação metropolitana – que sequer
havia se consolidado – e a alteração dos processos políticos que decidem a formação do espaço.
As dinâmicas de colaboração federativa previstas pela Constituição de 1988 têm sido rapidamente
substituídas pelo impulso empreendedor dos municípios. As cidades brasileiras tornaram-se agentes
competitivos entre si, para atraírem operações urbanas, alavancando grandes investimentos do
mercado imobiliário para se tornarem palcos de megaeventos de diversas naturezas. Tornam-se,
assim, “cidades para o mercado” e menos para a efetivação da vida.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
Crea ve Commons Atribu on
443
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5400
Apresentação

Tendo em vista essas características, os artigos aqui reunidos abordam, de formas distintas,
as dinâmicas e os impactos do neoliberalismo como expressão concreta, aplicada, de pressupostos
e interesses vinculados ao “mercado”, isto é, ao capital e às elites proprietárias e gestoras.
Os efeitos, conforme os ar gos em tela, abaixo analisados, exemplificam a aplicação
neoliberal em casos concretos, neste número especial, e apontam para municípios – no Brasil
e no exterior – que, ao promoverem a agenda neoliberal sob a forma de gestão pública e de
polí cas públicas, impactam diversas áreas, tais como: a financeirização dos alugueis, que
valorizam determinados territórios e consequentemente expulsam os moradores pobres
para regiões cada vez mais longínquas; as “fábricas de moradias” voltadas às classes médias
e às elites que promovem verdadeiras revoluções em bairros dis ntos, afetando, de inúmeras
formas, a dinâmica territorial, tal como as operações urbanas, essencialmente privadas (via
PPPs e outras formas de inves mento privado); os megaeventos que transformam bairros
e cidades em “padrão internacional” à luz dos interesses de inves dores; a gestão da água,
do saneamento, do transporte, da mobilidade, da habitação, entre outros, cuja lógica é a
financeirização neoliberal e a par cipação privada (capital, gestão, pressupostos e métricas);
os municípios “minerários”, em que o extrativismo permanece como marca indelével de
sociedades prisioneiras do “arcaísmo financeirizado” desses empreendimentos; chegando até
a subje vidade neoliberal presente em profissões e sua reprodução no “mercado” de trabalho.
Todos os artigos aqui apontados têm como premissa verificável a existência de
dimensões internacionais do capital quanto aos interesses aplicados no Brasil à luz dos
fundamentos neoliberais/ultraliberais.
O conjunto dos estudos, expressos nos 16 ar gos deste fórum, reúne informações
baseadas em fontes primárias, indicadores, entrevistas, vivência de campo (em alguns casos),
dentre outras estratégias metodológicas que revelam como se dão os impactos da “agenda
neoliberal”, que fora retomada com força no Brasil após o golpe do impeachment em 2016 e a
eleição à margem das regras do Estado Democrá co de Direito em 2018.
Em síntese, os pesquisadores que reagiram à chamada deste Dossiê apresentam um
repertório de análises que respondem a três eixos centrais de pesquisa:
• a gramática ultraliberal que anula o papel regulador do Estado para torná-lo garantia da ação
direta dos agentes privados na gestão das cidades, com claras alterações nas políticas urbanas e no
cotidiano dos indivíduos;
• a permanência do velho sistema extrativista minerário e das políticas hídricas e de saneamento,
cada vez mais articulados à financeirização e aos circuitos “modernos” internacionais;
• a produção habitacional (moradia) impactada por políticas urbanas formatadas pelos interesses
do mercado imobiliário com consequências para financeirização da moradia e uma gradativa
deterioração da possessão em grande escala.
Quanto ao primeiro eixo, e especialmente no tocante à gestão financeirizada do espaço
urbano, destaca-se o artigo apresentado por Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik
e Adriana Marín-Toro, Gestão neoliberal da precariedade: o aluguel residencial como nova

444 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Apresentação

fronteira de financeirização da moradia, no qual as autoras analisam a dinâmica recente pela


qual a financeirização da moradia tem-se disseminado na América La na, notadamente no Peru,
Colômbia, México e Brasil, através do mecanismo do aluguel, pelo qual a moradia se transmuta
de propriedade em serviço. O artigo analisa como a conexão entre o aluguel residencial e
as finanças colocou em andamento uma nova frente de financeirização da moradia e de
despossessões em escala global. Sob a lógica da financeirização, atores privados corpora vos
passaram a gerir o mercado do aluguel em grande escala, chegando-se no con nente la no-
americano (nas moradias populares) com ar culação e gestão própria dos ilegalismos.
Mas essa gestão urbana e financeirizada não se limita ao campo da moradia. Em
termos da formação do espaço, e mais enfa camente nas metrópoles brasileiras, vive-se uma
expansão de alterações urbanas presentes em grandes projetos e operações que dispensam a
regulação ins tucional e dificultam o controle social. É o que podemos observar na pesquisa
realizada por Marina Toneli Siqueira e Carolina Silva e Lima Schleder, Mapeando grandes
projetos urbanos: levantamento de operações urbanas nos municípios brasileiros. Nela, as
autoras destrincham a noção de empresariamento urbano (Nobre, 2019), evidenciado no
espraiamento e na consolidação das Grandes Operações Urbanas Consorciadas (Gouc) que
usam Parcerias Público-Privadas (PPPs) para se concre zarem. A par r de um diagnós co
acurado de toda as Goucs existentes no Brasil e usando os dados populacionais do IBGE,
as autoras constatam um padrão diverso e variado das capacidades administrativas nos
municípios brasileiros (em termos de regulações, leis especiais, presença ou não das Goucs
nos Planos Diretores, etc.), que dificulta a obtenção dos objetivos sociais previstos no
Estatuto da Cidade.
O pesquisador Luis Miguel Gomes Cornejo Urriola, no seu texto Urbanização neoliberal
e megaeventos em Lima e Callao, não apenas nos revela que a mercan lização das cidades
se experimenta nos mais variados contextos la no-americanos. Alavancado pela realização
de megaeventos no vizinho Peru (especialmente os XVIII Juegos Depor vos Panamericanos
Lima 2019), ele constrói um discurso crí co sobre as novas formas de governança urbana
neoliberal que aciona disposi vos culturais, como a naturalização da austeridade do setor
público, a concorrência e o livre-comércio (Peck, 2012). Nesse processo, o Estado exerce papel
indispensável na centralização e concentração do capital, a par r da criação e da expansão
das já velhas conhecidas PPPs.
Na sequência, dois ar gos nos mostram, eloquentemente, como tal empresariamento
urbano altera o acesso democrático às políticas urbanas e, consequentemente, à
experimentação da cidade por todos. Num deles, Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia
Viana e Alexandre Lukas Morrone, autores de Adensamento e ver calização nos municípios
centrais da Região Metropolitana da Baixada San sta, comprovam que processos de expansão
residencial e transformações morfológicas de longo período, guiados pelos interesses do
mercado imobiliário, reforçaram a monofuncionalidade do espaço e a dependência do
automóvel nos deslocamentos entre os municípios da região metropolitana estudada.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022 445
Apresentação

Tatiane Borchers e Victor Garcia Figueirôa-Ferreira apresentam o segundo artigo que


apresenta subsídios para o debate sobre o desmonte do Estado na escala local. A pesquisa
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público de Araraquara–SP analisa a
trajetória da política de mobilidade por meio do ague, declínio e extinção da Companhia pública
Troleibus Araraquara (CTA), que acabou sendo sucateada após a troca da matriz energética para
veículos a diesel, permitindo que a iniciativa privada pudesse se inserir na dinâmica de mobilidade
urbana. Além de ver quais dispositivos foram acionados nessa transformação, os autores analisam
o impacto dela no acesso à mobilidade local atualmente.
Se a ultraliberalização altera as dinâmicas políticas do espaço urbano, o impacto no cotidiano
dos indivíduos adota contornos ainda um pouco mais dramáticos. No artigo “Vestindo a camisa da
empresa”: neoliberalismo e a subjetividade dos trabalhadores shoppers, os pesquisadores Brauner
Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado e Paulo Roberto Elias de Souza analisam
a uberização do mundo do trabalho a partir da vivência de dois trabalhadores de aplicativos e
de suas experiências de insegurança, fragilidade e dificuldade na construção de uma identidade
profissional, inerente à emergência da razão ultraliberal.
O eixo das transformações urbanas no cenário contemporâneo, marcado pela razão
ultraliberal, encerra-se com o texto de Ana Tagliari e Wilson Florio, Urban walkways designed by
João Batista Vilanova Artigas. Analisando os documentos disponíveis no acervo da Biblioteca da
FAU-USP, os autores estudam o projeto de passarelas urbanas na obra de João Batista Vilanovas
Artigas na década de 1970, para detectar como dimensões de espaço, movimento, conexão,
circulação, cidade foram articulados na formatação da arquitetura contemporânea. O estudo
encontra valor nas passarelas de Artigas, não apenas no objeto projetado e construído, mas
também em seu pensamento teórico sobre as dimensões supracitadas.
No segundo eixo da análise presente neste Dossiê, e particularmente quanto ao papel do
extrativismo e da mineração nos municípios brasileiros, destaque-se o artigo Governança neoliberal
em territórios minerários: o investimento social privado na RMBH, de autoria de Junia Maria
Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes e Léa Guimarães Souki. Trata-se de importante análise
dos chamados “investimentos sociais privados”, que se dão pela via da “sociedade civil” (em seu
sentido liberal) e são crescentemente financiados por associações empresariais, notadamente do
setor minerário. A partir de importante – e pouco comum – abordagem gramsciana (hegemonia,
aparelhos privados de hegemonia, disputa pelo senso comum, etc.), o artigo inova ao refletir sobre
o papel ocupado por esse setor arcaico da economia, mas muito “moderno” em construir imagens
e narrativas. Com isso, embora produzam crimes socioambientais que mancham a história de
Minas Gerais, respondem a eles de forma ideológica, em busca da hegemonia da mineração como
“produtora de riquezas”, blindando-se, assim, de punições.
Já o artigo Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras: Brumadinho e Itabira em
perspectiva, de Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio e André
Luis Freitas Dias, cuja perspectiva crítica dialoga com o artigo anterior, elava ao primeiro plano a
resistência dos grupos atingidos: práticas, valores, perspectivas, formas organizativas, etc. Em termos
teóricos, o artigo ancora-se nas importantes perspectivas decolonialistas e pós-desenvolvimentistas,

446 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Apresentação

valorizando saberes, práticas e dimensões econômicas não atreladas ao extrativismo. Contribui, em


termos metodológicos, pela via da participação nos movimentos de resistência das duas cidades em
foco. Mais do que observação participante, trata-se de perspectiva de intervenção, que tem como
contraparte a reflexão acadêmica. Ambos os artigos formam importante duo analítico, sobretudo
após os crimes socioambientais ocorridos em Mariana e Brumadinho.
Esse eixo analítico contém também dois artigos referentes aos recursos hidrológicos e ao
saneamento. Quanto ao primeiro, intitulado Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São
Paulo, de Afonso Celso Vanoni de Castro e Angélica Tanus Benatti Alvim, analisa, em perspectiva
histórica, o processo de urbanização massiva na cidade de São Paulo à custa de intensa prática
de soterrar os rios e ocupar os vales fluviais. Os efeitos são sabidos e marcados na própria
experiência brasileira urbana: deslizamentos, alagamentos, enchentes e toda forma de “desastres”
promovidos pela ação especulativa do capital vis-à-vis o enfraquecimento do Estado e das políticas
públicas, amplificado por políticas neoliberais desreguladoras e desregulamentadoras. Mais ainda,
a fragilidade dos órgãos de defesa civil e de monitoramento de chuvas é apontada como parte
da fragilização do próprio Estado. O artigo analisou documentos oficiais, mapas e indicadores,
concluindo que a gestão dos recursos hidrológicos (seus efeitos) não consegue suplantar os
impactos dos movimentos do capital, em contraste às necessidades sociais.
Também o artigo Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo –
2011–2018, de Lucas Daniel Ferreira, analisa o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e
Infraestrutura em duas dimensões: o que se propôs a realizar (universalização do saneamento
e acesso à água) e o que de fato se faz tendo em vista a execução orçamentária. Trata-se de
estratégica metodológica bastante sólida ao considerar essas duas perspectivas. O texto aponta
que as destinações orçamentárias não privilegiaram as favelas e a região das represas (cada vez
mais povoados por grupos expulsos do centro expandido), por exemplo, e sim outras políticas
urbanas, tais como drenagem, segundo a lógica da disputa por recursos do fundo, isto é, o “conflito
distributivo”, que pendeu fortemente – segundo conclui – para as regiões (territórios) da cidade
habitadas pelas classes médias e superiores. Tanto o artigo anterior como este último tratam de
tema crucial à sanha neoliberal por privatização e altos lucros: os recursos hídricos, tais como rios,
saneamento, água e tudo que envolve a vida.
Finalizando esse eixo, o artigo Economia Criativa: uma estratégia de desenvolvimento urbano
em Belo Horizonte, de Renata de Leorne Salles, reflete sobre um tema bastante contemporâneo
e alvo de apropriações distintas: a chamada Economia Criativa. Foi incorporado a esse eixo em
razão de representar proposição – embora controversa – acerca de novas formas de economia e
ocupação do solo. Dialoga de forma reversa com o arcaísmo do setor extrativista, ao mesmo tempo
que pode incorporar elementos vinculados ao uso da água como recurso vital. Portanto, trata-se de
análise em perspectiva ampla sobre o velho e o novo no Brasil contemporâneo.
Dessa forma, o texto entende que a valorização local, de um sem-número de atividades
“empreendedoras”, poderá representar alternativa ao padrão rentista neoliberal vigente, tais
como: “os setores criativos dominantes/tradicionais da indústria cultural (patrimônio, artes,
literatura e atividades correlatas), [...] os setores da indústria de serviços criativos (design, moda,

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Apresentação

arquitetura, etc.), acrescidos das novas mídias e tecnologias e demais atividades correlacionadas
às indústrias culturais e criativas” (p. 444). Em outras palavras, propõe nova perspectiva, voltada
à maior inclusão e sustentabilidade do desenvolvimento econômico e social. Embora a força do
capital global venha incorporando a tudo e a todos, proposições como essa representa tentativa de
construção de novos espaços para além dos marcos neoliberais, mesmo que o próprio conceito de
Economia Criativa possa ser visto sob outras perspectivas.
No que se refere ao terceiro eixo de análise, que articula a inflexão neoliberal a novas formas
de produção e oferta da moradia, podemos situar o artigo de Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto
Rodrigues Soares e Heleniza Ávila Campos, Porto Alegre como máquina de crescimento: a produção
habitacional recente na metrópole. Nele, os autores analisam a dinâmica da produção imobiliária
na última década na Região Metropolitana de Porto Alegre, caracterizada por um forte volume
de investimentos, desassociado tanto da dinâmica dos ciclos econômicos como das taxas de
crescimento populacional. Capitaneado por um número concentrado de empresas, que se localizam
no núcleo do complexo urbano, imobiliário e financeiro local, o expressivo volume de investimentos
imobiliários verificado em Porto Alegre representa ao mesmo tempo causa e efeito de uma ampla
reestruturação produtiva, com a deslocalização da indústria do núcleo metropolitano, o qual que se
torna objeto da captura do setor secundário da acumulação.
Thêmis Amorim Aragão, no artigo A regulação do mercado imobiliário e política habitacional
no Rio de Janeiro, analisa as raízes do déficit imobiliário no Rio de Janeiro e identifica, a partir da
desagregação dos componentes do déficit, que, no caso do Rio de Janeiro, o ônus com a aluguel foi
a variável central subjacente à falta de acesso a moradias. O artigo problematiza a visão segundo a
qual a intervenção estatal deve centrar-se tão somente na produção pública da moradia; sugere um
leque de ações estratégicas por parte do estado que se afigurariam como mais relevantes do que
os tradicionais programas de provisão de habitação de interesse social.
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa e Jeroen Johannes Klink, no artigo
Produção do espaço residencial em Santos/SP: parâmetros urbanísticos e a “ordem urbana”, com
base na análise dos coeficientes de aproveitamento e leis que regularam a ocupação do solo no
município de Santos ao longo de cinco décadas (1968/2018), buscam testar a hipótese segundo
a qual o estado, por meio da sua ação reguladora, promove uma ordem urbana que privilegia a
produção residencial de alta renda. O artigo comprova a tese e identifica um duplo movimento de
generalização e focalização, pelo qual, graças à ação reguladora do estado, configura-se uma ordem
urbana direcionada à maximização dos lucros derivados da produção de novas localizações e ao
direcionamento da produção do espaço urbano residencial pelas camadas de alta renda.
No artigo A dimensão internacional nas transformações urbanas no bairro Floresta em Porto
Alegre, Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini e Gabrielle Araújo analisam, a partir da perspectiva da
glocalização, as transformações urbanas no bairro Floresta, localizado na região do 4º Distrito de
Porto Alegre, decorrentes do processo de neoliberalização e de financeirização. O artigo, por meio
da análise do caso empírico do bairro de Floresta, desenvolve proposta de metodologia capaz de
capturar a dimensão multiescalar da incidência dos fluxos de capital sobre o território, bem como a
dinâmica de formação de alianças, coalizões e parcerias público-privadas.

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Apresentação

Tomando como subsídio as análises do conjunto dos artigos a partir dos três eixos, devemos
relembrar que, desde os anos 1980 e sobretudo 1990, as chamadas “reformas orientadas para
o mercado”; o “Consenso de Washington”; a rational choice; o gerencialismo como movimento
internacional de “reforma” neoliberal do Estado, que levou à privatização da gestão e das políticas
públicas (o chamado “governo empresarial”, conforme Dardot e Laval); e a financeirização
informam teórica e ideologicamente reformas e transformações nas políticas públicas.
O território urbano e rural é tomado como “ativo” e articulado a teias internacionais e
financeirizadas. Resistências a esse vetor têm sido observadas em movimentos sociais voltados a
políticas específicas, em partidos políticos progressistas, por urbanistas, pesquisadores e cidadãos
comprometidos com a coletividade e com a igualdade de ter “direito à cidade”.
O campo de disputa está aberto e as eleições de 2022 apontam desde já para projetos
antagônicos entre as perspectivas social-democrata/centro-esquerda e neoliberal/extrema-direita.
Tal disputa também pode ser expressa em termos de civilização versus barbárie.
Este fórum intenta contribuir com subsídios aos(às) pesquisadores(as) e cidadãos(ãs) quanto
aos hercúleos desafios que a sociedade brasileira tem pela frente

Francisco Fonseca [I]


Humberto Meza [II]
Nelson Rojas de Carvalho [III]
Organizadores

[I] https://orcid.org/0000-0003-4339-4786
Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Administração de Empresas e Administração Pública, Programa de Pós-Graduação
em Administração Pública e Governo. São Paulo, SP/Brasil.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais. São Paulo, SP/Brasill.
franciscofonsecacp@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0001-5074-3337
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Observatório das
Metrópoles. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
meza.humberto@gmail.com

[III] https://orcid.org/0000-0001-6303-3406
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais. Seropédica, RJ/Brasil.
nrojascarvalho@gmail.com

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Apresentação

Referências

DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo – Ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.

NOBRE, E. (2019). Do plano diretor às operações urbanas consorciadas: a ascensão do discurso neoliberal
e dos grandes projetos urbanos no planejamento paulistano. São Paulo, Annablume.

PECK, J. (2012). Neoliberalismo y Crisis Actual. Documentos y Aportes en Administración Pública y


Ges ón Estatal, v. 12, n. 19, pp. 7-27.

450 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade:
o aluguel residencial como nova
fronteira de financeirização da moradia
Neoliberal management of precarity: rental housing
as a new neoliberal frontier of housing financialization
Isadora de Andrade Guerreiro [I]
Raquel Rolnik [II]
Adriana Marín-Toro [III]

Resumo Abstract
A ascensão do aluguel como forma de acesso à The rise of rental housing as a form of tenure
moradia tem sido observada atualmente na Amé- has been observed in Latin America, in the
rica Latina, inserida em um contexto de inflexão context of neoliberal inflection of social policies,
neoliberal das políticas sociais, financeirização e financialization and commodification of popular
mercantilização do território popular. Senhorios territories. Corporate landlords linked to global
corpora vos vinculados a gestores financeiros glo- financial managers operate in residential
bais operam, no mercado residencial, através de markets, articulated by digital platforms that
plataformas digitais, concentrando a extração de enable them to concentrate the extraction
renda de aluguel dispersa, com grande alcance e of a dispersed rent flow, with large capacity
flexibilidade normativa. Já, no lucrativo mercado of outreach and regulatory flexibility. In the
imobiliário popular, o aluguel informal é alimen- lucrative popular real estate market, informal
tado por remoções, despejos e uma nova geração rental housing is fueled by evictions and a new
de políticas públicas de moradia de aluguel: seja generation of public rental housing policies,
através de Parcerias Público-Privadas, seja com a either through Public-Private Partnerships or
introdução de vouchers, que ar culam mercados through the introduction of vouchers, which
residenciais populares informais às finanças, im- link informal rental housing markets to finance,
pactando territórios populares e redefinindo a mo- impacting urban popular territories and
radia como serviço. redefining housing as a service.
Palavras-chave: financeirização da moradia; alu- Keywords: financialization of housing, rental
guel residencial; senhorios corpora vos; parcerias housing, corporate landlords, public-private
público-privadas; informalidade. partnerships, informality.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5401 Crea ve Commons Atribu on
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

Introdução investidos nesses negócios e não nas neces-


sidades, demandas e desejos da população.
A financeirização da moradia tem sido obser- O desfinanciamento e abandono de outras
vada em todo o mundo por ampla bibliografia, modalidades de acesso a essas políticas, no
no entanto, como aponta Aalbers (2017), na caso, a moradia, são essenciais para que essa
análise do fenômeno é necessário articular a demanda seja cativa. Além disso, as lutas his-
dinâmica global com as condicionantes locais, tóricas em torno da moradia transformaram
o que envolve grande diversidade de experiên- essa pauta em extremamente relevante para
cias concretas. No caso da América Latina, en- a disputa político-eleitoral. Assim, o Direito à
tre as condicionantes locais e globais, destaca- Moradia parece estar sendo instrumentaliza-
mos o papel das agências internacionais (Ban- do, junto aos outros direitos sociais (Lavinas
co Interamericano de Desenvolvimento – BID e e Gentil, 2018), como lastro para fluxos finan-
Banco Mundial) na promoção de reformas dos ceiros e justificativa para as políticas propostas
modelos de financiamento e provisão habita- pelo Estado e pelo sistema político. É dessa
cional e também a chegada de empresas e cor- forma que essa demanda é transformada em
porações com atuação regional, conectadas a mercadoria, com a ativa ação, protagonismo
circuitos financeiros globais. Tais intervenções do Estado e do sistema político na abertu-
se dão num contexto de características históri- ra dessa nova frente de neoliberalização das
cas de desenvolvimento urbano, no qual a mo- políticas urbanas e sociais. O processo de
radia tem sido produzida nas dobras do legal e financeirização, portanto, precisa ser entendi-
do ilegal, do formal e do informal, em práticas do, também, como um momento de transfor-
marcadas por “virações”1 (Telles, 2007). Pre- mação do papel do Estado – não sua diminui-
tendemos, neste artigo, descrever as formas ção ou residualização –, quando as políticas
mais recentes através das quais a financeiri- públicas direcionadas a atender direitos sociais
zação da moradia tem se desenvolvido na re- e a mobilização de fundos públicos são meios
gião através do mecanismo do aluguel, com a para viabilizar abertura de frentes e acionar
hipótese de que sua forma flexível – que trans- fluxos financeiros.
forma a habitação em um serviço – pode ser a
nova fronteira da conexão entre as finanças e o
setor imobiliário, com capacidade de alcançar Financeirização da moradia
o mundo popular, através de nova forma de
gestão dos ilegalismos ( ibid., 2013) na qual o
na América La na:
poder público tem papel fundamental e distin- flexibilização regulatória
to de outros momentos históricos. e insegurança habitacional
Tal caráter histórico específico do Estado
se insere na inflexão neoliberal das políticas A expansão da conexão das finanças com o
sociais, em que cabe a ele o papel de garan- setor imobiliário na região percorreu, desde
tir, para o mercado, uma demanda cativa para a década de 1990, um caminho que partiu
seus produtos, moldados e definidos a partir de produtos ligados aos espaços comerciais,
das expectativas de remuneração dos capitais com a formação dos primeiros Real Estate

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Gestão neoliberal da precariedade

Investment Trusts (Reit nos EUA) 2 – princi- informalidade impõe um alto grau de insegu-
palmente torres corporativas (Fix, 2007), rança jurídica. Na década de 1990, as teses
shoppings centers e galpões logísticos (Rolnik sobre titulação em massa de assentamentos
et al., 2018) –, até chegar à habitação. O se- informais do peruano De Soto (2001) foram
tor habitacional é estratégico nesse processo, aclamadas pelos órgãos multilaterais como
por se tratar de uma necessidade universal: solução para essa questão, sendo implantadas
há potencialidade de alcançar grande escala e, em diversos países da América Latina. No en-
ainda, em função de seu grande apelo político, tanto, não lograram promover maior acesso
poder contar com apoio de fundos e interven- ao crédito, entre outros motivos, dado o baixo
ções públicas. nível de bancarização da população dos países
A construção da conexão entre a mora- (Cockburn, 2011; Riofrio, 1998). Sendo assim,
dia e as finanças passou por diversas fases na a informalidade na produção habitacional con-
região. Desde a década de 1990, na América tinua sendo até hoje um limite para a financei-
Latina, ocorreram dois processos paralelos: rização da moradia popular.
o primeiro foi ligado à produção massiva de Nossa hipótese, neste artigo, é a de que
casas próprias, mobilizando financiamento as transformações recentes nos mercados ha-
imobiliário; o segundo deu-se no campo da bitacionais da região, ligadas ao incremento
autopromoção de moradia, com políticas de do aluguel e a mecanismos de concentração
regularização fundiária. O primeiro processo de seus fluxos de rendas, têm capacidade de
teve, no Chile, um importante laboratório que incidir nas duas frentes (produção de novas
se desenvolveu ainda na década de 1980, no unidades e intervenção em assentamentos),
qual o financiamento era baseado em títulos configurando uma nova fronteira de expansão
de hipoteca, comercializados no mercado se- das finanças sobre o imobiliário. A habitação
cundário. Assim, configurava-se um sistema transformada em serviço por meio do aluguel
de oferta privada de habitação com subsídio à ganha maior flexibilidade normativa, de produ-
demanda, vinculado ao sistema financeiro via ção e de mobilização de demanda, deslocando
mercado de hipotecas (Mioto, 2015; Rolnik, a questão da moradia da necessidade de res-
2019). Esse modelo se expandiu pela região e posta à precariedade e à informalidade e reco-
ganhou escala durante a década de 1990, com locando-a no campo da gestão da insegurança
a abertura de capital das empresas do merca- habitacional. Neste, os vínculos entre moradia
do imobiliário (Fix, 2011), primeiramente no e finanças deixam em segundo plano a rentabi-
México (através do Programa Infonavit), che- lidade advinda da produção em escala da mo-
gando ao Brasil no final da década de 2000, já radia em propriedade, priorizando a remune-
como política anticíclica em resposta à crise hi- ração do capital investido através de fluxos de
potecária de 2008 (Programa Minha Casa Mi- renda centralizados e de larga permanência no
nha Vida – PMCMV). tempo – apoiando-se (e consolidando) o con-
No entanto, o modelo predominante texto de transitoriedade permanente (Rolnik,
de moradia – a autopromoção da moradia e 2019) ao qual as classes populares estão sub-
da cidade – sempre foi o limite para a expan- metidas. Ganham espaço, nesses processos,
são da financeirização, na medida em que a diversas formas de parcerias público-privadas,

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

nas quais – em nome das necessidades habi- O Estado, nesse processo, acaba transferindo a
tacionais da população – o fundo público é responsabilidade de atendimento dos direitos
mobilizado seja para ativar rendas imobiliárias sociais e proteção dos trabalhadores para em-
a partir da disponibilização de terras públicas; presas de plataforma que, por sua vez, ao se
seja para dar segurança aos contratos através posicionarem apenas como intermediadoras
de fundos garantidores (Rolnik et al., 2018); do serviço, transferem tal responsabilidade pa-
ou, ainda, como fluxos de remuneração ao ra o “consumidor” que, assim, perde seu lugar
longo do tempo que podem ser securitizados. de cidadão a ser protegido e atendido. Segun-
Dessa maneira, a habitação, assim como todos do Abílio:
os demais direitos sociais, pode ser assegura-
A uberização refere-se às regulações
da através de serviços terceirizados (Lavinas e
estatais e ao papel ativo do Estado na
Gentil, 2018). eliminação de direitos, de mediações e
Neste artigo, olharemos inicialmente pa- controles publicamente constituídos; re-
ra as transformações globais que têm ocorrido sulta da flexibilização do trabalho, aqui
no setor habitacional pós-crise hipotecária de compreendida como essa eliminação de
freios legais à exploração do trabalho,
2008, que têm mobilizado predominantemen-
que envolve a legitimação, legalização e
te o mecanismo do aluguel como forma de banalização da transferência de custos
extração de renda imobiliária, conformando e riscos ao trabalhador. Por essa pers-
grandes carteiras globais de ativos de proprie- pectiva, ela se conecta ao direito como
um campo em movimento, de disputas
tários corporativos ligados ao mercado finan-
permanentes em torno das regulações
ceiro. Abordaremos, em seguida, como estão que materializam os conflitos, as assi-
se dando as conexões dessas novas dinâmicas metrias e desigualdades, e as vitoriosas
com os territórios das classes populares, atra- legitimidades que os envolvem. Ainda,
vessados pela informalidade. na relação entre inovação tecnológica e
papel do Estado, a uberização também
Mostraremos como essa sua condição
se refere aos desafios nacionais ante os
constitutiva, que a princípio parece ser um espaços transnacionais que se formam
obstáculo para a expansão das finanças sobre no ciberespaço do mundo do trabalho,
esses territórios, tem marcado fortemente a dando uma nova dimensão ao que David
financeirização num momento de flexibiliza- Harvey (1992) denominou “organização
na dispersão”. (Ibid., pp. 112-113)
ção mundial das relações de trabalho e sua
concentração através de fluxos de renda, for-
ma própria da chamada “uberização”, na qual
ganham centralidade formas de autogerencia-
mento próprias à informalidade histórica lati-
Pós-crise hipotecária: ascensão
no-americana: “Está em jogo a tendência de dos mercados de aluguel
uma generalização em nível global de caracte-
rísticas persistentemente invisibilizadas e for- Para compreender essa nova etapa na estru-
temente associadas à marginalidade, ao traba- turação dos mercados residenciais na América
lho informal e, mais genericamente, ao mundo Latina, será necessário observar a transforma-
do trabalho da periferia” (Abílio, 2020, p. 113). ção estrutural em marcha nos cenários globais,

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Gestão neoliberal da precariedade

mas que também tem se intensificado há cerca levou à situação atual de que a média da região
de duas décadas na região: o crescimento dos para a locação residencial seja de cerca de ape-
mercados de aluguel residencial, em todas as nas 20%, 3 enquanto, na Europa, esse número
faixas de renda. seja, em média, de cerca de 30% (variando en-
É uma transformação importante dentro tre 20% na Islândia e 55% na Suíça) e, nos EUA
de um quadro relativamente estável, a partir e Canadá, 33% (Blanco, Cibils e Muñoz, 2014).
das décadas de 1950/1960, de acesso à mora- Esse cenário, no entanto, tem mudado
dia por meio da posse ou propriedade privada em vários países: segundo dados da Cepal,
e autoconstrução, com grande presença de in- desde 2000 cresceu 8,8% a porcentagem dos
formalidade em vários aspectos da produção, domicílios alugados, com México, Paraguai,
comercialização e uso da moradia. Em toda a Uruguai e República Dominicana com variação
América Latina, esse processo que combinou acima da média, e destaque para Brasil, Argen-
a fase de industrialização pesada com a predo- tina, Colômbia, Costa Rica, Chile e Nicarágua,
minância do acesso à moradia através da posse com variações acima de 20% (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Variação da porcentagem de domicílios alugados por país,


de 2000 a 2020

Fonte: elaboração própria com dados da Cepal (s./d.).

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

Essa tendência de alteração do perfil o capital financeiro ao autoempresariamento,


das formas de posse das moradias apresenta forma social que também é crescentemente
dinâmicas diferentes, porém combinadas, nos mobilizada nesse processo.
diversos extratos de mercado. Nos mercados A partir de bibliografia recente, vemos
formais, a tendência é de concentração de que o aumento da relevância da conexão do
ativos em carteiras de investidores institucio- aluguel residencial com as finanças coloca em
nais, como veremos a seguir, com grande seg- andamento uma nova frente de financeirização
mentação de perfil de demanda, muitas vezes da moradia e despossessões em escala global.
apoiadas por parcerias público-privadas. Já,
Trata-se de uma nova onda de financei-
nos mercados informais, que abordaremos na
rização da moradia, cujo epicentro é a
sequência, a tendência é também a instaura- moradia de aluguel. Há um novo tipo de
ção de novas formas de extração de renda via locador, geralmente corporativo e ligado
regimes de controle privado de gestão territo- a gestores de ativos financeiros transna-
rial, imersos ou não em circuitos ilícitos e ali- cionais, que passou a controlar um gran-
de volume de casas ou apartamentos
mentadas muitas vezes por políticas públicas
para locação em várias cidades. (Rolnik,
de distribuição de vouchers. 2019, p. 385)

A crise financeira global – ou do Atlântico


Norte, segundo a Aalbers (2019) – colocou em
Desde cima: a ascensão evidência a relação central da moradia com as
do proprietário corpora vo dinâmicas de acumulação de riqueza e de ren-
tabilidade, sublinhando como os imperativos
O aluguel como forma de acesso à moradia de acumulação criam ciclos de especulação,
tem crescido em todo o mundo após a crise com efeitos perversos, como a própria crise
global de 2008, através seja das transforma- hipotecária-financeira indicou (Fields, 2018).
ções em curso nos mercados residenciais pri- Após 2008, em função da debacle financeira e
vados, seja da emergência e disseminação de imobiliária, a moradia em propriedade de vá-
uma nova geração de políticas públicas volta- rios países do Norte global deixou de ser sinô-
das a promover moradia social de aluguel. Nos nimo de segurança habitacional (Ronald, 2008).
mercados privados, assistimos ao surgimento Nesse contexto, tanto o acesso como a procura
de senhorios corporativos (Fields, 2018) e tam- de habitação em propriedade diminuíram.
bém da oferta das moradias por meio de novos Nos Estados Unidos, por exemplo, fun-
modelos de gestão ligados à “economia com- dos private equity aproveitaram-se das fortes
partilhada”, que articulam capitais financeiros quedas de preços das casas para comprar mi-
a plataformas digitais (ibid., 2019), prometen- lhares de unidades, convertendo-as em oferta
do democratização do acesso aos mercados de habitação em locação, dado o aumento da
residenciais e formação de comunidades ba- procura, e, ao mesmo tempo, lançaram novos
seadas na predominância do uso sobre a pro- instrumentos financeiros respaldados por esse
priedade (Tavolari e Nisida, 2020; Slee, 2017). tipo de posse (Fields, 2017). Estes, somados
Essas novas formas articulam as corporações e à expulsão de pessoas e famílias das casas

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Gestão neoliberal da precariedade

hipotecadas, novas barreiras de acesso ao cré- são apartamentos de unidades mínimas, com
dito, além de salários cada vez menos estáveis padrão hoteleiro, serviços compartilhados e
(Hochstenbach e Ronald, 2020), fizeram com associado ao mercado do e-commerce, mui-
que a moradia de aluguel tivesse um papel tas vezes vinculado ao aluguel residencial
relevante na história da crise financeira global via plataforma de curto prazo como Airbnb
(Kemp, 2015, p. 601, apud por Hochstenbach (Vannucchi, 2020).
e Ronald, 2020). Assim, surgem os denomina- Para terem mais “aderência” – ou seja,
dos Global Corporate Landlords (Beswick et conformarem a mercadoria mais adaptada a
al., 2016), que centralizam internacionalmen- esse mercado –, os imóveis residenciais preci-
te a gestão financeira de grandes carteiras de sam se despojar de suas características locais,
ativos imobiliários. Esses proprietários corpo- seja qualitativamente, seja na forma de gestão
rativos globais também estão presentes no de sua propriedade, para que possam ser cen-
contexto de privatização do parque de locação tralizadas em fundos, que exigem um padrão
habitacional público de cidades europeias. de rentabilidade alcançado com a padronização
Na América Latina, a moradia em pro- da mercadoria. Mais do que isso, há uma mu-
priedade tem desempenhado um papel políti- dança fundamental na forma de morar, que
co muito mais relevante em comparação com passa a ser encarada diretamente como servi-
a realidade de alguns países do Norte global ço, na medida em que a relação que se esta-
(Santana-Rivas, 2020), onde tem existido – em belece entre proprietário e consumidor é a de
diferentes níveis, profundidade e relevância – uso, por determinado tempo, e não a de venda.
uma trajetória habitacional ligada à moradia O interesse por parte dos proprietários
de aluguel, inclusive através de políticas pú- corporativos pelo modelo multifamily é que
blicas. Na América Latina, em geral, o aluguel se trata de um ativo anticíclico, ou seja, que
sempre funcionou com bastante autonomia, responde melhor em períodos de crise, sendo
ou seja, um mercado privado, fragmentado e uma alternativa a outros ativos, como indus-
pulverizado, desenvolvido tanto no mercado trial, escritórios e retail, os quais têm um de-
formal como no informal. Porém aparecem no- sempenho que se vincula mais ao crescimen-
vos atores envolvidos num mercado de aluguel to econômico. Além disso, o multifamily atua
apropriado e gerido em grande escala, sob a como um refúgio contra a inflação, devido ao
lógica da financeirização, isto é, emergem ato- fato de os preços do aluguel aumentarem em
res corporativos que administram em grande proporção superior à inflação, 4 juntamente
escala ao invés do pequeno proprietário, não com os próprios ganhos de capital que o ativo
profissionalizado, de apenas uma propriedade. proporciona ao investidor (CBRE, 2019).
O que temos observado até agora na re- Na América Latina, o modelo multifamily
gião é o surgimento do modelo multifamily, já para aluguel teve início no Chile, em 2013
bastante expressivo nos EUA: edifícios que não (Asset, s./d.), e foi exportado por investidores
compõem um condomínio (soma de frações daquele país para outras cidades da região,
de propriedade), mas são uma única proprie- em dois países especialmente: Peru e Colôm-
dade, que aluga frações, num modelo de ges- bia (Osorio, 2020), mas também está presente
tão centralizada e padronizada. As tipologias no México (WSJ, 2016) e no Brasil.5 A seleção

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

desses países ocorre porque seus governos im- As novas formas de aluguel sob a lógica
plementaram instrumentos e mecanismos que da financeirização, portanto, conformam um
facilitam a circulação de capital no ambiente mercado muito recente na América Latina,
construído, medidas que permitem criar um mas que tem apresentado força para ingressar
ambiente "seguro" para o investimento. São na região e se posicionar, inclusive, como parte
esses países, atualmente, os que mais atraem da política pública, como veremos a seguir.
diferentes fluxos financeiros internacionais pa-
ra a propriedade imobiliária na região.
A relação das empresas locais com gran-
“Desde abaixo”: um novo
des Global Corporate Landlords, além dos
fundos de investimento estrangeiros, dá-se
extra vismo entre a
também por meio da compra de suas plata- informalidade e as finanças
formas digitais, que lhes permitem ser gran-
des operadoras de unidades destinadas ao O processo de “inquilinização” na América La-
aluguel residencial. Os avanços tecnológicos tina também se dá nos territórios populares,
no mercado de aluguel têm sido fundamen- ou seja, o aumento da porcentagem de mo-
tais para adaptar estratégias de acumulação radia alugada em relação à moradia própria,
financeira impulsionadas pela propriedade, independentemente da legalidade da posse
para um novo segmento de mercado de loca- (Abramo, 2009 e 2012). A fase de produção
ção (Fields, 2019). massiva de casas próprias, embora tenha feito
As empresas que estão desenvolven- cair a coabitação familiar, assim como a habita-
do o modelo multifamily na América Latina ção precária, colaborou para um aumento do
estão, portanto, expandindo um mercado de preço da terra e, consequentemente, um in-
tipologias padronizadas mundialmente, com cremento do aluguel. No caso do Brasil, tal ten-
perfil segmentado, vinculando serviços habi- dência de mudança de vínculo de propriedade
tacionais a outros serviços urbanos por meio fez com que o déficit habitacional tenha altera-
de plataformas digitais. Os proprietários são do de perfil durante a primeira metade da dé-
de perfil corporativo, com gestão centralizada cada de 2010, ao mesmo tempo que o PMCMV
e profissionalizada: fundos de investimento e estava sendo implantado, fazendo com que a
de aposentadoria, gestores imobiliários, family participação do indicador de ônus excessivo
offices, companhias de seguro. Uma caracterís- de aluguel crescesse exponencialmente. 7 No
tica importante, no caso da América Latina, é Chile, em 2015, 28% dos inquilinos pagavam
que a implantação desse modelo envolve uma mais de um terço de suas rendas familiares no
reestruturação das empresas locais, que pas- aluguel, indicando também déficit por ônus ex-
sam a ter aportes de empresas internacionais cessivo (Link, Marín-Toro e Valenzuela, 2019).
de gestão imobiliário-financeira (europeias, Esse fenômeno merece ser aprofunda-
norte-americanas ou asiáticas), fazendo com do na medida em que parece fazer parte de
que exista uma centralização da gestão locatí- um processo maior de transformação, em to-
cia de forma externa aos países.6 da a América Latina, das relações de trabalho

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Gestão neoliberal da precariedade

e das dinâmicas de moradia. Desde a década da sua presença e, principalmente, na forma


de 1960, a fase de industrialização da região de sua produção, na medida em que ele é em-
era assentada na estabilização da força de tra- preendido, como negócio, desde a ocupação
balho urbana por meio, predominantemente, ou compra do lote ou imóvel, em processos
do trabalho assalariado em combinação com que emulam a incorporação imobiliária formal
o acesso à moradia pela posse ou propriedade (Abramo, 2012). A flexibilidade típica do neo-
privada, através principalmente de processos liberalismo – aqui representada pelo aluguel
de autoconstrução. Dessa maneira, o aumen- de trabalho ou de moradia – é mercantilizada
to do acesso à moradia popular por meio da e centralizada como fluxo de rendas dispersas
locação informal parece fazer parte de uma desde sua produção, nos marcos do empreen-
nova conjuntura de mudanças no mercado de dedorismo.
trabalho, de caráter cada vez mais flexível e co- Tal flexibilidade, no entanto, precisa ser
nectado com a lógica própria às finanças, que analisada do ponto de vista do enlace entre a
centralizam contratos desregulamentados e tendência de flexibilidade no mercado formal
dispersos sob a forma da “uberização”: com a informalidade histórica da região, seja
na produção habitacional, seja no trabalho.
É possível também conceituá-la [a ube-
Nossa hipótese é a de que a locação parece
rização] como um amplo processo de
ser um mecanismo importante desse enlace,
informalização do trabalho, processo que
traz mudanças qualitativas para a própria na medida em que separa propriedade de uso,
definição de trabalho informal. Mostra- transformando a moradia em serviço – movi-
-se complexa e poderosa na redefinição mento no qual a rentabilidade extraída a partir
das relações de trabalho, podendo ser
da gestão habitacional parece ser mais rele-
compreendida como mais um passo no
vante do que aquela propriamente relacionada
processo de flexibilização do trabalho, ao
mesmo tempo que concorre com as ter- à sua produção.
ceirizações na forma como as conhece- A locação residencial permite a formali-
mos nas últimas décadas. Opera também zação de contratos que geram fluxo contínuo
com um novo meio de monopolização de de renda e dão acesso à moradia em imóveis
atividades econômicas (Slee, 2017) e de
sem propriedade formal registrada ou cuja le-
centralização do controle sobre o traba-
lho. (Abílio, 2020, p. 112) galidade urbana não é completa. Isso porque o
aluguel opera numa relação contratual privada
A flexibilidade do mercado laboral pa- específica: tais contratos não exigem obriga-
rece estar também relacionada com a flexibi- toriamente comprovação de propriedade ou
lidade do acesso à moradia, em particular nas de regularidade (edilícia e urbana) do imóvel
classes populares, com papel relevante do em- ou da parte dele alugada, estes servindo ape-
preendedorismo na busca de sustento cotidia- nas no caso de intervenção do poder judiciá-
no – no qual a atual mercantilização da antiga rio no caso de despejos. Dessa maneira, o
autoconstrução por meio do aluguel também contrato de aluguel acaba por contratualizar
faz parte. Dessa maneira, embora o aluguel na rendas periódicas que podem ser capitalizadas
autoconstrução não seja uma novidade (Rolnik e comercializadas em mercados secundários
e Bonduki, 1982), há alterações na relevância e uma moradia que, do ponto de vista físico

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

e jurídico-administrativo, pode ser informal essas políticas ainda não estejam vinculadas
e precária. Trata-se de um mercado diverso diretamente às finanças, estão dando seus
daquele de compra e venda de imóveis, pois primeiros passos nesse sentido, quando co-
a falta de formalização completa da proprie- meçam a propor um fluxo constante de rendas
dade não impede contratos legais de locação por meio de vouchers a gestores de carteira de
ou, ainda, contratos “de gaveta”, mediados locação destinados a populações removidas,
por forças de gestão local. Assim, configura-se como veremos adiante.
um grande mercado de extração de rendas, ao O terceiro relaciona-se ao processo aci-
mesmo tempo que a demanda por locações ma citado de “uberização”, ou economia com-
mais baratas ganha ainda mais centralidade na partilhada. No campo da habitação, vale citar a
medida em que vão escasseando novas terras crescente centralidade dos Títulos de Impacto
nos centros urbanos em expansão periférica Social (Social Impact Bonds – SIB), que têm bus-
da América Latina (ibid.). cado soluções de locação popular nos centros
A hipótese, portanto, é a de que esta- das grandes metrópoles (Santoro e Chiavone,
mos diante de três processos em curso que 2020), conectando sua rentabilidade a fundos
conformam os nexos entre os mercados po- e títulos negociados internacionalmente.
pulares – da informalidade histórica à recente Importante analisar como cada um des-
precarização das classes médias e reprodução ses três processos se desenvolve atualmente,
social do novo “precariado” (Braga, 2012) – e mas, também – e talvez de maneira ainda mais
as finanças. O primeiro, e mais antigo, é aquele relevante –, como os três se inter-relacionam
vinculado aos mercados ilegais de mercadorias na medida em que ocorrem em um mesmo
e drogas que atuam de forma transnacional. território, em um mesmo mercado, disputan-
Pesquisas recentes mostram como mercados do e articulando práticas, agentes e repertó-
de locação residencial em áreas de controle rios distintos, entrelaçando de novas formas os
miliciano são fundamentais para sua manuten- mercados corporativos e os mercados popula-
ção econômica e expansão territorial (Hirata res de moradia.
et al., 2021); além de serem importantes for- Assim, a tendência à flexibilização das
mas de lavagem de dinheiro desses merca- relações formais de trabalho e moradia cons-
dos transnacionais (Abreu, 2020) e, também, titui um movimento duplo em economias pe-
investimento produtivo de rendimentos de riféricas como as latino-americanas: por um la-
negócios internacionais bastante lucrativos do, a formalização – ou institucionalização – da
(Giavarotti, 2018; Feltran, 2019). precariedade gera insegurança na reprodução
O segundo é um tipo de política públi- da vida e, por outro lado, é essa mesma inse-
ca de cunho neoliberal que terceiriza a res- gurança que, ao ser gerida como serviço por
ponsabilidade legal e a qualidade da moradia meio da locação temporária (de trabalho ou de
de aluguel ao próprio beneficiário, através moradia), pode permitir ganhos financeiros no
de auxílios mensais e sem nenhum controle mercado e, ao mesmo tempo, pressionar no
ou gestão sobre o parque locatício mobiliza- sentido de mudanças nas formas de atuação
do através desses auxílios. Embora, no Brasil, do poder público.

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Gestão neoliberal da precariedade

Essa “nova informalidade” – que es- favelas, construção de cômodos verticalizados


tabelece vínculos seja com o poder público, para aluguel e práticas informais de incorpora-
seja com o mercado, sem, no entanto, se for- ção que emulam as práticas formais.
malizar integralmente – é um processo que A aproximação das práticas informais
ocorre concomitantemente, nos territórios daquelas de produção formal do território nos
periféricos, com outros elementos. De acor- faz pensar se ainda faz sentido falar em infor-
do com Abramo (2009), a escassez de novas malidade na caracterização desses mercados,
terras periféricas transforma e intensifica a com dinâmicas que, cada vez mais, espelham
dinâmica de disputa por elas – pelo mercado os chamados mercados formais. Ou, ainda, o
formal ou informal. Isso gera, entre outras di- que caracterizaria o informal nesses mercados,
nâmicas, o adensamento, via mercado infor- diferenciando-os, hoje, dos chamados merca-
mal, dos assentamentos já consolidados, 8 nos dos formais? Segundo Telles (2007),
quais começa a aparecer certa centralização
Justamente o que sempre foi considera-
de capitais9 e gestão territorial privada – mui- do evidência de nossas incompletudes, a
tas vezes de caráter militarizado, mas não só: “exceção do subdesenvolvimento”, para
outros agentes também têm se aproximado, lembrar aqui as proposições de Chico de
Oliveira, é que passa a estar inteiramen-
como instituições empresariais, fornecedores
te em fase com os rumos de um mundo
de serviços urbanos10 e plataformas de aluguel globalizado que também fez generalizar
popular,11 que atuam numa zona nebulosa en- por todos os lados os fluxos das chama-
tre a formalidade contratual e a informalidade das economias subterrâneas nas fron-
urbana e edilícia. As formas de regulação des- teiras cada vez mais indefinidas entre
o legal e o ilegal, o formal e o informal.
sa zona cinzenta são sempre privadas e, no ca-
Ou então o que Roger Botte define co-
so das plataformas de aluguel, têm enfrentado mo “economias traficantes”, que se es-
disputas judiciais em torno do enquadramento palham também por todos os lados nas
de seus negócios (Tavolari e Nisida, 2020). sendas abertas pela liberalização finan-
Do ponto de vista econômico, há uma ceira, pela abertura de mercados e pelo
encolhimento dos controles estatais num
dificuldade de concentração de capital nas es- tal intrincamento entre o oficial e o pa-
feras informais de acumulação por conta da ralelo, o legal e o ilegal, o lícito e o ilícito
sua contratualização jurídica “falha”. No en- que estas polaridades perdem qualquer
tanto, isso não significa menos lucratividade, sentido e tornam obsoletas as controvér-
sias em torno do formal e do informal.
pelo contrário: trata-se de um submercado de
(pp. 204-205)
rentabilidade superior às áreas formais das ci-
dades, chegando a ser de três a quatro vezes Cabe aqui a análise empreendida por
mais alta, segundo dados de Abramo (2009) e Gago (2015), para quem os circuitos finan-
Meyer et al. (2017). Isso tem feito com que ha- ceiros de acumulação globais não podem ser
ja uma nova forma de mercantilização dos ter- compreendidos apenas por sua esfera de cir-
ritórios populares, muito baseada no mecanis- culação “pelo alto” – no interior das bolsas de
mo da locação, quando é acionada toda uma valores e corporações, através dos fundos de
produção do espaço vinculada a novas tipolo- investimento financeiro inseridos na produ-
gias, como a formação de cortiços dentro das ção imobiliária. Também “desde abaixo” tais

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

circuitos são, antes de tudo, extratores centra- antagônicos produziam uma esfera pública
lizados de valor de muitas propriedades difu- marcada pelo dissenso próprio à democracia
sas e “autogeridas”, mediadas e construídas (Ranciére, 1996). Segundo Gago (2015), é ne-
por práticas populares de reprodução da vida cessário entender, no caso latino-americano,
e de subsistência à “viração” (Telles, 2007), que se trata de uma condição política que não
resolvidas atualmente pela matriz empreende- depende da legitimidade e da vontade dos go-
dora. Segundo a autora argentina: vernos, na medida em que estes apenas devem
garantir as condições da concorrência:
[…] a pluralização do neoliberalismo pe-
las práticas populares provenientes “des- Por Neoliberalismo “desde abajo” me
de abajo” permite ver sua articulação refiro então a um conjunto de condições
com formas comunitárias, com táticas que se concretizam além da vontade de
populares de resolução da vida, com em- um governo, de sua legitimidade ou não,
preendimentos que alimentam as redes porém se convertem em condições so-
informais e com modalidades de nego- bre as quais opera uma rede de práticas
ciação de direitos que se valem desta e saberes que assumem o cálculo como
vitalidade social. (Gago, 2015, p. 31; tra- matriz subjetiva primordial e que funcio-
dução livre) na como motor de uma poderosa econo-
mia popular que mistura saberes comu-
Tal análise se coaduna com o argumento nitários autogeridos e intimidade com o
dos franceses Dardot e Laval (2016), para quem saber-fazer na crise como tecnologia de
o neoliberalismo não se limita a uma ideologia uma autoempresarialidade de massas.
econômica, mas principalmente atua na gover- (p. 25; grifos nossos; tradução livre)

namentalidade12 da sociedade, conformando


uma racionalidade, uma subjetivação, que se Se o empresariamento perpassa todas
generaliza em torno das diversas faces do em- essas esferas, tendo o cálculo como matriz
preendedorismo – cuja métrica é a da compe- subjetiva e a securitização financeira como las-
tição entre “empresas de si mesmo”. Na pers- tro das políticas públicas, significa que temos
pectiva dos autores, o Estado passa a instaurar que também aprofundar a caracterização das
um sistema de direito específico, baseado na novas formas extrativas-despossessivas, não
concorrência em que ele mesmo se coloca, mais baseadas no conjunto sociedade salarial,
constituindo-se como agente de mercado: “Re- autoconstrução e Estado interventor.
sulta dessa primazia absoluta do direito priva-
O Neoliberalismo sobrevive, no entanto,
do um esvaziamento progressivo de todas as por cima e por baixo: como renovação
categorias do direito público que vai no sentido da forma extrativa-despossessiva em um
não de uma ab-rogação formal destas últimas, novo momento de soberania financei-
mas de uma desativação de sua validade ope- rizada e como racionalidade por baixo
que negocia benefícios nesse contexto de
ratória” (ibid., p. 378). Tornam-se mais fluidas,
despossessão, em uma dinâmica contra-
portanto, as categorias antes muito consolida- tual que mistura formas de servidão e de
das de “trabalhador”, “comunidade”, “poder conflitividade. (Ibid., p. 23; grifos nossos;
público” e “setor privado”, nas quais interesses tradução livre)

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Gestão neoliberal da precariedade

Nesse sentido, queremos chamar a aten- cultural, política, ou também pode se


ção para o papel do aluguel nesse contexto, dar a partir da violência e do controle da
força, segundo se constata em algumas
entendendo-o como uma categoria que precisa
investigações empíricas sobre o merca-
ser pensada historicamente, pois nos parece do informal na América Latina (Abramo,
ser relevante o fato de ele estar sendo aciona- 2009). Como indicam muitos estudos da
do como nova fronteira de expansão de manei- literatura da antropologia econômica,
ra consensual por parte das políticas públicas os mecanismos de convivência comuni-
tária que garantem a ordem social local
(como veremos a seguir), do setor imobiliário
exigem algum tipo de forma coercitiva
e do mercado imobiliário informal. Talvez, o para restringir e controlar os comporta-
aluguel apareça, dessa maneira, consensual, mentos conflituais (ou desviantes). Essas
por ser um instrumento que possibilita a ges- formas podem assumir a modalidade de
tão do empresariamento popular, lastreado na uma força coercitiva coletiva passiva, re-
presentativa e/ou impositiva. (Abramo,
manutenção de largo espectro de população
2012, p. 44; tradução livre)
despossuída, em constante “viração” (Telles,
2007), submetida aos regimes privados de
Queremos chamar a atenção ao fato de
gestão territorial – cujo caráter híbrido de in-
que tais características da informalidade nas
termediações econômicas, sociais e políticas é
economias periféricas – autogerenciamento
central. Tais regimes privados de controle ter-
comunitário com formação de regimes priva-
ritorial assumem formas distintas nos vários
dos locais de controle – são a base social na
países latino-americanos, porém têm caracte-
qual a financeirização ligada à plataformização,
rísticas semelhantes: relação entre o mercado
ou “economia compartilhada” (Slee, 2017), se
de terras e os mercados ilícitos de mercadorias,
assenta. Como vimos no item anterior, no caso
uso de violência privada discricionária e inter-
da moradia, a locação tem sido um mecanismo
mediação de práticas sociais variadas dentro
por meio do qual as finanças têm se apropria-
do território. Segundo Abramo (2012), a infor-
do dos mercados locais dispersos e desregu-
malidade dos mercados de locação necessita
lamentados. Assim, cabe um olhar atento às
de mediadores contratuais locais, que têm as-
transformações recentes nos territórios popu-
sumido várias funções nas comunidades:
lares, cuja maior presença de serviços por pla-
Essa figura de mediação contratual, que taforma ou startups – de aluguel, de reformas,
podemos chamar de “autoridade”, é de- de regularização fundiária ou de serviços urba-
terminante para a manutenção dos con-
nos – coaduna-se com lógicas de privatização,
tratos informais e para sua permanência
no tempo e garante a condição intertem-
formando uma trama de relações do neolibe-
poral e intergeracional dos contratos do ralismo “desde abaixo”. Tal controle privatiza-
mercado informa de terra. [...] Essas au- do das relações dá lugar, em alguns contextos,
toridades locais são um resultado de pro- a uma “lógica miliciana” (Rizék, 2019) que
cessos históricos (de cada comunidade
centraliza e gerencia serviços urbanos – entre
local) que atribuem um lugar de autori-
dade a partir de uma infinidade de suces- eles, o aluguel informal, mobilizando o uso da
sos sociais legitimadores. Essa legitimida- violência, como mostram recentes pesquisas
de pode ser de natureza religiosa, étnica, no Rio de Janeiro (Hirata et al., 2021).

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Essas pesquisas trazem dados que mos- (IFC). Sua estratégia baseou-se na narrativa de
tram, inclusive, a promoção de tomadas de “emergência econômica” (Paulani, 2010) dos
territórios e unidades habitacionais com uso países, que só poderia ser superada, nos seus
da violência ou remoções discricionárias por argumentos, com o investimento privado como
dívidas, cujo estoque construído disponibili- antecipador de recursos para políticas públicas
zado forma carteiras de aluguel gerenciadas para Estados que não poderiam mais se endi-
por grupos locais associados a mercados ile- vidar. Esse modelo implanta um novo contrato
gais (ibid.). Diante desse contexto, como vere- social, privatizando direitos, a serem geridos de
mos a seguir, as políticas públicas de subsídio maneira privada como serviços públicos (Rolnik
à locação difusa em parque privado (como os et al., 2018).
vouchers) podem, dentro desses territórios, No campo urbano e habitacional, isso
inclusive promover articulações entre práticas significou a passagem do modelo de negocia-
criminais e finanças. ções participativas na esfera pública, de caráter
político e conflitual, para uma lógica do direito
liberal baseada na contratualização privada, na
qual a gestão contratual ganha centralidade. É
Nova fase das polí cas o momento de implantação da cidade-empre-
públicas de habitação: endedora baseada na governança urbana (Har-
contratualização público- vey, 2006), que se deu de maneiras distintas em
cada um dos países latino-americanos, porém
-privada e financeirização sempre seguindo uma lógica de empresaria-
por meio do aluguel mento da gestão urbana, com papel importan-
te das terras e dos fundos públicos na estrutu-
Durante os anos 1990, nas primeiras fases ração de negócios privados. Longe da ideologia
do neoliberalismo latino-americano, a rela- do Estado mínimo, esse modelo de concessão
ção entre Estados e mercado dava-se através público-privada é a expressão do que Aalbers
principalmente de privatizações de empresas (2016) denominou regulation of deregulation,
públicas. A partir da década seguinte, esse segundo a qual um novo sistema regulatório
processo se desenvolveu também em dire- possibilita a liberação de ativos públicos para o
ção a uma relação de vínculo permanente en- mercado de capitais, o que Raco (2014) chama-
tre Estado e mercado no tempo, por meio de rá de “capitalismo regulatório”. Essas políticas
concessões do patrimônio público à gestão de concessão público-privadas foram sendo re-
privada, via parcerias público-privadas, com gulamentadas nos diversos países da região du-
fluxos de recursos públicos assegurados no rante os anos 2000, porém passaram a exercer
tempo para o mercado privado. Banco Mundial hegemonia nas políticas urbanas e habitacio-
e BID passaram a fomentar, em todo o conti- nais principalmente na década de 2010, dentro
nente, programas de fomento à participação do contexto pós-crise hipotecária mundial, no
privada nas políticas públicas, inclusive mo- qual a vinculação entre mercados imobiliários e
bilizando a International Finance Corporation financeiros se aprofundou.

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Gestão neoliberal da precariedade

Como mostramos no início deste artigo, Nesses modelos de parceria público-pri-


as políticas habitacionais de produção massiva vada, dois elementos ganham importância nas
promoveram vínculos entre o Estado e mer- políticas habitacionais em relação à fase ante-
cados de capital, ao subsidiarem com fundos rior de produção massiva: terras públicas bem
públicos e, portanto, garantindo os mercados, localizadas e securitização de fundos públicos
propiciando liquidez de ativos para um merca- com fluxo constante no tempo em direção aos
do aberto. A nova fase de financeirização dá capitais privados. As unidades habitacionais
um passo além: agora, o objetivo é a captura produzidas nesses modelos, portanto, estão
dos fundos públicos para dentro de fundos ligadas, por um lado, à captação de valoriza-
securitizadores, que apenas servirão como ção imobiliária através do patrimônio público
garantias para a valorização de recursos pri- e, por outro, à transformação da habitação em
vados, ativados pela prestação privada de ser- uma âncora de serviços – gestão de condo-
viços públicos. Não se trata mais do setor pri- mínio, gestão social, aluguel de áreas comer-
vado direcionar recursos públicos para si (ape- ciais, etc. – que justificarão contraprestações
nas), mas de ele colocar o próprio recurso – ou dos fundos públicos aos agentes privados por
melhor, gerenciar uma miríade de recursos longos períodos. Esse fluxo de recursos pode
privados – para ofertar habitação como ser- ser securitizado, na medida em que estão as-
viço, na perspectiva de valorização financeira segurados por fundos garantidores formados,
que joga com o alto risco do setor, porém ga- também eles, por patrimônio público – mode-
rantido através das contraprestações do fundo lo que tem gerado novas remoções em áreas
público, que garantem o fluxo de remuneração públicas (Almeida et al., 2020), que passam
desses investimentos ao longo do tempo. Se- a servir como lastro financeiro justamente se
gundo Pereira e Palladini (2019), referindo-se permanecerem vazias.
à implantação das parcerias público-privadas O último passo desse processo é a habi-
(PPP) brasileiras de habitação: tação se transformar – ela mesma – em servi-
ço, através do mecanismo do aluguel. Como
O próprio desenho do programa foi pen-
vimos acima, não apenas a locação já é uma
sado de modo que a apresentação de
propostas se restringisse aos grandes tendência na América Latina, mas também co-
players do mercado, deixando a constru- meçam a surgir novos agentes e tipologias ha-
ção da moradia stricto sensu como mais bitacionais que fazem a sua conexão com as fi-
um de vários elementos de um contrato nanças, bem como novos modelos de políticas
com um conjunto de obrigações mais
públicas de locação social começam a circular
complexas. Conforme sintetizou um dos
idealizadores da PPP habitacional no go- na região.
verno: “A PPP queria introduzir um mo- Assim como nos programas de pro-
delo de risco no mercado de habitação dução massiva – e talvez por isso mesmo –,
popular, para quem conhece estrutu-
Chile, México e Brasil estão na vanguarda da
ração do mercado financeiro. Construir
os apartamentos poderia ser qualquer
implantação desses modelos de parceria pú-
empresa, é como uma commodity, a blico-privada de locação residencial. No Chile,
construção é a parte menos complexa da desde 2014, o parque habitacional construí-
PPP”. (p. 13; grifos nossos) do pelo programa pioneiro da América Latina

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

de produção massiva está sendo em parte Já o México tem programas desde 2013
redirecionado para a locação através de um que subsidiam o aluguel junto ao mercado pri-
programa nacional de subsídio ao aluguel vado, com vários desenhos diferentes. O pri-
chamado “Programa de Subsidio al Alquiler meiro deles foi inserir o sistema de leasing no
de Vivienda”, que tem cerca de 20 mil bene- programa de produção habitacional massiva
ficiários (Ross e Pelletier, 2014). A pandemia (Infonavit), que foi denominado “Arrendavit”,
de Covid-19 tem servido de justificativa para direcionado às famílias com capacidade de pa-
a transformação recente desse programa, pois gamento, mas que não conseguiam acessar o
no Chile um dos problemas estruturais, que financiamento por outros motivos. Também
ficou expresso durante a pandemia, é o aden- têm surgido, no país, iniciativas de locação de
samento habitacional excessivo, questão que parte do parque habitacional construído pelo
torna difícil o isolamento vinculado às medidas Infonavit que se encontra atualmente abando-
de contenção do vírus. Nacionalmente, o Chile nado, com centralização de gestão pelo muni-
apresenta 7,3% de adensamento habitacional cípio, como é o caso do Programa “Renta tu
(MDS, 2018), e esta é a justificativa utilizada Casa” de Tlajomulco.14
para a criação, em 2020, de um novo programa Mais recentemente, o país tem feito
de subsídios de aluguel tipo voucher, inspira- parcerias público-privadas junto a investido-
do no modelo norte-americano (denominado res institucionais (Fundos de Pensão e Fundos
Section 8), que, desde 1974, tem sido implan- Imobiliários), com construção de empreen-
tado nos EUA como alternativa ao parque pú- dimentos destinados à locação realizada com
blico de locação subsidiada.13 benefícios fiscais e, depois, subsídios à deman-
No Chile, a novidade é que o programa da. O modelo é baseado na diversificação de
foi trabalhado com os municípios e também carteira de investimento, o que requer grande
com operadores de multifamily dedicados ao segmentação de mercado, com estratégias di-
aluguel residencial, para que os beneficiários ferentes para grupos específicos: estudantes,
pudessem alugar em seus prédios (Osorio, jovens millennials, idosos, “jornaleros” (agri-
2020). O subsecretário de habitação do Minis- cultores), forças armadas, imigrantes. A diver-
tério da Habitação chilena explicou que: sificação de produtos habitacionais também se
dá no território, com projetos específicos para
vários multifamily ajustaram seus preços
as demandas de cada localidade do país.
para poderem participar do programa
[...] nos interessa que no país exista Por fim, o Brasil anuncia o aluguel co-
mais oferta de aluguel para programas mo nova política pública. Durante a década de
subsidiados pelo Estado. Isso reforça 2010, a implantação do Programa Minha Casa
como gerar mais oferta de aluguel para Minha Vida e do Programa de Aceleração do
famílias ligadas ao MINVU [Ministerio
Crescimento (PAC) foi acompanhada por pro-
de Vivienda y Urbanismo]. (Guillermo
Rolando, Subsecretário da Habitação cessos de remoção promovidos pelos poderes
apud ibid.; tradução livre) públicos. Estes utilizaram, principalmente nos

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Gestão neoliberal da precariedade

grandes centros urbanos e como resposta às Assim, vemos que a América Latina está
denúncias de não atendimento por parte da em processo de transformação de suas polí-
população atingida, o mecanismo do subsídio ticas públicas de moradia, antes vinculadas à
de aluguel em parque privado como forma produção massiva de unidades habitacionais
de negociação com a população removida. 15 com propriedade privada e intervenções de
No entanto, as locações que se utilizam de regularização dos assentamentos, dando cada
tais auxílios são, na sua maioria, informais, vez mais centralidade para as possibilidades
sem nenhuma regulação ou fiscalização pelo que a locação permite, através de dois grandes
poder público. Assim, os removidos acabam modelos:
permanecendo no próprio território, seu en- 1) Parcerias público-privadas baseadas em
torno ou bairros próximos, em relações infor- captação privada de valorização imobiliária
mais de locação, algumas vezes mais precárias em terras públicas, com empreendimentos de
do que a situação de moradia anterior (Guer- proprietários corporativos destinados à loca-
reiro, 2020). ção em parte subsidiada para uma população
Nesse momento, o governo brasileiro que consegue arcar com parte do aluguel. O
está propondo um programa de locação em subsídio ao aluguel pode ser securitizado, e os
escala federal que se afasta dos modelos de empreendedores ganham incentivos fiscais,
parque público subsidiado, sendo realizado tributários e urbanísticos para a construção,
por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP) e permanecendo vinculados ao atendimento da
vouchers (como no Chile), buscando captar o política pública por período determinado con-
fluxo de recursos públicos para o subsídio ao tratualmente, findo o qual podem dispor inte-
aluguel que hoje vai para o mercado informal. gralmente do imóvel de forma privada.
Na proposta de PPP (ainda em discussão), o 2) Conexão de população de mais baixa ren-
governo brasileiro pretende disponibilizar, ao da a parque privado de locação disperso, com
setor privado (prioritariamente fundos imo- subsídio – baseado no modelo de voucher nor-
biliários e proprietários corporativos), terras te-americano. Esse modelo faz a conexão da
públicas subutilizadas, para construção de provisão habitacional com assentamentos po-
empreendimentos habitacionais que sejam pulares que, consolidados, seriam seu territó-
parcialmente disponibilizados para uma políti- rio privilegiado. A securitização desse subsídio
ca de aluguel subsidiado – indexado pelo mer- poderia se dar por meio da concentração de
cado – durante um período predefinido.16 Já a ativos dispersos através de plataformas digitais
prefeitura de São Paulo lançou, recentemente de gestoras imobiliárias.
(novembro de 2021), duas consultas públicas Estamos falando de um fluxo de rendi-
nessa mesma direção: uma PPP de locação so- mentos que atrelam o mercado fundiário ao
cial e um chamamento público de imóveis para financeiro com flexibilidade contratual, territo-
locação sob gestão e carteira centralizada, no rial e legislativa, com possibilidade de concen-
centro da cidade (Guerreiro, Rolnik e Santoro, tração de ativos em proprietários corporativos,
2021a e b). captação privada de valorização imobiliária por

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

meio de subsídio e patrimônio público, etc. Po- seria fator relevante – ainda que não único –
líticas que, se generalizadas, parecem se apoiar na formação do fundo de acumulação do ca-
na manutenção e no agravamento da insegu- pital em toda a região, presente na fase de in-
rança habitacional, com grandes remoções e dustrialização pesada. Seja através de políticas
mercantilização dos territórios populares, pois de produção massiva de moradia em regime
é uma forma de política pública que não tem de propriedade, seja de regularização de as-
como objetivo a solução definitiva de moradia, sentamentos ou da autoconstrução sob diver-
mas sim o gerenciamento da população em dé- sos regimes de posse, a moradia na América
ficit habitacional, a partir da transformação da Latina operou no interior do marco da proprie-
moradia em serviço. É uma política que asse- dade individual.
gura ganhos especulativos por meio de fundos Após três décadas de reconstrução das
públicos, que também podem ser securitiza- democracias na América Latina sob a hege-
dos, e não de enfrentamento das precarieda- monia global do neoliberalismo, o resultado
des habitacionais que marcam a região. no campo urbano demonstra que não houve
alteração da estrutura espoliativa da reprodu-
Nesse aspecto, lógicas extrativas inter-
ção do capital na região, embora seus meca-
penetram o governo dos pobres, produ-
zindo violência e criando formas híbridas nismos tenham se adaptado à nova conjuntu-
com as mesmas lógicas e retóricas de in- ra mundial pós-crise hipotecária de 2008. Na
clusão daquelas propostas pelo discurso esfera da moradia, o mecanismo de locação
da cidadania. Essa perspectiva leva a residencial é aquele que mais tem se destaca-
uma leitura dos novos conflitos sociais
do dentre as novas formas extrativas às quais
que permite mapear o entrelaçamento
do agronegócio, da finança, das econo- a região está submetida, numa conjuntura
mias ilegais (das drogas e do contraban- de financeirização em que a terra e o espaço
do) e dos subsídios estatais, de acordo construído são elementos centrais de circuitos
com lógicas ao mesmo tempo comple- de valorização.
mentares e em competição. (Gago e
Assim, parece-nos necessário aprofun-
Mezzadra, 2017, p. 580; tradução livre)
dar o incremento da locação residencial nas
classes populares desde a última década, sob o
ponto de vista dos enlaces entre os processos
Conclusão: da posse financeiros globais e as particularidades locais
ao serviço, uma nova onda da moradia, considerando a hipótese de que
de financeirização da moradia se trata de uma reatualização da informalida-
de histórica presente no campo da moradia em
A discussão teórica das décadas de 1960/1970 um contexto global de flexibilização e informa-
sobre as particularidades do desenvolvimento lização do mercado residencial como um todo,
latino-americano baseou-se na observação e que acompanha, de forma própria às finanças,
descrição da urbanização extensiva, autônoma as mudanças que também ocorreram no mun-
e precária de nossas metrópoles. Assim, a au- do do trabalho associado a uma transforma-
topromoção da moradia pelos trabalhadores ção na forma de atuação do Estado.

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Gestão neoliberal da precariedade

Nossa hipótese é a de que há conver- espaço em relação à lógica de direitos, em um


gência na lógica de “regulação da desregula- movimento no qual o direito ao trabalho e
mentação” (Aalbers, 2016), aproximando as os direitos sociais, incluída a moradia, faziam
duas partes do antigo cenário cindido entre parte do mesmo paradigma. Da mesma for-
o formal e o informal. Isso se dá de maneira ma como podemos denominar esse processo
específica, por meio de processos financeiros “uberização” no campo do trabalho, também
e mecanismos digitais, com clara intervenção na moradia vemos a relação entre as finanças
do Estado, inclusive sob a forma de subsídios, e o Estado neoliberal ter como consequência
o que aumenta a escala da insegurança habi- o papel ativo deste último na eliminação ou
tacional. Entende-se aqui o aluguel como me- na flexibilização de direitos, com larga ins-
canismo desse enlace entre flexibilização e in- trumentalização da informalidade dos terri-
formalidade, na medida em que ele promove a tórios, institucionalizando a precariedade e a
transformação da habitação em serviço, passí- insegurança habitacional por meio da trans-
vel de vincular o estoque residencial construído formação da moradia em serviço. Assim, a
à gestão privada no tempo, através da mobili- forma específica como o aluguel tem conec-
zação da política pública. Tal gestão privada do tado as finanças à informalidade nos dá mais
tempo, no lugar da gestão e produção do espa- elementos para analisar a atual conjuntura
ço, permite extrair renda, inclusive, dos mais de crise das instituições, que resulta, no cam-
pobres entre os pobres – apoiando-se na sua po urbano, numa gestão da transitoriedade
própria autopromoção e transferindo a eles to- permanente e responsabilização individual
dos os riscos e inseguranças –, superando um das precariedades, com centralidade de re-
obstáculo histórico para expansão do capital gimes privados de controle territorial, mui-
financeiro nas cidades da região. As possibi- tas vezes ligados à violência, como no caso
lidades de essa gestão ganhar escala com os das milícias – em detrimento de um marco
mecanismos digitais, concentrando fluxos de universal do direito à cidade. Esse processo,
rendas dispersas, conformam uma inusitada como vimos, se dá através da confluência
ligação entre informalidade e finanças. perversa da transformação neoliberal do Es-
Cabe, por fim, pensar sobre o papel do tado com o avanço da financeirização como
Estado nesse contexto, na medida em que lógica hegemônica na produção e gestão do
a lógica da contratualização privada ganha espaço construído.

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Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro

[I] http://orcid.org/0000-0001-7400-0642
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Projeto, Gru-
po de Disciplinas de Planejamento Urbano e Regional. São Paulo, SP/Brasil.
isadora.guerreiro@usp.br

[II] http://orcid.org/0000-0002-6428-7368
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Projeto, Gru-
po de Disciplinas de Planejamento Urbano e Regional. São Paulo, SP/Brasil.
raquelrolnik@usp.br

[III] http://orcid.org/0000-0002-3521-6499
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo. Grupo de Disciplinas de Planejamento Urbano e Regional. São Paulo,
SP/Brasil.
adriana.marin@usp.br

Notas
(1) O conceito de “viração” refere-se à forma de reprodução da vida nas classes populares na
América La na, que ar culam agenciamentos co dianos informais no mercado e na cidade no
limiar entre o legal e o ilegal, sem regularidade. O termo indica um movimento constante de
transitoriedade que se transforma em condição permanente e predominante na região após a
reestruturação produ va que marcou a desestruturação da era fordista, após a década de 1980.

(2) Os REIT são chamados de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) no Brasil e Fideicomisos
de Inversión de Bienes Raíces (FIBRA) no México. No Chile, os Fondos Inmobiliarios são
instrumentos financeiros diferentes, ainda que se aproximem desse modelo.

(3) A Colômbia é o país da região com a maior taxa de inquilinos, de 46,6% (Fonte: Cepal – Comisión
Económica para América La na y el Caribe).

(4) Essa diferença em relação à inflação é tão grande que, no caso do Brasil, assis mos recentemente
ao debate sobre o controle dos valores dos contratos de aluguel, dado que o índice de reajuste
comumente u lizado (o IGP-M) teve crescimento acumulado, em um ano, de 37,04% em maio
de 2021 (FGV), enquanto o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) nha 6,76% (IBGE).

(5) No caso do Brasil, emergiram novas empresas que têm apostado neste modelo, construindo
edi cios totalmente vinculados à locação residencial em regime de propriedade mul family –
na perspec va de “Trocar bricks por bytes” (h ps://vitacon.com.br/capital/alex-frankel/); ou,
ainda, são lançados edi cios inteiramente voltados para locação de unidades residenciais por
meio da plataforma internacional Airbnb (Vannuchi, 2020; Tavolari e Nisida, 2020).

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Gestão neoliberal da precariedade

(6) No Chile, há a presença da Pruden al Financial, uma grande companhia de seguros dos Estados
Unidos e, em par cular, da sua filial PGIM Real Estate, uma das maiores administradoras de
real estate do mundo; também o fundo inglês de inves mentos AshmoreAVENIDA, que está no
Chile, Colômbia e Peru. A Greystar (EUA) está no México, Chile e mais recentemente no Brasil;
a Paladin Realty está no México, Brasil, Peru, Chile, Costa Rica e Colômbia. Já, no Brasil, temos a
presença de companhias asiá cas (CapitaLand de Singapura), norte-americanas e canadenses (7
Bridges Capital, ARS e CPP) e europeias (Q Apartments da Dinamarca).

(7) O ônus excessivo de aluguel no Brasil passou de cerca de 30% do total do déficit habitacional, em
2010, para ser, em 2015, de 50%. Nas regiões metropolitanas, ele representou, em 2019, uma
média de 59% (chegando a mais de 70% em algumas delas). Tal ônus, nas famílias que ganham
até dois salários-mínimos, chega, em média, a 41,2% de sua renda em 2018 (Pnad Con nua
do IBGE), podendo chegar a mais de 50% em algumas regiões metropolitanas. Fonte: FJP.
Disponível em: h p:// p.mg.gov.br/deficit-habitacional-no-brasil/>. Acesso em: 28 abr 2021.

(8) Segundo a rede de pesquisadores de Pedro Abramo, no Rio de Janeiro, 45% dos domicílios das
favelas estudadas têm mais de 3 andares. Segundo Pasternak e D’O aviano (2016), há 10 anos
(Censo de 2010) as favelas da Região Metropolitana de São Paulo já tinham 62,3% de seus
domicílios com mais de dois pavimentos e 85,2% sem espaçamento entre edificações.

(9) Ainda segundo a mesma rede de pesquisadores de Pedro Abramo, 44% dos locadores das favelas
estudadas no Rio de Janeiro têm mais de um imóvel (Abramo, 2009), enquanto em São Paulo,
em Paraisópolis, esse número chega a 75% (Meyer et al., 2017).

(10) Ver UOL Economia (2020).

(11) Ver site da Alpop. Disponível em: <h ps://alpop.com.br/>. Acesso em: 11 jan 2021.

(12) Conceito de Foucault, para quem “governamentalidade” seria “o encontro entre as técnicas de
dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si”, que Dardot e Laval (2016) resumem:
“governar é conduzir a conduta dos homens, desde que se especifique que essa conduta é tanto
aquela que se tem para consigo mesmo quanto aquela que se tem para com os outros” (p. 18).

(13) Nesse modelo, os locatários são subsidiados no sistema privado de aluguel, no qual locadores
previamente cadastrados disponibilizam parte de seus empreendimentos para a polí ca pública
(Rolnik, 2019).

(14) Ver site disponível em: <h ps://tlajomulco.gob.mx/rentatucasa/>. Acesso em: 31 mar 2021.

(15) Apenas na cidade de São Paulo, onde esses auxílios existem desde 2004, houve um pico de
atendimentos em 2016, com mais de 30 mil famílias beneficiárias (atualmente esse número é de
23 mil). Maiores informações disponíveis em: <h p://www.habitasampa.inf.br/atendimento/
consulta-de-atendimentos-em-andamento-ou-encerrados/atendimento-provisorio-auxilio-
aluguel/>. Acesso em: 24 mar 2021.

(16) Para mais informações, ver propostas em discussão do Ministério do Desenvolvimento Regional
(MDR) no evento Diálogos sobre Locação Social, ocorrido em março de 2021. Disponível em:
<h ps://www.youtube.com/playlist?list=PLZyyoM56JwrXTpia0GlE6uHJeJrXby D>. Acesso em:
8 jun 2021.

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Texto recebido em 28/jun/2021


Texto aprovado em 20/dez/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 475
Mapeando grandes projetos urbanos:
levantamento de operações urbanas
nos municípios brasileiros
Mapping large urban projects: a survey
of urban consortium operations in brazilian cities
Marina Toneli Siqueira [I]
Carolina Silva e Lima Schleder [II

Resumo Abstract
Iden ficadas como formas de flexibilização do pla- Considered as forms of flexibilizing urban planning
nejamento urbano e captura de valorização imo- and capturing land value, urban consortium
biliária, operações urbanas consorciadas são ins- operations are instruments included in the City
trumentos previstos no Estatuto da Cidade para a Statute for the conduc on of large urban projects
realização de grandes projetos urbanos u lizando using public-private partnerships. Aiming to assess
parcerias público-privadas. Buscando avaliar sua their implementation across the country, this
implementação nacionalmente, esta pesquisa le- research surveyed the cases of urban consortium
vantou os casos de operações urbanas consorcia- operations in Brazilian cities. As a result, a high
das nos municípios brasileiros. Como resultado, en- degree of dissemination of the instrument was
controu-se um alto grau de difusão do instrumento, found, present in master plans of all the regions
presente em planos diretores de todas as regiões of the country and in different urban realities.
do País e em realidades urbanís cas diversas. En- However, a low rate of transformation of the
tretanto, encontrou-se um baixo índice de transfor- instrument into law was also found, as well as
mação do instrumento em lei específica, além de judicialized proposals, revoked laws and unini ated
propostas judicializadas, leis revogadas e projetos projects, demonstrating the attractiveness of the
não iniciados, demonstrando a atratividade das opera ons and the existence of difficul es in their
operações e as dificuldades em sua implementa- implementation. Finally, the study approaches
ção. Finalmente, expõem-se as problemáticas de problems related to access to projects’ informa on
acesso a informações e transparência dos projetos. and transparency.
Palavras-chave: instrumentos de planejamento Keywords: urban planning instruments; urban
urbano; operações urbanas consorciadas; polí ca consor um opera ons; municipal urban policy; City
urbana municipal; Estatuto da Cidade. Statute.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5402 Crea ve Commons Atribu on
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Introdução locais (Fix, 2001; Maricato e Ferreira, 2002).


Ao procurar atrair investimentos privados e
Operações urbanas consorciadas implemen- usuários solventes para as áreas de projeto,
tam grandes projetos urbanos associando as operações urbanas têm sido associadas ao
interesses públicos e privados. A partir da urbanismo neoliberal e ao empresariamento
outorga de benefícios urbanísticos e construti- urbano (Nobre, 2019). Essas conclusões, em
vos – como potencial adicional de construção, que pesem suas importâncias, estão baseadas
alterações de usos e/ou flexibilização das nor- especialmente nos casos localizados no Rio
mas edilícias, entre outros – em um perímetro de Janeiro e em São Paulo. Após a aprovação
específico, são arrecadados recursos para o do Estatuto da Cidade, no entanto, é possível
financiamento de obras de infraestrutura, mo- identificar uma disseminação do instrumento
bilidade, provisão de equipamentos públicos pelo território brasileiro, com pouca avalia-
e habitação social, entre outros. As polêmicas ção dos seus impactos em realidades urbanas
emergem em especial com relação à distância distintas daquelas das grandes metrópoles
entre os objetivos declarados e os resultados nacionais (Santos Jr. e Montandon, 2011). Es-
efetivamente alcançados pelo instrumento. se processo se mostra como um novo desafio
Por um lado, as operações urbanas con- para o planejamento urbano atual: a falta de
sorciadas estão baseadas no princípio do com- controle sobre o uso dos instrumentos do Es-
partilhamento dos custos e dos benefícios do tatuto – tanto em termos quantitativos quanto
desenvolvimento urbano. O instrumento uti- qualitativos – dificultando a sua avaliação. Ain-
liza-se em especial do solo criado a partir de da, ao falarmos de parcerias público-privadas,
alterações em normas urbanísticas e edilícias são fundamentais a transparência e o monito-
para cobrar pelo uso mais intensivo dos lotes ramentos dos projetos.
e de outros benefícios aos agentes privados. A presente pesquisa objetiva ser um pri-
Ao realizar a captura de parte da valorização meiro passo no sentido de equacionar essa
imobiliária criada pelos projetos, seria possível problemática, ao buscar identificar os casos
compartilhar os ganhos, investindo em uma de operações urbanas consorciadas nas cida-
lista de obras públicas associadas aos objetivos des brasileiras de médio e grande porte. Para
mais amplos de desenvolvimento urbano. Ain- tanto, o artigo está estruturado em mais qua-
da, o Estatuto da Cidade impõe a participação tro partes, além desta introdução. Na próxima
social na gestão dos projetos e o atendimento seção, destacam-se os interesses na implan-
da população diretamente atingida por eles tação das operações urbanas consorciadas
(Brasil, 2001). brasileiras, associando o instrumento ao con-
Por outro lado, as experiências mais texto de transformação da prática urbanísti-
conhecidas com o instrumento têm sido clas- ca e do urbanismo neoliberal, mas também
sificadas como operações imobiliárias que be- aos objetivos mais amplos de reforma urbana
neficiam majoritariamente interesses privados promovidos no Estatuto da Cidade, expondo
e trazem poucos retornos para a cidade como a ambiguidade de seu funcionamento, que
um todo, já que a maior parte dos recursos transveste interesses privados como públicos.
públicos tem sido utilizada em obras viárias Na seção seguinte, expõe-se a dificuldade no

478 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

monitoramento e na avaliação de casos utili- Tendo sua origem conceitual na década


zando-se das pesquisas existentes e questio- de 1970 como um instrumento para o maior
nando os seus resultados. Posteriormente, é equilíbrio do desenvolvimento urbano (Costa,
exposto o resultado do levantamento de dados 1976), as dificuldades de aprovação de novas
primários. Foram utilizados dados quantitati- políticas de uso do solo e a falta de recursos
vos e qualitativos; análise de planos diretores, para obras públicas impulsionaram a inclusão
leis de uso e ocupação do solo, leis específicas do instrumento nas propostas para um novo
de operações urbanas consorciadas e outras plano diretor de São Paulo durante a déca-
legislações locais; levantamento de notícias da de 1980 (Castro, 2006). Ainda, os estudos
na mídia e trabalhos acadêmicos; além do para o Plano Diretor de 1985 justificavam a
contato direto com as administrações muni- implantação das operações urbanas no con-
cipais por e-mail e telefone. Como resultado, texto internacional de reestruturação urba-
destacam-se a falta de transparência dos ór- nística já que:
gãos de planejamento e a dificuldade de con-
os estudos de planejamento urbano de-
trole e monitoramento das políticas urbanas.
senvolvidos nos últimos dez anos à luz
Ainda assim, foi possível identificar a presença da experiência internacional indicam que
do instrumento em planos diretores de muni- para o atendimento desses objetivos [de
cípios em todas as regiões brasileiras e em rea- transformação urbanística] será de fun-
lidades urbanas bastante diversas, mesmo que damental importância a implementação
de uma categoria de empreendimento
em poucos casos tenha-se encontrado a sua
público designado por “operação urba-
transformação em projeto de lei específica. na”. (Sempla, 1985, n/p.)

De fato, as referências internacionais


Grandes projetos urbanos para as operações urbanas consorciadas es-
tão associadas a grandes projetos urbanos
e a transformação que utilizam de parcerias público-privadas,
da prá ca urbanís ca como aqueles desenvolvidos em cidades co-
mo Barcelona, Nova York e Paris (Siqueira,
Operação urbana consorciada é um instrumen- 2014a). Grandes projetos urbanos torna-
to para a implantação de grandes projetos ur- ram-se uma parte importante do imaginá-
banos que objetiva, segundo o Estatuto da Ci- rio do planejamento urbano contemporâ-
dade, transformações urbanísticas estruturais, neo, relacionando-se à renovação de áreas
melhorias sociais e valorização ambiental. As consideradas com perda ou inadequação de
primeiras experiências com instrumentos se- usos, esvaziamento, problemas de infraes-
melhantes são anteriores à legislação federal, trutura, degradação, violência e/ou perda de
em cidades como Belo Horizonte, Porto Alegre dinamismo econômico, promovendo ativida-
e Natal. Ainda assim, foi da capital paulista que des consideradas “mais adequadas” para uma
veio a principal inspiração para a sua inclusão nova fase do desenvolvimento urbano (No-
na legislação federal (Maleronka, 2017). bre, 2019).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 479
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Por um lado, os grandes projetos urba- e comunicacionais; à importância do capital


nos atuam em uma escala intermediária entre financeiro e do setor terciário avançado; à
o plano diretor e o projeto específico, de for- abertura econômica e à diminuição de bar-
ma focada no território, nos usos e usuários reiras para a circulação de produtos, pessoas
locais (Maleronka, 2010). Dessa forma, estão e capital; e, em especial, à reforma do Estado
associados à crítica ao urbanismo modernista, com a diminuição de sua atuação em políticas
seus objetivos ambiciosos, modelos centrali- sociais e seu direcionamento para estratégias
zados e racionalistas de planejamento urbano competitivas que possam garantir equilíbrio
(Maricato, 2000). Por outro lado, usando de econômico e balanças comerciais positivas. De
um vocabulário organicista, a forma de inter- fato, mais do que uma diminuição da ação pú-
venção tende a naturalizar processos que são blica, é possível verificar a sua inflexão e trans-
historicamente construídos. Nesse sentido, é formação em governos empresariais (Dardot e
necessário compreender os projetos de reur- Laval, 2016).
banização, renovação, reabilitação, revitaliza- Essas transformações não significam,
ção, entre outros, inscritos em uma lógica de no entanto, que o espaço perde a sua im-
desvalorização de usos e usuários atuais que portância. Pelo contrário, as transformações
também subestima investimentos públicos e político-econômicas fizeram o capital mais
privados realizados anteriormente. Assim, os sensível às vantagens locacionais em termos
grandes projetos urbanos são uma manifes- materiais de produção e prestação de servi-
tação da capacidade de destruição criativa do ços, mas também em termos da mão de obra
capital na forma de ondas de investimento e local, impostos e logística. Dessa forma, a dis-
desinvestimento desiguais e seletivas no terri- puta pela localização de empresas tem sido
tório (Harvey, 2001). utilizada contra os movimentos sociais e na
Se grandes projetos urbanos não são no- conquista de benefícios diretos e indiretos,
vidade e também podem ser utilizados para a como isenção de impostos. Esse processo de
abertura de novos vetores de urbanização em disputa pela localização de novas empresas
áreas desocupadas (greenfields), essa forma reafirma a hierarquia do sistema capitalista e
contemporânea de intervenção para a rees- intensifica o processo de desenvolvimento es-
truturação urbana está relacionada diretamen- pacial desigual, ao buscar a atração dos usos
te às transformações políticas e econômicas melhores e mais lucrativos, enquanto expulsa
vivenciadas a partir da década de 1970. Em usuários locais menos “competitivos” (Vainer,
uma perspectiva mais ampliada, os grandes 2000). Esse empresariamento urbano faz par-
projetos urbanos contemporâneos são uma te de um urbanismo neoliberal proativo e que
resposta à necessidade de um ajuste espacial prioriza a criação de um “bom clima para os
(spatial fix) para a nova fase de acumulação ca- negócios” e a atração de novos investimentos,
pitalista (Harvey, 1989). Essas transformações ao invés da solução dos problemas sociais e
estão relacionados ao pós-fordismo e à desa- das necessidades materiais de sua população
gregação da cadeia produtiva com processos (Brenner e Theodore, 2002). Portanto, o urba-
de industrialização e desindustrialização de di- nismo neoliberal baseia-se em investimentos
ferentes territórios; às inovações tecnológicas especulativos e está sujeito ao mesmo tipo de

480 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

insegurança que outras economias especulati- urbanísticas estruturais usualmente se resu-


vas. A única diferença, de acordo com Harvey mem a obras viárias (Nobre, 2019). Essas crí-
(2008), é que, nesse caso, o Estado assume a ticas, entretanto, não impediram a populari-
maior parte dos riscos, enquanto os usuários e zação do instrumento pelo País, em especial
moradores locais mais vulneráveis sofrem seus após a sua inclusão no Estatuto da Cidade
impactos mais intensos. Nesse pacote, grandes (Santos Jr. e Montandon, 2011).
projetos urbanos são peças emblemáticas na O Estatuto da Cidade define uma opera-
promoção dessa imagem urbana competitiva ção urbana consorciada como:
e usualmente utilizam de novos instrumentos
o conjunto de intervenções e medidas
para a sua concretização, como é o caso das
coordenadas pelo Poder Público muni-
operações urbanas consorciadas. cipal, com a participação dos proprietá-
Inicialmente, as operações urbanas con- rios, moradores, usuários permanentes
sorciadas foram vistas por investidores, gesto- e investidores privados, com o objetivo
res e planejadores como uma oportunidade de alcançar em uma área transforma-
ções urbanísticas estruturais, melho-
para conciliar os interesses financeiros e imo-
rias sociais e a valorização ambiental.
biliários aos objetivos de transformação urba- (Brasil, 2001)
nística (D’Almeida, 2019; Maleronka, 2010).
Assim, as parcerias público-privadas apare- De forma a atingir esses objetivos, as ope-
ceram como uma “fórmula mágica” para pro- rações urbanas consorciadas são instrumentos
mover o desenvolvimento urbano, enquanto a mistos de planejamento do solo urbano e de
máquina de crescimento urbano reforça áreas captura de recursos para transformações urba-
já atrativas para o mercado imobiliário (Fix, nísticas. A partir do princípio de compartilha-
2004). As experiências mais conhecidas com mento dos custos e benefícios do desenvolvi-
operações urbanas consorciadas são facilmen- mento urbano, os instrumentos de captura de
te enquadradas nesse contexto de promoção valorização imobiliária têm como objetivo:
especulativa dos lugares, como é o caso dos
projetos Faria Lima e Água Espraiada em São mobilizar, em benefício da comunidade,
uma parte ou a totalidade dos incremen-
Paulo (SP) e do Porto do Rio, ou Porto Mara-
tos de valor da terra (benefícios inde-
vilha, no Rio de Janeiro (RJ). Consideradas por vidos ou mais-valias fundiárias) que te-
alguns críticos como operações meramente nham sido decorrentes de ações alheias
imobiliárias, a promoção de novos cartões pos- às dos proprietários de terras, tais como
tais e vetores de desenvolvimento imobiliário investimentos públicos em infraestrutura
ou alterações administrativas nas nor-
gerou lucros para agentes privados, enquanto
mas e regulamentações de usos do solo.
o retorno social ou urbanístico foi reduzido (Smolka, 2014, p. 2)
(Fix, 2001; Maricato e Ferreira, 2002; Werneck,
2016). Por um lado, a transformação no perfil Assim, o instrumento pretende capturar
socioeconômico local acompanha o risco de recursos que, de outra forma, seriam apropria-
expulsão de grupos vulneráveis e o baixo aten- dos privadamente. Efetivamente, a designação
dimento das demandas concretas locais (Si- e venda de benefícios urbanísticos e cons-
queira, 2014b). Por outro, as transformações trutivos nas operações urbanas servem para

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 481
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

arrecadar recursos para financiar um progra- do instrumento, ou as diferenças entre teoria


ma de investimentos locais. Esses benefícios e prática, faz-se necessário ter uma visão mais
podem incluir maior potencial de construção e clara dos impactos das operações urbanas con-
alterações de uso, entre outros, e podem ser sorciadas a partir de suas experiências locais.
adquiridos diretamente, trocados por obras
públicas ou transformados em certificados
financeiros a serem comercializados em mer-
cados primários e secundários, os Certificados
A atra vidade das operações
de Potencial Adicional de Construção (Cepacs). urbanas consorciadas
Os recursos arrecadados são designados pa- no contexto do Estatuto
ra uma conta específica do projeto e somen- da Cidade: a dificuldade
te podem ser utilizados nesse perímetro e na
lista de objetivos a serem atingidos pela ope-
de acesso a dados
ração. Estes podem incluir investimentos em
infraestrutura, mobilidade, provisão de equi- Analisar os casos de operações urbanas con-
pamentos públicos e habitação social, entre sorciadas no País não é tarefa fácil. Primeira-
outros. As operações urbanas consorciadas, mente, a maior parte do arcabouço legislativo
portanto, também fazem parte de uma no- e institucional da política urbana que avançou
va geração de instrumentos de planejamento ao longo das últimas décadas no País possui
urbano que procuram potencializar o proces- poucas formas de monitoramento. Existem
so de desenvolvimento urbano, aproximando pesquisas que procuram avaliar o impacto
interesses públicos e privados (Santoro, 2004; do Estatuto da Cidade nos planos diretores
Smolka, 2014). locais, já que eles se tornaram obrigatórios
Ainda, o Estatuto da Cidade destaca a para municípios com mais de vinte mil habi-
participação popular como forma de inclusão tantes, entre outros critérios. Essas pesquisas
e de garantia dos direitos da população local usualmente enfatizam que muitos planos ape-
(Brasil, 2001). Assim, além da obrigatoriedade nas transcrevem trechos do Estatuto; outros
de um mecanismo de gestão contando com incorporam os instrumentos sem avaliar sua
participação da sociedade civil, a legislação fe- pertinência em relação ao território e à capa-
deral obriga o atendimento das comunidades cidade de gestão do município; outros, ainda,
diretamente atingidas pelo projeto. Entretan- incorporam alguns fragmentos de conceitos e
to, a falta de prioridade dada aos objetivos ideias do Estatuto de modo desarticulado com
sociais e a carência de processos participativos o próprio plano urbanístico (Santos Jr. e Mon-
nas suas decisões vêm resultando naquelas tandon, 2011; Rolnik, 2012). Por outro lado,
realidades das operações urbanas consorcia- as políticas setoriais de urbanismo, habitação,
das mais conhecidas no País, mencionadas aci- mobilidade e saneamento vinculam o repasse
ma, e que vão de encontro aos princípios da de recursos da União à elaboração de marcos
função social da cidade e de seu planejamento locais (planos e leis específicas), à presen-
e gestão democráticos, como idealizados pelo ça de certos instrumentos e/ou sua imple-
Estatuto. Considerando esse caráter ambíguo mentação. Mesmo assim, é difícil encontrar

482 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

um levantamento unificado, sistematizado, O presente estudo, como já mencionado,


atualizado e publicizado acerca da política ur- pretende responder a essa lacuna, ao identifi-
bana brasileira. car e aprofundar os dados acerca das opera-
No caso específico das operações urba- ções urbanas consorciadas existentes no País.
nas consorciadas, existem muitos estudos in- O primeiro recorte empírico utilizado foi o le-
dividuais ou em grandes metrópoles nacionais, vantamento mais atualizado sobre instrumen-
como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, tos de planejamento urbano nos municípios
Curitiba e Fortaleza, mas pouco conhecimento brasileiros quando do início do levantamento
da totalidade e da diversidade das experiências de dados: a pesquisa Munic 2015, realizada pe-
com o instrumento para avaliar seus resultados lo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
e sua possibilidade de atingir os objetivos pre- (IBGE, 2015). A metodologia elaborada pelo
vistos no Estatuto da Cidade.1 O extinto Minis- IBGE utiliza de questionários que são preferen-
tério das Cidades, atual Ministério do Desenvol- cialmente respondidos por seu próprio corpo
vimento Regional, produziu um estudo interno de funcionários, em entrevistas com respon-
em 2015 procurando levantar a legislação es- sáveis da administração municipal que possam
pecífica de três instrumentos diferentes: opera- coordenar a coleta das informações nos vários
ções urbanas, operações urbanas consorciadas temas da pesquisa. A metodologia também
e operações urbanas simplificadas (MCidades, permite a resposta do questionário de forma
2015). O estudo utilizou como amostra os mu- indireta, ficando a cargo das próprias municipa-
nicípios com mais de 500 mil habitantes e ca- lidades. Para tanto, além do questionário, que
pitais de Estado. Foram identificados quantos e conta com informações básicas da pesquisa,
quais destes têm esses instrumentos previstos um manual de coleta é utilizado para esclarecer
no Plano Diretor; se eles estão regulamenta- dúvidas sobre as variáveis. Nesse mesmo ins-
dos, aplicados ou não; e, se sim, em qual fase. trumento de coleta, o termo operação urbana
Destacam-se duas problemáticas com o estu- consorciada é definido como “o conjunto de in-
do. Primeiro, o recorte de 500 mil habitantes e tervenções e medidas para obtenção de trans-
capitais ignora municípios de médio porte nos formações urbanísticas estruturais, melhorias
quais grande parte do crescimento populacio- sociais e a valorização ambiental em áreas ur-
nal tem acontecido no Brasil (Ipea, 2004a). Se- banas delimitadas, prevendo a participação da
gundo, os resultados parecem contraditórios. iniciativa privada” (ibid., p. 14). Não há mais
O estudo identifica 24 operações urbanas; 25 qualquer outra menção nesse documento de
operações urbanas consorciadas (6 dessas em 57 páginas acerca do instrumento ou referên-
discussão); e, 3 operações urbanas simplifica- cia à sua normatização pelo Estatuto da Cida-
das. No entanto, o estudo não possui uma de- de, mesmo que a definição utilizada seja muita
finição clara desses instrumentos. Ainda, uma próxima àquela presente na legislação federal.
simples busca no próprio portal da prefeitura Com essas considerações, os resultados ofere-
de Belo Horizonte referenciava 18 operações cidos pelo IBGE começaram a ser analisados.
urbanas simplificadas na cidade em junho de Do total de 5.570 municípios brasileiros
2019, em discussão ou já implementadas, mos- investigados na pesquisa Munic 2015, 1.401
trando resultados defasados.2 ou 25,15% responderam positivamente acerca

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 483
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

da presença de legislação sobre operação ur- não dele (Gráfico 2). Dos municípios com legis-
bana consorciada, como visto no Gráfico 1. lação de operação urbana e plano diretor, em
Distribuídos por todo o território nacional 24 a legislação é anterior ao Estatuto da Cida-
(Imagem 1), essa é uma proporção alta que in- de (Tabela 1).
clui uma diversidade de municípios nos quais É possível questionar, também, a ca-
a capacidade de implantação desse instrumen- pacidade de os mercados imobiliários locais
to ou mesmo a sua viabilidade é questionável. absorverem esse tipo de instrumento já que,
Nesse sentido, dos municípios que acusaram daqueles municípios com operação prevista
a presença de legislação de operação urbana, no plano diretor e/ou com lei específica, 147
6,42% não possuíam ou estavam elaborando ou 10,49% têm menos de 5.000 habitantes,
seus planos diretores, enquanto 7 municípios e 563 municípios ou 40,19% possuíam até
não souberam sequer informar a existência ou 20.000 habitantes.

Gráfico 1 – Existência de operação urbana Imagem 1 – Localização dos municípios


consorciada nos municípios brasileiros brasileiros com operação urbana
de acordo com Munic 2015 consorciada de acordo com Munic 2015

Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE
(2015). (2015).
* OUC – operação urbana consorciada

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Mapeando grandes projetos urbanos

Gráfico 2 – Existência de plano diretor Tabela 1 – Ano da publicação do plano diretor


nos municípios com operação urbana nos municípios com operações urbanas
consorciada de acordo com Munic 2015 consorciadas de acordo com Munic 2015

Nº %
Até 2000 24 1,71
2001-2005 68 4,85
2006-2010 693 49,46
2011-2015 519 37,04
Não soube informar 7 0,50
Em elaboração 35 2,50
Sem Plano Diretor 55 3,93
Total 1.401 100,00

Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE
(2015). (2015).
* PD – plano diretor

Tabela 2 – População es mada em 2015 nos municípios


com operação urbana consorciada de acordo com Munic 2015

Nº %
Até 5.000 habitantes 147 10,49
5.001 até 10.000 habitantes 168 11,99
10.001 até 20.000 habitantes 248 17,70
20.001 até 50.000 habitantes 432 30,84
50.0001 até 100.000 habitantes 192 13,70
100.001 até 500.000 habitantes 180 12,85
Maior do que 500.000 habitantes 34 2,43
Total 1.401 100,00

Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE (2015).

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Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Ainda, chamam a atenção a capacidade e uso do solo, é uma das principais estraté-
administrativa na área de planejamento urba- gias de funcionamento do instrumento, a fal-
no e a aplicação dos instrumentos previstos ta de uma legislação específica e de padrões
no Estatuto da Cidade nos municípios que res- claros de outorga pode gerar um “balcão de
ponderam afirmativamente para a presença negócios” com o direito de construir, com
de operação urbana consorciada. Como visto casos sendo definidos de forma pouco clara
na Tabela 3, apenas 28,27% deles contam com ou discricionária.
secretaria própria de planejamento urbano, Devido à quantidade de municípios que
enquanto 11,78% sequer possuem uma estru- alegaram ter operação urbana consorciada
tura de atuação na área. de acordo com a pesquisa Munic 2015 e as
Ademais, 4,71% ou 66 municípios não contradições acima destacadas, foi realizado
possuem legislação sobre zoneamento ou um novo recorte na amostra para aprofundar
uso e ocupação do solo (Gráfico 3), enquan- o levantamento de dados. Assim, do total de
to 16,92% ou 237 municípios não possuem 1.401 municípios que responderam afirmati-
legislação sobre solo criado ou outorga one- vamente para a presença de uma operação
rosa do direito de construir (Gráfico 4). Nes- urbana consorciada, selecionaram-se os 214
ses casos, indaga-se sobre a possibilidade municípios com mais de 100.000 habitantes
de implantação do instrumento de acordo para buscar os seus dados primários. Esse re-
com o funcionamento previsto no Estatu- corte tem como objetivo selecionar os muni-
to da Cidade. Considerando que a venda de cípios de porte médio e grande, como defini-
benefícios urbanísticos e construtivos, em do pelo Ipea (2019), ampliando o controle e a
especial alteração de potencial construtivo qualidade dos dados analisados.

Tabela 3 – Caracterização do órgão gestor do planejamento urbano


no município com OUC de acordo com Munic 2015

Nº %
Secretaria municipal exclusiva 396 28,27
Secretaria municipal em conjunto com outras polí cas 476 33,98
Setor subordinado a outra secretaria 254 18,13
Setor subordinado diretamente ao chefe do execu vo 100 7,14
Órgão da administração indireta 10 0,71
Não possui estrutura 165 11,78
Total 1.401 100,00

Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE (2015).

486 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

Gráfico 3 – Legislação sobre zoneamento Gráfico 4 – Legislação sobre solo criado


ou uso e ocupação do solo no município ou outorga do direito de construir
com OUC – Munic, 2015 no município OUC – Munic, 2015

Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE
(2015). (2015).

Um olhar mais detalhado mesmo daqueles dados ditos públicos. Nesse


sobre as operações urbanas sentido, para o levantamento das operações
consorciadas: os municípios urbanas consorciadas no Brasil, além dos sites
das prefeituras municipais, suas instituições
com mais de 100.000 e sites de leis municipais, foram consultados
habitantes os diários oficiais dos municípios, notícias
veiculadas na mídia e pesquisas acadêmicas,
Para os 214 municípios brasileiros com mais entre outros. Finalmente, tentou-se o contato
de 100.00 habitantes que responderam afir- por e-mail e telefone com os agentes locais pa-
mativamente à pergunta Munic 2015 acerca ra complementar as informações encontradas.
da presença de uma operação urbana con- Ainda assim, foram encontradas dificuldades
sorciada, foram analisados planos diretores, em acessar os dados, tendo sido acionadas as
leis de uso e ocupação do solo, leis específicas ouvidorias de diversos municípios.
de operações urbanas consorciadas e outras Por um lado, isso significa que podem
informações locais. Nesta etapa do trabalho, existir casos não identificados pela presen-
destaca-se a falta de transparência de muitas te pesquisa, e o banco de dados precisará
prefeituras brasileiras. De fato, já é sabida a ser revisado e atualizado com achados futu-
dificuldade de acesso à informação no Brasil, ros. Por outro, se essa baixa transparência é

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 487
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

preocupante pelos princípios da gestão e do municípios com operações urbanas consor-


planejamento democrático expostos na Cons- ciadas. Segundo a pesquisa do IBGE, do total
tituição Federal e no Estatuto da Cidade, não de 304 municípios brasileiros com mais de
deixa de ser um achado de pesquisa acerca do 100.000 habitantes, 214 alegaram ter opera-
estado do planejamento urbano brasileiro pós- ções urbanas consorciadas. Entretanto, ao ve-
-Estatuto: não somente não temos pesquisas rificar os dados primários para esses 214 muni-
sistematizadas, unificadas e atualizadas dos cípios, identificamos 162 municípios com pla-
seus instrumentos, como também existe pou- nos diretores vigentes que incluem operações
co acesso a informações da política urbana di- urbanas consorciadas (75,70%); 48 municípios
retamente em âmbito local. sem operações mencionadas no seu plano di-
O fato é agravado quando consideramos retor (22,43%); e 4 municípios dos quais não
que essa baixa transparência pode estar rela- foi possível encontrar a legislação pertinente
cionada ao baixo controle do funcionamento (1,87%). Ou seja, do total de 304 municípios
das operações urbanas consorciadas e de suas com mais de 100.000 habitantes, 53,29%
parcerias público-privadas. Se o urbanismo incluíam operações urbanas consorciadas nos
neoliberal abre espaço para a atuação direta seus planos diretores vigentes, em contraste
dos agentes privados no planejamento urbano, com 70,39% para a pesquisa do IBGE.
o controle do equilíbrio dos projetos é funda- Enquanto as cidades continuam distri-
mental para que haja retornos públicos e que buídas por todo o território nacional (Imagem
os benefícios não sejam apropriados exclusi- 2), é importante destacar que a capacidade
vamente para fins mercadológicos, como tem administrativa e do planejamento urbano local
sido destacado por aquelas pesquisas realiza- aumentou nesse segundo recorte. Os planos
das nos casos mais conhecidos de operações diretores datam, em sua maior parte, do perío-
urbanas consorciadas nas grandes metrópoles do posterior ao Estatuto da Cidade, indicando a
nacionais mencionadas anteriormente. Justa- importância do marco normativo na difusão do
mente, a falta de transparência e controle nas instrumento (Gráfico 5). Ainda, 79 municípios
parcerias público-privadas pode gerar opor- possuem uma secretaria municipal exclusiva-
tunidades para o favorecimento de interesses mente voltada ao planejamento urbano, equi-
privados em detrimentos dos objetivos mais valente a 46,73% da amostra, diferentemente
amplos e coletivos da política urbana (Brenner dos 28,27% encontrados no recorte anterior
e Theodore, 2002; Harvey, 2008). (Tabelas 3 e 4 em comparação). Com efeito,
Com os dados levantados para o novo apenas 1 município dessa amostra não possui
recorte de municípios, ainda, foram encon- qualquer estrutura administrativa voltada ao
tradas diferenças comparativamente à Munic planejamento urbano, volume muito menor do
2015, em especial com relação ao número de que o encontrado na pesquisa do IBGE.

488 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

Imagem 2 – Localização dos municípios Gráfico 5 – Ano do plano diretor


com mais de 100.000 habitantes dos municípios com mais de 100.000
e operações urbanas consorciadas habitantes e operações urbanas
previstas no plano diretor vigente consorciadas previstas no plano vigente

Fonte: elaboração própria. Fonte: elaboração própria.

Tabela 4 – Caracterização do órgão gestor do planejamento urbano no município


com operação urbana consorciada prevista no plano diretor vigente – Munic, 2015

Nº %
Secretaria municipal exclusiva 79 46,73
Secretaria municipal em conjunto com outras polí cas 48 35,05
Setor subordinado a outra secretaria 27 12,62
Setor subordinado diretamente ao chefe do Execu vo 2 0,93
Órgão da administração indireta 9 4,20
Não possui estrutura 1 0,47
Total 162 100,00

Fonte: elaboração própria a par r de dados disponibilizados pelo IBGE (2015).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 489
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Com relação à legislação auxiliar, desses Por um lado, autores especialistas têm
162 municípios com mais de 100.000 habitan- demonstrado a diferença que existe entre os
tes e com operações urbanas consorciadas dados do IBGE, limitados por essa definição, e
previstas em seus planos diretores, somente as realidades locais em termos das múltiplas
1,25% não possui legislação de solo criado ou dimensões do déficit habitacional, entre outros
outorga onerosa do direito de construir, au- (Denaldi, 2013; Queiroz Filho, 2015). Por outro,
mentando a capacidade do planejamento ur- mesmo assim, mais da metade dos municípios
bano local quando comparado ao levantamen- com mais de 100.000 habitantes e com opera-
to do Munic 2015. Ainda, dentre esses muni- ções urbanas consorciadas tem aglomerados
cípios, 105 possuem aglomerados subnormais subnormais em seus territórios. Enquanto a de-
de acordo com o Censo IBGE 2010, totalizando finição do instrumento operação urbana con-
4.588 comunidades (IBGE, 2019). A definição sorciada segundo o Estatuto da Cidade permite
de aglomerados subnormais inclui aquele: a regularização fundiária e impõe o atendimen-
conjunto constituído por no mínimo 51 to das populações diretamente atingidas pelo
unidades habitacionais (barracos, casas, projeto, a associação com outros instrumentos
etc.), ocupando – ou tendo ocupado – até é fundamental para garantir os seus objetivos e
período recente, terreno de propriedade
a inclusão social das comunidades. No entanto,
alheia (pública ou particular); dispostas,
em geral, de forma desordenada e densa;
11,11% não possuem legislação sobre regulari-
e carentes, em sua maioria, de serviços zação fundiária, e 29% não possuem legislação
públicos e essenciais. (IBGE, 2010)3 acerca de concessão de uso.

Tabela 5 – Legislação auxiliar em municípios com operação urbana consorciada


prevista no plano diretor vigente – Munic, 2015

Lei de uso e Lei de regularização Lei de


Situação
ocupação do solo fundiária concessão
Municípios que possuem previsão de operação 160 98,75% 144 88,89% 115 71%
urbana consorciada

Municípios que não possuem previsão de 2 1,25% 18 11,11% 47 29%


operação urbana consorciada
Total 162 100% 162 100% 162 100%

Fonte: elaboração própria a par r de dados disponibilizados pelo IBGE (2015).

490 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

Também foi identificado que a inclusão Esses dados levam a duas conclusões.
das operações urbanas consorciadas no plano Primeiro, é possível identificar resultados dife-
diretor local foi realizada de formas diversas. rentes entre os levantamentos de dados rea-
Na maioria dos casos, o instrumento foi incluí- lizados pelo IBGE e a pela presente pesquisa.
do somente em texto e, por vezes, com uma A dificuldade na definição do instrumento e a
cópia da definição do Estatuto da Cidade, ex- complexidade de sua utilização podem fazer
pondo a fragilidade de sua relação com as dire- com que o nome adquira significados diferen-
trizes do planejamento urbano local; enquan- tes, tendo sido encontradas notícias sobre ou-
to em outros planos já existe a designação de tras formas de projetos urbanos ou parcerias
áreas para a aplicação do instrumento. Essas público-privadas que foram identificados local-
áreas podem ser distritos, macrozonas, bair- mente como operações urbanas consorciadas,
ros, zoneamentos, vias ou até mesmo períme- mas sem o funcionamento previsto no Estatu-
tros já desenhados em mapas ou descritos em to da Cidade ou lei específica aprovada. Além
texto. Finalmente, após a identificação desses disso, existem diferentes terminologias (ope-
162 municípios com planos diretores vigentes rações urbanas, operações simplificadas, entre
que incluem operações urbanas consorciadas, outras) que não foram incluídas na presente
a análise foi aprofundada para aqueles casos pesquisa devido ao interesse em buscar a di-
de existência de projetos ou leis específicas pa- fusão do instrumento conforme normatizado
ra os projetos. pelo Estatuto. Segundo, embora o instrumento
esteja de fato previsto em muitos planos dire-
tores municipais, são poucas as experiências
Cidades com leis específicas: de sua transformação em lei específica, bem
baixa efe vidade como de sua implementação. Esse resultado
e grande diversidade pode ser devido à já mencionada baixa capa-
cidade administrativa de alguns desses muni-
Foram encontrados 51 casos de leis específicas cípios e ao próprio funcionamento do instru-
de operações urbanas consorciadas em 27 mu- mento, como será aprofundado a seguir.
nicípios brasileiros. Se considerarmos a pes- É importante destacar também que não
quisa realizada pelo IBGE, esses 27 municípios foi incluído, nesse total de municípios, aquelas
correspondem a 12,62% dos 214 municípios cidades nas quais existe previsão ou estudos
com mais de 100.000 habitantes e que res- de operações urbanas consorciadas, mas não
ponderam positivamente ao Munic 2015 para lei específica aprovada, como é o caso de Be-
a presença de operações urbanas consorcia- lo Horizonte. Na capital mineira, a Operação
das, como explorado anteriormente. Se con- Urbana Nova BH foi impedida de prosseguir
siderarmos o levantamento original realizado devido à falta de clareza na elaboração dos es-
pela presente pesquisa, esses 27 municípios tudos e à falta de participação popular no pro-
correspondem a 16,67% dos 162 municípios cesso (Indisciplinar, 2020). No fim de 2014, o
com mais de 100.000 habitantes que incluíam projeto foi reapresentado com um novo nome,
a previsão de operações urbanas consorciadas Operação Urbana Consorciada Antônio Car-
em seu plano diretor vigente. los Leste-Oeste (Aclo). Já a Operação Urbana

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Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Consorciada da Estação Barreiro e Adjacências operações urbanas consorciadas, ou seja, não


abrange as áreas localizadas em um raio de havia lei específica para cada projeto. Também
600 metros da estação de transporte coletivo não havia áreas delimitadas para a implanta-
e somente tem um plano de ocupação elabo- ção de cada operação e, no caso da Operação
rado, sem lei específica aprovada.4 Portanto, Senhor dos Passos, foi identificada a falta de
esses casos não foram incluídos no total de 51 informações sobre uma área de preservação
leis específicas de operações urbanas consor- ambiental (uma nascente) e como ocorreria a
ciadas identificadas em 27 municípios. desafetação de vias públicas. Em 2016, o Mi-
Além disso, incluiu-se, nesse total, o ca- nistério Público Estadual propôs uma ação pa-
so de Cuiabá, onde existe lei específica apro- ra proibir que a Prefeitura desse continuidade
vada, mas houve a sua judicialização. Na ca- aos projetos ou iniciasse qualquer outra opera-
pital do Mato Grosso, uma mesma legislação ção até que as irregularidades fossem resolvi-
(lei complementar n. 292/2012) instituiu duas das (Ministério Público de Mato Grosso, 2016).

Imagem 3 – Localização dos municípios com leis específicas


de operações urbanas consorciadas

Fonte: elaboração própria a par r de legislações municipais e de contatos com as prefeituras.

492 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos

Entre os municípios identificados com Ainda, vale destacar que entre os 27


operações urbanas consorciadas, é possível municípios existem operações urbanas con-
encontrar várias das grandes cidades brasilei- sorciadas que não foram implementadas. Em
ras. São elas: Campinas (SP); Campo Grande Maringá, a lei relativa ao projeto Novo Centro
(MS); Cuiabá (MT); Curitiba (PR); Fortaleza Cívico-Eurogarden e, em Manaus, a Operação
(CE); Manaus (AM); Natal (RN); Niterói (RJ); Comércio Popular foram revogadas, enquan-
Osasco (SP); Porto Alegre (RS); Recife (PE); to as operações em Barra Mansa, Coronel Fa-
Rio de Janeiro (RJ); Santo André (SP); São briciano, Campinas e Porto Alegre não foram
Bernardo do Campo (SP); e São Paulo (SP). implementadas até a finalização do levanta-
Ainda, existem leis de operação urbana con- mento. Em Coronel Fabriciano, a aprovação
sorciada em cidades médias, como: Balneário da lei era recente durante a realização do le-
Camboriú (SC); Barra Mansa (RJ); Betim (MG); vantamento; em Campinas, técnicos locais re-
Camaçari (BA); Coronel Fabriciano (MG); Dia- lataram a falta de interesse na continuidade
dema (SP); Juiz de Fora (MG); Jundiaí (SP); do projeto; e, em Porto Alegre, a Operação
Maringá (PR); Salto (SP); Várzea Grande (MT); Urbana Consorciada Lomba do Pinheiro possui
e Vitória de Santo Antão (PE). Portanto, entre um projeto voltado para a inclusão social das
esses municípios, existe uma diversidade de comunidades de baixa renda do perímetro e
realidades urbanas em termos de área, popu- ainda não havia interessados em ações no lo-
lação, índice de desenvolvimento humano e cal. Essa última situação comprova a depen-
desigualdade social, entre outros, como visto dência que a “fórmula mágica” das operações
na Quadro 1. urbanas consorciadas possuem dos agentes
Se levarmos em conta apenas o tama- privados, condicionando o cumprimento dos
nho de suas populações, cidades com ope- objetivos do projeto ao interesse do mercado
rações urbanas consorciadas incluem desde imobiliário pelos benefícios construtivos e ur-
a metrópole nacional São Paulo (SP), com banísticos ofertados (Fix, 2004).
população estimada em mais de 12 milhões Ainda, quando indagado acerca da Opera-
de habitantes, até Coronel Fabriciano (MG), ção Urbana Consorciada Glaziou, em Barra Man-
com uma população estimada em 109.857 sa, um técnico da Prefeitura respondeu que,
em 2019. De fato, entre os casos, foi possível embora a lei tenha sido aprovada, o projeto não
identificar 17 leis específicas em 11 municí- havia sido implementado. De acordo com ele:
pios brasileiros de médio porte ou, aproxima-
penso que esse tipo de instrumento não
damente, 41% do total de cidades. É impor-
é o mais adequado para municípios de
tante destacar, assim, a representatividade pequeno e médio porte. O nosso muni-
dos números em relação à experiência com cípio não tem uma dinâmica imobiliária
o instrumento no País: mesmo que a maior que justifique a sua implementação. Ob-
parte das pesquisas atuais explore as grandes servo, ainda, que a Prefeitura não dispõe
de estrutura gerencial capaz de acom-
metrópoles nacionais, os municípios de médio
panhar o desempenho e a execução de
porte também vêm implantando operações tudo o que está previsto pela legislação.
urbanas consorciadas. (Participante em Barra Mansa)

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 493
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Quadro 1 – Caracterís cas básicas dos municípios


com legislação específica de operação urbana consorciada

População Densidade PIB Índice


IDH
Município Área (km²) es mada demográfica per capita IDHM[1] Gini[2]
estadual
(2019) (hab/km²) (R$ 2010) (2010)
Balneário Camboriú 46,244 138.732 2.337,67 37.429,03 0,845 0,774 0,41
Barra Mansa 547,133 184.412 324,94 26.346,46 0,729 0,761 0,41
Be m 343,856 432.575 1.102,80 59.534,12 0,749 0,731 0,36
Camaçari 785,421 242.970 309,65 81.105,66 0,694 0,660 0,43
Campinas 794,571 1.194.094 1.359,60 49.876,62 0,805 0,783 0,42
Campo Grande 8.082,978 786.797 97,22 32.942,46 0,784 0,729 0,46
Coronel Fabriciano 221,252 109.855 468,67 14.056,30 0,755 0,731 0,39
Cuiabá 3.293,537 607.153 157,66 37.930,34 0,785 0,725 0,48
Curi ba 435,036 1.917.185 4.027,04 44.239,20 0,823 0,749 0,41
Diadema 30,732 420.934 12.536,99 31.865,08 0,757 0,783 0,37
Fortaleza 314,93 2.643.247 7.786,44 23.045,09 0,754 0,682 0,51
Juiz de Fora 1.435,749 573.285 359,59 29.988,91 0,778 0,731 0,41
Jundiaí 431,207 370.126 858,42 105.187,65 0,822 0,783 0,39
Manaus 11.401,892 2.145.444 158,06 33.564,11 0,737 0,674 0,49
Maringá 487,052 417.010 733,14 39.996,43 0,808 0,749 0,42
Natal 167,264 884.122 4.805,24 24.890,54 0,763 0,684 0,53
Niterói 134,074 511.786 3.640,80 46.202,31 0,837 0,761 0,46
Osasco 64,954 699.944 10.264,80 109.936,21 0,754 0,783 0,51
Porto Alegre 495,390 1.483.771 2.837,53 46.133,13 0,805 0,746 0,45
Recife 218,435 1.637.834 7.039,84 30.477,73 0,772 0,673 0,49
Rio de Janeiro 1.200,177 6.688.927 5.265,82 50.690,52 0,799 0,761 0,48
Salto 133,057 119.736 792,13 62.187,92 0,780 0,783 0,40
Santo André 175,782 721.368 3.848,01 40.489,21 0,815 0,783 0,39
São Bernardo do Campo 409,532 838.936 1.869,36 51.239,64 0,805 0,783 0,4
São Paulo 1.521,11 12.176.866 7.398,26 57.071,43 0,805 0,783 0,45
Várzea Grande 942,568 282.009 240,98 26.937,68 0,734 0,725 0,46
Vitório de Santo Antão 335,941 138.757 348,80 23.647,17 0,640 0,673 0,42

Fonte: elaboração própria a par r de IBGE (2019) e Brasil (2010).


[1] O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) agrega três indicadores (renda, educação e saúde) e va-
ria entre 0 e 1; quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento humano (Pnud; Ipea; FJP, 2017).
[2] O Índice Gini é uma medida de desigualdade que oscila entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade e 1
corresponde à completa desigualdade (Ipea, 2004b).

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Mapeando grandes projetos urbanos

Fica clara, portanto, a complexidade do enquadrados no processo de reestruturação


funcionamento do instrumento ante os inte- do Estado, de crítica ao planejamento urbano
resses locais e às capacidades do planejamen- modernista e da implantação de um ideário de
to urbano municipal, gerando: poucos casos política urbana competitiva e empresarial em
de operações urbanas consorciadas com leis escala mundial, o instrumento também é justi-
específicas aprovadas; casos de judicialização; ficado pelo compartilhamento dos custos e be-
leis revogadas; e leis aprovadas, mas com pro- nefícios da urbanização, capturando parte da
jetos ainda não implementados. valorização imobiliária gerada por investimen-
Finalmente, em muitos casos existe uma tos públicos e que normalmente seria apro-
dificuldade de acesso à informação acerca priada privadamente. Inseridas no Estatuto
do andamento dos projetos, sem ser possível da Cidade, as operações urbanas consorciadas
definir o estágio atual das operações urbanas devem ter como objetivo alcançar transforma-
consorciadas em termos de outorga de bene- ções urbanísticas estruturais, melhorias sociais
fícios urbanísticos e construtivos, bem como e valorização ambiental, seguindo os princí-
das obras já realizadas, como é o caso dos pios mais gerais da função social da cidade,
projetos em Vitória de Santo Antão, em Per- do seu planejamento e gestão democráticos.
nambuco. No geral, entre os 51 casos de leis Se, por um lado, os resultados dos projetos
específicas de operações urbanas consorciadas mais conhecidos no País têm sido polêmicos
aprovadas, foram encontrados documentos com relação aos seus resultados efetivamente
não disponibilizados integralmente; disponibi- alcançados, por outro, é importante avaliar a
lizados de forma fragmentada em diferentes experiência na diversidade urbana brasileira.
instituições/fontes; desorganizados; com falta O objetivo do presente estudo é, portan-
de consistência na nomenclatura; e com baixa to, identificar os casos de operações urbanas
qualidade digital. Por e-mail e/ou por telefone, consorciadas em municípios brasileiros com
o contato direto com as instituições públicas mais de 100.000 habitantes, levantando a exis-
locais também era difícil e, muitas vezes, sem tência de leis específicas e a implantação dos
retorno, caso em que foram acionadas as ou- projetos. No entanto, essa não foi uma tarefa
vidorias municipais, às vezes também sem su- simples, já que existem poucas pesquisas de
cesso. Nesse sentido, a falta de transparência e monitoramento das políticas urbanas e dos
de controle da política urbana brasileira conti- instrumentos de planejamento urbano na es-
nua abrindo espaço para questionamentos de cala nacional. Ainda, se já é conhecida a falta
seu funcionamento em geral e quanto a pos- de transparência nos dados ditos públicos, o
síveis favorecimentos privados em específico. levantamento realizado pela presente pes-
quisa encontrou falta de qualidade naqueles
dados que estão de fato disponibilizados. As
Considerações finais dificuldades do levantamento apontam para
a possível existência de casos não localizados
Operações urbanas consorciadas utilizam-se pela presente pesquisa e que o banco de da-
de parcerias público-privadas para a implanta- dos deverá ser atualizado com novas informa-
ção de grandes projetos urbanos. Facilmente ções encontradas.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 495
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder

Essas dificuldades, no entanto, não in- Por fim, embora tenha sido encontrada
validam o primeiro achado, ou confirmação, essa grande difusão das operações urbanas
desta pesquisa: a baixa transparência dos sis- consorciadas nos planos diretores dos muni-
temas de planejamento urbano brasileiro. Se o cípios com mais de 100.000 habitantes, foram
urbanismo neoliberal abre espaço para a ação poucos os casos de sua transformação em
direta de agentes privados no planejamento lei específica. Dos 162 planos diretores que
urbano e aumenta a possibilidade de parcerias incluem o instrumento, foram identificadas
público-privadas, o equilíbrio dos objetivos e leis específicas somente em 27 municípios
o controle dos projetos devem ser analisados (16,67%). A baixa taxa de transformação do
para que as operações urbanas consorciadas instrumento em lei específica pode ser devido
não se transformem em pura flexibilização de à já mencionada baixa capacidade administra-
índices e atração de investimentos privados. tiva de alguns desses municípios e à complexi-
Além disso, a falta deles pode ser, justamente, dade do funcionamento do instrumento. Ain-
um indicativo de o porquê dos projetos im- da foram encontrados casos nos quais as leis
plementados terem gerado poucos retornos foram judicializadas ou revogadas e projetos
sociais ou urbanísticos, para além de grandes que ainda não foram implementados por falta
obras viárias e imobiliárias, como apontado de interesse tanto dos agentes públicos quan-
pelas pesquisas atuais. to dos privados.
Segundo, como resultado do levanta- Como conclusão, existe uma difusão das
mento de dados primários realizado, foi en- operações urbanas consorciadas pelo territó-
contrada a difusão do instrumento operação rio nacional, atestando a atratividade pela ale-
urbana consorciada pelo território nacional, gada aproximação de interesses públicos e pri-
estando presente em planos diretores de mu- vados e a disseminação dos grandes projetos
nicípios de todas as regiões brasileiras. Quan- urbanos pelo País. No entanto, a sua transfor-
titativamente, do total de 304 municípios com mação em lei específica e sua implementação
mais de 100.000 habitantes, 162 ou 53,29% são baixas e ocorrem em municípios de grande
incluíam operações urbanas consorciadas nos diversidade urbanística. Ainda, considerando
seus planos diretores vigentes. É possível per- a baixa transparência e a falta de acesso a in-
ceber, também, uma diversidade no porte dos formações dos projetos, fica claro que é im-
municípios e em suas capacidades administra- portante avaliar os impactos que as operações
tivas, enquanto ainda existem casos nos quais urbanas consorciadas possuem para além dos
a previsão da operação prescinde da existência casos mais conhecidos nas grandes metrópo-
de outorga onerosa/solo criado ou instrumen- les nacionais, esclarecendo os objetivos profe-
tos de regularização fundiária que poderiam ridos e as metas de fato alcançadas com o ins-
concretizar os objetivos sociais previstos no trumento. Esta pesquisa é um primeiro passo
Estatuto da Cidade. nesse sentido.

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Mapeando grandes projetos urbanos

[I] https://orcid.org/0000-0002-1042-8743
Universidade Federal de Santa Catarina, curso de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Ar-
quitetura e Urbanismo. Florianópolis, SC/Brasil.
marina.siqueira@ufsc.br

[II] https://orcid.org/0000-0003-2918-6307
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
carolinaslschleder@usp.br

Nota de agradecimento
As autoras gostariam de agradecer ao financiamento dessa pesquisa pelo Edital Universal CNPq 2016
e pela bolsa PIBIC/CNPq/UFSC.

Notas
(1) É importante destacar pesquisas que fogem do modelo estudo de caso, como o trabalho de
Carvalho (2020), que compara projetos na Região Metropolitana de São Paulo, e o de Hissa e
Araujo (2017) que, para abordar projetos em Fortaleza, realiza um levantamento primário de
casos brasileiros.

(2) Disponível em: h ps://prefeitura.pbh.gov.br/poli ca-urbana/planejamento-urbano/operacoes-


urbanas/simplificadas. Acesso em: 23 jun 2019.

(3) Definição oficial do glossário do Censo IBGE, 2010. Disponível em h ps://censo2010.ibge.gov.br/


materiais/guia-do-censo/glossario.html. Acesso em: 29 abr 2019.

(4) Essas informações estão disponíveis no próprio site da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Disponível em: h ps://prefeitura.pbh.gov.br/poli ca-urbana/planejamento-urbano/operacoes-
urbanas/consorciadas. Acesso em: 20 jul 2021.

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Texto recebido em 18/ago/2021


Texto aprovado em 11/nov/2021

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Urbanização neoliberal
e megaeventos em Lima e Callao
Neoliberal urbanization
and mega events in Lima and Callao

Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola [I]

Resumo Abstract
Este ar go examina a difusão de um modelo recen- This article examines the diffusion of a recent
te de governança urbana neoliberal que gerencia- model of neoliberal urban governance that would
ria processos de urbanização neoliberal nas cidades manage neoliberal urbaniza on processes in the
de Lima e Callao, considerando o contexto de pre- ci es of Lima and Callao, considering the context
paração para sediar os XVIII Jogos Pan-Americanos of preparation to host the XVIII Pan American
de Lima 2019. O ar go procura mostrar como me- Games in Lima, in 2019. The article aims to
gaeventos são utilizados como instrumentos de show how mega events are used as spatial
produção espacial, por meio de coalizões de líderes production instruments, through coalitions of
carismá cos do setor privado e de interesses imo- charisma c private sector leaders and real estate
biliários, com a intenção de transformar a cidade interests, with the inten on of transforming the
através da mobilização do patriotismo e do con- city through the mobilization of patriotism and
senso. Argumenta-se que o Estado promove a ur- consensus. It is argued that the state promotes
banização neoliberal através de Parcerias Público- neoliberal urbanization through Public-Private
-Privadas (PPPs). Partnerships (PPPs).
Palavras-chave: urbanização neoliberal; neolibera- Keywords: neoliberal urbanization;
lização das cidades; governança urbana; polí cas neoliberaliza on of ci es; urban governance; urban
urbanas; megaeventos. policies; mega events.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5403 Crea ve Commons Atribu on
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

Introdução interurbana gera cidades mais competentes e


competitivas. A fim de compreender os pro-
cessos de urbanização neoliberal e neoliberali-
O principal objetivo deste artigo é discutir a di- zação, discutem-se os ajustes espaciais ou ajus-
fusão de um novo padrão de governança urba- tes espaço-temporais nos termos delineados
na empresarial que sustentou grandes projetos por Harvey (2005 e 2014) como consequência
nas cidades de Lima e Callao, para acolher os da crescente difusão da governança empreen-
XVIII Jogos Pan-Americanos de Lima, em 2019, dedora neoliberal.
envolvendo um processo de neoliberalização Para atingir os objetivos propostos, a pri-
das cidades, percebido por procedimentos de meira parte do artigo contextualiza os limites da
destruição criativa de estruturas urbanas; de dimensão econômica, política e social dinâmica
instituições de gestão territorial; e de quadros do neoliberalismo no mundo, na América Latina
regulamentares que colaboram na acumula- e no Peru. Em seguida, discutem-se os conceitos
ção de capital com base na lógica do mercado de governança urbana neoliberal, relacionando-
através de políticas urbanas que mercantilizam -os com a estratégia neoliberal para a realização
as cidades (Peck e Tickell, 2002; Harvey, 2005; do Pan-2019. Ela procura sistematizar o papel
Theodore, Peck e Brenner, 2009). do Estado peruano na promoção de projetos
Os megaeventos esportivos estão asso- urbanos especulativos impulsionados pelo setor
ciados a processos de urbanização neoliberal privado e pelo mercado através de PPPs.
que ocorrem através de um padrão recente Vale a pena mencionar que se decidiu
de gestão urbana, que é sustentado através de desenvolver a pesquisa usando o método de
novas coalizões e arranjos institucionais que estudo de referência. Além disso, usou-se o
visam a interesses econômicos e políticos. Pa- método qualitativo, que permitiu compreen-
ra esse fim, são discutidos os conceitos de em- der e dar conta dos fenômenos econômicos e
preendedorismo urbano propostos por Harvey sociais que estão imersos na produção do es-
(1996 e 2005), relacionando-os com a estraté- paço urbano. Com base na interdisciplinarida-
gia urbana para a realização do Pan-2019. Essa de e em colaboração com revisão bibliográfica,
governança urbana é caracterizada pela cons- análise de informações e documentos de insti-
tituição de coalizões interessadas em apoiar o tuições estatais peruanas e recortes de jornais,
empreendedorismo urbano baseado em Parce- delimitou-se o artigo. A análise é baseada na
rias Público-Privadas (PPPs). teoria crítica, em particular a teoria crítica ur-
É percebido que as políticas urbanas bana (Brenner, 2018). A teoria crítica urbana
utilizadas para a realização de megaeventos deve analisar a modernidade capitalista e cri-
esportivos podem ser consideradas como ca- ticar seu modo de produção, enquanto propõe
talisadores da neoliberalização dos espaços ur- outra forma de urbanização, mais democráti-
banos sob a ideia global de que a competição ca, socialmente justa e sustentável.

502 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

O sistema neoliberal: novas condições, que exige a liberalização e


desregulamentação das transações econômi-
origens e limites cas, não só nas fronteiras nacionais, mas tam-
bém, e sobretudo, para além delas.
A reestruturação produtiva, a partir da reces- Considera-se que há uma relação entre
são dos anos 1970, modificou os processos a ascensão do neoliberalismo e o novo padrão
produtivos com mudanças circunstanciais em de governança urbana. Nesse sentido, a difu-
aspectos relacionados ao desenvolvimento são de um novo padrão de empreendedorismo
econômico, político e cultural do mundo. A urbano (Harvey, 1996 e 2005) contribuiu para
transformação político-econômica do capita- a transição econômica da dinâmica do capita-
lismo global traz crises, como desindustria- lismo, passando do regime fordista para um re-
lização, desemprego disperso e austeridade gime de acumulação flexível e de um modelo
fiscal em diferentes níveis, nacionais e locais centralista de administração urbana para uma
(Harvey, 1996). A mudança de paradigma as- governança corporativa (Harvey, 1992). Nesse
sentou-se num conjunto de bases, objetivos e sentido, a globalização neoliberal faz parte do
métodos denominado neoliberalismo, que se desenvolvimento capitalista, uma vez que es-
caracteriza, segundo Dardot e Laval (2016), co- se sistema de acumulação tem uma dimensão
mo o predomínio da competitividade, compro- geográfica e espacial. Para Harvey (1996), cor-
metendo o papel do Estado na busca por abrir responde à reorganização geográfica do capi-
e produzir condições para a sua intervenção talismo, em que as antigas unidades geográfi-
por parte dos mercados. Adicionalmente, a cas perdem sua capacidade de reter ou atrair
racionalidade neoliberal busca estruturar e or- capital e garantir a acumulação nos níveis exi-
ganizar não só a ação dos governantes na justi- gidos pelo mercado, trazendo outras deman-
ça, mas até a própria conduta dos governados. das entre os Estados, que são forçados a com-
Dessa forma, pode-se argumentar que funcio- petir, para alcançar melhores resultados no
na como “o conjunto de discursos, práticas e mercado mundial (Harvey, 1996 e 2005). Além
dispositivos que determinam um novo modo disso, Jessop (2002) argumenta que o neolibe-
de governo dos homens segundo o princípio ralismo deve ser entendido na privatização de
universal da concorrência” (ibid., p. 17). instituições e serviços estatais; no uso de práti-
Segundo Harvey (2007), o neoliberalis- cas de mercado no setor público desigual; e no
mo começa como um “potencial antídoto” pa- tratamento dos gastos públicos de bem-estar
ra as ameaças da ordem social e capitalista. Foi como um custo de produção internacional, e
estabelecido como um modelo político-eco- não como uma fonte de demanda doméstica,
nômico, cuja premissa era que os indivíduos local e nacional (ibid.).
precisam satisfazer suas exigências essenciais Destacam-se dois casos de origem do
com base na sua independência e liberdade, neoliberalismo. Segundo alguns autores, o
ou seja, a capacidade do indivíduo para desen- neoliberalismo surge a partir do golpe lide-
volver atividades econômicas. Segundo Jessop rado por Pinochet, no Chile, em 1973; outros
(2002), o neoliberalismo deve ser entendido mencionam que se inicia com os governos con-
como um projeto econômico orientado para servadores, como o de Thatcher, na Inglaterra,

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 503
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

em 1979, ou com a vitória de Reagan sobre prepararam para um novo ciclo de expansão,
Carter, nos Estados Unidos, em 1980 (Harvey, estabelecendo um projeto para o continente
2007). A política de desregulamentação abriu através de várias políticas públicas conhecidas
novas zonas de liberdade de mercado. A ló- como o Consenso de Washington (CW) (ibid.).
gica neoliberal avançou com um conjunto de Também se intensificou nos anos 2000, quan-
políticas orientadas ao mercado e à concor- do o projeto neoliberal foi modificado em res-
rência interurbana, assim como a transforma- posta ao boom econômico chinês e ao avanço
ção de todos os bens e serviços da sociedade do antineoliberalismo (ibid.).
em mercadorias. Os anos 1980 e 1990 foram Para Pradilla (2010), os efeitos do neo-
marcados pela consolidação neoliberal (ibid.), liberalismo na América Latina dependiam do
a relação entre a redução do poder estatal, o contexto e da forma como ele foi aplicado, que
financiamento da austeridade e os serviços poderia ser autoritário, conflituoso ou consen-
públicos, e a concorrência interurbana per- sual. Os processos, no entanto, tinham algu-
mitiu que o neoliberalismo se estabeleces- mas similitudes: o mercado como sujeito cen-
se, ideológica, política e economicamente, tral da economia, convertido em uma relação
como a forma global dominante de capital entre objetos – mercadorias; e a livre circula-
(Theodore, Peck e Brenner, 2009). Isso nunca ção de capital em escala global, que deslocou
levaria a um Estado omisso, mas a vários Esta- a capacidade de decidir a localização territo-
dos reconstruídos e reorientados, engajados rial dos investimentos, que antes estavam nas
nas tarefas diárias de geração de novos merca- mãos do Estado e do planejamento nacional. O
dos, e, assim, a uma reestruturação normativa livre comércio generalizado e o movimento do
guiada pela regra do mercado. Estado para intervir e facilitar a ação privada
O neoliberalismo é concebido como o levaram à estagnação da industrialização nas
projeto e programa político-econômico do cidades ou à sua desindustrialização e tercei-
capital para permitir sua reprodução, em que rização predominantemente informatizada; e
os Estados adotam políticas, em conjunto com à privatização do setor público, em particular
as classes sociais dominantes da riqueza na- da infraestrutura, serviços e áreas públicas.
cional, em escala global, sendo uma de suas Além disso, através da desregulamentação ur-
principais características o fortalecimento da bana, o Estado foi perdendo seus instrumentos
especulação do capital (ibid.). Na América Lati- de intervenção no território (urbano-regional)
na, o processo neoliberal intensificou-se a par- no padrão intervencionista de acumulação.
tir de meados dos anos 1990. Martins (2011) O individualismo ganhou terreno em todas
analisa sua ocorrência em duas fases de arti- as áreas da vida social, e ganharam também
culação econômica: a primeira nos anos 1980, o discurso da globalização, a cidade global, a
quando, em crise, o país hegemônico drenou competitividade e a conectividade (ibid.).
os excedentes da economia mundial, geran- A globalização neoliberal no Peru foi
do contradições na organização da divisão do estabelecida nos anos 1990, produzindo uma
trabalho, ou como um projeto de desenvolvi- grande transformação econômica, política, so-
mento para a região; e a segunda fase ocorreu cial e estatal, reestruturando as relações entre
nos anos 1990, quando os Estados Unidos se o Estado e a sociedade e o Estado e o capital.

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

Essa transformação resultou em um novo pa- (ibid.). O paradoxo é que Fujimori disse repe-
drão de acumulação capitalista, baseado na tidamente durante a campanha eleitoral que,
valorização financeira, privatização e outros. quando se tornasse presidente, não utilizaria
De acordo com Benza (2020), a experiência pe- as políticas neoliberais que seu adversário,
ruana aconteceria através do golpe de Estado o escritor ganhador do Prêmio Nobel, Mario
de 1992 e da criação da Constitución Política Vargas Llosa, representando a Frente Demo-
del Perú de 1993, que seguiu as diretrizes do crática (Fredemo), propagou. Entretanto, uma
Consenso de Washington (Benza, 2020). Em vez eleito, ele mudou seu discurso, tomando
1990, quando já era eleito presidente do Peru, os ideais neoliberais como políticas estatais
Alberto Fujimori viajou para Nova York e Tó- (Carranza, 2000; Benza, 2020).
quio, onde recebeu, das autoridades do Fun- O neoliberalismo peruano foi consoli-
do Monetário Internacional (FMI) e do Banco dado após a implementação da Constituição
Mundial (BM), o documento CW, pelo qual Peruana de 1993, quando o regime regulató-
compreendeu o suposto potencial econômico rio do ex-presidente Alberto Fujimori, com o
do neoliberalismo (Carranza, 2000). Essa Carta ex-assessor do BID, o economista liberal Her-
Magna deu legalidade ao regime consagrado nando de Soto, promoveu várias reformas em
na ideologia neoliberal e ofereceu os argu- favor da liberalização econômica, indicando
mentos centrais para dar estabilidade às re- que o Estado gerou maiores ineficiências e que
formas políticas e econômicas (ibid.; Martínez, a ação social e as decisões da sociedade civil
2009), dado que as organizações financeiras geraram maiores desigualdades. Portanto, de
internacionais estavam pressionando o Esta- acordo com Soto (1987), era melhor deixar a li-
do nacional a fazer ajustes que garantissem vre circulação e o funcionamento do mercado,
o pagamento da dívida externa, e o governo já que este resolveria problemas sociais, eco-
americano exigiu resultados confiáveis na luta nômicos e políticos. Assim, a estratégia con-
contra a insurgência (Martínez, 2009). Isto per- sistiu em determinar os problemas urgentes,
mitiu que Fujimori assegurasse, politicamente, analisando quais instituições públicas e jurí-
o controle de todas as instituições estatais e, dicas abrem oportunidades para a população.
economicamente, a privatização das empre- Essas instituições, inspiradas pelas qualidades
sas estatais, a demissão de servidores públicos empreendedoras e/ou para criar riqueza, per-
e a desregulamentação do aparelho estatal mearam a coordenação ideal das pessoas e o
(Carranza, 2000; Benza, 2020; Martínez, 2009). uso dos recursos (ibid.). De acordo com Benza
Portanto, os direitos de propriedade devem ser (2020), a Constituição de 1993 é a de maior li-
afirmados, facilitando transações e instrumen- berdade econômica do mundo, na qual o Esta-
tos legais, evitando regulamentações legais e do exerce um papel determinante na produção
substituindo o Estado por organizações infor- social. A liberalização econômica estimulou
mais e privadas (Soto, 1987). Assim, a agenda mudanças na cultura política de um determi-
política era um programa que buscava simplifi- nado setor, convertendo a percepção da pri-
car, descentralizar e desregulamentar a função vatização dos serviços públicos como o único
pública, bem como despolitizar a vida produ- mecanismo de fixação de preços e tendências
tiva nacional e a economia política nacional especulativas (ibid.).

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Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

Após a implementação da Constitución O plano de governo do Apra apresen-


de 1993, a reeleição de Fujimori em 1995, rea- tava um tópico particular que trata da re-
lizada durante o estado de emergência e a au- forma constitucional do país. Isso constitui,
toridade militar, deu continuidade à privatiza- então, a retomada da antiga Constituição de
ção e ao desmantelamento do Estado (Carran- 1979, firmada por seu ex-líder político, Raul
za, 2000; Martínez, 2009). Dessa forma, o regi- Haya de La Torre. Além disso, consta nes-
me Fujimori procurou se perpetuar no poder se apartado o fortalecimento da capacidad
por 20 anos, razão pela qual, nas eleições de promotora e reguladora del Estado en el
abril de 2000, foi reeleito por meio de fraude contexto de una economía de mercado (Apra,
(Martínez, 2009), após a divulgação de vídeos 2011, p. 14). Depois do Alan Garcia, o Sr.
de corrupção de seu principal conselheiro, Ollanta Humala (2011-2016) ganhou as elei-
Vladimiro Montesino, nos quais empresários, ções presidenciais, superando a Sra. Keiko
magistrados, parlamentares e altos funcioná- Fujimori (filha do ex-presidente Fujimori),
rios do Estado foram comprados e subornados, do partido Fuerza Popular (FP). O discurso
a fim de dar legalidade ao regime. Em 2000, nacionalista de Humala na primeira eleição
Fujimori foge para o Japão, renunciando à pre- era contra o sistema neoliberal, argumen-
sidência (ibid.). Após a renúncia de Fujimori, tando que esse regime gerava desigualdades
assumiu o Sr. Valentin Paniagua (2000-2001), sociais nos paí ses da América Latina. Dizia
do partido Acción Popular (AP), que era então ser parte de un gran movimiento de cambio
presidente do Congreso de la República del Pe- contra el neoliberalismo excluyente que hoy
rú. No curto mandato, apesar de ter a maioria recorre América Latina, con sus matices y sus
dos congressistas, não mudou a Constituição problemas (Gana Perú, 2011, p. 9), criticando
de 1993, especialmente em relação às políticas evidentemente a atuação dos presidentes Fu-
neoliberais, mas alterou a possibilidade de re- jimori, Toledo e Garcia. Na segunda eleição,
eleição presidencial. moderou o seu discurso. Já eleito presidente,
Em 2001, foi eleito o economista Sr. Ale- alinhou-se aos grupos de interesse econômi-
jandro Toledo (2001-2006), do partido político co. A crítica do plano de governo nacionalista
Perú Posible (PP), que venceu no segundo tur- argumentava que las políticas del Consenso
no o ex-presidente Alan Garcia (1985-1990), de Washington liberalizaron el comercio y
do Partido Aprista Peruano (Apra). Alejandro los mercados financieros, privatizaron las
Toledo governou por um período democrático empresas estatales, flexibilizaron el mercado
de cinco anos. Cabe mencionar que ele, apesar de trabajo, que deterioró la estabilidad laboral
de ser opositor político de Fujimori, deu con- y los salarios, y redujeron el papel regulador
tinuidade, no seu governo, ao viés econômico del Estado (ibid., p. 15).
fundamentado nos parâmetros neoliberais im- No ano de 2016, assumiu a presidên-
plantados pela ditadura fujimorista. Seu suces- cia o economista neoliberal Sr. Pedro Pablo
sor foi o ex-presidente Sr. Alan Garcia (2006- Kuczynski (2016-2018), representando o parti-
2011), que venceu o Sr. Ollanta Humala, do do Peruanos Por el Kambio (PPK), vencendo a
Partido Nacionalista Peruano (PNP). Sra. Keiko Fujimori, do FP. No plano de governo

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

de Kuczynski, não se mencionava mudança


Governança urbana neoliberal
alguma a respeito da Constituição de 1993.
Posteriormente à renúncia de Pedro Pablo
em Lima e Callao
Kuczynski, no dia 23 de março de 2018, devido
a denúncias de corrupção, assumiu o vice-pre- Quanto à produção do espaço urbano, os pro-
sidente, Sr. Martin Vizcarra (2018-2020). Ape- cessos de desenvolvimento em Lima e Callao
sar disso, deu-se continuidade aos programas aparentemente provocaram um certo cresci-
neoliberais, seguindo os limites econômicos mento, tornando necessário reestruturar o pa-
formulados por Kuczynski na campanha eleito- pel do Estado e o aparato regulador, trazendo,
ral, cujo rumo econômico se baseou em refor- assim, novos modelos de governança urbana
çar a desregulamentação e a redução do Esta- (Peck e Tickell, 2002; Harvey, 2005; Theodo-
do. No ano de 2020, o Congresso da República re e Peck; Brenner, 2009; Santos Junior, 2015;
faz um impeachment ao presidente Vizcarra, e, Santos Junior e Ribeiro, 2015). Entretanto,
no mesmo ano, é escolhido o presidente inte- observa-se que a reestruturação estatal da
rino por votação do Congresso, o Sr. Francisco governança urbana está orientada para o mer-
Sagasti (2020-2021), do Partido Morado (PM). cado, sendo teorizada como um novo padrão
No ano de 2021, é eleito o Sr. Pedro Castillo, do de projeto neoliberal disseminado por organi-
Partido Político Perú Libre (PL), ganhando da zações internacionais através de políticas de
Sra. Keiko Fujimori. "melhores práticas" (Peck, 2012). Dessa for-
Evidencia-se que os processos neolibe- ma, o objetivo central é a reprodução do es-
rais no Peru se articularam a partir da desre- paço urbano com a lógica do mercado. Assim
gulamentação, do desmantelamento das ins- a urbanização neoliberal está ligada a fases de
tituições públicas e das privatizações que se processos de destruição criativa das estruturas
iniciaram na década dos anos de 1990. Além urbanas (Peck e Tickell, 2002; Harvey, 2005;
disso, percebe-se a continuidade dos proces- Theodore, Peck e Brenner, 2009) de institui-
sos de neoliberalização por meio das políticas ções de gestão territorial; e de marcos regu-
públicas e urbanas que são difundidas através latórios convenientes à acumulação de capital
de recentes modelos de governança urbana em um mercado desregulamentado, manifes-
que mercantilizam as cidades, servindo, assim, tado em políticas e práticas urbanas que visam
como instrumentos de neoliberalização, como à mercantilização das cidades: como forma
meio para novas rodadas de mercantilização de reestructuración regulatoria abigarrada:
das sociedades. Pode-se considerar que as ci- produce diferenciación geo-institucional en
dades de Lima e Callao estejam funcionando distintos lugares, territorios y escalas, pero
como experimentos neoliberais, difundidos no lo hace de manera sistemática (Brenner,
como modelos de governança urbana, reafir- Peck e Theodore, 2011, p. 23). Pensamos que
mando os ideais neoliberais. a contribuição teórica desse conceito analítico

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Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

permita uma leitura dinâmica do neoliberalis- são delimitados pela necessidade de construir
mo e dos processos de urbanização neolibe- consenso político e social (Harvey, 2007) em
ral, uma vez que a abordagem utilizada neste propostas que precisem destruir criativamente
artigo os entende como processos instáveis, os procedimentos de proteção social do Esta-
mutáveis, dependentes do contexto. Enfatiza- do de bem-estar keynesiano (Harvey, 2005 e
-se la profunda dependencia que los procesos 2014). A difusão de um padrão de governança
de neoliberalización tienen de su trayectoria recente baseado no empreendedorismo urba-
previa (ibid.). no tem as seguintes características, de acordo
As políticas e os programas urbanos com Harvey (2014), explicitadas no parágrafo
foram disseminados com o neoliberalismo a seguir.
realmente existente, considerando as in- A primeira característica trata da cons-
terações dependentes de la trayectoria y tituição de coalizões de poder e alianças inte-
contextualmente específicas que se dan entre ressadas em apoiar a governança neoliberal,
los escenarios regulatorios heredados, por una baseando-se nas PPPs. A administração local
parte y proyectos emergentes de reformas deve ativar a procura de recursos e fontes de
neoliberales orientadas al mercado (ibid., financiamento. A segunda trata das ativida-
2009, p. 3), iniciadas de maneira contraditória des das PPPs com o empreendimento. Todas
em diferentes contextos. O neoliberalismo não as atividades capitalistas estão subordinadas
é uma ideologia pura, ao contrário, é híbrido à lógica do mercado, desse modo, o Estado
na sua concepção; a teoria econômica neolibe- incorpora as expectativas que o setor priva-
ral é, assim, polimórfica e incompleta (Brenner do precisa para especular, involucrando ris-
e Theodore, 2002). É por isso que se pensa cos absorvidos pelo poder público, de modo
na relação entre cidades, capital e megaeven- a beneficiar o setor privado. E a terceira trata
tos. Portanto, considera-se que o Pan-2019 e da intervenção da governança empreendedo-
o modo de governança resultariam nas cida- ra neoliberal ligada a territórios específicos,
des em “ruedos estratégicamente decisivos capazes de atrair recursos privados por parte
donde se han estado desplegando las formas da administração, sem intervir no conjunto do
neoliberales de destrucción creativa” (Theodo- território, gerando desigualdades socioterrito-
re, Peck e Brenner, 2009, p. 7). A infraestrutura riais (Harvey, 1996 e 2005).
urbana é, portanto, necessária para a acumu- Pensa-se que, no Peru, as cidades de Li-
lação e a regulamentação neoliberal. ma e Callao estejam passando por um proces-
Peck e Tickell (2002) destacam a rele- so de urbanização neoliberal exercido pela go-
vância de entender o neoliberalismo e a ur- vernança empreendedora neoliberal (Harvey,
banização neoliberal como processos que 1996 e 2005), concebido pelo empreendedo-
articulam etapas de desregulamentação e rismo urbano quando realizado em termos
desmantelamento das instituições existentes, de ajustes espaciais de Harvey, tratando-se
com a construção e difusão de novos modelos de “contradição incontornável e aberta a uma
de governança (Peck e Tickell, 2002; Harvey, interminável repetição, porque novas regiões
1996 e 2005; Santos Junior e Ribeiro, 2015; também requerem capital fixo em infraes-
Santos Junior, 2015). Esses processos urbanos truturas físicas e ambientes construídos para

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

funcionar com eficácia” (Harvey, 2014, p. 99). esta uma característica das recentes políticas
Assim novas configurações urbanas foram rea- urbanas neoliberais (ibid.), apropriada à dinâ-
lizadas para que as cidades sediassem os XVIII mica econômica atual (Sanchéz et al., 2004).
Jogos Pan-Americanos e os VI Jogos Parapan- É assim que, em 11 de outubro de 2013,
-Americanos, em 2019. o estado do Peru, com o Comitê Olímpico Pe-
As cidades envolveram-se no discurso ruano (COP), a Organización Deportiva Pana-
construído pelos gestores, que, em consenso, mericana (Odepa) e a Municipalidad Metropo-
afirmam que Lima e Callao deveriam se mos- litana de Lima (MML), com a participação do
trar no disputado mercado internacional das Instituto Peruano del Deporte (IPD), definiu as
cidades, através do patriotismo, o que resulta- condições para a realização dos XVIII Juegos
ria em uma nova identidade e simbolismo para Pan-Americanos e dos VI Juegos Parapan-Ame-
o povo de Lima, além de servir para mostrar a ricanos, em 2019.
cultura ancestral e gastronômica. Neuhaus in- Em 21 de fevereiro de 2015, foi emi-
dica, em uma entrevista, que as cidades de Li- tido o decreto supremo n. 002/20 15,
ma e Callao teriam uma excelente oportunida- aprovando a criação, a partir do Ministe-
de. Nas palavras do diretor, “tenemos mucho rio de Educación (Minedu), do Proyecto
que mostrar durante los Juegos. Tenemo s Especial para la preparación y desarrollo
la posibilidad que mil millones de personas de los XVIII Juegos Panamericanos y VI
nos vean. Tener una ciudad más arreglada. Juegos Parapanamericanos Lima 2019 (PE),
Una gran oportunidad de exponer al mundo instituição criada para planejar e executar o
nuestro país, nuestra ciudad” (Peru, s./d.). Pan-2019 com outras instituições nacionais
Percebe-se que os Estados fazem coa- e internacionais (Lima, s./d.). A resolución
lizões e arranjos institucionais para promo- suprema n. 006/2015, do Minedu, declara o
ver megaeventos esportivos (Boykoff, 2013; Pan-2019 de interesse nacional, formalizando
Sánchez e Broudehoux, 2013; Bolsmann, 2015; um grupo de trabalho denominado “Comité
Eick, 2015; Müller, 2015; Santos Junior, 2015; Organizador de los XVIII Juegos Panameri-
Santos Junior e Ribeiro, 2015), mostrando ao canos del 2019 (Copal – Perú)”, vinculado ao
mundo suas várias qualidades. Lima e Callao próprio ministério (Lima, 2019b; Lima, s./d.).
não seriam a exceção. Esse argumento se tor- Em 2016, o Estado chamou de “Plan
na eficiente e eficaz por parte do Estado para Maestro de los XVIII Juegos Panamericanos y
atrair investimentos privados (Harvey, 1996 e VI Juegos Parapanamericanos Lima 2019” o
2005), dado que o Pan-2019 se torna não ape- conjunto de intervenções urbanas que foram
nas a razão para melhorar a qualidade de vida realizadas nas cidades de Lima e Callao. A go-
dos cidadãos através da disseminação do es- vernança empreendedora neoliberal iniciou
porte, mas também mais interessado na pro- a implementação de um plano estratégico de
dução de espaço urbano através do desenvol- acordo com as exigências do PE e da Odepa.
vimento de Grandes Projetos Urbanos (GPUs), Neuhaus, diretor do PE, mencionou que este
como descrito por Swyngedouw, Moulaert e fue un modelo que incorporó herramientas
Rodríguez (2002), articulados às recentes for- de gestión privada de proyectos al ámbito
mas de governança urbana neoliberal, sendo público (Lima, 2019a). Assim, as novas

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Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

coalizões e acordos institucionais decidem um característica é a entrega de infraestruturas de


novo plano de emergência, que foi executa- qualidade para os atletas; a terceira caraterísti-
do pelas empresas internacionais Deloitte e ca fala sobre agrupar sedes em clusters; a quar-
Trivandi, que realizaram várias consultorias ta trata de criar oportunidades de negócios,
em diferentes megaeventos esportivos (Lima, considerando os jogos como catalisadores para
2019b; Lima, s./d.). Neuhaus alega a neces- desenvolver potenciais experiências aos usuá-
sidade de contratar empresas internacionais rios; a quinta consiste em deixar um legado ur-
para realizar o megaevento esportivo, dada a bano permanente para seu posterior uso; e a
transferência de conhecimentos. Em entrevis- última característica é a reafirmação da compe-
ta para a agência Andina, o diretor do Copal titividade esportiva nacional, por meio da capa-
menciona que citação de atletas nacionais para competições
internacionais de alto nível (Lima, 2019b).
hicimos un concurso entre los países
Pensa-se que a governança empreende-
que habían hecho Juegos anteriormente
(Olímpicos y Panamericanos) en el que dora neoliberal das cidades de Lima e Callao,
participaron Canadá, México, Brasil e realizada emergencialmente, planejou os
Inglaterra, para que nos ofrecieran ser una ajustes espaciais de forma homogênea, con-
gerencia de proyecto. En todos los Juegos siderando como estratégia cidades que foram
se utilizan empresas consultoras como
sedes, refazendo as estratégias territoriais (Go-
Deloitte, Ernst & Young o Pricewaterhouse.
(Córdova e Andina, 2019) mez Cornejo, 2021). Percebe-se que, para o ca-
so das cidades de Lima e Callao, o Plan Maestro
A consultoria internacional propôs-se a recomendou uma estrutura organizacional se-
estabelecer as principais demandas do mer- melhante à usada nas Olimpíadas de Londres
cado imobiliário e do capital privado, resta- de 2012 e nas Olimpíadas de Toronto de 2015,
belecendo novas contradições na reprodução tendo uma equipe central responsável pelas
social. O Plan Maestro 2019 serviu como base estratégias empresariais e questões de servi-
para expandir a dinâmica do capital privado. ço (Lima, 2019b). Como aponta Santos Junior
Entre suas principais ações, estão “programar (2015), os megaeventos esportivos frequen-
y ejecutar las acciones y actividades necesarias temente criam ambientes propícios à acumu-
para el desarrollo de los Juegos, en el marco lação de capital, o que resulta em um efeito
del Plan Maestro y los acuerdos y compromisos duplo. Em primeiro lugar, o “aumento da fle-
del Comité Organizador” (Lima, s./d.), assim xibilidade especial das empresas e do capital”
como “promover la participación del sector (ibid., p. 23); em segundo, a homogeneização
privado y la sociedad civil en el financiamiento, de processos entre cidades, que gera “estra-
estudios, ejecución y/o mantenimiento de tégias inovadoras que seriam atraentes como
infraestructura, según las formas previstas por centros culturais e de consumo” (ibid., p. 23).
la normativa aplicable” (ibid.). Evidencia-se, portanto, que o Plan
O plano urbano tem seis característi- Maestro 2019 tem por intuito ser um projeto
cas: a primeira discorre sobre a criação de urbano neoliberal, revitalizador da cidade de
oportunidades de negócios, mostrando as ci- Lima e Callao. O processo de urbanização neo-
dades de Lima e Callao ao mundo; a segunda liberal aconteceria por meio de infraestruturas

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

desportivas e habitacionais e eixos viários tem- processos e implicações na dinâmica da cidade.


porais que facilitariam o deslocamento dos A divisão espacial do consumo (Harvey, 1996
atletas, sendo colocado em prática por planos e 2005) como estratégia para o crescimento
urbanos decididos entre o setor privado e o econômico e competitividade (Swyngedouw,
setor público. É por isso que este artigo argu- Moulaert e Rodríguez; 2002; Sanchéz et al.,
menta que o novo plano segue as diretrizes 2004) permite aproveitar recursos financeiros
estratégicas das empresas privadas, a fim de e investimentos em distintas formas de valori-
gerar uma nova configuração espacial nas cida- zação e acumulação (ibid.), legados especial-
des de Lima e Callao, instalando, assim, novas mente a uma determinada região através da
relações dos fenômenos econômicos e sociais indústria do turismo (Müller, 2015), da cultura
(Gomez Cornejo, 2021). Portanto, concorda-se e do entretenimento (Eick, 2015). Nesse con-
com Eick (2015) ao argumentar que a urbani- texto, os gestores adotaram abordagens em-
zação neoliberal concebida em megaeventos preendedoras, buscando competir de forma
esportivos colabora com a mudança na lógica eficiente uns com os outros no mercado glo-
do desenvolvimento econômico entre a socie- bal, para atrair capital estrangeiro (Sánchez e
dade civil, o Estado e as organizações. Broudehoux, 2013). Como resultado, muitos
O uso do padrão recente de governan- governos nacionais, municipais e locais consi-
ça empreendedora neoliberal nas cidades de deram os megaeventos esportivos como estra-
Lima e Callao pode ser expresso na (re)confi- tégias e ferramentas da produção do urbano
guração urbana de certas áreas. Os ajustes es- (Boykoff, 2013, Sánchez e Broudehoux, 2013;
peciais são legitimados através do discurso da Eick, 2015, Santos Junior, 2015; Müller, 2015).
realização do Pan-2019 e dos legados que ele Não obstante, a ideia de sediar jogos resul-
deixará para as cidades. Portanto, as cidades ta em poucos beneficiários, já que a questão
de Lima e Callao atuaram como empresas pri- econômica e social passaria pelo interesse de
vadas, adotando o planejamento estratégico e gerar lucros e mercantilizar a vida dos cidadãos
o city marketing (Swyngedouw; Moulaert; Ro- (Eick, 2015).
dríguez; 2002; Sanchéz et al., 2004; Sánchez e Nesse sentido, pode-se ver que as cida-
Broudehoux, 2013) na questão urbana. Nesse des de Lima e Callao passaram por processos
sentido, é possível ver como novas coalizões de revitalização urbana, cujo desenvolvimen-
urbanas são fundadas, disseminando o novo to urbano foi baseado em sediar o Pan-2019
padrão de governança urbana neoliberal. Esse (Gomez Cornejo, 2021; Gomez Cornejo e Sil-
aspecto da governança determina que o urba- va, 2021). Observa-se que as políticas urba-
nismo neoliberal ganhe centralidade, pois as nas neoliberais foram adotadas através da go-
intervenções físicas devem determinar o su- vernança empresarial neoliberal embutida na
cesso ou o fracasso das estratégias econômi- governança local e nos regimes urbanos, com
co-territoriais (Gomez Cornejo, 2021; Gomez o objetivo de solidificar economias de merca-
Cornejo e Silva, 2021). do através de coalizões que buscam marcos
O neoliberalismo estabeleceu a com- regulatórios, a desregulamentação e a des-
petição interurbana e a disseminação do em- truição criativa das estruturas urbanas e das
preendedorismo urbano, levando a diferentes instituições de gestão (Harvey, 1996 e 2005;

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Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

Theodore e Peck; Brenner, 2009). Além disso, político, ni el Proyecto Especial, acá juega el
visam à mercantilização das cidades através do Perú, jugamos todos y este partido no nos
incentivo ao consumo (Sánchez e Broudehoux, gana nadie (ibid.).
2013; Santos Junior, 2015). Esse modelo neo- Para Santos Junior (2015), a renovação
liberal é utilizado para criar ambientes favorá- urbana nas cidades-sede está diretamente
veis para os negócios privados, enfatizando lo- relacionada aos megaeventos desportivos. O
cais para fornecer infraestrutura, modificando empreendedorismo nas cidades gira em torno
as relações trabalhistas, os controles ambien- de centralidades que se distinguem pela sua
tais e as políticas fiscais (Harvey, 1996 e 2005). multifuncionalidade. É dessa forma que a go-
Parece que a realização dos jogos signifi- vernança empresarial neoliberal do Pan-2019
cou para Lima e Callao uma janela de oportu- se concentraria em áreas específicas, para
nidades para a atuação dos distintos interesses atrair o setor privado. Vale a pena notar que
privados e atores nacionais e internacionais três áreas das cidades beneficiadas pelo Pan-
envolvidos, como a Odepa, o Proyecto Espe- 2019 foram visadas em três direções: (1) Lima
cial, o Ministério de transporte y Comunicacio- Centro: consolidar uma centralidade existente;
nes (MTC) e a Municipalidad de Lima (MML), (2) Lima Sul: promover a revitalização de uma
considerando as oportunidades no crescimen- área em declínio; (3) Região de Callao: impul-
to econômico e a consolidação econômica e sionar o reforço de uma centralidade (Gomez
política a partir de coalizões e arranjos que es- Cornejo, 2021). O principal ator nas coligações
truturam as mudanças significativas das cida- e arranjos institucionais para esse projeto ur-
des-sede. As possíveis “soluções” urbanas, em bano, bem como nas políticas territorializadas,
diferentes contextos, nos megaeventos espor- é o Estado (Harvey, 1996; 2005 e 2014), pro-
tivos, realizam-se sem a participação da socie- movendo a inserção de Lima e Callao no pano-
dade civil (Boykoff, 2013; Eick, 2015), exacer- rama global, ao configurar um modo neoliberal
bando as segregações socioespaciais (Sánchez de urbanização divulgado pela governança em-
e Broudehoux, 2013). presarial neoliberal em projetos de especula-
A consultoria, em quase 100 dias, resol- ção imobiliária privada.
veria a localização das infraestruturas do me-
gaevento esportivo. Esse planejamento se deu
em conjunto com os diferentes stakeholders
do projeto (Lima, 2019b). Pouco antes de en-
O Estado como ator principal
tregar o Plan Maestro 2019 para aprovação da da urbanização neoliberal
Odepa, Carlos Neuhaus argumentou que fazer
o plano representou um grande “trabalho em Analisar a reestruturação estatal é entendê-la
conjunto” com outras entidades do Estado e como uma fenomenologia política intrinseca-
enfatizou que o projeto urbano deveria ter si- mente relacionada aos processos de neolibe-
do despolitizado, se debe centrar en el deporte ralização (Peck e Tickell, 2002; Brenner e Theo-
porque se ha desviado para el tema político y dore, 2002; Brenner; Peck e Theodore, 2011),
los Panamericanos no son nada políticos (Lima, ou seja, como um projeto político que visa
s./d.). Somado a isso, “acá no juega ningún naturalizar certas ideologias e políticas, como

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

a austeridade do setor público, a concorrência Especial com o governo do Reino Unido consis-
e o livre comércio (Peck, 2012). Argumenta- tiu em caráter de Acuerdo Marco, implicando a
-se que o Estado exerce papel indispensável participação do governo britânico, concedendo
na centralização e concentração do capital, a assistência profissional em diferentes linhas de
partir da criação de PPPs interligadas à urba- apoio, atuando como “agente de procura” do
nização neoliberal. Desse modo, constata-se desenvolvimento das operações dos jogos e do
que o Proyecto Especial funcionou como uma desenvolvimento de infraestruturas, assim co-
entidade intermediária entre dois governos, mo o desenvolvimento do legado econômico,
responsável pela implementação do Pan-2019. urbanístico, esportivo e socioeducativo (ibid.).
Serviu, também, para cumprir os requisitos in- O G2G previu a contratação de consultores
ternacionais solicitados através da adoção de independentes, feita por meio de um agente
ferramentas especiais que foram aprovadas externo ao Proyecto Especial. Foi assim que se
com os decretos legislativos n. 1248 e n. 1335, selecionaram os provedores de bens, serviços
que visavam capacitar o Estado a contratar e obras. Cabe ressaltar que, nas negociações
empresas que cumprissem os compromissos no mercado internacional, o governo inglês
acordados com a Odepa (Lima, s./d.). Novos representou o Proyecto Especial e o Estado na-
modelos de gestão urbana estão sendo imple- cional em todas as suas instâncias. Trata-se de
mentados nas cidades de Lima e Callao, ou se- um acordo no qual um Estado contratante es-
ja, ferramentas de contratação recentes que o taria passando por crises econômicas, políticas
Projecto Especial utilizou para a construção de e sociais, portanto, ele obterá experiência atra-
projetos de infraestrutura e imobiliários, des- vés do traspasso de conhecimento do Estado
de a conclusão de acordos de gestão e acordos contratado (ibid.).
bilaterais, parcerias, até a seleção de organiza- Conforme dito, os acordos articularam-
ções e consórcios nacionais e internacionais. -se de modo que o Estado peruano delegasse
(Gomez Cornejo, 2021). responsabilidades na gestão da produção do
Nesse contexto, o Proyecto Especial, no espaço urbano para o Estado britânico. No ca-
ano de 2017, fechou o acordo denominado so do Pan-2019, o Reino Unido apropriou-se e
Gobierno a Gobierno (G2G) com o governo aproveitou-se das vantagens dos recursos tec-
do Reino Unido, em que este toma ações e nológicos, geográficos e econômicos, permitin-
decisões para gerenciar os processos seletivos do, assim, beneficiar seus profissionais na divi-
nacionais e internacionais na contratação dos são internacional de trabalho. Ou seja, saben-
provedores e das empreiteiras, em represen- do que o Estado empreendedor tem interesse
tação do Proyecto Especial, aliás, do Estado em investir na realização do megaevento sob
peruano (Lima, s./d.). Além disso, o acordo es- pressão das organizações sem fins lucrativos,
tabelece liberdade aos gestores internacionais ele precisa investir recursos públicos em infra-
nas decisões dos projetos urbanos, como o estruturas físicas, tecnológicas e sociais, sendo
Plan Maestro 2019, solicitadas para a realiza- desse modo como se gestou o evento esporti-
ção do Pan-2019. Então, o acordo do Proyecto vo. Segundo Neuhaus,

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Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

no nos podíamos dar el lujo de fallar, y das principais infraestruturas do megaeven-


para esto era mejor trabajar con gente to esportivo. O modelo de G2G é recente no
que ya lo había hecho antes, y ya se
Peru. Vale mencionar que, após o Pan-2019,
había equivocado: si ya la rueda ya está
inventada, ¿por qué íbamos a tratar
passou a ser muito usado no país (Gomez Cor-
de inventarla nosotros? Del mismo nejo, 2021).
modo, hoy en día, ya hay técnicos y Os contratos NEC são uma família de
profesionales nuestros que están siendo contratos de padrão internacional que ser-
contratados para los Juegos Olímpicos de
vem para os projetos de infraestrutura, mas,
Tokio 2020. (Ibid.)
também, para outros diversos, como de bens
Considera-se que a intenção de inserir e serviços relacionados à indústria da cons-
as cidades de Lima e Callao no mercado inter- trução (Lima, s./d.). Os contratos NEC servem
nacional dos provedores e das empreiteiras in- para desenvolver distintos modelos de contra-
ternacionais que competem no mercado glo- tação internacional que simplificam e flexibili-
bal é dada através do governo europeu, que zam os Estados (Medina, 2019) e a coordena-
administra a produção do espaço urbano das ção das partes interessadas. O novo modelo
cidades de Lima e Callao, abrindo novos ciclos NEC permite que as obras, como em outros
de mercantilização, dependência e financeiri- megaeventos esportivos, sejam adjudicadas
zação. Vale a pena mencionar que o Projecto por excepcionalidade (Boykoff, 2013; Eick,
Especial tem plena autonomia nas decisões 2015), portanto, percebe-se, nesse caso, que
sobre a realização do megaevento desportivo, não passam pela Lei de Contratação do Estado,
estando fora do regime geral de contratação omitindo, assim, reclamos e discrepâncias das
do Estado, com regras especiais ou excepcio- empreiteiras. Cabe ressaltar que a realidade
nais (Boykoff, 2013; Sánchez e Broudehoux, peruana a respeito da governança empreen-
2013) de contratação com os Novos Contratos dedora neoliberal se manifesta em instrumen-
de Engenharia (NEC). Neuhaus comenta que tos e ferramentas que geram contradições nos
“el Gobierno Británico contrató a los mejores modos de governança, sendo antidemocrática,
del mundo: el proyecto parece Naciones sem priorizar as necessidades da sociedade
Unidas. Nos han ayudado, por ejemplo – en el civil. Nesse aspecto, pode-se dizer que o pen-
caso de las obras más complejas – con en el samento neoliberal impõe, ao poder público,
sistema de contratación NEC (New Engineering acordos bilaterais em benefício de grandes
Contract)” (Córdova e Andina, 2019). Esse tipo grupos econômicos.
de acordo não se rege pelas normativas de O urbanismo neoliberal desenvolve-
contratações do Estado nacional, mas, sim, -se em locais estratégicos das cidades. A es-
por políticas externas de procura de contra- tratégia pauta-se na associação entre o setor
tações que aceleram a produção e expansão privado e o setor público. Nessa parceria de-
do capital. Por tudo isso, o acordo de Governo sigual, o setor público está subordinado à lógi-
a Governo abarca diferentes etapas e ações, ca mercantilista (Harvey, 1996 e 2005), já que,
e o governo britânico administra os proces- nas coalizões e arranjos institucionais para
sos da urbanização e de parcerias entre o se- a realização de eventos esportivos (Boykoff,
tor privado e o setor público e a contratação 2013), o Estado, como principal ator, gera

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

cenários econômicos possíveis para a acumu- Público-Privadas (PPPs) (Harvey, 1996, 2005;
lação de capital privado, possibilitando a cria- Boykoff, 2013; Eick, 2015; Ribeiro e Santos Ju-
ção de novas estratégias institucionais para nior, 2015; Santos Junior, 2015). Os quadros a
a construção de infraestruturas urbanas que seguir apresentam as infraestruturas imple-
não fazem parte da agenda nacional e ações mentadas e as empresas privadas e consórcios
específicas do Estado, com o uso de Parcerias responsáveis por área e distrito.

Quadro 1 – Lima Sul

Lima Sul Obra Empresas e Consórcios


Obrascon Huarte Lain SA (Espanha) e JE
Polidespor vo Villa El Salvador
Distrito de Villa El Salvador Construcciones Generales (Peru) – Consorcio
(infraestrutura espor va)
Construtor Lima 2019
Complejo Depor vo Andrés
Distrito de Villa María Empresa Sacyr (Espanha) e Empresa Saceem
Avelino Cáceres
del Triunfo (Uruguai) – Consorcio Sacyr SA Sucursal del Perú
(infraestrutura espor va)
Unión de Cervecerías Peruanas Backus y Johnston
Centro de Surf de Alto
SAA, Supermercados Peruanos SA, Sco abank
Distrito de Punta Rocas Rendimiento
Peru SAA, Financiera Efec va SA, Unión Andina de
(infraestrutura espor va)
Cementos SAA y Unión de Concreteras SA. (Perú)
Villa Panamericana
Distrito de Villa El Salvador Consorcio Besco-Besalco (Chile)
(projeto inmobiliario)

Fonte: adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).

Quadro 2 – Lima Centro

Lima Centro Obra Empresas e Consórcios

Parque Costa Verde


Distrito de San Miguel Consorcio Besco-Besalco (Chile)
(revitalização urbana)

Villa Depor va Nacional (Videna)


Distrito de San Luis Cosapi S.A. Ingeniería y Construcción (Peru)
(infraestrutura espor va)

Fonte: adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 515
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

Quadro 3 – Região Callao

Região Callao Obra Empresas e Consórcios


Mejoramiento del Parque
Distrito de Bellavista Zonal Yahuar Huaca del Callao Consorcio Mendoza y Jsu (Peru)
(revitalização urbana)
Villa Depor va Regional del
Distrito de Bellavista Callao Consorcio Sacyr SA Sucursal del Perú
(infraestrutura espor va)
Remodelación de las áreas
depor vas de la Universidad
Callao Consorcio Sacyr SA Sucursal del Perú
Nacional de San Marcos
(infraestrutura espor va)
Remodelación de su Estadio
Callao Olímpico Consorcio Sacyr SA Sucursal del Perú
(infraestrutura espor va)

Fonte: Adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).

Observa-se que as políticas urbanas neo- As despesas públicas foram expressas no


liberais visam valorizar o espaço urbano como território, conforme o Mapa 1.
uma estratégia de reprodução social. Por um Observa-se que os megaeventos esporti-
lado, temos o Estado implementando políticas vos que usam as PPPs revelam dois problemas,
neoliberais em favor do mercado e dos interes- como indicado por Santos Junior (2015): o pri-
ses do grande capital, utilizando seus próprios meiro refere-se ao desempenho de empresas
recursos públicos (Eick, 2015). Por outro lado, privadas que, com base em parcerias, atuam
temos o setor privado que pretende, em nome como executores da gestão pública, envol-
do Estado nacional, reconstruir as condições vendo a construção de infraestrutura física;
de circulação do capital e do trabalho. A go- portanto, considera-se que o Estado promove
vernança empreendedora neoliberal, através megaeventos através da viabilidade financeira,
da renovação urbana e das transformações tais como isenções fiscais para atrair empresas
disseminadas pelos megaeventos esportivos, privadas (Boykoff, 2013; Eick, 2015); o segundo
como aconteceu em outras cidades, acaba problema é que o Estado nacional atua como
transformando cidades em mercadorias (San- o principal promotor da urbanização neoli-
tos Junior, 2015). beral, envolvendo-se no desenvolvimento de

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

Mapa 1 – Inves mentos realizados por zonas

Fonte: adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).

projetos urbanos, interferindo no financiamen- Dessa forma, é evidente a utilização de


to de várias intervenções urbanas (Santos Ju- instrumentos de governança urbana que en-
nior, 2015). É evidente que as políticas urbanas volvem metodologias de gestão empresarial
estabelecidas pelo Estado têm sido exercidas que visam acelerar os processos de reprodu-
unilateralmente em diferentes escalas nacio- ção e expansão do capital. Por exemplo, a fim
nais, regionais e locais e em diferentes institui- de atrair empresas privadas, a modalidade de
ções. Vale ressaltar que a Odepa tem uma série “Obras por Impuestos” (OxI), segundo o Mi-
de parcerias comerciais, bem como emissoras nistério de Economia y Finanzas (MEF), é um
que transmitem o megaevento esportivo. Es- mecanismo gerador de oportunidades para
sas parcerias surgem em torno da isenção de que os setores públicos e privados trabalhem
impostos (Boykoff, 2013; Eick, 2015). em parceria (PPPs), reduzindo a lacuna de

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Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

infraestrutura existente no país. Por meio des- esse processo ocorre através da transferência
se instrumento, as empresas privadas ante- de ativos sob o controle de classes de baixos
cipam o pagamento de seu imposto de renda rendimentos para setores de capital imobiliário,
para financiar e executar diretamente projetos como a criação de novos serviços e instalações
de investimento público priorizados por gover- desportivas geridas pelo setor privado.
nos subnacionais e entidades governamentais Percebe-se que a formação das PPPs
nacionais (MEF, s./d.). Usou-se também a mo- aconteceu nas modalidades empreendidas
dalidade de “obras por contrato”, na qual se pelo Estado para a realização das infraestru-
executam as obras por contrato administrativo, turas esportivas espalhadas em três zonas da
por meio do qual um terceiro se obriga a cons- cidade: a Zona Central, a Zona Sul e a região
truir uma obra de interesse público em troca do Callao. O Pan-2019 nas cidades de Lima e
do pagamento de um preço. Entende-se que Callao, assim como aconteceu em outras ci-
é celebrada a título oneroso, entre empresa dades e países que sediaram megaeventos
empreiteira e a administração pública, e tem esportivos, tinha, como particularidade, o
como objetivo a execução de uma obra que empreendedorismo urbano como modelo de
responda às necessidades indicadas pelo Esta- governança urbana (Boykoff, 2013; Sánchez;
do. Dessa forma, firma-se uma parceria entre Broudehoux, 2013; Bolsmann, 2015; Eick,
o setor privado e o setor público (Osce, s./d.) 2015; Müller, 2015; Santos Junior, 2015; San-
A metodologia empresarial na gestão tos Junior e Ribeiro, 2015). Pode-se verificar
foi concebida pela “Gestión por Resultados” esse modo de urbanização, ao analisar o re-
(GPR). Segundo o Organismo Supervisor de las cente tipo de governança urbana nas novas
Contrataciones del Estado (Osce), é uma abor- modalidades de parcerias nos investimentos
dagem de gestão do setor público cuja função públicos e privados, diferença que marca no-
é facilitar, às organizações públicas, a direção toriedade na transformação socioespacial pa-
efetiva e integrada de seu processo de criação ra a realização dos megaeventos esportivos.
de valor público, de forma a cumprir os objeti- Portanto, consideramos que, na realização do
vos do governo (ibid.). Também se usou a Ley Pan-2019 nas cidades de Lima e Callao, as ci-
de Contrataciones del Estado, a lei n. 30225. dades passaram a ser administradas com con-
De acordo com o Diário Oficial Peruano, esta- ceitos e argumentos trazidos da administração
belecem-se las disposiciones y lineamientos de empresas privadas, começando a integrar
que deben observar las Entidades del Sector esses mesmos conceitos na administração pú-
Público en los procesos de contratación de blica. Essa prática, por um lado, baseia-se na
bienes, servicios, consultorías y obras que promoção e no financiamento de novos mode-
realicen (Peru, 2019a, p. 2). los de negócio que envolvem empresas priva-
Considera-se que as cidades de Lima e das, capital privado e esferas supranacionais
Callao estejam atravessando um ciclo de mer- de governo. Por outro lado, e ainda mais rele-
cantilização que é interpretado como a incorpo- vante, tem um impacto na governança urbana,
ração de certas áreas carentes de serviços públi- inserindo o público na lógica do setor privado.
cos, logo, serviços urbanos desmercantilizados, Assim, o governo incorpora a lógica do merca-
nos circuitos da capital. Pode-se observar que do como uma estratégia competitiva.

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Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao

Considerações finais pelo Estado peruano como modo de produção


do urbano, expressando uma nova rodada de
neoliberalização e mercantilização das cidades
A análise apresentada pretendeu construir um de Lima e Callao.
discurso crítico sobre as novas formas de go- Atinge-se essa premissa ao analisar ou-
vernança urbana, que buscam facilitar, através tros estudos de caso de cidades que acolheram
de um leque de políticas urbanas, processos megaeventos esportivos de diferentes magni-
de urbanização neoliberal, sustentando a cons- tudes, podendo-se dizer que os megaeventos
trução de infraestruturas urbanas e esportivas criam novos processos urbanos de transforma-
para sediar, por exemplo, os XVIII Juegos De- ção e de revitalização urbana, manifestando-se
portivos Panamericanos Lima 2019. Para isso, de forma específica e diferenciada, dependen-
fez-se necessário dialogar com os conceitos do de cada contexto histórico, político, econô-
de governança empreendedora neoliberal, mico e social. Percebem-se, contudo, as seme-
relacionando-os com a estratégia econômico- lhanças na difusão do modo de gestão urbana
-territorial neoliberal para a realização do me- emergencial neoliberal. Sem embargo, vale
gaevento esportivo. ressaltar que há diferenças no empreendedo-
O artigo pretendeu decodificar o novo rismo urbano nos países do capitalismo central
padrão de governança urbana adotado pelos e nos países periféricos. Nos primeiros, parece
gestores das cidades de Lima e Callao, que que há certo interesse em colocar as mudan-
serviu como experimentos da urbanização ças neoliberais nos aparatos institucionais e
neoliberal. Observa-se que o processo de ur- regulatórios. Nos países periféricos, a diferen-
banização se consolidou por meio de novos ça aparece no interesse do Estado em realizar
arranjos institucionais, coalizões, as PPPs, e grandes projetos urbanos de revitalização ur-
instrumentos da gestão empresarial, como a bana a partir dos ajustes espaciais. Decifrar es-
gestão por resultados, as obras por impostos ses mecanismos, novos instrumentos de pro-
e as obras por contratação, sendo o Estado o dução do urbano e recentes modalidades de
principal ator e promotor dos ajustes espa- gestão urbana, parece importante para idea-
ciais. Constata-se que o Pan-2019 serviu para lizar e conceber futuros cenários que incluam
disseminar um recente modelo de gestão ba- a participação da sociedade civil na condução
seado nas PPPs e nos acordos G2G, difundidos de suas cidades.

[I] https://orcid.org/0000-0002-7846-6615
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Programa de Engenharia Urbana. Rio de
Janeiro, RJ/Brasil.
g_lumi@poli.ufrj.br

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 519
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola

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Texto recebido em 21/fev/2021


Texto aprovado em 25/out/2021

522 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização
nos municípios centrais da Região
Metropolitana da Baixada Santista
Densification and verticalization in the central cities
of the Metropolitan Region of Baixada Santista
Lenimar Gonçalves Rios [I]
Mônica Antonia Viana [II]
Alexandre Lukas Morrone [III]

Resumo Abstract
Este ar go discute o processo de ver calização e The article discusses the verticalization and
adensamento dos municípios centrais da Região densification process of central cities in the
Metropolitana da Baixada San sta – RMBS do es- Metropolitan Region of Baixada Santista, state
tado de São Paulo e seus reflexos na estruturação of São Paulo, and its effects on the socio-spatial
socioespacial e no meio ambiente no período en- structure and on the environment in the period
tre 1980 e 2010. São também apresentadas e ana- between 1980 and 2010. It also analyzes projec ons
lisadas projeções para o período de 2010-2020, a for the 2010-2020 period, based on data from
partir de dados de órgãos oficiais e do mercado official agencies and the real estate market. The
imobiliário. O resultado revela que esse processo results reveal that this process has changed the
alterou a paisagem natural e atualmente reforça a natural landscape and currently reinforces socio-
segregação socioespacial com dispersão da ocupa- spa al segrega on, with dispersion of occupa on
ção para áreas vulneráveis ambientalmente, geran- to environmentally vulnerable areas, generating
do problemas de mobilidade urbana. urban mobility problems.
Palavras-chave: ver calização; adensamento; mor- Keywords: verticalization; densification; urban
fologia urbana; transformações urbanas; Região morphology; urban transforma ons; Metropolitan
Metropolitana da Baixada San sta. Region of Baixada San sta.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5404 Crea ve Commons Atribu on
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

Introdução de pesquisa Processo de Produção do Espaço


Construído e o Laboratório Quadro do Paisa-
O padrão de apropriação do solo nos municí- gismo no Brasil – Quapá da FAU-USP.
pios centrais da Região Metropolitana da Bai- O objetivo geral da pesquisa, nesta pri-
xada Santista – RMBS1 (Santos, São Vicente, meira etapa, é compreender as principais es-
Guarujá e Praia Grande) tem como característi- truturas da forma urbana nos municípios cen-
ca morfológica a combinação de ocupação ver- trais da RMBS (Santos, São Vicente, Guarujá e
ticalizada e extensiva. Os municípios centrais Praia Grande), a partir dos processos de urba-
apresentam-se conurbados e, nas duas últimas nização e transformação morfológica do espa-
décadas, o crescimento espacial tem sido prin- ço urbano, com ênfase nas formas e tipologias
cipalmente por verticalização das áreas pró- de verticalização e sua relação com concentra-
ximas às orlas marítimas e principais eixos de ção de população.
circulação intraurbanos e metropolitanos. Como objetivos específicos, procura-se
Santos é a cidade mais verticalizada da compreender o processo de produção habi-
região e do País,2 com 61,1% de domicílios tacional por verticalização, em especial no
em apartamentos, seguida por São Vicen- período de 1980-2010, com algumas prospec-
te (21,6%), Praia Grande (21,4%) e Guarujá ções para o intervalo 2010-2020. Entre 1980
(10,9%) (Sidra-IBGE, 2010). Nesses municípios, e 2010, evidenciaram-se alterações no perfil
a ocupação vertical manifesta singularidades: demográfico dos municípios, especialmente
acompanha a linha das praias e as unidades em Praia Grande, conhecida por sua função
habitacionais são usadas predominantemente predominantemente turística, mas que vem,
(à exceção de Santos e de São Vicente) para nas últimas décadas, experimentando proces-
fins turísticos, constituindo residências de uso so de fixação da população. Estuda-se a rela-
ocasional,3 que ficam ociosas na maior parte ção da verticalização com o adensamento de-
do ano. Evidencia-se, assim, a ocorrência de mográfico e com a produção imobiliária, bem
uma densidade populacional flutuante, haven- como são levantados pontos para reflexão dos
do ociosidade de parte dos domicílios existen- impactos socioespaciais e ambientais desse
tes em empreendimentos verticais residen- processo no conjunto dos municípios centrais
ciais, em especial dos próximos à orla marítima da RMBS.
(praias). Entretanto, para a etapa da pesquisa Este trabalho está dividido em três par-
apresentada no presente estudo serão investi- tes. Na primeira seção, aborda-se o processo
gadas tão somente as unidades habitacionais histórico de produção e de transformação do
ocupadas por população fixa. espaço urbano a partir da década de 1950,
Esta pesquisa é desenvolvida no grupo quando teve início o processo de verticaliza-
de pesquisa Observatório Socioespacial da ção das faixas junto às praias e as mudanças
Baixada Santista – Observa BS,4 que é vincula- na configuração das orlas dos municípios cen-
do ao Instituto de Pesquisas Científicas e Tec- trais. Na segunda seção, é feita uma análi-
nológicas – Ipeci, da Universidade Católica de se da evolução da ocupação, com ênfase no
Santos – UniSantos, em parceria com o grupo crescimento espacial e em sua relação com os

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

acréscimos de população no período de 1980- de 2010-2020, com a finalidade de verificar


2010, quando se intensificou e consolidou o quais alterações na dinâmica de ocupação da
processo de metropolização, muito em função região estão em curso.
de fluxos migratórios e do crescimento urba- Nas Considerações finais, são apresenta-
no, que derivou na institucionalização da RM- das constatações em face dos objetivos propos-
BS em 1996. Na terceira seção, são apresen- tos, assim como são formuladas recomenda-
tadas algumas prospecções referentes ao pro- ções e novas indagações para dar sequência à
cesso de crescimento demográfico e da pro- pesquisa nas suas próximas etapas junto ao Ob-
dução do mercado imobiliário para o período serva BS da UniSantos e parceiros da FAU-USP.

Figura 1 – Região Metropolitana da Baixada San sta – RMBS – São Paulo

Planalto Paulista

Oceano Atlân co

Fonte: Agem – Agência Metropolitana da Baixada San sta (2002).

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

Produção e transformação Um novo período de dinamismo econô-


do espaço urbano mico no País e na região da Baixada Santista
iniciou-se após a Segunda Guerra Mundial
A área central da Região Metropolitana da com a diversificação da economia, através
Baixada Santista, composta pelos municípios de investimentos que fortaleceram as fun-
de Santos, São Vicente, Guarujá, Praia Gran- ções portuárias, industrial e turística. Nesse
de e Cubatão,5 localiza-se no litoral do estado momento, o parque industrial da capital pas-
de São Paulo, próximo do centro econômico sou a se expandir para outros municípios da
mais dinâmico do País. Esses municípios, que Grande São Paulo e para o interior, seguindo
se apresentam conurbados e polarizados por os antigos eixos ferroviários e os novos ei-
Santos, constituem, por sua vez, a parte eco- xos rodoviários implantados no final da dé-
nomicamente mais dinâmica do litoral paulis- cada de 1940, intensificando o processo de
ta, por abrigarem o Porto de Santos e o Polo urbanização (ibid.).
Petroquímico de Cubatão e pelas atividades do A implantação do polo industrial de
turismo balneário. Cubatão derivou desse processo, em parti-
Durante três séculos, Santos teve como cular com a inauguração da rodovia Anchieta
função a defesa do território colonial e serviu, (1947), que melhorou o fluxo entre o litoral e
através de seu porto, de modesto entreposto por o planalto, impulsionando, também, o desen-
onde entravam mercadorias demandadas pelos volvimento do turismo de massas nas praias
habitantes do planalto paulista. Até o início do da região. O porto de Santos cresceu em ex-
século XX, manteve os limites da área ocupada tensão com a construção do cais do Saboó e
nas primeiras décadas de sua fundação. com a substituição dos antigos guindastes por
O processo que originou o primeiro pe- equipamentos mais modernos, o que levou ao
ríodo de dinamismo da região ocorreu a partir aumento da sua capacidade de movimentação
do final do século XIX, quando o porto de San- de cargas (ibid.).
tos se tornou o canal de escoamento do café, Com a introdução do modelo urbano-
principal produto de exportação brasileiro no -industrial que impulsionou a urbanização das
período. Formou-se, então, a Santos contem- cidades brasileiras, combinando crescimento
porânea, estimulada com a implantação da fer- das atividades econômicas e expansão da ma-
rovia São Paulo Railway, em 1867, ligando San- lha urbana, em decorrência do intenso pro-
tos e as áreas produtoras de café no planalto. cesso migratório, ocorreu a fragmentação da
Iniciativa que estava articulada à construção do divisão político-administrativa dos municípios
porto organizado (no lugar de precários trapi- de origem da região (ibid.). Distritos emanci-
ches) e a investimentos em infraestrutura urba- param-se tornando-se municípios entre o final
na, que permitiram que a cidade se expandisse das décadas de 1940 e 1960.6
para além dos limites coloniais (Viana, 2010). Esse processo de emancipação de terri-
Santos e Guarujá foram pioneiras na atividade tórios de Santos e São Vicente deu origem aos
turística, facilitada pela ligação ferroviária com municípios de Guarujá, Cubatão, Itanhaém,
São Paulo e com o interior, tornando-se locais Praia Grande, Mongaguá e Peruíbe. Santos de-
de descanso e de lazer da elite cafeeira. senvolveu-se urbanisticamente na Ilha de São

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Vicente nos vazios urbanos ainda existentes na de novos municípios. A atividade do turismo
época. Contudo esse desenvolvimento urbano balneário 7 instalou-se primeiramente em
não se limitou a Santos, transbordando para Santos, São Vicente e Guarujá, para, em se-
os municípios de São Vicente e o recém-criado guida, com a implantação de novos acessos
Guarujá, com a ocupação do distrito de Vicen- ao planalto e entre os municípios da região,
te de Carvalho. expandir-se em direção ao sul e ao norte do
Altamente relevante é o papel que San- litoral, dando origem a seis dos nove muni-
tos passou a ter na dinâmica do crescimento cípios da região, inclusive Praia Grande, hoje
regional a partir dos anos 1960. A parte leste conurbada e parte integrante da área central
do município (limitada pelo porto, pelo maciço da região (Rios, 2019).
de morros e pelas praias) começou a ser urba- Para responder à grande demanda do
nizada, nos primeiros anos do século XX, com turismo de massas, o mercado imobiliário
o Plano de Saneamento de Saturnino de Brito. construiu, em larga escala, unidades habita-
Implantaram-se sistemas de abastecimento de cionais destinadas a segundas residências,
água, de coleta e tratamento de esgotos sani- com máximo aproveitamento das faixas jun-
tários, além de sistema de drenagem urbana to às orlas das praias, para acomodar prédios
que permitiu o aproveitamento de uma vasta de apartamentos de temporada, inicialmente
área, antes alagadiça, para fins urbanos. Com verticalizando as praias de Santos, São Vicen-
a onda migratória de meados do século XX, im- te e Guarujá. O fenômeno ocorreu um pouco
pulsionada pela implantação do polo industrial mais tarde em Praia Grande, que, a partir da
de Cubatão, pela ampliação das instalações década de 1960, transitou rapidamente de
portuárias e pela construção civil, os terrenos uma economia de base rural para terciária
vazios localizados na porção urbanizada foram (Rios, 2019).
ocupados por residências de trabalhadores Esse fenômeno provocou mudanças na
portuários e industriais mais qualificados. Os legislação urbanística, sob a pressão do merca-
segmentos de baixa renda fixaram moradia na do imobiliário, que resultaram na redução de
porção não urbanizada, autoconstruindo em recuos e no aumento da ocupação dos lotes. Os
terrenos abaixo da quota do mar e sujeitos às altos coeficientes construtivos utilizados cria-
inundações e em encostas de risco dos morros ram, nos municípios da região, o que Seabra
de Santos, processo que se estendeu para a vi- (1979) denominou “muralha que cerca o mar”.
zinha São Vicente e para o distrito de Vicente Referindo-se ao município de Santos,
de Carvalho, no Guarujá (Carriço, 2015). Esse Araújo Filho (1965, p. 40) observa que:
processo ocupou extensivamente áreas am-
Essa linha de arranha-céus [...] constitui
bientalmente vulneráveis e resultou na paula- um novo tipo de ocupação do espaço ur-
tina supressão e degradação de partes do bio- bano, agora no sentido vertical [...] esses
ma Mata Atlântica. prédios de apartamentos representam
não só o mais recente tipo de ocupação
O turismo de massas, fruto da amplia-
das praias santistas, como o mais repre-
ção da classe média no período da industria- sentativo de uma das quatro funções da
lização do País, foi responsável pela criação cidade: o veraneio.

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

Figura 2 – Orlas de Santos e São Vicente, 1940 Figura 3 – Orlas de Santos e São Vicente, 1950

Fonte: Novo Milênio (2021a e 2021b).

Figura 4 – Orlas de São Vicente e Santos, 1970 Figura 5 – Orla de Guarujá – 1950

Fonte: São Vicente na Memória (2021). Fonte: IBGE (2021).

Figura 6 – Orla de Guarujá – 1960 Figura 7 – Guarujá 2000

Fonte: Hotel Santa Maria Guarujá (2021). Fonte: Guarujaweb (2021).

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Em três décadas, as feições das orlas das (segunda residência), enquanto, em Guarujá
praias sofreram alterações intensas (Figuras e Praia Grande, é acentuada a presença des-
de 2 a 7). tes últimos, com impacto sobre as estruturas
O processo de verticalização ao longo instaladas, que ficam ociosas a maior parte do
das praias produziu primeiramente unidades ano (Quadro 1) em função da sazonalidade do
voltadas à população flutuante e, em segui- turismo balneário.
da, atendeu moradores fixos de alta renda Embora o Censo Demográfico IBGE de
(Seabra, 1979). 2010 tenha revelado elevado percentual de
Percebe-se a expressão da atividade tu- domicílios de uso ocasional em Praia Grande,
rística no volume de domicílios de uso ocasio- quando comparado aos demais municípios,
nal. Nos municípios de Santos e São Vicente, observa-se crescimento de sua população fi-
os domicílios de população fixa são nume- xa nas últimas décadas devido à migração de
ricamente superiores aos de uso ocasional moradores de Santos (principalmente) e de

Quadro 1 – Domicílios de uso permanente e uso ocasional por município

Município Uso permanente – % Uso ocasional – %


Santos 81,70 11,33
São Vicente 82,62 9,43
Guarujá 61,81 33,69
Praia Grande 41,73 52,44

Fonte: Censo Demográfico (Sidra-IBGE, 2011). Elaborado por Ins tuto Pólis em 2013.

Quadro 2 – População fixa e taxa geométrica de crescimento anual 1991-2020

Ano TGCA
Município
1980 1991 2000 2010 1980-1991 1991-2000 2000-2010
Santos 416.681 417.100 417.983 419.400 0,11 0,02 0,04
São Vicente 193.002 268.618 303.551 332.445 3,05 1,37 0,94
Guarujá 151.127 210.207 264.812 290.752 3,05 2,60 0,93
Praia Grande 66.011 123.492 193.582 261.051 5,86 5,12 3,17

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 1980, 1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2011). TGCA calculado pelos autores. Elaborado
pelos autores em 2021.

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

São Vicente (Quadro 2). Repete-se o mesmo populacional de Santos e aumento de habitan-
fenômeno experimentado nos anos 1960 em tes dos municípios de São Vicente, Guarujá e
relação aos vizinhos de Santos, só que agora principalmente Praia Grande, como mostra o
a migração para Praia Grande é liderada por Quadro 2.
segmentos de classe média (Jakob, 2004), mo- A inflexão do crescimento de Santos de-
vimento puxado principalmente por jovens ca- correu da dinâmica de preços dos imóveis no
sais diante do alto custo para compra de imó- município e marca o reforço do processo de
vel em Santos. Em 2010, o acréscimo de popu- dispersão da ocupação regional iniciado na dé-
lação elevou o número de moradores de Praia cada de 1960 (ver seção anterior). Segmentos
Grande a níveis próximos aos de São Vicente e de menor renda migram para os municípios
Guarujá (Quadro 2). vizinhos onde os imóveis são mais baratos e
A legislação urbanística teve papel re- onde ainda é possível ocupar de forma irregu-
levante na construção do modelo de vertica- lar áreas que não são do interesse do mercado
lização, pois, até a década de 1970, quando imobiliário. O Gráfico 1 mostra a alteração da
se consolidou o processo de urbanização, os distribuição populacional e permite comparar
municípios adotaram parâmetros de uso e a perda de posição de Santos na distribuição
ocupação nas faixas próximas às praias, que demográfica regional no período de 1980 a
atribuem a esses espaços características de 2010 e o avanço da participação dos demais
excelência ambiental (Carriço, 2002), de gran- municípios, com destaque para Praia Grande.
de interesse do mercado imobiliário. Tais Ao mesmo tempo que há uma estabi-
conceitos embasam até hoje os dispositivos lidade com pouco crescimento demográfico,
legais que orientam o crescimento dos muni- Santos apresentou uma crescente produção
cípios centrais, gerando maior valorização e de domicílios de ocupação permanente se-
especulação imobiliárias nas zonas próximas à melhante aos outros três municípios. Apesar
orla das praias. de Santos ser a maior cidade em termos po-
pulacionais e de desenvolvimento econômico,
foi a que teve o menor crescimento, tanto em
proporção como em números absolutos, em
Crescimento espacial demografia, tendo um acréscimo de apenas
e crescimento demográfico 2.719 novos habitantes e produção de domicí-
no período de 2000-2010 lios com 37.839 novas habitações de ocupação
permanente entre 1980 e 2010.
Os efeitos da expansão da malha urbana re- Em contraponto, Praia Grande foi o mu-
gional, em função da diversificação da eco- nicípio com o maior crescimento demográ-
nomia da RMBS, aparecem nos números dos fico com 66.011 habitantes, em 1980, para
censos demográficos a partir dos anos 1980, 261.051, em 2010, multiplicando por quase
quando ocorre perda do ritmo de crescimento quatro vezes a população. Já a proporção de

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Gráfico 1 – Distribuição demográfica dos municípios


da área central da RMBS – 1980-2010 (%)

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 1980 e 2010). Elaborado pelos autores em 2021.

Gráfico 2 – Populacional por município na área central da RMBS 1980-2010

Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 1980,1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2010). Elaborado pelos autores em 2021.

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Gráfico 3 – Domicílios par culares permanentes ocupados


por município na área central da RMBS – 1980-2010

Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 1980, 1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2010). Elaborado pelos autores em 2021.

Gráfico 4 – Incremento populacional e de domicílios


nos municípios centrais da RMBS – 1980-2010

Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 1980, 1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2010). Elaborado pelos autores em 2021.

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

produção de habitações de ocupação perma- e de 144.715 domicílios, apresentando um cres-


nente é ainda maior: em 1980 havia 16.144 cimento negativo de -8,8% na média de pessoas
domicílios e, em 2010, já estavam em 83.513, por domicílios, de apenas 0,36% no crescimento
tendo sido multiplicados por cinco vezes. populacional, mas de 10,2% em relação ao cres-
Na escala regional, observa-se queda no cimento de domicílios.
acréscimo de pessoas no intervalo 1991-2010 Quanto à distribuição espacial do cres-
e, praticamente, as mesmas taxas no ritmo cimento dos domicílios, as Figuras 8 e 9 mos-
do incremento de domicílios de 1980 a 2010 tram a situação em 2000 e em 2010, eviden-
(Gráfico 4). ciando que o crescimento ocorreu em grande
Quanto ao número médio de pessoas medida por adensamento construtivo das
por domicílio, a queda que aconteceu no Bra- áreas já ocupadas.
sil (de 3,79 pessoas/domicílio,8 em 2000, para Os mapas das Figuras 10 e 11 permitem
3,37 pessoas/domicílio em 2010)9 repete-se ver que, no período de 2000-2010, Santos
em escalas diferentes nos municípios centrais concentrou os domicílios em apartamentos
da RMBS, como mostra o Quadro 3. e que ocorre a expansão da produção des-
O descompasso entre acréscimo de pes- sa tipologia em Praia Grande, na faixa próxi-
soas e de domicílios em Santos fica evidente ma à praia. Vale destacar o aparecimento de
quando os números são analisados de forma empreendimentos verticais nas periferias
mais detalhada. Em 2000, a média em Santos dos municípios, em particular São Vicente e
era de 3,17 pessoas/domicílio, com uma popula- Praia Grande, oriundos da produção pública
ção total de 416.347 habitantes e 131.324 domi- de conjuntos habitacionais da Cohab Baixada
cílios. Já, em 2010, a média caiu para 2,89 pes- Santista e da Companhia de Desenvolvimento
soas/domicílio num total de 417.864 habitantes Habitacional e Urbano de SP (CDHU-SP).

Quadro 3 – Acréscimo de pessoas, de domicílios e média de pessoas


por domicílio ocupado nos municípios centrais da RMBS – 2000-2010

Acréscimo Acréscimo Média de pessoas / Média de pessoas /


Município
pessoas domicílios domicílio – 2000 domicílio – 2010
Santos 1.405 13.276 3,17 2,89
São Vicente 28.642 17.953 3,60 3,25
Guarujá 25.714 12.573 3,65 3,42
Praia Grande 67.809 28.212 3,49 3,13

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000 e 2010). Tabela 156. Elaborado por Lenimar Gonçalves Rios em 2021.

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Figura 8 – Domicílios par culares permanentes –


municípios centrais RMBS – 2000

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.

Figura 9 – Domicílios par culares permanentes –


municípios centrais RMBS – 2010

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2010). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Figura 10 – Domicílios par culares permanentes em apartamentos


nos municípios centrais – RMBS

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.

Figura 11 – Domicílios par culares permanentes em apartamentos


municípios centrais – RMBS

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2010). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.

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No tocante à ordem de grandeza do Em suma, desde a década de 1960 o alto


crescimento espacial, o Gráfico 5 expõe a in- preço dos imóveis em Santos tem sido indutor
cidência dos domicílios em apartamentos nos da migração de população para os municípios
municípios centrais em 2010. Santos é a cidade vizinhos. Em 2019, enquanto o preço médio
mais verticalizada. Concentrou apartamentos, do metro quadrado próximo às praias nos mu-
acumu lando proporcionalmente o dobro da nicípios da área central da região era R$5,8
soma de apartamentos dos demais municípios. mil, em Santos, o valor alcançava R$7,5 mil (A
No Gráfico 6, observa-se que, no inter- Tribuna, 2019). Esses preços repercutem nos
valo 2000-2010, Santos concentrou a produ- demais municípios e ditam os valores no res-
ção de domicílios em apartamento e que Praia tante do território, influenciando a dinâmica
Grande (principalmente) e São Vicente estão que tem induzido a contínua verticalização,
em processo de verticalização. sobretudo de Praia Grande.

Gráfico 5 – Apartamentos nos municípios centrais da RMBS – 2010

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2011) – Universo – Tabela 3341. Elaborado pelos
autores em 2021.

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Gráfico 6 – Produção de apartamentos nos municípios centrais 2000-2010

Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000 e 2011) – Universo – Tabelas 1434 e 3341.
Elaborado pelos autores em 2021.

Projeções de crescimento e Esgotamento Sanitário, 2017-2046” (Muni-


cípio..., 2017), do qual muitas das projeções
espacial e demográfico estatísticas foram extraídas de Fundação Sis-
2010-2020 tema Estadual de Análise de Dados (Seade),
solicitada por Sabesp.
Antes de apresentar os dados desta seção, Projeções da Seade para a Sabesp, para
é importante ressaltar que os melhores da- o período de 2010-2020, apontam discreto au-
dos relacionados a demografia e domicílios mento das taxas geométricas de crescimento
de uso permanente é o censo. Entretanto, anual para os municípios de Santos, São Vi-
o censo de 2020 não foi realizado por ques- cente e Guarujá (Quadro 4), que, desde 1991,
tões de cuidado com a saúde pública, por vinham em declínio (Quadro 2). Para Praia
conta da pandemia e por questões orçamen- Grande, a projeção é de queda no ritmo de
tárias. Como substituto para esse estudo, o crescimento populacional que, mesmo assim,
melhor material estatístico encontrado foi o estima-se que apresente índice bem superior
“Plano Municipal de Abastecimento de Água aos demais municípios.

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Quanto aos domicílios, as projeções Nesse clima, Santos produziu, no início


apontam que a relação de novos domicílios e da década, 53,1% dos domicílios da região e
acréscimo de pessoas não apresentará altera- Praia Grande, 32,7%. Em Santos, destaque pa-
ções significativas em relação ao período ante- ra unidades de 2 e 3 dormitórios e também de
rior, exceto para Santos. 4 dormitórios, estes enquadrados na categoria
Com base nessas projeções, Santos de- alto padrão, cuja produção foi estimulada pe-
verá experimentar reversão na discrepância los “bons ventos” que sopravam sobre a eco-
verificada no período 2000-2010. Para um nomia local e nacional. Em Praia Grande, pro-
acréscimo de 9.315 pessoas, estima-se um au- duziram-se 2 e 3 dormitórios e o maior quan-
mento de 9.429 domicílios. Para Praia Grande, titativo regional de unidades de 1 dormitório
as projeções indicam redução do número de (Zarif, 2012 apud AECweb, 2012).
pessoas e de novos domicílios produzidos em No ranking das 14 cidades brasileiras
relação ao período anterior. com o preço de venda do metro quadrado
Na primeira metade do período em mais caro nos anos de 2013 e 2014 (Yasbek,
análise, o mercado imobiliário local foi forte- 2016, apud Marun e Viana, 2020),10 Santos fi-
mente influenciado pela expectativa de nova cou em oitavo lugar em 2013, com o preço do
ampliação do porto e com a exploração de pe- m2 avaliado em R$6.230; São Vicente aparece
tróleo e gás na bacia de Santos, que, inclusive, em décimo primeiro lugar, com o preço do m²
gerou a instalação de um escritório de negó- avaliado em R$5.500; e o Guarujá, em décimo
cios da Petrobras em Santos, com a constru- terceiro lugar, com o preço do m² avaliado em
ção de uma sede da Petrobras no bairro do R$5.320. Já, em 2014, só o município de San-
Valongo, Centro tradicional da cidade. “A Bai- tos aparece na lista e em décimo quarto lugar,
xada Santista tem os olhos voltados para o fu- com o preço do metro quadrado avaliado em
turo, pois as perspectivas são ainda melhores R$4.876. Ao comparar os dados, percebe-
com a exploração de petróleo e gás na bacia -se que, no período de apenas um ano, entre
de Santos” (Zarif, 2012). 2013 e 2014, o valor do m² sofreu uma grande
Em nível nacional, o mercado vivia mo- queda em função da crise política e financeira
mento de grande estímulo à produção habi- vivenciada pelo País, gerando um processo de
tacional com a retomada, a partir de 2002, do recessão econômica (ibid.).
financiamento imobiliário com recursos das No período de 2013 a 2015, segundo o
cadernetas de poupança, em crise desde 1986, Secovi-SP (2016), Praia Grande mostrou o me-
quando o Banco Nacional de Habitação – BNH lhor desempenho em lançamentos e vendas,
foi extinto. “O crescimento do financiamento apesar de 2015 marcar a retração dos negócios
foi exponencial” (Meyer et al., 2013). do mercado imobiliário em face do aumento
Em 2007, as operações foram alavanca- da inflação e das taxas de juros, fatores que in-
das com ampliação do número de famílias em fluenciaram no volume de lançamentos e ven-
face da redução de taxas de juros e das presta- das (Petruci, 2015).
ções. “As incorporadoras aumentaram a oferta No entanto, a partir de então, Praia
para a classe média e passaram a atuar em no- Grande passou a liderar a produção, com 50%
vos segmentos de renda” (ibid.). dos novos domicílios, seguida por Santos com

538 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Quadro 4 – População fixa e taxa geométrica de crescimento anual nos municípios centrais da
RMBS – 2010-2020

Município População 2010* Projeção 2020** TGCA***


Santos 419.388 428.703 0,33
São Vicente 332.193 357.929 1,03
Guarujá 290.526 316.405 1,05
Praia Grande 261.391 316.844 2,35

Fonte: (*)Censo demográfico (IBGE, 2010). (**) Projeção para 2020, elaborada pela Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados (Seade) para Sabesp (Município..., 2017). (***) TGCA 2010-2020 elaborada pelos autores.

Quadro 5 – Domicílios par culares permanentes 2010-2020

Município 2010* 2020**


Santos 144.600 154.029
São Vicente 101.697 120.424
Guarujá 84.968 103.296
Praia Grande 83.445 108.356

Fonte: (*)Censo Demográfico (IBGE, 2010). (**) Projeção elaborada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (Seade) para Sabesp, disponível em: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017).

Quadro 6 – Acréscimo de pessoas e acréscimo de domicílios 2010-2020

Município Acréscimo de pessoas Acréscimo de domicílios


Santos 9.315 9.429
São Vicente 25.736 18.727
Guarujá 25.879 18.328
Praia Grande 55.453 24.911

Fonte: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017). Elaborado pelos autores em 2021.

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

33%, Guarujá com 13% e São Vicente com 4%. 10 a 20 pavimentos e de 20 a 30 pavimen-
Inicia-se a fase em que Praia Grande supera tos. Em São Vicente, sobressai a produção de
Santos em lançamentos e vendas de unidades edifícios de 4 pavimentos, muitos ocupando
habitacionais (Secovi, 2016). áreas com problemas de drenagem, que cau-
Hoje, 99,5% dos domicílios produzidos sam recorrentes transtornos na cidade como
por incorporadoras nos municípios centrais um todo. Em Praia Grande, foram produzidos
são verticalizados. Imóveis horizontais formam predominantemente edifícios de 10 a 20 pavi-
1,78% dos lançamentos (Zarif, 2014). mentos, próximos à praia.
No mapa da Figura 12, vemos os em- No que diz respeito à ordem de grande-
preendimentos verticais construídos no in- za, o Gráfico 7, elaborado com base nos dados
tervalo de 2009-2020 nos municípios centrais do mapa da Figura 11, permite ver a incidência
estudados. Examinando as características das várias tipologias no conjunto dos municí-
tipológicas e a distribuição nos municípios, pios centrais. Observa-se predomínio das altas
nota-se que, em Santos, os novos empreen- densidades construtivas, em particular de edi-
dimentos concentraram-se na porção leste da fícios entre 10 e 20 pavimentos.
cidade e estão avançando em direção às áreas Neste período de 2010 a 2020, não só
residenciais degradadas do antigo centro. As se manteve a lógica da “muralha que cerca o
tipologias predominantes são os edifícios de mar” como ela teve um crescimento intenso

Figura 12 – Edificações com 4 ou mais pavimentos construídos nos municípios


da Praia grande, São Vicente, Santos e Guarujá no período de junho de 2009 a 2021

Fonte: Google Earth, 2009/2020. Elaborado por Alexandre Lukas Morrone em 2021.

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Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Gráfico 7 – Edificações com 4 ou mais pavimentos construídos nos municípios


da Praia Grande, São Vicente, Santos e Guarujá no período de junho de 2009 a 2021

Fonte: Google Earth, 2020. Elaborado por Alexandre Lukas Morrone em 2021.

Quadro 7 – Disposição das edificações produzidas em Santos de junho de 2009 a 2021

Total de
Pavimentos Área A* Área A%* Área B** Área B%**
edificações
4 23 7 30,43 16 69,57
5 - 10 74 13 17,57 61 82,43
11 - 20 66 51 77,27 15 22,73
21 - 30 97 76 78,35 21 21,65
31 - 40 16 16 100,00 0 0,00
Total 286 163 56,99 123 43,01

Fonte: elaborado por Alexandre Lukas Morrone. (*) Área entre as avenidas General Francisco Glicério e Affonso Penna
e a orla da praia (avenidas Presidente Wilson, Vicente de Carvalho, Bartolomeu de Gusmão e Almirante Saldanha da
Gama). (**) Restante da área urbana do município de Santos.

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

com a maioria das novas edificações e princi- dos 286 produzidos em todo o município de
palmente pelas mais altas se encontrarem a Santos. Da mesma forma que em São Vicen-
até 1 km de distância da orla da praia. No Gua- te, em Santos a maior discrepância está na
rujá, com exceção de um complexo de conjun- tipologia das edificações, a maioria de 4 a 10
tos habitacionais ao norte do bairro do Jardim pavimentos, produzidas ao norte das avenidas
Virgínia e do Condomínio Rouxinol, no bairro General Francisco Glicério e Affonso Penna.
Jardim dos Pássaros, todos os novos edifícios Já a maioria das edificações com mais de 11
residenciais foram construídos até 750 metros pavimentos foi produzida entre essas aveni-
da orla da praia. das e a orla, e todas as edificações com mais
Na Praia Grande, esse fenômeno é ainda de 30 pavimentos estão a menos de 600 me-
mais intenso. Das 356 novas edificações identi- tros da praia.
ficadas, 339 estão entre a orla da praia e a ave-
nida Presidente Kennedy, que corre em parale-
lo a 650 metros de distância em média; apenas
17 edificações estão um pouco mais distantes.
Considerações finais
Em Santos e São Vicente, esse fenôme-
no também se observa, mas de maneira me- Os estudos elaborados nessa fase da pesquisa
nos intensa e clara, pois se encontram novas denotam que o processo de verticalização e
edificações por todo o território urbano dos adensamento dos municípios centrais da Re-
municípios. Em São Vicente, os edifícios mais gião Metropolitana da Baixada Santista vem
altos, de 10 a 40 pavimentos, que totalizam sofrendo alterações desde os anos 1980, com
14, estão localizados até, no máximo, 1 km reflexos na estruturação socioespacial e no
da praia do Gonzaguinha no bairro central da meio ambiente. As alterações observadas não
cidade. As demais 141 novas edificações são ocorrem no modelo de desenvolvimento e
habitações de interesse social (HIS) e peque- expansão, que continua produzindo verticali-
nas edificações, também residenciais, produzi- zação e dispersão regional, mas no direciona-
das pela iniciativa privada; todas com 4 ou 5 mento da verticalização.
pavimentos e espalhadas pelo tecido urbano. Embora nas últimas décadas, Santos te-
A população local chama tais edificações, cari- nha perdido posições no quantitativo popula-
nhosamente, de “Predinhos”. cional da região, em decorrência da redução
Em Santos, a maioria dos edifícios tam- do ritmo de crescimento demográfico anual,
bém foi produzida próximo à orla da praia nu- o município mantém-se como polo regional,
ma distância de até 1,4 km. Mas a produção concentrando a melhor infraestrutura, equi-
desses edifícios se deu de maneira muito mais pamentos urbanos e as principais atividades
homogênea em toda a área urbana de Santos econômicas geradoras de empregos. Todavia
do que nos demais municípios da pesquisa. Santos continua expulsando a população mais
Se analisarmos a área da orla da praia até as jovem e de menor renda para outros municí-
avenidas General Francisco Glicério e Affon- pios, em especial São Vicente e Praia Grande,
so Penna, cuja distância máxima é de 1,57 o que gera aumento da mobilidade pendular
km, foram produzidos 163 edifícios, 56,99% entre Santos e os demais municípios.

542 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...

Em contrapartida, Praia Grande cresce desde a década de 1970, e cerca de 120 mil
com fixação de sua população residente, que habitantes, que representam quase 30% da
ocorre por extravasamento de moradores de população do município.
Santos, fazendo com que o município transite Em decorrência disso, a nova fronteira
do uso predominantemente turístico para resi- de expansão residencial de Santos ignora a
dencial, em vias de tornar-se “cidade-dormitó- continuidade geográfica. Guiada pelos interes-
rio”, assim como São Vicente. ses do mercado imobiliário, a expansão resi-
Em Santos, a produção do mercado imo- dencial “dá um salto” sobre as áreas próximas
biliário está verticalizando a última fronteira dos empregos, ultrapassa a barreira do canal
de expansão residencial da porção leste da que separa a ilha de São Vicente e o continen-
ilha (também chamada de porção nobre) e te e alcança Praia Grande, que passou a ter os
avança em torno do eixo da linha do VLT (Veí- vazios junto à orla da praia ocupados por em-
culo Leve sobre Trilhos – transporte rápido de preendimentos residenciais verticais. As áreas
média capacidade) que liga Santos e São Vi- onde ocorre adensamento são as originalmen-
cente. No entanto, não avança para o oeste te destinadas às denominadas segunda resi-
do território santista, conhecido como zona dências, as quais, desde o início do processo
noroeste, onde, além da continuidade geo- de urbanização, são ocupadas seguindo com-
gráfica, os imóveis são mais baratos, muito binação de parâmetros legais e investimentos
em função da má qualidade da infraestrutura públicos que as tornam espaços de excelência.
instalada e de parte dos terrenos ainda se si- Assim, a verticalização da ocupação re-
tuar em cotas abaixo do nível do mar e, por- gional tem reforçado a monofuncionalidade e
tanto, sujeita a inundações. A ação do poder a dependência do automóvel nos deslocamen-
público na correção desses problemas tem tos, levado a um maior tempo gasto nas via-
sido lenta e descontínua – há projetos desde gens pendulares e agravado os problemas de
pelo menos a década de 1990 que só recen- mobilidade e poluição veicular em Santos. Es-
temente começaram a ser tirados do papel. O ses problemas atingem também São Vicente,
mercado imobiliário não tem mostrado inte- área de passagem entre Praia Grande e Santos.
resse em investir nessa área, em que imóveis Do ponto de vista socioespacial, é pos-
verticalizados têm sido produto exclusivo da sível observar indícios de gentrificação tanto
produção pública de conjuntos habitacionais em Santos como em Praia Grande, o que apon-
empreendidos pela Cohab e pela CDHU. A zo- ta para a necessidade de novas indagações que
na noroeste é a região de Santos que concen- permitam verificar possíveis efeitos territoriais
tra a maior parte dos conjuntos habitacionais, desse fenômeno.

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

[I] https://orcid.org/0000-0001-5069-7174
Universidade Católica de Santos, curso de Arquitetura e Urbanismo. Santos, SP/Brasil.
lenimar.rios@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-5297-5091
Universidade Católica de Santos, cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental. San-
tos, SP/Brasil.
moviana@uol.com.br

[III] https://orcid.org/0000-0003-1547-6338
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa Processo de
Produção do Espaço Construído. São Paulo, SP/Brasil.
alm089@hotmail.com

Notas
(1) A RMBS, composta por nove municípios (Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá,
Peruíbe, Praia Grande, São Vicente e Santos), foi formalmente instituída através da lei
complementar n. 815, em 30 de julho de 1996. É a primeira região a ser criada tendo como polo
um município não capital, Santos.

(2) Segundo pesquisa realizada pelo ZAP Imóveis, que detalhou os dados do úl mo Censo realizado
pelo IBGE e criou o ranking. Disponível em: https://www.diariodolitoral.com.br/cotidiano/
santos-e-a-cidade-mais-ver calizada-do-brasil-aponta-pesquisa/117399/. Acesso em: mar 2019.

(3) Cons tuem Domicílios de Uso Ocasional segundo definição do IBGE.

(4) O grupo de pesquisa Observatório Socioespacial da Baixada San sta da Universidade Católica de
Santos – Observa BS foi criado em 2015 e estuda as questões urbanas, com foco na Região
Metropolitana da Baixada San sta – RMBS e seus nove municípios.

(5) O município de Cubatão não será abordado, nesta pesquisa, por não apresentar quantidade
relevante de edificações ver calizadas. Cons tui um município industrial, que apresenta uma
dinâmica diferente dos demais municípios da região, os quais, em função das suas praias, são
reconhecidos como Estâncias Balneárias pelo governo de estado de São Paulo.

(6) Nesse período, emanciparam-se de Santos: Guarujá (1947) e Cubatão (1948); de São Vicente:
Itanhaém (1958) e Praia Grande (1967); de Itanhaém: Mongaguá e Peruíbe (1959). Ber oga,
distrito de Santos, foi o úl mo a emancipar-se (1992).

(7) Sobre o turismo balneário, cabe destacar que oito dos nove municípios que integram a RMBS são
estâncias balneárias.

(8) Fonte: sidra.ibge.gov.br/tabela/156#resultado. Acesso em: mar 2021.

(9) Fonte: sidra.ibge.gov.br/tabela/3451*resultado. Acesso em: mar 2021.

(10) Ranking elaborado por Marum, em 2017, com base nos estudos de Yasbek (2016b, Quadro 2, p. 635).
Disponível em: h ps://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/ar cle/view/2236-9996.2020-4813/
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544 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
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Texto recebido em 8/set/2021


Texto aprovado em 16/dez/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 547
Densification and verticalization
in the central cities of the Metropolitan
Region of Baixada Santista
Adensamento e verticalização nos municípios
centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista
Lenimar Gonçalves Rios [I]
Mônica Antonia Viana [II]
Alexandre Lukas Morrone [III]

Abstract Resumo
The article discusses the verticalization and Este artigo discute o processo de verticalização e
densification process of central cities in the adensamento dos municípios centrais da Região
Metropolitan Region of Baixada Santista, state Metropolitana da Baixada San sta – RMBS do es-
of São Paulo, and its effects on the socio-spatial tado de São Paulo e seus reflexos na estruturação
structure and on the environment in the period socioespacial e no meio ambiente no período entre
between 1980 and 2010. It also analyzes projec ons 1980 e 2010. São também apresentadas e analisa-
for the 2010-2020 period, based on data from das projeções para o período de 2010-2020, a par r
official agencies and the real estate market. The de dados de órgãos oficiais e do mercado imobili-
results reveal that this process has changed the ário. O resultado revela que esse processo alterou
natural landscape and currently reinforces socio- a paisagem natural e atualmente reforça a segre-
-spa al segrega on, with dispersion of occupa on gação socioespacial com dispersão da ocupação
to environmentally vulnerable areas, generating para áreas vulneráveis ambientalmente, gerando
urban mobility problems. problemas de mobilidade urbana.
Keywords: verticalization; densification; urban Palavras-chave: ver calização; adensamento; mor-
morphology; urban transforma ons; Metropolitan fologia urbana; transformações urbanas; Região
Region of Baixada San sta. Metropolitana da Baixada San sta.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5404.e Crea ve Commons Atribu on
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

Introduc on the research group Process of Production


of Constructed Space and the Landscape
Th e la n d u s e p at te rn i n t h e c e nt ral Laboratory in Brazil – Quapá from FAU-USP
municipalities of Baixada Santista (São Paulo University School of Architecture
Metropolitan Region – RMBS 1 (Santos, and Urbanism).
São Vicente, Guarujá and Praia Grande) is The general purpose of the research,
morphologically characterized by a combined in this first stage, is to understand the
vertical and extensive occupation. The central main urban form structures in the central
municipalities form a conurbation, and in the municipalities of RMBS (Santos, São Vicente,
past two decades this conurbation has grown Guarujá and Praia Grande), based on the
mainly because of the verticalization of areas processes of urbanization and morphological
close to the seafront and to the main intra- transformation of the urban space, with focus
urban and metropolitan transport routes. on the verticalization forms and typologies
Santos is the most vertical city in the and their relationship with population
region and in the Brazil, 2 with 61.1% of concentration.
residences in apartments, followed by São As specific objectives, we seek to
Vicente (21.6%), Praia Grande (21.4%) and understand the process of housing production
Guarujá (10.9%) (Sidra-IBGE, 2010). In these through verticalization, especially in the period
municipalities, the vertical occupation has 1980-2010, with some prospects for the
singularities: it occurs along the seafront, and period 2010-2020. Between 1980 and 2010,
the housing units are predominantly used there were changes in the demographic profile
for tourism purposes (except for Santos and of this region´s municipalities, especially in
São Vicente), only occasionally being used as Praia Grande, known for its predominantly
temporary residences,3 staying idle most of the touristic function, but which has been
year. Thus, a fluctuating population density is experiencing a population retaining process
evidenced, and part of the existing residences in recent decades. The relationship between
in vertical residential developments, especially verticalization and population density and
those close to the seafront (beaches), remain real estate production is studied, and topics
idle most of the time. However, for the stage of regarding the socio-spatial and environmental
research presented in this study, only housing impacts of this process on the set of RMBS
units occupied by permanent population will central municipalities are raised for reflection.
be investigated. This work is divided into three parts.
This research is developed within the In the first section, we address the historical
research group Observatório Socioespacial da process of the urban space production and
Baixada Santista (Socio-spatial Observatory of transformation starting in the 1950s, when the
Baixada Santista) – Observa BS,4 which is linked process of verticalization along the beachfront
to the Institute of Scientific and Technological and changes in the seafront configuration of
Research – Ipeci, from the Catholic University central municipalities began. In the second
of Santos – UniSantos, in partnership with section, the evolution of the occupation

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Densification and verticalization in the central cities...

is analyzed, with focus on the spatial period 2010-2020, to verify which are the
growth and its relationship with population ongoing changes in the occupation dynamics
increases in the period 1980-2010, when the of the region.
metropolization process was intensified and In the Final Considerations, findings
consolidated, largely due to migratory flows are presented in light of the proposed
and urban growth, which resulted in the objectives, as well as recommendations
institutionalization of the RMBS in 1996. In the and new questions are formulated for the
third section, some prospects are presented continuation of the research in its next stages
regarding the demographic growth process with the Observa BS of UniSantos and FAU-USP
and the real estate market production in the partners.

Figure 1 – Metropolitan Region of Baixada San sta - RMBS - São Paulo

São Paulo Plateau

Atlan c Ocean

Source: Agem – Metropolitan Agency of Baixada San sta (2002).

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

Produc on and transforma on the countryside, becoming places of rest and


leisure for the coffee producing elite.
of the urban space A new period of economic dynamism
in Brazil and in Baixada Santista region began
The central area of the Baixada Santista after the Second World War with the economic
Me trop olitan Region , comp risin g th e diversification, through investments that
municipalities of Santos, São Vicente, Guarujá, strengthened the port, industrial and touristic
Praia Grande and Cubatão, 5 is located on functions. At that point, the industrial park of
the coastline of São Paulo state, close to the São Paulo state´s capital began to expand to
Brazilian most dynamic economic hub. Such other municipalities in Greater São Paulo and
municipalities that form a conurbation and into the countryside, following the old railway
are polarized by Santos represent the most axes and the new road axes implemented in
economically dynamic part of São Paulo state the late 1940s, intensifying the urbanization
coastline, because it houses the Port of Santos process (ibid.).
and the Petrochemical Complex of Cubatão, in The implementation of the industrial
addition to the activities of seaside tourism. hub of Cubatão derived from this process,
For three centuries, Santos acted as a particularly with the inauguration of the
barrier of defense to the colonial territory, and Anchieta highway (1947), which improved the
through its port, as a modest warehouse for the flow between the coast and the plateau, also
incoming goods demanded by the residents of boosting the development of mass tourism
São Paulo plateau. Until the early 20th century, on the region's beaches. The port of Santos
it maintained the limits of the area occupied increased in size with the construction of the
during its first decades of existence. Saboó wharf and with the replacement of old
The process giving rise to the first cranes by more modern equipment, which led
period of dynamism in the region took place to an increase of its cargo handling capacity
in the late 19th century, when the port of (ibid.).
Santos became the channel for coffee trade, With the introduction of the urban-
the main Brazilian export produce at the industrial model that boosted the urbanization
time. The contemporary Santos was then of Brazilian cities, combining the growth of
formed, stimulated by the implementation economic activities and the expansion of
of the São Paulo Railway in 1867, connecting the urban fabric resulting from the intense
Santos and the coffee-producing areas on the migratory process, the political-administrative
plateau. This initiative was articulated with the division of the region´s original municipalities
construction of the organized port (instead were fragmented (ibid.). Districts were
of precarious warehouses) and with urban emancipated becoming municipalities
infrastructure investments, which allowed between the late 1940s and 1960s.6
the city to expand beyond the colonial limits This process of emancipation within
(Viana, 2010). Santos and Guarujá were Santos and São Vicente territories gave rise
pioneers in the tourism activity, facilitated to the municipalities of Guarujá, Cubatão,
by the rail connection with São Paulo and Itanhaém, Praia Grande, Mongaguá and

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Densification and verticalization in the central cities...

Peruíbe. Santos urban fabric developed in creation of new municipalities. The seaside
the urban voids still existing in the island of tourist 7 activity first took place in Santos,
São Vicente at that time. However, this urban São Vicente and Guarujá, and then, with
development was not limited to Santos, the implementation of new accesses to the
overflowing to the municipalities of São Vicente plateau and between the municipalities in
and the newly created Guarujá, with the the region, it expanded towards the southern
occupation of the Vicente de Carvalho district. and northern coast, originating six of the nine
The role Santos began to play in the municipalities in the RMBS, including Praia
regional growth dynamics in the 1960s is Grande, today part of the conurbation of the
highly relevant. The eastern part of the region´s central area (Rios, 2019).
municipality (limited by the port, the hills, and To give a response to the great demand
the beaches) began to be urbanized in the of mass tourism, the real estate market
early 20th century, with the Saturnino de Brito produced, on a large scale, housing units
Sanitation Plan. Systems were implemented intended for second residences, with the
for water supply, sewerage (collection and maximum use of the beachfront strip, to
treatment), as well as an urban drainage accommodate season apartment buildings,
system that allowed the use of a vast area that initially verticalizing the beaches of Santos,
was previously swampy for urban purposes. São Vicente and Guarujá. The phenomenon
With the migratory wave of the mid-twentieth occurred a little later in Praia Grande, which,
century, driven by the implementation of the from the 1960s onwards, quickly transitioned
industrial hub of Cubatão, by the expansion from a rural to a tertiary-based economy
of port facilities and by civil construction, the (Rios, 2019).
empty land located in the urbanized portion This phenomenon caused changes in
was occupied by the residences of more urban legislation, under pressure from the real
qualified port and industrial workers. The estate market, which resulted in a reduction of
low-income population settled in the non- lot setbacks and an increased lot occupation.
urbanized portion, building their own houses The high constructive coefficients used
themselves on land below the sea level, created, in the municipalities of the region,
thus subject to flooding, and on landslide- what Seabra (1979) called the “wall that
prone areas of hills in Santos, a process that surrounds the sea”.
extended to neighboring São Vicente and Referring to the municipality of Santos,
to Vicente de Carvalho district, in Guarujá Araújo Filho (1965, p. 40) notes that:
(Carriço, 2015). This process promoted the
This line of skyscrapers [...] constitutes
extensive occupation of environmentally a new type of urban space occupation,
vulnerable areas and resulted in the gradual now in the vertical sense [...] these
suppression and degradation of parts of the apartment buildings represent not only
the most recent type of occupation
Atlantic Rainforest biome.
of Santos beaches, but also the most
Mass tourism, the result of middleclass representative of one of the four
exp a n sio n in th e p eriod of Braz ilian functions of the city: the summer
industrialization, was responsible for the holidays.

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Figure 2 – Beachfront of Santos and São Vicente, 1940 Figure 3 – Beachfront of Santos and São Vicente, 1950

Source: Novo Milênio (2021a and 2021b).

Figure 4 – Beachfront of São Vicente and Santos, 1970 Figure 5 – Beachfront of Guarujá – 1950

Source: São Vicente na Memória (2021). Source: IBGE (2021).

Figure 6 – Beachfront of Guarujá – 1960 Figure 7 – Guarujá 2000

Source: Hotel Santa Maria Guarujá (2021). source: Guarujaweb (2021).

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Densification and verticalization in the central cities...

Within three decades, the features of residents are numerically higher than those
the beachfront underwent intense changes for occasional use (second residence), while in
(Figures 2 to 7). Guarujá and Praia Grande, the presence of the
The verticalization process along the latter is accentuated, with an impact on the
beachfront first produced units aimed at installed structures, which remain idle most
the floating population, and then served as of the year (Table 1) due to the seasonality of
residences for high-income residents (Seabra, seaside tourism.
1979). Although the 2010 IBGE Demographic
The tourist activity expression can Census revealed a high percentage of
be seen in the number of occasional use occasional-use residences in Praia Grande,
residences. In the municipalities of Santos when compared to other municipalities, its
and São Vicente, residences with permanent permanent population has grown in recent

Table 1 – Residences of permanent use and occasional use per municipality

Municipali es Permanent use – % Occasional use – %


Santos 81,70 11,33
São Vicente 82,62 9,43
Guarujá 61,81 33,69
Praia Grande 41,73 52,44

Source: Demographic Census (IBGE, 2010). Prepared by Ins tute Polis in 2013.

Table 2 – Permanent popula on and geometric annual growth rate 1991-2020

Year TGCA
Municipali es
1980 1991 2000 2010 1980-1991 1991-2000 2000-2010
Santos 416,681 417,100 417,983 419,400 0,11 0,02 0,04
São Vicente 193,002 268,618 303,551 332,445 3,05 1,37 0,94
Guarujá 151,127 210,207 264,812 290,752 3,05 2,60 0,93
Praia Grande 66,011 123,492 193,582 261,051 5,86 5,12 3,17

Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2011). TGCA calculated by the authors in 2021.

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decades due to the migration of residents from the pace of population growth in Santos is
Santos (mainly) and São Vicente (Table 2). The reduced, while there is population growth in
same phenomenon experienced in the 1960s in the municipalities of São Vicente, Guarujá and
relation to the neighbors of Santos is repeated, mainly Praia Grande, as shown in Table 2.
except that now the migration to Praia Grande The inflection of growth in Santos
is led by segments of the middleclass (Jakob, resulted from the dynamics of property prices
2004), a movement driven mainly by young in the municipality and marks the strengthening
couples, in view of the high cost of properties of the dispersed regional occupation process
in Santos. In 2010, the number of Praia Grande that started in the 1960s (see previous
residents increased to levels close to those of section). Lower-income population migrates to
São Vicente and Guarujá (Table 2). neighboring municipalities where real estate
Urban legislation played an important is cheaper and where it is still possible to
role in the construction of the verticalization occupy irregular areas that are not of interest
model, since, until the 1970s, when the for the real estate market. Graph 1 shows
urbanization process was consolidated, the change in population distribution and
municipalities adopted parameters of land allows comparing the drop of Santos in the
use and occupation in the strips close to ranking of regional demographic distribution
the beachfront, which provided these in the period between 1980 and 2010, and the
spaces with characteristics of environmental increased participation of other municipalities,
excellence (Carriço, 2002), of great interest especially Praia Grande.
to the real estate market. These concepts While it shows stability with little
are still the basis for the legal provisions that population growth, Santos showed an
guide the growth of central municipalities, increased production of residences for
resulting in greater appreciation and real permanent occupation like in the other
estate speculation in areas close to the three municipalities. Despite Santos being
beachfront. the largest city in terms of population and
economic development, it had the smallest
demographic growth, both proportionally and
in absolute figures, with an increase of only
Spa al growth 2,719 new residents and the production of
and demographic growth 37,839 new permanent residences between
in the period 2000-2010 1980 and 2010.
In contrast, Praia Grande was the
The effects of the regional urban fabric municipality with the highest demographic
expansion, due to the RMBS economic growth, from 66,011 residents in 1980 to
diversification, appear in the figures of the 261,051 in 2010, multiplying by almost four
demographic censuses since the 1980s, when times the population. The proportion of

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Densification and verticalization in the central cities...

Graph 1 – Demographic Distribu on of Municipali es


in the RMBS Central Area – 1980-2010 (%)

Source: Demographic Census (IBGE, 1980 and 2010). Prepared by the authors in 2021,

Graph 2 - Popula on per municipality in the RMBS central area 1980-2010

Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2010). Prepared by the authors in 2021.

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Graph 3 – Permanent private residences per municipality


in the RMBS central area – 1980-2010

Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2010). Prepared by the authors in 2021.

Graph 4 – Increase in popula on and residences


in the RMBS central municipali es – 1980-2010

Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2010). Prepared by the authors in 2021.

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Densification and verticalization in the central cities...

permanent residences is even higher, from a negative growth of -8.8% in the average
16,144 residences in 1980 to 83,513 in 2010, number of people per residence, a growth
five times higher. of only 0.36% in population, while there is a
On a regional scale, there is a reduction growth of 10.2% of residences.
of population growth in the period 1991-2010, As for the spatial distribution of the
and the growth rates are almost the same residence growth, Figures 8 and 9 show the
regarding residences between 1980 and 2010 situation in 2000 and 2010, evidencing that the
(Graph 4). growth largely occurred due to the constructive
As for the average number of people per densification of areas already occupied.
residence, the reduction that occurred in Brazil The maps in Figures 10 and 11 show
(from 3.79 persons/residence, 8 in 2000, to that, in the period 2000-2010, Santos
3.37 persons/residence in 2010)9 is repeated concentrated residences in apartments and
at different scales in the RMBS central that the production of this typology was
municipalities, such as shown in Table 3. expanded to Praia Grande, on the beachfront.
The mismatch between the increase of It is noteworthy the emergence of vertical
people and of residences in Santos becomes developments on the outskirts of the
evident when the numbers are analyzed in municipalities, particularly of São Vicente and
more detail. In 2000, the average in Santos Praia Grande, resulting from the production
was 3.17 persons/residence, with a total of housing projects by the governmental
population of 416,347 residents and 131,324 agencies Cohab Baixada Santista e Companhia
residences. In 2010, the average dropped to de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de
2.89 persons/residence with a total of 417,864 SP (São Paulo State Company of Housing and
residents and 144,715 residences, showing Urban Development) (CDHU-SP).

Table 3 – Addi on of people, residences, and average number of people


per permanent residence in the RMBS central municipali es – 2000-2010

People Residence Average Persons / Average Persons /


Municipali es
Addi on Addi on Residence – 2000 Residence – 2010
Santos 1,405 13,276 3,17 2,89
São Vicente 28,642 17,953 3,60 3,25
Guarujá 25,714 12,573 3,65 3,42
Praia Grande 67,809 28,212 3,49 3,13

Source: Demographic Census (IBGE, 2000 and 2010). Prepared by Lenimar Gonçalves Rios in 2021.

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Figure 8 – Permanent private residence in RMBS central municipali es – 2000

Source: Demographic Census (IBGE, 2000). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.

Figure 9 – Permanent private residence in RMBS central municipali es – 2010

Source: Demographic Census (IBGE, 2010). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.

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Densification and verticalization in the central cities...

Figure 10 – Permanent private residences in apartment


buildings in RMBS central municipali es

Source: Demographic Census (IBGE, 2000). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.

Figure 11 – Permanent private residences in apartment


buildings in RMBS central municipali es

Source: Demographic Census (IBGE, 2010). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.

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Regarding the scale of the spatial growth, In short, since the 1960s, the high price
Graph 5 shows the incidence of residences of real estate in Santos has been an inducer
in apartments in the central municipalities, of population migration to neighboring
in 2010. Santos is the most vertical city. It municipalities. In 2019, while the average price
concentrated apartments, accumulating twice per square meter near the beachfront in the
the total number of apartments of the other municipalities of RMBS central area was R$5.8
municipalities. thousand, in Santos it reached R$7.5 thousand
In Graph 6, it can be observed that, in (Secovi-SP, 2019). These prices impact other
the period 2000-2010, Santos concentrated municipalities and dictate the values in the
the production of apartments and Praia rest of the territory, influencing the dynamics
Grande (mainly) and São Vicente are in the that induces the continuous verticalization,
process of verticalization. especially in Praia Grande.

Graph 5 – Apartments in the RMBS central municipali es - 2010

Source: Demographic Census (IBGE, 2011) – Universe – Tables 3341. Prepared by


authors in 2021,

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Densification and verticalization in the central cities...

Graph 6 – Produc on of apartments in RMBS central municipali es, 2000-2010

Source: Demographic Census (IBGE, 2000 and 2010) – Universe – Tables 1434 and
3341. Prepared by Lenimar Gonçalves Rios in 2021.

Spa al and demographic and Sewerage Systems Plan), 2017-2046”


(Municipio..., 2017), where many of the
growth projec ons statistical projections were extracted from
2010-2020 Fundação Sistema Estadual de Análise de Data
(Seade), requested by Sabesp.
Before presenting the data in this section, it Seade's projections for Sabesp, for the
is important to point out that the best data period 2010-2020, point out a slight increase
source for demography and permanent use in the geometric annual growth rates for the
residences is the census. However, the 2020 municipalities of Santos, São Vicente and
census was not carried because of health Guarujá (Table 4), which has been in decline
issues, the Covid pandemic, and budgetary since 1991 (Table 2). For Praia Grande, the
reasons. As a substitute for this study, the projection is of a drop in the population
best statistical material found was the “Plano growth pace, which, even so, is estimated
Municipal de Abastecimento de Água e to have a much higher rate than the other
Esgotamento Sanitário (Municipal Water municipalities.

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Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

As for residences, projections indicate Under these circumstances, early in


that the ratio of new residences and addition that decade, Santos produced 53.1% of the
of people will not show significant changes residences in the region and Praia Grande,
in relation to the previous period, except for 32.7%. In Santos, the highlights are 2 and 3
Santos. bedroom units, and even 4 bedroom units,
Based on these projections, Santos which fall into the high standard category, which
should experience a reversal in the discrepancy production was stimulated by the “good winds”
observed in the period 2000-2010. For an that blew over the local and national economy.
increase of 9,315 people, an increase of 9,429 In Praia Grande, 2 and 3 bedroom units were
residences is estimated. For Praia Grande, produced, besides the largest number of 1
projections indicate a reduction of the number bedroom units in the region (Zarif, 2011).
of people and new residences produced in In the ranking of the 14 Brazilian cities
relation to the previous period. with the most expensive square meter in 2013
In the first half of the study period, the and 2014 (Yasbek, 2016, apud Marun and
local real estate market was strongly influenced Viana, 2020), 10 Santos ranked eighth in 2013,
by the expectation of a new expansion of the with the price per m 2 estimated at R$6,230;
port and the exploration of oil and gas in the São Vicente appears in eleventh place, with
Santos basin, which even led to the installation the price per m² estimated at R$5,500; and
of a Petrobras business office in Santos, with Guarujá, in thirteenth place, with the price per
the construction of a Petrobras headquarters m² at R$5,320. In 2014, only the municipality
in the Valongo neighborhood, the traditional of Santos appears on the list in fourteenth
city center. “Baixada Santista has its eyes on place, with the price per square meter
the future, as the prospects are even better estimated at R$4,876. When comparing the
with the exploration of oil and gas in the data, it becomes clear that in the period of
Santos basin” (Zarif, 2012). just one year, between 2013 and 2014, the
At the national level, the market was value of the m² suffered a large drop due to
experiencing a moment of great incentive to the political and financial crisis experienced by
housing production. In 2002, the real estate the country, resulting in a process of economic
financing with funds from savings accounts, recession (ibid.).
which was in crisis since 1986 when the In the period from 2013 to 2015,
National Housing Bank - BNH was extinguished, according to Secovi-SP (2016), Praia Grande
was resumed. “The growth of funding has showed the best performance in launches and
been exponential” (Meyer et al., 2013). sales, although 2015 marked the downturn
In 2007, financing operations were in the real estate business because of the
leveraged with an increased number of rising inflation and interest rates, factors that
participant families in view of the reduction influenced the volume of launches and sales
of interest rates and installments. “Developers (Petruci, 2015).
increased their supply to the middleclass and However, ever since, Praia Grande
began to operate to new income segments” took the lead in this production, with 50%
(ibid.). of new residences, followed by Santos with

538 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022


Densification and verticalization in the central cities...

Table 4 – Permanent popula on and geometric annual growth


rate in the RMBS central municipali es – 2010-2020

Municipali es Popula on 2010* Projec on 2020** TGCA***


Santos 419,388 428,703 0,33
São Vicente 332,193 357,929 1,03
Guarujá 290,526 316,405 1,05
Praia Grande 261,391 316,844 2,35

Source: (*) Demographic Census (IBGE, 2010). (**) Projec on for 2020 prepared by the State Data Analysis System
Founda on (Seade) for Sabesp (Município..., 2017). (***) TGCA 2010-2020, prepared by the authors.

Table 5 – Permanent Private Residences 2010-2020

Municipali es 2010* 2020**


Santos 144,600 154,029
São Vicente 101,697 120,424
Guarujá 84,968 103,296
Praia Grande 83,445 108,356

Source: (*) Demographic Census (IBGE, 2010). (**) Projec on prepared by the State Data Analysis System Founda on
(Seade) for Sabesp, available at: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017).

Table 6 – Addi on of people and residences 2010-2020

Municipali es Addi on of people Addi on of residences


Santos 9,315 9,429
São Vicente 25,736 18,727
Guarujá 25,879 18,328
Praia Grande 55,453 24,911

Source: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017). Prepared by the authors.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 539
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

33%, Guarujá with 13% and São Vicente with expanding towards the degraded residential
4%. The phase when Praia Grande surpasses areas of the old downtown. The predominant
Santos in launches and sales of housing units typologies are 10 to 20 floor and 20 to 30
begins (Secovi, 2016). floor buildings. In São Vicente, the production
Today, 99.5% of the residences produced of 4 floor buildings stands out, many of them
by developers in central municipalities are occupying areas with drainage problems, which
vertical. Horizontal properties comprise 1.78% cause recurring problems in the entire city. In
of the launches (Zarif, 2014). Praia Grande, 10 to 20 floor buildings, close to
On the map in Figure 12, we see the the beachfront, were predominantly produced.
vertical projects built in the period 2009-2020 Regarding the scale, based on the data
in the RMBS central municipalities. Examining from the map in Figure 11, Graph 7 shows
the typological characteristics and the the incidence of the various typologies in
distribution in the municipalities, we observe the set of central municipalities. There is a
that, in Santos, the new projects concentrated predominance of highly dense constructions,
in the eastern portion of the city and are particularly of 10 and 20 floor buildings.

Figure 12 – 4 floor or higher buildings built in the municipali es of Praia Grande,


São Vicente, Santos, and Guarujá from June 2009 to 2021

Source: Google Earth 2009/2020. Prepared by Alexandre Lukas Morrone in 2021.

540 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022


Densification and verticalization in the central cities...

Graph 7 – 4 floor or higher buildings built in the municipali es built


in the municipali es of Praia Grande, São Vicente, Santos, and Guarujá
from June 2009 to 2021

Source: Google Earth 2020. Prepared by Alexandre Lukas Morrone in 2021.

Table 7 – Arrangement of buildings produced in Santos from June 2009 to 2021

Total
Floors Area A* Area A%* Area B** Area B%**
buildings
4 23 7 30,43 16 69,57
5 - 10 74 13 17,57 61 82,43
11 - 20 66 51 77,27 15 22,73
21 - 30 97 76 78,35 21 21,65
31 - 40 16 16 100,00 0 0,00
Total 286 163 56,99 123 43,01

Source: prepared by Alexandre Lukas Morrone. (*) Area between Av. Gal. Francisco Glycerio, Av. Affonso Penna,
and the beachfront (Av. Pres. Wilson, Av. Vicente de Carvalho, Av. Bartolomeu de Gusmão and Av. Alm. Saldanha da
Gama). (**) rest of the urban area of the Municipality of Santos.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 541
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

In the period from 2010 to 2020, not distant, 163 buildings were produced, 56.99%
only the rationale of the “wall that surrounds of the total 286 buildings produced in the entire
the sea” was maintained, but it also had an municipality of Santos. Like in São Vicente, in
intense growth, with most of the new buildings Santos the biggest discrepancy is related to the
and especially the tallest ones being built up to building typology, the majority of which have
1 km from the beachfront. In Guarujá, except 4 to 10 floors, produced to the north of the
for the housing complex north to the Jardim avenues General Francisco Glicério and Affonso
Virgínia and Condomínio Rouxinol, in Jardim Penna. Most of the buildings with more than 11
dos Pássaros, all new residential buildings were floors were produced between these avenues
built up to 750 meters from the beachfront. and the seafront, and all buildings with more
In Praia Grande, this phenomenon is than 30 floors are less than 600 meters from
even more intense. Of the 356 new buildings the beach.
identified, 339 are between the beachfront
and Avenida Presidente Kennedy, which
runs parallel to the beachfront at an average
distance of 650 meters; only 17 buildings are a
Final considera ons
little further away.
In Sa nto s an d São Vicente, t his The studies carried out in this phase of
phenomenon is also observed, but in a less the research show that the verticalization
intense and clear way, as new buildings are and densification process of the central
found throughout the whole urban territory of municipalities of Baixada Santista Metropolitan
such municipalities. In São Vicente, the tallest Region is undergoing changes since the 1980s,
buildings, between 10 to 40 floors, totaling 14, with reflections on the socio-spatial structuring
are located up to 1 km from Gonzaguinha beach and the environment. The observed changes
in the city´s central district. The remaining 141 do not occur in the development and
new buildings are social housing projects (HIS) expansion model, which continues to produce
and small buildings, also residential, produced verticalization and regional dispersion, but in
by the private sector; all with 4 or 5 floors and the direction of verticalization.
spread throughout the urban fabric. The local Although in recent decades, Santos has
population affectionately calls these buildings dropped in the region´s population ranking,
“Predinhos” (Little Buildings). due to the decreased annual population
In Santos, most of the buildings were also growth rate, the municipality remains as
produced close to the beachfront, up to 1.4 km a regional hub, concentrating the best
from it. But the production of these buildings infrastructure, urban equipment and the main
took place in a much more homogeneous economic activities that create jobs. However,
way throughout the urban area of Santos, in Santos continues to expel the younger
comparison to the other studied municipalities. and lower-income population to other
If we analyze the area between the beach front municipalities, especially São Vicente and
and the avenues General Francisco Glicério Praia Grande, which increases the commuting
and Affonso Penna, which is at most 1.57 km between Santos and such other municipalities.

542 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022


Densification and verticalization in the central cities...

On the other hand, Praia Grande has a since the 1970s, and approximately 120
growth of its permanent population, because thousand residents, representing almost 30%
of the inflow of residents overflowing from of the entire municipal population.
Santos, causing the municipality to transition As a result, the new residential expansion
from predominantly touristic to residential, on frontier in Santos ignores the geographic
the way to becoming a “dormitory city”, just continuity. Guided by the interests of the
like São Vicente. real estate market, the residential expansion
In Santos, the production of the “takes a leap” over the areas close to the jobs,
real estate market is verticalizing the last goes beyond the barrier of the channel that
residential expansion frontier of the island´s separates the island of São Vicente and the
eastern portion (also called prime portion) mainland, and reaches Praia Grande, which
and is advancing around the axis of the VLT now has the voids next to the beachfront
(Light Rail Vehicle – medium capacity rapid occupied by vertical residential developments.
transport) line that connects Santos and The areas where densification occurs are those
São Vicente. However, it does not advance originally intended for the so-called second
to the west of Santos territory, known as residences, which, since the beginning of the
the northwest zone, where, in addition to urbanization process, have been occupied
be geographically continuous, real estate is following a combination of legal parameters
cheaper, largely due to the poor quality of and public investments that transform them
the installed infrastructure, and because part into spaces of excellence.
of the land is below the sea level, therefore Thus, the verticalization of the region´s
subject to flooding. Public authorities´ occupation has reinforced the single-functionality
activities to correct these problems have been and car dependence features, leading to a
slow and discontinuous – there are projects greater commuting time, and worsening mobility
dated as back as the 1990s that only recently and car pollution problems in Santos. These
began to be taken off the drawing board. The problems also affect São Vicente, a transit area
real estate market is not showing interest in between Praia Grande and Santos.
investing in this area, in which verticalized From a socio-spatial point of view, it is
properties have been the result of housing possible to observe signs of gentrification both
projects undertaken by Cohab and CDHU. in Santos and in Praia Grande, which points
The northwest zone is the region of Santos to the need for new investigations to verify
concentrating most of the housing projects, possible territorial effects of this phenomenon.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 543
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone

[I] https://orcid.org/0000-0001-5069-7174
Universidade Católica de Santos, curso de Arquitetura e Urbanismo. Santos, SP/Brasil.
lenimar.rios@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-5297-5091
Universidade Católica de Santos, cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental. San-
tos, SP/Brasil.
moviana@uol.com.br

[III] https://orcid.org/0000-0003-1547-6338
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa Processo de
Produção do Espaço Construído. São Paulo, SP/Brasil.
alm089@hotmail.com

Transla on: this ar cle was translated from Portuguese to English by the author Alexandre Lukas
Morrone, and reviewed by Ione Marisa Koseki Cornejo, ikoseki@uol.com.br.

Notes
(1) RMBS, comprised by nine municipalities (Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá,
Peruíbe, Praia Grande, São Vicente, and Santos), was formally ins tuted by the supplementary
law n. 815, on July 30, 1996. It is the first metropolitan region to be created having a municipality,
Santos, as the hub and not the state capital.

(2) According to survey performed by ZAP Imóveis, which has detailed the data of the last Census
performed by IBGE and created the ranking. Available at: h ps://www.diariodolitoral.com.br/
co diano/santos-e-a-cidade-mais-ver calizada-do-brasil-aponta-pesquisa/117399/. Accessed
in: Mar 2019.

(3) They cons tute Houses of Occasional Use as defined by the IBGE.

(4) The research group Observatório Socioespacial da Baixada San sta of the Catholic University of
Santos – Observa BS was created in 2015 and studies urban issues, focusing on the Metropolitan
Region of Baixada San sta – RMBS and its nine municipali es.

(5) The municipality of Cubatão will not be addressed in this research, as it does not present a relevant
number of ver cal buildings. It is an industrial municipality, which has different dynamics from
the other municipali es in the region, which, due to their beaches, are recognized as Seaside
Resorts by the state government of São Paulo.

(6) During this period, the following municipali es were emancipated from Santos: Guarujá (1947) and
Cubatão (1948); from São Vicente: Itanhaém (1958) and Praia Grande (1967); from Itanhaém:
Mongaguá and Peruíbe (1959). Bertioga, district of Santos, was the last to be emancipated
(1992).

544 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022


Densification and verticalization in the central cities...

(7) Regarding seaside tourism, it is worth no ng that eight of the nine municipali es that make up the
RMBS are seaside resorts.

(8) Source: sidra.ibge.gov.br/tabela/156#resultado. Accessed in: Mar 2021.

(9) Source: sidra.ibge.gov.br/tabela/3451*resultado. Accessed in: Mar 2021.

(10) Ranking prepared by Marum, in 2017, based on studies by Yasbek (2016b, Table 2, p. 635).
Available at: h ps://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/ar cle/view/2236-9996.2020-4813/
pdf. Accessed on: March 19, 2021.

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Received: September 8, 2021


Approved: December 16, 2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 547
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado
no transporte público de Araraquara–SP
Neoliberalism and the emptying of the State
in public transportation in Araraquara, state of São Paulo, Brazil
Tatiane Borchers [I]
Victor Garcia Figueirôa-Ferreira [II]

Resumo Abstract
O presente artigo procura investigar, a partir de The present article seeks to investigate, based
levantamentos realizados no município de Arara- on studies carried out in the city of Araraquara,
quara – SP, a relação entre sistemas de transporte state of São Paulo, Brazil, the relationship
público e o desenvolvimento urbano, assim como between public transporta on systems and urban
também analisar o papel do Estado e da política development, analyzing the role of the State and
neoliberal nesse contexto. Para isto, foi realizado of neoliberal policies in this context. To this end,
um extenso levantamento bibliográfico sobre Ara- a bibliographic review about Araraquara was
raquara, buscando caracterizar e delinear a evolu- performed, aiming to characterize and delineate
ção histórica dos sistemas de transporte público. the historical evolu on of its public transporta on
Essas análises foram realizadas com o apoio de systems. The analyses were supported by
ferramentas de Sistemas de Informação Geográfi- Geographic Information System (GIS) tools. It
ca (SIG). Pode-se afirmar que existe uma profunda can be stated that there is a deep connection
conexão entre os sistemas de transporte público e between public transporta on systems and urban
o desenvolvimento urbano, bem como o papel do development, and that the government plays
poder público como um instrumento de um pro- the role of an instrument in a neoliberal process
cesso neoliberal de especulação imobiliária que im- of real estate speculation that affects the urban
pacta o ambiente urbano de forma nega va. environment nega vely.
Palavras-chave: espraiamento urbano; neolibera- K e y w o rd s : urban sp rawl; neoliberalism;
lismo; priva zação; transporte público; urbanismo privatization; public transportation; neoliberal
neoliberal. urbanism.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5405 Crea ve Commons Atribu on
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Introdução Para melhor entender o esvaziamento


do Estado, o processo histórico envolvido, bem
como suas ramificações de profundo impacto
A partir da década de 1970, houve um intenso no ambiente urbano, este estudo faz uma re-
processo de reorganização territorial no Bra- construção histórica do transporte público em
sil, no qual as cidades médias passaram a ter Araraquara – SP. Essa cidade foi escolhida, pois
mais dinamismo. O processo conhecido como o poder público, por meio da Companhia Tro-
desconcentração concentrada, além de uma leibus Araraquara (CTA), detinha o monopólio
rápida urbanização, provocou um aprofun- da mobilidade através do sistema de trólebus
damento da lógica mercadológica na gestão (ônibus elétrico), que era considerado refe-
e planejamento do espaço urbano (Santos, rência em nível nacional e tinha grande apro-
2018). Essa lógica é lastreada pela produção e vação entre a população. Nesse caso especí-
pela exploração desse espaço para a produção fico, o sistema não poderia ser operado pela
de capital. Em essência, a produção da cidade iniciativa privada, tanto pela falta de controle
opera com fins especulativos e em grande es- sobre a infraestrutura necessária, quanto pela
cala, visto que o “ganho principal consiste na inexistência de veículos semelhantes em suas
alta da renda fundiária, na escolha e aproveita- frotas. Um processo neoliberal de gestão ur-
mento corretos do terreno para a construção” bana desmantelou a operação pública, com o
(Marx, 2014, p. 325). O Estado e seu aparato sucateamento da empresa de trólebus e a tro-
legislativo têm um papel fundamental nesse ca de matriz energética para veículos a diesel,
contexto, pois lhes cabem o controle – em ní- permitindo que a iniciativa privada pudesse se
vel local – dos investimentos públicos, a regu- inserir na dinâmica de mobilidade urbana. Há,
lamentação e o controle sobre o uso e ocupa- nesse processo, um emaranhamento único da
ção do solo (Maricato, 2015). evolução dos sistemas de transporte, da troca
Não é por acaso que um dos aspectos da matriz energética e do ciclo de especulação
centrais do neoliberalismo é o esvaziamento imobiliária na cidade, que culmina na privati-
do Estado, que ocorre através de instrumen- zação dos serviços de transporte público após
tos ideológicos e político-econômicos e resul- 57 anos de criação da CTA.
ta na diminuição da capacidade governativa. A metodologia deste artigo é composta
Justificando-se por uma suposta incapacidade por uma pesquisa exploratória sobre a evo-
dos governos de atender às necessidades e aos lução dos sistemas de transporte público de
desejos dos governados, sendo então proposta Araraquara – SP, com o objetivo de identificar
a redução da função governamental do Estado. estratégias neoliberais em tal processo. Mapas
O termo governança, usado nesse contexto, da cidade, que permitem a visualização do pro-
surge como uma forma de cristalizar a redu- cesso histórico do desenvolvimento do territó-
ção das capacidades e incumbências do Estado rio, foram utilizados na apresentação dos da-
para a de um simples dirigente ou regulador dos (QGIS..., 2021). O levantamento de dados
(Grossi e Pianezzi, 2017; Kooiman, 2008; Mari- ocorreu em 5 etapas que compõem a estru-
netto, 2003; Rhodes, 1997 e 2007). tura do artigo: 1) levantamento bibliográfico

550 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

sobre o urbanismo neoliberal com foco no se- urbano e acumulação de capital (Farmer, 2011;
tor de transportes; 2) caracterização de Arara- Matela, 2014; Santos, 2018; Theodore, Peck e
quara como objeto de estudo, principalmente Brenner, 2009).
no tocante à evolução urbana do município; 3) Os processos de urbanização neolibe-
histórico da evolução do sistema de transporte rais contemporâneos defendem um conjunto
público da cidade; 4) análise das relações en- de políticas destinadas a fortalecer a discipli-
tre os processos de desenvolvimento urbano e na de mercado e a competição, bem como o
as mudanças em transportes; e 5) análise do desmonte e o esvaziamento do Estado, tor-
esvaziamento do Estado como política neoli- nando-o um agente regulador (Farmer, 2011;
beral para viabilizar a privatização do sistema Theodore, Peck e Brenner, 2009). “A intenção
de transporte público. Ao final, algumas con- é ‘liberar’ tanto os serviços públicos das cha-
siderações são feitas quanto aos pontos apre- madas ‘ineficiências do Estado’ quanto o capi-
sentados e em específico à situação de crise tal ‘desperdiçado’ pela tributação que poderia
decorrente e acentuada pela pandemia de ser mais lucrativa se empregada por atores
Sars-CoV-2. privados” (Farmer, 2011, p. 1155). Assim, o Es-
tado regulador apropriado e assenhorado pelo
neoliberalismo promove a disciplina de mer-
Urbanismo neoliberal cado sobre a sociedade e ele mesmo, através
de diversos mecanismos político-econômicos,
e as consequências como a redução de impostos a empresas e ca-
para o setor de transportes pitalistas, desmantelamento de serviços públi-
cos e sujeição destes à vontade mercadológica
Sem esgotar as complexas discussões sobre o por meio de concessões, permissões, parcerias
tema, a expressão capitalista do neoliberalis- público-privadas ou privatização total (Farmer,
mo pode ser compreendida como uma doutri- 2011; Theodore, Peck e Brenner, 2009).
na econômico-política e filósofo-cultural que A ideologia neoliberal foi utilizada como
instrumentaliza de forma coercitiva e coesiva justificativa para dar sustentação a diversos
forças de acumulação por espoliação através projetos: 1) a desregulamentação do controle
do aparelhamento do Estado, do controle dos do Estado na indústria; 2) a ofensiva contra o
meios de produção – de bens, serviços, do es- trabalho organizado; 3) a redução de impostos
paço e do próprio ser humano – e do domínio corporativos; 4) a contração e/ou a privatiza-
ou subjugo de todos aqueles cuja existência ção dos recursos e serviços públicos; 5) o des-
serve apenas para a produção de mais-valia mantelamento dos programas de bem-estar
(Gramsci, 1999; Marcuse, 1973). Já o urbanis- social; 6) a expansão da mobilidade do capital
mo neoliberal é a específica aplicação dessa internacional; e 7) a intensificação da concor-
doutrina de destruição criativa no planejamen- rência entre localidades (ibid.). Especificamen-
to e gestão do espaço urbano, de seus habitan- te no Brasil, elites empresariais incorporaram
tes e aspectos econômicos, para reconfigurar seus interesses em políticas de desenvolvi-
a organização territorial e assim suscitar no- mento local, com a privatização do setor públi-
vas formas de produção desigual do espaço co e da infraestrutura coletiva, eliminando-se

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

os monopólios estatais para a prestação de (Carcanholo, 2017). Em publicação recente


serviços públicos como educação, saúde, segu- do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
rança, transporte, etc. (Souza, 2018). (Ipea, 2021), defende-se que seja dada “liber-
Um claro exemplo de propaganda ideo- dade à criatividade do empresário”, nesse caso
lógica neoliberal é apresentado por Aragão ao concessionário de serviços de transporte
(1998). O autor advoga a favor de uma propos- público, para desenvolver serviços desejados
ta chamada “licitação competitiva”, apontando pela sociedade. Aponta-se que, por exemplo,
que entre os argumentos que justificam essa se o prestador de serviços puder ter outras
reforma institucional estariam a rigidez da ma- fontes de ganho e estas forem consideráveis,
quinaria pública, assim como a crise fiscal ge- ele pode eventualmente diminuir a tarifa, ten-
neralizada. Ele afirma que: do em vista as receitas paralelas. Chega a ser
de uma ingenuidade tocante a crença na bene-
Mundialmente, os monopólios institucio-
volência do empresário, uma vez que seu ob-
nais no transporte público, via de regra
operados por empresas públicas, estão jetivo na operação de sistemas de transporte
em refluxo, a serem mantidos como últi- público é o lucro, não necessariamente o bem-
ma alternativa. A introdução da compe- -estar social. Não há garantia alguma de que
tição vem sendo considerada como um as tarifas sejam reduzidas a partir de receitas
imperativo na busca de maior eficiência
paralelas, pelo contrário, abre-se uma nova
e eficácia dos serviços. Por outro lado, a
desregulamentação pura e simples dos margem de lucro ao empresário. É necessário
serviços parece não ter vingado, pelo cuidado, inclusive, com propostas de subsí-
menos no transporte público urbano, pe- dios, uma vez que também podem ser absor-
lo que a introdução da iniciativa privada vidos como aumento da margem de lucro das
pelo caminho da contratação competiti-
empresas do setor (Gomide e Galindo, 2013).
va está sendo escolhida como a solução
intermediária ideal. (Ibid., p. 115) Para que a hegemonia neoliberal se con-
firme, é necessário passar a imagem de que
Publicado em um período político mar- as estatais têm piores condições de ofertar
cado por privatizações e ascensão do neoli- um serviço e, por isso, a falência aparece co-
beralismo no Brasil, a publicação mostra um mo resultado inevitável e a privatização como
desprezo pelo que é público e que apenas a solução necessária a um suposto progresso e
inserção da iniciativa privada poderia garan- modernização do Estado. A premissa para esse
tir eficiência e aumento do uso do transporte movimento é o desinvestimento nos serviços e
público (ibid.). Em um mercado em que a livre empresas públicos, de modo que estas tenham
concorrência apresenta ineficiências, a desre- de fato dificuldades em atender as necessida-
gulamentação pura é preterida em função de des e os desejos da população, gerando uma
um papel regulador do Estado, justificando atmosfera política na qual a mercantilização do
que a própria estrutura de mercado impõe tal Estado aparece como única saída. Percebe-se,
condição (Ipea, 2016 e 2021). A ideia neolibe- portanto, um processo de coerção hegemôni-
ral, ainda em voga, não admite que o Estado co e unidimensional através de instrumentos
possa prover tais serviços, restringindo-o a um de controle objetivos e subjetivos, no qual a
único papel possível: o de regulador-avalista saída neoliberal é apresentada e defendida

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

como a única que possui qualquer razão ou profundamente marcado por grandes pro-
lógica (Gramsci, 1999; Marcuse, 1973; Matela, priedades rurais e pela construção da ferrovia
2014; Theodore, Peck e Brenner, 2009). no final do século XIX. Nas últimas décadas do
O avanço nas últimas décadas dos pa- século XX, com a aprovação de loteamentos
radigmas que orientam o neoliberalismo for- longe do centro urbano consolidado, houve
taleceu a ação empresarial e empreendedora um espraiamento considerável do períme-
nas cidades brasileiras via governos locais, tro urbano, levando as classes mais pobres a
estaduais e federal. A presença do Estado é viver em locais remotos e com déficit de in-
fundamental para o bom funcionamento des- fraestrutura (Balestrini, 2016; Donato, 2014;
ses formatos de governança, atuando como Pierini, 2020).
elo de equilíbrio na regulação dos recursos e Até os anos de 1950, a implementação
no provimento das infraestruturas que estimu- de novos loteamentos ocorria de forma rela-
lem a presença do grande capital na produção tivamente contígua em relação à área urbana
do espaço urbano (Leal, 2017; Rhodes, 1997 existente. A mudança da evolução urbana – e
e 2007). Nesse sentido, as políticas empre- consequente espraiamento da cidade – ocor-
sariais de transporte público remodelam os re a partir dos anos 1970, com a implantação
contornos da exclusão social e encrudescem de vários loteamentos além da malha viária
a dependência centro-periferia. À medida que existente, em um processo de urbanização
incorporadores imobiliários mobilizam seu po- que passa a registrar descontinuidades e ex-
der político e financeiro para vencer os grupos tensos vazios. Inclusive, vários desses lotea-
de baixa renda pelos direitos à cidade (cen- mentos configuram até hoje os limites do
tral), eles empurram os moradores da classe perímetro urbano. A estratégia dos proprie-
trabalhadora e das minorias para as margens tários de terras era gerar áreas urbanizadas
da cidade, onde moradias populares podem para servirem como reservas de capital, isto
ser encontradas, mas o serviço de transporte é, a expansão não era guiada pela demanda
público é insuficiente e a manutenção histórica de lotes, mas pela lógica de acumulação de
de uma natureza pendular os mantêm segre- terrenos urbanos como um investimento se-
gados (Farmer, 2011). guro e de alto retorno a médio ou longo prazo
(Cintrão, 2004).
Foi nesse contexto que o Plano Diretor
(lei n. 1.794/1971) foi implementado, dele-
Araraquara gando, aos loteadores fundiários, a obrigação
como objeto de estudo de implementar infraestrutura na construção
de novos loteamentos (lei n. 2.467/1979), em
Araraquara está localizada na região central uma tentativa de conter os gastos públicos ge-
do estado de São Paulo, Brasil, a cerca de 270 rados pelo espraiamento. Ao contrário da rea-
km da capital; tem uma população estimada lidade de várias cidades brasileiras, cujas ex-
de 238.339 habitantes e é considerada uma pansão e dispersão urbana aconteceram prin-
cidade de médio porte (IBGE, 2021). O nú- cipalmente de forma informal, em Araraquara,
cleo urbano do município teve seu território os loteamentos eram regularizados e seguiam

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Figura 1 – Evolução urbana de Araraquara – SP

Fonte: elaborado pelos autores, adaptado de Cintrão (2004), Donato (2014) e Pierini (2020).

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

as exigências da prefeitura local. Essa formali-


Evolução do sistema
dade, no entanto, não garantia o acesso à mo-
radia por parte da população de baixa renda
de transporte público
nem que as desigualdades resultantes da ex- de Araraquara – SP
pansão urbana fossem adereçadas (ibid.).
Na década 1980, inicia-se a ocupação A rápida urbanização brasileira – iniciada a
dos vazios intermediários. Para atendimento partir da década de 1940 – apresentou taxas
das áreas mais periféricas, foi necessário pro- de crescimento de deslocamentos duas vezes
ver infraestrutura nas áreas intermediárias, maiores do que o próprio crescimento urba-
aumentando o valor da terra nesses locais. Há no (Gomide e Galindo, 2013). Os sistemas de
igualmente, no período de 1985 a 2000, um ônibus consolidaram-se nas cidades brasileiras
aumento nas construções verticais – principal- ao longo das décadas de 1960 e 1970, com o
mente residenciais – na região central e peri- setor de transportes marcado pela informali-
central, representando também uma valoriza- dade da operação, e o planejamento e a defi-
ção das terras centrais devido às facilidades de nição de rotas eram realizados pelos próprios
transporte e à proximidade a equipamentos operadores. Essa consolidação ocorreu através
urbanos (ibid.). Há, portanto, a concretização de intervenções estatais preliminares, que li-
do ciclo de valorização e especulação imobiliá- mitaram o número de empresas atuantes, res-
ria iniciado na década de 1970. tringiram a concorrência no setor e garantiram
Pós-Estatuto da Cidade, há a elabora- a prioridade dos ônibus em relação a bondes,
ção de um novo Plano Diretor (Araraquara, trens e lotações (Lima, Carvalho e Figueiredo,
2005) que provocou uma diminuição no rit- 2020; Matela, 2014). Quando havia instrumen-
mo de abertura de novas áreas urbanas den- tos jurídicos de regulamentação, estes eram
tro do perímetro urbano (Pierini, 2020). En- precários e sem contratos definidos (Matela,
tretanto, com alterações legislativas no Plano 2014). Na década de 1970, a crise do petróleo
Diretor (PD) e com o surgimento do Progra- e as revoltas populares pressionaram o gover-
ma Minha Casa Minha Vida, houve um novo no militar a, de modo autoritário, implantar
processo de ocupação periférico, bem como fundos de desenvolvimento urbano e de trans-
em áreas ambientalmente frágeis, com des- portes e a criar a Empresa Brasileira de Trans-
taque para a região norte da cidade (Balestri- portes Urbanos (EBTU), responsável pelo pla-
ni, 2016). Cabe apontar que esses momentos nejamento, financiamento e desenvolvimento
distintos na ampliação urbana do município tecnológico do setor. Houve também, nessa
estão relacionados com a operação do trans- década, estratégias ativas de concentração
porte público na cidade, conforme será apre- empresarial, através de políticas de profissio-
sentado no próximo tópico. A Figura 1 apre- nalização da gestão empresarial de operadores
senta a evolução urbana, bem como a locali- privados via concessão de subsídios e financia-
zação do município. mentos para o setor (Gomide e Galindo, 2013).

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Já, no processo de redemocratização, a também foi instalado em Belo Horizonte – MG,


Constituição Federal de 1988 estabelece que Campos – RJ, Fortaleza – CE, Niterói – RJ, Porto
a organização e a prestação do transporte pú- Alegre – RS, Recife – PE, Rio Claro – SP, Rio de
blico passam a ser de competência exclusiva Janeiro – RJ, Salvador – BA, Santos – SP e São
dos municípios (art. 30, inciso V), exceto pela Paulo – SP (e na região metropolitana) (Cintrão
competência de instituir as diretrizes nacionais et al., 2017; Ferreira, 1995). Atualmente, ainda
para o setor, que permaneceu com a União. A estão em operação os sistemas de Santos – SP
carta magna define também que todos os ser- e São Paulo – SP e da região metropolitana de
viços públicos devem ser prestados por órgãos São Paulo.
públicos ou delegados ao setor privado me- Fundada em 1959, a Companhia Trolei-
diante licitação (ibid.; Lima, Carvalho e Figuei- bus Araraquara (CTA) iniciou as operações com
redo, 2020). Em seguida, a década de 1990 foi sete veículos, uma rede bifilar (instalação elé-
marcada por transformações na estrutura do trica aérea com dois cabos de fios paralelos)
capitalismo brasileiro, principalmente pela li- de 18 quilômetros, oficina de manutenção
beralização da economia, sendo observado o e uma subestação retificadora de corrente
desmonte das estruturas federais de planeja- elétrica. As duas primeiras linhas foram Vila
mento e financiamento dos transportes (Go- Xavier-Carmo e Estação-Fonte (CTA, 2021b;
mide e Galindo, 2013; Matela, 2014). Ocorreu, Ferreira, 1995). Ao longo das décadas, a rede
nesse momento, a privatização de algumas de transporte público por trólebus foi sendo
empresas públicas do setor, como é o caso ampliada, de maneira a contar com os seguin-
de Santo André e da Companhia Municipal de tes marcos operacionais: 1) década de 1960: a
Transportes Coletivos (CMTC) em São Paulo rede foi ampliada para cerca de 29 quilôme-
(Gomide e Galindo, 2013). A seguir, apresenta- tros e 14 veículos; 2) década de 1970: período
-se o desenvolvimento do sistema de transpor- de grande expansão, inclusive com fabricação
te público de Araraquara, também pautado própria de veículos, chegando a cerca de 61
pelos marcos temporais mencionados. quilômetros e 28 veículos; 3) década de 1980:
O município de Araraquara, de manei- através de investimentos do Programa de Revi-
ra pioneira no estado de São Paulo, instituiu talização dos Sistemas de Trólebus no Brasil da
um sistema de transporte público por ônibus EBTU, foi possível ampliar o sistema, que atin-
elétricos conhecidos como trólebus. Entre as giu 79,1 quilômetros de rede bifilar instalada.
diversas vantagens apresentadas por esse sis- Oito linhas novas entraram em operação e a
tema estão a possibilidade de priorização do frota alcançou um total de 39 carros, mas, por
transporte público, a integração física, tarifária diversas questões, o crescimento do sistema
e operacional eficaz, a frequência e regularida- não correspondeu à demanda. Uma das prin-
de adequadas, o equilíbrio econômico, a eco- cipais dificuldades foi atender a população dos
nomia de energia e a diminuição do consumo bairros novos que surgiam na cidade, nos quais
de petróleo, contribuindo, dessa forma, para as ruas não eram asfaltadas e a instalação dos
melhorar as condições ambientais, assim como trólebus teria custo elevado. A partir disso, veí-
para proporcionar conforto aos usuários (Fer- culos a diesel e empresas privadas de trans-
reira, 1995). Além de Araraquara, o sistema porte passaram a operar na cidade; 4) década

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

de 1990: em 1992 a frota atinge o ápice de 46 da infraestrutura que lhe dava sustentação,
veículos, mas, a partir desse momento, a pró- foram sucateados, desmanchados e leiloados.
pria CTA passou a investir em veículos a diesel Atualmente, resta apenas o trólebus de núme-
(CTA, 2021b; Ferreira, 1995). ro 1 que foi restaurado e instalado no museu
Até 1994, mesmo com o alto custo da histórico da CTA (ibid.). A rede de trólebus po-
energia elétrica, os trólebus ainda correspon- de ser visualizada na Figura 2.
diam a 43% da frota, e as principais razões da Um apontamento sobre o modelo de fi-
sua manutenção eram a não poluição do ar e o nanciamento do sistema deve ser feito. A em-
conforto proporcionado aos passageiros, uma presa foi criada como uma sociedade anônima,
vez que esses veículos não produziam ruídos e e a composição de capital foi realizada através
vibração (Cintrão, 2004; Cintrão et al., 2017). de uma cobrança adicional no Imposto Predial
Os trólebus estiveram em operação na cidade e Territorial Urbano (IPTU), ou seja, o finan-
até 1999, sendo o alto custo dos veículos, da ciamento foi realizado através da população,
energia elétrica em si, somados aos investidos mesmo a que residia em loteamentos que não
em linhas e subestações de energia elétrica, eram atendidos pelo sistema. Dessa maneira,
apontados como motivos para a inviabilidade os maiores acionistas eram os que possuíam
econômica desse sistema. Na realidade, de- mais propriedades. As ações não possuíam va-
vido ao espraiamento urbano, a flexibilização lor de mercado, pois todo o lucro deveria ser
de rotas proporcionada pelos veículos a diesel revertido como investimento na própria em-
tornou-se mais atrativa (Cintrão, 2004; CTA, presa, bem como não traziam benefícios di-
2021b; Ferreira, 1995). retos a seus detentores. Esse fator gerou um
Um funcionário da CTA (Fray, encarre- desinteresse pelas ações por parte de seus le-
gado de manutenção), em relato apresentado gítimos donos, levando à não reclamação das
por Cintrão et al. (2017), afirma que os mo- ações ou mesmo à venda destas por valores
toristas da empresa eram bem-remunerados, irrisórios, resultando na acumulação de ações
os funcionários tinham status de artista e que por parte de algumas pessoas que gerenciavam
todos queriam trabalhar na CTA. Fray declara a empresa. O aumento do poder de decisão
que “na época todos andavam de trólebus, por fez com que, em 2004, muitos dos conselhei-
exemplo, médicos, dentistas, advogados, enge- ros da CTA fossem justamente proprietários de
nheiros, etc.” (ibid., p. 28). A desativação dos terras e especuladores imobiliários, que pude-
trólebus, que beneficiou as empresas de ôni- ram continuar orientando os destinos dos in-
bus a diesel, causou revolta na população que vestimentos no transporte coletivo da cidade
era acostumada com o sistema. Percebe-se, (Cintrão, 2004; Cintrão et al., 2017; Ferreira,
portanto, que os trólebus não eram apenas o 1995). Um grande percentual de ações (80%)
sistema de transporte da cidade, mas que o ca- ficou com propriedade desconhecida, sendo
ráter inovador e a qualidade dos ônibus elétri- assumido pela Prefeitura em 2006 – quando a
cos eram percebidos como elemento cultural empresa passou a ser de economia mista – e os
da cidade e configuravam parte de seu patri- 20% restantes eram dos demais acionistas (Ara-
mônio. Com a desativação, os trólebus, além raquara, 2016c; Cintrão et al., 2017).

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Figura 2 – Rede de trólebus em operação em Araraquara – SP – 1990

Fonte: os autores, adaptado de Ferreira (1995) e Pierini (2020).

Em 2008, o serviço de transporte públi- podem ser observadas na Figura 3. Cabe sa-
co por ônibus de Araraquara era constituído lientar que algumas linhas de ônibus em ope-
por uma rede de 31 linhas, sendo 26 opera- ração atualmente se baseiam nas antigas rotas
das pela CTA e 5 linhas operadas pela Viação dos trólebus, como a Campus / Vila Xavier,
Paraty, que já atuava no transporte público da Fonte / Altos da Vila Xavier / Jardim das Esta-
cidade antes do processo permissionário de ções, Melhado / Imperador, Rodoviária / Santa
2008 (Araraquara, 2008a), a partir do qual pas- Cruz, Santana / Pinheirinho, São José / Santa
saram a operar 7 linhas (Araraquara, 2008b). Angelina e Universal / Cecap (Cintrão et al.,
As linhas que estavam em operação em 2008 2017; Pierini, 2020).

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

Figura 3 – Rede de ônibus em operação em Araraquara – SP – 2008

Fonte: elaborado pelos autores, adaptado de Araraquara (2008a).

A Companhia Troleibus Araraquara con- referentes ao contrato de concessão firmado


tinuou como operadora e planejadora do sis- em 2008). A Figura 4 mostra as linhas de ôni-
tema de transporte público coletivo até 2016, bus em operação em 2020. 1 Nela é possível
quando o sistema foi privatizado e concedido, observar que a Viação Paraty abarcou uma
por um período de 20 anos, para o Consór- nova fatia na operação de linhas na cidade. O
cio Araraquara de Transportes. Este, por sua Estado – nesse caso representado pelo muni-
vez, é composto por duas empresas, Empresa cípio de Araraquara – passou por um proces-
Cruz, responsável por 18 linhas, e Viação Para- so de esvaziamento, no qual deixou de ser um
ty, responsável por 20 linhas (9 das quais são provedor e operador do sistema de transporte

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

público urbano e assumiu um papel de regula- A maioria das linhas realiza atendimentos
dor de serviços com a criação da (nova) Con- em alguns horários do dia. Atendimentos são
troladoria do Transporte de Araraquara,2 atra- variações de itinerário que passam em ruas di-
vés da lei ordinária n. 8.680/2016 (Araraquara, ferentes ou dão uma volta maior para abranger
2016d). A controladoria é vinculada à Secreta- outro bairro, geralmente relacionados a movi-
ria de Trânsito e Transportes e é responsável mentos pendulares nos picos da manhã e da
pela gestão, planejamento, supervisão, contro- tarde. Cabe destacar que a operação através
le e fiscalização do transporte público da cida- de atendimentos pode causar confusão para os
de e da sua concessão (ibid.; CTA, 2021a). usuários, uma vez que estes podem não estar

Figura 4 – Sistema de transporte público por ônibus


em operação em Araraquara – SP – 2020

Fonte: os autores, adaptado de CAT – Consórcio Araraquara de Transportes (2020).

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

cientes das mudanças de tabela horária ou de de 2008 corrobora essa análise, uma vez que
itinerário, e também limita o acesso que deter- aponta justamente o surgimento de loteamen-
minadas regiões da cidade têm ao transporte tos na zona norte da cidade como responsá-
público, criando um déficit de mobilidade. veis por ajustes nos itinerários, tabela horária
e aumento da frota da empresa. O aditamento
é concedido pelo poder público, aumentando
A interseção dos sistemas de 7 para 9 as linhas operadas pela empresa
na época (Araraquara, 2016a). Na Figura 5, é
de transportes com possível observar a sobreposição da configu-
o desenvolvimento urbano ração urbana e do sistema de transporte em
operação. São apresentados 3 períodos: os
A evolução urbana e do sistema de transporte loteamentos aprovados até 1990 juntamente
público de Araraquara mostrou que o espraia- com o sistema de trólebus; os loteamentos
mento urbano, ocasionado principalmente aprovados até 2010 com as linhas de ônibus
pela aprovação de loteamentos para além em operação em 2008; e os loteamentos apro-
da malha viária existente na década de 1970, vados de 2011 a 2016 com as linhas de ônibus
impulsionou a mudança da matriz energética em operação em 2020.
do sistema de transportes, com a troca dos Na Figura 6, é apresentado um mapa
veículos elétricos por veículos a diesel (Cin- com a sobreposição de todos os sistemas, mos-
trão, 2004; CTA, 2021b; Ferreira, 1995; Pierini, trando a evolução do sistema de transporte pú-
2020). Se, para a operação dos trólebus, era blico desde a década de 1960 até 2020. Nota-
necessário um planejamento da expansão da -se claramente que a rede sofreu uma grande
rede devido aos altos custos atrelados, com os expansão ao longo dos anos, acompanhando
veículos a diesel esse planejamento não preci- a implantação de loteamentos nas zonas mais
sa ser tão rígido. Essa necessidade de planeja- afastadas do centro da cidade. A implantação
mento dos trólebus associado ao alto custo de de infraestrutura – nesse caso relacionada à
implantação tendem a conter a urbanização mobilidade e ao transporte público – é um
para dentro dos limites urbanos, enquanto os trunfo da especulação. No caso de Araraquara,
veículos a diesel, cuja rota pode ser alterada as rotas dos trólebus – selecionadas pela pre-
sem grandes complicações ou custos de im- feitura – sinalizavam as áreas de interesse imo-
plantação de infraestrutura, permitem a exis- biliário, o que explica que, mesmo com a subs-
tência de um modelo mais disperso e menos tituição deles, as rotas existentes foram man-
compacto de cidade (Pierini, 2020). Em sínte- tidas (Cintrão, 2004), e a “flexibilização” das
se, ambos se retroalimentam: o espraiamento rotas através dos veículos a diesel representou
urbano forja mudanças no sistema de trans- apenas expansão dos trajetos. Assim, o poder
porte, que, por sua vez, consolida o processo público local assume um papel de instrumento
de especulação imobiliária e a valorização da da iniciativa privada, sendo (1) responsável por
terra, que é o objetivo inicial do espraiamento. conduzir as ações dos demais agentes urbanos;
A justificativa apresentada pela Viação Paraty e (2) usado para consolidar projetos e valorizar
para a solicitação de aditamento ao contrato loteamentos e áreas específicas da cidade.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 561
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Figura 5 – Sobreposição dos sistemas de transporte


e da evolução urbana de Araraquara – SP

Fonte: os autores, adaptado de Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de Transportes (2020), Cintrão
(2004), Donato (2014), Ferreira (1995) e Pierini (2020).

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

Figura 6 – Evolução do sistema de transporte público de Araraquara – SP,


de 1960 a 2020

Fonte: elaborado pelos autores, adaptado de Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de
Transportes (2020), Ferreira (1995) e Pierini (2020).

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Mesmo que o loteador seja responsável necessidades dos diferentes grupos sociais. Tal
pela implantação de infraestrutura, quem arca papel é acentuado no atual contexto de emer-
com as despesas de operação de transporte gência climática, e os benefícios desses siste-
público é a prefeitura ou, mais especificamen- mas podem ser observados em impactos po-
te no caso de Araraquara, as empresas con- sitivos na saúde e no meio ambiente, redução
cessionárias. Esses custos são repassados aos de acidentes, aumento dos índices de mobili-
passageiros através da tarifa, o que, na prática, dade da população, além de configurarem um
significa que todos os usuários do transporte fator importante na geração de renda e nos
público da cidade pagam os custos do espraia- orçamentos familiares (Cervero e Dai, 2014;
mento. Através desse modelo de urbanização, Haddad et al., 2015; Santos, Behrendt e Teytel-
os donos de terras não só lucram com a espe- boym, 2010). Ainda, um sistema de transporte
culação e a valorização imobiliária, como não público de qualidade pode reduzir o uso dos
pagam pelos “prejuízos”, delegando-os para a modos motorizados individuais, que, além de
população geral. ruídos, poluição do ar, congestionamentos e
Isso não significa que investimentos em acidentes, perpetuam as desigualdades sociais
transporte público não devam ser realizados. (Davison e Knowles, 2006). Por fim, salienta-
O espraiamento da cidade faz aparecer, nas -se que, justamente pelo fato de o transporte
bordas urbanas, uma demanda por mobilidade público ser um sistema gerador de benefícios
que muitas vezes é dependente do transporte (externalidades positivas), e esses benefícios
público. Fornecer esse serviço nas periferias, não serem apropriados apenas pelos usuá-
bem como garantir acesso a oportunidades e rios do sistema em si, justificam-se subsídios
serviços públicos, é uma obrigação do Estado. e políticas de investimento público nos trans-
É necessário que haja uma integração com po- portes coletivos, isto é, benefícios econômicos
líticas de uso do solo, para que o transporte e ambientais, como a redução de acidentes e
público assim como modos ativos sejam o fo- da poluição do ar, são apropriados por toda a
co da mobilidade urbana, direcionando o de- população, e, portanto, os investimentos pú-
senvolvimento urbano para uma forma menos blicos devem ser voltados para melhorar esses
espraiada, com dinamismo de atividades nas sistemas e a qualidade de vida da população
próprias periferias, fazendo frente a manu- em geral (Ipea, 2016).
tenção histórica de movimentos pendulares e Moura (2014) aponta que os agentes
contribuindo para a diminuição da segregação dominantes desse modelo de cidade fazem
socioespacial com ampla acessibilidade à ci- com que a distribuição do espaço passe a ser
dade (Cervero e Dai, 2014; Santos, Behrendt e um evento ligado à lógica do capital, em que
Teytelboym, 2010). o espaço e as infraestruturas urbanas deixam
Políticas de transporte sustentável de- de ser providos segundo uma lógica de servir
vem partir do pressuposto de que os sistemas ao bem público e passam a ser um produto de
de transporte público desempenham um papel investimentos do capital. Ao estabelecer – ou
central na construção de um modelo de mo- não – prioridades e opções de intervenção, o
bilidade ambiental, social e economicamen- poder público acaba produzindo vantagens lo-
te sustentável, devendo ser consideradas as cacionais e valorização de imóveis, mantendo

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ou aprofundando as precariedades que refor- anos; seguida por maiores permissões à em-
çam a dinâmica de desigualdade (Bittencourt presa Paraty para atuação na cidade. Empresa
e Faria, 2021). É justamente esse modelo de cujas relações contratuais com a CTA já foram
urbanização neoliberal que se critica aqui. Es- alvo de investigação da promotoria de Ara-
te que induz as pessoas mais pobres a morar raquara. Uma das possíveis irregularidades
nos locais mais afastados e, ao mesmo tempo, investigadas foi o controle de vendas de pas-
a pagar os custos da especulação imobiliária. sagem repassado à Paraty, transação que até
Investimentos em transporte público são fun- 2012 era realizada exclusivamente pela Com-
damentais, mas eles devem estar orientados panhia Troleibus Araraquara, que repassava os
para o melhor atendimento possível da popu- valores correspondentes ao volume de passa-
lação, e não com o intuito de valorizar deter- geiros transportados para a Paraty. Ainda, ha-
minados corredores da terra. Ainda, moradia via a suspeita de que as linhas mais lucrativas
não deve ser apenas a ocupação de um espa- ficaram sob responsabilidade da empresa pri-
ço, e sim algo que assegure uma condição de vada (Folha de S.Paulo, 2013).
vivência, com infraestrutura e acesso a equi- O balanço de despesas e receitas da CTA
pamentos coletivos, contrariando o padrão mostra lucros que variam de cerca de R$950
de segregação imposto (Moura, 2014), que se mil, em 2006, a cerca de R$1,66 milhão em
assemelha a um cárcere de celas e muros invi- 2010. A partir de 2011, entretanto, a empre-
síveis, cujo controle se dá pelo acesso ou falta sa começou a amargar prejuízos, chegando a
dele ao restante da cidade e a equipamentos e quase R$18 milhões em 2016 (CTA, 2021b).
serviços urbanos. Em uma sessão ordinária da Câmara Muni-
cipal, o Movimento Transporte Justo ques-
tionou a queda brusca dos lucros e apontou
A concessão da operação que os principais problemas da CTA eram a
coexistência da Paraty, empresa que detém o
do transporte público monopólio da zona norte da cidade e à qual
em Araraquara – SP foi permitido explorar algumas das linhas mais
rentáveis da CTA; decisões políticas que pri-
Conforme apresentado anteriormente, o pro- vilegiavam a empresa privada, como o freta-
cesso de esvaziamento do Estado no transpor- mento do transporte escolar, responsável por
te público de Araraquara passou por diversas uma verba mensal de cerca de R$1 milhão e
etapas. A primeira delas foi a permissão, a que poderia ser realizado pela CTA; e o aditivo
partir da década de 1980, da atuação de em- no contrato com a Paraty que transfere para
presas privadas – Viação Paraty – com veículos a permissionária privada o monopólio que
a diesel, impulsionada pela justificativa do es- a CTA tinha de vender passes de transporte.
praiamento urbano, em concomitância com a Segundo o movimento, para a recuperação da
operação dos trólebus. Depois, foi a troca de CTA seria necessário rever os contratos de dis-
matriz energética da própria CTA, que já foi tribuição das linhas entre CTA e Paraty, repas-
uma empresa de referência nacional e cujo sar o fretamento de transporte escolar à CTA
processo de sucateamento se arrastou por e criar um Fundo Municipal de Transportes

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para subsidiar a CTA, garantindo que a empre- desconhecida e foram incorporados pela pre-
sa pública saísse da crise financeira e pudesse feitura em 2006 e o restante estava sob o con-
cumprir o objetivo de garantir, aos cidadãos, o trole de grandes proprietários de terras e de
direito à cidade (Câmara Municipal de Arara- conselheiros que as acumularam comprando a
quara, 2014). preços irrisórios. Em 2017, a empresa acumu-
Nota-se, portanto, que a extinção da lava dívida de R$38,9 milhões (Câmara Muni-
CTA e a subsequente privatização do sistema cipal de Araraquara, 2017) e atualmente ainda
de transporte público não se deram em meio se encontra em liquidação (CTA, 2021b).
à falta de alternativas. Tampouco foi um pro- Os dados de passageiros transportados
cesso sem repercussão social. Diversas mani- (Figura 7) mostram a tendência de queda,
festações de funcionários, estudantes e movi- o que é considerado um padrão nas cidades
mentos sociais ocorreram contra a extinção da brasileiras. Com a privatização dos serviços,
empresa e a privatização do sistema (G1 São há um aumento no número de passageiros em
Carlos e Araraquara, 2013 e 2014). Entretanto, 2017, entretanto, já em 2018, os números ca-
apesar da resistência, em 2016, foi celebrada a em vertiginosamente, possivelmente pelo iní-
concessão por um prazo de 20 anos – prorro- cio da operação de aplicativos de viagem por
gável por igual período, desde que em comum demanda na cidade. Em 2019, o volume de
acordo com a concessionária – da prestação e passageiros transportados foi o menor desde
exploração dos serviços de transporte público 2006, exceto pelo ano de 2020 que, em virtu-
coletivo urbano (Araraquara, 2016b). de da pandemia de Covid-19, teve uma redu-
Em seguida à assinatura do contrato de ção ainda maior. Os dados de 2016 não estão
concessão, concretiza-se a extinção da Com- disponíveis de maneira completa, possivel-
panhia Troleibus Araraquara pela lei municipal mente por ser o ano de transição da operação
n. 8.667, de 2 de março de 2016. Os bens mó- dos serviços.
veis e imóveis, após a liquidação da empresa, Finalmente, alguns pontos devem ser
passam a ser da prefeitura de Araraquara, bem ressaltados quanto ao contrato de conces-
como esta passa a assumir quaisquer contra- são em si. Primeiramente, está previsto que
tos vigentes da CTA, inclusive os de concessão a prestação dos serviços deverá ser efetuada
do transporte público (a concessão é regula- por conta e risco da concessionária, median-
da através da Controladoria do Transporte de te remuneração que engloba todos os inves-
Araraquara – CTA). Está previsto que, finda a timentos, insumos e despesas necessárias ao
liquidação, o município pagará aos acionistas cumprimento das obrigações operacionais
o capital que cada um tiver direito pelas ações previstas, tais como: materiais, mão de obra,
que possuir, entregando para esse pagamento serviços, taxas, impostos, encargos trabalhistas
títulos de dívida pública municipal acrescidos e sociais, energia elétrica, abastecimento de
de juros de 12% (doze por cento) ao ano. Caso água, consumo de combustível, consumo de
seja apurado patrimônio negativo, o municí- outros materiais e serviços e despesas admi-
pio arcará com o prejuízo (Araraquara, 2016c). nistrativas. Essa remuneração é denominada
Cabe relembrar que os maiores percentuais justa, se ela atender, entre outros, aos seguin-
de ações permaneceram com propriedade tes custos: 1) despesas de operação; 2) custos

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Figura 7 – Passageiros transportados no sistema de transporte público por ônibus


em Araraquara – SP anualmente no período de 2006 a 2020

Fonte: adaptado de CTA – Controladoria do Transporte de Araraquara (2020a, 2021c).

de depreciação sobre todos os bens envolvidos A remuneração, portanto, ocorre apenas a


na prestação dos serviços; 3) remuneração de partir da arrecadação de tarifa pública (Arara-
todo o capital empregado para a execução dos quara, 2016b).
serviços, direta ou indiretamente, como, por A imposição ideológica pode fazer com
exemplo: garagens e suas benfeitorias, frota, que essa forma de prestação de serviço pare-
máquinas, instalações, ferramentas, equipa- ça lógica, mas, na raiz disso, tem-se a popula-
mentos e almoxarifado. ção de uma cidade pagando por todo o capital
Por fim, aponta-se que todos os bens investido via tarifa, sem no final ser dona dos
necessários à prestação dos serviços, bem co- bens adquiridos às suas custas. No caso dos
mo aqueles incorporados durante a execução cidadãos de Araraquara, é a segunda vez que
contratual, não se vinculam à concessão. Lo- isso ocorre: a população financiou o sistema
go, não haverá bens reversíveis oriundos da de trólebus, que foi sucateado para que um
concessão. O contrato também explicita que novo e mais agressivo processo de espoliação
nem a concedente3 e nem a prefeitura de Ara- pudesse acontecer, dessa vez via privatização e
raquara têm a intenção de conceder subsídios. concessão dos serviços de transporte.

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A volta ao Estado o segmento de transporte público urbano de


passageiros, além do atraso de salários e be-
em momentos de crise nefícios, suspensão de contratos trabalhistas e
redução de jornada de trabalho (Lima, Carva-
A falha do modelo liberal e neoliberal ocorre lho e Figueiredo, 2020; NTU, 2021b).
principalmente nos momentos de crise. É nes- Além disso, diversas empresas e con-
sa situação que as empresas – inclusas as de sórcios interromperam a prestação de servi-
transporte público –, cujo discurso comum é ços, por: 1) suspensão das atividades devido
de competitividade e livre-mercado, se voltam à incapacidade de cumprir com o pagamento
para o Estado em busca de socorro (Carcanho- de salários ou com a compra de combustível,
lo, 2017). Em 2020, o mundo foi assolado pela por exemplo; 2) encerramento definitivo das
pandemia causada pelo Sars-CoV-2 e, entre as atividades; 3) intervenção na operação, assu-
principais medidas de controle sanitário, esta- mindo o poder público as responsabilidades de
va o distanciamento social, medida esta que administração e operação da empresa; ou 4)
vai de encontro ao conceito de transporte pú- suspensão de contrato (NTU, 2021b). Por fim,
blico. A continuidade do estado de calamidade apresentam-se dois casos em que houve inter-
sanitária provocou uma queda sem preceden- venção do poder público para a manutenção
tes na demanda por esse modo de desloca- dos serviços de transporte público. No Rio de
mento. Borchers, Ferreira e Ribeiro (2021), em Janeiro, o Detro-RJ (departamento que regula
um estudo nas capitais brasileiras, mostram os transportes no estado) interveio nos servi-
que, além da descontinuidade de uso de ôni- ços da empresa de ônibus Alto Minho Ltda.,
bus e metrô durante a pandemia, há a possibi- que operava linhas intermunicipais a partir de
lidade de esse comportamento se estender pa- Nova Iguaçu – RJ. Em Salvador – BA, a Con-
ra o pós-pandemia, sem que a demanda volte cessionária Salvador Norte (CSN) entrou com
aos níveis anteriores à Covid-19. ação contra a prefeitura de Salvador e solicitou
O modelo neoliberal de operação de intervenção na operação, alegando que o mu-
transporte público operado no Brasil apresen- nicípio não vinha cumprindo as obrigações de
tou duas grandes linhas de colapso: operacio- reequilíbrio econômico e financeiro do contra-
nal e financeira. Diferentemente da recomen- to. O município assumiu a operação até setem-
dação mundial, ao invés do aumento de frotas bro de 2021, quando as linhas da CSN foram re-
e diminuição da quantidade de passageiros passadas às outras concessionárias que atuam
transportados, no Brasil ocorreu justamente no município (NTU, 2021b; Salvador, 2021).
o contrário. As recomendações não foram se- Diante do cenário de prejuízo acumula-
guidas e houve aglomerações tanto nos ter- do de cerca de R$14,2 bilhões nos sistemas de
minais e pontos de parada como nos veículos. ônibus, a solução encontrada pelas empresas
Foi escolhido ativamente aglomerar pessoas foi recorrer ao poder público para a redução
em meio a uma pandemia sem precedentes dos prejuízos. Até então desmerecidos, os
para reduzir as perdas de faturamento (ibid.). subsídios passaram a ser aceitos por diversas
Ainda, de janeiro/2020 a março/2021, foram operadoras. Desonerações tributárias tam-
perdidos 76.757 postos de trabalho em todo bém foram bem-vindas (NTU, 2021a). Entre as

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propostas pleiteadas pelas empresas, estão o foi realizada por 9 municípios, dos quais se
auxílio e socorro emergencial e também “um destacam Belo Horizonte – MG, Curitiba – PR
novo modelo de financiamento dos sistemas e Salvador – BA (Lima, Carvalho e Figueiredo,
de transporte público, para assegurar a qua- 2020; NTU, 2021a).
lidade que a sociedade exige” (NTU, 2021d). Em Araraquara, houve redução de frota
O socorro emergencial pleiteado era de R$5 e das linhas em operação de 38, em 2019, para
bilhões por ano para subsidiar as gratuidades 30 nos anos de 2020 e 2021. Segundo aponta-
do sistema. Felicio Ramuth, vice-presidente do, a alteração foi possível com o realinhamen-
de Mobilidade Urbana da Frente Nacional dos to logístico das linhas (Câmara Municipal de
Prefeitos (FNP), afirmou que “a ajuda não é Araraquara, 2021). Os usuários do transporte
para as empresas, mas para as pessoas que público, entretanto, reclamaram da aglome-
mais precisam (os passageiros). É de grande ração de pessoas no Terminal Central de Inte-
importância social" (ibid.). Curiosamente, as gração (TCI) e do atraso de ônibus em algumas
pessoas serão “beneficiadas” via empresas, as linhas (G1 São Carlos e Araraquara, 2021).
mesmas que reduziram a operação e provoca- A crise do transporte público, agravada
ram aglomeração durante uma pandemia. Foi pela pandemia de Covid-19, está diante de um
pautada, ainda, a reestruturação do serviço, impasse: ao mesmo tempo que se percebe a
não só do ponto de vista financeiro, como da importância do transporte público, escancara-
regulação de contratos e criação de um novo -se uma falha estrutural do modelo neoliberal.
marco regulatório. Houve, também, o projeto Não há como manter os sistemas em opera-
de lei n. 3.364/2020, que previa ajuda de R$4 ção nesse modelo durante uma crise. Otávio
bilhões para esse segmento, mas que foi veta- Cunha, presidente da Associação Nacional
do (NTU, 2021c, 2021d). das Empresas de Transportes Urbanos – NTU,
Além das tentativas de financiamento afirma que “o serviço está à beira do colapso
federal, os operadores também buscaram as em todo o país” e, ainda, que “nossa expecta-
prefeituras, a fim de tentar minimizar os pre- tiva é que o Governo Federal tenha um papel
juízos enfrentados. Entre as principais medidas proativo nesse processo e assuma, de fato, o
oferecidas, encontram-se o repasse de subsí- papel de guardião da política nacional de mo-
dios aos operadores, desonerações fiscais e bilidade urbana” (NTU, 2021c, 2021d). Afinal,
compras antecipadas de créditos. Em relação se o Estado é o regulador-avalista da iniciativa
aos subsídios, destacam-se as cidades de São privada no modelo de desenvolvimento neoli-
Paulo – SP, Curitiba – PR e Brasília – DF, mas beral, nada mais lógico que recorrer a ele em
a medida foi adotada em cerca de 26 municí- momentos de crise (Carcanholo, 2017), ou se-
pios. As desonerações tributárias foram aplica- ja, apropriação do lucro, socialização dos pre-
das em Joinville – SC, Pelotas – RS e Natal – RN. juízos. Enquanto houver lucro, livre-mercado;
Além disso, o governo do estado do Rio Grande quando houver prejuízo, intervenção estatal e
do Norte reduziu em 50% a alíquota de Impos- divisão dos prejuízos com a sociedade.
to sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Em nenhum momento o modelo opera-
(ICMS) sobre diesel e biodiesel para empresas cional privatizado é questionado. Quando se
de ônibus. A compra antecipada de passagens fala em reestruturação, é apenas no modo de

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financiamento, para que, diante de uma no- municipal de serviços públicos permite que
va crise, os faturamentos estejam garantidos. lucros de sistemas de eletricidade, gás e água
O modelo não oferece seguridade alguma: sejam transferidos para o transporte público
nem para a população, nem para garantia dos (Ipea, 2016). É possível ir além, como mostram
empregos no setor. Se haverá financiamento as cidades de Talim, na Estônia, Maricá – RJ e
público para o transporte público e há a ne- Caucaia – CE, e instituir políticas de passe li-
cessidade de uma reestruturação como afir- vre, para que sejam assegurados os direitos ao
mam os empresários, deve-se ir além do que transporte a todos os cidadãos do município
a ideologia neoliberal quer nos fazer acredi- (Caucaia, 2021; Santini, 2019).
tar. É preciso pautar novas alternativas. Nesse
contexto, alguns questionamentos devem ser
levantados. É possível reconstruir os sistemas
públicos? É possível que, em um cenário de
Considerações finais
impossibilidade dessa alternativa, tenhamos
modelos menos predatórios de financiamento Este estudo buscou fazer uma análise da evo-
de transporte público? lução dos sistemas de transporte público do
Uma forma possível de o poder público município de Araraquara – SP, apontando as
municipal assumir o controle sobre os presta- relações entre o desenvolvimento urbano e as
dores privados é o modelo de “municipaliza- mudanças no sistema de transporte público da
ção” instituído em São Paulo, no qual a recei- cidade, além do papel do poder público local
ta auferida pelas tarifas era arrecadada pelo no processo de especulação e valorização imo-
poder público e as empresas remuneradas biliária no contexto de uma lógica neoliberal
com base no serviço prestado, medido pelo de desenvolvimento urbano.
número de quilômetros ofertados (e não pelas Durante muitos anos, os trólebus con-
tarifas arrecadadas dos usuários).4 No caso de tiveram a expansão da cidade, entretanto, o
São Paulo, uma vez cumprida a quilometra- desenvolvimento urbano espraiado passou a
gem programada, as empresas recebiam 80% orientar a operação do sistema de transporte
do valor acordado com o município, estando o público por ônibus, resultando na incorpora-
pagamento dos 20% restantes atrelado ao nú- ção de veículos a diesel. Tem-se, então, um
mero de passageiros transportados previstos, modelo urbano que “inviabiliza” a manuten-
estratégia esta para evitar que os operadores ção dos serviços públicos de transporte, dada
realizassem as viagens com veículos vazios a necessidade constante de expansão para
(Gregori et al., 2020; Gomide e Galindo, 2013). atendimento das áreas mais periféricas. É esse
No atual patamar tecnológico, a fiscalização do argumento, pertencente às falácias da lógica
cumprimento das viagens realizadas, da tabela neoliberal, que leva à extinção da Companhia
horária e do número de passageiros transpor- Troleibus Araraquara em 2016 – após um lon-
tados poderia ser realizada através de sistemas go período de sucateamento – e à concessão
de GPS e de bilhetagem eletrônica (Gregori et do sistema de transporte público. A prometida
al., 2020). Em cidades como Munique, na Ale- melhoria aparece apenas no primeiro ano após
manha, a existência de uma única empresa a licitação, quando o número de passageiros

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Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...

transportados teve um grande aumento. En- imobiliária e a valorização da terra aconteces-


tretanto, já em 2018 esse número cai, possivel- sem. Ainda, através da privatização do trans-
mente devido à inserção de aplicativos de via- porte público, permitiu o aprofundamento de
gem por demanda na cidade. A pandemia de processos neoliberais de exploração do espa-
Covid-19 aparece para enterrar essa promessa, ço urbano e dos cidadãos. As respostas para
uma vez que não foram atendidos os requisi- a complexidade dos problemas urbanos não
tos de segurança necessários para a prevenção são fáceis, dado que inúmeros atores buscam
de contaminação, com aglomerações nas esta- exercer suas forças e que os problemas gera-
ções e nos veículos. Ainda, houve diminuição dos são por si sós complexos. A solução para as
do número de linhas em operação, bem como cidades deve passar pela participação popular
atrasos na tabela horária. efetiva, com um planejamento urbano com-
“Nunca é demais repetir que não é por prometido com a inclusão social, na constru-
falta de planos nem de legislação urbanística ção de uma reforma fundiária na qual haja de
que as cidades brasileiras crescem de modo fato controle público sobre a propriedade da
predatório” (Maricato, 2000, p. 147). No caso terra (Maricato, 2000 e 2015). A cidade precisa
de Araraquara, observa-se que o poder pú- ser construída pelo povo para o povo, bem co-
blico local, mesmo dentro da legalidade, ser- mo o transporte público deve servir ao povo e
viu de instrumento para que a especulação não dele se valer para gerar capital.

[I] https://orcid.org/0000-0002-0186-6661
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
tati.borchers@protonmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-7834-7675
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
figueiroa@protonmail.com

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.

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Notas
(1) O levantamento dos i nerários de ônibus ocorreu em janeiro de 2020 e, portanto, apresenta a
configuração do sistema de transporte no período pré-pandemia de Covid-19.

(2) Chama-se a atenção aqui para o fato de que o órgão criado em 2016 para fiscalizar os serviços de
transporte público – CTA (Controladoria do Transporte de Araraquara) – mantém a mesma sigla
que CTA (Companhia Tróleibus Araraquara), que atualmente está em processo de liquidação.

(3) A Companhia Troleibus Araraquara – CTA é a concedente do contrato. Com a ex nção da empresa,
os contratos vigentes foram assumidos pela Prefeitura de Araraquara através da Controladoria
do Transporte de Araraquara – CTA.

(4) O sistema de pagamento por quilômetros ofertados foi ins tuído em 1992, sob a gestão de Luiza
Erundina. Após a troca de gestão, em 1993, foi iniciado o processo de priva zação da CMTC, e a
lógica de remuneração das empresas de ônibus foi sendo alterada ao longo dos anos até voltar à
remuneração por passageiro transportado em 2003.

Referências
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Públicos – ANTP, ano 20, 3º semestre.

ARARAQUARA. PREFEITURA MUNICIPAL (1971). Lei municipal n. 1.794, de 26 de julho de 1971.


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______ (1979). Lei ordinária n. 2.467, de 11 de junho de 1979. Dispõe sobre loteamentos,
desmembramentos e arruamentos, alterando o Título V, da lei municipal n. 1794, de 26/7/1971.
Disponível em: https://www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/2467.
Acesso em: 9 jul 2021.

______ (2005). Lei complementar n. 350, de 27 de dezembro de 2005. Ins tui o Plano Diretor de
Desenvolvimento e Política Urbana e Ambiental de Araraquara e dá outras providências.
Disponível em: h ps://www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisComplementares/350.
Acesso em: 9 jul 2021.

______ (2008a). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato STM n. 1497/2007. Plano diretor de
transportes e mobilidade urbana de Araraquara; Produto P-3: Caracterização da situação atual e
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Texto recebido em 12/ago/2021


Texto aprovado em 11/nov/2021

576 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalism and the emptying
of the State in public transportation
in Araraquara, state of São Paulo, Brazil
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado
no transporte público de Araraquara–SP
Tatiane Borchers [I]
Victor Garcia Figueirôa-Ferreira [II]

Abstract Resumo
The present article seeks to investigate, based O presente artigo procura investigar, a partir de
on studies carried out in the city of Araraquara, levantamentos realizados no município de Arara-
state of São Paulo, Brazil, the relationship quara – SP, a relação entre sistemas de transporte
between public transportation systems and público e o desenvolvimento urbano, assim como
urban development, analyzing the role of the também analisar o papel do Estado e da polí ca
State and of neoliberal policies in this context. To neoliberal nesse contexto. Para isto, foi realizado
this end, a bibliographic review about Araraquara um extenso levantamento bibliográfico sobre Ara-
was performed, aiming to characterize and raquara, buscando caracterizar e delinear a evolu-
delineate the historical evolution of its public ção histórica dos sistemas de transporte público.
transportation systems. The analyses were Essas análises foram realizadas com o apoio de fer-
supported by Geographic Information System ramentas de Sistemas de Informação Geográfica
(GIS) tools. It can be stated that there is a deep (SIG). Pode-se afirmar que existe uma profunda co-
connection between public transportation nexão entre os sistemas de transporte público e o
systems and urban development, and that the desenvolvimento urbano, bem como o papel do po-
government plays the role of an instrument in a der público como um instrumento de um processo
neoliberal process of real estate specula on that neoliberal de especulação imobiliária que impacta
affects the urban environment nega vely. o ambiente urbano de forma nega va.
Keywords: urban spra wl; neolibera lism ; Palavras-chave: espraiamento urbano; neolibera-
privatization; public transportation; neoliberal lismo; priva zação; transporte público; urbanismo
urbanism. neoliberal.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5405.e Crea ve Commons Atribu on
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Introduc on To better understand the emptying of


the State, the historical process involved,
From the 1970s, there was an intense as well as its ramifications of profound
process of territorial reorganization in impact on the urban environment, this study
Brazil, in which medium-sized cities became makes a historical reconstruction of public
more dynamic. The process known as transportation in Araraquara – SP. This city was
concentrated deconcentration, in addition chosen because the public power, through the
to a rapid urbanization, caused a deepening Companhia Troleibus Araraquara known as
of the market logic in the management and CTA (Araraquara Trollybus Company), had the
planning of urban space (Santos, 2018). This monopoly of mobility through the trolleybus
logic is underpinned by the production and system (electric buses), which was considered
exploitation of this space for the production a reference at national level and had high
of capital. In essence, the production of approval among the population. In this specific
the city operates for speculative purposes case, private enterprise could not operate
and on a large scale, since the "main profit the system, both because of the lack of
comes from raising the ground-rent, from control over the necessary infrastructure, and
careful selection and skilled utilization of the because of the inexistence of similar vehicles
building terrain" (Marx, 2014, p. 325). The in their fleets. A neoliberal process of urban
State and its legislative apparatus play a key management dismantled the public operation,
role in this context, since they are responsible with the scrapping of the trolleybus company
for the control – at the local level – of public and the change of energy matrix for diesel
investments, regulation and control over land vehicles, allowing the private initiative to insert
use and occupation (Maricato, 2015). itself in the dynamics of urban mobility. There
It is no coincidence that one of the is, in this process, a unique entanglement of
central aspects of neoliberalism is the the evolution of transportation systems, the
emptying of the State, which occurs through change of the energy matrix and the cycle of
ideological and political-economic instruments real estate speculation in the city, culminating
and results in the reduction of the governing in the privatization of public transportation
capacity. It is justified by an alleged inability of services after 57 years of the CTA's creation.
governments to meet the needs and desires The methodology of this article is
of the governed, and it is then proposed to composed of an exploratory research on the
reduce the governmental function of the State. evolution of public transportation systems in
The term governance, used in this context, Araraquara – SP, aiming to identify neoliberal
emerges to crystalize the reduction of the strategies in such process. Maps of the city,
capacities and incumbencies of the State to which allow the visualization of the historical
that of a simple manager or regulator (Grossi process of the territory development, were used
and Pianezzi, 2017; Kooiman, 2008; Marinetto, in the data presentation (QGIS..., 2021). The
2003; Rhodes, 1997 and 2007). data survey occurred in 5 stages that compose

550 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022


Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

the structure of the article: 1) bibliographical new forms of unequal production of the urban
survey about neoliberal urbanism with a focus space and capital accumulation (Farmer, 2011;
on the transportation sector; 2) characterization Matela, 2014; Santos, 2018; Theodore, Peck
of Araraquara as the study object, mainly and Brenner, 2009).
regarding the city's urban evolution; 3) history Contemporary neoliberal urbanization
of the evolution of the city's public transport processes advocate a set of policies aimed
system; 4) analysis of the relations between at strengthening market discipline and
urban development processes and changes in competition, as well as dismantling and
transportation; and 5) analysis of the emptying hollowing out the State, making it a regulatory
of the State as a neoliberal policy to enable the agent (Farmer, 2011; Theodore, Peck and
privatization of the public transport system. At Brenner, 2009). The intention is “to 'liberate'
the end, some considerations are made about both public services from so-called 'State
the points presented and specifically about the inefficiencies' and capital 'squandered' by
crisis resulting and accentuated by the SARS- taxation that could be more profitability
CoV-2 pandemic. deployed by private actors" (Farmer, 2011, p.
1155). Thus, the regulatory State appropriated
and seized by neoliberalism promotes market
Neoliberal urbanism discipline over society and itself through
various political-economic mechanisms, such
and its consequences as reducing taxes on businesses and capitalists,
for the transporta on sector dismantling public services, and subjecting
them to the market will through concessions,
Without exhausting the complex discussions permissions, public-private partnerships, or
on the subject, the capitalist expression outright privatization (Farmer, 2011; Theodore,
of neoliberalism can be understood as an Peck and Brenner, 2009).
economic-political and philosophical-cultural Neoliberal ideology was used as a
doctrine that instrumentalizes in a coercive and justification to support several projects: 1)
cohesive way the forces of accumulation by the deregulation of State control in industry;
dispossession through the State apparatus, the 2) the offensive against organized labor;
control of the means of production – of goods, 3) the reduction of corporate taxes; 4) the
services, spaces and the human being itself – contraction and/or privatization of public
and the domination or subjugation of all those resources and services; 5) the dismantling
whose existence serves only for the production of social welfare programs; 6) the expansion
of surplus value (Gramsci, 1999; Marcuse, of international capital mobility; and 7)
1973). Neoliberal urbanism, on the other the intensification of competition between
hand, is the specific application of this doctrine localities (ibid.). Specifically in Brazil, business
of creative destruction to the planning and elites have incorporated their interests
management of the urban space, its inhabitants into local development policies, with the
and economic aspects, in order to reconfigure privatization of the public sector and collective
the territorial organization and thus give rise to infrastructure, eliminating State monopolies

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 551
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

for the provision of public services such as role: that of Guarantor-regulator (Carcanholo,
education, health, security, transportation, etc. 2017). In a recent publication by the Institute
(Souza, 2018). for Applied Economic Research (Ipea, 2021),
A clear example of neoliberal ideological it is argued that "freedom should be given to
propaganda is presented by Aragão (1998). the creativity of the entrepreneur", in this case
The au th or ad vocates for a p ropos al the concessionaire of public transport services,
called "competitive bidding", pointing out to develop services desired by society. It is
that among the arguments justifying this pointed out that, for example, if the service
institutional reform would be the rigidity of the provider can have other sources of income
public machinery, as well as the widespread and these are considerable, he may eventually
fiscal crisis. He states that: lower the fare, in view of the parallel revenues.
It is almost touchingly naïve to believe in
Worldwide, institutional monopolies in
the entrepreneur's benevolence, since his
public transportation, as a rule operated
by public companies, are ebbing, to aim in operating the public transportation
be maintained as a last alternative. systems is profit, not necessarily social
The introduction of competition is welfare. There is no guarantee that fares will
being considered as an imperative be reduced because of parallel revenues. On
in the search for greater efficiency
the contrary, a new profit margin is opened to
and effectiveness of services. On the
other hand, deregulation of services the entrepreneur. Care is needed, even with
pure and simple does not seem to proposals for subsidies, since they can also be
have succeeded, at least in urban absorbed as an increase in the profit margin
public transportation, so introducing of the companies in the sector (Gomide and
private initiative through competitive
Galindo, 2013).
contracting is being chosen as the ideal
intermediate solution. (Ibid., p. 115) For the neoliberal hegemony to be
confirmed, it is necessary to pass on the image
Published in a political period marked that the State-owned companies have worse
by privatization and the rise of neoliberalism conditions to offer a service and, therefore,
in Brazil, the publication shows contempt bankruptcy appears as an inevitable result and
for what is public and that only the insertion privatization as a necessary solution towards
of private initiative could ensure efficiency a supposed progress and modernization of
and increased use of public transportation the State. The premise for this movement
(ibid.). In a market in which free competition is the disinvestment in public services and
presents inefficiencies, pure deregulation is enterprises, so that these have, in fact,
overlooked in favor of a regulatory role of difficulties in meeting the needs and desires
the State, justifying that the market structure of the population, generating a political
itself imposes such a condition (Ipea, 2016 atmosphere in which the commercialization
and 2021). The neoliberal idea, still in vogue, of the State appears as the only way out.
does not admit that the State can provide One perceives, therefore, a hegemonic and
such services, restricting it to a single possible one-dimensional process of coercion through

552 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022


Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

objective and subjective instruments of is considered a medium-sized city (IBGE,


control, in which the neoliberal way out is 2021). The urban core of the municipality
presented and defended as the only one had its territory deeply marked by large rural
that has any reason or logic (Gramsci, 1999; properties and the construction of a railroad in
Marcuse, 1973; Matela, 2014; Theodore, Peck the late nineteenth century. In the last decades
and Brenner, 2009). of the 20th century, with the approval of
The advance in recent decades of subdivisions far from the consolidated urban
the paradigms guiding neoliberalism has center, there was a considerable spreading
strengthened business and entrepreneurial of the urban perimeter, leading the poorer
action in Brazilian cities via local, state, and classes to live in remote locations and with
federal governments. The presence of the a deficit in infrastructure (Balestrini, 2016;
State is essential for the proper functioning Donato, 2014; Pierini, 2020).
of these governance formats, acting as an Until the 1950s, the implementation
equilibrium link in the regulation of resources of new subdivisions occurred relatively
and the provision of infrastructures that contiguously to the existing urban area.
encourage the presence of big capital in the The change in the urban evolution – and
production of urban space (Leal, 2017; Rhodes, consequent sprawl of the city – occurs from the
1997 and 2007). In this sense, corporate 1970s on, with the implementation of several
public transportation policies reshape the subdivisions beyond the existing road network,
contours of social exclusion and aggravate in an urbanization process that registers
the center-periphery dependency. As real discontinuities and extensive voids. Even today,
estate developers mobilize their political several of these settlements configure the
and financial power to win over low-income limits of the urban perimeter. The landowners'
groups for rights to the (central) city, they push strategy was to generate urbanized areas to
working-class and minority residents to the serve as capital reserves, that is, the expansion
margins of the city, where affordable housing was not guided by the demand for lots, but by
can be found but public transportation service the logic of accumulating urban land as a safe
is insufficient and the historical maintenance investment with a high return in the medium
of a commuter nature (work related mobility) or long term (Cintrão, 2004).
keeps them segregated (Farmer, 2011). It was in this context that the Master
Plan (law n. 1.794/1971) was implemented,
delegating to land developers the obligation to
implement infrastructure in the construction
Araraquara as a study object of new subdivisions (law n. 2.467/1979), in an
attempt to contain public spending generated
Araraquara is located in the central region of by urban sprawl. Contrary to the reality of
the state of São Paulo, Brazil, about 270 km several Brazilian cities, whose urban expansion
from the state capital; it has an estimated and dispersion happened mainly informally, in
population of 238,339 inhabitants and Araraquara, the subdivisions were regularized

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Figure 1 – Urban evolu on of Araraquara – SP

Source: created by the authors, adapted from Cintrão (2004), Donato (2014) and Pierini (2020).

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

and followed the requirements of the local city


Evolu on of the public
hall. This formality, however, did not guarantee
access to housing for the low-income
transporta on system
population nor addressed the inequalities in Araraquara – SP
derived from urban expansion (ibid.).
In the 19 80s, th e occu pation of Brazil's rapid urbanization – which began
intermediate urban voids began. To serve in the 1940s – showed commuting growth
the most peripheral areas, it was necessary rates twice as high as urban growth itself
to provide infrastructure in the intermediate (Gomide and Galindo, 2013). Bus systems were
areas, increasing the land value in these places. consolidated in Brazilian cities throughout the
Also, in the period of 1985 to 2000, there is 1960s and 1970s, with the transport sector
an increase in vertical constructions – mainly marked by the informality of the operation,
residential – in the central and pericentral with the planning and route definition being
region, also representing an increase carried out by the operators themselves. This
in the value of central lands because of consolidation occurred through preliminary
transportation facilities and proximity to urban State interventions, which limited the
equipment (ibid.). There is, therefore, the number of operating companies, restricted
concretization of the real estate valorization competition in the sector and ensured the
and speculation cycle started in the 1970s. priority of buses over streetcars, trains and
After the City Statute, there is the informal buses (Lima, Carvalho and Figueiredo,
elaboration of a new Master Plan (Araraquara, 2020; Matela, 2014). When there were
2005) that caused a decrease in the pace of legal instruments of regulation, they were
opening new urban areas within the urban precarious and without defined contracts
perimeter (Pierini, 2020). However, with (Matela, 2014). In the 1970s, the oil crisis and
legislative changes in the Master Plan (MP) and the popular uprisings pressured the military
the emergence of the Minha Casa Minha Vida dictatorship government to implement –
Program (My House My Life), there was a new in an authoritarian way – funds for urban
process of peripheral occupation, as well as in development and transportation and to create
environmentally fragile areas, with emphasis the Brazilian Company of Urban Transportation
on the northern region of the city (Balestrini, (EBTU), responsible for planning, financing and
2016). It is worth pointing out that, there is technologically developing the sector. There
a relation between these distinct moments were also, in this decade, active strategies
in the municipality's urban expansion to the of business concentration through policies
operation of public transportation within the of professionalization of private operators’
city, as will be presented in the next topic. business management models through the
Figure 1 presents the urban evolution, as well granting of subsidies and financing for the
as the location of the city. sector (Gomide and Galindo, 2013).

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

During the re-democratization process, comfort to users (Ferreira, 1995). Besides


the 1988 Federal Constitution established Araraquara, the system was also installed in
that the organization and provision of public Belo Horizonte – MG, Campos – RJ, Fortaleza
transport would become the exclusive – CE, Niterói – RJ, Porto Alegre – RS, Recife –
competence of municipalities (art. 30, item PE, Rio Claro – SP, Rio de Janeiro – RJ, Salvador
V), except for the competence to institute – BA, Santos – SP and São Paulo – SP (and in
national guidelines for the sector, which the metropolitan region) (Cintrão et al., 2017;
remained with the Union. The Constitution Ferreira, 1995). Currently, the systems of Santos
also defines that all public services must be – SP and São Paulo – SP and the metropolitan
provided by public agencies or delegated to region of São Paulo are still in operation.
the private sector through public bidding (ibid.; Founded in 1959, the Companhia
Lima, Carvalho and Figueiredo, 2020). Then, in Troleibus Araraquara (CTA) began operations
the 1990s, a transformation in the structure with seven vehicles, a bifilar network (overhead
of Brazilian capitalism takes place, mainly electrical installation with two parallel
by the liberalization of the economy and the wire cables) of 18 kilometers, maintenance
dismantling of the federal transportation workshop and an electric current rectifying
structures of planning and financing (Gomide substation. The first two lines were Vila
and Galindo, 2013; Matela, 2014). Some public Xavier–Carmo and Estação–Fonte (CTA, 2021b;
companies in the sector were privatized, as Ferreira, 1995). Over the decades, the network
is the case of Santo André and Companhia of public transport by trolleybus was expanded,
Municipal de Transportes Coletivos known as with the following operational milestones:
CMTC (Municipal Collective Transportation 1) 1960s: the expansion of the network to
Company) in São Paulo (Gomide and Galindo, about 29 kilometers and 14 vehicles; 2) 1970s:
2013). In the following, the development of period of great expansion, including its own
Araraquara's public transportation system is manufacture of vehicles, reaching about 61
presented, also guided by the time frames kilometers and 28 vehicles; 3) 1980s: through
mentioned. investments in the Revitalization Program
The municipality of Araraquara, in a of the Trolleybus Systems in Brazil of EBTU,
pioneering way in the state of São Paulo, it was possible to expand the system, which
instituted a public transportation system by reached 79.1 kilometers of installed two-wire
electric buses known as trolleybuses. Among network. Eight new lines started operating,
the several advantages presented by this and the fleet reached a total of 39 cars, but,
system are the possibility of prioritizing public for several reasons, the system growth did
transportation, the effective physical, fare not match the demand. One of the main
and operational integration, the appropriate difficulties was to serve the population in the
frequency and regularity, the economic new neighborhoods that arose in the city,
balance, energy saving and the reduction of oil where the streets were not paved and the
consumption, thus contributing to improve the installation of trolleybuses would be costly.
environmental conditions, as well as to provide From this, diesel vehicles and private transport

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

companies began to operate in the city; 4) supported them, were scrapped, dismantled,
1990s: in 1992 the fleet reaches the peak of and auctioned. Currently, only the number 1
46 vehicles, but from this moment on, the CTA trolleybus remains, which was restored and
itself began to invest in diesel vehicles (CTA, installed in the historical museum of the CTA
2021b; Ferreira, 1995). (ibid.). The trolleybus network can be seen in
Until 1994, even with the high cost of Figure 2.
electricity, trolleybuses still accounted for 43% An observation should be made about
of the fleet, and the main reasons for their the financing model of the system. The
maintenance were the absence of air pollution company was created as a joint-stock company,
and the comfort provided to passengers, since and the capital composition was made through
these vehicles did not produce noise and an additional charge in the Urban Land and
vibration (Cintrão, 2004; Cintrão et al., 2017). Property Tax (IPTU), i.e., the financing was
The trolleybuses were in operation in the city attained through the population, even those
until 1999, and the high cost of the vehicles, who lived in lots that were not served by the
the electric power itself, added to investments system. In this way, the biggest shareholders
in power lines and substations, were pointed were those who owned the most properties.
out as reasons for the economic unfeasibility The shares had no market value, because all
of this system. In reality, due to the urban the profit should be reverted to investments
sprawl, the route flexibility provided by diesel in the company itself, and did not bring direct
vehicles had become more attractive (Cintrão, benefits to its holders. This factor generated a
2004; CTA, 2021b; Ferreira, 1995). lack of interest in the shares by their rightful
A CTA employee (Fray, maintenance owners, leading to the non-claiming of
supervisor), in an account presented by shares or even the sale of them for negligible
Cintrão et al. (2017), states that the company's amounts, resulting in the accumulation of
drivers were well-paid, employees had artist shares by a few people who managed the
status, and that everyone wanted to work at company. The increase in decision-making
CTA. Fray states that "at the time everyone power meant that, in 2004, many of the CTA's
rode the trolleybus, for example, doctors, board members were precisely landowners
dentists, lawyers, engineers, etc." (ibid., p. 28). and real estate speculators, who could
The deactivation of the trolleybuses, which continue to guide the investments destinations
benefited the diesel bus companies, caused a in the city's public transportation (Cintrão,
revolt in the population that was used to the 2004; Cintrão et al., 2017; Ferreira, 1995). A
system. It can be seen, therefore, that the large percentage of shares (80%) remained
trolleybuses were not only the city's transport with unknown ownership, being acquired
system, but that the innovative character and by the City Hall in 2006 – when the company
quality of the electric buses were perceived as became a mixed economy company – and
a cultural element of the city and configured the remaining 20% belonged to the other
part of its heritage. With the deactivation, the shareholders (Araraquara, 2016c; Cintrão et
trolleybuses, as well as the infrastructure that al., 2017).

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Figure 2 – Trolleybus network in opera on in Araraquara – SP – 1990

Source: created by the authors, adapted from Ferreira (1995) and Pierini (2020).

In 2008, Araraquara's public bus transport can be seen in Figure 3. It should be noted that
service consisted of a network of 31 lines, 26 some bus lines currently in operation are based
operated by the CTA and 5 lines operated by on the old trolleybus routes, such as Campus /
Viação Paraty, which was already operating Vila Xavier, Fonte / Altos da Vila Xavier / Jardim
in the city's public transport before the 2008 das Estações, Melhado / Imperador, Rodoviária
permission process (Araraquara, 2008a), from / Santa Cruz, Santana / Pinheirinho, São José /
which it started operating 7 lines (Araraquara, Santa Angelina and Universal / Cecap (Cintrão
2008b). The lines that were in operation in 2008 et al., 2017; Pierini, 2020).

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

Figure 3 – Bus network in opera on in Araraquara – SP – 2008

Source: created by the authors, adapted from Araraquara (2008a).

The Companhia Troleibus Araraquara for 18 lines, and Viação Paraty, responsible for
continued as the operator and planner of the 20 lines (9 of which are from the concession
public transportation system until 2016, when contract signed in 2008). Figure 4 shows the
the system was privatized and granted, for a bus lines in operation in 2020.1 It is possible to
period of 20 years, to the Consórcio Araraquara see that Viação Paraty gained a new share of
de Transportes – CAT (Araraquara Transport the city lines’ operation. The State – in this case
Consortium). The Consortium is composed of represented by the municipality of Araraquara
two companies, Empresa Cruz, responsible – went through an emptying process, in which

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

it ceased to be a provider and operator of the management, planning, supervision, control


urban public transport system and assumed and inspection of the city's public transport
the role of a service regulator with the creation and its concession (ibid.; CTA, 2021a).
of the (new) Controladoria de Transporte Most of the lines provide “atendimento”
de Araraquara (Transport Controllership ser vices at c ertain times of t he d ay.
of Araraquara), 2 through ordinary law “Atendimentos” are route variations that pass
n. 8.680/2016 (Araraquara, 2016d). The through different streets or make a longer turn
Controllership is linked to the Traffic and to cover another neighborhood, usually related
Transport Secretariat and is responsible for the to commuting movements in the morning and

Figure 4 – Bus network in opera on in Araraquara – SP – 2020

Source: created by the authors, adapted from CAT – Consórcio Araraquara de Transportes (2020).

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

afternoon peaks. It should be noted that the for an amendment to the 2008 contract
operation through “atendimentos” can cause corroborates this analysis, since it points
confusion for users, since they may not be precisely to the emergence of subdivisions in
aware of the changes in the timetable or route, the northern part of the city as responsible
and also limits the access that certain regions for adjustments in routes, timetables and
of the city have to public transportation, increasing of the company's fleet. The
creating a mobility deficit. government granted the amendment,
increasing from 7 to 9 lines operated by the
company at the time (Araraquara, 2016a). In
The intersec on Figure 5, it is possible to observe the overlap
between the urban configuration and the
of transporta on systems transport system in operation. Three periods
with urban development are shown: the subdivisions approved until
1990 together with the trolleybus system; the
The urban evolution and the public transport subdivisions approved until 2010 with the bus
system of Araraquara showed that the urban lines in operation in 2008; and the subdivisions
sprawl, caused mainly by the approval of approved from 2011 to 2016, with the bus lines
subdivisions beyond the existing road network in operation in 2020.
in the 1970s, drove the change in the energy Figure 6 presents a map with the overlay
matrix of the transport system, with the of all systems, showing the evolution of the
exchange of electric for diesel vehicles (Cintrão, public transportation system from the 1960s
2004; CTA, 2021b; Ferreira, 1995; Pierini, to 2020. It can clearly be seen that the network
2020). If, for the operation of trolleybuses, it has undergone a major expansion over the
was necessary to plan the network expansion years, following the implementation of housing
because of the intrinsic high costs, with diesel developments in areas far from the city center.
vehicles this planning does not need to be The implementation of infrastructure – in this
so strict. This need for trolleybus planning case related to mobility and public transportation
associated with the high cost of implementation – is a trump card for speculation. In the case of
tends to contain urbanization within the urban Araraquara, the trolleybus routes – selected by
limits, while diesel vehicles, whose route can the city hall – signaled the areas of real estate
be changed without major complications or interest, which explains that, even with their
costs of infrastructure deployment, allow the replacement, the existing routes were maintained
existence of a more dispersed and less compact (Cintrão, 2004), and the "flexibilization" of the
city model (Pierini, 2020). In summary, there routes through diesel vehicles represented only
is a vicious retro feeding cycle: urban sprawl an expansion of the routes. Thus, the local public
forges changes in the transportation system, power assumes a role of an instrument of private
which, in turn, consolidates the process of real initiative, being (1) responsible for driving the
estate speculation and land valorization, which actions of other urban agents; and (2) used to
is the initial aim of the sprawl. The justification consolidate projects and valorize lots and specific
presented by Viação Paraty for the request areas of the city.

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Figure 5 – Overlay of transport systems and urban evolu on of Araraquara – SP

Source: created by the authors, adapted from Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de Transportes
(2020), Cintrão (2004), Donato (2014), Ferreira (1995) and Pierini (2020).

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

Figure 6 – Evolu on of the public transporta on system in Araraquara – SP,


from 1960 to 2020

Source: created by the authors, adapted from Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de
Transportes (2020), Ferreira (1995), and Pierini (2020).

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Even if the developer is responsible for and the benefits of these systems can be
the implementation of infrastructure, it is the observed in positive impacts on health and the
municipality or, more specifically in the case of environment, reduction of accidents, increase
Araraquara, the concessionaires who bear the in the population's mobility indexes, besides
costs of public transport operation. These costs being an important factor in income generation
are transmitted to passengers through the and family budgets (Cervero and Dai, 2014;
fare, which, in practice, means that all public Haddad et al., 2015; Santos, Behrendt and
transportation users in the city pay the costs Teytelboym, 2010). Furthermore, a high-
of the urban sprawl. Through this model of quality public transportation system can
urbanization, landowners not only profit from reduce the use of individual motorized modes,
speculation and real estate appreciation but which, besides noise, air pollution, congestion,
also do not pay for the "losses", transferring and accidents, perpetuate social inequalities
them to the general population. (Davison and Knowles, 2006). Finally, it is
This does not mean that investments emphasized that, precisely because public
in public transportation should not be made. transportation is a system that generates
The sprawl of the city creates a demand benefits (positive externalities), and these
for mobility at the urban edges that often benefits are not only appropriated by the users
depends on public transportation. Providing of the system, subsidies and public investment
this service in the peripheries, as well as policies in public transportation are justified,
guaranteeing access to opportunities and i.e., economic and environmental benefits,
public services, is an obligation of the State. An such as the reduction of accidents and air
integration with land use policies is necessary, pollution, are appropriated by the entire
so that public transportation and active modes population, and therefore, public investments
are the focus of urban mobility, thus, directing should focus at improving these systems and
urban development to a less sprawled the quality of life of the general population
form, with dynamism of activities within the (Ipea, 2016).
peripheries, facing the historical maintenance Moura (2014) points out that the
of exclusively work related commuting and dominant agents of this city model cause
contributing to the reduction of socio-spatial the distribution of space to become an event
segregation with broad accessibility to the city linked to the logic of capital, in which space
(Cervero and Dai, 2014; Santos, Behrendt and and urban infrastructures are no longer
Teytelboym, 2010). provided according to a logic of serving
Sustainable transport policies should the public good and become a product of
start with the assumption that public capital investments. By establishing – or not
transport systems play a central role in the – priorities and intervention options, the
construction of an environmentally, socially public power ends up producing locational
and economically sustainable mobility model, advantages and valorization of real estate,
and the needs of different social groups maintaining or deepening the precariousness
should be considered. Such a role is stressed that reinforces the dynamics of inequality
in the current context of climate emergency, (Bittencourt and Faria, 2021). It is precisely

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

this model of neoliberal urbanization that is contractual relations with the CTA have
criticized here. This model induces the poorest already been investigated by the Araraquara
people to live in the most distant places and, District Attorney's Office. One of the possible
at the same time, to pay the costs of real irregularities investigated was the control of
estate speculation. Investments in public ticket sales passed on to Paraty, a transaction
transportation are fundamental, but they that until 2012 was performed exclusively by
must be oriented to achieve the best possible Companhia Troleibus Araraquara, which paid
service to the population, and not intending to Paraty the due value corresponding to the
to enhance the value of certain land corridors. volume of passengers carried. There was also
Furthermore, housing should not be only the the suspicion that the most profitable lines
occupation of a space, but something that were under the responsibility of the private
ensures a living condition, with infrastructure company (Folha de S.Paulo, 2013).
and access to collective equipment, contrary CTA's balance sheet of expenses and
to the segregation pattern imposed (Moura, revenues shows profits ranging from about
2014), which resembles a prison with invisible BRL 950,000 in 2006 to about BRL 1.66 million
cells and walls, whose oversight is given by in 2010. As of 2011, however, the company
access or lack thereof to the rest of the city incurred losses, reaching almost BRL 18 million
and to urban equipment and services. in 2016 (CTA, 2021b). In a regular session of
the City Council, the Movimento Transporte
Justo (Fair Transport Movement) questioned
The public transport the sharp drop in profits and pointed out that
the CTA's main problems were the coexistence
opera on concession with Paraty, a company that holds a monopoly
in Araraquara – SP in the northern part of the city and which
was allowed to operate some of the most
As presented above, the emptying of the State profitable lines of the CTA; political decisions
process regarding the public transportation that favored the private company, such as
in Araraquara went through several stages. the chartering of school transportation,
The first was the permission, from the 1980s, responsible for a monthly budget of about
of private companies – Viação Paraty – to BRL 1 million, which could be carried out by
operate with diesel vehicles, driven by the the CTA; and the amendment in the contract
justification of urban sprawl, concomitant with Paraty, which transfers to the private
with the operation of trolleybuses. Then, concessionaire the monopoly that the CTA
it was the change in the energy matrix of had to sell transportation tickets. According to
the CTA itself, which was once a company the movement, in order to recover the CTA it
of national reference and whose scrapping would be necessary to review the distribution
process dragged on for years; followed by contracts of the lines between CTA and Paraty,
greater permissions to the Paraty company transfer the school transport chartering to the
to operate in the city. A company whose CTA, and create a Municipal Transportation

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Fund to subsidize the CTA, ensuring that 2016c). It is worth remembering that the
the public company would emerge from the largest percentage of shares remained with
financial crisis and could fulfill the goal of unknown ownership and were incorporated
safeguarding citizens’ rights to the city (Câmara by the city government in 2006 and the rest
Municipal de Araraquara, 2014). was under the control of large landowners
Note, therefore, that the extinction and councilors who accumulated them by
of the CTA and the subsequent privatization acquisition at derisory prices. In 2017, the
of the public transportation system did not company had accumulated a debt of BRL 38.9
happen amidst a lack of alternatives. Nor million (Araraquara City Council, 2017) and is
was it a process without social repercussion. currently still in liquidation (CTA, 2021b).
Several demonstrations by employees, The data of passengers carried (Figure
students, and social movements occurred 7) shows the downward trend, which is
against the extinction of the company and the considered a pattern in Brazilian cities. With
privatization of the system (G1 São Carlos and the privatization of the services, there is
Araraquara, 2013 and 2014). However, despite an increase in the number of passengers
the resistance, in 2016, the concession was in 2017. However, already in 2018, the
signed for a term of 20 years – extendable for numbers sharply fall, possibly because of the
an equal period, provided that in agreement beginning of ridesourcing services operation
with the concessionaire – of the provision and in the city. In 2019, the volume of passengers
operation of urban public transport services carried was the lowest since 2006, except for
(Araraquara, 2016b). the year 2020, which, due to the Covid-19
Following the signing of the concession pandemic, had an even greater reduction.
contract, the extinction of the Companhia Data for 2016 is not fully available, possibly
Troleibus Araraquara is materialized by because it is the transition year of the
municipal law n. 8.667, of March 2, 2016. After operation of the services.
the company's liquidation, all movable and F i n a l l y, s o m e p o i n t s s h o u l d b e
immovable assets will belong to the Araraquara emphasized regarding the concession contract
City Hall, which will also take over any existing itself. First, it is stipulated that the provision
CTA contracts, including public transportation of services should be carried out at the risk
concessions (the concession is regulated by of the concessionaire, upon remuneration
the new CTA – Transport Controllership of that includes all investments, inputs and
Araraquara). It is foreseen that, at the end of expenses necessary to fulfill the expected
the liquidation, the municipality will pay the operating obligations, such as materials,
shareholders the capital each one is entitled labor, services, fees, taxes, labor and social
to for the shares they own, delivering for charges, electric power, water supply, fuel
this payment municipal public debt bonds consumption, consumption of other materials
plus interest of 12% (twelve percent) per and services and administrative expenses. This
year. If negative equity is determined, the remuneration is called fair if it meets, among
municipality will bear the loss (Araraquara, others, the following costs: 1) operation costs;

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

Figure 7 – Bus passengers carried in Araraquara – SP from 2006 to 2020

Source: adapted from CTA – Controladoria do Transporte de Araraquara (2020a, 2021c).

2) depreciation costs on all assets involved in municipality of Araraquara have any intention
providing the services; 3) remuneration for of granting subsidies. The remuneration,
all capital employed for the execution of the therefore, occurs only from the collection of
services, directly or indirectly, such as, for public fare (Araraquara, 2016b).
example: garages and their improvements, T h e i d eo l o g i ca l im p o s i t i o n m ay
fleet, machines, installations, tools, equipment make this form of service provision seems
and warehouse. logical, but, at the root, the population of
Finally, it is pointed out that all assets a city is paying for all the capital invested
necessary for the provision of services, as via fares, without ultimately owning the
well as those incorporated during contractual goods acquired at their expense. In the case
execution, are not linked to the concession. of the citizens of Araraquara, this is the
Therefore, there will be no reversible assets second time this happens: the population
deriving from the concession. The contract financed the trolleybus system, which was
also clarifies that neither the grantor3 nor the scrapped so that a new and more aggressive

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

process of spoliation could take place, this unprecedented pandemic to reduce the loss
time via privatization and concession of of revenue (ibid.). Also, from January/2020
transportation services. to March/2021, 76,757 jobs were lost in the
entire urban public passenger transportation
sector, besides the delay of salaries and
benefits, suspension of labor contracts and
The return to the State reduction of working hours (Lima, Carvalho
in mes of crisis and Figueiredo, 2020; NTU, 2021b).
In addition, several companies and
The failure of the liberal and neoliberal consortia interrupted the provision of services,
model occurs mainly in times of crisis. It is due to: 1) suspension of activities because of
in this situation that companies – including the inability to comply with the payment of
public transportation ones – whose common salaries or the purchase of fuel, for example; 2)
discourse is competitiveness and free-market, definitive closure of activities; 3) intervention
turn to the State for help (Carcanholo, 2017). in the operation, with the public authority
In 2020, the world was ravaged by the assuming the responsibilities of administration
pandemic caused by SARS-CoV-2 and, among and operation of the company; or 4) contract
the main health control measures, was social suspension (NTU, 2021b). Finally, we present
distancing, a measure that goes against the two cases in which there was intervention by
concept of public transport. The continuity public authorities for the maintenance of public
of the state of sanitary calamity provoked an transportation services. In Rio de Janeiro, Detro-
unprecedented fall in the demand for this -RJ (department that regulates transportation
mode of transportation. Borchers, Ferreira and in the state) intervened in the services of the
Ribeiro (2021), in a study of Brazilian capitals, bus company Alto Minho Ltda., which operated
show that besides the discontinuity of bus and intercity lines from Nova Iguaçu – RJ. In Salvador
subway use during the pandemic, there is the – BA, the Salvador Norte Concessionaire (CSN)
possibility of this behavior extending to the sued the Salvador city hall and requested
post-pandemic, without the demand returning intervention in the operation, alleging that
to pre-Covid-19 levels. the city hall had not been complying with
The neoliberal model of public transport the obligations of economic and financial
operation in vogue in Brazil has presented rebalancing of the contract. The municipality
two major lines of collapse: operational took over the operation until September 2021,
and financial. Different from the worldwide when CSN's lines were transferred to other
recommendation, instead of increasing fleets concessionaires operating in the city (NTU,
and decreasing the amount of passengers 2021b; Salvador, 2021).
carried, the opposite occurred in Brazil. The Given the scenario of accumulated
recommendations were not followed, and losses of about BRL 14.2 billion in the bus
there were agglomerations in terminals, systems, the solution found by the companies
bus stops and in the vehicles. It was actively was to resort to the government to reduce
chosen to crowd people in the middle of an the losses. Until then disesteemed, subsidies

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

started to be accepted by several operators. cities, among which Belo Horizonte – MG,
They also welcomed tax exemptions (NTU, Curitiba – PR and Salvador – BA carried out the
2021a). Among the proposals advocated by the advance purchase of tickets (Lima, Carvalho
companies are the aid and emergency relief and Figueiredo, 2020; NTU, 2021a).
and also "a new financing model for public In Araraquara, there was a reduction
transportation systems, to ensure the quality in the fleet and lines in operation from 38,
that society demands" (NTU, 2021d). The in 2019, to 30 in 2020 and 2021. According
requested emergency aid was of BRL 5 billion to what was pointed out, the change was
per year to subsidize the system's gratuities. possible with the logistical realignment of the
Felicio Ramuth, vice-president of Urban lines (Câmara Municipal de Araraquara, 2021).
Mobility of the Frente Nacional de Prefeitos Public transport users, however, complained
(FNP) (National Front of Mayors), said that about crowding at the Central Integration
"the aid is not for the companies, but for the Terminal (TCI) and the delay of buses in some
people who need it most (the passengers). It lines (G1 São Carlos and Araraquara, 2021).
is of great social importance" (ibid.). Curiously, The p ublic transp ortation c risis,
people will be "benefited" via companies, the aggravated by the Covid-19 pandemic, is facing
same ones that reduced operations and caused an impasse: while the importance of public
crowding during a pandemic. The restructuring transportation is perceived, a structural flaw
of the service, not only from the financial of the neoliberal model is exposed. There
point of view but also in the regulation of is not a way to keep the systems operating
contracts and the creation of a new regulatory in this model during a crisis. Otávio Cunha,
framework, was also discussed. There was president of the National Association of Urban
also the bill n. 3.364/2020, which provided Transportation Companies – NTU, states
aid of BRL 4 billion for this segment, but it was that "the service is on the verge of collapse
vetoed (NTU, 2021c and 2021d). all over the country" and, further, that "our
Besides federal funding attempts, the expectation is that the Federal Government
operators also sought the municipalities, in takes a proactive role in this process and
order to minimize the losses faced. Among actually assumes the role of guardian of the
the main measures offered were the transfer National Policy of Urban Mobility" (NTU,
of subsidies to operators, tax exemptions, 2021c and 2021d). After all, if the State is the
and early purchases of ticket credits. In guarantor-regulator of private initiative in the
relation to subsidies, the cities of São Paulo – neoliberal development model, nothing more
SP, Curitiba – PR and Brasília – DF stand out, logical than resorting to it in times of crisis
but the measure was adopted in about 26 (Carcanholo, 2017), that is, appropriation of
municipalities. Tax exemptions were applied in profit, socialization of losses. As long as there
Joinville – SC, Pelotas – RS and Natal – RN. In is profit, free-market; when there is loss, State
addition, the Rio Grande do Norte (RN) state intervention and division of losses with society.
government reduced by 50% the ICMS (Tax on At no point in time is the privatized
Circulation of Goods and Services) tax rate on operating model questioned. When talks
diesel and biodiesel for bus companies. Nine occurs about restructuring, it is only about

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

the way of financing it, so that in the event transport (Ipea, 2016). It is possible to go
of a new crisis, revenues are guaranteed. The further, as shown by the cities of Tallinn in
model does not offer any security: neither Estonia, Maricá – RJ, and Caucaia – CE, and
for the population, nor for the jobs in the institute free pass policies to ensure the
sector. If there will be public financing for right to transportation for all citizens of the
public transportation and there is a need for municipality (Caucaia, 2021; Santini, 2019).
restructuring, as the business owners claim,
we must go beyond what the neoliberal
ideology would have us believe. It is necessary
to establish new alternatives. In this context,
Final considera ons
some questions must be raised. Is it possible
to rebuild public systems? Is it possible, in a This study sought to make an analysis of the
scenario where this alternative is impossible, evolution of public transportation systems in
to have less predatory models for financing the city of Araraquara – SP, pointing out the
public transport? relationships between urban development and
One possible way for the municipal changes in the city's public transport system,
government to take control over private in addition to the role of local government
providers is the "municipalization" model in the process of speculation and real estate
instituted in São Paulo – SP, in which fare valorization in the context of a neoliberal logic
revenue was collected by the government of urban development.
and the companies were paid based on the For many years, the trolleybuses
service provided, measured by the number contained the expansion of the city. However,
of kilometers provided (and not by the fares the sprawling urban development guided the
collected from users). 4 In the case of São operation of the public transportation system
Paulo – SP, once meeting the scheduled by buses, resulting in the incorporation of
mileage, the companies received 80% of the diesel vehicles. Therefore, comes to fruition,
amount agreed with the municipality, with an urban model that "makes it unfeasible" to
the payment of the remaining 20% linked to maintain public transportation services, given
the number of passengers carried, a strategy the constant need for expansion to serve the
designed to prevent operators from making most peripheral areas. It is this argument,
trips with empty vehicles (Gregori et al., 2020; belonging to the fallacies of neoliberal logic,
Gomide and Galindo, 2013). At the current which leads to the extinction of the Companhia
technological level, the monitoring of the Troleibus Araraquara (Araraquara Trolleybus
trips made, the timetable and the number of Company) in 2016 – after a long period of
passengers carried could be done through GPS dismantling – and the concession of the public
and electronic ticketing systems (Gregori et transport system. The promised improvement
al., 2020). In cities such as Munich, Germany, appears only in the first year after the bidding,
the existence of a single municipal services when the number of passengers carried had
company allows profits from electricity, gas, a large increase. However, already in 2018,
and water systems to be transferred to public this number drops, possibly because of the

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Neoliberalism and the emptying of the State in public transportation in Araraquara...

insertion of ridesourcing services in the city. the privatization of public transportation


The Covid-19 pandemic appears to bury permitted the deepening of neoliberal
this promise, since the safety requirements processes of exploitation of urban space
necessary to prevent contamination were and citizens. The answers to the complexity
not met, with crowds at stations and inside of urban problems are not easy, given that
vehicles. In addition, the number of lines in numerous actors seek to exert their forces and
operation was reduced, and meaningful delays that the problems generated are complex in
in the timetable registered. themselves. The solution for the cities must go
"It is never too much to repeat that through effective popular participation, with
it is not for lack of plans or urban legislation urban planning committed to social inclusion,
that Brazilian cities grow in a predatory in the construction of a land reform in which
way" (Maricato, 2000, p. 147). In the case there is in fact public control over land
of Araraquara, it is observed that the local ownership (Maricato, 2000 and 2015). The city
government, even within the legality, served as needs to be built by the people for the people,
an instrument for real estate speculation and and public transportation should serve the
land valorization to take place. Furthermore, people and not use them to generate capital.

[I] https://orcid.org/0000-0002-0186-6661
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
tati.borchers@protonmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-7834-7675
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
figueiroa@protonmail.com

Transla on: this ar cle was translated from Portuguese into English by the authors themselves.

Acknowledgments
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (Capes) – Finance Code 001.

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Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira

Notes
(1) The survey of bus routes took place in January 2020 and therefore presents the configura on of
the transporta on system in the pre-Covid-19 pandemic period.

(2) A en on is drawn here to the fact that the agency created in 2016 to oversee public transporta on
services – CTA (Controladoria do Transporte de Araraquara) – keeps the same acronym as CTA
(Companhia Tróleibus Araraquara), which is currently in the process of liquida on.

(3) Companhia Troleibus Araraquara – CTA is the grantor of the contract. With the extinction of
the company, the current contracts were taken over by the Araraquara City Hall through the
Controladoria do Transporte de Araraquara – CTA.

(4) The kilometers-based payment system was instituted in 1992, under Luiza Erundina's
administration. After the change in administration, in 1993, the privatization process of
the CMTC (Municipal Collective Transportation Company) was initiated, and the logic of
remunera on of the bus companies was changed over the years un l it returned to payment
per passenger carried in 2003.

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Received: August 12, 2021


Approved: November 11, 2021

576 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022


“Vestindo a camisa da empresa”:
neoliberalismo e a subjetividade
dos trabalhadores shoppers
“Doing their best for the company”:
neoliberalism and the subjectivity of shopper workers
Brauner Geraldo Cruz Junior [I]
Claudio Luis de Camargo Penteado [II]
Paulo Roberto Elias de Souza [III]

Resumo Abstract
O presente ar go visa compreender a subje vidade This ar cle aims to understand the subjec vity of
do trabalhador shopper, avançando na análise da the shopper worker, analyzing uberization in the
uberização no cenário brasileiro e dos impactos do Brazilian scenario and the impacts of neoliberalism
neoliberalismo no tecido social e urbano. Observa- on the social and urban reality. We investigated
mos como os shoppers descrevem suas a vidades, how shoppers describe their activities, what
quais relações estabelecem com as plataformas e relationships they establish with platforms and
colegas e de que forma manifestam sua iden da- colleagues, and how they manifest their iden ty.
de. Para tanto, analisamos dois trabalhadores que To achieve this, we analyzed two workers who
narram questões sobre esse tipo de trabalho em talk about this type of work on YouTube channels.
canais do YouTube. As conclusões sinalizam que as The conclusions point out that the uncertainties
incertezas vivenciadas nesse contexto se conver- experienced in this context are converted into
tem em indefinições quanto às suas identidades uncertainties regarding their professional
profissionais, que se somam a um contexto urbano identities, which are added to an urban context
dominado pela falta de proteção de milhões de tra- dominated by lack of protection of millions of
balhadores, por vezes vistos a si mesmos como em- workers, who are some mes seen as entrepreneurs
preendedores de suas próprias vidas que buscam of their own lives seeking to build alterna ves of
construir alterna vas de renda e trabalho. income and work.
Palavras-chave: neoliberalismo; shopper; uberiza- Keywords: neoliberalism; shopper; uberization;
ção; informalidade. informality.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5406 Crea ve Commons Atribu on
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

Introdução Nesse novo contexto, as cidades, princi-


palmente nas metrópoles, veem-se diante de
reconfigurações do urbano, permeado pela
O neoliberalismo, encarado como racionali- ausência de regulação e coordenação pública e
dade política que constrói e modula subje- suscetível ao imperativo da lógica privada. Há,
tividades – uma razão de mundo, pela ótica então, uma tentativa de se adequar ao fugaz
de Pierre Dardot e Christian Laval (2016), por desenho do trabalho contemporâneo, muitas
sua vez influenciada pela leitura de Michel vezes precarizado, em que as desigualdades se
Foucault (2008) sobre o fenômeno –, possui refletem no espaço e são, através dele, mais
impactos perniciosos na vida social e de ma- bem entendidas, assim como colocam desafios
neira muito latente para as camadas popu- para a governança pública.
lares, por vezes negligenciados nos estudos O trabalho por aplicativos pode servir
que privilegiam a influência desse sistema de exemplo para esse cenário. Deparamo-nos
de ideias sobre o Estado. Ao preconizar o com novidades no cotidiano que são introdu-
governo das sociedades baseado numa ge- zidas gradualmente e transformam a manei-
neralização do mercado e da concorrência, o ra de ver e pensar determinados hábitos de
neoliberalismo suscita não apenas novas for- consumo e formas de trabalho. Nessa lógica,
mas de organização produtiva, como também algumas empresas acabam por influenciar o
inscreve normas gerenciais nas práticas go- mercado e modificar, paulatinamente, a cadeia
vernamentais e nas próprias ações humanas, produtiva, os hábitos de consumo e as manei-
resultando em sujeitos e instituições vistos a ras de o Estado lidar e regular essas questões.
si próprios como empresas (ibid.) e ausentes É o caso da plataforma Uber, cujo modelo de
de mecanismos de intermediação coletiva e organização se pauta no uso de big data para
regulação social. o gerenciamento de trabalhadores como um
Com as transformações tecnológicas dos tipo de usuário de aplicativo, que, por sua vez,
sistemas de produção, principalmente pelo atende a consumidores, que formam o ou-
uso das Tecnologias de Informação e Comuni- tro grupo de usuários. Este último grupo, por
cação (TICs), que possibilita a emergência de demandar o serviço, passa também a avaliar
novas atividades mais individualizadas, media- o desempenho daqueles responsáveis pela
das por softwares que assumem o comando prestação, os trabalhadores. Muito conhecida
de diversas atividades humanas (Manovich, no serviço de transporte de passageiros, essa
2013), é possível pensar em novas organiza- organização tem se estendido a ramos como
ções das maneiras de produzir e oferecer pro- delivery de refeições e mercadorias, serviços
dutos e serviços. Assim como novas práticas de estética, transporte de cargas e compras
de consumo desses bens, que nesse processo em supermercados. A depender do ramo em
revelam uma ausência de garantias e seguran- que se insere, esse modelo encontra maior ou
ça para o lado mais frágil dessa balança: o dos menor espaço para crescimento, conforme os
trabalhadores e trabalhadoras submetidos a hábitos de consumo da população e flexibilida-
tais arranjos (Abílio, 2019). des jurídicas de cada mercado.

578 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”

No advento da pandemia do novo coro- atributos pessoais. Boltanski e Chiapello (2009)


navírus, vimos crescer de maneira exponencial sinalizaram para a importância de uma organi-
o ramo de delivery de refeições e o de com- zação por projetos num mundo conexionista,
pras em supermercados. No Brasil, esse último em que a formação e a manutenção de redes
segmento, que até então não possuía muitos dinâmicas e de pontos facilmente reativáveis
adeptos, passou a se oferecer como uma saí- se faziam essenciais para o novo espírito capi-
da para as pessoas que evitavam sair de suas talista em ascensão. Numa trama mais próxi-
casas, com receio de infectar a si e a seus fa- ma ao contexto nacional, Telles (2006 e 2010)
miliares e, ainda assim, precisavam comprar apontou que a experiência social do trabalho
mantimentos de uso cotidiano. Assim, alterna- no neoliberalismo indicava outros tempos da
tivas para a realização dessa atividade foram vida e sua relação com a cidade, em um cená-
ofertadas por empresas como Cornershop, rio que enseja precariedade, descontinuidade
Rappi e James Delivery. Plataformas que co- e incerteza. Se remetermos à descrição da sub-
nectam consumidores com pessoas dispostas a jetividade advinda da racionalidade neoliberal,
fazer essas compras em mercado e as entregar pautada pela concorrência como norma social
em domicílio, arriscando sua saúde, sob remu- e a organização de indivíduos na forma-em-
neração de acordo com parâmetros definidos presa, temos na categoria shopper1 – o traba-
pelas empresas. lhador que faz compras em supermercados
A crescente literatura em torno do traba- intermediadas por grandes plataformas – uma
lho por aplicativos aponta para uma perspecti- importante figura desse contexto. O que não
va crítica sobre as condições encaradas por es- implica conceder todos esses atributos a esse
sa mão de obra, assim como a lógica operada tipo de trabalhador, mas sim pensar em como
pelas plataformas que modulam tais condições essa subjetividade está sendo formada e de
(Scholz, 2016; Srnicek, 2017). Em especial, o que maneira ela dialoga com as influências que
debate em torno do fenômeno da uberização, recebe. Importante frisar: se há a emergência
apontado por Slee (2017) e, numa ótica mais de novos elementos na relação sujeito e traba-
próxima à realidade brasileira, desenvolvido lho, há também permanências relevantes nas
também por Abílio (2019 e 2020), revela a for- práticas e identificações relacionadas ao tra-
mação de novas identidades profissionais, sob balho no mercado não formalizado, tendo em
uma transformação profunda da maneira co- vista sua importância e peso histórico e estru-
mo o sujeito se enxerga em relação à atividade tural para a economia brasileira. A ausência de
que desempenha. Sennett (2006) já havia iden- garantias e direitos para essa fração do merca-
tificado o sujeito resultante do que chamou de do de trabalho por parte da governança públi-
uma cultura do novo capitalismo como alguém ca marca a trajetória desse setor, que, embora
que se pauta por relações de curto prazo, bus- flerte com o horizonte do assalariamento, vê-
ca incessantemente por novas capacidades -se cada vez mais distante de conquistá-lo, so-
e prega por um certo desapego ao passado, bretudo com os novos arranjos produtivos do
invocando uma personalidade de consumi- neoliberalismo e com as próprias dissolvências
dor e não de um proprietário zeloso por seus do mundo assalariado.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 579
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

O objetivo deste artigo, portanto, é Salgado e Silva, 2014). As performances publi-


avançar na compreensão da subjetividade do cadas na plataforma do YouTube projetam-se
trabalhador shopper, considerando que esta como um recurso (dispositivo) de midiatização
é uma categoria que nos permite analisar o de um “eu” representado perante uma audiên-
contexto da uberização no cenário brasileiro cia a partir de termos de busca (internos ou ex-
e progredir, assim, na compreensão dos im- ternos) e dos algoritmos de recomendação da
pactos do avanço neoliberal no tecido social plataforma (rede sociotécnica). Dessa maneira,
e urbano. Iremos nos atentar para as seguin- a autorrepresentação da atividade profissio-
tes questões: Como os shoppers descrevem nal por trabalhadores shoppers, por meio do
sua ocupação e suas atividades de trabalho?; YouTube, configura-se como elemento estrutu-
Quais relações estabelecem com as platafor- rante de sua identidade e subjetividade, foco
mas e com seus semelhantes?; Como repre- deste estudo.
sentam suas atividades ante a sociedade e O artigo está dividido em mais quatro
de que forma reivindicam reconhecimento e seções, para além desta introdução. Iniciare-
manifestam sua identidade?; De que maneira mos abordando com maior profundidade o
se veem diante do Estado e se colocam po- debate sobre o neoliberalismo e seus impactos
liticamente? Para tanto, analisaremos dois no contexto brasileiro. Buscaremos traçar de
trabalhadores shoppers que narram seus que maneira está associada a uberização com
cotidianos e questões sobre esse tipo de tra- esse modelo de governo da sociedade e como
balho através de canais da plataforma de ví- podemos pensar as formas de trabalho resul-
deos YouTube. tantes, considerando nosso cenário histórico e
Na sociedade digitalizada, o YouTube tor- social. Na seção seguinte, faremos uma expli-
na-se um importante espaço de expressão das cação de como opera a plataforma Cornershop
subjetividades contemporâneas. A plataforma no Brasil e quais atividades são exigidas dos
de quinze anos tem aproximadamente dois bi- trabalhadores shoppers. Em seguida expli-
lhões de usuários únicos mensais,2 sendo o se- caremos o recorte metodológico adotado e
gundo site mais visitado do mundo, atrás ape- apresentaremos os dois canais de YouTube
nas do Google. Tendo usos variados por seus analisados, primeiramente fazendo uma leitu-
usuários, o YouTube sofreu importantes trans- ra geral sobre eles e, após isso, descrevendo e
formações (Burgess e Green, 2009), deixando analisando cada trabalhador shopper a partir
de ser somente um repositório de vídeos ca- de falas, ações e comportamentos de cada um
seiros para se converter em uma importante exibidos em seus vídeos. A seção final será de-
mídia social para a produção de novos negó- dicada a traçar conclusões sobre a análise feita
cios, a emergência de influenciadores digitais e sua relação com a temática proposta, indi-
(Karhawi, 2017) e o surgimento de dispositivos cando possíveis agendas de pesquisa e traçan-
de performance do self, a partir de elemen- do um pequeno panorama da subjetividade do
tos colocados em cena pelos usuários (Jesus, trabalhador shopper.

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“Vestindo a camisa da empresa”

Neoliberalismo, uberização marcada pelo fordismo e sua capacidade de


propiciar estabilidade, planejamento a longo
e subje vidades ligadas prazo e definição de rotinas, em contraste com
ao trabalho uma nova cultura do capitalismo permeada
pelo curto prazo e pela impossibilidade de se
A emergência da razão neoliberal – conforme fazer longos planejamentos de vida. No am-
adiantado na Introdução deste artigo – en- biente de trabalho, isso ensejaria, entre outros
quanto uma estratégia de governo, ou de go- aspectos, um baixo nível de lealdade institu-
vernamentalidade, dos próprios modos de cional, ou seja, lealdade entre trabalhadores e
governar e exercer a biopolítica (Foucault, as empresas que atuam, bem como uma dimi-
2008), provocou profundos reordenamentos nuição da confiança informal desses trabalha-
na forma de indivíduos e instituições verem dores e seus colegas (Sennett, 2006).
a si próprios em relação à sociedade. Se as Explorando essa nova posição perante
ideias presentes na Escola de Chicago, defen- o mundo do trabalho, Boltanski e Chiapello
didas por economistas como Milton Friedman, (2009) destrincham o que seria um novo es-
ou mesmo na Escola Austríaca de Von Mises e pírito do capitalismo, cujo ethos aponta para
Hayek, não obtinham grande lastro no deba- uma nova vida social, formada pela multiplici-
te político mainstream assim que surgiram, a dade de encontros e por redes cujas conexões
partir da década de 1970 esse cenário passou são temporárias, embora sempre reativáveis.
a ser revertido. Tornou-se bastante difusa, nos O projeto torna-se, assim, o pretexto para a
meios acadêmicos e no ambiente corporativo, formação ou reativação dessas conexões: “Ele
a mobilização para que o indivíduo, segundo reúne temporariamente pessoas muito dife-
determinada visão, extenuado da previsibilida- rentes e apresenta-se como um segmento de
de e acomodamento do fordismo, reivindicas- rede fortemente ativado durante um período
se maior autonomia diante das estruturas bu- relativamente curto, mas que permite criar
rocráticas que encarava, através de uma con- laços mais duradouros, que permanecerão
sideração dele próprio como sujeito-empresa. adormecidos, mas sempre disponíveis” (ibid.,
Alguém que assume riscos, busca valorizar seu p. 135). Seguindo essa visão, as redes de co-
capital de modo constante e se organiza em nexão passam a garantir o êxito dos indivíduos
torno de mecanismos concorrenciais (Dardot e no mundo profissional. Quanto maior a rede
Laval, 2016). de contatos de uma pessoa, mais projetos ela
Se analisarmos esse processo de mudan- possui e, portanto, mais modos de se adequar
ças de produção e nos pensamentos e subje- ao meio em que está inserida. Essa fugacidade
tividades por outra chave teórica, também é das conexões e atividades se reflete também
possível notar transições importantes na ma- em questões como a noção tradicional de pro-
neira de os indivíduos organizarem seus traba- priedade no capitalismo. Enquanto essa visão
lhos e sua forma de encarar a vida econômica privilegia a posse de algo, no novo espírito do
e profissional. Sennett (1999 e 2006) dá con- capitalismo, a disponibilidade desse bem pas-
ta de situar a transição ocorrida em aspectos sa a ser mais importante. Não à toa passam
subjetivos de trabalhadores entre uma época a ser frequentes as relações de locação ao

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

invés daquelas de compra e venda. Com isso, dependente de uma vinculação do Estado aos
reside na posse de si a ideia de propriedade pressupostos do mercado, este em constante e
que ainda é tão cara ao sistema capitalista. É acelerada modificação.
aqui que podemos pensar no empreendedo- As maneiras com que bens e serviços são
rismo, como pautou López-Ruiz (2007), como circulados também sofrem alterações estru-
um valor social a ser cultivado nas práticas do turais, influenciadas e sendo parte, por certo,
cotidiano. Estamos nos referindo aos empre- das modificações aqui já notadas entre indiví-
sários ou empreendedores de si mesmos que duos e instituições. Um exemplo dessa relação
tanto ganham terreno no mundo do trabalho é o incentivo a uma economia do comparti-
contemporâneo, marcado pela desregulamen- lhamento incentivada pela noção de que “tu-
tação das profissões e do próprio mercado de do pertence a todos” ou “o que é meu é seu”
trabalho, colocando desafios para a dinâmica (Zanatta, 2016, p. 22). Scholz (2016) demons-
da vida urbana. tra que a economia baseada no compartilha-
Outras mudanças também se fazem pre- mento de bens e serviços, ao invés da posse
sentes com o advento neoliberal. Para além da privada deles, apesar de oferecer mais alterna-
alteração nas formas de pensar e conduzir as tivas para a obtenção de renda, estende mer-
vidas e os rumos profissionais dos indivíduos, cados livres desregulados a áreas até então es-
as instituições são profundamente modifica- sencialmente privadas de nossas vidas. Assim,
das a partir do neoliberalismo. O Estado torna- as grandes empresas do chamado capitalismo
-se, ao mesmo tempo, alvo e agente dessas de plataforma dependem de nossos carros,
transformações. Como pautam Cruz e Fonseca apartamentos, emoções e, principalmente, de
(2018), os programas e projetos governamen- nosso tempo, para crescerem, sendo apenas
tais, sob o que chamaram de ideais ultralibe- intermediadoras logísticas em que os bens re-
rais, constroem-se a partir de uma precedên- lacionados são, nesse caso, os indivíduos.
cia da esfera privada sobre a esfera pública, O conceito de capitalismo de platafor-
exemplificada em propostas como a desesta- ma, originalmente criado por Nick Srnicek,
tização na economia, a desproteção dos capi- buscou referenciar uma nova etapa da eco-
tais nacionais, o desmantelamento do Estado nomia global baseada em empresas de tec-
social – aspecto notado também em Fonseca nologia que centram seu foco na exploração
(2019) – e “uma desregulação e desregula- econômica dos dados: as plataformas, como
mentação da produção, da circulação dos bens a Cornershop, que aqui será esmiuçada. Es-
e serviços, do mercado financeiro, das relações sas plataformas passam a organizar os mer-
de trabalho e de todas as formas de mercado, cados, mediando a infraestrutura entre dife-
entre as quais o imobiliário” (Cruz e Fonseca, rentes grupos e, ao definir “as regras do jogo”,
2018, p. 556; grifos nossos). Assim, essa desre- também ditam como as demais empresas se
gulamentação se faz sentir, por sua vez, no te- estruturam dali em diante, havendo pouca
cido social urbano e na gestão de grandes me- margem de manobra (Srnicek, 2017). Scholz
trópoles, uma vez que a organização do espaço (2016, p. 18) denominou “uma armadilha
e dos múltiplos interesses econômicos estaria precária de salários baixos” a economia do

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“Vestindo a camisa da empresa”

compartilhamento propalada pelas platafor- a barreira do sul global e ensejando uma no-
mas. Ao igualar trabalhadores e consumidores va forma de gestão e controle. O conceito de
como ambos sendo usuários dos aplicativos uberização é compreendido, dessa maneira,
oferecidos por essas plataformas, há uma dua- enquanto um amplo e generalizado processo
lidade dessa relação. Se, por um lado, trata-se de informalização do trabalho, o que provoca
de ter novas oportunidades econômicas, por alterações na forma como a própria informali-
outro, os usuários trabalhadores que fornecem dade é concebida, pois a uberização, segundo
os bens e serviços aos usuários consumidores Abílio (2020), engloba processos de desre-
são por estes gerenciados, com a prerrogativa gulamentação estatal e a extinção de meca-
de punir ou, mesmo, demitir a pessoa que está nismos de controle das relações de trabalho,
prestando determinado serviço. É aqui que po- legitimando e tornando banal a transferência
demos falar da uberização como conceito que de custos e riscos ao próprio trabalhador. Esse
sintetiza os efeitos desse modelo econômico processo se dá, entre outros aspectos, a par-
para a organização social. Slee (2017) analisa tir da conversão de trabalhadores em profis-
esse movimento como algo que despontou sionais autônomos, que se autogerenciam e
enquanto inovador, parte de um apelo susten- estão sempre disponíveis para uma multidão
tável e comunitário, e, ao fim, tornou-se um de consumidores. Nesse sentido, a subjetivi-
espaço desregulado e controlado por grandes dade do trabalhador na uberização é alterada
empresas. Estas acabaram por promover uma de maneira profunda, uma vez que aspectos
nova onda de precarização do trabalho. relacionados à sua identificação em relação às
Abílio (2019 e 2020) desenvolve esse atividades que desempenha são suprimidos.
cenário explorando o que chamou de era do Assim, emerge o conceito de trabalho amador
“trabalhador just in time” para descrever o enquanto algo que é temporário, mesmo que
que compreende como uberização. O argu- se coloque de modo permanente, pois não há
mento da autora, após estudar revendedoras definições de atividades, horários e espaços
de cosméticos e entregadores motociclistas, é de trabalho, assim como planejamentos a lon-
de que as formas de exploração do trabalho go prazo para a ocupação são impossíveis de
na periferia, que antes tinham um papel se- serem traçados (ibid.).
cundário ou marginal na explicação do modo Um elemento importante da uberização
de produção do capitalismo, agora desempe- definida por Abílio (2019 e 2020) é o fato de
nham papel central para explicar a dinâmi- que, embora ela tome proporções inéditas e
ca econômica global. Importante notar que enseje formas novas de regulação e contro-
elementos bastante presentes na realidade le, as incertezas e a flexibilidade propiciadas
histórica do mercado laboral brasileiro, como por esse modelo não são questões inéditas
a indefinição sobre o que é considerado tem- no horizonte da classe trabalhadora brasilei-
po de trabalho ou não, as confusões sobre o ra. O trabalho de Machado da Silva (2018) e
que deve ser remunerado, quais são os espa- a construção positiva (no sentido de buscar
ços domésticos e espaços de trabalho, todos uma afirmação ao invés de negar o seu opos-
eles são aprofundados num modelo flexível to) do que considera como estratégias de vida
que alcança níveis mundiais, ultrapassando e sobrevivência elucidam que, ao contrário

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

de encararmos a informalidade como apenas de intermediários e intermediações que


o espelho invertido do assalariamento, é ne- reativam o trabalho a domicílio e redefi-
nem o chamado trabalho autônomo, ao
cessário enxergar as práticas existentes nes-
mesmo tempo que os mercados locais
se universo como legítimas e reveladoras do são, também eles, redefinidos na junção
modo de vida de um enorme contingente da das circunstâncias da chamada economia
população brasileira. Analisar a subjetivida- popular com máfias locais e comércio
de do trabalhador em meio à uberização é, clandestino de bens lícitos ou ilícitos de
procedência variada. (p. 9)
portanto, considerar sua trajetória enquanto
classe e as práticas econômicas e sociais antes
por ela desenvolvidas.
Além disso, mudanças concretas sur-
giram nesse universo de práticas populares A plataforma Cornershop
econômicas, sobretudo a partir da década de e a a vidade dos shoppers
1990. As formas de obtenção da renda e as
estratégias de vida se alteraram com grandes A Cornershop é uma startup chilena criada em
proporções nos grandes centros urbanos. As 2015 e que, no início, atuava apenas no Chile,
incertezas e a necessidade de traçar cálculos Peru, México e Canadá, com foco no mercado
e estratégias diante delas permanecem, mas o latino-americano, segundo Oskar Hjertonsson,
horizonte do assalariamento dá lugar a um ce- seu fundador. 3 Em outubro de 2019, a Uber
nário cuja proteção social perde o grau como adquiriu participação majoritária na empresa.
referência a ser buscada pelos trabalhadores. Chegou, assim, ao mercado brasileiro no início
Telles (2010) situa essa dinâmica de maneira de 2020 e gradativamente ampliou as cidades
bastante precisa, olhando para a cidade de São e regiões em que atuava.4 Em junho de 2021,
Paulo, mas num processo que, podemos dizer, a Uber assumiu 100% da startup após desem-
pode ser observado nos demais centros urba- bolsar U$1,4 bilhão.5
nos brasileiros: A agora denominada Cornershop by
Uber é um aplicativo que intermedeia a com-
[...] a economia informal, desde sem-
pre presente na cidade (e no país) pra e venda entre lojas e supermercados e
expande-se por meio de novas articula- consumidores previamente cadastrados. Na
ções entre a tradicional economia de outra ponta, para garantir essa relação, estão
sobrevivência, os mercados locais, que aqueles que farão as compras demandadas,
se espalham pelas regiões, mesmo as
mais distantes da cidade, e os circuitos
indo até as lojas registradas, selecionando os
globalizados da economia. Trata-se aqui produtos escolhidos, comprando-os e entre-
de novas conexões e de uma escala de gando-os nos domicílios. São os shoppers, ter-
redefinições inteiramente em fase com mo cunhado pela própria empresa e aderido
o mundo globalizado, que redesenham
pelos concorrentes do segmento. Assim como
espaços e territórios urbanos nas trilhas
de redes de subcontratação que che-
em outros aplicativos, há versões diferentes
gam aos pontos extremos das periferias para clientes e shoppers, ambas disponíveis
pelas vias de uma meada inextricável para download em sistemas Android e iOS.

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“Vestindo a camisa da empresa”

Tornar-se um shopper é semelhante a nos supermercados, literalmente “vestindo a


se tornar um motorista da Uber: é preciso ter camisa da empresa”, mesmo que atuem como
mais de 18 anos, carteira nacional de habili- trabalhadores autônomos.
tação e um veículo em bom estado com ano O horário em que as atividades podem
igual ou superior ao de 1999 com permissão ser desempenhadas é o que as lojas estão, em
para circulação. 6 Algumas etapas, contudo, sua maioria, abertas: das 7 às 23 horas; esse
precisam ser cumpridas após o cadastro ini- horário, segundo a empresa, fornece maior se-
cial:7 (1) apresenta ção on-line da empresa; gurança ao trabalhador. Já a remuneração do
(2) envio de documentos e curso on-line de shopper se dá em dois momentos: um na com-
instruções e regras de funcionamento do pra dos produtos, com um valor fixo mais um
aplicativo, com expectativa de 90% de acerto variável segundo peso e quantidade dos pro-
no teste; (3) se aprovado, assinatura de con- dutos; e outro nos deslocamentos até o super-
trato e treinamento com shopper experiente; mercado e até a casa da pessoa que realizou
(4) retirada de material da empresa: cartão o pedido, sendo o valor condicionado à quilo-
de débito e crédito para realizar as compras, metragem e, novamente, ao peso dos produ-
máscaras e álcool em gel, sacolas retornáveis tos. Para receber esses valores acumulados, o
e a camiseta com nome à frente. Assim, os shopper cadastra-se como Microempreende-
shoppers são pessoas facilmente identificáveis dor Individual (MEI), alternativa incentivada

Figura 1 – Trabalhador shopper com a camisa fornecida pela empresa

Fonte: TV Cultura – UOL.8

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

pela plataforma, ou emite um Recibo de Paga- Em suma, observa-se uma relação pro-
mento Autônomo (RPA). O pagamento ocorre fissional que emula certos elementos de uma
sempre às sextas-feiras e se refere aos ganhos relação empregatícia: benefícios para o funcio-
da semana anterior. nário, programa de incentivos e bonificações e
Assim como em outras plataformas, cobertura médica. No entanto, esses elemen-
há incentivos e promoções que a empresa tos são efêmeros e insuficientes para represen-
Cornershop destina para regular a oferta e a tar uma real segurança e estabilidade ao traba-
demanda e para cobrir determinadas regiões. lhador. O benefício de ter uma compra sema-
Estes produzem impactos psicológicos e na to- nal apenas realça a vinculação do indivíduo à
mada de decisões dos shoppers, seja impulsio- plataforma em que atua, colocando-o, ainda
nando o surgimento de pessoas interessadas, que uma única vez na semana, na posição de
seja incentivando cargas maiores de trabalho e consumidor, que, por sua vez, irá avaliar e jul-
expedientes prolongados. gar o serviço de outro trabalhador. A cobertura
A seção de “Benefícios” das Perguntas médica fornecida ocorre apenas durante o pe-
Frequentes na aba “Seja um shopper”, do site ríodo de atendimento do pedido, sendo invá-
da Cornershop9 é bastante elucidativa da rela- lida para momentos em que o shopper esteja,
ção profissional estabelecida entre trabalha- por exemplo, conectado ao aplicativo, mas não
dor e empresa. Há a menção sobre um seguro esteja atendendo ninguém. Da mesma manei-
para shoppers, que se aplica apenas durante ra, o trajeto de sua casa até o supermercado,
o período de realização do pedido. Ele cobre e vice-e-versa, não possui nenhuma segurança
morte acidental, invalidez permanente total por parte da empresa, assim como as compras
ou parcial por acidente, despesas médicas, e os veículos envolvidos em eventuais aciden-
hospitalares e odontológicas e diária por in- tes não estão inclusos no seguro fornecido.
ternação hospitalar por acidente. Esse seguro, Por fim, o sistema de premiação
importante notar, surgiu apenas no começo “Shopper 5 estrelas” associa a avaliação do
de 2021. Não conseguimos rastrear se havia trabalhador ao consumidor, que não possui
agentes responsáveis por exercer essa pressão qualquer compromisso com essa tarefa e pode
junto à empresa ou se foi uma ação tomada variar nos níveis de exigência e parâmetros de
diretamente, possivelmente para equiparar qualidade. São, portanto, elementos caracterís-
os tipos de seguros já previstos no transporte ticos do trabalho por aplicativos e do capitalis-
de passageiros. Surgiu, também mais recente- mo de plataforma atualmente vigente, mesmo
mente, a possibilidade de gorjetas por parte que busquem aspectos que transmitam maior
dos consumidores, repassadas integralmente sensação de acolhimento do trabalhador, como
ao shopper. Este também possui o benefício os benefícios e premiações, possivelmente para
de uma entrega grátis por semana para usu- se adequar a uma sociedade marcada ainda pe-
fruir da plataforma como consumidor. E ainda lo horizonte do assalariamento e da segurança
há um sistema de incentivo preestabelecido, o por ele proporcionada. Nesse sentido, as me-
“Shopper 5 estrelas”, que “busca reconhecer didas tomadas não se colocam através de uma
os Shoppers que têm um ótimo atendimento iniciativa marcante de regulamentação dessa
e uma excelente parceria com a Cornershop”.10 atividade profissional que exija parâmetros

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“Vestindo a camisa da empresa”

mínimos e garantias ao trabalhador shopper no maioria homens, de camisetas vermelhas da


exercício de sua atividade. Ainda que por vezes Cornershop fazendo compras e consultando
seja instado a atuar junto ao transporte de pas- constantemente seus smartphones.
sageiros, dada a abrangência e repercussão da Foi nessa esteira que buscamos saber
profissão uber nos centros urbanos, o Estado mais sobre esse tipo de atividade, e encontra-
ainda não se inseriu em algum tipo de proteção mos, no YouTube, alguns poucos canais, ainda,
social ao shopper. de shoppers que passaram a expor seus coti-
dianos, transmitir conhecimento prático e dar
dicas para quem se interessasse a seguir os
mesmos rumos.
Conhecendo Um vídeo de Valmir Cavalcante, cujo
os canais analisados canal iremos explorar a seguir, intitulado
“Cornershop – Meu primeiro dia como
Adentraremos, agora, na descrição e análise shopper – comprador/link” 11 e que data do
dos dois canais de shoppers selecionados para dia 22 de março de 2020, revela com bastante
este artigo. Antes, porém, convém explicar a nitidez esse contexto de início tanto da pan-
metodologia empregada para a escolha e a lei- demia quanto desse tipo de atividade. Valmir,
tura desse conteúdo. Nesse sentido, é impor- nesse vídeo, resume, enquanto dirige, a ativi-
tante explicar que este é um objeto de inte- dade que irá desempenhar: “Eu não levo pas-
resse surgido por volta de abril de 2020, quan- sageiro, eu só levo a compra. [...] Pessoal pede
do a cidade de São Paulo vivenciava períodos no aplicativo, eu faço a compra e vou fazer a
de isolamento mais rigorosos, inclusive com entrega. É o que tem pra fazer. Mercado lo-
a antecipação de feriados municipais e esta- tado, muita gente comprando por aplicativo,
duais e até rodízio diário na circulação de au- comprando muito, e eu vou fazer esse traba-
tomóveis. Isso é importante de ser colocado, lho de shopper. Shopper, shopper.” [00’35”]. O
pois nessa época é que a empresa Cornershop final dessa frase expressa, ainda, o começo da
passou a expandir sua abrangência de atua- identificação de Valmir com sua atividade, alte-
ção, tanto nas cidades em que já estava pre- rando a pronúncia da nova palavra de seu voca-
sente, com um crescimento de shoppers que bulário, até definir uma, com o “o” mais aberto.
se inscreviam no aplicativo, quanto em ter- Lê-se: “xóper”.
mos nacionais, em que a empresa inaugura- Assim, a escolha dos dois canais sobre
va sua atuação em outras grandes cidades e os quais iremos nos debruçar se deu sob a pri-
capitais. Tratava-se, portanto, de um contexto mazia de conteúdos que refletissem o cotidia-
em que a vacinação ainda era uma realida- no de trabalho dos recém-surgidos shoppers,
de muito incerta e distante, e a proteção da também prezando por uma certa continuidade
população que possuía alguma comorbida- das publicações no YouTube, o que aumenta-
de se fazia ainda mais urgente. Sendo assim, ria a diversidade de tópicos abordados e dos
era frequente ver, nos mercados conveniados momentos vivenciados, refletindo variações
com a empresa, uma série de trabalhadores importantes para nossa análise. Também é re-
shoppers, homens e mulheres, mas em sua levante considerar o estímulo do algoritmo do

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mecanismo de busca do YouTube, que indicou suas trajetórias biográficas e profissionais e,


canais de maior destaque sobre o tema pes- também, desenhando um panorama do ca-
quisado. Desse modo, para além das visualiza- nal que possuem: descrição, representação
ções, os algoritmos indicaram os canais como gráfica, tipos de vídeos e playlists criadas,
consequência do engajamento e articulação interação com outras redes sociais. Isso nos
entre produtores e espectadores, levando a permitirá inferir certos aspectos de suas sub-
um denominador comum de narrativa coesa jetividades, que serão explorados com vídeos
para o segmento analisado (tema, palavras- deles enquanto shoppers, quando seleciona-
-chave, perfis em comum que acessaram esse remos algumas falas e atividades que melhor
tipo de conteúdo). Uma vez que, neste artigo, auxiliam na construção desses sujeitos. Co-
importa-nos mais o discurso, a construção mo adiantado na Introdução, os elementos
narrativa dos shoppers, do que a quantidade selecionados são baseados no interesse de
de acessos e curtidas, é que analisamos ca- observação de como esses shoppers descre-
nais e vídeos não necessariamente no topo da vem suas atividades e relacionam-se com as
audiência no YouTube. plataformas e seus colegas de trabalho e na
A decisão de ter apenas dois canais como maneira como constroem a narrativa de si,
objeto de estudo corrobora a busca pelo foco expressando seus posicionamentos perante a
na construção narrativa dos indivíduos analisa- sociedade e sua subjetividade.
dos, o que exige maior detalhamento dos con-
teúdos expostos para o estudo das expressões Uber do Marcelo, o Uber fora da curva
e discursos desses profissionais. Na perspectiva
de análise da subjetividade do shopper, con- Este canal é gerenciado por Marcelo Ribeiro,
sideramos que esse detalhamento garantiria que se descreve da seguinte maneira:
que captássemos mais nuances, ambiguidades
4 Anos de Uber, mais de 15.000 viagens,
e reflexões do que um estudo, por exemplo, primeiro motorista do RS a chegar na in-
de base quantitativa sobre vários canais de crível nota 5.0, atualmente o motorista
shoppers no YouTube. Esta, porém, é também mais premiado do Brasil provando que
uma pesquisa interessante para a sequência de "SIM, as estrelinhas pagam as contas e
muito mais". Ajudando outros motoris-
estudos sobre essa categoria de trabalhador
tas do país inteiro a chegar na nota 5.0
nesse tipo de enquadramento midiático, assim e também serem reconhecidos pela exce-
como outras abordagens qualitativas merecem lência no atendimento.
desenvolvimento. De tal maneira que nosso Sem nunca trabalhar com transporte ou
artigo e o recorte proposto por ele permitem viver do trânsito, descobri na Uber uma
excelente oportunidade de ganhar di-
apenas um primeiro olhar sobre o fenômeno
nheiro e conhecer pessoas novas todos
social aqui descrito, havendo muito espaço pa- os dias.12
ra explorá-lo através de um universo maior em
eventuais pesquisas futuras. O canal de Marcelo possui 105 mil ins-
As descrições e as análises a seguir bus- critos e mais de 12 milhões de visualizações e
carão compreender quem são os shoppers foi criado em 14 de abril de 2016. Há um papel
escolhidos, coletando informações sobre de parede na página inicial com uma foto de

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“Vestindo a camisa da empresa”

Marcelo em frente a um veículo e o seguinte que, antes do trabalho por aplicativos, Marce-
texto na imagem: “Método Motorista Fora da lo foi vendedor de uma loja de esportes, no
Curva: rode utilizando as melhores estraté- formato de carteira assinada, e que também
gias a seu favor, conquiste as melhores notas atuou no ramo da venda de carros, no qual diz
e fature muito mais do que você imagina!”. Os não ter obtido sucesso.16
logos das plataformas Uber, 99 e Cabify tam- Até aqui, todos os elementos mobiliza-
bém são exibidos, bem como hiperlinks para dos nos levam a pensar que Marcelo apenas
acessar as páginas de Marcelo no Instagram e trabalha no transporte de passageiros, mani-
no Facebook.13 festando sua identidade profissional como um
Percebemos, portanto, que Marcelo trabalhador que é somente uber. No entanto,
criou uma espécie de metodologia de traba- um exame das playlists existentes no seu canal
lho, o Método “Fora da Curva”, que ajudasse revela uma especificamente dedicada ao tema
os motoristas a terem maiores rendimentos “Cornershop”. Essa playlist contém 124 vídeos.
e boas avaliações, numa espécie de “otimi- As demais playlists, que, de certa maneira, or-
zação” do esforço empregado. Como o foco ganizam as atividades representadas por Mar-
deste artigo é sobre o trabalho como shopper, celo, estão no Quadro 1, elencadas da mais
não examinaremos como essa metodologia é antiga para a mais recente.
desenhada e aplicada. Porém, vale notar uma De certo modo, a associação de Mar-
menção que faz Marcelo de um curso com celo como um uber e não um shopper advém
“aulas dinâmicas e diretas com exemplos práti- da maneira como as atividades da Cornershop
cos para auxiliar VOCÊ a ganhar mais dinheiro adentraram na sociedade brasileira. No con-
como motorista de aplicativo”. Essa menção texto de início da pandemia do novo corona-
é encontrada em sua página de Facebook, na vírus, em que houve uma queda significativa
qual há um link que, em teoria, remeteria ao do número de corridas no transporte de passa-
curso, mas que, quando clicamos, a página pa- geiros, por muitas pessoas terem adotado me-
rece já estar fora do ar.14 didas de isolamento social, tornar-se shopper
É válido também mencionar o título soava como uma alternativa para quem já era
reivindicado por Marcelo em sua página no uber. Se essa atividade substituiria sua ante-
Instagram, de eleito como “Melhor Uber do cessora ou seria com ela partilhada no futuro
Brasil”. Esse título advém de sua nota 5.00 de seria difícil dizer, e essa determinação ainda
avaliação, ao menos em maio de 2019, reco- hoje está em constante definição. Porém, a
nhecida pela empresa Uber como a única no pergunta que muitos ubers se faziam era: Vale
País. Na entrevista concedida por Marcelo a pena fazer delivery de supermercado?. Essa
ao jornal gaúcho Zero Hora, quando de sua era exatamente a frase que constava na ima-
premiação, conseguimos identificar que ele é gem de capa do terceiro vídeo da playlist que
morador de Porto Alegre e trabalha com um Marcelo dedicou ao assunto “Cornershop”. Es-
carro que é alugado.15 Em outra entrevista, se vídeo, de 23 de abril de 2020,17 relata a pri-
concedida a uma empresa que desenvolve meira entrega feita pelo recém-shopper, dan-
aplicativos de transporte, conseguimos saber do continuidade a uma fase em que passava as

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

Quadro 1 – Playlists do canal “Uber do Marcelo, o Uber fora da curva”

Plas ec e a Cal Pura Adi vada Não seja otário do passageiro


Quanto fature com o Nissa VERSA 5 dicas para faturar alto em dezembro
fui rejeitado pela 99 POP a uber bloqueou minha conta
Me deram no meio acabou minha fidelidade a uber e 99
Me deram no meio* Cornershop
R$4.200,00 limpo na crise e na Uber Dica do Marcelo
Nota Polêmicas
Uber pro NOVIDADES
uber pro não tá valendo #DicaForaDaCurva
o maior cas go para o passageiro

Fonte: Elaborado a par r de h ps://www.youtube.com/c/UberdoMarcelooUberforadacurva/playlists. Acesso em: 27


jul 2021.
*Trata-se de uma segunda playlist de mesmo nome.

primeiras impressões sobre o aplicativo. Qua- sua posição, numa posição similar a quem é
tro dias atrás, em 19 de abril, Marcelo havia empreendedor de si mesmo. Esses “outros”
postado o primeiro vídeo da série, intitulado são vistos, assim, como fracassados: “[...] vai
“Primeiras Impressões da Cornershop”. ter um monte de fracassado dizendo para ti
No vídeo sobre sua primeira entrega co- que isso, que isso não vale, é vida de escravo,
mo shopper, Marcelo mobiliza elementos de que não sei o que … é Uber, é Cornershop blá-
valorização de capacidades pessoais, entre elas bláblá. Tu é que sabe onde teu calo aperta, tu
a paciência. Quem não tivesse esse atributo, é que sabe onde tem que tirar a força para sair
segundo ele, deveria “ir para a obra” (02’00”). de casa todo dia [...]” (05’50’’).
Outro momento que o shopper mobiliza as ha- Se, nos vídeos iniciais, havia certo des-
bilidades interpessoais da atividade é quando lumbramento com a forma com que o aplicati-
ele diz que “tu vai pegando a manha “de fazer vo da Cornershop operava, após algum tempo
compras e melhora sua eficiência, pois o apli- de vivência como shopper, Marcelo passa a
cativo vai remunerar melhor e te indicar mais questionar certas estratégias da plataforma.
vezes para outras compras. Percebe-se, então, Em 5 de maio de 2020, ele grava o vídeo intitu-
uma relação de admiração inicial pelo aplicati- lado “Cornershop reduz as tarifas e os incenti-
vo, que consegue organizar e quantificar as re- vos” 18 e o inicia perguntando “Cornershop ain-
lações de trabalho envolvidas na experiência. da tá valendo a pena?”. Em seguida ao ques-
Ao final desse vídeo, fica evidente a construção tionamento, ele descreve situações de redu-
de uma imagem positiva vinculada ao trabalho ção dos valores ganhos e dos incentivos que,
como shopper e como uber, manifestando no- no começo da operação, eram tão presentes
vamente qualidades individuais que exaltam para os shoppers. Ao mesmo tempo que tece
aquele que persiste enquanto outros criticam críticas, Marcelo busca explicar a lógica por

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“Vestindo a camisa da empresa”

trás do comportamento das empresas para quanto tempo tu vai ficar on-line… tenta
as quais presta serviços. Há, então, um cará- jogar com outros aplicativos, tenta jogar
com Uber, com 99, com InDriver. Ten-
ter dual, entre crítica e compreensão e que
ta, sabe, porque… hoje as tarifas estão
resulta em certa resignação, associada a ten- muito ruins, as tarifas estão muito bai-
tativas de não ser explorado: “Quando tá bom xas. Seja em Uber, InDriver, 99, tá muito
os aplicativos, eu falo. Quando os aplicativos complicado. A tarifa aqui da Cornershop
tão uma porcaria, eu também falo. Falo por tá caindo também. Então a gente vai
ter que saber explorar ao máximo pra
quê? Porque a gente tem que tentar não ser
não ser tão explorado pelos aplicativos.
explorado, somente ser explorado, pelos apli- (06’00” ao 06’37”)
cativos. Tem que tentar explorar alguma coi-
sa deles também” (04’38”). Marcelo explica É importante notar que, apesar do cará-
a lógica econômica da plataforma nos locais ter individualista presente no discurso de Mar-
que ela chega, dizendo que buscam injetar celo, e mobilizado principalmente pela ideia
dinheiro no início, fornecendo incentivos aos que se aproxima de um ethos empreendedor,
shoppers, momento que mais compensa fazer de superação das adversidades e constante
compras e entregas por esse aplicativo. De- leitura do cenário econômico, vemos também
pois que a empresa se consolida no local, se- que há uma busca pela formação de uma re-
gundo ele, esse investimento deixa de aconte- de de trabalhadores em condições similares à
cer. A lógica econômica e a responsabilização dele. Essa rede também é ambígua, pois a as-
das plataformas são sucedidas por uma leitura sociação de mais pessoas ao seu canal e suas
conjuntural de que há muita gente à disposi- redes sociais garante, por sua vez, mais visua-
ção dos aplicativos, pois muitas pessoas es- lizações ao seu conteúdo e maior monetiza-
tão desempregadas, o que resulta em poucas ção dele. Além disso, no começo da operação
chamadas para cada shopper. Em certa medi- da Cornershop no País, havia também muitos
da, deposita parte da responsabilidade pelos incentivos financeiros para que um shopper
baixos ganhos ao próprio trabalhador. A saída convidasse um colega a ingressar no ramo. As-
é, novamente, investir em si próprio e nas ca- sim, aquele que indicasse mais pessoas obteria
pacidades individuais, mobilizando pequenos mais vantagens. Ademais, mesmo conside-
cálculos econômicos e de tempo, ao mesmo rando esses aspectos de cunho individualista,
tempo que “tentar” e persistir acabam sendo observa-se uma constante troca de experiên-
atitudes mais e mais aconselhadas. A tentati- cias e situações que, ao mesmo tempo que
va, para Marcelo, diante da inevitabilidade da auxilia o dia a dia no trabalho, também ajuda
forma de atuação da Cornershop, é “explorar a ser formada uma, mesmo que frágil, identi-
para não ser tão explorado”. dade profissional. São muitas as vezes em que
Marcelo dá dicas de como agir em determina-
Dá pra ganhar dinheiro? Dá. Mas cada das situações, inclusive ilustrando exemplos
vez mais, como eu sempre falei, tem que
de colegas que conheceu, muito por conta
saber trabalhar. Cada vez mais tu vai
ter que saber onde tu tá gastando, qual da atuação do canal. Um exemplo de como
o tempo que tá na rua, se tá valendo a é formada uma coletividade dessa atividade
pena ficar à disposição do aplicativo, profissional, ainda que com vínculos frágeis,

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é o apoio a paralizações de motoristas de apli- o meu, suga o meu dinheiro através dos
cativo que Marcelo demonstra no vídeo: “Gre- impostos. Então, galerinha, quero saber
a tua opinião aqui nos comentários. Dei-
ve na Uber, 99 pop e InDriver. você vai parar
xa o teu like, te inscreve no canal e até o
também?? dia 3 de novembro”. 19 Apesar de próximo vídeo fora da curva!
não fazer referência explícita ao trabalho como
shopper, esse vídeo consta da playlist dedica- Marcelo aparentemente não tem fei-
da ao assunto, mostrando mais uma vez como to tantas atividades como shopper em 2021
as categorias shopper e uber estão imbricadas como foi no começo da pandemia da Covid-
em seu discurso. No vídeo, Marcelo diz apoiar -19. No vídeo “Quase perdi minha conta na
todo tipo de paralização, mas reivindica mais Cornershop”,21 de 19 de janeiro de 2021, ele
união na definição das datas para as greves da relata que já não fazia tantas corridas pelo
categoria. Para ele, deve haver uma estratégia, aplicativo, provavelmente tendo retomado
pois é possível “parar de forma inteligente. Até suas atividades como trabalhador uber, de tal
nisso, a gente pode ganhar dinheiro. A gente forma que foi desabilitado na plataforma por
pode ganhar dinheiro, a gente pode mostrar e ficar muito tempo sem utilizá-la. A explicação,
a gente pode fazer um efeito... mais forte, né, segundo Marcelo, é que muitas pessoas que-
dar no rim, ali, dos aplicativos”. (01’07”). Essa rem entrar no ramo, e aqueles que ficam mui-
é uma importante descrição da estratégia “ex- to tempo sem utilizar acabam por ficar com a
plorar para não ser tão explorado”, presente no vaga dos que desejam ingressar.
discurso de Marcelo, e dá conta de represen-
tar a complexidade de sua subjetividade. Essa Valmir Cavalcante
complexidade e o posicionamento político de
Marcelo ficam mais nítidos no final do vídeo Valmir é mais sucinto na descrição de seu
“Como eu trabalho na pandemia”,20 de 18 de canal, que leva somente seu nome e sobre-
agosto de 2020, também presente na playlist nome. Descreve ele: “Vídeos sobre meus tra-
dedicada ao tema Cornershop. Ao tocar nos balhos!” 22. O canal possui um alcance muito
cuidados sanitários que toma rotineiramente menor em relação ao de Marcelo, com ape-
em seu veículo e expressar preocupação com nas 2,07 mil inscritos, embora seja mais anti-
a gravidade da pandemia do novo coronavírus, go, com sua inscrição em 10 de novembro de
possivelmente ao observar que esse era um 2013. Até a escrita deste artigo, foram 403.583
tema politicamente controverso, Marcelo diz: visualizações no canal. O papel de parede diz
o seguinte: “Máscaras [emoji de alguém com
Tem uns aí que são de extrema esquerda,
máscara] atacado”, o que, se analisarmos a fo-
outros são de extrema direita... Tem uns
que falam, já misturam política no ne- to de perfil de Valmir, que veste uma másca-
gócio, não quero nem saber disso, nem ra caseira escrita, de um lado, seu nome, e de
discuto política, num ganho nada com outro, o logo do YouTube, nos permitiria con-
esses políticos de merda. Nem de esquer- cluir que a atividade de Valmir como shopper,
da, nem de direita, não interessa o teu
se não foi descontinuada, ao menos concorre
partido, o meu partido é o do trabalho,
eu que faço o meu dinheiro. Político ne- com outros de seus “trabalhos”, termo por ele
nhum me ajuda, só me atrapalha e suga empregado na descrição. O vídeo mais recente

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“Vestindo a camisa da empresa”

dele falando sobre a Cornershop, porém, es- Essa função, assim como das outras vezes, foi
clarece de vez a situação. Num comentário, combinada com atividades como shopper e
um usuário questiona: “Vc saiu da cornershop? uber, até o momento em que ele relata se dedi-
Está postando vídeos de vendas agora”. E Val- car às máscaras com exclusividade.24
mir, em uma das respostas, resume sua ativi- É possível que, pelo fato de desempe-
dade profissional atual: “Cornershop me aju- nhar uma série de “virações” e trabalhos que
dou muito, mas hj em dia só vendo máscaras, variam conforme as oportunidades aparecem
distribuo para todo Brasil”.23 e se esvaem, Valmir não manifesta, como ocor-
Embora não haja playlists criadas no re com Marcelo, uma identidade como um
canal de Valmir Cavalcante, fizemos abaixo uber ou shopper. Um atento olhar aos vídeos
um pequeno agrupamento dos assuntos dos que publica e à narrativa que constrói de si
vídeos por ele postados no canal. O agrupa- nos indica que Valmir é tudo isso ao mesmo
mento busca seguir uma cronologia a partir tempo, evocando novas identidades à medida
dos vídeos mais antigos para os mais recentes. que um aplicativo é conectado e outro é des-
Assim, percebemos que Valmir, entre 2016 e conectado ou conforme muda o produto ou
2017, era um caminhoneiro, ou um truck, como serviço a ele demandado para ser entregue.
nomeava seu canal até 2020: Truck Valmir Ca- O primeiro vídeo de Valmir como shopper, in-
valcante. Há cerca de dois anos, passou a traba- titulado “Cornershop, Shopper comprador em
lhar como uber, alternando, por um tempo, as mercados”,25 de 18 de março de 2020, ilustra
atividades como caminhoneiro. Em março de essa polifonia de identidades profissionais,
2020, tornou-se shopper, dessa vez alternando que, pelas palavras dele, poderíamos afirmar
com as atividades de uber. A partir de maio do que se aproxima de uma visão de alguém que
mesmo ano, já existem vídeos de Valmir rela- é um empreendedor de si mesmo, iniciando
tando suas vendas de máscara por atacado. novos empreendimentos:

Quadro 2 – Assuntos dos vídeos do canal “Valmir Cavalcante”

A vidades como motorista de caminhão ou truck


A vidades como motorista de passageiros ou uber
Vídeos relatando acontecimentos pessoais
A vidades como shopper
A vidades sobre a produção e venda de máscaras no atacado

Fonte: elaborado a par r de h ps://www.youtube.com/channel/UCvXhwd_7xuWh_9-F-VEWWrg/videos. Acesso em:


29 jul 2021.

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

Estou indo fazer um treinamento pra um trabalhando como shopper. Ele inicia o vídeo
novo empreendimento aí. É... o que que após sua terceira compra no dia, dentro do seu
é esse empreendimento que eu vou fa- carro em um estacionamento de supermerca-
zer agora? [...] Eu vou ser um shopper.
do. Em sua quarta compra, ele se mostra an-
O que que é um shopper? O shopper é
um comprador. Então vou ser um com- sioso ao comentar que o valor da compra en-
prador. Um comprador de mercado. En- comendada não cobria a gratuidade do esta-
tão, agora já tá tendo várias empresas, cionamento, o que o obrigou a entrar em con-
eu tô indo fazer o treinamento de uma, tato com o suporte da empresa de plataforma
mas já tem mais duas aí que eu posso tá
para conseguir o reembolso. Outra dificuldade
me cadastrando também. Eu vou ficar no
mercado, então posso trabalhar com dois relatada é a de precisar caminhar muito para
aplicativos. Igual, tipo, Uber e 99. Só que fazer algumas entregas.
eu vou fazer compras, não vou ter passa- Em outros momentos do vídeo, percebe-
geiro. [...] Então vou ser shopper já dessa mos a disposição permanente de Valmir para
empresa que é... shopper é comprador.
aquela atividade, exemplificando com nitidez
Eu vou lá, faço a compra, separo os itens
e levo até o... até o cliente. (00’03” a a noção do trabalhador just-in-time (Abílio,
01’23”) 2020): primeiramente, ele comenta que pre-
cisava agilizar uma entrega porque o aplicati-
Assim como Marcelo, Valmir grava mui- vo já tinha indicado outra compra a ser feita;
to de seus vídeos dentro do carro, mas, em depois, revela: “trabalhei cara, não parei nem
geral ele os faz durante os deslocamentos até um minuto. O único tempo que eu parei foi
o supermercado ou até a residência de algum meia hora, fiz uma refeição e continuei [...]”
consumidor da Cornershop. Por essa razão, (05’37’’); no final do vídeo, quando já está re-
muitas vezes suas falas são interrompidas pelo tornando para casa, aponta que só vai comer,
comando de voz do GPS ou então ele precisa dormir e depois acordar cedo para outra jorna-
fazer algumas pausas nos relatos para se aten- da de trabalho de 12 horas.
tar ao trânsito à sua volta. Outros vídeos tam- Está presente, nesse vídeo, novamente a
bém são gravados nos estacionamentos dos ideia do empreendedor de si, que mobiliza o
supermercados ou dentro deles, fazendo as imperativo de ser ágil para aumentar seu ga-
compras e narrando algumas dicas e aconteci- nho, ao mesmo tempo que se preocupa com
mentos. Esse recurso não é muito mobilizado sua reputação, buscando escolher bem os pro-
por Marcelo, que geralmente faz seus relatos dutos para não ter problemas com os clientes
num mesmo local e com o carro parado. e preocupando-se com o sistema de avaliação
O vídeo de Valmir, “Cornershop – traba- do aplicativo (49 avaliações com 5 estrelas e 1
lhando por 12 horas”,26 de 6 de abril de 2020, com 4 estrelas). Esse mesmo vídeo ainda eluci-
é um exemplo dessa forma de gravar do sho- da como Valmir lidava com o trabalho em dois
pper em questão. Porém, mais do que isso, é aplicativos e atividades distintos, buscando
um vídeo elucidativo das condições de traba- combiná-los de modo a atenuar gastos de seu
lho encaradas por Valmir. Num domingo, ain- deslocamento pela cidade. Afinal, muitas ve-
da que uma referência generalizada de um dia zes, quando acaba o expediente, ele está lon-
de descanso, ele relata ter passado 12 horas ge de sua casa: “Terminei longe. Como a gente

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“Vestindo a camisa da empresa”

não é bobo, acabei de ligar o Uber. Direcionei, funciona. Tá? Eu tô fazendo vídeo e tá conec-
se pegar um passageiro, ele vai ajudar na des- tado. De repente pode tocar aqui…” (03’33”
pesa” (5’00’’; grifos nossos). ao 03’48”).
Valmir desenvolve uma relação seme- Outro aspecto importante para a des-
lhante à de Marcelo, em alguns aspectos, com crição do canal de Valmir é sua interação com
a plataforma Cornershop. Ambos aliam críti- outros trabalhadores shoppers. Há muitos ví-
cas a determinadas lógicas de funcionamento deos relatando a experiência de trabalho com
com explicações e justificativas sobre a manei- outros colegas, sejam pessoas que estavam ini-
ra como a empresa opera. Contudo, é possível ciando suas atividades como shoppers naque-
dizer que Valmir manifesta maior resignação le momento, sejam colegas que ele relata ter
quanto à Cornershop do que Marcelo. Se este contato através de grupos no WhatsApp, e que
falava em greve dos motoristas de aplicativo decidiu gravar uma experiência de compra ao
e era mais incisivo nas críticas, Valmir parece lado deles. Este é o caso do vídeo “Cornershop
mais preocupado em explicar os modos de 31/12, Última compra do ano”,28 de 31 de de-
funcionamento da plataforma, mesmo que zembro de 2020, quando Valmir grava seu co-
não deixe de manifestar cansaço e ansiedade lega atendendo a um pedido, e os dois vão for-
pelas condições de trabalho enfrentadas. O necendo dicas de como prestar aquele serviço
vídeo “Cornershop proíbe você trabalhar com com mais qualidade e agilidade. A animação
outro App”,27 de 6 de junho de 2020, embora e efusividade de Valmir ao gravar vídeos com
pareça tratar de uma manifestação de desa- seus colegas denotam alguma solidariedade
gravo à empresa, na verdade é uma explicação coletiva em torno da atividade como shopper,
de Valmir de que não há nenhum impeditivo ao mesmo tempo que podem indicar uma bus-
de trabalhar com mais de um aplicativo, des- ca por mobilizar seu próprio canal, atraindo vi-
mentindo certo boato que dizia o contrário. sualizações para sua atividade. Nesse aspecto,
Ele explica que havia incentivos para que os na comparação com Marcelo, vemos que este
shoppers ficassem on-line no aplicativo por age de modo distinto: suas interações apare-
determinado período, pois ganhavam um va- cem nos vídeos através de relatos dele sobre
lor a mais por isso, não havendo um porquê conversas que teve com colegas, sem, contu-
de se conectar a outras plataformas. Com a do, mobilizar nomes e vídeos inteiramente
diminuição desses incentivos, Valmir conta dedicados a isso. Possivelmente pela diferença
que passou a valer mais a pena trabalhar com de magnitude dos canais e pelo número de ins-
outras plataformas simultaneamente, desde critos e visualizações, Valmir parece se ocupar
que tendo o cuidado de desligar uma delas mais de dar visibilidade a outros shoppers,
quando uma corrida ou compra chegasse na mesmo que não haja uma continuidade dessas
outra. Mas reforça que essa exclusividade com interações em seu canal.
a Cornershop nunca ocorreu: “Simplesmente, Por fim, politicamente, podemos ver
se você não, é... não tiver conectado, cê num que Valmir não se coloca de maneira enfática,
vai receber... é… pedido nenhum. Quem tiver evitando posicionar-se, mesmo em momen-
conectado vai receber pedido, e é assim que tos em que aparentemente iria expressar sua

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

opinião com mais clareza. Mais especificamen- Aqui não se trata de uma comparação entre
te, no vídeo “Uber – táxi! vereador Amadeu”,29 os dois, mas de uma complementaridade que
de 1º de agosto de 2020, Valmir começa fa- nos auxilia a traçar aspectos da subjetividade
lando de como o vereador Adilson Amadeu, do trabalhador shopper. Ao descrever suas ati-
reconhecido representante da categoria de vidades, Valmir traz as condições extenuantes
taxistas em São Paulo, havia ficado bravo e de trabalho a que essa categoria é submeti-
descontente com certa estratégia da empre- da, como jornadas de trabalho extensas, bai-
sa Uber em buscar abarcar o público taxista. xa remuneração, ausência de estrutura para
Valmir dá sinais de que começará a criticar o deslocamento casa-trabalho e a ausência de
vereador e, em alguns momentos, aparenta condições importantes para a saúde do traba-
defender a Uber, mas termina o vídeo dizen- lhador, como horário adequado de almoço e
do que, apesar de serem mudanças boas para preocupações com o esforço físico empregado
o passageiro, no sentido de que ele terá mais nas tarefas. Isso tudo sem contar nos quase
opções de escolha, “vai dar muita briga, isso nulos direitos de trabalho considerados pela
aí vai dar muito o que falar. Certo? Mas vamo plataforma Cornershop como “benefícios”. Es-
ver o resultado daqui pra frente” (07’00”). Um sas condições se convertem em manifestações
pouco antes, ponderou sobre o vereador: “No de cansaço físico e psicológico, bem como em
ponto de vista dele, ele tá certo. Tá lutando aí diversos momentos de ansiedade e preocupa-
pelos taxistas...”. Esse episódio ainda elucida ção, advindos do afã de desempenhar bem a
a maneira como se dá o debate em torno das função shopper, mas também das inseguranças
iniciativas de regulamentação do trabalho por propiciadas pela lógica de funcionamento das
aplicativos, em que lógicas privadas e corpora- plataformas. Valmir toca em atributos pessoais
tivas – dos taxistas – buscam intervenção junto que um shopper deveria prezar e desenvolver
ao Estado, este já permeado pelos interesses nesse cenário, mas é Marcelo quem explora
econômicos das plataformas e pela lógica ge- isso com mais detalhamento. Ele traz o ethos
rencial de governança. Os direitos e a proteção empreendedor em suas falas e ações, deman-
das categorias pouco representadas e desas- dando sempre uma atitude de perseverança
sistidas de uma real regulamentação de suas diante de tais condições encaradas, sem deixar
condições acabam negligenciados por uma de denunciá-las, vale notar. Mas o modo como
concepção neoliberal de justiça, que entende Marcelo descreve seu trabalho permite enqua-
as desigualdades sociais como justificáveis e, drá-lo como um empreendedor de si mesmo
por isso, aceitas (Fonseca, 2014). (Dardot e Laval, 2016), que atravessa uma jor-
nada difícil, mas para a qual é preciso “extrair
força”, superando barreiras como o Estado que
Conclusões o “suga” através dos impostos, as plataformas
que o exploram e os “fracassados” que trans-
Podemos começar analisando as descrições ex- mitem negatividade àquela ocupação.
postas acima observando que a maneira como Ser um shopper, portanto, é mais co-
a atividade de shopper é descrita por Marcelo mo um “passar a ser” um shopper, é encarar
e por Valmir mobiliza diferentes elementos. mais um “empreendimento” na vida desses

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“Vestindo a camisa da empresa”

indivíduos, é uma condição que pode ser de- seu caráter instável, se olharmos para os
sativada ou reativada conforme progridem os shoppers também como ubers, entregadores,
cálculos, estratégias e oportunidades. No ca- trucks, ou seja, trabalhadores modulados por
so da pandemia do novo coronavírus, essa foi aplicativos gerenciados por grandes empresas,
a oportunidade para que muitos que se viam as plataformas. Como toda generalização, per-
como uber ou, como usualmente se nomeiam, deremos nuances importantes se encararmos
“motoristas de aplicativo” passassem a atuar dessa maneira, mas é um modo que considera
como shoppers. De todo modo, nunca se deixa a própria narrativa e representação de si feitas
uma atividade completamente. A incerteza e a por Marcelo e Valmir, por exemplo.
insegurança quanto às condições de trabalho A permanência do trabalho por aplicati-
e os ganhos que serão obtidos acarretam uma vos, porém, ajuda a explicar as atividades de-
impossibilidade de planejar o futuro a médio e sempenhadas pelos dois, mas não encerra as
longo prazo, como já havia adiantado Sennett estratégias por eles traçadas para ganharem
(1999 e 2006). O planejamento ocorre confor- a vida. Marcelo, por exemplo, buscou capitali-
me as informações disponíveis, e a velocidade zar sua atuação enquanto youtuber para ten-
dos cálculos e raciocínios para ingressar numa tar ofertar um curso para outros motoristas
determinada atividade ou ligar e desligar deter- de aplicativo. Já Valmir, identificando que o
minado aplicativo precisa ser muito fugaz. Isso trabalho como shopper não propiciava os ga-
explica a fragilidade e a dificuldade de se cons- nhos que estava esperando, passou a utilizar
truir uma identidade em torno do shopper, mas as redes e seu canal para vender máscaras no
também em torno de outras ocupações modu- atacado, outra lacuna identificada por ele com
ladas pela uberização (Abílio, 2019 e 2020). As- o advento da pandemia do novo coronavírus.
sim, é latente a presença do trabalho amador, Numa narrativa empreendedora clássica, diría-
como descreveu Abílio (2020), dada a indeter- mos que Valmir identificou uma oportunidade
minação de tempo e espaço nas tarefas desem- de mercado e buscou explorá-la para conquis-
penhadas. Isso produz efeitos na formação de tar seus ganhos. Esta não é uma descrição in-
uma solidariedade coletiva e nas possibilidades correta, mas preferimos situá-la como uma
desse sujeito social intervir no Estado. prática constante e estruturante das estraté-
Não significa dizer, porém, que não há gias de vida e sobrevivência das camadas po-
uma identidade e uma subjetividade a ser no- pulares (Machado da Silva, 2018), ou como um
tada no trabalhador shopper. Ela existe e pode imperativo de sobrevivência no mundo da in-
ser vista nas falas dos sujeitos aqui analisados formalidade, considerando o contexto históri-
e na maneira como eles dialogam com seus co e socioeconômico brasileiro, ainda que sob
semelhantes. Mas essa identidade possui vín- dimensões e intensidades distintas na atua-
culos frágeis e fugazes, embora sempre reati- lidade (Telles, 2010).
váveis, como descrevem Boltanski e Chiapello Percebe-se nas falas dos shoppers ana-
(2009) sobre o mundo conexionista de proje- lisados uma frustração com a política (e com
tos e redes que se formou no capitalismo con- os políticos). Fica clara a ideia de que eles es-
temporâneo. Talvez seja mais nítido de notar tão por conta própria e evitam se posicionar
essa identidade coletiva, ainda que permaneça politicamente, com receio de que sua visão

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

possa trazer algum prejuízo para sua ativida- Por fim, percebe-se que os shoppers,
de, principalmente com seus clientes. Marcelo, ou, num geral, os trabalhadores de aplicativo,
por exemplo, diz que procura “não meter polí- que permeiam o tecido das metrópoles con-
tica no meio”. Ainda assim, é possível verificar temporâneas, são sujeitos que buscam prá-
certa insatisfação e descontentamento com as ticas que passam pela ideia de “novidades”,
plataformas e certas lógicas de funcionamen- algo que quebre com a estrutura de ganhos
to. Contudo, sem uma representação coletiva, e condições vivenciadas, como foi a ativida-
como no caso dos taxistas citado por Valmir, de de shopper, principalmente no período da
e na ausência de mecanismos de proteção pandemia do novo coronavírus. As incertezas
social, é realçada a percepção de que estão vivenciadas nesse contexto se convertem em
“sozinhos”. Por isso precisam usar de todas as indefinições quanto às suas identidades e
estratégias para aumentar seu rendimento: sentimentos de vinculação e reconhecimento,
“explorar para não ser tão explorado”, como que se somam a um contexto urbano domi-
afirmou Marcelo. A frase de Valmir, aparente- nado por uma razão neoliberal que enseja a
mente corriqueira e despretensiosa, “Como a falta de proteção e regulamentação de mi-
gente não é bobo, acabei de ligar o Uber", na lhões de trabalhadores, por vezes vistos a si
verdade é simbólica da representação das es- mesmos como empreendedores de suas pró-
tratégias adotadas para encararem o cenário prias vidas e buscando construir alternativas
de incertezas e desproteções. de renda e trabalho.

[I] https://orcid.org/0000-0002-2105-5890
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Programa de Pós-
-Graduação em Sociologia. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
braunercruz@iesp.uerj.br

[II] https://orcid.org/0000-0002-8279-3643
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharias e Ciências Sociais, Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências Humanas e Sociais. Santo André, SP/Brasil.
claudio.penteado@ufabc.edu.br

[III] https://orcid.org/0000-0002-5847-241X
Universidade Federal do ABC, Laboratório de Tecnologias Livres, Centro de Engenharias e Ciências
Sociais. Santo André, SP/Brasil.
paulorobertoeliasdesouza@gmail.com

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“Vestindo a camisa da empresa”

Notas
(1) Este é um termo usado pelos próprios trabalhadores desse tipo de serviço, razão pela qual
decidimos mantê-lo em nossa análise. Em inglês, shopper designaria um comprador, e a palavra
é mobilizada pela plataforma Cornershop, de propriedade da Uber, que nomeia seus usuários
trabalhadores dessa maneira. Assim, quando a empresa adentrou o mercado brasileiro,
muitos se tornaram shoppers, pois, na grande maioria, iniciaram os trabalhos nesse aplica vo,
mesmo que atualmente prestem serviço também a outras plataformas. Mais recentemente,
uma startup de nome Shopper, com atuação semelhante às demais plataformas citadas, tem
ganhado mercado na cidade de São Paulo. Contudo, o termo shopper permanece com seu
sen do abrangente, podendo designar trabalhadores desse ramo em diferentes plataformas.

(2) Informações disponíveis em: h ps://www.youtube.com/intl/en-GB/about/press/. Acesso em: 23


jul 2021.

(3) Ver: Uber compra startup chilena de entregas de mercado Cornershop. Disponível em: h ps://
link.estadao.com.br/noticias/empresas,uber-compra-startup-chilena-de-entregas-de-
mercado,70003046303. Acesso em: 8 nov 2020.

(4) Ver: Cornershop: como funciona o serviço de mercado em parceria com Uber. Disponível em:
https://www.techtudo.com.br/listas/2020/08/cornershop-como-funciona-o-servico-de-
mercado-em-parceria-com-uber.ghtml. Acesso em: 8 nov 2020.

(5) Ver: Uber assume 100% da Cornershop por mais de U$ 1,4 bilhão. Disponível em: h ps://neofeed.
com.br/blog/home/uber-assume-100-da-cornershop-por-mais-de-us-14-bilhao/. Acesso em: 17
dez 2021.

(6) Na Uber, entretanto, é solicitado um carro cuja fabricação date de até 10 anos. Essa é uma
vantagem compara va para quem deseja se tornar um shopper, uma vez que não precisa ter um
carro tão novo.

(7) Essas etapas são baseadas nos relatos dos shoppers por nós analisados e no contexto de produção
dos vídeos que u lizamos. Algumas dessas etapas, porém, foram alteradas ao longo do tempo
de atuação da plataforma, como um encurtamento da capacitação on-line e a dispensa de
um teste de aprovação dos conhecimentos. Contudo, optamos por descrever aquelas que
vigoravam quando do início da produção dos vídeos e relatos dos dois shoppers que estudamos,
por volta de abril de 2020.

(8) Disponível em: h ps://cultura.uol.com.br/no cias/18919_profissao-shopper-saiba-como-e-o-


trabalho-e-quanto-ganha-quem-faz-as-compras-de-supermercado-por-voce.html. Acesso em:
27 jul 2021.

(9) Disponível em: h ps://cornershopapp2.helpsite.com/. Acesso em: 27 jul 2021.

(10) Disponível em: https://cornershopapp2.helpsite.com/articles/66973-boletim-do-shopper.


Acesso em: 27 jul 2021.

(11) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=ENGt6YSrWsQ&ab_channel=ValmirCavalcante.


Acesso em: 30 jul 2021.

(12) Disponível em: h ps://www.youtube.com/c/UberdoMarcelooUberforadacurva/about. Acesso


em: 25 jul 2021.

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

(13) Disponível em: h ps://www.youtube.com/channel/UCyMLM7sI0xssm3MQHCiSHyA. Acesso em:


30 jul 2021.

(14) O link que tentamos acessar é o: h ps://motoristaforadacurva.com.br/curso-mfc/.

(15) Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/paulo-germano/noticia/2019/05/


a-estrategia-que-fez-de-um-porto-alegrense-o-melhor-motorista-de-uber-do-brasil-
cjvh9og6q02r401mazj8q8w3s.html. Acesso em: 26 jul 2021.

(16) Disponível em: https://machine.global/entrevista-com-motorista-marcelo-o-uber-fora-da-


curva/. Acesso em: 27 jul 2021.

(17) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=CU_USAG4m4c&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3C


riZ4aMKtv1Jx60y&index=3. Acesso em: 27 jul 2021.

(18) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=MR9aOOxeHFo&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3C


riZ4aMKtv1Jx60y&index=8. Acesso em: 27 jul 2021.

(19) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=tCKqBclgyd4&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3Cri


Z4aMKtv1Jx60y&index=80&ab_channel=UberdoMarcelo%2CoUberforadacurva. Acesso em: 27
jul 2021.

(20) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=eQLLoAHnmUI&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3


CriZ4aMKtv1Jx60y&index=46&ab_channel=UberdoMarcelo%2CoUberforadacurva. Acesso em:
30 jul 2021.

(21) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=bzz-qRp9yp8&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3Cr


iZ4aMKtv1Jx60y&index=100&ab_channel=UberdoMarcelo%2CoUberforadacurva. Acesso em:
27 jul 2021.

(22) Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCvXhwd_7xuWh_9-F-VEWWrg/about.


Acesso em: 29 jul 2021.

(23) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=cyON6HbO_bo&ab_channel=ValmirCavalcante.


Acesso em: 29 jul 2021.

(24) É importante frisar que esta é uma descrição que inferimos a par r dos vídeos publicados por
Valmir e as respectivas datas, podendo haver imprecisões nos momentos dos “trabalhos”
desenvolvidos.

(25) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=bt-sdvNLVqE&ab_channel=ValmirCavalcante.


Acesso em 29 de jul. 2021.

(26) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=-GB1eOEWPr4. Acesso em: 29 jul 2021.

(27) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=_vrqCGtsFio. Acesso em: 29 jul 2021.

(28) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=qHwOydo7DFM&ab_channel=ValmirCavalcante.


Acesso em: 29 jul 2021.

(29) Disponível em: h ps://www.youtube.com/watch?v=XlEbAQDuv_o&ab_channel=ValmirCavalcante.


Acesso em: 29 jul 2021.

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Texto recebido em 17/ago/2021


Texto aprovado em 4/out/2021

602 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Doing their best for the company”:*
neoliberalism and the subjectivity
of shopper workers
“Vestindo a camisa da empresa”: neoliberalismo
e a subjetividade dos trabalhadores shoppers
Brauner Geraldo Cruz Junior [I]
Claudio Luis de Camargo Penteado [II]
Paulo Roberto Elias de Souza [III]

Abstract Resumo
This article aims to understand the subjectivity O presente ar go visa compreender a subje vidade
of the shopper worker, analyzing uberization do trabalhador shopper, avançando na análise da
in the Brazilian scenario and the impacts of uberização no cenário brasileiro e dos impactos do
neoliberalism on the social and urban reality. neoliberalismo no tecido social e urbano. Observa-
We investigated how shoppers describe their mos como os shoppers descrevem suas a vidades,
activities, what relationships they establish with quais relações estabelecem com as plataformas e
pla orms and colleagues, and how they manifest colegas e de que forma manifestam sua iden dade.
their identity. To achieve this, we analyzed two Para tanto, analisamos dois trabalhadores que nar-
workers who talk about this type of work on ram questões sobre esse po de trabalho em canais
YouTube channels. The conclusions point out do YouTube. As conclusões sinalizam que as incer-
that the uncertain es experienced in this context tezas vivenciadas nesse contexto se convertem em
are converted into uncertainties regarding their indefinições quanto às suas iden dades profissio-
professional identities, which are added to an nais, que se somam a um contexto urbano domina-
urban context dominated by lack of protec on of do pela falta de proteção de milhões de trabalhado-
millions of workers, who are sometimes seen as res, por vezes vistos a si mesmos como empreende-
entrepreneurs of their own lives seeking to build dores de suas próprias vidas que buscam construir
alterna ves of income and work. alterna vas de renda e trabalho.
Keywords: neoliberalism; shopper; uberiza on; in- Palav ras -ch ave: neoliberalismo; shopper;
formality. uberização; informalidade.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5406.e Crea ve Commons Atribu on
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

Introduc on In this new context, cities, especially


m e t ro p o l i s e s, a re f a c e d w i t h u r b a n
reconfigurations, permeated by the absence
Neoliberalism, seen as a political rationality of public regulation and coordination and
that builds and modulates subjectivities – a susceptible to the imperative of private logic.
way of the world, from the perspective of There is, then, an attempt to adapt to the
Pierre Dardot and Christian Laval (2016), in fleeting design of contemporary work, which
turn influenced by Michel Foucault's (2008) is often precarious, in which inequalities are
reading of the phenomenon –, has pernicious reflected in space and, through it, are better
impacts in social life and in a very latent way understood, as well as putting challenges for
for the popular classes, sometimes neglected public governance.
in studies that privilege the influence of this The work based on apps can serve as an
system of ideas on the State. By advocating example for this scenario. We are faced with
the government of societies based on a novelties in everyday life that are gradually
generalization of the market and competition, introduced and transform the way of seeing
neoliberalism does not only raise new forms and thinking about certain consumption
of productive organization, but also inscribes habits and ways of working. In this logic, some
managerial norms in governmental practices companies end up influencing the market and
and in human actions, resulting in subjects and gradually modifying the production chain,
institutions that see themselves as companies consumption habits and the ways in which
(ibid.) and lacking mechanisms of collective the State deals with and regulates these
intermediation and social regulation. issues. This is the case of the Uber platform,
With the technological transformations whose organizational model is based on the
of production systems, mainly through the use of big data to manage workers as a type
use of Information and Communication of application user, which, in turn, serves
Technologies (ICTs), which enable the consumers, who form the other group of users.
emergence of new, more individualized The latter group, as they demand the service,
activities, med iated by softw are that they also start to evaluate the performance of
take charge of many human activities those responsible for providing it, the workers.
(Manovich, 2013), it is possible to think of Well known in the passenger transport service,
new organizations in the ways of producing this organization has extended to areas such as
and offering products and services. As well delivery of meals and goods, beauty services,
as new practices of consumption to these cargo transport and supermarket shopping.
goods, which in this process reveal an Depending on the branch in which it operates,
absence of guarantees and security for the this model finds more or less room for growth,
most fragile side of this balance: that one according to the consumption habits of the
of workers subjected to such arrangements population and the legal flexibilities of each
(Abílio, 2019). market.

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“Doing their best for the company”

With the advent of the new coronavirus owner zealous for his personal attributes.
pandemic, we have seen the food delivery Boltanski and Chiapello (2009) highlighted
and supermarket shopping branches grow the importance of a project organization in a
exponentially. In Brazil, this latter segment, connectionist world, in which the formation
which until then did not have many adherents, and maintenance of dynamic networks and
began to offer itself as a way for people who easily reactivatable points were essential
avoided leaving their homes, for fear of for the new capitalist spirit on the rise. In a
infecting themselves and their families but, plot closer to the national context, Telles
even so, they needed to buy groceries of (2006 and 2010) pointed out that the social
everyday use. Thus, alternatives for carrying experience of work in neoliberalism indicated
out this activity were offered by companies other times of life and their relationship
such as Cornershop, Rappi and James Delivery. with the city, in a scenario that gives rise to
Platforms that connect consumers with people precariousness, discontinuity and uncertainty.
willing to make these purchases in the market If we refer to the description of subjectivity
and deliver them at home, risking their health, stemming arising from neoliberal rationality,
with remuneration according to parameters guided by competition as a social norm
defined by the companies. and the organization of individuals in the
T h e g r o w i n g l i t e ra t u re a r o u n d form of a company, we have in the shopper
work based on apps points to a critical category 1 – the worker who purchases in
perspective on the conditions faced by this supermarkets mediated by large platforms
workforce, as well as the logic operated by – an important figure in this context. It
the platforms that modulate such conditions does not imply granting all these attributes
(Scholz, 2016; Srnicek, 2017). In particular, to this type of worker, but rather thinking
the debate around the phenomenon of about how this subjectivity is being formed
uberization, pointed out by Slee (2017) and, and how it dialogues with the influences it
in a perspective closer to the Brazilian reality, receives. It is important to emphasize: if there
also developed by Abílio (2019 and 2020), is the emergence of new elements in the
reveals the formation of new professional relationship between subject and work, there
identities, under a deep transformation in are also relevant continuities in the practices
how the subject sees himself in relation to and identifications related to work in the non-
the activity he performs. Sennett (2006) -formalized market, in view of its importance
had already identified the subject resulting and historical and structural weight for the
from what he called a culture of the new Brazilian economy. The absence of guarantees
capitalism as som eone who is guided and rights for this part of the labor market
by short-term relationships, incessantly on the part of public governance marks the
searches for new capabilities and preaches a trajectory of this sector, which, although
certain detachment from the past, invoking flirting with the horizon of wage-earning,
a consumer personality and not of an finds itself increasingly distant from achieving

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it, especially with the new productive 2017) and the emergence of self-performance
arrangements of neoliberalism and with the devices, based on elements put in scene by
dissolutions of the wage-earning world. users (Jesus, Salgado and Silva, 2014). The
The objective of this article, therefore, performances published on the YouTube
is to advance in the understanding of platform are projected as a resource (device)
the subjectivity of the shopper worker, of mediatization of a “self” represented in
considering that this is a category that allows front of an audience based on search terms
us to analyze the context of uberization in the (internal or external) and the recommendation
Brazilian scenario and, thus, to move forward algorithms of the platform (sociotechnical
in the understanding of the impacts of the network). In this way, the self-representation
neoliberal advance in the social and urban of the professional activity by shopper workers,
tissue. We will pay attention to the following through YouTube, is configured as a structuring
questions: How do shoppers describe their element of their identity and subjectivity, the
occupation and work activities?; What focus of this study.
relationships do they establish with the The article is divided into four more
platforms and with their peers?; How do sections, in addition to this introduction. We
they represent their activities towards the will begin by approaching in greater depth the
society and how do they claim recognition debate about neoliberalism and its impacts in
and manifest their identity?; How do they see the Brazilian context. We will seek to trace how
themselves towards the State and how do uberization is associated with this model of
they position themselves politically? In order government of society and how we can think
to do so, we will analyze two shopper workers about the resulting forms of work, considering
who narrate their daily lives and questions our historical and social scenario. In the next
about this type of work through channels of section, we will explain how the Cornershop
the YouTube video platform. platform operates in Brazil and which activities
In the digitalized society, YouTube has are required from shopper workers. Then we
become an important space for the expression will explain the methodological approach
of contemporary subjectivities. The fifteen- adopted and present the two YouTube
-year-old platform has approximately two channels analyzed, first doing a general
billion unique monthly users,2 making it the reading about them and, after that, describing
second most visited website in the world, and analyzing each shopper worker through
only behind Google. Having varied uses by the speeches, actions and behaviors from their
its users, YouTube has undergone important videos. The final section will be dedicated to
transformations (Burgess and Green, 2009), drawing conclusions about the analysis carried
no longer being just a repository of home out and its relationship with the proposed
videos to become an important social media theme, indicating possible research agendas
for the production of new businesses, the and outlining a small overview of the shopper
emergence of digital influencers (Karhawi, worker's subjectivity.

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“Doing their best for the company”

Neoliberalism, uberiza on ability to provide stability, long-term planning


and the definition of routines, in contrast to
and subjec vi es related a new culture of capitalism permeated by the
to work short term and the impossibility of making
long life plans. In the work environment, this
The emergence of neoliberal reason – as would, among other things, lead to a low level
advanced in the Introduction to this article – as of institutional loyalty, that is, loyalty between
a strategy of government, or governmentality, workers and the companies they operate, as
of the very ways of governing and exercising well as a decrease in the informal trust of these
biopolitics (Foucault, 2008), has provoked workers and their colleagues (Sennett, 2006).
profound reorders in the way individuals Exploring this new position in the world
and institutions see themselves in relation of work, Boltanski and Chiapello (2009) unravel
to society. If the ideas present in the Chicago what would be a new spirit of capitalism,
School, defended by economists such as whose ethos points out to a new social life,
Milton Friedman, or even in the Austrian formed by the multiplicity of encounters
School of Von Mises and Hayek, had not and by networks whose connections are
obtained great support in the mainstream temporary, although always reactivatable.
political debate as soon as they emerged, The project thus becomes the pretext for the
from the 1970s onwards this scenario became formation or reactivation of these connections:
reversed. The mobilization for the individual “It temporarily brings together very different
became quite diffuse, in academic circles people and presents itself as a network
and in the corporate environment, according segment that is strongly activated during a
to a certain vision exhausted from the relatively short period, but which allows for
predictability and accommodation of Fordism, the creation of more lasting ties, that will
that claimed greater autonomy in the face of remain dormant, but always available” (ibid.,
the bureaucratic structures that the worker p. 135; our translation). Following this vision,
faced, through a consideration of themselves connection networks start to guarantee the
as subject-company. Someone who takes success of individuals in the professional
risks, constantly seeks to value their capital world. The greater a person's network of
and organizes themselves around competitive contacts, the more projects he or she has
mechanisms (Dardot and Laval, 2016). and, therefore, the more ways to adapt to the
If we analyze this process of changes in environment in which he or she is inserted.
production and in thoughts and subjectivities This fleetingness of connections and activities
by another theoretical key, it is also possible is also reflected in issues such as the traditional
to notice important transitions in the way notion of property in capitalism. While this
individuals organize their work and their way of view privileges the possession of something, in
facing economic and professional life. Sennett the new spirit of capitalism, the availability of
(1999 and 2006) explains the transition that that good becomes more important. It is not
took place in subjective aspects of workers by chance that leasing relationships become
between an era marked by Fordism and its frequent instead of those of purchase and

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sale. With this, the idea of property that is still The ways in which goods and services
so dear to the capitalist system resides in the are circulated also suffer structural changes,
possession of oneself. It is here that we can influenced and being part, of course, of
think of entrepreneurship, as stated by López- the changes already noted here between
Ruiz (2007), as a social value to be cultivated individuals and institutions. An example of
in everyday practices. We are referring to this relationship is the encouragement of a
businessmen or self-employed who have sharing economy encouraged by the notion
gained so much ground in the contemporary that “everything belongs to everyone” or
world of work, marked by the deregulation of “what is mine is yours” (Zanatta, 2016, p. 22,
professions and the job market itself, posing free translation). Scholz (2016) demonstrates
challenges to the dynamics of urban life. that the economy based on the sharing of
Other changes are also present with goods and services, rather than the private
the advent of neoliberalism. In addition ownership of them, despite offering more
to the change in the ways of thinking and alternatives for income earning, extends
leading the lives and professional paths of unregulated free markets to areas hitherto
individuals, institutions are deeply modified essentially private of our lives. Thus, the
by neoliberalism. The State becomes, at the large companies of the so-called platform
same time, the target and the agent of these capitalism depend on our cars, apartments,
transformations. As mentioned by Cruz and emotions and, mainly, our time, to grow,
Fonseca (2018), government programs and being only logistic intermediaries in which the
projects, under what they called ultraliberal related goods are, in this case, individuals.
ideals, are built from a precedence of the The concept of platform capitalism,
private sphere over the public sphere, originally created by Nick Srnicek, sought to
exemplified in proposals such as privatization reference a new stage of the global economy
in the economy, lack of protection of the based on technology companies that focus on
national capital, the dismantling of the welfare the economic exploitation of data: platforms
state – an aspect also noted in Fonseca (2019) such as Cornershop, which will be discussed
– and “a nonintervention and deregulation of here. These platforms start to organize
the production, as of the circulation of goods the markets, mediating the infrastructure
and services, the financial market, labor between different groups and, when defining
relations and all forms of market, including "the rules of the game", also dictate how
real estate” (Cruz and Fonseca, 2018, p. 556; other companies are structured from then
our translation, emphasis added). Thus, this on, with little room for maneuver (Srnicek,
deregulation is felt, in turn, in the urban 2017). Scholz (2016, p. 18, free translation)
social tissue and in the management of large called the platform-fueled sharing economy
metropolises, since the organization of space "a precarious trap of low wages." By matching
and multiple economic interests would be workers and consumers as both being users of
dependent on a link between the State and the applications offered by these platforms,
the presuppositions of the market, which is in there is a duality of this relationship. If, on the
constant and accelerated modification. one hand, it is about having new economic

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“Doing their best for the company”

opportunities, on the other hand, the working in the way informality itself is conceived,
users who provide the goods and services to because uberization, according to Abílio
consumer users are managed by them, with (2020), encompasses processes of state
the prerogative to punish or even dismiss deregulation and the extinction of mechanisms
the person who is providing a certain service. to control labor relations, legitimizing and
This is where we can talk about uberization making the transfer of costs and risks to the
as a concept that synthesizes the effects of worker himself banal. This process takes place,
this economic model for social organization. among other aspects, from the conversion of
Slee (2017) analyzes this movement as workers into self-managed professionals, who
something that emerged as an innovator, manage themselves and are always available
part of a sustainable and community appeal, to a multitude of consumers. In this sense,
and, in the end, has become a deregulated the subjectivity of the worker in uberization
space controlled by large companies. is deeply altered, since aspects related to his
These eventually promoted a new wave of identification in relation to the activities he
precarious work. performs are suppressed. Thus, the concept
Abílio (2019 and 2020) develops this of amateur work emerges as something that
scenario by exploring what she called the is temporary, even if it is permanently put,
era of "just-in-time worker" to describe because there are no definitions of activities,
what she understands as uberization. The schedules and workspaces, as well as long-
author's argument, after studying cosmetic term planning for occupation are impossible to
retailers and motorcyclist delivery men, is be plotted (ibid.).
that the forms of exploitation of work in the An important element of the uberization
periphery, which previously had a secondary defined by Abílio (2019 and 2020) is the
or marginal role in explaining the mode of fact that, although it has unprecedented
production of capitalism, now play a central proportions and creates new forms of
role in explaining the global economic regulation and control, the uncertainties
dynamics. It is important to note that elements and flexibility provided by this model are not
very present in the historical reality of the unprecedented issues in the horizon of the
Brazilian labor market, such as the uncertainty Brazilian working class. Machado da Silva's
about what is considered working time or work (2018) and the positive construction (in
not, the confusions about what should be the sense of seeking a statement rather than
remunerated, which are the domestic spaces denying its opposite) of what it considers as
and workspaces, are all deepened in a flexible strategies of life and survival elucidate that,
model that reaches world levels, overcoming contrary to facing informality as only the
the global southern barrier and leading to a inverted mirror of wage, it is necessary to
new form of management and control. The see the practices existing in this universe as
concept of uberization is understood, in this legitimate and revealing the way of life of a
way, as a broad and generalized process of huge contingent of the Brazilian population.
informalization of work, which causes changes Analyzing the subjectivity of workers in the

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

midst of uberization is, therefore, considering


The Cornershop pla orm
their trajectory as a class and the economic and
social practices developed previously by them.
and shoppers' ac vity
In addition, concrete changes emerged
in this universe of popular economic practices, Cornershop is a Chilean startup created in
especially from the 1990s. The ways of 2015 and which, in the beginning, operated
obtaining income and strategies of life have only in Chile, Peru, Mexico and Canada,
changed with great proportions in large focusing on the Latin American market,
urban centers. Uncertainties and the need to according to Oskar Hjertonsson, its founder.3 In
outline calculations and strategies before them October 2019, Uber acquired a majority share
remain, but the horizon of wage giving way to of the company. It thus reached the Brazilian
a scenario whose social protection loses its market in early 2020 and gradually expanded
degree as a reference to be sought by workers. the cities and regions in which it operated.4 In
Telles (2010) situates this dynamic quite June 2021, Uber took over 100% of the startup
accurately, looking at the city of São Paulo, but after disbursing $1.4 billion.5
in a process that, we can say, can be observed The now called Cornershop by Uber is
in other Brazilian urban centers: an application that intermediates intersperses
the purchase and sale between stores and
[...] the informal economy, always supermarkets and previously registered
present in the city (and in the country)
consumers. At the other end, to ensure this
expands through new articulations
b etween th e trad iti onal su r vi val
relationship, are those who will make the
economy, local markets, which spread purchases demanded, going to the registered
throughout the regions, even the most stores, selecting the chosen products, buying
distant from the city, and the globalized them and delivering them to the households.
circuits of the economy. It is here new
They are the shoppers, a term coined by the
connections and a scale of redefinitions
entirely in phase with the globalized company itself and adhered by the competitors
world, which redesign spaces and urban of the segment. As with other apps, there are
territories in the trails of subcontracting different versions for customers and shoppers,
networks that reach the extreme points both available for download on Android and
of the peripheries through the pathways
iOS systems.
of an inextricable strain of intermediaries
and intermediations that reactivate Becoming a shopper is similar to
work at home and redefine the so-called becoming an Uber driver: you must be
autonomous work, at the same time over 18 years old, with a national driver's
that local markets are also redefined in license and a vehicle in good condition with
the combination of the circumstances
a manufacturing year equal to or greater
of the so-called popular economy with
local mafias and clandestine trade in than 1999 with permission to go. 6 Some
lawful or illicit goods of varied origins. steps, however, need to be fulfilled after the
(p. 9; our translation) initial registration: 7 (1) online presentation

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“Doing their best for the company”

of the company; (2) submission of documents The time at which activities can be
and an online course of instruc ons and rules of performed is when most stores are open: from
opera on of the applica on, with expecta on of 7 a.m. to 11 p.m.; this time, according to the
90% score in the test; (3) if approved, contract company, provides greater security to the
signing and training with experienced shopper; worker. On the other hand, the remuneration
(4) removal of material from the company: debit
of the shopper takes place in two moments:
and credit card to make purchases, masks and
one in the purchase of the products, with a
hand sanitizers, returnable bags and the t-shirt
fixed value plus a variable according to weight
with name on the front. Thus, shoppers are easily
identifiable people in supermarkets, literally and quantity of the products; and another in
"wearing the company’s shirt” (reinforcing the the trips to the supermarket and to the house
relevance of the expression in Portuguese as we of the person who made the order, being the
men on in the tle of this ar cle), even if they act value conditioned to the mileage and, again,
as self-employed workers. to the weight of the products. To receive these

Figure 1 – Shopper worker with the shirt provided by the company

Source: TV Cultura – UOL.8

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accumulated amounts, the shopper registers "seeks to recognize shoppers who have a great
as an Individual Microentrepreneur (MEI, in service and an excellent partnership with
portuguese), an alternative encouraged by Cornershop".10
the platform, or issues a Standalone Payment In su m , t h ere is a p ro fe ss io n a l
Receipt (RPA, in portuguese). Payment always relationship that emulates certain elements
takes place on Fridays and refers to the of an employment relationship: employee
earnings of the previous week. benefits, incentives and bonus programs, and
As with other platforms, there are medical coverage. However, these elements
incentives and promotions that Cornershop are ephemeral and insufficient to represent
aims to regulate supply and demand and real security and stability to the worker. The
to cover certain regions. These produce benefit of having a weekly purchase only
psychological and decision-making impacts to highlights the linking of the individual to
shoppers, either by boosting the emergence the platform on which he operates, placing
of interested people, or by encouraging higher him, even once a week, in the position of a
workloads and prolonged expedients. consumer, which, in turn, will evaluate and
The "Benefits" section of the FAQs in the judge the service of another worker. The
"Be a shopper" tab of the Cornershop website9 medical coverage provided only occurs during
is very insightfully elucidating about the the order fulfillment period, being invalid
professional relationship established between for times when the shopper is, for example,
worker and company. There is the mention connected to the application, but is not
of insurance for shoppers, which only applies serving anyone. Similarly, the journey from
during the period of order fulfillment. It covers his home to the supermarket, and vice versa,
accidental death, total or partial permanent has no security on the part of the company,
disability by accident, medical, hospital and as well as the purchases and vehicles involved
dental expenses and daily hospitalization by in eventual accidents are not included in the
accident. This insurance, it is important to insurance provided.
note, only emerged in early 2021. We were Finally, the "5 stars Shopper" award
unable to trace whether there were agents system associates the worker's rating with the
responsible for exerting this pressure on consumer, who has no commitment to this
the company or whether it was an action task and can vary in the requirement levels
taken directly, possibly to match the types of and quality parameters. They are, therefore,
insurance already provided in the transport of characteristic elements of work by applications
passengers. More recently, the possibility of and platform capitalism currently in force,
tips by consumers, passed on to the shopper, even if they seek aspects that convey a greater
has also emerged. It also has the benefit of one sense of worker acceptance, such as benefits
free delivery per week to enjoy the platform as and awards, possibly to adapt to a society still
a consumer. And there is also a pre-established marked by the horizon of wage and security
incentive system, the "5 stars Shopper", which provided by them. In this sense, the measures

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“Doing their best for the company”

are not taken through a remarkable initiative markets, a number of shopper workers,
to regulate this professional activity that men and women, but mostly men, in red
requires minimum parameters and guarantees Cornershop T-shirts shopping and constantly
to the shopper worker in the exercise of their consulting their smartphones.
activity. Although it is sometimes urged to It was in this wake that we sought to
act alongside the passenger transport, given know more about this type of activity, and
the scope and repercussions of the uber we found, on YouTube, a few channels, still,
profession in urban centers, the State has of shoppers who began to expose their daily
not yet inserted itself in some kind of social lives, transmit practical knowledge and give
protection to the shopper. tips to those who were interested to follow the
same directions.
A video by Valmir Cavalcante, whose
channel we will explore below, entitled
Knowing "Cornershop – My first day as a shopper –
the analyzed channels buyer/link" 11 and dating from March 22nd,
2020, reveals with great clarity this context
We will now enter the description and analysis of the beginning of both the pandemic and
of the two channels of shoppers selected this type of activity. Valmir, in this video,
for this article. Beforehand, however, it is summarizes, while driving, the activity he
appropriate to explain the methodology used will perform: "I do not take passenger, I just
for the choice and reading of this content. In take the purchase. [...] People ordering the
this sense, it is important to explain that this is app, I make the purchase and I will make the
an object of interest arising around April 2020, delivery. That's what you must do. Crowded
when the city of São Paulo experienced more market, lots of people buying by app, buying
rigorous periods of isolation, including the a lot, and I'm going to do this shopper job.
anticipation of municipal and state holidays Shopper, shopper." [00'35"]. The end of
and even daily rotation in the circulation of this sentence also expresses the beginning
cars. This is important to be placed, because of Valmir's identification with his activity,
it is at this time that the Cornershop company changing the pronunciation of the new word
began to expand its scope of operation, both of his vocabulary, until he defined one, with
in the cities in which it was already present, the "o" more open. It reads "ch-oh-per".
with a growth of shoppers who signed up for Thus, the choice of the two channels on
the application, as well as in national terms, in which we will focus was under the primacy
which the company inaugurated its operations of content that reflected the daily work of
in other major cities and capitals. It was, the newly emerged shoppers, also valuing a
therefore, a context in which vaccination was certain continuity of publications on YouTube,
still a very uncertain and distant reality, and which would increase the diversity of topics
the protection of the population that had covered and the moments experienced,
comorbidities was even more urgent. Thus, it reflecting important variations for our analysis.
was frequent to see, in the company’s partner It is also relevant to consider the stimulus

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

of the YouTube search engine algorithm, their biographical and professional trajectories
which indicated more prominent channels and also drawing a panorama of the channel
on the theme searched. Thus, in addition to they have: description, graphic representation,
visualizations, the algorithms indicated the types of videos and playlists created,
channels as a consequence of the engagement interaction with other social networks. This
and articulation between producers and will allow us to infer certain aspects of their
viewers, leading to a common denominator of subjectivities, which will be explored with
cohesive narrative for the analyzed segment videos of them as shoppers, when we will
(theme, keywords, common profiles that select some speeches and activities that
accessed this type of content). Since, in this better help in the construction of these
article, we care more about the discourse, subjects. As advanced in the Introduction, the
the narrative construction of the shoppers, selected elements are based on the interest of
than the number of views and likes, is that we observing how these shoppers describe their
analyze channels and videos not necessarily at activities and relate to the platforms and their
the top of the audience on YouTube. co-workers and on the way they construct
The decision to have only two channels the narrative of themselves, expressing
as the object of study corroborates the search their positions towards society and their
for focus on the narrative construction of the subjectivity.
analyzed individuals which requires a greater
level of detail of the contents exposed for Marcelo's Uber, the Uber off the charts (in
the study of the expressions and discourses Portuguese: ‘Uber do Marcelo, o Uber fora da curva’)
of these professionals. From the perspective
of analysis of the shopper’s subjectivity, we This channel is managed by Marcelo Ribeiro,
consider that these details would ensure who describes himself as follows:
the capture of more nuances, ambiguities 4 Years of Uber, more than 15,000 trips,
and reflections than a quantitative study, for the first driver of the RS to achieve the
example, on various channels of shoppers on incredible 5.0 score, currently the most
YouTube. This, however, is also an interesting awarded driver in Brazil proving that
"YES, the stars pay the bills and more".
research for the sequence of studies on this
Helping other drivers from all over the
category of worker in this type of media country to achieve the 5.0 score and also
framework, as well as other qualitative be recognized for excellence in service.
approaches deserve development. In such a Without ever working with
way that our article and the clipping proposed transportation or living in traffic,
I discovered at Uber an excellent
by it allow only a first look at the social
opportunity to make money and meet
phenomenon described here, with much room new people every day.12
to explore it through a larger universe in any
future research. M a rc e l o ' s c h a n n e l h as 1 0 5 , 0 0 0
The following descriptions and analyses subscribers and more than 12 million views
will seek to understand who the chosen and was created on April 14th, 2016. There is
shoppers are, collecting information about a wallpaper on the homepage with a photo of

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“Doing their best for the company”

Marcelo in front of a vehicle and the following of a formal job, and that he also worked in the
text in the image: "Off the Charts Driver field of car sales, in which he says he had not
Method: run using the best strategies in your succeeded.16
favor, earn the best scores and earn much So far, all the mobilized elements lead us
more than you think!". The logos of the Uber, to think that Marcelo only works in passenger
99 and Cabify platforms are also displayed, transport, manifesting his professional identity
as well as hyperlinks to access Marcelo's as a worker who is only "uber". However, an
Instagram and Facebook pages.13 examination of the playlists in his channel
We noticed, therefore, that Marcelo reveals one specifically dedicated to the
created a kind of work methodology, the theme "Cornershop". This playlist contains
"Off the Charts" Method, which would help 124 videos. The other playlists, that, in a way,
drivers to have higher incomes and good organize the activities represented by Marcelo,
evaluations, in a kind of "optimization" of the are in the Table 1, which are selected from the
effort employed. Because the focus of this oldest to the most recent.
article is on working as a shopper, we will not In a way, Marcelo's association as an
examine how this methodology is designed uber and not a shopper comes from the way
and applied. However, it is worth noting a Cornershop's activities have entered Brazilian
mention that Marcelo does about a course society. In the context of the beginning of the
with "dynamic and direct classes with practical new coronavirus pandemic, in which there was
examples to help YOU earn more money as a significant drop in the number of races in
an application driver". This mention is found passenger transport, since many people have
on his Facebook page, in which there is a link adopted measures of social isolation, becoming
that, in theory, would refer to the course, but a shopper sounded like an alternative for those
that, when we click, the page seems to be who were already uber. Whether this activity
already down.14 would replace its predecessor or be shared with
It is also valid to mention the title it in the future would be difficult to say, and
claimed by Marcelo on his Instagram page, that determination is still in constant definition
elected as "Best Uber in Brazil". This title today. However, the question that many ubers
comes from his 5.00 rating, at least in May asked themselves was: "Is it worth making
2019, recognized by uber as the only one in supermarket delivery?". This was exactly the
the country. In the interview given by Marcelo phrase in the cover image of the third video
to the newspaper of Rio Grande do Sul, Zero of the playlist that Marcelo dedicated to the
Hora, when he was awarded, we were able to subject "Cornershop". This video, from April
identify that he is a resident of Porto Alegre 23rd, 2020,17 reports the first delivery made
and works with a rented car. 15 In another by the new shopper, continuing a phase in
interview, granted to a company that develops which he gave his first impressions about the
transport applications, we were able to know application. Four days earlier, on April 19th,
that, before working by applications, Marcelo Marcelo had posted the first video of the series,
was a salesman of a sports store, in the format entitled "First Impressions of Cornershop".

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

Table 1 – Playlists of the channel “Marcelo’s Uber, the Uber off the charts”

Plas ec and Pure Lime Addi ve Don’t be a passenger’s fool


How much you earn with Nissan VERSA 5 ps for making big money in December
I was rejected by 99 POP uber blocked my account
I was fooled (“Me deram no meio”) My loyalty to Uber and 99 is over
I was fooled (“Me deram no meio*”) Cornershop
R$ 4,200.00 clean in the crisis and in Uber Marcelo’s p
Note Polemics
Uber pro NOVELTIES
uber pro is not worth #O heChartsTip (“#DicaForaDaCurva”)
the biggest punishment for the passenger

Source: prepared from h ps://www.youtube.com/c/UberdoMarcelooUberforadacurva/playlists. Access: July 27th


2021.
*This is a second playlist with the same name.

In the video about his first delivery as qualities that exalt the one who persists while
a shopper, Marcelo mobilizes elements of others criticize his position, in a similar position
appreciation of personal abilities, including to those who are entrepreneurs of themselves.
patience. Those who did not have this These "others" are seen as losers: "[...] there
attribute, according to him, should "go to will be a lot of losers telling you that this, that
work" (02'00). Another moment that the this is not worth, it is a slave life, that I do not
shopper mobilizes the interpersonal skills of know what ... it's Uber, it's Cornershop blah
the activity is when he says that "you get to blah blah. You know where the shoe pinches,
learn the ropes" of shopping and improve you know where you have to take the strength
your efficiency, because the application will to leave home every day [...]" (05'50'').
pay better and assign you more often for If, in the initial videos, there was a
other purchases. Then, an initial relationship certain dazzle with the way the Cornershop
of admiration for the application is perceived, application operated, after some time of
which manages to organize and quantify the experience as a shopper, Marcelo starts to
work relationships involved in the experience. question certain strategies of the platform.
At the end of this video, the construction of a On May 5th, 2020, he records the video titled
positive image linked to work as a shopper and "Cornershop reduces fares and incentives" 18
as uber is evident, again manifesting individual and starts asking "Is Cornershop still paying

590 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022


“Doing their best for the company”

off?". After questioning, he describes Can you make money? Yeah. But more
situations of reduction of the amounts earned and more, as I've always said, you have
to know how to work. More and more
and the incentives that, at the beginning of the
you will have to know where you are
operation, were so present for the shoppers. spending, for how long you are on the
While weaving criticism, Marcelo seeks to street, if it is worth being available to
explain the logic behind the behavior of the the application, how long you will be
companies for which he provides services. online ... try to play with other apps, try
to play with Uber, with 99, with InDriver.
There is, then, a dual character, between
Try, you know, because... today the
criticism and understanding that results in a tariffs are very bad, the fares are very
certain resignation, associated with attempts low. Whether it's Uber, InDriver, 99,
not to be exploited: "When the applications it's too complicated. The fare here at
Cornershop is falling too. So we're going
are good, I say it. When the apps are crap, I
to have to know how to explore to the
say it too. Why do I speak? Because we have fullest so we don't get so exploited by
to try not to be exploited, to be only exploited, the apps. (06'00" to 06'37")
by the applications. You have to try to exploit
It is important to note that, despite the
something from them too" (04'38). Marcelo
individualistic character present in Marcelo's
explains the economic logic of the platform
speech, and mobilized mainly by the idea
in the places it arrives, saying that they seek
that approaches an entrepreneurial ethos,
to inject money in the beginning, providing
overcoming adversities and constantly reading
incentives to shoppers, a moment that makes
the economic scenario, we also see that there
up the most for shopping and delivery for this
is a search for the formation of a network
application. After the company consolidates
of workers in conditions similar to his. This
on th e site, h e said, th is investment network is also ambiguous, because the
ceases to happen. The economic logic and association of more people to his channel and
accountability of the platforms are succeeded his social networks ensures, in turn, more views
by a conjunctural reading that there are many to his content and greater monetization of it.
people available to the applications, because In addition, at the beginning of Cornershop's
many people are unemployed, which results operation in the country, there were also many
in few calls for each shopper. To some extent, financial incentives for a shopper to invite a
it places part of the responsibility for the low colleague to join the business. Thus, the one
gains on the worker himself. The way out is, who indicated more people would get more
again, to invest in yourself and in individual advantages. Moreover, even considering these
capacities, mobilizing small economic and individualistic aspects, there is a constant
time calculations, while "trying" and persisting exchange of experiences and situations that,
end up being more and more advisable while helping the day-to-day work, also helps
attitudes. The attempt, for Marcelo, given the to form a professional identity, even if a fragile
inevitability of Cornershop's way of acting, one. There are many times when Marcelo
is "to explore in a way so as not to be so gives tips on how to act in certain situations,
exploited". including illustrating examples of colleagues

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Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

he met, much because of the channel's work’s party, I make my own money.
performance. An example of how a collectivity No politician helps me, just gets in my
way and sucks mine, sucks my money
of this professional activity is formed, although
through taxes. So, folks, let me know
with fragile ties, is the support for strikes of your opinion here in the comments.
app drivers that Marcelo demonstrates in the Leave your like, subscribe to the channel
video: "Strike at Uber, 99 pop and InDriver. and see you in the next video off the
Will you stop too???” On November 3rd. 19 charts!

Although not explicitly referring to the work as


Marcelo apparently hasn't done as
a shopper, this video is in the playlist dedicated
many activities as a shopper in 2021 as he had
to the subject, showing once again how the
at the beginning of the Covid-19 pandemic.
shopper and uber categories are imbricated
In the video "I almost lost my Cornershop
in his speech. In the video, Marcelo says he
account",21 of January 19th, 2021, he reports
supports all kinds of stoppage, but he calls
that he hasn’t been doing so many races for
for more unity in setting the dates for the
the app, probably having resumed his activities
strikes of the category. For him, there must
as an uber worker, in such a way that it was
be a strategy, because it is possible to "stop
disabled on the platform for staying too long
intelligently. Even in that, we can make money.
without using it. The explanation, according
We can make money, we can show and we can
to Marcelo, is that many people want to enter
make an effect... stronger, right, throw a punch
the business, and those who stay a long time
in the kidney, there, of the applications".
without using it end up with the vacancy of
(01'07"). This is an important description of the
those who wish to join.
strategy "exploiting not to be so exploited",
present in Marcelo's discourse, and gives an
Valmir Cavalcante
account of representing the complexity of his
subjectivity. This complexity and Marcelo's
Valmir is more succinct in the description of
political positioning are clearer at the end of
his channel, which takes only his first and
the video "How I work in the pandemic",20 of
last name. He describes it: "Videos about
August 18th, 2020, also present in the playlist
my jobs!".22 The channel has a much smaller
dedicated to the theme Cornershop. By
reach compared to Marcelo, with only 2.07
mentioning the health care he routinely takes
thousand subscribers, although it is older, with
in his vehicle and expressing concern about
its registration on November 10th, 2013. Until
the severity of the new coronavirus pandemic,
the writing of this article, there were 403,583
possibly by observing that this was a politically
views on the channel. The wallpaper reads as
controversial topic, Marcelo says:
follows: "Masks [emoji of someone with mask]
There are some there who are far left, wholesale", which, if we analyze the profile
others are far right... I don't want to hear picture of Valmir, who wears a homemade
it, I don't want to discuss politics, I get
mask written, on one side, his name, and on
nothing from these fucking politicians. I
don't care about the left or right, I don't
the other, the YouTube logo, would allow us
care about your party, my party is the to conclude that Valmir's activity as a shopper,

592 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022


“Doing their best for the company”

if not discontinued, at least competes with May of the same year, there are already videos
other of his "jobs", a term he employed in of Valmir reporting his wholesale mask sales.
the description. The most recent video of him This function, as well as the other times, has
talking about Cornershop, however, clarifies been combined with activities such as shopper
the situation for good. In a comment, a user and uber, until the moment he reports
asks: "Did you leave Cornershop? You are dedicating himself to masks exclusively.24
posting sales videos now." And Valmir, in It is possible that, because he plays
one of the answers, summarizes his current a series of "gigs" and jobs that vary as
professional activity: "Cornershop helped me a opportunities come and go, Valmir does not
lot, but nowadays I’m only selling masks, I ship manifest, as Marcelo does, an identity as an
to all Brazil".23 uber or shopper. A careful look at the videos
Although there are no playlists created he publishes and the narrative he builds about
on Valmir Cavalcante's channel, we have himself indicates that Valmir is all of them
done below a small grouping of the subjects at the same time, evoking new identities as
of the videos he posted on the channel. The one application is connected and another is
grouping seeks to follow a timeline from the disconnected; or as the required products
oldest to the most recent videos. Thus, we or services to be delivered change. Valmir's
realized that Valmir, between 2016 and 2017, first video as a shopper, titled "Cornershop,
was a truck driver, or a truck, as he named his Shopper Buyer in Markets", 25 of March 18th,
channel until 2020: Truck Valmir Cavalcante. 2020, illustrates this polyphony of professional
About two years ago, he began working as an identities, which, in his words, we could say
uber, alternating, for a time, the activities as a is approaching a vision of someone who is
trucker. In March 2020, he became a shopper, an entrepreneur of himself, initiating new
this time alternating with uber activities. As of enterprises:

Table 2 – Topics of the videos of the channel ‘Valmir Cavalcante’

Ac vi es as a truck or truck driver


Ac vi es as a passenger driver or uber
Videos repor ng personal events
Ac vi es as a shopper
Ac vi es on the produc on and sale of masks wholesale

Source: prepared from h ps://www.youtube.com/channel/UCvXhwd_7xuWh_9-F-VEWWrg/videos.


Access: July, 29th, 2021.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 593
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

I'm going to do some training for a his fourth purchase, he is eager to comment
new enterprise there. It is... what is that the value of the purchase ordered did
this venture I'm going to do now? [...]
not cover the free parking, which forced him
I'm going to be a shopper. What is a
shopper? The shopper is a buyer. So, I'm
to contact the platform company's support to
going to be a buyer. A market buyer. So get a refund. Another reported difficulty is the
now there are several companies, I'm need to walk a lot to make some deliveries.
going to do the training for one, but In other moments of the video, we
there are already two more there that
noticed Valmir's permanent disposition for
I can register too. I'm going to stay on
the market, so I can work with two apps.
that activity, clearly exemplifying the notion
The same, like, Uber and 99. But I’m only of the just-in-time worker (Abilio, 2020): he
going shopping instead, I'm not going first comments that he needed to expedite a
to have a passenger. [...] So I'm already delivery because the application had already
going to be a shopper for this company
indicated another purchase to be made; then,
that is... shopper is buyer. I go there,
make the purchase, I separate the items he reveals, "I worked, man, I didn't stop for
and take them to the... to the customer. a minute. The only time I stopped was half
(00'03" to 01'23") an hour, made a meal and continued [...]"
(05'37''); at the end of the video, when he is
Like Marcelo, Valmir records a lot of his already returning home, he points out that he
videos inside the car, but in general he makes will only eat, sleep and then wake up early for
them during trips to the supermarket or to the another 12-hour workday.
residence of some Cornershop consumer. For In this video, the idea of the self-
this reason, his speeches are often interrupted entrepreneur is present again, that mobilizes
by the GPS voice command or else he needs to the imperative of being agile to increase his
take a few breaks in the reports to pay attention gain, while worrying about his reputation,
to the traffic around him. Other videos are also seeking to choose well the products so as not
recorded in the supermarket or their parking to have problems with customers and worrying
lots, shopping and narrating some tips and about the rating system of the application (49
events. This feature is not much mobilized by reviews with 5 stars and 1 with 4 stars). This
Marcelo, who usually makes his reports in the same video still elucidates how Valmir dealt
same place and with the car parked. with work in two different applications and
Valmir's video, "Cornershop – working activities, seeking to combine them in order to
for 12 hours", 26 from April 6th, 2020, is an mitigate the expenses of his travel through the
example of this shopper’s way of recording. city. After all, often, when the working hours
However, more than that, it is an illustrative are over, he is far from his home: "I've finished
video of the working conditions faced by away. Since we're not silly, I just turned on
Valmir. On a Sunday, though a widespread Uber. I directed, if I pick up a passenger, it will
reference to a rest day, he reports having help with the expense" (5'00''; our emphasis).
spent 12 hours working as a shopper. He starts Valmir develops a relationship similar
the video after his third purchase on the day, to Marcelo's, in some respects, with the
inside his car in a supermarket parking lot. In Cornershop platform. Both combine criticism

594 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022


“Doing their best for the company”

with certain operating logics with explanations shoppers at that time, or colleagues that he
and justifications about the way the company reports having contact through WhatsApp
operates. However, it is possible to say that groups, and who decided to record a shopping
Valmir expresses greater resignation towards experience next to them. This is the case of
Cornershop than Marcelo. While he speaks the video "Cornershop 31/12, Last Purchase
of the strike of the app drivers and was more of the Year", 28 of December 31st, 2020,
incisive in the criticism, Valmir seems more when Valmir records his colleague fulfilling a
concerned with explaining the ways in which request, and the two provide tips on how to
the platform works, even expressing tiredness provide that service with more quality and
and anxiety about the working conditions agility. Valmir's excitement and effusiveness
he faced. Although the video "Cornershop when recording videos with his colleagues
prohibits you from working with another denote some collective solidarity around
App",27 of June 6th, 2020, seems to deal with the activity as a shopper, while at the same
a manifestation of retaliation to the company, time indicating a quest to mobilize his own
in fact it is an explanation of Valmir that there channel, attracting views for his activity. In
is no impediment to working with more than this aspect, in comparison with Marcelo, we
one application, belying certain rumor that see that he acts differently: his interactions
said otherwise. He explains that there were appear in the videos through his reports about
incentives for shoppers to stay online in the conversations he had with colleagues, without,
app for a certain period, because they earned however, mobilizing names and videos entirely
an additional value for it, and there was no dedicated to it. Possibly due to the difference
reason to connect to other platforms. With between the channels’ magnitude, number
the reduction of these incentives, Valmir says of subscribers and views, Valmir seems to be
that it became more worth working with busier giving visibility to other shoppers, even
other platforms simultaneously, since taking if there is no continuity of these interactions in
care to turn off one of them when a race or his channel.
purchase arrived at the other. But he stresses Finally, politically, we can see that
that this exclusivity with Cornershop never Valmir does not stand emphatically, avoiding
occurred: "Simply, if you aren’t... if you are positioning himself, even at times when he
not connected, you will not receive... hmm... would apparently express his opinion more
any request at all. Whoever is connected will clearly. More specifically, in the video "Uber
receive a request, and that's how it works. – taxi! Councilman Amadeu",29 of August 1st,
Ok? I am making a video and I am connected. 2020, Valmir begins by talking about how
Suddenly it can ring here..." (03'33" to 03'48"). Councilman Adilson Amadeu, recognized
Another important aspect for the representative of the category of taxi drivers
description of Valmir ’s chann el is its in São Paulo, had been angry and dissatisfied
interaction with other shopper workers. There with a certain strategy of the company Uber
are many videos reporting the experience in seeking to include the taxi drivers. Valmir
of working with other colleagues, whether gives signs that he will begin to criticize the
people who were starting their activities as councilman and, in some moments, appears

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 595
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

to defend Uber, but he ends the video saying for the workers' health, such as adequate
that, although there are good changes for the lunch time and concerns about the physical
passenger, in the sense that they will have effort employed in the tasks. Not to mention
more options to choose, " it will cause big the almost null work rights considered by the
fights, this will give a lot to talk about. Right? Cornershop platform as "benefits". These
But let's see the result from now on" (07'00). conditions become manifestations of physical
A little earlier, he pondered the councilman: and psychological fatigue, as well as in several
"From his point of view, he's right. He's moments of anxiety and concern, arising from
fighting there for the cabbies...". This episode the effort of performing the shopper function
also elucidates the way the debate about the well, but also from the insecurity provided
initiatives of regulation of work by applications by the logic of operation of the platforms.
takes place, in which private and corporate Valmir mentions personal attributes that a
logics – of taxi drivers – seek for intervention shopper should appreciate and develop in this
within the State, which is already permeated scenario, but it is Marcelo who explores this
by the economic interests of the platforms in more detail. He brings the entrepreneurial
and the management logic of governance. The ethos in his speeches and actions, always
rights and protection of the poorly represented demanding an attitude of perseverance in
and unassisted categories of a real regulation the face of such faced conditions, not failing
of their conditions end up neglected by to denounce them, it is worth noting. But
a neoliberal conception of justice, which the way Marcelo describes his work allows
understands social inequalities as justifiable him to frame himself as a self-entrepreneur
and, therefore, accepted (Fonseca, 2014). (Dardot and Laval, 2016), who goes through a
difficult journey, but for which it is necessary
to "extract strength", overcoming barriers such
as the State that "sucks" him through taxes,
Conclusions the platforms that exploit him and the "losers"
that transmit negativity to that occupation.
We can start by analyzing the descriptions Being a shopper, therefore, is more like
exposed above by observing that the way the "becoming" a shopper, it is to face another
shopper activity is described by Marcelo and "enterprise" in the life of these individuals, it is
Valmir mobilizes different elements. Here it is a condition that can be disabled or reactivated
not about a comparison between the two, but a as calculations, strategies and opportunities
complementarity that helps us trace aspects of progress. In the case of the new coronavirus
the shopper worker’s subjectivity. In describing pandemic, this was the opportunity for many
his activities, Valmir brings the strenuous who saw themselves as uber or, as they
working conditions to which this category is usually call themselves, "app drivers" to start
subjected, such as long working hours, low acting as shoppers. In any case, you never
pay, lack of structure for commuting home- leave an activity completely. The uncertainty
work and the absence of important conditions and insecurity regarding working conditions

596 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022


“Doing their best for the company”

and the gains that will be obtained lead to The permanence of work by
an impossibility of planning the future in the applications, however, helps to explain the
medium and long term, as Sennett (1999 and activities performed by the two, but does not
2006) had already advanced. Planning takes end the strategies they outline to earn a living.
place according to the information available, Marcelo, for example, sought to capitalize
and the speed of calculations and reasoning on his performance as a youtuber to try to
to join a particular activity or turn on and offer a course to other app drivers. Valmir,
off a particular application needs to be very identifying that working as a shopper did not
fleeting. This explains the fragility and difficulty provide the gains he was expecting, began to
of building an identity around the shopper, but use the networks and his channel to sell masks
also around other occupations modulated by wholesale, another gap identified by him with
uberization (Abílio, 2019 and 2020). Thus, the the advent of the new coronavirus pandemic.
presence of amateur work is latent, as Abílio In a classic entrepreneurial narrative, we
(2020) described, given the indetermination would say that Valmir identified a market
of time and space in the tasks performed. opportunity and sought to exploit it to achieve
This influences the formation of a collective his gains. This is not an incorrect description,
solidarity and on the possibilities of this social but we prefer to situate it as a constant and
subject to intervene in the State. structuring practice of the strategies of life
It does not mean to say, however, that and survival of the popular classes (Machado
there is no identity and subjectivity to be da Silva, 2018), or as an imperative of survival
noticed in the shopper worker. It exists and in the world of informality, considering the
can be seen in the statements of the subjects Brazilian historical and socioeconomic context,
analyzed here and in the way they dialogue although under distinct dimensions and
with their peers. But this identity has fragile intensities today (Telles, 2010).
and fleeting, though always reattachable, A frustration with politics (and with
bonds, as Boltanski and Chiapello (2009) politicians) is perceived in the statements of
describe in the connectionist world of projects the shoppers analyzed. The idea that they are
and networks formed in contemporary on their own and avoid positioning themselves
capitalism. Perhaps it is clearer to note this politically, fearing that their vision may bring
collective identity, even if it remains unstable, some damage to their activity, especially with
if we look at shoppers as well as ubers, delivery their customers, is clear. Marcelo, for example,
men, trucks, that is, workers modulated by says he seeks "not to meddle in politics". Still,
applications managed by large companies, the it is possible to see some dissatisfaction and
platforms. Like all generalizations, we may lose discontent with the platforms and certain
important nuances if we look at it this way, but logics of operation. However, without a
it is a way that considers the narrative itself collective representation, as in the case of taxi
and representation of themselves made by drivers cited by Valmir, and in the absence of
Marcelo and Valmir, for example. social protection mechanisms, the perception

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 597
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

that they are "alone" is highlighted. That's something that breaks with the structure
why they need to use all strategies to increase of gains and conditions experienced, as the
their income: "to exploit in a way not to be so activity of shopper was, especially in the
exploited", as Marcelo said. Valmir's phrase, period of the new coronavirus pandemic.
apparently commonplace and unpretentious, The uncertaint ies experienc ed in this
"Since we are not silly, I just turned on Uber", context become indefinitions regarding their
is actually symbolic of the representation of identities and feelings of attachment and
the strategies adopted to face the scenario of recognition, which add to an urban context
uncertainties and protections. dominated by a neoliberal reason that results
Finally, it is perceived that the shoppers, in the lack of protection and regulation of
or, in general, the application workers, millions of workers, sometimes seen by
who permeate the tissue of contemporary themselves as entrepreneurs of their own
metropolises, are subjects who seek practices lives and seeking to build alternatives of
that go through the idea of "novelties", income and work.

[I] https://orcid.org/0000-0002-2105-5890
University of State of Rio de Janeiro, Institute of Social and Political Studies, Postgraduate Program
in Sociology. Rio de Janeiro, RJ/Brazil.
braunercruz@iesp.uerj.br

[II] https://orcid.org/0000-0002-8279-3643
Federal University of ABC, Center for Engineering and Social Sciences, Postgraduate Program in
Humanities and Social Sciences. Santo André, SP/Brazil.
claudio.penteado@ufabc.edu.br

[III] https://orcid.org/0000-0002-5847-241X
Federal University of ABC, Free Technologies Laboratory, Center for Engineering and Social Sciences,
Santo André, SP/Brazil.
paulorobertoeliasdesouza@gmail.com

Translation: this article was translated from Portuguese to English by Eduardo Araujo Couto,
eduardoaraujocouto@gmail.com.

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“Doing their best for the company”

Notes
(*) The original expression, in Portuguese, is “Ves ndo a camisa da empresa”, which means, literally,
“Wearing the company’s shirt”. It is a common expression in Brazil used as a reference for an
employee who puts devo on and allegiance to his/her work and, mostly, the company he or she
is working for.

(1) This is a term used by the workers themselves for this type of service, which is why we decided to
keep it in our analysis. In English, shopper would designate a buyer, and the word is mobilized
by the Cornershop pla orm, owned by Uber, which names its hardworking users in this way.
Thus, when the company joined the Brazilian market, many became shoppers, because, in their
vast majority, they started working on this applica on, even though they currently also provide
services to other pla orms. More recently, a startup named Shopper, with similar opera ons
to the other pla orms men oned, has gained market share in the city of São Paulo. However,
the term shopper remains in its broad sense, being able to designate workers in this field on
different pla orms.

(2) Informa on available at: h ps://www.youtube.com/intl/en-GB/about/press/. Access: July 23rd,


2021.

(3) Link Estadão. Uber buys Chilean startup from Cornershop market deliveries. Available in:
h ps://link.estadao.com.br/no cias/empresas,uber-compra-startup-chilena-de-entregas-de-
mercado,70003046303. Access: November 8th, 2020.

(4) Techtudo G1. Cornershop: How the market service works in partnership with Uber. Available
in: https://www.techtudo.com.br/listas/2020/08/cornershop-como-funciona-o-servico-de-
mercado-em-parceria-com-uber.ghtml. Access: November 8th, 2020.

(5) NEOFEED. Uber takes over 100% of Cornershop for more than $1.4 billion. Available in: h ps://
neofeed.com.br/blog/home/uber-assume-100-da-cornershop-por-mais-de-us-14-bilhao/.
Access: December 17th, 2021.

(6) At Uber, however, a car is requested to be manufactured back up to 10 years. That's a compara ve
advantage for anyone who wants to become a shopper, since they don't need to have such a
new car.

(7) These steps are based on the reports of the shoppers analyzed by us and the context of the
production of the videos we used. Some of these steps, however, were altered over the
pla orm's performance me, such as a shortening of online training and the dispensa on of a
knowledge approval test. However, we chose to describe those that prevailed when the videos
began being produced and the reports of the two shoppers we studied were made, around April
2020.

(8) Available in: https://cultura.uol.com.br/noticias/18919_profissao-shopper-saiba-como-e-o-


trabalho-e-quanto-ganha-quem-faz-as-compras-de-supermercado-por-voce.html. Access: July
27th, 2021.

(9) Available in: h ps://cornershopapp2.helpsite.com/. Access: July 27th, 2021.

(10) Available in: h ps://cornershopapp2.helpsite.com/ar cles/66973-bole m-do-shopper. Access:


July 27th, 2021.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 599
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza

(11) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=ENGt6YSrWsQ&ab_channel=ValmirCavalcante.


Access: July 30th, 2021.

(12) Available in: h ps://www.youtube.com/c/UberdoMarcelooUberforadacurva/about. Access: July


25th, 2021

(13) Available in: h ps://www.youtube.com/channel/UCyMLM7sI0xssm3MQHCiSHyA. Access: July


30th, 2021.

(14) The link we tried to access is: h ps://motoristaforadacurva.com.br/curso-mfc/.

(15) Available in: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/paulo-germano/noticia/2019/05/


a-estrategia-que-fez-de-um-porto-alegrense-o-melhor-motorista-de-uber-do-brasil-
cjvh9og6q02r401mazj8q8w3s.html. Access: July 26th, 2021.

(16) Available in: h ps://machine.global/entrevista-com-motorista-marcelo-o-uber-fora-da-curva/.


Access: July 27th, 2021.

(17) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=CU_USAG4m4c&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3CriZ


4aMKtv1Jx60y&index=3. Access: July 27th, 2021.

(18) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=MR9aOOxeHFo&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3CriZ


4aMKtv1Jx60y&index=8. Access: July 27th, 2021.

(19) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=tCKqBclgyd4&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3CriZ4a


MKtv1Jx60y&index=80&ab_channel=UberdoMarcelo%2CoUberforadacurva. Access: July 27th,
2021.

(20) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=eQLLoAHnmUI&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3Cr


iZ4aMKtv1Jx60y&index=46&ab_channel=UberdoMarcelo%2CoUberforadacurva. Access: July
30th, 2021.

(21) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=bzz-qRp9yp8&list=PL2ZY-ssZ5ECAQR1L3CriZ4a


MKtv1Jx60y&index=100&ab_channel=UberdoMarcelo%2CoUberforadacurva. Access: July 27th,
2021.

(22) Available in: h ps://www.youtube.com/channel/UCvXhwd_7xuWh_9-F-VEWWrg/about. Access:


July 29th, 2021.

(23) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=cyON6HbO_bo&ab_channel=ValmirCavalcante.


Access: July 29th, 2021.

(24) It is important to emphasize that this is a descrip on that we inferred from the videos published
by Valmir and their dates, and there may be inaccuracies in the moments of the "jobs"
developed.

(25) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=bt-sdvNLVqE&ab_channel=ValmirCavalcante.


Access: July 29th, 2021.

(26) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=-GB1eOEWPr4. Access: July 29th, 2021.

(27) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=_vrqCGtsFio. Access: July 29th, 2021.

(28) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=qHwOydo7DFM&ab_channel=ValmirCavalcante.


Access: July 29th, 2021.

(29) Available in: h ps://www.youtube.com/watch?v=XlEbAQDuv_o&ab_channel=ValmirCavalcante.


Access: July 29th, 2021.

600 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022


“Doing their best for the company”

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Received: August 17, 2021


Approved: October 4, 2021

602 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022


Urban walkways designed
by João Batista Vilanova Artigas
Passarelas urbanas projetadas
por João Batista Vilanova Artigas

Ana Tagliari [I]


Wilson Florio [II]

Abstract Resumo
Modern architects operate with at least three Os arquitetos modernos operam com pelo me-
fundamental no ons: space, me, and movement. nos três noções fundamentais: espaço, tempo e
In the case of the walkways, the challenge is also movimento. No caso das passarelas, o desafi o é
to solve the problems of walkability in specific resolver também os problemas de caminhabili-
topographic constraints of the city. Based on dade em condicionantes topográfi cos específicos
documents available in the library collection of da cidade. Com base em documentos disponíveis
the School of Architecture and Urbanism of the no acervo da Biblioteca da FAUUSP, este estudo
University of São Paulo, this study analyzed the analisou as passarelas urbanas projetadas por
urban walkways designed by Vilanova Artigas in Vilanova Ar gas na década de 1970 para a cida-
the 1970s for the city of São Paulo and the region de de São Paulo e ABC. O valor dessas passarelas
known as ABC Paulista. The value of these walkways na obra de Ar gas reside não apenas no objeto
in Artigas’ work lies not only in the designed and projetado e construído, mas também em seu pen-
constructed object, but also in his theoretical samento teórico sobre a circulação, a conexão, a
thought about circula on, connec on, city, people, cidade, as pessoas e a arquitetura. Foi criada uma
and architecture. A table was created with the tabela com os desenhos das passarelas e seus
drawings of the walkways and their main circula on principais elementos de circula ção. Este estudo
elements. This study contributes to the apprecia on contribui para a valorização do nosso patrimônio
of our architectural and modern urban heritage. arquitetônico e urbano moderno.
Keywords: urban walkways; Vilanova Artigas; Palavras-chave: passarelas urbanas; Vilanova Ar -
circula on; path. gas; circulação; percurso.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5407 Crea ve Commons Atribu on
Ana Tagliari, Wilson Florio

Introduc on research in the field of History of Architecture


and Urbanism, reviewing traditional versions
João Batista Vilanova Artigas (1915-1985) of dominant historiography. Therefore, there
was one of the greatest names of modern was an improvement in studies and significant
Brazilian architecture. During the fifty years of methodological advances, in addition to
his profession, he conceived projects focused the rediscovery and reexamination of
on different themes and programs, such as documentary sources.
residences, clubs, and schools. In the 1970s, The adopted methodological procedures
Empresa Municipal de Urbanização – EMURB were: 1) survey and analysis of documents
in São Paulo commissioned the architect to present in the FAUUSP design collection;
plan a series of pedestrian walkway. 2) definition of focus: walkways over main
This study analyzed the urban walkways avenues; 3) visiting the sites; 4) production of
designed by Vilanova Artigas in the 1970s for drawings for the study of form: dimensions and
the city of São Paulo, Santo André and São geometry; 5) identification of design solutions
Bernardo do Campo. The walkways selected for and strategies, and classification of the types
this study were chosen based on documents of walkways; 6i) synthetic table containing
of the projects available in the physical and drawings, and urban contexts.
digital collection of the FAUUSP Library. The Based on concepts related to
proposed walkways to cross large urban roads arch itecture, circulation, path, u rb an
in São Paulo were: av. 9 de julho, av. 23 de connections, urban design, accessibility,
maio, av. Rubem Berta and av. Matarazzo, and and walkability, as the original results of this
ABC Paulista. research, a table was created with the study
Based on the interest and involvement in designs of the walkways, their classification
research on path, circulation and its elements, according to type of circulation (ramp and/
the objective was to identify and classify the or stairs), connections and urban insertion
types of walkways according to their design resulting from the characteristics of the
solutions. We studied the selected projects context, according to the original drawings.
focusing on design strategies, elements of It was observed that the researches on
circulation, relating the urban dimension, the analysis of Vilanova Artigas' architecture
technical matters, the circulation system by did not focus on the systematic study of this
architectural program, concept, and parti, in theme, a fact that characterizes a lack in the
addition to establishing associations with the literature to be analyzed in the oeuvre of this
architectural oeuvre of Artigas. important architect.
The archives (Figure 1) include plans, The circulation, movement and paths
sections, elevations, and construction details, through the spaces are important aspects
as well as historical photographs. Leonardo related to modern architecture. In an
Barci Castriota (2011, p. 15) notes that in recent innovative way, and grounded on modern
years significant changes have occurred in architecture concepts, Vilanova Artigas

604 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

created projects with the adoption of the In the case of an urban environment,
elements of circulation in different ways. these elements of connection are especially
The analysis of the architect's set of urban i m p o r ta n t a n d sy m b o l i c . I n A r t ig a s'
walkways projects can reveal fundamental architecture we can observe the importance
aspects for a better understanding of his of the circulation system in the definition and
work. These facts aroused the interest of structuring of the architectural parti.
studying these projects focusing on circulation The original contribution of this research
systems to further understand the association resides in the object of study, focus of
between these elements of architecture and investigation, and in the methodology, using
the urban dimension. drawings, visits, photos, and diagrams.

Figura 1 – INPS walkway design

Note: Drawings and construc on details extracted from the drawings of the studied walkways.
Historical photos of the walkways selected for the study. Material made available by the FAUUSP Library.
Source: by the authors (2018).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 605
Ana Tagliari, Wilson Florio

Movement through space Reading the texts written by Artigas,


such as “The social function of the architect”
Modern architects, in general, operate with and “Paths of architecture”, is necessary for
at least three fundamental notions: space, the correct understanding of his thinking
time and movement. In the 20th century, about architecture. By reading Artigas' texts
major architectural innovations occurred in and analyzing his architectural work, it is
the context of the design of large integrated possible to identify some key concepts in
and fluid spaces, as well as structure and his theoretical and practical discourse: 1)
new materials. In this context, free spatial new directions, varied forms and technical
movement has become one of the most widely solutions; 2) Scientific, technical, and artistic
explored aspects by modern architects. experimentation; 3) Innovative techniques,
By studying architecture design in the mastery of technique and science, especially
context of modern architecture, developed with the modern technique of reinforced
by important architects, we notice relevant concrete; 4) Defining structure as architecture;
and significant innovations that occurred in 5) Identity and national spirit, creation,
the field of design, concept, and construction. development and strengthening of an authentic
Each architect, inserted in a different social, national architecture; 6) Spaces that promote
cultural, and technological context, brought, in meetings, humanity, and social aspects.
their own way, varied innovations to the field These concepts could be executed
of architecture and urbanism. through new construction possibilities,
Among the innumerable innovations reinforced concrete. As Yves Bruand observes:
that can be attributed to the period of modern By completely abandoning the submission to
architecture, the concept of promenade nature that had marked its first phase, he opted
is essential to interpret the meanings of for modern materials, namely independent
spaces and their connections. In this case, structure in reinforced concrete (Bruand,
walkways are one of the public infra-structure 2008, p. 296). In Artigas' texts, the architect's
equipments that materialize this concept. stance regarding the association between
Vilanova Artigas was one of the most architecture and technique is evident, namely
important and influential Brazilian architects construction.
of the 20th century. The relevance of his In his text “Architecture and National
work is not restricted only to his architecture, Development”, Artigas (1981, p. 137) discusses
but also to his writings and teachings, his training at the engineering school and the
which contributed to the development of fact that architects are initially builders. The
São Paulo and Brazilian architecture. An architect emphasizes that it is important not to
architect, professor and intellectual, Artigas build only functional and technical buildings,
left important designs and buildings that but based on human sensitivity.
constitute a significant part of our culture, In his architectural oeuvre, these
renewing concepts that until then were tied to concepts could be performed through new
a colonial and provincial past of São Paulo. construction possibilities, especially by the

606 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

modern technique of reinforced concrete. The Four Books of Architecture, the architect
One of the design strategies used by Artigas to approaches the design and construction
materialize these concepts is the adoption of of bridges as an important element for the
ramps in his projects. Ramps are elements of circulation of people around the city. For the
modern architecture that allow to create a fluid architect, bridges should be beautiful and safe,
and continuous space, visually and formally. made of wood or stone.
Artigas' work can be considered a There are countless important bridges
manifestation of the architect's position that constitute our cultural repertoire.
over the society of his time. The use of new The Ponte d'Avignon in France, the Ponte
materials and construction techniques were Vecchio in Florence, or the Bridges of Rialto
decisive factors in changing the modern or dell'Accademia in Venice. In Brazil, it can
language of his architecture. be said that the most well-known pedestrian
In addition to constructive change, he walkways are those designed by João Filgueiras
also aimed to modify the organization of the Lima, Lelé, for the city of Salvador in Bahia.
architectural programming of spaces. Artigas Regarding Urbanism, Lucio Costa
believed that changes in society started (2018, p. 277) states: “A city is the palpable
demanding a new stance from architects and expression of the human need for contact,
artists. It should be noted that during his communication, organization and exchange -
career, the architect proposed changes in the in a certain physical-social circumstance and
organization of the architectural program, in a given historical context”. Le Corbusier,
sectorization, circulation and connection in his books Urbanism and the Charter of
between spaces. Athens, notes the importance of circulation
and its means, both for cars and for people,
for the dynamic of modern city. In the Charter
of Athens, Corbusier states: “Pedestrians
Pedestrian walkways: must be able to follow routes other than
circula on, path and movement the automobile. This would constitute a
through urban space fundamental reform of circulation in cities”.
In this sense, walkways, as elements of
Because many rivers, due to their width,
urban infrastructure, are fundamental to the
depth, and speed, cannot be ford, the
convenience of bridges was created. freedom of movement, connection, and safety
(Andrea Palladio, Third Book) of pedestrians, in addition to contributing to
the fluidity of urban activities.
The concept of walkway appears in the modern In São Paulo, Empresa Municipal de
city based on the idea of bridges in the old city. Urbanização – Emurb, a public company
As stated in the Aurélio dictionary, a walkway created in November 1971, had as main
is: “ponte estreita construída sobre avenidas objective the planning and intervention of
e estradas para trânsito de pedestres”. In the the urban space. However, Emurb split up in
third book of the Andrea Palladio Treatise, 2010 in the companies São Paulo Urbanismo

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 607
Ana Tagliari, Wilson Florio

( SP-U rb an ism o) an d São Pau lo Ob ras to valuing public spaces, the physical and
(SPObras). In the 1970s, a series of walkways mental health of citizens, and social and
were requested by the company as a demand economic relations on the street scale and the
for pedestrian problems in the urban spaces. neighborhood. (Hoppe; Siqueira, 2018).
On the scale of urban design, Vicente del Kevin Lynch presents his study of the
Rio (1990, p. 69) develops a methodological landscape on the urban scale of the city,
reasoning that unites the various theories that organizing it into five elements, one of which
complement each other, regarding analysis is related to connections, namely roads. For
and performance from the user's perspective, Lynch (1960, p. 103) circulation is one of the
that is, how he sees, feels, understands, fundamental functions that can be expressed
uses, and appropriates the city, its elements, by the shapes of a city. The skeleton of the
and its social activities. This methodology city's image consists of these streets, paths,
involves visual analysis, perception of the and connections. And, according to this
environment, environmental behavior, and reasoning, walkways are part of this structure.
urban morphology. One of the approaches is In addition to the matter of connection, the
precisely the connections and the place. Urban city offers visuals and points of interest along
infrastructure elements such as walkways are the route, which takes on an even greater
important for city activities to take place. meaning, making it an experience in full and
This thin kin g is in lin e with th e involving perceptual qualities natural to the
contemporary concept of walkability coined movement through space.
by Chris Bradshaw in 1993, which focuses on A path is the action of moving, a route
the conditions of urban space seen from the to be taken between one point and another,
perspective of the pedestrian. As Danielle distant from each other. In a space, routes
Hoppe and Rafael Siqueira (2018) note in are necessary to move from one location
general lines, this concept can be defined as to another, and thus perform the necessary
the extent to which the characteristics of the activities. Circulation and path, in architecture
urban environment favor its use for walking. and in the city, are not items to be planned
Walkability comprises aspects such as only in a functional and objective manner,
the conditions and dimensions of sidewalks but also subjective, as they involve various
and intersections, the attractiveness and perceptual and psychological questions.
density of the neighborhood, the perception Gordon Cullen presents a series of
of public safety, road safety conditions and any observation drawings, the serial view, which
other characteristics of the urban environment studies the city from different paths. Cullen
that influence the motivation for people to (1971, p. 25) notes that the city has territories
walk more often and use the urban space. that lead to static occupation, and others that
Walkability focuses not only on physical consist of appropriation by the movement,
elements, but also on attributes of land use, in addition to interconnections, connections
politics or urban management that contribute and paths.

608 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

As important as the possibility of Reena Tiwari (2018), professor and


connection and movement, one of the researcher at Curtin University in Australia,
qualities that Lynch points out is "awareness investigates the behavior and perception of
of movement". Qualities that make the people in cities, and observes how important
observer sensitive to his own real or potential connecting elements are for movement,
movement by means of his senses. The city is fluidity, and interaction in activities:
apprehended by the senses and by movement.
The concept recognizes that people
Professor and researcher Andreas Keil, need to reach places and interact, and
who published the book Pedestrian Bridges. that movement between places needs
Ramps, Walkways, Structures (2013) states: to be efficient, environmentally benign,
and conducive to healthy communities.
Pedestrian bridges must of course The term ‘connecting places’ conveys
primarily be functional, but they should this meaning. ‘Connecting’ indicates
also engage with a site's unique features, that sustainable forms of movement
its routes, topography, and context. enable interaction between places.
Their presence in public space offers not ‘Places’, while being the central focus,
only the potential to connect separated implies high-quality areas with a strong
spaces, but also to give a place its own sense of locale, within which the
identity. (2013, p. 6) community can live, work, shop, learn,
and play. A key distinction between this
Artigas' architecture consists of a set of book and others in the same field is the
perspective of place making. Instead of a
proposals implicit in his theories and practices.
simplistic reliance on manipulating form
The adoption of system and circulation and materiality in the creation of a place,
elements, especially the ramp, inspired the emphasis is on synthesizing physical
generations of modern and contemporary and cultural components with the needs
architects, in addition to debate and innovative and aspirations of people. Place making
is about making visible people’s ‘right to
proposals in the field of architecture. In his
their cities’ and urban spaces. (Tiwari,
work, we observed that the circulation, path, 2018, p. 18)
and movement of people were also thought at
the scale of the city and not just the building, As such, walkways are elements of urban
with an effective and harmonious relationship infrastructure that contribute to the performance
with the city, reinforced by the design of people around the city to be more satisfactory,
strategies associated to the circulation system, since the large motorways create limits and
which involves the approach of the building, urban obstacles. Following Tiwari's reasoning,
accesses, and routes. There are well-resolved walkways are therefore elements that contribute
functional solutions, in addition to conceptual, to the sustainability of urban space. As Maurizio
perceptual, and symbolic architectural Vogliazzo (2002, p. 2) notes, architecture, like
qualities, reinforced by the system and everything else and everyone else, has no future
circulation elements. without infrastructures.

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Ana Tagliari, Wilson Florio

Urban walkways designed Cesar Shundi Iwamizu (2008, p. 281)


comments that the walkways designed by
by Vilanova Ar gas Artigas start from the same structural logic,
in concrete, tubular steel and the use of
In a conglomerate like Grande São
neoprene as a new element in construction.
Paulo, constructions commonly called
components of 'urban furniture' go Dalva Thomaz (1997, p. 354) also notes that
unnoticed, and architecture is mixed Artigas was concerned with the issue of
with equipment related to public prefabrication in the design of the walkways,
s er vi ce s. B u t so met im es w e are
in order to facilitate the execution of these
faced with buildings whose presence
is significant in the landscape, thus
connection elements.
projects where plastic intention is The original projects and archives,
paramount, such as walkways. (Xavier, present in the collection of projects of the
Lemos and Corona, 1983, p. 149) Library of FAUUSP, were analyzed, since some
projects were not built, or if built, they have
This study analyzed the urban walkways already been modified over the years.
designed by Vilanova Artigas in the 1970s for • Walkway on Avenida 23 de Maio with Rua
the city of São Paulo and ABC, as requested by Coronel Oscar Porto, Paraíso, 1972;
Empresa Municipal de Urbanização, Emurb. • Walkway on Avenida Rubem Berta with
There are eight urban walkways in Alameda Miruna, Planalto Paulista, 1972;
the city of São Paulo, their projects being • Largo Padre Péricles walkway on Avenida
available for consultation in the collection of Francisco Matarazzo, Perdizes, 1972;
projects of the FAUUSP Library. Walkways over • Walkway on Avenida Rubem Berta with
roadway designs, such as that of Imigrantes Avenida Aratans, Planalto Paulista, 1972;
road, or over Trailways, such as Lapa, were • Walkway over Avenida 9 de Julho with
not selected, as the selection criteria for this Fundação Getúlio Vargas, Bela Vista, 1972;
article are urban walkways over main roads in • Walkway on Avenida 9 de Julho/J.M.
the city of São Paulo and ABC. However, one of Lisbon, Jardim Paulista, 1973;
the best well-known, the walkway over Rubem • Ibirapuera walkway on Avenida Pedro
Berta avenue, in front of Congonhas airport Alvares, 1974;
in 1972, was not included in this article, as • Walkway on Avenida 9 de Julho/n. 610 -
its drawings are not available in the FAUUSP INPS, Bela Vista, 1977;
library collection. Urban walkways in ABC Paulista:
According to data from Sinaenco (2019) • Walkway on Avenida Coronel Alfredo
and the São Paulo Engineering Institute, there Flaquer/Perimetral, near Av. Guilherme
are 75 walkways in the city of São Paulo, Marconi, Centro, Santo André, for the Santo
many are in poor condition. Fortunately, André City Hall, 1974;
in the list of this document, the walkways • Walkway on Rua Justino Paixão over
designed by Artigas are not listed as works in Avenida Ramiro Colleoni, Centro, Santo André,
poor condition. for the Santo André City Hall, 1974;

610 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

• Sesi walkway on Avenida dos Eucaliptos/ the engineering view encompasses structural,
Rio Tamanduateí, Centro, Santo André, for the static, and dynamic issues, the view of
Santo André City Hall, 1974; architecture involves functionality, insertion
• Walkway on Avenida Pereira Barreto, Rua into the urban context and the landscape,
Caiubí, Jardim Paraíso, Santo André, for the language, details and understanding and
Santo André City Hall, 1978; sensitivity towards the user. In this sense,
• Walkways in the Municipal Palace of São it is noted that Artigas, with his training as
Bernardo do Campo/Av. Brigadeiro Faria Lima an engineer/architect, subtly united the
and Av. Pereira Barreto, for the São Bernardo sensitivity and technique that a walkway
do Campo City Hall, 1975; project requires.
Rosa Artigas (2015, p. 200) comments A walkway should connect two points,
on the urban walkways in São Paulo: “These preferably with the shortest route, but also
are projects for nine walkways that cross direct visuals and promote experiences for
avenues [...] with the same constructive the pedestrian walking on it. Therefore, there
principle serving for all of them: a central is not only a functional problem, but also a
free span grounded by a prefabricated metal perceptual one. In addition, a walkway must
structure supported by reinforced concrete be accessible and safe.
pillars at the ends”. According to the norm of the Brazilian
The consulted documents demonstrate Association of Technical Standards (ABNT)
an intense work of the architect in developing 9050, pedestrian walkways must be provided
u rb a n walk w ay project s w it h sim ilar with ramps, or ramps and stairs, or ramps
construction principles – precast and/or and elevators, or stairs and elevators for
metallic structure – that could be quickly the circulation of people. Ramps, stairs and
assembled and installed – but with different elevators must fully comply with the provisions
designs, straight and/or curved, according to of this norm. Although the analyzed walkways
the characteristics of the urban context where were designed in the 1970s, they already met
they would be inserted – topography; height the needs that we now find systematized
required for passage on the expressway; area in the standard, as a natural solution to the
available for the insertion of stairs and/or problem presented.
ramps; vegetation; pedestrian flow.

The walkways
Results and discussion
In this topic we present the object of study.
The pedestrian must be able to follow The walkways designed by Vilanova Artigas.
routes other than those of the car. (Le
In the city of São Paulo we have studied
Corbusier, The Athens Charter, 1993)
eight walkways. The walkway over Avenida
The design of a walkway involves an 23 de Maio with Rua Coronel Oscar Porto,
interdisciplinary and collaborative vision Paraíso, 1972, was not built. This walkway
between engineering and architecture. While should make it possible to connect the two

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 611
Ana Tagliari, Wilson Florio

sides of Avenida 23 de Maio around the The Largo Padre Péricles walkway,
Paraíso and Vila Mariana neighborhoods. Due on Avenida Francisco Matarazzo (Figure
to the topographic conditions of the region, 6), Perdizes, for Emurb, 1972, built, allows
Avenida 23 de Maio is located in a valley, the circulation of people crossing Avenida
and the walkway connects two streets with Matarazzo in an important location, on the
higher elevations, without the need for stairs one side, the Perdizes neighborhood, and on
or ramps to access it, presenting only a slight the other, Barra Funda. Access to the walkway
inclined surface configuring the design of an occurs through circular, helical ramps.
arch. Walkway to Avenida Rubem Berta with
The walkway to Avenida Rubem Berta Avenida Aratans, Planalto Paulista, to Emurb,
with Alameda Miruna, Planalto Paulista, for 1972. It was built to make the connection
Emurb, 1972, was built, allowing to connect between the two sides of the north-south
the two sides of the north-south corridor in corridor in the Moema neighborhood possible.
the Moema neighborhood, close to Avenida It is located very close to the Alameda Miruna
dos Bandeirantes. Access to the walkway walkway. Access to the walkway occurs
occurs through straight ramps. through straight ramps.

Figure 2 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
Sequence of projects: Oscar Porto; Miruna; Matarazzo; Aratans; Getulio Vargas;
Lisbon (2 versions); Ibirapuera and INPS

Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.

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Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

The Walkway Over Avenida 9 de Julho over Avenida 23 de Maio, the views would
with Fundação Getúlio Vargas (Figure 7), be especially open towards the obelisk in
Bela Vista, for Emurb, 1972, built, connects Ibirapuera Park.
the two sides of Avenida 9 de Julho around The topography of the city of São Paulo
FGV, between Bela Vista and Consolação. offers natural conditions that configure valleys
Access to the walkway occurs naturally with and avenues, urban limits, as occurs on Avenida
an inclined surface, forming a slight arch, 23 de Maio, located in the valley. The walkway
due to the topographic conditions of the that would be installed there would occupy
valley region. the highest elevations, connecting areas that
The Walkway on Avenida 9 de Julho/J.M. were detached from the road. Urban limits can
Lisboa, Jardim Paulista, 1973, was not built. also be streets (Lynch, 1960, p. 76), where the
There are two versions of the project. One observer was not prevented from circulating
with access through stairs and the walkway on the road, so the image of the street as a
has a slight slope forming an arch, and another circulation route predominated, as occurs on
with access through straight ramps. Avenida Rubem Berta, in this case from the
The Ibirapuera walkway at Avenida walkways of Rua Aratans and Avenida Miruna.
Pedro Alvares Cabral, 1974, was also not In the city of Santo André at ABC Paulista
built. It would have provided for straight (Figures 8-9-10), the walkway on Avenida
ramps to access the walkway, which should Coronel Alfredo Flaquer (Figure 11), also
occur naturally, as a continuation of the known as Avenida Perimetral, was built for
public walkway. This walkway would be an the Santo André Administration in 1974, and
articulating and facilitating element for people connects the two sides of this avenue that
who circulate in Ibirapuera Park. crosses an important central part of the city.
Fortunately the walkway on Avenida 9 It is located close to Av. Guilherme Marconi,
de Julho/n. 610-INPS, Bela Vista, for Empresa which connects the city center to the Vila
Municipal de Urbanização (Emurb), 1977, was Assunção neighborhood. This walkway contains
built, whose access occurs through straight ramps as access elements. On one side straight
stairs and ramps. ramps, and on the other side a spiral ramp with
These walkways positively redefine organic design. The straight ramps are covered
the urban landscape of the place, in addition with a roof, with zenith openings.
to creating visuals for the pedestrians that The walkway that creates continuity
circulate on it. Unique views of the city can on Rua Justino Paixão crosses over Avenida
be seen from the walkway, such as the Nove Ramiro Colleoni, an avenue with a large flow
de Julho walkway, Fundação Getúlio Vargas, of cars. Located in the center, next to the
a wide and unobstructed view of the Avenida Municipal Palace and built for the Santo André
Paulista spire and the São Paulo Museum Administration in 1974. There are straight
of Art (Masp). In the case of the walkway ramps as access elements.

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Ana Tagliari, Wilson Florio

Figure 3 – Study designs of the analyzed walkways. Eleva on.


Sequence of projects: Oscar Porto; Miruna; Matarazzo; Aratans; Getulio Vargas;
Lisbon (2 versions); Ibirapuera and INPS

Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP
library collec on.

614 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

Figure 4 – Photos from the visit at Padre Pericles/Matarazzo walkway

Source: by the authors (2020).

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Ana Tagliari, Wilson Florio

Figure 5 – Photos from the visit at GV walkway

Source: by the authors (2020).

The Sesi walkway at Avenida dos For the Municipality of São Bernardo do
Eucaliptos, also built for the Santo André Campo (Figure 9), there is a set of walkways
Administration in 1974, creates a safe crossing located in the Municipal Palace of São
over the Avenida do Estado and the Tamanduateí Bernardo do Campo with Av. Brigadeiro Faria
River, connecting neighborhoods in the city. The Lima and Av. Pereira Barreto, from 1975.
access elements are straight ramps. It is important to highlight that issues
The walkway on Avenida Pereira Barreto of accessibility, comfort and safety, all topics
with Rua Caiubí in Jardim Paraíso, designed for discussed today, were already contemplated
the Santo André Administration in 1978, was not on the walkways designed by Vilanova Artigas
built. The drawings show straight stairs and ramps in the 1970s as a natural solution to the
following the topography on one of the sides. problem presented in the program.

616 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

Figure 6 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
Sequence of projects – Santo André: Perimetral; Ramiro Colleoni; SESI;
Pereira Barreto (2 versions)

Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.

Figure 7 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
São Bernardo do Campo

Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.

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Ana Tagliari, Wilson Florio

Figure 8 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
Sequence of projects in Santo André: Perimetral; Ramiro Colleoni; Sesi;
Pereira Barreto (2 versions)

Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.

Figure 9 – Photos from the visit at Perimetral/Alfredo Flaquer, Santo André walkway

Source: by the authors (2020).

618 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

In some cases, as in the Aratans The width of 3.20m, as in the case of


walkway, the pedestrian is gradually led to the Avenida 9 de Julho-INPS walkway, allows
the access and the ramp, in order to reach for the circulation of several pedestrians
the walkway without noticing. Each terrain simultaneously, with comfort and safety.
and topography condition generated a design The 90 cm high windowsills provide safety
solution proposed by the architect, between and comfort to pedestrians, who have the
ramps and subtle accesses. possibility to view the city landscape while
The consulted drawings show that walking the walkway.
the architect studied options for solutions The lightness of the designs of the
before the final version, as in the case of walkways, the elegant solution of the supports
the walkway over Avenida 9 de Julho, with and the plasticity of the elements of vertical
Coronel Lisboa which presents a solution with circulation characterize these walkways
stairs and ramps. as elements of qualification of the urban
The studies and visits show that, in most landscape of São Paulo. The analyzed walkways
cases, there are trees and/or shrubs in the showed different solutions of supports and
place where the supports and access to the accesses, with straight or spiral ramps, and
walkway are located. This fact demonstrates stairs. The walkways have a central free span
a care for the public space regarding the grounded by a metal structure supported by
perception of the urban environment, concrete consoles with accesses and vertical
especially in a stretch of route and arrival. circulation, also in concrete.

Figure 10 – Study designs on the access and circula on elements


of the analyzed walkways

Source: drawings by the authors (2018) made from observa on.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 619
Ana Tagliari, Wilson Florio

The differences in solutions take into The importance of these walkways in


account the peculiarities of each location and the architect's oeuvre, as a whole, occurs
topography. mainly because of the conceptual coherence
The proposed system represented a and affinity for understanding the relation
significant advance in terms of technology between architecture and the city. It can
and speed of assembly. In the case of the be said that in Artigas' architecture the
walkways, the challenge was to solve the elements of circulation are important and
problems of topography constraints in the city, valued, because in addition to being a
road network with public sidewalk, streets and functional circulation, it also assumes a social
paths, interconnection with stairs or ramps, character: “another space” of permanence
and particular constraints of each project. that promotes visual, spatial continuity
and encounters. In this social and urban
character, these “space” of connection are
Final remarks especially important and symbolic. In the
case of an urban environment, these spaces
of connection and also of coexistence are
In the debates of the 1984 competition, especially important.
the concept of architect that Artigas
In Artigas' architecture, the importance
would never tire of repeating would
be present in a prominent place, as
of the circulation system in the definition
a double technician mixing artist and and structuring of the architectural parti is
humanist, obliged to think of the whole noteworthy, since the elements of circulation
and to contribute for everyone to take are of special importance and act serve as an
ownership of the civilizing process and
ambient.
progress. As he himself observed in
one of his last interviews, the architect The concept and methodology that
should work so that "the general underlie the projects selected for analysis are
structure of the city, the coexistence of great contribution to the understanding of
and the distribution of space become the architecture produced at a given time.
the manifestation of a certain historical
Recovering historical proposals for analysis
moment or a way for men to live
their own dignity as projected in each improves to reflect on the topic in question.
building". With this conception, Vilanova Analyzing and relating the selected projects
Artigas designed hundreds of unions, is a creative and innovative approach,
schools, hospitals, stations, houses
which generates knowledge in the area of
and buildings, walkways and bridges.
design, architecture, built environment and
(Nogueira, 1989)
urbanism.
Through the interest in exploring and The value of these walkways, in the
investigating the theme of circulation, path, entirety of Artigas' oeuvre, lies not only in
and movement through space, on the scale of the designed and constructed object, but also
architecture and the city, and their relations, on it representing much of what is present
the research on Vilanova Artigas' urban in the architect's theoretical thought about
walkways came naturally. circulation, connection, city, people and

620 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022


Urban walkways designed by João Batista Vilanova Artigas

architecture. In addition, we can say that some the space “in-between”, the interval, and the
important experiments and achievements movement of people. Thus, the utopian, the
were carried out with regard to the elements symbolic and the metaphorical are present
of circulation, the walkways, and some in his architecture and in these elements of
examples of his oeuvre of architecture. urban infrastructure.
The element s of circu lation and This study contributes to valuing our
connection, such as walkways, stairs, and cultural, architectural, and urban heritage, the
ramps, also offer a symbolic interpretation registration and documents of this precious
of bringing together, and at the same time collection, and built architecture and urban
creating internal and external spaces, valuing infrastructure.

Figure 11 – Study design of the Largo Péricles walkway,


on Avenida Francisco Matarazzo (1972)

Source: by the authors, 2018.

[I] http://orcid.org/0000-0002-4488-9898
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Curso
de Arquitetura e Urbanismo. Campinas, SP/Brasil.
tagliari.ana@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-6940-8341
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Curso de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
wilsonflorio@gmail.com

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Ana Tagliari, Wilson Florio

Acknowledgments

To CNPq for their support to the study “Espaço, Percurso, Tempo e Movimento. Análise de Projetos
como foco no sistema de circulação como sistema estruturador do par do”. To the FAUUSP
Library, which kindly made available the consultation to the collection. The authors thank
Espaço da Escrita – Pró-Reitoria de Pesquisa – Unicamp – for the language services provided.

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Received: May 3, 2021


Approved: October 4, 2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 623
Governança neoliberal em territórios
minerários: o investimento
social privado na RMBH
Neoliberal governance in mining territories: private social
investment in the Metropolitan Region of Belo Horizonte
Junia Maria Ferrari de Lima [I]
Renato Barbosa Fontes [II]
Léa Guimarães Souki [III]

Resumo Abstract
Este ar go discute uma das expressões da gover- This paper addresses one of the expressions of
nança neoliberal que, no caso brasileiro, se mani- neoliberal governance that, in the Brazilian case,
festa, dentre outras formas, a par r do chamado manifests itself, among other forms, through the
“inves mento social privado”. Trata-se de um con- so-called “private social investment”. It is a set
junto de ações, de caráter gerencial, conduzido por of managerial actions conducted by companies
empresas e/ou suas fundações na região onde ope- and/or their foundations in the region where
ram suas a vidades, e que visa a ampliar sua hege- they operate, aiming to expand their hegemony
monia a par r da valorização de suas imagens, ao by improving their image. However, at the same
mesmo tempo que elas despoli zam e subtraem, time, this causes depoliticization and decreases
das sociedades locais, sua capacidade par cipa va the participatory and transformative capacity of
e transformadora. Com base no conceito de hege- the local societies. Based on Antonio Gramsci's
monia de Antonio Gramsci e u lizando os relató- concept of hegemony and using sustainability
rios de sustentabilidade disponibilizados nos sites reports available on the websites of mining
de empresas minerárias que atuam no vetor su- companies operating in the Southeast vector of
deste da Região Metropolitana de Belo Horizonte, the Metropolitan Region of Belo Horizonte, the
interessa-nos aqui reunir elementos que permitam main goal of this paper is to collect elements that
iden ficar mais essa par cularidade da “governan- enable to iden fy this par cularity of “neoliberal
ça neoliberal”. governance”.
Palavras-chave: cidades minerárias; inves mento Keywords: mining ci es; private social investment;
social privado; organizações da sociedade civil; Re- civil society organiza ons; Metropolitan Region of
gião Metropolitana de Belo Horizonte; governança. Belo Horizonte; governance.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5408 Crea ve Commons Atribu on
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

Introdução submetidos. Inclui-se, além dos recursos na-


turais, uma outra modalidade de exploração
As reformas liberais que marcaram a economia praticada pelas mineradoras da região com
mundial no último quartel do século XX, co- o sentido de um “apaziguamento social” na
mumente nomeadas, na literatura, por neoli- medida em que pode enfraquecer seu ânimo
beralismo, tiveram especial impacto no Brasil combativo. Em síntese, "as corporações têm
a partir dos anos 1990, facilitadas, em grande acionado tais microtecnologias de poder para,
medida, pelo Estado democrático que se reor- ao mesmo tempo, evitar rupturas nos fluxos
ganiza após um longo período de ditadura de mercadorias e materiais e legitimar, no pla-
militar. A abertura política do País, portanto, no local, o regime neoliberal que predomina
coincide com um empresariamento do Estado, no plano macroeconômico" (ibid., p. 33). Nes-
caracterizado por uma crescente participação se sentido, é objetivo deste trabalho apresen-
do setor privado e de suas formas gerenciais e tar algumas dessas estratégias utilizadas, bem
concorrenciais de administração, constituindo como reunir elementos que permitam avaliar
uma associação que aqui nomeamos gover- os ganhos embutidos às empresas nessas
nança neoliberal. Especialmente o setor extra- aproximações, a fim de responder se é possí-
tivista, fortemente favorecido pela demanda vel identificar nessas ações mais uma expres-
de commodities no mercado internacional, as- são do padrão de governança neoliberal.
sumiu protagonismo nesse modelo de gestão O termo governança está longe de ser
pública no Brasil. recente. Sua apropriação deu-se em diferentes
Este artigo tem como propósito dis- períodos históricos e correntes de pensamen-
cutir uma das expressões dessa governan- to, o que lhe atribuiu múltiplos significados e
ça neoliberal que, no caso brasileiro, tem se diversos usos. Seu uso atual foi recuperado por
realizado a partir do chamado investimento teóricos liberais para designar um novo léxico
social privado. Segundo Acselrad (2018), na político que "visa a substituir as expressões
perspectiva de garantir eficiência extramuros, tradicionais da política por expressões [e práti-
o capital privado aposta em um conjunto de cas] gerenciais" (Deneault, 2018, p. 19). Como
discursos e práticas de gestão empresarial do enfatizam Dardot e Laval (2016), as mudanças
social – práticas de “não mercado”, segundo históricas na concepção e ação do Estado im-
o autor –, seja a partir das próprias empre- primiram um novo vocabulário político. Nes-
sas, seja a partir de suas fundações. Essas se sentido, o Estado passa a adotar objetivos
ações também têm se apoiado em parcerias e metas que visam à eficácia e ao lucro, além
e transferências de recursos para algumas de anular o que entendem por gastos inúteis,
organizações da sociedade civil (OSCs)1 sedia- o que na perspectiva do setor privado inclui,
das em cidades onde essas empresas operam. geralmente, as políticas sociais. Para Deneault,
Interessam-nos aqui, especificamente, as prá- o risco de se aplicar a teoria do management à
ticas adotadas pelas empresas de mineração política e à vida pública – discurso da “boa go-
que atuam em alguns municípios do chamado vernança” –, dentre outros, é que "não mais se
vetor sudeste da RMBH,2 conhecidos pelos fala de luta social, mas de aceitabilidade social.
históricos ciclos de exploração a que têm sido Não se fala mais de princípio de precaução ou

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Governança neoliberal em territórios minerários

de natureza, mas de desenvolvimento susten- últimas décadas. Esses municípios compõem o


tável. [...] Não se denuncia mais a propaganda, chamado Quadrilátero Ferrífero, localizado na
fala-se da responsabilidade social das empre- região central de Minas Gerais – incluindo parte
sas" (Deneault, 2018, pp. 19-20). da região metropolitana (Figura 1), que é uma
Este artigo se apoia nas reflexões suscita- extensão territorial de onde se extrai grande
das por uma pesquisa realizada nos municípios parte dos recursos minerais hoje no Brasil. Es-
do vetor sudeste da Região Metropolitana de sa inserção determina uma forte influência das
Belo Horizonte (RMBH), cujas matrizes econô- atividades mineradoras e, consequentemente,
micas estão fortemente apoiadas na ativida- a participação significativa das companhias mi-
de minerária e onde foi possível observar um neradoras não apenas na economia local, mas
número expressivo de registros de OSCs nas também nas relações sociais e políticas.

Figura 1 – Mapa do Quadrilátero Ferrífero com municípios do vetor sudeste da RMBH

Fonte: “Governança e Associa vismo na Região Metropolitana de Belo Horizonte”,


pesquisa em curso no Laboratório de Estudos Urbanos e Metropolitanos da Escola de
Arquitetura da UFMG, com base em PDDI-RMBH.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

Com o intuito de identificar as carac- informações, aqui sistematizadas suscinta-


terísticas daquilo que estamos chamando de mente, foi necessário reunir dados divulgados
expressão da governança neoliberal, foram pelas próprias mineradoras em seus sites insti-
pesquisados os relatórios de sustentabilida- tucionais e/ou relatórios de sustentabilidade,
de disponibilizados nos sites das mineradoras principais canais de comunicação e fontes de
que operam na região. Como parte das ações investigação identificados. Também foram con-
desses grupos, são oferecidos recursos na for- sultados jornais on-line, sites da Amig (Associa-
ma de editais voltados para o atendimento de ção dos Municípios Mineradores de Minas Ge-
demandas sociais (esporte, lazer, assistência rais) e do Gife (Grupo de Institutos Fundações
social) das comunidades locais, a partir da in- e Empresas), entre outros. Esse caminho deu
termediação e do gerenciamento das organiza- visibilidade para o caso da empresa AngloGold
ções sociais que atuam na região. Ashanhti, explorado neste artigo a título de
Para tanto, o artigo está organizado em exemplo, cujo trabalho de parceria e finan-
três seções, além desta introdução, que apre- ciamento a algumas OSCs da área de estudo
senta o tema, e de uma conclusão que sinte- merece destaque. A escolha por essa empresa
tiza algumas considerações. A primeira seção adveio das características do seu principal pro-
discute a governança neoliberal e, para isso, grama de investimento social privado – o “Par-
recupera alguns elementos do neoliberalismo, cerias Sustentáveis” –, responsável por traçar
com especial enfoque na adesão da socieda- editais anuais de financiamento de projetos
de civil a esse ideário, entendendo que a boa sociais da região na qual a empresa opera, a
governança neoliberal se sustenta, em gran- partir de repasses para algumas OSCs. No ca-
de medida, nessa parceria. Para tal, faz-se um so de Minas Gerais, os municípios em que fo-
breve histórico da expansão do associativismo ram identificadas essas parcerias são: Barão
no Brasil a partir da década de 1990, com des- de Cocais, Santa Bárbara e, especificamente na
taque para o crescimento das OSCs. Os dados RMBH, Caeté, Nova Lima, Raposos e Sabará.
aqui utilizados são da pesquisa “Mapa das or- Segundo balanço divulgado 3 pela própria em-
ganizações da sociedade civil”, coordenada e presa, o programa já apoiou 240 iniciativas nos
organizada pelo Instituto de Pesquisa Econô- municípios vizinhos às suas operações, bene-
mica Aplicada (Lopez, 2018). ficiando diretamente cerca de 27.000 pessoas
Na consolidação desse formato de parti- com um investimento de aproximadamente
cipação da sociedade civil, foi possível identifi- R$9 milhões.
car o desenvolvimento de um tipo de associati- Na terceira seção, utilizamos a crítica
vismo capaz de assimilar uma prática social de gramsciana para aclarar o entendimento des-
expressão neoliberal. sas contradições e ambiguidades no interior
A segunda parte dedica-se a um levan- do campo da sociedade civil. Isto é, as caracte-
tamento preliminar sobre os aspectos que rísticas dessa expansão da democracia de ma-
identificam as diretrizes do investimento so- neira simultânea à difusão dos interesses do
cial privado das empresas minerárias do ve- grande capital do setor minerário. Encerrando
tor sudeste da RMBH. Para apresentar essas a discussão, as considerações finais sintetizam

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Governança neoliberal em territórios minerários

nossos questionamentos e os riscos dessa face neoliberal pressupõe a adesão da sociedade


da governança neoliberal, capaz de reduzir ou civil. Este não é um movimento recente, lon-
constranger as respostas da sociedade civil às ge disso, a sociedade civil é identificada, des-
atividades minerárias consideradas deletérias de os escritos carcerários de Antonio Gramsci
para o bem comum. (1926-1937), como um terreno fértil para
reprodução e legitimação de ideias e interes-
ses capitalistas.
Governança neoliberal – Na interpretação do neoliberalismo,
Theodory, Peck e Brenner (2009) entendem
da par cipação social que ele poderá variar em cada localidade e
ao associa vismo empresarial período, considerando a especificidade de ca-
racterísticas políticas, econômicas, culturais,
Inicialmente, é importante salientar que o históricas e geográficas. Esse distanciamento
neoliberalismo, mais do que uma reinvenção da visão do neoliberalismo como uma entida-
vigorosa do capitalismo é um sistema norma- de ou um corpo de doutrinas acabadas abre
tivo que impõe a lógica da concorrência ge- espaço para a discussão sobre sua operacio-
neralizada como conduta, e a empresa como nalização e seus efeitos sociais cotidianos e,
modelo de eficiência a ser adotado pela má- por isso, suas inovações. Para a análise do ca-
quina do Estado e pelos indivíduos, em suas so específico de alguns municípios da RMBH,
relações tanto internas quanto com o mundo. essa advertência será útil, especialmente para
Em outros termos, produz comportamentos e aqueles cuja economia está alicerçada na ex-
ordena as relações sociais segundo o padrão tração mineral e que serão objeto de discussão
empresarial, transformando não apenas o Es- em capítulo específico.
tado numa esfera submetida a exigências de Utilizando o mesmo princípio de evitar
eficácia e desempenho, mas também os indi- generalizações e desconhecer o potencial heu-
víduos em empreendedores e concorrentes rístico guardado em determinados conceitos
entre si (Dardot e Laval, 2016). Aí se encontra, gerais, lembramos que a apropriação do con-
segundo os autores, a grande eficiência desse ceito de governança está presente em diferen-
modelo normativo, ou seja, na sua capacidade tes correntes de pensamento, o que determi-
de produzir subjetividades que alteram es- na, ao termo, diversos significados e formas
truturalmente as nossas formas de relacionar de aplicação. Neste artigo, o conceito é com-
com os outros e com nós mesmos, além de preendido como estruturante do vocabulário
justificar as desigualdades expostas pelo pró- neoliberal que sintetiza a ação conjunta entre
prio modelo econômico e nos desresponsabi- Estado e capital privado – no âmbito nacional
lizar dos engajamentos em torno das causas e internacional –, além de instituições, asso-
coletivas (ibid.). ciações, igrejas e representações diversas da
Nesse sentido, mais do que a associação sociedade civil, atuando em consonância com
entre mercado e Estado amplamente discutida os princípios de eficiência, concorrência e pro-
pela literatura pertinente, a boa governança dutividade empresariais.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

Em escala internacional, por exemplo, realizações, criando novos direitos e incluindo


foi expressiva a disseminação dos ideais neo- outros atores em pautas já conquistadas. Esses
liberais conduzida por agências multilaterais, novos marcos legais, que vieram na esteira da
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Constituição de 1988 e da expansão dos movi-
Internacional (FMI), com significativas impli- mentos sociais, contribuíram para uma diver-
cações, especialmente, para os países periféri- sificação e complexificação da participação da
cos. Dentre elas, podemos dizer que o poder sociedade civil, inclusive de forma mais apro-
político passou a sofrer interferência direta ximada à administração pública, a partir dos
desses órgãos – uma espécie de credores do conselhos setoriais, conferências, orçamentos
Estado – no direcionamento das políticas pú- participativos e outros.
blicas e econômicas.
No Brasil, a recente difusão das refor-
mas neoliberais, também chamada de inflexão Par cipação social –
ultraliberal,4 tem impactado diretamente não da reivindicação à parceria
apenas a qualidade de vida nas cidades brasi-
leiras – com o encolhimento das políticas so- A redemocratização é um marco na construção
ciais, a desregulamentação de políticas de pro- do arcabouço jurídico-político que trouxe con-
teção ambiental e o crescimento do trabalho sigo a ampliação e a diversificação do espaço
desprotegido –, mas também no sentido de para distintos interesses de classe. A década
uma fragilização das organizações classistas e de 1990, no Brasil, pode ser vista como um
do comprometimento do processo democrá- período de crescimento da participação social,
tico – com a interrupção e o fechamento de reiterada pela Constituição Federal de 1988,
diversos espaços de participação da população que consagrou, em seus princípios fundamen-
na discussão das políticas públicas, como é o tais, a participação popular na gestão pública.
caso dos conselhos e das conferências de po- O envolvimento da sociedade civil no desenho,
líticas públicas. implementação e controle social das políticas
Entretanto, apesar desse modelo de públicas acabou por gerar um deslocamento
governança, seria imprudente negar ou des- de boa parte dos grupos anteriormente envol-
conhecer que as legislações firmadas no pe- vidos em pautas de caráter mais reivindicató-
ríodo pós-constituinte (1988), como as Leis rio, inclusive para a composição da gestão pú-
Orgânicas da Saúde, da Assistência Social e de blica. No bojo da redemocratização, foram te-
Diretrizes Básicas da Educação, assim como os mas como reforma urbana, redemocratização,
Estatutos da Criança e do Adolescente e das regularização fundiária, bem como a criação
Cidades, tenham trazido importantes avanços de conselhos setoriais, conferências, orçamen-
no fortalecimento de políticas sociais. Na pers- tos participativos, que absorveram parte da ci-
pectiva de ampliação da cidadania, mesmo dadania ativa na direção de um outro formato
que sem uma nítida ruptura da condição de mais aproximado com a administração pública.
cidadania regulada,5 que atrela essa condição Além disso, no mesmo período, portan-
ao status de trabalhador com carteira assina- to ainda sob influência do relativo ambien-
da, a luta pelos direitos registrou importantes te de confiança e participação gerado pela

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Governança neoliberal em territórios minerários

Constituição de 1988, o governo do presidente trabalho desprotegido, tal como mencionado


Fernando Henrique Cardoso implementou o anteriormente. Segundo Lopez (2018, p. 22),
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Esta- em 2015, o total de pessoas ocupadas com
do (1995),6 coordenado pelo então Ministro da vínculos formais nas OSCs no Brasil equivalia
Administração Federal e Reforma do Estado, a "mais de 30% do que empregava o setor da
Luiz Carlos Bresser-Pereira. O referido plano agricultura, 26% do total empregado na indús-
deixa evidente a intenção de um enxugamen- tria e 26% do total de pessoas empregadas no
to dos direitos trabalhistas e da previdência setor público (incluindo civis e militares)".
social, com perdas significativas para a popula- A maior parte dessas OSCs, popularmen-
ção em geral, e aponta, de forma explícita, na te também conhecidas por organizações não
direção da terceirização das políticas públicas governamentais (ONGs), como pode ser obser-
a partir de parcerias com as organizações não vado no Quadro 1, foi criada nas décadas de
estatais (terceiro setor ou organizações da so- 1990-2000 (24,6%) e de 2000-2010 (33,8%). A
ciedade civil). Segundo Bresser-Pereira (1997), partir de 2011, há uma estabilização no núme-
ro de novos registros, mas, ainda assim, com
A reforma provavelmente significará
uma taxa anual de crescimento na casa dos 3%
reduzir o Estado, limitar suas funções
como produtor de bens e serviços [...], (ibid.), justificado por um contexto de novas
mas implicará, provavelmente, em am- legislações que regulamentam a estrutura ad-
pliar suas funções no financiamento de ministrativa e burocrática dessas organizações,
organizações públicas não estatais para bem como o acesso aos financiamentos e fun-
a realização de atividades nas quais ex-
dos públicos.
ternalidades ou direitos humanos básicos
estejam envolvidos necessitando serem Esse período aponta para uma guina-
subsidiados. (p. 6; grifos nossos) da no perfil da participação que, segundo
Fontes (2010), direcionou o associativismo
Essa intenção de despolitização do Esta- civil para um contexto profissionalizante de
do, associada a uma desestatização da regula- atuação. A hipótese da autora (Fontes, 2006;
ção social, é compatível a uma nova forma de 2010 e 2018), e que aqui se configura como
organização política: o Terceiro Setor (Simões, discussão central, é que, no interior da dis-
2010). Santos (2001) acrescenta que seria puta hegemônica no Brasil, há um movimen-
uma forma de organização mais vasta que o to de conversão das bases do associativismo
Estado – ainda que o mantenha como articula- civil à uma base mercantil-filantrópica, asso-
dor –, mas capaz de conformar-se como um ciado a uma certa dinâmica da expansão fi-
híbrido que combina elementos estatais e não nanceirizada mundial, sob o guarda-chuva da
estatais, nacionais e globais. responsabilidade social.
Coincidentemente, multiplicaram-se os Segundo dados do Ipea (Lopez, 2018),
registros dessas organizações a partir desse o Brasil atingiu, no final de 2016, a marca de
período, motivadas também pela precariza- 820 mil OSCs com Cadastros Nacionais de
ção das políticas sociais e das organizações Pessoas Jurídicas (CNPJs) ativos no País, co-
classistas, além do crescimento das formas de mo pode ser observado no Gráfico 1. Desse

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Quadro 1 – OSCs por faixas do ano de criação no Brasil

Faixas de ano de criação Total %

Ano 1970 28.579 3,50


De 1971 a 1980 72.466 8,80
De 1981 a 1990 88.147 10,70
De 1991 a 2000 201.389 24,60
De 2001 a 2010 277.452 33,80
2011 29.663 3,60
2012 25.722 3,10
2013 28.113 3,40
2014 24.870 3,00
2015 23.835 2,90
2016 19.949 2,40

Fonte: SRF (Brasil, 2016). Elaboração Ipea, em Lopez (2018, p. 140).

Gráfico 1 – OSCs a vas em 2016, por região e década de criação (%)

Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul

Fonte: SRF (Brasil, 2016) e Rais/MTE (Brasil, 2015). Elaboração Ipea em Lopez (2018, p. 142).

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Governança neoliberal em territórios minerários

total, 709 mil (86%) aproximadamente repre- Associa vismo empresarial


sentam associações civis sem fins lucrativos,
outras 99 mil (12%) configuram organizações
Um marco para o seguimento desse modelo
religiosas e 12 mil (2%) são fundações priva-
de associativismo empresarial foi a constitui-
das (ibid., p. 21). Segundo o autor, "Os novos
ção do Grupo de Institutos, Fundações e Em-
dados retratam um setor amplo, com impor-
presas (Gife) em 1995, organização composta
tância econômica no mercado de trabalho,
por grandes empresários mobilizados pelos
além da conhecida relevância em ações de
pressupostos da responsabilidade social ou
interesse público" (ibid.). Casimiro (2018), ao
investimento social privado e que se autode-
analisar a série histórica dessas organizações
claram como sendo sem fins lucrativos. O gru-
civis – de 1996 a 2016 –, constata um aumen-
po conta com 160 associados7 que, somados,
to em torno de 715 mil novas instituições, o
investem por volta de R$2,9 bilhões por ano
que representa um crescimento de aproxima-
na área social, operando projetos próprios ou
damente 680%.
No final na década de 1980, é promul- viabilizando de terceiros. O exemplo do Gife,
gada a lei n. 9.637 de 1988 (Brasil, 1988) que no Brasil, assinala uma característica que vai
institui a primeira forma das organizações se tornando um padrão no setor, ou seja, uma
sociais de interesse público, em acordo com concentração de fundações que se autodecla-
a perspectiva do referido Plano de Reforma ram sem fins lucrativos e que se apresentam
do Estado, e, na sequência, o chamado como sociedade civil, mas todas com origem
terceiro setor será regulado também pela em grupos da iniciativa privada.
lei n. 9.790/1999 e pelo decreto legislativo Com o discurso de responsabilidade
n. 3.100/1999, culminando com o novo marco social empresarial (RSE), suas ações demons-
regulatório dado pela lei n. 13.019/2014. tram convergir para a legitimação desse prin-
Esse conjunto de leis e ações acaba por cípio como diretriz estratégica de uso dos re-
influenciar o segmento do terceiro setor de cursos privados, alinhando a perspectiva do
modo a gerar efeitos ambíguos e contradi- respectivo negócio a uma dimensão pública,
tórios. Se, por um lado, traduz os anseios da a partir de ações sociais. O discurso adotado,
sociedade civil organizada no sentido de um entretanto, emprega termos típicos do merca-
maior rigor e transparência no repasse des- do, tais como “capacidade de assumir riscos”
ses recursos, por outro, sinaliza como opor- e “promover inovação”, além de procurar
tunidade para o ideário neoliberal no sentido distanciar-se, segundo o Gife, de práticas de
de imprimir, também à participação social, o ações assistencialistas. Suas ações prescrevem
caráter empresarial que já alcançara a esfera orientar-se por meio da “1) preocupação com
pública. Em síntese, impulsionadas no período planejamento, monitoramento e avaliação
de redemocratização no Brasil, as estratégias dos projetos; 2) estratégia voltada para resul-
do modelo empresarial de governança predo- tados sustentáveis de impacto e transforma-
minam e alcançam todos os setores – privado, ção social; 3) envolvimento da comunidade no
público e associativo. desenvolvimento da ação”.8

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Esse discurso, além de alinhado à lin- Isto sugere que esses princípios, em es-
guagem da governança neoliberal, sinaliza um pecial a tríade sustentabilidade, segurança e
grande interesse no sentido de construção, responsabilidade social, tenham sido interna-
fortalecimento e divulgação da imagem des- lizados na prática das empresas como um re-
sas empresas. Em seus textos institucionais, curso de legitimação e, em última instância,
é comum ver suas ações apresentadas como de sua hegemonia. A responsabilidade social
investimento, e os atores sociais chamados de é apresentada, de maneira geral, como uma
investidores sociais. preocupação das empresas com as comunida-
des locais, e suas ações são viabilizadas a partir
O investimento social possui instrumen-
tos poderosos ligados à mobilização dos de recursos próprios, doações ou via leis de in-
recursos da sociedade e do capital priva- centivo fiscal, em diversas áreas.
do. Como investidores sociais, devemos A sustentabilidade apresenta-se como
ser capazes de incorporar a dimensão um elemento que sobressai na maioria dos
pública na gestão de recursos privados.
sites e relatórios. Sua visibilidade se dá por
Estruturas de governança fortes e a am-
pliação da transparência são vetores meio de informações sobre a adoção de me-
fundamentais para assegurar o devido didas de educação ambiental e investimentos
equilíbrio entre os interesses público sociais que visam garantir o desenvolvimento
e privado e um diálogo aberto e efeti-
social e a preservação dos recursos naturais. As
vo com grupos sociais. (Disponível em:
https://gife.org.br/quem-somos-gife/;
empresas ressaltam, com clareza, seu papel pri-
grifos nossos) mordial no escopo de atuação, o que pode ser,
em grande medida, entendido pela visibilidade
Atualmente há cerca de 20 empresas de internacional do conceito de sustentabilidade.
mineração9 atuando em sete municípios que A segurança, de modo geral, aparece
compõem o que aqui denominamos vetor su- como essencial nas operações das empresas
deste da RMBH e cujos PIBs estão majoritaria- visando ao bem-estar dos funcionários através
mente ancorados nessa atividade econômica. da adoção de medidas de prevenção de aci-
Dessas mineradoras, apenas 12 têm site ins- dentes de trabalho, por exemplo, ou de medi-
titucional e/ou relatórios de sustentabilidade das relacionadas à saúde dos indivíduos.
disponibilizados on-line, o que nos obrigou a Desse universo de empresas, 8 10 são
reduzir o recorte de análise para esse universo, multinacionais e estão inseridas no Pacto Glo-
abaixo sintetizado. bal da ONU,11 iniciativa voluntária lançada em
Foi possível constatar semelhanças nos 2000 e voltada para o setor empresarial. No
discursos institucionais das 12 empresas ana- Brasil, essas empresas se organizam através
lisadas: (1) sustentabilidade, presente em da Rede Brasil do Pacto Global, que preside o
todas elas; (2) segurança, presente em 9 em- Conselho das Redes Locais na América Latina e
presas; e (3) responsabilidade social, vista em tem sede em Nova York. Entre seus objetivos,
7 empresas. Outros aspectos, como ética, li- encontra-se “alavancar o potencial da comuni-
derança, qualidade e saúde, por exemplo, são dade empresarial como agente de transforma-
também mencionados. ção também é garantir a competitividade dos

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Governança neoliberal em territórios minerários

Quadro 2 – Diretrizes e princípios recorrentes entre as mineradoras

Nacional/
Empresas Diretriz Base Princípios recorrentes
Mul nacional
Sustentabilidade
1. AngloGold Ashan Segurança
Responsabilidade Social

2. ArcelorMi al Sustentabilidade

Meio Ambiente
3. CSN Mineração Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
4. Jaguar Mining Mul nacional ODS da ONU Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
5. Mineração Usiminas Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
6. Vale - Cia Vale do Rio Doce Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
7. Vallourec Mineração Segurança
Responsabilidade Social

8. Grupo AVG Responsabilidade socioambiental

Meio ambiente
9. Grupo MBL Segurança
Responsabilidade Social

Responsabilidade socioambiental
10. Herculano Mineração Nacional Polí ca própria
Segurança

Meio Ambiente
11. Minerita
Segurança

Meio Ambiente
12. Vór ce Mineral Segurança

Fonte: sites das empresas trabalhados pelos autores.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

negócios na economia mundial e a inclusão de associação entre “a participação nos índices


lideranças em fóruns decisórios globais de re- de sustentabilidade e melhorias em todas as
ferência".12 Isto é, as ações de responsabilida- categorias de ativos tangíveis [financeiros,
de social não são apenas indissociáveis das ati- organizacionais, físicos, tecnológicos] e intan-
vidades econômicas, mas apresentam-se como gíveis [inovações, recursos humanos, reputa-
vantagem e ganho no mercado financeiro. ção]” (p. 74).
Nesse mesmo sentido, a Bolsa de Valo- Nos meandros da luta pela hegemonia
res de São Paulo, atual B3, comprova que as travada entre sociedade civil, Estado e empre-
ações de empresas que compõem o Índice de sas, novas formas de disputa vão sendo cria-
Sustentabilidade Empresarial – ISE, o qual me- das e antigas estratégias metamorfoseadas,
de o desempenho corporativo de acordo com de forma a produzir um ambiente de lingua-
os critérios de sustentabilidade, contribuem gem híbrida, construída à beira do caminho. É
para maior confiabilidade dessas empresas, nesse contexto de busca pela hegemonia que
melhorando sua performance no mercado fi- as práticas e as culturas vão de adaptando no
nanceiro em relação às demais. Segundo o espaço permitido pela jovem democracia bra-
portal da Bolsa de Valores de SP, sileira. Assim, longe de serem consideradas
práticas de solidariedade espontâneas, desin-
O objetivo do ISE B3 é ser o indicador do
teressadas e ancoradas em projetos políticos
desempenho médio das cotações dos
ativos de empresas selecionadas pelo de transformação social radical, a RSE e as par-
seu reconhecido comprometimento com cerias com organizações sociais locais parecem
a sustentabilidade empresarial. Apoian- compor um cenário mais amplo, articulado ao
do os investidores na tomada de decisão mercado financeiro, em que as empresas são
de investimento e induzindo as empresas
duplamente favorecidas (financeiramente e
a adotarem as melhores práticas de sus-
tentabilidade, uma vez que as práticas em relação a sua imagem) ao incorporarem
ESG (Ambiental, Social e de Governança em suas práticas a questão social.
Corporativa, na sigla em inglês) contri-
buem para a perenidade dos negócios.13

Esses índices funcionam a partir de um O caso da AngloGold Ashan


ranking das empresas que se enquadram
nos critérios de sustentabilidade estabele- Para compreender de que maneira os inte-
cidos pelo mercado financeiro e inclui uma resses privados do mercado se condensam
avaliação das ações de responsabilidade so- hegemonicamente às causas tidas como cole-
cial empresarial (RSE), cuidados ambientais e tivas e como a matriz discursiva neoliberal é
transparência financeira. Para isso, as empre- traduzida nessas aproximações, tomemos co-
sas precisam publicar suas ações no balanço mo exemplo uma dessas empresas minerado-
social ou relatório de sustentabilidade, a fim ras – AngloGold Ashanti. A empresa, com sede
de dar transparência às atividades corpora- administrativa no município de Nova Lima
tivas. Em sua pesquisa sobre a relação entre (MG), também acumula atividades extrativas
RSE, ISE e valorização de ativos das empre- nos municípios próximos – Sabará (MG) e San-
sas, Joseph et al. (2018) indicam que há uma ta Bárbara (MG).

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Governança neoliberal em territórios minerários

Sua presença na região remete à explo- priorizar a existência de um empreendimento


ração do ouro em Minas Gerais, que data do social, com potencial para ter autossustenta-
século XVII. Com a independência do Brasil ção financeira.
em 1822, a exploração mineral é aberta ao Visando ao autofinanciamento futuro, o
capital estrangeiro e, em 1834, a região onde programa mantém uma espécie de coach ou
hoje se encontram os municípios de Rapo- mentoria, um suporte técnico para as institui-
sos e Nova Lima recebe a Saint John Del Rey ções beneficiadas para que “o projeto desen-
Mining Company, empresa inglesa de mine- volva fontes de receita próprias visando à au-
ração de ouro, que atua ali até 1957. Nesse tossustentação financeira, aproximando-se de
mesmo ano, passam a incorporar acionistas um modelo de negócio social”.14 A intenção é
brasileiros e, em 1960, é criada a Mineração melhorar o desempenho das instituições par-
Morro Velho. Em 1974, a empresa associa-se à ceiras, pois a conversão dos projetos das OSCs
sul-africana Anglo American Corporation, for- em negócios sociais é definida pela própria
mando a AngloGold e, em 2004, funde-se com AngloGold Ashanti como sua principal missão,
a Ashanti Goldfields, dando origem ao atual além de estabelecer como objetivo “solucionar
conglomerado AngloGold Ashanti (Couto e algum problema social e/ou ambiental. São au-
Costa, 2003). tossustentáveis financeiramente e reinvestem
A mediação da relação sociedade e em- o lucro no próprio negócio para aumentar o
presas, expressão da governança neoliberal, seu impacto” (ibid.).
não se restringe a práticas sociais limitadas. Ao Chamamos a atenção para alguns aspec-
contrário, ela abre um amplo espectro capaz tos críticos em relação à iniciativa da AngloGold
de capturar a vida ativa dos territórios mine- Ashanti de apoio financeiro às OSCs: 1) é pos-
rários. No edital do programa de 2019, são ele- sível observar um direcionamento mercantil
gíveis organizações da sociedade civil (OSCs), forte do edital a partir da defesa de um mode-
ou, mais especificamente, “pessoas jurídicas lo empresarial e de um discurso empreende-
de direito privado, sem fins lucrativos e coope- dor na gestão dos recursos dos projetos como
rativas legalmente constituídas” nas seguintes condição ao financiamento; 2) a perspectiva
áreas: a) cultura, turismo, gastronomia: inclui de mentoria e suporte para tornar o proje-
desenvolvimento de produtos locais e artesa- to social empreendedor ou de negócio social
nais para atender ao mercado e ao setor turís- estimula a criação de um novo senso comum
tico; b) associativismo e cooperativismo: inclui em torno do associativismo local, para o qual
a estruturação de empreendimentos sociais a perspectiva empreendedora é um exemplo a
de caráter produtivo com ênfase em setores ser seguido.15 Acreditamos que a disseminação
como o de comércio e serviços, que propiciem desse senso comum contribuiria para minorar
a inserção das pessoas na cadeia produtiva os impactos negativos ambientais da atua-
de trabalho; c) soluções sustentáveis: inclui ção da empresa na região e, ao mesmo tem-
empreen dimentos sociais que promovam po, legitimar suas práticas; 3) como pode ser
soluções ambientalmente sustentáveis que observado no balanço do Programa Parcerias
beneficiem a coletividade, como economia de Sustentáveis, os projetos giram em torno de
energia elétrica e água. Essas soluções devem pautas e atividades locais, não convergem com

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

temáticas mais substantivas como aquelas re- O crescimento e a diversificação do apa-


lacionadas à questão social ou à contradição relho associativo podem ser interpretados co-
capital e trabalho, mas, ao mesmo tempo con- mo um movimento contraditório também por
seguem dialogar diretamente com a temática Fontes (2010 e 2018) e Casimiro (2018). Os
de reconhecimento (empreendedorismo para autores encontram na perspectiva gramsciana
mulheres e causas étnico-raciais). a explicação para essa ambiguidade: de um la-
É nesse cenário que adquire força um do, o aparelho associativo é entendido como
formato de participação de algumas organiza- expansão da democracia e, portanto, conquis-
ções da sociedade civil na composição da boa ta das classes trabalhadoras; de outro, é en-
governança neoliberal. Caracterizadas por uma tendido como possibilidade de fortalecimento
atuação orientada pelo modelo adotado pelas simultâneo das trincheiras do capitalismo. Em
empresas de capital privado – a chamada filan- outras palavras, esses aparelhos não estariam
tropia empresarial ou, como se autonomeiam, livres da disseminação e da defesa dos interes-
investimento social privado –, esse formato ses e da ideologia liberal e burguesa.
ganha espaço em diversas associações que Os autores mencionados, Fontes (2018)
precisam se mostrar eficientes para acessar e Casimiro (2018), reconhecem a “arte da as-
os recursos disponíveis e, principalmente, nas sociação”, para usar o termo cunhado por
fundações originadas nas próprias empresas. Tocqueville, como uma força vital da demo-
cracia e da justiça social. Contudo, também a
colocam sob suspeita de facilitar a dominação
A sociedade civil como de classe enquanto facilitadora de certos con-
um terreno em disputa: sensos no território de atuação das empresas.

os aparelhos privados A interpretação das contradições da expansão


do associativismo na democracia brasileira
de hegemonia contemporânea sustenta-se na hipótese de
a sociedade civil organizada ser, também, um
No bojo da variada recriação do associativis- terreno fértil para legitimação dos interesses
mo, reinterpretado com novos matizes e even- do capital privado.
tualmente com novos significados, os apare- Os escritos carcerários de Gramsci
lhos privados de hegemonia, entendidos como (2019) trazem uma poderosa contribuição pa-
parte do Estado ampliado, trazem particulari- ra interpretação da dinâmica da reprodução
dades do mundo empresarial para as organiza- do capital a partir de uma percepção ampliada
ções civis. O modelo de sociabilidade empre- de Estado que abrange as disputas políticas no
sarial e a gestão de características empreende- interior da sociedade civil. Isto é, a socieda-
dora e competitiva condensam-se à imagem de civil não deve ser interpretada como uma
de solidariedade, parceria com a comunidade mera oposição ao Estado, ou como descreve a
e/ou sustentabilidade, numa mensagem apa- concepção liberal, um espaço de liberdade de
rentemente contraditória, mas para Dardot e indivíduos. Além disso, o Estado não deve ser
Laval (2016), portadora de uma estratégia de concebido como o único espaço do poder polí-
captura da nossa subjetividade. tico e de dominação.

638 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários

A própria noção, em voga há algum tem- impõe seus projetos econômico-corporativos


po, da sociedade civil como sinônimo de ter- às demais frações e classes sociais, sem levar
ceiro setor e de organização não governamen- em conta os projetos de interesses destas. As-
tal sugere-nos uma imagem de neutralidade sim, o poder privado, para dominar, teria que
em relação ao mercado e aos governos ou a se apresentar como defensor de interesses
uma esfera privada de interesse público, moti- coletivos. Deve apresentar-se como expressão
vada por certo tipo de altruísmo benevolente. de toda a sociedade, eventualmente “incor-
O caso da AngloGold, aqui apresentado, de- porando reivindicações e interesses de gru-
monstra que algumas formas de parceria entre pos subalternos, subtraindo-os de sua lógica
sociedade civil e esfera privada nada têm de própria e enquadrando-os na ordem vigente”
apolíticas, pelo contrário, fazem parte de uma (ibid., p. 155). A aparência de universalidade
disputa pela hegemonia do território. exige que sejam absorvidas demandas das
Essa tensão é compreendida por classes populares de forma que os interesses
Gramsci sem dissociação brusca entre aquilo privados permaneçam encobertos.
que chamou de sociedade política e o que defi- Não sendo, pois, a hegemonia simples-
niu como sociedade civil. Ao contrário, para ele mente a imposição de certos interesses, mas
há uma relação orgânica entre as duas dimen- a promoção e reorganização dos vários benefí-
sões, enfeixada pelo conceito de hegemonia, cios para melhor servir aos objetivos a que vi-
uma interpretação mais refinada para compre- sam, Hall, Lumley e Mclennan (1980) chamam
ender os elementos de dominação de classe. A a atenção para um aspecto da luta hegemônica
sociedade política, segundo o autor, pode ser capitalista que é a despolitização das lutas so-
entendida pelo Estado no seu sentido restrito, ciais, com a finalidade de evitar a compreensão
ou seja, o aparelho governamental encarrega- do caráter de classe dos interesses em pugna.
do da administração direta e do exercício legal Essa despolitização é um efeito possível da re-
da coerção sobre aqueles que não consentem lação entre as organizações civis e empresas,
nem ativa, nem passivamente (Gramsci, 2019). característica da governança neoliberal, capaz
De modo sintético e do ponto de vista analíti- de deslocar pautas e reivindicações e torná-las
co, a sociedade civil, por sua vez, é um campo práticas sociais empresariais sem o efeito trans-
amplo de análise, constituída por uma diversi- formador esperado pela sociedade civil.
dade de organizações civis (sindicatos, associa- Nessa perspectiva, podemos interpretar
ções, igrejas, etc.), terreno em que as classes algumas das associações da sociedade civil
se organizam e defendem seus interesses na como meios difusores de cultura de massas e
disputa para conservar ou conquistar determi- reprodutores de ideologias, e que se utilizam
nada hegemonia (ibid.). das formas jurídicas convencionais postas pelo
No que diz respeito ao conceito de he- marco legal do Estado, mecanismo definido co-
gemonia, tal como interpreta Bianchi (2018), mo aparelhos privados de hegemonia (APHs).
entende-se como sendo o exercício da capa- Sua atualidade interpretativa permite-nos ana-
cidade de direção e de liderança política e lisar as formas pelas quais as classes se orga-
econômica. Opõe-se, portanto, à mera domi- nizam não apenas num único aparelho, mas
nação, na qual uma das frações simplesmente em variadas formas. Esses aparelhos podem

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

funcionar como importantes peças de articula-


Considerações finais
ção do consenso e de organização de anuência
espontânea que podem ser conseguidas, por
exemplo, ao fazer concessões de interesses Considerando os efeitos da ideologia neoli-
políticos, ideológicos e econômicos, em de- beral sobre o atual padrão de governança, as
terminado grau que não afete seus interesses experiências nos ambientes minerários apon-
essenciais ou de longo prazo. tam indícios de aproximação entre as empre-
A governança neoliberal estaria adqui- sas mineradoras do vetor sudeste da RMBH e
rindo novas expressões em seu estágio mais a sociedade civil organizada sob a forma de in-
recente, ao reconhecer o valor da represen- vestimento social privado. Ainda que os dados,
tação na forma de associacionismo ou da arte como apresentados no Quadro 1, indiquem
da associação. Contudo, esse reconhecimento um número crescente das OSCs, restam ainda
introduz, em sua prática, valores próprios do dúvidas sobre os impactos dessa expansão no
neoliberalismo. Fraser (2020) alerta para as âmbito das possibilidades da formação de uma
sutilezas desse modelo econômico ser mais cidadania ativa. Ao que parece, o campo das
sofisticado ao articular uma “política econô- OSCs é um terreno no qual os mais distintos
mica regressiva, pró-negócios, com uma políti- interesses se expressam – das lutas anticapita-
ca progressista de reconhecimento, valorizan- listas aos recentes empreendedorismos neoli-
do a representatividade, mas ressignificando berais. No espectro do Quadrilátero Ferrífero,
igualdade como sinônimo de meritocracia” encontram-se desde as fundações e associa-
(ibid., p. 18). ções que trabalham com recursos das empre-
Existiria uma faixa interpretativa, ainda sas minerárias, como também OSCs que atuam
pouco explorada, para entender o movimento a partir de temas relacionados ao meio am-
de construção hegemônica do neoliberalismo biente, economia solidária, gênero e raça – em
que é sua capacidade de acoplar-se a dife- pautas que variam entre ações despolitizadas
rentes projetos de reconhecimento (questões e outras de caráter mais contestatórios. Em
étnico-raciais e de gênero, por exemplo). Nas síntese, há representações da sociedade ci-
organizações da sociedade civil, seria possível vil atuando de diversas formas, mas chama a
observar não apenas apassivamento de algu- atenção essa configuração particular que abre
mas lutas sociais, mas também um direciona- espaço para parcerias com o capital privado.
mento de valores, linguagens, costumes mo- Seus novos formatos são capazes de reduzir
rais e de um novo senso comum. E estariam, ou alterar as tradicionais rotas de contestação
em grande medida, organizadas e pautadas desses grupos. Como estratégia de aproxima-
por demandas de agências multilaterais e ção mais recorrente, o investimento social
agenciadas por organizações civis associadas privado tem se mostrado como uma forma
às empresas do grande capital. efetiva de qualificar a imagem das empresas

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Governança neoliberal em territórios minerários

e legitimá-las perante as comunidades e as or- ações das empresas diretamente nas comu-
ganizações da sociedade civil, além de auferir nidades. Outra hipótese a ser considerada é
ganhos financeiros. o constrangimento do desenvolvimento do
No caso da rede associativa em torno associativismo local na direção de uma possí-
das empresas mineradoras da RMBH, espe- vel luta contra expressões mais substantivas,
cialmente nos municípios que exploraram no especialmente contra os efeitos deletérios do
passado ou ainda mantêm atividades de extra- extrativismo minerário.
ção, essas parcerias sugerem um outro ciclo de Dito isso, cabe evidenciar que, ao con-
domínio/dependência a partir do investimen- trário do que se propaga simplificadamente,
to social privado, estratégico na defesa corpo- os argumentos referentes à hegemonia não
rativa das empresas. Os aparelhos privados de são meramente culturais, embora a cultura as
hegemonia são investimentos que, além de incorpore de maneira consistente. Essa hege-
facilitarem situações lucrativas, também pare- monia remete também às diversas lutas cons-
cem criar uma cultura, um senso comum, de tantes intra e entreclasses sociais, e, se essas
valores compartilhados para além da simples lutas atingem algum grau de estabilidade, esta
absorção da linguagem neoliberal. Possuem se faz, em grande medida, pela despolitização
um papel nas formas de organização de socia- ou pelo silêncio dos dominados. O equilíbrio
bilidade e na conexão da base econômica e do atingido nunca é absolutamente estável, ele
Estado. Esta seria, pois, uma das característi- sempre conterá algum dinamismo.
cas da dominação do neoliberalismo, especi- A reformulação do papel do Estado
ficamente no setor minerário exportador de brasileiro, ao se democratizar, trouxe consigo
commodities: sujeito às flutuações no mercado novas formas de configuração e fortalecimen-
internacional, aferidor de importantes lucros to de sua hegemonia, construindo consensos
e com papel relevante na economia de Minas através da materialização de políticas e no
Gerais e do Brasil. âmbito das lutas simbólicas. A organização
No caso das mineradoras que atuam na empresarial pôde se utilizar do novo marco le-
RMBH, percebe-se que há um beneficiamento gal das organizações da sociedade civil captu-
dessas empresas por meio de maior presença rando e ressignificando os problemas sociais
de suas respectivas fundações, iniciativas de e suas soluções, no caso das cidades mine-
investimento social privado e parcerias com rárias. Nesse sentido, cabe-nos avaliar, como
as OSCs, operando com mais legitimidade no reflexão final, os limites e possibilidades de
território em que estão instaladas. Porém, se construir um novo e mais persuasivo senso
não se trata de um efeito automático, mas comum, ou uma contra-hegemonia por parte
de um jogo de posições de múltiplas cama- dos setores não empresariais, trabalhadores
das que atuam de maneira gradual. Estas se e população afetada pela mineração. Isto é,
expressam a partir de editais elaborados pe- o fortalecimento de um outro lado que não o
las empresas para financiamento de projetos do capital minerário, uma rede de associações
coordenados por OSCs, patrocínio de even- autônomas ancoradas no entendimento da di-
tos culturais e esportivos, parcerias entre as ferença e especificidade dos interesses de uns
empresas e prefeituras locais, bem como de e de outros.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

[I] https://orcid.org/0000-0002-1534-5621
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Departamento de Urbanismo. Belo
Horizonte, MG/Brasil.
juniaferrari15@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-6220-8849
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Programa de Pós-Graduação em Ar-
quitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, MG/Brasil.
renatobfontes@gmail.com

[III] https://orcid.org/0000-0003-0290-8090
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Sociais, Programa de Pós-
-Graduação em Ciências Sociais. Belo Horizonte, MG/Brasil.
lgsouki@gmail.com

Nota de agradecimento

Este artigo é um desdobramento de parte da pesquisa “Governança e Associativismo na Região


Metropolitana de Belo Horizonte”, desenvolvida no âmbito do Laboratório de Estudos Urbanos
e Metropolitanos da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. As autoras
e autor agradecem as contribuições de toda equipe de pesquisadores, especialmente Renata
Salles e Viviane Fernandes, pela elaboração das tabelas e gráfico, e Gabriel da Cruz pela
elaboração do mapa.

Notas
(1) Organização da Sociedade Civil (OSC) é a forma mais recente (lei n. 13.019/2014 e lei n. 13.204/2015)
de designar en dades ins tucionalizadas (com CNPJ) ou de direito privado, sem fins lucra vos e
não governamentais (Lopez, 2018).

(2) Este recorte inclui os municípios de Brumadinho, Caeté, Ita aiuçu, Nova Lima, Raposos, Rio Acima
e Sabará.

(3) Disponível em: h ps://issuu.com/anglogoldashan br/docs/balanco_parcerias_sustentaveis_2019.


Acesso em: 11 nov 2020.

642 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários

(4) Ribeiro (2020) compreende inflexão ultraliberal como a dinâmica instaurada no Brasil após o golpe
parlamentar e o posterior impeachment de Dilma Rousseff. A inflexão sinaliza a ruptura com
um ciclo de organização polí ca e econômica inaugurado a par r da redemocra zação, com
governos que conciliaram medidas conservadoras e compromissos com os setores populares.
A tese central de Ribeiro (ibid.) é a de que o Golpe de 2016 “alterou de maneira radical essa
correlação de forças que vinha se cons tuindo no interior do bloco de poder na direção de um
controle mais efe vo por parte das forças conservadoras” (p. 2).

(5) Cidadania regulada é um conceito cunhado por Wanderley Guilherme dos Santos que entende o
caso brasileiro do desenvolvimento da cidadania “[...] cujas raízes encontram-se, não em um
código de valores polí cos, mas em um sistema de estra ficação ocupacional, e que ademais,
tal sistema de estra ficação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são
cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer
uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei” (Santos, 1979, p. 75).

(6) Regulamentado pela emenda cons tucional n. 19, de 4 de junho de 1998.

(7) Na lista de associados, ao lado de fundações empresariais brasileiras (que inclui grandes bancos
privados, empresas mineradoras e da construção civil), figuram também grande quan dade de
en dades estrangeiras, como as fundações Bunge, Cargill, Nestlé Brasil, Nokia, Volkswagen, os
ins tutos Coca-Cola Brasil, HSBC Solidariedade, Renault, Wal-Mart, além da par cipação direta
de empresas como Monsanto e Microso , dentre outras. Disponível em: h ps://gife.org.br/
quem-somos-gife/. Acesso em: 15 maio 2021.

(8) Disponível em: h ps://gife.org.br/inves mento-social-privado. Acesso em: 15 maio 2021.

(9) Multinacionais: AngloGold Ashanti; ArcelorMittal; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining Inc.;
Mineração Usiminas S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração. Nacionais: Cefar; Comisa; Ferrous
Resources do Brasil; Grupo AVG; Grupo MBL; Herculano Mineração; London Mining Brasil;
Mineral do Brasil; Mineração Boa Vista; Mineração Serra Azul; Minerita - Minérios Itaúna Ltda;
Tamisa Mineração; Vór ce Mineral.

(10) AngloGold Ashan ; ArcelorMi al; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining Inc.; Mineração Usiminas
S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração; Vór ce Mineral.

(11) Disponível em: h ps://pactoglobal.org.br/no-brasil. Acesso em: 2 jun 2021.

(12) Disponível em: h ps://pactoglobal.org.br/no-brasil. Acesso em: 2 jun 2021.

(13) Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/indices/indices-de-


sustentabilidade/indice-de-sustentabilidade-empresarial-ise.htm. Acesso em: 17 maio 2021.

(14) D isponív el em: ht t ps: //is suu .com /an glogolda shan t ibr/d ocs/b alan co _parc eria s_
sustentaveis_2019. Acesso em: 11 nov 2020.

(15) Como senso comum, entende-se aqui uma espécie de cimento que liga e cria consensos sobre
a maneira de compreender, agir e julgar a vida social. Poderia ser quase sinônimo de ideologia
no sen do que é compar lhado pelo grupo, abarca a vida social e, por ser muito familiar, nem
sempre será visível para quem compar lha.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

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Texto recebido em 19/ago/2021


Texto aprovado em 27/set/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 645
Neoliberal governance in mining territories:
private social investment in the Metropolitan
Region of Belo Horizonte
Governança neoliberal em territórios minerários:
o investimento social privado na RMBH
Junia Maria Ferrari de Lima [I]
Renato Barbosa Fontes [II]
Léa Guimarães Souki [III]

Abstract Resumo
This paper addresses one of the expressions of Este ar go discute uma das expressões da gover-
neoliberal governance that, in the Brazilian case, nança neoliberal que, no caso brasileiro, se mani-
manifests itself, among other forms, through the festa, dentre outras formas, a par r do chamado
so-called “private social investment”. It is a set “investimento social privado”. Trata-se de um
of managerial actions conducted by companies conjunto de ações, de caráter gerencial, conduzido
and/or their foundations in the region where por empresas e/ou suas fundações na região on-
they operate, aiming to expand their hegemony de operam suas atividades, e que visa a ampliar
by improving their image. However, at the same sua hegemonia a partir da valorização de suas
time, this causes depoliticization and decreases imagens, ao mesmo tempo que despolitizam e
the par cipatory and transforma ve capacity of subtraem, das sociedades locais, sua capacidade
the local societies. Based on Antonio Gramsci's par cipa va e transformadora. Com base no con-
concept of hegemony and using sustainability ceito de hegemonia de Antonio Gramsci e u lizan-
reports available on the websites of mining do os relatórios de sustentabilidade disponibiliza-
companies operating in the Southeast vector of dos nos sites de empresas minerárias que atuam
the Metropolitan Region of Belo Horizonte, the no vetor sudeste da Região Metropolitana de Belo
main goal of this paper is to collect elements that Horizonte, interessa-nos aqui reunir elementos que
enable to iden fy this par cularity of “neoliberal permitam iden ficar mais essa par cularidade da
governance”. “governança neoliberal”.
Keywords: mining ci es; private social investment; Palavras-chave: cidades minerárias; investimento
civil society organiza ons; Metropolitan Region of social privado; organizações da sociedade civil; Re-
Belo Horizonte; governance. gião Metropolitana de Belo Horizonte; governança.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5408.e Crea ve Commons Atribu on
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

Introduc on Region of Belo Horizonte (RMBH),2 known for


the historical cycles of exploitation to which
Often referred to in literature as ‘neoliberalism’, they have been subjected. Moreover, such
the set of liberal reforms that shaped the world mining companies have been engaged in a
economy in the last quarter of the 20th century type of exploitation that is not only concerned
had a particular impact in Brazil from the 1990s with natural resources, but also aims to achieve
on. This was facilitated, to a great extent, some level of “social appeasement”, insofar
by a democratic State that was recovering as it may weaken the local combative temper.
itself from a long period of dictatorship. The In short, “corporations have deployed such
political opening of the country thus coincided microtechnologies of power to avoid disruptions
with a process of entrepreneurialization of in the flux of goods and materials, as well as to
the State, characterized by an increase in the make the neoliberal regime that predominates at
participation of the private sector along with the macroeconomic level legitimate at the local
its managerial and competitive approaches level” (ibid., p. 33). In light of this, our objective
to administration. These elements combined in this paper is to both present some of the
themselves so as to form what we call here strategies deployed, and to gather elements that
‘neoliberal governance’. The extractive sector, may allow the assessment of the companies’
in particular, played a leading role within this gains embedded in these approaches. In doing
model of public administration in Brazil, as so, we aim to provide a response to the question
it was strongly favored by the international of whether it is possible to identify in these
market’s high demand for commodities. practices one more expression of the neoliberal
This paper discusses one of the ways that governance pattern.
this neoliberal governance expresses itself, more The term ‘governance’ is far from
specifically the Brazilian case, where it has been being novel. It has been appropriated by
carried out in the form of the so-called private different schools of thought and employed
social investment. According to Acselrad (2018), in different periods of history, and this ended
in pursuing extramural efficiency, the private up assigning multiple meanings and uses to
capital resorts to a set of discourses and practices the term. Salvaged by liberal theorists, its
that are endemic to business management current use denotes a new political lexicon
when approaching the social sphere —what that “aims to replace traditional expressions
the author calls “non-market” practices. This of politics with managerial expressions [and
is done by the companies themselves and/ practices]” (Deneault, 2018, p. 19). Dardot
or their foundations. This type of conduct also and Laval (2016) stress that historical changes
relies on establishing partnerships and funding in the conception and action of the State
civil society organizations (CSOs) 1 based in have registered a new political vocabulary. In
cities where these companies operate. In this this sense, the State started to set goals and
paper, we are particularly interested in the objectives that aim at efficiency and profit, and
practices adopted by mining companies that to eliminate what is considered to be wasteful
operate in certain municipalities of the so- spending – which, from the perspective of
called Southeastern zone of the Metropolitan the private sector, generally comprises social

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Neoliberal governance in mining territories

policies. For Deneault, the risk of applying Region of Belo Horizonte (RMBH). With an
management theory to (e.g.) politics and public economic structure that relies heavily on mining
life —the discourse of “good governance”— activities, these municipalities have shown an
lies in that “one no longer speaks of social expressive number of CSOs in the last decades.
struggle, but of social acceptability. One no They make up the so-called Iron Quadrangle
longer speaks of the precautionary principle [Quadrilátero Ferrífero], located in the central
or of nature, but of sustainable development. region of Minas Gerais. It encompasses part
[...] One no longer denounces propaganda, of the metropolitan region (Figure 1), which
one speaks of corporate social responsibility is the geographic region responsible for a
instead" (Deneault, 2018, pp. 19-20). considerable share of the mineral resources
This paper rests on the insights drawn extracted in Brazil today. Such an insertion
from a research carried out in the municipalities entails being under intense influence of mining
of the Southeastern zone of the Metropolitan activities, leading thus to the scenario wherein

Figure 1 – Map of the Iron Quadrangle with municipali es


of the Southeastern zone of the RMBH

Source: Ongoing Research — “Governança e Associa vismo na Região


Metropolitana de Belo Horizonte”, developed by the Laboratory of Urban
and Metropolitan Studies, School of Architecture of UFMG, based upon
PDDI-RMBH.]

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

mining companies participate substantially not of the data we gathered from institutional and/
only in the local economy, but also in the social or sustainability reports made public by the
and political relations. mining companies themselves, which are the
To identify the characteristics of what main communication channels and sources
we call ‘expression of neoliberal governance’, found. We also resorted to online newspapers
we have examined the sustainability reports and, among others, to the websites of the
made available on the websites of the mining Association of Mining Municipalities of Minas
companies that operate in the region. Part Gerais (Amig) and the Group of Institutes,
of the activities of these groups consists in Foundations and Companies (Gife). This path
providing funds via public notices that aim to brought out the case of the AngloGold Ashanti
meet social demands of local communities company, whose partnerships and funding of
(sports, leisure, social work). This is done certain CSOs in the area are worthy of attention.
through mediation and management of social We chose this case as a way of example on
organizations that operate in the region. account of the particularities of the company’s
The present work is divided into three main private social investment program,
sections, in addition to this introduction namely, the “Sustainable Partnerships”. By
and the final remarks. In the first section transferring funds to certain CSOs, this program
we discuss neoliberal governance, salvaging is responsible for planning annual calls for
certain elements of neoliberalism and financial support to social projects in the region
focusing on civil society’s adherence to this where the company operates. We identified
ideology – assuming that the neoliberal good the occurrence of such partnerships in the
governance relies heavily on such an accord. following municipalities of the State of Minas
In this connection, we provide a brief history Gerais: Barão de Cocais, Santa Bárbara, Caeté,
of the expansion of associativism in Brazil Nova Lima, Raposos, and Sabará – the last four
since the 1990s, highlighting the growth of located in the RMBH. According to a balance
CSOs. We used data from the research “Mapa sheet published 3 by the company itself, the
das organizações da sociedade civil” (Lopez, program has already supported 240 initiatives
2018), which was coordinated and conducted in the neighboring municipalities of the
by the Institute for Applied Economic Research company’s area of operation, having benefited
(IPEA). In the process of consolidation of around 27,000 people directly, and invested
such a form of civil society participation, we about R$9 million.
have identified the development of a type of In the third s ection , we employ
associativism which is capable of assimilating a the Gramscian critique to clarify these
social practice of a neoliberal nature. contradictions and ambiguities within the
In the second part, we present a so-called third sector; that is, we explore the
preliminary survey of the aspects that aspects of such an expansion of democracy
characterize the guidelines of the private and the concomitant widening of the mining
social investment of mining companies of the sector’s scope of interest. Lastly, in the final
Southeastern zone of RMBH. Here systematized remarks we summarize the issues we have
rather succinctly, this information is the result raised, and the risks of this form of neoliberal

628 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022


Neoliberal governance in mining territories

governance – which is capable of reducing, or civil society has been regarded as a fertile
constraining, civil society's responses to mining ground for the reproduction and legitimization
activities that are considered detrimental to of capitalist ideas and interests.
the common good. In interpreting the phenomenon of
neoliberalism, Theodory, Peck and Brenner
(2009) consider that it may vary in each location
Neoliberal governance – and period, given the specificity of political,
economic, cultural, historical, and geographic
from social par cipa on to characteristics. This detachment from the view
entrepreneurial associa vism that regards neoliberalism as an entity or a
set of closed doctrines gives more leeway for
First of all, it is important to highlight discussing its operationalization and social
that neoliberalism, more than a vigorous effects in daily life – hence, its innovations.
reinvention of capitalism, is a normative This will be particularly useful when analyzing
system. It imposes the rationale of generalized the case of certain municipalities of the RMBH,
competition as a conduct, and sets the especially the ones whose economies are
company as a role model of efficiency to be centered on mineral extraction and whose
adopted by the machinery of government, and cases will be discussed in a specific chapter.
by the individuals in their relations – be these To use the same principle of avoiding
internal or between individual and world. In generalizations and of disregarding the
short, neoliberalism produces behaviors and heuristic potential of certain general concepts,
regiments social relations according to an we stress that distinct schools of thought
entrepreneurial pattern as it subjects the State have handled and employed the concept
to the demands of efficiency and performance, of governance, and that this ended up
and turns individuals into entrepreneurs and ascribing varied meanings and uses to the
competitors (Dardot & Laval, 2016). According term. In this paper, we regard the concept as
to the authors, there lies the remarkable playing a structural role within the neoliberal
effectiveness of this normative system, that vocabulary: it synthesizes the joint action
is: in its ability to produce subjectivities that between State and private capital (at both
alter structurally our ways of relating with national and international levels), as well as
others and ourselves, and to both justify the institutions, associations, churches, and the
inequalities revealed by the economic model various instances of civil society – all these
itself and exempt us from the responsibility of acting in accordance with the entrepreneurial
getting involved in collective causes (Ibid.). principles of efficiency, competition, and
In this sense, neoliberal good governance productivity.
presupposes not only the extensively On an international scale, for instance,
discussed interplay between market and State, the dissemination of neoliberal ideals by
but also the adherence of civil society. This is multilateral agencies – such as the World Bank
not a novel circumstance – far from it; since and the International Monetary Fund (IMF)–
Antonio Gramsci’s prison writings (1926-1937), had significant implications, especially for

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

periphery countries. One of such implications to a diversification and complexification of civil


is political power having become subject society participation, having brought it closer
to direct interference from these agencies. to the public administration, in fact (by means
Playing the role of creditors of some sort, they of sectoral councils, conferences, participatory
interfere in the way the State sets the goal and budgeting, etc).
the course of its public and economic policies.
In Brazil, the recent diffusion of neoliberal
reforms – also known as ultraliberal inflection4 Social par cipa on – from the
– resulted in a direct impact on the quality collec ve claim to the partnerships
of life in Brazilian cities, more specifically in
terms of the shrinkage of social policies, the Redemocratization is a milestone in the
deregulation of environmental protection construction of the legal-political framework
policies, and the growth of unprotected that brought diversification and gave more
labor. It had also an impact in terms of the room to different class interests. The 1990s, in
weakening of working-class organization and Brazil, can be seen as a period of growing social
of the impairment of the democratic process, participation, and the Federal Constitution of
as a result of the discontinuation and closure 1988 reiterated this growth, as its fundamental
of various participatory spaces where the principles enshrined popular participation
population could discuss public policies, such in public administration. The involvement of
as councils and public policy conferences. civil society in the design, implementation,
Regardless of this governance model, it and social control of public policies, in turn,
would nevertheless be unwise to deny or to ended up displacing a substantial part of
overlook that the legislation signed after the the previous groups that were committed
period of the constituent assembly (1988) to agendas of a more contesting nature – in
– such as the laws of Organic Health, Social fact, displacing towards the composition
Assistance, Directives and Bases of National of the public administration. In the context
Education, the Child and Adolescent Rights of the redemocratization process, topics
Act, and the City Statute— has developed such as urban reform, redemocratization,
and improved social policies. As regards the land regularization, as well as the creation
expansion of the concept of citizenship, the of sectoral councils, conferences, and
struggle for rights achieved important deeds as participatory budgeting, were responsible for
it created new rights and incorporated other absorbing part of the active civic engagement
actors to already attained legal goals. All this in the direction of a format which puts is closer
without breaking for good with the condition to the public administration.
of regulated citizenship, 5 which ties the In the same period, still under the
status of citizen to the idea of formal worker. influence of the atmosphere of relative trust
These new legal frameworks, which came in and participation produced by the 1988
the wake of the 1988 Constitution and the Constitution, the government of President
expansion of social movements, contributed Fernando Henrique Cardoso implemented

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Neoliberal governance in mining territories

the Master Plan for the Reform of the State of unprotected labor. According to Lopez
Apparatus (1995), 6 coordinated by the then (2018, p. 22), in 2015, the total number of
Minister of Federal Administration and Reform formally employed people in CSOs in Brazil
of the State, Luiz Carlos Bresser-Pereira. The was equivalent to “more than 30% of those
plan evinces the intention to weaken labor employed in the agricultural sector, 26% of
rights and social security, bringing significant the total employed in industry, and 26% of the
losses for the population as a whole; total number of people employed in the public
moreover, it explicitly points in the direction sector (including civilians and military)”.
of outsourcing public policies through As shown in Table 1, most of these CSOs
partnerships with non-state organizations – also commonly known as non-governmental
(third sector or civil society organizations). organizations (NGOs) – were established in
According to Bresser-Pereira (1997), the decades of 1990-2000 (24.6%) and 2000-
2010 (33.8%). The number of new registrations
The reform will probably mean reducing
becomes stable from 2011 on; even so, there
the State, limiting its functions as a
producer of goods and services [...], is still an annual amount of new registrations
but it will probably imply expanding of about 3% (ibid.), which is justified by a
its functions with respect to financing context of new legislation regulating the
public non-state organizations to carry administrative and bureaucratic structure of
out activities in which externalities or
these organizations, as well as the access to
basic human rights are involved and
need to be subsidized. (p. 6; emphasis financial support and public funds.
added) According to Fontes (2010), this period
indicates a turning point in the form of
Simões (2010) defends that such an participation wherein civil associativism was
intention of ‘depoliticizing’ the State that directed towards a professionalizing setting.
comes together with a destatization of social The author’s hypothesis (Fontes, 2006; 2010
regulation is compatible with a new form of and 2018), which is the theme of our main
political organization: the Third Sector. Santos discussion here, is that there is a process of
(2001) adds that it is a form of organization conversion within the hegemonic dispute in
that is wider than the State – even though Brazil: the basis of civil associativism shifts into
maintaining the State as an arranger –, and a mercantile-philanthropic basis. Under the
yet capable of reshaping into a hybrid that umbrella of social responsibility, this process
combines state and non-state, national and is associated with a certain dynamic of global
global elements. financial expansion.
From then onwards, the records of these The data from Ipea (Lopez, 2018)
organizations multiplied, coincidentally. This indicate that, at the end of 2016, Brazil
was also motivated by the precariousness of reached the mark of 820 thousand active CSOs
social policies and working-class organizations, with National Registry of Legal Entities (CNPJs)
in addition to the aforementioned growth in the country, as indicated in Chart 1. Of this

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Table 1 – CSOs by year of establishment in Brazil

Year of establishment Total %

1970 28.579 3,50


From 1971 to 1980 72.466 8,80
From 1981 to 1990 88.147 10,70
From 1991 to 2000 201.389 24,60
From 2001 to 2010 277.452 33,80
2011 29.663 3,60
2012 25.722 3,10
2013 28.113 3,40
2014 24.870 3,00
2015 23.835 2,90
2016 19.949 2,40

Source: SRF (Brazil, 2016). Produced by Ipea in Lopez (2018, p. 140) .

Chart 1 — Ac ve CSOs in 2016 by region and decade of establishment (%)

Central-West Northeast North Southeast South

Source: SRF (Brasil, 2016) e Rais/MTE (Brasil, 2015). Produced by Ipea in Lopez (2018, p. 142).

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Neoliberal governance in mining territories

total, about 709 thousand (86%) represent Entrepreneurial associa vism


non-profit civil associations, 99 thousand
(12%) are religious organizations, and 12
The creation of the Group of Institutes,
thousand (2%) are private foundations (ibid.,
Foundations and Companies (Gife), in 1995,
p. 21). According to the author, “[t]he new data
was a milestone for the continuation of this
portray a broad sector, which is economically
model of entrepreneurial associativism.
relevant in the labor market, in addition to its
Self-declared as a non-profit organization,
well-known relevance in activities of public
it consists of great businessmen motivated
interest” (ibid.). Casimiro (2018) analyzed the
by the premises of social responsibility or
timeline of these civil organizations – from 1996
of private social investment. The group has
to 2016 – and found an increase of around 715
160 members, 7 who invest around R$2.9
thousand new institutions, which represents a
billion a year in the social area, conducting
growth of approximately 680%.
At the end of the 1980s, law 9.637 projects of their own or providing the means
of 1988 (Brasil, 1988) was enacted, having to third-party projects. The example of GIFE
thus established the first form of social in Brazil highlights a particularity that has
organizations of public interest, within the become standard in the sector, namely, the
perspective of the aforementioned Plan for concentration of self-declared non-profit
the Reform of the State. Subsequently, the so- foundations that present themselves as civil
called third sector was also regulated by laws society, but which have their origins in groups
9.790/1999, 12.101/2009, and by legislative of the private sector.
decree 3.100/1999, culminating in the new Eq u ip p e d w ith t h e d is cou rse o f
regulatory framework established by law corporate social responsibility (CSR), Gife’s
13.019/2014. actions indicate a convergence towards the
This set of laws and actions ended up legitimation of this principle as a strategic
having influenced the third sector in such a guideline for the usage of private resources.
way that ambiguous and contradictory effects Through social actions, it aligns its respective
followed. If, on the one hand, it reflected the business’ perspectives with a public dimension.
aspirations of organized civil society towards Nevertheless, the adopted discourse employs
greater rigor and transparency with respect market-oriented terms, such as “risk capacity”,
to the management of such resources; on “promote innovation”; while also attempting
the other hand, it marked an opportunity for to maintain distance from assistencialist
neoliberal ideas, in the sense of imprinting the practices and actions, according to Gife.
entrepreneurial character that had already Resting on guiding precepts, the group’s
reached the public sphere also on social actions are grounded on a “1) concern
participation. In summary, boosted during for planning, monitoring, and assessing
the period of redemocratization in Brazil, projects; 2) strategy centered on sustainable
the strategies of the corporate governance results characterized by impact and social
model predominated and reached all sectors – transformation; 3) community engagement in
private, public, and associative. the development of the action”.8

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In addition to being aligned with the This suggests that these principles, in
language of neoliberal governance, such particular the triad sustainability, safety and
a discourse indicates a great interest in social responsibility, have been internalized
the construction, strengthening, and the in the practices of companies as a tool for
promotion of the image of these companies. legitimation and, ultimately, their hegemony.
In their company profile texts, we often see Social responsibility is generally presented as a
their actions presented as investment, and the concern, on the part of the companies, for local
social actors presented as social investors. communities; their actions are made possible
due to their own resources, donations, or
S o c i a l i nv e st m e nt h a s p ow e r f u l
through tax incentive laws, in several areas.
instruments tied to the mobilization of
the resources in society and from private Sustainability stands out as an element
capital. As social investors, we must be that is present in most websites and reports.
able to incorporate a public dimension It becomes manifest through information
into private resource management. regarding measures on environmental
Strong governance structures and more
education and social investments concerned
transparency are key vectors to ensure
a proper balance between public and with social development and preservation
private interests and an open and of natu ra l re sou rce s. The comp anies
effective dialogue with social groups. perspicuously emphasize the primary role
(Available at: https://gife.org.br/quem- played by sustainability in the scope of
somos-gife/; emphasis added)
action, which can be explained in terms
There are currently about 20 mining of the prominence of the concept at the
companies9 operating in seven municipalities international level.
of what we call here the Southeastern zone of In most cases, safety appears as an
the RMBH, and whose GDPs rely majorly on element that is essential in the operations
this economic activity. Only 12 of these mining of companies which aim at the well-being
companies have institutional websites and/or of employees – for instance, by adopting
sustainability reports available online, and this measures to prevent accidents at work, or
forced us to reduce the scope of analysis to measures concerning the health of individuals.
such universe, summarized below. Among the set of companies analyzed,
We have identified similarities between eight 10 of them are multinationals that
the institutional discourses of the 12 participate in the UN Global Compact, 11 i.e.,
companies: (1) sustainability, present in all a voluntary initiative launched in 2000 for the
of them; (2) safety, observed in 9 companies; business sector. In Brazil, these companies are
and (3) social responsibility, observed in 7 organized by the Global Compact Network
companies. Other aspects, such as ethics, Brazil, which is the chair of the Council of
leadership, quality and health, for instance, are Local Networks in Latin America, having
also mentioned. its headquarters in New York. Among its

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Neoliberal governance in mining territories

Table 2 – Recurring guidelines and principles among mining companies

Na onal/
Companies Basic guideline Recurring principles
Mul na onal
Sustainability
1. AngloGold Ashan Safety
Social responsibility

2. ArcelorMi al Sustainability

Environment
3. CSN Mineração Safety
Social responsibility
Sustainability
SDGs set up
4. Jaguar Mining Mul na onal Safety
by the UN
Social responsibility
Sustainability
5. Mineração Usiminas Safety
Social responsibility
Sustainability
6. Vale - Cia Vale do Rio Doce Safety
Social responsibility
Sustainability
7. Vallourec Mineração Safety
Social responsibility

Social and environmental


8. Grupo AVG
responsibility

Environment
9. Grupo MBL Safety
Social responsibility
Social and environmental
10. Herculano Mineração Na onal Own policies responsibility
Safety

Environment
11. Minerita
Safety

Environment
12. Vór ce Mineral
Safety

Source: websites of the companies scru nized by the authors.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

objectives, one finds that “to boost the In a study on the relation between CSR, ISE,
potential of the business community as an and asset valuation, Joseph et al. (2018) point
agent of transformation also means to ensure out the connection between “participation
the competitiveness of businesses in the world in sustainability indexes and improvements
economy and the inclusion of leaders in global in all categories of tangible [financial,
decision-making forums”. 12 That is, social organizational, physical, technological] and
responsibility actions are not only inseparable intangibles assets [innovations, human
from economic activities, but also presented resources, reputation]” (p. 74).
as assets and gains in the financial market. Throughout the ins and outs of the
The São Paulo Stock Exchange (B3, struggle for hegemony wherein civil society,
currently) corroborates this claim. The State, and corporations clash, new forms of
Corporate Sustainability Index – ISE is an index dispute are being produced and old strategies
that is based upon the assessment of corporate reshaped. This is done in such a way that
performance according to sustainability a new environment of hybrid language
criteria. The shares of companies that make up arises, constructed by the wayside. It is in
the ISE contribute to the reliability of the very such a context of pursuit for hegemony that
companies, which improves their performance practices and cultures adapt themselves
in the financial market. According to the São in the leeway given by the young Brazilian
Paulo Stock Exchange portal, democracy. Thus, far from being regarded
as spontaneous, or disinterested practices
The ISE B3 is designed to measure
of solidarity anchored in political projects of
average stock performance tracking
changes in the prices of stocks of radical social transformation, the CSR and the
c o m p a n i e s re c o g n i ze d f o r t h e i r partnerships with local social organizations
commitment to corporate sustainability. seem to make up a wider picture. More
It supports investors in decision-making specifically, a scenario that is more tied up to
and induces companies to adopt the
the financial market, and wherein companies
best sustainability practices, since ESG
(Environmental, Social and Corporate profit twice (financially and in terms of their
Governance) practices add to the image) by incorporating the social issue into
longevity of businesses.13 their practices.

These indexes operate by means


of a ranking of companies that meet the
sustainability criteria established by the The case of AngloGold Ashan
financial market, and which includes an
assessment of corporate social responsibility Let us now explore how the market’s private
(CSR), environmental care, and financial interests merged hegemonically into causes
transparency. In this regard, companies must commonly regarded as collective, and how
publish their actions in the social balance the translation of the neoliberal discursive
sheet or sustainability report in order to framework comes about in such situations.
improve transparency in business activities. To this end, let us examine the case of one

636 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022


Neoliberal governance in mining territories

of the mining companies: AngloGold Ashanti. of social enterprises of a productive nature,


Having its administrative headquarters in the focusing on sectors such as commerce and
municipality of Nova Lima (MG), the company services, which enhances labor market
also carries out extractive activities in the insertion of people into the productive chain;
nearby municipalities – Sabará (MG) and Santa c) sustainable solutions: comprising social
Bárbara (MG). enterprises that promote environmentally
AngloGold Ashanti’s presence in the sustainable solutions that benefit the
region is connected to gold exploitation in the community, such as reducing energy and water
State of Minas Gerais, which dates back to the consumption. These solutions had to prioritize
17th century. The independence of Brazil in the existence of a social enterprise with the
1822 opened the door to mineral exploitation potential to be financially self-sufficient.
in behalf of foreign capital. The region where Aiming at future financial self-sufficiency,
the municipalities of Raposos and Nova Lima the program provides some sort of coaching
are located today welcomed, in 1834, the Saint or mentorship, that is, technical support to
John Del Rey Mining Company, an English gold the selected institutions so that “the project
mining company that operated there until may develop its own revenue streams aiming
1957. That same year, Brazilian shareholders at financial self-sufficiency, thus getting
were incorporated and, in 1960, Mineração closer to a social business model”. 14 The goal
Morro Velho was created. In 1974, the company is to improve the performance of partner
merged with the South African Anglo American institutions, since converting CSO projects into
Corporation to form AngloGold. Lastly, it social businesses is AngloGold Ashanti’s main
merged with Ashanti Goldfields in 2004, mission, as described by the company itself.
thus giving rise to the current conglomerate Moreover, it also sets the objective of “solving
AngloGold Ashanti (Couto & Costa, 2003). a social and/or environmental problem” (ibid.).
The mediation of the relationship Some critical aspects of AngloGold
between society and corporations – a form Ashanti’s initiative of providing financial support
whereby neoliberal governance expresses to CSOs deserve special attention: 1) one can
itself – is not restricted to limited social detect the strong business-oriented nature of the
practices. On the contrary, it opens up a wide public call notice, more specifically in its defense
scope capable of capturing the ways of living of a business model and its stipulation of an
in mining territories. The program’s 2019 entrepreneurial discourse in the management of
public call notice encompassed civil society the project’s resources as a condition to funding;
organizations (CSOs), or more specifically 2) the idea of providing mentoring and support
“private, non-profit legal entities and legally to turn the social project into an entrepreneurial
constituted cooperatives”, of the following project or social business is constitutive of a view
areas: a) culture, tourism, gastronomy: that promotes the creation of a new common
comprising the development of local and sense regarding local associations, according
artisanal products to meet the demand of the to which the entrepreneurial approach is the
market and the tourism sector; b) associativism model to be followed 15 – we consider that
and cooperativism: comprising the structuring the dissemination of this common sense

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

could add to the mitigation of the negative private hegemonic apparatus (understood
environmental impacts of the company’s as part of the extended State) have brought
operations in the region and, at the same particularities of the business world to
time, to the legitimization of its practices; 3) as civil organizations. The model of business
shown in the balance sheet of the Programa sociability, together with the entrepreneurial-
Parcerias Sustentáveis (Sustainable Partnerships competitive type of management, merged into
Program), the projects revolve around agendas the picture of solidarity, collaboration with
and activities of a local nature – hence, they do the community, and/or sustainability, so as
not converge towards more substantive topics to form a seemingly contradictory message.
such as those related to the social question or Dardot and Laval (2016), however, consider
the contradiction between capital and work – that this message bears a strategy to capture
but, at the same time, they manage to dialogue our subjectivity.
directly with the topic of social recognition Fontes (2010 and 2018) and Casimiro
(entrepreneurship for women and ethnic-racial (2018) also interpreted the expansion and
issues). diversification of the associative apparatus
It is against this background that a as a contradictory movement. The authors
particular format of participation gained find the explanation of this ambiguity in the
strength, namely, the way certain civil society Gramscian perspective: on the one hand,
organizations take part in the composition the associative apparatus is taken as the
of neoliberal good governance. It is a format expansion of democracy and, therefore,
characterized by a mode of operation that the achievement of the working classes;
mirrors the model adopted by private on the other, it is taken as the possibility of
capital companies – the so-called ‘corporate strengthening, simultaneously, the trenches of
philanthropy’, or ‘private social investment’, capitalism. Put differently, these apparatuses
to use the terminology employed by the would not be free from the dissemination and
organizations themselves. This format gained defense of liberal and bourgeois ideology and
prominence in several associations whose interests.
revenue streams were predicated on showing The authors (Fontes, 2018; Casimiro,
efficiency, especially in the foundations 2018) acknowledge the “art of association”
created within the very companies. – to use the term coined by Tocqueville – as
a vital force of democracy and social justice.
Nevertheless, they cast doubt upon it as they
Civil society as a disputed suspect it may facilitate class domination
by fostering consensus in the region where
territory: the private companies operate. The interpretation of the
hegemonic apparatus contradictions in the expansion of associativism
in contemporary Brazilian democracy relies
In the midst of the many-sided process of on the hypothesis that organized civil society
recreating associativism, reinterpreted with is also a fertile ground for legitimizing the
the aid of new nuances and meanings, the interests of private capital.

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Neoliberal governance in mining territories

Gramsci's prison writings (2 019) constituted by a plurality of civil organizations


contribute substantially to the interpretation (trade unions, associations, churches, etc.),
of the dynamics of the reproduction of capital. and wherein classes organize themselves
The author provides a broad understanding of and defend their interests within the dispute
the State that encompasses political disputes to maintain or to achieve a determined
within civil society. That is, civil society should hegemony (ibid.).
neither be interpreted as a mere instance According to Bianchi (2018), the concept
that is opposed to the State, nor as a space of of hegemony can be understood as the
individual freedom, as conceived by the liberal exercise of the capability to direct as well as
tradition. Furthermore, the State should not to exert political and economic leadership. It
be conceived of as the sole space of political thus contrasts to mere domination, which is
power and domination. characterized by one side that simply imposes
In vogue for some time now, the its economic-corporate projects on the
very notion of civil society as a synonym other sides and social classes without taking
for the third sector and non-governmental their interests into account. In this regard,
organization suggests a neutral stance with private power would have to present itself
regard to the market and governments; or as a defender of collective interests. It must
alludes to a private sphere of public interest, present itself as an expression of the whole
motivated by some sort of benevolent society, eventually “incorporating claims and
altruism. The aforementioned case of interests of subaltern groups, subtracting them
AngloGold demonstrates that some forms of from their own logic, and framing them in the
partnership between civil society and private current order” (ibid., p. 155). The appearance
sphere, far from being apolitical, are part of a of universality requires the absorption of the
dispute for the hegemony over the territory. demands of popular classes so that private
Gramsci comprehends this tension interests remain concealed.
without resorting to an abrupt separation In this perspective, we can interpret
between what he called political society some civil society associations as means of
and what he defined as civil society. In the disseminating mass culture and reproducing
author ’s conception, there is an organic i d e o l o g i es w h i le m a k i n g u s e o f t h e
relation between the two dimensions, bundled conventional legal forms established by the
together by the concept of hegemony – legal framework of the State. This mechanism
a more refined perspective to grasp the is defined as private hegemonic apparatus,
elements of class domination. Political society and its present relevance as an analytical tool
can be understood as the State in the strict allows us to examine the forms in which classes
sense, that is, the governmental apparatus in are organized not only in a single apparatus,
charge of the direct administration and legal but in various forms. Such apparatuses can
exercise of coercion over those who do not function as notable instruments in building
actively or passively consent (Gramsci, 2019). consensus and engendering organization of
In a synthetic way, and from an analytical spontaneous assent – which can be achieved,
point of view, civil society is a broad sphere for instance, by making concessions in terms of

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 639
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

political, ideological, and economic interests, that mining companies in the Southeastern
insofar as these do not compromise essential zone of the RMBH have drawn closer to
or long-term goals. organized civil society by means of the private
B y a c k n o w l e d g i n g t h e va l u e o f social investment format. As shown in Table 1,
r e p re s e n t a t i o n w i t h i n t h e m o d e o f the data indicate a growing number of CSOs,
associationism, or the art of association, but it is still unclear what are the impacts of
neoliberal governance would be acquiring this expansion on the possibilities of producing
new expressions in its most recent stage. active citizenship. It appears that the ambit
N eve rt h e le ss , t h is a ck n ow l ed gem e nt of CSOs is a field wherein the most diverse
introduces, in its practice, values that are interests are expressed – from anticapitalist
endemic to neoliberalism. Fraser (2020) alerts struggles to the recent forms of neoliberal
to the subtleties of this economic model, as it entrepreneurship. Within the Iron Quadrangle
can be more sophisticated when orchestrating setting, one finds associations and foundations
a “regressive, pro-business economic policy, funded by mining companies’ resources, as well
with a progressivist policy of recognition, as CSOs that work on themes related to the
cherishing representation but resignifying environment, solidarity economy, gender, and
equality as synonymous with meritocracy” race – on agendas that vary from depoliticized
(ibid., p. 18). actions to others of a more contesting nature.
There is still a relatively unexplored In summary, there are representations of
range of facets to be examined in the civil society that operate in different ways,
movement of hegemonic construction of but the configuration that draws attention,
neoliberalism, namely, its ability to attach itself in particular, is the one that makes way for
to different projects of recognition (ethnic- partnerships with private capital. Their new
racial and gender issues, for example). Within formats are capable of reducing or changing
civil society organizations, one can notice these groups’ traditional ways of contestation.
not only the appeasement of certain social Being the most recurrent strategy, the private
struggles, but also the management of the social investment has proven itself to be
direction of values, languages, moral customs, an effective way of improving the image of
and a new common sense. Civil society is, to companies, and of legitimizing them in the eyes
a great extent, organized and framed by the of communities and civil society organizations
demands of multilateral agencies, as well as – in addition to its effectiveness in terms of
seized by civil organizations connected to the bringing financial gain.
companies of the big capital. In the case of the associative net around
the mining companies of the RMBH, especially
in municipalities wherein extraction activities
Final remarks took or still take place, these partnerships
suggest there is another cycle of domination/
Considering the effects of neoliberal ideology d e p en d e nc e b a se d on p ri vate s oci al
on the current pattern of governance, investment – which, in terms of corporate
experiences in mining environments suggest defense, is strategic for the companies. Private

640 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022


Neoliberal governance in mining territories

hegemonic apparatuses are investments that, It should be noted that, contrary to what
in addition to increasing profitability, also seem is disseminated in a rather simplified form, the
to create a culture, a common sense of shared arguments regarding hegemony are not stated
values, being more than a mere absorption in merely cultural terms, although culture
of neoliberal language. They play a role in consistently incorporates them. Hegemony
the forms of organization of sociability and in also concerns the various struggles that persist
connecting the economic basis to the State. within and between social classes —and if
This is, thus, a characteristic of neoliberal some degree of stability is reached, it is mainly
domination, particularly in the mining sector the result of having depoliticized or silenced
that exports commodities: to be subjected to the dominated. The equilibrium achieved is
fluctuations of the international market, while never absolutely stable; it will always contain
being remarkably profitable and pivotal to the some dynamism.
economy of Minas Gerais and Brazil. As the country became a democracy,
With regard to the mining companies the reformulation of the role of the Brazilian
operating in the RMBH, one can notice that State brought new forms of shaping and
they benefit from an increasing presence of strengthening its hegemony; having built
their respective foundations, private social consensus through making policies concrete
investment initiatives, and partnerships with as well as attaining goals within the scope
CSOs, when operating with more legitimacy of symbolic struggles. The business sector
in the region they are installed. This beneficial organization managed to make use of the new
effect, however, is not automatically felt, for legal framework for civil society organizations,
it consists of a multi-layered game wherein having captured and given new meaning to
action is rather piecemeal. These layers social problems and their solutions, in the
express themselves in terms of public call case of mining towns. In view of this, there
notices elaborated by companies to fund still remains the task of assessing the limits
projects coordinated by CSOs, sponsorships and possibilities of building a new and more
of cultural and sporting events, partnerships persuasive common sense; or of building
between companies and local governments, a counter-hegemony that encompasses
as well as the companies’ activities in non-business sectors, workers, and the
the communities. Another hypothesis population affected by mining activities. In
to be considered is the constraint of the other words, to buttress a side other than
development of a local associativism that that of the mining capital; a network of
may lean towards struggling against more autonomous associations anchored in the
substantive issues, in particular against the acknowledgement of the difference and
detrimental effects of mineral extraction. specificity of the interests involved.

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Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

[I] https://orcid.org/0000-0002-1534-5621
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Departamento de Urbanismo. Belo
Horizonte, MG/Brasil.
juniaferrari15@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-6220-8849
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Programa de Pós-Graduação em Ar-
quitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, MG/Brasil.
renatobfontes@gmail.com

[III] https://orcid.org/0000-0003-0290-8090
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Sociais, Programa de Pós-
-Graduação em Ciências Sociais. Belo Horizonte, MG/Brasil.
lgsouki@gmail.com

Acknowledgments
This paper is an offshoot of the research “Governança e Associa vismo na Região Metropolitana de
Belo Horizonte”, conducted by the Laboratory of Urban and Metropolitan Studies of the School
of Architecture of the Federal University of Minas Gerais (LabUrb - UFMG). The authors express
their thanks to the whole group of researchers who contributed to it, and in par cular to Renata
Salles and Viviane Fernandes for producing the tables and chart, and to Gabriel da Cruz for
producing the map.

Transla on: this ar cle was translated from Portuguese to English by João Vitor Ferrari Rabelo.

Notes
(1) In Brazil, there is no type of legal en ty named NGO [t.n.]. Civil Society Organiza on (CSO) is the
most up-to-date (law 13.019/2014 and law 13.204/2015) designa on for ins tu onalized (CNPJ)
or private law, non-profit and non-governmental en es (Lopez, 2018).

(2) This zone includes the municipali es of Brumadinho, Caeté, Ita aiuçu, Nova Lima, Raposos, Rio
Acima and Sabará.

(3) Available at: h ps://issuu.com/anglogoldashan br/docs/balanco_parcerias_sustentaveis_2019.


Accessed on: Nov 11, 2020.

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Neoliberal governance in mining territories

(4) Ribeiro (2020) considers the ultraliberal inflec on to be the configura on established in Brazil
a er the parliamentary coup and the subsequent impeachment of Dilma Rousseff. The inflec on
indicates the rupture with a period characterized by the poli cal and economic framework that
was founded during the redemocra za on, and in which governments reconciled conserva ve
measures with commitments to popular sectors. Ribeiro’s (ibid.) central thesis is that the 2016
coup “radically changed this correla on of forces that had been consolida ng itself within the
power bloc, steering it towards a more effec ve control by conserva ve forces” (p. 2).

(5) Regulated ci zenship is a concept coined by Wanderley Guilherme dos Santos, according to which:
in the case of Brazil, the development of ci zenship is not rooted “[...] in a code of poli cal
values, but in a system of occupa onal stra fica on, [...] which moreover [..] is defined by legal
norm. In other words, all those members of the community who find themselves in any of the
occupa ons iden fied and defined by law are ci zens” (Santos, 1979, p. 75).

(6) Regulated by the cons tu onal amendment n. 19, of June 4, 1998.

(7) In the list of associates, besides founda ons of Brazilian companies (e.g., large private banks,
mining and construc on companies), there are also a large number of foreign en es, such as
the founda ons Bunge, Cargill, Nestlé Brasil, Nokia, Volkswagen, the ins tutes Coca-Cola Brasil,
HSBC Solidariedade, Renault, Wal-Mart; as well as the direct par cipa on of companies such as
Monsanto and Microso , etc. Available at: h ps://gife.org.br/quem-somos-gife/. Accessed on:
May 15, 2021.

(8) Available at: h ps://gife.org.br/inves mento-social-privado. Accessed on: May 15, 2021.

(9) Mul na onal companies: AngloGold Ashan ; ArcelorMi al; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining
Inc.; Mineração Usiminas S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração. National companies: Cefar;
Comisa; Ferrous Resources do Brasil; AVG Group; Grupo MBL; Herculano Mineração; London
Mining Brasil; Mineral do Brasil; Mineração Boa Vista; Mineração Serra Azul; Minerita - Minérios
Itaúna Ltda; Tamisa Mineração; Vór ce Mineral.

(10) AngloGold Ashan ; ArcelorMi al; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining Inc.; Mineração Usiminas
S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração; Vór ce Mineral.

(11) Available at: h ps://pactoglobal.org.br/no-brasil. Accessed on: June 2, 2021.

(12) Available at: h ps://pactoglobal.org.br/no-brasil. Accessed on: June 2, 2021.

(13) Available at: http://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/indices/indices-de-


sustentabilidade/indice-de-sustentabilidade-empresarial-ise.htm. Accessed on: May 17, 2021.

(14) Available at: h ps://issuu.com/anglogoldashan br/docs/balanco_parcerias_sustentaveis_2019.


Accessed on: Nov 11, 2020.

(15) By "common sense" we mean a certain kind of cement that binds and builds consensus as to
how we understand, act, and judge social life. It could be regarded as almost synonymous with
ideology, in the sense of something that encompasses social life and is shared by the group –
although it may not always be visible to its members when concealed by familiarity.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 643
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki

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Received: August 19, 2021


Approved: September 27, 2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 645
Doce fel da minero-dependência
nas cidades mineiras: Brumadinho
e Itabira em perspectiva
Bittersweet mining dependency in Minas Gerais towns:
Brumadinho and Itabira in perspective
Frederico Dornellas Martins Quintão [I]
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio [II]
André Luiz Freitas Dias [III]

Resumo Abstract
Este ar go analisa Brumadinho e Itabira, problema- This paper analyzes Brumadinho and Itabira,
zando as possibilidades de superação da depen- discussing possibilities of overcoming the
dência econômica, social, política e cultural que economic, social, politic al, a nd cultural
marca a relação de suas populações com a minera- dependency that marks the rela onship between
ção. A discussão mobiliza estudos crí cos advindos their populations and mining. The discussion
do decolonialismo e pós-desenvolvimento para a mobilizes cri cal studies arising from decolonialism
análise do extra vismo e da minero-dependência, and post-development to analyze extrac vism and
uma relação de dominação que extrapola o campo mining dependency, a rela onship of domina on
econômico e atravessa relações polí cas, sociais e that goes beyond the economic field and crosses
subje vidades das populações dessas cidades. Tra- political and social relationships, as well as the
ta-se de um estudo no campo da pesquisa qualita - subjec vi es of these popula ons. This qualita ve
va, marcado pelo envolvimento dos pesquisadores study is marked by the researchers’ involvement
com movimentos locais de resistência e valorização with local resistance movements that value other
de outras formas de existência nessas cidades, não forms of existence in these cities, not dependent
dependentes da mineração. Nos resultados, são on mining. In the results, the problems that the
apontadas as mazelas que a a vidade mineradora mining activity has brought to these cities are
tem trazido para essas cidades, bem como as possi- pointed out, as well as possibili es of overcoming
bilidades de superação dessa dependência. this dependency.
Palavras-chave: extra vismo; pós-desenvolvimen- Keywords: extrac vism; post-development; mining
to; minero-dependência; Brumadinho; Itabira. dependency; Brumadinho; Itabira.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5409 Crea ve Commons Atribu on
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

Introdução necropolítica são marcas indeléveis da história


latino-americana, do que se chama de desen-
Em 25 de janeiro de 2019, aconteceu uma nova volvimento em vários países desse continente
tragédia-crime no setor mineral brasileiro. Des- e também e sobretudo das Minas Gerais.
sa vez, a cidade de Brumadinho, em Minas Ge- Ponto nodal para que as incursões pro-
rais, foi o contexto no qual mais uma barragem dutivas produzam grandes impactos negativos
de rejeitos de mineração se rompeu, ceifando nos territórios é a cumplicidade do estado pa-
vidas humanas e a vida animal e vegetal. Even- ra isso (Gudynas, 2009). Mesmo governos pro-
to trágico acontecido poucos anos depois do gressistas da América Latina se encontram no
também crime perpetrado por uma corporação meio de um dilema: favorecer as atividades ex-
mineradora em Mariana, também em Minas trativistas que incham a arrecadação financei-
Gerais; esse segundo ato de destruição causou ra com impostos ou atender às demandas da
ainda mais perplexidade pela recorrência. população com relação a violações de direitos,
No entanto, quando investigações fun- escassez de água, remoção de pessoas ou rom-
dadas na perspectiva crítica em estudos orga- pimentos de barragem?
nizacionais voltam seus olhares para a realida- Não obstante, esse é o mesmo dilema da
de e o cotidiano (Certeau, 1994) de territórios agenda neoliberalista, em deixar que o setor
dos quais a mineração constitui sua história, privado faça a gestão dos corpos e territórios.
sobretudo no estado que leva em seu nome Até mesmo as obrigações do estado em me-
a herança e a memória mineradora, Minas lhorar as condições de vida locais não são exe-
Gerais, a recorrência dessa necropolítica as- cutadas, uma vez que também se espera das
sassina de várias formas de vida se torna me- empresas que as práticas de responsabilidade
nos surpreen dente, ainda que não deixe de social equacionem as contradições que elas
despertar em todos os sujeitos investigado- mesmas produzem. Entretanto, autores como
res, comprometidos com a pesquisa voltada à Banerjee (2008) e Acserald (2018) reforçam
transformação social, a perplexidade, a indig- que essas ações são feitas de forma política e
nação e aquilo que Teotônio Vilela chamava de produzem mais ganhos financeiros para as em-
“ira santa” nas lutas sociopolíticas. presas que benesses para a população local.
Quando se acessam as pesquisas e as re- Conflitos territoriais advindos das forças
flexões realizadas por vários pesquisadores ba- produtivas também são estudados por diferen-
seados na América Latina, como Araóz (2020), tes investigadores do campo dos estudos críti-
Svampa (2019), Acosta (2006) e Gudynas cos em gestão, que se preocupam em elucidar
(2009), que recorrem em maior ou menor os mecanismos que grandes empresas ado-
proporção a uma clivagem decolonial em suas tam para maximizar seus lucros: externalizar
análises, descortina-se uma tragédia de expan- custos, uso de violência, geração de valor para
são do extrativismo e de suas utopias desen- grupos minoritários, discrepância entre bem-
volvimentistas. Isso permite a compreensão de -estar social e crescimento econômico, con-
que extrativismo, grandes empreendimentos trole de narrativas das resistências e fraqueza
corporativos e estratégias organizacionais estatal (Banerjee, 2008 e 2007; Chowdhurry,
fundadas, consciente e inconscientemente, na 2019; Temper et al., 2018).

648 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

Assume-se, na presente pesquisa, que, Brumadinho pode ser compreendido como um


nos territórios nos quais a presença da mine- município no qual as mazelas do País se repro-
ração é recorrente, desenvolve-se a chamada duzem em seu microcosmo, na medida em que
minero-dependência, um fenômeno que não abriga quatro comunidades quilombolas, dois
se resume à dependência econômica da ativi- assentamentos agrários, uma comunidade Pa-
dade de mineração (Coelho, 2012 e 2017), mas taxó, condomínios com moradores de classes
também se relaciona ao exercício de um poder ricas e abastadas, ruralidades marcadas por
de sedução, envolvimento socioemocional, pequenos agricultores, uma organização da
afetivo e cultural que consolida o desenvolvi- indústria cultural e do turismo cultural e não
mento por meio da mineração como história, orientado para as comunidades, o Centro de
memória e destino, quase inquestionável, em Arte Contemporânea Inhotim, e disparidades e
direção a um futuro de modernização, que desigualdades de renda, IDH e “bem-viver” re-
nunca chega ou chegou a esses territórios ao levantes entre seus territórios. Isso tudo tendo
redor do mundo. também as mineradoras e sua necropolítica há
Porém, onde poderes se constituem, se décadas em atuação no município.
erigiram também contrapoderes, mesmo em Itabira, por sua vez, é uma cidade que
condições e contextos desfavoráveis para às lu- teve suas indústrias e agricultura invisibiliza-
tas sociopolíticas (Banerjee, 2007; Chewinsky, das pelo crescimento da exploração mineral
2019; Temper et al., 2018). Muitas das lutas, para atender grandes projetos nacionais de
resistências e contenções de indivíduos, co- desenvolvimento. Décadas de extrativismo
munidades, coletivos, movimentos e diferen- produziram uma série de problemas sociais,
tes formas de se organizar a luta sociopolítica ambientais e institucionais, além do já pre-
estão presentes em distintas formas de exis- visto esgotamento das reservas que está da-
tência nos territórios que têm a mineração tado para 2031. Até hoje, as minas não foram
em seu seio. No cotidiano desses territórios, reflorestadas, a cidade é cercada por barra-
encontram-se comunidades e formas de vida gens com risco de rompimento, e o medo da
que são rotuladas, estereotipadas e discrimi- não diversificação econômica também preo-
nadas como arcaicas, não modernas, não de- cupa a cidade.
senvolvidas, atrasadas e fadadas ao desapare- Nos tópicos que se seguem à esta intro-
cimento para que o suposto desenvolvimento dução, são lançadas as bases teóricas da pes-
advindo do extrativismo e da mineração se quisa, a partir de referenciais críticos decolo-
implante em definitivo nos territórios (Zhouri e niais, nos quais a mineração e o extrativismo
Laschefski, 2010; Dias e Oliveira, 2018). são desvelados como ideologia desenvolvimen-
O presente artigo, que se funda na pes- tista. Em seguida, descrevemos o percurso me-
quisa qualitativa de natureza engajada, busca todológico que adota caráter de pesquisa enga-
compreender como formas de vida, existên- jada, compreendendo também que se trata de
cia e resistência têm se organizado no coti- territórios com pessoas que sentem, pensam
diano desses territórios em face da minero- e estão em situação desigual de participação
-dependência. Devido aos problemas de in- no território. Por fim, os resultados apresen-
fraestrutura, desigualdades sociais e conflito, tam: 1) o histórico de conflito e resistência nas

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cidades; 2) impactos dos projetos territoriais O segundo, sustentado no medo, foi me-
conduzidos pelo estado e mercado; e 3) formas canizado a partir da ameaça à vida dos povos
de resistência da população local. originários, principalmente com o uso de pól-
vora e armas que eram tecnologias de guerra
de alta letalidade. Essa diferença tecnológica
foi determinante para que os colonizadores
Referencial teórico se apoiassem em duas falácias para exercer o
processo de dominação: a primeira era a cren-
Mineração primeva ça e a imposição de um pensamento de que
a cultura e a tecnologia dos povos originários
Os povos originários da América Latina sempre eram inferiores; e a segunda era de que os re-
tiveram uma relação de sacralidade, harmo- cursos naturais que havia ali eram ilimitados
nia, bem-estar e subsistência com a natureza (Araóz, 2020).
e o ecossistema em que viviam. A chegada Posicionados esses mecanismos de con-
do colonizador, seja espanhol ou português, trole, a violência se institucionalizou-se em for-
trouxe uma nova forma de se relacionar com mas materiais e simbólicas, afetando os modos
o meio ambiente, voltada para a alta acumula- de subsistência, crença, bem-estar e impondo
ção e comercialização internacional de metais a escravidão como única forma de vida pos-
preciosos, cana de açúcar e outros produtos sível, a partir do estabelecimento da cultura
(Araóz, 2020; Svampa, 2019; Krenak, 2020). europeia. O extermínio dos cultivos e a conta-
Esse encontro de racionalidades diferen- minação ambiental foram determinantes para
tes com a natureza não foi a partir de uma guer- interromper a capacidade produtiva dos povos
ra de conquista. Os colonizadores chegaram originários (ibid.).
doentes e enfraquecidos, sendo acolhidos pelos Desde o período colonial até os dias de
indígenas. Com o passar do tempo, os primeiros hoje, os indígenas mantêm uma relação de in-
aprenderam com os segundos a sobreviver na terseção do ecossistema com os corpos e sua
selva e identificaram os pontos onde havia ri- cultura. A “força geradora” do novo mundo
queza (Krenak, 2020). A partir disso, iniciaram o ou do descobrimento instalou novas formas
processo de colonização por meio da violência. de organização social, política, ambiental,
Dois mecanismos de violência para a do- cultural, hierarquias, religião, mecanismos de
minação dos povos são identificados por Araóz guerra e trabalho, principalmente ao pensar
(2020), como a fé e o medo. O primeiro foi os corpos como meras ferramentas de produ-
exercido com a imposição da religião católica, ção (ibid.).
de forma a docilizar os corpos, fazê-los coni- Portanto, a dominação e a coloniza-
ventes com a nova forma de vida instaurada no ção dos povos produziram efeitos diferentes
território, mudando sua linguagem e forma de nas organizações sociais de um território: a
comunicar, e principalmente torná-los “peca- periferia colonial é lugar de violência simbó-
dores”, menosprezando aqueles que obtinham lica e material, fornecedora de mão de obra
uma relação harmoniosa e de sacralidade com e riquezas, ao passo que, no centro imperial,
a natureza. concentra-se o poder absoluto do mercado e

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

do estado, onde há vida, luxúria, saber, ciência, obstante, a falácia de que os recursos nunca
protagonismo e valor de verdade (ibid.). Essa iriam se esgotar se confirmou como tal e uma
distribuição de prioridade e valoração é de- outra temática passou a ser discutida: a de-
terminante para compreender onde estão os pendência dos territórios (principalmente da
corpos descartáveis que são utilizados para a economia) com relação à atividade extrativa.
manutenção do poder (Mbembe, 2016). Discussões sobre o possível legado da
Dessa forma, Araóz (2020) destaca que mineração podem ser vistas nos escritos de
a colonização também é dividida em duas Davis e Tilton (2005), estes contendo bastan-
ações: o Colonialismo é composto por fatos te enfoque na herança de infraestrutura e in-
sociais concretos, como os conflitos e a hie- vestimento em conhecimentos que podem ser
rarquização social e racial nos territórios, fatos produzidos com o grande volume de dinheiro
políticos, econômicos e apropriação da riqueza que as atividades movimentam. Infelizmente
local; ao passo que a Colonialidade é formada a América Latina não é considerada por eles
pelas narrativas e por discursos sociais, estru- um exemplo de sucesso das benesses que a
turas institucionais e saberes técnicos, jurí- mineração pode trazer, e veremos alguns mo-
dicos, religiosos, filosóficos e políticos que se tivos a seguir.
organizam e operam como legitimadores das A princípio, a atividade extrativa ainda
visões dominantes. se manifesta como grande mobilizadora de
De forma complementar, ao pensar os recursos nos territórios, seja pelo inchaço na
impactos da colonização para diversos mode- arrecadação do estado, seja pela quantidade
los de desenvolvimento, as compreensões de de emprego gerada e pela circulação de di-
Acemoglu, Johnson e Robinson (2001) desta- nheiro no comércio das cidades. Entretanto,
cam que o fator determinante para a preca- o que ocorre é a fragmentação territorial e o
rização da América Latina não foi exclusiva- deslocamento do tecido social e econômico,
mente a extração de riquezas naturais, e sim vez que se perpetuam as desigualdades na
a herança institucional deixada no território. relação de trabalho e gênero e aumenta a in-
Essa herança pode ser bem explicada pelos cidência de crimes, alcoolismo e prostituição
conceitos de colonialismo e colonialidade ex- (Svampa, 2019).
plicitados por Araóz (2020). A dependência e subjugação dos ter-
ritórios são camufladas com a aparência de
progresso (Araóz, 2020; Svampa, 2019). En-
Dependência quanto ocorre um boom de construções,
aumenta o empobrecimento; hospitais são
Mesmo que a chegada dos espanhóis na Amé- construídos, e a saúde é deteriorada; escolas
rica remeta a 1492 e dos portugueses ao Brasil são levantadas com precarização nos níveis
a 1500, ainda hoje existem riquezas naturais de educação; os saberes locais são silencia-
a serem exploradas, principalmente em ter- dos e cooptados para priorizar uma economia
ras indígenas. Uma série de minas e jazidas se importadora. A facilitação nas normas legais
esgotou, outras tantas ainda estão em plena e os altos incentivos financeiros do estado
atividade, algumas perto de se esgotar. Não para com as grandes empresas favorecem,

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Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

também, a corrupção do estado e desvio dos mudança, dando lugar a um posicionamento


interesses do bem público, incluindo a amea- meramente regulador, no qual interesses de
ça à cidadania (Banerjee, 2008). forças políticas ligadas às corporações extra-
Além disso, também ocorrem esvazia- tivistas e mineradoras se consolidam, mesmo
mento territorial de riqueza, emigração de quando parecem atender às exigências da re-
mão de obra que não quer se relacionar com gulação estatal e de supostas conformidades
a mineração, ao mesmo tempo que a escassez com as demandas locais das comunidades e do
de água e a contaminação ambiental produzi- movimento ambiental.
da pela atividade extrativa impedem a instala- Esse fenômeno não seria apenas carac-
ção de indústrias alternativas ou agriculturas terística de um país, ainda que se manifeste
tradicionais (Araóz, 2020). com intensidade na América Latina. Caracteri-
Essa dinâmica é mantida e determina- za relação entre sociedade, Estado e corpora-
da pelos grupos e instituições com mais in- ções extrativistas, especialmente as minerado-
fluência e capacidade de controle na tomada ras, em diferentes países do mundo, inclusive
de decisão. A prática do “enclave” é bastante aqueles supostamente mais desenvolvidos, os
presente nos territórios minerados, vez que chamados países capitalistas centrais (Temper
a empresa dominante da economia controla et al., 2018). Exemplo evidente disso seria o
também os outros setores produtivos relacio- Canadá (Chewinksy, 2019).
nados a sua atividade e impede que a popula- Desenvolvimento é utilizado como for-
ção local tenha capacidade tecnológica, finan- ça destrutiva e potencializadora da cobiça e
ceira e comercial para controlar as explorações vaidade, que seriam formas de ser e pensar
locais (ibid.). sustentadas pelos colonizadores e que ainda
A inevitabilidade da mineração e a ideo- se manifestam durante as relações de poder
logia do progresso são suficientes para ignorar no território (Araóz, 2020). A ideologia desen-
e invisibilizar as comunidades do território, volvimentista também pode ser antidemo-
tendo suas economias desvalorizadas e me- crática (Banerjee, 2008) e causadora de con-
nosprezadas, sempre colocadas como inferio- flitos socioambientais (Temper et al., 2018).
res perante o ritmo extrativista, ao passo que o Os argumentos para enquadrar uma pessoa
extrativismo e seus impactos socioambientais ou grupo como subdesenvolvidos são sempre
são determinantes para exacerbar as crises das baseados em argumentos classistas, racistas,
economias locais, facilitando que outros atores a partir do parâmetro do colonizador: “Você
de “desenvolvimento” ocupem e se apropriem é atrasado porque não é igual a mim”; “Você
dos territórios (Svampa, 2019). não é europeu”; ou “Você não se veste como
Muitos enxergam no Estado a institu- eu” (Araóz, 2020).
cionalidade e o espaço social para que lutas Além disso, também são apontadas ca-
e conquistas contra o modelo extrativista vi- racterísticas institucionais de incapacidade ou
gente sejam alcançadas. No entanto, cabe re- ineficácia política, por corrupção ou clientelis-
lembrar Svampa (ibid.), quando afirma que o mo (ibid.). Alguns desses sintomas são heran-
Estado, seja no governo local, estadual ou na- ças do processo colonizador, e as cadeias de
cional, nem sempre se constitui em agente de produção global buscam se isentar dos seus

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

impactos negativos causados (Araóz, 2020; Parcela de problemas estes que fica a car-
Acserald, 2018). Dessa forma, o empobreci- go de o estado solucionar posteriormente
mento institucional instalado nas colônias: (Banerjee, 2008).
“Não tem a ver com a carência eventual de No discurso desenvolvimentista existe,
certos bens ou com a insatisfação de necessi- portanto, um intenso conflito de interesses: de
dades, e sim com a deterioração secular, sistê- um lado exploradores que possuem objetivos
mica, da capacidade produtiva das populações particulares, chegando a um território diferente
e dos territórios afetados” (ibid., p. 29). do seu. Do outro, a comunidade que vive seus
costumes e tem seu cotidiano alterado com a
chegada de um explorador que tem objetivos
diferentes para o meio em que vive. O choque
Herança extra vista cultural demarca o processo de colonização
na modernidade que os europeus fizeram na América Latina e
que, de acordo com Acosta e Brand (2018), se-
Outro termo que está intimamente ligado à gue a mesma lógica ainda na Modernidade.
compreensão de desenvolvimento, principal- Acosta (2016) convida-nos a pensar
mente com as realidades da América Latina, que o discurso desenvolvimentista possui raí-
é o “pós-extrativismo”. Esse termo, desmem- zes coloniais, uma vez que usa desse preceito
brado por Acosta e Brand (2018), revela as para lançar mão de práticas segregativas. No
condições estruturais em que um território se caso do Brasil, isso pode ser observado com
configura com o final da extração de recursos as ações de guerra e dominação usadas pelos
naturais. Fato é que os países “em desenvolvi- portugueses para minerar e explorar o País,
mento” vivem uma lua de mel da exploração usando e matando indígenas até que fosse ne-
de suas riquezas naturais, exportando-as com cessário o uso de mão de obra africana e escra-
baixo grau de beneficiamento e complexidade, vizada. O autor critica, também, a concepção
para que outros lugares do globo avancem tec- de que o crescimento baseado em recursos na-
nologicamente. Durante esse processo, os con- turais sem fim é puramente contraditória, por-
flitos sociais e os impactos ambientais ficam que os recursos são finitos e não conseguem
sob responsabilidade do país explorado. atender à demanda de produção e consumo
O dito “desenvolvimento” proposto por que a sociedade moderna impõe.
grandes empreendimentos e mineradoras, Como agravante, a maior parte da popu-
mesmo antes de esgotarem todos os recursos lação do território não tem acesso direto a to-
naturais, transforma negativamente os locais da a gama complexa e sofisticada de produtos
explorados, gerando riquezas para um grupo que a cadeia de produção global executa. São
mínimo privilegiado e proporcionando em- ritmos fabris e de desenvolvimento tecnológi-
pregos de má qualidade, escassez de recursos co que buscam atender ou criar demandas de
naturais, poluição, catástrofes e desigualda- mercado e não solucionar problemas socio-
de para grupos vulneráveis (pobres, negros, ambientais antigos ou os que são criados com
indígenas, camponeses e trabalhadores). esse ritmo acelerado. A própria humanidade

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Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

não dá conta de processar as novidades e se das empresas internacionais, que venderão ca-
angustia com itens tidos como indispensáveis ro o material acabado para os mesmos forne-
para o bem-estar social, mas que se reformu- cedores. Além disso, o passivo socioambiental
lam constantemente, sendo inalcançáveis a to- proporcionado pela extração de riqueza ficará
do tempo (ibid.). a cargo dos países explorados; é o que Acosta
Do ponto de vista social, essa lógica de- e Brand (2018) e Escobar (2005) chamam de:
senvolvimentista não parece funcionar bem pós-desenvolvimento ou pós-extrativismo, que
na prática, com geração de empregos em más foram discutidos anteriormente nesse artigo.
condições de trabalho e aumento da angústia
pela falta de bens materiais. O meio ambiente
não consegue suprir toda a demanda da extra-
ção de matéria-prima, aliada ao desmatamen-
Re-existências
to, poluição de rios e ar e aquecimento global.
Dessa forma, pergunta-se: “Qual sustentabili- Chama a atenção também o fato de que as po-
dade vivemos?”. A proposta do “bem viver” líticas progressistas ou socialistas não tiveram
busca equacionar esse dilema, sem apresen- êxito em equacionar as questões da desigual-
tar “receita de bolo” para que seja possível dade. Dessa forma, Acosta (2016) busca resga-
melhorar condições de vida nos territórios tar, na população indígena equatoriana de ori-
explorados. O bem viver é baseado em uma gem Kichwa, uma outra forma de vida, que foi
lógica de tomada de decisão coletiva e que silenciada com a chegada dos colonizadores.
respeite as limitações e particularidades do es- Popularmente conhecido como “bem viver”,
paço socioambiental no qual o grupo se insere esse paradigma de vida está relacionado com a
(Acosta, 2016). relação harmônica entre as populações e a na-
A narrativa do desenvolvimento foi mui- tureza, bem como com a maior autonomia dos
to explorada pelo presidente Truman. Usou-se povos para ditar o ritmo de suas próprias vi-
esse conceito para dizer que existiam países das, impossibilitando que forças institucionais
distribuídos pelo globo que não estavam no externas (Estado ou mercado) os subjuguem.
mesmo estágio de complexidade material que É preciso destacar que a proposta de se
os Estados Unidos; portanto, eram inferiores e viver a partir dos paradigmas indígenas não é a
precisavam ser incluídos na cadeia de produ- de que se criem outras formas de acumulação
ção global deles. É preciso destacar que não al- de capital material nem de redistribuição de
cançar o mesmo estágio material não significa renda. O princípio está em viver da forma mais
que as pessoas viviam mal; elas só não viviam democrática possível, respeitando as formas de
da forma que o norte-americano desejava. vida e direcionamento das pessoas, incluindo
A grande crítica a esse panorama é que aquelas mais necessitadas, também em respei-
a inclusão em uma cadeia produtiva com os to à natureza. Trata-se de repensar os processos
Estados Unidos (ou outros países que se intitu- políticos e de ações práticas que guiam grandes
lam desenvolvidos) significa que os outros paí- impactos socioambientais. Isso será possível a
ses fornecerão matéria-prima ou mão de obra partir da evolução da racionalidade para o pen-
barata para elaborar produtos que serão posse sar coletivo com respeito (Acosta, 2016).

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

O “bem viver”, principalmente em ter- As novas resistências são pautadas e


ritório com atividade extrativista, é colocado fundamentadas de forma comunitária, socia-
como uma proposta determinantemente con- bilidade, caridade, equidade, experimenta-
trária ao pensamento inalcançável de “de- ção coletiva, respeito e preservação do bem
senvolvimento”, bem como suas variantes: comum, extrapolando conceitos, relações ou
sustentável, social, ambiental, econômico, paradigmas sustentados no estado e mercado
etc., uma vez que os países que se intitulam (Svampa, 2019). Além disso, essas resistências
desenvolvidos padecem de mau desenvolvi- também possuem um bom relacionamento
mento, com problemas sociais e ambientais com a natureza, apoiadas em reciprocidade
graves, inclusive em seus países fornecedores com as pessoas e diálogo com saberes diferen-
de matéria-prima. Não se trata somente de tes dos seus. São linguagens construídas pela
incorporar, nas ações burocráticas do Estado- população e priorizando o bom relacionamen-
-nação ou de outras instituições, o modo de to entre as pessoas (ibid.).
ser-pensar indígena. Esses são paradigmas adotados nas práti-
Para que essa transformação se ramifi- cas de resistência e existência dos atingidos pe-
que e se torne efetiva, é necessário que haja lo extrativismo na América Latina (Acosta, 2016
possibilidades horizontais, escalares e repli- e 2018; Svampa, 2019). Ao mesmo tempo,
cáveis do ensino de uma forma de viver res- também se aproximam as práticas de indíge-
peitosa ao coletivo. Descentraliza-se o poder, nas brasileiros, como o Cacique Babau (2019)
repensando o exercício da democracia e pau- e Ailton Krenak (2020), que, ante as agendas
latinamente também a cidadania. É preciso re- liberais de estado e mercado, clamam por uma
pensar a estratégia de ação e não fazer melhor compreensão de vida que entenda o meio am-
a estratégia que está dando errado. “Aqueles biente como algo que faz parte da própria vida
[que] se veem ameaçados em seus privilégios e não como um objeto sem vida, além de maior
não cessarão em combatê-los (ibid., p. 15). respeito entre os seres humanos e práticas
A importância de se fortalecer práticas mais democráticas de participação.
de resistência coletivamente e com grande
participação dos públicos mais interessados
é fundamental para o sucesso da representa-
tividade, de forma que respeite a pluralidade
Percurso metodológico
de demandas, uma vez que a via da repre-
sentação por ONGs totalizantes pode incorrer Para compreender as formas de relação dos
no abandono de causas sociais em função de grupos populares mobilizados e mais vulne-
projetos políticos maiores (Chewinksy, 2018), ráveis do território, lançamos mão de uma in-
por vezes indo contra a compreensão de que vestigação com enfoque qualitativo, de forma
a lógica de compensação financeira não cessa a compreender, em cada articulação, a parti-
o conflito, já que as pessoas possuem valores e cularidade dos seus atores sociais, organiza-
demandas que vão além da questão monetária ções, coletivos ou associações, bem como sua
(Temper et al., 2018). forma de compreender quais são os modos de

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vida silenciados e ofuscados pela extração mi- realidade territorial. Em especial, destaca-se
neral e quais são as formas de expressão que o envolvimento dos pesquisadores com a ar-
esses sujeitos encontram para preservar sua ticulação “Eu luto, Brumadinho vive”, que, em
própria história. Para que isso fosse possível, conjunto com outros movimentos, organiza-
foi realizado um estudo de caso em profundi- ções e coletivos em atuação em Brumadinho,
dade nas cidades de Brumadinho e de Itabira, desenvolvem uma série de ações desde 2019,
buscando apreender melhor as particularida- com destaque para um mapeamento de mo-
des de seus diversos bairros, regiões, grupos vimentos sociais, associações e formas de
e mobilizações. existência no território.
Em meio a tantos atores em disputas de O envolvimento dos investigadores com
narrativa nos territórios, a opção pelo enfo- métodos participativos e relacionamentos co-
que qualitativo é fundamental para responder munitários, que ficará mais claro nas partes
qual é a significação que a própria sociedade que se seguem no presente artigo, traz ele-
impactada tem sobre o legado da mineração mentos relevantes para a compreensão dessas
em seus territórios; sendo necessário, então, formas de existir e resistir no cotidiano dos ter-
que os moradores digam sobre o que foi vi- ritórios. Além disso, os métodos participativos
venciado por eles e qual o sentido que pode constituem-se em uma abordagem de pesqui-
ser atribuído, sendo o pesquisador aquele que sa qualitativa baseada na interação entre sujei-
proporciona um espaço de elaboração coletiva tos investigadores e sujeitos investigados, na
sobre o tema estudado (Yilmaz, 2013). qual comunidades e atores locais assumem o
Além disso, para que essa compreensão protagonismo na produção de seus saberes e
seja realizada satisfatoriamente, é necessário de sua compreensão do cotidiano e das formas
lançar mão da pesquisa engajada (Pozzebon, de existência e resistência, a partir de seu lugar
2018; Cunliffe, 2020), visto que os pesquisado- no espaço, no tempo e no território (Andrade
res em questão estão inseridos e em atuação e Carneiro, 2009; Goldstein, Barcellos, Maga-
constante nos territórios investigados, propor- lhães e Gracie, 2013).
cionando maior integração nos modos de ser- Reforça-se o compromisso de compreen-
-fazer das sociedades, além de terem mais faci- der as pessoas em relacionamento na pesquisa
lidade para apreender a cultura de cada grupo como seres que sentem e pensam ao mesmo
individual e suas implicações para o corpo uni- tempo (Borda, 1994, 1987, 2014) e que estão
ficado dessas instituições no espaço. em uma posição de vulnerabilidade na com-
Um dos investigadores tem laços fami- plexidade das relações sociais e econômicas
liares e de amizade com moradores de Bru- (Freire, 2001); reforça-se também a responsa-
madinho e ambos os pesquisadores, desde bilidade ética do pesquisador em garantir que
a tragédia-crime de 2019, em Brumadinho, essas pessoas sejam implicadas na pesquisa
se envolveram em lutas sociopolíticas no como sujeitos ativos e construtores de uma
município, tendo algumas dessas lutas en- práxis capaz de mobilizar suas potências no
trelaçamento com projetos de extensão e de cotidiano, que podem resultar em lutas eman-
pesquisa desenvolvidos por uma das univer- cipatórias (Freire, 2001; Pozzebon e Petrini,
sidades que orientou seus projetos para essa 2013; Borda, 1994,1987, 2014; Cunliffe, 2019).

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

Para complementar as informações ob-


Análise dos resultados
tidas, foi realizada uma pesquisa documental
em reportagens, relatórios técnicos, notas e
manifestos de grupos de atingidos; consulta
Itabira
a sítios eletrônicos de instituições locais e re-
gionais; e participação em audiências públicas. A cidade de Itabira está localizada no quadri-
A opção por diversas fontes de informação é látero ferrífero. Em razão de sua proximidade
fundamental para que os dados coletados pos- com a capital de Minas Gerais, alta oferta de
sam ser mais bem triangulados, aumentando a água e riquezas minerais entre ouro e minério
confiabilidade e a validade do estudo (Fusch e de ferro, as principais atividades econômicas
Ness, 2015). na cidade eram voltadas para a agricultura e
O contexto da pesquisa são as cidades também para indústrias, seja em fábrica de te-
de Itabira e Brumadinho; esta que, em 2019, cidos, explosivos e diversas fundições de ferro.
teve em seu seio uma das maiores tragédia- A exploração do minério de ferro era
-crime do setor de mineração brasileiro, com a mantida por uma empresa chamada Itabira
ruptura da barragem de rejeitos do Córrego do Iron, chefiada por engenheiros britânicos. Era
Feijão da corporação Vale. Já Itabira era uma comum, no estado de Minas Gerais, a forte
cidade que tinha vocação econômica agrícola, presença estrangeira para exploração mineral,
industrial, pela fundição de ferro e produção uma vez que era prática do governo estadual e
de tecidos, entretanto essas vocações foram nacional divulgar e anunciar as riquezas natu-
inviabilizadas devido à criação da Companhia rais locais para atrair investimento estrangeiro.
Vale do Rio Doce na cidade. Entretanto, durante a Segunda Guerra
Ambos os territórios têm sua maior ex- Mundial, o presidente do Brasil na época, Ge-
tensão geográfica composta por zona rural, túlio Vargas, fez um acordo com os proprietá-
além de serem cidades marcadas por desigual- rios e governos europeus para que a Itabira
dades socioeconômicas, possuírem comunida- Iron se tornasse uma empresa estatal, com a
des quilombolas e também registro de popula- prerrogativa de exportar o minério de ferro
ção indígena antes da chegada dos colonizado- para que os países em guerra pudessem fabri-
res. Devido ao histórico de exploração mineral car suas armas. Dessa maneira, foi fundada a
nos territórios, bem como diversas manifesta- Companhia Vale do Rio Doce.
ções de conflitos entre a população e o meio Esse movimento de nacionalização da
ambiente, analisamos, nas duas cidades, quais mineradora produziu alguns contrastes: au-
são as dinâmicas de governança e como a mentou-se a produção, ao mesmo tempo que
ideologia do desenvolvimento é utilizada para os trabalhadores se empenhavam sem receber
defender os interesses de cada ator presente salários. Com o aumento da produção, mais
no contexto. água, infraestrutura e mão de obra da cidade

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Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

de Itabira eram demandadas, o que acarretou Os técnicos da empresa tinham condi-


o fechamento das fundições de ferro e das fá- ções de moradia diferentes e melhores, fica-
bricas de tecido. vam situados em bairros mais afastados da
Consequentemente ao aumento de mina, com casas maiores, de arquitetura mais
produção, foram produzidas mais áreas de moderna, próximos ao centro comercial da
risco com barragens, poluição do ar e aciden- cidade e de clube recreativo específico, com
tes de trabalho, além de alojamentos em si- pouca ou nenhuma poluição de minério. Esse
tuações precárias, soterramento, inundação clube se chama Associação dos Técnicos Indus-
ou remoção de bairros, com vítimas ou não. triais da Vale (Ativa).
Diante de tanto impacto, principalmente pe- Não obstante, os engenheiros da minera-
lo atraso no pagamento de salários, algumas dora também tinham seus bairros específicos,
greves eram constituídas, mas silenciadas pe- porém, sendo os únicos condomínios fechados
lo exército do País. da cidade, no total de 3. Esses condomínios são
Nesse momento é importante destacar compostos por piscina térmica, quadras de tê-
os mecanismos institucionais que foram agen- nis e dois tipos de sauna diferentes. Ainda hoje
tes diretos da desigualdade na formulação do são as casas e os terrenos mais valorizados da
território: os operários da Vale eram pretos e cidade, embora um dos condomínios esteja si-
analfabetos, enquanto os diretores eram bran- tuado abaixo de uma das barragens da cidade.
cos e elitizados. Esse perfil de mão de obra A classe social dos comerciantes, herdei-
pode ser identificado, desde o início da explo- ros de senhores de escravos ou não, sempre
ração mineral, com picareta e transporte de foi o grupo que se ocupou da política itabirana,
carga com animais, até o uso de escavadeiras, reivindicando-se como descobridores da cida-
caminhões e correias transportadoras. de e tomando conta do processo de cuidado
Além dessa estrutura intraempresa, a do território desde que estivesse de acordo
cidade também foi moldada a partir do perfil com os seus interesses (Ferreira, 2015). Por
dos funcionários da mineradora: os operários essa razão, o clube social Clube Atlético Itabi-
moravam e ainda moram nos bairros em áreas rano proibia a associação de pessoas pretas,
de risco, próximos à mina, e eram e ainda são limitando-as somente no exercício de ofícios
despejados e reassentados de acordo com no clube, como porteiros ou faxineiros.
o interesse econômico da empresa, além de Desigualdades sociais, precarização da vi-
frequentarem um clube social feito para os da pública, impactos socioambientais negativos
operários, o “Valério”, cujo time de futebol, da mineração, além das críticas aos possíveis le-
“Valério Doce”, é o representante da cidade. gados do extrativismo, podem ser encontrados
Importante notar que a formulação do nome nas crônicas e poemas de Carlos Drummond de
é uma junção das palavras “Vale” e “Minério”. Andrade, também nascido em Itabira. O ceticis-
Coincidentemente ou não, a fronteira entre o mo ao modelo extrativista que produzia e ainda
clube e a estação de carregamento de miné- produz violência fez com que muitas pessoas
rio da mineradora é dividida por uma cerca, o da cidade ignorassem a figura do poeta, argu-
que faz com que o clube seja constantemente mentando que a mineração poderia fazer tudo
poluído por minério em suas dependências. em função da geração de empregos.

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

Na história da cidade, também houve sua dívida. Em entrevista ao jornal O Trem,


mais itabiranos que se preocuparam em pro- o ex-prefeito Jackson Tavares (Mendonça,
testar contra as más condições impostas pela 2019, p. 8), afirmou que “Uma elite itabirana
mineração, além de brigar por suas resoluções. se apropriou dos recursos do Fundesi. Ela é
Na década de 1980, a sociedade civil, composta mesquinha e é ela quem atrapalha o desenvol-
por profissionais autônomos, associações e po- vimento da cidade”.
der público, reuniram-se para discutir os pro- O fetiche industrial não é o único hori-
blemas ambientais de Itabira. Esses movimen- zonte na perspectiva itabirana. Na década de
tos originaram duas ações civis “contra a Vale 1990, instituiu-se a Fundação Comunitária de
em referência à poluição do ar, degradação am- Ensino Superior de Itabira (Funcesi), objetivan-
biental e destruições cênicas e históricas da ci- do a maior oferta de graduações para Itabira
dade” (Tubino, Devlin e Yap, 2011, p. 311), que e região. Em sua gênese, procurou focar no
até hoje não tiveram definição jurídica. desenvolvimento dos alunos e da comunida-
Nos anos 2000, a sociedade civil itabi- de. A educação como alternativa ganhou mais
rana reuniu-se para elaborar condicionantes impulso após a chegada da Universidade Fede-
para a licença para a Vale S/A operar. Essa par- ral de Itajubá (Unifei), que instalou um campus
ticipação em conjunto foi uma ação exemplar na cidade, ofertando 2.500 vagas para cursos
no processo de apropriação dos cidadãos so- de graduação.
bre o destino da sua própria cidade. Apesar do Entretanto, a maioria dos seus alunos
cumprimento de algumas condicionantes (3, 5, são oriundos de outros estados e a maior ofer-
4, 22-26, 14, 7, 36, 39, 40, 41, 49), a Vale abs- ta é de cursos para as áreas de engenharia. Até
teve-se de outras, como o cuidado com a água hoje, a Vale S/A investiu R$150 milhões nos la-
(condicionante 12) e cuidados com as áreas de boratórios e na infraestrutura da universidade
conservação e biodiversidade (condicionantes federal (Projeto, 2019). Infelizmente, essa não
34, 37, 38). Além disso, após investirem em é uma caraterística que produza autonomia pa-
infraestrutura social, como quadras e praças, ra a cidade e ainda contribui para a ampliação
não se preocuparam em realizar a manutenção da dependência, reforçando o nó que sufoca
nem capacitar a comunidade para tal, em vista Itabira, uma vez que grande parte da formação
que isso não reforça a saída para o desenvolvi- superior que a empresa apoia tem o intuito de
mento sustentável da cidade (ibid.). criar mão de obra para a própria mineradora.
Uma das alternativas para solucionar É importante destacar que a Vale desen-
a dependência econômica da mineração, e volve um programa de benefício interno que
com isso estabelecer uma responsabilidade custeia até 80% da mensalidade de um curso
horizontal, foi a criação do Fundo de Desen- superior para seus funcionários, desde que
volvimento Econômico de Itabira (Fundesi). a área de conhecimento esteja alinhada com
Tratava-se de uma concessão de terrenos e sua atividade dentro da empresa. Retomamos
empréstimos assegurados pela prefeitura para aqui o argumento de que essas práticas refor-
que empresários da cidade pudessem desen- çam o congelamento da cidade, reforçando
volver suas iniciativas. Foram contempladas a minério-dependência. Apesar de ser uma
76 empresas, das quais apenas 21 quitaram prática que promove a formação profissional,

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Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

esse investimento no quadro de funcionários Brumadinho


ainda não pode ser considerado uma ação de
desenvolvimento para a cidade, visto que con- Apesar de ser uma cidade com 40.000 habitan-
tinua centrado na empresa e no avanço de sua tes, é costumeiro ouvir da população que “Bru-
própria atividade, conforme denunciado por madinho são muitas”, sendo difícil generalizar a
Drummond, ainda em 1950, e revelado pelo população devido a sua diversidade geográfica,
jornal O Trem (Mendonça, 2019). étnica e histórica. Pelo IBGE, a cidade é dividida
Não só a indústria e a educação, mas a em oito Unidades de Habitação (UDH), sendo
saúde também foi apontada por Cunha e Gue- elas: 1) Antiga Senzala, 2) Casa Branca Rural, 3)
des (2017) como um catalisador de desenvolvi- Centro/Expansão Urbana, 3) Sede, 4) Retiro das
mento territorial, a partir dos estudos de Gui- Pedras, 5) Conceição de Itaguá, 6) Marinhos, 7)
marães (2017), uma vez que Itabira possui 380 Piedade do Paraopeba e 8) Tijuco. A identifica-
estabelecimentos da área. Além disso, a cida- ção por diferentes UDHs justifica-se, tendo em
de é referência em atendimento para distritos vista a distribuição do Índice de Vulnerabilida-
e cidades vizinhas, como Santa Maria, Bom Je- de Social (IVS) se dar de forma desproporcional
sus do Amparo, Itambé, Nossa Senhora do Car- no território: a região central e os condomínios
mo, São Gonçalo do Rio Abaixo e Passabém. possuem menor vulnerabilidade enquanto a
Cogitava-se que a Unifei abrangesse cursos de zona rural destaca precariedades de infraestru-
medicina, mas essa proposta não foi cumprida tura, capital humano e renda.
até o momento e não há indícios de que será Entretanto essa compreensão é apenas
executada em curto prazo pelo Ministério da uma das formas de entender a diversidade
Educação (MEC), assim como campanhas que da população local, composta de comuni-
surgiram com a promessa da instalação do dades tradicionais quilombolas e indígenas,
hospital da Confederação Nacional das Unida- agricultores, apicultores, artistas, movimentos
des Médicas (Unimed). de defesa do meio ambiente e valorização da
Até então, as iniciativas e as participa- vida, assentamentos de reforma agrária e gru-
ções populares para o desenvolvimento do pos de diferentes espiritualidades.
território itabirano mostraram-se parcialmente A busca por modos de vida diferentes da
satisfatórias, mobilizando grandes processos indústria extrativa sempre foi presente na ci-
decisórios e de alto impacto para a população, dade, seja pela vocação logística, seja pelo tu-
mas sem continuidade. A partir dos estudos de rismo, artes e agricultura (esta última se mani-
Tubino, Devlin e Yap (2011) foi possível iden- festando por meio de assentamentos de refor-
tificar que a mobilização social desencadeada ma agrária e pequenos e médios agricultores).
durante a elaboração das condicionantes não Ao mesmo tempo que existiam plantações de
se manteve, o que pode ser um fator para ex- café e de outras culturas, a atividade garimpei-
plicar o porquê de as iniciativas não terem sido ra marcada por contaminação ambiental e vio-
concluídas em sua plenitude. lência era presente (Dados da pesquisa, 2021).

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

Nos dias de hoje, ainda é possível iden- e tomar voz dos atingidos, levantando diversas
tificar contrastes na relação com a terra e com pautas e movimentando, o que pode ser cha-
pessoas no município: um deles manifesta-se mado “indústria da tragédia”.
por uma grande referência, como museu de
arte moderna que foi estabelecido em uma an-
tiga cava de extração de minério de ferro por
seus próprios donos. Entretanto, a mesma ini-
Acordos e reparação
ciativa encontra registros de grilagem de terra,
apropriação de patrimônios públicos, trabalho Os moradores de Brumadinho caracterizam
infantil e escravo, desmatamento ilegal, apro- que a tragédia de 2019 se manifestou em duas
priação de terras de agricultores e monoculti- ondas: a primeira onda do rejeito, causando
vo de eucalipto, que gerou escassez de água destruição socioambiental repentina e devas-
(Dados da pesquisa, 2021; Lara, 2018). tadora. A segunda é da reparação, lenta e que
Outro ponto de encontro entre agriculto- continua a perpetuação de violações de direi-
res e empresas extrativistas na região de Bru- tos humanos, principalmente com relação à
madinho pode ser identificado em um assen- participação no processo de reparação. Aos
tamento de reforma agrária que se estabele- atingidos não é dado espaço de fala e decisão
ceu nas áreas das empresas Comisa e MMX, nos projetos: são obrigados a aceitar acordos e
do empresário Eike Batista. ações estabelecidos por instituições de justiça,
Brumadinho era conhecida por ser uma governo do estado, assessoria técnica e Vale,
cidade de parada, ponto de encontro de co- que não os consultam e tampouco reparam os
merciantes para a logística cafeeira e de outros danos causados.
insumos agropecuários. A chegada da minera- Um dos projetos apresentados para os
ção fez com que todos os esforços de mão de agricultores na cidade no pós-rompimento
obra fossem alocados para a nova “vocação”. com articulação da Vale e poder público foi
Entretanto, a água também sempre foi foco de questionado e não avançou: os agricultores
debate na cidade, capitaneado pelo Movimen- alegavam que o projeto não forneceria uma
to Águas e Serras de Casa Branca. Além disso, rede de produtores e consumidores, não resol-
em 2019, uma barragem da Vale S/A rompeu- veria a dúvida sobre contaminação da água e
-se em Brumadinho, matando imediatamente terra, não forneceria investimento ou acesso
272 pessoas. a infraestrutura. Por fim, o questionamento
Esse crime foi impactante para toda a era: “Se nada fosse oferecido, o interesse das
população da cidade, que nos primeiros me- instituições era apenas em obter uma foto de
ses tinha dois objetivos: cuidar dos enlutados horta bonita?”.
e superar a dependência e relação que o terri- Outra ação oferecida pela Vale e por
tório tinha com a mineração (Dados da pesqui- outras instituições aos agricultores da cidade
sa, 2021). Além dos próprios moradores, um foi o de incentivo à plantação de flores. Essa
grande volume de movimentos sociais e pes- proposta não está em conformidade com as
quisadores adentrou o município para dar voz vocações e demandas dos produtores locais,

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Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

que questionaram o intenso uso de agrotó- Outras pessoas ainda chamam o projeto de
xicos na plantação de flores, por ser nocivo à “Engodoanel”, “Rodominério” ou “Rodocaos”,
saúde dos agricultores. Também há alta incer- alegando que essa proposta do rodoanel é
teza de mercado, uma vez que as flores são mais benéfica para o governo do estado, ad-
muito demandadas para eventos e, nesse con- quirindo caráter de obra eleitoreira, e que tam-
texto de pandemia e isolamento social, não é bém ela favorece o escoamento de minério da
possível realizar eventos. região, além do fato de que a serra perfurada
O acordo estabelecido entre governo de seria dotada de um minério de alta qualidade,
Minas Gerais e Vale, mediado pelo Ministério que seria direcionado às mineradoras.
Público e Defensoria Pública, foi celebrado O projeto do rodoanel ameaça perfurar
com louvores por essas instituições, definindo a Serra do Rola Moça, que cerca um bairro de
um valor de R$37,68 bilhões para a reparação Brumadinho. É uma área de preservação am-
do rompimento da barragem em 2019. A pro- biental, mas que é ameaçada com o retorno
posta do governo era de R$55 bilhões e a Vale de uma atividade mineradora no local. Sob o
almejava R$29 bilhões. Apesar de ser aponta- pretexto de descomissionar a barragem da an-
do como o maior acordo feito na América Lati- tiga mina da Mineração Geral do Brasil (MGB),
na para reparação e um dos maiores do mun- atendendo à recomendação e à permissão do
do, esse processo não contou com a participa- governo do estado após a tragédia de 2019 no
ção dos atingidos e a menor parte dos valores Córrego do Feijão, a referida mineradora vol-
será direcionada para Brumadinho (Bouças e tou às atividades na mina, transportando mi-
Goés, 2021). nério para ser vendido a outras empresas.
Um dos projetos que será mobilizado pe- Com monitoramento constante, mo-
lo governo de Minas Gerais é o da construção radores da região organizados em um grupo
de um rodoanel na Região Metropolitana de denominado Rola Moça Resiste denunciaram
Belo Horizonte. Dos custos de R$4,5 bilhões, a atividade ilegal, aos órgãos competentes do
R$3,5 seriam pagos pela Vale dentro da quan- governo do estado, que não se posicionaram
tia total do acordo. A alça sul do rodoanel é ou nada fizeram para que o procedimento fos-
uma das mais contestadas pela população e se interrompido. Apenas com intervenção de
por movimentos sociais, por prever impacto outras instâncias de justiça e órgãos federais
ambiental direto em serras, com perfurações foi possível que a MGB interrompesse a explo-
para túneis, e por terminar seu traçado afe- ração e o fluxo de caminhões constante nas
tando diretamente Brumadinho, passando por vias do parque.
cima de Casa Branca. Em Brumadinho, também é discutida,
Movimentos sociais em defesa do meio entre instituições locais e poder público, a
ambiente alegam que existem traçados alter- instalação de uma fábrica para incineração
nativos com menos impacto socioambien- de lixo hospitalar no distrito industrial da ci-
tal, inclusive que não precisem furar serras e dade (Dados da pesquisa, 2021). Entretanto,
áreas de preservação, nem passar por cima de essa proposta incide em um alto impacto am-
bairros e remover pessoas (Bernardes, 2021). biental para o território como um todo e para

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

comunidades vizinhas. Além do manejo de re- Brumadinho, movimentos sociais nacionais


síduos tóxicos, os gases emitidos são altamen- apropriam-se da narrativa dos atingidos para
te poluentes e a prática não é recomendada fortalecer sua imagem e captar recurso para
por especialistas (Cedefes, 2019). si mesmos. Instituições de justiça, governo do
estado e mineradoras também se apropriam
da tragédia para seus próprios interesses:
marketing, fortalecimento político, interesse
Considerações finais eleitoreiro ou de carreira com o estabeleci-
mento de grandes acordos financeiros, com
A realidade do pós-tragédia-crime em Brumadi- baixo impacto social.
nho denota que, mesmo havendo a atuação de Da mesma forma, em Itabira, uma série
diferentes organizações estatais, da sociedade de empresas de consultoria, projetos de de-
civil global, nacional e regional e consultorias e senvolvimento e inovação é apresentada, co-
empreendimentos privados, todas com o dis- piada e remanejada para a grande obtenção
curso que informa uma intencionalidade de re- de recursos. A cidade é vista como oportuni-
parar e reconstruir o território, ainda perduram dade de um case de sucesso para o fortaleci-
violações sistemáticas de direitos. Conforme mento de outras capacidades produtivas, com
já relatado em pesquisas semelhantes, após a articulações institucionais estaduais e nacio-
lama destruidora da vida, advinda da ruptura nais, envolvendo universidades, empresas e
das barragens de rejeitos, novas ondas de repa- câmaras de comércio.
ração multiplicam-se em territórios nos quais Entretanto, essa grande evidência no as-
a chamada “indústria da ajuda” se estabelece. pecto econômico acaba ofuscando do debate
E essas novas ondas trazem outras formas de outros problemas que a mineração continua
violações do direito de existir nesses territórios, causando no território: poluição do ar, escas-
mesmo sob o manto da proteção e da luta pe- sez de água, remoção de famílias em área de
los direitos dessas comunidades. risco das barragens e desigualdade social. Não
Paralelamente, os projetos de reparação obstante, as mesas de discussão e os processos
da tragédia lenta e anunciada em Itabira tam- de participação para os projetos que definem o
bém sinalizam para intensificação dos proble- rumo da cidade não são de familiaridade da so-
mas que deveriam ser solucionados, muito em ciedade civil nem das pessoas mais vulneráveis.
razão da baixa participação popular, que fica Além disso, algumas ações de repara-
vulnerável, uma vez que os processos de toma- ção, tanto nos pós-rompimento da barragem
da de decisão ficam a cargo da mineradora em em Brumadinho quanto para o preenchimen-
conluio com uma elite privilegiada do territó- to de buracos que a exaustação mineral cau-
rio, que opera para a manutenção do desen- sou no em Itabira, acabam por reforçar nos
volvimento de seus próprios privilégios. territórios aquilo que alerta Svampa (2019),
Um dos principais fenômenos é a cap- quando fala da complementaridade entre
tura do direito de fala por parte de organi- mercado e Estado na manutenção de ordens
zações e movimentos que antes não tinham desenvolvimentistas. Estes, em sua essenciali-
uma presença no cotidiano do território. Em dade, agridem, destroem e colocam em xeque

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Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias

o direito de viver, existir e resistir ao suposto antimercadorização da vida e dos corpos conti-
desenvolvimento advindo da modernidade nuam a existir e resistir nos territórios que têm
extrativista e mineradora. a mineração em sua história e memória.
Porém, potências também podem ser Os resultados da presente pesquisa in-
visualizadas, compreendidas e desveladas nos dicam que a minero-dependência, não pusilâ-
diferentes territórios de Brumadinho, desde nime em sua destruição, captura a manuten-
que, para tal, a pesquisa crítica, reflexiva e ção de sentidos, sentimentos e identidades
engajada de forma a se orientar mais radical- como dependente e fadada à mineração, fa-
mente para a centralidade, protagonismo e dada a se submeter à ideologia moderniza-
autonomia dos atores locais seja desenvolvida. dora e desenvolvimentista do extrativismo
Da mesma forma, comunidades tra- minerador. Mesmo sem conseguir avanços
dicionais e a população da cidade de Itabira decisivos na interação com o Estado e com
desenvolvem uma relação sustentável com a o mercado, formas com diferentes graus de
natureza e vivem seus modos de existir, geran- organicidade e múltiplos formatos de “gestão
do trabalho e renda sem ter relacionamento ordinária” têm conseguido romper barreiras
direto ou indireto com a mineração. A relação de invisibilidade dentro e fora do território,
sustentável está presente no crescimento do superar obstáculos históricos da cultura polí-
setor de gastronomia, agricultura, criação de tica brasileira na construção de lutas progres-
animais, abertura de lojas e prestação de ser- sistas e se contrapor à mineração como forma
viços. Entretanto, esse estabelecimento e dinâ- inexorável de viver, trabalhar, sobreviver e
mica não são visualizados pela mineradora ou progredir em um território.
pelas elites econômicas como algo válido pa- Espera-se que os achados da presente
ra a cidade, preferindo que sejam executados pesquisa, que ainda pretende colher mais fru-
projetos de desenvolvimento voltados a outros tos no futuro, com o avanço da história da pós-
modos de vida. -tragédia-crime em Brumadinho, possam ins-
No presente artigo, buscou-se o esforço pirar mais e melhores pesquisas nos estudos
reflexivo, postura epistemológica e metodoló- organizacionais, fortalecendo a importante
gica. Procurou-se desvelar diferentes formas agenda de pesquisa sobre desenvolvimentis-
de se organizar resistências e vivências no mo, extrativismo, mineração, pesquisa enga-
cotidiano dos diferentes territórios de Bru- jada, “gestão ordinária”, cotidiano e formas de
madinho (Carrieri, Maranhão e Murta, 2009; existência e resistência. O mais importante nos
Carrieri, Perdigão, 2014; Certeau, 1994). Ca- avanços dessa agenda de investigação é que os
da uma dessas formas de organizar a partir novos estudos também busquem, sem ideali-
de uma “gestão ordinária” (Carrieri, Perdigão zações e devaneios distantes da realidade de
e Aguiar, 2014) e do cotidiano indica, para a pesquisa e da economia política da construção
comunidade de pesquisadores em estudos de conhecimento, novos avanços nos saberes
organizacionais, que utopias antimineração, construídos a partir da autonomia, protagonis-
antidesenvolvimentismo, antigerencialismo e mo e centralidade dos atores locais.

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Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras

[I] https://orcid.org/0000-0001-6253-759X
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais,
Programa de Pós-Graduação em Administração. Belo Horizonte, MG/Brasil.
fredericodmq@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-7835-5851
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais,
Programa de Pós-Graduação em Administração. Belo Horizonte, MG/Brasil.
armindo.teodosio@gmail.com

[III] https://orcid.org/0000-0002-2653-7581
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento
de Psicologia. Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito. Belo Horizonte, MG/
Brasil.
alfreitasdiasufmg@gmail.com

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Texto recebido em 17/ago/2021


Texto aprovado em 17/jan/2022

668 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos
hidrológicos em São Paulo
Urbanization and management
of hydrological risks in São Paulo
Afonso Celso Vanoni de Castro [I]
Angélica Tanus Benatti Alvim [II]

Resumo Abstract
Este artigo discute os riscos hidrológicos do mu- The article discusses hydrological risks of the city
nicípio de São Paulo como uma construção his- of São Paulo as a historical and social construc on
tórica e social resultante de um planejamento da deriving from an urbanization planning that
urbanização que desconsiderou as dinâmicas hi- disregarded the hydrological dynamics, did not
drológicas, não previu espaço para as populações provide space for vulnerable popula ons, favored
vulneráveis, privilegiou a mobilidade, a expansão mobility and urban expansion, and increased
e a valorização fundiária. Apoia-se em fontes indi- land value. It is supported by indirect sources
retas (leis, teses e ar gos acadêmicos) e discute o (laws, theses, academic ar cles) and discusses the
Sistema Municipal de Defesa Civil à luz dos marcos Municipal Civil Defense System in the light of current
vigentes e dos entes responsáveis pela gestão de frameworks and en es responsible for managing
riscos de desastres naturais. A gestão de riscos é risks of natural disasters. Risk management is
tratada como questão emergencial, subordinada à treated as an emergency issue, subordinated to
Secretaria Municipal de Segurança. Com uma es- the Municipal Security Department. With a fragile
trutura frágil, sem elementos básicos, desdenha structure that lacks basic elements, it disdains
seu passivo histórico e ambiental e expõe o its historical and environmental liabilities and
afastamento do Estado sob a ação das políticas exposes the State’s withdrawal under the ac on of
neoliberais. neoliberal policies.
Palavras-chave: São Paulo; urbanização; fundos de Keywords: São Paulo; urbaniza on; valley bo oms;
vale; planejamento urbano; polí cas públicas. urban planning; public policies.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5410 Crea ve Commons Atribu on
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

Introdução de suas bacias alteraram o ciclo hidrológico da


cidade. Por essa razão, ao longo do tempo, a
capacidade instalada pelo escoamento super-
O projeto de industrialização da economia e ficial foi superada, expondo a população pau-
a rápida urbanização da cidade de São Paulo, listana a frequentes inundações (Seabra, 1987;
no início do século XX, transformaram a fisio- Franco, 2005; Castro A., 2020).
grafia e as paisagens fluviais para geração de Planos e políticas públicas, inspirados no
energia e saneamento urbano. Grandes obras ideário higienista, não adotaram as bacias hi-
desviaram e represaram as águas dos princi- drográficas como unidades de planejamento,
pais rios para geração de energia hidrelétrica desconsiderando as dinâmicas hidrológicas e
e abastecimento, enquanto as canalizações e sistêmicas desse território. De certa forma,
retificações de seus leitos garantiram fluidez o planejamento da cidade contribuiu para
e velocidade para carregar o esgoto e a dre- a ocupação de áreas impróprias, ampliando
nagem urbanos. Rios e córregos foram trans- as inundações que, em um círculo vicioso, se
formados em componentes do sistema de in- agravavam com a contaminação das águas, em
fraestrutura urbana (Travassos, 2010; Alvim et face da implantação incompleta das infraestru-
al., 2006; Castro A., 2020). turas de saneamento, especialmente a ausên-
O modelo de urbanização apoiou-se no cia do tratamento de esgotos e de uma gestão
trinômio “canalização dos leitos fluviais, cons- inadequada dos resíduos urbanos (Rutkowski,
trução de sistemas de infraestrutura sanitária 1999; Alvim, 2003; Santos, 2004; Franco, 2005;
e implantação de sistemas viários em suas Travassos, 2010).
margens”, e induziu a ocupação de extensas Esses conflitos provocados pela ocupa-
áreas de fundo de vale na cidade. Esse mode- ção dos vales fluviais transcenderam as ques-
lo atendeu às demandas sanitárias e hidroló- tões ambientais, pois os planos e projetos
gicas, como também de transporte, alinhadas de urbanização de São Paulo, até meados do
ao tão desejado desenvolvimento urbano (Tra- século XX, não contemplaram um lugar para
vassos, 2010; Anelli, 2007). Além de propiciar as populações pobres atraídas pelas oportu-
a transposição dos vales fluviais, por meio do nidades apresentadas pelo capital industrial.
aterramento das várzeas inundáveis, a im- Sem opção de moradia, passaram a ocupar
plantação de infraestrutura urbana valorizou áreas ambientalmente frágeis, em margens
o solo, estimulando a ocupação urbana. Tais inundáveis ou encostas íngremes que resta-
áreas, dotadas de valor, foram capturadas para ram desocupadas por serem inadequadas à
operações imobiliárias, expandindo a urbani- urbanização (Travassos, 2010; Alencar, 2017;
zação sobre o espaço natural das águas. Po- Castro A., 2020).
rém, essas águas retornam nos ciclos periódi- Trata-se, portanto, de uma construção
cos de cheias, provocando inundações, em um social que criou as condições para o aumento
processo que se agravou, com a ampliação da das enchentes e das inundações e promoveu
expansão urbana. O intenso uso do solo urba- o crescimento dos assentamentos precários,
no, a retificação e a canalização dos rios princi- expondo milhares de pessoas aos desastres
pais, e seus afluentes, e a impermeabilização hidrológicos, à contaminação e à escassez

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

hídrica. Tal quadro constitui, atualmente, um Da mesma forma, a presença dessas empresas
dos maiores passivos socioambientais, não só influenciou a consolidação dos cânones da en-
de São Paulo, mas de diversas cidades do mun- genharia sanitária brasileira.
do, em especial das cidades brasileiras. No Brasil, o tema Água é regulamentado
Muitos autores alertam para o quadro pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988)
de deterioração e os impactos pelos quais os como competência da União e ordenado pe-
rios urbanos vêm passando, causados pela ex- lo Sistema Nacional de Gerenciamento de
pansão do adensamento populacional e pela Recursos Hídricos (Singreh) com instrumentos
impermeabilização das superfícies das cida- de comando e controle (planos de bacia, autori-
des, levando a um ponto de virada, na aborda- zação para captação e uso da água, classificação
gem da gestão de águas pluviais urbanas. Aler- dos cursos de água e sistemas de informação).
tam, igualmente, para o crescimento das crises Trata-se de um sistema que adota incentivos
hídricas que afetam milhões de pessoas em econômicos para o uso “racional” dos recursos
zonas urbanizadas (Spirn, 1995; Hough, 1995; hídricos (cobrança pelo uso da água e com-
Riley, 1998; Delijaicov, 1998; Rutkowski, 1999; pensações financeiras). No entanto, o Estado
Alvim, 2003; Higueras, 2006; Travassos, 2010; abstém-se de investimentos diretos, transferin-
Gorski, 2010; Schutzer, 2012; Kahtouni, 2016). do a responsabilidade para agentes privados,
A partir de 1980, com a economia glo- sem uma participação social ampliada. Mesmo
balizada, a sustentabilidade e a economia dos a criação, nos anos de 1990, das agências regu-
recursos naturais passaram a ser pauta de po- ladoras, responsáveis pela gestão e fiscalização
líticas públicas em todo o mundo. Iniciaram-se dos agentes públicos sobre as empresas conces-
ações e investimentos no planejamento e em sionárias, não foi precedida por uma discussão
obras de recuperação dos rios, com o objeti- sobre o modelo de regulação. Discutiram-se,
vo de salvaguardar a sustentabilidade hídrica primeiro, as leis e depois os conceitos. Isso afas-
e resgatar as qualidades socioambientais da tou as agências da dinâmica política e ampliou
convivência das populações e das paisagens o espaço do mercado, substituindo a burocracia
fluviais (Alencar, 2017; Kahtouni, 2016). Essas estatal pela privatização da oferta de serviços
ações evidenciaram que os modelos adotados públicos (Rossi e Santos, 2018).
pela engenharia hidráulica tradicional estavam Este artigo busca discutir as fragilidades
falhando e criando uma série de problemas do sistema de gestão de riscos hidrológicos
nas metrópoles. operado pelos agentes públicos na cidade de
O saneamento e a geração de energia São Paulo, associando-as a um modelo de ur-
no Brasil foram sempre subordinados às ten- banização adotado pelo planejamento urbano
dências e aos interesses de empresas privadas e a um processo de produção do espaço urba-
de vários países que investiram nos setores no que não respeitou as dinâmicas hidrológicas
de serviços básicos dos sistemas de esgotos, e não determinou lugar para as populações
ferrovias, companhias de gás e de eletricida- vulneráveis. A pesquisa, fruto de uma tese de
de, telégrafos e telefones, transporte urbano, doutorado (Castro A., 2020)1 que emprega uma
companhias de navegação e obras públicas abordagem histórica, se apoia em investigação
(Castro C., 1979 apud Gomes e Barbieri, 2004). documental e indireta, para verificar a hipótese

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

de que, no processo de urbanização, de pla- políticas urbanas na cidade de São Paulo. Ape-
nejamento e de gestão do espaço urbano de sar da existência de mecanismos adequados
São Paulo, residem as causas dos conflitos de planejamento urbano previstos e existentes
socioambientais que expõem sua população, nos arcabouços legais que ordenam a ocupação
especialmente as camadas mais pobres, a ris- do solo, a gestão de riscos na maioria das vezes
cos hidrológicos. Tem como pressuposto que é relevada a segundo plano e/ou subordinada
o Estado, ao privilegiar o uso das águas de aos interesses privados de exploração fundiária
muitos dos seus rios para a geração de ener- a serviço do transporte individual.
gia e apagar da paisagem outra parcela de
seus cursos d’água, substituindo-os por infra-
estrutura viária, contribuiu para promover as
Gestão de riscos
transformações geomorfológicas e alteração
das dinâmicas hidrológicas de suas bacias
e o planejamento urbano:
hidrográficas e sujeitou-se aos interesses uma abordagem integrada
dos investidores e do capital privado e imo-
biliário, eximindo-se da responsabilidade de De acordo com o relatório anual do Centre for
conduzir a construção de uma cidade plural, Research on Epidemiology of Disasters (Cred,
prevendo espaço para todos os segmentos 2020) para o ano de 2019, as inundações e as
de sua população. tempestades foram os desastres naturais que
Este artigo estrutura-se em três partes. mais causaram mortes e prejuízos financeiros
Na primeira, explora as relações entre os desas- em todo o mundo.
tres naturais, os processos de urbanização ado- No Brasil não existe programa sistemáti-
tados pelo planejamento urbano e a gestão de co de controle de enchentes que envolva seus
riscos, à luz de conceitos fundamentais sobre o diferentes aspectos (Tucci, 2007). A Secreta-
tema, sintetizando dados sobre os riscos hidro- ria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
lógicos no País. Na segunda parte, apresenta (SRHU), ligada ao Ministério do Meio Am-
uma análise do arcabouço legal do sistema de biente, define normas e instrumentos para a
gestão de riscos no Brasil e na cidade de São gestão sustentável das águas no meio urbano
Paulo, com suas atribuições e competências, com desenvolvimento de baixo impacto, cen-
analisando as fragilidades desse sistema no to- trado na prevenção de inundações, de manei-
cante ao suporte material e de dados e, em es- ra a evitar a perda de vidas e de patrimônio.
pecial, pela desarticulação com outros setores, Recomenda o aperfeiçoamento de soluções de
exclusivamente com caráter de atendimento projeto para a drenagem urbana e o estímulo a
emergencial. Por fim, nas considerações finais formas inovadoras de sistemas de drenagem; a
evidencia-se a persistência dos paradigmas do renaturalização de rios e de córregos; e a cria-
higienismo em relação aos rios e sua submissão ção de Parques Fluviais para conter a ocupação
aos traçados que priorizam a mobilidade dos das Áreas de Preservação Permanente (APP),
automóveis, como também a permanência de ripárias e de várzeas. Porém não apresenta um
uma distribuição espacial injusta das popula- programa ou um plano de ação, transferindo
ções, mesmo quando apoiadas por ações das tal atribuição aos municípios.

672 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Pesquisa conduzida pelo Centro Nacio- várzeas, fundos de vale e mananciais de


nal de Monitoramento e Alertas de Desas- abastecimento, e promove a segregação socio-
tres Naturais (Cemaden, 2019) e publicada, espacial de populações vulneráveis (Mello e Ri-
também, em 2019, indica que a região Su- bas, 2004 apud Scolaro, 2012; Castro A., 2020).
deste concentrou, no ano de 2018, a maior
quantidade de áreas de risco de inundações
e deslizamentos mapeadas do Brasil (Saito et A urbanização de fundo de vale
al., 2019). Por apresentar as mais altas taxas em São Paulo e o predomínio
de densidade demográfica do País, é de se das lógicas setoriais
supor que resultou em um maior número de
pessoas afetadas por desastres naturais du- Muitos estudos foram produzidos com análises
rante o período analisado. do modelo de urbanização em fundos de vale,
A pesquisa caracterizou, também, o indicando a necessidade de se regrar e norma-
perfil da população mais afetada, de acordo tizar a ocupação urbana, a partir de uma abor-
com os dados de situação econômica. Identi- dagem integrada e sistêmica, entendida como
ficou que 36% das pessoas expostas viviam em a única maneira de redução de conflitos, pre-
domicílios com renda per capita de até meio juízos e perdas humanas, como ocorrem todos
salário-mínimo; sendo esta a situação presen- os anos (Tucci e Bertoni, 2003; Tucci, 2007; Al-
te em 20% dos municípios analisados. Consta- vim et al., 2006; Gorski, 2010; Travassos, 2010;
tou, ainda, que 71% da população exposta na Alencar, 2017; Pellegrino, 1995). Mesmo os
região Sudeste estaria vivendo em 38 municí- marcos doutrinários da Política Nacional de
pios das regiões metropolitanas de São Paulo, Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) consideram
Rio de Janeiro e Belo Horizonte, totalizando essencial a articulação intersetorial na gestão
2.583.705 pessoas (ibid., 2019). dos agentes da administração pública, com
Os dados oriundos dessa importante uma abordagem integrada entre o planeja-
pesquisa revelam os efeitos dos processos mento e a gestão do uso do solo urbano.
sociopolíticos que envolvem as populações A cidade de São Paulo, por ter sido im-
urbanas em desastres naturais; das ações an- plantada em uma região extremamente irri-
tropogênicas intensificadoras das mudanças gada e chuvosa, teve que aprender a conviver
climáticas até a vulnerabilidade e a exposição com os episódios de enchentes desde a sua
de pessoas como consequência das políticas fundação, especialmente a partir de meados
territoriais urbanas. Tais efeitos são reflexos do século XIX, quando se expandiu, impul-
do modelo de urbanização que adota uma sionada pela força da economia agrícola ex-
visão mecanicista e desconsidera a diversida- portadora de café. Nesse período, valendo-se
de dos sistemas naturais, elimina bosques e das condições topográficas, as ferrovias foram
zonas úmidas, consome excessivamente re- implantadas nos fundos de vale, estimulando
cursos naturais, alterando e transformando também a urbanização dessas regiões (Fran-
a paisagem com a ocupação urbana de áreas co, 2005). As alterações impostas à fisiografia
ambientalmente frágeis, como mangues, natural dessas áreas e sua ocupação fizeram

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

com que as enchentes se transformassem em Até antes de meados do século XIX, a re-
inundações, que passaram a se configurar um de de águas superficiais formada pelos rios e
problema complexo a ser enfrentado na ges- córregos de São Paulo era utilizada sem quais-
tão territorial das áreas urbanas. quer obras de infraestrutura. As demandas do
Estudos, planos, projetos e obras de crescimento da cidade naquele período exigi-
controle de enchentes e inundações passa- ram intervenções relacionadas ao abastecimen-
ram a ser uma preocupação recorrente dos to de água e saneamento, passando por contro-
gestores públicos desde meados do século le de enchentes e geração da energia elétrica
XIX; e investimentos foram consumidos desde necessária à industrialização (ibid., 2005).
então. Somam-se 172 anos desde as primeiras Para garantir o abastecimento de água e
obras de retificação do rio Tamanduateí na o controle das inundações dos três principais
gestão do prefeito João Teodoro, em 1848, até rios da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê 2 –
os dias de hoje; porém a relação entre o clima, Tietê, Pinheiros e Tamanduateí – os gesto-
as águas e a urbanização vem sendo tratada res públicos empreenderam, entre o final do
de forma imprevidente, tanto no planejamen- século XIX e o primeiro quartel do século XX,
to quanto na gestão, na cidade de São Paulo obras de represamento de alguns contribuin-
(Travassos, 2005). tes de menor porte, especialmente do rio

Figura 1 – Mapa esquemá co do sistema de represas em São Paulo


no primeiro quartel do século XX

Fonte: Franco (2005).

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Tietê, como também a retificação do Taman- foram empreendidas pela São Paulo Tramway,
duateí, na região do Glicério (Kahtouni, 2004; Light & Power, empresa canadense respon-
Campos, 2001; Reis Filho, 2004). sável pelos serviços de bonde e geração e
A partir do século XX, a geração de ener- distribuição de energia elétrica (Melo, 2001;
gia elétrica também se apropriou das águas Kahtouni, 2004).
represadas e demandou grandes obras, como As obras de retificação dos leitos gera-
a retificação dos leitos dos rios Tietê – no pe- ram a necessidade de saneamento das várzeas
ríodo entre 1950 e 1960 – e do Pinheiros – de dos rios para sua utilização na implantação de
1928 até 1950 (Pessoa, 2019) – para garantir infraestruturas urbanas e para a ocupação ur-
volume e velocidade de escoamento direcio- bana de seus vales inundáveis. Tais interven-
nados para as represas situadas na região sul ções, empreendidas para que se garantissem
do município, para serem encaminhadas pelas usos múltiplos para as águas, criaram um sis-
escarpas da Serra do Mar até a Usina de Cuba- tema complexo, com características e necessi-
tão situada no litoral paulista. Essas obras dades específicas.

Figura 2 – Obras de re ficação do rio Pinheiros em 1930

Fonte: Fundação Energia e Saneamento (2020).

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

No entanto, se, em suas condições natu- Mas essas grandes transformações não se
rais, essas bacias hidrográficas tinham um regi- restringiram aos rios e suas bacias; envolviam
me de drenagem eficiente, com ciclos de inun- também modificações nas estruturas do relevo
dações ocupando grandes extensões dos vales, original desse território.
nutrindo o solo e alimentando as nascentes de Ab’Saber (2004) explica que, por estar si-
sua ampla rede hídrica, com as intervenções tuada na confluência dos vales fluviais dos rios
sofridas, seus regimes hídricos se desestrutu- Tietê e Pinheiros, a região onde se estabeleceu
raram (Castro A., 2020; Seabra, 1987). São Paulo tem, como característica de seu rele-
Paradoxalmente, as obras de represa- vo, o predomínio do Espigão Central, em cujo
mento, executadas com a finalidade de mo- topo se localiza a avenida Paulista. A configura-
ver as usinas de geração de energia, acaba- ção de seu relevo formou patamares interme-
ram por agravar os problemas das enchentes diários, entre os fundos de vale e as cotas mais
e das inundações, atingindo áreas em que, altas, que foram apropriados para implantação
até então, esses conflitos entre as águas e a de avenidas para promover um trânsito inter-
urbanização ainda não eram percebidos (Sea- no, por antigos caminhos transformados em
bra, 1987; Beiguelman, 1995; Segatto, 1995). avenidas radiais importantes.

Figura 3 – Túnel da avenida 9 de Julho em construção, com o Belvedere Trianon, 1939

Fonte: foto de B. J. Duarte, em São Paulo em Preto e Branco (2020).

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Pelo fato de as altas colinas das ver- um terço atendida pela rede de esgotos. Entre
tentes do Espigão Central representarem um meados da década de 1960 e início de 1980
obstáculo a ser vencido pelos arruamentos, houve um grande debate público envolvendo
dificultando o acesso para os bairros que se as questões de abastecimento e saneamento
implantaram ao sul, nas proximidades das pla- (Travassos, 2005; Alencar, 2017). Data desse
nícies do rio Pinheiros foi proposta como solu- período a construção das barragens de Paiva
ção para os problemas de circulação interna a Castro e Águas Claras na bacia do rio Juqueri,
utilização as calhas dos afluentes dos rios Tietê conformando a primeira fase de implantação
e Pinheiros, por meio da construção de aveni- do Sistema de Abastecimento de Água Canta-
das de fundo de vales e a construção de túneis reira, 4 que reverteu parte das águas da bacia
como na avenida Nove de Julho (ibid.). hidrográfica Piracicaba. Apesar de a implanta-
Travassos (2005) analisa as principais ção do Sistema Cantareira suprir, já naquele
propostas urbanísticas para São Paulo, rela- momento, grande parte das necessidades de
cionadas aos rios urbanos e suas várzeas, em abastecimento de água da Grande São Paulo,
duas fases distintas: a primeira fase, de mea- região que vinha crescendo em ritmo bastante
dos do século XIX ao início da década de 1930, acelerado, sua lógica era energética, tal qual
envolve a etapa de saneamento das várzeas foi a construção dos reservatórios Guarapi-
dos principais rios para a expansão da cidade, ranga (1907) e Billings (1925). Segundo Silva
garantindo a salubridade e o embelezamento (2002, p. 284), “as águas importadas da Bacia
urbano; a segunda fase, pós-1930, indica como do Piracicaba, depois de utilizadas no abaste-
o crescimento demográfico da cidade exerceu cimento urbano, seriam lançadas na Bacia do
grande pressão na urbanização de novas áreas, Alto Tietê e agregariam uma vazão próxima
apoiada pela construção de sistema viário. Pa- a 30m 3/s canalizada através do Pinheiros em
ra a autora, é na segunda fase que se consolida direção à vertente oceânica”, alimentando, as-
o modelo de ocupação das várzeas dos rios da sim, o reservatório Billings.
cidade pelas chamadas avenidas de fundo de Nessa ocasião, a solução da canalização
vale, idealizado e consagrado pelo Plano de de rios e córregos, com a construção de aveni-
Avenidas de 1930.3 Tais avenidas foram cons- das marginais (avenidas sanitárias), tornou-se
truídas nas décadas seguintes, estendendo-se hegemônica para os cursos d’água na cidade
até os anos 1970. de São Paulo, com investimentos do Estado e
da União em programas de saneamento. Pa-
radoxalmente, os planos urbanísticos incor-
O planejamento urbano poravam as questões de transporte e sanea-
em São Paulo: as questões mento, mas não contemplavam nenhuma
ambientais e os sistemas hídricos diretriz de drenagem. Outro contrassenso era
em relação ao fato de as obras de implantação
Nos anos 1960, a condição de abastecimento do sistema viário localizadas em vales fluviais
de água e de esgotamento sanitário de São também não atenderem a nenhum plano geral
Paulo atingiu níveis críticos, com metade da de mobilidade (Travassos 2010; Alencar, 2017;
população sem acesso a água potável e apenas Castro A., 2020).

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Em paralelo, entre os anos de 1970 e sistemas de drenagem, de abastecimento de


1980, São Paulo vivenciava uma rápida expan- água, de esgotamento sanitário e de coleta de
são demográfica em direção às regiões peri- lixo, analisadas de forma integrada e associada
féricas. Áreas desprovidas de infraestrutura aos sistemas viários, promovendo uma revisão
básica passaram a ser ocupadas por loteamen- do conceito de drenagem, da abordagem ex-
tos irregulares e favelas situados em áreas am- clusivamente hidráulica do rápido escoamento
bientalmente frágeis, como áreas de fundo de superficial e transposição dos pontos de alaga-
vale e de proteção dos mananciais, consolidan- mento, para conceitos de sistemas integrados
do a estreita relação entre os passivos ambien- a planos de drenagem e saneamento e de uso
tal e habitacional (Pasternak, 2010). Para Alvim e ocupação do solo (Travassos, 2005). Data
et al. (2006), o período que vai de 1950 a 1970 também desse período a instituição da Lei de
corresponde à metropolização de São Paulo e à Proteção aos Mananciais – LPM (leis estaduais
intensificação dos conflitos entre o crescimen- n. 898, de 1975, n. 1.172, de 1976, e decreto
to econômico, a sociedade e o meio físico. A estadual n. 9.714, de 1977) que buscou disci-
implantação de um complexo sistema rodoviá- plinar o uso do solo das áreas de mananciais
rio em associação ao intenso fluxo migratório de interesse da região metropolitana, impondo
advindo de diversas regiões do País em busca restrições ao parcelamento e uso de ocupação
de oportunidades de trabalho nos setores se- do solo e infraestrutura de saneamento para
cundário e terciário intensifica o movimento 53% da RMSP como forma de controle urbano.
populacional em direção às áreas periféricas e Nos anos 1980, a empresa elaborou um
mais frágeis e contribui para o acirramento dos Plano Global de Drenagem, de caráter preven-
problemas ambientais. No início dos anos de tivo e normativo, para assegurar uma ocupa-
1950, a população do município de São Paulo ção adequada em bacias ainda não completa-
era 2.155 milhões de habitantes e somavam- mente urbanizadas. Na mesma época, o Daee
-se cerca de 500 mil habitantes nos municí- lançou um manual de Drenagem Urbana ali-
pios vizinhos. Em 1980, o Censo Demográfico nhado aos mesmos princípios, que se refere
do IBGE aponta o município de São Paulo com explicitamente a parques lineares como uma
9.646.185 habitantes e a Região Metropolitana solução para os problemas de drenagem, pro-
de São Paulo (RMSP) com 12.549.856 habitan- pondo uma “compatibilização entre planeja-
tes. As taxas demográficas da década de 1970 mento urbano e planejamento de drenagem,
indicam as distintas dinâmicas do município- preservação de águas pluviais à montante e
-sede em relação aos demais municípios da manutenção das várzeas com parques linea-
RMSP: enquanto a população da capital cres- res” (Travassos, 2005, p. 74).
cia a 3,7% ao ano, a população residente, nos Passaram, então, a ser consideradas
demais municípios da RMSP, aumentava a uma outras soluções associadas aos usos do so-
taxa de 6,4% (Pasternak, 2010). lo e aos tipos de ocupação nas áreas sujei-
Em 1975, a Empresa de Planejamento tas a enchentes, promovendo uma revisão
S/A (Emplasa), autarquia do governo estadual conceitual e na forma de atuação com relação
de São Paulo encarregada do planejamento aos cursos d’água, drenagem e combate às
metropolitano, propôs diretrizes gerais aos enchentes. Esse questionamento conduziu a

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

uma revisão do ideário da canalização de rios hídricos para o planejamento urbano, ao de-
e córregos, como forma hegemônica de ação terminar uma leitura e articulação das políticas
pública (ibid.). de urbanização em quatro redes estruturais,
Porém, esses conceitos não influencia- sendo uma delas a rede hídrica (Figura 4). Com-
ram as ações e não se refletiram imediata- posta pelos rios, córregos e talvegues, a rede
mente no planejamento urbano em São Paulo. hídrica deveria receber intervenções urbanas
Prova disso é que, enquanto planos e comitês de recuperação ambiental, drenagem, recom-
eram organizados para discutir as questões do posição da vegetação e saneamento, para pro-
planejamento do uso do solo e a gestão das mover absorção, retenção e escoamento das
águas urbanas, a Prefeitura, em 1987, coloca- águas e a interrupção do processo de imper-
va em ação o seu Programa de Canalização de meabilização do solo. Assim, esta foi articulada
Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo a um conjunto de elementos integradores – ha-
de Vale (decreto n. 23.440, de 16/2/1987). bitação, equipamentos sociais, áreas verdes e
Esse programa passou, desde então, por re- espaços públicos – que tinham como objetivo
configurações, sendo modificado pelo decreto de promover “a reconciliação da cidade com
n. 32.995 (12/2/1993) passando a se chamar seu território natural” (Tripoloni, 2008, p. 196).
Programas de Canalização de Córregos, Im- A articulação das políticas ambientais e
plantação de Vias e Recuperação Ambiental e de desenvolvimento urbano foi determinada
Social de Fundos de Vale – Geprocav, subor- por uma divisão territorial em duas macrozo-
dinado à Secretaria de Infraestrutura Urbana, nas: uma de proteção ambiental, composta
com os objetivos de promover e implantar a das áreas de mananciais protegidas ao sul e ao
canalização de córregos, implantação de vias, norte do município; e outra de estruturação e
incluindo a recuperação ambiental e social de qualificação urbana, onde a urbanização esta-
fundos de vale, mas ainda com ações muito va consolidada, subordinada aos planos regio-
restritas, mais afeitas ao tratamento das infra- nais das subprefeituras, de modo a contemplar
estruturas urbanas (Castro A., 2020). e responder às diversidades de cenários exis-
Sob a influência do protagonismo das tentes no território da cidade. Ocorre que nas
questões socioambientais que predominaram regiões onde se situava a macrozona de estru-
a partir dos anos 1990 na escala global e, nos turação e qualificação urbana, estavam todos
anos 2000, no Brasil, pelo recém-publicado os vales fluviais, sendo boa parte antropizada,
Estatuto da Cidade (Lei Federal 10257/2001), ocorrendo aí os conflitos entre sua ocupação e
o planejamento urbano em São Paulo incor- as inundações (Castro A., 2020).
porou novos parâmetros, adotando conceitos Para tanto, o PDE propôs criar um Pro-
de direito à cidade e da função social da pro- grama de Recuperação Ambiental de Cursos de
priedade; assim como incorporando políticas Água e Fundos de Vale, como um conjunto de
sociais participativas e trazendo as questões ações coordenadas pela Secretaria Municipal de
ambientais como pautas públicas (ibid.). Planejamento (Sempla), pela Secretaria Munici-
O Plano Diretor Estratégico de 2002 (PDE pal do Meio Ambiente (SMMA) e pela Secretaria
2002 – lei municipal n. 13.430, de 13/9/2002) Municipal de Habitação (Sehab), com a partici-
trouxe a questão ambiental e dos recursos pação das comunidades e da iniciativa privada.

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Figura 4 – PDE 2002 Rede Hídrica Estrutural

Fonte: São Paulo – Prefeitura Municipal de São Paulo (2020a).

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Esse Programa pretendia recuperar implantação dos parques lineares não conside-
áreas degradadas, promover o reassentamen- rava, como parâmetros, as áreas de maior risco
to das populações que viviam em áreas vulne- hidrológico nem inseria as manchas de inunda-
ráveis às margens de rios e córregos, melhorar ção, mesmo porque o município ainda não con-
o sistema viário local, promover ações de sa- tava com um plano de drenagem.
neamento ambiental e localizar os equipamen- O Programa Córrego Limpo, instituído
tos sociais nas proximidades dos parques (Tra- em 2007, em parceria entre a Prefeitura Mu-
vassos e Schult, 2013). nicipal e a concessionária Sabesp, tem como
O PDE 2002 incorporou o conceito de objetivo ampliar a despoluição das águas das
parque linear como uma de suas principais bacias do município de São Paulo. Reconhe-
estratégias para atender, simultaneamente, às ceu que, mesmo em bacias hidrográficas que
demandas urbanas e conviver com cheias pe- tiveram implantação completa de rede de es-
riódicas nessas regiões. Com uma abordagem gotamento sanitário, permaneceu algum nível
multifuncional, a estratégia de implantação de poluição nos rios, pelo lançamento clandes-
dos parques lineares, no PDE 2002, tencionou tino de esgoto, pela disposição inadequada de
envolver várias pastas da gestão pública em resíduos sólidos, pela falta de manutenção da
sua implementação. Esteve presente em pla- rede de coleta de esgoto ou descontinuidades
nos e programas elaborados desde 2002, re- temporárias, em razão da execução de obras
lacionado às questões de proteção ambiental, (Travassos e Schult, 2013; Castro A., 2020).
de acesso às áreas verdes e de lazer, de sanea- Apoiado na implantação de parques lineares,
mento e drenagem e de habitação, como no o Programa trouxe como contribuição, do
Programa 100 Parques para São Paulo, no Pro- ponto de vista conceitual, o reconhecimento
grama de Recuperação Ambiental de Cursos de que “ao lado das obras estruturais, devem
D’água e Fundos de Vale (Córrego Limpo) e ser consideradas as ações operacionais, como
no Plano Municipal de Saneamento Básico de eliminação de conexões clandestinas, manu-
São Paulo e no Programa de Urbanização de tenção e programas de educação ambiental”
Favelas (Travassos e Schult, 2013). (Travassos e Schult, 2013, p. 301) compondo
O Programa 100 Parques, criado em um conjunto medidas não estruturais que,
2005, implantou 56 novos parques, atingindo articulado com os sistemas convencionais de
um total de 90 parques municipais, contabili- drenagem e saneamento, é mais efetivo para a
zando 34 anteriormente existentes (São Paulo, gestão das águas urbanas.
2012). Consolidou a adoção do conceito de par- Esse programa, em operação desde
ques lineares, como solução para proteção das 2007, teve algumas interrupções, mas rela-
áreas de APP, redução da ocupação em áreas cionou o saneamento e a manutenção de 161
de risco, o combate às enchentes e a recupera- córregos na capital paulista, até o final do ano
ção das margens dos córregos; como também de 2020; incluindo a manutenção do monito-
constituiu uma opção de cultura e lazer para as ramento da qualidade das águas de – deman-
populações do entorno. Porém, paradoxalmen- da bioquímica de oxigênio, DBO (mg/l) – em
te, a seleção dos perímetros adotados para a 144 desses córregos (Sabesp, 2021).

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Incluído no Programa de Metas 2013- poderiam representar a manutenção de uma


2016, a gestão do Plano Diretor de Drenagem situação de risco, em locais vulneráveis à
Urbana deveria ser responsabilidade de uma inundação, o que significa a criação de um
“entidade municipal de águas” e fazer articula- novo passivo.
ção técnica, legal e institucional com demais Nos objetivos expostos nas estratégias
municípios pertencentes à Bacia Hidrográfica do novo PDE de 2014 (lei municipal n. 16.050
do Alto Tietê, além de órgãos das administra- de 31/7/2014), a incorporação da agenda
ções federal e estadual diretamente associa- ambiental aparece como coadjuvante do de-
dos à gestão de recursos hídricos, saneamento senvolvimento da cidade, considerando os
e meio ambiente. vales fluviais e os eixos das redes hídricas su-
Vale ressaltar que já vigoravam a lei es- bordinados como estratégia para orientar o
tadual n. 7.663, de 30/12/1991, e a lei federal crescimento da cidade, promovendo adensa-
n. 9.433, de 8/1/1997, que instituíram, res- mento nas proximidades do transporte públi-
pectivamente, as políticas de recursos hídricos co e nas regiões dotadas de redes e sistemas
estadual e federal e que consideravam como de infraestrutura urbana. Os vales dos rios
princípios: adoção da bacia hidrográfica co- Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, apropriados
mo unidade físico-territorial de planejamento como os eixos da estruturação metropolitana
e gerenciamento e a integração dos planos e e inseridos na Macrozona de Estruturação e
programas entre os municípios integrantes de Qualificação Urbana, tinham configuração e
uma mesma bacia. Mas essa almejada integra- perímetro semelhantes às propostas do PDE
ção não se cumpriu nesse período e segue ain- 2002, porém perderam sua amplitude e priori-
da em construção. zação como meta de sustentabilidade urbana.
O projeto de lei do Plano Municipal de No plano anterior, os vales fluviais eram con-
Habitação (2009-2024), não aprovado, definiu siderados regiões estratégicas na integração
pioneiramente, para a política habitacional, intersetorial da gestão urbana, por meio da
princípios fundamentais, relacionados tan- implantação de parques lineares; já, no PDE
to com as questões fundiárias e edilícias do 2014, prevaleceu a abordagem referente à
domicílio quanto com os contextos urbano, ordenação do uso do solo nessas regiões, que
ambiental e de infraestrutura. Nesse sentido, privilegiou a urbanização em detrimento da
dentre os parâmetros adotados para classi- recuperação da capacidade hídrica das áreas
ficação das prioridades, havia a classificação de fundo de vale com adensamento urbano e
por critérios de precariedade e microbacia incremento de sistemas de transporte público,
hidrográfica, cujas variáveis foram agregadas sem referência às questões ambientais.
em três grandes dimensões: infraestrutura, O PDE 2014 institui o Projeto de Inter-
risco de solapamento ou escorregamento e venção Urbana (PIU) como um novo instru-
saúde. Como as ações em fundo de vale dos mento de transformação e ordenação urbana
programas de urbanização de favelas pauta- em eixos de adensamento e transformação.
ram-se em manutenção dos assentamentos, Trata-se de estudos técnicos elaborados pelo
por meio da implantação de infraestrutura, poder público, com o objetivo de promover
evitando as remoções, estas, se incompletas, o ordenamento e a reestruturação urbana

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

em áreas subutilizadas e com potencial de Enfim, entre avanços e retrocessos na


transformação na cidade de São Paulo. Foram aplicação de conceitos referentes às ques-
propostos, pelo PDE, o PIU Arco Tietê, o PIU tões socioambientais predominaram, no
Arco Pinheiros e o PIU Arco Jurubatuba, que se planejamento urbano do município de São
localizam em bordas de rios, tendo como obje- Paulo, paradigmas e estratégias de implanta-
tivo a recuperação urbana, ambiental e hídrica ção que não enfrentaram os conflitos criados
dessas regiões. Foram elaborados estudos que pelos modelos de urbanização de fundos de
consideraram os conflitos existentes entre a vale, assim como também não contempla-
ocupação e a impermeabilização do solo, nes- ram, no espaço urbano, um lugar nem para as
sas áreas, e os impactos resultantes nos episó- águas, nem para as populações pobres, que
dios de inundações. seguem expostas a toda a sorte de riscos, pre-
As propostas consideram intervenções servando os interesses pela mobilidade e pela
que contemplavam os sistemas de drenagem e expansão das ocupações como estratégias de
a recuperação de córregos, as áreas verdes, os interesse imobiliário.
espaços públicos e a mobilidade. Porém, ob- O que se observa é que, para além da
serva-se, nas propostas apresentadas, situadas persistência de conceitos ultrapassados asso-
ao longo do sistema viário, pouca contribuição ciados à gestão das águas urbanas e dos espa-
para a requalificação da paisagem e do leito ços livres adequados às características ambien-
dos rios, o que reitera a prevalência da mobi- tais em São Paulo, há um problema reincidente
lidade de veículos. de gestão que promove a desvalorização dos
Ainda em 2016 foi regulamentado o bens públicos. O município vê, desde os anos
Fundo de Desenvolvimento Urbano – Fundurb 2017, o avanço da privatização na gestão de
(decreto n. 57.547 de 19/12/2016), criado em importantes parques e espaços públicos sob
2002 como um importante mecanismo de fi- a égide da “eficiência do setor privado”, que
nanciamento de planos, programas e projetos se apoiou na desestruturação dos conselhos
urbanísticos e ambientais integrantes ou decor- gestores dos parques, instâncias participati-
rentes do plano diretor, com recursos obtidos vas consideradas essenciais desde a definição
pela venda da outorga do direito de construir de projetos, mas, principalmente, pela valori-
prevista em alguns instrumentos do PDE. Castro zação, manutenção e a atenta “vigilância” da
A. e Alvim (2018), ao analisarem as aplicações qualidade desses espaços promovida por seu
do Fundurb no período de 2013 a 2016, ob- uso público.
servam que a maioria das obras contempladas Considerando as inquestionáveis mu-
associa serviços de drenagem urbana à reme- danças do clima e os impactos que vêm cau-
diação de riscos geológicos em margens e em sando o fenômeno da urbanização na escala
corpos d’água (córregos e riachos); obras de global, o fato é que o processo de planejamen-
reparos e pavimentação de vias; obras de rea- to urbano enfrenta desafios na superação dos
dequação de praças públicas com paisagismo e modelos setoriais e da descontinuidade das
instalação de equipamentos de esporte e lazer. políticas públicas.

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

Apesar do adequado e inovador arca- A PNPDEC considera necessária a arti-


bouço legal do Brasil, salvo experiências iso- culação das políticas públicas setoriais de or-
ladas, as cidades brasileiras seguem se ex- denamento territorial, de desenvolvimento
pandindo, orientadas por um modelo de pla- urbano, saúde, meio ambiente, mudanças cli-
nejamento e ocupação do solo que privilegia máticas, gestão de recursos hídricos, geologia,
setores e agentes mais poderosos, que des- infraestrutura, educação; dentre as principais,
considera áreas ambientalmente frágeis, que como também de representantes da socieda-
arruína seus patrimônios naturais e expõe as de civil, para construírem o sistema local para
populações, especialmente as mais pobres, a a gestão das políticas e das ações de Defesa
toda a sorte de situações de risco e vulnerabili- Civil e proteção, com medidas destinadas à
dades socioambientais. recuperação social, econômica e ambiental e
à reconstrução da infraestrutura e das edifica-
ções de caráter definitivo (ibid.).
Gestão de riscos de desastres A gestão de riscos pressupõe um con-
junto amplo de medidas estruturais e não
naturais em São Paulo estruturais, contemplando aspectos psicosso-
e a lógica setorial ciais (ações de ajuda material para a satisfa-
ção de necessidades básicas dos afetados,
A polí ca brasileira ações para recobrar a esperança com a re-
cuperação das atividades da vida cotidiana);
No Brasil, a gestão de riscos para desastres na- econômicos (linhas de crédito subsidiado,
turais é contemplada pela Política Nacional de incentivos fiscais, isenção de impostos e ou-
Proteção e Defesa Civil – PNPDEC (lei n. 12.608 tras medidas para recompor a capacidade
de 10/4/2012) e prevê ações de proteção e de- produtiva geradora de receitas e ofertas de
fesa civil organizadas por ações de prevenção, postos de trabalho); ambientais (medidas pa-
mitigação, preparação, resposta e recupera- ra a recuperação de ecossistemas degradados
ção, às quais correspondem responsabilidades em consequência do desastre); e estruturais
específicas, em uma concepção de gestão sis- (reconstrução da infraestrutura, edificações e
têmica e contínua. Essa gestão se organiza por instalações) (ibid.).
meio do Sistema Nacional de Proteção e De- No Brasil, essas perdas são agravadas
fesa Civil – Sinpdec, estruturado pelos órgãos pela ausência de programas e políticas de ge-
estaduais e municipais de defesa civil e demais renciamento de riscos e mitigação de danos,
órgãos setoriais e de apoio, tendo a Secretaria como ferramentas de recuperação, de fortale-
Nacional de Proteção e Defesa Civil – Sedec/MI cimento e de restabelecimento das atividades
como órgão central, mas não define hierarquia econômicas para áreas e populações atingidas,
nem estrutura mínima para esses órgãos, pre- especialmente por eventos hidrológicos, por
servando a autonomia dos estados e municí- se tratar dos mais frequentes e geradores de
pios (Brasil, 2012). prejuízos materiais (Castro A., 2020).

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Se a reconstrução é parte importante estruturais, que incluem a adaptação das leis e


da recuperação do cenário afetado por de- normas de planejamento e a construção e pla-
sastre, a PNPDEC (2012) preconiza que essa nos de alerta e apoio pós-eventos.
fase deve ser apoiada com a transferência O papel e as estruturas dos órgãos mu-
obrigatória de recursos federais, destinados nicipais de proteção e defesa civil, sendo arti-
à reconstrução total ou parcial da infraestru- culadores da reconstrução com os órgãos se-
tura, de edificações e instalações públicas ou toriais no seu nível governamental, têm, como
comunitárias. Portanto, deve ser planejada atribuição institucional e setorial, ações refe-
sob uma perspectiva de melhorar as condi- rentes a: obras; finanças; assistência social; ur-
ções originais das áreas atingidas e incorpo- banização e meio ambiente (São Paulo, 2018).
rar aspectos preventivos, que exigem inter- O município de São Paulo criou, em agos-
venções baseadas na análise dos cenários to de 1978, o Sistema Municipal de Defesa Civil
de desastre que identifique todos os fatores de São Paulo, por meio do decreto municipal
que influenciam a sua ocorrência e os riscos n. 15.191/78, para promover a integração dos
atuais e futuros. esforços, o aproveitamento dos recursos exis-
Dentre os desafios, figuram a baixa qua- tentes e garantir o atendimento adequado às
lidade de projetos básicos ou incompletos; situações provocadas por calamidade pública.
modificações durante a execução das obras O Sistema era composto por duas comissões,
de reconstrução que geram alto custo e se segundo o decreto municipal n. 15.539/78: a
arrastam por anos; a falta de apoio técnico e Comissão Municipal de Defesa Civil (Comdec),
de investimentos federais para o suporte das vinculada à Coordenadoria Estadual de Defesa
despesas; e, especialmente, a manutenção de Civil e constituída por um representante de
regras e normas inadequadas das ordenações cada uma das Secretarias Municipais e da As-
territoriais que permitiram, anteriormente, a sistência Militar do Gabinete do Prefeito; e as
ocupação de áreas de risco por atividades hu- Comissões Distritais de Defesa Civil (Coddec),
manas e por edificações. com circunscrição nas respectivas Administra-
ções Regionais.
Em agosto de 2006, esse sistema foi
São Paulo e a gestão de riscos: reorganizado por meio do decreto municipal
avanços e desafios n. 47.534/2006, para se adequar às normas
do Sistema Nacional de Defesa Civil, previstas
Uma das primeiras medidas adotadas pelas no decreto federal n. 5.376/2005. A Comdec
cidades para o gerenciamento de riscos é o passou a ter como objetivo a redução de de-
mapeamento de suas áreas de conflito, para, sastres, naturais ou antrópicos, compreen-
então, reordenar a ocupação dessas áreas, dendo não apenas o socorro, as ações assis-
estabelecer novas regras de ocupação e de- tenciais e o restabelecimento à normalidade
terminar limites das responsabilidades do po- social, mas também as ações preventivas
der público e de sua população. De acordo destinadas a evitar ou minimizar os desastres,
com o exposto, a abordagem atual estabelece valendo-se de mapeamentos de áreas de ris-
uma combinação de ações estruturais e não co geológico e hidrológico.

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À Comdec foi atribuída a função de coor- não somente a adesão, mas a permanência
denar as ações de socorro nas áreas atingidas nos programas preventivos, independente-
pelos desastres; ela passou a contar também mente das gestões administrativas.
com o Conselho Municipal de Defesa Civil – Em São Paulo, desde 2001, segue, como
Consdec, constituído por representantes de ação permanente, o Plano de Gestão de Ris-
diversas secretarias municipais, visando ga- cos e o Plano Preventivo de Chuvas de Verão
rantir a articulação das políticas públicas rela- (PPCV), para dar suporte às ações preventivas
cionadas à defesa civil com os demais setores de riscos geológicos e hidrológicos. As situa-
da administração municipal. Essa organização ções de riscos tecnológicos são representados
conferiu à Comdec uma posição muito favo- pelos acidentes em infraestruturas urbanas
rável, pois as subprefeituras dialogam com (água, eletricidade, gás e esgoto) e nos siste-
todas as secretarias da prefeitura municipal e mas de transporte de fluídos e transporte de
estão muito próximas, tanto do gabinete do produtos químicos pelas estradas e ferrovias
prefeito, quanto do próprio território e de suas que atravessam a cidade que, apenas recente-
comunidades. Porém, em abril de 2018, pelo mente, passou a incorporar os planos de ges-
decreto municipal n. 58.199/2018, tornou-se tão de riscos (Malheiros Figueira e Candeias
uma unidade específica da Secretaria Muni- de Almeida, 2020). São feitos os registros de
cipal de Segurança Urbana. Dessa forma per- ocorrências e avaliadas as condições específi-
deu a articulação mais ampla, restringindo-se cas de cada situação para a divulgação de aler-
às ações de resposta aos eventos e desastres tas e, caso necessário, a decretação de estado
naturais, não mais a uma unidade de planeja- de emergência (São Paulo, 2021).
mento no estabelecimento das ações preventi- Os relatórios do último PPCV, de 2019-
vas, que não se restringem apenas a medidas 2020, trazem registros de ocorrências por na-
estruturais ou a ações emergenciais. tureza, que corroboram os índices apresenta-
Importantes questões conceituais fo- dos nos estudos consultados e nos relatórios
ram adotadas em deliberações da Comdec, de órgãos internacionais de monitoramento
após a promulgação da Constituição de 1988 de riscos, que apontam a grande incidência de
e após a Política Estadual de Recursos Hídricos inundações e alagamentos.
(São Paulo). Dentre as mais expressivas, desta- Mas são notáveis as vulnerabilidades, a
cam-se seu caráter participativo; a abordagem desarticulação e as inconsistências, às quais
sistêmica na gestão de riscos; a adoção das ba- está sujeito esse importante programa de
cias hidrográficas como unidade territorial bá- prevenção de inundações. Além do município
sica para o estabelecimento de ações preventi- de São Paulo não contar com um mapa geral
vas, em relação às enchentes e às inundações; de inundações 5 ou um sistema de registros
e a organização das comunidades para partici- históricos e georreferenciados desses locais,
parem das discussões relacionadas a ações es- apenas os eventos de alagamento que provo-
tratégicas e das medidas preventivas a serem cam interrupções no fluxo de veículo em vias
adotadas nas áreas de risco, garantindo, assim, públicas têm seus registros feitos por sistemas

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

georreferenciados pela Companhia Estadual Integrado 24 Horas da Cidade (CCOI), pela


de Tráfego (CET). Isso revela a persistência Assessoria Técnica de Obras e Serviços, da
de conceitos equivocados de urbanização em Secretaria Municipal das Subprefeituras, po-
áreas de fundo de vale, impregnados nas ações rém a informatização dos registros de ocor-
e nas políticas públicas, que privilegiam a mo- rência é bastante recente, segundo informa-
bilidade e a fluidez do tráfego de veículos em ções obtidas em entrevistas com membros
detrimento das populações que vivem nessas da Comdec. Quanto às remoções, a pasta que
áreas na cidade de São Paulo, continuamente faz o controle dos atendimentos habitacionais
expostas a riscos e prejuízos (Castro A., 2020). é a Secretaria Municipal de Habitação, o que
Com relação à disponibilização de dados reforça uma atuação dispersa e desarticulada.
para consulta em formato aberto, elenca-se a Com relação à implantação do sistema
existência da Carta Geotécnica do Município de fiscalização de áreas de risco, não houve
de São Paulo, acessível para visualização e avanço. A Defesa Civil, com base no mapea-
download pelo sistema Geosampa.6 Apesar de mento das áreas de risco, desatualizado, moni-
contar com dados georreferenciados do levan- tora as situações de risco mediante os registros
tamento de risco, com a avaliação e a classifi- de ocorrências e atua acionando as unidades
cação das áreas referentes ao mapeamento de de fiscalização das subprefeituras, encarrega-
2010, segue ainda sem atualização. das de toda a sorte de atendimentos dentro de
Esse quadro gerou a necessidade da suas áreas de atuação.
construção de um sistema de prevenção e A própria estruturação dessa Secretaria,
apoio às situações de risco. Porém o sistema que engloba as questões relacionadas à Segu-
construído reflete uma cultura de exclusão e rança Pública juntamente com a Gestão de Ris-
não de prevenção, que é negligente com as po- cos, revela incoerências e a incompreensão da
pulações expostas aos riscos e que não respeita importância que demandam essas políticas pú-
os sistemas e as dinâmicas ambientais (ibid.). blicas. As questões referentes à segurança pú-
A revisão do PMRR não foi realizada blica não envolvem diretamente a prevenção
em sua totalidade, tendo sido executada até de riscos hidrológicos ou geológicos, afeitos a
dezembro de 2020, apenas a atualização das ações e programas que envolvem os processos
informações para 11 subprefeituras, segun- de ocupação do solo. O fato de que, quando
do informe da Defesa Civil da prefeitura de de eventos de desastres naturais agentes pú-
São Paulo, publicado em seu site (São Paulo, blicos como policiais, bombeiros ou mesmo
2020b). Informa, também, que o levantamen- membros das forças armadas sejam acionados
to das áreas de risco segue em andamento pe- para prover atendimento às vítimas, não ca-
la Secretaria Municipal de Segurança Urbana racteriza a natureza nem o objeto das políticas
(SMSU), sob o encargo da Coordenadoria Mu- de prevenção de riscos. Não se policiam águas
nicipal de Proteção e Defesa Civil (Comdec). e solo. O funcionamento sem base de dados
Os registros de ocorrências e de remo- atualizada, sem a consolidação de um sistema
ções de áreas de risco seguem mantidos pe- de monitoramento e de mapeamento de áreas
la Comdec, por meio do Centro de Controle de risco demonstra que o desempenho desses

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

órgãos ocorre sem planejamento, sem preven- definiu os vales fluviais situados nos eixos
ção, ficando restrito ao atendimento de emer- das redes hídricas dos grandes rios da cidade
gências (Castro A., 2020). como territórios prioritários para desenvolvi-
Pelo fato de essas ocorrências, em sua mento metropolitano, aliado à estratégia de
gran de maioria, acontecerem em áreas de adensamento dos eixos de transporte público
vulnerabilidade e instabilidade geológica e e das regiões dotadas de redes e sistemas de
hidráulica ocupadas por populações pobres, infraestrutura urbana.
não é difícil reconhecer os reflexos da histó- Apesar dos avanços, a experiência recen-
rica negligência do planejamento e principal- te de chamamento da iniciativa privada para
mente da gestão pública, em abranger as to- o desenvolvimento dos PIUs revela, mais uma
talidades urbanas. vez, que prevalece a exploração do valor do so-
lo pelo mercado imobiliário, com pouca ou ne-
nhuma contrapartida de investimento público
propriamente dito; demonstrando a captura
Considerações finais de boas ferramentas de planejamento e gestão
públicos para atender, exclusivamente, a inte-
A atuação da gestão pública no que se refere resses privados.
à ordenação da ocupação dos vales fluviais foi Por sua vez, os processos de reestrutu-
marcada pela setorização e por uma desarti- ração dos sistemas de infraestrutura de dre-
culação que não conseguiu ser suplantada, nagem não estão plenamente contemplados.
mesmo na história recente da urbanização Sendo o sistema de drenagem uma competên-
de São Paulo. Apesar de, a partir dos anos cia da prefeitura, pouco é feito pelos concessio-
2000, a pauta ambiental ter sido incorpora- nários privados, responsáveis pela gestão das
da nos discursos das políticas públicas, dos redes de infraestrutura urbana básica de água
planos diretores e projetos setoriais, a força potável, esgoto e de limpeza urbana. E, como
dos agentes privados continua determinando exposto, a gestão de riscos passou, na atualida-
que as agendas se materializem como parte de, a ser tratada como um problema de segu-
do privilégio dos mesmos segmentos que, rança pública, como se fosse possível as águas
historicamente, determinaram como, para urbanas respeitarem o poder das polícias.
quem e para onde a cidade de São Paulo cres- As análises sobre a gestão de riscos
ce e se organiza. aplicadas pelos órgãos federativos indicam
Do ponto de vista dos planos diretores, que muito se tem a avançar, tanto do pon-
são inquestionáveis os avanços mais recen- to de vista das regulamentações, quanto,
tes do PDE 2002 e do PDE 2014. O PDE 2002 principalmente, da gestão. A ausência de
definiu pioneiramente a rede hídrica da cida- determinação clara da responsabilidade dos
de como eixo de estruturação urbana e um agentes do Estado para o apoio e a cobertu-
conjunto de parques lineares que deveriam ra financeira para ressarcir danos materiais
privilegiar os cursos d’água, em sua maioria de eventos hidrológicos não foi incorporada,
tamponado pelo sistema viário. Já o PDE 2014 nem na construção dos arcabouços legais,

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

nem nas estruturas de agenciamento de circulação de veículos e de transportes segue


riscos. Prevalecem os conceitos que orientam sendo prioridade, em detrimento da prevenção
as políticas neoliberais que reduzem a pre- de riscos. Enfim, privilegiam-se a expansão e a
sença do Estado, ampliando a participação de exploração do solo urbano no município pelo
agentes privados, aos quais interessa, apenas, segmento imobiliário de modo articulado ao
parte desse território complexo representado deslocamento pelo transporte individual, em
pela cidade de São Paulo. E, usualmente, es- desfavor de uma agenda socioambiental.
sas áreas, sendo as mais valorizadas, estão Cabe, portanto, no tocante à questão da
menos sujeitas aos efeitos de desastres hidro- gestão de riscos em São Paulo, restabelecer ao
lógicos e geológicos. Comdec o papel articulador para que se atin-
O fato de os órgãos de defesa civil não jam os objetivos de prevenir, mitigar, preparar,
contarem com os essenciais mapas de inunda- responder e recuperar a cidade mediante as
ção, para sustentar estudos de prevenção a es- diferentes situações de risco, adotando uma
ses eventos, nem, sequer, com um sistema de abordagem intersetorial e articulada às sub-
registro de eventos e chamadas informatizado prefeituras regionais, por estarem diretamen-
é a face reveladora da segregação socioespa- te relacionadas, tanto ao Gabinete do Prefeito
cial que prevalece na gestão do solo urbano como, especialmente, ao território propria-
em São Paulo. Essa estruturação básica tem mente dito.
que ser enfrentada para orientar a gestão do A título de contribuição, vale ressaltar
território de São Paulo, adequando e incorpo- que, recentemente, algumas cidades no Brasil
rando, em sua pauta, as dinâmicas hidrológicas e no mundo têm atualizado seus sistemas de
e os rios urbanos. prevenção de desastres hidrológicos e geoló-
O Centro de Gerenciamento de Emergên- gicos, considerando as influências inquestio-
cias (CGE) da prefeitura de São Paulo é, desde náveis da mudança climática nos regimes das
1999, responsável pelo monitoramento das chuvas. Destacam-se, nesse contexto, Blume-
condições meteorológicas na Capital. Foi cria- nau, no estado de Santa Catarina, e Nova York,
do em novembro de 1999, após uma inunda- nos EUA.
ção de grande proporção que tomou a região A primeira, desde 1989, incorpora no seu
do túnel do Anhangabaú em março do mesmo Plano Diretor restrições à ocupação de áreas
ano, quando foi alocado em uma sala na Cen- inundáveis, articulando um plano municipal de
tral de Operações da Companhia de Engenharia defesa civil aos planos de saneamento, habita-
de Tráfego (CET). Em parceria com a Coorde- ção, meio ambiente, recursos hídricos e orde-
nadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec), namento territorial. Por sua vez, o Plano Muni-
atua para prevenir os efeitos danosos provoca- cipal de Prevenção de Riscos Hidrológicos está
dos pelas chuvas. Esse centro detém os regis- alinhado ao “Plano Integrado de Prevenção e
tros dos pontos de inundação e alagamento e Mitigação de Riscos e Desastres Naturais na
mantém um site para consultas pela popula- Bacia Hidrográfica do rio Itajaí” (PPRD-Itajaí),
ção. O fato de o CGE atuar em parceria e sob de escala regional e de responsabilidade do
a tutela da CET evidencia como a questão da governo estadual. Esse PPRD-Itajaí é resultado

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

de uma ação do governo de Santa Catarina uma vez que estas trazem como consequên-
com a Agência de Cooperação Internacional do cia o aumento do nível do mar e da potência
Japão (Jica). das tempestades.
Já a cidade de Nova York vem atualizan- São Paulo, apesar dos avanços institu-
do e adaptando normativas do zoneamento cionais apontados, segue tratando essas ques-
do solo, com vistas a reduzir os impactos de tões sem um planejamento integrado, sem
eventos hidrológicos extremos. As normati- suporte de dados e material atualizados, com
vas de Inundação de 2013 e de Recuperação equipes reduzidas numa histórica defasagem
de 2015 procuraram facilitar a adaptação que custa vidas e recursos materiais e finan-
das construções para atender aos requisi- ceiros, anualmente, a cada estação de chuvas.
tos mínimos estabelecidos para padrões de Em face dos eventos climáticos recentes, o
construção resistentes a inundações. No en- risco de inundação da cidade continua a au-
tanto, ante as mudanças climáticas, o risco mentar, apontando um futuro socioambiental
de inundação da cidade continua a aumentar, incerto e insustentável.

[I] https://orcid.org/0000-0002-9966-9788
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
afonso.celso.castro@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0001-7538-2136
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
angelica.alvim@mackenzie.br

Nota de agradecimento

Agradecemos ao apoio das seguintes ins tuições: Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsa de
doutorado); Fundo MackPesquisa (financiamento de Projeto de Pesquisa) e à Capes Proex
(tradução do ar go).

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Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo

Notas
(1) A tese de doutorado defendida por Castro A. (2020), no PPGAU/UPM, é parte de uma pesquisa
maior intitulada “Projetos de urbanização e assentamentos precários e áreas de proteção
ambiental: as dimensões da sustentabilidade”, liderada por Angélica T. Benatti Alvim, com
financiamento do Fundo MackPesquisas (2018-2021) e do CNPq (edital Universal 2018).

(2) Os limites geográficos da Bacia do Alto Tietê (BAT) quase se confundem com os limites
administra vos da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (Alvim, 2003).

(3) Em 1930, o engenheiro Francisco Prestes Maia elaborou o Plano de Avenidas com o objetivo
orientar o desenvolvimento da cidade. Com base no modelo “haussmanniano”, Prestes Maia
propunha um sistema viário capaz de remodelar a totalidade urbana, traçado a partir de
uma estrutura radial perimetral – o perímetro de irradiação –, modelo formal que deveria
ser adaptado às condições topográficas da cidade. Em 1938, Prestes Maia torna-se prefeito e
coloca seu plano em prá ca, implantando ações bastante significa vas para a cidade, tais como
a con nuidade da canalização do rio Tamanduateí, o alargamento da avenida Rangel Pestana,
a extensão da avenida Rebouças, o prolongamento da avenida Pacaembu até o rio Tietê e da
Nove de Julho, com a implantação de um túnel que passava sob a avenida Paulista, entre outros.
Se, por um lado, o Plano de Avenidas pode ser considerado um instrumento de viabilização da
modernização de São Paulo, por outro, foi um dos responsáveis por sua expansão “ilimitada” e
pelo modelo de ocupação de avenidas de fundo de vale (Abascal, Bruna, Alvim, 2007).

(4) Atualmente, o Sistema Produtor de Água Cantareira, um dos maiores do mundo, produz 33 m 3/s
de água e abastece 8,8 milhões de pessoas da RMSP. Sua concepção envolve a transposição
entre duas bacias hidrográficas, importando água da Bacia do Piracicaba para a Bacia do
Alto Tietê. Dos 33m3/s produzidos pelo sistema, apenas 2m 3/s são produzidos na Bacia do
Alto Tietê, pelo rio Juqueri; 22m3/s vêm dos reservatórios Jaguari-Jacareí, cujas bacias estão
inseridas majoritariamente no estado de Minas Gerais, e o restante na Bacia do rio Piracicaba.
A gestão do Sistema Cantareira é de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA) e do
Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) (ANA, 2021).

(5) Encontram-se em desenvolvimento os Cadernos de Drenagem que compõem o Plano Municipal


de Gestão do Sistema de Águas Pluviais de São Paulo – PMAPSP. Elaborados pela Fundação
Centro Tecnológico Hidráulico da Escola Politécnica da USP, esses Cadernos contemplam mapas
de inundação de sub-bacias hidrográficas do município de São Paulo e apresentam dados,
informações, estudos e proposição de medidas para controle de eventos crí cos. Até o momento
foram elaborados e publicados os cadernos referentes a 12 das 186 sub-bacias catalogadas pela
prefeitura. Disponível em: h ps://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/obras/obras_
de_drenagem/index.php?p=230496. Acesso em: dez 2021.

(6) Disponível em: h p://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Acesso em: 8


dez 2021.

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

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Texto recebido em 27/ago/2021


Texto aprovado em 8/dez/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 695
Urbanization and management
of hydrological risks in São Paulo
Urbanização e gestão de riscos
hidrológicos em São Paulo
Afonso Celso Vanoni de Castro [I]
Angélica Tanus Benatti Alvim [II]

Abstract Resumo
The article discusses hydrological risks of the city Este ar go discute os riscos hidrológicos do mu-
of São Paulo as a historical and social construc on nicípio de São Paulo como uma construção his-
deriving from an urbanization planning that tórica e social resultante de um planejamento
disregarded the hydrological dynamics, did not da urbanização que desconsiderou as dinâmicas
provide space for vulnerable popula ons, favored hidrológicas, não previu espaço para as popu-
mobility and urban expansion, and increased lações vulneráveis, privilegiou a mobilidade, a
land value. It is supported by indirect sources expansão e a valorização fundiária. Apoia-se em
(laws, theses, academic ar cles) and discusses the fontes indiretas (leis, teses e ar gos acadêmicos)
Municipal Civil Defense System in the light of current e discute o Sistema Municipal de Defesa Civil à luz
frameworks and en es responsible for managing dos marcos vigentes e dos entes responsáveis pela
risks of natural disasters. Risk management is gestão de riscos de desastres naturais. A gestão
treated as an emergency issue, subordinated to de riscos é tratada como questão emergencial,
the Municipal Security Department. With a fragile subordinada à Secretaria Municipal de Segurança.
structure that lacks basic elements, it disdains Com uma estrutura frágil, sem elementos básicos,
its historical and environmental liabilities and desdenha seu passivo histórico e ambiental e ex-
exposes the State’s withdrawal under the ac on of põe o afastamento do Estado sob a ação das polí-
neoliberal policies. cas neoliberais.
Keywords: São Paulo; urbaniza on; valley bo oms; Palavras-chave: São Paulo; urbanização; fundos de
urban planning; public policies. vale; planejamento urbano; polí cas públicas.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5410.e Crea ve Commons Atribu on
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

Introduc on basins have changed the hydrological cycle in


the region. Thus, the installed surface outflow
The economy industrialization project and capacity became obsolete overtime and it has
the fast urbanization faced by São Paulo exposed São Paulo’s population to frequent
City in the early 20th century have changed flooding events (Seabra, 1987; Franco, 2005;
river physiography and landscape for power Castro A., 2020).
generation and urban sanitation purposes. Public plans and policies inspired by
Massive ventures have changed water courses hygienist ideals did not adopt water basins as
and dammed up water from the main rivers planning units; they disregarded the hydrological
in order to generate electric power and to and systemic dynamics of this territory.
supply the city. Furthermore, riverbeds were Somehow, city planning has contributed to floods
channeled and corrected to ensure river- that, based on a vicious cycle, get worse due
water flow and speed to carry sewer and to water contamination, given the incomplete
urban drainage. Rivers and brooks were turned implementation of sanitation infrastructure,
into components of the urban infrastructure mainly lack of sewage treatment and of an
system (Travassos, 2010; Alvim et al., 2006; inappropriate urban-waste management system
Castro A., 2020). (Rutkowski, 1999; Alvim, 2003; Santos, 2004;
Sã o P a u l o’s u rb an i zat io n m o d e l Franco, 2005; Travassos, 2010).
was supported by the trinomial “riverbed Conflicts deriving from river valley
channeling, sanitation infrastructure system occupations have overlapped environmental
constructions and the implementation issues, since São Paulo’s urbanization plans
of several systems in riverbanks”. It also and projects, up to mid-20th century, did not
encouraged the occupation of large valley encompass locations for poor populations
bottom areas in the city. This model fulfilled that have been attracted to the city by the
the sanitary and hydrological demands, as opportunities provided by the industrial
well as opened room for the dreamed urban capital. Since these populations did not find
development (Travassos, 2010; Anelli, 2007). housing opportunities, they started occupying
Besides allowing the transposition of river fragile environmental zones in flooding
valleys due to floodplains’ groundings, the riversides or slope hillsides that were not
implementation of urban infrastructures has suitable for urbanization (Travassos, 2010;
valued soil and encouraged urban occupation. Alencar, 2017; Castro A., 2020).
Such added-value areas were taken for Therefore, it regards a social construction
real estate operations that have expanded that has created the conditions for increasing
urbanization over natural-water spaces. flooding events and promoted precarious
However, these water spaces still return to settlements that have exposed thousands
their systematic high tide cycles and cause of people to hydrological hazardous events,
flooding; this process got worse due to urban contamination and water shortage. This frame
expansion broadening. Intense urban soil use, nowadays evidences one of the largest socio-
correction, channeling of the main rivers and environmental liabilities, not just in São Paulo
of their tributaries, and the sealing of their City, but in several Brazilian cities.

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Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

Many authors warn about the The topic ‘water’ in Brazil is regulated
deterioration and impacts suffered by urban by the 1988 Federal Constitution (CF/1988)
rivers due to both intense population growth as State competence; it must be ordered
and the sealing of cities’ surfaces. These by the National System of Water Resources
factors lead to a turning point in the urban Management, also known as Singreh, based on
river-water management approach. They command and control instruments (watershed
also shine light on increase in water crisis plans, licensing for water use and capture,
episodes that can affect millions of people in water course classification and information
urbanized areas (Spirn, 1995; Hough, 1995; systems). It regards a system that adopts
Riley, 1998; Delijaicov, 1998; Rutkowski, economic incentives for the ‘rational’ use of
1 9 9 9 ; A l v i m , 2 0 0 3 ; H i g u e ra s , 2 0 0 6 ; water resources (water-use financial charging
Travassos, 2010; Gorski, 2010; Schutzer, or compensations); however, the State did not
2012; Kahtouni, 2016). provide direct investments to it, but it actually
From the 1980s onwards, sustainability transfers such a responsibility to private
and the economy of natural resources rose in agents that do not care about a broaden
the agenda of public policies worldwide due social participation in this process. Even the
to the emergence of the globalized economy. creation of regulating agencies in the 1990s,
Actions and investments aimed at planning which account for public agents responsible
and river-recovery ventures to safeguard for managing and inspecting concessionary
water sustainability and to rescue socio- companies, was not preceded by the debate
environmental quality for populations, as well about the best regulation model; legal
as river landscapes (Alencar, 2017; Kahtouni, frameworks were discussed prior to concepts.
2016). These actions highlighted that This process has taken these agencies apart
models adopted by the traditional hydraulic from the political dynamics and broadened
engineering had failed and created a whole the market space by replacing the State
series of issues in metropolises. bureaucracy by the privatization of offered
Sanitation and power generation in public services (Rossi and Santos, 2018).
Brazil were always subjected to the trends The aim of the present article is to
and interests of private companies from discuss the weaknesses of the hydrological
different countries that had invested in risk management system operated by public
the basic-services sector, such as sewage agents in São Paulo City. Such weaknesses
systems, railroads, gas and electricity were herein associated with an urbanization
companies, telegraphs and telephones, urban model adopted by the urban planning
transportation, navigation companies and project and with the urban space production
public construction ventures (Castro C., 1979 process, which did not respect the local
apud Gomes and Barbieri, 2004). Accordingly, hydrological dynamics and did no set locations
the presence of these enterprises has for vulnerable populations. This article
influenced the consolidation of some Brazilian derived from a PhD thesis (Castro A., 2020),1
sanitary engineering canons. which employs a historical approach that is

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

substantiated by documental and indirect of an unfair special distribution of different


investigations in order to assess the hypothesis populations, even when these populations are
that, within the urbanization, planning and supported by actions from public policies in
urban space management process lies the São Paulo City. Despite the existence of proper
causes of socio-environmental conflicts that urban planning mechanisms provided by legal
expose its population, mainly the poorest frameworks ordering soil occupation, the
classes, to hydrological risks. The study management of risks is always put at second
assumes that the State, by favoring the use position in the rank of priorities; it is subjected
of the water from many of its rivers for power to interests of the private sector focused on
generation and the erase from its landscape real estate exploitation and on favoring private
another fractions of its water courses, by individual means of transportation.
replacing them by a road infrastructure has
contributed to promote geomorphological
changes and alterations in the hydrological
dynamics of its water basins. Thus the city has
Risks management and urban
submitted itself to the interests of investors planning: integrated approach
and to the real-estate private capital; it excused
itself from its responsibility for conducting Based on the annual report by the Centre for
the construction of a plural city that should Research on Epidemiology of Disasters (Cred,
have foreseen locations for all segments of its 2020), from 2019, flooding and storm events
population. were the natural hazards mostly causing death
The present article was divided into and financial losses on the globe.
three sections. The first one addresses the Brazil does not have a systematic
association among natural hazardous events, program to control floods based on its main
urban processes adopted by urban planning aspects (Tucci, 2007). The Water Resources
and risk management, in light of fundamental and Urban Environment Secretariat, also
concepts about this topic. It was done by known as SRHU, which is linked to the
synthesizing data about hydrological risks in Ministry of the Environment, defines the
the country. The second section introduces standards and instruments for sustainable
an analysis about the legal framework set for water management in urban zones, which
the risk management system in São Paulo City are based on low impact actions focused on
and in Brazil, its functions and competences. preventing flooding events to avoid the loss
The study analyzed the weaknesses of this of both lives and patrimony. It recommends to
system when it comes to material support and enhance project solutions for urban drainage
collected data, mainly to its distance from other system and to encourage innovative drainage
sectors and emergence-assistance profile. systems, as well as rivers and streams’ re-
Finally, the final considerations evidence the naturalization and the creation of River
persistence of hygiene paradigms associated Parks to stop the occupation of Permanent
with rivers and their subjection to designs that Preservations Areas (PPA), and riparian and
prioritize cars mobility and the permanence floodplain areas. However, these solutions

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Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

do not encompass a program or action plan, change the landscape due to the occupation
a fact that transfers such a responsibility to of environmentally weak urban areas, such
municipalities. as mangroves, floodplains, valley bottoms
A study carried out by the National and supply waterbodies, and that promote
Center for Natural Hazards Monitoring and the socio-spatial segregation of vulnerable
Warning (Cemaden, 2019) published in 2019 populations (Mello and Ribas, 2004 apud
point out that Southeastern region held the Scolaro, 2012; Castro A., 2020).
largest number of areas presenting risk of
mapped floods and landslides in Brazil, in 2018
(Saito et al., 2019). Assumingly, because the
Valley bo om urbaniza on
Southeastern region accounts for the highest
rates of population density in the country,
in São Paulo and the prevalence
one can believe that such a scenario led to the of sectoral logics
largest number of people affected by natural
hazard events over the assessed period. Several studies were produced based on the
The present research also featured the analysis of the urbanization model adopted
profile of the most affected population based for valley bottoms, and it indicates the need of
on economic data. It was observed that 36% regulating and standardizing urban occupation
of households exposed to such events lived based on an integrated and systemic approach,
with income per capita up to half minimum which must be understood as the only way
wage. This situation was observed in 20% to reduce conflicts, and financial and human
of the assessed municipalities. Yet, 71% of losses, as one can see on a daily basis (Tucci
the population exposed to hazardous events and Bertoni, 2003; Tucci, 2007; Alvim et al.,
in the Southeastern region would be living 2006; Gorski, 2010; Travassos, 2010; Alencar,
in 38 municipalities in the metropolitan 2017; Pellegrino, 1995). Even the doctrine
regions of São Paulo, Rio de Janeiro and Belo basis of the National Policy of Protection and
Horizonte cities – it totaled 2,583,705 people Civil Defense (PNPDEC) sees inter-sectoral
(ibid, 2019). articulations as essential for the management
Data provid ed by this imp ortant of public administration agents; it must follow
research have shown the effects of socio- an integrated approach applied to planning
political processes that link urban populations and management of urban soil use.
to natural hazard events. It goes from human São Paulo City was settled in an
actions intensifying climatic changes to the extremely irrigated and rainy region; it had
vulnerability and exposure of people to to learn to deal with flooding events since its
them, as consequence of urban territorial foundation, mainly from the mid-19th century
policies. Such effects are the reflex of an on, when it has expanded due to the power
urbanization model based on mechanic views of the agricultural economy supported by
that do not take into account the diversity coffee exports. At that time, due to the city’s
of natural systems, eliminate woods and favorable topographic conditions, railroads
humid zones, exhaust natural resources, were implemented on valley bottoms and it

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

has encouraged urbanization in these areas The network of surface water, which
(Franco, 2005). Changes imposed to the was formed by rivers and brooks in São
natural physiography of these areas, and Paulo up to the mid-19 th century, was used
their occupation turned flooding events into without any infrastructure projects. Demands
inundations, which were then featured as a resulting from city growth at that time forced
complex issue to be faced by the territorial interventions related to water supply and
management of urban areas. sanitation. This process encompassed flood
Studies, plans, projects and construction control and the generation of power necessary
ventures focused on controlling floods and for the industrialization process (ibid., 2005.)
inundations became a recurrent concern for In order to ensure water supply and
public managers since the mid-19 th century; flood control in the three main rivers in
therefore, investments were made in this Alto Tietê 2 basin – Tietê, Pinheiros and
field. In total, 172 years have passed since Tamanduateí rivers –, public managers
the correction of Tamanduateí river during engaged in construction projects to dam
João Teodoro’s administration, back in 1948. some smaller tributaries, mainly of the Tietê
However, the association among climate, water river, between the late 19 th century and the
and urbanization has been treated recklessly, early 20 th century, as well as in correcting
either in terms of planning or management, in Tamanduateí river in Glicério region (Kahtouni,
São Paulo City (Travassos, 2005). 2004; Campos, 2001; Reis Filho, 2004).

Figure 1 – Schema c map of the dam system in São Paulo in the early 20th century

Source: Franco (2005).

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Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

From the 20th century on, electric power which was the Canadian company in charge
generation also appropriated the dammed of cable car services, and of electric power
water and demanded huge construction generation and distribution (Melo, 2001;
projects, such as the correction of Tietê River’s Kahtouni, 2004).
bed – between 1950 and 1960 –, as well as of Riverbed correction ventures accounted
Pinheiros River – between 1928 and 1950 – to for the need of floodplains’ sanitation, so
ensure the volume and speed of flows heading rivers could be used for urban infrastructure
to dams located in the municipality’s Southern implementation and for the urban occupation
region. This flow had to be guided through of their flooding valleys. Such interventions,
cliffs in Serra do Mar to reach Cubatão Plant which were made to ensure multiple water
in São Paulo coastal area. These ventures were uses, have created a complex system that
made by São Paulo Tramway, Light & Power, presented specific features and needs.

Figure 2 – Construc on site of Pinheiros Riverbed correc on in 1930

Source: Fundação Energia e Saneamento (2020).

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

However, given its natural conditions, Nevertheless, these great changes did not get
this water basin had an efficient drainage limited to rivers and basins; they also regarded
system, which had flooding cycles that the structure of original reliefs in this territory.
covered huge extensions of the valleys. It Ab’Saber (2004) explains that the region
nurtured the soil and water springs in a broad where São Paulo was settled, which is located
water network. However, the implemented in the confluence between the valleys of Tietê
interventions broke its water regimes (Castro and Pinheiros rivers, has the prevalence of
A., 2020; Seabra, 1987). Central Spike as its main feature – its peak is
As a paradox, the dam projects put in located in Paulista avenue. The configuration
place to displace power generation plants if its relief has formed intermediate landing
ended up worsening the flood and inundation places between valley bottoms and the
issue, since these events reached areas that, highest coasts, which were appropriated for
at that time, remained free from conflict the implementation of avenues to promote
between water and urbanization (Seabra, internal transit through old pathways that
1987; Beiguelman, 1995; Segatto, 1995). were turned into important radial avenues.

Figure 3 – Nove de Julho avenue’s tunnel construc on site, and Trianon Belvedere, 1939

Source: picture by B. J. Duarte, taken in São Paulo in Black and White (2020).

676 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

A solution was proposed for the internal have access to drinking water and only one-
circulation problem because the high hills third of it was assisted by sewage networks.
around the Central Spike represented an There was a great public debate about water
obstacle to be overcome by streets that supply and sanitation matters by the mid-
impaired the access to neighborhood emerging 1960s and early 1980s (Travassos, 2005;
in the Southern zone, close to Pinheiros River’s Alencar, 2017). The construction of Paiva
surroundings, namely: using the gutters for Castro and Águas Claras dams in Juqueri
Tietê and Pinheiros rivers’ tributaries. It was river basin dates back to this time, and it
done by building avenues on valley bottoms complied with the first implementation
and tunnels, such as the case of Nove de Julho phase of Cantareira Water Supply System, 4
avenue (ibid.). which has reversed part of the water in
Travassos (2005) analyzes the main P iracicab a’s watersh ed. Alt h ou gh th e
urbanistic propositions to São Paulo associated implementation of the Cantareira System
with urban rivers and their floodplains. These has fulfilled most of the demand for water
propositions were divided into two different supply in Grande São Paulo region at that
phases. The first phase lasted from the mid-19th time – this region had been growing at quite
century to the early 1930s; it encompasses the accelerated pace –, its logic followed that
sanitation stage of the main rivers’ floodplains of the construction of Guarapiranga (1907)
the second phase took place after the 1930s; and Billings’ (1925) reservoirs. According
points out how the demographic growth in the to Silva (2002, p. 284), “water imported
city influenced the urbanization of new areas from Piracicaba Basin, which is later used
based on the construction of road system. for urban supply, would be discharged in
According to this author, the second phase Alto Tietê Basin and it would aggregate at
witnesses the consolidated occupation system flow close to 30m3/s and channeled through
set for rivers’ floodplains in place to build the Pinheiros towards the ocean slope” to feed
so-called valley bottom avenues. This project Billings’ reservoir.
was designed and made real by the Avenues’ At that time, the solution was to
Plan from 1930.3 These avenues were built in channel rivers and brooks to build the
the following decades; their construction went marginal avenues (sanitary avenues), this
on up to the 1970s. decision was hegemonic for water courses
in São Paulo City – the state and the federal
governments made investments in sanitation
Urban planning in São Paulo: programs. As a paradox, urbanistic plans
embodied transportation and sanitation
environmental ma ers matters, but they did not follow any drain
and water systems guideline. Another countersense lied on the
fact that construction sites to implement the
Back in the 1960s, water supply and sanitary road system on river valleys did not fulfil any
sewage conditions in São Paulo reached plan on general mobility (Travassos, 2010;
critical levels, half of the population did not Alencar, 2017; Castro A., 2020).

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Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

In addition, between the 1970s and 80s, planning, provided general guidelines to
São Paulo experienced a fast demographic drainage, water supply, sanitary sewage and
expansion towards peripheral regions. Areas garbage collection systems that were integrally
missing basic infrastructure were occupied analyzed and linked to several systems. It was
by irregular allotments and slums emerged done to review the concept of drainage from
in environmentally weak areas, such as the exclusively hydraulic approach adopted
valley bottoms and spring protection areas. for fast surface flow and transposition of
This process has reinforced the association flooding points, to concepts of systems
between environmental and housing liabilities integrated to drainage and sanitation plans, as
(Pasternak, 2010). According to Alvim et well as to soil use and occupation (Travassos,
al. (2006), between 1950 and 1970, which 2005). The enactment of Lei de Proteção de
corresponded to São Paulo’s ‘metropolization’ Mananciais (State Law n. 898, from 1975, n.
and to more intense conflicts among economic 1.172, from 1976, and State Decree n. 9.714,
growth, society and the physical medium. The from 1977) also dates back to this time; it
implementation of a complex road system aimed at disciplining soil use in water spring
and the intense migration flow from several areas of interest to the metropolitan area. This
regions in the country – people were seeking process forced restrictions to soil fractioning
job opportunities in the secondary and and occupation use, as well as the provision
tertiary sectors – intensified the population of sanitation infrastructure to 53% of RMSP as
move towa rd s p erip h era l an d f ragile urban-control form.
areas. This process has helped worsening Bac k in the 1 98 0s, the com pany
environmental issues in the region. In the elaborated a preventive and normative Plano
early 1950s, the population in São Paulo City Global de Drenagem to ensure the proper
comprised 2.155 million inhabitants, plus 500 occupation of basins that were not fully
thousand inhabitants in neighbor counties. In urbanized until that moment. Simultaneously,
1980, IBGE’s demographic census recorded Daee launched an Urban Drainage handbook
9,646,185 inhabitants in São Paulo City; São guided by these same principles, which
Paulo metropolitan region (RMSP) recorded exclusively refer to linear parks as solution for
12,549,856 inhabitants. Demographic rates in drainage issues; it proposed the “gathering
the 1970s pointed out the different dynamics of urban plans and drainage planning and
in the core-municipality in comparison to of upstream river water prevention and
the other municipalities in RMSP. While the floodplains’ maintenance to linear parks”
population in the capital grew by 3.7% per (Travassos, 2005, p. 74).
year, the resident population in the other Soon after, other solutions associated
RMSP’s municipalities was growing by 6.4% with soil use and occupation type started
per year in the same period (Pasternak, 2010). to be taken into consideration for flooding
In 1975, Empresa de Planejamento S/A areas. They promoted the conceptual review
(Emplasa), which is an autarchy of São Paulo on the actions regarding water courses,
State’s government in charge of metropolitan drainage and combat to flooding events. This

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Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

questioning process led to reviews on the idea of urban planning by determining the review
of channeling rivers and brooks as hegemonic and articulation of urbanization policies
form of public action (ibid.). in four structural networks, among them,
However, these concepts did not one finds the water network (Figure 4). It
influence the actions taken and did not encompassed rivers, brooks and thalwegs;
immediately reflect on São Paulo’s urban therefore, it should be the target of urban
planning. Such a statement was proven by the interventions for environmental recovery,
fact that while plans and committees were drainage, vegetation recovery and sanitation
organized to discuss soil use planning matters to promote water absorption, retention and
and urban water management, the City Hall flow, and the interruption of the soil sealing
put in place its Programa de Canalização de process. Thus, this action was incorporated to
Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo de a set of integrating elements (housing, social
Vale, in 1987 (Decree n. 23.440, from February equipment, green areas and public spaces)
16, 1987). This program faced adjustments aimed at promoting “the city’s conciliation to
since its launching, it was modified by Decree its natural territory” (Tripoloni, 2008, p. 196).
n. 32.995 (February 12, 1993) and its name The articulation of environmental policies
was changed to Brooks Channeling, Roads to urban development was set by a territorial
Implementation and Valley Social Funds division determined in two macro-zones,
Program, also known as Geoprocav.This namely: one for environmental protection and
program was run by the Urban Infrastructure the other for urban structuring and qualification.
Secretariat; it aimed at promoting and Therefore, urbanization was consolidated and
implementing brooks’ channeling, and new subjected to sub-city halls regional plans, so
roads – including the environmental and social that it was about to encompass and respond
recovery of valley bottom, based on quite to several scenarios in city territories. Actually,
restrictive actions mostly linked to treating in regions housing the structuring and urban
urban infrastructure (Castro A., 2020). qualification macro-zone, one finds all river
São Paulo urban planning held new valleys, and good part of them are subjected
parameters based on the influence of socio- to human action, a fact that opened room for
environmental matters that have prevailed conflicts between their occupation and flooding
from the 1990s onwards, at global scale, as events (Castro A., 2020).
well as in Brazil, from the 2000s on, due to the Therefore, PDE proposed to create
recently published City Statute. It adopted the Programa de Recuperação Ambiental de
concepts of right to the city and of the social Cursos de Água e Fundos de Vale, which
function of property, as well as embodied en comp ass ed a w h ole set of ac tions
participatory social policies that opened space coordinated by the Municipal Planning
for environmental issues as public agenda (ibid.). Secretariat (Sempla), by the Municipal
The 2002 Plano Diretor Estratégico Environment Secretariat (SMMA) and by the
(PDE 2002 – Municipal Law n. 13.430, from Municipal Housing Secretariat (Sehab), with
September 13, 2002) put the environmental the participatory action of local communities
and water resources issue in the mainstream and the private sector.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 679
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

Figure 4 – 2002 PDE, Structural Water Network

Source: São Paulo – Prefeitura Municipal de São Paulo (2020a).

680 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

This program aimed at recovering adopted for linear parks’ implementation did
degraded areas, re-assessing populations not encompass areas presenting the highest
living in vulnerable areas on the sides of hydrological risks as parameter, or inserted
rivers and brooks, improving the local road flood spots in it, because the municipality did
system, promoting environmental sanitation not yet count on a drainage plan.
actions and locating social equipment in parks’ Programa Córrego Limpo, launched
surroundings (Travassos and Schult, 2013). in 2007 by the partnership between the
The 2002 PDE embodied the linear City Hall and Sabesp, aimed at broadening
park concept as one of its main strategies to the depollution of water in basins in São
simultaneously fulfil urban demands and live Paulo municipality. It was acknowledged
with systematic flooding events in the region. that watersheds that had faced the full
Since it was a multi-functional approach, the implementation of sanitary sewage networks
strategy adopted to implement linear parks yet showed some degree of river pollution due
determined by the 2002 PDE was an attempt to the discharge of clandestine sewage, to the
to gather seve ral pu blic m an agement inappropriate disposal of solid waste, to lack
bureaus in their implementation. It was of sewage-collection network maintenance
observed in plans and programs concerning or to noon-systematic maintenance in them
environmental protection issues elaborated because of construction sites in course in the
since 2002, as well as the access to green region (Travassos and Schult, 2013; Castro A.,
and leisure areas, sanitation, drainage 2020). The Program was supported by the
and housing. It was similarly observed in implementation of linear parks and, from
Programa 100 Parques for São Paulo, in the the conceptual viewpoint, it acknowledged
Program for the Environmental Recovery of that “by structural construction sites, one
Water Courses and Valley Bottoms (Córrego must consider operational actions such as the
Limpo), in the Municipal Plan for Basic elimination of clandestine connections, and
Sanitation in São Paulo and in Programa the maintenance of environmental education
de Urbanização de Favelas (Travassos and programs” (Travassos and Schult, 2013,
Schult, 2013). p. 301) that comprise a whole set of non-
Programa 100 Parques was created structural measures that are more effective
in 2005 and implemented 56 new parks; it to urban water management when they are
reached the total number of 90 municipal associated with conventional drainage and
parks, along with the previously ones (São sanitation systems.
Paulo, 2012). The adoption of the linear This program has been operational since
parks’ concept was consolidated as solution 2007, although it faced few interruptions;
to protect APP areas, to the occupation of however, it related san itation to th e
risk areas and to combat flooding events maintenance of 161 brooks in São Paulo
and brook sides’ recovery. It also emerged State capital by late 2020 – it included the
as culture promotion and leisure option maintenance of water quality monitoring
for the surrounding populations. However, in 144 of these brooks (oxygen biochemical
as a paradox, the selection of perimeters demand, OBD – mg/l) (Sabesp, 2021).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 681
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

The Plano Diretor de Drenagem Urbana maintenance of a risk situation if they were
was included in Plano de Metas 2013-2016, not fully implemented in locations vulnerable
although it should be under the command to flooding events – it meant the creation of a
of a “municipal water entity” and have new liability.
technical, legal and institutional connection Among goals exposed in the 2014
to other municipalities composing the Alto PDE strategies (municipal law n. 16.050
Tietê Basin, as well as to federal and state from July 7, 2014), one finds the adoption
managerial bureaus closely associated with of t h e environ m enta l a gen d a , w h ich
water resources, sanitation and environmental emerged as supporting character in the city’s
management. development. It took river valleys and axes
It is worth highlighting that, at that time, in water networks as strategies to guide city
state law n. 7.663 (from December 30, 1991) growth by promoting densification in the
and federal law n. 9.433 (from January 1, 1997) surroundings of public transportation facilities
were already enacted. They provided on water and in regions presenting urban infrastructure
resources policies based on the following networks and systems. Valleys of the Tietê,
principles: adoption of watersheds as physical- Pinheiros and Tamanduateí rivers were
-territorial planning and management units, appropriated as metropolitan structuring axes;
and the integration of plans and programs to they were inserted in the Urban Structuring
municipalities belonging to the same basin. and Qualification Macro-zoning, which had
However, this dreamed integration did not featuring and perimeter similar to those
become true at that time and it is still under proposed by the 2002 PDE. However, they
construction. lost their amplitude and priority as urban
The bill focused on the Plano Municipal sustainability target.
de Habitação (2009-2024), which was not Based on the previous plan, river
approved, was pioneer in defining the housing valleys were seen as strategic regions for
policy and fundamental principles related the inter-sectoral integration of urban
either to land and building matters or to urban, management achieved by means of linear
environmental and infrastructure issues. parks’ implementation. The 2014 PDE, in its
Accordingly, among the parameters adopted turn, opened room for an approach referring
to classify priorities, one finds the classification to soil use ordering in this region, which had
based on precariousness criteria and on water prioritized urbanization to the detriment of
micro-basins, whose variables were added water capacity recovery in valley bottom areas
to three great dimensions: infrastructure, based on urban densification and increment
undercut or landslide risks, and health. The of public transportation systems – it did not
actions taken in valley bottoms for slums’ mention environmental issues.
urbanization programs were substantiated The 2014 PDE launched Programa de
by settlements’ maintenance. These actions Intervenção Urbana, also known as PIU, as new
were put in place through infrastructure urban transformation and ordering instrument
implementation to avoid removing these applicable to densification and transformation
populations, they could represent the axes. It regarded technical studies elaborated

682 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

by the public power to promote ordering and Finally, among advancements and
urban restructuring in underused areas with steps back in the application of concepts
transformation potential in São Paulo City. This concerning socio-environmental issues, the
PDE proposed the creation of PIU Arco Tietê, urban planning in São Paulo municipality
PIU Arco Pinheiros and PIU Arco Jurubatuba, favored paradigms and even implementation
which lay on the edges of these rivers. They strategies that face conflicts created by
aimed at urban, environmental and water the valleys’ bottom urbanization model,
recovery in these regions. Studies were carried These advancements and steps back did not
out by taking into consideration the existing contemplate a place for waters and poor
conflicts between soil occupation and sealing populations in the urban space; therefore,
in these areas, as well as the impacts that have they remain exposed to all sorts of risks, the
led to flooding events. interest in mobility and occupation expansion
These proposals considered remain as real estate strategy.
interventions that covered drainage systems It is possible observing that there is a
and the recovery of brooks, green areas, relapsing management issue that devalues
public spaces and mobility. However, it was public assets. It goes beyond the persistence of
possible observing little contribution of them obsolete concepts associated with urban water
to landscape and riverbeds’ requalification and outdoor spaces’ management, as well as
in areas close to the road system; this finding with São Paulo’s environmental features. Since
reinforced the prevalence of vehicles’ mobility. 2017, this municipality has been witnessing
Yet, in 2016 Fundo de Desenvolvimento advancements in the privatization of important
Urbano – Fundurb – was regulated by Decree parks and public spaces. These privatizations are
n. 57.547 from December 19, 2016. It is an excused by the “efficiency of the private sector”;
important mechanism to finance urbanistic this justification was supported by lack of
and environmental plans, programs and structuring in parks’ managerial councils, which
projects that integrate or derive from the have been essential participatory instances since
direction plan, which works with resources the project was defined, mainly because of the
obtained from the sales of granting to the right valuing, maintenance and close ‘surveillance’ of
of building due to onerous grant operations the quality of these spaces – they are promoted
provided by PDE instruments. Castro and Alvim by the public use of these spaces.
(2018), by analyzing Fundurb’s applications If one considers the unquestionable
between 2013 and 2016, have observed climate changes and the impacts that have
that most of the contemplated construction been caused by the urbanization phenomenon
sites had associated urban drainage services at global scale, it is possible stating that the
with both the remediation of geological and urban planning project faces challenges
waterbodies’ risks (brooks and steams), with related to overcoming sectoral models and the
roads’ repair and paving, and with sites, to discontinuity of public policies.
make adjustments in public squares based on Despite the proper and innovative
landscaping and on the installation of sports legal framework in Brazil, except for isolated
and leisure equipment. experiences, Brazilian cities keep on expanding

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 683
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

based on the orientation supported by the soil health, environment, climatic changes, water
occupation and planning model that favors resources, geology, infrastructure, education,
the most powerful sectors and agents. Such among others, as well as civil society’s
orientation takes into account environmentally representatives, in order to build a local
weak areas, ruins their natural patrimony and system to manage civil defense and protection
exposes their populations, mainly the poorest policies and actions. These measures aim
ones, to all sorts of risk situations and socio- social, economic and environmental recovery,
environmental vulnerabilities. as well as the reconstruction of ultimate
infrastructure and buildings (ibid.).
Risks management presupposes a
broad set of structural and non-structural
Natural Hazard risk measures that hold psycho-social aspects,
management in São Paulo such as material support actions to fulfil the
and the sectoral logics basic needs of the affected ones, actions to
encourage hope towards the recovery of daily-
The Brazilian policy life activities; as well as economic aspects:
subsidized credit lines, fiscal incentives, tax-
Natural Hazard risks management in Brazil free policies and other measures regarding the
is adjusted by Política Nacional de Proteção productive capacity to generate income and to
e Defesa Civil, also known as PNPEDC offer new job positions; environmental aspects:
(law n. 12.608 from April 10, 2012), which measures to recover degraded ecosystem due
provides on civil protection and defense to hazardous events; and structural aspects:
actions organized by prevention, mitigation, infrastructure reconstruction, buildings and
preparation, response and recovery actions facilities (ibid.).
regarding specific responsibilities that These losses worsen in Brazil due to lack
are, in their turn, based on a systemic and of programs and policies for risks management
continuous management. This management and damage mitigation, which are tools to
type organizes itself according to standards recover, reinforce and reestablish economic
by Sistema Nacional de Proteção e Defesa activities in affected areas and populations,
Civil – Sinpdec, which is managed by municipal mainly the ones affected by hydrological
and state civil defense bureaus and by other events, since they are the most frequent ones
sectoral and support organs. The National and generate material losses (Castro A., 2020).
Civil Protection and Defense Secretariat Reconstruction is an important part of
Sedec/MI – is its main organ, but it does recovery in scenarios affected by hazardous
not define any minimal structure for them, events; therefore, PNPEDEC (2012) highlights
since it preserves municipalities and states’ that such a phase must be supported by the
autonomy (Brasil, 2012). mandatory transference of federal resources
P N P D EC a d d re s s e s t h e n e e d o f destined to the full or partial recovery of
articulating sectoral public policies for infrastructure, buildings, and public or
territorial ordering, urban development, community facilities. Thus, these actions

684 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

must be planned from the perspective of São Paulo municipality created São Paulo
improving the original conditions in affected Municipal Civil Defense System in August 1978
areas and of incorporating preventive aspects through municipal decree n. 15.191/78 to
to them. These preventive aspects demand promote integration efforts, use the existing
interventions based on the analysis of disaster resources and provide proper assistance
scenarios capable of showing all factors during public calamity situations. Based on
influencing their occurrence, as well as current municipal decree n. 15.539/78, this system
and future risks. comprises two dimensions, namely: Municipal
Among the observed challen ges, Civil Defense Commission (Comdec), which is
one finds low quality of basic projects linked to the State Civil Defense Coordination
or incomplete ones; changes made in – it is composed of one representative from
construction projects that ended up generating each municipal secretariat and from the
high costs for expenses support, and, most of military assistance of the mayor’s office, and
all, the maintenance of inappropriate rules and to the District Civil Defense Commissions
standards set for territorial ordering, which (Coddec) that have free access to all Regional
previously allowed the occupation of risk areas Administrations (ibid.).
by human activities and buildings. In August 20 06, this system was
reorganized through municipal decree n.
47.534/2006, so it was adjusted to the
São Paulo and risks management:
standards set by the National Civil Defense
advancements and challenges
System, which are listed in federal decree n.
One of the first measures adopted by cities 5.376/2005. Comdec adopted the natural
to manage risks lies on mapping conflict and anthropic hazardous event reduction as
areas and on reordering their occupation its goal; its actions included not just rescue
by establishing new occupation rules and and help, but assistance actions and the
determining responsibility limits for the reestablishment of social normality, as well
public power and the population. Accordingly, as preventive actions aimed at avoiding or
the current approach acts in establishing a minimizing hazardous events by mapping
combination of structural and non-structural geological and hydrological risk areas.
actions, including adaptation to planning and Comdec was in charge of coordinating
construction laws and standards, as well as help and rescue actions in areas affected
warning plans and post-event support. by hazardous events; it also counted on the
The role and structures of municipal Municipal Civil Defense Council, known as
civil protection and defense bureaus account Consdec, which comprised representatives
for articulating reconstruction along with from several municipal secretariats. It had
sectoral bureaus at their governmental level. to make sure about the articulation of public
These organs are in charge of institutional and policies related to civil defense and to other
sectoral competences referring to construction sectors of the Municipal Administration.
sites, finances, social assistance, urbanization This organization granted Comdec with a
and the environment (São Paulo, 2018). much more favorable position, since sub-

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 685
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

city halls have contact with all secretariats through roads and railways crossing the city
of the municipal city hall and are quite – only recently the city incorporated risks
close to the mayor’s office, as well as to the management plans (Malheiros Figueira and
territory and its communities. However, in Candeias de Almeida, 2020). Occurrence
April 2018, municipal decree n. 58.199/2018 records are carried out and the specific
became a specific unit of the Municipal conditions of each region are assessed
Urban Security Secretariat. Accordingly, it to outspread warnings; in this case, the
lost a broader articulation and got limited to emergency state is issued (São Paulo, 2021).
actions to respond to natural hazard events. Reports in the last PPCV, 2019-2020,
It was no longer a planning unit focused on provide records of occurrence based on
establishing preventive actions that were not their nature. These reports corroborate the
limited to structural measures or emergency indices presented in the assessed studies and
actions (ibid.). in reports by international risk monitoring
Important conceptual inquiries were bureaus that point out the great incidence of
adopted in Condec’s deliberations after the floods and inundations (ibid.).
1988 Constitution was enacted and after the However, vulnerabilities, disarticulation
State Water Resources Policy (São Paulo). Its and inconsistency are notable; they put
participatory profile stood out among the pressure over this important program
most expressive ones, for example: systemic to prevent inundations.5 São Paulo
approach in risks management; adoption municipalities do not count on a general map
of watersheds as territorial units for the of inundations or on a system of historical
establishment of preventive actions regarding and georeference d record s for th es e
flooding events and inundation, and the locations; only flooding events that lead
organization of communities to participate to interruptions in vehicles’ flow in public
in discussions related to strategic actions and roads have records registered in systems
preventive measures to be adopted in risk georeferenced by Companhia Estadual de
areas. These measures aimed at ensuring, Tráfego (CET). This scenario evidences the
not just the adhesion to, but the permanence persistence of wrong urbanization concepts
in preventive programs, regardless of the adopted for valley bottom areas; these
administrative management. concepts are substantiated by public actions
Since 2001, the Risk Management and policies that favor vehicles’ mobility and
Plan and the Summer Rain Preventive Plan flow to the detriment of populations living
(PPCV) have been treated as permanent in these areas in São Paulo City – these areas
action in São Paulo; they aim at providing are systematically exposed to risks and losses
supp ort to p reventive geological and (Castro A., 2020).
hydrological risks actions. The technological With respect to the availability of
risk situations are addressed as accidents in data for free public access, one can find the
urban infrastructures (water, electric power, Geotechnical Letter of São Paulo Municipality,
gas and sewage) and in systems aimed at which can be consulted in and downloaded
transporting chemical fluids and products from the Geosampa system. 6 It counts on

686 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

georeferenced data about risks’ evaluation due There were no advancements regarding
to the assessment and classification of areas the implementation of an inspection system
described in the 2010 mapping; therefore, it for risk areas. Based on risk areas’ mapping,
demands up-dating. which is by the way obsolete, risk situations
The aforementioned frame led to the must be monitored according to occurrence
need of building a prevention system and of records and act by activating sub-city halls’
supporting areas exposed to risk situations. inspection units – Sub-city halls account for
However, the built system reflects an all sorts of assistances within its areas of
exclusion and non-prevention culture, which action. The structuring of this Secretariat,
neglects populations exposed to risks and itself, which encompasses issues concerning
does not respect systems and environmental Public Security and Risks Management,
dynamics (ibid.). shows inconsistencies and misunderstandings
Th e PM RR revi ew wa s not fu lly about the importance of these public
performed, but it was carried out until policies. Matters regarding public security
December 2020; only information from 11 sub- do not directly concern the prevention of
city halls were up-dated, according to report hydrological and geological risks, which are
by the Civil Defense of São Paulo City Hall prone to actions and programs involving soil
published on its website (São Paulo, 2020b). occupation processes. The fact that public
It also informs that the screening of risk areas agents such as policemen, firemen or even
is still being done by the Municipal Urban the military gather to help victims in case
Security Secretariat (SMSU) – it is directly in of natural hazard events does not feature
charge of the Municipal Civil Protection and the nature and object of risks’ prevention
Defense Coordination, also known as Comdec. policies. Water and soil cannot be policed.
Records of risk areas occurrence Functioning, without up-dated data and
and removal are kept by Comdec, at the the consolidation of a system to monitor
24-h Integrated Control Center of the City and map risk areas, points towards that
(CCOI), which manages Technical Advises for the performance of these bureaus is not
Construction Ventures and Services by the substantiated by planning, it is not based on
Municipal Sub-City Halls Secretariat. However, prevention, and is limited to give support to
information about occurrence records is quite emergence situations (Castro A., 2020).
recent, as expressed by information collected Because most of these occurrences
from interviews carried out with Comdec take place in vulnerability, and in geological
members. As for removals of households and hydrological instability areas occupied
located in risk areas, the Municipal Housing b y p o o r p o p u l a t i o n s , i t i s n o t h ard
Secretariat is in charge of controlling housing acknowledging the reflexes of the historical
assistance, and it reinforces a disperse and n eg l igen c e w ith p la nn ing a n d p u b lic
disarticulated action. management on all urban fabric.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 687
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

Final considera ons itself. This process evidences the capture


of good public planning and management
The actions taken by public management instruments to only fulfil private interests.
bureaus concerning the ordering of river Processes to restructure drainage
valleys’ occupation was marked by the infrastructure systems, in their turn, are not
sectorization and disarticulation that remain fully covered. Because the drainage system is
in place, even in the recent history of São competence of the city hall; therefore, little
Paulo urbanization. Although from the 2000s is done by private concessionaries, which
on the environmental agenda was addressed oversee managing drinking water, sewage and
in discourses about public policies by direction urban cleaning infrastructure networks. As
plans and sectoral projects, the power of aforementioned, risks management nowadays
private agents remains in the mainstream is taken as public security issue, as if it was
of the agenda that must be materialized as possible for urban water to respect the power
part of privileges favoring these sectors that, of police departments.
in their turn, have historically set how, to Analyses about risk management actions
whom and where São Paulo City grows and taken by federal bureaus point out that still
organizes itself. we have a lot to advance either from the
From the direction plans’ viewpoint, regulation or, mostly, from the managerial
the most recent advancements in 2002 PDE viewpoint. Lack of clear determination
and 2014 PDE are unquestionable. The 2002 about the responsibility of State agents for
PDE was pioneer in defining the city’s water financial support and covering to overcome
network as the very urban structuring axis and material damages deriving from hydrological
a set of linear parks that should privilege water events were actions not incorporated to the
courses, which are mostly buffered by the road construction of legal frameworks or to risks
system. The PDE 2014, in its turn, defined river management. Still, concepts guiding the
valleys located in the water networks’ axes of neoliberal policies to reduce the presence
large rivers in the city as priority territories for of State prevails broadens the participation
metropolitan development in association with of private agents who only care about this
densification strategies adopted for public complex territory – represented by São Paulo
transportation axes and for regions presenting City. Oftentimes, these areas, which are much
urban infrastructure networks and systems. more valorized, are less exposed to the effects
Despite the observed improvements, of hydrological and geological hazard events.
the recent experience encouraging the private The fact that Civil Defense bureaus do
initiative to develop PIUs shows, once more, not count on essential inundation maps to
that the exploration of soil value by the real substantiate prevention studies focused on
estate market still prevails. Such a value has these events, as well as on a digital system
little or no counterpart from public investment to register events and calls, evidences the

688 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

socio-spatial segregation that still prevails in approach to sub-city halls. It is so, because
urban soil management in São Paulo. Such a sub-city halls are directly related either to the
basic structuring has to be faced in order to Mayor’s Office or to the territory itself.
guide the management of São Paulo territory It is important highlighting that some
by adjusting and embodying the hydrological cities in Brazil and on the globe have been
dynamics and urban rivers in its agenda. updating their hydrological and geological
The Emergency Management Center, hazard events data, by considering the
known as CGE, by São Paulo City Hall has been unquestionable influence of climatic changes
responsible for monitoring the meteorological on the rainfall regimes. Accordingly, the
conditions in the Capital since 1999. It was following cities stand out in the world scenario:
launched in November 1999 after a large scale Blumenau, Santa Catarina State; and New York,
inundation in the Anhangabaú Tunnel region, in the USA.
in March of this same year. This bureau was Blumenau incorporated limitations to
in a room in the headquarters of Central de flooding areas to its Direction Plan back in
Operações da Companhia de Engenharia 1989 by articulating a municipal civil defense
de Tráfego (CET). It acts in partnership with plan to sanitation, housing, environment,
the Municipal Civil Defense Coordination water resources and territorial ordering
(COMDEC) to prevent the harming effects plans. These municipal hydrological risks
of rainfall. This center stores records of prevention plan is in compliance with the
inundation and flooding points, as well as “Integrated Plan for the Prevention and
keeps a website for public access. The fact Mitigation of Natural Hazard Events risks in
that CGE acts in partnership with and under Itajaí Rivers’ Hydrological Basin” (PPRD-Itajaí)
the guardianship of CET evidences how the – which shows regional scale and is under the
vehicles circulation issue and transportation responsibility of the state government. Itajaí-
remains as priority to the detriment of risks’ PPRD results from an action of Santa Catarina
prevention. Finally, urban soil expansion and government, which was taken along with the
exploration in the municipality is favored International Japanese Cooperation Agency,
by the real estate sector. This process is also known as JICA
articulated to individual transportation New York City, in its turn, has been up-
means displacement, which impairs the socio- dating and making normative adjustments in
environmental agenda. soil zoning, and it has been done to reduce
Therefore, it is worth giving back to the impacts from extreme hydrological events.
Comdec the articulating role of managing risks Standards in 2013 Inundation and 2015
São Paulo, to reach the goal of preventing, Recovery aimed at facilitating the adjustments
mitigating, preparing, responding to and of construction sites to fulfil the minimal
recovering different risk situations in the city requirements set by construction patterns
by adopting an inter-sectoral and articulated resistant to inundations.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 689
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

São Paulo, despite the pointed out and material and financial resources, on a
institutional advancements, still deals with yearly basis, at every rainy season. Given the
these matters without integrated planning, recent climatic changes, the risk of flooding
without the support of up-dated material events in the city is still growing, and it points
data, with reduced teams. All these features towards an uncertain and non-sustainable
highlight the historical delay that affects lives, socio-environmental future.

[I] https://orcid.org/0000-0002-9966-9788
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
afonso.celso.castro@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0001-7538-2136
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
angelica.alvim@mackenzie.br

Acknowledgement
We are grateful for the support from the following ins tu ons: Universidade Presbiteriana Mackenzie
(PhD scholarship); Fundo MackPesquisa (Research Project funding) and Capes Proex (transla on
of the ar cle).

Translation: this article was translated from Portuguese to English by Deyse Assis de Miranda,
deyse@gooddealconsultoria.com

690 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022


Urbanization and management of hydrological risks in São Paulo

Notes
(1) The PhD thesis was presented by Castro (2020) at PPGAU/UP, it is part of a broader research
called “Urbaniza on Projects of Precarious Se lements and of Environmental Protec on Areas:
dimensions of sustainability”, which is coordinated by Angélica T. Bena Alvim and funded by
Fundo MackPesquisa and CNPq (edital Universal 2018).

(2) The geographic limits of Alto Tietê basin (BAT) almost entangle the managerial limits of São Paulo’s
metropolitan region (RMSP) (Alvim, 2003).

(3) In 1930, Engineer Francisco Prestes Maia elaborated Plano de Avenidas in order to guide the
city’s development. Based on the “haussmannian” model, Prestes Maia proposed a road
system capable of fully remodeling the city, which would be designed based on perimeter radial
structure – the irradia on perimeter -; this is a formal model that should be adjusted to the city’s
topographic condi ons. In 1938, Prestes Maia became the mayor and put his project in place,
he implemented quite significant ac ons to the city, such as kept on channeling Tamanduateí
River, enlarging Rangel Pestana Avenue, extending Rebouças Avenue, prolonging Pacaembu
Avenue un l reaching Tietê River and Nove de Julho Avenue by implemen ng a tunnel crossing
underneath Paulista Avenue, among others. If, on the one hand, the Avenues’ Plan can be seen
as an instrument to picture São Paulo’s moderniza on, on the other hand, it accounted for its
unlimited expansion and for the model adopted to occupy the valley bo om avenues. (Abascal,
Bruna, Alvim, 2007).

(4) Nowadays, Cantareira Water Producer System, one of the biggest of its kind in the world, produces
33 m3/s of water and supplies 8.8 million people in RMSP. Its conception encompasses the
transposi on between two watersheds; it imports water from Piracicaba watershed to Alto Tietê
basin. Of the 33m3/s produced by this system, only 2m3/s are produced in Alto Tietê basin, by
Juqueri River; 22m3/s come from Jaguari-Jacareí reservoirs, whose basins are mostly inserted in
Minas Gerais State – the remaining water is found in Piracicaba River basin. Cantareira System
management is ruled by the Na onal Agency of Waters (ANA) and by the Department of Waters
and Electric Power of São Paulo State (Daee), (ANA, 2021).

(5) The Drainage Book has been developed; it encompasses the Municipal São Paulo Water System
Management Plan – PMAPSP. These books provide maps of inunda ons in water sub-basins in
São Paulo municipality which are elaborated by the Technical Hydrological Center of USP Poly-
technical School. It also presents data, informa on, studies and the proposi on of measures to
control cri cal events. So far, books about 12 of the 186 sub-basins that are catalogued by the
city hall were elaborated and published. Available at h ps://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/
secretarias/obras/obras_de_drenagem/index.php?p=230496.

(6) Available at: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx. Accessed on:


December 8, 2021.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 691
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim

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Received: August 27, 2021


Approved: December 8, 2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 695
Potencialidades e contradições do FMSAI
no município de São Paulo – 2011-2018
Potentialities and contradictions of the Municipal
Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure
in the city of São Paulo – 2011-2018
Lucas Daniel Ferreira [I]

Resumo Abstract
O presente artigo propõe uma análise crítica so- This article proposes a critical analysis of
bre a política de saneamento no município de the sanitation policy in the city of São Paulo,
São Paulo, com enfoque para atuação do Fundo focusing on the performance of the Municipal
Municipal de Saneamento Ambiental e Infraes- F und fo r E n vi r o nm enta l S ani tati o n an d
trutura – FMSAI, entre 2011 e 2018. Para tanto, Infrastructure (FMSAI) between 2011 and 2018.
ilustra a relevância do fundo municipal em re- It illustrates the relevance of the municipal fund
lação a outras fontes de recursos e detalha sua in relation to other sources of resources and
execução orçamentária nesse período. A propos- details its budget execution in this period. The
ta metodológica adotada buscou compreender o methodological proposal adopted here aimed to
papel do FMSAI na busca pela universalização do understand the role of the FMSAI in the pursuit
saneamento, considerando duas dimensões essen- of universal sanitation considering two essential
ciais: os investimentos ao longo do tempo e sua dimensions: investments over time and their
distribuição no território. Os resultados apresen- distribution in the territory. The results indicate
tados indicam que, apesar de incorporar o caráter that, despite incorporating the intersectoral
intersetorial da polí ca de saneamento ambiental character of the environmental sanitation policy
em seu desenho ins tucional, sua execução levou in its institutional design, its execution led to the
ao acirramento do conflito distribu vo inerente ao worsening of the distributive conflict inherent in
orçamento público. the public budget.
Palavras-chave: fundo público; orçamento público; K e y w o r d s : p ub l i c f und ; p u bl i c b u d ge t;
saneamento ambiental; governança da água; polí- environmental sanita on; water governance; urban
ca urbana. policy.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5411 Crea ve Commons Atribu on
Lucas Daniel Ferreira

Introdução nacional reconheceu os municípios como


titulares dos serviços de saneamento básico
A literatura crítica sobre o papel do fundo pú- no País, abrindo a possibilidade de o poder
blico (Oliveira, 1988) e suas implicações na re- local instituir, por meio dos chamados contra-
produção do capital, de um lado, e na reprodu- tos de programa, os convênios de cooperação
ção da força de trabalho, de outro, evidenciou junto às Companhias Estaduais de Saneamen-
a importância da atuação estatal no domínio to Básico – CESBS. Nesse sentido, estabeleceu-
econômico (Bercovici e Massoneto, 2006). O -se que os municípios poderiam, isoladamente
orçamento público do Estado de Bem-Estar-So- ou em consórcios públicos, criar fundos com o
cial, em sua origem, teria como características objetivo de custear a universalização do aces-
fundamentais a prestação de serviços públicos so ao saneamento, a partir do investimento de
e a garantia de direitos sociais. No entanto, parcela da receita oriunda dos serviços de sa-
a condição periférica da economia brasileira neamento básico.
jamais alcançou o padrão de financiamento De acordo com levantamento do Institu-
keynesiano dos países centrais, passando por to Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 1
processos de maior instabilidade. o número de municípios que declararam
Tendo em vista o direito humano à água possuir fundo municipal para essa função pas-
e ao saneamento, a atuação estatal sobre o sou de 215 (3,9%), em 2011, para 580 (10,4%)
financiamento das infraestruturas de água e em 2017.
esgoto é caracterizada pela necessidade de No caso de São Paulo, chama a aten-
um alto grau investimento, fazendo com que ção, por um lado, a diversidade das ações que
as práticas de subvenções ou subsídios públi- podem ser financiadas a partir dos recursos
cos sejam, historicamente, usuais no setor de desse fundo municipal, o que demonstra uma
saneamento básico em escala global (Heller et leitura intersetorial do saneamento ambien-
al., 2014). No caso brasileiro, parte importante tal (Moretti e Moretti, 2014). Por outro lado,
dos recursos investidos pelos agentes privados considerando que o orçamento público é um
não se caracteriza como recursos próprios, espaço de mediação do conflito em torno dos
mas sim como recursos, majoritariamente, recursos do fundo público, o conflito distribu-
advindos de fundos e bancos públicos – como, tivo tende a acirrar-se no momento da divisão
por exemplo, FAT, FGTS e BNDES – com o obje- desse fundo entre as diferentes políticas públi-
tivo de alavancar as atividades do setor a partir cas, especialmente em um cenário de recessão
de taxas de juros consideravelmente atraentes econômica e estagnação das receitas munici-
(Britto e Rezende, 2017). pais (Peres, 2020), conforme veremos adiante.
A Lei Nacional de Saneamento Básico (lei Nesse sentido, o presente artigo visa
n. 11.445/2007) teve o papel de preencher o explorar as potencialidades e as contradições
vazio institucional (Britto, 2011; Heller et al., presentes na atuação do Fundo Municipal
2014) que marcava a política nacional de sa- de Saneamento Ambiental e Infraestrutura –
neamento desde o fim do Plano Nacional de FMSAI de São Paulo e está organizado em qua-
Saneamento – Planasa. O marco regulatório tro seções, além desta introdução. A primeira

698 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

apresenta a relevância do fundo municipal De acordo com o contrato de presta-


no financiamento da política urbana a partir ção de serviços públicos de abastecimento de
de uma análise comparativa com as princi- água e esgotamento sanitário, 2 uma parcela
pais fontes de recursos. A segunda trata da dos recursos obtidos pela Sabesp a partir da
execução orçamentária do FMSAI e de suas exploração dos serviços de abastecimento de
alterações no período de 2011 a 2018, com água e esgotamento sanitário deve ser repas-
enfoque para as disputas acerca da alocação sada ao FMSAI, com o objetivo de complemen-
de seus recursos. Na terceira, exploramos a tar a atuação da Sabesp no município.
dimensão espacial dos investimentos nesse No entanto, a finalidade do Fundo seria
mesmo recorte temporal. Por fim, as consi- investir em amplo leque de obras e serviços re-
derações finais apontam, com base nos dados lativos a: (1) intervenções em áreas ocupadas,
apresentados, para as contradições presentes predominantemente, por população de baixa
na execução do fundo municipal. renda, visando à regularização urbanística e
fundiária de assentamentos precários; (2) pro-
visão habitacional para atendimento de famí-
Potencialidades do FMSAI lias em áreas de influência ou ocupadas predo-
na polí ca urbana minantemente por população de baixa renda;
(3) desapropriação de áreas para implantação
do município de São Paulo das ações de responsabilidade do Fundo; (4)
limpeza, despoluição e canalização de córre-
O início dos anos 2000 foi marcado pela dispu- gos; (5) drenagem, contenção de encostas e
ta sobre a titularidade dos serviços de sanea- eliminação de riscos de deslizamentos; (6) im-
mento entre estado e município de São Paulo. plantação de parques e de outras unidades de
Após tentativas frustradas de municipalização conservação necessárias à proteção das condi-
dos serviços, regulamentou-se um modelo de ções naturais e de produção de água no muni-
governança compartilhada de abastecimento cípio, de reservatórios para o amortecimento
e esgotamento sanitário na capital paulista. de picos de cheias, de áreas de esporte, de
O convênio e o contrato, instituídos em 2010 obras de paisagismo e de áreas de lazer (São
(São Paulo, 2010a e 2010b), asseguraram a Paulo, 2010b).
prestação de serviços pela Companhia de A gestão dos recursos do Fundo é rea-
Saneamento Básico do Estado de São Pau- lizada por um conselho gestor, presidido pela
lo – Sabesp pelo prazo de 30 anos, definindo Secretaria de Habitação e composto por outras
as atribuições de ambos os entes federativos, oito secretarias municipais3 e três conselhos de
tanto do estado, através da Sabesp e agência representação da sociedade civil e organizada.4
reguladora, quanto do município. De maneira As deliberações do conselho gestor são publica-
geral, com pouca descentralização e controle das no Diário Oficial da Cidade e divulgadas no
social e forte viés econômico-financeiro (Mo- site oficial do fundo, visando à transparência das
retti e Moretti, 2014; Ferreira, 2020). discussões realizadas no âmbito do conselho.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 699
Lucas Daniel Ferreira

Fluxograma 1 – Fluxo dos recursos do FMSAI.


Funções de governo sinte zam as ações adotadas na metodologia

Fonte: elaboração própria com base nas ações definidas pelo convênio de governança compar lhada.

A composição institucional do conselho Para compreender a relevância do


gestor, ainda que apresente limitações no que FMSAI no financiamento da política urbana,
se refere ao controle e à participação social, habitacional e de saneamento na cidade de
sugere a superação de uma lógica setorial na São Paulo, é necessário entendê-lo como uma
aplicação de recursos públicos municipais. As- fonte de recursos municipal robusta e perene.
sume-se, portanto, o caráter intersetorial na po- Para isso, propomos uma análise comparativa
lítica de saneamento ambiental do município. com outras fontes de recursos importantes
Cabe observar que o Plano Municipal de para o desenvolvimento da política urbana na
Saneamento Básico, coordenado pela Secretaria escala local.
Municipal de Habitação, foi elaborado em 2010 As transferências de recursos da União
e prevê um horizonte de planejamento de 20 para o financiamento da política urbana no
anos, com atualizações periódicas quadrienais. município de São Paulo, entre os anos de 2003
No entanto, apenas no ano de 2019 a prefeitura e 2016, demonstram dois períodos evidentes
de São Paulo lançou uma revisão complementar de maior capacidade de investimento. O pe-
ao plano com novas diretrizes, visando à revisão ríodo de 2007 a 2012 foi marcado pelo lança-
integral do PMSB para o ano de 2020. mento do Programa de Aceleração do Cresci-
O referido plano, instituído através de mento – PAC, voltado principalmente a obras
decreto municipal n. 58.778 de maio de 2019, e serviços de urbanização de assentamentos
não estabelece um plano de investimentos precários e regularização fundiária, atingindo,
considerando os recursos do FMSAI ou os re- em 2009, sua maior marca, na ordem de 260
cursos realizados pela Sabesp no município milhões de reais (Gráfico 1). Nesse mesmo
nos anos de 2019 e 2020, deixando-o a cargo, ano, é inaugurada a segunda fase do programa
respectivamente, do conselho gestor do fundo federal (PAC – II), que se estende até o final do
e do comitê gestor do contrato. ano de 2016, em constante queda.

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

Gráfico 1 – Receita do município de São Paulo


através de convênios e transferências federais, recursos des nados às ações de
desenvolvimento urbano. Valores anuais em milhões de reais corrigidos para 2016

Fonte: Royer, Santos e Filocomo (2018).

No período de 2013 a 2016 verifica-se Ao observarmos a receita do município


importante incremento de repasses federais de São Paulo através dos repasses de con-
destinados a projetos de infraestrutura urbana vênios estaduais, temos que, entre os anos
na cidade de São Paulo, atingindo um pico de 2006 e 2009, grande parte dos repasses ocor-
mais de 279 milhões de reais em 2014. A partir reu na função habitação, devido a convênios
de 2013, chamam a atenção a redução dos re- assinados entre Sehab e a Companhia de De-
passes para as obras de habitação e o aumento senvolvimento Habitacional e Urbano do Go-
exponencial para as obras de infraestrutura e verno do Estado – CDHU, voltados principal-
serviços urbanos a partir do convênio entre Se- mente à construção de novas unidades habi-
cretaria de Infraestrutura Urbana – Siurb e Mi- tacionais. Entre os anos 2010 e 2012, o gover-
nistério das Cidades – MCidades (Royer, Santos no do Estado, enquanto tomador de um novo
e Filocomo, 2018). contrato junto ao Programa de Aceleração do

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 701
Lucas Daniel Ferreira

Crescimento – PAC, também conhecido como da operação FMSAI, responsável por con-
PAC Mananciais, repassou recursos importan- centrar 67% de todos os recursos estaduais
tes que visaram a obras e serviços de urbani- repassados ao município de São Paulo entre
zação e saneamento básico nas áreas de ma- os anos de 2003 e 2016. Ao todo, o FMSAI
nanciais das represas Billings e Guarapiranga. transferiu mais de 2,4 bilhões de reais à capi-
A cooperação estadual para o financia- tal entre 2011 e 2016, o que explica a inflexão
mento do desenvolvimento urbano paulistano apresentada pelo Gráfico 2 (Royer, Santos e
ganhou nova dimensão em 2011, com o início Filocomo, 2018).

Gráfico 2 – Receita do município de São Paulo


através de convênios estaduais, recursos repassados ao FMSAI.
Valores em milhões de reais corrigidos para 2016

Fonte: Royer, Santos e Filocomo (2018).

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

Importa apontar que os recursos do vez que desempenham, muitas vezes, papéis
FMSAI repassados pela Sabesp não represen- complementares na estrutura orçamentária
tam propriamente uma transferência estadual de algumas secretarias municipais.
de recursos fiscais ao município de São Paulo. O Fundurb, criado no ano de 2002 pelo
Considerando que tais recursos são receitas Plano Diretor Estratégico, tem como principal
oriundas do contrato de concessão e presta- característica a redistribuição dos ônus da valo-
ção de serviços, deveriam ser classificados co- rização imobiliária para a coletividade. De acor-
mo receita própria do município. No entanto, do com o Plano Diretor Estratégico de 2014,
essa distorção contábil permanece até os dias prevê-se de destinação de recursos do fundo
de hoje. para seis funções prioritárias: (1) programas de
Comparando as receitas estaduais e fe- habitação de interesse social; (2) implantação
derais do município de São Paulo, através dos de sistemas de transporte coletivo; (3) ordena-
gráficos apresentados anteriormente (Gráficos mento e direcionamento da estruturação urba-
1 e 2), pode-se ter uma noção da relevância do na; (4) implantação de equipamentos urbanos
FMSAI no financiamento da política urbana em e espaços públicos; (5) proteção de áreas de in-
relação aos repasses de programas federais teresse histórico, cultural ou paisagístico; e (6)
como o PAC (I e II). Tomando como exemplo o criação de unidades de conservação.
ano de 2014, ano de maior receita via repasses A fim de demonstrar a importância do
federais e uma das menores receitas estaduais Fundurb na execução orçamentária das secreta-
da série histórica,5 as transferências federais rias municipais que têm acesso aos seus recursos,
atingiram a marca de aproximadamente 300 Paim (2019, p. 24) aponta que “o volume de re-
milhões de reais, e os recursos do FMSAI che- cursos do Fundurb utilizado pela Secretaria Mu-
garam à casa dos 400 milhões de reais no ano. nicipal de Habitação, quando comparado com o
Em um cenário de crise fiscal e incons- valor liquidado do orçamento da secretaria em
tâncias nos repasses da União – através dos 2016, chega a representar quase 50%”.
programas federais como PAC e MCMV –, o Ainda que o Fundurb tenha uma parti-
município de São Paulo amplia sua autonomia cipação importante no orçamento destinado
orçamentária e financeira através da institui- ao desenvolvimento urbano de São Paulo, os
ção do FMSAI. recursos do FMSAI representam a maior par-
Outra fonte de recursos importan- cela. A relação entre as despesas totais de am-
te para a cidade de São Paulo é o Fundo de bos os fundos, se considerarmos os recursos
Desenvolvimento Urbano – Fundurb. Uma totais liquidados, em todas as suas funções
análise comparativa em relação a esse fundo de governo, temos uma média de 65% para o
municipal, também protagonista do financia- FMSAI e 35% para o Fundurb, no período en-
mento do desenvolvimento urbano, contri- tre o ano de 2011 e 2019 (Gráfico 3). O ano
bui para ampliarmos o entendimento sobre de maior disparidade entre a participação dos
o papel do FMSAI. Não se trata, contudo, de dois fundos no financiamento das políticas ur-
uma análise comparativa, a fim de hierarqui- banas foi 2017, quando o FMSAI representou
zar a importância de ambos os fundos, uma 80% e o Fundurb, 20%.

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Gráfico 3 – Relação entre despesas totais dos fundos FMSAI e Fundurb.


Valores em porcentagem

Fonte: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaboração própria.

Devido ao fato de que a principal fonte (26%), enquanto o FMSAI concentrou uma
de recursos do Fundurb é a arrecadação da execução orçamentária acima de 3,2 bilhões
Outorga Onerosa do Direito de Construir – (74%), apresentando uma capacidade financei-
OODC, sua receita depende diretamente da ra três vezes superior.
atividade imobiliária na cidade, fazendo com A análise dos dados desenvolvida na pre-
que os recursos disponíveis nesse fundo sente seção expressa a importância do Fundo
tenham uma variação considerável de ano Municipal de Saneamento Ambiental e Infraes-
para ano. Além disso, o fato de a captação trutura, em números gerais, no financiamento
de recursos do FMSAI ser baseada em por- de política urbana do município de São Paulo,
centagem da receita sobre os serviços de especialmente no que se refere às funções de
água e esgotamento sanitário faz com que governo habitação e saneamento. Em termos
sua receita seja tendencialmente mais cons- de volume de recursos, o FMSAI atingiu uma
tante, fato este que também reflete em sua dimensão sem precedentes no município, am-
execução orçamentária – como veremos na pliou a autonomia do município em relação
seção a seguir. aos repasses federais do PAC I e II e se con-
Sobre os valores absolutos liquidados solidou como a principal fonte de recursos da
nas funções habitação e saneamento, entre política habitacional, de saneamento ambien-
2011 e 2018, o Fundurb apresentou um to- tal e infraestrutura, com maior estabilidade e
tal de investimentos da ordem de 1,1 bilhão robusteza que o Fundurb.

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

Gráfico 4 – Valores liquidados nos fundos FMSAI e Fundurb,


nas funções de governo habitação e saneamento, no período de 2011 a 2018.
Valores atualizados para 2018, com base no índice IPCA

Fonte: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaboração própria.

A execução orçamentária eventual saldo no encerramento de um exer-


cício ser transferido para o exercício seguinte,
em perspec va: alocação garantindo, assim, que os recursos – vincula-
dos recursos no período dos às atividades específicas – não retornem
2011-2018 ao tesouro municipal ou a outras finalidades.
O fato de os fundos públicos contábeis
O Fundo Municipal de Saneamento Ambiental garantirem seu orçamento de um ano para o
e Infraestrutura – FMSAI, assim como outros outro é importante para olharmos para a exe-
inúmeros fundos públicos municipais, é um cução orçamentária do FMSAI. Nesse sentido,
mecanismo de gestão orçamentária e finan- apesar de o fundo ter sido criado por lei no
ceira que funciona através da vinculação das ano de 2009,6 o convênio de cooperação e seu
receitas definida por lei, dotação orçamentária respectivo contrato só foram assinados em ju-
específica e uma conta específica para as tran- nho de 2010 e, portanto, os primeiros repasses
sações financeiras. Do ponto de vista da gestão da Sabesp ao município ocorreram apenas no
orçamentária e financeira, a vantagem de se terceiro e quarto trimestres do ano de 2010.
operar o orçamento através de um fundo, para Além disso, os primeiros investimentos foram
além da vinculação da receita, é o fato de um realizados a partir do ano de 2011.

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Lucas Daniel Ferreira

A leitura da execução orçamentária do O primeiro ano de execução orçamentá-


fundo sugere-nos uma análise separada em ria do FMSAI (2011) foi o ano de mais alto de-
três diferentes fases: (1) 2010 e 2011 – por sempenho do ponto de vista de volume de re-
serem marcados como anos atípicos – os cursos: devido ao saldo acumulado do exercício
repasses realizados em 2010 compuseram anterior, a despesa ultrapassou a receita e atin-
a Lei Orçamentária Anual de 2011, quando giu a marca superior a 550 milhões de reais no
vieram a ser contabilizados como despesas; ano. Nesse ano, praticamente todo o recurso
(2) de 2012 a 2014 – o fundo operou com a disponível no fundo executado foi concentrado
mais alta capacidade de investimentos, acima na Secretaria de Habitação, pasta responsável
de 400 milhões de reais por ano; (3) 2015 a por presidir o Fundo – como veremos adiante.
2018 – período pós-crise de gestão hídrica, no Em 2012 e 2013, as despesas do Fun-
qual os repasses estaduais tiveram importante do foram relativamente constantes, investin-
redução, especialmente no ano de 2015. Nos do em média 450 milhões de reais em cada
anos seguintes, gestão dos recursos mostrou- ano. Assim como 2011, nesses dois anos, os
-se incapaz de recuperar sua capacidade de recursos ficaram concentrados na Secretaria
investimento, aumentando progressivamente de Habitação. No ano de 2014, no entanto,
a diferença entre os valores empenhados e os a crise hídrica e a queda de arrecadação da
valores liquidados.7 Sabesp levaram a uma queda nos repasses ao

Gráfico 5 – Receita versus despesas empenhadas e liquidadas.


FMSAI no período de 2011 a 2018. Valores atualizados para 2018, com base no índice IPCA

Fonte: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaboração própria.

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

FMSAI. As despesas, por sua vez, mantiveram intervenções de controle de cheias realizadas
o patamar dos 400 milhões de reais, e os valo- pela Secretaria Municipal de Infraestrutura
res liquidados ultrapassaram os valores de re- Urbana – Siurb.
passe, utilizando o saldo dos anos anteriores. Dessa vez, os investimentos realizados
Com o aprofundamento da crise hídri- por função de governo permitem-nos identi-
ca em 2015, a receita seguiu decrescente e ficar as principais disputas entre as secretarias
levou ao ano de menor investimento na série municipais pelos recursos do fundo (Gráfico 6).
histórica. Os anos seguintes, de 2016 a 2018, Do ponto de vista institucional e metodológico,
foram marcados pela recuperação da arreca- os valores investidos na função habitação foram
dação da Sabesp e por um aumento progressi- executados pela Secretaria Municipal de Habi-
vo de seus repasses ao município que, por sua tação (Sehab) e os valores investidos na função
vez, não recuperou sua capacidade de gestão, saneamento representam a execução pela Se-
e os investimentos estacionaram na casa dos cretaria Municipal de Infraestrutura Urbana.
340 milhões de reais, chegando a um saldo de Nesse caso, a análise do Gráfico 6 suge-
quase 90 milhões de reais apenas no ano de re a distinção de dois períodos bem definidos:
2018. Nesse período de maior diferença entre (1) de 2011 a 2014, os recursos do FMSAI são
valores empenhados e liquidados, os maiores destinados em sua totalidade aos projetos/
saldos inutilizados deram-se em grandes obras atividades da Secretaria de Habitação – Sehab;
de infraestrutura, principalmente nas ações de e (2) em 2015, há uma evidente inflexão na

Gráfico 6 – Valores liquidados por função de governo –


FMSAI no período de 2011 a 2018. Valores atualizados , com base no índice IPCA

Fonte: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaboração própria.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 707
Lucas Daniel Ferreira

destinação dos recursos, chegando a quase (2) com a instituição do Plano Diretor Estra-
50% para a função habitação e 50% para a fun- tégico, em 2014, houve alterações sobre a
ção saneamento. De 2016 a 2018, os recursos regulamentação do financiamento da política
seguem distribuídos entre as duas funções de urbana – especificamente do Fundurb – que,
governo, com queda na função saneamento e potencialmente, levaram a uma reacomoda-
um ligeiro aumento na função habitação. ção dos investimentos no FMSAI.
No primeiro período, o Fundo investiu O convênio entre o Ministério das Cida-
nos quatro anos um valor total próximo de 1,9 des e a Secretaria de Infraestrutura Urbana
bilhão de reais concentrados na função habi- representou o maior incremento de repasses
tação. De maneira geral, esses recursos foram federais, a partir do ano de 2014 (Gráfico 1).
destinados às obras de urbanização de favelas, Seria razoável a hipótese de que tais convê-
divididos em dois grandes programas: Urba- nios com o Governo Federal teriam causado
nização de Favelas e o Programa Mananciais.8 a inflexão no fundo municipal a partir do ano
Ambos os programas incluem ações de urbani- de 2015, ao drenar recursos municipais para
zação integrada, com implementação de redes pagamento de contrapartidas previstas, comu-
de água e esgotamento sanitário e infraestru- mente, nos convênios federais. Essa hipótese,
tura de drenagem em assentamentos precá- contudo, não se aplica.
rios, ações de regularização fundiária, desa- Os repasses de programas federais não
propriação de terrenos e construção de novas demonstraram influência direta no direcio-
unidades habitacionais para reassentamento namento dos recursos do FMSAI. O Gráfico 7
das famílias de baixa renda. ilustra a relação entre recursos do FMSAI uti-
No entanto, cabe apontar que o montan- lizados como complementação de recursos
te de recursos investidos na função habitação federais (PAC I e II), enquadrados como contra-
não representa, necessariamente, a garantia do partida do município, e os recursos liquidados
direito à moradia como regra. Conforme aponta em programas e atividades exclusivamente
Silva (2020), esse período foi marcado por um municipais. Em 2011 e 2012, nota-se uma con-
aumento exponencial de novos atendimentos tribuição importante dos recursos do FMSAI
habitacionais provisórios através de pagamento para pagamento de contrapartidas do municí-
de verbas pecuniárias9 para famílias removidas pio ao PAC, em sua modalidade Urbanização
por frentes de obras de urbanização de favelas. de Assentamentos Precários. Em 2012, quase
Para compreendermos a inflexão ocorri- metade dos recursos liquidados no Fundo foi
da no ano de 2015, sugerem-se dois elementos destinada a contrapartida, atingindo o mon-
centrais para a análise, que serão explorados tante de 206 milhões de reais, para serviços e
adiante: (1) de maneira contraintuitiva, ape- obras em Paraisópolis, São Francisco e Progra-
sar do aumento considerável dos repasses ma Mananciais (PAC-Mananciais).
federais para ações de infraestrutura e ser- A partir de 2013, destaca-se uma que-
viços urbanos (Gráfico 1), o FMSAI não teve da considerável da alocação dos recursos
uma participação considerável nas contrapar- em forma de contrapartida. Já, entre 2015
tidas do município previstas nos convênios; e 2016, as contrapartidas foram alocadas

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

Gráfico 7 – Valores do FMSAI des nados a contrapar da do PAC,


no período de 2011 a 2018. Valores atualizados para 2018, com base no índice IPCA

Fonte: Sehab – PSMP. Elaboração própria.

majoritariamente em serviços e obras de dre- Observa-se que a reorientação dos re-


nagem do córrego Ponte Baixa; porém o volu- cursos do FMSAI na transição de 2014 para
me de recursos é insuficiente para explicar a 2015 também ocorreu no Fundurb, porém
inflexão demonstrada pelo Gráfico 6. de maneira inversa (Gráfico 8). Até o ano de
Conforme argumentamos anteriormen- 2014, ainda que com considerável variação, a
te, o Fundurb e sua condição central no finan- função saneamento recebeu maior volume de
ciamento da política urbana municipal podem recursos em comparação com a função habita-
ser uma chave para interpretar a alteração na ção. A partir da nova regra do PDE, percebe-se
distribuição dos recursos do FMSAI, uma vez uma queda abrupta nos recursos destinados
que seus recursos são utilizados nas mesmas ao saneamento – em constante queda até o
funções de governo e atendem, em partes, às ano de 2018 –, e a habitação manteve-se em
mesmas secretarias municipais. um patamar mais elevado de recursos, devido
A aprovação do Plano Diretor Estraté- aos 30% destinados obrigatoriamente para de-
gico – PDE,10 no ano de 2014, instituiu novas sapropriação de terrenos.
diretrizes para a destinação dos recursos do Portanto, constatamos que os recursos
Fundurb. Entre elas, o artigo 34011 estabeleceu do Fundurb que financiaram as obras na fun-
um piso de 30% de seus recursos para a função ção saneamento, no ano de 2014, passaram
habitação, a ser destinado à aquisição de ter- a investir na aquisição de imóveis bem locali-
renos bem localizados. zados, restritos às macroáreas mais centrais

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Lucas Daniel Ferreira

Gráfico 8 – Valores liquidados por função de governo – Fundurb


no período de 2011 a 2018. Valores atualizados para 2018, com base no índice IPCA

Fonte: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaboração própria.

em 2015. Além disso, os recursos do FMSAI de favelas, eram em parte, financiadas pelo
que investiam em serviços e obras na função FMSAI. A partir de 2015, passaram a ser objeto
habitação, como aquisição de terrenos para de financiamento do Fundurb.
construção e programa mananciais, em 2014, Dessa forma, entende-se que a reorien-
passaram a financiar as obras de drenagem ur- tação inversamente proporcional em ambos
bana a partir de 2015. os fundos reflete as acomodações dos fundos
Entre os anos de 2011 e 2014, o Fundurb municipais em atendimento às novas regras
investiu considerável montante em obras de estabelecidas pelo PDE. Tais acomodações po-
drenagem urbana, como, por exemplo, obras dem ser comparadas à figura de vasos comuni-
realizadas pela Siurb no córrego do Cordeiro cantes, tendo em vista as compensações na dis-
e córrego Ponte Baixa. A partir de 2015, com tribuição dos recursos inversamente proporcio-
a instituição do PDE, as referidas obras passa- nais entre as funções de governo habitação e
ram a contar com investimentos do FMSAI. Já a saneamento, observadas em ambos os fundos.
aquisição de terrenos para construção de uni- Os valores demonstrados pelas funções
dades habitacionais e/ou desapropriações de de governo (Gráfico 6) podem ser interpreta-
imóveis para frentes de obras de urbanização dos também como projetos – ou atividades –

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

no período de 2011 a 2018 (Gráfico 9). As ati- execução na ordem de 290 milhões. No entan-
vidades nomeadas de Urbanização de Favelas, to, em 2018, o total destinado às urbanizações
Programa Mananciais, Construção de Unida- de favelas foi cerca de 19 milhões, represen-
des Habitacionais e Regularização Fundiária tando uma queda de 88%. Já o programa ma-
compõem o que anteriormente adotamos nanciais, que em 2011 recebeu cerca de 259
como Função Habitação. A atividade classifi- milhões de reais, teve seu menor orçamento
cada como Obras de Drenagem e Saneamento em 2017, com apenas 34 milhões de reais, o
refere-se à Função Saneamento. Já as “Obras que representa uma queda de 77%.
e serviços nas Áreas de Risco Geotécnico” e Além disso, as atividades relacionadas
“Implantação de Parques Lineares” correspon- às obras de drenagem e saneamento, em três
dem às Funções Urbanismo e Gestão Ambien- anos, passaram da ordem de 33 milhões de
tal, respectivamente. reais, em 2013, para o patamar de 188 milhões
A análise dos dados por projeto/ativi- de reais no ano de 2016, figurando como a ati-
dade reforça os argumentos levantados ante- vidade mais bem remunerada pelo Fundo des-
riormente. A redução de investimentos deu-se, de 2015 – com aumento de 70%.
principalmente, nas ações de urbanização de A alteração do marco regulatório munici-
favelas12 e na execução do programa manan- pal criou as condições favoráveis à reorientação
ciais. A primeira, em 2011, apresentou uma dos fundos municipais entre os anos de 2014 e

Gráfico 9 – Valores liquidados por Projeto/A vidade – FMSAI


no período de 2011 a 2018. Valores atualizados para 2018, com base no índice IPCA

Fonte: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaboração própria.

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Lucas Daniel Ferreira

2015. Para além disso, conforme apresentamos A fim de representar a concentração de


ao longo desta seção, a referida reorientação recursos nesses mesmos pontos, os mapas
representa, em alguma medida, o acirramento de calor ilustram a quantidade de recursos
do conflito distributivo, sobretudo, na disputa em cada empreendimento, seguindo a gra-
orçamentária entre as secretarias municipais dação da legenda (na qual o azul representa
de habitação e infraestrutura urbana, num pe- menor volume de recursos e o vermelho in-
ríodo de estagnação da receita municipal. Vere- dica a alta concentração). Os valores espacia-
mos, a seguir, a dimensão espacial da distribui- lizados representam apenas os investimentos
ção dos recursos do fundo municipal. em projetos e obras. Os chamados “serviços
técnicos especializados de terceiros” que en-
volvem o gerenciamento dos projetos e obras
contratados não foram contabilizados, uma
Cartografia dos inves mentos: vez que são serviços gerais e, portanto, não
concentração versus dispersão possuem uma dimensão espacial particular.
Sendo assim, os valores mapeados, estão
A cartografia proposta na presente seção tem contidos, mas não condizem exatamente com
como principal função o aprofundamento da os valores totais apresentados nos gráficos da
análise acerca da distribuição dos recursos do seção anterior.
FMSAI na dimensão espacial. O mapa apresen- Ao longo desses anos, o fundo munici-
ta informações georreferenciadas da execução pal investiu cerca de 2,2 bilhões de reais em
orçamentária total do Fundo, com os valores aproximadamente 500 frentes de obras, valo-
acumulados de 2011 a 2018. res estes que desconsideram os investimentos
Do ponto de vista metodológico, a cons- em ações ligadas aos serviços técnicos espe-
trução dos mapas leva em consideração dife- cializados de terceiros (gerenciamento) e in-
rentes camadas de informações. Como base, vestimentos destinados às desapropriações de
temos o limite administrativo do município terrenos para fins de construção de novas uni-
de São Paulo e as subdivisões administrativas dades habitacionais. Dessas frentes de obras,
dos distritos integrantes, as represas Billings 70% são em habitação e 30% em saneamento.
e Guarapiranga, a malha das redes de esgoto Do valor total, temos 74% destinados à
existente no município e sua relação com as fa- função de governo habitação, divididos entre
velas e loteamentos irregulares. as atividades de urbanização de favelas, pro-
A dispersão dos recursos é representada grama mananciais, regularização fundiária e
através pontos vermelhos e azuis, que ilustram construção de unidades habitacionais. Os in-
os locais que receberam, no recorte temporal vestimentos enquadrados como função sanea-
analisado, algum tipo de recurso do FMSAI na mento representam 24%, entre as atividades
função de governo habitação e na função sa- de intervenção de controle de cheias e inter-
neamento (quase que na totalidade, obras de venção em áreas de risco e drenagem. Apenas
drenagem urbana). 1% foi destinado às ações de gestão ambiental.

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

Mapa 1 – Síntese do total de inves mentos, no período de 2011 a 2018

Fonte: PMSP, SMUL (2011); SMUL/Geoinfo (2004); Sehab/Habitasampa (2016). Elaboração própria.

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Lucas Daniel Ferreira

Além disso, se analisarmos a concentra- Considerando o caráter das intervenções


ção de recursos no universo de áreas benefi- e o grau de investimento que necessitam as
ciadas, observamos a concentração de 35% obras exclusivamente de drenagem urbana, tal
(728 milhões de reais) em apenas 5 áreas prin- concentração de recursos levou a uma queda
cipais. As áreas que mais receberam recursos importante nos recursos voltados às urbaniza-
no período analisado foram: ções de favelas.
1) Projetos e obras de urbanização de fave-
las na favela Heliópolis, na subprefeitura de
Ipiranga, concentrando cerca de 174 milhões
de reais. A concentração de recursos, ainda
Considerações finais:
que no mesmo assentamento precário, ocor- sublinhando as contradições
reu ao longo do tempo em distintos contratos
e ações; O fundo público – e seu caráter de antivalor –
2) Obras de drenagem e saneamento do cór- tem, historicamente, um papel insubstituível na
rego do Cordeiro, na subprefeitura de Cidade garantia de direitos sociais (Oliveira, 1988). O
Ademar, concentrando o total de 152,7 mi- caso da política de saneamento não é diferente.
lhões de reais em apenas um contrato; O presente artigo buscou realizar uma
3) Obras de drenagem e saneamento do cór- análise crítica acerca da destinação de recursos
rego Ponte Baixa, na subprefeitura de M’boi municipais na busca da universalização do
Mirim, concentrando cerca de 155,7 milhões acesso ao saneamento ambiental. O convênio
de reais em apenas um contrato; de cooperação entre Sabesp e município de
4) Projetos e obras de urbanização de fave- São Paulo é um desdobramento da LNSB, de
las na favela Paraisópolis, na subprefeitura do 2007. O marco regulatório federal ampliou a
Butantã, concentrando cerca de 124,7 milhões noção de saneamento ambiental para além
de reais, distribuídos entre diversos contratos; do abastecimento de água e esgotamento sa-
5) Projetos e obras de urbanização de fave- nitário, incluindo disciplinas como drenagem
las no núcleo São Francisco, na subprefeitura urbana e manejo de resíduos sólidos. Também
de São Mateus, concentrando cerca de 120,6 determinou os municípios como titulares dos
milhões de reais. serviços de saneamento básico no País, abrin-
Importa salientar que a concentração do a possibilidade de o poder local criar fundos
indicada nas obras de urbanização de favelas para custear a universalização do acesso ao
(itens 1, 4 e 5, acima) ocorreu em diferentes saneamento, através de parcela da receita dos
contratos ao longo de todo o período analisa- serviços de saneamento básico.
do. Por sua vez, as obras de drenagem urbana Nesse sentido, a metodologia adotada
(itens 2 e 3) concentraram-se, principalmente, buscou compreender o Fundo Municipal de
nos anos de 2015 e 2016. Saneamento Ambiental e Infraestrutura do

714 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

município de São Paulo – FMSAI, a partir de fundo municipal foram majoritariamente con-
duas dimensões essenciais: a evolução da exe- centrados em duas grandes obras de drena-
cução orçamentária ao longo do tempo e sua gem: córrego do Cordeiro e córrego da Ponte
distribuição no espaço. Baixa. As referidas obras de drenagem e sanea-
No que se refere ao volume de recursos, mento realizadas por Siurb, ao contrário das
destacamos que o FMSAI é de extrema impor- obras de urbanização de favelas, possuem o
tância para o financiamento da política urbana caráter exclusivo de drenagem urbana. Ainda
na cidade de São Paulo. A instituição do fundo que estivessem contíguas a assentamentos
ampliou a autonomia do município em relação precários, essas obras não tinham por finali-
aos repasses federais do PAC I e II, ultrapassan- dade a garantia do direito à moradia através
do os valores transferidos pelo programa. Os da regularização fundiária dos loteamentos
valores ultrapassaram, também, a execução irregulares ou favelas. Conforme ilustramos, a
orçamentária do Fundurb, outra fonte de re- concentração de recursos nessas obras levou a
cursos municipal importante para a cidade. uma queda importante nos recursos voltados
No período de 2011 a 2014, os recursos às urbanizações de favelas – redução esta que
foram integralmente alocados em ações da não foi compensada pelo Fundurb.
função de governo habitação, promovendo Nos últimos anos, percebemos uma di-
obras de urbanização de favelas, inclusive nas minuição na capacidade da gestão financeira
áreas de proteção aos mananciais, regulariza- e, consequentemente, uma queda dos investi-
ção fundiária e construções de novas unidades mentos realizados pelas secretarias executoras
habitacionais. As ações foram distribuídas ma- em números relativos. Consequência disso é
joritariamente nas regiões periféricas da cida- o saldo não gasto pelo fundo municipal, cres-
de, porém não representaram a garantia do cente a partir de 2016 e ampliado nos anos de
direito à moradia se considerarmos o aumento 2017 e 2018.
de remoções por frentes de obras. Nos anos de 2017 e 2018, nota-se uma
Entre os anos de 2014 e 2015, os investi- pulverização de recursos, principalmente se
mentos apresentaram uma notável reorienta- comparados aos anos anteriores. A maior dis-
ção. Após refutar a hipótese de que tal reorien- persão dos recursos pode demonstrar uma
tação teria ocorrido por conta do desembolso tendência de alocação de recursos, que histo-
de contrapartida nos convênios com o gover- ricamente eram investidos em territórios mais
no federal, demonstramos que as inversões periféricos, em áreas de maior renda da cida-
na destinação dos recursos, tanto do FMSAI de, como, por exemplo, o caso pontual, porém
quanto do Fundurb – com características de emblemático, de melhoria em galeria pluvial
“vasos comunicantes” –, se deram em função na alameda Lorena, no Jardim Paulista. Po-
de uma reacomodação dos fundos municipais rém, os valores absolutos continuam a ilustrar
em atendimento às novas regras estabelecidas maior concentração de recursos em algumas
pelo Plano Diretor Estratégico de 2014. poucas frentes de obras de drenagem urbana.
Os anos de 2015 e 2016 caracterizaram- A análise realizada no presente ar-
-se como o período de maior concentração de tigo nos permite apontar que a execução
investimentos. Nesse período, os recursos do do FMSAI, apesar de incorporar o caráter

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 715
Lucas Daniel Ferreira

intersetorial da política de saneamento am- seja bastante diversificada, entendemos que


biental em seu desenho institucional, levou sua crescente participação nas obras exclusi-
ao acirramento do conflito distributivo do vamente de drenagem urbana, considerando
orçamento público. Em um cenário de crise o caráter das intervenções e o grau de in-
fiscal e econômica, marcada pela redução de vestimento que necessitam, passou a com-
outras fontes de receitas, o fundo passou a prometer, em alguma medida, o avanço da
figurar, na prática, como uma complementa- universalização do acesso aos serviços de
ção do orçamento municipal e objeto de dis- abastecimento de água e esgotamento sani-
puta num contexto de austeridade. Embora a tário devido à descontinuidade nas obras de
previsão legal para sua aplicação de recursos urbanização de favelas.

[I] https://orcid.org/0000-0001-9872-2383
Pesquisador autônomo. São Paulo, SP/Brasil.
lucasferreiraarq@gmail.com

Nota de Agradecimento
Gostaria de agradecer, em especial, aos Profs. Drs. Jeroen Klink e Marcos Barcellos de Souza, da
Universidade Federal do ABC, pela contribuição fundamental na elaboração da pesquisa que
desdobrou-se no presente ar go e nos resultados ora apresentados.

Notas
(1) Ver IBGE (2018, p. 23).

(2) “Cláusula 35. A Sabesp deverá:


a) Des nar, trimestralmente, 7,5% (sete e meio por cento) da receita bruta ob da na Capital para
o Fundo Municipal, até 5 (cinco) dias úteis após a publicação das demonstrações contábeis
trimestrais e/ou anual, conforme previsto no convênio, especialmente sua Cláusula II;
b) Inves r nos serviços, no mínimo, o equivalente a 13% (treze por cento) da receita bruta ob da
na Capital, sem prejuízo de que esse percentual seja revisado para mais ou para menos, a fim de
se manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.”

(3) Secretaria Municipal de Habitação; Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente; Secretaria
do Governo Municipal; Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras; Secretaria
Municipal de Urbanismo e Licenciamento; Secretaria Municipal de Finanças; Secretaria
Municipal de Planejamento; Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras.

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Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018

(4) Conselho Municipal de Habitação – CMH; Conselho Municipal do Meio Ambiente e


Desenvolvimento Sustentável – Cades; e Conselho Municipal de Polí ca Urbana – CMPU. Os
conselheiros são indicados por seus próprios conselhos, sendo um representante tular e um
representante suplente para cada conselho.

(5) Nos anos de 2014 e 2015, devido à crise de gestão hídrica na cidade de São Paulo, a Sabesp
teve considerável queda na receita e, portanto, os montantes de repasses ao município foram
comprome dos.

(6) Lei municipal n. 14.934, de 18 de junho de 2009 (São Paulo, 2009), autoriza a criação do convênio
entre município, Arsesp e Sabesp e cria o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e
Infraestrutura.

(7) Os valores empenhados são reservas orçamentárias que garantem, por parte do poder público, os
créditos necessários para liquidação e pagamento dos serviços. Os valores liquidados ocorrem
após a realização efe va do serviço e são encaminhados para pagamento. Metodologicamente,
comparar os dois valores mostra-nos a dimensão dos recursos orçados e auxilia na compreensão
da parcela realmente executada.

(8) O Programa Mananciais foi voltado à urbanização das favelas em Área de Proteção e Recuperação
dos Mananciais, na porção extremo sul da cidade de São Paulo, mais especificamente nas bacias
das represas Billings e Guarapiranga. Para uma análise detalhada do Programa Mananciais, ver
Ferrara (2013, p. 293).

(9) Tais atendimentos, através das modalidades Bolsa Aluguel, Parceria Social e Auxílio Aluguel,
consistem no pagamento de 400 reais mensais às famílias como forma de atendimento
provisório. Os recursos para esse atendimento não advinham do FMSAI, mas do Tesouro
Municipal. Sobre a polí ca de Auxílio Aluguel no município de São Paulo, ver Silva (2020, p. 15).

(10) Lei municipal n. 16.050, de julho de 2014 – Aprova a Polí ca de Desenvolvimento Urbano e o
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a lei n. 13.430/2002.

(11) “Art. 340. Os recursos arrecadados pelo Fundurb deverão respeitar anualmente o limite de:
I – Ao menos 30% (trinta por cento) des nados para a aquisição de terrenos des nados à produção
de Habitação de Interesse Social localizados na Macroárea de Estruturação Metropolitana, e
na Macroárea de Urbanização Consolidada e na Macroárea de Qualificação da Urbanização,
preferencialmente classificados como Zeis 3, conforme Mapa 4A anexo;
II – Ao menos 30% (trinta por cento) des nados à implantação dos sistemas de transporte público
cole vo, cicloviário e de circulação de pedestres.
§ 1º Os recursos especificados no inciso I, que não sejam executados no montante mínimo
estabelecido, deverão permanecer reservados por um período de um ano, após esse prazo, o
Conselho Gestor poderá des nar esse recurso para subsídio em programas estaduais e federais
de provisão de Habitação de Interesse Social.
§ 2º Os recursos especificados nos incisos I e II do “caput”, que não sejam executados no montante
mínimo estabelecido, deverão permanecer reservados por um período de 2 (dois) anos, após
este prazo, o Conselho Gestor poderá dar des nação diversa conforme previsto no art. 339.
§ 3º No exercício seguinte ao ano de promulgação desta lei, aplicam-se os limites estabelecidos no
“caput” ao saldo do Fundurb.”

(12) Os recursos rela vos à Construção de Unidades Habitacionais, em 2014, 2017 e 2018, estavam
incluídos na atividade Urbanização de Favelas nos outros anos, fato que pode causar uma
distorção na leitura dos valores, mas não altera estruturalmente os argumentos apresentados
acima.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 717
Lucas Daniel Ferreira

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Texto recebido em 9/jun/2021


Texto aprovado em 25/out/2021

720 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potentialities and contradictions
of the Municipal Fund for Environmental
Sanitation and Infrastructure
in the city of São Paulo – 2011-2018
Potencialidades e contradições do FMSAI
no município de São Paulo – 2011-2018
Lucas Daniel Ferreira [I]

Abstract Resumo
This article proposes a critical analysis of the O presente ar go propõe uma análise crí ca sobre a
sanita on policy in the city of São Paulo, focusing polí ca de saneamento no município de São Paulo,
on the performance of the Municipal Fund for com enfoque para atuação do Fundo Municipal de
Environmental Sanitation and Infrastructure Saneamento Ambiental e Infraestrutura – FMSAI,
(FMSAI) between 2011 and 2018. It illustrates entre 2011 e 2018. Para tanto, ilustra a relevância
the relevance of the municipal fund in rela on to do fundo municipal em relação a outras fontes de
other sources of resources and details its budget recursos e detalha sua execução orçamentária nes-
execution in this period. The methodological se período. A proposta metodológica adotada bus-
proposal adopted here aimed to understand cou compreender o papel do FMSAI na busca pela
the role of the FMSAI in the pursuit of universal universalização do saneamento, considerando duas
sanita on considering two essen al dimensions: dimensões essenciais: os inves mentos ao longo do
investments over time and their distribution in tempo e sua distribuição no território. Os resulta-
the territory. The results indicate that, despite dos apresentados indicam que, apesar de incorpo-
incorporating the intersectoral character of the rar o caráter intersetorial da polí ca de saneamen-
environmental sanita on policy in its ins tu onal to ambiental em seu desenho ins tucional, sua exe-
design, its execu on led to the worsening of the cução levou ao acirramento do conflito distribu vo
distribu ve conflict inherent in the public budget. inerente ao orçamento público.
K e y w o r d s : p u bl i c f un d; p u bl i c bu dg et ; Palavras-chave: fundo público; orçamento público;
environmental sanitation; water governance; saneamento ambiental; governança da água; polí-
urban policy. ca urbana.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5411.e Crea ve Commons Atribu on
Lucas Daniel Ferreira

Introduc on making it possible for local government to


institute, by means of the so-called program
contracts, cooperation agreements with State
Critical literature on the role of public funding Basic Sanitation Companies – CESBS. With that
(Oliveira, 1988) and its implications in the in view, it was established that Municipalities
reproduction of capital, on one hand, and in would be able to, either on their own or
the reproduction of workforce, on the other, through public consortia, create funds aimed
brought to light the importance of State action at financing the universalization of access
in the economic sphere (Bercovici; Massoneto, to sanitation, by investing a portion of the
2006). The fundamental feature of the public revenue accrued by basic sanitation services.
Welfare State budget, in its origins, was According to a survey conducted by the
supposedly the provision of public services Brazilian Institute of Geography and Statistics
and the guarantee of social rights. However, – IBGE, 1 the number of municipalities that
the peripheral status of Brazilian economy has declared the existence of a municipal fund
never attained the kind of Keynesian standard with that purpose went from 215 (3.9%), in
of funding that central countries did, as it has 2011, to 580 municipalities (10.4%) in 2017.
gone through processes of greater instability. In the case of São Paulo, what stands out,
Considering the human right to water on one hand, is the diversity of actions that
and sanitation, State action regarding the can be financed with the resources from this
funding of water and sewage infrastructures municipal fund, which shows an intersectoral
is characterized by the necessity of high-level reading of environmental sanitation (Moretti;
investment, which historically renders public Moretti, 2014). On the other hand, considering
grants or subsidies customary in the basic that the public budget is a space of mediation
sanitation sector in a global scale (Heller et al., of conflict involving money from the public
2014). In the Brazilian case, an important part fund, the distribution conflict tends to escalate
of the funds invested by private agents were in the moment of dividing this fund among
not characterized as their own resources, but the various public policies, particularly in a
as capital that came majorly from public funds scenario of economic recession and stagnation
and banks – such as, for instance, FAT, FGTS, of municipal revenue (Peres, 2020), as we will
and BNDES – with the goal of boosting sector see further on.
activities with considerably attractive interest In that sense, this paper intends to
rates (Britto; Rezende, 2017). explore the potentials and contradictions
The role of the Basic Sanitation Act (law present in the performance of the São Paulo
11.445/2007) was to fill in the institutional Municipal Fund for Environmental Sanitation
gap (Britto, 2011; Heller et al., 2014) that and Infrastructure – FMSAI and is divided into
marked the national sanitation policy since four sections in addition to this introduction.
the National Sanitation Plan – Planasa came The first shows the relevance of the municipal
to an end. The national regulatory framework fund for the financing of public policies
recognized Municipalities as the providers through a comparative analysis against major
of basic sanitation services in the country, funding sources. The second is about FMSAI's

698 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

budget implementation and the changes that to the Municipal Fund for Environmental
occurred in the time period between 2011 and Sanitation and Infrastructure – FMSAI, with
2018, focusing on disputes about the allocation the purpose of complementing the activities of
of funds. On the third, we explore the spatial Sabesp in the municipality.
aspect of the investments over the same However, the purpose of the Fund
time period. Finally, the final considerations is supposed to be the investment on a
point, based on the data presented, to the wide range of work and services relative to
contradictions present in the implementation (1) interventions in areas predominantly
of the municipal fund. occupied by low-income households, with a
view toward making precarious settlements
up code; (2) housing for families in areas of
FMSAI's poten als in the urban influence or predominantly occupied by low-
income population; (3) dispossession of areas
policy of the municipality for the implementation of actions that fall
of São Paulo under the Fund's responsibility; (4) cleaning,
de-polluting, canalization of streams; (5)
The beginning of the 2000s was marked urban drainage; (6) implementation of parks
by the dispute between the state and the and other conservation units as needed for
municipality of São Paulo over who was in the protection of natural conditions and
charge of sanitation services. After frustrated production of water in the municipalities, as
attempts to municipalize the services, a well as detention basins for peak flow periods,
shared governance model was implemented sports areas, landscaping, and leisure areas.
for water supply and sanitation in the capital (São Paulo, 2010b).
of the state of São Paulo. The agreement The management of the Fund's money
and contract, instituted in 2010 (São Paulo, is done by a Management Board presided by
2010a; 2010b), guaranteed the provision of the Housing Office and also comprised of eight
services by the Basic Sanitation Company of other municipal offices 3 and three boards of
the State of São Paulo (Sabesp) for 30 years, civil and organized society representatives.4
defining the attributions of each federative The deliberations of the Management Board
entities, both the state, through Sabesp and are published in the Official Gazette of the
a regulating agency, and the municipality. City and the Fund's official website, for
Generally speaking, the agreement lacked transparency about the board's discussions.
decentralization and social control and had a The institutional composition of the
marked economic and financial bias (Moretti; management board, however limited it may
Moretti, 2014; Ferreira, 2020). be in terms of control and social participation,
According to the agreement for the suggests that a sectoral rationale in the
provision of public services of water supply and application of public municipal funds has been
sanitation,2 a portion of the funds obtained by overridden. The environmental sanitation
Sabesp from the exploration of the services of policy in the municipality, then, is shown to be
water supply and sanitation must be directed intersectoral.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 699
Lucas Daniel Ferreira

Flow chart 1 – FMSAI funds flow. Government func ons summarize


the ac ons adopted in the methodology

Source: Elaborated by the author based on the ac ons defined by the shared governance agreement.

It bears noting that the Municipal Plan To that end, we propose a comparative
for Basic Sanitation was elaborated in 2010 analysis against other sources of funds that
under the coordination of the Municipal are important for the development of urban
Housing Office and its provisions cover a policy in the local scale.
20-year plan, with periodic quadrennial The transfe rs of fu n ds f rom th e
updates. However, it was only in 2019 that the Union (the juridical person of the Federal
São Paulo City Hall published a complementary Government of Brazil) for the financing of
revision of the plan with new guidelines, with the municipality of São Paulo's urban policy
a view toward a full revision in 2020. between 2003 and 2016 demonstrate that
The referred plan, instituted after there are two periods where there was
municipal decree no. 58.778 of May 2019, greater investment capability. The period
does not set up an investment plan considering from 2007 to 2012 was marked by the launch
FMSAI funds nor SABESP funds collected from of the Growth Acceleration Program – PAC,
the municipality in 2019 and 2020, leaving mainly meant for works and services of
those, respectively, to the Fund's Management urbanization of precarious settlements and
Board and the contract's Management Board. for land formalization, reaching its highest
To understand the relevance of FMSAI mark in 2009, in the order of 260 million reais
for the funding of the city of São Paulo's (Chart 1). In the same year, the second phase
urban, housing, and sanitation policies, it is of the Federal program is launched (PAC – II),
necessary to understand that it is a robust extending toward the end of 2016, with a
and perennial municipal source of funds. steadily diminishing budget.

700 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

Chart 1 – Revenue of the Municipality of São Paulo


from Federal Agreements and Transfers; funds aimed at Urban Development.
Yearly amounts in millions of reais, corrected for 2016

Source: Royer, Santos and Filocomo, (2018).

Between 2013 to 2016 there is an A look at the Municipality of São Paulo


important increment in Federal transfers revenue coming from funds transfers by State
of funds destined for urban infrastructure Agreements shows that, between 2006 and
projects in the city of São Paulo, reaching 2009, a large portion of the transfers fell under
a peak of over 279 reais in 2014. Starting in the Housing function as a result of agreements
2013, what stands out is the reduction in signed between Sehab and the State Company
the transfer of funds for housing works and for Housing and Urban Development – CDHU,
the exponential increase in transfers for destined largely for the construction of new
infrastructure works and urban services from housing units. Between 2010 and 2012, the
the agreement between Siurb and MCidades State Government, as signatory of a new
(Royer, Santos and Filocomo, 2018). contract with the Growth Development

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 701
Lucas Daniel Ferreira

Program – PAC, also known as PAC Mananciais of th e FM SA I op eration , resp o n sib le


("Springs PAC"), transferred important funds for concentrating 67% of all state funds
destined for works and services of urbanization transferred to the municipality of São Paulo
and basic sanitation in the spring’s areas of the between the years of 2003 and 2016. In total,
Billings and Guarapiranga dams. FMSAI transferred over 2.4 billion reais to the
The state cooperation for funding capital of the state between 2011 and 2016,
urban development in São Paulo gained a which explains the inflexion show on Chart 2
new dimension in 2011, with the beginning (Royer, Santos and Filocomo, 2018).

Chart 2 – Municipality of São Paulo revenue from State Agreements,


funds transferred to FMSAI. Yearly amounts in millions of reais, corrected for 2016

Source: Royer, Santos and Filocomo (2018).

702 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

It is important to point out that the FMSAI The central characteristic of the Urban
funds transferred by Sabesp do not adequately Development Fund – Fundurb, created in
represent a state transfer of fiscal funds to 2002 through the Strategic Master Plan, is
the municipality of São Paulo. Considering the redistribution of the onus of real estate
that such funds are revenue coming from appreciation toward the collectivity. The
the contract of concession and provision of Strategic Master Plan of 2014 provides an
services, they should be categorized as the application of money from the fund toward
municipality's own revenue. However, this six priority functions: (1) social interest
accounting distortion still remains. housing programs; (2) implementation
Comparing the federal and state of collective transportation systems; (3)
revenues of the municipality of São Paulo, planning and steering of urban structures; (4)
from the previous charts (Charts 1 and 2), it is implementation of urban amenities and public
possible to subsume the relevance of FMSAI spaces; (5) protection of areas of historic,
for the funding of urban policy compared with cultural, or landscaping (such as public gardens
transfers from federal programs such as PAC (I and common greens) value; (6) creation of
and II). Taking the year of 2014 as an example, conservation units.
as it had the largest revenue from federal To demonstrate the importance of
transfers and one of the lowest state revenues Fundurb in the budgetary execution of
historically,5 federal transfers reached the mark the municipal offices that have access to
of around 300 million reais, and the FMSAI its funds, Paim (2019, p. 24) remarks that
funds reached the mark of 400 million reais. "the volume of Fundurb funds used by the
In a scenario of fiscal crisis and the Municipal Housing Office, against the outlay
inconstancies of transfers from the Union – from the office's 2016 budget, represents
through federal programs such as PAC and almost 50% of it."
MCMV – the municipality of São Paulo expands Even though the participation of
its budgetary and financial autonomy through Fundurb in the budget destined for the
the implementation of FMSAI. urban development of São Paulo, the
Another important source of funds for FMSAI funds represent the largest portion.
the city of São Paulo is the Urban Development Comparing total expenditures from both
Fund – Fundurb. A comparative analysis using funds, if we consider the total outlay, in all
this municipal fund, which is also a protagonist government functions, we get an average of
of the financing of urban development, 65% for FMSAI and 35% for Fundurb in the
contributes toward a better understanding of timespan between 2011 and 2019 (Chart 3).
FMSAI's role. It is not, however, a comparative The year with the largest disparity between
analysis meant to im pute a hierarchy the participation of the two funds in the
between both funds, as they often perform financing of urban policy was 2017, when
complementary roles in the budgetary FMSAI represented 80% and Fundurb, on the
structure of some municipal revenues. other hand, came in with 20%.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 703
Lucas Daniel Ferreira

Chart 3 – Comparison of total expenses from the FMSAI and FUNDURB funds.
Values shown

Source: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaborated by the author.

Due to the fact that the main source of implementation of over 3.2 billion (74%),
Fundurb revenue are offsetting collections presenting three times the financial capacity,
via the Onerous Bestowal of the Right to in comparison.
Build – OODC, its revenue depends directly The data assessment developed in
from the city's real estate activity, which this section expresses the importance of
renders the available resources from that fund the Municipal Fund for Environmental
considerably variable from one year to the Sanitation and Infrastructure, in general
other. On the other hand, as the collection of figures, for the funding of the urban policy
funds for the FMSAI is based on a percentage of the Municipality of São Paulo, particularly
of the revenue from water and sanitation regarding the government functions of
services, that renders its revenue more Housing and Sanitation. In terms of amount
constant, a fact that is also reflected in the of funds, FMSAI achieved an unprecedented
budgetary execution – as we will see in the scale in the municipality, expanding the
following section. municipality's autonomy from the PAC I and
About the absolute outlaid amounts II federal transfers, and consolidated its status
in the functions Housing and Sanitation, as the main source of funds for housing,
between 2011 and 2018, Fundurb presented environmental sanitation, and infrastructure
an investment total in the order of 1.1 billion policies, with greater stability and heft than
(26%), while FMSAI concentrated a budget Fundurb.

704 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

Chart 4 – FMSAI and Fundurb outlays for the government fuc ons
of Housing and Sanita on, in the mespan between 2011 and 2018.
Sums are updated for 2018, based on the IPCA index.

Source: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaborated by the author.

Budget implementa on receipts, is that an eventual balance at the


in perspec ve: alloca on closing of the fiscal year will carry into the
following year, thus ensuring that the funds –
of funds in the 2011-2018 obligated to specific activities – do not return
me span to the municipal treasury nor get re-allocated
for other purposes.
The Municipal Fund for Environmental The fact that public accounting funds
Sanitation and Infrastructure – FMSAI, much have guaranteed no-year budget authority is
like many other municipal public funds, is important when looking at the FMSAI's budget
a mechanism of budgetary and financial implementation. And so, even though the fund
management that relies of the obligation of was created by an Act in the year 2009, 6 the
revenues as defined by law, specific budget Cooperation Agreement and its respective
appropriation, and a specific account for Contract were only signed in June 2010.
financial transactions. From the standpoint Therefore, the first transfers from Sabesp to
of budgetary and financial management, the municipality only occurred in the third and
the advantage of implementing the budget fourth quarters of 2010. On the other hand,
through a fund, beyond the obligation of the first investments were incurred in 2011.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 705
Lucas Daniel Ferreira

The reading of the budget Th e f i rst ye ar o f F M SA I b u d g et


implementation of the fund suggests a implementation (2011) was the year that
division of the analysis into three different performed higher regarding volume of funds,
phases: (1) 2010 and 2011, as they were because of the accumulated balance from the
atypical years – the transfers done in 2010 fell former year; the expense was higher than the
under the Yearly Budget Act of 2011, when revenue and reached a mark of over 550 million
they came to be budgeted as expenditures (2) reais for the year. In that year, practically every
from 2012 to 2014 the fund operate with the available resource in the implemented fund
highest investment capacity, over 400 million was concentrated in the Housing Office, which
reais per year; (3) 2015 to 2018, period after is the authority that presides over the Fund –
the water crisis management, particularly as we will see further on.
the year of 2015. In the following years, the In 2012 and 2013, the fund expenses
management of funds proved incapable were relatively constant, and it invested an
of recovering their investment capacity, average of 450 million reais per year. Much
progressively increasing the difference like in 2011, in those two years, the funds
between committed amounts and the outlaid were concentrated on the Housing Office. In
amounts.7 the year of 2014, however, the water crisis

Chart 5 – Budget x commi ed and outlaid amounts.


FMSAI in the me span of 2011 to 2018. Sums are updated for 2018, based on the IPCA index

Source: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaborated by the author.

706 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

and the drop in collection by Sabesp led to a difference between committed and outlaid
smaller amount of transfers to FMSAI. The amounts, the largest unused balances happened
expenditures, in turn, remained around the on large-scale infrastructure works, mainly
400 million reais mark and outlaid amounts flood control interventions undertaken by the
exceeded the transferred amounts, using the Municipal Office of Urban Infrastructure – Siurb.
balance from the previous years. T h i s t i m e a ro u n d , i n v e s t m e n t s
With the worsening of the 2015 water undertaken by government function allow
crisis, the revenue continued to drop and led to us to identify the key disputes between the
the year with the lowest investment in history. municipal offices over the fund's resources
The following years, from 2016 to 2018, were (Chart 6). From t he inst itutional and
marked by Sabesp's collection recovery and a methodological standpoint, the amounts
progressive increase in their transfers to the invested in the Housing function were
municipality, which, in its turn, did not recover implemented by the Municipal Housing
its management capacity and the investments Office (Sehab) and the amounts invested
became stuck at the mark of 340 million reais, in the function Sanitation represent the
reaching a balance of almost 90 million reais implementation done by the Municipal Office
only in the year of 2018. In this period of greater of Urban Infrastructure (Siurb).

Chart 6 – Outlaid amounts by Government Func on – FMSAI in the period


between 2011 and 2018. Sums are updated for 2018, based on the IPCA index

Source: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaborated by the author.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 707
Lucas Daniel Ferreira

In this case, the analysis of the chart further: (1) counter-intuitively, in spite of the
at hand suggests the distinction of two very considerable increase in federal transfers
well-defined periods:(1) from 2011 to 2014, for infrastructure and urban services efforts
the entirety of the FMSAI funds is destined for (Chart 1), the FMSAI did not have considerable
projects/activities undertaken by the Housing participation on the municipality's matching
Office – Sehab; (2) in 2015, there is a clear of funds provided in the agreements; (2) with
inflection in the destination of funds, arriving the institution of the Strategic Master Plan, in
at almost 50% for the Housing function and 2014, there were changes on the regulation
50& for the Sanitation function. From 2016 of the financing of urban policy – specifically
to 2018, the funds continue to be shared from Fundurb – which, potentially, led to a re-
between the two government functions, with allocation of the FMSAI investments.
a drop in the Sanitation function and a slight The agreement between the Ministry of
increase in the Housing function. Cities and the Office of Urban Infrastructures
In the first period, the Fund invested, – Siurb represented the largest increment in
over the four years, a total sum of about 1.9 federal transfers, starting in 2014 (Chart 1). It
billion reais concentrated in the Housing would be reasonable to raise the hypothesis that
function. Overall, those funds were routed for those agreements with the Federal Government
favela (informal communities) urbanization would have caused the inflection in the
efforts, divided into two large-scale programs: municipal fund starting in 2015, as they drained
Urbanization of Favelas and the Springs municipal funds for the payment matches that
Program.8 Both programs include integrated are usually provided in federal agreements. This
urbanization efforts, with the implementation hypothesis, however, is not applicable.
of water and sanitation networks as well The transfers from federal programs
as drainage infrastructure in precarious did not prove to have a diret influence on the
s ett lem ent s, lan d regu latio n efforts , routing of the FMSAI funds. Chart 7 illustrates
expropriation of lans and construction of new the relationship between FMSAI funds used as a
housing units for the re-settlement of low- complement of federal resources (PAC I and II),
income households. falling under the category of matched payments
However, it bears pointing that the from the municipality, and the outlays from
amount of funds invested in the Housing programs and efforts solely of the municipality.
function does not necessarily entail the In 2011 and 2012, there is an important
guarantee of the right to housing as a rule. As contribution taken from the FMSAI funds for
pointed by Silva (2020), this period was marked payment matches from the municipality to
by an exponential increase in new provisional PAC, in the modality Urbanization of Precarious
housing aid consisting of the payment of Settlements. In 2012, almost half of the Fund
monetary sums9 for families that were evicted outlays were earmarked for payment matches,
by favela urbanization efforts. reaching the amount of 206 million reais, for
To understand the inflection that services and construction efforts in Paraisópolis,
happened in 2015, we suggest two central São Francisco and the Springs Program (PAC-
elements of analysis, which will be explored Mananciais).

708 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

Chart 7 – FMSAI amounts obligated for PAC payment matches in the period
of 2011 to 2018. Sums are updated for 2018, based on the IPCA index

Source: Sehab – PSMP. Elaborated by the author.

From 2013 on, what stands out is a 30% of its funds for the Housing function, to
considerable drop in the allocation of funds as be earmarked for the acquisition of land in
payment matches. As for the period between prime locations.
2015 and 2016, the payment patches were Note that the re-routing of FMSAI funds
mainly allocated for services and drainage in the transition from 2014 to 2015 also
efforts in the Ponte Baixa stream; however, the occurred on Fundurb, but inversely instead
amount of funds is not enough to explain the (Chart 8). Until 2014, albeit with a considerable
inflection demonstrated by Chart 6. variation, the Sanitation function received a
As we have previously argued, Fundurb greater volume of funds, in comparison with
and its central status in the financing of the the Housing function. From the standpoint of
municipal urban policy may be the key to the new PDE rule, we observe an abrupt drop
interpret the alteration in the distribution of funds directed to Sanitation – in constant
of FMSAI funds, as its resources are used for fall up to 2018 – and Housing remained at
the same government functions and tend, a more elevated tier of funds because of the
partially, to the same municipal offices. 30% obligated for the expropriation of lands.
The approval of the Strategic Master Therefore, we surmise that the Fundurb
Plan – PDE10 in 2014 installed new guidelines funds that financed efforts in the Sanitation
for the destination of Fundurb funds. Among function in 2014 went on to invest in the
them, article 34011 established a minimum of acquisition of real estate in prime locations,

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 709
Lucas Daniel Ferreira

Chart 8 – Outlaid amounts by Government Func on – Fundurb in the period


between 2011 and 2018. Sums are updated for 2018, based on the IPCA index

Source: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaborated by the author.

restricted to the more central macro-areas efforts of urbanization in favelas, they were
in 2015. On the other hand, the FMSAI funds partially funded by FMSAI. Since 2015, they
that invested on services and construction in went on to be financed by Fundurb.
the Housing function, such as Acquisition of As such, we understand that the inversely
Land for construction and the Springs Program correlated re-direction in both funds reflects
in 2014, went on to finance urban drainage the accommodations of municipal funds
works starting in 2015. to uphold the new regulations established
Between 2011 and 2014, Fundurb by the PDE. Such accommodations can be
invested considerable amounts on urban compared to the image of communicating
drainage works, such as, for instance, efforts vessels, concerning the compensations in
conducted by Siurb in the Cordeiro and Ponte the distribution of inversely correlated funds
Baixa streams. Starting in 2015, with the between the government functions of Housing
institution of PDE, the referred efforts started and Sanitation, observed in both Funds.
to receive FMSAI funds. As for the acquisition The amounts demonstrated by the
of lands for the construction of housing units government functions (Chart 6) can also be
and/or for the expropriation of real estate for interpreted as Projects – or Activities – in the

710 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

period between 2011 and 2018 (Chart 9). The in 2018, the total amount directed to the
activities (or efforts) classed as Urbanization urbanization of favelas amounted to about
of Favelas, Springs Program, Construction 19 million, representing a drop by 88%. As for
of Housing Units, and Land Regulation the Springs Program, which received, in 2011,
comprise what we previously h eld as around 259 million reais, it had its lowest
"Housing Function". The activity categorized budget in 2017, with only 34 million reais –
as Sanitation and Drainage Works refers to representing a drop by 77%.
the Sanitation Function. As for "Works and On the other hand, the activities
services in Areas of Geotechnical Risk" and pertaining to drainage and sanitation works,
"Implementation of Linear Parks" correspond over three years, hiked up from 33 million reais
to t h e U r b a n i s m a n d E nv i ro n m e n ta l in 2013 to 188 million reais in 2016, achieving
Management functions, respectively. the post of activity that received the highest
The analysis of data by Project/Activity amount of money from the Fund since 2015 –
supports the previously laid out arguments. with an increase of 70%.
The reduction of investments referred mainly Th e alt erat ion o f th e mu n i c ip a l
to the efforts of urbanization of favelas 12 regulatory framework created the favorable
and the implementation of the Springs conditions for the re-routing of municipal
Program. The first one, in 2011, presented funds between 2014 and 2015. Beyond
an implementation of 290 million. However, that, as we will present in this section, that

Chart 9 – Outlaid amounts by Project/Ac vity – FMSAI


between 2011 and 2018. Sums are updated for 2018, based on the IPCA index

Source: Tribunal de Contas do Município (2018). Elaborated by the author.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 711
Lucas Daniel Ferreira

re-routing mentioned above represents, In the interest of representing the


in some measure, the escalation of the concentration of funds using the same dots,
distribution conflict particularly concerning the temperature maps illustrate the amount
the budget dispute between the municipal of funds for each undertaking, following the
and urban infrastructure offices, during a gradation in the legend (where blue represents
time of stagnation of the municipal revenue. a smaller amount of funds and red indicates a
In the next section, we will look at the spatial higher concentration). The spatialized figures
dimension of the distribution of resources represent solely investments on projects and
from the municipal fund. infrastructure/construction work. The so-called
"specialized technical services by third parties"
involving the management of contracted
projects and works were not accounted for, as
Cartography of investments: they are general services, and therefore do not
concentra on x dispersion have a particular spatial dimension. As such,
the mapped figures are contained in, but do
The cartography proposed in the present not coincide exactly with the total amounts
section has the main function of offering a presented in the previous section's charts.
deeper analysis of the distribution of FMSAI Throughout these years, the
funds in the spatial dimension. The map shows municipal fund invested around 2.2 billion
georeferenced information about the total reais in approximately 500 construction/
budget implementation of the Fund, with the infrastructure efforts, amounts that do not
accrued amounts from 2011 to 2018. count the investments in efforts pertaining
From a methodological standpoint, to specialized technical services contracted
the structure of the maps considers different from third parties (management) and
layers of information. As a basis, we have the investments on the expropriation of land for
administrative limits of the municipality of the construction of new housing units – which
São Paulo and the administrative subdivisions account for 70% of the construction efforts in
of the constituent districts, the Billings and Housing and 30% in Sanitation.
Guarapiranga dams, the grid of the sanitation From the total sum, 74% are earmarked
networks in the municipality, and their for the government function of Housing, divided
relationships with the favelas and irregular between the activities of Urbanization of
settlements. Favelas, Springs Program, Land Regulation, and
The dispersion of funds is represented Construction of Housing Units. The investments
by red and blue dots, illustrating the areas that that fall under the Sanitation function represent
received, in the analyzed timeframe, some 24%, shared between the activities of flood
kind of fund from FMSAI under the Housing control intervention and interventions on at-risk
and Sanitation government functions (they areas, and drainage. Only 1% was earmarked for
were almost entirely urban drainage efforts). environmental management efforts.

712 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

Map 1 – Summary of total investments (2011-2018)

Source: PMSP, SMUL (2011); SMUL/Geoinfo (2004); Sehab/Habitasampa (2016). Elaborated by the author.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 713
Lucas Daniel Ferreira

Fu rt h er mo re, if we a n a ly ze t h e Considering the character of the


concentration of funds for targeted areas, interventions and the level of investment
we observe the concentration of 35% (728 needed for the works of urban drainage
million reais) in only 5 main areas. The areas alone, such concentration of funds led to
that received more funds in the analyzed an important drop in the amount of funds
timeframe were: earmarked for the urbanization of favelas.
1) Projects and construction/infrastructure
work for the urbanization of favelas in
Heliópolis, in the sub-prefecture of Ipiranga,
concentrating around 174 million reais.
Final considera ons:
The concentration of funds, even though it underscoring the contradic ons
concerns the same precarious settlement,
took place over time with different contracts The public fund – and its antivalue character
and efforts; – historically, has an irreplaceable role in the
2) Drainage and sanitation work in the safeguarding of social rights (Oliveira, 1988).
Cordeiro stream, in the sub-prefecture of It's no different when it comes to sanitation
Cidade Ademar, concentrating a total of 152.7 policy.
million reais in one sole contract; The present paper intended to do a
3) Drainage and sanitation work in the Ponte critical analysis of the destination of municipal
Baixa stream, in the sub-prefecture of M'boi funds in the search for the universalization
Mirim, concentrating a total of 155.7 million of the access to environmental sanitation.
reais in one sole contract; Th e coop erat ion a greeme nt be tween
4) Projects and construction/infrastructure Sabesp and the municipality of São Paulo
works in Favelas in Paraisópolis, in the sub- is a development of LNSB, from 2007. The
prefecture of Butantã, concentrating around federal regulation framework expanded the
124.7 million reais, divided between several notion of environmental sanitation beyond
contracts; just water supply and sanitation, including
5) Projects and construction/infrastructure urban drainage and management of solid
works in Favelas in São Francisco, in the sub- residue. It also determined municipalities
prefecture of São Mateus, concentrating as incumbent of services of basic sanitation
around 120.6 million reais. in Brazil, opening the door for the local
It is important to stress that the government to create funds to finance the
concentration on the urbanization of favelas universalization of the access to sanitation via
efforts (items 1, 4, and 5, above) incurred an apportionment of the collection revenue
as different contracts during the entirety of from basic sanitation services.
the analyzed timeframe. On the other hand, In that sense, the methodology adopted
urban drainage works (items 2 and 3) were sought to understand the Municipal Fund for
concentrated mainly in the years of 2015 Environmental Sanitation and Infrastructure
and 2016. of the municipality of São Paulo from the

714 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

standpoint of its two essential dimensions: the The years of 2015 and 2016 were
evolution of budget implementation over time characterized as the period with the highest
and its spatial distribution. concentration of investments. In this period,
Concerning the amount of funds, we resources from the municipal fund were mainly
highlight FMSAI is extremely important for concentrated in two large-scale drainage
the financing of urban policy in the city of São efforts: the Cordeiro and Ponte Baixa streams.
Paulo. The institution of the fund amplified The referred Drainage and Sanitation works
the autonomy of the municipality in relation conducted by Siurb, contrary to the urbanization
to the federal transfers from PAC I and II, of favelas efforts, exclusively fall under the
outmatching the amounts transferred by the urban drainage rubric. Even when next to
program. The amounts also outmatched the precarious settlements, those works were not
budget implementation of Fundurb, another intended to uphold the safeguarding of the right
source of municipal funds that is important for to housing through land regulation of irregular
the city. settlements or favelas. As illustrated, the
In the 2011-2014 timeframe, the funds concentration of resources in those efforts led
were allocated entirely to efforts falling under to an important drop in the funds earmarked
the Housing government function, promoting for the urbanization of favelas – a reduction that
works of urbanization of favelas – including was not compensated by Fundurb.
within protected springs areas –, land Over the last few years, we noticed a
regulation, and the construction of new housing decrease in financial management capacity,
units. The efforts were mainly distributed and, consequently, a drop in the outlaid
among the peripheral areas of the city (inner investments by the offices in charge in
cities), but did not represent the safeguarding relative figures. A consequence of this is the
of the right to housing, when we consider the outstanding balance from the municipal fund,
rise in evictions to make way for construction/ which saw an increase starting in 2016 and
infrastructure works. was amplified in 2017 and 2018.
Between 2014 and 2015, a notable In 2017 and 2018, there is a noticeable
redirection of investments appeared. After diffusion of the funds, particularly compared
debunking the hypothesis that this redirection to previous years. The greater dispersion of
would have been a result of the disbursement funds, on the other hand, can show a trend in
of paym ent matc hes provided in th e the allocation of funds, which historically were
agreements with the federal government, we invested in more peripheral areas, in higher
showed that the inversions in the destination income areas in the city, such as the isolated
of funds, both from FMSAI and Fundurb – but emblematic case of the improvement of
displaying "communicating vessel" features the rainwater gallery of Lorena avenue, in
– unfolded as a result of a re-accommodation the affluent neighborhood Jardim Paulista.
of the municipal funds to uphold the new However, the absolute figures continue to
regulations established by the 2014 Strategic illustrate a greater concentration of funds in a
Master Plan (PDE). few urban drainage efforts.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 715
Lucas Daniel Ferreira

The analysis undertaken in the present dispute in an austerity context. Although the
paper puts us in the position of pointing that legal provision for its application of funds
the FMSAI implementation, even though is very diversified, we understand that its
it embodies the intersectoral character of growing participation in exclusive efforts of
the environmental sanitation policy in its urban drainage, considering the character of
institutional design, led to the escalation the interventions and the level of investment
of the distribution conflict in the public they necessitate, ended up compromising,
budget. In a scenario of fiscal and economic in some measure, the advancement of
crisis, marked by the reduction of other the universalization of access to water
sources of revenue, the fund ended up being supply and sanitation services because of
positioned, in practice, as a complement the discontinuous status of the efforts of
to the municipal budget and an object of urbanization of favelas.

[I] https://orcid.org/0000-0001-9872-2383
Pesquisador autônomo. São Paulo, SP/Brasil.
lucasferreiraarq@gmail.com

Acknowledgments
I would like to thank, in special, Profs. Jeroen Klink and Marcos Barcellos de Souza, from Universidade
Federal do ABC, for their fundamental contribu on to the research that developed into this
ar cle and the results presented here.

Translation: this article was translated from Portuguese to English by Maíra Mendes Galvão,
mairamendesgalvao@gmail.com

716 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Potentialities and contradictions of the Municipal Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure – 2011-2018

Notes
(1) See IBGE (2018, p. 23).

(2) “Clause 35. Sabesp shall:


a) Direct, per trimester, 7.5% (seven and a half per cent) of the net revenue obtained in the Capital for
the Municipal Fund, up to 5 (five) weekdays a er the publica on of the quarterly and/or yearly
financial statements, as provided in the agreement, especially its Clause II;
b) Invest on services a minimum of 13% (thirteen per cent) of the net revenue obtained in the Capital,
without prejudice of revising the sum to a larger or higher percentage, in order to maintain the
economic/financial balance of the contract.”

(3) Municipal Housing Office; Municipal Greens and Environment Office; Municipal Government
Office; Municipal Urban Infrastructure and Construction Office; Municipal Urbanism and
Licensing Office; Municipal Finance Office; Municipal Planning Office; Municipal Coordina on of
Boroughs Office;

(4) Municipal Housing Board – CMH; Municipal Environment and Sustainable Development Board –
Cades; and Municipal Urban Policy Board – CMPU; the board members are appointed bu their
own boards, with one representa ve, as well as one sub-representa ve, each.

(5) In the years of 2014 and 2015, because of the water management crisis in the city of São Paulo,
Sabesp saw a considerable drop in revenue, and therefore the amounts of transfers to the
municipality were compromised.

(6) Municipal Act n. 14.934, of 18 June 2009, authorizes the creation of an agreement between
municipality, ARSESP and Sabesp and creates the Municipal Fund for Environmental Sanita on
and Infrastructure – FMSAI.

(7) The committed amounts are budget reserves that guarantee, through the public power, the
necessary credits for liquida on and payment of services. The outlaid amounts incur a er the
service is effec vely performed, and the payment is requested. Methodologically, comparing
both amounts shows us the dimension of the budgeted funds and helps understand the por on
that was truly implemented.

(8) The Springs Program focused on the urbaniza on of favelas in Areas of Protec on and Recovery
of Springs, in the outermost Southern por on of the city of São Paulo, specifically the basins of
the Billings and Guarapiranga dams. For a more detailed analysis of the Springs Program, see
Ferrara (2013, p. 293).

(9) The government aid at hand, under the modali es of Rent S pend, Social Partnership and Rent
Aid, consists of monthly payments of 400 reais by way of provisional aid. The funds for this aid
did not come from FMSAI, but from the Municipal Treasury. About the Rent Aid policy in the
Municipality of São Paulo, see Silva (2020, p. 15).

(10) Municipal Act n. 16.050, of July 2014 – Approves the Urban Development Policy and the Strategic
Master Plan of the Municipality of São Paulo and revokes Act n. 13.430/2002.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 717
Lucas Daniel Ferreira

(11) “Art. 340. Resources collected by Fundurb must observe, yearly, the limits of:
I – A minimum of 30% (thirty per cent) obligated for the acquisi on of land meant for the produc on
of Social Interest Housing located in the Macro-area of Metropolitan Structuring, and the
Macro-area of Consolidated Urbaniza on, and the Macro-area of Qualifica on of Urbaniza on,
classed preferrably as ZEIS 3, according to Map 4A a ached;
II – A minimum of 30% (thirty per cent) obligated for the implementa on of collec ve transporta on,
bicycle, and pedestrian systems.
§ 1st The funds specified on item I that are not implemented at the established minimum amount,
must remain in reserve for the period of one year; a er this meframe, the Management Board
may direct this fund to subsidize state and federal programs of Social Interest Housing provision.
§ § 2nd The funds specified on items I and II of the "caput" that are not implemented at the established
minimum amount, must remain in reserve for a period of 2 years, a er which, the Management
Board may direct it elsewhere as provided on ar cle 339.
§ 3rd In the year that follows the year of promulga on of this Act, the limits to the Fundurb balance
established in the "caput" are applicable.”

(12) The funds rela ve to the Construc on of Housing Units in 2014, 2017, and 2018 were included in
the "Urbaniza on of Favelas" ac vity in the other years, a fact that can entail a distor on in how
the amounts are read, but does not alter structurally the arguments presented above.

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Received: June 9, 2021


Approved: October 25, 2021

720 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022


Economia Criativa:
uma estratégia de desenvolvimento
urbano em Belo Horizonte
Creative Economy: an urban
development strategy in Belo Horizonte
Renata de Leorne Salles [I]

Resumo Abstract
Este ar go pretende construir uma base de refle- This ar cle intends to build a basis for reflec on
xão sobre a Economia Cria va como estratégia de on Creative Economy as an urban development
desenvolvimento urbano, adotada no Brasil nas úl- strategy, adopted in Brazil in recent decades.
mas décadas. Será traçado um panorama acerca An overview will be drawn about the new sector
do novo setor através de uma revisão bibliográfi- through a bibliographic review, taking as an
ca e, para exemplificar, tomaremos a cidade de example the city of Belo Horizonte, state of Minas
Belo Horizonte, Minas Gerais, onde tal segmento Gerais, where state and municipal governments
vem sendo incorporado pelos governos estadual have incorporated that segment through cultural
e municipal através de polí cas públicas culturais public policies aimed at valuing the local plan.
visando à valorização do plano local. As propostas The proposals mapped in the capital city will
mapeadas na capital nos permi rão pensar sobre allow us to think about the hypothesis of adop ng
a hipótese da adoção da Economia Cria va como Creative Economy as a model of economic
um modelo de crescimento econômico que corro- growth that corroborates the logic of spatial
bora com a lógica de transformação espacial por transformation through the practice of local
meio da prá ca do empreendedorismo urbano lo- urban entrepreneurship – based on a rentier-
cal – baseada numa dinâmica ren sta-financeira –, financial dynamics –, s mula ng new studies in
incen vando novos estudos na área. the area.
Palavras-chave: economia cria va; desenvolvimen- Keywords: crea ve economy; urban development;
to urbano; produção do espaço; política pública; space production; public policy; neoliberal
inflexão neoliberal. inflec on.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5412 Crea ve Commons Atribu on
Renata de Leorne Salles

Introdução sentido, é relativamente recente a proposição


de políticas públicas voltadas para tal segmen-
Este artigo pretende construir uma base de to (Milan, 2016; Pacheco e Benini, 2015) sendo
reflexão acerca da denominada Economia Cria- este, talvez, o motivo da escassez de literatura
tiva como estratégia de desenvolvimento ur- sobre o tema e, principalmente, sobre os des-
bano, adotada no Brasil nas últimas décadas. dobramentos e efeitos qualitativos de ações já
Dessa maneira, será traçado um panorama implementadas. Além disso, muitas atividades
acerca do novo setor através de uma revisão culturais e criativas acontecem a partir de ini-
bibliográfica e, para exemplificar, tomaremos ciativas da sociedade civil, sem o apoio do po-
a cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, on- der público, o que dificulta ainda mais a men-
de tal segmento vem sendo incorporado pelos suração de tais políticas (Ipea, 2013; Milan,
governos estadual e municipal, nos últimos 2016). No caso de Belo Horizonte, a maioria
anos, através de políticas públicas na área da dos estudos refere-se à região metropolitana e
cultura visando a valorização do plano local. possui uma abordagem de natureza macrosso-
Nesse sentido, as propostas mapeadas na capi- ciológica, contemplando aspectos mais quanti-
tal nos permitirão pensar sobre a hipótese da tativos (Leitão e Machado, 2016; Machado et
adoção da economia criativa como um modelo al., 2016, Fundação João Pinheiro, 2018). Ape-
de crescimento econômico que corrobora (ou sar disso, foi possível identificar algumas pro-
não) com a lógica de transformação espacial postas já implementadas na cidade e outras
por meio da prática do empreendedorismo em curso, demonstrando que os aportes aos
urbano local, determinada por uma dinâmica setores criativos parecem estar em evidência,
rentista-financeira, incentivando novos estudos como veremos mais adiante.
na área. A importância da reflexão, portanto, Pretende-se, portanto, lançar luz sobre
diz respeito aos efeitos promovidos pelo novo as discussões acerca da reprodução de pa-
setor na produção/reestruturação do espaço drões de desigualdade e segregação socioes-
contemporâneo, além de outros desdobramen- pacial, uma vez que o novo segmento pode
tos. Nesse sentido, as propostas mapeadas na vir a favorecer os grupos detentores de capital
capital mineira permitir-nos-ão pensar sobre a intelectual e das tecnologias de informação
hipótese da adoção da economia criativa co- relacionadas aos setores criativos, além dos
mo um modelo de crescimento econômico que agentes culturais já estabelecidos; em detri-
corrobora (ou não) a lógica de transformação mento de interesses sociais mais amplos e da
espacial por meio da prática do empreendedo- valorização das especificidades culturais locais,
rismo urbano local, determinada por uma dinâ- que possibilitem a abertura de novos campos
mica rentista-financeira. para a expansão e circulação de bens e servi-
Assim, como metodologia de pesquisa ços culturais diversos.
foi realizada revisão bibliográfica sobre eco- Após esta introdução, serão apresen-
nomia criativa como uma ideia difundida em tadas a definição de Economia Criativa e a
nível internacional e incorporada pelo governo descrição dos setores de serviços criativos que
federal brasileiro na década de 2010, visando a compõem. Nas seções subsequentes, pro-
à construção do projeto Brasil Criativo. Nesse põe-se um debate sobre a produção do espaço

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Economia Criativa

nas metrópoles e sua relação com a expansão como parte de um amplo processo de
do setor de serviços, fenômeno que contribuiu desenvolvimento sustentável. A Econo-
para tornar a economia criativa uma estratégia mia Criativa incorpora aspectos econô-
micos, culturais e sociais, interagindo
urbana de desenvolvimento. Em seguida,
com a tecnologia, a propriedade intelec-
propõe-se o debate sobre a centralidade tual e o turismo. (Unctad, 2012)
adquirida pela cultura na contemporaneida-
de, cuja relevância foi se consolidando em prol Nesse sentido, podemos considerar eco-
do incremento de economias locais através da nomia criativa como uma política que integra
(re)valorização do patrimônio cultural e, mais e articula cultura e economia, tendo a criativi-
recentemente, do fomento à economia cria- dade como o principal motor para o desenvol-
tiva. Discutiremos, também, alguns modelos vimento socioeconômico ambicionado. Assim,
internacionais vinculados à cultura e incorpo- através da criação de produtos e atividades
rados por diversos países para, somente então, culturais e criativas que tenham como suporte
abordarmos o contexto histórico brasileiro, na a propriedade intelectual e as novas tecnolo-
tentativa de compreender como o estímulo gias de informação, estas utilizadas para au-
aos setores criativos foi adotado pelo Estado, mentar a produtividade e a eficiência nas eco-
nos anos 2000, atrelado a processos de in- nomias baseadas no conhecimento (Florida,
clusão social. Por fim, levantaremos algumas Mellander e King, 2015 apud Cauzzi e Valiati,
ações implementadas em Belo Horizonte, que 2016), espera-se alcançar a inovação (no sen-
poderão servir de base para futuras investiga- tido de originalidade), o desenvolvimento sus-
ções acerca do tema. tentável e a diversidade cultural, recursos que
vêm sendo considerados essenciais, em ter-
mos mundiais, para o fortalecimento de eco-
nomias locais.
O conceito Ao propor desenvolvimento econômico
de Economia Cria va e cultural de forma conjunta, considerando
que já não há dissociação entre essas duas
A definição de Economia Criativa apresentada dimensões, a economia criativa sugere uma
na Conferência das Nações Unidas sobre Co- forma de conexão à rede econômica global.
mércio e Desenvolvimento (Unctad) – Econo- Portanto, investir em atividades culturais e
mia Criativa: uma opção de desenvolvimento criativas visando à geração de emprego e
viável – trata de forma ampla o novo segmen- renda seria uma forma viável de promover
to, cujo principal alicerce para o alcance dos desenvolvimento em distintas localidades,
efeitos de inovação e desenvolvimento almeja- considerando a crescente demanda por lazer e
dos seria a criatividade. Logo, a nova economia entretenimento, além da emergência de cida-
é tida como uma des mais autônomas, capazes de lidar com os
desafios da contemporaneidade (Marx, 2006;
[...] força da economia contemporânea
e no entendimento de que os desenvol-
Losada, 2018), como a competitividade interci-
vimentos culturais e econômicos não dades, o aumento do consumo cultural e turís-
se dão de forma isolada, mas integrada tico, entre outros.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 723
Renata de Leorne Salles

Além disso, como os setores da eco- atrelado à criação de produtos simbólicos cria-
nomia criativa estão conectados aos fluxos tivos como essencial para o desenvolvimento
de trabalho global e aos circuitos culturais, a das nações.
importância desse segmento no âmbito da
cidade se dá pela possibilidade de conexão
de seus trabalhadores aos circuitos do capital
global (Lees; Slater; Wyly, 2008; Sassen, 2005).
A reestruturação espacial
Nesse sentido, pressupõe-se que a denomi- e a expansão do setor
nada classe criativa, composta por membros de serviços
dessa nova força de trabalho, seria capaz de
promover mudanças como inovação, diversi-
Se o espaço urbano das metrópoles vem pas-
dade, oportunidades profissionais e, portanto,
sando por diversas transformações socioes-
um maior desenvolvimento econômico local
paciais e culturais desde as últimas décadas
(Florida, 2002).
do século 20, muitas delas decorrentes da
É importante ressaltar que os setores
inserção da economia criativa no âmbito da
que compõem as indústrias criativas são de-
cidade, vale lembrar que tal processo possui
rivados das indústrias culturais. Conforme o
relação com a reestruturação das economias
Framework for Cultural Statistics da Unesco
capitalistas avançadas (Smith, 2007) devido
(2009), eles englobam tanto os setores criati-
à desindustrialização das cidades, o que de-
vos dominantes/tradicionais da indústria cul-
sencadeou o fenômeno da terceirização das
tural (patrimônio, artes, literatura e atividades
atividades, com o crescimento das economias
correlatas), como os setores da indústria de
baseadas em serviços.
serviços criativos (design, moda, arquitetura,
No Brasil dos anos 1980, os fenômenos
etc.), acrescidos das novas mídias e tecnolo-
de redemocratização e suburbanização, além
gias e demais atividades correlacionadas às
da crise econômica, corroboraram a reestru-
indústrias culturais e criativas:
turação espacial das atividades econômicas
[...] aquelas que combinam a criação, concomitantemente ao processo de terceiri-
produção e comercialização de conteú- zação, cujo setor de serviços começou a gerar
dos intangíveis e culturais por natureza, mais empregos. Assim, pode-se dizer que as
o que inclui os produtos audiovisuais, o
atividades produtivas e os serviços da econo-
design, os novos meios de informação, as
artes do espetáculo, a produção editorial mia criativa foram se expandindo e ganhando
e as artes visuais. (Ibid., p. 140) maior importância econômica, passando a ser
os responsáveis pela promoção de diversas
Tal material resultou numa espécie de mudanças nas estruturas socioespaciais das ci-
ferramenta que, desde então, vem servindo de dades (Caldeira, 1997).
base para a formulação de políticas públicas Além da migração do capital, através
direcionadas para o setor. Além disso, o relató- da expansão da atividade econômica no es-
rio da Unctad (2012) contribuiu para a difusão paço urbano, houve, também, a migração de
internacional do conceito de economia criativa parte da população das áreas centrais para

724 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa

novas centralidades emergentes. Consequen- Contudo, em grande parte dos casos, tais
temente, a maioria dos centros históricos/ medidas têm se voltado para os interesses de
tradicionais foi sendo fisicamente deteriora- mercado – lucratividade, medidas de controle
da e estigmatizada por muitos, com edifícios e segurança, turismo, valorização imobiliária –,
abandonados e/ou obsoletos devido à dimi- gerando a mercantilização do patrimônio e de
nuição da função residencial e de atividades atividades culturais, ofertadas predominante-
relacionadas às camadas média e alta que mente para as camadas médias e altas da po-
ocupavam tais regiões. Desse modo, iniciaram- pulação, desfavorecendo a democratização da
-se diversos processos visando à recuperação cultura ou a implementação de políticas que
de tais localidades. garantam benefícios sociais mais amplos.
Smith (2007) discorre sobre as ações do
poder público direcionadas para as regiões
centrais como uma expressão da divisão do
trabalho no espaço urbano, ou seja, o surgi-
Os modelos de fomento
mento de novas empresas do setor de serviços à economia cria va
nessas localidades seria determinado pelos in-
teresses do capital. Ademais do fator rent gap O papel da cultura e sua crescente mercanti-
(existência de terras disponíveis a baixo custo), lização na contemporaneidade, a princípio,
os investimentos voltados para os centros ur- estiveram ligados às indústrias culturais e,
banos seriam capazes de contribuir com a con- logo, com a ampliação desse conceito, às in-
centração de serviços avançados nessas áreas dústrias criativas. Conforme aponta Adorno
ou em suas proximidades. e Horkheimer (1985), a cultura é reveladora
Nesse sentido, surgiram diversas políti- da estrutura do poder social dentro da lógica
cas públicas culturais interligadas a interven- capitalista, ou seja, coloca em evidência o sis-
ções urbanas e tidas como estratégias corro- tema hierárquico que compõe a sociedade e
borativas, visando à (re)ativação socioeconô- que, por sua vez, conforma os espaços da ci-
mica de áreas consideradas degradadas para, dade. Nesse sentido, podemos dizer que os
então, recuperá-las, fomentando a ocupação motivos econômicos reguladores da “Indústria
do espaço público e a promoção do consumo Cultural” – denominação utilizada por alguns
cultural e turístico, contando muitas vezes com autores em meados do século XX para o fenô-
aportes do setor privado. Demarca-se, portan- meno então conhecido como “cultura de mas-
to, uma mudança de paradigma no padrão de sa” – a padronizam conforme o status e, com
desenvolvimento urbano, de modo que o ape- isso, delimitam o próprio consumo ao tornar
lo cultural se tornou uma estratégia de inves- os sujeitos objetos dessa indústria.
timento do poder público para promover as Tais mecanismos, ao serem incorporados
transformações desejadas nos mais diversos por políticas públicas através de planejado-
territórios, em busca do crescimento local, res e gestores urbanos, acarretam processos
além de criar condições atrativas para a atua- de exclusão socioespacial, pois beneficiam as
ção da iniciativa privada. classes detentoras de maior poder econômico,

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Renata de Leorne Salles

além de serem sistematicamente reproduzidos nesse mesmo período, a noção antropológica


e difundidos com a ajuda dos meios de comu- de cultura foi adotada, e o patrimônio saiu dos
nicação, que materializam os discursos dos âmbitos artístico e histórico e entrou no âmbi-
promotores de tais dinâmicas. to cultural, ampliando seu conteúdo e evoluin-
Dessa maneira, podemos dizer que as do nesse sentido (Moreira, 2009).
indústrias culturais, cuja produção se voltou No que diz respeito à economia criativa,
para as práticas de consumo na contempo- os debates em torno do assunto vêm ocorren-
raneidade, converteram-se num mecanismo do desde 1980. Após identificar tal segmento
de (re)produção do espaço. Instrumentos de como essencial para o desenvolvimento eco-
controle (como a divisão espacial do trabalho) nômico das nações no âmbito da globalização,
são reproduzidos e materializados no território construiu-se uma base para a formulação de
através de arranjos organizacionais dos usos políticas públicas considerando a criatividade
e atividades/serviços, que tendem a priorizar como âncora, especialmente para as ativida-
determinados locais em prol dos interesses des culturais. Nota-se aqui, implícita a esse
dos atores envolvidos. Com isso, muitas das novo modelo, uma rearticulação entre socie-
atuais políticas públicas acabam sendo orien- dade, economia e cultura, já que o incentivo
tadas pelas demandas de agentes privados e aos setores de serviços evidencia mudanças
pelas lógicas de mercado. Assim, tais conceitos relacionadas ao processo de reestruturação
reguladores da produção cultural e intelectual econômica das cidades.
foram sendo difundidos e adotados em dis- A partir de então, a promoção de po-
tintas realidades urbanas, como é o caso dos líticas no âmbito cultural ganhou destaque,
investimentos voltados para os setores da eco- contribuindo para recuperar a atratividade de
nomia criativa. áreas reabilitadas e/ou incrementar o mercado
Vale ressaltar, também, um outro as- competitivo intercidades, através do fomen-
pecto: a importância de alguns organismos to ao consumo cultural e turístico (Arantes,
internacionais na construção e propagação de 2000), estes considerados capazes de alavan-
modelos de desenvolvimento econômico ba- car mais investimentos. Assim, as práticas
seados na cultura. A valorização do patrimônio culturais, além de impactar significativamente
(material e imaterial) promovida pela Unesco no desenvolvimento urbano, adquiriram um
(Organização das Nações Unidas para a Educa- novo significado, tornando-se um recurso fun-
ção, a Ciência e a Cultura) na década de 1970 damental “[...] não só como práticas sociais,
emoldurou as discussões urbanísticas inter- mas como um elemento-chave para a apro-
nacionais a partir de então, criando modelos priação e transformação do espaço. Os territó-
de revitalização de áreas centrais atrelados rios são redefinidos pelos decisores locais em
a cultura – e que foram adotados na América conjunto com as organizações socioculturais”
Latina mais tarde –, gerando uma conscienti- (Corte-Real, 2015, p. 88).
zação mundial em torno da manutenção de No Brasil, revalorizar os territórios por
bens culturais, relevantes para a preservação meio de políticas culturais tornou-se pau-
da memória e história dos cidadãos. No Brasil, ta recorrente em agendas urbanas a partir

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Economia Criativa

dos anos 1980. A princípio, as elaborações econômica do espaço urbano brasileiro, cujos
fizeram-se em torno do patrimônio cultural, efeitos se fazem evidentes a partir da mudan-
visando retomar as referências simbólicas e ça na estrutura produtiva e na organização
afetivas da população para revalorizar algumas do mercado de trabalho. Estamos falando da
regiões. Dessa maneira, diversas áreas centrais terceirização das atividades econômicas e dos
e/ou antigas zonas industriais converteram- serviços, que pouco a pouco transformaram
-se nos principais focos de políticas urbanas, os territórios, em linhas gerais, em centros fi-
que passaram a contar com os setores priva- nanceiros e de entretenimento, do ponto de
dos para recuperar localidades relativamente vista turístico e comercial (Frúgoli Jr., 2000).
esvaziadas e/ou abandonadas objetivando a Portanto, com a expansão da economia de
promoção de novos serviços e atividades atra- serviços, o fomento aos setores de serviços
tivas, especialmente, para as camadas mais al- criativos tornou-se relevante nas agendas ur-
tas da população. banas estaduais e municipais.
Além disso, consideraram-se também as Nesse sentido, investir na cadeia de
questões relacionadas ao patrimônio construí- serviços da economia criativa tornou-se fun-
do e à identidade cultural local para reinventar damental para o desenvolvimento de muitas
tais paisagens urbanas. Esse esteticismo, em cidades, já que a proposição de políticas pú-
muitos casos, vem contando com o apoio de blicas de renovação atreladas à cultura, num
manifestações artísticas contemporâneas, dura- contexto cuja demanda pelo consumo cultural
douras (como pinturas em edificações) ou efê- é crescente, tornou-se um modo de preparar
meras (exposições, performances, etc.), realiza- o terreno para a atuação do mercado imo-
das no espaço público para criar lugares de visi- biliário e/ou de empresários. Entretanto, à
ta. Um exemplo é o festival de arte urbana Cura medida que esse novo padrão vai adquirindo
(Circuito Urbano de Arte), que vem ocorrendo hegemonia, a apropriação do espaço urbano
em Belo Horizonte, desde 2017, através de contemporâneo fica a cargo dos atores pri-
aportes do poder público municipal em conjun- vados, de maneira geral, alimentando alguns
to com investidores privados visando fomentar processos de segregação socioespacial.
a ocupação da rua (Veloso e Andrade, 2019).1 Desse modo, podemos dizer que a re-
Além da preocupação estética, nota-se o in- levância da economia criativa se tornou nor-
teresse em estimular a apropriação do espaço teadora de políticas culturais nos âmbitos lo-
público e a interação social (Corte-Real, 2015). cais mais diversos, e identificar o fomento aos
Já nas últimas décadas e diante da con- setores criativos em Belo Horizonte parece
solidação dos processos de desindustrializa- revelar a ânsia não só pelo desenvolvimento
ção e suburbanização das cidades, é possível urbano, mas, também, pelo desejo de renova-
notar, de modo geral, o deslocamento de ção do papel da cidade. Através de renovações
economias regionais na direção do capitalis- urbanas atreladas à cultura, a capital mineira
mo neoliberal, com o mercado atuando nas parece vir buscando o incremento de sua eco-
cidades latino-americanas como nunca se ti- nomia local para melhor articular-se num nível
nha visto antes (Roberts e Wilson, 2009). Tal macro. Conforme De Marchi (2014) sobre o re-
fato vem promovendo uma reestruturação latório da Unesco (2009):

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Nele [relatório] afirmava-se que as in- Desse modo, a produção cultural, antes
dústrias criativas constituíam um meio destinada às iniciativas privadas (comércio/in-
estratégico para se alcançar um comércio
dústria), passou a ser considerada fundamental
internacional mais justo. Com a emer-
gência da globalização e a crescente va-
para a participação da população na esfera pú-
lorização do trabalho imaterial, criou-se blica, assim como os processos de distribuição
uma oportunidade única para os países e consumo de bens culturais. Daí a mudança de
em desenvolvimento acessarem as eco- paradigma das tradicionais “indústrias cultu-
nomias desenvolvidas através não da ex-
rais” (cultural industries) para as “indústrias
portação de commodities ou de mão de
obra desqualificada, mas de bens e servi-
criativas” (creative industries). As atividades re-
ços com alto valor agregado. (De Marchi, lacionadas aos setores criativos, dessa maneira,
2014, p. 199) começaram a ser consideradas essenciais para
disseminar a cultura e incrementar a economia
O trecho anterior levanta uma ques-
britânica de modo includente.
tão importante, uma vez que coloca a econo-
Com isso, o papel da cultura na socieda-
mia criativa como uma oportunidade viável
de é ampliado, na perspectiva do Estado, na
também para países em desenvolvimento.
medida em que a “criatividade”, aliada a gera-
Dessa forma, a importância das culturas lo-
ção e exploração de propriedade intelectual,
cais é colocada em pauta – contrapondo a
passou a ser um instrumento singular para a
experiência desenvolvimentista do perío- criação de produtos capazes de gerar empre-
do industrial –,convertendo-se numa forma go e incrementar a economia. Analisando pelo
de gerar crescimento econômico através de viés da crise econômica vigente na Grã-Bre-
políticas públicas capazes de promover cone- tanha, à época, que sofria as consequências
xões com a rede econômica global e, portanto, da desindustrialização, as indústrias criativas
com países desenvolvidos. Assim, a valorização ofereciam a oportunidade de reconstruir a
da diversidade cultural, em termos mundiais, economia nacional por meio da cultura (ibid.),
entra no âmbito das estratégias de desenvolvi- ou seja, através da produção de bens simbóli-
mento econômico e socialmente includentes. cos cuja inserção se daria no mercado global,
O Creative Nation, projeto do governo tendo o Estado como facilitador, e não mais
australiano implementado no início dos anos como promotor.
1990, pode ser considerado o marco inicial no
que se refere ao fomento às políticas culturais
com base nas indústrias criativas. Mas foi com A inserção da economia
a experiência conduzida pelo Partido Traba- cria va no Brasil
lhista britânico, no fim da década, que uma
mudança paradigmática se estabeleceu, no No Brasil, a partir de 1985, quando se deu iní-
que diz respeito às implicações desse tipo de cio à redemocratização do País, a concepção
política para o novo setor. Nesse caso, alguns de cultura adotada pelo Estado começou a mu-
princípios básicos de políticas sociais foram dar. A perspectiva funcionalista foi deixada de
adotados pelo governo e submetidos à lógica lado para a adoção do conceito antropológico
de mercado (ibid., 2014). do termo – cultura como modo de vida. Assim,

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Economia Criativa

de locus da criação de solidariedade ou coe- cultural através da definição de ações públi-


são social (no sentido durkheimiano), a cultura cas de cultura. Logo, no final de 2010, o PNC
passou a ser considerada elemento-chave para foi aprovado, sob a forma de lei, 4 situando a
a reconstrução da democracia nacional. Nesse cultura não só no âmbito do governo federal,
sentido, o novo tipo de desenvolvimento am- mas, também, na agenda de estados, cidades
bicionado só poderia ser alcançado através da e da sociedade civil, além de permitir a cola-
valorização de práticas criativas da população boração de agentes públicos e privados para o
(ibid.), estas interligadas às culturas locais. cumprimento das proposições.
Com isso, seria possível promover inclusão Pouco tempo depois, em 2011, foi lan-
social e crescimento econômico, em concomi- çado o Plano da Secretaria da Economia Cria-
tância e sem a dependência de outros países. tiva através do MinC (Brasília, 2011). O projeto
Vale ressaltar que é desse período a criação do contemplava as particularidades do território
Ministério da Cultura (MinC), configurando o nacional, favorecendo a promoção de ativida-
pontapé inicial das políticas culturais voltadas des culturais e criativas em congruência com
para o campo das atividades criativas. os potenciais econômicos brasileiros. Aliado
Porém, foi somente com a chegada da às intenções do PT, ainda no poder, o referido
esquerda no poder, em 2003, representada Plano pretendia realizar um projeto próprio de
pelo presidente Lula (PT), que a cultura como economia criativa equacionando desenvolvi-
finalidade de desenvolvimento nacional foi mento e inclusão social através da diversida-
adotada. 2 Houve a retomada do MinC no in- de cultural do País. Tida como recurso social,
tuito de torná-lo responsável pela formulação, ativo econômico e político, esperava-se que tal
implementação e monitoramento de políticas diversidade promovesse a inserção do Brasil na
públicas culturais, reavendo o Estado o seu economia mundial, apesar de essa visão eco-
papel no setor. 3 A noção antropológica de nomicista não ter sido explicitada no discurso
cultura também foi recuperada , ao contem- institucional (Bolaño, Lopes e Santos, 2016).
plar suas dimensões conformadoras – cultura Conforme o Plano, quatro seriam as for-
como expressão simbólica, potencialidade de ças interativas capazes de promover uma no-
desenvolvimento econômico e como direito à va alternativa de crescimento econômico com
cidadania –, distintos grupos sociais e minori- base numa dinâmica local para a construção
tários foram apreciados (ibid.), criando condi- do projeto Brasil Criativo: “[...] a organização
ções adequadas para a proposição de uma po- flexível da produção; a difusão das inovações e
lítica nacional com base na produção cultural do conhecimento; a mudança e adaptação das
nacional, tida como um ativo econômico e sim- instituições e o desenvolvimento urbano do
bólico gerador de desenvolvimento local. território” (Brasília, 2011, p. 14).
Assim, a partir de 2005, começou a ser Nesse sentido, o Plano indicava meto-
elaborado o Plano Nacional de Cultura (PNC) dologias e programas para o fomento de pro-
através de diversos debates governamentais posições de territórios criativos em lugares
com a participação da sociedade civil. O obje- considerados, de certa forma, favoráveis para
tivo era traçar metas e diretrizes que contem- corroborar a economia e a criação de empre-
plassem a preservação da nossa diversidade go, priorizando “[...] a diversidade cultural do

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País como estratégia para a produção de rique- crescimento econômico. Assim, áreas urbanas
za inclusiva e equitativa, o que não é comple- são transformadas em espaços modernos e
tamente assegurado nos discursos dos organis- rentáveis. Tais processos podem ser exemplifi-
mos internacionais” (Pacheco, Benini e Maria- cados pelos grandes projetos de revitalização,
ni, 2018, p. 145). pelas privatizações dos espaços públicos, pelas
Ainda buscando adequar o modelo im- operações urbanas consorciadas ou pela pro-
portado à realidade brasileira, o termo “in- moção dos chamados “megaeventos”, causan-
dústrias criativas” foi substituído por “setores do grandes modificações na estrutura socioes-
criativos”, contemplando os empreendimen- pacial das metrópoles contemporâneas. Desse
tos nos quais as atividades produtivas advêm modo, produz-se uma paisagem urbana sem
de um processo criativo (portanto, de compe- relação com o lugar, desconsiderando as carac-
tência individual), gerador de bens ou serviços terísticas culturais e locais.
cujos valores estão atrelados à dimensão sim- Além disso, com o desmantelamento do
bólica (imaterial). Estado Social (retração de políticas sociais e
Sendo assim, ao propor uma política pa- trabalhistas), agravado após a saída da presi-
ra o fomento da economia criativa no Brasil e dente Dilma Rousseff (PT), em 2016, além dos
aliado a diversos outros ministérios, o MinC escassos investimentos em pesquisa, em novas
tornou-se o principal articulador e agente de tecnologias e na diversificação da economia,
planejamento e desenvolvimento nacional, faz-se necessário entendermos, novamente,
“[...] com a missão de transformar a criativi- como a cultura vem sendo tratada. 5 É impor-
dade brasileira em inovação e a inovação em tante lembrar que a flexibilização da mão de
riqueza: riqueza cultural, riqueza econômica, obra na contemporaneidade se origina, justa-
riqueza social” (Brasília, 2011, p. 30). Ademais, mente, no campo da cultura, com a reestrutu-
a cultura tornou-se o pilar central no contex- ração do modelo capitalista. Logo, a promoção
to político e econômico, sendo necessária a do autoemprego/informalidade ou a forma-
participação ativa do Estado na regulação da -empresa/empreendedorismo individual como
economia criativa, já que estamos falando de meio emancipatório do sujeito tornou-se o
um contexto cujo desenvolvimento macroeco- principal discurso para valorizar a precarização
nômico almejado deveria ocorrer em conjunto das relações de trabalho e, ainda, a subordina-
com medidas de inclusão social. ção da produção intelectual ao capital (Bolaño,
Após esse debate, sobre como o mode- Lopes e Santos, 2016).
lo internacional foi adaptado e incorporado Dessa forma, a generalização da econo-
pelo governo brasileiro, e visando possíveis mia criativa, em nível mundial, parece legitimar
investigações acerca dos desdobramentos dos a perspectiva economicista, como evidenciado
setores criativos no Brasil, vale lembrar que a pela maioria dos discursos institucionais volta-
recorrência desse padrão de desenvolvimen- dos para os ideais de geração de emprego e ren-
to tende a provocar, de modo geral, a expro- da, contrapondo o desenvolvimento sociocultu-
priação urbana, refletindo os interesses do ral pretendido pelo Brasil, ao menos a princípio,
capitalismo globalizado, que incorpora mode- quando a ideia de uma economia criativa foi
los empresariais na gestão urbana em prol do adotada como política social inclusiva.

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Economia Criativa

Os setores cria vos São exemplares o Programa Codemge de


Incentivo à Indústria Criativa, com editais dire-
em Belo Horizonte cionados para ações culturais, e a inauguração
do Centro de Cultura Presidente Itamar Franco
A economia criativa ganhou relevância mun- (Figura 1), que abriga a Sala de Concertos Minas
dial, pois vem sendo considerada capaz de ala- Gerais, espaço de alta tecnologia que promove
vancar uma série de ações conjuntas utilizadas grandes orquestras de música erudita, nacionais
como estratégias de desenvolvimento urbano e internacionais, além de programas socioedu-
em diversas cidades visando à geração de em- cativos para a formação de novo público. Dentro
prego e renda. Nota-se que o investimento em desse espaço, encontram-se, também, as sedes
políticas culturais, muitas vezes, ocorre junto das emissoras públicas Rede Minas de Televisão
a processos de renovação urbana ou através e Rádio Inconfidência (Codemge, 2018).
do estímulo à produção cultural de bens e ati- Em 2017, inaugurou-se a primeira
vidades, com o incentivo à pequena produção agência de desenvolvimento da indústria
(profissional autônomo, microempresas, or- criativa do estado: o P7 Criativo (Figura 2). O
ganizações comunitárias) como um modo de empreendimento é resultado da união entre
inclusão socioprodutiva de determinados gru- o governo estadual e diversas instituições. 7 A
pos (Machado, 2016). Já existem estudos que mudança de sua sede, no final de 2019, para
comprovam que tais setores vêm contribuindo um edifício icônico no Centro da cidade, per-
cada vez mais com o produto interno bruto, mitirá à agência oferecer, além de toda a es-
conforme dados coletados em diversos países trutura física, uma gama de atividades para
(Yúdice, 2008). Em Minas Gerais, pesquisas suporte do setor criativo, como capacitação,
apontam que atividades relacionadas à econo- programas de apoio e mecanismos de finan-
mia criativa corroboram o aumento da oferta ciamento, assessoria em captação de recur-
de emprego, além de diversificar a economia sos, estudos e pesquisas de mercado, confor-
do estado (P7 Criativo, 2018). me o discurso institucional.8 Dessa forma, o
Dessa forma, ao identificarmos a pro- empreendimento tem se apresentado como
moção dos setores criativos em Minas Gerais, um facilitador para empresas e profissionais,
seja através de ações implementadas ou do fo- adotando uma postura de agente responsá-
mento a debates6 para diagnosticar demandas vel pelo estímulo de um novo setor, visando
e potencialidades dos segmentos que com- integrar o segmento criativo do estado para o
põem a economia criativa no estado, toma- fomento de uma cadeia produtiva de criação e
remos a cidade de Belo Horizonte – onde tal distribuição de bens e serviços embasados em
segmento vem recebendo investimentos do capital cultural e intelectual para a geração de
governo estadual, de forma mais expressiva, soluções inovadoras e empregos. Com isso, e
desde 2015, especialmente na área central – contando com aportes do setor privado, pre-
para levantarmos algumas propostas executa- tende-se promover o desenvolvimento econô-
das na capital. mico de Minas Gerais em busca da promoção

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Renata de Leorne Salles

Figura 1 – Centro de Cultura Presidente Itamar Franco

Fonte: Secult (s/d).

Figura 2 – No centro da imagem, o prédio que abriga a sede do P7 Cria vo

Fonte: foto de Ramon Bi encourt.

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Economia Criativa

de um polo nacional e internacional dos seto- demandas e, assim, promover mudanças atra-
res criativos, ampliando o alcance da cidade no vés da cultura, conectando pessoas ligadas à
mercado nacional e internacional. economia criativa, ao patrimônio cultural, à
Em 2018, a prefeitura municipal lan- educação, etc., para revalorizar a região.
çou o programa Horizonte Criativo, com o A partir de então, além da inserção de
apoio do Banco de Desenvolvimento Eco- algumas empresas e startups no bairro, o local
nômico de Minas Gerais (BDMG), para criar tem sido movimentado por manifestações ar-
oportunidades para profissionais e empre- tísticas e culturais realizadas no espaço públi-
sas da economia criativa. A primeira região a co (Figura 3), como o Circuito de Arte Urbana
receber investimentos é o bairro Lagoinha, (Cura Lagoinha 2019), exposições fotográficas
situado próximo ao centro de Belo Horizonte. (Projeto Moradores), cortejos de carnaval, fes-
Tal localidade já vem desenvolvendo ações de- tas organizadas em parceria com a prefeitura
correntes de iniciativas da sociedade civil em municipal, entre outras. Além disso, os diálogos
prol de benefícios sociais, desde 2007, com o com alguns órgãos públicos têm gerado diversas
Projeto Viva Lagoinha (Viva..., 2020) que, nos melhorias na infraestrutura urbana, no fomento
últimos anos, ganhou um novo fôlego. Diante ao comércio e na capacitação de empreendedo-
do descaso do poder público e dos estigmas res locais. Problemas de segurança e de saúde
negativos que se consolidaram no bairro desde pública de pessoas em situação de rua também
as últimas décadas, tal projeto tratou de reu- vêm sendo alvo de programas sociais para tratar
nir lideranças locais para mapear as principais questões como o consumo de crack na região.

Figura 3 – As pinturas coloridas em alguns edi cios fazem parte do Cura,


no bairro Lagoinha

Fonte: foto de Raquel Freitas.

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Renata de Leorne Salles

Ao que tudo indica, e com a atuação últimas décadas, como mais uma estratégia
do poder público nessa área como há muito de desenvolvimento econômico local. Porém,
não se via, é provável que aportes privados nota-se que as parcerias público-privadas ou
já estejam sendo direcionados para a região, acordos estratégicos entre essas esferas, em
cuja localização central parece ser um dos muitos casos, são utilizados como marketing
motivos dos esforços públicos voltados para o para (re)valorizar o patrimônio cultural e res-
bairro Lagoinha visando à atração de mais in- gatar a interação social através da inserção
vestimentos. Inclusive, já existe a previsão de de novos usos no espaço público (Corte-Real,
tombamento de algumas edificações históri- 2015), na tentativa de alcançar vantagens
cas como forma de valorizar o patrimônio cul- competitivas diante dos desafios impostos
tural local. Esse cenário parece se enquadrar pela globalização, em termos mercadológicos
nos moldes de desenvolvimento urbano dis- (Arantes, 2000).
cutidos neste trabalho. Ademais, no sentido Portanto, a construção de uma base de
de contribuir com futuras análises críticas, re- investigação sobre a inserção da economia cria-
vela-se a necessidade de investigar, também, tiva no Brasil e, consequentemente, sobre co-
se as empresas de serviços dos setores criati- mo ela vem sendo implementada em algumas
vos já instaladas vêm gerando algum tipo de metrópoles, como no caso de Belo Horizonte,
mudança, em termos socioeconômicos e/ou faz-se necessária para o entendimento dos
espaciais, como espera-se que ocorra diante possíveis efeitos acarretados no espaço ur-
da presença de tais plataformas culturais em bano da atualidade. Os setores criativos tam-
localidades estratégicas das cidades. bém podem ser eficientes para o alcance de
soluções inovadoras, em termos econômicos
e socioespaciais, contribuindo com a melhoria
de condições urbanas para promover novas so-
Considerações finais ciabilidades e, desse modo, reformular os sen-
tidos de cidadania através de um novo modo
Refletir sobre os efeitos da economia cria- de apropriação da cidade, com a inclusão das
tiva no espaço contemporâneo tornou-se comunidades locais e criando sentidos de per-
relevante, pois diversas políticas públicas de tencimento para todos os cidadãos. Mas é pre-
fomento ao novo setor vêm sendo atreladas ciso averiguar se tais desdobramentos se fazem
a processos de renovação urbana, desde as presentes em nosso território.

[I] https://orcid.org/0000-0002-5722-3753
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Faculdade de Ciências Sociais, Programa de Pós-
-Graduação em Ciências Sociais. Belo Horizonte, MG/Brasil.
renatasalles2020@gmail.com

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Economia Criativa

Notas
(1) O Cura foi o primeiro fes val a propor pinturas em empenas de muros e prédios. Sua primeira
edição, em 2017, ocorreu no Centro da cidade. Para fomentar o evento, que vem ocorrendo
todos os anos em Belo Horizonte, são promovidas diversas ações paralelas, como debates,
feiras e festas, incen vando a ocupação da rua. Ver h ps://cura.art/.

(2) Em 1990, quando o governo neoliberal de Fernando Collor se tornou vigente, a ausência do Estado
no campo da cultura promoveu um retrocesso, não havendo con nuidade na polí ca nacional
de cultura do governo anterior, de José Sarney. Os atores privados ficaram a cargo do fomento
ao setor, em detrimento do bem-estar cole vo, o que agravou as desigualdades da oferta de
equipamentos e a vidades culturais no País com a priorização do eixo Rio-São Paulo.

(3) Em 2003, o MinC foi reestruturado e ampliado, passando a contar com seis secretarias.

(4) A lei n. 12.343/2010, aprovada pelo Congresso em dezembro de 2010, define que o PNC teria de
10 (dez) anos, ou seja, até dezembro de 2020.

(5) Em 2019, durante a atual gestão neoliberal e de extrema-direita do presidente Jair Bolsonaro, o
MinC foi oficialmente ex nto, juntamente com os Ministérios do Esporte e do Desenvolvimento
Social. Os três foram incorporados ao Ministério da Cidadania, e criou-se, então, a Secretaria
Especial da Cultura (antigo MinC), vinculada ao ministério do Turismo, da qual a Secretaria
Nacional da Economia Cria va e Diversidade Cultural (SECDC) faz parte.

(6) Em 2016, a Fundação João Pinheiro (FJP) – ins tuição de pesquisa e ensino ligada à Secretaria
de Estado e Planejamento e Gestão de Minas Gerais – promoveu o Seminário Plano Estadual
da Economia Cria va em Minas Gerais, em conjunto com alguns agentes do estado e outras
en dades, visando encontrar alterna vas de desenvolvimento econômico a par r das demandas
iden ficadas pelos próprios setores cria vos. Em 2018, a FJP promoveu o Colóquio Devolu vo
do Seminário Plano Estadual da Economia Cria va em Minas Gerais na tenta va de avançar no
planejamento estadual ao fomento aos setores referidos.

(7) Além do estado, estão envolvidos a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge),
o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas), a Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sedectes) e a Fundação João Pinheiro.

(8) O edi cio da nova sede da Agência foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer nos anos 1950. É
propriedade do poder público e já abrigou o an go Banco Mineiro de Produção e o an go Banco
do Estado de Minas Gerais (Bemge). Foi tombado pelo Iepha em 2016 e, logo, reconhecido
como patrimônio cultural. Foi restaurado pela Codemge e reinaugurado em 2019 para abrigar
empreendedores, startups, ar stas, cole vos, inves dores, agentes públicos e empresas de
diversos segmentos da economia cria va.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 735
Renata de Leorne Salles

Referências
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VAINER, C.; MARICATO, E. (orgs.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
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BOLAÑO, C.; LOPES, R.; SANTOS, V. (2016). “Uma economia polí ca da cultura e da cria vidade”. In:
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Texto recebido em 8/jun/2021


Texto aprovado em 10/nov/2021

738 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Creative Economy: an urban
development strategy in Belo Horizonte
Economia Criativa: uma estratégia
de desenvolvimento urbano em Belo Horizonte

Renata de Leorne Salles [I]

Abstract Resumo
This ar cle intends to build a basis for reflec on Este ar go pretende construir uma base de refle-
on Crea ve Economy as an urban development xão sobre a Economia Cria va como estratégia de
strategy, adopted in Brazil in recent decades. desenvolvimento urbano, adotada no Brasil nas úl-
An overview will be drawn about the new mas décadas. Será traçado um panorama acerca
sector through a bibliographic review, taking do novo setor através de uma revisão bibliográfi-
as an example the city of Belo Horizonte, state ca e, para exemplificar, tomaremos a cidade de
of Minas Gerais, where state and municipal Belo Horizonte, Minas Gerais, onde tal segmento
governments have incorporated that segment vem sendo incorporado pelos governos estadual
through cultural public policies aimed at valuing e municipal através de polí cas públicas culturais
the local plan. The proposals mapped in the visando a valorização do plano local. As propostas
capital city will allow us to think about the mapeadas na capital nos permi rão pensar sobre
hypothesis of adopting Creative Economy as a a hipótese da adoção da Economia Cria va como
model of economic growth that corroborates um modelo de crescimento econômico que corro-
the logic of spatial transformation through the bora com a lógica de transformação espacial por
prac ce of local urban entrepreneurship – based meio da prá ca do empreendedorismo urbano lo-
on a rentier-financial dynamics –, stimulating cal – baseada numa dinâmica ren sta-financeira –,
new studies in the area. incen vando novos estudos na área.
Keywords: crea ve economy; urban development; Palavras-chave: economia cria va; desenvolvimen-
space production; public policy; neoliberal to urbano; produção do espaço; política pública;
inflec on. inflexão neoliberal.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5412.e Crea ve Commons Atribu on
Renata de Leorne Salles

Introduc on As a research methodology, a literature


review was carried out on creative economy
as an idea disseminated at the international
This article aims to build a basis for reflection level and incorporated by the brazilian federal
on the so-called Creative Economy as an urban government in the 2010s aiming at the
development strategy, adopted in Brazil in construction of the Creative Brazil project.
recent decades. Thus, an overview of the new In this sense, the proposition of public
sector will be outlined through a literature policies focused on this segment is relatively
review and, to exemplify, we will take the city recent (Milan, 2016; Pacheco & Benini,
of Belo Horizonte, Minas Gerais, where this 2015) is perhaps the reason for the scarcity
segment has been incorporated by the state of literature on the subject and, mainly, on
and municipal governments, in recent years, the qualitative consequences and effects of
through public policies around culture aiming actions already implemented. In addition,
at valuing the local plan. In this sense, the many cultural and creative activities take
proposals mapped in the capital will allow us to place from civil society initiatives without
think about the hypothesis of the adoption of the support of the public authorities, which
the creative economy as a model of economic makes it even more difficult to measure such
growth that corroborates (or not) with the logic policies (Ipea, 2013; Milan, 2016). In the
of spatial transformation through the practice case of Belo Horizonte, most studies refer to
of local urban entrepreneurship, determined the metropolitan region and have a macro
by a rentier-financial dynamics, encouraging sociological approach, contemplating more
new studies in the area. This premise can be quantitative aspects (Leitão & Machado,
seen in several urban policies today in global 2016; Machado et al., 2016; Fundação
terms, whose foundation in the neoliberal João Pinheiro, 2018). Nevertheless, it
inflection of global capitalism can establish was possible to identify some proposals
new conditions of unequal development to the alread y imp lemented in t h e city and
detriment of social and urban welfare policies. others in progress, demonstrating that the
The importance of reflection, therefore, contributions to the creative sectors seem to
concerns the effects promoted by the new be in evidence as we will see later.
sector in the production/restructuring of the It is intended, therefore, to shed light
contemporary space, in addition to other on the discussions about the reproduction
developments. In this sense, the proposals of patterns of inequality and socio-spatial
mapped in the capital of Minas Gerais will segregation, since the new segment may
allow us to think about the hypothesis of the favor g rou ps wit h intellectu al cap ital
adoption of the creative economy as a model and information technologies related to
of economic growth that corroborates (or not) the creative sectors, in addition to the
the logic of spatial transformation through cultural agents already established; to the
the practice of local urban entrepreneurship detriment of broader social interests and
determined by a rentier-financial dynamics. the valorization of local cultural specificities,

722 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022


Creative Economy

which allow the opening of new fields for the main foundation for achieving the desired
expansion and circulation of various cultural innovation and development effects would
goods and services. be creativity. Therefore, the new economy is
After this introduction, the definition of seen as a
Creative Economy and the description of the
[...] strength of contemporary economy
creative service sectors that compose it will be
and in the understanding that cultural
presented. In subsequent sections, a debate and economic developments do not
on the production of space in metropolises take place in isolation but integrated as
and its relationship with the expansion of the part of a broad process of sustainable
service sector is proposed, a phenomenon that development. The Creative Economy
in corp o rat es econ o mic , c ult ural ,
contributed to making the creative economy an
and social aspects, interacting with
urban development strategy. Next, it proposes technology, intellectual property, and
the debate on the centrality acquired by tourism. (UNCTAD, 2012, our translation)
culture in contemporaneity, whose relevance
was consolidated in favor of increasing local In this sense, we can consider creative
economies through the (re)valorization of economy as a policy that integrates and
cultural heritage and, more recently, the articulates culture and economy, with
promotion of the creative economy. We creativity as the main engine for the objective
will also discuss some international models socioeconomic development. Thus, through
linked to culture and incorporated by several the creation of cultural and creative products
countries to address the brazilian historical and activities that support intellectual
context only then, to understand how the property and new information technologies,
stimulus to the creative sectors was adopted these are used to increase productivity and
by the State in the 2000s, linked to social efficiency in knowledge-based economies
inclusion processes. Finally, we will raise some (Florida, Mellander & King, 2015 apud Cauzzi
actions implemented in Belo Horizonte which & Valiati, 2016), it is expected to achieve
may serve as a basis for future investigations innovation (in the sense of originality),
on the subject. sustainable development and cultural diversity,
resources that have been considered essential,
in global terms, for the strengthening of local
economies.
The concept By proposing economic and cultural
of Crea ve Economy development jointly, considering that there
is no longer dissociation between these two
The definition of Creative Economy presented dimensions, the creative economy suggests
at the United Nations Conference on Trade a form of connection to the global economic
and Development (UNCTAD) – Creative network. Therefore, investing in cultural
Economy: a viable development option – and creative activities aimed at generating
treats the new segment broadly, whose employment and income would be a viable way

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Renata de Leorne Salles

to promote development in different locations, of the show, editorial production,


considering the growing demand for leisure and and visual arts. (Ibid., p. 140, our
translation)
entertainment in addition to the emergence of
more autonomous cities, capable of dealing
This material resulted in a kind of tool
with the challenges of contemporaneity
that, since then, has been serving as the
(Marx, 2006; Losada, 2018), such as intercity
basis for the formulation of public policies
competitiveness, increased cultural and tourist
directed to the sector. In addition, the
consumption, among others.
UNCTAD (2012) report contributed to the
Moreover, as the sectors of the creative
international dissemination of the concept
economy are connected to global workflows
of creative economy tied to the creation of
and cultural circuits, the importance of
creative symbolic products as essential for the
this segment within the city is due to the
development of nations.
possibility of connecting its workers to
the circuits of global capital (Lees; Slater;
Wyly, 2008; Sassen, 2005). In this sense,
it is assumed that the so-called creative
Space restructuring
class, composed of members of this new and the expansion
workforce, would be able to promote changes of the service sector
such as innovation, diversity, professional
opportunities and, therefore, greater local If the urban space of the metropolises has been
economic development (Florida, 2002). undergoing several socio-spatial and cultural
It is important to note that the sectors transformations since the last decades of the
that make up the creative industries are 20th century, many of them resulting from the
derived from the cultural industries. According insertion of the creative economy within the
to Framework for Cultural Statistics by Unesco city, it is worth remembering that this process
(2009), they encompass both the dominant/ is related to the restructuring of advanced
traditional creative sectors of the cultural capitalist economies (Smith, 2007) due to the
industry (heritage, arts, literature, and related deindustrialization of cities, which triggered
activities) as well as the sectors of the creative the phenomenon of outsourcing activities, with
services industry (design, fashion, architecture, the growth of service-based economies.
etc.), plus new media and technologies and In Brazil in the 1980s, the phenomena
other activities correlated to the cultural and of redemocratization and suburbanization, in
creative industries: addition to the economic crisis, corroborated
the spatial restructuring of economic activities
[...] those that combine the creation,
production, and marketing of intangible
concomitantly with the outsourcing process,
and cultural content by nature, which whose service sector began to generate more
includes audiovisual products, design, jobs. Thus, it can be said that the productive
new means of information, the arts activities and services of the creative economy

724 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022


Creative Economy

were expanding and gaining greater economic so that the cultural appeal has become a
importance, becoming responsible for strategy of investment of the public authorities
promoting several changes in the socio-spatial to promote the desired transformations in
structures of cities (Caldeira, 1997). the most diverse territories, in search of local
In addition to the migration of capital, growth, besides creating attractive conditions
through the expansion of economic activity in for the performance of the private sector.
the urban space, part of the population from H o w e v e r, i n m o s t c a s e s , s u c h
the central areas to new emerging centralities measures have focused on market interests
was also migrated. Consequently, most of the – profitability, control and security measures,
historical/traditional centers were physically tourism, real estate valuation – generating
deteriorated and stigmatized by many, with the commercialization of heritage and cultural
abandoned and/or obsolete buildings due activities, offered predominantly to the
to the decrease in residential function and middle and upper classes of the population,
activities related to the middle and upper disfavoring the democratization of culture or
layers that occupied such regions. Thus, the implementation of policies that ensure
several processes were initiated to recover broader social benefits.
such localities.
Smith (2007) discusses the actions of
the public authorities directed to the central
regions as an expression of the division of labor
The models for fostering
in the urban space, that is, the emergence the crea ve economy
of new companies in the service sector in
these locations would be determined by the Th e ro le of c u lt u re an d it s g row in g
interests of capital. In addition to the rent gap commercialization in contemporaneity, at
factor, investments for urban centers would first, were linked to cultural industries and,
be able to contribute to the concentration of therefore, with the expansion of this concept,
advanced services in or near these areas. to the creative industries. As Adorno and
In this sense, several cultural public Horkheimer (1985) points out, culture reveals
policies have emerged linked to urban the structure of social power within capitalist
interventions and considered as corroborative logic, that is, it highlights the hierarchical
strategies, aiming at the socioeconomic (re) system that makes up society and, in turn,
activation of areas considered degraded, conforms the spaces of the city. In this sense,
and then recovering them, promoting the we can say that the regulatory economic
occupation of public space, and promoting reasons of the "Cultural Industry" – the authors'
cultural and tourist consumption, often name (1947) for the phenomenon then known
counting on contributions from the private as "mass culture" – standardize it according to
sector. Therefore, a paradigm shift in the status and, thus, delimit consumption itself by
pattern of urban development is demarcated making the subjects objects of this industry.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 725
Renata de Leorne Salles

Such mechanisms, by being incorporated later – generating a worldwide awareness


by public policies through planners and urban around the maintenance of cultural goods, for
managers, entail processes of socio-spatial the preservation of the memory and history
exclusion, as they benefit the classes with greater of citizens. In Brazil, in the same period,
economic power, besides being systematically the anthropological notion of culture was
reproduced and disseminated with the help of adopted, and the heritage left the artistic and
the media, which materialize the discourses of historical spheres and entered the cultural
the promoters of such dynamics. sphere, expanding its content and evolving in
Thus, we can say that the cultural this sense (Moreira, 2009).
industries, whose production turned to About the creative economy, debates on
consumption practices in contemporaneity, the subject have been taking place since 1980.
became a mechanism of (re)production After identifying this segment as essential for
of space. Control instruments (such as the the economic development of nations in the
spatial division of labor) are reproduced context of globalization, a basis was built for
and materialized in the territory through the formulation of public policies considering
organizational arrangements of uses and creativity as an anchor, especially for cultural
activities/services, which tend to prioritize activities. It is noted here, implicit to this
certain locations in favor of the interests of new model, a rearticulation between society,
the actors involved. Therefore, many of the economy, and culture, since the incentive to
current public policies end up being guided service sectors shows changes related to the
by the demands of private agents and market process of economic restructuring of cities.
logics. Thus, such regulatory concepts of Since then, the promotion of policies in
cultural and intellectual production were being the cultural sphere has gained prominence,
disseminated and adopted in different urban contributing to recover the attractiveness
realities, such as investments aimed at the of rehabilitated areas and/or increase the
sectors of the creative economy. competitive intercity market, through the
It is also worth mentioning another promotion of cultural and tourism consumption
aspect: the importance of some international (Arantes, 2000), these considered capable of
organizations in the const ruction and leveraging more investments. Thus, cultural
propagation of economic development practices, in addition to significantly impacting
models based on culture. The appreciation of urban development, acquired a new meaning,
heritage (material and intangible) promoted becoming a fundamental resource "[...] not
by Unesco (United Nations Educational, only as social practices, but as a key element
Science and Culture Organization) in the for the appropriation and transformation
19 70s h as e ased internation al urban of space. Territories are redefined by local
discussions since then, creating models of decision-makers together with sociocultural
revitalization of central areas linked to culture organizations" (Corte-Real, 2015, p. 88, our
– and which were adopted in Latin America translation).

726 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022


Creative Economy

In Brazil, revaluing territories through been promoting an economic restructuring of


cultural policies has become a recurring the brazilian urban space, the effects of which
agenda in urban agendas since the 1980s. are evident from the change in the productive
At first, the elaborations were made around structure and in the organization of the labor
the cultural heritage, aiming to resume the market. We are talking about outsourcing
symbolic and affective references of the economic activities and services, which
population to revalue some regions. Thus, gradually transformed the territories into
several central areas and/or old industrial financial and entertainment centers, from the
areas became the main focuses of urban tourist and commercial point of view (Frúgoli
policies, which began to rely on the private Jr., 2000). Therefore, with the expansion of
sectors to recover relatively empty and/or the service economy, the promotion of the
abandoned localities aiming at promoting new creative services sectors has become relevant
services and attractive activities, especially for in the state and municipal urban agendas.
the higher layers of the population. In this sense, investing in the service
In addition, issues related to constructed chain of the creative economy has become
heritage and local cultural identity were fundamental for the development of many
also considered to reinvent such urban cities, since the proposition of public politic
landscapes. This aestheticism in many cases, renewal soured to culture, in a context whose
has been supported by contemporary artistic demand for cultural consumption is increasing,
manifestations, lasting (such as paintings has become a way to prepare the ground for
in buildings) or ephemeral (exhibitions, the performance of the real estate market and/
performances, etc.), held in the public space to or entrepreneurs. However, as this new pattern
create places of visit. An example is the urban acquires hegemony, the appropriation of
art festival called CURA which has been taking contemporary urban space is the responsibility
place in Belo Horizonte since 2017 through of private actors, in general, feeding some
contributions from the municipal government processes of socio-spatial segregation.
together with private investors to promote Thus, we can say that the relevance of
street occupation (Veloso & Andrade, 2019).1 In the creative economy has become the guiding
addition to aesthetic concern, there is an interest of cultural policies in the most diverse local
in stimulating the appropriation of public space areas and identifying the promotion of creative
and social interaction (Corte-Real, 2015). sectors in Belo Horizonte seems to reveal the
In recent decades and in the face eagerness not only for urban development,
of the consolidation of the processes of but also for the desire to renew the role of
deindustrialization and suburbanization of the city. Through urban renovations related
cities, it is possible to note, in general, the to culture, the capital of Minas Gerais seems
displacement of regional economies in the to be seeking to increase its local economy
direction of neoliberal capitalism, with the to better articulate itself on a macro level.
market acting in Latin American cities as never According to De Marchi (2014) on the Unesco
before (Roberts & Wilson, 2009). This fact has report (2009):

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 727
Renata de Leorne Salles

It (report) stated that the creative fundamental for the participation of the
industries were a strategic means of population in the public sphere as well as the
achieving fairer international trade. With
processes of distribution and consumption of
the emergence of globalization and the
increasing appreciation of intangible
cultural goods. Hence the paradigm shift from
work, a unique opportunity has been traditional "cultural industries" to “creative
created for developing countries to industries”. Activities related to the creative
access developed economies through sectors, in this way, began to be considered
not the export of commodities or
essential to disseminate culture and increase
disqualified labor but of goods and
services with high added value. (De
the british economy in an inclusive way.
Marchi, 2014, p. 199, our translation) With this, the role of culture in society
is expanded from the perspective of the State
The previous excerpt raises an important to the extent that "creativity", combined with
issue as it places the creative economy as the generation and exploitation of intellectual
a viable opportunity also for developing property, has become a unique instrument
countries. Thus, the importance of local for the creation of products capable of
cultures is put on the agenda – opposing the generating jobs and increasing the economy.
developmental experience of the industrial Analyzing the bias of the economic crisis in
period – becoming a way to generate Great Britain at the time, which suffered the
economic growth through public policies consequences of deindustrialization, the
capable of promoting connections with the creative industries offered the opportunity to
global economic network and, therefore, rebuild the national economy through culture
with developed countries. That´s why the (ibid.), that is, through the production of
valorization of cultural diversity, in global symbolic goods whose insertion would take
terms, falls within the scope of economic and place in the global market, with the State as a
socially inclusive development strategies. facilitator, and no longer as a promoter.
Creative Nation, an Australian
government project implemented in the early
1990s, can be considered the initial milestone
in fostering cultural policies based on creative The inser on of the crea ve
industries. But it was with the experience economy in Brazil
led by the British Labour Party at the end of
the decade that a paradigmatic change was In Brazil, from 1985, when the
established about the implications of this type redemocratization of the country began,
of policy for the new sector. In this case, some the conception of culture adopted by the
basic principles of social policies were adopted State began to change. The functionalist
by the government and submitted to market perspective was left aside for the adoption
logic (ibid., 2014). of the anthropological concept of the
Thus, cultural production, previously term – culture as a way of life. Thus, from
dest ined to private initiatives (trade/ locus to the creation of solidarity or social
industry), has come to be considered cohesion (in th e d urkheimian sense),

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Creative Economy

culture has come to be considered a key of 2010, the PNC was approved, in the form
element for the reconstruction of national of law, situating culture not only within the
democracy. In this sense, the new type federal government, but also in the agenda of
of ambitious development could only be states, cities and civil society, besides allowing
achieved through the valorization of creative the collaboration of public and private agents to
practices of the population (ibid.), these comply with the propositions.4
linked to local cultures. With this, it would Shortly thereafter, in 2011, the Plan of
be possible to promote social inclusion and the Secretariat of the Creative Economy was
economic growth, in concomitance and launched through the MinC (Brasília, 2011).
without dependence on other countries. It is The project contemplated the particularities of
noteworthy that this period is the creation of the national territory favoring the promotion
the Ministry of Culture (MinC), configuring the of cultural and creative activities in congruence
kickoff of cultural policies focused on the field with the brazilian economic potentials. Allied
of creative activities. to the intentions of the PT, still in power, it
However, it was only with the arrival was intended to carry out its own project of
of the left in power, in 2003, represented creative economy, equating development and
by president Lula (PT), that culture as a social inclusion through the cultural diversity
purpose of national development was of the country. Considered as a social resource,
adopted.2 There was the resumption of the economic and political asset, it was expected
MinC in order to make it responsible for the that this diversity would promote the insertion
formulation, implementation and monitoring of Brazil in the world economy, although
of cultural public policies, retaking the State this economistic view was not explained in
its role in the sector. 3 The anthropological the institutional discourse (Bolaño, Lopes &
notion of culture was also recovered, by Santos, 2016).
contemplating its conforming dimensions – According to the Plan, four would be
culture as symbolic expression, potentiality the interactive forces capable of promoting
of economic development and as a right to a new alternative of economic growth based
citizenship – distinct social and minority groups on a local dynamic for the construction of
were appreciated (ibid.), creating adequate the Creative Brazil Project: "[...] the flexible
conditions for the proposition of a national organization of production; the diffusion of
policy based on national cultural production, innovations and knowledge; the change and
considered as an economic and symbolic asset adaptation of institutions, and the urban
that generates local development. development of the territory" (Brasília, 2011,
Thus, from 2005, the National Culture Plan p. 14, our translation).
(PNC) began to be elaborated through several In this sense, the Plan indicated
governmental debates with the participation of meth od ologies and p rograms for th e
civil society. The objective was to set goals and promotion of propositions of creative
guidelines that contemplated the preservation territories in places considered, in a way,
of our cultural diversity through the definition favorable to corroborate the economy and job
of public actions of culture. Soon, at the end creation, prioritizing "[...] the cultural diversity

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Renata de Leorne Salles

of the country as a strategy for the production management in favor of economic growth.
of inclusive and equitable wealth, which is not Thus, urban areas are transformed into
completely guaranteed in the discourses of modern and profitable spaces. Such processes
international organizations" (Pacheco, Benini can be exemplified by the great revitalization
& Mariani, 2018, p. 145, our translation). projects, the privatization of public spaces,
Still seeking to adapt the imported the urban operations, or the promotion of so-
model to the brazilian reality, the term called "mega events", causing major changes
"creative industries" was replaced by "creative in the socio-spatial structure of contemporary
sectors", contemplating the enterprises in metropolises. Thus, an urban landscape is
which productive activities come from a produced unrelated to the place, disregarding
creative process (therefore, of individual cultural and local characteristics.
competence), generator of goods or services Moreover, with the dismantling of the
whose values are linked to the symbolic Social State (retraction of social and labor
(immaterial) dimension. policies), aggravated after the departure
Thus, by proposing a policy for the of President Dilma Rousseff (PT), in 2016,
promotion of the creative economy in Brazil in addition to the scarce investments
and adhering to several other ministries, the i n r e s e a rc h , n e w t e c h n o l o g i e s , a n d
MinC became the main articulator and agent diversification of the economy, it is necessary
of national planning and development, "[...] to understand, again, how culture has
with the mission of transforming Brazilian been treated. It is important to remember
creativity into innovation and innovation into that the flexibilization of the labor force in
wealth: cultural wealth, economic wealth, social contemporaneity originates, precisely in the
wealth" (Brasília, 2011, p. 30, our translation). field of culture, 5 with the restructuring of the
Moreover, culture has become the central capitalist model. Therefore, the promotion
pillar in the political and economic context, of self-employment/informality or the
and the active participation of the State in the individual form-company/entrepreneurship
regulation of the creative economy is necessary, as an emancipatory means of the subject
since we are talking about a context whose became the main discourse to value the
desired macroeconomic development should precariousness of labor relations and the
occur together with social inclusion measures. subordination of intellectual production to
After this debate on how the capital (Bolaño, Lopes & Santos, 2016).
international model was adapted and Thus, the generalization of the creative
incorporated by the brazilian government and economy, at the global level, seems to legitimize
aiming at possible investigations about the the economic perspective, as evidenced by
unfolding of creative sectors in the country, it most institutional discourses focused on the
is worth remembering that the recurrence of ideals of generating employment and income,
this pattern of development tends to provoke, opposing the sociocultural development
in general, urban expropriation, reflecting desired by Brazil, at least at first, when the
the interests of globalized capitalism, which idea of a creative economy was adopted as an
incorporates business models in urban inclusive social policy.

730 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022


Creative Economy

The crea ve sectors the President Itamar Franco Cultural Center


(Figure 1), which houses the Minas Gerais
in Belo Horizonte Concert Hall, a high-tech space that promotes
large national and international classical
The creative economy has gained worldwide music orchestras, as well as socio-educational
relevance, as it has been considered capable programs for the formation of a new audience
of leveraging a series of joint actions used are exemplary. Within this space, there are
as urban development strategies in several also the offices of the public broadcasters Rede
cities aimed at generating jobs and income. Minas of Television and Radio Inconfidência
It is noted that the investment in cultural (Codemge, 2018).
policies often occurs with processes of urban In 2017, the first creative industry
renewal or through the stimulation of cultural development agency in the state was
production of goods and activities, with the inaugurated: the Creative P7 (Figure 2).
incentive to small production (autonomous The enterprise is the result of the union
professional, microenterprises, community between the state government and several
organizations) as a mode of socio productive institutions. 7 The move from its head office
inclusion of certain groups (Machado, 2016). at the end of 2019 to an iconic building in
There are already studies that prove that these the city center will allow the agency to offer,
sectors have been contributing more and more in addition to the entire physical structure,
to gross domestic product according to data a range of activities to support the creative
collected in several countries (Yúdice, 2008). In sector, such as training, support programs
Minas Gerais, research indicates that activities and financing mechanisms, adv ice on
related to the creative economy corroborate fundraising, studies and market research,
the increase in the supply of employment in according to the institutional discourse. 8
addition to diversifying the state economy (P7 Thus, the enterprise has presented itself as
Criativo, 2018). a facilitator for companies and professionals,
Thus, we identify the promotion of the adopting a position of agent responsible for
creative sectors in Minas Gerais, either through stimulating a new sector, aiming to integrate
implemented actions or by fostering debates6 the creative segment of the state to foster a
to diagnose demands and potentialities of productive chain of creation and distribution
the segments that make up the creative of goods and services based on cultural
economy in the state, we will add the city and intellectual capital for the generation
of Belo Horizonte – where this segment has of innovative solutions and jobs. Thus, and
been receiving investments from the state with contributions from the private sector,
government, in a more expressive way, since it is intended to promote the economic
2015, especially in the central area – to raise development of Minas Gerais in search of the
some proposals implemented in the capital. promotion of a national and international pole
The Codemge Program for Encouraging of the creative sectors, expanding the reach
the Creative Industry, with edicts directed of the city in the national and international
to cultural actions, and the inauguration of market.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 731
Renata de Leorne Salles

Figure 1 - President Itamar Franco Cultural Center

Source: Secult (s/d).

Figure 2 – In the center of the image, the building that houses the Crea ve P7

Source: photo by Ramon Bi encourt.

732 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022


Creative Economy

In 2018, the city hall launched the Since then, in addition to the insertion
Creative Horizon program, with the support of some companies and startups in the
of the Economic Development Bank of Minas neighborhood, the place has been moved
Gerais (BDMG), to create opportunities by artistic and cultural events held in the
for professionals and creative economy public space (Figure 3), such as the Urban Art
companies. The first region to receive Circuit (CURA Lagoinha 2019), photographic
investments is the Lagoinha neighborhood, exhibitions (Residents Project), carnival
located near the center of Belo Horizonte. processions, parties organized in partnership
This locality has been developing actions with the city hall, among others. In addition,
resulting from civil society initiatives for social dialogues with some public agencies have
benefits, since 2007, with the Viva Lagoinha generated several improvements in urban
Project which, in recent years, has gained a infrastructure, in promoting trade and in the
new breath. Faced with the dismay of public training of local entrepreneurs. Health and
power and the negative stigmas that have public health problems of homeless people
consolidated in the neighborhood since the have also been the target of social programs
last decades, this project has tried to bring to address issues such as crack consumption in
together local leaders to map the main the region.
demands and, thus, promote changes through Apparently and with the performance of
culture, connecting people linked to the the government in this area as has not been
creative economy, cultural heritage, education, seen for a long time, it is likely that private
etc., to revalue the region. contributions are already being directed to

Figure 3 – The colorful pain ngs in some buildings are part of CURA,
in the Lagoinha neighborhood

Source: photo by Raquel Freitas.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 733
Renata de Leorne Salles

the region, whose central location seems development. However, it is noted that public-
to be one of the reasons for public efforts -private partnerships or strategic agreements
aimed at the Lagoinha neighborhood aiming between these spheres, in many cases, are used
at attracting more investments. In addition, as marketing to (re)value cultural heritage and
there is already the prediction of tipping some rescue social interaction through the insertion
historical buildings to value the local cultural of new uses in the public space (Corte-Real,
heritage. This scenario seems to fit the urban 2015), to achieve competitive advantages
development molds discussed in this work. in the face of the challenges imposed by
Moreover, to contribute to future critical globalization, in market terms (Arantes, 2000).
analyses, it is revealed the need to investigate, Therefore, t he const ruc tion of a
also, whether the service companies of research base on the insertion of the creative
the creative sectors already installed have economy in Brazil and, consequently, on
generated change, in socioeconomic and/ how it has been implemented in some
or spatial terms, as expected to occur in the metropolises, as in the case of Belo Horizonte,
presence of such cultural platforms in strategic is necessary to understand the possible
locations of the cities. effects in the urban space of today. The
creative sectors can also be efficient in
achieving innovative solutions, in economic
and socio-spatial terms, contributing to the
Final considera ons improvement of urban conditions to promote
new sociability and, thus, reformulate the
Reflecting on the effects of the creative senses of citizenship through a new mode of
economy in the contemporary space has appropriation of the city, with the inclusion of
become relevant, as several public policies local communities and creating meanings of
to foster the new sector have been tied belonging for all citizens. But it is necessary
to urban renewal processes, since the last to ascertain whether such developments are
decades, as another strategy of local economic present in our territory.

[I] https://orcid.org/0000-0002-5722-3753
Pontifical Catholic University of Minas Gerais, Faculty of Social Sciences, Graduate Program in Social
Sciences. Belo Horizonte, MG/Brazil.
renatasalles2020@gmail.com

Transla on: this ar cle was translated from Portuguese into English by the author herself.

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Creative Economy

Notes
(1) CURA was the first fes val to propose pain ngs in cables of walls and buildings. Its first edi on,
in 2017, took place in the city center. To foster the event, which has been taking place every
year in Belo Horizonte, several parallel ac ons are promoted, such as debates, fairs, and par es,
encouraging the occupa on of the street. See h ps://cura.art/.

(2) In 1990, when Fernando Collor's neoliberal government became in force, the absence of the State
in the field of culture promoted a setback with no con nuity in the na onal culture policy of
the previous government of José Sarney. The private actors oversaw fostering the sector, to the
detriment of collec ve well-being, which aggravated the inequali es in the supply of cultural
equipment and ac vi es in the country with the priori za on of the Rio-São Paulo axis.

(3) In 2003, the MinC was restructured and expanded, with six departments.

(4) The lay n. 12.343/2010, approved by Congress in December 2010, defines that the PNC have ten
years, that is, un l December 2020.

(5) In 2019, during the current neoliberal management and far-right the president Jair Bolsonaro,
the MinC has been officially extinguished, together with the Ministries of Sport and Social
Development. The three were incorporated into the Ministry of Citizenship, and then, the
Special Secretariat of Culture (old MinC) was created, linked to the Ministry of Tourism, which
the Na onal Secretariat for Crea ve Economy and Cultural Diversity (SECDC) is part of.

(6) In 2016, João Pinheiro Founda on (FJP) – research and teaching related to the State Secretariat
and Planning and Management of Minas Gerais – promoted the Seminar State Plan for the
Crea ve Economy in Minas Gerais, together with some state agents and other en es, aiming
to find alterna ves for economic development based on the demands iden fied by the crea ve
sectors themselves. In 2018, the FJP promoted Seminary Return Colloquium State Plan of
Creative Economy in Minas Gerais to advance in the state planning to promote the sectors
men oned.

(7) In addi on to the state, Development Company of Minas Gerais (Codemge), the Support Service for
Micro and Small Enterprises of Minas Gerais General (Sebrae Minas), the Federa on of Industries
of the State of Minas Gerais (Fiemg), the Secretary of State for Economic Development, Science,
Technology and Higher Educa on (Sedectes) and the João Pinheiro Founda on.

(8) The building of the agency's new office was designed by architect Oscar Niemeyer in the 1950s. It is
owned by the government and has housed the former Produc on Bank of Minas Gerais and the
former Bank of the State of Minas Gerais (Bemge). It was overturned by the IEPHA in 2016 and,
therefore, recognized as cultural heritage. It was restored by Codemge and reopened in 2019 to
house entrepreneurs, startups, ar sts, collec ves, investors, public agents, and companies from
various segments of the crea ve economy.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 735
Renata de Leorne Salles

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Received: June 8, 2021


Approved: November 10, 2021

738 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022


Porto Alegre como máquina
de crescimento: a produção
habitacional recente na metrópole
Porto Alegre as a growth machine:
recent housing production in the metropolis
Mario Leal Lahorgue [I]
Paulo Roberto Rodrigues Soares [II]
Heleniza Ávila Campos [III]

Abstract
Resumo Housing production in Brazilian metropolises
A produção de habitação nas metrópoles brasilei- is linked to the expansion and strengthening
ras apresenta vinculação à expansão e ao fortale- of the real estate sector in urban spaces, often
cimento do setor imobiliário nos espaços urbanos, independently of the country's economic cycles.
muitas vezes independentemente dos ciclos eco- Porto Alegre does not deviate from the Brazilian
nômicos do País. Porto Alegre não foge ao padrão pattern; however, this article verifies Molotch’s
brasileiro; entretanto, este ar go verifica a hipó- hypothesis called “Growth Machine”. To
tese de Molotch, denominada “Máquina de Cres- accomplish this, it examines and discusses the real
cimento”. Para isso, examina e discute a dinâmica estate dynamics and housing construction in the
imobiliária e a construção habitacional na última last decade in the city of Porto Alegre. Data from
década na cidade de Porto Alegre. U lizam-se co- SINDUSCON-RS are used as reference, in addi on
mo referência dados do Sinduscon-RS, além dos to housing production data from the Minha Casa
dados sobre a produção habitacional do Programa Minha Vida Program (PMCMV) between 2009
Minha Casa Minha Vida (PMCMV) entre 2009 e and 2020. Based on the hypothesis, the article
2020. A par r da hipótese, demonstra-se a impor- demonstrates the importance that sectors linked to
tância que os setores ligados à dinâmica imobiliária the real estate dynamics have in the produc on of
têm na produção do espaço na cidade. space in the city.
Palavras-chave: produção habitacional; máquina Keywords: housing production; growth machine;
do crescimento; mercado imobiliário; Porto Alegre. real estate market; Porto Alegre.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5413 Crea ve Commons Atribu on
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Introdução os dados do Sindicato das Indústrias da Cons-


trução Civil no Estado do Rio Grande do Sul, o
Sinduscon-RS. Utilizam-se, também, os dados
A produção de habitação no Brasil tem se ca- sobre a produção habitacional do Programa
racterizado historicamente pela forte vincula- Minha Casa Minha Vida (PMCMV), no período
ção à expansão e ao fortalecimento do setor entre 2009 e 2020, dando sequência a aná-
imobiliário nos espaços urbanos, principal- lises semelhantes realizadas anteriormente
mente aqueles mais densificados, sendo estes (Lahorgue, 2015).
também os lugares de concentração dos maio- Discute-se a contínua e forte presen-
res índices de desigualdades socioespaciais. ça do setor imobiliário na economia urbana
Essa forte presença do mercado imobiliário se porto-alegrense a despeito de, por exemplo,
impõe de forma clara em relação ao compor- radicais mudanças na condução da política
tamento do crescimento econômico do País, econômica nacional e do virtual encerramen-
que se apresenta, nesta última década, bastan- to do PMCMV, com importantíssimo papel no
te inferior ao da década passada (2001-2010), boom imobiliário recente no Brasil, dando for-
quando houve um boom no mercado imobiliá- tes evidências da existência de uma “máquina
rio brasileiro, motivado, entre outras razões, de crescimento” presente na capital gaúcha.
pela oferta de crédito às famílias e ao próprio O artigo estrutura-se em cinco seções,
mercado. Igualmente, a crescente produção além desta introdução e das considerações
de novas moradias também parece estar des- finais. Na primeira, é dada uma leitura pano-
colada do crescimento populacional, visto que râmica das mudanças socioespaciais recentes
há uma tendência de redução do aumento da na metrópole como um todo; a segunda seção
população no País, sobretudo nas suas metró- apresenta a produção habitacional voltada
poles mais consolidadas. às classes de renda média e alta na metró-
Em Porto Alegre, a exemplo de outras pole na última década e a produção imobiliá-
metrópoles brasileiras, o volume de imóveis ria do Programa Minha Casa Minha Vida; na
novos colocados à venda, apesar de variações terceira, são utilizados dados demográficos
conjunturais e anuais, continuou elevado e de Porto Alegre para demonstrar a relativa
crescente na década entre 2011 e 2019, reve- autonomia do mercado imobiliário diante da
lando sinais de expansão, mesmo com a reces- dinâmica populacional; na quarta, discute-se
são experimentada pelo País a partir de 2016. o espaço urbano como o lugar privilegiado
Essa dinâmica crescente e autônoma evidencia da acumulação de capital e da concentração
que a produção de habitação consiste em um de investimentos, sobretudo, pelo mercado
vetor importante de investimento imobiliário, imobiliário; por fim, apresenta-se a reflexão
sendo fortemente relacionada com o mercado de Molotch sobre a máquina de crescimento
financeiro e com o suporte do próprio Estado. constituída pela elite vinculada ao capital imo-
Este artigo busca examinar e discutir biliário, evidenciando que as coalizões recen-
a dinâmica imobiliária e a construção de tes que estão governando Porto Alegre estru-
habitações nos últimos nove anos na cidade turam a economia política da cidade a partir
de Porto Alegre, utilizando, como referência, dessas premissas.

740 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento

Porto Alegre: mudanças cidade (especialmente os incluídos na cha-


mada “área prioritária de investimentos”)
na metrópole no século XXI chamassem a atenção do mercado imobiliário
para investimentos.1
Estamos tratando de uma metrópole com Assim, esse conjunto de mudanças
significativas mudanças socioeconômicas, so- aponta também para a modificação no proces-
cioespaciais e políticas neste século XXI e, es- so de produção da metrópole, destacando-se,
pecialmente, no período estudado. Essas mu- aqui, o papel da indústria da construção civil
danças já vêm se configurando de um período e da promoção imobiliária no processo de
precedente, conforme apontaram análises acumulação urbana, conforme analisaremos
anteriores do período de transição na ordem mais adiante.
urbana (1980-2010) encontradas em Soares e Em termos de modelo espacial, pode-
Fedozzi (2018). mos considerar também que estamos na tran-
Em termos socioeconômicos, podemos sição para uma metrópole mais extensa, com
apontar as mudanças da transição de uma as expansões para a zona sul e extremo-sul do
metrópole (e de uma região metropolitana) município, bem como para outros municípios
industrial e fordista para uma metrópole de da região metropolitana, acompanhando os
serviços e pós-fordista. Em termos socioespa- principais eixos viários. Evidentemente que
ciais, a metrópole (e a região metropolitana) essa expansão é diferencial, com a produção
transita de um modelo mais centralizado e de novas periferias, tanto para os grupos so-
monocêntrico, para um modelo descentraliza- ciais de alta renda, nos condomínios fechados
do e policêntrico. Embora, nesse caso, a poli- e agora nos “bairros planejados”, como para a
centralidade manifeste-se com centralidades população de faixas de renda mais baixas, co-
desiguais e hierarquizadas (centro metropoli- mo foi no caso da expansão dos condomínios
tano, centros comerciais, centralidades espe- do Programa Minha Casa Minha Vida. Ou seja,
cializadas). Finalmente, em termos políticos, temos aqui a reprodução e a intensificação da
especialmente no núcleo metropolitano (o segregação socioespacial nas novas periferias.
município de Porto Alegre), a grande mudança E o setor imobiliário, com a sua maior segmen-
foi a transição de um modelo de gestão que tação e direcionamento de novos produtos, é
praticava (ainda que com limitações) a ges- um importante agente dessa segregação.
tão participativa, para um modelo de gestão Esta última, a segregação socioespa-
neoliberal, centrado na iniciativa privada e ca- cial, se manifesta especialmente nos espaços
pitaneado pelos agentes do mercado. Impor- interiores da metrópole, no tecido urbano já
tante citar o período das chamadas “obras da consolidado, que também passa por um pro-
Copa” (2008-2014), pois Porto Alegre foi uma cesso de mudança de conteúdo econômico e
das sedes do Mundial de Futebol de 2014. social. Podemos nos referir a um “novo ciclo”
Embora muitas dessas obras não tenham sido imobiliário na metrópole. Há um processo de
concluídas ou se concretizado, a sua projeção valorização de bairros, de ocupação por con-
ou início já permitiu que amplos setores da domínios residenciais e empreendimentos

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 741
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

comerciais das antigas áreas industriais, assim expressivo e que coloca a importância da
como um processo de gentrificação que é mais construção civil e do mercado imobiliário na
evidente no chamado 4º Distrito (bairros Flo- economia da cidade.
resta, Navegantes, São Geraldo, São João, Far- Agora, focando na última década (entre
rapos e Humaitá), a antiga grande área indus- 2011 e 2018), foram construídas e ofertadas
trial na zona norte da cidade.2 56.450 unidades novas, novamente incluí-
Todo esse movimento é realizado a partir das unidades comerciais. Também foi nesse
da concertação entre o setor público e diver- período que tivemos os anos com o maior
sos agentes urbanos (construtores, empreen- número absoluto de novas construções na ci-
dedores, consultores, agências internacionais), dade: em 2012 e 2013, mais de 8.000 novos
entre os quais a indústria da construção civil e imóveis foram construídos em cada ano. A Ta-
a promoção imobiliária têm destaque, revelan- bela 1 permite observar alguns detalhes que
do a importância da análise que realizaremos. escapam no primeiro gráfico mais geral deste
texto. O primeiro é o predomínio absoluto da
construção de edifícios em relação às casas.
O mercado imobiliário Das pouco mais de 52 mil unidades residen-
ciais (casas + apartamentos), 94,63% são habi-
na capital gaúcha tações tipo apartamento.
na úl ma década Desse modo, nos últimos anos temos
presenciado um reforço do fato de Porto Ale-
Nesta segunda seção, vamos descrever a situa- gre ser uma das cidades mais verticalizadas 3
ção da cidade ante os investimentos imobi- do País (Lahorgue, 2015, p. 36). Dentro da ti-
liários mais recentes. Contextualizando um pologia apartamento, o mais visível é o predo-
perío do um pouco mais longo, o Gráfico 1 mínio absoluto das unidades de dois dormitó-
mostra-nos a quantidade de imóveis novos rios, representando 51,66% de todas as unida-
ofertados entre 2002 e 2018, compreendendo, des verticais. Também é interessante observar
portanto, o período com dados consolidados e que unidades tipo um dormitório, apesar de
disponíveis pelo Sinduscon/RS. numericamente bastante inferiores às tipolo-
Portanto, ao longo de 17 anos, foram gias dois e três dormitórios, têm apresentado
construídos e ofertados mais de 5.000 imó- consistentemente crescimento, ano a ano.
veis por ano. Ainda que com oscilações, não Em relação à construção de unidades
é possível dizer que algum ano tenha sido comerciais, percebe-se que elas representam
fraco nessa atividade econômica. Tanto que apenas 7,30% das unidades ofertadas no pe-
o total é de 109.146 unidades. Observe-se ríodo considerado. Há oscilações de ano para
que não são somente unidades residenciais, ano, mas o comportamento do mercado nos
assim como também é importante lembrar dois últimos anos, com crescimento da parti-
que não estão contabilizadas construções cipação das unidades comerciais, pode indicar
individuais (casas feitas por empreitada, por um início de mudança – ou pelo menos maior
exemplo), somente as erguidas por constru- participação – do segmento comercial no in-
toras. Ainda assim, é um número bastante vestimento imobiliário.

742 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento

Gráfico 1 – Imóveis novos ofertados: 2002-2018

Fonte: Sinduscon: Censo do mercado imobiliário de Porto Alegre.

Tabela 1 – Distribuição da oferta de imóveis novos em Porto Alegre (2011-2018)

Quan dade de unidades em oferta


Tipos Anos Total/
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Tipos
Qui nete (JK) 0 28 10 15 32 38 113 125 361
Apto. 1 dorm. 202 275 316 352 424 536 639 887 3.631
Apto. 2 dorm. 3.016 3.773 3.780 2.763 3.419 2.677 3.089 3.065 25.582
Apto. 3 dorm. 2.443 3.470 3.024 2.082 1.655 2.094 1.978 1.846 18.592
Apto. 4 dorm. 108 106 137 102 66 112 94 110 835
Cob. 1 dorm. 1 1 1 0 0 1 3 3 10
Cob. 2 dorm. 4 11 20 28 30 24 24 26 167
Cob. 3 dorm. 30 28 43 44 37 42 44 37 305
Cob. 4 dorm. 1 0 0 2 3 10 9 11 36
Subtotal 5.805 7.692 7.331 5.388 5.666 5.534 5.993 6.110 49.519
Casa 2 dorm. 72 53 52 87 54 31 25 17 391
Casa 3 dorm. 324 192 250 315 273 292 296 264 2.206
Casa 4 dorm. 33 24 24 17 15 44 30 24 211
Subtotal 429 269 326 419 342 367 351 305 2.808
Flats 5 2 4 2 1 10 10 23 57
Salas/Conjuntos 246 357 514 358 260 329 750 754 3.568
Lojas 29 8 15 13 2 32 7 11 117
Outros 59 95 101 24 35 22 21 24 381
Subtotal 339 462 634 397 297 393 788 812 4.122
Total/Ano 6.573 8.423 8.291 6.204 6.306 6.294 7.132 7.227 56.450

Fonte: Secovi/RS – Agademi (vários anos).

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

A produção imobiliária com base no salário-mínimo: a Faixa 1 corres-


do Programa Minha Casa ponde à renda mensal até 3 salários-mínimos;
Minha Vida em Porto Alegre a Faixa 2, de 3 até 6 salários-mínimos; e a Faixa
3, de 6 até 10 salários-mínimos. A exceção é a
É importante agregar, à nossa discussão, os Faixa 1,5, cujos dados aparecem entre 2017 e
dados do Programa Minha Casa Minha Vida 2020.4 A comparação entre as quantidades por
(PMCMV). Após um período de indisponibili- faixa de renda, principalmente as Faixas 2 e 3,
dade, o Governo Federal voltou a ofertar aber- auxilia a compreensão da disparidade entre os
tamente as informações sobre o Programa. Por empreendimentos voltados aos beneficiários
essa razão, mesmo que extrapole o período que necessitam fortemente de suporte do Es-
analisado, mostraremos os dados completos tado (Faixa 1) e a aderência do PMCMV à dinâ-
do MCMV em Porto Alegre. Assim, esses dados mica do setor imobiliário em Porto Alegre no
correspondem ao período de 2009 a 2020, dis- período entre 2009 e 2020 (Faixas 2 e 3), con-
tribuídos por faixa de renda dos beneficiários forme pode ser verificado na Tabela 2.

Tabela 2 – MCMV em Porto Alegre – unidades concluídas e entregues por faixa de renda

Unidades da Unidades da Unidades da


Unidades da Faixa 1
Faixa 1,5 Faixa 2 Faixa 3
Ano
Contratadas e Contratadas Contratadas
Contratadas Entregues
entregues e entregues e entregues
2009 1.032 1.020 1.250 49
2010 1.308 1.243 2.725 192
2011 160 160 1.879 141
2012 500 0 1.597 190
2013 3.238 1.674 817 170
2014 2.044 0 964 128
2015 0 0 1.241 417
2016 40 0 2.044 339
2017 1.298 991 605 963 209
2018 446 40 1.216 1.163 150
2019 0 0 299 780 117
2020 0 0 182 529 104
Total 10.066 5.128 2.302 15.952 2.206

Fonte: elaborado por Heleniza Campos e Nicolas Billig Giacome , a par r do Portal Brasileiro de dados abertos do
MDR. Disponível em: h ps://dadosabertos.mdr.gov.br/dataset/cva_mcmv. Acesso em: 28 dez 2021.

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Porto Alegre como máquina de crescimento

Os dados sobre as unidades contratadas destaca-se como a que mais teve contratações
e entregues por faixa de renda também de- e entregas, superando em 38% a quantidade
monstram que há diferenças recorrentes em contratada da Faixa 1.
todos os anos apresentados, sendo sempre As disparidades aparecem não apenas
menores as quantidades dos empreendimen- nas quantidades de empreendimentos con-
tos entregues à Faixa 1. Já, nas demais faixas, tratados e entregues, mas nos valores investi-
há uma compatibilidade precisa entre as duas dos. No Gráfico 2, aparecem as diferenças de
categorias (contratadas e entregues), o que re- distribuição dos valores de operação (previsto
vela o baixo atendimento às demandas sociais no contrato) e do efetivamente liberado para
para os beneficiários mais carentes. Destaca- a construção/aquisição dos imóveis em cada
-se, ainda, que, especificamente na Faixa 1, as faixa de renda, com grande destaque para os
unidades contratadas correspondem a, apro- valores empreendidos da Faixa 2. Considere-
ximadamente, duas vezes o número das uni- -se que, entre 2012 e 2020, o Banco do Brasil
dades entregues, havendo anos em que não também participou como agente financeiro,
houve entrega de unidades residenciais (2015, além da Caixa Econômica, para as três maiores
2019 e 2020). Nos anos de 2012, 2014 e 2016 faixas de renda, o que também tende a abrir
há contratação, mas não há entrega. A Faixa 2 opções aos beneficiários nessas condições.

Gráfico 2 – MCMV em Porto Alegre –


Valores de operação e liberados por faixas de renda – 2009 a 2020

Valores faixa 3

Valores faixa 2

Valores faixa 1,5

Valores faixa 1

Liberado De operação

Fonte: Portal Brasileiro de dados abertos do MDR. Disponível em: h ps://dadosabertos.mdr.gov.br/dataset/cva_


mcmv. Acesso em: 28 dez 2021.

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Observa-se, no Gráfico 2, que o valor de Habitação), responsável por todos os pro-


liberado para a Faixa 1 equivale a 30,30% do gramas de Habitação de Interesse Social na ci-
que foi liberado para a Faixa 2, demonstran- dade, contabiliza a entrega de 1.456 unidades
do, mais uma vez, a importância da constru- em 7 empreendimentos até 2020, destoando
ção de mercado na produção do espaço da dos dados oficiais do Governo Federal.
cidade e, por consequência, um reforço na O mercado imobiliário apresenta, ao
máquina de crescimento. mesmo tempo, concentração e pulverização.
Assim, considerando agora esses núme- São mais de 300 empresas atuando na cons-
ros em conjunto com as ofertas de imóveis no- trução de imóveis; no entanto, 15 empresas
vos disponibilizados pelo Sinduscon, é possível (7,81% do universo) concentram 50,67% do
ter uma ideia da importância que o Programa total de unidades em oferta (Sinduscon-RS,
Minha Casa Minha Vida teve como incentiva- 2019, p. 5). Esses dados são de 2018, mas re-
dor da indústria da construção civil e do pró- fletem uma estrutura que não se alterou nos
prio mercado imobiliário. últimos anos e tem sistematicamente apare-
Então, temos uma situação que pode ser cido nos levantamentos e censos imobiliários.
resumida da seguinte forma:
a) Porto Alegre manteve, nessa última dé-
ca da, o processo de contínua expansão na As principais construtoras
construção de novos empreendimentos e
edificações. Nesse processo de produção imobiliária, te-
b) O Programa Minha Casa Minha Vida con- mos a atuação de diversas construtoras, de
tribuiu com esse dinamismo do mercado, ainda diferentes origens em termos de capitais. O
que sempre possa ser dito que o PMCMV é um ciclo da construção civil iniciado em 2008-2009
mercado específico, que não engloba a classe promoveu uma reestruturação do setor, tanto
média mais tradicional e a alta renda. Mesmo em termos de concentração do capital das em-
assim, certamente o PMCMV contribuiu para o presas, como também nas diferentes escalas
grande número de unidades construídas. de atuação delas no território nacional, agora
c) A máquina de crescimento foi tão avassa- muito mais ampla para as grandes construto-
ladora, que os próprios dados do Minha Casa ras e incorporadoras (Sanfelici, 2013).
Minha Vida mostram a imensa dificuldade em Soares e Aita (2019) analisaram a atua-
enfrentar o déficit habitacional nos extratos ção de quatro importantes empresas do
mais carentes da população. Apesar de estar aí setor imobiliário em Porto Alegre: Cyrela
a maior necessidade de moradias, foi na Faixa Goldsztein, Melnick Even, Nex Group e Rossi.
1 que não só poucas unidades foram construí- Nos primeiros anos do período analisado, es-
das, como também houve dificuldades até tas foram as mais atuantes no mercado imo-
mesmo na contratação e finalização das obras. biliário de Porto Alegre. Essas quatro constru-
A pouca importância que as dinâmicas aqui toras, entre 2007 e 2018, realizaram quase
descritas deram para os mais pobres fica evi- uma centena de empreendimentos em Porto
dente também quando se percebe que o site Alegre, bem como a Melnick e a Nex Group
do antigo Demhab (Departamento Municipal atuaram em grandes empreendimentos em

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Porto Alegre como máquina de crescimento

municípios da Região Metropolitana de Porto Brasil a abrir capital no novo mercado da Bolsa
Alegre (RMPA), especialmente em Canoas, ad- de Valores do Brasil (Melnick Even, 2020). Pos-
jacente a Porto Alegre e segunda maior cidade sui um grande número de empreendimentos
da região metropolitana. de alto padrão, a maioria edifícios, mas tam-
As quatro incorporadoras citadas são bém condomínios residenciais, conjuntos
todas empresas de grande porte. Duas delas comerciais, malls e usos mistos (residencial
são o resultado de associações entre empresas e comercial), com atuação em Porto Alegre
locais e paulistas (Goldsztein-Cyrela, Melnick- e em Canoas. Com relação aos condomínios
-Even). A Nex Group é resultado da fusão das fechados, atua em Porto Alegre e nos municí-
locais Capa Engenharia, DHZ Construções, pios de Eldorado do Sul (RMPA) e Xangri-lá (li-
EGL Engenharia e Lomando, Aita, ocorrida em toral norte).
2011, justamente para ganhar escala e resistir Um grande projeto da construtora é o
à entrada dos grandes players no mercado lo- chamado Hub da Saúde, com a construção de
cal-regional (se considerarmos a região metro- conjuntos e residenciais voltados para os ser-
politana). A Rossi pode ser uma exceção, pois viços de saúde. Esse projeto é realizado em
atuou sozinha no mercado imobiliário de Porto aliança com o hospital Moinhos de Vento (um
Alegre, porém sua atuação se concentrou mais dos principais hospitais privados de Porto Ale-
na primeira metade do período de análise e gre) e com o grupo Zaffari (super e hipermer-
hoje realiza poucos empreendimentos. Tam- cados, shopping centers). Estão previstos cinco
bém podemos incluir nessa relação dois outros hubs, quatro em Porto Alegre e um em Canoas;
atores "externos" de atuação nacional: a MRV destes, quatro já estão em construção. Esse
que está se destacando na produção habitacio- projeto conta, ainda, com apoio da prefeitura
nal voltada para os setores médios e popular; de Porto Alegre, uma vez que a conversão da
e a Multiplan Empreendimentos Imobiliários, cidade em um “centro de excelência nacional
do Rio de Janeiro, que está desenvolvendo um e continental de saúde” se encontra entre as
megaprojeto na orla do Guaíba. prioridades econômicas do município (Melnick
Atualmente, a principal construtora Even, 2016). Dois projetos recentes da Melnick
do mercado imobiliário porto-alegrense é relacionam-se com empreendimentos inicia-
a Melnick Even, fundada em 1970. Ela es- dos por outras construtoras. É o caso dos em-
tá, portanto, há mais de 50 anos atuando no preendimentos Supreme, realizados no bairro
mercado da construção civil local e regional, planejado Central Parque (grande projeto ini-
no qual se autodenomina “a empresa líder ciado pela Rossi), e do megaprojeto do Pontal,
em alto padrão”. Em 2008, associou-se com a um dos maiores empreendimentos em realiza-
Even de São Paulo, empresa da qual se tornou ção na metrópole, bastante relacionado com a
acionista majoritária em 2015, através do fun- questão da reestruturação da orla do Guaíba
do de investimentos Melpar, braço financeiro (Rodrigues, 2019). Este foi iniciado em 2006
do sócio-proprietário da Melnick e de outras pela BM Par Empreendimentos, e a Melnick
grandes fortunas do RS. Em setembro de 2020, assumiu oficialmente a parceria em 2018. A
tornou-se a primeira incorporadora do sul do atual configuração do projeto inclui shopping

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

com 25.000 m² de área bruta locável, 160 lo- Porto Alegre, adjacente ao BarraShoppingSul
jas, cinemas, além de centro de eventos, hub (que também ocupou terrenos pertencentes
da Saúde e um hotel com bandeira da rede ao Jockey) e de frente para o Guaíba (Zero Ho-
Hilton (Melnick Even, 2018). ra, 2021). Esse empreendimento e o Pontal,
Outra grande construtora com atuação bastante próximos, são as “locomotivas” da
na cidade é a Cyrela Goldsztein, a maior em- reestruturação do setor da orla do Guaíba em
presa do setor em valor de mercado (Exame, curso, indicando a possibilidade de configura-
2021). Trata-se, como a Melnick, da fusão de ção de um novo “regime de acumulação urba-
uma empresa local (Goldsztein) com uma de na” na metrópole de Porto Alegre.5
atuação nacional (Cyrela), aliança iniciada com Esse regime urbano decorre de uma
uma joint venture em 2006 e concluída com ampla reestruturação produtiva, que deslo-
a incorporação definitiva da Goldsztein pela calizou a indústria do núcleo metropolitano,
Cyrela em 2009. A construtora atua no seg- sendo o capital imobiliário o atual grande
mento de alto padrão, disputando o mercado responsável pela acumulação urbana, como
local com a Melnick, no ramo tanto residen- veremos adiante.
cial como no comercial, no qual desenvolve o A atuação dessas grandes construtoras
produto Medplex (complexo de consultórios e incorporadoras, dados o volume, a varie-
médicos e serviços de saúde), o qual concorre dade e a complexidade dos capitais mobiliza-
diretamente com os hubs da Melnick. dos, aponta para o já reconhecido processo
Finalmente, nesta parte, cabe desta- de financeirização da produção imobiliária.6
car a Multiplan Empreendimentos e sua rela- As empresas atualmente dominantes no mer-
ção com a orla do Guaíba. A construtora atua cado imobiliário se capitalizam na bolsa de
na região metropolitana desde 2008, com a valores, além de se relacionarem com fundos
construção do BarraShoppingSul, um grande de investimentos (na composição acionária) e
shopping center localizado na zona sul de Por- de se utilizarem de papéis financeiros (fundos
to Alegre e que alterou significativamente as imobiliários, certificados de recebíveis) que
centralidades desse setor da cidade. A partir viabilizam os maiores empreendimentos. A
de 2011, passou a empreender também em Melnick tem seu próprio fundo de investimen-
torres comerciais e residenciais adjacentes ao tos, o Fundo Melpar, que adquiriu o controle
shopping. Em 2017, a Multiplan inaugurou o acionário da Even, além de realizar outras ope-
ParkShopping em Canoas, o maior shopping rações em outros ramos de investimentos. O
center da RMPA fora do núcleo metropolita- projeto Pontal conta com fundos imobiliários
no. Atualmente, leva adiante o megaprojeto para alavancar seus subprojetos, especialmen-
do “bairro planejado e privativo” Golden Lake, te o do hotel.
um conjunto de 18 torres residenciais em uma A seguir discutiremos a questão do cres-
área de 160 mil m² e cujo Valor Geral de Ven- cimento populacional de Porto Alegre, de-
das (VGV) pode chegar a 3 bilhões de reais. Lo- monstrando a distância entre este e o cresci-
caliza-se em antigo terreno do Jockey Club de mento do setor imobiliário local.

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Porto Alegre como máquina de crescimento

O crescimento populacional pesquisa disponível (Revista Exame, março de


2015) indica que a idade média do comprador
de primeiro imóvel estava em 33 anos.
Imóveis precisam de mercado comprador. À Entre 1991 e 2000, houve acréscimo de
primeira vista, é necessário examinar se exis- 60.874 domicílios; e, entre 2000 e 2010, houve
te efetivamente um público com capacidade – acréscimo de 66.947 domicílios. Não houve di-
basicamente renda disponível – para comprar minuição do número de domicílios vagos nesse
esses imóveis. Em uma cidade que não é tu- intervalo de 20 anos, pois estes correspondem
rística e nem um polo importante de conexão a praticamente 10% do estoque de domicílios
global, como Porto Alegre, o potencial com- do município.
prador será majoritariamente um morador Uma analogia interessante, que não es-
local. Por essa razão, compreender a dinâmica gota a questão nem todas as nuanças, mas
populacional é importante. ajuda a pensar sobre o volume de novas edi-
Porto Alegre é uma das capitais do País ficações na cidade, é comparar o incremento
que historicamente (desde o Censo de 1991) de população com o incremento da oferta de
vem apresentando taxas de crescimento de- imóveis. Entre os dois Censos, o acréscimo
mográfico muito baixas, não só nos períodos de imóveis à venda (ver Gráfico 1), ainda que
intercensitários, mas também nas estimativas não tenhamos disponíveis dados de 2001, foi
de população. Comecemos pelos dados censi- de 52.699 imóveis (2002 a 2010). Se lembrar-
tários, apresentados na Tabela 3. mos, como colocado acima, que o incremento
Entre os dois últimos Censos Demográ- populacional, entre 2000 e 2010, foi de 48.760
ficos (2000 e 2010), a população teve um in- pessoas, o mercado imobiliário ofertou mais
cremento de apenas 48.760 pessoas. Também unidades que todo o crescimento populacional
é perceptível o processo de envelhecimento, da cidade. Equivale a dizer que todo novo mo-
com diminuição do efetivo de jovens (dimi- rador na década tinha disponível para compra
nuição absoluta entre 0 e 19 anos de idade), um imóvel novo, recém-construído.
pequeno aumento entre 20 e 39 anos de ida- Além disso, as mudanças no comporta-
de (quando a maioria das pessoas acessa ao mento reprodutivo, aliadas à dinâmica de tran-
mercado imobiliário) e o aumento de idosos sição demográfica, têm provocado, consisten-
(aumento absoluto nas faixas de idade a par- temente, diminuição no tamanho das famílias
tir de 50 anos). Ora, se lembrarmos que todo o e, por consequência, a redução na média de
marketing das empresas imobiliárias está vol- moradores por domicílios. Isto é válido tanto
tado para a aquisição de imóveis por novos – e para a população em geral quanto para a popu-
jovens – casais, percebe-se uma contradição: lação residente em aglomerados subnormais,
o público-alvo cresce em velocidade cada vez como pode ser constatado na Tabela 4. Esta po-
mais reduzida. A faixa etária de 20 a 39 anos deria ser uma das razões para o alto número de
aumentou 24.900 pessoas entre 2000 e 2010 novas edificações, já que, teoricamente, dimi-
(diferença de 24.900 pessoas ou 12.450 casais, nuição no tamanho das famílias e aumento, por
numa conta puramente matemática). Uma exemplo, de imóveis com um único morador

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Tabela 3 – Porto Alegre – População residente por sexo


e grupos de idades selecionados (2000-2010)

População residente (pessoas)


Ano
Grupo de idade
2000 2010
Total 1.360.590 1.409.351
0 a 19 anos 438.794 367.306
20 a 29 anos 229.941 248.264
30 a 39 anos 208.102 214.679
40 a 49 anos 192.396 191.801
50 a 65 anos 177.893 239.085
Mais de 65 113.465 148.216

Fonte: IBGE – Censo Demográfico (2000; 2010).

Tabela 4 – Porto Alegre – Domicílios par culares ocupados


e média de moradores

Ano
1991 2000 2010
Nº de domicílios ocupados 380.992 441.866 508.813
Média de moradores por domicílios ocupados 3,29 3,06 2,75
Domicílios em aglomerados subnormais 33.436 37.480 56.024
Média de moradores por domicílios em aglomerados subnormais 4,07 3,82 3,44
Domicílios par culares não ocupados – vagos 48.598 42.736 48.934
Total de domicílios 430.357 503.536 574.831

Fonte: IBGE – Censo Demográfico (1991; 2000; 2010).

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Porto Alegre como máquina de crescimento

implicariam necessidade de mais habitações. entre 2011 e 2018, está estimado em 66.007
Mas, novamente, se olharmos os dados de pessoas. Apesar de indicar uma leve curva as-
número médio de habitantes por domicílio no cendente – uma fertilidade um pouco maior –
último Censo e multiplicarmos pelo número de em relação à década precedente, os números
novas unidades no período, temos o seguinte ainda apontam para a continuidade do baixo
resultado: 2,75 X 52.699 = 144.922,25. Em ou- crescimento populacional, resultado tanto da
tras palavras: o estoque produzido para a ven- fertilidade abaixo da taxa de reposição quanto
da na década seria suficiente para mais de 144 do arrefecimento das migrações em direção ao
mil pessoas. Um número muito maior que o in- coração da metrópole.
cremento populacional. Se o levantamento no próximo Censo
Quanto aos anos mais recentes, os da- (2022) confirmar um acréscimo um pouco
dos demográficos são estimativas, mas ajudam maior de população na cidade, desta vez tería-
a refletir se a dinâmica entre população e pro- mos um crescimento maior de habitantes do
dução de imóveis continua semelhante. que de imóveis, que, como vimos, são 52.327
As estimativas de população feitas pe- novas ofertas de imóveis residenciais. Ainda
lo IBGE apontam um incremento ao redor de assim, o questionamento da relação entre o
75 mil pessoas entre 2011 e 2020. Como te- reduzido crescimento populacional e a intensa
mos dados imobiliários até 2018, podemos atividade construtiva em Porto Alegre conti-
equalizar datas: o incremento populacional, nua válido.

Tabela 5 – Porto Alegre – Es ma vas de população: 2011-2020

Unidade da Federação e Município


Ano
Rio Grande do Sul Porto Alegre
2011 10.733.030 1.413.094
2012 10.768.025 1.416.714
2013 11.164.043 1.467.816
2014 11.207.274 1.472.482
2015 11.247.972 1.476.867
2016 11.286.500 1.481.019
2017 11.322.895 1.484.941
2018 11.329.605 1.479.101
2019 11.377.239 1.483.771
2020 11.422.973 1.488.252
Incremento de população 689.943 75.158
Crescimento (%) 2011-2020 6,43% 5,32%
Taxa média de crescimento anual (%) 0,64% 0,53%

Fonte: IBGE – Es ma vas de população (de 2011 a 2019).

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

O espaço urbano como lugar mas não explica todas as diferenças entre
processos de acumulação e distintos ritmos
da acumulação de capital de crescimento de diversas cidades ao longo
do globo, assim como não é suficiente para
A urbanização, como venho argumen-
percebermos as nuanças e mesmo disparida-
tando há tempos, tem sido um meio
fundamental para a absorção dos exce- des das políticas locais. Portanto, agregar ou-
dentes de capital e de trabalho ao longo tras explicações é fundamental.
de toda a história do capitalismo. Tem Lefebvre (1976) alertava que, exatamen-
uma função muito particular na dinâmi- te porque a construção proporciona lucros su-
ca da acumulação do capital devido aos
periores à média, através do espaço, o dinhei-
longos períodos de trabalho e rotativida-
de e a longevidade da maior parte dos ro produz dinheiro (p. 101). Ao mesmo tempo
investimentos no ambiente construído. que esse fenômeno ajuda a explicar por que o
Também tem uma especificidade geográ- setor imobiliário – e a produção de ambientes
fica tal que a produção de espaço e dos construídos – é parte integrante da dinâmica
monopólios espaciais se tornam parte
de acumulação, também mostra contradições.
integrante da dinâmica da acumulação,
não apenas em virtude da natureza dos Isto porque a propriedade da terra é ante-
padrões mutáveis do fluxo de merca- rior ao desenvolvimento do capitalismo. O
dorias no espaço, mas em virtude da desenvolvimento do capitalismo, é verdade,
natureza mesma dos espaços e lugares
transforma a propriedade, mas não a elimina.
criados e produzidos em que esses mo-
vimentos ocorrem. Contudo, exatamente
E não a elimina, como lembra Harvey (2013,
por toda essa atividade – que, a propó- p. 462), seguindo os passos de Marx, pois, se
sito, é um campo de enorme importân- a terra estivesse à livre disposição de todos,
cia em que se dá a produção de valor e não seria possível a formação de uma clas-
mais-valia – ocorrer em tão longo prazo,
se possuída apenas de sua força de trabalho,
alguma combinação de capital financeiro
e engajamento estatal é absolutamente
condição necessária para o desenvolvimento
fundamental para seu funcionamento. da produção capitalista. Essa contradição le-
Essa atividade é claramente especulativa va à outra. A terra não pode estar livremente
no longo prazo, e sempre corre o risco à disposição, mas pode (e deve) ser um valor
de replicar, muito mais tarde e em maior
de troca, pois a propriedade privada da terra
escala, as mesmas condições de sobrea-
cumulação que, de início, tenta atenuar. desempenha uma função legitimadora da pro-
(Harvey, 2014, pp. 92-93) priedade privada em geral (e especialmente
dos meios de produção). Significa, em termos
Harvey, como ele mesmo informa na práticos, que a busca por propriedade privada
epígrafe acima, tem insistido na importância (por exemplo, moradia própria) deve ser esti-
de entendermos que o investimento na mul- mulada, inclusive, para as classes trabalhado-
tiplicação do ambiente construído vai além ras. O resultado, nítido nas cidades atuais, é a
dos efeitos locais e está conectado com o pulverização da propriedade privada, possibili-
processo mais geral de acumulação de capi- tando – em teoria – a quase todos terem aces-
tal. Este é um interessante ponto de partida, so a algum grau na renda da terra.

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Porto Alegre como máquina de crescimento

Portanto, há um interesse geral na valo- parte da centralidade. No caso de Porto Ale-


rização dos ativos imobiliários. Todos os pro- gre, a exemplificação desse processo pode ser
prietários, inclusive aqueles donos de apenas visualizada com a regionalização empregada
um pequeno imóvel na periferia, veem com pelo Orçamento Participativo (OP). A “Região
bons olhos processos que aumentam preços, Centro” do OP é uma área que compreende
pois eles enxergam a valorização do seu pró- não só o Centro Histórico e inclui bairros ad-
prio imóvel. É claro que essa valorização geral jacentes, como Bom Fim, Cidade Baixa, Meni-
na verdade não resulta em ganhos iguais para no Deus, Independência, Moinhos de Vento,
todos; aliás, nem todos ganham. Rio Branco, Petrópolis, bairros de classe mé-
Ganharão os que têm capacidade de dia e classe média alta. Se for lembrado que
transformar renda capitalizada em renda o Menino Deus surgiu como um “arraial” de
potencial do solo. Como explica Smith (2012, casas, algumas delas como segundas casas
p. 11), a renda capitalizada do solo é a quanti- de veraneio de uma elite, e hoje é um bairro
dade de renda da terra que é apropriada pelo verticalizado, com a maior parte dos terrenos
dono da terra, levando em consideração o uso ocupados por edifícios, é possível entender o
presente do solo. Aqui já é possível ver que processo. Quando o terreno nesse bairro está
a simples pulverização da propriedade não ocupado por uma casa, ele pode capitalizar
resulta em ganho para todos. O proprietário uma certa quantidade de renda da terra. Se
de uma única vivenda (a sua), não consegue o Plano Diretor, como aconteceu com o Plano
capitalizar a não ser que venda sua casa. Mas de 1999, permite edificações com maior altura
como isto praticamente o obrigará a com- que antes, isto significa que o uso permitido
prar outra para seguir vivendo em condições agora é diferente. Logo, a renda potencial do
mínimas, a apropriação dessa renda é anula- solo é a quantidade que poderá ser capitaliza-
da por essa necessidade, o que significa que a da através de um melhor ou mais elevado uso
renda inicial acaba em outras mãos, acumula- da terra. Ou, dito de outra forma, por conta
da por outros. da localização, o bairro agora poderá, poten-
Resulta que quem detém capital busca- cialmente, capitalizar maiores quantidades de
rá mais de uma propriedade nas cidades – ou renda com um diferente uso do solo e do espa-
pelo menos o constante investimento em pro- ço (ibid., p. 118). Quem consegue capturar es-
priedades –, como forma de rentabilizar seus sas diferenças obterá rendas muito mais eleva-
ganhos. Mas, além de rentabilizar o uso pre- das que outros. Esta é a essência da especula-
sente, a especulação pode tomar uma outra ção imobiliária.7
forma. Qual o potencial de uso que uma deter- A cidade, assim, ao mesmo tempo é for-
minada porção de terra pode ter? Por exem- mada por uma disputa de localizações (Villaça,
plo: um bairro qualquer de classe média teve 1998) e por uma disputa por quem consegue
uma ocupação majoritariamente através de capturar mais renda da terra. Essas duas dis-
casas. Com o crescimento urbano, esse bair- putas, evidentemente, estão interligadas. Não
ro, inicialmente afastado da zona considerada só interligadas entre si, mas imbricadas com a
central, passa agora a ser considerado como política urbana.

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

A economia polí ca da cidade: membros têm interesses profissionais e de


negócios diretamente ligados ao crescimento
a máquina do crescimento e desenvolvimento local. Esses interesses e
negócios estão ligados à propriedade da ter-
A casa própria tem sido louvada nos Es-
tados Unidos como uma ferramenta para ra. Isto porque, como a terra e as benfeitorias
construir patrimônio, reviver bairros e ci- urbanas (construções) podem ser compradas
dades em decadência, reduzir a pobreza e vendidas como mercadoria, o espaço urba-
e engajar os civicamente desengajados. no torna-se uma arena em que essa elite de
Quando a casa própria chegou a 69% dos
empreendedores procura usar o governo lo-
habitantes dos EUA, em 2006, muitos ce-
lebraram o fato de que um vasto número cal e outras instituições civis para maximizar
de americanos, incluindo pessoas de cor, o retorno de seus investimentos. De fato, o
haviam conseguido conquistar o sonho autor é extremamente assertivo ao afirmar
americano – adquirir um lar. Mas nem to- que esse crescimento é a essência do gover-
dos estavam celebrando. Depois de déca-
no local; não somente uma das funções de-
das de trabalho para reverter decadência
e desinvestimento em seus bairros, algu- sempenhadas pelo poder municipal, mas a
mas organizações comunitárias se encon- função principal (Molotch, 1976, p. 313). Por
traram na incomum posição de questio- isso a expressão máquina de crescimento. As
nar se o fluxo de capital que seus bairros
cidades são desenhadas para maximizar lucros
experimentaram desde os anos 90 foi
benéfico ou prejudicial. Enquanto alguns
dessa elite ligada ao setor imobiliário. Assim,
celebraram, outros começaram a ques- não é preciso necessariamente ser um grande
tionar se sua vizinhança teve mais acesso proprietário de terra, por exemplo. A coalizão
ao capital ou se o capital é que aumentou de poder local inclui não só empreendedores
seu acesso às comunidades. A disputa é
imobiliários, mas todos que de uma forma ou
sobre se o acesso ao capital produziu um
benefício aos proprietários e às comuni- outra devem suas fortunas ao crescimento
dades ou se isto facilitou a acumulação de uma determinada área da cidade. Envol-
de capital com poucos benefícios públi- ve instituições financeiras, pela razão óbvia
cos. Habitação, naturalmente, além de de que investimentos imobiliários requerem
“lar” é também um grande componente
adiantamento de capital para a construção
das economias dos Estados Unidos e de
outros países. (Newman, 2012, p. 219) e incorporação; envolve a mídia local, pois,
como pode ser facilmente notado, os jornais
A construção e a aquisição de imóveis impressos locais veiculam grande quantidade
não são somente uma questão técnica ou de de propaganda de lançamentos imobiliários e
legislação, assim como não são apenas uma defendem arduamente o “progresso” que ad-
questão econômica; são também uma questão viria desses novos investimentos. Crescimento
política. Nas cidades, isto é um componente interessa também a pequenos investidores.
essencial para compreensão das disputas eco- Áreas em valorização atraem novos negócios e
nômicas e políticas. serviços, como escritórios de advocacia, pada-
Molotch (1988) argumenta que, virtual- rias, restaurantes, bares, etc.; e, em outro pa-
mente, todas as cidades dos Estados Unidos tamar, empresas de material de construção, fi-
são dominadas por uma reduzida elite, cujos liais de imobiliárias, lojas de móveis para casa

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Porto Alegre como máquina de crescimento

e/ou escritório, etc. Essa pequena lista serve em que as frações ligadas ao capital e à renda
para mostrar por que a ideologia do cresci- fundiária tiveram que ceder algum espaço pa-
mento funciona. ra a realização de políticas públicas redistribu-
É interessante notar que essa máquina tivas e democráticas. Mas, e isto é importan-
de crescimento urbano não necessariamente te lembrar, nunca houve impedimentos para
está vinculada ao processo de acumulação de empreendimentos imobiliários de todos os
capital produtivo. Aliás, como muitas pesqui- portes. O que se fez foi colocar em prática ins-
sas empíricas no Brasil já constataram, pro- trumentos de regulação para a intervenção no
cessos que provocam encarecimento de áreas solo capazes de redistribuir parte dos ganhos
urbanas podem ter como efeito colateral de- do capital imobiliário. Por exemplo: um hiper-
sindustrialização dos centros urbanos. A indús- mercado foi autorizado a se instalar na Zona
tria desloca-se para a periferia metropolitana Sul como parte inicial de um grande projeto
para fugir das desvantagens de aglomeração, urbano no qual, alguns anos mais tarde, seria
mas isto não necessariamente diminui o pre- construído um shopping center anexo ao hi-
ço da terra no núcleo central da metrópole. A permercado (BarraShoppingSul). A permissão
acumulação de capital é contraditória; não é de instalação foi feita tendo como contrapar-
um processo em que todos ganham da mes- tida a construção de novas habitações para as
ma forma. Essas relações acabam por ajudar a famílias que ocupavam de forma precária (e ir-
definir diferentes formas urbanas, que estão, regular) a área do empreendimento. Para isso,
portanto, relacionadas a diferentes maneiras foi proposta a lei n. 8093/1997 autorizando a
como operam e se conectam nas cidades as permuta de imóveis entre os empreendedores
várias frações do capital e as diferentes frações e a Prefeitura Municipal. Literalmente:
de rentistas.
Art. 3º – Sobre a área a ser transferi-
Mas, como afirmado, o que torna a cons-
da ao Município, os Empreendedores
tituição e o desenvolvimento das cidades tão implantarão as unidades habitacionais
parecidas umas com as outras é a constituição e respectiva urbanização, conforme
de coalizões – políticas – que têm interesse di- Estudo de Viabilidade Urbanística –
reto na cidade como máquina de crescimento. E.V.U. aprovado (Processo Administra-
tivo n. 2.284147.00.9), para possibilitar
Voltemos a olhar para Porto Alegre. E fa-
o reassentamento das famílias hoje
çamos uma pequena digressão ao passado re- ocupantes das vilas identificadas como
cente. Uma das marcas da década de 1990 na Campos do Cristal, Estaleiro Só e Foz do
cidade foi a sucessiva eleição de governos de Arroio Cavalhada (trecho da Av. Diário de
Notícias até os limites das Cavalariças do
centro-esquerda, liderados por uma coalizão
Jockey Club do Rio Grande do Sul). (Porto
em torno do Partido dos Trabalhadores. Co- Alegre, 1997)
mo é bem conhecido, houve uma tentativa de
aprofundar formas de democracia que não fos- Não está em discussão aqui a provável
sem puramente representativas, como a de- melhora nas condições de vida dos moradores
monstra a constituição do Orçamento Partici- da ocupação que receberam novas casas, e sim
pativo (Abers, 1998; Fedozzi, 1997; Tartaruga, lembrar que o que permitiu aos empreende-
2003). Não há dúvida de que foi um período dores aceitar essas condições foi a existência

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de uma renda potencial de solo muito maior Como definiu Siqueira (2019), a dinâmi-
do que a renda a ser capturada com a cons- ca da democracia em Porto Alegre vem expe-
trução de habitações populares. Na verdade, rimentando um deslocamento do poder, no
não só maior do que a renda capitalizada no sentido de força decisória, nas instâncias par-
loteamento popular, mas suficiente para co- ticipativas, como o Conselho Municipal de De-
brir com folga os custos do reassentamento. senvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e
Dito de outra forma: a dinâmica da máquina o próprio Orçamento Participativo (OP). Como
de crescimento, na qual o valor de troca se so- colocado no parágrafo anterior, esse desloca-
brepõe ao valor de uso da terra sempre esteve mento, em direção ao ultraliberalismo, foi len-
presente na cidade, mesmo quando a coalizão to e gradual. Começou com a criação da Secre-
formalmente no Governo Municipal procurava taria Municipal de Coordenação Política e Go-
enfatizar a democratização da cidade. vernança Local, em 2004, na gestão que suce-
Como colocado anteriormente, esta deu os governos petistas. A Governança Local
foi uma digressão no sentido de exemplifi- acabou por se constituir em um fórum acima
car; uma pesquisa sobre a dinâmica do setor do OP, até então uma das instâncias máximas
imobiliário na época da administração popu- de deliberação em Porto Alegre, subordinan-
lar em Porto Alegre certamente traria mais do-o a um planejamento pré-consensuado,
exemplos para reforçar a tese. Mas este é um neutralizando conflitos e passando a ideia de
texto com base em dados da última década; uma solidariedade em torno do espaço urbano
portanto avancemos. que é ideológica no sentido clássico (ocultação
Nos dias atuais (2020), a administração de interesses e discurso lacunar).
popular parece cada vez mais uma pequena Um exemplo: mostrando todo o pro-
utopia distante. Em época de inflexão ultra- cesso de tramitação da lei complemen-
liberal (Ribeiro, 2020a), o governo municipal tar n. 721/2013, que, segundo a ementa,
vem cumprindo fielmente com os preceitos “estabelece medidas de incentivo e apoio à
que indicam o domínio de uma coalizão dedi- inovação e à pesquisa científica e tecnológica
cada à máquina de crescimento. Em Porto Ale- no ambiente empresarial, acadêmico e social
gre, essa inflexão inicialmente não foi radical. no Município de Porto Alegre e dá outras pro-
A não reeleição de coligações em torno do Par- vidências”, Siqueira (ibid., pp. 180-182) revela
tido dos Trabalhadores, em 2004, foi o marco que a Lei apresenta repercussão direta no es-
da inflexão. De início, timidamente liberal; aos paço urbano, pois elenca uma série de incen-
poucos, cada vez mais assumindo uma postura tivos em uma área que compreende vários
em direção ao ultraliberalismo, representado bairros da cidade e libera total ou parcialmen-
pela eleição do último prefeito (2017-2020), te os investimentos em impostos municipais,
Nelson Marchezan Jr., e de seu sucessor, Se- tais como IPTU, ITBI, ISSQN entre outros. Para
bastião Mello, eleito em 2020; que, embora poder aprovar tamanha alteração, foi neces-
em “oposição” partidária ao anterior manda- sário proceder modificações no Plano Diretor.
tário, ao longo de 2021 ampliou o programa Como convencer os conselheiros do CMDUA
ultraliberal, agora com maioria mais folgada no ligados à representação popular a aprovarem
legislativo municipal. constantemente alterações no Plano Diretor

756 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento

que facilitassem empreendimentos de empre- mostra que toda coalizão governamental bem-
sários? Através da instituição de contraparti- -sucedida (entendendo por esse termo ca-
das ao empreendimento. E o esforço das novas pacidade de colocar em prática propostas de
estruturas de governo em aprovar projetos de governo) precisa da participação de diversos
seu interesse: atores, inclusive do consentimento de atores
que, em teoria, deveriam apresentar oposição
A Secretaria Municipal de Governança
Solidária Local destinou um funcionário a diversas medidas do governo em questão. O
para participar do Escritório de Licen- resultado prático é um reforço na importância
ciamento exclusivamente para acom- e no poder do setor imobiliário na produção
panhar a tramitação de projetos cujas do espaço urbano em Porto Alegre e a criação
medidas compensatórias apresentem
de uma dependência de setores populares em
potencial de atendimento às demandas
através do que ficou conhecido entre os aceitar o protagonismo desse setor, como con-
conselheiros como “contrapartidas so- trapartida para o atendimento de demandas e
ciais” (Ata Ordinária n. 003/2016). Após obras em suas comunidades. Aliás, nesse sen-
identificadas tais “contrapartidas”, o fun- tido, a analogia com “máquina” é perfeita: co-
cionário deverá levar aos conselheiros
mo toda máquina, ao mesmo tempo depende
do OP, que discutirão a destinação atra-
vés da temática HOCDUA – Habitação e da condução de pessoas que a dirigem e colo-
Organização da Cidade Desenvolvimento cam para funcionar, mas também, depois que
Urbano Ambiental. a máquina é “ligada”, ela é capaz de funcionar
Mesmo sendo uma ação diretamente
com relativa autonomia em relação a essas
relacionada ao Escritório de Licencia-
mento, também é vinculada ao CMDUA
mesmas pessoas.
pois é imprescindível que o conselho Por fim, deve ser lembrado que a infle-
analise os projetos de grande impacto na xão ultraliberal está largamente associada à
cidade após tramitar pelo escritório de financeirização. Basicamente, financeirização
licenciamento.
significa disseminação profunda e geral das
O processo citado acima, proposto pela
Governança Solidária Local, leva a um características do capital portador de juros no
paradoxo. Para que alguma comunidade sistema como um todo (Fix e Paulani, 2019).
tenha demanda contemplada através de A complexidade aqui é que, na cidade, atra-
medida compensatória ou TCAP, o pro- vés da renda e da capitalização da terra, o fi-
jeto deverá, necessariamente, ser apro-
nanceiro sempre esteve presente. O capital
vado em todas as instâncias, inclusive
no CMDUA. Portanto, fica comprome- portador de juros é elemento essencial em
tido, assim, o voto do representante todo o sistema imobiliário. Ele aparece, para
do OP no CMDUA. A tendência é que o o consumidor final dessa mercadoria, como
voto seja sempre favorável ao projeto.
acesso ao crédito. Foi exatamente o acesso ao
(Ibid., p. 182)
crédito um dos elementos que permitiu toda
O exemplo trazido na citação anterior a explosão de investimentos imobiliários e a
é elucidativo na transformação prática em constituição do Minha Casa Minha Vida. E, co-
direção a uma coalizão mais explicitamente mo os dados mostrados anteriormente neste
dedicada à máquina de crescimento. E é ex- artigo evidenciam, não há como negar que a
tremamente interessante porque também imbricação desses elementos (o financeiro e o

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complexo imobiliário) é um dos principais res- em uma mercadoria, transacionada como se


ponsáveis pela produção do espaço urbano em fosse uma mercadoria como outra qualquer.
Porto Alegre. Molotch (1976 e 1988), como expos-
Uma outra evidência dessa imbricação to anteriormente, afirma que a máquina do
são os resultados apresentados pela pesqui- crescimento é a essência das cidades norte-
sa de Melo (2021). O autor mostra que as -americanas. Poderíamos dizer o mesmo de
coalizões de poder presentes nas metrópoles Porto Alegre? O exposto até aqui mostra evi-
brasileiras conformam um complexo urbano- dências que sim, setores empresariais ligados
-imobiliário-financeiro (Cuif), ou seja, uma de alguma forma ao mercado imobiliário de-
confluência de interesses entre setores econô- sempenham um papel primordial na produção
micos ligados à acumulação urbana e ao mer- do espaço na cidade, e o conceito de máquina
cado financeiro (p. 46). Examinando os dados do crescimento ajuda-nos a compreender esse
das doações eleitorais nas eleições municipais, processo. Além disso, a história recente dessa
é visto que, das doações de pessoas jurídicas metrópole, com a presença de coalizões de
identificadas em Porto Alegre, mais de 65% centro-esquerda governando a cidade em vá-
são oriundas de setores ligados à Cuif. Sozinho, rios períodos, torna patente que, certamente,
o setor de construção respondeu por mais de a máquina do crescimento é muito mais con-
45% do total das contribuições aos partidos e traditória do que parece à primeira vista e mui-
candidatos. E essas informações também são tas vezes precisa ceder a outros atores para
importantes por mostrarem os limites da fi- continuar atuando.
nanceirização nas metrópoles brasileiras. O se-
tor financeiro, ao não despender muito dinhei-
ro no financiamento de campanhas eleitorais
municipais, demonstra que não é nessa escala Considerações finais
que está sua principal atuação. Nesse sentido,
é interessante associar com outra pesquisa re- O presente artigo mostrou dados sobre os for-
cente. Godechot (2015), ao estudar o impacto tes investimentos na produção habitacional
da financeirização no crescimento da desigual- pelo capital imobiliário em Porto Alegre na
dade em 18 países da OCDE e medir o papel última década, levando em conta o volume de
das várias formas possíveis de financeirização, acréscimo de novos empreendimentos na ci-
conclui que o papel da financeirização de fir- dade, seja pela construção direta do mercado,
mas não financeiras e das residências é mar- seja através do PMCMV.
ginal perto do que ele definiu como mercanti- Os dados apresentados revelam uma
lização da financeirização, ou seja, o crescente consistente permanência de alto volume dos
volume (e energia gastos) de comércio/troca investimentos imobiliários. Também ficou de-
de instrumentos financeiros nos mercados fi- monstrado que a proporção dos investimentos
nanceiros. Em outras palavras, o volume prin- imobiliários voltados à construção de unidades
cipal, inclusive em termos monetários, envolvi- habitacionais é muito maior que os concentra-
do na financeirização da economia diz respeito dos em imóveis comerciais. Na mesma linha, a
à transformação de instrumentos financeiros quantidade de empreendimentos vinculados

758 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento

ao PMCMV expressa a sua relevância no con- Assim, o artigo aponta para uma cer-
tingente total de edifícios produzidos para ha- ta autonomia do mercado de produção de
bitação em Porto Alegre. habitações na metrópole, que se torna uma
Outro aspecto é a atuação ao mesmo arena em que uma elite de empreendedo-
tempo concentrada e pulverizada do mercado res se beneficia do acesso ao governo local
imobiliário na cidade, resultado da atuação de e a outras instituições civis, visando ampliar
mais de 300 empresas com atuação na cons- o retorno de investimentos. Tal situação en-
trução de imóveis. Tudo isto revela que nunca contra, na reflexão de Molotch (1976) sobre a
houve uma recessão na produção habitacional máquina do crescimento, uma representação
em Porto Alegre, com acréscimo de mais de coerente e muito próxima do que ocorre em
5.000 unidades habitacionais por ano, mesmo Porto Alegre.
com oscilações de outros indicadores econô- Para finalizar, este artigo indica também
micos e a diminuição do ritmo de atividades a necessidade de se pensar a constituição de
em outros segmentos da economia. um “regime urbano” em Porto Alegre voltado,
Como forma de contextualização dessa em forte medida, para a contínua expansão de
tendência permanente e ininterrupta de cres- um complexo de atores ligados ao setor imobi-
cimento da produção imobiliária habitacional, liário, o que anuncia uma coalizão em torno do
observaram-se as taxas de crescimento da Estado e do setor imobiliário. Assim, os indica-
população residente na metrópole, que po- dores revelam essa promoção imobiliária assis-
deriam justificar esse aumento, mas que têm tida por um sistema público que acaba por fa-
caminhado no sentido oposto, apresentando vorecer a manutenção dessa ideia de máquina
índices cada vez menores. de crescimento.

[I] https://orcid.org/0000-0001-9223-5154
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia.
Porto Alegre, RS/Brasil.
mario.lahorgue@ufrgs.br

[II] https://orcid.org/0000-0002-3262-768X
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia,
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Porto Alegre, RS/Brasil.
paulo.soares@ufrgs.br

[III] https://orcid.org/0000-0002-2789-3887
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanis-
mo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre, RS/Brasil.
heleniza.campos@ufrgs.br

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 759
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Notas
(1) Sobre os impactos da Copa do Mundo de 2014 em Porto Alegre, ver os diversos ar gos reunidos
em Soares (2015).

(2) Sobre o 4º Distrito, ver o ar go de Almeida e Campos (2022).

(3) Ver calização, aqui, é entendida simplesmente como construção e predomínio de pologia de
edi cios. Não está em discussão, por exemplo, altura de edificações.

(4) No período estudado, 2009-2020, o Programa Minha Casa Minha Vida estava dividido em três
faixas (1, 2 e 3), correspondendo ao perfil de renda dos contemplados. Em 2016, houve alteração
nas regras do Programa e nas faixas de renda. Ficaram quatro faixas, da seguinte forma: Faixa 1:
até R$ 1.800,00 de renda; Faixa 1,5: até R$ 2.600,00; Faixa 2: até R$ 4.000,00; e Faixa 3: até R$
9.000,00. A par r de agosto de 2020, o Programa foi formalmente subs tuído por outro, o "Casa
Verde Amarela".

(5) A Teoria dos Regimes Urbanos é posterior e pode ser considerada um desdobramento ou
ampliação da ideia de “máquina de crescimento” que trabalhamos neste artigo. Para uma
leitura ampla dessa teoria, ver texto de França (2019).

(6) A literatura recente sobre o processo de financeirização é bastante ampla. Sugerimos a leitura dos
diversos capítulos do livro organizado por Ribeiro (2020b).

(7) Cabe salientar que outros bairros da Região Centro passam por esse processo, como o Moinhos de
Vento, Rio Branco e Petrópolis.

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Texto recebido em 5/abr/2021


Texto aprovado em 3/jul/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 763
Porto Alegre as a growth machine:
recent housing production
in the metropolis
Porto Alegre como máquina e crescimento:
a produção habitacional recente na metrópole
Mario Leal Lahorgue [I]
Paulo Roberto Rodrigues Soares [II]
Heleniza Ávila Campos [III]

Abstract Resumo
Housing production in Brazilian metropolises A produção de habitação nas metrópoles bra-
is linked to the expansion and strengthening sileiras apresenta vinculação à expansão e ao
of the real estate sector in urban spaces, often fortalecimento do setor imobiliário nos espaços
independently of the country's economic cycles. urbanos, muitas vezes independentemente dos
Porto Alegre does not deviate from the Brazilian ciclos econômicos do País. Porto Alegre não fo-
pattern; however, this article verifies Molotch’s ge ao padrão brasileiro; entretanto, este arti-
hypothesis called “Growth Machine”. To go verifica a hipótese de Molotch, denominada
accomplish this, it examines and discusses the real “Máquina de Crescimento”. Para isso, examina
estate dynamics and housing construc on in the e discute a dinâmica imobiliária e a construção
last decade in the city of Porto Alegre. Data from habitacional na úl ma década na cidade de Por-
SINDUSCON-RS are used as reference, in addi on to Alegre. U lizam-se como referência dados do
to housing produc on data from the Minha Casa Sinduscon-RS, além dos dados sobre a produção
Minha Vida Program (PMCMV) between 2009 habitacional do Programa Minha Casa Minha Vi-
and 2020. Based on the hypothesis, the article da (PMCMV) entre 2009 e 2020. A par r da hipó-
demonstrates the importance that sectors linked tese, demonstra-se a importância que os setores
to the real estate dynamics have in the produc on ligados à dinâmica imobiliária têm na produção
of space in the city. do espaço na cidade.
Keywords: housing produc on; growth machine; Palavras-chave: produção habitacional; máquina
real estate market; Porto Alegre. do crescimento; mercado imobiliário; Porto Alegre.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5413.e Crea ve Commons Atribu on
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Introduc on Construction Industries Union in the State of


Rio Grande do Sul (Sindicato das Indústrias
da Construção Civil no Estado do Rio Grande
The housing production activity in Brazil has do Sul – Sinduscon-RS) as a reference. The
been historically characterized by a strong link data on housing production of the Minha
to the expansion and strengthening of the real Casa Minha Vida Program (MCMVP) for the
estate sector in urban spaces, especially those period between 2009 and 2020 are also used,
more densified, which are also the places of following similar analyses previously carried
concentration of the highest rates of socio- out (Lahorgue, 2015).
-spatial inequalities. The strong presence of the We discuss the continuous and strong
real estate market imposes itself concerning presence of the real estate sector in the
the behavior of the country's economic growth, urban economy of Porto Alegre, despite, for
which, in the last decade, has been much lower example, the radical changes in the conduction
than in the past decade (2001-2010), when of national economic policy and the virtual
there was a boom in the Brazilian real estate closing of the MCMVP, which had a very
market, motivated, among other reasons, important role in the recent real estate boom
by the supply of credit to families and to the in Brazil, providing strong evidence of the
market itself. Likewise, the growing production existence of a "growth machine" in the capital
of new housing also seems to be disconnected city of Rio Grande do Sul.
from population growth, since there is a The article is structured in five sections,
tendency for a reduction in population in addition to this introduction and the
growth in the country, especially in its more final considerations. In the first, it is given
consolidated metropolises. an overview of the recent socio-spatial
In Porto Alegre, as in other Brazilian changes in the metropolis as a whole; the
metropolises, the volume of new real estate second section presents both the housing
for sale, despite cyclical and annual variations, production for middle and upper-income
remained high and growing between 2011 classes in the metropolis in the last decade
and 2019, showing signs of expansion, even and the Minha Casa Minha Vida program;
with the recession experienced by the country in the third section, it is used demographic
from 2016. This growing and autonomous data for Porto Alegre to demonstrate the
dynamic shows that housing production is an relative autonomy of the housing market in
important vector for real estate investment, the face of population dynamics; finally, it is
being strongly related to the financial market presented Molotch's reflection on the growth
and the support of the State itself. machine constituted by the elite linked to real
This article seeks to examine and estate capital, showing that the recent Porto
discuss the real estate dynamics and housing Alegre’s mandatory coalitions had structured
construction of the city of Porto Alegre in the political economy of the city based on
the last nine years, using data from the Civil these premises.

740 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

Porto Alegre: changes in the alleged "priority area for investments") to


draw the attention of the real estate market
metropolis in the 21st century for investments.1
Thus, this set of changes also points
We are dealing with a metropolis with to a modification in the production process
significant socioeconomic, socio-spatial, and of the metropolis, highlighting the role of
political changes in this 21st century, especially the construction industry and real estate
in the studied period. These changes have development in the process of urban
already been taking shape from a previous accumulation, as we will analyze later.
period, as pointed out by earlier analyses of In terms of spatial model, we can also
the transition period in the urban order (1980- consider that we are in the transition to a more
-2010) from Soares and Fedozzi (2018). extensive metropolis, with expansions to the
In socio-economic terms, we can south and far-south zones of the city, following
point out the changes in the transition from the main road axes, as well as to other
an industrial and Fordist metropolis (and municipalities of the metropolitan region. This
metropolitan region) to service and post- expansion is different, since it includes the
Fordist metropolis. In socio-spatial terms, production of new peripheries, both for high-
the metropolis (and the metropolitan income social groups, in gated communities,
region) transits from a more centralized and for the lower-income brackets’ population,
and monocentric model to a decentralized which is now in "planned neighborhoods" by
and polycentric pattern. Although, in this the expansion of condominiums under the
case, the polycentricity manifests itself Minha Casa Minha Vida Program. In other
with unequal and hierarchical centralities words, we have here the reproduction and
(metropolitan center, commercial centers, intensification of socio-spatial segregation
specialized centralities). Finally, in political in the new peripheries. And the real estate
terms, especially in the metropolitan core sector, with its greater segmentation and
(the municipality of Porto Alegre), the targeting of new products, is an important
great change was the transition from a agent of this segregation.
participatory management model (although This socio-spatial segregation manifests
with limitations) to a neo-liberal management itself especially in the inner spaces of the
model, centered on private initiative and metropolis, in the already consolidated urban
captained by market agents. It is important fabric, which is also undergoing a process of
to mention the period of the so-called "World change in economic and social contents. We
Cup projects" (2008-2014) since Porto Alegre can refer to a real estate "new cycle" in the
was one of the hosts of the 2014 World Cup. metropolis. There are many processes in it:
Although many of these works have not been the neighborhood valorization, the occupation
completed or realized, their projection or of the former industrial areas by residential
beginning has already allowed large sectors condominiums and commercial enterprises,
of the city (especially those included in the and the gentrification, which is more evident in

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 741
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

the so-called 4th District (Floresta, Navegantes, So, these records are very expressive and show
São Geraldo, São João, Farrapos and Humaitá the importance of civil construction and the
neighborhoods), the former large industrial real estate market in the city's economy.
area in the northern zone of the city.2 Focusing on the last decade (between
All this movement is carried out in 2011 and 2018), 56,450 new units were built
concert with the public sector and urban and offered, considering commercial units. It
agents (builders, developers, consultants, was also in this period that we had the years
international agenc ies), among which with the highest absolute number of new
the construction industry and real estate constructions in the city: in the period 2012-
development are prominent, revealing the 2013, more than 8,000 new properties were
importance of the analysis we will perform. built each year. Table 1 shows some details
that complement Graphic 1. The first detail
is the absolute predominance of building
construction over housing. Of the little
The real estate market more than 52,000 residential units (houses
in Porto Alegre + apartments), 94.63% are apartment-type
dwellings.
in the last decade Thus, in recent years we have witnessed
a reinforcement of the fact that Porto Alegre
In this section, we will describe the situation is one of the most verticalized cities 3 in the
of Porto Alegre before the most recent real country (Lahorgue, 2015, p. 36). Within the
estate investments. Putting a slightly longer apartment typology, the most visible is the
period into context, Graphic 1 shows the absolute predominance of two-bedroom units,
amount of new real estate offered between representing 51.66% of all vertical units. It is
2002 and 2018, including, therefore, the also interesting to notice that one-bedroom
period with consolidated data available from units, although numerically much smaller than
Sinduscon/RS. the two and three-bedroom typologies, have
Therefore, more than 5,000 properties shown consistent growth year after year.
were built and offered per year over these About the construction of commercial
17 years. Although with oscillations, it is not units, it can be seen that they represent
possible to say that any year was weak in this only 7.30% of the units offered in the period
economic activity since the total is 109,146 considered. There are oscillations from year
units. Notice that these numbers include to year, but the market's behavior in the last
only residential units and exclude individual two years, with an increase in the share of
constructions (houses built by contract, commercial units, may indicate the beginning
for example), that is, it refers only to those of a change – or at least a greater share – of the
properties built by construction companies. commercial segment in real estate investment.

742 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

Graphic 1 – New proper es offered between 2002 and 2018

Source: Sinduscon/RS.

Table 1 – Distribu on of new housing supply in Porto Alegre (2011-2018)

Quan ty of units offered


Types Years Total/
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Types
Efficiency apt. 0 28 10 15 32 38 113 125 361
Apt. 1 bds. 202 275 316 352 424 536 639 887 3.631
Apt. 2 bds. 3,016 3,773 3,780 2,763 3,419 2,677 3,089 3,065 25,582
Apt. 3 bds. 2,443 3,470 3,024 2,082 1,655 2,094 1,978 1,846 18,592
Apt. 4 bds. 108 106 137 102 66 112 94 110 835
Pent. 1 bds. 1 1 1 0 0 1 3 3 10
Pent. 2 bds. 4 11 20 28 30 24 24 26 167
Pent. 3 bds. 30 28 43 44 37 42 44 37 305
Pent. 4 bds. 1 0 0 2 3 10 9 11 36
Subtotal 5,805 7,692 7,331 5,388 5,666 5,534 5,993 6,110 49,519
House 2 bds. 72 53 52 87 54 31 25 17 391
House 3 bds. 324 192 250 315 273 292 296 264 2,206
House 4 bds. 33 24 24 17 15 44 30 24 211
Subtotal 429 269 326 419 342 367 351 305 2,808
Flats 5 2 4 2 1 10 10 23 57
Business rooms/ 246 357 514 358 260 329 750 754 3,568
business complexes
Stores 29 8 15 13 2 32 7 11 117
Others 59 95 101 24 35 22 21 24 381
Subtotal 339 462 634 397 297 393 788 812 4,122
Total/Year 6,573 8,423 8,291 6,204 6,306 6,294 7,132 7,227 56,450
Source: Secovi/RS – Agademi.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 743
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

The real estate produc on the minimum wage: Level 1 corresponds to a


of the Minha Casa Minha Vida monthly income of up to 3 minimum wages;
Program in Porto Alegre Level 2, from 3 to 6 minimum wages; and Level
3, from 6 to 10 minimum wages. The exception
is Level 1.5, whose data appear only between
It is important to add to our discussion the 2017 and 2020. 4 The comparison between
data from the Minha Casa Minha Vida Program the amounts per income level (especially
(MCMVP). After a period of unavailability, the levels 2 and 3) helps us to understand the
Brazilian government is again openly offering disparity between the developments aimed
information about the program. For this at beneficiaries that strongly need support
reason, even if it exceeds the period analyzed, from the State (Level 1) and the adherence of
we will show the complete data of the MCMVP the PMCMV to the dynamics of the real estate
in Porto Alegre. Thus, these data correspond sector in Porto Alegre in the period between
to the period 2009-2020, distributed by 2009 and 2020 (levels 2 and 3), as it can be
income bracket of the beneficiaries based on seen in Table 2.

Table 2 – MCMVP in Porto Alegre - units completed and delivered per income level

Units of Units of Units of


Units of Level 1
Level 1,5 Level 2 Level 3
Year
Contracted Contracted Contracted
Contracted Delivered
and delivered and delivered and delivered
2009 1,032 1,020 1,250 49
2010 1,308 1,243 2,725 192
2011 160 160 1,879 141
2012 500 0 1,597 190
2013 3,238 1,674 817 170
2014 2.044 0 964 128
2015 0 0 1,241 417
2016 40 0 2,044 339
2017 1,298 991 605 963 209
2018 446 40 1,216 1,163 150
2019 0 0 299 780 117
2020 0 0 182 529 104
Total 10,066 5,128 2,302 15,952 2,206

Source: made by Heleniza Campos and Nicolas Billig Giacome , from the MDR Brazilian Open Data Portal. Available
at: h ps://dadosabertos.mdr.gov.br/dataset/cva_mcmv. Accessed on: Dec 28, 2021.

744 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

The data on contracted and delivered number of contracted and delivered units,
units per income bracket also show that exceeding by 38% the number contracted in
there are recurring differences in all the Level 1.
years, with the qu antities of projects The disparities appear not only in the
delivered to Level 1 always being smaller. quantities of projects contracted and delivered
In t h e oth er ran ges , t here is p recis e but also in the amounts invested. Graphic
compatibility between the two categories 2 shows the differences in the distribution
(contracted and delivered units), which of the operating amounts (provided in the
reveals the low fulfillment of the social contract) and the amounts released for the
demands for the neediest beneficiaries. construction/acquisition of properties in each
It is also noteworthy that, specifically in income range, with great emphasis on the
Level 1, the contracted units correspond amounts undertaken for Income bracket 2.
to approximately twice the number of Consider that, between 2012 and 2020, the
delivered units, with some years in which Banco do Brasil also participated as a financial
no residential units were delivered (2015, agent, in addition to the Caixa Econômica
2019, and 2020). In 2012, 2014, and 2016 Federal, for the three highest income
there is hiring, but no delivery. Level 2 brackets, which also tends to open options to
stands out as the range with the highest beneficiaries in these conditions.

Graphic 2 – MCMVP in Porto Alegre –


Opera on and released values per income ranges - 2009 to 2020

Level 3 values

Level 2 values

Level 1,5 values

Level 1 values

Releases Opera ons

Source: MDR Brazilian Open Data Portal. Available at: h ps://dadosabertos.mdr.gov.br/dataset/cva_mcmv.


Accessed on: Dec 28, 2021.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 745
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

It can be seen in Graphic 2 that the Social Interest Housing programs in the city,
amount released for Level 1 is equivalent accounts for the delivery of 1,456 units in
to 30.30% of what was released for Level 2, seven real state developments until 2020, out
demonstrating, once again, the importance of sync with the official data from the Brazilian
of the market construction in the production Government.
of th e city sp ace an d , conseq u ent ly, The real estate market of the city
reinforcement in the growth machine. presents, at the same time, concentration and
Considering these numbers together pulverization. More than 300 companies are
with the offers of new properties made working in real estate construction; however,
available by Sinduscon, it is possible to have 15 companies (7.81% of the universe)
an idea of the importance that the Minha Casa concentrate 50.67% of the total units on offer
Minha Vida Program has had as an incentive (Sinduscon-RS, 2019, p. 5). These data are
for the civil construction industry and the real from 2018 but reflect a structure that has not
estate market itself. changed in recent years and has systematically
So, we have a situation that can be appeared in real estate surveys and censuses.
summarized as follows:
a) Porto Alegre has maintained, in this
last decade, the process of continuous The main construc on companies
expansion in the construction of new real state
developments and buildings. In this process of real estate production, we
b) The Minha Casa Minha Vida Program have the performance of several construction
contributed to this market dynamism, although companies, from different origins in terms of
it can always be said that it represents a capital. The construction cycle that began in
specific market that does not encompass the 2008-2009 promoted a restructuring of the
more traditional middle class and the high- sector, both in terms of the concentration of
income bracket. Even so, certainly, MCMVP the companies' capital and the different scales
contributed to the large number of units built. of their operations in the national territory,
c) The growth machine was so overwhelming now much broader for large construction
that the very data from Minha Casa Minha companies and developers (Sanfelici, 2013).
Vida Program show the immense difficulty in Soares and Aita (2019) analyzed the
facing the housing deficit in the neediest strata performance of four important real estate
of the population. Although the greatest need companies in Porto Alegre: Cyrela Goldsztein,
for housing is there, it was in Level 1 that not Melnick Even, Nex Group, and Rossi. In the first
only a few units were built, but there were also years of the analyzed period, these were the
difficulties even in contracting and finalizing most active in the real estate market of Porto
the works. The little importance that the Alegre. These four construction companies,
dynamics described here gave to the poorest between 2007 and 2018, carried out almost
is also evident when one notices that the a hundred real estate developments in Porto
website of the Demhab (Municipal Housing Alegre, as well as Melnick and Nex Group were
Department), formerly responsible for all the active in large developments in municipalities

746 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

in the Metropolitan Region of Porto Alegre Brazil to go public on the new market of the
(RMPA), especially in Canoas, adjacent to Brazilian Stock Exchange (Melnick Even, 2020).
Porto Alegre and the second-largest city in the It has a large number of high-standard real
Metropolitan Region. estate developments, mostly buildings, but
Th e four real e stat e d evelop ers also residential condominiums, commercial
mentioned are all large companies. Two of complexes, malls, and mixed-use enterprises
them are the result of associations between (residential and commercial), with operations
local and São Paulo companies (Goldsztein- in Porto Alegre and Canoas. Regarding gated
-Cyrela, Melnick-Even), and Nex Group is the communities, it operates in Porto Alegre and
result of the merger of local Capa Engenharia, the cities of Eldorado do Sul (on Porto Alegre’s
DHZ Construções, EGL Engenharia, and Metropolitan Region) and Xangri-lá (on the Rio
Lomando, Aita, which occurred in 2011, Grande do Sul’s northern coast).
precisely to gain scale and resist the entry of A major project of the construction
the big players in the local-regional market company is the so-called Health Hub, with
(if we consider the Metropolitan Region). the construction of complexes and residences
Rossi may be an exception, as it acted alone focused on health services. This project is
in the real estate market of Porto Alegre, but carried out in alliance with Hospital Moinhos
its performance was more concentrated in de Vento (one of the main private hospitals
the first half of the period of analysis, and in Porto Alegre) and with Zaffari Group (super
today it carries out a few projects. We can and hypermarkets, shopping centers). Five
also include in this list two other "external" hubs are planned, four in Porto Alegre and
national players: MRV, which is standing out one in Canoas; of these, four are already under
in the production of housing for the middle construction. This project also has the support
class and low-income sectors, and Multiplan of the Porto Alegre City Hall, since converting
Empreendimentos Imobiliários, from Rio de the city into a "national and continental
Janeiro, which is developing a mega-project health center of excellence" is among the
along the Guaíba riverfront. municipality's economic priorities (Melnick
Currently, the main construction Even, 2016). Two recent Melnick projects relate
company in the Porto Alegre real estate to developments started by other construction
market is Melnick Even, founded in 1970. It companies. This is the case of the Supreme
has been operating in both local and regional developments, carried out in the planned
construction markets for over 50 years, in neighborhood Central Parque (a large project
which it calls itself "the leading company initiated by Rossi), and the Pontal megaproject,
in high standards". In 2008, it partnered one of the largest developments underway
with São Paulo’s Even, a company of which in the metropolis, closely related to the
it became a majority shareholder in 2015, issue of restructuring the Guaíba waterfront
through the Melpar investment fund, the (Rodrigues, 2019). This was started in 2006
financial branch of Melnick's partner-owner, by BM Par Empreendimentos, and Melnick
and other big fortunes in RS. In September officially took over the partnership in 2018. The
2020, it became the first developer in southern current configuration of the project includes

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

a shopping center with 25,000 m² of gross may reach 3 billion Reais. It is located in the
leasable area, 160 stores, cinemas, as well as former site of the Jockey Club of Porto Alegre,
an events center, a Health hub, and a hotel adjacent to BarraShoppingSul (which also
under the Hilton chain (Melnick Even, 2018). occupied land belonging to the Jockey) and
Another large construction company facing the Guaíba lake (Zero Hora, 2021). This
operating in the city is Cyrela Goldsztein, the development and the nearby Pontal are the
sector's largest company in market value "engines" of the ongoing restructuring of the
(Exame, 2021). It is, like Melnick, the result of a Guaíba waterfront, indicating the possibility of
merger between a local company (Goldsztein) the configuration of a new "regime of urban
and a national one (Cyrela), an alliance that accumulation" in the metropolis of Porto
began as a joint venture, in 2006, and ended Alegre.5
with the final incorporation of Goldsztein by This urban regime is the result of a broad
Cyrela in 2009. The construction company productive restructuring, which relocated the
operates in the high-standard segment, industry of the metropolitan core, being real
competing in the local market with Melnick, estate capital the current major responsible
both in the residential and commercial area, for urban accumulation, as we will see below.
in which it develops the Medplex product Th e p er form a nc e of th es e large
(a complex of medical offices and health construction and development companies,
services), which competes directly with given the volume, variety, and complexity of
Melnick's Hubs. the capital mobilized, points to the already
Finally, in this section, it is worth recognized process of financialization of
highlighting Multiplan Empreendimentos and real estate production.6 The companies that
its relationship with the Guaíba waterfront. are currently dominant in Porto Alegre’s
The construction company has been active real estate market are capitalized in the
in the Metropolitan Region since 2008, with stock market, besides having relationships
the construction of BarraShoppingSul, a large with investment funds (in the shareholding
shopping center located in the southern composition) and using financial papers (real
zone of Porto Alegre and which significantly estate funds, receivables certificates) that
changed the centralities of this sector of the make the largest projects feasible. Melnick
city. From 2011 on, it also started to develop has its investment fund, the Melpar Fund,
commercial and residential towers adjacent which acquired Even's shareholding control,
to the mall. In 2017, Multiplan opened besides performing other operations in other
ParkShopping in Canoas, the largest shopping investment areas. The Pontal project counts
center in Porto Alegre’s Metropolitan Region on real estate funds to leverage its sub-
outside the capital city. Currently, it is carrying projects, especially the hotel.
out the megaproject of the "planned and N ext , w e w i ll d is c u ss t h e is s u e
private neighborhood" Golden Lake, a set of 18 of population growth in Porto Alegre,
residential towers in an area of 160 thousand demonstrating the gap between this and the
m² and whose General Sales Value (GSV) growth of the local real estate sector.

748 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

The popula on growth Between 1991 and 2000, there was an


increase of 60,874 residences, and between
Real estate needs a buyer's market. At first 2000 and 2010, there was an increase of
sight, it is necessary to examine whether there 66,947 residences. There was no decrease
are customers with the capacity – disposable in the number of vacant houses in this
income – to buy these properties. In a city that 20-year interval because these correspond to
is neither a tourist city nor an important hub practically 10% of the city's house stock.
for global connections, such as Porto Alegre, An interesting analogy, which does
the potential buyer will mostly be a resident. not exhaust the question or all its nuances,
For this reason, it is important to understand but helps to think about the volume of
the population dynamics. new buildings in the city, is to compare the
Porto Alegre is one of the capitals in increase in population with the increase in
the country that historically (since the 1991 the supply of real estate. Between the two
census) has presented very low demographic censuses (from 2002 to 2010), the increase
growth rates, not only in the intercensal of properties for sale was 52,699 units (see
periods but also in population estimates. Let Graphic 1), even though we do not have data
us start with the census data, presented in for 2001. As mentioned above, between 2000
Table 3. and 2010 the population increased by 48,760
Between the last two demographic people, it is possible to figure that the real
censuses (2000 and 2010), the population estate market offered more units than the
increased by only 48,760 people. The aging entire population growth of the city. This is
process is also noticeable, with a decrease equivalent to saying that every new resident
in the number of young people (absolute in the decade had available for purchase a
decrease between 0 and 19 years old), a small newly built property.
increase between 20 and 39 years old (when In addition, changes in reproductive
most people access the real estate market), behavior, combined with the dynamics of
and an increase in the number of elderly demographic transition, have consistently
people (absolute increase in the age brackets caused a decrease in the size of families and,
from 50 onwards). If we remember that all the consequently, a reduction in the average
marketing of real estate companies is focused number of residents per household. This is
on the acquisition of real estate by new – and valid both for the general population and for
young – couples, we can see a contradiction: the population living in subnormal settlements,
the target audience is growing at an ever- as can be seen in Table 4. This could be one
-slower rate. The 20 to 39 age group increased of the reasons for the high number of new
by 24,900 people between 2000 and 2010 (a buildings, since, theoretically, a decrease in the
difference of 24,900 people or 12,450 couples, size of families and an increase, for example,
in a simple mathematical operation). Available of properties with a single resident would
research (Exame Magazine, March 2015) imply the need for more housing. But, again,
indicates that the average age of the first-time if we look at the data on the average number
homebuyer was 33. of inhabitants per household in the last Census

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 749
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Table 3 – Resident popula on in Porto Alegre,


by sex and selected age groups (2000-2010)

Resident popula on (people)


Year
Age group
2000 2010
Total 1,360,590 1,409,351
0 a 19 years 438,794 367,306
20 a 29 years 229,941 248,264
30 a 39 years 208,102 214,679
40 a 49 years 192,396 191,801
50 a 65 years 177,893 239,085
Over 65 113,465 148,216
Source: IBGE’s Demographic Census (2000; 2010).

Table 4 – Occupied private households and average number of residents


in occupied private households in Porto Alegre

Year
1991 2000 2010
Number of occupied private households 380,992 441,866 508,813
Average number of residents in occupied private households 3.29 3.06 2.75
Slums households 33,436 37,480 56,024
Average number of residents in slums households 4.07 3.82 3.44
Non-occupied private households (vacant) 48,598 42,736 48,934
Total of households 430,357 503,536 574,831
Source: IBGE’s Demographic Census (1991; 2000; 2010).

750 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

and multiply it by the number of new units and 2018, is estimated at 66,007 people.
in the period, we get the following result: Despite indicating a small upward curve –
2.75 X 52,699 = 144,922.25. In other words, slightly higher fertility – compared to the
the stock produced for sale in the decade previous decade, the numbers still point to
would be enough for more than 144 thousand continued low population growth, a result of
people. This number was much larger than the both fertility below the replacement rate and
population increase. decreasing migration toward the metropolis.
A s f o r m o r e r e c e n t y e a rs , t h e If th e sur vey in th e next Cen su s
demographic data are estimates, only, but (2022) confirms a slightly larger population
they help to reflect whether the dynamics increase in the city, this time we would have
b et w een po p u la t i on an d rea l e state a larger growth in inhabitants than in real
production remain similar. estate property offers, which, as we have
The population estimates made by IBGE seen, is 52,327 new residential units. Still,
indicate an increase of around 75,000 people the questioning of the relationship between
between 2011 and 2020. Since we have real the reduced population growth and the
estate data until 2018, we can equalize dates: intense construction activity in Porto Alegre
the population increment, between 2011 remains valid.

Table 5 – Popula on es mates in Porto Alegre (2011-2020)

Brazilian Federa on Unit and Municipality


Year
Rio Grande do Sul Porto Alegre
2011 10,733,030 1,413,094
2012 10,768,025 1,416,714
2013 11,164,043 1,467,816
2014 11,207,274 1,472,482
2015 11,247,972 1,476,867
2016 11,286,500 1,481,019
2017 11,322,895 1,484,941
2018 11,329,605 1,479,101
2019 11,377,239 1,483,771
2020 11,422,973 1,488,252
Popula on growth 689,943 75,158
Growth (2011-2020) (%) 6.43% 5.32%
Average annual growth rate (%) 0.64% 0.53%

Source: IBGE’s Popula on Es mate (from 2011 to 2019).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 751
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Urban space as a place differences between accumulation processes


and distinct growth rhythms of different
of capital accumula on cities around the globe, nor is it enough to
Urbanization, I have long argued, has
understand the nuances and even disparities
been a key means for the absorption of of local policies. It is fundamental to add other
capital and labor surpluses throughout explanations.
capitalism’s history. It has a very particular Lefebvre (1976) warned that precisely
function in the dynamics of capital
because construction provides higher than
accumulation because of the long working
periods and turnover times and the long average profits, through space, money
lifetimes of most investments in the built prod uces money ( p. 101 ). Wh ile th is
environment. It also has a geographical phenomenon helps explain why real estate –
specificity such that the production and the production of built environments – is an
of space and of spatial monopolies
integral part of the dynamics of accumulation,
becomes integral to the dynamics of
accumulation, not simply by virtue of it also shows contradictions, since land
the changing patterns of commodity ownership predates the development of
flows over space but also by virtue capitalism. The development of capitalism, it
of the very nature of the created and is true, transforms property, but it does not
produced space and places over which
eliminate it. And it does not eliminate it, as
such movements occur. But precisely
because all of this activity – which, by Harvey (2013, p. 462) reminds us, following
the way, is a hugely important arena the footsteps of Marx, because if the land were
for value and surplus-value production freely available to all, the formation of a class
– is so long-term, it calls for some
possessed only of its labor power, a necessary
combination of finance capital and state
engagements as absolutely fundamental
condition for the development of capitalist
to its functioning. This activity is clearly production, would not be possible. This
speculative in the long term, and always contradiction leads to another: the land cannot
runs the risk of replicating, at a much be freely available, but it can (and should) be
later date and on a magnified scale, the
an exchange value since private ownership of
very overaccumulation conditions that
the land performs a legitimizing function for
it initially helps to relieve. (Harvey, 2014,
pp. 61) private property in general (especially for the
means of production). This means, in practical
Harvey, as he informs above, has terms, that the search for private property
insisted on the importance of understanding (e.g., homeownership) should be stimulated,
that investment in the multiplication of the even for the working classes. The result, clear
built environment goes beyond local effects in today's cities, is the pulverization of private
and is connected to the more general process property, making it possible – in theory – for
of capital accumulation. This is an interesting almost everyone to have access to some
starting point, but it does not explain all the degree of land income.

752 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

So, there is a general interest in the the centrality. In the case of Porto Alegre, an
appreciation of real estate assets. All property example of this process can be seen with the
owners, even those who own only a small piece regionalization employed by the Participatory
of real estate on the outskirts, look favorably Budgeting (PB). The "Central Region" in the
on processes that increase prices because they PB is an area that comprises the Historical
see an increase in the value of their real estate. Center and its adjacent neighborhoods such
Of course, this general appreciation does not as Bom Fim, Cidade Baixa, Menino Deus,
result in equal gains for everyone; indeed, not Independência, Moinhos de Vento, Rio
everyone gains. Branco, Petrópolis, which are middle and
Those who can turn capitalized rent upper-middle-class neighborhoods. If it is
into potential ground rent will win. As Smith remembered that Menino Deus started as a
(2012, p. 11) explains, capitalized land rent is "hamlet" of houses, some of them as second
the amount of land rent that is appropriated summer homes for an elite, and, today, it is
by the landowner, taking into account the a vertical neighborhood, with most of the
present land use. Here it can already be seen land occupied by buildings, it is possible to
that simply spreading ownership does not understand the process. When the land in
result in a gain for everyone. The owner of a this neighborhood is occupied by a house, it
single house (his own) cannot capitalize unless can capitalize a certain amount of land rent.
he sells it. But since this will practically force If the City Plan, as it happened with the 1999
him to buy another one to continue living in Plan, allows higher buildings than before, this
minimal conditions, the appropriation of this means that the allowed use is now different.
income is canceled out by this necessity, which So, the potential land rent is the amount that
means that the initial income ends up in other can be capitalized through better or higher
hands, accumulated by others. land use. In other words, because of location,
The result is that those who hold the neighborhood can now potentially
capital will seek more than one property in capitalize higher amounts of rent with
cities – or at least the constant investment different use of land and space (ibid., p. 118).
in properties – as a way to monetize their Those who can capture these differences will
gains. But in addition to monetizing present obtain much higher rents than others. This is
use, speculation can take another form. the essence of real estate speculation. 7
What is the potential use that a certain Thus, at the same time, the city is formed
portion of land can have? For example, by a dispute over locations (Villaça, 1998)
a middle-class neighborhood was mainly and by a dispute over who can capture more
occupied by houses. With urban growth, this income from the land. These two disputes, of
neighborhood, initially distant from the area course, are intertwined with each other and
considered central, is now considered part of imbricated with urban politics.

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

The poli cal economy and business interests directly linked to local
growth and development. These interests
of the city: the growth machine and businesses are tied to land ownership.
This is because, since land and urban
Homeownership has been lauded
in the US as a tool to build wealth,
improvements (buildings) can be bought and
revive failin g neigh borhoods and sold as commodities, urban space becomes
cities, reduce poverty, and engage an arena, in which this elite of entrepreneurs
the civically disengaged. When the US seek to use local government and other civic
homeownership rate reached 69 percent
institutions to maximize the return on their
in 2006, many celebrated as vast scores
of Americans, including many people
investments. In fact, the author is extremely
of color, achieved the much-celebrated assertive that such growth is the essence of
American Dream – acquiring a home. local government; not just one of the functions
But not everyone was celebrating. After performed by the municipal government,
decades of work to reverse redlining
but the primary one (Molotch, 1976, p. 313).
and disinvestment, some community
organizations found themselves in the Hence, the expression growth machine. Cities
unusual position of questioning whether are designed to maximize profits for this real
the influx of capital their neighborhoods estate elite. So, you don't necessarily have to
experienced since the mid-1990s was be a large landowner, for example, because
beneficial or harmful. While some
the local power coalition includes real estate
celebrated, others began to question
whether their neighborhoods had developers and everyone who, in one way or
increased access to capital or capital had another, owes their fortunes to the growth of a
increased its access to them. The dispute particular area of the city. It involves financial
concerned whether access to capital
institutions, for the obvious reason that real
produced a net benefit for homeowners
estate investments require the advance of
and communities or whether it
facilitated capital accumulation with capital for construction and development; it
little public benefit. Housing, of course, involves the local media, because, as can be
in addition to being “home” is also a easily noticed, the local print newspapers
major component of the US and other
carry a great deal of advertising of real estate
countries’ economies. (Newman, 2012,
p. 219)
launchings and defend hard the "progress"
that would come from these new investments.
The construction and acquisition of real Besides, the growth also interests small
estate are not technical or legislative matters, investors, because the areas in appreciation
only, just as it is not only an economic matter; attract new businesses and services, such as
it is also a political matter. In cities, this is law offices, bakeries, restaurants, bars, etc.,
an essential component in understanding and, on another level, construction material
economic and political disputes. companies, real estate branches, home and/
Molotch (1988) argues that virtually all or office furniture stores, etc. This shortlist
cities in the United States are dominated by a goes to show how the ideology of growth
small elite whose members have professional works.

754 Cad. Metrop., v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022


Porto Alegre as a growth machine

It is interesting to notice that this urban policies. But it is important to remember


growth machine is not necessarily linked to the that there were never any impediments to
process of productive capital accumulation. real estate enterprises. On the contrary, it
As a matter of fact, as many empirical pieces was made regulatory instruments for land
of research in Brazil have already verified, intervention capable of redistributing part of
processes that provoke an increase in the price the gains of real estate capital. For example,
of urban areas may have, as a side effect, the a hypermarket was authorized to be installed
deindustrialization of urban centers. Industry in the South Zone as the initial development
moves to the metropolitan periphery to of a large urban project, in which, some years
escape agglomeration disadvantages, but it later, a shopping center would be built next to
does not necessarily decrease the price of it (BarraShoppingSul). The installation permit
land in the central core of the metropolis. was granted in exchange for the construction
Capital accumulation is contradictory; it of new housing for the families that were
is not a win-win process. These relations precariously (and irregularly) occupying the
ultimately help define different urban forms, area of the development. To this end, the
which are therefore related to different ways law n. 8.093/1997 was proposed, authorizing
in which the various fractions of capital and the exchange of properties between the
the different fractions of rentiers operate and developers and the City Hall. We mean literally.
connect themselves in the cities.
Article 3 - On the area to be transferred
B u t , as st ated , w h at m akes t h e
to the Municipality, the Developers
constitution and development of cities so will implement the housing units
similar to each other is the constitution of a n d re s p e c t iv e u r b an i za t i o n , a s
coalitions – political coalitions – that have a per the approved Urban Feasibility
direct interest in the city as a growth machine. St udy (A dministrative P rocess
n . 2.284147.00.9), to en ab le t he
Looking again at Porto Alegre and
resettlement of the families currently
making a small digression on its recent past, occupying the slums identified as
we will see that one of the marks of the 1990s Campos do Cristal, Estaleiro Só and Foz
in the city was the successive elections of do Arroio Cavalhada (stretch from Av.
Diário de Notícias to the limits of the
center-left governments, led by a coalition
cavalry of Jockey Clube do Rio Grande do
around the Workers' Party (PT). As it is well Sul). (Porto Alegre, 1997)
known, there was an attempt to deepen
forms of democracy that were not purely We are not arguing on the probable
representative, as demonstrated by the improvement in the living conditions of the
constitution of the Participatory Budgeting residents of the occupation who received
(Abers, 1998; Fedozzi, 1997; Tartaruga, 2003). new houses; we are remembering that what
There is no doubt that it was a period in which allowed the developers to accept these
the fractions linked to capital and land rent had conditions was the existence of a potential
to give up some space for the implementation ground rent much higher than the rent to be
of redistributive and democratic public captured with the construction of popular

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

housing. In fact, it was not only higher than the of decision-making power in participatory
income capitalized in the popular subdivision instances, such as the Municipal Council for
but sufficient to cover the resettlement costs. Urban Environmental Development and the
In other words, the dynamics of the growth Participatory Budgeting itself. As mentioned
machine, in which exchange value overrides in the previous paragraph, this shift towards
the use-value of land, has always been ultraliberalism was slow and gradual. It
present in the city, even when the coalition started with the creation of the Municipal
in municipal government formally sought to Secretariat for Political Coordination and Local
emphasize the democratization of the city. Governance, in 2004, in the administration that
As we said, it was a digression, made in succeeded the Workers’ Party governments.
the sense of exemplifying the complexity of Local Governance ended up being a forum
the situation. Research on the dynamics of the above the PB, until then one of the highest
real estate sector at the time of the popular instances of deliberation in Porto Alegre,
administration in Porto Alegre would certainly subordinating it to pre-consensual planning,
bring more examples to reinforce this thesis. neutralizing conflicts, and passing on the idea
But this example is based on data from the last of solidarity around the urban space that is
decade, so let's move on. ideological in the classical sense (by practicing
Nowadays (2020), popular both concealments of interests and lacunar
administration seems more and more like a discourse).
small distant utopia. In a time of ultraliberal An exam ple: by showing the
inflection (Ribeiro, 2020a), the municipal entire proceeding of processing of the
government has been faithfully complying with Complementary Law n. 721/2013, which,
the precepts that indicate the dominance of a according to the amendment, "[…] establishes
coalition dedicated to the growth machine. measures to encourage and support innovation
In Porto Alegre, this inflection was initially and scientific and technological research in the
not radical. The non-re-election of coalitions business, academic and social environment in
around the Workers' Party, in 2004, was the the Municipality of Porto Alegre and makes
mark of the inflection. At first, timidly liberal; other provisions", Siqueira (ibid., pp. 180-182)
gradually, increasingly taking a stance toward reveals that the law has direct repercussion
ultraliberalism, represented by the election of in the urban space, since it lists a series of
the last mayor (2017-2020), Nelson Marchezan incentives in an area that includes several
Jr. and his successor, Sebastião Mello, neighborhoods in the city and totally or
elected in 2020, who, although in partisan partially releases investments in municipal
"opposition" to the previous incumbent, taxes, such as IPTU, ITBI, ISSQN, among others.
expanded the ultraliberal program throughout To be able to approve such a change, it was
2021, now with a looser majority in the necessary to make modifications to the City
municipal legislature. Plan. How to convince CMDUA's councilors
As defined by Siqueira (2019), the linked to the popular representation to
dynamics of democracy in Porto Alegre have constantly approve changes in the City Plan
been experiencing a power shift in the sense that would facilitate entrepreneurs' initiatives?

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Porto Alegre as a growth machine

Through the institution of trade-offs to the to put into practice government proposals)
enterprise, besides the effort of the new needs the participation of various actors,
government structures to approve projects of including the consent of actors that, in
their interest. theory, should present opposition to various
measures of the government in question.
The Municipal Department of Local The practical results are the reinforcement
Solidarity Governance has assigned
of the importance and power of the real
an employee to participate in the
Licensing Office exclusively to follow
estate sector in the production of urban
up on the processing of projects whose space in Porto Alegre and the creation
compensatory measures have the of a dependency of popular sectors in
potential to meet demands through accepting the protagonism of this sector, as
what became known among councilors
a counterpart for the fulfillment of demands
as "social trade-offs" (Ordinary Minute
nº 003/2016). After identifying such
and works in their communities. As a matter
"trade-offs", the official should take of fact, in this sense, the analogy with a
them to the PB councilors, who will "machine" is perfect: like any machine, at the
discuss the allocation through the same time it depends on people who direct it
theme Housing and Organization of the
and put it to work, but also after the machine
City Urban Environmental Development.
Even though it is an action directly is "turned on", it can work with relative
related to the Licensing Office, it is autonomy concerning these same people.
also linked to the CMDUA, because Finally, it should be remembered that
the council must analyze the projects the ultraliberal inflection is largely associated
of great impact on the city after being
with financialization. Financialization means a
processed by the Licensing Office.
The process mentioned above, proposed deep and general spread of the characteristics
by Local Solidarity Governance, leads of interest-bearing capital in the system as a
to a paradox. For any community whole (Fix and Paulani, 2019). The complexity
to have its demands contemplated
here is that, in the city, through rent and
through a compensatory measure or
TCAP, the project must necessarily be
land capitalization, finance has always been
approved in all instances, including present. Interest-bearing capital is an essential
the CMDUA. Therefore, the vote of element in the entire real estate system.
the PB representative in the CMDUA is It appears, for the final consumer of these
compromised. The tendency is that the
goods, as access to credit, and it was exactly
vote is always favorable to the project.
(Ibid., p. 182)
the access to credit that allowed the whole
explosion of real estate investments and
The example brought in the previous the constitution of the Minha Casa Minha
quote is illumin ating in th e prac tical Vida Program. As the data showed, earlier
transformation toward a coalition more in this article, there is no denying that the
explicitly dedicated to the growth machine. intermingling of these elements (the financial
And it is extremely interesting because it and the real estate complex) is one of the main
also shows that any successful government factors responsible for the production of urban
coalition (meaning by this term the ability space in Porto Alegre.

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Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos

Another evidence of this imbrication is same about Porto Alegre? What has been
presented by Melo (2021). The author shows exposed so far shows evidence that yes,
that the coalitions of power present in Brazilian business sectors somehow linked to the real
metropolises conform to an urban-real estate- estate market play a key role in the production
financial complex, that is, a confluence of of space in the city, and the concept of
interests between economic sectors linked to growth machine helps us to understand this
urban accumulation and the financial market process. Moreover, the recent history of this
(ibid., p. 46). Examining the data on electoral metropolis, with the presence of center-left
donations in the municipal elections, it is coalitions governing the city in several periods,
seen that, of the donations from legal entities makes it evident that, certainly, the growth
identified in Porto Alegre, more than 65% machine is much more contradictory than it
come from sectors linked to this association. seems at first sight, and often needs to yield to
The construction sector alone accounted for other actors to continue operating.
more than 45% of the total contributions to
parties and candidates. This information is
also important because it shows the limits of
financialization in Brazilian metropolises. The
Final considera ons
financial sector, by not spending much money
on financing municipal electoral campaigns, This article showed data on the strong
shows that its main activity is not on this scale. investments in housing production by real
In this sense, it is interesting to associate it estate capital in Porto Alegre in the last
with other recent research. Godechot (2015), decade, taking into account the volume of
studying the impact of financialization on the new developments in the city, either by direct
growth of inequality in 18 OECD countries and market construction or through MCMVP.
measuring the role of the various possible forms The data presented reveal a consistent
of financialization, concludes that the role permanence of a high volume of real estate
of financialization of non-financial firms and investments. It was also shown that the
households is marginal next to what he defined proportion of real estate investments focused
as the commodification of financialization, that on the construction of housing units is much
is, the increasing volume (and energy spent) higher than those concentrated in commercial
trading/exchanging financial instruments in real estate. In the same vein, the quantity
financial markets. In other words, the main of developments linked to the PMCMV
volume, including in monetary terms, involved expresses its relevance in the total contingent
in the financialization of the economy concerns of buildings produced for housing in Porto
the transformation of financial instruments into Alegre.
a commodity, traded as if it were a commodity Another aspect is the concentrated
like any other. and pulverized performance of the real
As already exposed, Molotch (1976; estate market in the city, resulting from the
1988) states that the growth machine is the performance of more than 300 companies
essence of American cities. Could we say the active in the construction of properties. All this

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Porto Alegre as a growth machine

shows that there has never been a recession access to local governments and other civil
in housing production in Porto Alegre, with an institutions, aiming to increase the return on
increase of more than 5,000 housing units per investments. This situation finds, in Molotch's
year, even with oscillations of other economic (1976) reflection on the growth machine, a
indicators and a decrease in the pace of coherent and very close representation of
activities in other segments of the economy. what occurs in Porto Alegre.
As a way of contextualizing th is To conclude, this article also indicates
continuous and uninterrupted trend of growth the need to think about the constitution of
of housing production, the rates of growth of an "urban regime" in Porto Alegre, to be
the population living in the metropolis were focused, in strong measure, on the continuous
observed, which could justify this increase, expansion of a complex of actors linked to the
but have been going in the opposite direction, real estate sector, which announces a coalition
presenting smaller and smaller indexes. around the State and real estate sector. Thus,
Thus, the article points to a certain the indicators reveal this real estate promotion
autonomy of the housing production market assisted by a public system that ends up
in the metropolis, which becomes an arena in favoring the maintenance of this idea of a
which an elite of entrepreneurs benefits from growth machine.

[I] https://orcid.org/0000-0001-9223-5154
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia.
Porto Alegre, RS/Brasil.
mario.lahorgue@ufrgs.br

[II] https://orcid.org/0000-0002-3262-768X
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia,
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Porto Alegre, RS/Brasil.
paulo.soares@ufrgs.br

[III] https://orcid.org/0000-0002-2789-3887
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanis-
mo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre, RS/Brasil.
heleniza.campos@ufrgs.br

Transla on: this ar cle was translated from Portuguese to English by Gustavo Suertegaray Saldivar,
gsuerte@gmail.com.

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Notes
(1) On the impacts of the 2014 World Cup in Porto Alegre, see Soares (2015).

(2) On the 4th District, see Almeida & Campos (2022).

(3) Ver caliza on is here understood simply as construc on and predominance of a building typology.
The height of buildings, for example, is not under discussion.

(4) In the period studied, 2009-2020, the Minha Casa Minha Vida Program was divided into three
levels (1, 2 and 3), corresponding to the income profile of those a ended. In 2016, there was a
change in the rules of the Program and in the income brackets. Four levels remained, as follows:
Level 1: income up to R$ 1,800.00; Level 1.5: up to R$ 2,600.00; Level 2: up to R$ 4,000.00; and
Level 3: up to R$ 9,000.00. In August 2020, the Program was formally replaced by another, “Casa
Verde Amarela”.

(5) The Theory of Urban Regimes is later and it can be considered an unfolding or expansion of the
idea of "growth machine" that we work on in this ar cle. For a broad reading of this theory, see
França (2019).

(6) The recent literature on the process of financializa on is quite extensive. We suggest the reading
the various chapters of the book organized by Ribeiro (2020b).

(7) It is worth no ng that other neighborhoods in the central region of Porto Alegre are going through
this process, such as Moinhos de Vento, Rio Branco, and Petrópolis.

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Received: April 5, 2021


Approved: July 3, 2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 763
A regulação do mercado imobiliário
e política habitacional no Rio de Janeiro
Real estate market regulation
and housing policy in Rio de Janeiro

Thêmis Amorim Aragão [I]

Resumo
O problema habitacional no Brasil, nas últimas
duas décadas, tem aumentado. O déficit habitacio- Abstract
nal absoluto no País passou de 5,657 milhões, em The housing problem in Brazil increased in the
2016, para 5,877 milhões em 2019. A pesquisa aqui last two decades. The absolute housing deficit
apresentada tenta problema zar o papel do Estado rose from 5,657 million in 2016 to 5,877 million
não somente como promotor de habitação de inte- in 2019. The research presented here a empts to
resse social, mas também como agente regulador problematize the role of the State not only as a
do mercado imobiliário que envolve tanto o setor promoter of social housing, but also as a regulator
de vendas quanto o setor de aluguéis. Este ar go of the real estate market, including both rental
visa colocar em pauta que, sem o controle do Esta- and sales markets. The article aims to point out
do sob mecanismos de acesso ao mercado formal that, without State control through mechanisms
de imóveis, a produção de novas unidades habita- of access to the formal real estate market, the
cionais para baixa renda é apenas uma medida mi- production of new low-income housing units is
gadora para as restrições que o mercado impõe only a mi ga ng measure for the restric ons that
aos trabalhadores. the market imposes on workers.
Palavras-chave: déficit habitacional; mercado imo- Keywords: housing deficit; real estate; affordability;
biliário; affordabilidade, necessidades habitacio- housing needs; housing demand.
nais; demanda habitacional.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5414 Crea ve Commons Atribu on
Thêmis Amorim Aragão

No Brasil, a maior parte dos diagnósticos destacando o papel mais amplo do Estado na
sobre políticas habitacionais busca analisar os condução de ações que ultrapassam as da
dados o déficit habitacional em comparação produção pública de moradia. Considerando
com a produção habitacional pública, dando a complexidade do campo habitacional, que-
enfoque aos aspectos quantitativos da política. remos ressaltar que o poder público tem pre-
Russo (2014) argumenta que, apesar dos estu- ponderante responsabilidade na regulação do
dos desenvolvidos pela Fundação João Pinheiro mercado imobiliário e do uso do solo, assim
realizarem uma abordagem mais complexa do como essas estratégias podem ser até mais
problema, levantando dimensões qualitativas relevantes do que os tradicionais programas
da habitação e dos aspectos demográficos, de provisão de Habitação de Interesse Social –
existe uma tendência generalizada por parte do HIS. Nesse sentido, para mostrar os efeitos ne-
poder público e dos meios de comunicação em gativos da pouca regulação do mercado imobi-
dar enfoque primordial ao aspecto quantitativo liário e a limitada eficácia dos instrumentos de
da política, o que impede uma compreensão ordenamento do solo na promoção de justiça
mais ampla das questões habitacionais. social, tomaremos o comportamento das com-
Gilbert (2001), analisando o contexto lati- ponentes do déficit habitacional para demons-
no-americano, aponta três questões relevantes trar lacunas da ação do Estado em eixos rele-
ao se considerar o indicador do déficit habita- vantes da política. Somado a isto, propomos
cional como parâmetro de avaliação de políti- enfatizar a importância da desconstrução da
cas públicas habitacionais, especialmente quan- ideia de que cabe ao Estado somente prestar
do se observa apenas o critério quantitativo: assistência à população pobre ou, recobrando
a ideologia difundida mais recentemente, de
Primeiramente, déficits habitacionais que cabe ao poder público “dar condições” pa-
são baseados em um método de análise
ra o mercado resolver o problema habitacional
altamente dúbio do problema habitacio-
nal. Para definir o déficit habitacional,
através do aumento da demanda obtida pela
é necessário classificar todas as mora- política de crédito.
dias tanto as satisfatórias como as não O artigo está dividido em três partes. Na
satisfatórias, usualmente com base em primeira parte será apresentado um panorama
critérios físicos [...]. Em segundo lugar,
dos fundamentos microeconômicos sobre o
os cálculos do déficit habitacional ten-
dem a negligenciar se a população, ou bom funcionamento dos mercados, argumen-
mesmo o governo, pode pagar pelas so- tos amplamente difundidos para a consolida-
luções aparentemente melhores [...]. Em ção de uma lógica, como vamos argumentar,
terceiro, os cálculos do déficit sempre incompatível com a realidade da dinâmica ur-
produzem metas que poucos governos
bana. Com isto, buscamos estabelecer as dis-
nacionais podem atingir. (Ibid., pp. 21-
22; tradução nossa) tinções conceituais necessárias entre a racio-
nalidade microeconômica, os aspectos-chave
Embora grande parte dos estudos sobre das políticas habitacionais e a ação do Estado
o déficit habitacional seja voltada às interven- no setor. Assim, consideramos dispor de uma
ções do Estado, o debate proposto neste arti- melhor leitura dos processos que influenciam
go busca dar enfoque ao mercado imobiliário, no déficit habitacional.

766 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

A segunda seção discorre sobre a pro- apenas autorregulados, mas também são me-
dução capitalista da habitação e apresenta canismos de otimização de recursos por exce-
a hipótese de que a predominância da pro- lência. O arcabouço clássico da economia que
priedade da casa não se dá somente por uma defende essa perspectiva afirma que os pro-
hegemonia da ideologia da casa própria, mas cessos baseados no mercado se colocam como
também por condicionantes do mercado. Para padrão eficiente para alocação de recursos.
embasar a argumentação, apresentamos pes- Essa noção é reforçada pela Lei de Say 1 que
quisa sobre o acesso aos mercados de aluguel anuncia que a oferta cria sua própria deman-
e de vendas na cidade do Rio de Janeiro. da, assim como os interesses econômicos dos
Por fim, a conclusão, que se coloca mais agentes constituem fator determinante para
como provocação a outros debates, sugere manutenção do equilíbrio dos mercados.
uma conexão entre a baixa regulação do mer- De acordo com a perspectiva econômi-
cado imobiliário e a existência e tolerância aos ca clássica, os processos de mercado pressu-
espaços informais como uma condição neces- põem uma perfeita competição entre agentes
sária para a manutenção dos patamares de econômicos quando se observa a existência
preço das habitações formais. Assim, apresen- de certas condições. Para que haja uma verda-
taremos os desafios de desconstrução ideológi- deira competição nas trocas, seria necessário:
ca do papel restrito do Estado ao atendimento (1) a ausência de externalidades; (2) a con-
daqueles que não conseguem sua reprodução sideração de que cada agente é um tomador
social através da esfera do consumo e ressalta- de preços; e (3) que exista isonomia dos ato-
remos a importância de tratar da complexidade res, tanto produtores como consumidores, no
da moradia como um problema amplo que en- acesso à informação. Sob essas circunstâncias,
volve não somente a provisão de habitação so- o ambiente econômico conduz os participan-
cial, o estabelecimento de crédito e a constru- tes, que, por sua vez, são orientados por um
ção da cidade, mas também, e principalmente, interesse próprio, a corrigir eventuais “erros”
a regulação do mercado imobiliário a partir de que ocorram na troca, regulando o comporta-
uma política de publicização de dados do mer- mento entre a oferta e a demanda através da
cado imobiliário, modernização do sistema de precificação. Como consequência das ações
cálculo do IPTU e de controle dos valores e ní- conjuntas dos agentes num ambiente propício
veis de crédito indexado à massa salarial local. à competição, o mercado gera um ótimo de
Pareto2 na alocação dos recursos, promovendo
o bem-estar econômico.
Bases para debate sobre O modelo do equilíbrio geral, como nor-
mativa para a análise econômica, tem sido
o mercado imobiliário associado, a partir da década de 1970, a uma
e a habitação social economia com pouca regulação, flexível e
sem obstáculos impostos pelo Estado. Alguns
O desenvolvimento do capitalismo avançado preceitos econômicos têm assumido que o
(globalizado e financeirizado) no mundo ge- interesse público já é eficientemente repre-
neralizou a ideia de que os mercados não são sentado pelos mecanismos de mercado e que

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Thêmis Amorim Aragão

a interferência de qualquer outra instituição de controle de engenharia (Dixit, 1996). O pen-


contribui para a falsa percepção do sistema de samento normativo coloca-se como um esque-
preços, comprometendo a eficiência do mer- ma simplificado que costuma prescindir de ins-
cado. De acordo com essa perspectiva, o livre- tituições políticas. Adeptos dessa abordagem
-mercado é considerado a perfeita representa- acreditam que políticas produzem bons re-
ção do interesse público. sultados se implementadas de acordo com os
Outro arcabouço teórico que reforça a preceitos econômicos por eles estabelecidos
difusão dos pressupostos do modelo do equi- e sem modificações realizadas por processos
líbrio geral é a corrente teórica walrasiana que políticos. Essa corrente é alinhada à teoria dos
estabelece a necessária relação entre o equilí- interesses públicos que defende que a regula-
brio e a situação social ótima de mercado. Ela ção deve ser estabelecida para proteger o in-
assume que a Lei de Walras3 converge para o teresse público contra as perdas do bem-estar
ótimo de Pareto de forma a dar suporte aos associadas estritamente às falhas de mercado.
fundamentais teoremas da economia do bem- Por outro lado, há a abordagem positiva,
-estar que afirma que, quando a competição é que considera elementos da ciência política de
imperfeita, falhas de mercado acontecem e o forma a avaliar a aplicabilidade limitada das so-
governo deve corrigir essas falhas por meio de luções normativas (McCubbins e Thies, 1996).
regulações. Daí em diante, o mainstream eco- Essa abordagem aponta para as chamadas
nômico tem desenvolvido e adaptado a teoria “falhas de governo”. Tais falhas representam a
do equilíbrio às mudanças ocorridas na eco- forma passiva das ações do governo que evi-
nomia e às demandas teóricas do capitalismo tam a implantação de políticas que devem ser
contemporâneo, apesar de outras abordagens estabelecidas – sob um ângulo normativo – de
mais heterodoxas chamarem a atenção para forma a resolver as falhas de mercado. Em
os limites da teoria do equilíbrio (Buchanan, nossa perspectiva, tanto falhas de mercado
1975; Nozick, 1974). quanto de governo correspondem a leituras do
Infelizmente, o contexto que permite a mesmo fenômeno, mas que continuam a valo-
competição perfeita é dificilmente encontra- rizar e a preservar o dogmatismo econômico
do no mundo real, no qual observamos uma da abordagem do mainstream econômico.
miríade de mercados ineficientes. Essas inefi- É importante ter em mente que, do
ciências, na maior parte do dos casos, são rela- ponto de vista tanto normativo quanto posi-
cionadas a restrições tecnológicas, ausência de tivista, a análise é limitada. Em geral, essas
informações e barreiras estabelecidas contra visões desconsideram que o Estado tem res-
agentes econômicos. ponsabilidade sobre um leque maior de atri-
Na literatura, existem duas principais buições governamentais. Para a perspectiva
correntes de pensamento que tratam do pa- microeconômica, medidas de redução das de-
pel do Estado sob a perspectiva microeconô- sigualdades na distribuição de riquezas ou pa-
mica. Por um lado, encontramos a abordagem ra assegurar a estabilidade econômica não são
normativa, que considera a construção e o consideradas atividades que justifiquem a re-
desenvolvimento de políticas como um pro- gulação econômica. Considera-se que a dimi-
blema técnico, ou mesmo como uma questão nuição da desigualdade diz respeito a políticas

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

sociais, e a estabilidade econômica refere-se mercadológica. Isto, por si só, já estabelece


à macroeconomia. No entanto, o campo das contradições profundas no seio de qualquer
ciên cias sociais aplicadas, como é o caso da política social que já tem sido constituída como
gestão pública, do planejamento urbano e re- sendo aquela direcionada para o contingente
gional e até mesmo da macroeconomia, envol- populacional excluído da esfera do consumo.
ve uma base teórica distinta da microecono- Apesar da grande produção acadêmica
mia (Mueller, 2001). no campo habitacional no Brasil, existe pouca
Considerando a força das crises cíclicas literatura que dê conta de sistematizar fun-
que tem impactado a economia mundial ao damentos conceituais sobre os propósitos, o
longo da história, em especial a partir da se- público-alvo e as metas de uma política habi-
gunda metade do século XX, os pressupostos tacional e sua relação com o mercado imobiliá-
da Teoria do Equilíbrio têm sido questionados rio. Uma das razões para essa lacuna está na
por algumas correntes de pensamento marxis- própria dinâmica e na definição do que seja
tas, neokeynesianas e até mesmo neo-schum- política social e na contínua redefinição do que
peterianas. Essas correntes defendem que a venha a ser “bem-estar” no campo das políti-
análise econômica deve considerar elementos cas públicas. Outra razão repousa no fato de
que não estão incluídos na racionalidade estri- que há uma variedade de interpretações sobre
ta do mercado (Granovetter, 2007). o papel do Estado, uma vez que aspectos rela-
No desenvolvimento dessas críticas, cionados a diversas correntes de pensamentos,
chamamos a atenção para o debate da Esco- valores éticos e a própria filosofia permeiam o
la Francesa da Regulação que coloca a Teoria debate. Lembramos, ainda, que todos esses
do Equilíbrio como questão central. Para os aspectos são historicamente dinâmicos, o que
pensadores dessa corrente, é necessário intro- torna o conteúdo, muitas vezes, ambíguo.
duzir, na análise econômica, o “sujeito” – sua Kemeny (1995) afirma que existem di-
representação e estratégias –, assim como ferentes modelos de regimes de bem-estar –
considerar seus mecanismos sociais de repro- consequentemente regimes de políticas habi-
dução (Boyer, 1990; Lipietz, 1988) Nesse sen- tacionais – e que há uma lista de aspectos que
tido, preocupa-se em elaborar uma economia precisam ser considerados. Tendo em vista as
histórica e institucional de onde deriva o modo transformações nas concepções sobre o Esta-
de regulação, caracterizado pelo o arcabouço do ao longo do tempo, a questão aqui aborda-
institucional que garante a viabilidade de um da exige que estabeleçamos a distinção entre
determinado padrão de crescimento (um regi- dois conceitos fundamentais que balizarão
me de acumulação) em um espaço específico e nossa análise: necessidade habitacional e de-
por um determinado período de tempo. manda habitacional.
No caso da moradia, bem que não só se Definimos necessidade habitacional co-
constitui como fator essencial para reprodução mo o conjunto de características indispensá-
social, mas que tem adquirido grande impor- veis à moradia para que esta seja considerada
tância como mercadoria e ativo financeiro, uma habitação adequada à população. Esta-
o modo de regulação tem levado às políticas belecemos, ainda, como aspecto da necessi-
sociais um predomínio de uma racionalidade dade habitacional, o volume de moradias para

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 769
Thêmis Amorim Aragão

também contemplar o atendimento à popula- Considerando que a moradia é um bem


ção futura. Para integrar essa definição, con- que também é sujeito à lógica de mercado,
ceituamos habitação adequada como sendo devemos distinguir a categoria denominada
os padrões mínimos de qualidade dos domicí- demanda habitacional. Nesse sentido, enten-
lios, que sejam apropriados às necessidades da demos que a demanda habitacional é caracte-
família em determinada sociedade. rizada pela quantidade de famílias que buscam
Nessa perspectiva, a casa não somente comprar ou alugar uma habitação no mercado
precisa ser servida de infraestrutura básica, imobiliário formal. O pressuposto para que um
estar perto de serviços de transporte e equi- indivíduo ou família seja considerado deman-
pamentos sociais, mas também deve com- da é possuir capital necessário para se integrar
preender a segurança da posse, promover a um mercado. Como consequência, todos que
estabilidade para os moradores e conforto não se enquadrarem nesse parâmetro deixam
no dia a dia, além de possuir traços identi- de ser demanda, apesar de continuar possuin-
tários. Assim, o déficit habitacional, mais do do necessidades habitacionais.
que um número que indica a falta de estoque Para qualificar melhor a reflexão que
imobiliário, coloca-se como um indicador que estamos propondo fazer no nosso estudo,
captura processos que influenciam nas neces- buscamos também dialogar com o conceito
sidades habitacionais. de housing stress ou estresse habitacional,
De acordo com a literatura brasileira que ainda não é tão abordado nos estudos
(Azevedo, 2000; Russo, 2014), as necessidades habitacionais brasileiros, mas que compõe fa-
habitacionais podem ser compreendidas em tor relevante na análise das políticas públicas
dois aspectos: o qualitativo e o quantitativo. do setor.
De um lado, para suprir a necessidade qualita- Estresse habitacional é entendido como
tiva, a política habitacional deve prover servi- o potencial que leva uma família a ficar de-
ços básicos para os cidadãos, como: coleta de sabrigada. Os principais fatores que levam à
lixo, drenagem, abastecimento de água e es- condição de desabrigo são a incapacidade de
goto, eletricidade e pavimentação nas vias. Na pagamento do aluguel, das prestações do imó-
escala da edificação, os aspectos construtivos vel ou a insegurança da posse. Burke e Ralston
devem ser regulados de forma a assegurar a (2003) ressaltam que o aumento dos gastos
existência de banheiros, ventilação e ilumina- com habitação pode colocar os moradores em
ção que proporcione salubridade aos ambien- risco de não conseguirem se sustentar no mer-
tes, assim como metragens adequadas aos cô- cado habitacional formal, criando um poten-
modos. De outro lado, o aspecto quantitativo cial perigo de despejo. Os autores argumen-
das necessidades habitacionais relaciona-se tam que existe uma diferença entre o estresse
com a exigência de novas unidades para suprir gerado pelo desemprego (ou imprevistos na
o crescimento populacional e a reposição de vida econômica da família) e o estresse gerado
estoques imobiliários degradados ou atender pelas oscilações do preço da habitação em re-
famílias em situação de coabitação. lação à renda da família. Enquanto o primeiro

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

é considerado momentâneo e friccional, o se- o acesso ao mercado imobiliário, ao mesmo


gundo gera reflexos mais estruturais que po- tempo que este provê moradia àqueles que fi-
dem levar a disjunções sociais. No momento cam fora do mercado.
em que o recurso gasto com a habitação come- É importante notar que a necessidade
ça a comprometer a sobrevivência da família, habitacional expressa pelo déficit habitacio-
ela está sujeita deixar de ser demanda para vi- nal não pode ser tomada como sinônimo de
rar grupo a ser assistido pelo Estado. demanda habitacional, apesar de o grupo que
A Figura 1 sistematiza os diversos as- compõe a demanda fazer parte da população
pectos e processos que consideram o estresse que possui necessidades habitacionais. O im-
habitacional para o dimensionamento das ne- portante é compreender que, seja através de
cessidades habitacionais. Este quadro ilustra moradias formais ou de habitações construí-
os principais fatores que incidem nas formas das em áreas sujeitas a risco ambiental ou sem
de moradia e que ajudam a entender que o propriedade da terra, é sobre a totalidade da
poder público tem papel central na gerência cidade que devemos nos debruçar para cons-
de contextos macroeconômicos que permitam truir a política habitacional.

Figura 1 – Componentes das necessidades habitacionais

Fonte: elaborado pelo autor.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 771
Thêmis Amorim Aragão

A produção capitalista da casa, capital, observa-se que poucos compradores


possuem condições de desembolsar tal volu-
a affordabilidade e o mercado me de recursos para pagar a totalidade do va-
restrito do Rio de Janeiro lor do produto no mercado. Para superar esses
obstáculos, o setor necessitará da existência
Na contemporaneidade, o acesso à moradia de um capital de circulação independente, que
encontra-se submetido à estrutura de uma financie, de um lado, o processo de produção
sociedade capitalista na qual o capital tende e, de outro, o processo de circulação, ou seja,
a penetrar em todos os seus ramos, estabe- o consumo. Com o estabelecimento de um sis-
lecendo limites econômicos ao acesso a bens tema de crédito a ambos os agentes, reduzir-
para os diversos setores que compõem a so- -se-ia o período de rotação do capital compro-
ciedade. Embora percebamos a generalização metido no processo de produção e circulação
e imersão da lógica econômica em diversas do produto imobiliário (ibid., 1982).
dimensões das relações sociais (Granovetter, Para além dos obstáculos à indústria da
2007), no que tange a produção da moradia, construção civil enunciados acima, a produção
a indústria da construção civil apresenta uma capitalista da casa e da cidade envolverá a ar-
série de peculiaridades que torna difícil a ins- ticulação de um maior leque de agentes. Além
tauração, em seu seio, de relações capitalistas da atuação do Estado e de instituições bancá-
plenamente desenvolvidas (Jaramillo, 1982). rias na disponibilização do capital de circulação
Dentro do processo de construção de necessário, também devemos incluir na análi-
um imóvel, o período de rotação do capital é se o proprietário da terra.
excepcionalmente longo. A produção de uma O produto imobiliário, para ser cons-
edificação acarreta investimento de grande so- truído, necessita de um terreno. No entanto,
ma de capital para a manutenção da força de não é qualquer terreno que irá responder às
trabalho necessária ao processo produtivo e necessidades do consumidor e garantir a rea-
para a compra de insumos. Além disso, o pe- lização do lucro por parte do promotor do em-
ríodo em que o produto permanecerá inacaba- preendimento. A terra “urbana” necessária à
do afeta diretamente a taxa de lucro, e o tem- produção deve também estar associada aos
po em que o capital permanece imobilizado no modos de consumo (o uso daquela edificação
ciclo produtivo faz com que investidores ten- em relação a outros usos no interior da cida-
dam a aplicar seu capital em outras atividades de). Destaca-se, assim, que as condições que
econômicas que garantam retornos rápidos e fazem “urbana” a terra necessária à moradia
que se encaixem no curtaprazismo dos merca- e outras funções que compõem a estrutura da
dos financeiros. cidade (inter-relação espacial de funções e da
Externamente ao processo de constru- distribuição da população no território) não
ção, a produção imobiliária, em especial a da são reproduzidas autonomamente pelos ca-
categoria da moradia, enfrenta outro constran- pitais individuais. A terra urbana é síntese do
gimento: o período de circulação configura- acréscimo de infraestrutura urbana, serviços
-se igualmente prolongado. Compreendendo públicos e de usos dados ao solo pelos pro-
que a moradia incorpora grande quantia de prietários. Sendo assim, o espaço geográfico

772 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

coloca-se como uma resultante de processos habitacionais ou ao permitir o zoneamento


sociais, econômicos e políticos que permeiam exclusivo para população de baixa renda nas
a construção das cidades. imediações de setores ocupados predominan-
Ribeiro (1997) chama a atenção para o temente por classes de maior poder aquisitivo.
papel de outro ator que irá exercer a função Dentre a miríade de interesses que or-
de coordenar o processo produtivo e assumir questram a ação social dos agentes envolvidos
as responsabilidades pela comercialização: o na produção do espaço urbano, o papel do
incorporador. O incorporador será definido consumidor se limita a avaliar, dentro de seus
como “o agente que, comprando o terreno e limites e aspirações, qual opção habitacional
detendo o financiamento para a construção e mais adequada, considerando suas disposições
comercialização, decide o processo de produ- econômicas e seu sistema de valores simbó-
ção, no que diz respeito às características ar- licos. Esses limites e aspirações influencia-
quitetônicas, econômico-financeiras e locacio- rão na construção do espaço social da cidade
nais” (ibid.). Os incorporadores serão aqueles (Bourdieu, 2011).
que irão articular o setor produtivo, controlar Recobrando o debate do mainstream
seu ritmo e suas características, fazendo com econômico que afirma que o interesse público
que o recurso para a produção tome forma de já é eficientemente representado pelos me-
capital financeiro através de bancos, fundos canismos de mercado e que o interesse dos
públicos ou particulares. Eles vão atuar como agentes ajusta os “erros” que possam estar
promotores do empreendimento, definindo acontecendo numa dinâmica de oferta e pro-
padrão de construção, localização, público- cura, é importante destacar que o mercado
-alvo, etc. De uma forma geral, analisando o imobiliário é um mercado artificial por exce-
campo econômico do mercado de moradia, lência. Tanto a produção como o consumo são
as construtoras terão sua força de intervenção pautados por uma política de crédito. Assim,
reduzida à condição de prestador de serviços embora princípios econômicos operem na
dentro do processo de produção do espaço ar- análise dos mercados imobiliários, não pode-
ticulado pelos incorporadores. mos considerar a Teoria do Equilíbrio ou ou-
No campo da disputa política, os agentes tro arcabouço que atribua forças invisíveis de
imobiliários influenciam no preço da terra, dis- ajuste de mercado como alicerce de análise do
putando espaços com melhores localizações e setor imobiliário, pois esse campo será neces-
pressionando o Estado por maiores financia- sariamente pautado por dinâmicas políticas.
mentos. Em contrapartida, a depender de ca- Nesses termos, propomos discutir habi-
da contexto, o Estado limita o avanço do setor tação sob a perspectiva da integração das famí-
através de seus regulamentos, favorecendo lias no mercado habitacional, a partir dos mo-
(dentro de uma arena política de negociação dos de regulação estabelecidos (Boyer, 1990),
entre diversos atores sociais) investimentos problematizando a renda familiar e a formação
em determinados eixos da cidade de interes- dos preços dos imóveis. Assim, defende-se que
se do mercado ou, ainda, contribuindo para o mercado imobiliário deve ser estudado sob
maior ou menor segregação residencial na de- uma perspectiva essencialmente do consumo,
terminação da localização de seus conjuntos dado que é a capacidade de compra ou de

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 773
Thêmis Amorim Aragão

pagamento do aluguel que vai construir a de- prover o melhor uso dos recursos. Por outro
manda habitacional. O Estado deve promover lado, sociólogos geralmente têm a preocupa-
políticas públicas necessárias tanto para gerar ção voltada à desigualdade social e às reais
produção e consumo no setor da construção razões para o estresse habitacional (Stone,
civil, materializada na política de crédito, como 1993). Nesse sentido, affordabilidade não é
prestar assistência à parcela excluída da esfera uma mera questão de compra ou aluguel de
do consumo, expressa em programas de habi- uma moradia. Para sobreviver, o habitante pre-
tação social. cisa manter uma renda residual para a compra
Considerando a tendência de deslo- de bens de consumo corrente e também para
camento do debate acerca da formação do manutenção do imóvel ao longo do tempo.
preço e dos termos de entrada do consumi- Tomando a perspectiva das políticas urbanas,
dor no mercado formal para a discussão tri- Maclennan e Williams (1990, p. 9) trazem uma
vial e pouco problematizada da ampliação importante definição de affordabilidade:
do sistema de crédito e financiamento habi-
Affordabilidade preocupa-se com a ga-
tacional, propomos maior reflexão sobre os rantia de um determinado padrão de
níveis de affordability da população. O ter- habitação (ou padrões diferentes) a um
mo affordability, ou affordabilidade no nosso preço ou aluguel que não imponha, aos
olhos de terceiros (geralmente o gover-
neologismo, tem sido utilizado amplamente
no), uma carga excessiva sobre a renda
nos países do norte global desde a década de familiar. (p. 9; tradução nossa)
1970. Seu uso pode ser associado à difusão
das formas neoliberais de política sociais que As diferenças na forma como o termo
preconizam “maior resiliência no mercado pri- tem sido conceitualizado e acionado na lite-
vado e nas organizações não governamentais ratura estão ligadas à natureza do sistema
para prover e gerenciar habitações de baixo habitacional em cada nação (Kemeny, 2006).
custo, e menor resiliência em subsídios para Freeman, Kiddle e Whitehead (2000) destacam
provisão de habitações públicas” (Yates et al., que a onipresença da noção de affordabilidade
2005; tradução nossa). Essas mudanças têm no discurso político indica o sucesso de lobis-
trazido algumas confusões sobre o significado tas representes dos interesses do setor priva-
de habitação social, uma vez que muitos es- do em colocar os debates políticos de fora das
tudos começaram a usar o termo habitação decisões sobre os investimentos habitacionais.
acessível (affordable house) como sinônimo de Esses autores também enfatizam que a noção
habitação social. de affordabilidade é sintomática de uma mu-
No debate internacional, o significado de dança da política social que vai de uma solução
affordabilidade é constantemente discutido. coletiva dos problemas, a partir da promoção
A natureza contestada desse conceito reflete de programas sociais de habitação de interes-
o confronto dos pontos de vista de diferentes se social, para a responsabilidade individual
perspectivas teóricas. Por um lado, autores na contração de linhas de crédito imobiliário
como Quigley e Raphael (2004) focam numa e busca da moradia no mercado. Para eles, o
perspectiva econômica, já apontada acima, debate de affordabilidade é consequência ime-
que privilegia a objetividade do mercado em diata da difusão de políticas sociais que tem

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

como fundamento a promoção do consumo Tendo em vista as massas salariais, os custos


como solução dos problemas sociais, como é em terra e em parte dos insumos necessários
o caso do Brasil em relação a políticas recentes à produção da moradia, além do próprio esta-
de habitação baseadas no crédito. belecimento do que seja adequação, os merca-
A base teórica desenvolvida por Yates et dos imobiliários são constituídos localmente, e
al. (2005, p. 4) reforça a noção de que “affor- o rebatimento na norma federal na realidade
dabilidade significa a capacidade individual de local ou leva à incompatibilidade das políti-
exercer escolha no mercado enquanto habi- cas às peculiaridades locais, ou abre caminho
tação social se refere ao estoque habitacional para arbitrariedades sobre matérias que a lei
construído para indivíduos que não possuem ou programas não versam. Em nossa recente
poder aquisitivo para comprar uma habitação experiência, temos como exemplo o estabele-
e, por isso, estão fora do mercado” (tradução cimento do Programa Minha Casa Minha Vida,
nossa). Nesse sentido, affordabilidade não po- que, por não ter considerado o perfil dos mer-
de ser entendida como uma variável estática. cados imobiliários locais, estabeleceu valores
Ela muda dependendo do contexto econômi- nacionais de crédito ao consumo, o que deve
co, da relação entre preço e renda, assim como ter resultado em mudanças estruturais dos
do arcabouço institucional. preços dos imóveis em áreas sem grande dinâ-
Além disso, habitação social compreen- mica econômica, possivelmente aumentando
de não somente a utilização de um sistema de os problemas de moradia.
subsídios, o engajamento de iniciativas coope- De forma a exemplificar os argumentos
rativadas e a provisão direta de habitações pe- acima, apresentamos, a seguir, a análise do
lo Estado, mas também incorpora as políticas setor habitacional do município do Rio de Ja-
de uso do solo para facilitar a boa localização neiro, com intuito de mostrar os meios pelos
de habitações de baixo custo e a inclusão de quais, em um cenário de baixa regulação do
populações desassistidas ao sistema de opor- setor, o próprio mercado promove a exclusão
tunidades econômicas e sociais oferecidas pe- social. Esperamos que o exposto jogue luz so-
los espaços que propiciam postos de trabalhos, bre as formas institucionalizadas de exclusão e
serviços públicos e diversidade de usos. Nesta aspectos que não estão sendo estudados nem
última concepção, a moradia é dada como um regulados pelo Estado.
direito que envolve fazer parte da cidade.
A política habitacional depende do de-
sempenho do mercado em consonância com O mercado de aluguéis
as massas salariais locais e da performance do do Rio de Janeiro
Estado em garantir o direito à moradia univer-
sal a partir de seus programas e regulações. Uma das principais características do mercado
No caso brasileiro, as políticas habitacio- residencial no Brasil é que o estoque é quase
nais são pautadas principalmente por políticas completamente privado. Considerando os da-
federais. A falta de mediação das políticas lo- dos da Pesquisa Nacional por Amostragem de
cais às normativas federais pode estabelecer Domicílios Contínua – PNADC de 2019, a forma
distorções no alcance dos objetivos da norma. de moradia pelo aluguel representava 18,34%

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 775
Thêmis Amorim Aragão

do estoque habitacional. No caso do Rio de foi realizada pesquisa junto às imobiliárias


Janeiro, esse percentual alcançou 22,17% do afiliadas à Associação dos Dirigentes do Mer-
estoque imobiliário residencial. cado Imobiliário do Rio de Janeiro – Ademi-RJ
O estreito mercado de aluguéis no Brasil e ao Sindicato das Construção Civil do Rio de
é atribuído por vários autores (Bonduki, 1998; Janeiro – Secovi-RJ. Foi encaminhado e-mail
Maricato, 1982; Gilbert, 2001) à generalização para 63 imobiliárias que atuam no município
da ideologia da casa própria. Contudo, como do Rio de Janeiro, consultando quais exigên-
queremos apresentar neste estudo, esse cená- cias o inquilino deveria cumprir para alugar um
rio também pode ser decorrente do estreita- imóvel na cidade. 4 A pesquisa buscou associar
mento do mercado pela influência de barreiras o perfil social da população do município com
legais e extralegais estabelecidas contra a de- as ofertas de imóveis para alugar a partir da
manda. Essas barreiras não são limitadas a res- base de dados do Grupo ZAP Imóveis.
trições econômicas, mas englobam condições De acordo com a Lei do Inquilinato
arbitrárias estabelecidas pela corretagem de (lei n. 8.245/1991), para acessar o mercado
imóveis aos possíveis inquilinos para garantir formal de aluguel, o candidato a inquilino
rendas extraordinárias aos proprietários. precisa preencher alguns requisitos. Estes
A pesquisa descrita a seguir foi realizada incluem uma avaliação da renda e a submis-
no ano de 2014, mas devido à descontinuida- são de garantias para o proprietário, dado o
de de dados, como o do cálculo do déficit habi- risco de inadimplência. Na legislação vigente,
tacional e o da pesquisa censitária, não houve não existe o estabelecimento de percentual
oportunidade de atualização das informações máximo de comprometimento da renda
utilizadas. Contudo, dado que não houve mu- com habitação. Normalmente, os padrões
dança no marco legal referente ao setor de de renda são definidos pela corretagem,
aluguéis e as regras de contração de crédito usando critérios aclamados pelo debate da
também não sofreram grandes alterações, os affordabilidade. Muitas instituições adotam o
resultados alcançados ainda são válidos e po- percentual de trinta por cento da renda como
dem jogar luz sobre gargalos habitacionais ain- limite de comprometimento.
da não muito abordados no campo os estudos Buscando verificar a relação entre o pre-
habitacionais no Brasil. ço dos imóveis e perfil econômico do inquili-
Optamos por iniciar a análise pelo mer- no, o formulário perguntou às empresas qual
cado de aluguéis por ser este o setor que in- o parâmetro de renda de uma família para o
dica de maneira mais imediata os efeitos do aluguel de um imóvel. Nesse sentido, todas as
estresse habitacional que as famílias sofrem empresas responderam que eles requerem a
com o aumento dos valores de locação. É este comprovação de renda de, no mínimo, três ve-
o setor que reflete os potenciais de aumento zes o valor do imóvel, acrescido de eventuais
do déficit habitacional. taxas de condomínio e parcela do IPTU.
Buscando, primeiramente, identificar Aqui vale a pena abrir um parêntese
quais as condições definidas pelo setor priva- para destacar o aspecto relacionado à com-
do para acesso ao mercado formal residencial, provação de renda. A Pnad Contínua de 2020

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

apresentou uma taxa de informalidade no do mesmo percentual para uma família com
mercado de trabalho 5 de 40,6% para o País, renda de 20 salários-mínimos.
percentual este que já indica o grau de estrei- Outro aspecto que temos que conside-
tamento do mercado formal habitacional. rar no mercado residencial de aluguéis é que, à
Dentro de uma perspectiva de estabe- medida que há o crescimento da renda, há uma
lecimento de limites de comprometimento da diminuição da procura por imóveis para alugar,
renda, que, ao fim e ao cabo, é um parâmetro dado que essas famílias tendem a migrar para
de affordabilidade; considerando que as dife- o mercado de vendas, aí sim considerando a
renças de preços no mercado devem ser sen- ideologia da casa própria. Dessa forma, supõe-
síveis à variação nos preços dos insumos e do -se que os preços dos aluguéis tendam a manter
valor marginal da mercadoria; e, ainda, tendo um limite que estabelece níveis mais competi-
em vista que as cestas de consumo também di- tivos de preços para a modalidade de aluguel,
ferem entre os diversos estratos da sociedade, “democratizando” o acesso.
o percentual de comprometimento com habi- De forma a analisar as necessidades
tação não pode ser aplicado linearmente para habitacionais perante os anúncios de imóveis
todas as faixas de renda. Um terço de uma ren- ofertados e as condições de renda estabele-
da familiar que totaliza um salário-mínimo tem cidas para o inquilino pelo mercado para alu-
o efeito bem diferente do comprometimento guéis, apresentamos o Quadro 1.

Quadro 1 – Perfil das necessidades habitacionais e da oferta de imóveis


no Rio de Janeiro entre 2010 e 2013

Limite de Par cipação Par cipação Número de Percentual


Renda em Renda Par cipação
preço do na estrutura no déficit anúncios de de anúncios
salário- líquida no total de
aluguel de renda no habitacional imóveis de 2 por faixa de
-mínimo1 R$ anúncios – %
R$ Brasil2 – % da RMRJ3 – % quartos4 renda – %

Até 1 SM Até 622,00 Até 205,26 19,16 10 0,03

Faixa 1 De 1 a 2 SM 1.244,00 410,52 21,46 68,09 91 0,25 0,97

De 2 a 3 SM 1.726,05 569,60 15,71 250 0,69

De 3 a 4 SM 2.301,40 759,46 827 2,29


18,56
Faixa 2 De 4 a 5 SM 2.643,50 872,36 12,16 471 1,30 4,73

De 5 a 6 SM 2.892,30 954,46 412 1,14


15,37
Faixa 3 De 6 a 10 SM 4.509,50 1.488,14 12,25 2.880 7,96 7,93

A par r de A par r de
Mercado Acima de 10 SM
4.509,50 1.488,14
9,74 7,50 31.230 86,34 86,34

Fonte: IBGE (2011), Fipezap (2012), FJP (2010).


(1) Salário mínimo vigente em 2012; (2) Censo IBGE, 2010; (3) O Déficit Habitacional não é desagregado por município.
Optamos por manter o dado da Região Metropolitana do Rio de Janeiro para oferecer uma noção da problemá ca
habitacional na região; (4) Fipezap (2012).
Nota: como o obje vo de proporcionar uma análise desagregada, levando em consideração as frações que possuem
atendimento diferenciado pelas polí cas públicas, adotou-se a decomposição dos dados pelas faixas salariais dispos-
tas no quadro acima.

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Thêmis Amorim Aragão

O Quadro 1 mostra que as famílias que um imóvel no mercado formal o candidato


possuem renda até três salários-mínimos, limi- também tem que dispor de garantias para o
te historicamente utilizado pelas políticas públi- proprietário em caso de inadimplência. Nes-
cas para beneficiar o estrato de menor renda, se sentido, a Lei de Inquilinato prevê algumas
encontram no mercado menos de 1 % do total possibilidades: a submissão de um fiador; o
de ofertas de imóveis para aluguel, mesmo re- depósito calção ou a aquisição de uma apólice
presentando 56,33% da população do municí- de seguro.
pio e 68,09% do déficit habitacional da Região Por definição, o fiador deve ser um pro-
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ).6 prietário de imóvel que aceita assumir a dívida
Além disso, as famílias que se inserem do inquilino em caso de inadimplência do con-
no intervalo de renda entre 4 e 10 salários-mí- trato de aluguel. A propriedade imobiliária do
nimos, consideradas como estrato do “nicho fiador pode se tornar objeto de disputa, caso
econômico” (Shimbo, 2010), obtiveram apenas o contrato entre em litígio. Em termos legais,
12,66% do total de anúncios de imóveis para não existe nenhuma menção na legislação vi-
aluguel, mesmo representando 33,93% da po- gente referente a um limite necessário de ren-
pulação e 24,41% do déficit habitacional da da que o fiador deve possuir ou o valor máxi-
RMRJ. Por fim, vemos que 86,34% dos anún- mo que se pode exigir para o estabelecimento
cios de imóveis para o aluguel estão direcio- de garantias por seguro ou calção. Na falta de
nados para famílias que recebem mais de 10 regulação quanto ao estabelecimento desses
salários-mínimos e que já são consideradas es- valores, os limites de renda do fiador e dos
trato de entrada do mercado de vendas. mecanismos de garantia do contrato têm sido
Percebe-se que o mercado de aluguel definidos por agente imobiliários.
segue uma suposta irracionalidade se tivermos Para além das restrições de renda que
que considerar a Lei de Say e a Teoria do Equi- são colocadas ao locatário, baseadas em no-
líbrio. Estudos recentes sobre favelas no Rio de ções de affordabilidade, os agentes imobiliá-
Janeiro mostram que o descolamento entre os rios têm sistematicamente estreitado o acesso
preços do mercado formal de aluguéis e a mas- de consumidores ao mercado de aluguéis, a
sa salarial leva grande parte da população a partir de restrições que se dão na definição de
acessar o mercado informal de aluguel em as- regras referentes às garantias contratuais. De
sentamentos ilegais (Abramo, 2002; Baltrusis, forma a explicitar a arbitrariedade dessas bar-
2000; Fernandes, 2008). Como exemplo, hoje, reiras, a pesquisa realizada junto a imobiliárias
já se observa o surgimento de um mercado buscou delinear quais são os requisitos predo-
imobiliário robusto, promovido pela milícia ca- minantes exigidos pelos agentes imobiliários
rioca, cujo objetivo pode ser a lavagem de di- para o estabelecimento do contrato.
nheiro através da atividade imobiliária. No en- De acordo com a pesquisa realizada, to-
tanto, estudos mais detalhados (Araujo e Cor- dos os agentes que responderam ao questio-
tado, 2020) ainda estão sendo desenvolvidos. nário afirmaram que o fiador precisa a com-
Para além das restrições estabelecidas provação de ter pelo menos o mesmo perfil
pelos limites de comprometimento da ren- do candidato a locatário. Porém, em relação
da com os gastos de habitação, para alugar ao caráter do imóvel do fiador, os agentes

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

imobiliários exigiram outras condições para danificado pelo locatário, o proprietário pode
estabelecer o contrato. De acordo com os re- reter esse valor parcial ou totalmente para rea-
sultados, 84,21% das imobiliárias rejeitam fia- lizar os devidos reparos.
dores que não possuem imóveis localizados no O aspecto positivo desse tipo de garantia
município do Rio de Janeiro. Em alguns casos, para o locatário é que o depósito caução ofe-
os constrangimentos contratuais são até maio- rece maior autonomia para o inquilino exercer
res, quando agentes imobiliários solicitam que escolha no mercado imobiliário. A cada finali-
o fiador comprove a propriedade de dois imó- zação de contrato, se o inquilino quiser optar
veis inseridos no território do município do Rio por melhores ofertas, o depósito caução serve
de Janeiro. Dentre todas as respostas, apenas como recurso para cobrir gastos com pinturas,
5,26% dos agentes imobiliários não impuse- mudança ou, até mesmo, servir como valor pa-
ram restrições para além daquelas previstas na ra garantir o novo contrato.
Lei do Inquilinato. É necessário notar que a mobilidade ter-
É importante observar as consequências ritorial é essencial para o acesso a oportunida-
econômicas e sociais desse tipo de compor- des de trabalho. O processo migratório é basi-
tamento do mercado. Implicitamente se es- camente fundamentado na dinâmica do merca-
tabelece um nível de exclusão socioterritorial do de trabalho, assim como, na escala urbana,
à medida que o mercado de aluguéis selecio- a escolha da localização da moradia pelo indiví-
na, na maioria dos casos, famílias que pos- duo leva em consideração o trade-off feito en-
suem vínculos com moradores proprietários tre os custos com habitação e com transporte.
formais do município, rejeitando, inclusive, Consequentemente, podemos inferir que as
consumidores da RMRJ dispostos a morar no barreiras impostas no mercado de aluguéis se
município-polo. constituem, também, como obstáculos coloca-
Para aqueles possíveis consumidores dos ao acesso ao mercado de trabalho.
que possuem poder aquisitivo para pagar em Para apresentar o quão difícil é ocupar
segurança os valores cobrados para aluguel, no o território formal do município do Rio de Ja-
município do Rio de Janeiro, mas que não pos- neiro pelo mercado de aluguéis, o questiona-
suem tal vínculo com a elite proprietária local, mento sobre o depósito caução desvendou
os agentes imobiliários sugerem a adoção de outros impedimentos colocados pelos agentes
alternativas ao fiador. A natural opção tomada imobiliários. Dentre todas as empresas que
pelos candidatos a inquilinos pela Lei do Inqui- participaram da pesquisa, 68,42% afirmaram
linato diz respeito ao depósito caução. que não consideram a opção de depósito cau-
O depósito caução é caracterizado pelo ção válida para o estabelecimento de contrato
depósito de determinado valor no momento de aluguel. Além disso, para aquelas que con-
da assinatura do contrato de aluguel. O pro- sideram o depósito caução uma opção, são es-
prietário deve investir esse valor em uma con- tabelecidos valores muito acima do total refe-
ta e devolvê-lo acrescido de possíveis rentabili- rente a três meses de aluguel, como é aceito
dades, ao final do contrato, caso não tenha ha- tradicionalmente. Em nossa pesquisa, 10,53%
vido inadimplência. Caso o imóvel tenha sido das empresas cobravam depósitos no valor de

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 779
Thêmis Amorim Aragão

12 vezes o aluguel, acrescido de taxas condo- com parcerias exclusivas. Na pesquisa, 60,53%
miniais e impostos, e outros 10,53% colocam das empresas afirmaram que aceitariam so-
a opção para que o proprietário decida se irá mente as apólices da financeira Porto Seguros
aceitar ou não o depósito. como válidas para os contratos.
Considerando todas as dificuldades que Os dados encontrados a partir da pes-
o candidato a inquilino encontra para estabe- quisa indicam que a propriedade imobiliária
lecer um contrato de aluguel no município do tem sido utilizada para gerar renda não so-
Rio de Janeiro, a última “alternativa” colocada mente aos proprietários, mas também para os
seria a aquisição de um título de seguro fiança. agentes imobiliários que fazem a intermedia-
Esse título é uma apólice que substitui a figura ção dos contratos de aluguel. O imóvel entra
do fiador no contrato e custa, ao inquilino, três como meio de ampliar o mercado de seguros
a quatro vezes o valor do aluguel, acrescido de fiança, a partir das arbitrárias barreiras in-
das taxas condominiais e dos impostos. Esse terpostas pelos agentes imobiliários aos con-
valor é cobrado anualmente e não é reembol- sumidores. Em contrapartida, a corretagem
sável ao final do contrato, nem mesmo se o in- passa a receber comissões pelas vendas de
quilino cumprir com todas as suas obrigações. apólices, aproveitando-se do estoque imobiliá-
No caso de atraso no pagamento do aluguel, rio de pequenos proprietários para gerar de-
o seguro paga os meses em débito. Contudo, manda aos seus produtos financeiros e estran-
a depender do desempenho financeiro do in- gulando a demanda por moradia no mercado
quilino no contrato, o agente financeiro pode de aluguéis.
optar por não renovar a apólice, ficando o mo- Importante lembrar que a década de
rador sujeito a despejo por falta de garantias 2000 foi marcada por um período de cresci-
de contrato. mento econômico sustentado. As desigual-
Analisando esse tipo de “solução” para dades sociais caíram sensivelmente. O Índice
o estabelecimento do contrato de aluguel, te- de Gini, 7 que em 2001 foi de 0,596, caiu para
mos que ressaltar que o seguro fiança restrin- 0,531, em 2011, e para 0,518 em 2014 (Ipea-
ge o mercado de aluguéis, ao se colocar como -data). Nesse sentido, a expectativa seria de
um custo a mais para o morador. Ao equivaler que a moradia se tornasse mais acessível no
anualmente aos custos de três a quatro meses mercado de aluguel, devido ao aumento da
em moradia, a capacidade de pagamento do renda da população. Contudo, embora a pro-
indivíduo diminui, pois compromete grande dução de largo estoque imobiliário no sub-
parte da renda com a manutenção da apólice. mercado de vendas promovido pelo Programa
Nesse sentido, a própria garantia pode se co- Minha Casa Minha Vida tenha absorvido parte
locar como um fator de estresse habitacional. das famílias que estavam morando de aluguel
Durante a pesquisa, um importante vín- ou em coabitação, os preços dos aluguéis não
culo entre os agentes imobiliários e o setor fi- se mantiveram estáveis. Mesmo havendo um
nanceiro foi observado. Quando questionados movimento de perda de demanda para o mer-
se o candidato a inquilino poderia escolher, no cado de vendas e uma possível compensação
mercado de seguros, a apólice de sua preferên- desta pela entrada na esfera da locação formal
cia, muitas empresas alegaram que trabalham de um contingente que conseguiu aumento

780 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

de renda, os preços dos aluguéis passaram a affordabilidade no mercado de aluguéis. Como


seguir o ritmo de aumento de preços do mer- podemos ver no Gráfico 2, dentre os quatro
cado de vendas. O Gráfico 1 mostra como os componentes do déficit habitacional, apenas o
aumentos nos valores se desvincularam da ri- ônus excessivo com o aluguel não apresentou
queza real expressa pela produção. queda. A alta dos aluguéis que veio a reboque
Dado que não há qualquer regulação da alta dos preços de compra de imóveis colo-
quanto aos valores praticados pelo mercado, cou uma parcela importante da população em
o aumento de renda da população não refle- estresse habitacional, mesmo num cenário de
tiu numa redução de déficit ou uma melhor aumento real de renda.

Gráfico 1 – Variação do aluguel, venda e PIB no Rio de Janeiro 2010-2013

Preços de venda do Rio de


Janeiro (Anunciado), Valores
nominais, agosto 2010 = 100

Preços do Aluguel do Rio de


Janeiro (Anunciado), Valores
nominais, agosto 2010 = 100

PIB per capita, Valores


nominais, 2010 = 100

Fonte: Fipezap (2012), IBGE (2011).

Gráfico 2 – Comportamento dos componentes do déficit no Brasil 2007-2012

Fonte: Fundação João Pinheiro (2010).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 781
Thêmis Amorim Aragão

O mercado de vendas município na rede de cidades e da participa-


ção das áreas residenciais na economia local.
no Rio de Janeiro Por fim, destacamos que os preços também
reagem às perspectivas de ganhos dos proprie-
Como já abordado anteriormente, grande par- tários, especialmente em um cenário de cres-
te do estoque imobiliário no Brasil é privado. cimento econômico sustentado e com disponi-
No País, uma população de aproximadamente bilidade de crédito. Os ganhos esperados pelo
209 milhões e meio de habitantes ocupa 72,4 proprietário tornam-se sensíveis a narrativas
milhões de domicílios (IBGE, 2020). A Pnad que circulam na mídia e pelos agentes imobi-
Contínua de 2019 mostra que cerca de 72,5% liários. O teor especulativo dessas narrativas
do estoque imobiliário do País é considerado está relacionado à associação do produto imo-
próprio, já quitado ou em processo de quita- biliário ao mercado de terras, que, por essên-
ção. No caso do Rio de Janeiro, os imóveis con- cia, é um mercado especulativo e que imputa,
siderados próprios, quitados ou não, alcançam no preço dos imóveis, expectativas e possibi-
o percentual de 70,3% dos domicílios. Contu- lidades de transformações no espaço urbano
do, é importante observar que parte consi- circundante, mesmo que estas não venham a
derável desses imóveis se encontra em áreas se concretizar.
informais com grande precariedade de infraes- Em 2003, iniciou-se um período cujos
trutura urbana. Na pesquisa censitária, o dado índices econômicos remeteram para o cres-
válido aquele da resposta do entrevistado, e, cimento do setor residencial de imóveis. A
em comunidades, a “propriedade” da moradia queda na taxa de juros, a diminuição do de-
é atestada pelo morador, mesmo não havendo semprego, os aumentos reais na renda do tra-
regularidade fundiária. balhador e o controle da inflação fizeram com
O grande contingente de informalidade que a demanda por moradia aumentasse, sina-
da moradia nos grandes centros urbanos do lizando o início do boom imobiliário brasileiro
País é o indicador da porção da população que da década de 2000.
não conseguiu se inserir no consumo formal É importante considerar que à medida
de moradias, por meio do aluguel ou da com- que há um crescimento econômico sustenta-
pra. Sob uma perspectiva econômica, os pre- do, o mercado imobiliário ajusta sua produção,
ços no mercado imobiliário deveriam ser pre- considerando o ritmo da demanda medido
dominantemente determinados pelos custos pela Velocidade Geral de Vendas – VGV. Man-
de construção, renda per capita, taxa de juros tendo os parâmetros de crescimento, o merca-
e crescimento populacional (Mankiw e Weil, do consegue regular o ritmo da produção e o
1989). Além disso, diferenças regionais e mu- estoque disponibilizado para se aproximar do
danças no contexto econômico local também crescimento da demanda derivado das trans-
podem exercer papel importante no mercado formações mais estruturais da economia.
imobiliário em nível mais desagregado. Estudos como de Royer (2014) e Shimbo
Dust e Maennig (2007) acrescentam que (2010) descrevem como a crise do subprime
os preços também dependem da densidade americano impactou na captura de recursos no
dos aglomerados, da função econômica do mercado de capitais pelas principais empresas

782 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

de construção civil do País. Nesse sentido, O No município do Rio de Janeiro, o boom


Programa Minha Casa Minha Vida, lançado imobiliário foi sentido a partir do volume
em março de 2009, serviu não somente para de imóveis produzidos no período de 2003 e
garantir a compra de um estoque habitacional 2007, sofrendo impacto nos anos de 2008 e
existente, acenando positivamente aos investi- 2009. Porém, com a manutenção do programa
dores internacionais, mas também se prestou de crédito em sua segunda edição, em 2011,
a suprir parte do capital necessário para con- a produção residencial manteve seu ritmo até
cluir os empreendimentos que estavam em 2015, quando do golpe de estado que deses-
plena produção no período da crise. truturou economicamente o País.

Gráfico 3 – Número de unidades residenciais licenciadas no Rio de Janeiro-RJ

Fonte: Ademi-RJ (2019).

Gráfico 4 – Indicadores econômicos e do mercado imobiliário no município do Rio de Janeiro

Fonte: Fipezap (2012), IBGE (2019), FGV (2019).

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Thêmis Amorim Aragão

A experiência recente com o Programa entre renda e preço do imóvel. Considerando


Minha Casa Minha Vida pode ter impacta- que a compra é mediada pelo crédito, a análi-
do profundamente o cenário dos mercados se deve contemplar também a relação entre a
imobiliários em todo o País. No caso do Rio renda e o valor da prestação do financiamen-
de Janeiro, o comportamento dos preços de to imobiliário. O valor da prestação é a real
imóveis residenciais novos que vinha manten- variável considerada pelo comprador. Nesse
do relação com a inflação e os custos da cons- sentido, aspectos como a taxa de juros e o pe-
trução civil passaram a manter associação com ríodo total para quitação do imóvel também
a renda, a partir de 2010, coincidindo com a se colocam como relevantes na avaliação dos
ampliação do crédito, provocada com o lança- níveis de affordabilidade de determinado mer-
mento do Programa Minha Casa Minha Vida 2. cado imobiliário.
Uma conclusão que podemos tirar dessa De forma a medir o grau de affordabi-
experiência é que, caso haja a decisão políti- lidade, proponho a adoção de um índice de
ca de se estabelecer um programa de crédito, affordabilidade. Levando em consideração que
este deve regular a circulação de recursos de o programa Minha Casa Minha Vida adotou
forma adequada para cada território, avalian- parâmetros de crédito diferenciados para fai-
do a estrutura de mercado e controlando o flu- xas de renda distintas, o índice de affordabili-
xo de crédito de acordo com a capacidade de dade construído nesta pesquisa é definido pela
produção imobiliária do setor da construção fórmula a seguir:
civil local.
Minsky (1974) reforça o ponto de vista Renda i
IAi =
de que a excessiva ampliação do crédito é ca- Preço da Casa i X Juros i
paz de alimentar uma euforia especulativa que
pode lentamente levar a uma crise econômica. onde Renda i é o índice da renda per capita
Kindleberger (1978) destaca que a irracionali- nominal, a taxa de juros é a taxa de juros no-
dade de certas expectativas otimistas frequen- minal anual praticada para cada faixa de ren-
temente emerge entre investidores nos está- da definida pelo programa Minha Casa Minha
gios avançados do boom econômico e leva as Vida e o Preço da Casa é o índice do preço do
empresas a um superinvestimento. metro quadrado dos imóveis no Rio de Janeiro.
Dando enfoque ao mercado residencial e O índice de renda per capita foi aproximado do
considerando que o mercado imobiliário brasi- índice do salário-mínimo para a faixa de renda
leiro sofre de graves falhas de mercado (exter- mais baixa (de 0 a 3 salários-mínimos) e do ín-
nalidades e ausência de isonomia de informa- dice nominal do Produto Interno bruto para as
ções), a liberação de grande volume de crédito outras faixas de renda.
contribui para quadros especulativos das cor- O cálculo do Índice de Affordabilidade
retagens e pode gerar profecias autorrealizá- para o período de 2009 a 2012 mostra que o
veis que contribuem para uma crise futura. preço do imóvel em escala ascendente afetou
Diferentemente do mercado de aluguéis, os níveis de affordabilidade que decresceram
o debate acerca da affordabilidade no merca- continuamente durante esses anos. Porém,
do de vendas não se restringe à relação direta em 2011, o lançamento do Programa Minha

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

Quadro 2 – Índice de Affordabilidade

Índice de affordabilidade 2009 2010 2011 2012


Brasil
Affordabilidade entre 0-3 SM 9.37146627 6.20307416 3.98689644 17.70511
Affordabilidade entre 3-6 SM 7.9965435 5.29299801 3.40196399 14.6863682
Affordabilidade entre 6-10 SM 6.82367523 4.51666391 2.90299145 12.2411872
Affordabilidade acima de 10 SM 6.051055729 4.00522598 2.57429713 10.6915693
Rio de Janeiro
Affordabilidade entre 0-3 SM 8.81177312 3.63921053 3.00632146 16.1267094
Affordabilidade entre 3-6 SM 7.51896503 3.10528838 2.56525283 13.3770867
Affordabilidade entre 6-10 SM 6.4161441 2.64982982 2.18900231 11.1498923
Affordabilidade acima de 10 SM 5.68966931 2.34979999 1.94115018 9.73842187

Fonte: calculado a par r de dados do Banco Mundial (2009 a 2012) e IBGE (2009 a 2012).

Casa Minha Vida 2 alterou as taxas de juros, por si sós já estabelecem outro patamar de
impactando diretamente na affordabilidade do acesso ao mercado residencial que, associado
mercado de vendas, mesmo que este não te- às diversas restrições adotadas pelos agentes
nha alterado a tendência de alta do preço dos imobiliários, aumentam o grau de exclusão.
imóveis como mostra o Gráfico 4.
De uma forma geral, o Programa Minha
Casa Minha Vida, ao liberar crédito sem infor-
mações sobre o estoque disponível em cada
Considerações finais
cidade, sobre as projeções de novas unidades, ou regulando os preços
sobre a massa salarial, a base econômica dos e a terra como mecanismos
municípios e até mesmo as necessidades habi- de distribuição de riqueza
tacionais baseadas nos componentes de cresci-
mento demográfico, coabitação e reposição de
social, ou, ainda, equidade
estoque, levou a dois tipos de impactos nega- para o direito à cidade
tivos para as políticas habitacionais. Por um la-
do, a liberação de crédito sem monitoramento Em termos gerais, habitação tem impactado
do estoque gerou uma procura repentina por fortemente o orçamento dos brasileiros. O
unidades habitacionais, influenciando no pro- déficit habitacional entre os anos 2009 e 2015
gressivo aumento do valor das habitações. Por apresentou aumento mesmo em se tratando
outro lado, o aumento do preço no mercado de um período em que houve uma ampla pro-
de venda levou a reboque a elevação de pre- dução imobiliária e que atingiu particularmen-
ços do mercado de aluguel. Esses dois fatores te as famílias de menor renda.

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Thêmis Amorim Aragão

Ao observar os componentes do déficit tradicionais de exploração do trabalho, mais


de maneira desagregada, percebemos que a especificamente ao empobrecimento abso-
única variável que apresentou crescimento luto e relativo devido à regressividade dos
e que foi capaz de manter o ritmo de cresci- salários. O segundo processo é definido pela
mento do déficit habitacional foi a do ônus espoliação urbana que é consequência do pri-
excessivo com aluguel. Em termos de políti- meiro processo. A espoliação urbana só pode
cas públicas, essa componente demonstra o ser entendida quando analisada sob o contra-
nível de estresse habitacional a que a popu- ditório movimento da acumulação do capital.
lação foi submetida pela alta generalizada do Ela é definida como a soma das extorsões
valor dos imóveis. operadas pela ausência ou pelo precário aces-
No jargão econômico, o otimismo gover- so aos bens públicos em razão da dilapidação
na as margens de lucro dos empresários até o das relações de trabalho e da residualização
ponto em que o consumidor rejeita o patamar das políticas sociais.
de preços praticados e há a redução da deman- Se, por um lado, a manutenção de baixos
da, seguida pela queda dos preços. Contudo, níveis salariais proporciona vantagens compa-
em algumas circunstâncias, como é o caso do rativas no mercado para os empresários. Por
mercado imobiliário, em especial o mercado outro lado, a classe trabalhadora, ao se tornar
brasileiro, a queda da demanda não represen- incapaz de acessar o mercado formal e os ser-
ta necessariamente a redução dos preços dos viços urbanos básicos devido a restrições da
imóveis, e sim o crescimento do déficit devido renda, assegura por si, através da constituição
ao empobrecimento relativo. de favelas e das práticas de autoconstrução da
Considerando que morar é uma con- moradia e da infraestrutura urbana, sua repro-
dição da existência humana e direito social, dução social. Essas práticas representam um
supõe-se que a exclusão de grande parcela da trabalho extra que supre as necessidades que
sociedade do mercado residencial deveria ge- o salário não remunera.
rar alguma reação do Estado, coibindo práti- Para Baltrusis (2005, p. 81), a incapaci-
cas especulativas e incentivando a inserção de dade de o mercado imobiliário formal oferecer
uma demanda solvável no mercado formal a produtos condizentes para essa população,
partir do crédito. Porém, como estamos falan- aliada aos ineficazes programas de provisão
do de mercado, sempre haverá os que estarão habitacional, que efetivamente não atendem
“de fora” da esfera de consumo e que serão o às famílias de baixa renda, estimulou a criação
público no qual as políticas de provisão habita- de um mercado informal de moradia. Dentro
cional desmercantilizada irão incidir. de uma perspectiva institucional, a tolerância
O debate sobre o estreitamento do mer- do Estado aos assentamentos informais é fun-
cado imobiliário brasileiro vai ao encontro das cional à manutenção dos preços dos imóveis
reflexões de Kowarick (1993) que apontam em patamares que não se relacionam com a
que a complementaridade dos mercados resi- realidade da massa salarial. Para quem não
denciais formal e informal pode ser entendida consegue morar formalmente, a favela aca-
a partir de dois processos interconectados. ba sendo a solução. Solução esta que não é
O primeiro processo diz respeito às formas combatida de forma mais radical pelo Estado

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A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro

porque, no que diz respeito à habitação, ele amplo acesso à informação pelos comprado-
não tem capacidade para lidar com a magnitu- res mitiga os efeitos da especulação imobiliá-
de do problema. ria e evita que um consumidor, ao questionar,
Mas quais seriam, de fato, as ações re- ao corretor, o preço de um imóvel, ser arguido
gulatórias que o Estado deveria manter para sobre o valor da renda.
disciplinar o mercado imobiliário? A princípio, A regulação de um banco de dados refe-
o Estado deve estabelecer limites às arbitra- rente ao estoque imobiliário, identificando da-
riedades praticadas pelos agentes imobiliá- ta de construção, data da última venda, valor
rios que induzem os inquilinos a se inserir no da venda, unidades vagas, período de vacân-
mercado de seguros e pressionar os gastos cia, unidade com dívida de IPTU e outras infor-
com habitação. mações relevantes, poderia auxiliar o planeja-
O acesso à informação também se co- mento das políticas de crédito, na localização
loca como ponto crucial na correção dos er- das áreas para aplicação dos instrumentos do
ros do mercado imobiliário. É primordial a Estatuto das Cidades, além de subsidiar estu-
construção de uma base geográfica de dados dos urbanos por parte da comunidade acadê-
públicos indicando, mensalmente, o valor de mica. Nesse sentido, regulação do mercado
venda real dos imóveis, de forma a orientar, imobiliário não se trata de controle de preços
ao comprador, o valor do metro quadrado em dos imóveis, mas de estabelecimento de limi-
cada região da cidade. Outra atitude poderia tes para que a oferta e a procura participem de
ser de obrigar as placas de “vende-se” ou “alu- um mercado justo.
ga-se” nos edifícios a expor o valor do imóvel A estratégia de criar bases de dados pú-
no anúncio, assim como o código do consumi- blicas e com atualizações rápidas tanto ajuda
dor exige que os produtos sejam precificados no funcionamento do mercado quanto facilita
nas vitrines das lojas de variedades. O livre e a construção de políticas públicas urbanas.

https://orcid.org/0000-0002-7691-5894
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Urbanismo. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
themisaragao@gmail.com

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Thêmis Amorim Aragão

Notas
(1) A Lei de Say defende que não existem as chamadas crises de "superprodução geral". Essa
perspec va afirma que tudo o que é produzido pode ser consumido, já que a demanda de um
bem é determinada pela oferta de outros bens. É sinte zada pela expressão "a oferta cria sua
própria demanda".

(2) O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais eficiente
possível. Qualquer realocação dos recursos para melhorar a situação de um indivíduo irá
necessariamente piorar as condições de outro indivíduo. No entanto, ao ser eficiente não
necessariamente significa que gere igualdade.

(3) A lei de Walras é uma teoria econômica segundo a qual a existência de excesso de oferta em
um mercado deve ser igualada pelo excesso de demanda em outro mercado para que ele se
equilibre. Essa lei afirma que um mercado examinado deve estar em equilíbrio se todos os
outros mercados es verem em equilíbrio.

(4) Apenas 32 responderam o formulário.

(5) Referente aos trabalhadores sem carteira assinada (empregados do setor privado e trabalhadores
domés cos), sem CNPJ e sem contribuição para a previdência oficial (empregadores e por conta
própria) ou sem remuneração (auxiliam em trabalhos para a família).

(6) Faço ressalva ao uso do dado de déficit habitacional da RMRJ, uma vez que esse dado não é
desagregado por município, e a análise que estamos fazendo recorta apenas o município do Rio
de Janeiro. Contudo, consideramos que, pelo peso demográfico do município-polo, esse dado
serve como referência para comparar o nível de exclusão do mercado imobiliário.

(7) O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado
grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos.
Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa
a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no
extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.

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Texto recebido em 26/mar/2021


Texto aprovado em 1º/jul/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 791
Produção do espaço residencial
em Santos/SP: parâmetros
urbanísticos e a “ordem urbana”
Production of residential space in Santos, state of SP:
urban parameters and the “urban order”
Marina Ferrari de Barros [I]
Flavia da Fonseca Feitosa [II]
Jeroen Johannes Klink [III]

Resumo Abstract
Este ar go está amparado nas teses de Abramo e Based on the theses proposed by Abramo
Villaça a propósito da produção das novas localiza- and Villaça regarding the production of new
ções residenciais para levantar a hipótese de que residential locations, this article raises the
a ação regulatória estatal reforça a “ordem urba- hypothesis that state regulatory ac on reinforces
na” que privilegia a produção de espaço residencial the “urban order” that privileges the produc on of
de alta renda. A metodologia empregada consis u high-income residen al space. The methodology
em analisar a distribuição de índices urbanís cos, adopted in the ar cle consisted of analyzing the
em especial o coeficiente de aproveitamento na distribution of urban indices, particularly floor
legislação urbanís ca da área insular do município area ra o in the urban legisla on of the insular
de Santos no período compreendido entre 1968 e area of the city of Santos in the period between
2018. Conclui-se que há uma combinação de gene- 1968 and 2018. It is concluded that there is a
ralização e focalização na atribuição do aproveita- combination of generalization and focus in the
mento do solo pelo poder local que desencadeia attribution of land use by the local government
uma “ordem urbana” direcionada à maximização that triggers an “urban order” aimed at
dos lucros da produção de novas localizações e o maximizing profits earned with the produc on of
direcionamento da produção residencial pelas ca- new loca ons and at high-income strata direc ng
madas de alta renda. residen al produc on.
Palavras-chave: política urbana; espaço residen- Keywords: urban policy; residential space; real
cial; mercado imobiliário; coeficiente de aproveita- estate market; floor area ra o (FAR); segrega on.
mento; segregação.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5415 Crea ve Commons Atribu on
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

Introdução de unidades habitacionais. Questiona-se o


papel do ente municipal ao implementar a
A prática do planejamento no Brasil está mui- política urbana local, a partir da necessidade
to associada à utilização do instrumento do de exposição clara desse processo e das narra-
zonea mento e, com ele, suposições, repro- tivas a ele subjacentes.
duções e proposições comuns a muitos mu- Parte-se do pressuposto de que, além
nicípios brasileiros. Essa prática é povoada de do preço do solo, do preço máximo por metro
discursos inflamados nas discussões de revisão quadrado de espaço construído que a deman-
da legislação urbanística, especialmente no to- da esteja disposta a pagar, a geração de sobre-
cante à produção do espaço residencial. De um lucros 1 através da verticalização também de-
lado, pelas reivindicações legítimas dos movi- pende da legislação urbanística, a qual define
mentos pelo direito à moradia e, de outro, por o potencial construtivo do solo urbano, basica-
reivindicações legitimadas do setor imobiliário mente a partir dos parâmetros construtivos es-
cujos principais argumentos podem ser resu- tabelecidos nas leis de uso e ocupação do solo,
midos por "a conta não fecha" e "as restrições nas quais se estabelece o zoneamento. Esta
nos impedem de gerar empregos". não é a única atuação do Estado que interfere
A visão de planejamento como prática na geração de renda aos proprietários e lucro
inserida na linearidade do tempo foi contes- aos promotores imobiliários que têm assumi-
tada por Healy (2011), que propõe uma ou- do, com cada vez maior frequência, essa dupla
tra, reflexiva, incorporando como método a função (proprietário e promotor imobiliário).
busca das narrativas de origem, de viagem e Contudo, o estudo preliminar desse processo
de pouso das ideias que circulam pelo mundo pode auxiliar na divulgação de informações
e aportam muitas vezes de forma acrítica em que normalmente se escondem na complexi-
contextos completemente diferentes, cujas dade técnica da lei.
consequências são bastante estudadas. Mari- Embora os desdobramentos do levanta-
cato (2001), Leme (1999), Feldman (2005) en- mento realizado possam ser variados e a inser-
tre outros autores demonstraram, a partir da ção das alterações no contexto histórico em
análise do processo de urbanização brasileiro, que surgiram seja de grande importância para
a matriz estrangeira que fundamentava os mo- a compreensão do papel do instrumento de
delos de cidade e a formação do profissional zoneamento da produção e reprodução da ci-
atuante no planejameno urbano, bem como as dade, essa análise foge ao escopo deste traba-
ideias subjacentes à prátca profissional e seus lho. Considera-se este estudo preliminar, mas
impactos na cidade. um esforço necessário que se justifica em face
O presente estudo tem como objetivo do desenvolvimento desigual da região me-
investigar as possíveis interferências do Estado tropolitana da baixada santista. É importante
na produção do espaço residencial no municí- avaliar, assim, como a atribuição do Estado
pio de Santos/SP, no que tange às suas ações na definição de potencial construtivo na
reguladoras que podem impactar na oferta de cidade interfere na produção imobiliária do
moradias pelo mercado em face da demanda espaço residencial e, por conseguinte, nos

794 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

instrumentos urbanísticos disponíveis, espe- consideradas na análise. Por fim, na última


cialmente aqueles com potencial de atuação parte são apresentadas as análises dos resul-
direta no valor da terra. tados, subdivididos em três períodos (1968-
As proposições teóricas de Villaça (1998) 1998, 1998-2011 e 2011-2018), e a conclusão.
e Abramo (2007) quanto às explicações do pro-
cesso e dinâmica de produção do espaço re-
sidencial urbano fundamentam a análise pro-
posta neste trabalho. Entende-se que há com-
A cidade caleidoscópica
plementaridade nas teorias, e seus conceitos e ordenada pela alta renda
abarcam variáveis que podem auxiliar na ope-
racionalização de levantamento de dados e na O tema da habitação nas cidades é muito es-
análise do processo. Acredita-se que o concei- tudado, bem como os efeitos da produção ca-
to de externalidade de vizinhança em Abramo pitalista do espaço urbano na desigualdade de
(2007) e o modelo de concentração das classes acesso à moradia. O tratamento desse tema
de mais alta renda em setores de círculos apre- em relação à política urbana implementada
sentado por Villaça (1998) estão relacionados nas áreas urbanizadas e urbanizáveis demons-
à ação do Estado na constituição e manuten- tra, para o caso da população de baixo rendi-
ção da segregação, sendo a regulação urbanís- mento, a aceitação da "incapacidade" de pro-
tica, via zoneamento, uma das estratégias para dução da moradia pelo mercado. Essa incapa-
isso. Conclui-se, para o caso de Santos, que há cidade é representada pela consolidação das
uma combinação de generalização e focaliza- Zonas Especiais de Interesse Social no Brasil,
ção na atribuição do aproveitamento do solo do Inclusionary Zoning 2 nos Estados Unidos
pelo poder local, a qual, embora possa parecer e da construção de parques residenciais pú-
uma orientação contraditória de planejamen- blicos de locação social na Europa. Estes últi-
to, desencadeia uma “ordem urbana” direcio- mos, em particular, encontram-se em proces-
nada à maximização dos lucros da produção de so de desmobilização e substituição por polí-
novas localizações, bem como o direcionamen- ticas de controle de valor de aluguéis, como
to da produção do espaço urbano residencial recentemente visto em proeminentes centros
pelas camadas de alta renda. urbanos capitalistas como Berlim. Situadas no
Este artigo está organizado em três par- rol de "boas práticas" de planejamento, es-
tes, além desta introdução. A primeira apre- tão ainda algumas ideias viajantes, 3 como o
senta uma breve síntese das complementari- adensamento ao longo de eixos de transpor-
dades entre as teorias de Abramo (2001; 2007) te (ou transit-oriented development – TOD)
e Villaça (1998), cuja integração oferece po- e o “adensamento em si, vislumbrados como
tencial de explicação das dinâmicas de produ- um meio de reduzir o consumo de terra, de
ção do espaço residencial urbano para o caso modo a promover economias de aglomera-
de estudo em questão. A segunda apresenta ção, melhorar a inclusão social e integração,
a área de estudo e o método utilizado quan- aumentar a biodiversidade e reduzir o consu-
to à escolha e à espacialização das variáveis mo de energia”.4

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Linhas teóricas de análise e explicação mercados fundamentada na lei da oferta e da


do processo de produção do espaço urbano, demanda não parece ser capaz de explicar al-
especialmente do espaço residencial e da for- gumas dinâmicas recentes. A teoria da renda
mação da renda fundiária urbana, ou apro- fundiária urbana, por sua vez, apenas focada
priação de lucro a partir da utilização da terra na oferta e em aspectos macroeconômicos
como mercadoria, tratam, cada uma a sua ma- estruturais para explicar também a dinâmica
neira, mas carregando aspectos em comum, imobiliária intraurbana, deixa de considerar
da construção, destruição e reconstrução de como agente desse processo os compradores
partes da cidade capitalista. de imóveis, exceto no caso de proprietários
Pode-se dizer que, sob o ponto de vis- rentistas, que tratam seu patrimônio imobiliá-
ta da relação da produção desse espaço com rio como ativo financeiro.
aquele que o ocupa e utiliza com alguma preo- É possível inferir que o processo de pro-
cupação mais vinculada ao ser humano como dução do espaço urbano tal como tratam os
sujeito social, estão as abordagens marxistas autores da economia urbana tanto da corren-
e, em alguma medida, a de Abramo (2007). te neoclássica, quanto da denominada Real
Este último, ao abarcar o comportamento Estate Economy7 (Mourouzi-Sivitanidou, 2020)
especulativo das famílias no consumo do bem elimine os conflitos, pois trata a desigualda-
moradia, vincula-o a um processo mais amplo de no acesso à moradia e à cidade como uma
de construção social de desejos e ideias, con- questão simples de escolha racional dos indi-
siderados para a tomada de decisão, os quais, víduos, sem qualquer preocupação com um
ao serem projetados no tempo futuro pelo su- sistema desigual na origem quanto ao acesso
jeito, expõem as concepções de vida e os valo- das famílias às localizações urbanas e suas van-
res sociais que os engendra. tagens e desvantagens. O pressuposto do mer-
Pesquisadores vinculados à sociologia da cado como responsável pelo equilíbrio entre
economia, como apontam Berndt e Boeckler oferta e demanda e seus autoajustes precisa
(2009), têm contestado as práticas calculativas considerar o indivíduo como um ser racional,
conforme projetadas pela teoria econômica ou economicamente guiado, bem como as de-
ortodoxa (neoclássica) como explicação única sigualdades existentes de acesso ao espaço e
válida para as técnicas de precificação, bem ao lugar de moradia como naturais e produto
como a ausência de teorias explicativas sobre de escolhas racionais que não incomodam,
a constituição dos mercados, seu objeto. A pois tomadas a partir de um sistema de “com-
partir de conceitos como embeddedness5 e a pensação” (ganha-se de um lado e perde-se de
teoria da performatividade,6 buscam extrapo- outro) que traz satisfação aos indivíduos.
lar as polaridades existentes em outras teorias Contudo, se há algo em comum entre
(modelo/mercado real, compradores/vende- essas diversas correntes de pensamento é a
dores, vendedores/construtores), propondo necessidade de atuação do Estado, seja pa-
não apenas o estudo do mercado como objeto ra intervir por aqueles que não têm escolha
da economia, mas também tendo como pon- (marxistas), seja para controlar ambientes
to de partida o mercado como uma constru- econômicos de “incerteza radical” (Abramo,
ção social relacional (ibid.). A constituição dos 2007) ou simplesmente para atuar pontual e

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

cirurgicamente para resolver alguma situação participantes, concluiu que é o tempo e a cren-
de “desequilíbrio” do mercado, sem questio- ça que influenciam a equilibração mercantil.
nar muito quem a causou ou quem deve arcar Sua análise se fundamenta na verificação do
com ela, como parecem defender os neoclássi- direcionamento da demanda para o consumo
cos ou os tributários da Real Estate Economy. de novos produtos, a partir da criação e ma-
Entre os modelos econômicos explicati- nutenção de crenças compartilhadas (conven-
vos e a concretude da produção do espaço re- ções urbanas)10 sobre externalidades de vizi-
sidencial existem diferentes métricas que cir- nhança que gerariam vantagens monetárias
culam e transformam a realidade, sobre a qual e sociais (de status – às famílias) aos agentes
deve atuar o Estado, entre outros mecanismos, envolvidos. Similarmente a Abramo (2007),
via regulação urbanística. Villaça (1998) relaciona o preço do solo ao
Embora ainda não testada, a teoria he- valor das localizações. Estas são produzidas
terodoxa proposta por Abramo 8 (2007), mais coletivamente, mas seu domínio pelo proces-
focada na microeconomia, parece apresentar so de segregação empreendido pelo mercado
potencial de explicação sob o ponto de vista imobiliário, em atendimento às camadas de al-
tanto espacial quanto do comportamento dos ta renda, forçosamente se utiliza, entre outros
agentes, especialmente se considerarmos o mecanismos, da ideologia. A descrição do pro-
diálogo que pode ser estabelecido entre esta cesso de convenção urbana de Abramo com-
e a teoria da performatividade, qual seja, a plementa a explicação de Villaça, ao detalhar o
ideia de que a ciência econômica molda a rea- comportamento relacional dos compradores,
lidade mais do que apenas a descreve. Con- apenas abordados superficialmente na obra
tudo, esta é questionável sob o porto de vista deste último.
dos responsáveis pela estruturação espacial Contudo, nem Abramo, nem Villaça ex-
resultante. Seria apenas obra de inovações de plicam especificamente o funcionamento in-
empresários schumpeterianos9 a produção das terno do mercado imobiliário. Para Abramo, os
novas localizações de bairros residenciais? Pa- agentes do mercado imobiliário são movidos
ra Villaça (1998), o processo de estruturação pela maximização de lucros, o que talvez não
do espaço intraurbano, e, dentre seus elemen- explique exatamente a forma urbana constituí-
tos, os bairros residenciais, tem como respon- da a partir de sua produção. Por sua vez, Villa-
sáveis as camadas de mais alta renda, as quais ça entende que a responsabilidade pela estru-
coordenam o Estado e o mercado imobiliário turação do espaço urbano não é de comando
e, no Brasil, respondem por um processo de do mercado imobiliário; esse setor seria muito
segregação gerador de uma estrutura morfo- mais coordenado pelos grupos de alta renda
lógica em setores de círculos, a partir da con- do que o contrário. É possível, entretanto, que
centração das camadas de alta renda em uma se trate do mesmo grupo social e, portanto, de
mesma região. valores partilhados – setor imobiliário e cama-
Abramo (2007), a partir de uma descri- das de alta renda. Nesse aspecto, a teoria da
ção detalhada do processo de produção mer- performatividade traz elementos para o apro-
cantil do espaço residencial e de seus agentes fundamento do tema.

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A dinâmica urbana descrita por Abra- mercado. Abramo (2007) critica, assim, o dis-
mo (2007), em suas palavras, assemelha-se a curso neoliberal urbano que aposta na solução
uma cidade "caleidoscópica", pois o processo do mercado "para descobrir o paraíso da efi-
de produção mercantil do espaço residencial ciência, da criatividade e da felicidade social"
constrói crenças a respeito de localizações (p. 329) e propõe o retorno à política interven-
urbanas e produtos para depois destruí-los cionista no urbano, a partir da regulação e de
ficticiamente dando início a novo processo de procedimentos institucionais que permitam
produção e realização do espaço-moradia em "devolver a visibilidade ao futuro da especula-
busca da lucratividade perdida justamente em ridade urbana mercantil". O deslocamento das
decorrência da criação endógena de demanda camadas de alta renda no espaço intraurbano
que ele mesmo iniciou. Há similaridade tam- é, para Villaça (1998), o processo de estrutu-
bém nesse aspecto com o processo de rees- ração e reestruturação urbana, o qual apenas
truturação descrito por Villaça (1998) em que pode ser verificado, quando analisada a estru-
o abandono das classes de alta renda de deter- tura como um todo e por um longo período de
minadas localizações para a criação de novas é tempo. Sem esses critérios, para o autor, ape-
construído igualmente com a utilização de me- nas é possível a identificação de transforma-
canismos ideológicos similares, com comando ções, que parecem, a princípio, guiadas apenas
do Estado por essas camadas, definindo áreas pelo mercado imobiliário, mas, ao olhar dis-
prioritárias para investimento em infraestrutu- tanciado, são produzidas por este último, sob
ra e utilização da legislação urbanística como a dominação da burguesia. O autor não aponta
garantia de manutenção da segregação e qua- propostas ou estratégias de atuação do Estado,
lidade urbana pelo controle bastante restrito dado que não era este o objetivo de sua tese;
de permissões de uso do solo. apenas se limita a incluir a legislação urbanísti-
A analogia ao caleidoscópio é muito feliz ca como um mecanismo empreendido pelo Es-
também para descrever o processo de estrutu- tado, que sob o domínio das camadas de alta
ração e reestruturação do espaço intraurbano renda, visa a garantir as localizações.
de Villaça (ibid.), posto que o conceito de estru- Das duas teorias brevemente abordadas,
tura pressupõe uma rede de relações, em que depreendem-se os conceitos de “externalida-
a alteração de um elemento da estrutura fatal- de de vizinhança” e “localização” como chaves
mente altera também seus outros elementos. para a interpretação do processo de produção
A partir dessa perspectiva, pode-se in- do espaço residencial urbano. Dentre as pos-
ferir que não haveria relação entre a deman- síveis variáveis derivadas, neste trabalho se
da, criada pelo mercado especulativo da rea- abordou o papel da regulação urbanística, em
lização do espaço moradia e aquela existente especial a definição de potencial construtivo
na cidade, para a qual se desenham políticas (representado pelo coeficiente de aprovei-
públicas de atendimento. Pelo contrário, pa- tamento) e zoneamento do uso residencial,
rece que a dinâmica decorrente do processo como variáveis de levantamento e análise do
mercantil promove, na verdade, a migração papel do Estado na formação das localizações.
de grupos sociais de maior renda de seus anti- Como o Estado participa desse processo por
gos locais de moradia para novos, criados pelo meio da prática do zoneamento no município

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

de Santos? Além da eleição da área insular do A revisão da estimativa de população


município de Santos, como caso de estudo, para os municípios brasileiros do IBGE, com
considerou-se também o tempo, em acordo data-limite em 1º de julho de 2018 (432.957),
com a orientação de Villaça, como um impor- publicada no Diário Oficial de União, em 29 de
tante fator para a análise. agosto de 2018), alterou a previsão de 2017
(434.742 habitantes) para o município de
Santos, evidenciando uma projeção de perda
O município de Santos de 1.785 habitantes. 11 Relevante também se
apresenta o dado referente ao município de
na Região Metropolitana Praia Grande, integrante da RMBS e localizado
da Baixada San sta na periferia do core metropolitano, em que se
observa um acréscimo de mais de 9 mil mora-
O município de Santos, situado no litoral pau- dores na previsão em um ano.
lista, é o polo da Região Metropolitana da Bai- Essas informações corroboram os resul-
xada Santista (RMBS), integrada também pelos tados apresentados por Farias (2018) em estu-
municípios de São Vicente, Guarujá, Cubatão, do demográfico recente sobre essa região, que
Praia Grande, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe e apontou, entre outros aspectos, o processo de
Bertioga (Figura 1). periferização, em que desponta o município

Figura 1 – Município de Santos e Região Metropolitana da Baixada San sta

Fonte: autores, em 2021.

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de Praia Grande como o principal receptor da


Metodologia
população jovem em idade ativa provenien-
te de migração intrametropolitana, paralela- A metodologia da pesquisa consistiu no levan-
mente à perda, pelo município de Santos, do tamento e na espacialização dos coeficientes
grupo social em referência. Acredita-se, assim de aproveitamento14 definidos em quatro leis
como expõe Farias (ibid.) e conforme estudo de zoneamento que disciplinaram e discipli-
realizado sobre os impactos da migração na nam o uso e a ocupação do solo na área insular
RMBS na pendularidade regional com destino do município de Santos ao longo do período
ao município de Santos, que o fenômeno este- compreendido entre abril de 1968 e julho de
ja ligado às dinâmicas urbanas de produção do 2018. Considerando o longo período temporal,
espaço residencial na área insular de Santos, foram levantadas também as alterações das
as quais provocam o "efeito bilhar",12 aponta- referidas leis nesse recorte, que totalizaram
do por Carriço (2011), ou "êmbolo",13 obser- 109 leis municipais ou complementares e, ain-
vado por Meyer (2008), no caso do município da, 17 leis de anistia que regularizaram, ao lon-
de São Paulo. Nesses casos, grupos de renda go do tempo e à revelia do zoneamento, usos
alta substituem aqueles de renda média e es- e construções.
tes últimos os de mais baixa renda, alterando a Os mapas de espacialização de coeficien-
estrutura urbana no âmbito regional. tes foram gerados a partir da interpretação do
Considera-se que, embora dramática, a texto da lei e desenho dos limites das zonas de
previsão de redução de população no polo de sua aplicação no software qgis.
Santos parece ser apenas um desfecho previsí- As alterações no zoneamento foram di-
vel, posto que o município não cresce efetiva- vididas em três períodos – primeiro, de 1968
mente desde a década de 1970. Pode-se inferir a 1997; o segundo, de 1998 a 2011; e o tercei-
que há um deslocamento intraurbano de famí- ro, de 2011 a 2018 –, tiveram seus recortes
lias entre bairros em Santos e uma migração estabelecidos a partir das datas de promulga-
de famílias de média renda a outros municí- ção das leis de zoneamento analisadas, 1968,
pios da RMBS, como Praia Grande, conforme 1998, 2011 e 2018, respectivamente. Ressalta-
demonstrado em Farias (ibid.). Acompanha-se, -se que, embora toda a parte referente ao zo-
portanto, a análise do referido autor de que neamento tenha sido revogada na lei de 1968
as práticas espaciais modeladoras do espaço (Santos, 1968a), esta ainda está vigente, pois
urbano vinculadas à dinâmica imobiliária pa- alguns de seus temas ainda não foram extintos
recem exercer protagonismo na configuração ou incorporados a outras leis complementares
da ocupação do espaço da RMBS, apoiado pela que a sucederam.
ação direta ou indireta no processo de coorde- A compilação das alterações teve, co-
nação do planejamento da ocupação em cada mo guia orientador, o levantamento do con-
município, especialmente no de Santos, consti- teúdo de cada um dos artigos alterados, os
tuindo novas localizações e convertendo anti- quais foram classificados, considerando-se os
gas, conforme o interesse do mercado. seguintes critérios: o local da cidade afetado

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

pelas alterações, o tema da alteração e a do tempo, como uma subzona caracteristica-


quantidade de alterações efetuadas no perío- mente diferente nos diversos zoneamentos
do considerado. abordados e, também, por se tratar de área de
Para que fosse possível realizar uma ava- monopólio da terra, posta a irreprodutibilida-
liação comparativa das alterações, levando em de da orla da praia e sua vista. A categoria “to-
consideração as diversas denominações que as da a cidade” foi criada para os casos em que
áreas da cidade receberam no período pelas as alterações efetuadas no zoneamento não
diferentes leis, consideraram-se recortes mais correspondiam a uma área específica.
abrangentes, mas que guardassem, contudo, Dentro da categoria “tema da alteração”,
a apreensão mais específica da atuação do foram definidas seis subcategorias de classi-
Estado no território. Sendo assim, às divisões ficação dos artigos, a partir da análise de seu
gerais da cidade como “zona leste”, “zona no- conteúdo, quais sejam: “uso”, “construtivas”,
roeste”, “centro”, “morros” e “toda a cidade”, “sistema de planejamento”, “paisagem”, “li-
acrescentou-se apenas a subdivisão “zona les- mites zonas” e “mobilidade”, sintetizadas no
te orla”, pois essa área permaneceu, ao longo Quadro 1.

Quadro 1 – Subcategorias de classificação

Tema das alterações Subtemas

– criação de novas categorias de uso


– novas delimitações de zonas que interferiam apenas nos usos permi dos
Uso
– novas permissões ou proibições de usos
– alterações na regulamentação da tolerância aos usos desconformes
– alterações de densidades
– alterações de coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação, gabarito edilício,
Constru vas recuos, afastamento entre edi cios
e de ocupação – alteração na definição de áreas computáveis no aproveitamento dos lotes
– alterações de parâmetros de parcelamento do solo
– alterações de dimensões mínimas de compar mentação de ambientes e afins
– regulamentações de processos de licenciamento de edificações e a vidades
– alterações da estrutura administra va, dos órgãos responsáveis pelo planejamento
municipal
Sistema de
– cons tuição e alterações dos representantes do conselho atuante como instância de
planejamento
par cipação no sistema de planejamento
– alterações que não interferiam na prá ca da coordenação espacial, mas apenas no
expediente administra vo
– cuidado com a composição do espaço público ou da face pública das edificações, como a
disciplina de colocação de anúncios,
Paisagem
– definição de níveis de proteção cultural e composição “esté ca” da paisagem no entorno
de lugares públicos de destaque
– alterações dos limites das zonas, as quais acabaram por alterar tanto parâmetros
Limite zonas
constru vos quanto de uso de partes do território
– alterações que impactaram na circulação urbana, seja de pedestres, seja de veículos, de
Mobilidade
passageiros ou de carga

Fonte: autores, em 2021.

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A intensidade das alterações em relação aquela que a substituiu nesse assunto, de 1998,
a cada uma das subcategorias enunciadas é e o segundo período, bem menor, de 13 anos e
apresentada a partir da soma da quantidade entre a penúltima e a última, menor ainda, de
de vezes que os artigos, agrupados por temas, apenas 7 anos).
foram alterados ao logo do tempo. É importan-
te, contudo, ressaltar, como será demonstrado
adiante, que a lei de 1968 (ibid.) é muito mais
abrangente quanto aos temas tratados. Trata-
Análise – 1° Período:
-se do modelo de plano que cobre fisicamente 1968 a 1998
todo o território do município e incorpora, além
da divisão da cidade por funções, também por Em 16 de abril de 1968, foi promulgada a
classes, como se verá, constituindo-se no zo- lei n. 3.529, instituindo o plano diretor físi-
neamento propriamente dito. Estava presente, co do município de Santos (Santos, 1968a),
ainda, nessa lei a regulamentação de assuntos estruturado em 17 capítulos e 406 artigos,
atualmente incluídos em leis específicas (Qua- abordando desde a regulamentação da “co-
dro 2), como o Plano Municipal de Mobilidade locação de estátuas, hermas e quaisquer ou-
e Acessibilidade Urbanas (Santos, 2019), leis de tros monumentos nos logradouros públicos”,
uso e ocupação do solo da área insular (Santos, até a definição de densidades residenciais lí-
2018a) e da área continental (Santos, 2011c), quidas por zonas, disciplina da circulação de
diretrizes e sistema de planejamento presentes veículos, cargas e pessoas, bem como a espe-
nos planos diretores (Santos, 1998b) e até mes- cificação de áreas de renovação urbanística
mo a estrutura administrativa do planejamento da cidade. Observam-se preocupação com a
urbano municipal e a composição de conselhos expansão urbana e a necessidade de lhe im-
(Santos, 1999). Sendo assim, é necessário re- por limites e organização.
lativizar, na análise comparativa, as alterações Cabe ressaltar que se considerava en-
relacionadas às subcategorias “mobilidade” e tão, como área urbana, todo o território insu-
“sistema de planejamento”, posto que o pla- lar, embora os morros situados na ilha fossem
no diretor físico (Santos, 1968a) é muito mais objeto de lei específica, promulgada no mes-
abrangente do que as leis de uso e ocupação mo dia, pela lei n. 3.533 (Santos, 1968b), a
do solo do período, as quais se referem espe- qual, por sua vez, reportava a regulamentação
cificamente à atividade do zoneamento, não da ocupação a leis específicas a serem edita-
incluindo objetivamente parâmetros de regula- das posteriormente.15
ção da circulação, como dimensionamento de No que se trata propriamente da pro-
vias, localização de pontos de parada de trans- dução do espaço residencial, observa-se que
porte fretado intermunicipal, entre outros, apenas algumas zonas definidas podiam re-
como havia anteriormente. Por esse mesmo ceber esse uso, com especificação daquelas
motivo, também, a quantidade de alterações onde seriam permitidas as moradias econô-
efetuadas é maior, assim como o período de micas, ou seja, apenas nas áreas de interface
vigência da referida lei é maior (em relação direta com o porto organizado ou com zonas
ao zoneamento, 30 anos entre a primeira lei e industriais, tanto na zona leste quanto na zona

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Quadro 2 – Evolução das principais leis urbanís cas – 1968 a 2018

Fonte: autores, em 2021.

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noroeste. Nos morros, seria permitida apenas densidade residencial líquida, o coeficiente de
a permanência das moradias econômicas exis- aproveitamento e o gabarito das edificações,
tentes, de acordo com a lei de morros (ibid.) este último também limitado originalmente à
(Figura 2). largura da via. As maiores densidades líquidas,
Sob o ponto de vista do valor da terra, de 1200 hab/ha e gabarito de 14 pavimentos,
entende-se que as moradias econômicas po- estavam definidas para as quadras situadas em
deriam ser viabilizadas nas áreas mais degra- frente à praia, na área estabelecida como zo-
dadas da cidade, pois sujeitas aos inconvenien- na turística, a qual recebeu, durante bastante
tes dos usos mais impactantes, mas também tempo, primordialmente as maiores densida-
estariam concorrendo em desigualdade de des flutuantes da cidade em decorrência do
condições de acesso com atividades econô- uso de veraneio. Pode-se aventar se, nesse ca-
micas que se beneficiavam principalmente da so, o maior aproveitamento dos lotes urbanos
proximidade com o porto organizado e da in- pode ter iniciado um movimento especulativo
fraestrutura de acesso de veículos de carga. A para captar as rendas derivadas do monopólio
essas áreas eram estabelecidas as mais baixas da vista ao mar.
densidades líquidas da cidade (200 hab/ha) e Os coeficientes de aproveitamento varia-
gabarito (3 pavimentos). Se, segundo Topalov vam de 3 a 6 vezes a área do terreno, os gabari-
(1984), o montante do lucro das atividades tos de 3 a 14 pavimentos e as densidades resi-
econômicas pode ser modulado segundo sua denciais líquidas de 200 hab/ha, na zona noro-
localização na estrutura urbana, é de se espe- este e na interface com o porto na zona leste, a
rar que as áreas adjacentes ao porto organi- 1200 hab/ha, na zona turística, e 1000 hab/ha,
zado o requeiram à cidade. A pressão nessas na leste em geral. Esse período deu continuida-
áreas específicas de permissão da construção de ao processo de cristalização dos estoques
de moradias econômicas é esperada e, como residenciais, iniciado na década de 1950.
se verá adiante, contemplada com alterações A partir de 1970, têm início o aumento
de zoneamento. Mas cabe, contudo, questio- generalizado das densidades residenciais lí-
nar se essa disciplina de zoneamento empre- quidas, até esta ser extinta como parâmetro
endida pelo Estado não acabou por manter na década de 1980. A manutenção do alto
baixos os preços da terra, quando as ativida- coeficiente de aproveitamento na maior zona
des retroportuárias não eram permitidas, para da região leste da cidade assegura desde já di-
depois liberar tais atividades. Se as atividades retriz generalista de distribuição de índices de
retroportuárias pudessem se instalar desde o aproveitamento generosos na maior porção
início, talvez houvesse a caracterização nessa urbanizada da área insular. Embora o aprovei-
área de renda de monopólio, pela proximidade tamento do solo bruto 16 fosse equivalente ao
à área irreprodutível de acesso às águas do ca- líquido originalmente, ou seja, todas as áreas
nal do Estuário e às vias perimetrais de circula- construídas do edifício entravam no cômputo
ção e acesso de veículos de carga. do coeficiente-limite, este permaneceu de fato
O plano diretor físico (Santos, 1968a), gratuito durante os 30 primeiros anos da apli-
originalmente definia três critérios de ocupa- cação da lei e, na prática, até os dias de hoje,
ção por zona no que tange ao uso residencial: a como se verá a seguir.

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

Figura 2 – Espacialização de coeficientes de aproveitamento 1968


(lei municipal n 3.529)

Fonte: autores, em 2021.

A análise das alterações realizadas no liberação estaria ligada à incorporação da dis-


plano diretor físico de 1968 a 1998 ocorreu em seminação dessa nova modalidade de circular
todas as áreas da cidade, com ligeira vantagem na cidade, inclusive com exigências legais de
para o Centro (Gráfico 2) e se concentrou nas oferta de vagas mínimas, mas ela constituiu-se
alterações construtivas (Gráfico 1). Todas elas, em um privilégio de poucos à época e ainda
ainda que não tenham alterado especificamen- hoje; embora a taxa de motorização na cidade
te o coeficiente de aproveitamento, ampliaram tenha aumentado muito (EMTU, 2013), tam-
o aproveitamento dos lotes a partir de redução bém se reduziu a taxa de ocupação por veículo,
de recuos, do aumento de taxas de ocupação, ou seja, a posse de veículos ainda é um privilé-
mas principalmente das áreas não computá- gio concentrado em alguns grupos sociais.
veis no cálculo do coeficiente de aproveita- Cabe ressaltar uma curiosa tentativa de
mento. A primeira vez que isso ocorreu foi no captar a “mais-valia” 17 urbana ocorrida em
ano de 1976 (Santos, 1976), quando se passou 1996 com a delimitação das Zonas Especiais
a permitir a construção de 4 pavimentos, onde de Desenvolvimento Econômico – Zede pe-
havia limitação de 3, para abrigo exclusivo de la lei complementar n. 213, de 17 de abril de
garagem de automóveis no pavimento térreo, 1996 (Santos, 1996). Essa lei criava a possibi-
sem que esse adicional fosse computado como lidade de alterações de índices, por iniciativa
área construída. Entende-se que essa primeira dos proprietários, para os imóveis inseridos

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Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

Gráfico 1 – Alterações da lei n. 3529 no período de 1968 a 1998 – po alteração


4 ar gos alterados de 1968 a 1998 - conteúdo

Limites zonas

Uso

Sistema planejamento

Mobilidade

Constru vas

Fonte: autores, em 2021.

Gráfico 2 – Alterações da lei n. 3.529 no período de 1968 a 1998 – região alteração

toda a cidade
centro
zona noroeste
zona leste - orla
zona leste

Fonte: autores, em 2021.

dentro dos limites das Zedes (eixos sombrea- Não se tem notícia da efetividade dessa
dos na Figura 3), desde que fosse efetuado o lei, mas serão encontradas similaridades em
pagamento de contrapartida financeira à pre- relação às áreas de majoração de índices me-
feitura, com fatores de planejamento diferen- diante contrapartidas, assim como em relação
tes de acordo com o uso pretendido, vinculado à estratégia, questionável, de tentar promover
ao coeficiente máximo de aproveitamento da o resgate de contrapartidas, sem, contudo,
ordem de 7,5 vezes a área da quadra, para fi- adaptar os índices de outras zonas urbanas
nanciar a construção de habitação de interesse também de interesse do mercado imobiliário,
social. Os valores recolhidos seriam destinados inviabilizando sua aplicação por concorrência
ao Fincohap (Fundo de Incentivo à Construção com outras localizações urbanas, dotadas de
de Habitação Popular). altos índices de aproveitamento.

806 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

Figura 3 –Delimitação da Zona Especial de Interesse Econômico em 1996 –


lei complementar n. 213

Fonte: Santos (1996).

Análise – 2° Período: não computáveis no cálculo do Coeficiente de


1998 a 2011 Aproveitamento (CA), as caixas de escadas, po-
ços de elevadores e circulações ampliando, so-
Embora a lei complementar n. 312, de 23 bremaneira, o direito de construir nos lotes ur-
de novembro de 1998 (Santos, 1998a), que banos. Eliminou, também, o gabarito máximo
substituiu a parte referente ao zoneamento18 como condicionante da ocupação, deixando
disciplinada no plano diretor físico de 1968, apenas o CA (Coeficiente de Aproveitamento)
tenha apenas incorporado as diversas amplia- e a TO (Taxa de Ocupação) regularem a altura
ções de potencial construtivo que ocorreram dos edifícios, além de criar a figura do “emba-
entre 1968 e 1998, ela liberou, ainda, outras samento”, mais um modo de ampliar a área
condicionantes, como o acréscimo de áreas construída.

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Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

Além de tornar os parâmetros constru- ou onerosa (Corredores de Renovação e De-


tivos menos inteligíveis à população em geral senvolvimento Urbano – CDRU). A despeito
(o controle por gabarito era facilmente assi- dessas novas diretrizes, as quais, em tese, po-
milável), também transformou a construção deriam trazer benefícios a outras áreas da ci-
verticalizada em um “nicho para entendidos”, dade com o direcionamento de investimentos
muito ligada a um tipo específico de projeto. A em espaços e equipamentos públicos de uso
justificativa para a liberação do potencial cons- coletivo (alguns casos de Nides), o aproveita-
trutivo à época estava associada ao discurso mento da terra urbanizada continuou a ser in-
de que o mercado imobiliário não conseguiria distintamente distribuído na zona leste a altos
produzir unidades residenciais mais baratas índices (Figura 4), não apenas inviabilizando
com os coeficientes vigentes, ou seja, que o as intervenções estratégicas ou tecnicamente
aumento dos índices viabilizaria esse produto. justificáveis (como o adensamento ao longo
Ressalta-se, também, a criação de subzo- de eixos de transporte coletivo – CDRU), co-
nas sobrepostas ao zoneamento “comum” mo também atribuindo o direito de escolha
com usos e índices específicos de ocupação livre ao mercado imobiliário quanto ao que
de forma não onerosa (Nides – Núcleos de construir e onde construir. Para este último as-
Intervenção e Desenvolvimento Estratégico) pecto, caberia uma análise mais aprofundada,

Figura 4 – Espacialização coeficientes de aproveitamento 1998


Lei complementar n. 312

Fonte: autores, em 2021,

808 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

contudo, parece possível que a expansão de Ainda que tenham se viabilizado a con-
construções nos padrões daquelas tradicional- solidação e a ampliação dos índices urbanísti-
mente realizadas na zona da orla (extensa faixa cos com a promulgação da lei complementar
de terra situada abaixo da antiga linha férrea n. 312, de novembro de 1998 (Santos, 1998a),
que atravessava a cidade) para áreas situadas algumas alterações a ela ainda foram realiza-
na zona intermediária (situada acima da antiga das entre 1998 e 2011. A maioria concentrada
linha férrea) possa ter se beneficiado do deno- nos parâmetros construtivos (Gráfico 3). Entre
minado mark up19 urbano, nos termos aborda- estas se destaca a inclusão da expressão “áreas
dos por Abramo (2007), maximizando os lucros computáveis” no cálculo da área construída
na realização ou se apropriando de sobrelu- adicional para efeitos do cálculo da outorga
cros, em decorrência da aplicação dos mesmos onerosa em CDRU, inviabilizando qualquer res-
parâmetros para a construção em terras mais gate de contrapartida financeira.
baratas, sem que isto tivesse impacto na redu- Desde o início da vigência da lei de Zeis
ção do preço dos apartamentos. (Santos, 1992), garantiu-se a proibição da de-
Como apontado por Carriço e Barros marcação de Zeis na região próxima à orla da
(2015), ao avaliar a produção imobiliária do praia, institucionalizando a segregação das ca-
período mais recente da área insular de San- madas de alta renda, historicamente ali loca-
tos (2005 a 2014), observou-se que esta se lizadas desde a primeira metade do início do
concentra onde há estoque de moradias século XX, com a abertura de duas importantes
desocupadas e onde residem as famílias com ligações viárias entre o centro e a praia. Embo-
maior rendimento. É possível inferir, portan- ra as permissões de construção de habitações
to, que a justificativa apresentada pelo setor econômicas tenham sempre definido essa
para a ampliação dos índices não se cumpriu região como uma área de exclusão, entende-
na prática. -se que a definição expressa no texto da lei da

Gráfico 3 – Alterações da lei complementar n. 312 no período de 1998 a 2011 –


po alterações

4 ar gos mais alterados no período de 1998 a 2011 - conteúdo

Limites zonas
Paisagem
Mobilidade
Sistema planejamento
Uso
Constru vas

Fonte: autores, em 2021.

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Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

proibição é incomum. Além disso, a existência não computáveis, haveria de fato uma redução
dessa demanda tão específica, na década de do aproveitamento, ainda que pequena, mas
1990, pode significar um movimento de defesa desvinculada da justificativa utilizada para es-
do território ameaçado por políticas progres- sa alteração, o “congestionamento” provocado
sistas. Afinal, o Banco Nacional de Habitação – por veículos, posto que nenhuma restrição na
BNH já havia financiado um conjunto expressi- oferta de vagas de veículos a acompanhou.
vo de unidades no bairro da Aparecida, a duas Em verdade, observa-se o contrário na
quadras da praia, no final da década de 1960, modelagem dos empreendimentos, ou seja, a
ao lado de terreno onde seria construído, pos- ampliação do número de vagas ofertadas por
teriormente, um shopping center e diversos unidade com a construção de embasamentos
outros edifícios de alto padrão. cada vez maiores, “estimulados” pela não inclu-
Com isso se garantiu, ao mercado imo- são da área construída de garagens no cômpu-
biliário, a possibilidade de constituição de zo- to do coeficiente máximo de aproveitamento.
nas homogêneas de concentração das famílias Nos sete anos decorridos entre a pro-
de maior poder aquisitivo próximo à principal mulgação da lei complementar n. 730, de 11
amenidade da área insular, a praia. de julho de 2011 (Santos, 2011a) e a atualmen-
te vigente (lei complementar n. 1006, de 16 de
julho de 2018 – Santos, 2018a), apenas duas
alterações foram realizadas, e ambas se refe-
Análise – 3° Período: riam a pequenas modificações nas categorias e
2011 a 2018 permissões de uso.
Não há registro, durante todo o período
Em 2011, o zoneamento definido pela lei com- em se passou a cobrar contrapartidas pelo uso
plementar n. 312, de 23 de novembro de 1998 de área construída adicional, de qualquer valor
(Santos, 1998a), é substituído pela lei comple- efetivamente pago de obra concluída na cida-
mentar n. 730, de 11 de julho (Santos, 2011a). de, conforme informações da Secretaria Muni-
Não há alteração no padrão generalista de dis- cipal de Desenvolvimento Urbano, ou de uso
tribuição dos coeficientes de aproveitamento da Transferência do Direito de Construir – TDC,
já praticados, a despeito da miríade cada vez possível para imóveis preservados situados no
maior de condicionantes que dificultam a Centro Histórico.
compreensão da lei. Acrescenta-se a redução Em 2013, o Plano Diretor (PD) disciplina-
do coeficiente de aproveitamento para o que do pela lei complementar n. 731, de 11 de ju-
se denominou “vias de menor capacidade de lho de 2011 (Santos, 2011b), é revisado e nele
suporte”. Nos imóveis emplacados para as vias há inclusão de um interessante artigo a respei-
assim classificadas (largura inferior a 14 m), to da relação entre o potencial construtivo e os
passou-se a permitir o coeficiente líquido de 4, tipos edilícios dos empreendimentos que pas-
em substituição a 5 vezes a área do lote. Con- saram a ser realizados a partir década de 2000,
siderando a quantidade de vias identificadas os “condomínios clube”. Esse dispositivo per-
com essa classificação, não fossem as áreas maneceu na revisão do PD efetuada em 2018,

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

Figura 5 – Espacialização coeficientes de aproveitamento 2011 –


Lei complementar n. 730

Fonte: autores, em 2021.

que deu origem à lei complementar n. 1.005, sanitários, até uma vaga de garagem e
de 16 de julho de 2018 (Santos, 2018b). Pode- área útil de, no máximo, 70 m² (setenta
metros quadrados) garantido um mínimo
-se dizer que o dispositivo é o tipo de “norma-
de 65% de área privativa da área construí-
tização de reação”, posto que foi introduzido da total do empreendimento, excluindo-se
para corrigir uma distorção que estava a des- vaga de veículos. (Grifos nossos)
virtuar o atendimento à demanda de Habita-
ção de Mercado Popular – HMP, qual seja: Essa tentativa do poder público muni-
cipal significa, na prática, que as áreas de ga-
Art. 142. [...]
§ 3º Para os efeitos desta Lei Comple-
ragem e lazer não poderiam mais assumir as
mentar, considera-se: proporções que vinham assumindo nos em-
IV - Habitação de Mercado Popular – preendimentos de mercado para o caso de
HMP: destinada a famílias com renda bru- habitações de mercado popular. Ainda assim,
ta igual a 7,5 (sete e meio) até 10 (dez) sa-
essa assunção parte do pressuposto de que o
lários-mínimos nacionais, podendo ser de
promoção pública ou privada, com padrão mercado imobiliário estaria apto a realizar em-
de unidade habitacional com até 2 (dois) preendimentos populares.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 811
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

Em 2017, o primeiro trecho do veículo passando a apreensão dos parâmetros de apro-


leve sobre trilhos – VLT, um investimento do veitamento e ocupação a estar condicionada à
estado de São Paulo na Região Metropolita- leitura obrigatória de cada artigo da lei.
na da Baixada Santista, já estava totalmente Embora anunciada como um grande
implantado e em funcionamento (Portal do avanço, a cobrança efetiva da Outorga Onerosa
Governo, 2017). Embora já previstas no Plano do Direito de Construir – OODC, em qualquer
Diretor de 2013, as Áreas de Adensamento das áreas aplicáveis, para utilização do CA 5
Sustentável – AAS, que tinham como objetivo já oferecido nas leis anteriores, está vincula-
a construção de empreendimentos habitacio- da à condição de implantação da denominada
nais populares e de interesse social sem vagas “área de integração”, ou seja, do afastamento
ou com poucas vagas de veículos ao longo do do muro de divisa da propriedade com a rua,
eixo de transporte, foram delimitadas e regu- em 3 metros, sem obrigação alguma de que
lamentadas na lei de zoneamento apenas em este esteja no mesmo nível da calçada, de mo-
2018, pela lei complementar n. 1.006, de 16 de do a ampliar, ao menos, o espaço de circulação
julho (Santos, 2018a). dos pedestres nos passeios.
A lei de uso e ocupação do solo vigente O pagamento da contrapartida é exigi-
torna ainda mais nebulosa a regulamentação do, portanto, para a utilização do denominado
da ocupação, além de ampliar o aproveitamen- “coeficiente ampliado”, de 6 vezes a área do
to dos lotes sem de fato aumentar o CA, pelo terreno na maioria das zonas. Cabe ressaltar
aumento da taxa de ocupação. Amplia-se a mi- que as áreas não computáveis continuam as
ríade de sobreposições de zonas, incluindo-se mesmas e em grande quantidade, fazendo
as AAS (mesmo onde não há sequer previsão com que, na prática, continue-se a construir,
oficial de extensão do VLT), e também se acres- no mínimo, o dobro do aproveitamento ins-
centam, aos Nides20 já existentes, as denomina- tituído por lei (Figura 7). Ao movimento de
das Zonas de Renovação Urbana – Zerus. complexificação do zoneamento, com uma
A altura dos edifícios passa a ser me- grande quantidade de zonas de exceção (AAS,
dida em metros e não mais em pavimentos, Zeru adicionadas aos já existentes Nides e
dificultando novamente a percepção do cida- CDRU), manteve-se, ao mesmo tempo, a ge-
dão comum, e passa-se a cobrar contrapartida neralidade da distribuição de índices de apro-
financeira, também, dos imóveis emplacados veitamento generosos.
para as vias de menor capacidade de suporte, Sob o ponto de vista da valorização da
sem qualquer restrição ao número de vagas, o terra, se a homogeneidade dessa distribuição
que manteria uma mínima coerência com a ca- de índices, por um lado, reforça a valoriza-
racterização da infraestrutura saturada quanto ção de monopólio das áreas próximas à orla,
ao volume de tráfego das referidas vias. por outro, permite a vasta área de possibili-
Além disso, exclui-se o anexo que existia, dades de maximização de lucros, em que os
tradicionalmente, para facilitar a compreensão índices são os mesmos e as terras são mais
dos índices urbanísticos definidos por zona, baratas. Na prática, o que se observa é que o

812 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

coeficiente de aproveitamento é único, mas legais, foram sancionadas ao total 16 leis de


bem acima de 1, conforme recomendação do anistias no período. Em sua maioria, regularizan-
Conselho das Cidades. do construções e usos realizados em desacordo
Cabe destacar que o nível de regulamen- com a norma. Destacam-se, entre estas, a regu-
tação dos dispositivos legais é muito hetero- larização de moradias econômicas e de usos li-
gêneo. Enquanto alguns Nides instituídos são gados às atividades retroportuárias e industriais.
muito detalhados, com a definição de usos, Enquanto a legislação estava concentrada na
coe ficientes e projetos do espaço público, regulamentação, principalmente, na liberação
outros não apresentam regra alguma, sendo de parâmetros construtivos na zona leste da ci-
limitados à regulamentação posterior em leis dade, voltados ao uso residencial de mercado
específicas, as quais, até o presente momento, às camadas sociais de mais alto rendimento, a
não foram ainda sancionadas. cidade pobre seguia crescendo “fora da lei” e
Ressalta-se que, apesar ou em decorrên- as atividades impactantes próximas a estas, em
cia da miríade de zonas presentes no zonea- um movimento de valorização das propriedades
mento e disciplinamento de exceções às regras para alguns e desvalorização destas para outros.

Figura 6 – Espacialização coeficientes de aproveitamento 2018 –


lei complementar n. 1006

Fonte: autores, em 2021.

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Gráfico 4 – Anis as por po – Gráfico 5 – Anis as por po de uso –


1968 a 2018 1968 a 2018

Fonte: autores, em 2021. Fonte: autores, em 2021.

Gráfico 6 – Anis as por po de construções anis adas –


1968 a 2018

Fonte: autores, em 2021.

814 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

Figura 7 – Compara vo de aproveitamento do solo no período


com análise das áreas não computáveis

Simulação da altura das edificações permi das conside-


rando todas as áreas como computáveis para o período
estudado, tendo como base um lote de 1.000m2, taxas de
ocupação de 50% (1968) e 40% (1998, 2011 e 2018), coefi-
cientes de aproveitamento de 6 (1968), 7 (1998) e 6 (2011
e 2018), respec vamente, e 3 m de altura cada pavimento.

Excedente de áreas não computáveis como áreas de la-


zer, sacadas, pisos de garagem e mezanino, entre outras.
Visualmente constrói-se legalmente o dobro do coefi -
ciente estabelecido para as zonas sem necessidade de
pagamento de contrapartida financeira ao Município.

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A simulação da comparação entre a apli- Contudo, essa regra não é válida para
cação dos coeficientes de aproveitamento pa- todos os bairros de interface com o porto. O
ra as quatro leis estudadas sobre o atual par- bairro Ponta da Praia, localizado na zona da
que construído demonstra a diferença enorme orla, contíguo ao corredor exportador, é ob-
entre o aproveitamento do terreno, que con- jeto de 3 Nides, cujos projetos de requalifica-
sidera todas as áreas construídas, e o aprovei- ção não foram apenas regulamentados em lei,
tamento líquido do terreno, em que entram como executados somente dois anos após sua
apenas as áreas computáveis (Figura 7). regulamentação (Santos, 2018).
A observação do conteúdo relacionado
ao uso e à ocupação do solo anistiado, ao lon-
go de todo o período considerado, evidencia o
tratamento dispensado às moradias econômi-
Conclusão
cas, legalizadas em grande proporção a despei-
to de suas condições de habitabilidade, desde É clara a falta de transparência na imputa-
que situadas fora das zonas de maior interesse ção dos índices no zoneamento da cidade, 21
do mercado imobiliário. que vêm se elevando desde quando foram
Enquanto cidade portuária, o municí- instituídos como instrumentos de regulação da
pio de Santos, com vasta área de preserva- ocupaçãodo solo, na década de 1960. Na prá-
ção ambiental em sua porção continental, é tica, considerando as áreas não computáveis
território de grande disputa entre usos resi- definidas na lei,22 como área de garagem, lazer,
denciais e retroportuários. Sua porção insu- entre outras, é possível construir, a depender
lar, de exíguo território, ao abrigar um porto do tamanho do lote e do projeto do empreen-
organizado, desde o final do século XIX com dimento, muito acima do dobro do coeficiente
algumas expansões, inclusive sobre o canal do máximo admitido.
estuário ao longo do tempo, é grande atratora A partir da breve análise, observou-se
de empresas de armazenamento e de trans- que o Estado, via regulação urbanística, garan-
porte de cargas. Os usos retroportuários, im- te a segregação das localizações preferenciais
pactantes por natureza, além de angariarem, das camadas de alta renda através das restri-
a cada nova revisão de zoneamento, novas ções às permissões de uso, da delimitação de
áreas, com a ampliação regulamentar das zo- zonas de exceção para qualificação e da manu-
nas portuárias, sempre sobre antigos bairros tenção de índices lucrativos para a produção
populares, também foram legalizados fora das do mercado imobiliário de uso residencial. O
áreas permitidas, em um movimento inverti- poder local garante a conservação dos valo-
do do planejamento das permissões de uso. res das propriedades, seja pela reafirmação a
Por interesse daqueles que realizam a princi- partir da regulação dos espaços de produção
pal atividade econômica de uma cidade por- residencial privilegiada, seja pela manutenção
tuária, zonas portuárias foram acrescentadas das possibilidades de provisão habitacional
sobre áreas de uso portuário anistiado, em subsidiada, distante da zona leste da ilha ou,
bairros já em processo de desqualificação pa- mais precisamente, da extensa faixa mais pró-
ra o uso residencial. xima à orla.

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

Além disso, a atribuição de altos índices ou à definição da ordem urbana, tal como a
em toda a área insular, generalista, garante a espacialização da distribuição da população
conversão de áreas em novas localizações resi- por rendimento no período, espacialização
denciais, com possibilidade de maximização de do valor dos imóveis ao longo do tempo, bem
lucros. Nesse sentido, os princípios de susten- como dos produtos imobiliários residenciais
tabilidade do adensamento invocados na lei que possibilitem a observação da atuação das
não chegam, de fato, a reestruturar a produ- convenções urbanas propostas por Abramo
ção de habitações populares ao longo de eixos (2007) na formação nas novas localizações.
de transporte. Além disso, o levantamento e a espacialização
A ação regulatória estatal não apenas dos investimentos públicos de qualificação da
não muda, como reforça a “ordem urbana” infraestrutura urbana de mobilidade e espaço
que privilegia a produção de espaço residen- público, os quais contribuem para a valoriza-
cial de alta renda. Há uma combinação de ção da terra e sobre os quais responde o po-
generalização e focalização na atribuição do der local, são também necessários.
aproveitamento do solo pelo poder local que Outro aspecto importante a se considerar
desencadeiam uma “ordem urbana” direciona- é a delimitação dos papéis que desempenharam
da à maximização dos lucros da produção de o poder executivo e o poder legislativo no pro-
novas localizações, bem como o direcionamen- cesso de evolução do zoneamento urbano. Pes-
to da produção do espaço urbano residencial quisas futuras, em documentos como atas das
pelas camadas de alta renda. sessões realizadas na Câmara de Santos e nas
Considera-se importante que sejam le- emendas efetuadas pelo poder legislativo aos
vantadas as outras variáveis relacionadas à projetos de lei referentes ao ordenamento urba-
produção das localizações residenciais que no, podem trazer contribuições, inclusive para a
possam contribuir para a verificação das teses verificação do defendido por Villaça (1998) em
de Abramo (2001) e Villaça (1998) em relação relação ao papel de coordenação dos grupos de
à estruturação do espaço residencial urbano alta renda sobre o mercado imobiliário.

[I] https://orcid.org/0000-0001-5271-3430
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Territó-
rio. Santo André, SP/Brasil.
marina.ferrari@ufabc.edu.br

[II] https://orcid.org/0000-0001-7744-5225
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Territó-
rio. Santo André, SP/Brasil.
flavia.feitosa@ufabc.edu.br

[III] https://orcid.org/0000-0001-6264-001X
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Territó-
rio. Santo André, SP/Brasil.
jeroen.klink@ufabc.edu.br

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Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

Notas
(1) Lucro “normal” é o nível de lucro associado às condições de mercado compe vo (as condições
“normais” na perspec va da economia ortodoxa). Sobrelucro representa o nível de lucro que
emerge em função da capacidade de o proprietário controlar/monopolizar a estrutura de
mercado (Christophers, 2020). Na perspec va desse autor, para gerar renda são necessárias
duas condições: a existência de um proprietário em condições monopolista-oligopolista e de um
mercado que permita circular a propriedade e realizar essa renda/sobrelucro.

(2) Disposi vo similar às Zonas Especiais de Interesse Social aplicadas no Brasil. Imbroscio (2019)
traz uma síntese crí ca da discussão abordada pelo movimento An -EZ (Exclusionary Zoning)
americano e as propostas de Inclusionary Zoning.

(3) Healy (2011) usa “travelling” planning ideas para se referir a ideias de planejamento urbano que
viajam entre lugares. Há similitude entre o conceito de Healy e o abordado por Maricato (2001),
Leme (1999) e Feldman (2005) quando estes úl mos iden ficam, na história do planejamento
urbano no Brasil, as ideias de “matriz estrangeira” que orientavam sua prática no País. Em
estudos mais recentes, Yunda e Bjørn (2020) e Lopez-Morales et al. (2019) abordam os impactos
das ideias de transit-oriented development – TOD, provenientes no norte global, introduzidos
nos ambientes urbanos do sul global, em específico nas cidades de Bogotá e Santiago,
respec vamente.

(4) “Densification became seen as a means to reduce land consumption, foster agglomeration
economies, improve social inclusion and integra on, enhance biodiversity, and reduce energy
consump on” (Turok, 2011; Zhu, 2012 apud Yunda e Bjørn (2020).

(5) O conceito de embeddedness estabeleceu-se como uma categoria instrumental para tomar nota
dos processos no nível micro da teoria de rede, dos laços relacionais entre os atores, enfa zando
o papel que as redes sociais desempenham na geração de confiança entre compradores e
vendedores, que tornam a troca possível (Berndt e Boeckler, 2009).

(6) O conceito de performa vidade pode ser entendido como uma interpretação do funcionamento do
mercado. Para Callon (2006), modelos e métricas não apenas descrevem, mas potencialmente
transformam a própria realidade do mercado.

(7) Vertente da economia ortodoxa que explica a alocação e a formação de preços nos mercados
fundiárias e imobiliários (DiPasquale e Wheaton, 1996).

(8) Embora a teoria da renda fundiária, concebida como o principal elemento da coordenação
intraurbana, seja mais comumente utilizada nas análises das dinâmicas de localização da
produção do mercado imobiliário, Abramo (2007) sugere outra perspectiva de análise,
considerando a subje vidade dos processos cogni vos dos agentes par cipantes da produção
e consumo mercantil do espaço residencial. Ele sustenta que uma política de austeridade
monetária ortodoxa, "par cularmente no que se refere à configuração urbana, pode vir a gerar
muito mais dificuldades do que as tradicionais, preocupadas, acima de tudo, com o papel da
propriedade fundiária, conseguiriam imaginar" (p. 326). Descreve um processo de escolha
das localizações pelas famílias, muito mais orientado pelo "mo vo-especulação" do que pelo
"mo vo-residência", seja porque esperam realizar um ganho monetário graças à valorização da
mercadoria urbana, seja porque venham a ser compensadas por expecta va de venda do bem
como reembolso da dívida aos agentes financeiros sob o risco de desemprego.

818 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

(9) De acordo com Abramo (2007), empresários schumpeterianos são os indivíduos, grupos de
indivíduos ou empresas responsáveis pela inovação em produtos imobiliários ou na criação de
novas localizações urbanas para a implantação de novos empreendimentos residenciais.

(10) Segundo Abramo (2007, p. 211), é entendida como uma crença projetada sobre o futuro das
localizações residenciais.

(11) A população es mada do município de Santos, em 2020, era, de acordo com o IBGE de 433.656
pessoas (disponível em: h ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/santos/panorama; acesso em: 21
fev 2022).

(12) A expressão refere-se ao movimento observado por Carriço (2011) na área insular do município
de Santos de aumento na sele vidade do acesso de determinados grupos sociais aos bairros
da orla, repercu ndo para as demais partes de seu território, mesmo para aquelas até então
desprezadas, como o setor noroeste de Santos. Esse processo também teria rebatimentos
em outras áreas da RMBS, empurrando os grupos populacionais situados na base da pirâmide
social à emigração de Santos, já que não encontrariam outras alterna vas habitacionais em seu
território insular.

(13) Meyer (2008), ao relacionar a oferta de moradias pelo mercado e a demanda no município de
São Paulo, observa que o movimento se assemelha a um êmbolo: "Como um êmbolo, os grupos
de renda média vão ocupando os espaços de expansão do grupo de renda seguinte, que tem seu
locus de migração deslocado para a próxima porção do território" (p. 185).

(14) Coeficiente de aproveitamento: índice que, mul plicado pela área do terreno a ser edificado,
determina a área construída permi da para o lote. Para a u lização de instrumentos urbanís cos,
como PEUC (Parcelamento, Edificação e U lização Compulsórios), TDC (Transferência do Direito
de Construir) e OODC (Outorga Onerosa do Direito de Construir), é necessário, além da definição
do coeficiente de aproveitamento básico, também do mínimo e do máximo.

(15) A única área regulamentada foi o planalto da Nova Cintra, em 1970, por decreto, recebendo um
programa de ocupação com definição de projetos de interesse turís co (Santos, 1970).

(16) A expressão “coeficiente bruto” significa, no âmbito desta análise, a área total passível de ser
construída, somando-se as áreas computáveis e não computáveis. A expressão “coeficiente
líquido” leva em consideração apenas as áreas computáveis.

(17) Considera-se aqui “mais-valia” urbana nos termos da abordagem de Fernanda Furtado (Silva,
2014), como parte da valorização alheia à ação do proprietário decorrente de decisões
administra vas que importem em alterações da norma va urbanís ca ou decorrem da definição
destas, como os índices de aproveitamento do solo.

(18) Seções I, II e III do Capítulo VIII (“Do zoneamento de uso dos terrenos, quadras, lotes, edificações
e compartimentos”), I e VI do Capítulo X (“Das edificações nos lotes”) e anexos (mapas de
zoneamento e classificação viária) da lei municipal n. 3.529, de 16 de abril de 1968 (Plano Diretor
Físico do Município de Santos, suas normas ordenadoras e disciplinadoras, em Santos, 1968a).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 819
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

(19) Em Abramo (2001), mark up é a maximização de lucros a partir do lançamento de um novo


produto imobiliário em um ambiente de incerteza (convenção urbana) e homogeneidade.
"Em nossa análise da dinâmica residencial, aprofundaremos a ideia de que essa tendência à
homogeneização do estoque residencial segue de par com a tendência à sua diferenciação,
o que é devido às estratégias de inovação estabelecidas em torno do produto. Assim, a
ver calidade e a densidade residenciais revelam dois movimentos simultâneos de diferenciação
e homogeneização do espaço, ou seja, nossa leitura alternativa vai se basear na relação
existente entre o mecanismo de coordenação espacial – considerando em um contexto de
incerteza urbana e que chamaremos de convenção urbana – e a prá ca de inovação residencial
dos empresários, cujo obje vo primeiro é impor um mark up urbano" (p. 145).

(20) A delimitação de dois dos Nides previstos na lei complementar n. 1.006, de 16 de julho de 2018
(Santos, 2018a), e os respec vos termos de compromissos assinados entre grupos empresariais
e a Prefeitura Municipal de Santos são objeto de Ação Civil Pública movida pelo Ministério
Público do Estado de São Paulo contra os referidos grupos, a Prefeitura, o prefeito e os
secretários municipais.

(21) Trata-se, aqui, de índices que interferem no aproveitamento do solo, como recuos, taxa de
ocupação, coeficiente de aproveitamento e gabarito.

(22) As áreas computáveis cons tuem-se nas áreas construídas previstas em projeto, cujos limites
são definidos a par r da mul plicação do coeficiente de aproveitamento estabelecido para a
zona onde se situa o imóvel pela área do terreno onde se deseja construir. Sendo assim, em um
terreno de 500 m², situado em uma zona em que o coeficiente de aproveitamento máximo é 5,
seria possível construir uma edificação de até 2.500 m². Considerando que o espaço des nado
à garagem de veículos nesse projeto não computasse e apresentasse 1000 m², seria possível
construir 3.500 m², por liberalidade da norma.

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Produção do espaço residencial em Santos/SP

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Texto recebido em 3/abr/2021


Texto aprovado em 20/maio/2021

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 823
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

ANEXO
Tabela 1 – Síntese da contagem de alterações por período

Alterações na lei municipal n° 3.529, de 16 de abril de 1968 – Plano Diretor Físico

Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Sistema Paisagem Limites Mobilidade
planejamento zonas
73 6 zona leste
86 5 zona leste 1
93 5 zona noroeste 1
240 5 zona noroeste 1
294 5 toda a cidade 1
74 4 zona leste 1
79 4 zona noroeste 1
198 4 toda a cidade 1
209 4 toda a cidade 1
232 4 zona leste 1
282 4 toda a cidade 1
324 4 toda a cidade 1
325 4 toda a cidade 1
72 3 zona leste orla 1
81 3 zona noroeste 1
85 3 zona leste orla 1
189 7 toda a cidade 1
210 3 toda a cidade 1
223 3 toda a cidade 1
225 3 toda a cidade 1
235 3 centro 1
239 3 zona noroeste 1
274 3 toda a cidade 1
356 3 toda a cidade 1
66 2 toda a cidade 1
69 2 toda a cidade 1
70 2 toda a cidade 1
82 2 zona leste e noroeste 1
88 2 centro 1
188 2 toda a cidade 1
190 2 toda a cidade 1
196 2 toda a cidade 1
197 2 toda a cidade 1
224 2 toda a cidade 1
231 2 zona leste 1
233 2 centro 1
234 2 centro 1
284 2 toda a cidade 1
285 2 toda a cidade 1
286 2 toda a cidade 1
287 2 toda a cidade 1
291 2 toda a cidade 1
292 2 toda a cidade 1
28 1 toda a cidade 1
61 1 toda a cidade 1

continua

824 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

continuação
Alterações na lei municipal n° 3.529, de 16 de abril de 1968 – Plano Diretor Físico
Sistema Limites
Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Paisagem Mobilidade
planejamento zonas
71 1 zona leste orla 1
75 1 centro 1
76 1 centro 1
77 1 centro 1
78 1 centro 1
80 1 zona noroeste 1
83 1 toda a cidade 1
84 1 zona leste orla 1
87 1 centro 1
89 1 centro 1
90 1 centro 1
91 1 centro 1
92 1 zona noroeste 1
94 1 zona noroeste 1
95 1 zona leste e noroeste 1
187 1 toda a cidade 1
191 1 toda a cidade 1
195 1 toda a cidade 1
200 1 toda a cidade 1
201 1 toda a cidade 1
202 1 toda a cidade 1
203 1 toda a cidade 1
204 1 toda a cidade 1
205 1 toda a cidade 1
206 1 toda a cidade 1
207 1 toda a cidade 1
208 1 toda a cidade 1
211 1 toda a cidade 1
222 1 centro 1
230 1 zona leste orla 1
250 1 toda a cidade 1
255 1 toda a cidade 1
272 1 toda a cidade 1
276 1 zona leste orla 1
298 1 toda a cidade 1
319 1 centro 1
326 1 toda a cidade 1
328 1 toda a cidade 1
334 1 toda a cidade 1
338 1 toda a cidade 1
343 1 centro 1
351 1 toda a cidade 1
352 1 toda a cidade 1
354 1 toda a cidade 1
355 1 toda a cidade 1
357 1 toda a cidade 1
404 1 toda a cidade 1
Totais 12 33 14 6 12 15
continua

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 825
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

continuação

Lei complementar n° 312, de 23 de novembro de 1998 – Lei de uso e ocupação do solo da área insular do município de Santos
Sistema Limites
Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Paisagem Mobilidade
planejamento zonas
13 7 toda a cidade 1
anexo II 7 toda a cidade 1
anexo III 7 toda a cidade 1
anexo IV 7 toda a cidade 1
anexo V 7 toda a cidade 1
26 6 toda a cidade 1
anexo VII 6 toda a cidade 1
8 4 parte cidade 1
82 4 parte cidade 1 1
anexo VI 4 1
anexo VIII 4 1
14 3 parte cidade
17 3 toda a cidade 1
28 3 parte cidade 1
72 3 centro e orla 1
anexo I 3 toda a cidade
18 2 toda a cidade
19 2 toda a cidade 1
24 2 toda a cidade 1
29 2 toda a cidade 1
40 2 toda a cidade 1
42 2 toda a cidade 1
56 2 toda a cidade 1
73 2 parte cidade 1
74 2 parte cidade 1
75 2 parte cidade 1
76 2 parte cidade 1
78 2 parte cidade 1
79 2 zona leste orla 1
83 2 parte cidade 1 1
84 2 parte cidade 1
85 2 centro e orla
86 2 parte cidade 1
87 2 centro 1
88 2 centro 1
89 2 centro 1
90 2 centro 1
91 2 centro 1
92 2 centro 1
15-A 2 toda a cidade 1
7 1 toda a cidade 1
10 1 toda a cidade 1
15 1 toda a cidade 1
20 1 toda a cidade 1
21 1 toda a cidade 1
25 1 toda a cidade 1

continua

826 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

continuação

Lei complementar n° 312, de 23 de novembro de 1998 – Lei de uso e ocupação do solo da área insular do município de Santos

Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Sistema Paisagem Limites Mobilidade
planejamento zonas
27 1 toda a cidade 1
30 1 toda a cidade 1
35 1 toda a cidade 1
36 1 toda a cidade 1
38 1 toda a cidade 1
39 1 toda a cidade 1
41 1 morros 1
43 1 toda a cidade 1
45 1 zona da orla 1
50 1 morros 1
51 1 zona leste e noroeste 1
52 1 morros 1
54 1 centro 1
55 1 centro 1
68 1 morros 1
70 1 zona leste e noroeste 1
71 1 morros 1
77 1 parte cidade 1
102 1 toda a cidade 1
103 1 toda a cidade 1
104 1 toda a cidade 1
107 1 toda a cidade 1
110-A 1 toda a cidade 1
16-A 1 toda a cidade 1
Totais 16 29 15 1 4 3
Lei complementar n° 730, de 11 de junho de 2011 – Lei de uso e ocupação do solo da área insular do município de Santos
16 1 toda a cidade 1
17 1 parte cidade 1
20 1 toda a cidade 1
22 1 toda a cidade 1
32 1 toda a cidade 1
35 1 toda a cidade 1
38 1 toda a cidade 1
anexo II 1 toda a cidade 1 0
Totais 5 3

Fonte: autores, em 2021.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 827
828
Tabela 2 – Copilação das leis de anis as do período – 1968 a 2018

Com prazo Prorrogação Com


Lei Qtde. Ano Local liberação Tipo uso Qtde. Tipo construção Qtde.
(dias) de prazo (dias) pagamento
Lei municipal n. 3650, chalés e moradias econômicas
1 1970 toda a cidade 0 1 120 Não
de 29 de outubro de 1970 unifamiliares
Lei municipal n. 3854, residencial unifamiliar ou
de 17 de maio de 1974 1 1974 toda a cidade 0 econômicas 1 120 Não

Lei municipal n. 3911,


1 1974 morros 0 construções 1 365 Não
de 31 de outubro de 1974
Lei municipal n. 3959, 1 1975 toda a cidade 0 residencial unifamiliar ou 1 120 Não
de 30 de julho de 1975 econômicas
Lei municipal n. 4475, 1 1982 toda a cidade 0 residencial unifamiliar ou 1 120 Não
de 23 de abril de 1982 econômicas
Lei municipal n. 4546, residencial unifamiliar ou
de 15 de março de 1873 1 1983 toda a cidade 0 econômicas 1 120 Não

Lei municipal n. 61, 1 1985 toda a cidade 0 residencial unifamiliar ou 1 90 Não


de 9 de maio de 1985 econômicas
Lei municipal n. 450, residencial unifamiliar ou
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

1 1988 Ber oga 0 1 120 Não


de 18 de novembro de 1988 econômicas
mais de uma edificação no
1 toda a cidade exceto ZT 0 mesmo lote 1

0 toda a cidade 0 recuos 1


Lei municipal n. 708, 0 1990 ZR e ZRE comerciais e serviços 1 0 120 Não
de 4 de dezembro de 1990
serviços de apoio à
0 ZI 1
indústria e à retroportuária
0 morros 0 chalés 1
mais de uma edificação no
1 toda a cidade 0 mesmo lote 1

0 toda a cidade, exceto orla 0 recuos 1


Lei municipal n. 851, praia
de 31 de março de 1992 1992 240 Não
0 ZR e ZRE comerciais e serviços 1 0
0 ZI, ZCR e ZCC retroportuária 1 0
0 morros 0 chalés 1

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP

829
Com prazo Prorrogação Com
Lei Qtde. Ano Local liberação Tipo uso Qtde. Tipo construção Qtde. (dias) de prazo (dias) pagamento
1 toda a cidade 0 mais de uma edificação no 1
mesmo lote
0 toda a cidade 0 recuos 1
Lei complementar n. 109,
de 20 de dezembro de 1993 0 1993 ZR e ZRE comerciais e serviços 1 0 240 Não
0 ZI serviços de apoio à 1 0
indústria e à retroportuária
0 ZR, ZCR, ZCC, ZCS e ZN industrial 1 0
1 toda a cidade 0 recuos 1
serviços de apoio à
Lei complementar n. 152, 0 1994 ZI indústria e à retroportuária 1 0 180 180 365 Não
de 14 de dezembro de 1994
0 ZR, ZCR, ZCC, ZCS, ZN e industrial 1 0
morros
única residência unifamiliar,
1 ZN e morros 0 com até 60 m 2 1
mais de uma edificação no
0 toda a cidade 0 1
Lei complementar n. 296, mesmo lote
de 26 de dezembro de 1997 1997 120 Não
recuos, até um pavimento, e
0 toda a cidade 0 de fundos, até 2 pavimentos 1
serviços de apoio à

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
0 ZI indústria e à retroportuária 1 0
construções ou acréscimos
1 toda a cidade usos permi dos 0 até 200 m2 1
0 toda a cidade 0 única residência unifamiliar
com até 60 m2 1
0 toda a cidade 0 mais de uma edificação no 1
Lei complementar n. 310, mesmo lote
1998 120 90 155 Não
de 16 de novembro de 1998 0 toda a cidade 0 recuos 1
guaritas, marquises,
garagens ou abrigos de
veículos, área de lazer,
0 toda a cidade 0 salão de festas,lavanderias,
1
ves ários, zeladoria e outras
dependências
830
Prorrogação de Com
Lei Qtde. Ano Local liberação Tipo uso Qtde. Tipo construção Qtde. Com prazo
prazo pagamento
construções ou acréscimos
1 toda a cidade usos permi dos 0 1
que tenham até 750 m 2
Lei complementar n. 378,
de 28 de dezembro de 1999 1999 mais de uma edificação no 90 120 Não
0 toda a cidade usos permi dos 0 1
mesmo lote
0 toda a cidade 0 recusos 1
construções ou acréscimos até somente os
1 toda a cidade usos permi dos 0 1
Lei complementar n. 425, 1500 m2 processos de
de 4 de janeiro de 2001 2001 NA NA Não
mais de ujma edificação no regularização
0 toda a cidade usos permi dos 0 1 em curso
mesmo lote
1 toda a cidade usos permi dos 0 2 edificações no mesmo lote 1 somente os
Lei complementar n. 507, 2004 processos de NA NA Sim
de 17 de novembro de 2004 0 toda a cidade usos permi dos 0 TO, CA e recuos 1 regularização
em curso
Total construções
Total leis anis as período 17 Total uso anis ados 10 32
anis ados
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
A dimensão internacional
nas transformações urbanas
no bairro Floresta em Porto Alegre
The international dimension in the urban transformations
of the Floresta neighborhood in Porto Alegre
Vanessa Marx [I]
Gabriela Luiz Scapini [II]
Gabrielle Araújo [III]

Resumo Abstract
Neste artigo, buscamos compreender como a di- In this paper, we aim to understand how the
mensão internacional vem influenciando as trans- interna onal dimension has been influencing urban
formações urbanas no bairro Floresta, localizado transformations in the Floresta neighborhood,
na região do 4º Distrito de Porto Alegre. A agenda located in the 4th District of the city of Porto Alegre.
urbana vem sendo transformada na cidade a par- The urban agenda has been transformed in the city
r dos processos de financeirização em curso, com due to the ongoing financializa on processes, with
a alteração dos regimes urbanos e disputas nessa the alteration of urban regimes and local disputes.
região. A partir desse contexto, apresentamos a Based on this context, we present the methodology
metodologia desenvolvida com o intuito de captar developed in order to capture the mul scale issue in
a questão multiescalar no território, a formação the territory and the forma on of alliances, poli cal
de alianças, coalizões polí cas e parcerias público- coalitions and public-private partnerships. We
-privadas. Consideramos que a relação global-local consider that the global-local rela onship affects this
incide nessa região e, através da construção me- region and, through the methodological construc on,
todológica, buscamos incorporar o olhar dos ato- we aim to incorporate the point of view of social
res sociais com incidência no bairro Floresta, para actors with an impact on the Floresta neighborhood,
compreender as transformações que vêm ocorren- in order to understand the transforma ons that have
do no território. been taking place in the territory.
Palavras-chave: cidades; financeirização; interna- Keywords: ci es; financializa on; interna onaliza on;
cionalização; Porto Alegre; bairro Floresta. Porto Alegre; Floresta neighborhood.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5416 Crea ve Commons Atribu on
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

Introdução por maior vulnerabilidade social. Devido às


suas características e localização privilegiada,
esse território tem sido alvo de disputas por
O mundo vem sendo constantemente atra- diferentes planos e projetos de requalificação
vessado pelo fenômeno da globalização que urbana, sobretudo aqueles que refletem as
influencia cada vez mais as dinâmicas sociais, dinâmicas do empreendedorismo urbano nas
intensificando as relações e interdependências cidades e se inspiram em modelos de cidade
globais. O capital e o trabalho circulam com voltada para os negócios.
mais facilidade entre as regiões e os países Para esta pesquisa, partimos dos con-
criando um desenvolvimento geográfico de- ceitos de financeirização, internacionalização
sigual (Harvey, 2006). Os fatores econômicos e direito à cidade. Além desses conceitos de-
apresentam-se como a variável principal, fi- senvolvidos no referencial teórico da inves-
cando o poder político algumas vezes refém tigação, consideramos importante entender
da economia, e a expressão máxima traduzin- a emergência de novos paradigmas urbanos
do-se na subordinação de alguns Estados às vinculados a modelos mundiais de urbanização
forças do capital e de agentes, como as empre- contemporânea, a partir de uma dimensão es-
sas transnacionais. pacial desses processos que se reproduzem na
Com base nesse cenário, buscamos, cidade (Marx, Araújo e Silva, 2020).1
neste artigo, compreender a complexidade da A metodologia partiu de análise do-
dinâmica local-global, considerando a escala cumental sobre os planos e projetos, assim
local e, ao mesmo tempo identificando ou- como de discussões públicas sobre o bairro
tras escalas de influência no território, como Floresta e de caminhadas exploratórias, mas
a regional, a nacional e a internacional, tendo avaliamos ser importante o processo de cons-
em vista os processos de financeirização. Pa- trução de roteiros das entrevistas semiestru-
ra isto, consideramos importante inovar em turadas com os atores sociais para identificar
metodologias urbanas que captem a questão as diversas influências, considerando tanto os
multiescalar e a formação de alianças e coali- impactos que essas transformações poderiam
zões políticas e das parcerias público-privadas estar causando quanto as resistências que po-
estabelecidas na cidade de Porto Alegre, ca- deriam estar sendo construídas nesse territó-
pital do estado do Rio Grande do Sul (Brasil), rio em disputa.
assim como observar como tem sido afetado Para isto, a metodologia construída vi-
seu regime urbano, e mais especificamente no sou apreender a dimensão da transformação
bairro Floresta localizado no 4º Distrito, antiga sociourbana dos planos e projetos de requa-
zona industrial. lificação urbana a partir do olhar dos atores
O bairro Floresta tem uma localização sociais com incidência nesse território e das
estratégica na cidade: por um lado, está pró- diversas influências nessa área, sobretudo
ximo a uma das áreas mais valorizadas da em relação às escalas de influência nacional,
capital, o bairro Moinhos de Vento. Por ou- regional e internacional. A ênfase no olhar
tro lado, também está próximo ao centro- dos atores sociais em sua diversidade possi-
-histórico e à rodoviária, território marcado bilita identificar e acompanhar as mudanças

832 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...

e as transformações por meio de suas falas,


Globalização, neoliberalismo
que demonstram experiências particulares
no/com o bairro e revelam a conformação de
e a internacionalização
redes, de relações de convergências, assime- das cidades
trias, conflitos tendo em vista a influência in-
ternacional e os processos de financeirização A globalização traz consigo mudanças de pa-
da terra urbana. A preferência pelo estudo radigmas no mundo, com impactos sobre os
de caso poderia ser justificada por ser o mais sistemas de informação e consequências eco-
adequado para o desenvolvimento de estudos nômicas, sociais e culturais. Todas essas trans-
microssociais que permitam uma abordagem formações estimulam o isolamento dos indi-
mais profunda da realidade social e, no caso víduos e o empreendedorismo, gerando um
em questão, refletir sobre os processos sociais sistema competitivo e incentivando a abertura
e o cotidiano (Jacobs, 2011). para capitais internacionais, em que os fluxos
Este artigo está dividido em três seções. financeiros geram dependência e submissão
A primeira trata do debate a respeito da glo- de alguns Estados, das empresas e dos indiví-
balização, do neoliberalismo e da internacio- duos em relação aos movimentos de capital.
nalização das cidades no período recente, No cenário da globalização, aparecem
refletindo em um modelo de cidade-negócio novos atores, entre eles as cidades que atraem
e fortalecendo lógicas de empreendedorismo investimentos internacionais e privados, e, ne-
urbano em oposição ao direito à cidade. A se- le, o fator político é influenciado por redes e
gunda aborda o contexto do bairro Floresta, a sistemas virtuais, provocando mudanças pro-
influência internacional e as disputas por dife- fundas na forma de governar. A cidade aparece
rentes atores sociais nesse território. Descre- não somente como forma específica de rela-
vemos, também, os conceitos mobilizados na ção entre território e sociedade, e sim com a
pesquisa, os planos e os projetos de reestru- necessidade de que renove seu papel especí-
turação urbana e econômica que têm sido ela- fico e se abra ao mundo trabalhando a relação
borados e/ou implementados no território e a global-local (Marx, 2008). Nesse contexto, as
identificação de conexões, articulações e alian- cidades tiveram que se abrir, se relacionar, se
ças entre as propostas para o local e agendas capacitar, se inovar e atuar em rede, buscando
internacionais associadas a atores e ao capital a cooperação e a solidariedade para enfrentar
transnacional. A terceira seção detalha a meto- esses novos desafios. Ocorreu a internaciona-
dologia da pesquisa, com foco na construção lização da maioria das estruturas e segmentos
das entrevistas semiestruturadas com atores da economia, da cultura, da informação, da
locais, tendo em vista compreender as dinâ- educação e da comunicação. Para adaptarem-
micas da dualidade local-global nessa região a -se a essa nova situação, as cidades busca-
partir do olhar dos atores sociais. ram governar e gerir seus assuntos em rede.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 833
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

Uma rede pode se estabelecer com atores modelos de planejamento urbanos neoliberais
do exterior, estando em contato com outros que visam à promoção de lucro, sobretudo pa-
territórios, ou, no local, com atores sociais e ra os entes privados. Nessa lógica, as cidades
econômicos. Trabalhar em rede, portanto, su- são pensadas para atender às demandas dos
põe aceitar que não se pode avançar sem estar negócios, da especulação imobiliária e de um
vinculado a uma estrutura de interdependên- empresariado urbano crescente.
cias e complementaridades. É nesse sentido que surgem os modelos
O conceito de governança aparece nes- de “cidade como negócio” (Botelho, 2007) ou
se contexto e, segundo Rhodes (1996, p. 28), “cidades-empresas” (Vainer, 2013) e a "Cidade-
no sistema de interdependência internacional, -competitivo-empreendedora" representando
poderia representar: um “planejamento estratégico” descrito por
Ribeiro (2020). O lucro é colocado no centro
A erosão da autoridade dos Estados no
de sua organização socioespacial, e modelos
cenário internacional pelas múltiplas vias
(para baixo, para cima, a favor de novos com essa orientação pró-mercado acabam por
atores e de novos processos de trans- beneficiar setores privados de um capitalismo
nacionalização) e emergência de novas globalizado e neoliberal, em detrimento de
redes de intercâmbio multinível onde atender às necessidades básicas de vida urba-
intervêm tanto novos organismos supra-
na da população, que acaba tendo um déficit
nacionais, como entidades subnacionais.
em termos de vida urbana nas cidades, enfren-
Seria importante ressaltar que a crise fi- tando a precariedade e o baixo acesso a mo-
nanceira de 2008 trouxe alterações no sistema radia de qualidade, saneamento básico, rede
internacional colocando em novas posições de transportes e oportunidades para garantir o
os países; por um lado, os centrais do capita- desenvolvimento social pleno, e estando mais
lismo que cada vez mais afiançavam a aliança suscetível às diversas violências urbanas.
com o mercado; em por outro lado, as potên- Essa maneira pela qual as cidades têm
cias emergentes que ensaiaram um processo sido planejadas e pensadas, através dos mo-
distinto de inserção na economia internacio- delos neoliberais que beneficiam setores pri-
nal por meio da cooperação sul-sul e de no- vados e empresariais, antagoniza-se com uma
vas perspectivas de regionalização, como, por concepção de cidades para todos e todas,
exemplo, a formação dos Brics. sobretudo estando em oposição ao direito à
As novas dinâmicas descritas e o avanço cidade (Lefebvre, 2001). Entendemos que es-
neoliberal passam a influenciar na organização se direito seja coletivo, e que, através dele, a
socioespacial das cidades, na qual cada vez população possa interferir nos rumos das ci-
mais a influência internacional em um mundo dades, reinventando-as de acordo com seus
globalizado se faz presente. Em relação a esse desejos. No limite, esse direito também ates-
aspecto, observamos como o neoliberalismo ta a possibilidade de uma democratização dos
vem impondo redefinições no tecido urbano e meios de produção (Brenner, 2018). Essas de-
social nas cidades para atender aos seus propó- mandas de participação na vida e nas decisões
sitos de aumentar o acúmulo de capital. Com das cidades parecem cada vez mais cerceadas
isso, em diferentes países são implementados na atualidade e têm se acentuado no Brasil,

834 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...

onde vivemos um agravamento das desigual- metodologia específica, pois consideramos


dades socioeconômicas que se refletem e são que a análise documental, ainda que possa
reproduzidas nas cidades e em seus regimes auxiliar no mapeamento das discussões e das
urbanos, considerando também o avanço da disputas existentes, parece não ser suficiente
inflexão ultraliberal que se ampliou a partir de para identificar a agenda que vem sendo pen-
2016 no plano nacional: sada para o processo de revitalização para essa
região e também para saber onde se confi-
teve como parte de suas motivações pro-
gura o poder para transformar esse território
mover um conjunto de ajustes políticos
e institucionais, através da promoção (Harvey, 2014) e quais atores poderiam estar
de brutais mudanças nos marcos legais acessando esse poder.
e constitucionais. Mudanças capazes de
consolidar e avançar no processo de des-
truição das bases que sustentavam as ini-
ciativas institucionais de caráter reformis- Porto Alegre e o bairro Floresta:
ta-redistributiva, abrindo caminho para
um projeto neoliberal, desembaraçado
influência internacional
dos compromissos de regulação e prote- e as transformações urbanas
ção social criados a partir da Constituição
de 1988 [...]. Tal mudança terá como con-
Porto Alegre é um município brasileiro localiza-
trapartida, no plano da cidade, um ajuste
urbano na direção de políticas urbanas
do no extremo sul do País, e é a capital do Esta-
pró-mercado. (Ribeiro, 2020, p. 2) do do Rio Grande do Sul. A cidade possui uma
população estimada, em 2021, de 1.492.530
No contexto social e econômico em que pessoas (IBGE, 2021) e, desde 1960, é uma das
vivemos, entendemos como essas lógicas e metrópoles centrais do Brasil sendo a quarta
modelos de cidade vão se impondo de maneira concentração econômica e urbana do País. Em
hegemônica, contudo, partimos de uma leitura 1990, a reestruturação neoliberal resultou na
de que o espaço urbano sob o capitalismo não ampliação das desigualdades socioespaciais
é algo fixo e permanente, podendo ser molda- intrametropolitanas, através da crise dos servi-
do e remoldado por meio dos confrontos impla- ços e da economia voltada aos serviços, com a
cáveis das forças sociais em oposição (Brenner, periferia urbana consolidando-se enquanto es-
2018), abrindo a possibilidade de acessarmos a paço operário (Soares e Fedozzi, 2016) e mais
construção de resistências coletivas através das suscetível à precariedade no acesso à cidade e
lutas coletivas e na vida cotidiana. à vida urbana.
Partindo dessas dinâmicas e buscando Nas últimas décadas, Porto Alegre vem
compreender como esses processos incidem apresentando um cenário de abertura interna-
no território, atravessado pela relação global- cional e o desenvolvimento de parcerias públi-
-local e por um processo de reestruturação ur- co-privadas. Existe uma inflexão ultraliberal no
bana e econômica materializado em diversos cenário nacional (Ribeiro, 2020) que, na cidade,
planos para a região, propomos captar o olhar se acentua com a privatização dos espaços pú-
dos diversos atores sociais que apresentam blicos e com a formação de alianças e coalizões
vínculos com o bairro. Por isso, desenvolvemos de agentes que operam essas transformações.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 835
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

No Brasil, a financeirização poderia ser os atores que residem e/ou trabalham nesses
visualizada através das parcerias público-pri- lugares e que gostariam de permanecer neles,
vadas constituindo uma modalidade nova em apesar da tendência à gentrificação de diver-
termos da relação entre governo e as forças de sos bairros da cidade.
mercado. Na esteira dessas mudanças, no mu- Essa tendência atravessa a região na qual
nicípio de Porto Alegre, a lei n. 9.875/2005,2 centramos nossa pesquisa em Porto Alegre, o
que institui as Parcerias Público-Privadas 4º Distrito, o qual se destaca por ser a antiga
(PPPs), impactou na governança urbana local, zona industrial da cidade. Na atualidade, esse
na qual o poder privado parece assumir maior território apresenta grandes vazios urbanos,
protagonismo nas decisões sobre os territó- antigas plantas industriais e prédios históricos
rios, impulsionando o uso da terra urbana para com pouca conservação e/ou abandonados.
atender seus interesses. Localizada ao norte do centro histórico, a re-
A mercantilização da terra urbana e sua gião do 4º Distrito estende-se até a entrada da
exploração pelo capital privado e internacio- cidade, nas proximidades do aeroporto inter-
nal vêm se ampliando, ao mesmo tempo que nacional Salgado Filho, abrangendo os bairros
iniciativas de resistência de atores sociais vêm Floresta, São Geraldo, Navegantes, Farrapos e
ocorrendo. Existe uma disputa pelo território Humaitá. A localização do território em estudo
entre os representantes do capital financeiro e pode ser observada na Figura 1.

Figura 1 – Mapa de delimitação do 4º Distrito de Porto Alegre

Fonte: Marx, Araújo e Silva (2020).

836 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...

A região tem sido apresentada como re- à transformação (Marx, Araújo e Souza, 2021).
levante na agenda pública de desenvolvimento Em 2021, ainda no contexto da pandemia da
econômico e urbano na cidade por apresentar Covid-19, o cronograma de atividades para re-
uma baixa densidade demográfica ao mesmo tomar a revisão do Plano Diretor foi apresenta-
tempo que conta com uma infraestrutura ur- do pelo poder público. Os planos setoriais tam-
bana consolidada em terreno plano e traçado bém vêm sendo instituídos na cidade, através
xadrez contínuo formado por vias largas. A lo- do Programa de Reabilitação do Centro-Históri-
calização estratégica dessa área se justifica por co, aprovado em novembro do mesmo ano, e
estar situada na entrada da cidade, próxima do Programa +4D. Esses planos apresentam al-
aos bairros nobres da capital e ao centro his- terações urbanísticas específicas para cada uma
tórico e, no seu limite, com o lago Guaíba, que dessas regiões, com o objetivo de impulsionar
proporciona atrativos à paisagem urbana. os projetos de revitalização e atrair investidores
A região do 4º Distrito está presente na (Bisol, 2021). Isto poderia indicar uma fragmen-
agenda pública de desenvolvimento econômi- tação da cidade e alterações nos canais partici-
co e urbano na cidade, seguindo tendência já pativos sobre os processos urbanos.
observada em outras regiões da capital que Esses eventos poderiam se relacionar
vêm sendo retratadas e sendo analisadas em com a existência de regulamentações específi-
outras pesquisas (Soares, 2020). A Orla do cas que retratam a mercantilização da cidade
Guaíba e seu processo de revitalização (Soares e o aumento do empreendedorismo urbano
et al., 2019) seriam um exemplo com a cons- (Harvey, 2006). O processo de financeirização
trução de um bairro privativo na zona sul, às com viés fortemente neoliberal estimula a ex-
margens do lago Guaíba.3 O centro histórico pansão e a reestruturação urbana das grandes
seria outro exemplo de interesse do poder pú- urbes com alterações dos instrumentos de pla-
blico para revitalização, com a elaboração de nejamento urbano, com uso de sistemas de
um plano diretor próprio para efetivar as alte- crédito e com financiamento de capital estran-
rações urbanísticas (Silva, 2021). Esses proces- geiro (Campos, Tavares e Marx, 2021).
sos e alterações em curso na cidade têm se co- A nossa investigação, apesar de descre-
nectado à região investigada, conforme temos ver os acontecimentos inseridos no 4º Distrito
observado em discussões públicas na Câmara de Porto Alegre, centra-se no bairro Floresta.
Municipal de Porto Alegre e na Prefeitura Mu- Este se localiza na região central de Porto Ale-
nicipal de Porto Alegre. gre, fazendo divisa com a orla norte do lago
A análise dos planos diretores da cidade Guaíba e com os bairros Centro-Histórico, In-
identifica que o 4º Distrito vem sendo pensado dependência, Moinhos de Vento, Auxiliadora,
pela prefeitura como um espaço de interesse São João e São Geraldo. Suas principais aveni-
cultural, econômico e tecnológico, demarcado das são a Voluntários da Pátria, a Farrapos e a
como área de revitalização desde a década de Cristóvão Colombo, às quais correspondem a
1990. Na revisão do Plano Diretor em 2010, a via de acesso que conecta o aeroporto inter-
prefeitura definiu o 4º Distrito como área de nacional, no extremo norte, e o centro da cida-
Operação Urbana Consorciada (OUC), desig- de. Outro importante equipamento urbano de
nando a região como um território destinado mobilidade nessa área é a rodoviária.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 837
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

O bairro Floresta possui cerca de Tendo em vista a complexidade dos pro-


11.596 habitantes e aproximadamente jetos de revitalização nesse território, toma-
4.784 domicílios (ObservaPOA, 2018) e com- mos como ponto de partida teórico três con-
põe a Região de Gestão e Planejamento 1 ceitos mobilizadores para a construção da pes-
(centro).4 Atualmente o Floresta é alvo prio- quisa: financeirização das cidades (Fix, 2011),
ritário de projetos de reestruturação urbana internacionalização das cidades (Sassen, 2000)
contando com iniciativas privadas, apoiadas e direito à cidade (Lefebvre, 2001). Seria im-
pelo poder público, com fomento à econo- portante destacar, ainda, que, para desenvol-
mia criativa na região. Esse território tem ver a metodologia, utilizamos a abordagem e
se configurado, por um lado, pela diversida- as contribuições de Brenner (2010) e Robinson
de econômica e cultural com apoio de seto- (2011) para pensar os estudos urbanos con-
res da classe média e alta; e, por outro, por temporâneos desde uma perspectiva interna-
setores populares que residem e/ou traba- cional e crítica marcada pelo fenômeno da glo-
lham na região. balização (Marx, Araujo e Silva, 2020).

Figura 2 – Espacialização dos limites do bairro Floresta (2016)

Fonte: Prefeitura Municipal de Porto Alegre – ObservaPOA.

838 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...

A partir dessa leitura, evidenciamos co- prefeitura de José Fortunati (PDT) e Sebastião
mo diversos projetos de reestruturação urba- Melo (MDB8), a capital candidatou-se e passou
na e/ou requalificação vêm sendo pensados a integrar o programa filantrópico global “De-
para a região do 4º Distrito de Porto Alegre, safio 100 cidades resilientes”, coordenado pela
incidindo no bairro Floresta, que passa a ser Fundação Rockefeller, que visa conectar cida-
incluído como parte integrante desta região. des de diferentes países e auxiliar na captação
Tais projetos se iniciam nos anos de 1995, com de recursos não onerosos para tornar as cida-
o Pacto Cidade Tecnópole. Porém, devido aos des mais resilientes, contando com reuniões
entraves políticos do período, esses projetos bianuais (Freitas, 2019).
não puderam ser concretizados. Em paralelo, ainda em 2013, o grupo
Observamos como o discurso sobre a ne- Cidadãos, Inovação, Tecnologia e Empreende-
cessidade e urgência de revitalizar a região in- dorismo (Cite), formado por empreendedores
tensificou-se nos últimos anos, acompanhan- e acadêmicos em tecnologia e inovação, via-
do o ritmo de transformações observadas na jou para o Vale do Silício, nos Estados Unidos
cidade de Porto Alegre, que passa a incentivar (Martins, 2013). Nessa viagem internacional,
cada vez mais a tecnologia e a inovação, ope- buscou-se acessar o centro econômico de
rando em uma lógica de cidade para o negó- inovação e tecnologia para encontrar parce-
cio. Esta vem se acentuando nos últimos anos, rias viáveis que levassem à frente a propos-
em especial a partir de 2021, com a formação ta de tornar o 4º Distrito de Porto Alegre o
de novas parcerias público-privado e incenti- lugar mais inovador da América Latina (Oli-
vos de uma articulação em diferentes níveis veira, 2017). Foram estabelecidas algumas
(internacional, nacional, regional e local). parcerias com iniciativas privadas internacio-
Na trajetória de planos e projetos de nais, e as universidades locais brasileiras tam-
revitalização para essa região, constatamos bém se somaram a esse empreendimento de
que, em 2009, na prefeitura liderada por José transformação da região, com a participação
Fogaça (coligação PPS 5-PTB6) e José Fortunati dos polos de tecnologia e inovação da Pon-
(PDT7), foi criado o primeiro Grupo de Traba- tifícia Universidade Católica (PUC-RS) e da
lho do 4º Distrito (GT-4D) e o Plano de Revitali- Universidade Federal do Rio Grande do Sul
zação do 4º Distrito (PR-4D), em parceria com (UFRGS) entre outras instituições de ensino
a Secopa (Secretaria Extraordinária da Copa do locais, que se juntaram a esses esforços de re-
Mundo) de Porto Alegre. O principal propósito, vitalizar a região.
naquele momento, era duplicar a avenida Vo- Além desses eventos relevantes na cida-
luntários da Pátria e conferir um novo uso aos de e na região do 4º Distrito e mais especifica-
prédios do seu entorno, muitos deles vazios mente no Floresta, também caberia destacar a
e desocupados (Wagner, 2019). Essa iniciati- consultoria realizada pelo Banco Mundial à re-
va se configurou como um momento inicial gião, sendo apoiada pelo Fundo Global Redu-
que foi continuado em 2013, através de novas ção de Riscos de Desastres (Global Facility for
articulações do poder público. O propósito de Disaster Risk Reduction – GFDRR), que resul-
revitalizar a região permaneceu e, na gestão da tou em um documento de assistência técnica

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Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

para a tomada de decisão na revitalização do tecnologias, da indústria criativa, do co-


4º Distrito, propondo três etapas propositivas: nhecimento, da saúde, que vão gerar
emprego, renda e desenvolvimento pa-
(1) plano de investimento de capital; (2) gestão
ra Porto Alegre, nos mesmos moldes do
da valorização imobiliária; e (3) plano de ação. projeto 22@Barcelona, modelo de cida-
de inteligente. (Masterplan 4D, 2016)
Essa assistência técnica teve como princi-
pal objetivo apoiar a Prefeitura de Porto
Alegre na formulação de uma estratégia
Apesar de o Masterplan ter sido elabo-
para orientar a transformação do 4D, rado, a troca de governo na prefeitura, pas-
através de ações de curto, médio e lon- sando para a gestão Nelson Marchezan Jr.
go prazos que permitissem alavancar a (PSDB9) e Gustavo Paim (PP10), implicou certa
requalificação da região, atraindo novos
descontinuidade desse projeto e das inicia-
moradores e empreendimentos para a
área. (Banco Mundial, 2020, p. 11)
tivas para a revitalização da região, mas, no
âmbito do poder legislativo, foi criada a Fren-
De maneira mais pontual e prática, des- te Parlamentar em Defesa da continuidade do
tacamos o papel exercido pelo poder públi- Projeto 4D – Revitalização Urbana e Reconver-
co, com uma atuação mais local e articulada são econômica do 4º Distrito, proposta por
em redes, que vem alterando a legislação de Mauro Zacher (PDT), iniciada em 2017. 11 Em
modo a facilitar e atrair mais investimentos 2021, o cenário muda novamente, quando Se-
privados e a estimular essas parcerias, sobre- bastião Melo (MDB) e Ricardo Gomes (DEM12)
tudo afetando essa região, como é o caso da assumiram a gestão da prefeitura e recolo-
Lei Complementar do Executivo de 2015, reno- caram a discussão da revitalização da região,
vada em 2021, que visa à isenção de Impostos somando esforços com a nova formação da
sobre a Propriedade Predial e Territorial Urba- Frente Parlamentar em Defesa do 4º Distrito
na (IPTU) aos imóveis utilizados por empresas de Porto Alegre,13 liderada pelo vereador Ra-
de base tecnológica e inovadoras no 4º Distrito miro Rosário (PSDB), que tem como uma de
de Porto Alegre; havendo nesse contexto um suas principais defesas de campanha eleitoral
embate na Câmara Municipal que buscava am- a revitalização dessa região.
pliar as isenções para a moradia social, e essa Depois da descrição do contexto políti-
ação não foi aprovada (Hickmann, 2015). co e institucional, passamos a contextualizar
Em 2016, a gestão da prefeitura de José a configuração socioespacial da região inves-
Fortunati (PDT) e Sebastião Melo (MDB) bus- tigada. Consideramos importante fazer uma
cou acelerar sua revitalização e encomendou, imersão na região do bairro Floresta para
ao Núcleo de Tecnologia da Universidade Fede- compreender as dinâmicas local-global e as
ral do Rio Grande do Sul (UFRGS), o projeto de diferentes incidências nesse território. Para is-
revitalização Masterplan – 4D Distrito de Ino- so, realizamos caminhadas exploratórias para
vação de Porto Alegre, tendo como objetivo: conhecer mais sobre o bairro a partir de seu
cotidiano (Jacobs, 2011) e utilizamos fotogra-
Fazer uma dosagem do uso do solo ur-
bano para atrair investimentos do se-
fias como registros imagéticos para descre-
tor privado em infraestrutura e receber ver essa região e os fenômenos observados.
empreendimentos na área de novas Durante os cinco percursos das caminhadas

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A dimensão internacional nas transformações urbanas...

exploratórias, constatamos a presença de Nesse sentido, o “Baixo Floresta” cor-


distintas territorialidades no bairro Flores- responderia à área na qual se localiza a aveni-
ta, marcadas por estéticas e formas urbanas da Voluntários da Pátria nas proximidades do
contrastantes na ocupação e no uso do solo centro histórico e da orla do lago Guaíba até
urbano. Em especial, identificamos distinções a avenida Farrapos. Esse território é marcado
na inclusão desses territórios nos projetos e por um processo de desindustrialização ma-
planos urbanos do governo municipal e suas terializado em grandes vazios urbanos, como
parcerias com redes privadas e internacionais. terrenos com ruínas urbanas e antigos galpões
Analiticamente definimos essas áreas como industriais em estado de degradação. Outra
“Alto Floresta” e “Baixo Floresta”, as quais característica dessa área é a presença de su-
têm como fronteiras materiais as três grandes jeitos e grupos populares, como catadores de
avenidas já mencionadas (Cristóvão Colombo, material reciclável, moradores em situação de
Farrapos e Voluntários da Pátria) e que delimi- rua, escola de samba, comércios populares,
tam espacialmente o Floresta em relação aos trabalhadoras do sexo, moradores de assenta-
outros bairros adjacentes. Seria importante mento, ocupações e loteamento urbano e de
ressaltar que a avenida Farrapos dividiria as inúmeros vazios urbanos. Conforme pode ser
duas áreas da pesquisa. observado na Figura 3.

Figura 3 – Avenida Voluntários da Pátria

Fonte: foto de Gabriela Luiz Scapini, em 2021.

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Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

Já o “Alto Floresta” abrangeria a área nas Alegre – Barcelona, uma iniciativa de inova-
proximidades do Moinhos de Vento, estando ção social que busca desenvolver a economia
localizada entre as avenidas Farrapos e Cris- criativa nessa região, assim como conectá-la
tóvão Colombo, com a presença de artistas ao distrito de inovação de Barcelona, o 22@,
e pequenos empreendedores, bem como de além das redes de inovação e tecnologia for-
uma expansão cultural e imobiliária que apon- madas principalmente por startups.
ta para uma possível elitização do bairro, com Esses territórios do “Alto” e “Baixo” Flo-
marcas internacionais. Nesse sentido, também resta têm como ponto de (des)conexão/fricção
destacamos a chegada de novos atores so- a avenida Farrapos, importante avenida que
ciais, em especial na região do “Alto Floresta”, conecta o centro de Porto Alegre e sua região
representando setores da economia criativa metropolitana. No primeiro semestre de 2021,
e compartilhada. São empreendimentos de o projeto de requalificação da avenida Farra-
coworking, culturais, comerciais e artísticos pos no 4º Distrito foi selecionado pela AECID
que, em sua maioria, participam do chamado (Agência Espanhola de Cooperação Interna-
Distrito Criativo, fundado pela UrbsNova Porto cional para o Desenvolvimento) para receber

Figura 4 – Avenida Cristóvão Colombo

Fonte: foto de Gabriela Luiz Scapini, em 2021.

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A dimensão internacional nas transformações urbanas...

Figura 5 – Avenida Farrapos

Fonte: acervo GPSUIC – Vanessa Marx, em 2019.

investimento integrando esses dois territórios civil) e que destina boa parte de seus projetos
com a retirada do corredor de ônibus e impul- para a transformações dessa região. Como,
sionar a entrada de maiores investimentos pri- por exemplo, o HandsOn 4D (Pacto Alegre,
vados para a região (Tomasi, 2021). 2019), que visa ser um kick-off de revitaliza-
Em meio a essa correlação de forças, ção criativa na região, engajando a comuni-
observamos como diferentes atores vão as- dade local, empreendedores e os agentes
sumindo maior protagonismo nas discussões, de inovação, através de experimentações
em especial aqueles que fomentam a região urbanas inovadoras; e tem atuado como um
como um território de inovação, a exemplo “laboratório de iniciativas” que promove a
do Pacto Alegre, que seria uma articulação inovação para atrair investimentos, reforçan-
baseada na quádrupla hélice (poder público, do lógicas de um empreendedorismo urbano
agentes privados, universidades e sociedade na cidade.

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Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

A escala global a par r de posições e relações políticas complexas do


território em processos multiescalares maleá-
do olhar dos atores sociais veis (Brenner, 2018).
no bairro Floresta Em Porto Alegre, o projeto mais atual
de reestruturação do 4º Distrito da cidade
Para poder captar as dinâmicas do local-global se dispõe na versão do Masterplan, alavan-
no território, partimos das contribuições da cado por parcerias público-privadas em nível
teoria urbana crítica proposta por Brenner internacional, e que abrange um beneficia-
(2010, p. 21) que entende que a “teoria crí- mento de regulamentações e incentivos pa-
tica urbana envolve uma crítica da ideologia ra a criação dos polos da tecnologia, saúde,
(incluindo ideologias científicas-sociais) e uma conhecimento e economia criativa no territó-
crítica do poder, da desigualdade, da injustiça rio. A área correspondente ao plano abrange
e da exploração existentes, ao mesmo tempo, os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes
nas e entre as cidades”. Essa abordagem se ar- e tem como objetivo a atração de investi-
ticula com o pensamento de Robinson (2011) mentos para o desenvolvimento econômico
em relação à renovação da agenda urbana e social, facilitando os empreendimentos
comparativa convergente com uma perspecti- imobiliá rios, para avançar com estratégias
va internacional e pós-estruturalista, em que de aproximação regional e municipal (Marx;
resulta importante avançar na compreensão Araujo; Silva, 2020).
dos processos urbanos contemporâneos, con- Com base na leitura crítica sobre o ur-
siderando a experiência de uma diversidade de bano e visando compreender as dinâmicas da
cidades e suas convergências e conexões em dualidade local-global, buscamos trabalhar a
um mundo altamente globalizado. Para a auto- partir dos olhares dos atores sociais. A iden-
ra é necessário compreender a “espacialidade tificação, o acompanhamento das mudanças
das próprias cidades, sua multiplicidade, diver- e as transformações no território podem ser
sidade e conexões” (ibid., p. 2). identificados através de experiências particula-
A partir da crise financeiro-imobiliária res e coletivas no/com o bairro e de como se
de 2008, o capitalismo vem se reinventando revelam disputas, conflitos, redes, coalizões e
por meio de uma reestruturação global que se particularidades em torno da agenda para a
traduz em transformações profundas nas orga- região, sobretudo em relação aos projetos de
nizações escalares na qual o projeto geoeco- revitalização urbana e à influência internacio-
nômico do neoliberalismo desenvolveu uma nal. Refletimos sobre como realizar as entre-
competição desenfreada e institucionalizada vistas, em virtude das restrições impostas pela
forjando novas hierarquias escalares mundiais, pandemia sanitária da Covid-19 e chegamos à
cuja cidade e os seus sistemas de governança conclusão de que a realização de entrevista se-
urbana se tornaram alvos estratégicos desses miestruturada, em plataforma on-line, seria a
projetos. Essas mudanças, das quais a reestru- alternativa mais viável para dar seguimento à
turação sugere, concebem fluxos e transição pesquisa nesse momento.

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A dimensão internacional nas transformações urbanas...

As entrevistas permitem captar olhares ter algum tipo de envolvimento e/ou partici-
dos atores sociais acerca do território, a partir pação no bairro Floresta, ou serem afetados/
de suas experiências sociais no/em relação a beneficiados pelos projetos de requalificação
ele, e de como percebem a realidade que os urbana do 4º Distrito, e no bairro Floresta.
cerca. Optamos pela entrevista semiestrutura- Construímos uma amostra dos atores so-
da, a partir de questões predeterminadas, pos- ciais a serem entrevistados que contemplasse
sibilitando contrastar as falas entre diferentes a diversidade entre eles e que permitisse con-
atores, com um espaço maior para a flexibili- trastar as realidades e compreender as dinâmi-
zação e inclusão de novas perguntas quando cas da região. Assim, surgiu a necessidade de
necessário, assim como um maior tempo de construir os eixos analíticos para a pesquisa e,
fala. Com isso, debatemos a construção de um através deles, os integrantes do grupo subdi-
roteiro-guia da pesquisa, partindo dos concei- vidiram-se em grupos menores. Ao todo, de-
tos principais (financeirização, direito à cidade finiram-se quatro eixos: a) cultura e economia
e internacionalização das cidades) e avaliando criativa; b) as religiões e associações; c) assen-
quais eram os objetivos da investigação. Em tamentos, ocupações e loteamentos; e d) mer-
continuidade, passamos para a fase de seleção cado imobiliário e o poder público. Os detalhes
e mapeamento dos atores-chave do/no terri- sobre cada um dos eixos e suas características
tório. Priorizaram-se os atores que poderiam podem ser acessados no Quadro 1.

Quadro 1 – Eixo analí co e suas caracterís cas

Eixo Caracterís cas


Cultura e economia cria va Estão agrupados os diferentes espaços que compõem a economia cria va e com-
par lhada da região, em especial as suas redes de atuação, com empreendimen-
tos cria vos, tecnológicos e de inovação. Também fazem parte os espaços cole -
vos que trabalham com a promoção da arte e cultura no bairro Floresta.
Religiões e associações Estão agrupadas as associações e cole vos que têm alguma incidência na região
de inves gação, tais como ONGs e centros que promovem os direitos sociais e hu-
manos para a população local. Também foram incluídas as associações religiosas
que promovem ações assistencialistas no bairro Floresta.
Assentamentos, ocupações Estão agrupados assentamentos, ocupações e loteamentos urbanos com localiza-
e loteamentos ção no bairro Floresta e que promovem o direito à moradia e o acesso à região
para a população mais vulnerabilizada socialmente.
Mercado imobiliário Estão localizados os atores sociais que integram órgão de governo, conselhos, en-
e poder público tre outros espaços ligados ao poder público. Também se incorporou o mercado
imobiliário, representado pelas incorporadoras que estão inves ndo no bairro
Floresta.

Fonte: informações ob das no campo de pesquisa do GPSUIC. Quadro elaborado pelas autoras, em 2021.

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Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

Passamos a construção das dimensões Finalizadas as dimensões, partimos pa-


e dos temas que orientaram a pesquisa empí- ra os temas, que variaram conforme cada um
rica através da relação entre teoria e empiria, dos eixos, pois consideramos a existência de
chegando à formulação de quatro dimensões, distinções de atuação entre eles, por exemplo,
que são as mesmas para todos os eixos. Estas uma associação ou coletivo vai ter uma atua-
buscam acessar a dualidade global-local e in- ção diferente de um órgão público. No Quadro
dicar como está sendo formada a coalizão-po- 2 podemos visualizar a construção que fizemos
der-agenda para esse território: a) Dimensão das dimensões, eixos e temas de investigação.
da Trajetória do Ator Social no bairro Floresta: Com essas definições, foi possível cons-
investiga a relação da trajetória desse ator ou truir os roteiros-guia para as entrevistas se-
atriz social e sua relação com o espaço coletivo miestruturadas que variaram para cada um
no qual tem algum vínculo e uma posição es- dos eixos. Consideramos importante salientar
tratégica, tendo incidência no bairro, além dis- que, para sua construção, evitou-se induzir pe-
so, aborda como este se relaciona com o bairro la fala dos atores sociais a partir de visões pre-
Floresta e/ou qual narrativa tem sobre ele; b) concebidas e informações prévias que o grupo
Dimensão Inserção e Vínculos com o bairro: vi- já possuía, dando maior abertura para que
sa investigar quais são as redes, parcerias, coa- trouxessem seus olhares sobre os fenômenos
lizões e conflitualidades entre os atores sociais investigados, em observância com os truques
com incidência no bairro Floresta, identifican- de pesquisa de Becker (2007).
do com quem e de que maneira estão se re- Entendemos que pensar metodologia
lacionado no/com o território e as motivações para os estudos urbanos e especificamente no
para se relacionarem com alguns atores, quais bairro Floresta tem possibilitado compreender
são as dificuldades que enfrentam ou que es- as dinâmicas da região a partir do olhar de di-
tão observando na região; c) Dimensão Trans- ferentes atores sociais que poderiam ter algum
formação do bairro Floresta (Presente e Fu- tipo de incidência nesse território, captando
turo): busca analisar quais as transformações conflitualidades, disputas e como as coalizões
que os atores sociais percebem nessa região, estão sendo produzidas, quais grupos estão
se eles estão observando alguma mudança de sendo incluídos e excluídos dos projetos de re-
ordem sociourbana no território, qual tipo de vitalização. E também compreender a incidên-
alteração está sendo percebida, como perce- cia internacional no local, através das articula-
bem essa alteração e como será a região daqui ções em rede que estão presentes no território
a cinco anos, projetando uma visão de futuro e têm produzido alterações sociourbanas no
para esse território; e d) Dimensão Redes e bairro Floresta.
Interlocução com outros Agentes: busca abor- Por fim, seria importante ressaltar que o
dar interlocução e parcerias com agentes que desenho metodológico desta pesquisa produ-
podem estar fora desse território, tais como ziu uma discussão coletiva acerca da comple-
organizações da sociedade civil, movimentos xidade de nossas cidades e da importância em
sociais, órgãos públicos, agências multilaterais, criar metodologias a partir da sociologia urba-
organizações internacionais. na que captem a percepção dos atores sociais

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A dimensão internacional nas transformações urbanas...

Quadro 2 – Dimensões, eixos e temas de inves gação

Eixos
Assentamento,
Cultura e Associações e Poder público e
Dimensões ocupações e
economia cria va religiões mercado imobiliário
loteamentos
Temas
Apresentação Vínculo
Intencionalidade Relação com o cole vo
Trajetória do ator e conhecimento e pertencimento
social Laços de pertencimen- Laços de pertencimen- Narra va sobre Relação com o cole vo
to com o bairro to com o bairro o bairro e com o espaço
Intencionalidade História do cole vo
Socialização no bairro Socialização no bairro
atuação no bairro no bairro
Inserção e vínculo
com o bairro Relações de vizihança,
Associa vismo e Redes de conflito e Relações pontuais
cooperação e conflito
par cipação cooperação no bairro e parcerias no bairro
no bairro
Percepção das
Transformação do Percepção Par cipação Par cipação
transformações
bairro (presente e
futuro) Percepção e conheci-
Projetos Percepção Par cipação
mento de projetos
Redes com Redes com a
Parcerias Redes e parcerias com
organizações da sociedade civil e
Redes ins tucionais outros projetos
sociedade civil en dades privadas
e interlocução
com outros Redes com organiza-
agentes ções culturais e da Parcerias com o poder Parcerias Relações e parcerias
economia cria va público ins tucionais com o poder público
(parcerias externas)

Fonte: elaborado pelas autoras a par r do GPSUIC (2021).

nas cidades. A dualidade entre o local-global pode refletir no território alterando os regimes
em nossas urbes e a complexidade da socie- urbanos da cidade. A problemática resulta em
dade contemporânea, atravessada pela pan- como captar a dimensão da escala e essas al-
demia da Covid-19, levam-nos a pensar novas terações que estão sendo produzidas. Para isso,
formas de compreender e estudar as cidades. buscamos discutir também a importância da
elaboração de metodologias sobre os estudos
urbanos que captem essas especificidades de
forma profunda, o que os planos e os documen-
Conclusões tos não retratam. Além disso, consideramos
que, através do olhar dos atores sociais, pode-
Este trabalho buscou contribuir com as dis- mos compreender as alianças, coalizões e redes
cussões acerca da relação global-local e de que são produzidas no território, assim como as
como através dessa relação o neoliberalismo disputas de resistências sobre ele.

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Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

Para compreender esse território, pen- à cidade e a internacionalização das cidades


samos que seria importante definir analiti- aparecem na construção das dimensões, eixos
camente as suas características e contrastes, e temas e na identificação dos agentes.
que definimos como “Alto Floresta” e o “Baixo As cidades estão em constante trans-
Floresta”. A partir disso, elaboramos a meto- formação, e Porto Alegre deverá atravessar
dologia que passou por discussão coletiva no seu processo de revisão do Plano Diretor em
grupo de pesquisa para criar dimensões, eixos 2022. A região do 4º Distrito, e mais especi-
e temas para as entrevistas da pesquisa. A re- ficamente o bairro Floresta, poderá entrar
lação dos atores sociais com o bairro, através no processo de discussão ou não, ou seja,
da moradia, trabalho ou interesses, é funda- poderá ser tratado em caráter de exceção,
mental para identificar problemáticas, dispu- dependendo da correlação de forças entre os
tas, contrastes e aprofundar temas e necessi- atores políticos, sociais e econômicos e as re-
dades que não conseguem ser retratados na lações de poder que poderiam se configurar
análise documental e de planos para a região. no território.
Poderíamos dizer que essa percepção nos dá a Compreendemos que a globalização e
dimensão humana do território, em que con- o neoliberalismo afetam as cidades, transfor-
seguimos entender as mudanças através de mando seus regimes urbanos e abrindo seus
narrativas e experiências no/com o bairro na territórios para o capital internacional. Con-
formação de redes, de convergências, assime- sideramos importante que esse fenômeno,
trias e conflitos. algumas vezes sutil, nebuloso e pouco percep-
A metodologia criada buscou apreen- tível, seja identificado no território, por isso
der a dimensão da transformação dos planos consideramos fundamental criar metodologias
e projetos de requalificação urbana a partir do sobre estudos urbanos que iluminem esses
olhar dos atores sociais e da dualidade dos fe- processos e a diversidade de atores sociais
nômenos urbanos que são produzidos entre o que se relacionam com o bairro e que podem
local e global. Nossos conceitos norteadores da exercer influência nos futuros planos pensados
pesquisa foram constantemente revisitados no para o Floresta, no 4º Distrito, na cidade de
estudo de campo. A financeirização, o direito Porto Alegre.

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A dimensão internacional nas transformações urbanas...

[I] https://orcid.org/0000-0002-3595-2883
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento
de Sociologia, Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, RS/Brasil.
vanemarx14@gmail.com

[II] https://orcid.org/0000-0002-7260-3586
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, RS/Brasil
gabrielascapini@gmail.com

[III] https://orcid.org/0000-0002-0560-3498
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, RS/Brasil
gabie.araujo@gmail.com

Notas
(1) A pesquisa “O 4º Distrito a partir do olhar dos atores sociais no bairro Floresta” vem sendo
desenvolvida no âmbito do grupo de pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das
Cidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GPSUIC/UFRGS).

(2) Disponível em: h ps://leismunicipais.com.br/a1/rs/p/porto-alegre/lei-ordinaria/2005/988/9875/


lei-ordinaria-n-9875-2005-dispoe-sobre-o-programa-municipal-de-parcerias-publico-privadas-
cria-o-comite-gestor-de-parcerias-publico-privadas-do-municipio-de-porto-alegre-cgppp-
poa-e-autoriza-o-poder-execu vo-a-ins tuir-fundo-de-garan a-de-parceria-publico-privada-
municipal-fgpppm?q=9875. Acesso em: 28 dez 2021.

(3) Bairro Privativo Golden Lake realizado pela incorporadora Multipan. Disponível em: https://
bairrogoldenlake.com.br/. Acesso em: 28 dez 2021.

(4) Porto Alegre divide-se em oito Regiões de Gestão e Planejamento (RGP) e dezessete regiões do
Orçamento Par cipa vo (OP). Disponível em: h ps://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.
php?p_secao=127. Acesso em: 28 dez 2021.

(5) Par do Popular Socialista, que, em 2019, passou a se chamar Cidadania.

(6) Par do Trabalhista Brasileiro.

(7) Par do Democrá co Trabalhista.

(8) Movimento Democrá co Brasileiro.

(9) Par do da Social Democracia Brasileira (PSDB).

(10) Par do Progressista, que, em 2018, passou a se chamar Progressistas.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 849
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo

(11) Ver Proc. n. 01769/17 – Req. 135/17. Disponível em: https://www.camarapoa.rs.gov.br/


processos/132078. Acesso em: 28 dez 2021.

(12) DEM – Democratas.

(13) Ver Proc. n. 00141/21 – Req. 069/21. Disponível em: https://www.camarapoa.rs.gov.br/


processos/136246. Acesso em: 28 dez 2021.

Referências
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Texto recebido em 6/out/2021


Texto aprovado em 11/jan/2022

852 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
Cadernos Metrópole

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