Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
cadernos
metrópole
as metrópoles sob governança
neoliberal/ultraliberal
Francisco Fonseca
Humberto Meza
Nelson Rojas de Carvalho
Organizadores
Cadernos Metrópole
v. 24, n. 54, pp. 435-856
maio/ago 2022
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5400
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422 (versão impressa)
ISSN 2236-9996 (versão on-line)
A par r do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
A par r de 2016, a revista passou a ser quadrimestral.
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pon cia
Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório
das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Periódico indexado no SciELO, Redalyc, La ndex, Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Raquel Cerqueira
as metrópoles sob governança
neoliberal/ultraliberal
PUC-SP
Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente), Carla Teresa Mar ns Romar,
Ivo Assad Ibri, José Agnaldo Gomes, José Rodolpho Perazzolo,
Lucia Maria Machado Bógus, Maria Elizabeth B. T. Morato Pinto de Almeida,
Rosa Maria Marques, Saddo Ag Almouloud,
Thiago Pacheco Ferreira (Diretor da Educ)
Sonia Montone
Equipe Educ
Vivian Mo a Pires
Raquel Cerqueira
Waldir Alves
EDITORES
Lucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)
COMISSÃO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (Pon cia Universidade Católica
de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/
Brasil) Sérgio de Azevedo (Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/ Brasil) Suzana Pasternak (Universidade de São
Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil)
CONSELHO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (Universidade de Brasília, Brasília/Distrito Federal/
Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Cris na Fernandes (Universidade Federal de Pernambuco, Recife/
Pernambuco/Brasil) Ana Fani Alessandri Carlos (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de P. Bri o (Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (Universidade Federal da Bahia, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia
Catenazzi (Universidad Nacional de General Sarmiento, Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argen na) Angélica Tanus Bena Alvim (Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Carlos Antonio
de Ma os (Pon ficia Universidad Católica de Chile, San ago/Chile) Carlos José Cândido G. Fortuna (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Claudino
Ferreira (Universidade de Coimbra, Coimbra/Portugal) Cris na López Villanueva (Universitat de Barcelona, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de
Castro (Universidade Federal do Pará, Belém/Pará/Brasil) Eduardo Salvador Maria Lépore (Pon ficia Universidad Católica Argen na, Buenos Aires/Argen na)
Erminia Teresinha M. Maricato (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa/
Portugal) Francisco César Pinto da Fonseca (Fundação Getúilio Vargas, São Paulo/São Paulo/Brasil) Frederico Rosa Borges de Holanda (Universidade de
Brasília, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa ((Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna
(Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (Pon cia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (Universidade Federal
de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesus Leal Maldonado (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) José Alberto Vieira Rio
Fernandes (Universidade do Porto, Porto/Portugal) José Machado Pais (Universidade de Lisboa, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Universidade
Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) José Tavares Correia Lira (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Chris na Duarte
Dias (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/
Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza/Ceará/Brasil) Márcio Moraes Valença (Universidade Federal
do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Maria Cris na da Silva Leme (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do
Livramento M. Clemen no (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (Universidade de Brasília,
Brasília/Distrito Federal/Brasil) Marta Dominguéz Pérez (Universidad Complutense de Madrid, Madri/Espanha) Montserrat Crespi Vallbona (Universitat
de Barcelona, Barcelona/Espanha) Nadia Somekh (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Norma Lacerda (Universidade Federal de
Pernambuco, Recife/Pernambuco/Brasil) Pedro Roberto Jacobi (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos
(Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo
Silva (Universidade de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte/Minas
Gerais/Brasil) Rogério Proença de Sousa Leite (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ins tuto
de Pesquisa Econômica Aplicada, Curi ba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Universidade Estadual de Campinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Sarah Feldman
(Universidade de São Paulo, São Carlos/São Paulo/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (Pon cia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo/São Paulo/Brasil)
Colaboradores ad hoc
Ana Lucia Lucas Mar ns (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Ana Paula Fracalanza (Universidade de São Paulo-USP, São
Paulo/SP/Brasil) Annelise Caetano Fraga Fernandes (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Bruno César Euphrasio de Mello
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Porto Alegre/RS/Brasil) Carlos Roberto Monteiro de Andrade (Universidade de São Paulo-USP, São Paulo/SP/Brasil)
Chris ana Soares de Freitas (Universidade de Brasília-UnB, Brasília/DF/Brasil) Claudio de Farias Augusto (Universidade Federal Fluminense-UFF, Niterói/RJ/Brasil)
Cris na de Araújo Lima (Universidade Federal do Paraná-UFPR, Curi ba/PR/Brasil) Danielle de Melo Rocha (Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, Recife/
PE/Brasil) Eduardo José Grin (Fundação Getulio Vargas-FGV, São Paulo/SP/Brasil) Elisa Maria Almeida Vasconcelos (Universidade Federal do Pará-UFPA, Belém/
PA/Brasil) Erick Silva Omena de Melo (Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Rio de Janeiro/RJ/Brasil) Ernesto López-Morales (Universidad de Chile-UC,
San ago/Chile) Georges Gérard Flexor (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Giselle Megumi Mar no Tanaka (Universidade
Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, Rio de Janeiro/RJ/Brasil) Glenda Dantas Ferreira (Universidade Federal da Paraíba-UFPB, João Pessoa/PB/Brasil) Heloísa Soares de
Moura Costa (Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte/MG/Brasil) Jeferson Cris ano Tavares (Universidade de São Paulo-USP, São Paulo/SP/
Brasil) Jeroen Johannes Klink (Universidade Federal do ABC-UFABC, Santo André/SP/Brasil) Juan Pedro Moreno Delgado (Universidade Federal da Bahia-UFBa,
Salvador/BA/Brasil) Jupira Gomes de Mendonça (Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte/MG/Brasil) Jussara Jéssica Pereira (Fundação
Getulio Vargas-FGV, São Paulo/SP/Brasil) Laura Rodríguez-Negrete (Universidad Austral de Chile-UAC, Valdivia/Chile) Leandro Cardoso (Universidade Federal de
Minas Gerais-UFMG, Belo Horizonte/MG/Brasil) Leandro Dias de Oliveira (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, Seropédica/RJ/Brasil) Leda Velloso
Buonfiglio (Universidade Federal Fluminense-UFF, Niterói/RJ/Brasil) Le cia Nerone Gadens (Universidade Federal do Paraná-UFPR, Curi ba/PR/Brasil) Lucio Hanai
Valeriano Viana (Fundação Getúilio Vargas, São Paulo/SP/Brasil) Luís Alves Falcão (Universidade Federal Fluminense-UFF, Niterói/RJ/Brasil) Luis Felipe Ayres
Magalhães (Pon cia Universidade Católica de São Paulo-PUCSP, São Paulo/SP/Brasil) Monica Muniz Pinto de Carvalho (Pon cia Universidade Católica de São
Paulo-PUCSP, São Paulo/SP/Brasil) Regina Coeli Moreira Camargos (Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, Campinas/SP/Brasil) Ricardo de Sampaio
Dagnino (Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS, Porto Alegre/RS/Brasil) Robson Dias da Silva (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ,
Seropédica/RJ/Brasil) Rosa Maria Locatelli Kalil (Universidade de Passo Fundo-UPF, Passo Fundo/RS/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ins tuto de Pesquisa
Econômica Aplicada-IPEA, Curi ba/PR/Brasil) Silvana Maria Zioni (Universidade Federal do ABC, Santo André/SP/Brasil) Simone Aparecida Polli (Universidade
Tecnógica Federal do Paraná-UTFPR, Curi ba/PR/Brasil) Thamine de Almeida Ayoub (Universidade Norte do Paraná-Unopar, Londrina/PR/Brasil) Vera Lucia
Rezende (Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, Campinas/SP/Brasil) Wania Amélia Belchior Mesquita (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro-UENF, Campos dos Goytacazes/RJ/Brasil)Le cia Nerone Gadens (Pon cia Universidade Católica de Minas Gerais-PUCMG, Belo Horizonte/MG/Brasil)
sumário
443 Apresentação
Neoliberalism and the emptying of the State 549 Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado
in public transporta on in Araraquara, no transporte público de Araraquara–SP
state of São Paulo, Brazil Ta ane Borchers
Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
“Doing their best for the company”: neoliberalism 577 “Ves ndo a camisa da empresa”: neoliberalismo
and the subjec vity of shopper workers e a subje vidade dos trabalhadores shoppers
Brauner Geraldo Cruz Junior
Claudio Luis de Camargo Penteado
Paulo Roberto Elias de Souza
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 435-856, maio/ago 2022 441
Neoliberal governance in mining territories: 625 Governança neoliberal em territórios minerários:
private social investment in the Metropolitan o inves mento social privado na RMBH
Region of Belo Horizonte Junia Maria Ferrari de Lima
Renato Barbosa Fontes
Léa Guimarães Souki
Bi ersweet mining dependency in Minas Gerais 647 Doce fel da minero-dependência nas cidades
towns: Brumadinho and Itabira in perspec ve mineiras: Brumadinho e Itabira em perspec va
Frederico Dornellas Mar ns Quintão
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
André Luiz Freitas Dias
Porto Alegre as a growth machine: recent 739 Porto Alegre como máquina de crescimento:
housing produc on in the metropolis a produção habitacional recente na metrópole
Mario Leal Lahorgue
Paulo Roberto Rodrigues Soares
Heleniza Ávila Campos
Produc on of residen al space in Santos, state 793 Produção do espaço residencial em Santos/SP:
of SP: urban parameters and the “urban order” parâmetros urbanís cos e a “ordem urbana”
Marina Ferrari de Barros
Flavia da Fonseca Feitosa
Jeroen Johannes Klink
The interna onal dimension in the urban 831 A dimensão internacional nas transformações
transforma ons of the Floresta urbanas no bairro Floresta em Porto Alegre
neighborhood in Porto Alegre Vanessa Marx
Gabriela Luiz Scapini
Gabrielle Araújo
442 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 435-856, maio/ago 2022
Apresentação
Este número do Cadernos Metrópole tem por objetivo compreender as diversas e complexas
facetas da governança neoliberal/ultraliberal em distintos territórios: no ambiente urbano
construído, nos clássicos espaços extrativistas e na vida cotidiana dos indivíduos, conformando
abordagem rica acerca do modus operandi, das dinâmicas e das lógicas pelos quais se movimentam,
consolidando-se, as ideias e as práticas advindas do neoliberalismo.
Deve-se ressaltar que por neoliberalismo/ultraliberalismo se entende o conjunto de valores
e ideias que objetivam – com êxito nos últimos quarenta anos – se estabelecer em paradigmas
e métricas, em perspectivas e manuais e, sobretudo, em princípios concretos de gestão, de
formulação e de implementação de políticas públicas.
Trata-se, portanto, simultaneamente de doutrina (sistema orgânico de ideias), ideologia
(arcabouço de valores com vistas a obter hegemonia), projeto político, e por vezes eleitoral,
perspectiva sistêmica de gestão/políticas públicas e concepção de mundo. A radicalidade de
diagnósticos elaborados, tendo o “mercado” como agente organizador das relações sociais, e
sobretudo de suas proposições, materializa-se em: meritocracia individual como valor supremo;
fluxos supostamente livres de informação (caso dos preços) com a participação minimalista do
Estado; visão generalizante e fortemente negativa dos aparatos estatais como gerenciadores do
público; concepção da economia como “fluxos espontâneos”; defesa das desigualdades sociais
como “expressão natural das desigualdades humanas”, espécie de bordão ultraliberal; entre
outras características.
Na experiência brasileira, a consolidação ultraliberal acelerada com a consagração do golpe
de 2016 tem como reflexos o desmonte gradativo da concertação metropolitana – que sequer
havia se consolidado – e a alteração dos processos políticos que decidem a formação do espaço.
As dinâmicas de colaboração federativa previstas pela Constituição de 1988 têm sido rapidamente
substituídas pelo impulso empreendedor dos municípios. As cidades brasileiras tornaram-se agentes
competitivos entre si, para atraírem operações urbanas, alavancando grandes investimentos do
mercado imobiliário para se tornarem palcos de megaeventos de diversas naturezas. Tornam-se,
assim, “cidades para o mercado” e menos para a efetivação da vida.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
Crea ve Commons Atribu on
443
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5400
Apresentação
Tendo em vista essas características, os artigos aqui reunidos abordam, de formas distintas,
as dinâmicas e os impactos do neoliberalismo como expressão concreta, aplicada, de pressupostos
e interesses vinculados ao “mercado”, isto é, ao capital e às elites proprietárias e gestoras.
Os efeitos, conforme os ar gos em tela, abaixo analisados, exemplificam a aplicação
neoliberal em casos concretos, neste número especial, e apontam para municípios – no Brasil
e no exterior – que, ao promoverem a agenda neoliberal sob a forma de gestão pública e de
polí cas públicas, impactam diversas áreas, tais como: a financeirização dos alugueis, que
valorizam determinados territórios e consequentemente expulsam os moradores pobres
para regiões cada vez mais longínquas; as “fábricas de moradias” voltadas às classes médias
e às elites que promovem verdadeiras revoluções em bairros dis ntos, afetando, de inúmeras
formas, a dinâmica territorial, tal como as operações urbanas, essencialmente privadas (via
PPPs e outras formas de inves mento privado); os megaeventos que transformam bairros
e cidades em “padrão internacional” à luz dos interesses de inves dores; a gestão da água,
do saneamento, do transporte, da mobilidade, da habitação, entre outros, cuja lógica é a
financeirização neoliberal e a par cipação privada (capital, gestão, pressupostos e métricas);
os municípios “minerários”, em que o extrativismo permanece como marca indelével de
sociedades prisioneiras do “arcaísmo financeirizado” desses empreendimentos; chegando até
a subje vidade neoliberal presente em profissões e sua reprodução no “mercado” de trabalho.
Todos os artigos aqui apontados têm como premissa verificável a existência de
dimensões internacionais do capital quanto aos interesses aplicados no Brasil à luz dos
fundamentos neoliberais/ultraliberais.
O conjunto dos estudos, expressos nos 16 ar gos deste fórum, reúne informações
baseadas em fontes primárias, indicadores, entrevistas, vivência de campo (em alguns casos),
dentre outras estratégias metodológicas que revelam como se dão os impactos da “agenda
neoliberal”, que fora retomada com força no Brasil após o golpe do impeachment em 2016 e a
eleição à margem das regras do Estado Democrá co de Direito em 2018.
Em síntese, os pesquisadores que reagiram à chamada deste Dossiê apresentam um
repertório de análises que respondem a três eixos centrais de pesquisa:
• a gramática ultraliberal que anula o papel regulador do Estado para torná-lo garantia da ação
direta dos agentes privados na gestão das cidades, com claras alterações nas políticas urbanas e no
cotidiano dos indivíduos;
• a permanência do velho sistema extrativista minerário e das políticas hídricas e de saneamento,
cada vez mais articulados à financeirização e aos circuitos “modernos” internacionais;
• a produção habitacional (moradia) impactada por políticas urbanas formatadas pelos interesses
do mercado imobiliário com consequências para financeirização da moradia e uma gradativa
deterioração da possessão em grande escala.
Quanto ao primeiro eixo, e especialmente no tocante à gestão financeirizada do espaço
urbano, destaca-se o artigo apresentado por Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik
e Adriana Marín-Toro, Gestão neoliberal da precariedade: o aluguel residencial como nova
444 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022 445
Apresentação
446 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022 447
Apresentação
arquitetura, etc.), acrescidos das novas mídias e tecnologias e demais atividades correlacionadas
às indústrias culturais e criativas” (p. 444). Em outras palavras, propõe nova perspectiva, voltada
à maior inclusão e sustentabilidade do desenvolvimento econômico e social. Embora a força do
capital global venha incorporando a tudo e a todos, proposições como essa representa tentativa de
construção de novos espaços para além dos marcos neoliberais, mesmo que o próprio conceito de
Economia Criativa possa ser visto sob outras perspectivas.
No que se refere ao terceiro eixo de análise, que articula a inflexão neoliberal a novas formas
de produção e oferta da moradia, podemos situar o artigo de Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto
Rodrigues Soares e Heleniza Ávila Campos, Porto Alegre como máquina de crescimento: a produção
habitacional recente na metrópole. Nele, os autores analisam a dinâmica da produção imobiliária
na última década na Região Metropolitana de Porto Alegre, caracterizada por um forte volume
de investimentos, desassociado tanto da dinâmica dos ciclos econômicos como das taxas de
crescimento populacional. Capitaneado por um número concentrado de empresas, que se localizam
no núcleo do complexo urbano, imobiliário e financeiro local, o expressivo volume de investimentos
imobiliários verificado em Porto Alegre representa ao mesmo tempo causa e efeito de uma ampla
reestruturação produtiva, com a deslocalização da indústria do núcleo metropolitano, o qual que se
torna objeto da captura do setor secundário da acumulação.
Thêmis Amorim Aragão, no artigo A regulação do mercado imobiliário e política habitacional
no Rio de Janeiro, analisa as raízes do déficit imobiliário no Rio de Janeiro e identifica, a partir da
desagregação dos componentes do déficit, que, no caso do Rio de Janeiro, o ônus com a aluguel foi
a variável central subjacente à falta de acesso a moradias. O artigo problematiza a visão segundo a
qual a intervenção estatal deve centrar-se tão somente na produção pública da moradia; sugere um
leque de ações estratégicas por parte do estado que se afigurariam como mais relevantes do que
os tradicionais programas de provisão de habitação de interesse social.
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa e Jeroen Johannes Klink, no artigo
Produção do espaço residencial em Santos/SP: parâmetros urbanísticos e a “ordem urbana”, com
base na análise dos coeficientes de aproveitamento e leis que regularam a ocupação do solo no
município de Santos ao longo de cinco décadas (1968/2018), buscam testar a hipótese segundo
a qual o estado, por meio da sua ação reguladora, promove uma ordem urbana que privilegia a
produção residencial de alta renda. O artigo comprova a tese e identifica um duplo movimento de
generalização e focalização, pelo qual, graças à ação reguladora do estado, configura-se uma ordem
urbana direcionada à maximização dos lucros derivados da produção de novas localizações e ao
direcionamento da produção do espaço urbano residencial pelas camadas de alta renda.
No artigo A dimensão internacional nas transformações urbanas no bairro Floresta em Porto
Alegre, Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini e Gabrielle Araújo analisam, a partir da perspectiva da
glocalização, as transformações urbanas no bairro Floresta, localizado na região do 4º Distrito de
Porto Alegre, decorrentes do processo de neoliberalização e de financeirização. O artigo, por meio
da análise do caso empírico do bairro de Floresta, desenvolve proposta de metodologia capaz de
capturar a dimensão multiescalar da incidência dos fluxos de capital sobre o território, bem como a
dinâmica de formação de alianças, coalizões e parcerias público-privadas.
448 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Apresentação
Tomando como subsídio as análises do conjunto dos artigos a partir dos três eixos, devemos
relembrar que, desde os anos 1980 e sobretudo 1990, as chamadas “reformas orientadas para
o mercado”; o “Consenso de Washington”; a rational choice; o gerencialismo como movimento
internacional de “reforma” neoliberal do Estado, que levou à privatização da gestão e das políticas
públicas (o chamado “governo empresarial”, conforme Dardot e Laval); e a financeirização
informam teórica e ideologicamente reformas e transformações nas políticas públicas.
O território urbano e rural é tomado como “ativo” e articulado a teias internacionais e
financeirizadas. Resistências a esse vetor têm sido observadas em movimentos sociais voltados a
políticas específicas, em partidos políticos progressistas, por urbanistas, pesquisadores e cidadãos
comprometidos com a coletividade e com a igualdade de ter “direito à cidade”.
O campo de disputa está aberto e as eleições de 2022 apontam desde já para projetos
antagônicos entre as perspectivas social-democrata/centro-esquerda e neoliberal/extrema-direita.
Tal disputa também pode ser expressa em termos de civilização versus barbárie.
Este fórum intenta contribuir com subsídios aos(às) pesquisadores(as) e cidadãos(ãs) quanto
aos hercúleos desafios que a sociedade brasileira tem pela frente
[I] https://orcid.org/0000-0003-4339-4786
Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Administração de Empresas e Administração Pública, Programa de Pós-Graduação
em Administração Pública e Governo. São Paulo, SP/Brasil.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Sociais. São Paulo, SP/Brasill.
franciscofonsecacp@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0001-5074-3337
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Observatório das
Metrópoles. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
meza.humberto@gmail.com
[III] https://orcid.org/0000-0001-6303-3406
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais. Seropédica, RJ/Brasil.
nrojascarvalho@gmail.com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022 449
Apresentação
Referências
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo – Ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
NOBRE, E. (2019). Do plano diretor às operações urbanas consorciadas: a ascensão do discurso neoliberal
e dos grandes projetos urbanos no planejamento paulistano. São Paulo, Annablume.
450 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 443-450, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade:
o aluguel residencial como nova
fronteira de financeirização da moradia
Neoliberal management of precarity: rental housing
as a new neoliberal frontier of housing financialization
Isadora de Andrade Guerreiro [I]
Raquel Rolnik [II]
Adriana Marín-Toro [III]
Resumo Abstract
A ascensão do aluguel como forma de acesso à The rise of rental housing as a form of tenure
moradia tem sido observada atualmente na Amé- has been observed in Latin America, in the
rica Latina, inserida em um contexto de inflexão context of neoliberal inflection of social policies,
neoliberal das políticas sociais, financeirização e financialization and commodification of popular
mercantilização do território popular. Senhorios territories. Corporate landlords linked to global
corpora vos vinculados a gestores financeiros glo- financial managers operate in residential
bais operam, no mercado residencial, através de markets, articulated by digital platforms that
plataformas digitais, concentrando a extração de enable them to concentrate the extraction
renda de aluguel dispersa, com grande alcance e of a dispersed rent flow, with large capacity
flexibilidade normativa. Já, no lucrativo mercado of outreach and regulatory flexibility. In the
imobiliário popular, o aluguel informal é alimen- lucrative popular real estate market, informal
tado por remoções, despejos e uma nova geração rental housing is fueled by evictions and a new
de políticas públicas de moradia de aluguel: seja generation of public rental housing policies,
através de Parcerias Público-Privadas, seja com a either through Public-Private Partnerships or
introdução de vouchers, que ar culam mercados through the introduction of vouchers, which
residenciais populares informais às finanças, im- link informal rental housing markets to finance,
pactando territórios populares e redefinindo a mo- impacting urban popular territories and
radia como serviço. redefining housing as a service.
Palavras-chave: financeirização da moradia; alu- Keywords: financialization of housing, rental
guel residencial; senhorios corpora vos; parcerias housing, corporate landlords, public-private
público-privadas; informalidade. partnerships, informality.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5401 Crea ve Commons Atribu on
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
452 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
Investment Trusts (Reit nos EUA) 2 – princi- informalidade impõe um alto grau de insegu-
palmente torres corporativas (Fix, 2007), rança jurídica. Na década de 1990, as teses
shoppings centers e galpões logísticos (Rolnik sobre titulação em massa de assentamentos
et al., 2018) –, até chegar à habitação. O se- informais do peruano De Soto (2001) foram
tor habitacional é estratégico nesse processo, aclamadas pelos órgãos multilaterais como
por se tratar de uma necessidade universal: solução para essa questão, sendo implantadas
há potencialidade de alcançar grande escala e, em diversos países da América Latina. No en-
ainda, em função de seu grande apelo político, tanto, não lograram promover maior acesso
poder contar com apoio de fundos e interven- ao crédito, entre outros motivos, dado o baixo
ções públicas. nível de bancarização da população dos países
A construção da conexão entre a mora- (Cockburn, 2011; Riofrio, 1998). Sendo assim,
dia e as finanças passou por diversas fases na a informalidade na produção habitacional con-
região. Desde a década de 1990, na América tinua sendo até hoje um limite para a financei-
Latina, ocorreram dois processos paralelos: rização da moradia popular.
o primeiro foi ligado à produção massiva de Nossa hipótese, neste artigo, é a de que
casas próprias, mobilizando financiamento as transformações recentes nos mercados ha-
imobiliário; o segundo deu-se no campo da bitacionais da região, ligadas ao incremento
autopromoção de moradia, com políticas de do aluguel e a mecanismos de concentração
regularização fundiária. O primeiro processo de seus fluxos de rendas, têm capacidade de
teve, no Chile, um importante laboratório que incidir nas duas frentes (produção de novas
se desenvolveu ainda na década de 1980, no unidades e intervenção em assentamentos),
qual o financiamento era baseado em títulos configurando uma nova fronteira de expansão
de hipoteca, comercializados no mercado se- das finanças sobre o imobiliário. A habitação
cundário. Assim, configurava-se um sistema transformada em serviço por meio do aluguel
de oferta privada de habitação com subsídio à ganha maior flexibilidade normativa, de produ-
demanda, vinculado ao sistema financeiro via ção e de mobilização de demanda, deslocando
mercado de hipotecas (Mioto, 2015; Rolnik, a questão da moradia da necessidade de res-
2019). Esse modelo se expandiu pela região e posta à precariedade e à informalidade e reco-
ganhou escala durante a década de 1990, com locando-a no campo da gestão da insegurança
a abertura de capital das empresas do merca- habitacional. Neste, os vínculos entre moradia
do imobiliário (Fix, 2011), primeiramente no e finanças deixam em segundo plano a rentabi-
México (através do Programa Infonavit), che- lidade advinda da produção em escala da mo-
gando ao Brasil no final da década de 2000, já radia em propriedade, priorizando a remune-
como política anticíclica em resposta à crise hi- ração do capital investido através de fluxos de
potecária de 2008 (Programa Minha Casa Mi- renda centralizados e de larga permanência no
nha Vida – PMCMV). tempo – apoiando-se (e consolidando) o con-
No entanto, o modelo predominante texto de transitoriedade permanente (Rolnik,
de moradia – a autopromoção da moradia e 2019) ao qual as classes populares estão sub-
da cidade – sempre foi o limite para a expan- metidas. Ganham espaço, nesses processos,
são da financeirização, na medida em que a diversas formas de parcerias público-privadas,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 453
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
nas quais – em nome das necessidades habi- O Estado, nesse processo, acaba transferindo a
tacionais da população – o fundo público é responsabilidade de atendimento dos direitos
mobilizado seja para ativar rendas imobiliárias sociais e proteção dos trabalhadores para em-
a partir da disponibilização de terras públicas; presas de plataforma que, por sua vez, ao se
seja para dar segurança aos contratos através posicionarem apenas como intermediadoras
de fundos garantidores (Rolnik et al., 2018); do serviço, transferem tal responsabilidade pa-
ou, ainda, como fluxos de remuneração ao ra o “consumidor” que, assim, perde seu lugar
longo do tempo que podem ser securitizados. de cidadão a ser protegido e atendido. Segun-
Dessa maneira, a habitação, assim como todos do Abílio:
os demais direitos sociais, pode ser assegura-
A uberização refere-se às regulações
da através de serviços terceirizados (Lavinas e
estatais e ao papel ativo do Estado na
Gentil, 2018). eliminação de direitos, de mediações e
Neste artigo, olharemos inicialmente pa- controles publicamente constituídos; re-
ra as transformações globais que têm ocorrido sulta da flexibilização do trabalho, aqui
no setor habitacional pós-crise hipotecária de compreendida como essa eliminação de
freios legais à exploração do trabalho,
2008, que têm mobilizado predominantemen-
que envolve a legitimação, legalização e
te o mecanismo do aluguel como forma de banalização da transferência de custos
extração de renda imobiliária, conformando e riscos ao trabalhador. Por essa pers-
grandes carteiras globais de ativos de proprie- pectiva, ela se conecta ao direito como
um campo em movimento, de disputas
tários corporativos ligados ao mercado finan-
permanentes em torno das regulações
ceiro. Abordaremos, em seguida, como estão que materializam os conflitos, as assi-
se dando as conexões dessas novas dinâmicas metrias e desigualdades, e as vitoriosas
com os territórios das classes populares, atra- legitimidades que os envolvem. Ainda,
vessados pela informalidade. na relação entre inovação tecnológica e
papel do Estado, a uberização também
Mostraremos como essa sua condição
se refere aos desafios nacionais ante os
constitutiva, que a princípio parece ser um espaços transnacionais que se formam
obstáculo para a expansão das finanças sobre no ciberespaço do mundo do trabalho,
esses territórios, tem marcado fortemente a dando uma nova dimensão ao que David
financeirização num momento de flexibiliza- Harvey (1992) denominou “organização
na dispersão”. (Ibid., pp. 112-113)
ção mundial das relações de trabalho e sua
concentração através de fluxos de renda, for-
ma própria da chamada “uberização”, na qual
ganham centralidade formas de autogerencia-
mento próprias à informalidade histórica lati-
Pós-crise hipotecária: ascensão
no-americana: “Está em jogo a tendência de dos mercados de aluguel
uma generalização em nível global de caracte-
rísticas persistentemente invisibilizadas e for- Para compreender essa nova etapa na estru-
temente associadas à marginalidade, ao traba- turação dos mercados residenciais na América
lho informal e, mais genericamente, ao mundo Latina, será necessário observar a transforma-
do trabalho da periferia” (Abílio, 2020, p. 113). ção estrutural em marcha nos cenários globais,
454 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
mas que também tem se intensificado há cerca levou à situação atual de que a média da região
de duas décadas na região: o crescimento dos para a locação residencial seja de cerca de ape-
mercados de aluguel residencial, em todas as nas 20%, 3 enquanto, na Europa, esse número
faixas de renda. seja, em média, de cerca de 30% (variando en-
É uma transformação importante dentro tre 20% na Islândia e 55% na Suíça) e, nos EUA
de um quadro relativamente estável, a partir e Canadá, 33% (Blanco, Cibils e Muñoz, 2014).
das décadas de 1950/1960, de acesso à mora- Esse cenário, no entanto, tem mudado
dia por meio da posse ou propriedade privada em vários países: segundo dados da Cepal,
e autoconstrução, com grande presença de in- desde 2000 cresceu 8,8% a porcentagem dos
formalidade em vários aspectos da produção, domicílios alugados, com México, Paraguai,
comercialização e uso da moradia. Em toda a Uruguai e República Dominicana com variação
América Latina, esse processo que combinou acima da média, e destaque para Brasil, Argen-
a fase de industrialização pesada com a predo- tina, Colômbia, Costa Rica, Chile e Nicarágua,
minância do acesso à moradia através da posse com variações acima de 20% (Gráfico 1).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 455
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
456 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
hipotecadas, novas barreiras de acesso ao cré- são apartamentos de unidades mínimas, com
dito, além de salários cada vez menos estáveis padrão hoteleiro, serviços compartilhados e
(Hochstenbach e Ronald, 2020), fizeram com associado ao mercado do e-commerce, mui-
que a moradia de aluguel tivesse um papel tas vezes vinculado ao aluguel residencial
relevante na história da crise financeira global via plataforma de curto prazo como Airbnb
(Kemp, 2015, p. 601, apud por Hochstenbach (Vannucchi, 2020).
e Ronald, 2020). Assim, surgem os denomina- Para terem mais “aderência” – ou seja,
dos Global Corporate Landlords (Beswick et conformarem a mercadoria mais adaptada a
al., 2016), que centralizam internacionalmen- esse mercado –, os imóveis residenciais preci-
te a gestão financeira de grandes carteiras de sam se despojar de suas características locais,
ativos imobiliários. Esses proprietários corpo- seja qualitativamente, seja na forma de gestão
rativos globais também estão presentes no de sua propriedade, para que possam ser cen-
contexto de privatização do parque de locação tralizadas em fundos, que exigem um padrão
habitacional público de cidades europeias. de rentabilidade alcançado com a padronização
Na América Latina, a moradia em pro- da mercadoria. Mais do que isso, há uma mu-
priedade tem desempenhado um papel políti- dança fundamental na forma de morar, que
co muito mais relevante em comparação com passa a ser encarada diretamente como servi-
a realidade de alguns países do Norte global ço, na medida em que a relação que se esta-
(Santana-Rivas, 2020), onde tem existido – em belece entre proprietário e consumidor é a de
diferentes níveis, profundidade e relevância – uso, por determinado tempo, e não a de venda.
uma trajetória habitacional ligada à moradia O interesse por parte dos proprietários
de aluguel, inclusive através de políticas pú- corporativos pelo modelo multifamily é que
blicas. Na América Latina, em geral, o aluguel se trata de um ativo anticíclico, ou seja, que
sempre funcionou com bastante autonomia, responde melhor em períodos de crise, sendo
ou seja, um mercado privado, fragmentado e uma alternativa a outros ativos, como indus-
pulverizado, desenvolvido tanto no mercado trial, escritórios e retail, os quais têm um de-
formal como no informal. Porém aparecem no- sempenho que se vincula mais ao crescimen-
vos atores envolvidos num mercado de aluguel to econômico. Além disso, o multifamily atua
apropriado e gerido em grande escala, sob a como um refúgio contra a inflação, devido ao
lógica da financeirização, isto é, emergem ato- fato de os preços do aluguel aumentarem em
res corporativos que administram em grande proporção superior à inflação, 4 juntamente
escala ao invés do pequeno proprietário, não com os próprios ganhos de capital que o ativo
profissionalizado, de apenas uma propriedade. proporciona ao investidor (CBRE, 2019).
O que temos observado até agora na re- Na América Latina, o modelo multifamily
gião é o surgimento do modelo multifamily, já para aluguel teve início no Chile, em 2013
bastante expressivo nos EUA: edifícios que não (Asset, s./d.), e foi exportado por investidores
compõem um condomínio (soma de frações daquele país para outras cidades da região,
de propriedade), mas são uma única proprie- em dois países especialmente: Peru e Colôm-
dade, que aluga frações, num modelo de ges- bia (Osorio, 2020), mas também está presente
tão centralizada e padronizada. As tipologias no México (WSJ, 2016) e no Brasil.5 A seleção
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 457
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
desses países ocorre porque seus governos im- As novas formas de aluguel sob a lógica
plementaram instrumentos e mecanismos que da financeirização, portanto, conformam um
facilitam a circulação de capital no ambiente mercado muito recente na América Latina,
construído, medidas que permitem criar um mas que tem apresentado força para ingressar
ambiente "seguro" para o investimento. São na região e se posicionar, inclusive, como parte
esses países, atualmente, os que mais atraem da política pública, como veremos a seguir.
diferentes fluxos financeiros internacionais pa-
ra a propriedade imobiliária na região.
A relação das empresas locais com gran-
“Desde abaixo”: um novo
des Global Corporate Landlords, além dos
fundos de investimento estrangeiros, dá-se
extra vismo entre a
também por meio da compra de suas plata- informalidade e as finanças
formas digitais, que lhes permitem ser gran-
des operadoras de unidades destinadas ao O processo de “inquilinização” na América La-
aluguel residencial. Os avanços tecnológicos tina também se dá nos territórios populares,
no mercado de aluguel têm sido fundamen- ou seja, o aumento da porcentagem de mo-
tais para adaptar estratégias de acumulação radia alugada em relação à moradia própria,
financeira impulsionadas pela propriedade, independentemente da legalidade da posse
para um novo segmento de mercado de loca- (Abramo, 2009 e 2012). A fase de produção
ção (Fields, 2019). massiva de casas próprias, embora tenha feito
As empresas que estão desenvolven- cair a coabitação familiar, assim como a habita-
do o modelo multifamily na América Latina ção precária, colaborou para um aumento do
estão, portanto, expandindo um mercado de preço da terra e, consequentemente, um in-
tipologias padronizadas mundialmente, com cremento do aluguel. No caso do Brasil, tal ten-
perfil segmentado, vinculando serviços habi- dência de mudança de vínculo de propriedade
tacionais a outros serviços urbanos por meio fez com que o déficit habitacional tenha altera-
de plataformas digitais. Os proprietários são do de perfil durante a primeira metade da dé-
de perfil corporativo, com gestão centralizada cada de 2010, ao mesmo tempo que o PMCMV
e profissionalizada: fundos de investimento e estava sendo implantado, fazendo com que a
de aposentadoria, gestores imobiliários, family participação do indicador de ônus excessivo
offices, companhias de seguro. Uma caracterís- de aluguel crescesse exponencialmente. 7 No
tica importante, no caso da América Latina, é Chile, em 2015, 28% dos inquilinos pagavam
que a implantação desse modelo envolve uma mais de um terço de suas rendas familiares no
reestruturação das empresas locais, que pas- aluguel, indicando também déficit por ônus ex-
sam a ter aportes de empresas internacionais cessivo (Link, Marín-Toro e Valenzuela, 2019).
de gestão imobiliário-financeira (europeias, Esse fenômeno merece ser aprofunda-
norte-americanas ou asiáticas), fazendo com do na medida em que parece fazer parte de
que exista uma centralização da gestão locatí- um processo maior de transformação, em to-
cia de forma externa aos países.6 da a América Latina, das relações de trabalho
458 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 459
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
e jurídico-administrativo, pode ser informal essas políticas ainda não estejam vinculadas
e precária. Trata-se de um mercado diverso diretamente às finanças, estão dando seus
daquele de compra e venda de imóveis, pois primeiros passos nesse sentido, quando co-
a falta de formalização completa da proprie- meçam a propor um fluxo constante de rendas
dade não impede contratos legais de locação por meio de vouchers a gestores de carteira de
ou, ainda, contratos “de gaveta”, mediados locação destinados a populações removidas,
por forças de gestão local. Assim, configura-se como veremos adiante.
um grande mercado de extração de rendas, ao O terceiro relaciona-se ao processo aci-
mesmo tempo que a demanda por locações ma citado de “uberização”, ou economia com-
mais baratas ganha ainda mais centralidade na partilhada. No campo da habitação, vale citar a
medida em que vão escasseando novas terras crescente centralidade dos Títulos de Impacto
nos centros urbanos em expansão periférica Social (Social Impact Bonds – SIB), que têm bus-
da América Latina (ibid.). cado soluções de locação popular nos centros
A hipótese, portanto, é a de que esta- das grandes metrópoles (Santoro e Chiavone,
mos diante de três processos em curso que 2020), conectando sua rentabilidade a fundos
conformam os nexos entre os mercados po- e títulos negociados internacionalmente.
pulares – da informalidade histórica à recente Importante analisar como cada um des-
precarização das classes médias e reprodução ses três processos se desenvolve atualmente,
social do novo “precariado” (Braga, 2012) – e mas, também – e talvez de maneira ainda mais
as finanças. O primeiro, e mais antigo, é aquele relevante –, como os três se inter-relacionam
vinculado aos mercados ilegais de mercadorias na medida em que ocorrem em um mesmo
e drogas que atuam de forma transnacional. território, em um mesmo mercado, disputan-
Pesquisas recentes mostram como mercados do e articulando práticas, agentes e repertó-
de locação residencial em áreas de controle rios distintos, entrelaçando de novas formas os
miliciano são fundamentais para sua manuten- mercados corporativos e os mercados popula-
ção econômica e expansão territorial (Hirata res de moradia.
et al., 2021); além de serem importantes for- Assim, a tendência à flexibilização das
mas de lavagem de dinheiro desses merca- relações formais de trabalho e moradia cons-
dos transnacionais (Abreu, 2020) e, também, titui um movimento duplo em economias pe-
investimento produtivo de rendimentos de riféricas como as latino-americanas: por um la-
negócios internacionais bastante lucrativos do, a formalização – ou institucionalização – da
(Giavarotti, 2018; Feltran, 2019). precariedade gera insegurança na reprodução
O segundo é um tipo de política públi- da vida e, por outro lado, é essa mesma inse-
ca de cunho neoliberal que terceiriza a res- gurança que, ao ser gerida como serviço por
ponsabilidade legal e a qualidade da moradia meio da locação temporária (de trabalho ou de
de aluguel ao próprio beneficiário, através moradia), pode permitir ganhos financeiros no
de auxílios mensais e sem nenhum controle mercado e, ao mesmo tempo, pressionar no
ou gestão sobre o parque locatício mobiliza- sentido de mudanças nas formas de atuação
do através desses auxílios. Embora, no Brasil, do poder público.
460 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 461
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
circuitos são, antes de tudo, extratores centra- antagônicos produziam uma esfera pública
lizados de valor de muitas propriedades difu- marcada pelo dissenso próprio à democracia
sas e “autogeridas”, mediadas e construídas (Ranciére, 1996). Segundo Gago (2015), é ne-
por práticas populares de reprodução da vida cessário entender, no caso latino-americano,
e de subsistência à “viração” (Telles, 2007), que se trata de uma condição política que não
resolvidas atualmente pela matriz empreende- depende da legitimidade e da vontade dos go-
dora. Segundo a autora argentina: vernos, na medida em que estes apenas devem
garantir as condições da concorrência:
[…] a pluralização do neoliberalismo pe-
las práticas populares provenientes “des- Por Neoliberalismo “desde abajo” me
de abajo” permite ver sua articulação refiro então a um conjunto de condições
com formas comunitárias, com táticas que se concretizam além da vontade de
populares de resolução da vida, com em- um governo, de sua legitimidade ou não,
preendimentos que alimentam as redes porém se convertem em condições so-
informais e com modalidades de nego- bre as quais opera uma rede de práticas
ciação de direitos que se valem desta e saberes que assumem o cálculo como
vitalidade social. (Gago, 2015, p. 31; tra- matriz subjetiva primordial e que funcio-
dução livre) na como motor de uma poderosa econo-
mia popular que mistura saberes comu-
Tal análise se coaduna com o argumento nitários autogeridos e intimidade com o
dos franceses Dardot e Laval (2016), para quem saber-fazer na crise como tecnologia de
o neoliberalismo não se limita a uma ideologia uma autoempresarialidade de massas.
econômica, mas principalmente atua na gover- (p. 25; grifos nossos; tradução livre)
462 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 463
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
Essas pesquisas trazem dados que mos- (IFC). Sua estratégia baseou-se na narrativa de
tram, inclusive, a promoção de tomadas de “emergência econômica” (Paulani, 2010) dos
territórios e unidades habitacionais com uso países, que só poderia ser superada, nos seus
da violência ou remoções discricionárias por argumentos, com o investimento privado como
dívidas, cujo estoque construído disponibili- antecipador de recursos para políticas públicas
zado forma carteiras de aluguel gerenciadas para Estados que não poderiam mais se endi-
por grupos locais associados a mercados ile- vidar. Esse modelo implanta um novo contrato
gais (ibid.). Diante desse contexto, como vere- social, privatizando direitos, a serem geridos de
mos a seguir, as políticas públicas de subsídio maneira privada como serviços públicos (Rolnik
à locação difusa em parque privado (como os et al., 2018).
vouchers) podem, dentro desses territórios, No campo urbano e habitacional, isso
inclusive promover articulações entre práticas significou a passagem do modelo de negocia-
criminais e finanças. ções participativas na esfera pública, de caráter
político e conflitual, para uma lógica do direito
liberal baseada na contratualização privada, na
qual a gestão contratual ganha centralidade. É
Nova fase das polí cas o momento de implantação da cidade-empre-
públicas de habitação: endedora baseada na governança urbana (Har-
contratualização público- vey, 2006), que se deu de maneiras distintas em
cada um dos países latino-americanos, porém
-privada e financeirização sempre seguindo uma lógica de empresaria-
por meio do aluguel mento da gestão urbana, com papel importan-
te das terras e dos fundos públicos na estrutu-
Durante os anos 1990, nas primeiras fases ração de negócios privados. Longe da ideologia
do neoliberalismo latino-americano, a rela- do Estado mínimo, esse modelo de concessão
ção entre Estados e mercado dava-se através público-privada é a expressão do que Aalbers
principalmente de privatizações de empresas (2016) denominou regulation of deregulation,
públicas. A partir da década seguinte, esse segundo a qual um novo sistema regulatório
processo se desenvolveu também em dire- possibilita a liberação de ativos públicos para o
ção a uma relação de vínculo permanente en- mercado de capitais, o que Raco (2014) chama-
tre Estado e mercado no tempo, por meio de rá de “capitalismo regulatório”. Essas políticas
concessões do patrimônio público à gestão de concessão público-privadas foram sendo re-
privada, via parcerias público-privadas, com gulamentadas nos diversos países da região du-
fluxos de recursos públicos assegurados no rante os anos 2000, porém passaram a exercer
tempo para o mercado privado. Banco Mundial hegemonia nas políticas urbanas e habitacio-
e BID passaram a fomentar, em todo o conti- nais principalmente na década de 2010, dentro
nente, programas de fomento à participação do contexto pós-crise hipotecária mundial, no
privada nas políticas públicas, inclusive mo- qual a vinculação entre mercados imobiliários e
bilizando a International Finance Corporation financeiros se aprofundou.
464 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 465
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
de produção massiva está sendo em parte Já o México tem programas desde 2013
redirecionado para a locação através de um que subsidiam o aluguel junto ao mercado pri-
programa nacional de subsídio ao aluguel vado, com vários desenhos diferentes. O pri-
chamado “Programa de Subsidio al Alquiler meiro deles foi inserir o sistema de leasing no
de Vivienda”, que tem cerca de 20 mil bene- programa de produção habitacional massiva
ficiários (Ross e Pelletier, 2014). A pandemia (Infonavit), que foi denominado “Arrendavit”,
de Covid-19 tem servido de justificativa para direcionado às famílias com capacidade de pa-
a transformação recente desse programa, pois gamento, mas que não conseguiam acessar o
no Chile um dos problemas estruturais, que financiamento por outros motivos. Também
ficou expresso durante a pandemia, é o aden- têm surgido, no país, iniciativas de locação de
samento habitacional excessivo, questão que parte do parque habitacional construído pelo
torna difícil o isolamento vinculado às medidas Infonavit que se encontra atualmente abando-
de contenção do vírus. Nacionalmente, o Chile nado, com centralização de gestão pelo muni-
apresenta 7,3% de adensamento habitacional cípio, como é o caso do Programa “Renta tu
(MDS, 2018), e esta é a justificativa utilizada Casa” de Tlajomulco.14
para a criação, em 2020, de um novo programa Mais recentemente, o país tem feito
de subsídios de aluguel tipo voucher, inspira- parcerias público-privadas junto a investido-
do no modelo norte-americano (denominado res institucionais (Fundos de Pensão e Fundos
Section 8), que, desde 1974, tem sido implan- Imobiliários), com construção de empreen-
tado nos EUA como alternativa ao parque pú- dimentos destinados à locação realizada com
blico de locação subsidiada.13 benefícios fiscais e, depois, subsídios à deman-
No Chile, a novidade é que o programa da. O modelo é baseado na diversificação de
foi trabalhado com os municípios e também carteira de investimento, o que requer grande
com operadores de multifamily dedicados ao segmentação de mercado, com estratégias di-
aluguel residencial, para que os beneficiários ferentes para grupos específicos: estudantes,
pudessem alugar em seus prédios (Osorio, jovens millennials, idosos, “jornaleros” (agri-
2020). O subsecretário de habitação do Minis- cultores), forças armadas, imigrantes. A diver-
tério da Habitação chilena explicou que: sificação de produtos habitacionais também se
dá no território, com projetos específicos para
vários multifamily ajustaram seus preços
as demandas de cada localidade do país.
para poderem participar do programa
[...] nos interessa que no país exista Por fim, o Brasil anuncia o aluguel co-
mais oferta de aluguel para programas mo nova política pública. Durante a década de
subsidiados pelo Estado. Isso reforça 2010, a implantação do Programa Minha Casa
como gerar mais oferta de aluguel para Minha Vida e do Programa de Aceleração do
famílias ligadas ao MINVU [Ministerio
Crescimento (PAC) foi acompanhada por pro-
de Vivienda y Urbanismo]. (Guillermo
Rolando, Subsecretário da Habitação cessos de remoção promovidos pelos poderes
apud ibid.; tradução livre) públicos. Estes utilizaram, principalmente nos
466 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
grandes centros urbanos e como resposta às Assim, vemos que a América Latina está
denúncias de não atendimento por parte da em processo de transformação de suas polí-
população atingida, o mecanismo do subsídio ticas públicas de moradia, antes vinculadas à
de aluguel em parque privado como forma produção massiva de unidades habitacionais
de negociação com a população removida. 15 com propriedade privada e intervenções de
No entanto, as locações que se utilizam de regularização dos assentamentos, dando cada
tais auxílios são, na sua maioria, informais, vez mais centralidade para as possibilidades
sem nenhuma regulação ou fiscalização pelo que a locação permite, através de dois grandes
poder público. Assim, os removidos acabam modelos:
permanecendo no próprio território, seu en- 1) Parcerias público-privadas baseadas em
torno ou bairros próximos, em relações infor- captação privada de valorização imobiliária
mais de locação, algumas vezes mais precárias em terras públicas, com empreendimentos de
do que a situação de moradia anterior (Guer- proprietários corporativos destinados à loca-
reiro, 2020). ção em parte subsidiada para uma população
Nesse momento, o governo brasileiro que consegue arcar com parte do aluguel. O
está propondo um programa de locação em subsídio ao aluguel pode ser securitizado, e os
escala federal que se afasta dos modelos de empreendedores ganham incentivos fiscais,
parque público subsidiado, sendo realizado tributários e urbanísticos para a construção,
por meio de Parcerias Público-Privadas (PPP) e permanecendo vinculados ao atendimento da
vouchers (como no Chile), buscando captar o política pública por período determinado con-
fluxo de recursos públicos para o subsídio ao tratualmente, findo o qual podem dispor inte-
aluguel que hoje vai para o mercado informal. gralmente do imóvel de forma privada.
Na proposta de PPP (ainda em discussão), o 2) Conexão de população de mais baixa ren-
governo brasileiro pretende disponibilizar, ao da a parque privado de locação disperso, com
setor privado (prioritariamente fundos imo- subsídio – baseado no modelo de voucher nor-
biliários e proprietários corporativos), terras te-americano. Esse modelo faz a conexão da
públicas subutilizadas, para construção de provisão habitacional com assentamentos po-
empreendimentos habitacionais que sejam pulares que, consolidados, seriam seu territó-
parcialmente disponibilizados para uma políti- rio privilegiado. A securitização desse subsídio
ca de aluguel subsidiado – indexado pelo mer- poderia se dar por meio da concentração de
cado – durante um período predefinido.16 Já a ativos dispersos através de plataformas digitais
prefeitura de São Paulo lançou, recentemente de gestoras imobiliárias.
(novembro de 2021), duas consultas públicas Estamos falando de um fluxo de rendi-
nessa mesma direção: uma PPP de locação so- mentos que atrelam o mercado fundiário ao
cial e um chamamento público de imóveis para financeiro com flexibilidade contratual, territo-
locação sob gestão e carteira centralizada, no rial e legislativa, com possibilidade de concen-
centro da cidade (Guerreiro, Rolnik e Santoro, tração de ativos em proprietários corporativos,
2021a e b). captação privada de valorização imobiliária por
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 467
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
meio de subsídio e patrimônio público, etc. Po- seria fator relevante – ainda que não único –
líticas que, se generalizadas, parecem se apoiar na formação do fundo de acumulação do ca-
na manutenção e no agravamento da insegu- pital em toda a região, presente na fase de in-
rança habitacional, com grandes remoções e dustrialização pesada. Seja através de políticas
mercantilização dos territórios populares, pois de produção massiva de moradia em regime
é uma forma de política pública que não tem de propriedade, seja de regularização de as-
como objetivo a solução definitiva de moradia, sentamentos ou da autoconstrução sob diver-
mas sim o gerenciamento da população em dé- sos regimes de posse, a moradia na América
ficit habitacional, a partir da transformação da Latina operou no interior do marco da proprie-
moradia em serviço. É uma política que asse- dade individual.
gura ganhos especulativos por meio de fundos Após três décadas de reconstrução das
públicos, que também podem ser securitiza- democracias na América Latina sob a hege-
dos, e não de enfrentamento das precarieda- monia global do neoliberalismo, o resultado
des habitacionais que marcam a região. no campo urbano demonstra que não houve
alteração da estrutura espoliativa da reprodu-
Nesse aspecto, lógicas extrativas inter-
ção do capital na região, embora seus meca-
penetram o governo dos pobres, produ-
zindo violência e criando formas híbridas nismos tenham se adaptado à nova conjuntu-
com as mesmas lógicas e retóricas de in- ra mundial pós-crise hipotecária de 2008. Na
clusão daquelas propostas pelo discurso esfera da moradia, o mecanismo de locação
da cidadania. Essa perspectiva leva a residencial é aquele que mais tem se destaca-
uma leitura dos novos conflitos sociais
do dentre as novas formas extrativas às quais
que permite mapear o entrelaçamento
do agronegócio, da finança, das econo- a região está submetida, numa conjuntura
mias ilegais (das drogas e do contraban- de financeirização em que a terra e o espaço
do) e dos subsídios estatais, de acordo construído são elementos centrais de circuitos
com lógicas ao mesmo tempo comple- de valorização.
mentares e em competição. (Gago e
Assim, parece-nos necessário aprofun-
Mezzadra, 2017, p. 580; tradução livre)
dar o incremento da locação residencial nas
classes populares desde a última década, sob o
ponto de vista dos enlaces entre os processos
Conclusão: da posse financeiros globais e as particularidades locais
ao serviço, uma nova onda da moradia, considerando a hipótese de que
de financeirização da moradia se trata de uma reatualização da informalida-
de histórica presente no campo da moradia em
A discussão teórica das décadas de 1960/1970 um contexto global de flexibilização e informa-
sobre as particularidades do desenvolvimento lização do mercado residencial como um todo,
latino-americano baseou-se na observação e que acompanha, de forma própria às finanças,
descrição da urbanização extensiva, autônoma as mudanças que também ocorreram no mun-
e precária de nossas metrópoles. Assim, a au- do do trabalho associado a uma transforma-
topromoção da moradia pelos trabalhadores ção na forma de atuação do Estado.
468 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 469
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
[I] http://orcid.org/0000-0001-7400-0642
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Projeto, Gru-
po de Disciplinas de Planejamento Urbano e Regional. São Paulo, SP/Brasil.
isadora.guerreiro@usp.br
[II] http://orcid.org/0000-0002-6428-7368
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Projeto, Gru-
po de Disciplinas de Planejamento Urbano e Regional. São Paulo, SP/Brasil.
raquelrolnik@usp.br
[III] http://orcid.org/0000-0002-3521-6499
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo. Grupo de Disciplinas de Planejamento Urbano e Regional. São Paulo,
SP/Brasil.
adriana.marin@usp.br
Notas
(1) O conceito de “viração” refere-se à forma de reprodução da vida nas classes populares na
América La na, que ar culam agenciamentos co dianos informais no mercado e na cidade no
limiar entre o legal e o ilegal, sem regularidade. O termo indica um movimento constante de
transitoriedade que se transforma em condição permanente e predominante na região após a
reestruturação produ va que marcou a desestruturação da era fordista, após a década de 1980.
(2) Os REIT são chamados de Fundos de Investimento Imobiliário (FII) no Brasil e Fideicomisos
de Inversión de Bienes Raíces (FIBRA) no México. No Chile, os Fondos Inmobiliarios são
instrumentos financeiros diferentes, ainda que se aproximem desse modelo.
(3) A Colômbia é o país da região com a maior taxa de inquilinos, de 46,6% (Fonte: Cepal – Comisión
Económica para América La na y el Caribe).
(4) Essa diferença em relação à inflação é tão grande que, no caso do Brasil, assis mos recentemente
ao debate sobre o controle dos valores dos contratos de aluguel, dado que o índice de reajuste
comumente u lizado (o IGP-M) teve crescimento acumulado, em um ano, de 37,04% em maio
de 2021 (FGV), enquanto o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) nha 6,76% (IBGE).
(5) No caso do Brasil, emergiram novas empresas que têm apostado neste modelo, construindo
edi cios totalmente vinculados à locação residencial em regime de propriedade mul family –
na perspec va de “Trocar bricks por bytes” (h ps://vitacon.com.br/capital/alex-frankel/); ou,
ainda, são lançados edi cios inteiramente voltados para locação de unidades residenciais por
meio da plataforma internacional Airbnb (Vannuchi, 2020; Tavolari e Nisida, 2020).
470 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
(6) No Chile, há a presença da Pruden al Financial, uma grande companhia de seguros dos Estados
Unidos e, em par cular, da sua filial PGIM Real Estate, uma das maiores administradoras de
real estate do mundo; também o fundo inglês de inves mentos AshmoreAVENIDA, que está no
Chile, Colômbia e Peru. A Greystar (EUA) está no México, Chile e mais recentemente no Brasil;
a Paladin Realty está no México, Brasil, Peru, Chile, Costa Rica e Colômbia. Já, no Brasil, temos a
presença de companhias asiá cas (CapitaLand de Singapura), norte-americanas e canadenses (7
Bridges Capital, ARS e CPP) e europeias (Q Apartments da Dinamarca).
(7) O ônus excessivo de aluguel no Brasil passou de cerca de 30% do total do déficit habitacional, em
2010, para ser, em 2015, de 50%. Nas regiões metropolitanas, ele representou, em 2019, uma
média de 59% (chegando a mais de 70% em algumas delas). Tal ônus, nas famílias que ganham
até dois salários-mínimos, chega, em média, a 41,2% de sua renda em 2018 (Pnad Con nua
do IBGE), podendo chegar a mais de 50% em algumas regiões metropolitanas. Fonte: FJP.
Disponível em: h p:// p.mg.gov.br/deficit-habitacional-no-brasil/>. Acesso em: 28 abr 2021.
(8) Segundo a rede de pesquisadores de Pedro Abramo, no Rio de Janeiro, 45% dos domicílios das
favelas estudadas têm mais de 3 andares. Segundo Pasternak e D’O aviano (2016), há 10 anos
(Censo de 2010) as favelas da Região Metropolitana de São Paulo já tinham 62,3% de seus
domicílios com mais de dois pavimentos e 85,2% sem espaçamento entre edificações.
(9) Ainda segundo a mesma rede de pesquisadores de Pedro Abramo, 44% dos locadores das favelas
estudadas no Rio de Janeiro têm mais de um imóvel (Abramo, 2009), enquanto em São Paulo,
em Paraisópolis, esse número chega a 75% (Meyer et al., 2017).
(11) Ver site da Alpop. Disponível em: <h ps://alpop.com.br/>. Acesso em: 11 jan 2021.
(12) Conceito de Foucault, para quem “governamentalidade” seria “o encontro entre as técnicas de
dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si”, que Dardot e Laval (2016) resumem:
“governar é conduzir a conduta dos homens, desde que se especifique que essa conduta é tanto
aquela que se tem para consigo mesmo quanto aquela que se tem para com os outros” (p. 18).
(13) Nesse modelo, os locatários são subsidiados no sistema privado de aluguel, no qual locadores
previamente cadastrados disponibilizam parte de seus empreendimentos para a polí ca pública
(Rolnik, 2019).
(14) Ver site disponível em: <h ps://tlajomulco.gob.mx/rentatucasa/>. Acesso em: 31 mar 2021.
(15) Apenas na cidade de São Paulo, onde esses auxílios existem desde 2004, houve um pico de
atendimentos em 2016, com mais de 30 mil famílias beneficiárias (atualmente esse número é de
23 mil). Maiores informações disponíveis em: <h p://www.habitasampa.inf.br/atendimento/
consulta-de-atendimentos-em-andamento-ou-encerrados/atendimento-provisorio-auxilio-
aluguel/>. Acesso em: 24 mar 2021.
(16) Para mais informações, ver propostas em discussão do Ministério do Desenvolvimento Regional
(MDR) no evento Diálogos sobre Locação Social, ocorrido em março de 2021. Disponível em:
<h ps://www.youtube.com/playlist?list=PLZyyoM56JwrXTpia0GlE6uHJeJrXby D>. Acesso em:
8 jun 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 471
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
Referências
AALBERS, M. B. (2016). “Regulated deregula on”. In: SPRINGER, S.; BIRCH, K.; MACLEAVY, J. (orgs.).
Handbook of Neoliberalism. Londres, Routledge.
______ (2017). The Variegated Financializa on of Housing. Interna onal Journal of Urban and Regional
Research, v. 41, n. 4, pp. 542-554.
______ (2019). Financial Geographies of Real Estate and the City. Financial Geography Working
Paper Series, n. 21, pp. 1-46. Disponível em: <h p://www.fingeo.net/wordpress/wp-content/
uploads/2019/01/FinGeoWP_Aalbers-2019-2.pdf>. Acesso em: 8 jun 2021.
ABÍLIO, L. C. (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in- me? Estudos Avançados. São Paulo, v. 34,
n. 98, pp. 111-126.
ABRAMO, P. (2009). Favela e mercado informal: a nova porta de entrada dos pobres nas cidades
brasileiras. Porto Alegre, Finep.
______ (2012). La ciudad com-fusa: mercado y producción de la estructura urbana en las grandes
metrópolis la noamericanas. Eure. San ago, v. 38, n. 114, pp. 35-69.
ABREU, A. (2020). O banco imobiliário do PCC. Revista Piauí, 27 de outubro. Disponível em: < h ps://
piaui.folha.uol.com.br/banco-imobiliario-do-pcc/ >. Acesso em: 23 jan 2022.
ALMEIDA, I. M.; UNGARETTI, D.; SANTORO, P. F.; CASTRO, U. A. (2020). “PPPs habitacionais em São
Paulo: polí ca habitacional que ameaça, remove e não atende os removidos”. In: MOREIRA, F.
A.; ROLNIK, R.; SANTORO, P. F. (orgs.). Cartografias da produção, transitoriedade e despossessão
dos territórios populares: observatório de remoções, relatório bianual 2019-2020. São Paulo,
LabCidade, FAU-USP.
ASSET (s./d.). El año 2013, ASSET Administradora General de Fondos estructuró y colocó el Fondo de
Inversión ASSET Rentas Residenciales (ARR), el primer Mul family REIT en Chile. Disponível em:
<h p://assetagf.com/fondos_de_inversion/asset-rentas-residenciales/>. Acesso em: 28 abr 2021.
BESWICK, J.; ALEXANDRI, G.; BYRNE, M.; FIELDS, D.; HODKINSON, S.; JANOSCHKA, M. (2016). Specula ng
on London’s housing future. City, v. 20, n. 2, pp. 321-341.
BLANCO, A. G.; CIBILS, V. F.; MUÑOZ, A. (2014). Se busca vivienda en alquiler: opciones de polí ca para
América La na y el Caribe. Washington, BID.
CBRE (2019). Mul family, oportunidad de inversión. Disponível em: <h ps://www.cbre.com.mx/es-
mx/acerca-de-cbre/centro-de-prensa/mul family-oportunidad-de-inversion>. Acesso em: 27
mar 2021.
CEPAL (s./d.). Hogares según condición de ivenda de la ivenda, por área urbana y rural. Disponível em: <h ps://
cepalstat-prod.cepal.org/cepalstat/tabulador/ConsultaIntegrada.asp?idIndicador=166&idioma=e>.
Acesso em: 25 mar 2021.
COCKBURN, C. J . (2011). Titulación de la propiedad y mercado de erras. Eure. San ago, v. 37, n. 111,
pp. 47-77.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
472 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
FELTRAN, G. (2019). Economias (i)lícitas no Brasil: uma perspec va etnográfi ca. Journal of Illicit
Economies and Development, v. 1, n. 2, pp. 145-154.
FIELDS, D. (2017). Unwilling Subjects of Financializa on. Interna onal Journal of Urban and Regional
Research, v. 41, n. 4, pp. 588-603.
______ (2018). Construc ng a new asset class: property-led financial accumula on a er the crisis.
Economic Geography, v. 94, n. 2, pp. 118-140.
______ (2019). Automated landlord: digital technologies and post-crisis financial accumulation.
Environment and Planning A: Economy and Space, v. 54, n. 1, pp. 160-181.
FIX, M. A. B. (2007). São Paulo cidade global: fundamentos financeiros de uma miragem. São Paulo,
Boitempo.
GAGO, V. (2015). La razón neoliberal: economías barrocas y pragmá ca popular. Buenos Aires, Tinta
Limón y Traficantes de Sueños.
GAGO, V.; MEZZADRA, S. (2017). A cri que of the extrac ve opera ons of capital: toward an expanded
concept of extrac vism. Rethinking Marxism, v. 29, n. 4, pp. 574-591.
GIAVAROTTI, D. M. (2017). Eles não usam macacão: crise do trabalho e reprodução do colapso da
modernização a par r da periferia da metrópole de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo,
Universidade de São Paulo.
GUERREIRO, I. A.; ROLNIK, R.; SANTORO, P. F. (2021a). Chamamento público para locação social: apoio
à moradia ou às finanças? São Paulo, LabCidade. Disponível em: <h p://www.labcidade.fau.usp.
br/chamamento-publico-para-locacao-social-apoio-a-moradia-ou-as-financas/>. Acesso em: 23
jan 2022.
______ (2021b). PPP de locação social: ganho de escala priva zado. São Paulo, LabCidade. Disponível
em: <http://www.labcidade.fau.usp.br/ppp-de-locacao-social-ganho-de-escala-privatizado/
Acesso em: 23 jan 2022.
HIRATA, D. V. et al. (2021). A expansão das milícias no Rio de Janeiro: uso da força estatal, mercado
imobiliário e grupos armados. Rio de Janeiro, Geni-UFF e Ippur-UFRJ.
HOCHSTENBACH, C.; RONALD, R. (2020). The unlikely revival of private ren ng in Amsterdam: Re-
regula ng a regulated housing market. Environment and Planning A, v. 52, n. 8, pp. 1622-1642.
LAVINAS, L.; GENTIL, D. L. (2018). A polí ca social sob regência da financeirização. Novos Estudos
Cebrap, v. 37, n. 2, pp. 191-211.
LINK, F.; MARÍN-TORO, A.; VALENZUELA, F. (2019). Geogra as del arriendo en San ago de Chile: de la
vulnerabilidad residencial a la seguridad de tenencia. Economía, sociedad y territorio, v. 19, n. 61,
pp. 507-542.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 473
Isadora de Andrade Guerreiro, Raquel Rolnik, Adriana Marín-Toro
MDS – Ministerio de Desarrollo Social, Gobierno de Chile (2018). Síntesis de resultados Vivienda y
Entorno. Encuesta CASEN 2017. San ago de Chile.
MEYER, J. F. P.; HADDAD, E.; ZUQUIM, M. L.; CARVALHO, C. S. A.; BARBON, A. L.; SILVA, A. P.; SANTOS,
G. M.; MINORU, R. (2017). Mercado imobiliário residencial em Paraisópolis: O que mudou nos
úl mos dez anos? Relatório de pesquisa. São Paulo, FAU-USP e Lincoln Ins tute of Land Policy.
OSORIO, V. (2020). MINVU entrega subsidios de hacinamiento y logra acuerdo con edificios para renta
para que familias se ubiquen en ellos. Diario Financiero. Disponível em: <h ps://www.df.cl/
no cias/empresas/actualidad/minvu-entrega-subsidios-de-hacinamiento-y-logra-acuerdo-con-
edificios-de/2020-09-23/132515.html>. Acesso em: 8 jun 2021.
PASTERNAK, S.; D’OTTAVIANO, C. (2016). Favelas no Brasil e em São Paulo: avanços nas análises a par r
da leitura territorial do censo de 2010. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 18, n. 35, pp. 75-100.
RACO, M. (2014). Delivering flagship projects in an era of regulatory capitalism: State-led priva za on
and the London Olympics 2012. Interna onal Journal of Urban and Regional Research, v. 38, n. 1,
pp. 176-197.
RIOFRIO, G. (1998). Why have families mortgaged so li le? Lincoln Ins tute workshop on Compara ve
Policy Perspec ves on Urban Land Market Reform in La n America, Southern Africa and Eastern
Europe. Cambridge-MA, jul. mimeo.
ROLNIK, R.; BONDUKI, N. G. (1982). “Periferia da grande São Paulo: reprodução do espaço como
expediente de reprodução da força de trabalho”. In: MARICATO, E. (org.). A produção capitalista
da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo, Alfa-Ômega.
ROLNIK, R. et al. (orgs.) (2018). Cidade Estado Capital: reestruturação urbana e resistências em Belo
Horizonte, Fortaleza e São Paulo. São Paulo, FAU-USP.
ROLNIK, R. (2019). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São
Paulo, Boitempo.
RONALD, R. (2008). The ideology of homeownership: homeowner socie es and the role of housing.
Londres, Palgrave Macmillan.
ROSS, L. M.; PELLETIER, D. (2014). Chile’s new rental housing subsidy and its relevance to US housing
choice voucher program reform. Cityscape, v. 16, n. 2, pp. 179-192.
474 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022
Gestão neoliberal da precariedade
SLEE, T. (2017). Uberização: a nova onda do trabalho precário. São Paulo, Elefante.
TAVOLARI, B.; NISIDA, V. (2020). Entre o hotel e a locação: análise jurídica e territorial das decisões do
Tribunal de Jus ça de São Paulo sobre o Airbnb. Internet & Sociedade, v. 1, n. 2, pp. 5-30.
______ (2013). Jogos de poder nas dobras do legal e do ilegal: anotações de um percurso de pesquisa.
Serviço Social & Sociedade, n. 115.
VANNUCHI, L. (2020). O centro & os centros produção e feituras da cidade em disputa. Tese de
doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
WSJ (2016). Greystar, the largest apartment manager in the U.S., has about 3,000 apartments under
development or planned in Mexico City. Two former Greystar executives also launched a
private-equity firm, Hasta Capital, in October focused on building mul family homes in Mexico.
Disponível em: <https://www.wsj.com/articles/next-big-bet-for-apartment-rentals-mexico-
city-1477945306>. Acesso em: 28 abr 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 451-475, maio/ago 2022 475
Mapeando grandes projetos urbanos:
levantamento de operações urbanas
nos municípios brasileiros
Mapping large urban projects: a survey
of urban consortium operations in brazilian cities
Marina Toneli Siqueira [I]
Carolina Silva e Lima Schleder [II
Resumo Abstract
Iden ficadas como formas de flexibilização do pla- Considered as forms of flexibilizing urban planning
nejamento urbano e captura de valorização imo- and capturing land value, urban consortium
biliária, operações urbanas consorciadas são ins- operations are instruments included in the City
trumentos previstos no Estatuto da Cidade para a Statute for the conduc on of large urban projects
realização de grandes projetos urbanos u lizando using public-private partnerships. Aiming to assess
parcerias público-privadas. Buscando avaliar sua their implementation across the country, this
implementação nacionalmente, esta pesquisa le- research surveyed the cases of urban consortium
vantou os casos de operações urbanas consorcia- operations in Brazilian cities. As a result, a high
das nos municípios brasileiros. Como resultado, en- degree of dissemination of the instrument was
controu-se um alto grau de difusão do instrumento, found, present in master plans of all the regions
presente em planos diretores de todas as regiões of the country and in different urban realities.
do País e em realidades urbanís cas diversas. En- However, a low rate of transformation of the
tretanto, encontrou-se um baixo índice de transfor- instrument into law was also found, as well as
mação do instrumento em lei específica, além de judicialized proposals, revoked laws and unini ated
propostas judicializadas, leis revogadas e projetos projects, demonstrating the attractiveness of the
não iniciados, demonstrando a atratividade das opera ons and the existence of difficul es in their
operações e as dificuldades em sua implementa- implementation. Finally, the study approaches
ção. Finalmente, expõem-se as problemáticas de problems related to access to projects’ informa on
acesso a informações e transparência dos projetos. and transparency.
Palavras-chave: instrumentos de planejamento Keywords: urban planning instruments; urban
urbano; operações urbanas consorciadas; polí ca consor um opera ons; municipal urban policy; City
urbana municipal; Estatuto da Cidade. Statute.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5402 Crea ve Commons Atribu on
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
478 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 479
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
480 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 481
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
482 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 483
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
da presença de legislação sobre operação ur- não dele (Gráfico 2). Dos municípios com legis-
bana consorciada, como visto no Gráfico 1. lação de operação urbana e plano diretor, em
Distribuídos por todo o território nacional 24 a legislação é anterior ao Estatuto da Cida-
(Imagem 1), essa é uma proporção alta que in- de (Tabela 1).
clui uma diversidade de municípios nos quais É possível questionar, também, a ca-
a capacidade de implantação desse instrumen- pacidade de os mercados imobiliários locais
to ou mesmo a sua viabilidade é questionável. absorverem esse tipo de instrumento já que,
Nesse sentido, dos municípios que acusaram daqueles municípios com operação prevista
a presença de legislação de operação urbana, no plano diretor e/ou com lei específica, 147
6,42% não possuíam ou estavam elaborando ou 10,49% têm menos de 5.000 habitantes,
seus planos diretores, enquanto 7 municípios e 563 municípios ou 40,19% possuíam até
não souberam sequer informar a existência ou 20.000 habitantes.
Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE
(2015). (2015).
* OUC – operação urbana consorciada
484 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Nº %
Até 2000 24 1,71
2001-2005 68 4,85
2006-2010 693 49,46
2011-2015 519 37,04
Não soube informar 7 0,50
Em elaboração 35 2,50
Sem Plano Diretor 55 3,93
Total 1.401 100,00
Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE
(2015). (2015).
* PD – plano diretor
Nº %
Até 5.000 habitantes 147 10,49
5.001 até 10.000 habitantes 168 11,99
10.001 até 20.000 habitantes 248 17,70
20.001 até 50.000 habitantes 432 30,84
50.0001 até 100.000 habitantes 192 13,70
100.001 até 500.000 habitantes 180 12,85
Maior do que 500.000 habitantes 34 2,43
Total 1.401 100,00
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 485
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
Ainda, chamam a atenção a capacidade e uso do solo, é uma das principais estraté-
administrativa na área de planejamento urba- gias de funcionamento do instrumento, a fal-
no e a aplicação dos instrumentos previstos ta de uma legislação específica e de padrões
no Estatuto da Cidade nos municípios que res- claros de outorga pode gerar um “balcão de
ponderam afirmativamente para a presença negócios” com o direito de construir, com
de operação urbana consorciada. Como visto casos sendo definidos de forma pouco clara
na Tabela 3, apenas 28,27% deles contam com ou discricionária.
secretaria própria de planejamento urbano, Devido à quantidade de municípios que
enquanto 11,78% sequer possuem uma estru- alegaram ter operação urbana consorciada
tura de atuação na área. de acordo com a pesquisa Munic 2015 e as
Ademais, 4,71% ou 66 municípios não contradições acima destacadas, foi realizado
possuem legislação sobre zoneamento ou um novo recorte na amostra para aprofundar
uso e ocupação do solo (Gráfico 3), enquan- o levantamento de dados. Assim, do total de
to 16,92% ou 237 municípios não possuem 1.401 municípios que responderam afirmati-
legislação sobre solo criado ou outorga one- vamente para a presença de uma operação
rosa do direito de construir (Gráfico 4). Nes- urbana consorciada, selecionaram-se os 214
ses casos, indaga-se sobre a possibilidade municípios com mais de 100.000 habitantes
de implantação do instrumento de acordo para buscar os seus dados primários. Esse re-
com o funcionamento previsto no Estatu- corte tem como objetivo selecionar os muni-
to da Cidade. Considerando que a venda de cípios de porte médio e grande, como defini-
benefícios urbanísticos e construtivos, em do pelo Ipea (2019), ampliando o controle e a
especial alteração de potencial construtivo qualidade dos dados analisados.
Nº %
Secretaria municipal exclusiva 396 28,27
Secretaria municipal em conjunto com outras polí cas 476 33,98
Setor subordinado a outra secretaria 254 18,13
Setor subordinado diretamente ao chefe do execu vo 100 7,14
Órgão da administração indireta 10 0,71
Não possui estrutura 165 11,78
Total 1.401 100,00
486 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE Fonte: elaboração própria a par r de dados do IBGE
(2015). (2015).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 487
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
488 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Nº %
Secretaria municipal exclusiva 79 46,73
Secretaria municipal em conjunto com outras polí cas 48 35,05
Setor subordinado a outra secretaria 27 12,62
Setor subordinado diretamente ao chefe do Execu vo 2 0,93
Órgão da administração indireta 9 4,20
Não possui estrutura 1 0,47
Total 162 100,00
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 489
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
Com relação à legislação auxiliar, desses Por um lado, autores especialistas têm
162 municípios com mais de 100.000 habitan- demonstrado a diferença que existe entre os
tes e com operações urbanas consorciadas dados do IBGE, limitados por essa definição, e
previstas em seus planos diretores, somente as realidades locais em termos das múltiplas
1,25% não possui legislação de solo criado ou dimensões do déficit habitacional, entre outros
outorga onerosa do direito de construir, au- (Denaldi, 2013; Queiroz Filho, 2015). Por outro,
mentando a capacidade do planejamento ur- mesmo assim, mais da metade dos municípios
bano local quando comparado ao levantamen- com mais de 100.000 habitantes e com opera-
to do Munic 2015. Ainda, dentre esses muni- ções urbanas consorciadas tem aglomerados
cípios, 105 possuem aglomerados subnormais subnormais em seus territórios. Enquanto a de-
de acordo com o Censo IBGE 2010, totalizando finição do instrumento operação urbana con-
4.588 comunidades (IBGE, 2019). A definição sorciada segundo o Estatuto da Cidade permite
de aglomerados subnormais inclui aquele: a regularização fundiária e impõe o atendimen-
conjunto constituído por no mínimo 51 to das populações diretamente atingidas pelo
unidades habitacionais (barracos, casas, projeto, a associação com outros instrumentos
etc.), ocupando – ou tendo ocupado – até é fundamental para garantir os seus objetivos e
período recente, terreno de propriedade
a inclusão social das comunidades. No entanto,
alheia (pública ou particular); dispostas,
em geral, de forma desordenada e densa;
11,11% não possuem legislação sobre regulari-
e carentes, em sua maioria, de serviços zação fundiária, e 29% não possuem legislação
públicos e essenciais. (IBGE, 2010)3 acerca de concessão de uso.
490 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Também foi identificado que a inclusão Esses dados levam a duas conclusões.
das operações urbanas consorciadas no plano Primeiro, é possível identificar resultados dife-
diretor local foi realizada de formas diversas. rentes entre os levantamentos de dados rea-
Na maioria dos casos, o instrumento foi incluí- lizados pelo IBGE e a pela presente pesquisa.
do somente em texto e, por vezes, com uma A dificuldade na definição do instrumento e a
cópia da definição do Estatuto da Cidade, ex- complexidade de sua utilização podem fazer
pondo a fragilidade de sua relação com as dire- com que o nome adquira significados diferen-
trizes do planejamento urbano local; enquan- tes, tendo sido encontradas notícias sobre ou-
to em outros planos já existe a designação de tras formas de projetos urbanos ou parcerias
áreas para a aplicação do instrumento. Essas público-privadas que foram identificados local-
áreas podem ser distritos, macrozonas, bair- mente como operações urbanas consorciadas,
ros, zoneamentos, vias ou até mesmo períme- mas sem o funcionamento previsto no Estatu-
tros já desenhados em mapas ou descritos em to da Cidade ou lei específica aprovada. Além
texto. Finalmente, após a identificação desses disso, existem diferentes terminologias (ope-
162 municípios com planos diretores vigentes rações urbanas, operações simplificadas, entre
que incluem operações urbanas consorciadas, outras) que não foram incluídas na presente
a análise foi aprofundada para aqueles casos pesquisa devido ao interesse em buscar a di-
de existência de projetos ou leis específicas pa- fusão do instrumento conforme normatizado
ra os projetos. pelo Estatuto. Segundo, embora o instrumento
esteja de fato previsto em muitos planos dire-
tores municipais, são poucas as experiências
Cidades com leis específicas: de sua transformação em lei específica, bem
baixa efe vidade como de sua implementação. Esse resultado
e grande diversidade pode ser devido à já mencionada baixa capa-
cidade administrativa de alguns desses muni-
Foram encontrados 51 casos de leis específicas cípios e ao próprio funcionamento do instru-
de operações urbanas consorciadas em 27 mu- mento, como será aprofundado a seguir.
nicípios brasileiros. Se considerarmos a pes- É importante destacar também que não
quisa realizada pelo IBGE, esses 27 municípios foi incluído, nesse total de municípios, aquelas
correspondem a 12,62% dos 214 municípios cidades nas quais existe previsão ou estudos
com mais de 100.000 habitantes e que res- de operações urbanas consorciadas, mas não
ponderam positivamente ao Munic 2015 para lei específica aprovada, como é o caso de Be-
a presença de operações urbanas consorcia- lo Horizonte. Na capital mineira, a Operação
das, como explorado anteriormente. Se con- Urbana Nova BH foi impedida de prosseguir
siderarmos o levantamento original realizado devido à falta de clareza na elaboração dos es-
pela presente pesquisa, esses 27 municípios tudos e à falta de participação popular no pro-
correspondem a 16,67% dos 162 municípios cesso (Indisciplinar, 2020). No fim de 2014, o
com mais de 100.000 habitantes que incluíam projeto foi reapresentado com um novo nome,
a previsão de operações urbanas consorciadas Operação Urbana Consorciada Antônio Car-
em seu plano diretor vigente. los Leste-Oeste (Aclo). Já a Operação Urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 491
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
492 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 493
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
494 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 495
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
Essas dificuldades, no entanto, não in- Por fim, embora tenha sido encontrada
validam o primeiro achado, ou confirmação, essa grande difusão das operações urbanas
desta pesquisa: a baixa transparência dos sis- consorciadas nos planos diretores dos muni-
temas de planejamento urbano brasileiro. Se o cípios com mais de 100.000 habitantes, foram
urbanismo neoliberal abre espaço para a ação poucos os casos de sua transformação em
direta de agentes privados no planejamento lei específica. Dos 162 planos diretores que
urbano e aumenta a possibilidade de parcerias incluem o instrumento, foram identificadas
público-privadas, o equilíbrio dos objetivos e leis específicas somente em 27 municípios
o controle dos projetos devem ser analisados (16,67%). A baixa taxa de transformação do
para que as operações urbanas consorciadas instrumento em lei específica pode ser devido
não se transformem em pura flexibilização de à já mencionada baixa capacidade administra-
índices e atração de investimentos privados. tiva de alguns desses municípios e à complexi-
Além disso, a falta deles pode ser, justamente, dade do funcionamento do instrumento. Ain-
um indicativo de o porquê dos projetos im- da foram encontrados casos nos quais as leis
plementados terem gerado poucos retornos foram judicializadas ou revogadas e projetos
sociais ou urbanísticos, para além de grandes que ainda não foram implementados por falta
obras viárias e imobiliárias, como apontado de interesse tanto dos agentes públicos quan-
pelas pesquisas atuais. to dos privados.
Segundo, como resultado do levanta- Como conclusão, existe uma difusão das
mento de dados primários realizado, foi en- operações urbanas consorciadas pelo territó-
contrada a difusão do instrumento operação rio nacional, atestando a atratividade pela ale-
urbana consorciada pelo território nacional, gada aproximação de interesses públicos e pri-
estando presente em planos diretores de mu- vados e a disseminação dos grandes projetos
nicípios de todas as regiões brasileiras. Quan- urbanos pelo País. No entanto, a sua transfor-
titativamente, do total de 304 municípios com mação em lei específica e sua implementação
mais de 100.000 habitantes, 162 ou 53,29% são baixas e ocorrem em municípios de grande
incluíam operações urbanas consorciadas nos diversidade urbanística. Ainda, considerando
seus planos diretores vigentes. É possível per- a baixa transparência e a falta de acesso a in-
ceber, também, uma diversidade no porte dos formações dos projetos, fica claro que é im-
municípios e em suas capacidades administra- portante avaliar os impactos que as operações
tivas, enquanto ainda existem casos nos quais urbanas consorciadas possuem para além dos
a previsão da operação prescinde da existência casos mais conhecidos nas grandes metrópo-
de outorga onerosa/solo criado ou instrumen- les nacionais, esclarecendo os objetivos profe-
tos de regularização fundiária que poderiam ridos e as metas de fato alcançadas com o ins-
concretizar os objetivos sociais previstos no trumento. Esta pesquisa é um primeiro passo
Estatuto da Cidade. nesse sentido.
496 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
[I] https://orcid.org/0000-0002-1042-8743
Universidade Federal de Santa Catarina, curso de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Ar-
quitetura e Urbanismo. Florianópolis, SC/Brasil.
marina.siqueira@ufsc.br
[II] https://orcid.org/0000-0003-2918-6307
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
carolinaslschleder@usp.br
Nota de agradecimento
As autoras gostariam de agradecer ao financiamento dessa pesquisa pelo Edital Universal CNPq 2016
e pela bolsa PIBIC/CNPq/UFSC.
Notas
(1) É importante destacar pesquisas que fogem do modelo estudo de caso, como o trabalho de
Carvalho (2020), que compara projetos na Região Metropolitana de São Paulo, e o de Hissa e
Araujo (2017) que, para abordar projetos em Fortaleza, realiza um levantamento primário de
casos brasileiros.
(4) Essas informações estão disponíveis no próprio site da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Disponível em: h ps://prefeitura.pbh.gov.br/poli ca-urbana/planejamento-urbano/operacoes-
urbanas/consorciadas. Acesso em: 20 jul 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 497
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
Referências
BRASIL (2001). Lei n. 10257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Cons tuição
Federal, estabelece diretrizes gerais da polí ca urbana e dá outras providências. Brasília, Câmara
dos Deputados.
BRENNER, N.; THEODORE, N. (2002). “Ci es and the geographies of ‘actually exis ng neoliberalism’”.
In: BRENNER, N.; THEODORE, N. (orgs.). Spaces of neoliberalism: urban restructuring in North
America and Western Europe. Cambridge/ Oxford, Blackwell.
CASTRO, L. G. (2006). Operações urbanas em São Paulo: interesse público ou construção especula va
do lugar. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
COSTA, L. C. (1976). “Estrutura urbana”. In: Governo do Estado de São Paulo. Série Documentos 1: O
desafio metropolitano. São Paulo, SNM/Emplasa.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
DENALDI, R. (2013). Planejamento habitacional: notas sobre a precariedade e terra nos planos locais
de habitação. São Paulo, Annablume.
FIX, M. (2001). Parceiros da exclusão. Duas histórias de construção de uma "Nova Cidade" em São
Paulo: Faria Lima e Água Espraiada. São Paulo, Boitempo.
______ (2004). “A ‘fórmula mágica’ da parceria público-privada: operações urbanas em São Paulo”. In:
SCHICCHI, M. C.; BENFATTI, D. (orgs.). Urbanismo: dossiê São Paulo – Rio de Janeiro. Campinas,
Puccamp/Prourb, pp. 185-198.
______(2001). Spaces of capital: towards a cri cal geography. Nova York, Routledge.
HISSA, M.; ARAUJO, C. (2017). Operações Urbanas Consorciadas no Brasil e o caso de Fortaleza. In: XVII
ENANPUR, 2017, São Paulo. Anais. Disponível em: h p://anpur.org.br/xviienanpur/principal/
publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais/ST_Sessoes_Tema cas/ST%203/ST%203.5/ST%203.5-03.pdf.
Acesso em: 20 jul 2021.
IBGE – Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca (2015). Pesquisa de Informações Básicas Municipais
– MUNIC. IBGE: 2015. Brasil, IBGE. Disponível em: h ps://www.ibge.gov.br/esta s cas/sociais/
educacao/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-municipais.html?edicao=16788&t=sobre.
Acesso em: 20 abr 2020.
498 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Mapeando grandes projetos urbanos
IPEA – Ins tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (2004a). Cidades médias brasileiras. Disponível em:
h p://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/3081 . Acesso em: 12 dez 2019.
MARICATO, E. (2000). “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: Planejamento urbano no
Brasil”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando
consensos. Petrópolis, Vozes.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (2016). Sentença proferida em ação do MPE
proíbe município de analisar implantação de Operação Urbana Consorciada na Capital. Disponível
em: <h ps://mpmt.mp.br/conteudo/58/70481/sentenca-proferida-em-acao-do-mpe-proibe-
municipio-de-analisar-implantacao-de-operacao-urbana-consorciada-na-capital>. Acesso em:
20 jul 2021.
MCIDADES – Ministério das Cidades (2015). Pesquisa – Operações Urbanas no Brasil, Mimeo.
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; IPEA – Ins tuto de Pesquisa Econômica
Aplicada; FJP – Fundação João Pinheiro (2017). Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. O
IDHM. Brasil, Ipea.
QUEIROZ FILHO, A. P. (2015) As definições de assentamentos precários e favelas e suas implicações nos
dados populacionais: abordagem da análise de conteúdo. Revista Brasileira de Gestão Urbana.
Curi ba, v. 7, n. 3, pp. 340-353.
ROLNIK, R. (2006). “A construção de uma polí ca fundiária e de planejamento urbano para o país –
avanços e desafios”. In: IPEA. Polí cas Sociais acompanhamento e análise. Ipea.
ROLNIK, R. (2012). “Dez anos do Estatuto da Cidade: das lutas pela reforma urbana às cidades da Copa
do Mundo”. In: RIBEIRO, A. C. T.; VAZ, L. V.; SILVA, M. L. P. (orgs.). Leituras da cidade. Rio de
Janeiro, Anpur/Letra Capital.
SANTORO, P. (org.) (2004). Gestão social da valorização da terra. São Paulo, Ins tuto Pólis.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022 499
Marina Toneli Siqueira, Carolina Silva e Lima Schleder
SANTOS Jr., O. A.; MONTANDON, D. T. (orgs.) (2011). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da
Cidade: balanço crí co e perspec vas. Rio de Janeiro, Letra Capital/Observatório das Cidades/
Ippur/UFRJ.
SEMPLA – Secretaria Municipal do Planejamento (Prefeitura de São Paulo) (1985). Plano Diretor do
Município de São Paulo 1985-2000. São Paulo, PMSP/Sempla.
SIQUEIRA, M. T. (2014a). In search of gen fica on: the local meanings of urban upward redevelopment
in São Paulo, Brazil. Tese de doutorado. Chicago, University of Illinois.
SMOLKA, M. (2014). Recuperação de mais-valias fundiárias na América La na: polí cas e instrumentos
para o desenvolvimento urbano. Lincoln Ins tute of Land Policy. Disponível em: h ps://www.
lincolninst.edu/sites/default/files/pubfiles/recuperacao-mais-valias-fundiarias-full_0.pdf.
Acesso em: 24 abr 2020.
VAINER, C. (2000). “Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do Planejamento
Estratégico Urbano”. In: ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único:
desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
500 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 477-500, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal
e megaeventos em Lima e Callao
Neoliberal urbanization
and mega events in Lima and Callao
Resumo Abstract
Este ar go examina a difusão de um modelo recen- This article examines the diffusion of a recent
te de governança urbana neoliberal que gerencia- model of neoliberal urban governance that would
ria processos de urbanização neoliberal nas cidades manage neoliberal urbaniza on processes in the
de Lima e Callao, considerando o contexto de pre- ci es of Lima and Callao, considering the context
paração para sediar os XVIII Jogos Pan-Americanos of preparation to host the XVIII Pan American
de Lima 2019. O ar go procura mostrar como me- Games in Lima, in 2019. The article aims to
gaeventos são utilizados como instrumentos de show how mega events are used as spatial
produção espacial, por meio de coalizões de líderes production instruments, through coalitions of
carismá cos do setor privado e de interesses imo- charisma c private sector leaders and real estate
biliários, com a intenção de transformar a cidade interests, with the inten on of transforming the
através da mobilização do patriotismo e do con- city through the mobilization of patriotism and
senso. Argumenta-se que o Estado promove a ur- consensus. It is argued that the state promotes
banização neoliberal através de Parcerias Público- neoliberal urbanization through Public-Private
-Privadas (PPPs). Partnerships (PPPs).
Palavras-chave: urbanização neoliberal; neolibera- Keywords: neoliberal urbanization;
lização das cidades; governança urbana; polí cas neoliberaliza on of ci es; urban governance; urban
urbanas; megaeventos. policies; mega events.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5403 Crea ve Commons Atribu on
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
502 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 503
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
em 1979, ou com a vitória de Reagan sobre prepararam para um novo ciclo de expansão,
Carter, nos Estados Unidos, em 1980 (Harvey, estabelecendo um projeto para o continente
2007). A política de desregulamentação abriu através de várias políticas públicas conhecidas
novas zonas de liberdade de mercado. A ló- como o Consenso de Washington (CW) (ibid.).
gica neoliberal avançou com um conjunto de Também se intensificou nos anos 2000, quan-
políticas orientadas ao mercado e à concor- do o projeto neoliberal foi modificado em res-
rência interurbana, assim como a transforma- posta ao boom econômico chinês e ao avanço
ção de todos os bens e serviços da sociedade do antineoliberalismo (ibid.).
em mercadorias. Os anos 1980 e 1990 foram Para Pradilla (2010), os efeitos do neo-
marcados pela consolidação neoliberal (ibid.), liberalismo na América Latina dependiam do
a relação entre a redução do poder estatal, o contexto e da forma como ele foi aplicado, que
financiamento da austeridade e os serviços poderia ser autoritário, conflituoso ou consen-
públicos, e a concorrência interurbana per- sual. Os processos, no entanto, tinham algu-
mitiu que o neoliberalismo se estabeleces- mas similitudes: o mercado como sujeito cen-
se, ideológica, política e economicamente, tral da economia, convertido em uma relação
como a forma global dominante de capital entre objetos – mercadorias; e a livre circula-
(Theodore, Peck e Brenner, 2009). Isso nunca ção de capital em escala global, que deslocou
levaria a um Estado omisso, mas a vários Esta- a capacidade de decidir a localização territo-
dos reconstruídos e reorientados, engajados rial dos investimentos, que antes estavam nas
nas tarefas diárias de geração de novos merca- mãos do Estado e do planejamento nacional. O
dos, e, assim, a uma reestruturação normativa livre comércio generalizado e o movimento do
guiada pela regra do mercado. Estado para intervir e facilitar a ação privada
O neoliberalismo é concebido como o levaram à estagnação da industrialização nas
projeto e programa político-econômico do cidades ou à sua desindustrialização e tercei-
capital para permitir sua reprodução, em que rização predominantemente informatizada; e
os Estados adotam políticas, em conjunto com à privatização do setor público, em particular
as classes sociais dominantes da riqueza na- da infraestrutura, serviços e áreas públicas.
cional, em escala global, sendo uma de suas Além disso, através da desregulamentação ur-
principais características o fortalecimento da bana, o Estado foi perdendo seus instrumentos
especulação do capital (ibid.). Na América Lati- de intervenção no território (urbano-regional)
na, o processo neoliberal intensificou-se a par- no padrão intervencionista de acumulação.
tir de meados dos anos 1990. Martins (2011) O individualismo ganhou terreno em todas
analisa sua ocorrência em duas fases de arti- as áreas da vida social, e ganharam também
culação econômica: a primeira nos anos 1980, o discurso da globalização, a cidade global, a
quando, em crise, o país hegemônico drenou competitividade e a conectividade (ibid.).
os excedentes da economia mundial, geran- A globalização neoliberal no Peru foi
do contradições na organização da divisão do estabelecida nos anos 1990, produzindo uma
trabalho, ou como um projeto de desenvolvi- grande transformação econômica, política, so-
mento para a região; e a segunda fase ocorreu cial e estatal, reestruturando as relações entre
nos anos 1990, quando os Estados Unidos se o Estado e a sociedade e o Estado e o capital.
504 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
Essa transformação resultou em um novo pa- (ibid.). O paradoxo é que Fujimori disse repe-
drão de acumulação capitalista, baseado na tidamente durante a campanha eleitoral que,
valorização financeira, privatização e outros. quando se tornasse presidente, não utilizaria
De acordo com Benza (2020), a experiência pe- as políticas neoliberais que seu adversário,
ruana aconteceria através do golpe de Estado o escritor ganhador do Prêmio Nobel, Mario
de 1992 e da criação da Constitución Política Vargas Llosa, representando a Frente Demo-
del Perú de 1993, que seguiu as diretrizes do crática (Fredemo), propagou. Entretanto, uma
Consenso de Washington (Benza, 2020). Em vez eleito, ele mudou seu discurso, tomando
1990, quando já era eleito presidente do Peru, os ideais neoliberais como políticas estatais
Alberto Fujimori viajou para Nova York e Tó- (Carranza, 2000; Benza, 2020).
quio, onde recebeu, das autoridades do Fun- O neoliberalismo peruano foi consoli-
do Monetário Internacional (FMI) e do Banco dado após a implementação da Constituição
Mundial (BM), o documento CW, pelo qual Peruana de 1993, quando o regime regulató-
compreendeu o suposto potencial econômico rio do ex-presidente Alberto Fujimori, com o
do neoliberalismo (Carranza, 2000). Essa Carta ex-assessor do BID, o economista liberal Her-
Magna deu legalidade ao regime consagrado nando de Soto, promoveu várias reformas em
na ideologia neoliberal e ofereceu os argu- favor da liberalização econômica, indicando
mentos centrais para dar estabilidade às re- que o Estado gerou maiores ineficiências e que
formas políticas e econômicas (ibid.; Martínez, a ação social e as decisões da sociedade civil
2009), dado que as organizações financeiras geraram maiores desigualdades. Portanto, de
internacionais estavam pressionando o Esta- acordo com Soto (1987), era melhor deixar a li-
do nacional a fazer ajustes que garantissem vre circulação e o funcionamento do mercado,
o pagamento da dívida externa, e o governo já que este resolveria problemas sociais, eco-
americano exigiu resultados confiáveis na luta nômicos e políticos. Assim, a estratégia con-
contra a insurgência (Martínez, 2009). Isto per- sistiu em determinar os problemas urgentes,
mitiu que Fujimori assegurasse, politicamente, analisando quais instituições públicas e jurí-
o controle de todas as instituições estatais e, dicas abrem oportunidades para a população.
economicamente, a privatização das empre- Essas instituições, inspiradas pelas qualidades
sas estatais, a demissão de servidores públicos empreendedoras e/ou para criar riqueza, per-
e a desregulamentação do aparelho estatal mearam a coordenação ideal das pessoas e o
(Carranza, 2000; Benza, 2020; Martínez, 2009). uso dos recursos (ibid.). De acordo com Benza
Portanto, os direitos de propriedade devem ser (2020), a Constituição de 1993 é a de maior li-
afirmados, facilitando transações e instrumen- berdade econômica do mundo, na qual o Esta-
tos legais, evitando regulamentações legais e do exerce um papel determinante na produção
substituindo o Estado por organizações infor- social. A liberalização econômica estimulou
mais e privadas (Soto, 1987). Assim, a agenda mudanças na cultura política de um determi-
política era um programa que buscava simplifi- nado setor, convertendo a percepção da pri-
car, descentralizar e desregulamentar a função vatização dos serviços públicos como o único
pública, bem como despolitizar a vida produ- mecanismo de fixação de preços e tendências
tiva nacional e a economia política nacional especulativas (ibid.).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 505
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
506 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 507
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
permita uma leitura dinâmica do neoliberalis- são delimitados pela necessidade de construir
mo e dos processos de urbanização neolibe- consenso político e social (Harvey, 2007) em
ral, uma vez que a abordagem utilizada neste propostas que precisem destruir criativamente
artigo os entende como processos instáveis, os procedimentos de proteção social do Esta-
mutáveis, dependentes do contexto. Enfatiza- do de bem-estar keynesiano (Harvey, 2005 e
-se la profunda dependencia que los procesos 2014). A difusão de um padrão de governança
de neoliberalización tienen de su trayectoria recente baseado no empreendedorismo urba-
previa (ibid.). no tem as seguintes características, de acordo
As políticas e os programas urbanos com Harvey (2014), explicitadas no parágrafo
foram disseminados com o neoliberalismo a seguir.
realmente existente, considerando as in- A primeira característica trata da cons-
terações dependentes de la trayectoria y tituição de coalizões de poder e alianças inte-
contextualmente específicas que se dan entre ressadas em apoiar a governança neoliberal,
los escenarios regulatorios heredados, por una baseando-se nas PPPs. A administração local
parte y proyectos emergentes de reformas deve ativar a procura de recursos e fontes de
neoliberales orientadas al mercado (ibid., financiamento. A segunda trata das ativida-
2009, p. 3), iniciadas de maneira contraditória des das PPPs com o empreendimento. Todas
em diferentes contextos. O neoliberalismo não as atividades capitalistas estão subordinadas
é uma ideologia pura, ao contrário, é híbrido à lógica do mercado, desse modo, o Estado
na sua concepção; a teoria econômica neolibe- incorpora as expectativas que o setor priva-
ral é, assim, polimórfica e incompleta (Brenner do precisa para especular, involucrando ris-
e Theodore, 2002). É por isso que se pensa cos absorvidos pelo poder público, de modo
na relação entre cidades, capital e megaeven- a beneficiar o setor privado. E a terceira trata
tos. Portanto, considera-se que o Pan-2019 e da intervenção da governança empreendedo-
o modo de governança resultariam nas cida- ra neoliberal ligada a territórios específicos,
des em “ruedos estratégicamente decisivos capazes de atrair recursos privados por parte
donde se han estado desplegando las formas da administração, sem intervir no conjunto do
neoliberales de destrucción creativa” (Theodo- território, gerando desigualdades socioterrito-
re, Peck e Brenner, 2009, p. 7). A infraestrutura riais (Harvey, 1996 e 2005).
urbana é, portanto, necessária para a acumu- Pensa-se que, no Peru, as cidades de Li-
lação e a regulamentação neoliberal. ma e Callao estejam passando por um proces-
Peck e Tickell (2002) destacam a rele- so de urbanização neoliberal exercido pela go-
vância de entender o neoliberalismo e a ur- vernança empreendedora neoliberal (Harvey,
banização neoliberal como processos que 1996 e 2005), concebido pelo empreendedo-
articulam etapas de desregulamentação e rismo urbano quando realizado em termos
desmantelamento das instituições existentes, de ajustes espaciais de Harvey, tratando-se
com a construção e difusão de novos modelos de “contradição incontornável e aberta a uma
de governança (Peck e Tickell, 2002; Harvey, interminável repetição, porque novas regiões
1996 e 2005; Santos Junior e Ribeiro, 2015; também requerem capital fixo em infraes-
Santos Junior, 2015). Esses processos urbanos truturas físicas e ambientes construídos para
508 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
funcionar com eficácia” (Harvey, 2014, p. 99). esta uma característica das recentes políticas
Assim novas configurações urbanas foram rea- urbanas neoliberais (ibid.), apropriada à dinâ-
lizadas para que as cidades sediassem os XVIII mica econômica atual (Sanchéz et al., 2004).
Jogos Pan-Americanos e os VI Jogos Parapan- É assim que, em 11 de outubro de 2013,
-Americanos, em 2019. o estado do Peru, com o Comitê Olímpico Pe-
As cidades envolveram-se no discurso ruano (COP), a Organización Deportiva Pana-
construído pelos gestores, que, em consenso, mericana (Odepa) e a Municipalidad Metropo-
afirmam que Lima e Callao deveriam se mos- litana de Lima (MML), com a participação do
trar no disputado mercado internacional das Instituto Peruano del Deporte (IPD), definiu as
cidades, através do patriotismo, o que resulta- condições para a realização dos XVIII Juegos
ria em uma nova identidade e simbolismo para Pan-Americanos e dos VI Juegos Parapan-Ame-
o povo de Lima, além de servir para mostrar a ricanos, em 2019.
cultura ancestral e gastronômica. Neuhaus in- Em 21 de fevereiro de 2015, foi emi-
dica, em uma entrevista, que as cidades de Li- tido o decreto supremo n. 002/20 15,
ma e Callao teriam uma excelente oportunida- aprovando a criação, a partir do Ministe-
de. Nas palavras do diretor, “tenemos mucho rio de Educación (Minedu), do Proyecto
que mostrar durante los Juegos. Tenemo s Especial para la preparación y desarrollo
la posibilidad que mil millones de personas de los XVIII Juegos Panamericanos y VI
nos vean. Tener una ciudad más arreglada. Juegos Parapanamericanos Lima 2019 (PE),
Una gran oportunidad de exponer al mundo instituição criada para planejar e executar o
nuestro país, nuestra ciudad” (Peru, s./d.). Pan-2019 com outras instituições nacionais
Percebe-se que os Estados fazem coa- e internacionais (Lima, s./d.). A resolución
lizões e arranjos institucionais para promo- suprema n. 006/2015, do Minedu, declara o
ver megaeventos esportivos (Boykoff, 2013; Pan-2019 de interesse nacional, formalizando
Sánchez e Broudehoux, 2013; Bolsmann, 2015; um grupo de trabalho denominado “Comité
Eick, 2015; Müller, 2015; Santos Junior, 2015; Organizador de los XVIII Juegos Panameri-
Santos Junior e Ribeiro, 2015), mostrando ao canos del 2019 (Copal – Perú)”, vinculado ao
mundo suas várias qualidades. Lima e Callao próprio ministério (Lima, 2019b; Lima, s./d.).
não seriam a exceção. Esse argumento se tor- Em 2016, o Estado chamou de “Plan
na eficiente e eficaz por parte do Estado para Maestro de los XVIII Juegos Panamericanos y
atrair investimentos privados (Harvey, 1996 e VI Juegos Parapanamericanos Lima 2019” o
2005), dado que o Pan-2019 se torna não ape- conjunto de intervenções urbanas que foram
nas a razão para melhorar a qualidade de vida realizadas nas cidades de Lima e Callao. A go-
dos cidadãos através da disseminação do es- vernança empreendedora neoliberal iniciou
porte, mas também mais interessado na pro- a implementação de um plano estratégico de
dução de espaço urbano através do desenvol- acordo com as exigências do PE e da Odepa.
vimento de Grandes Projetos Urbanos (GPUs), Neuhaus, diretor do PE, mencionou que este
como descrito por Swyngedouw, Moulaert e fue un modelo que incorporó herramientas
Rodríguez (2002), articulados às recentes for- de gestión privada de proyectos al ámbito
mas de governança urbana neoliberal, sendo público (Lima, 2019a). Assim, as novas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 509
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
510 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 511
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
Theodore e Peck; Brenner, 2009). Além disso, político, ni el Proyecto Especial, acá juega el
visam à mercantilização das cidades através do Perú, jugamos todos y este partido no nos
incentivo ao consumo (Sánchez e Broudehoux, gana nadie (ibid.).
2013; Santos Junior, 2015). Esse modelo neo- Para Santos Junior (2015), a renovação
liberal é utilizado para criar ambientes favorá- urbana nas cidades-sede está diretamente
veis para os negócios privados, enfatizando lo- relacionada aos megaeventos desportivos. O
cais para fornecer infraestrutura, modificando empreendedorismo nas cidades gira em torno
as relações trabalhistas, os controles ambien- de centralidades que se distinguem pela sua
tais e as políticas fiscais (Harvey, 1996 e 2005). multifuncionalidade. É dessa forma que a go-
Parece que a realização dos jogos signifi- vernança empresarial neoliberal do Pan-2019
cou para Lima e Callao uma janela de oportu- se concentraria em áreas específicas, para
nidades para a atuação dos distintos interesses atrair o setor privado. Vale a pena notar que
privados e atores nacionais e internacionais três áreas das cidades beneficiadas pelo Pan-
envolvidos, como a Odepa, o Proyecto Espe- 2019 foram visadas em três direções: (1) Lima
cial, o Ministério de transporte y Comunicacio- Centro: consolidar uma centralidade existente;
nes (MTC) e a Municipalidad de Lima (MML), (2) Lima Sul: promover a revitalização de uma
considerando as oportunidades no crescimen- área em declínio; (3) Região de Callao: impul-
to econômico e a consolidação econômica e sionar o reforço de uma centralidade (Gomez
política a partir de coalizões e arranjos que es- Cornejo, 2021). O principal ator nas coligações
truturam as mudanças significativas das cida- e arranjos institucionais para esse projeto ur-
des-sede. As possíveis “soluções” urbanas, em bano, bem como nas políticas territorializadas,
diferentes contextos, nos megaeventos espor- é o Estado (Harvey, 1996; 2005 e 2014), pro-
tivos, realizam-se sem a participação da socie- movendo a inserção de Lima e Callao no pano-
dade civil (Boykoff, 2013; Eick, 2015), exacer- rama global, ao configurar um modo neoliberal
bando as segregações socioespaciais (Sánchez de urbanização divulgado pela governança em-
e Broudehoux, 2013). presarial neoliberal em projetos de especula-
A consultoria, em quase 100 dias, resol- ção imobiliária privada.
veria a localização das infraestruturas do me-
gaevento esportivo. Esse planejamento se deu
em conjunto com os diferentes stakeholders
do projeto (Lima, 2019b). Pouco antes de en-
O Estado como ator principal
tregar o Plan Maestro 2019 para aprovação da da urbanização neoliberal
Odepa, Carlos Neuhaus argumentou que fazer
o plano representou um grande “trabalho em Analisar a reestruturação estatal é entendê-la
conjunto” com outras entidades do Estado e como uma fenomenologia política intrinseca-
enfatizou que o projeto urbano deveria ter si- mente relacionada aos processos de neolibe-
do despolitizado, se debe centrar en el deporte ralização (Peck e Tickell, 2002; Brenner e Theo-
porque se ha desviado para el tema político y dore, 2002; Brenner; Peck e Theodore, 2011),
los Panamericanos no son nada políticos (Lima, ou seja, como um projeto político que visa
s./d.). Somado a isso, “acá no juega ningún naturalizar certas ideologias e políticas, como
512 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
a austeridade do setor público, a concorrência Especial com o governo do Reino Unido consis-
e o livre comércio (Peck, 2012). Argumenta- tiu em caráter de Acuerdo Marco, implicando a
-se que o Estado exerce papel indispensável participação do governo britânico, concedendo
na centralização e concentração do capital, a assistência profissional em diferentes linhas de
partir da criação de PPPs interligadas à urba- apoio, atuando como “agente de procura” do
nização neoliberal. Desse modo, constata-se desenvolvimento das operações dos jogos e do
que o Proyecto Especial funcionou como uma desenvolvimento de infraestruturas, assim co-
entidade intermediária entre dois governos, mo o desenvolvimento do legado econômico,
responsável pela implementação do Pan-2019. urbanístico, esportivo e socioeducativo (ibid.).
Serviu, também, para cumprir os requisitos in- O G2G previu a contratação de consultores
ternacionais solicitados através da adoção de independentes, feita por meio de um agente
ferramentas especiais que foram aprovadas externo ao Proyecto Especial. Foi assim que se
com os decretos legislativos n. 1248 e n. 1335, selecionaram os provedores de bens, serviços
que visavam capacitar o Estado a contratar e obras. Cabe ressaltar que, nas negociações
empresas que cumprissem os compromissos no mercado internacional, o governo inglês
acordados com a Odepa (Lima, s./d.). Novos representou o Proyecto Especial e o Estado na-
modelos de gestão urbana estão sendo imple- cional em todas as suas instâncias. Trata-se de
mentados nas cidades de Lima e Callao, ou se- um acordo no qual um Estado contratante es-
ja, ferramentas de contratação recentes que o taria passando por crises econômicas, políticas
Projecto Especial utilizou para a construção de e sociais, portanto, ele obterá experiência atra-
projetos de infraestrutura e imobiliários, des- vés do traspasso de conhecimento do Estado
de a conclusão de acordos de gestão e acordos contratado (ibid.).
bilaterais, parcerias, até a seleção de organiza- Conforme dito, os acordos articularam-
ções e consórcios nacionais e internacionais. -se de modo que o Estado peruano delegasse
(Gomez Cornejo, 2021). responsabilidades na gestão da produção do
Nesse contexto, o Proyecto Especial, no espaço urbano para o Estado britânico. No ca-
ano de 2017, fechou o acordo denominado so do Pan-2019, o Reino Unido apropriou-se e
Gobierno a Gobierno (G2G) com o governo aproveitou-se das vantagens dos recursos tec-
do Reino Unido, em que este toma ações e nológicos, geográficos e econômicos, permitin-
decisões para gerenciar os processos seletivos do, assim, beneficiar seus profissionais na divi-
nacionais e internacionais na contratação dos são internacional de trabalho. Ou seja, saben-
provedores e das empreiteiras, em represen- do que o Estado empreendedor tem interesse
tação do Proyecto Especial, aliás, do Estado em investir na realização do megaevento sob
peruano (Lima, s./d.). Além disso, o acordo es- pressão das organizações sem fins lucrativos,
tabelece liberdade aos gestores internacionais ele precisa investir recursos públicos em infra-
nas decisões dos projetos urbanos, como o estruturas físicas, tecnológicas e sociais, sendo
Plan Maestro 2019, solicitadas para a realiza- desse modo como se gestou o evento esporti-
ção do Pan-2019. Então, o acordo do Proyecto vo. Segundo Neuhaus,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 513
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
514 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
cenários econômicos possíveis para a acumu- Público-Privadas (PPPs) (Harvey, 1996, 2005;
lação de capital privado, possibilitando a cria- Boykoff, 2013; Eick, 2015; Ribeiro e Santos Ju-
ção de novas estratégias institucionais para nior, 2015; Santos Junior, 2015). Os quadros a
a construção de infraestruturas urbanas que seguir apresentam as infraestruturas imple-
não fazem parte da agenda nacional e ações mentadas e as empresas privadas e consórcios
específicas do Estado, com o uso de Parcerias responsáveis por área e distrito.
Fonte: adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).
Fonte: adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 515
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
Fonte: Adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).
516 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
Fonte: adaptado de Lima (2017a; 2017b; 2019b; 2019c), Peru (2019b) e Cosapi (2019).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 517
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
infraestrutura existente no país. Por meio des- esse processo ocorre através da transferência
se instrumento, as empresas privadas ante- de ativos sob o controle de classes de baixos
cipam o pagamento de seu imposto de renda rendimentos para setores de capital imobiliário,
para financiar e executar diretamente projetos como a criação de novos serviços e instalações
de investimento público priorizados por gover- desportivas geridas pelo setor privado.
nos subnacionais e entidades governamentais Percebe-se que a formação das PPPs
nacionais (MEF, s./d.). Usou-se também a mo- aconteceu nas modalidades empreendidas
dalidade de “obras por contrato”, na qual se pelo Estado para a realização das infraestru-
executam as obras por contrato administrativo, turas esportivas espalhadas em três zonas da
por meio do qual um terceiro se obriga a cons- cidade: a Zona Central, a Zona Sul e a região
truir uma obra de interesse público em troca do Callao. O Pan-2019 nas cidades de Lima e
do pagamento de um preço. Entende-se que Callao, assim como aconteceu em outras ci-
é celebrada a título oneroso, entre empresa dades e países que sediaram megaeventos
empreiteira e a administração pública, e tem esportivos, tinha, como particularidade, o
como objetivo a execução de uma obra que empreendedorismo urbano como modelo de
responda às necessidades indicadas pelo Esta- governança urbana (Boykoff, 2013; Sánchez;
do. Dessa forma, firma-se uma parceria entre Broudehoux, 2013; Bolsmann, 2015; Eick,
o setor privado e o setor público (Osce, s./d.) 2015; Müller, 2015; Santos Junior, 2015; San-
A metodologia empresarial na gestão tos Junior e Ribeiro, 2015). Pode-se verificar
foi concebida pela “Gestión por Resultados” esse modo de urbanização, ao analisar o re-
(GPR). Segundo o Organismo Supervisor de las cente tipo de governança urbana nas novas
Contrataciones del Estado (Osce), é uma abor- modalidades de parcerias nos investimentos
dagem de gestão do setor público cuja função públicos e privados, diferença que marca no-
é facilitar, às organizações públicas, a direção toriedade na transformação socioespacial pa-
efetiva e integrada de seu processo de criação ra a realização dos megaeventos esportivos.
de valor público, de forma a cumprir os objeti- Portanto, consideramos que, na realização do
vos do governo (ibid.). Também se usou a Ley Pan-2019 nas cidades de Lima e Callao, as ci-
de Contrataciones del Estado, a lei n. 30225. dades passaram a ser administradas com con-
De acordo com o Diário Oficial Peruano, esta- ceitos e argumentos trazidos da administração
belecem-se las disposiciones y lineamientos de empresas privadas, começando a integrar
que deben observar las Entidades del Sector esses mesmos conceitos na administração pú-
Público en los procesos de contratación de blica. Essa prática, por um lado, baseia-se na
bienes, servicios, consultorías y obras que promoção e no financiamento de novos mode-
realicen (Peru, 2019a, p. 2). los de negócio que envolvem empresas priva-
Considera-se que as cidades de Lima e das, capital privado e esferas supranacionais
Callao estejam atravessando um ciclo de mer- de governo. Por outro lado, e ainda mais rele-
cantilização que é interpretado como a incorpo- vante, tem um impacto na governança urbana,
ração de certas áreas carentes de serviços públi- inserindo o público na lógica do setor privado.
cos, logo, serviços urbanos desmercantilizados, Assim, o governo incorpora a lógica do merca-
nos circuitos da capital. Pode-se observar que do como uma estratégia competitiva.
518 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
[I] https://orcid.org/0000-0002-7846-6615
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Programa de Engenharia Urbana. Rio de
Janeiro, RJ/Brasil.
g_lumi@poli.ufrj.br
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 519
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
Referências
APRA (2011). Plan de Gobierno del Partido Aprista (2006-2011). Disponível em: https://www2.
congreso.gob.pe/Sicr/Comisiones/2009/comvirahaya.nsf/3D7A3BA8901FF3FF0525783A0070
6D87/$FILE/plan_de_gobierno_par do_aprista_peruano_(pacto_e co_electoral).pdf. Acesso
em: 27 jan 2022.
BENZA, M. (2020). 25 años de neoliberalismo en el Perú: análisis de la Cons tución Polí ca de 1993.
Lima.
BOLSMANN, C. (2015). “A copa do Mundo de 2010 na África do Sul: um espetáculo con nental?”. In:
RIBEIRO, L. C. de Q; GAFFNEY, C. (orgs.). Os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas
2016. Rio de Janeiro, Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
BOYKOFF, J. (2013). Celebra on Capitalism and the Sochi 2014 Winter Olympics. The Interna onal
Journal of Olympic Studies, v. XXII, pp. 39-70.
BRENNER, N. (2018). Espaços da urbanização: o urbano a par r da teoria crí ca. Rio de Janeiro, Letra
Capital/Observatório das Metrópoles.
CARRANZA, V. (2000). Globalización y crisis social en el Perú. Lima, Ins tuto français d’études andines.
CÓRDOVA, N. (2019). Neuhaus: Modelo de ges ón de Lima 2019 garan za efec vidad de los Juegos.
Agencia Peruana de Notícias, 26 mar. Disponível em: https://andina.pe/Agencia/noticia-
neuhaus-modelo-ges on-lima-2019-garan za-efec vidad-los-juegos-746582.aspx. Acesso em:
27 jan 2022.
COSAPI S.A. (2019). Memoria Anual – Retos en realidad. Disponível em: h ps://www.cosapi.com.pe/
Upload/documento/misc/cosapi_-_memoria_2018.pdf. Acesso em: 27 jan 2022.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do Mundo. Ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
EICK, V. (2015). “Aumentando os Lucros (com Sangue): COI e FIFA na neoliberalização global”. In:
RIBEIRO, L. C. de Q.; GAFFNEY, C. (orgs.). Os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas
2016. Rio de Janeiro, Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
GANA PERÚ (2011). Plan de Gobierno 2011 – 2016. La gran transformación. Disponível em: h ps://
www.presidencia.gob.pe/images/archivos/plandegobierno_ganaperu_2011-2016.pdf. Acesso
em: 10 jan 2022.
GOMEZ CORNEJO, L. M. (2021). Governança Urbana Neoliberal: XVIII Jogos Pan-americanos, Lima
2019. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
GOMEZ CORNEJO, L. M.; SILVA G. (2021). “Gobernanza Neoliberal y Emprendimiento Urbano: XVIII
Juegos Panamericanos, Lima, 2019”. In: JORNADAS INTERNACIONALES DE AMÉRICA LATINA Y EL
CARIBE, V. Argen na, Buenos Aires.
520 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Urbanização neoliberal e os megaeventos em Lima e Callao
JESSOP, B. (2002). Liberalism, neo-liberalism and urban governance: a state theore cal perspec ve.
An pode, v. 34, n. 3, pp. 452-472.
______ (2019a). Carlos Neuhaus: “Lima 2019 deja como legado un nuevo modelo de procura, innovación
y transparencia”. Disponível em: h ps://www.lima2019.pe/no cias/carlos-neuhaus-lima-2019-
deja-legado-nuevo-modelo-procura-innovaci%C3%B3n-transparencia. Acesso em: 27 jan 2022.
______ (2019c). Lima 2019: Juegos Panamericanos y Paranamericanos. Disponível em: h ps://www.
expoarcon.com/assets/foro-de-infraestructura-y-reconstrucci%C3%B3n-nacional---tema-
infraestructura-para-los-juegos-panamericanos-2019.pdf. Acesso em: 27 jan 2022.
______ (s./d.). Juegos Panamericanos y Parapanamericanos | Lima 2019. Disponível em: h ps://www.
lima2019.pe/. Acesso em: 27 jan 2022.
MEDINA, J. C. (2019). El Acuerdo de Gobierno a Gobierno y los Contratos NEC: ¿Soluciones a las
deficiencias de la norma va de contrataciones del Estado que puedan ser replicadas por todas
las en dades? Revista IUS ET VERITAS, v. 58, pp. 110-127.
MEF – Ministerio de Economia y Finanzas (s./d.) Obras por impuestos. Disponível em: h ps://www.mef.gob.
pe/es/?op on=com_content&language=es-ES&Itemid=100270&lang=es-ES&view=ar cle&id=3976.
Acesso em: 27 jan 2022.
MÜLLER, M. (2015). “Mais Alto, Mais Caro: Sochi e as Olimpíadas de Inverno 2014”. In: RIBEIRO, L. C.
de Q; GAFFNEY, C. (orgs.). Os impactos da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016. Rio de
Janeiro, Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
OSCE – Organismo Supervisor de las Contrataciones del Estado (s./d.). La Ges ón por resultados
em la contratación pública. Disponível em: h ps://portal.osce.gob.pe/osce/sites/default/files/
Documentos/Capacidades/Materiales/Gest_por_resul1.pdf. Acesso em: 27 jan 2022.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022 521
Luis Miguel Gomez Cornejo Urriola
PECK, J.; TICKEL, A. (2002). Neoliberalizing Space. An pode, n. 12, pp. 380-404.
PERU (2019a). Texto Único Ordenado de la Ley n. 30225, Ley de Contrataciones del Estado. Decreto
Supremo n. 082-2019-EF. Disponível em: h ps://diariooficial.elperuano.pe/pdf/0014/14-texto-
unico-ordenado-de-la-ley-30225-ley-de-contrataciones-del-estado-1.pdf. Acesso em: 27 jan
2022.
______ (2019b). Portal del Estado Peruano – Portal de Transparencia Estándar. Disponível em: h p://
www.transparencia.gob.pe/contrataciones/pte_transparencia_pac.aspx#.YfLWLOrMLIU.
Acesso em: 27 jan 2022.
______ (s./d.). Carlos Neuhaus: “Los Panamericanos no son un tema polí co, todo se debe centrar en el
deporte”. Disponível em: h ps://www.gob.pe/ins tucion/ipd/no cias/199546-carlos-neuhaus-
los-panamericanos-no-son-un-tema-poli co-todo-se-debe-centrar-en-el-deporte. Acesso em:
27 jan 2022.
PRADILLA, E. (2010). Teorías y Polí cas Urbanas ¿Libre Mercado Mundial, o Construcción Regional?
Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2, pp. 9-21.
SÁNCHEZ, F.; BIENENSTEIN, G;. CANTO, B.; CUNHA, B.; BARROS, D.; PICINATTO, L. (2004). Produção de
Sen do e Produção do Espaço: convergências discursivas nos grandes projetos urbanos. Revista
Paranaense de Desenvolvimento. Curi ba, n. 107, pp. 39-56.
SÁNCHEZ, F.; BROUDEHOUX, A. (2013). Mega-events and urban regeneration in Rio de Janeiro:
planning in a state of emergency. Interna onal Journal of Urban Sustainable Development, v. 5,
n. 2, pp. 132-153.
SWYNGEDOUW, E.; MOULAERT, F.; RODRÍGUEZ, A. (2002). Neoliberal urbaniza on in Europe: large-
scale urban development projects and the new urban policy. An pode, v. 34, n. 3, pp. 542 577.
THEODORE, N.; PECK, J.; BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los
mercados. Temas Sociales. San ago de Chile, n. 66, pp. 1-11.
522 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 501-522, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização
nos municípios centrais da Região
Metropolitana da Baixada Santista
Densification and verticalization in the central cities
of the Metropolitan Region of Baixada Santista
Lenimar Gonçalves Rios [I]
Mônica Antonia Viana [II]
Alexandre Lukas Morrone [III]
Resumo Abstract
Este ar go discute o processo de ver calização e The article discusses the verticalization and
adensamento dos municípios centrais da Região densification process of central cities in the
Metropolitana da Baixada San sta – RMBS do es- Metropolitan Region of Baixada Santista, state
tado de São Paulo e seus reflexos na estruturação of São Paulo, and its effects on the socio-spatial
socioespacial e no meio ambiente no período en- structure and on the environment in the period
tre 1980 e 2010. São também apresentadas e ana- between 1980 and 2010. It also analyzes projec ons
lisadas projeções para o período de 2010-2020, a for the 2010-2020 period, based on data from
partir de dados de órgãos oficiais e do mercado official agencies and the real estate market. The
imobiliário. O resultado revela que esse processo results reveal that this process has changed the
alterou a paisagem natural e atualmente reforça a natural landscape and currently reinforces socio-
segregação socioespacial com dispersão da ocupa- spa al segrega on, with dispersion of occupa on
ção para áreas vulneráveis ambientalmente, geran- to environmentally vulnerable areas, generating
do problemas de mobilidade urbana. urban mobility problems.
Palavras-chave: ver calização; adensamento; mor- Keywords: verticalization; densification; urban
fologia urbana; transformações urbanas; Região morphology; urban transforma ons; Metropolitan
Metropolitana da Baixada San sta. Region of Baixada San sta.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5404 Crea ve Commons Atribu on
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
524 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Planalto Paulista
Oceano Atlân co
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 525
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
526 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Vicente nos vazios urbanos ainda existentes na de novos municípios. A atividade do turismo
época. Contudo esse desenvolvimento urbano balneário 7 instalou-se primeiramente em
não se limitou a Santos, transbordando para Santos, São Vicente e Guarujá, para, em se-
os municípios de São Vicente e o recém-criado guida, com a implantação de novos acessos
Guarujá, com a ocupação do distrito de Vicen- ao planalto e entre os municípios da região,
te de Carvalho. expandir-se em direção ao sul e ao norte do
Altamente relevante é o papel que San- litoral, dando origem a seis dos nove muni-
tos passou a ter na dinâmica do crescimento cípios da região, inclusive Praia Grande, hoje
regional a partir dos anos 1960. A parte leste conurbada e parte integrante da área central
do município (limitada pelo porto, pelo maciço da região (Rios, 2019).
de morros e pelas praias) começou a ser urba- Para responder à grande demanda do
nizada, nos primeiros anos do século XX, com turismo de massas, o mercado imobiliário
o Plano de Saneamento de Saturnino de Brito. construiu, em larga escala, unidades habita-
Implantaram-se sistemas de abastecimento de cionais destinadas a segundas residências,
água, de coleta e tratamento de esgotos sani- com máximo aproveitamento das faixas jun-
tários, além de sistema de drenagem urbana to às orlas das praias, para acomodar prédios
que permitiu o aproveitamento de uma vasta de apartamentos de temporada, inicialmente
área, antes alagadiça, para fins urbanos. Com verticalizando as praias de Santos, São Vicen-
a onda migratória de meados do século XX, im- te e Guarujá. O fenômeno ocorreu um pouco
pulsionada pela implantação do polo industrial mais tarde em Praia Grande, que, a partir da
de Cubatão, pela ampliação das instalações década de 1960, transitou rapidamente de
portuárias e pela construção civil, os terrenos uma economia de base rural para terciária
vazios localizados na porção urbanizada foram (Rios, 2019).
ocupados por residências de trabalhadores Esse fenômeno provocou mudanças na
portuários e industriais mais qualificados. Os legislação urbanística, sob a pressão do merca-
segmentos de baixa renda fixaram moradia na do imobiliário, que resultaram na redução de
porção não urbanizada, autoconstruindo em recuos e no aumento da ocupação dos lotes. Os
terrenos abaixo da quota do mar e sujeitos às altos coeficientes construtivos utilizados cria-
inundações e em encostas de risco dos morros ram, nos municípios da região, o que Seabra
de Santos, processo que se estendeu para a vi- (1979) denominou “muralha que cerca o mar”.
zinha São Vicente e para o distrito de Vicente Referindo-se ao município de Santos,
de Carvalho, no Guarujá (Carriço, 2015). Esse Araújo Filho (1965, p. 40) observa que:
processo ocupou extensivamente áreas am-
Essa linha de arranha-céus [...] constitui
bientalmente vulneráveis e resultou na paula- um novo tipo de ocupação do espaço ur-
tina supressão e degradação de partes do bio- bano, agora no sentido vertical [...] esses
ma Mata Atlântica. prédios de apartamentos representam
não só o mais recente tipo de ocupação
O turismo de massas, fruto da amplia-
das praias santistas, como o mais repre-
ção da classe média no período da industria- sentativo de uma das quatro funções da
lização do País, foi responsável pela criação cidade: o veraneio.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 527
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Figura 2 – Orlas de Santos e São Vicente, 1940 Figura 3 – Orlas de Santos e São Vicente, 1950
Figura 4 – Orlas de São Vicente e Santos, 1970 Figura 5 – Orla de Guarujá – 1950
528 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Em três décadas, as feições das orlas das (segunda residência), enquanto, em Guarujá
praias sofreram alterações intensas (Figuras e Praia Grande, é acentuada a presença des-
de 2 a 7). tes últimos, com impacto sobre as estruturas
O processo de verticalização ao longo instaladas, que ficam ociosas a maior parte do
das praias produziu primeiramente unidades ano (Quadro 1) em função da sazonalidade do
voltadas à população flutuante e, em segui- turismo balneário.
da, atendeu moradores fixos de alta renda Embora o Censo Demográfico IBGE de
(Seabra, 1979). 2010 tenha revelado elevado percentual de
Percebe-se a expressão da atividade tu- domicílios de uso ocasional em Praia Grande,
rística no volume de domicílios de uso ocasio- quando comparado aos demais municípios,
nal. Nos municípios de Santos e São Vicente, observa-se crescimento de sua população fi-
os domicílios de população fixa são nume- xa nas últimas décadas devido à migração de
ricamente superiores aos de uso ocasional moradores de Santos (principalmente) e de
Fonte: Censo Demográfico (Sidra-IBGE, 2011). Elaborado por Ins tuto Pólis em 2013.
Ano TGCA
Município
1980 1991 2000 2010 1980-1991 1991-2000 2000-2010
Santos 416.681 417.100 417.983 419.400 0,11 0,02 0,04
São Vicente 193.002 268.618 303.551 332.445 3,05 1,37 0,94
Guarujá 151.127 210.207 264.812 290.752 3,05 2,60 0,93
Praia Grande 66.011 123.492 193.582 261.051 5,86 5,12 3,17
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 1980, 1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2011). TGCA calculado pelos autores. Elaborado
pelos autores em 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 529
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
São Vicente (Quadro 2). Repete-se o mesmo populacional de Santos e aumento de habitan-
fenômeno experimentado nos anos 1960 em tes dos municípios de São Vicente, Guarujá e
relação aos vizinhos de Santos, só que agora principalmente Praia Grande, como mostra o
a migração para Praia Grande é liderada por Quadro 2.
segmentos de classe média (Jakob, 2004), mo- A inflexão do crescimento de Santos de-
vimento puxado principalmente por jovens ca- correu da dinâmica de preços dos imóveis no
sais diante do alto custo para compra de imó- município e marca o reforço do processo de
vel em Santos. Em 2010, o acréscimo de popu- dispersão da ocupação regional iniciado na dé-
lação elevou o número de moradores de Praia cada de 1960 (ver seção anterior). Segmentos
Grande a níveis próximos aos de São Vicente e de menor renda migram para os municípios
Guarujá (Quadro 2). vizinhos onde os imóveis são mais baratos e
A legislação urbanística teve papel re- onde ainda é possível ocupar de forma irregu-
levante na construção do modelo de vertica- lar áreas que não são do interesse do mercado
lização, pois, até a década de 1970, quando imobiliário. O Gráfico 1 mostra a alteração da
se consolidou o processo de urbanização, os distribuição populacional e permite comparar
municípios adotaram parâmetros de uso e a perda de posição de Santos na distribuição
ocupação nas faixas próximas às praias, que demográfica regional no período de 1980 a
atribuem a esses espaços características de 2010 e o avanço da participação dos demais
excelência ambiental (Carriço, 2002), de gran- municípios, com destaque para Praia Grande.
de interesse do mercado imobiliário. Tais Ao mesmo tempo que há uma estabi-
conceitos embasam até hoje os dispositivos lidade com pouco crescimento demográfico,
legais que orientam o crescimento dos muni- Santos apresentou uma crescente produção
cípios centrais, gerando maior valorização e de domicílios de ocupação permanente se-
especulação imobiliárias nas zonas próximas à melhante aos outros três municípios. Apesar
orla das praias. de Santos ser a maior cidade em termos po-
pulacionais e de desenvolvimento econômico,
foi a que teve o menor crescimento, tanto em
proporção como em números absolutos, em
Crescimento espacial demografia, tendo um acréscimo de apenas
e crescimento demográfico 2.719 novos habitantes e produção de domicí-
no período de 2000-2010 lios com 37.839 novas habitações de ocupação
permanente entre 1980 e 2010.
Os efeitos da expansão da malha urbana re- Em contraponto, Praia Grande foi o mu-
gional, em função da diversificação da eco- nicípio com o maior crescimento demográ-
nomia da RMBS, aparecem nos números dos fico com 66.011 habitantes, em 1980, para
censos demográficos a partir dos anos 1980, 261.051, em 2010, multiplicando por quase
quando ocorre perda do ritmo de crescimento quatro vezes a população. Já a proporção de
530 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 1980 e 2010). Elaborado pelos autores em 2021.
Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 1980,1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2010). Elaborado pelos autores em 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 531
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 1980, 1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2010). Elaborado pelos autores em 2021.
Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 1980, 1991, 2000 e Sidra-IBGE, 2010). Elaborado pelos autores em 2021.
532 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000 e 2010). Tabela 156. Elaborado por Lenimar Gonçalves Rios em 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 533
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2010). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.
534 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2010). Elaborado por Gustavo Marques dos Santos em 2018.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 535
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2011) – Universo – Tabela 3341. Elaborado pelos
autores em 2021.
536 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2000 e 2011) – Universo – Tabelas 1434 e 3341.
Elaborado pelos autores em 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 537
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
538 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Quadro 4 – População fixa e taxa geométrica de crescimento anual nos municípios centrais da
RMBS – 2010-2020
Fonte: (*)Censo demográfico (IBGE, 2010). (**) Projeção para 2020, elaborada pela Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados (Seade) para Sabesp (Município..., 2017). (***) TGCA 2010-2020 elaborada pelos autores.
Fonte: (*)Censo Demográfico (IBGE, 2010). (**) Projeção elaborada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de
Dados (Seade) para Sabesp, disponível em: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017).
Fonte: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017). Elaborado pelos autores em 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 539
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
33%, Guarujá com 13% e São Vicente com 4%. 10 a 20 pavimentos e de 20 a 30 pavimen-
Inicia-se a fase em que Praia Grande supera tos. Em São Vicente, sobressai a produção de
Santos em lançamentos e vendas de unidades edifícios de 4 pavimentos, muitos ocupando
habitacionais (Secovi, 2016). áreas com problemas de drenagem, que cau-
Hoje, 99,5% dos domicílios produzidos sam recorrentes transtornos na cidade como
por incorporadoras nos municípios centrais um todo. Em Praia Grande, foram produzidos
são verticalizados. Imóveis horizontais formam predominantemente edifícios de 10 a 20 pavi-
1,78% dos lançamentos (Zarif, 2014). mentos, próximos à praia.
No mapa da Figura 12, vemos os em- No que diz respeito à ordem de grande-
preendimentos verticais construídos no in- za, o Gráfico 7, elaborado com base nos dados
tervalo de 2009-2020 nos municípios centrais do mapa da Figura 11, permite ver a incidência
estudados. Examinando as características das várias tipologias no conjunto dos municí-
tipológicas e a distribuição nos municípios, pios centrais. Observa-se predomínio das altas
nota-se que, em Santos, os novos empreen- densidades construtivas, em particular de edi-
dimentos concentraram-se na porção leste da fícios entre 10 e 20 pavimentos.
cidade e estão avançando em direção às áreas Neste período de 2010 a 2020, não só
residenciais degradadas do antigo centro. As se manteve a lógica da “muralha que cerca o
tipologias predominantes são os edifícios de mar” como ela teve um crescimento intenso
Fonte: Google Earth, 2009/2020. Elaborado por Alexandre Lukas Morrone em 2021.
540 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Fonte: Google Earth, 2020. Elaborado por Alexandre Lukas Morrone em 2021.
Total de
Pavimentos Área A* Área A%* Área B** Área B%**
edificações
4 23 7 30,43 16 69,57
5 - 10 74 13 17,57 61 82,43
11 - 20 66 51 77,27 15 22,73
21 - 30 97 76 78,35 21 21,65
31 - 40 16 16 100,00 0 0,00
Total 286 163 56,99 123 43,01
Fonte: elaborado por Alexandre Lukas Morrone. (*) Área entre as avenidas General Francisco Glicério e Affonso Penna
e a orla da praia (avenidas Presidente Wilson, Vicente de Carvalho, Bartolomeu de Gusmão e Almirante Saldanha da
Gama). (**) Restante da área urbana do município de Santos.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 541
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
com a maioria das novas edificações e princi- dos 286 produzidos em todo o município de
palmente pelas mais altas se encontrarem a Santos. Da mesma forma que em São Vicen-
até 1 km de distância da orla da praia. No Gua- te, em Santos a maior discrepância está na
rujá, com exceção de um complexo de conjun- tipologia das edificações, a maioria de 4 a 10
tos habitacionais ao norte do bairro do Jardim pavimentos, produzidas ao norte das avenidas
Virgínia e do Condomínio Rouxinol, no bairro General Francisco Glicério e Affonso Penna.
Jardim dos Pássaros, todos os novos edifícios Já a maioria das edificações com mais de 11
residenciais foram construídos até 750 metros pavimentos foi produzida entre essas aveni-
da orla da praia. das e a orla, e todas as edificações com mais
Na Praia Grande, esse fenômeno é ainda de 30 pavimentos estão a menos de 600 me-
mais intenso. Das 356 novas edificações identi- tros da praia.
ficadas, 339 estão entre a orla da praia e a ave-
nida Presidente Kennedy, que corre em parale-
lo a 650 metros de distância em média; apenas
17 edificações estão um pouco mais distantes.
Considerações finais
Em Santos e São Vicente, esse fenôme-
no também se observa, mas de maneira me- Os estudos elaborados nessa fase da pesquisa
nos intensa e clara, pois se encontram novas denotam que o processo de verticalização e
edificações por todo o território urbano dos adensamento dos municípios centrais da Re-
municípios. Em São Vicente, os edifícios mais gião Metropolitana da Baixada Santista vem
altos, de 10 a 40 pavimentos, que totalizam sofrendo alterações desde os anos 1980, com
14, estão localizados até, no máximo, 1 km reflexos na estruturação socioespacial e no
da praia do Gonzaguinha no bairro central da meio ambiente. As alterações observadas não
cidade. As demais 141 novas edificações são ocorrem no modelo de desenvolvimento e
habitações de interesse social (HIS) e peque- expansão, que continua produzindo verticali-
nas edificações, também residenciais, produzi- zação e dispersão regional, mas no direciona-
das pela iniciativa privada; todas com 4 ou 5 mento da verticalização.
pavimentos e espalhadas pelo tecido urbano. Embora nas últimas décadas, Santos te-
A população local chama tais edificações, cari- nha perdido posições no quantitativo popula-
nhosamente, de “Predinhos”. cional da região, em decorrência da redução
Em Santos, a maioria dos edifícios tam- do ritmo de crescimento demográfico anual,
bém foi produzida próximo à orla da praia nu- o município mantém-se como polo regional,
ma distância de até 1,4 km. Mas a produção concentrando a melhor infraestrutura, equi-
desses edifícios se deu de maneira muito mais pamentos urbanos e as principais atividades
homogênea em toda a área urbana de Santos econômicas geradoras de empregos. Todavia
do que nos demais municípios da pesquisa. Santos continua expulsando a população mais
Se analisarmos a área da orla da praia até as jovem e de menor renda para outros municí-
avenidas General Francisco Glicério e Affon- pios, em especial São Vicente e Praia Grande,
so Penna, cuja distância máxima é de 1,57 o que gera aumento da mobilidade pendular
km, foram produzidos 163 edifícios, 56,99% entre Santos e os demais municípios.
542 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Em contrapartida, Praia Grande cresce desde a década de 1970, e cerca de 120 mil
com fixação de sua população residente, que habitantes, que representam quase 30% da
ocorre por extravasamento de moradores de população do município.
Santos, fazendo com que o município transite Em decorrência disso, a nova fronteira
do uso predominantemente turístico para resi- de expansão residencial de Santos ignora a
dencial, em vias de tornar-se “cidade-dormitó- continuidade geográfica. Guiada pelos interes-
rio”, assim como São Vicente. ses do mercado imobiliário, a expansão resi-
Em Santos, a produção do mercado imo- dencial “dá um salto” sobre as áreas próximas
biliário está verticalizando a última fronteira dos empregos, ultrapassa a barreira do canal
de expansão residencial da porção leste da que separa a ilha de São Vicente e o continen-
ilha (também chamada de porção nobre) e te e alcança Praia Grande, que passou a ter os
avança em torno do eixo da linha do VLT (Veí- vazios junto à orla da praia ocupados por em-
culo Leve sobre Trilhos – transporte rápido de preendimentos residenciais verticais. As áreas
média capacidade) que liga Santos e São Vi- onde ocorre adensamento são as originalmen-
cente. No entanto, não avança para o oeste te destinadas às denominadas segunda resi-
do território santista, conhecido como zona dências, as quais, desde o início do processo
noroeste, onde, além da continuidade geo- de urbanização, são ocupadas seguindo com-
gráfica, os imóveis são mais baratos, muito binação de parâmetros legais e investimentos
em função da má qualidade da infraestrutura públicos que as tornam espaços de excelência.
instalada e de parte dos terrenos ainda se si- Assim, a verticalização da ocupação re-
tuar em cotas abaixo do nível do mar e, por- gional tem reforçado a monofuncionalidade e
tanto, sujeita a inundações. A ação do poder a dependência do automóvel nos deslocamen-
público na correção desses problemas tem tos, levado a um maior tempo gasto nas via-
sido lenta e descontínua – há projetos desde gens pendulares e agravado os problemas de
pelo menos a década de 1990 que só recen- mobilidade e poluição veicular em Santos. Es-
temente começaram a ser tirados do papel. O ses problemas atingem também São Vicente,
mercado imobiliário não tem mostrado inte- área de passagem entre Praia Grande e Santos.
resse em investir nessa área, em que imóveis Do ponto de vista socioespacial, é pos-
verticalizados têm sido produto exclusivo da sível observar indícios de gentrificação tanto
produção pública de conjuntos habitacionais em Santos como em Praia Grande, o que apon-
empreendidos pela Cohab e pela CDHU. A zo- ta para a necessidade de novas indagações que
na noroeste é a região de Santos que concen- permitam verificar possíveis efeitos territoriais
tra a maior parte dos conjuntos habitacionais, desse fenômeno.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 543
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
[I] https://orcid.org/0000-0001-5069-7174
Universidade Católica de Santos, curso de Arquitetura e Urbanismo. Santos, SP/Brasil.
lenimar.rios@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-5297-5091
Universidade Católica de Santos, cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental. San-
tos, SP/Brasil.
moviana@uol.com.br
[III] https://orcid.org/0000-0003-1547-6338
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa Processo de
Produção do Espaço Construído. São Paulo, SP/Brasil.
alm089@hotmail.com
Notas
(1) A RMBS, composta por nove municípios (Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá,
Peruíbe, Praia Grande, São Vicente e Santos), foi formalmente instituída através da lei
complementar n. 815, em 30 de julho de 1996. É a primeira região a ser criada tendo como polo
um município não capital, Santos.
(2) Segundo pesquisa realizada pelo ZAP Imóveis, que detalhou os dados do úl mo Censo realizado
pelo IBGE e criou o ranking. Disponível em: https://www.diariodolitoral.com.br/cotidiano/
santos-e-a-cidade-mais-ver calizada-do-brasil-aponta-pesquisa/117399/. Acesso em: mar 2019.
(4) O grupo de pesquisa Observatório Socioespacial da Baixada San sta da Universidade Católica de
Santos – Observa BS foi criado em 2015 e estuda as questões urbanas, com foco na Região
Metropolitana da Baixada San sta – RMBS e seus nove municípios.
(5) O município de Cubatão não será abordado, nesta pesquisa, por não apresentar quantidade
relevante de edificações ver calizadas. Cons tui um município industrial, que apresenta uma
dinâmica diferente dos demais municípios da região, os quais, em função das suas praias, são
reconhecidos como Estâncias Balneárias pelo governo de estado de São Paulo.
(6) Nesse período, emanciparam-se de Santos: Guarujá (1947) e Cubatão (1948); de São Vicente:
Itanhaém (1958) e Praia Grande (1967); de Itanhaém: Mongaguá e Peruíbe (1959). Ber oga,
distrito de Santos, foi o úl mo a emancipar-se (1992).
(7) Sobre o turismo balneário, cabe destacar que oito dos nove municípios que integram a RMBS são
estâncias balneárias.
(10) Ranking elaborado por Marum, em 2017, com base nos estudos de Yasbek (2016b, Quadro 2, p. 635).
Disponível em: h ps://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/ar cle/view/2236-9996.2020-4813/
pdf. Acesso em: 19 mar 2021.
544 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
Referências
AECweb (2012). Secovi-SP apresenta estudo do mercado imobiliário da Baixada San sta. AECweb.
Disponível em: <h ps://www.aecweb.com.br/revista/no cias/secovisp-apresenta-estudo-do-
mercado-imobiliario-da-baixada-san sta/5471>. Acesso em: 25 mar 2021.
AGEM – Agência Metropolitana da Baixada San sta (2002). Plano Metropolitano de Desenvolvimento
Integrado – PMDI.
ARAUJO FILHO, J. R. de (1965). “As áreas funcionais de Santos”. In: AZEVEDO, A. (org.). Baixada
San sta – aspectos geográficos, v. III, Capítulo 12. São Paulo, Edusp.
BRANDÃO, E. (2019). Construção civil avança em Praia Grande; crescimento foi de 26,3%. Santos.
A Tribuna Digital, 2 jun. Disponível em: <h ps://www.atribuna.com.br/cidades/praiagrande/
construcao-civil-avanca-em-praia-grande-crescimento-foi-de-263>. Acesso em: mar 2021.
______ (2015). O Plano de Saneamento de Saturnino de Brito para Santos: construção e crise da cidade
moderna. Risco – Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Ins tuto de Arquitetura e
Urbanismo – IAU-USP, n. 22.
HOTEL SANTA MARIA GUARUJÁ (2021). Orla de Guarujá, 1950. Disponível em: <https://www.
hotelsantamariaguaruja.com.br/fotos-an gas>. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (1991). Censo demográfi co: Caracterís cas da população e dos domicílios: resultados do
universo – Tabela 156. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: < h ps://sidra.ibge.gov.br>. Acesso
em: mar 2021.
______ (2000). Censo demográfi co: Caracterís cas da população e dos domicílios: resultados do
universo – Tabela 156. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: < h ps://sidra.ibge.gov.br>. Acesso
em: mar 2021.
______ (2000). Censo demográfico 2000. Tabela 1434 – Domicílios particulares permanentes e
Moradores em Domicílios par culares permanentes por situação e po do domicílio. Rio de
Janeiro, IBGE. Disponível em: <h ps://sidra.ibge.gov.br/tabela/1434>. Acesso em: mar 2021.
______ (2011). Censo demográfico 2010. Tabela 3341 – Domicílios par culares permanentes, total
e com rendimento domiciliar, e valor do rendimento nominal médio e mediano mensal dos
domicílios par culares permanentes, total e com rendimento domiciliar, segundo a situação do
domicílio, o po de domicílio e o des no do lixo. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: <h ps://
sidra.ibge.gov.br/tabela/3341>. Acesso em: mar 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 545
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
JAKOB, A. A. E. (2004). A dinâmica intraurbana do município de Santos vista sob o prisma dos censos
demográficos de 1991 e 2000. Revista Brasileira de Estudos de População. Campinas, v. 21, n. 1,
pp. 117-136.
MARUN, V. de O.; VIANA, M. A. (2020). Impactos urbanos da cadeia produ va de Petróleo e Gás:
estudo de caso em Santos, SP. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 22, n. 48, pp. 617-644.
MEYER, J.; CAMPOS, A. C.; QUEIROGA, E.; GALENDER, F.; DEGREAS, H.; MACEDO, S.; AKAMINE, R.;
CUSTODIO, V. (2013). Incorporações ver cais em São Paulo. Portuguese Network of Urban
Morphology. Coimbra/Portugal, Actas do PNUM.
NOVO MILÊNIO (2021a). Orlas de Santos e São Vicente, 1940. Disponível em: <h p://www.novomilenio.
inf.br/>. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (2021b). Orlas de Santos e São Vicente, 1950. Disponível em: <h p://www.novomilenio.inf.
br/>. Acesso em: 25 mar 2021.
RIOS, L. G. (2019). Turismo de segunda residência – impasses para o desenvolvimento urbano socialmente
inclusivo e ambientalmente sustentável: o caso de Ber oga. Dissertação de mestrado. Santos,
Universidade Católica de Santos.
SÃO VICENTE NA MEMÓRIA (2021). Orlas de Santos e São Vicente, 1970. Disponível em: <h p://
saovicentenamemoria.blogspot.com/2013/07/cartao-postal.html>. Acesso em: 25 mar 2021.
SEABRA, O. C. de L. (1979). A muralha que cerca o mar: uma modalidade de uso do solo urbano.
Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
SECOVI-SP (2016). Dia 9/3 Secovi-SP apresenta balanço do mercado imobiliário 2015. Imprensa Secovi-
SP. Disponível em: h p://www.secovi.com.br/no cias/balanco-2015-do-mercado-imobiliario-
da-capital-e-rmsp/11068. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (2019). Jornal A Tribuna, 3/8/2019. Valor médio do metro quadrado a nge R$5,8 mil na Baixada
San sta. Disponível em: atribuna.com.br/cidades/valor-medio-do-metro-quadrado-a nge-r-5-
8-mil-na baixada-san sta-162064. Acesso em: 25 mar 2021.
SIDRA-IBGE (2011). Censo Demográfico 2010. Caracterís cas da população e dos domicílios: resultados
do universo – Tabela 156. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: <h ps://sidra.ibge.gov.br>. Acesso
em: mar 2021.
546 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022
Adensamento e verticalização nos municípios centrais...
VIANA, M. A. (2010). Navegado pelas ondas do desenvolvimento: Baixada San sta em busca de um
porto seguro. Tese de doutorado. São Paulo, Pon cia Universidade Católica de São Paulo.
ZARIF, R. M. (2012). Estudo do Mercado Imobiliário de Santos - 2012. Sindicato das Empresas de
Compra e Venda de Imóveis do Estado de São Paulo – Secovi-SP. Disponível em: <h ps://www.
secovi.com.br/downloads/pesquisas-e-indices/estudos-do-interior/baixada-san sta/estudo-do-
mercado-imobiliario-da-baixada-san sta-2012.pdf>. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (2014). Estudo do Mercado Imobiliário. Sindicato das Empresas de Compra e Venda de Imóveis
do Estado de São Paulo – Secovi-SP. Disponível em: h ps://www.secovi.com.br/downloads/
pesquisas-e-indices/estudos-do-interior/baixada-san sta/estudo-do-mercado-imobiliario-da-
baixada-san sta-2014.pdf. Acesso em: 25 mar 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 547
Densification and verticalization
in the central cities of the Metropolitan
Region of Baixada Santista
Adensamento e verticalização nos municípios
centrais da Região Metropolitana da Baixada Santista
Lenimar Gonçalves Rios [I]
Mônica Antonia Viana [II]
Alexandre Lukas Morrone [III]
Abstract Resumo
The article discusses the verticalization and Este artigo discute o processo de verticalização e
densification process of central cities in the adensamento dos municípios centrais da Região
Metropolitan Region of Baixada Santista, state Metropolitana da Baixada San sta – RMBS do es-
of São Paulo, and its effects on the socio-spatial tado de São Paulo e seus reflexos na estruturação
structure and on the environment in the period socioespacial e no meio ambiente no período entre
between 1980 and 2010. It also analyzes projec ons 1980 e 2010. São também apresentadas e analisa-
for the 2010-2020 period, based on data from das projeções para o período de 2010-2020, a par r
official agencies and the real estate market. The de dados de órgãos oficiais e do mercado imobili-
results reveal that this process has changed the ário. O resultado revela que esse processo alterou
natural landscape and currently reinforces socio- a paisagem natural e atualmente reforça a segre-
-spa al segrega on, with dispersion of occupa on gação socioespacial com dispersão da ocupação
to environmentally vulnerable areas, generating para áreas vulneráveis ambientalmente, gerando
urban mobility problems. problemas de mobilidade urbana.
Keywords: verticalization; densification; urban Palavras-chave: ver calização; adensamento; mor-
morphology; urban transforma ons; Metropolitan fologia urbana; transformações urbanas; Região
Region of Baixada San sta. Metropolitana da Baixada San sta.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5404.e Crea ve Commons Atribu on
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
is analyzed, with focus on the spatial period 2010-2020, to verify which are the
growth and its relationship with population ongoing changes in the occupation dynamics
increases in the period 1980-2010, when the of the region.
metropolization process was intensified and In the Final Considerations, findings
consolidated, largely due to migratory flows are presented in light of the proposed
and urban growth, which resulted in the objectives, as well as recommendations
institutionalization of the RMBS in 1996. In the and new questions are formulated for the
third section, some prospects are presented continuation of the research in its next stages
regarding the demographic growth process with the Observa BS of UniSantos and FAU-USP
and the real estate market production in the partners.
Atlan c Ocean
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 525
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Peruíbe. Santos urban fabric developed in creation of new municipalities. The seaside
the urban voids still existing in the island of tourist 7 activity first took place in Santos,
São Vicente at that time. However, this urban São Vicente and Guarujá, and then, with
development was not limited to Santos, the implementation of new accesses to the
overflowing to the municipalities of São Vicente plateau and between the municipalities in
and the newly created Guarujá, with the the region, it expanded towards the southern
occupation of the Vicente de Carvalho district. and northern coast, originating six of the nine
The role Santos began to play in the municipalities in the RMBS, including Praia
regional growth dynamics in the 1960s is Grande, today part of the conurbation of the
highly relevant. The eastern part of the region´s central area (Rios, 2019).
municipality (limited by the port, the hills, and To give a response to the great demand
the beaches) began to be urbanized in the of mass tourism, the real estate market
early 20th century, with the Saturnino de Brito produced, on a large scale, housing units
Sanitation Plan. Systems were implemented intended for second residences, with the
for water supply, sewerage (collection and maximum use of the beachfront strip, to
treatment), as well as an urban drainage accommodate season apartment buildings,
system that allowed the use of a vast area that initially verticalizing the beaches of Santos,
was previously swampy for urban purposes. São Vicente and Guarujá. The phenomenon
With the migratory wave of the mid-twentieth occurred a little later in Praia Grande, which,
century, driven by the implementation of the from the 1960s onwards, quickly transitioned
industrial hub of Cubatão, by the expansion from a rural to a tertiary-based economy
of port facilities and by civil construction, the (Rios, 2019).
empty land located in the urbanized portion This phenomenon caused changes in
was occupied by the residences of more urban legislation, under pressure from the real
qualified port and industrial workers. The estate market, which resulted in a reduction of
low-income population settled in the non- lot setbacks and an increased lot occupation.
urbanized portion, building their own houses The high constructive coefficients used
themselves on land below the sea level, created, in the municipalities of the region,
thus subject to flooding, and on landslide- what Seabra (1979) called the “wall that
prone areas of hills in Santos, a process that surrounds the sea”.
extended to neighboring São Vicente and Referring to the municipality of Santos,
to Vicente de Carvalho district, in Guarujá Araújo Filho (1965, p. 40) notes that:
(Carriço, 2015). This process promoted the
This line of skyscrapers [...] constitutes
extensive occupation of environmentally a new type of urban space occupation,
vulnerable areas and resulted in the gradual now in the vertical sense [...] these
suppression and degradation of parts of the apartment buildings represent not only
the most recent type of occupation
Atlantic Rainforest biome.
of Santos beaches, but also the most
Mass tourism, the result of middleclass representative of one of the four
exp a n sio n in th e p eriod of Braz ilian functions of the city: the summer
industrialization, was responsible for the holidays.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 527
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Figure 2 – Beachfront of Santos and São Vicente, 1940 Figure 3 – Beachfront of Santos and São Vicente, 1950
Figure 4 – Beachfront of São Vicente and Santos, 1970 Figure 5 – Beachfront of Guarujá – 1950
Within three decades, the features of residents are numerically higher than those
the beachfront underwent intense changes for occasional use (second residence), while in
(Figures 2 to 7). Guarujá and Praia Grande, the presence of the
The verticalization process along the latter is accentuated, with an impact on the
beachfront first produced units aimed at installed structures, which remain idle most
the floating population, and then served as of the year (Table 1) due to the seasonality of
residences for high-income residents (Seabra, seaside tourism.
1979). Although the 2010 IBGE Demographic
The tourist activity expression can Census revealed a high percentage of
be seen in the number of occasional use occasional-use residences in Praia Grande,
residences. In the municipalities of Santos when compared to other municipalities, its
and São Vicente, residences with permanent permanent population has grown in recent
Source: Demographic Census (IBGE, 2010). Prepared by Ins tute Polis in 2013.
Year TGCA
Municipali es
1980 1991 2000 2010 1980-1991 1991-2000 2000-2010
Santos 416,681 417,100 417,983 419,400 0,11 0,02 0,04
São Vicente 193,002 268,618 303,551 332,445 3,05 1,37 0,94
Guarujá 151,127 210,207 264,812 290,752 3,05 2,60 0,93
Praia Grande 66,011 123,492 193,582 261,051 5,86 5,12 3,17
Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2011). TGCA calculated by the authors in 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 529
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
decades due to the migration of residents from the pace of population growth in Santos is
Santos (mainly) and São Vicente (Table 2). The reduced, while there is population growth in
same phenomenon experienced in the 1960s in the municipalities of São Vicente, Guarujá and
relation to the neighbors of Santos is repeated, mainly Praia Grande, as shown in Table 2.
except that now the migration to Praia Grande The inflection of growth in Santos
is led by segments of the middleclass (Jakob, resulted from the dynamics of property prices
2004), a movement driven mainly by young in the municipality and marks the strengthening
couples, in view of the high cost of properties of the dispersed regional occupation process
in Santos. In 2010, the number of Praia Grande that started in the 1960s (see previous
residents increased to levels close to those of section). Lower-income population migrates to
São Vicente and Guarujá (Table 2). neighboring municipalities where real estate
Urban legislation played an important is cheaper and where it is still possible to
role in the construction of the verticalization occupy irregular areas that are not of interest
model, since, until the 1970s, when the for the real estate market. Graph 1 shows
urbanization process was consolidated, the change in population distribution and
municipalities adopted parameters of land allows comparing the drop of Santos in the
use and occupation in the strips close to ranking of regional demographic distribution
the beachfront, which provided these in the period between 1980 and 2010, and the
spaces with characteristics of environmental increased participation of other municipalities,
excellence (Carriço, 2002), of great interest especially Praia Grande.
to the real estate market. These concepts While it shows stability with little
are still the basis for the legal provisions that population growth, Santos showed an
guide the growth of central municipalities, increased production of residences for
resulting in greater appreciation and real permanent occupation like in the other
estate speculation in areas close to the three municipalities. Despite Santos being
beachfront. the largest city in terms of population and
economic development, it had the smallest
demographic growth, both proportionally and
in absolute figures, with an increase of only
Spa al growth 2,719 new residents and the production of
and demographic growth 37,839 new permanent residences between
in the period 2000-2010 1980 and 2010.
In contrast, Praia Grande was the
The effects of the regional urban fabric municipality with the highest demographic
expansion, due to the RMBS economic growth, from 66,011 residents in 1980 to
diversification, appear in the figures of the 261,051 in 2010, multiplying by almost four
demographic censuses since the 1980s, when times the population. The proportion of
Source: Demographic Census (IBGE, 1980 and 2010). Prepared by the authors in 2021,
Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2010). Prepared by the authors in 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 531
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2010). Prepared by the authors in 2021.
Source: Demographic Census (IBGE, 1980, 1991, 2000 and Sidra-IBGE, 2010). Prepared by the authors in 2021.
permanent residences is even higher, from a negative growth of -8.8% in the average
16,144 residences in 1980 to 83,513 in 2010, number of people per residence, a growth
five times higher. of only 0.36% in population, while there is a
On a regional scale, there is a reduction growth of 10.2% of residences.
of population growth in the period 1991-2010, As for the spatial distribution of the
and the growth rates are almost the same residence growth, Figures 8 and 9 show the
regarding residences between 1980 and 2010 situation in 2000 and 2010, evidencing that the
(Graph 4). growth largely occurred due to the constructive
As for the average number of people per densification of areas already occupied.
residence, the reduction that occurred in Brazil The maps in Figures 10 and 11 show
(from 3.79 persons/residence, 8 in 2000, to that, in the period 2000-2010, Santos
3.37 persons/residence in 2010)9 is repeated concentrated residences in apartments and
at different scales in the RMBS central that the production of this typology was
municipalities, such as shown in Table 3. expanded to Praia Grande, on the beachfront.
The mismatch between the increase of It is noteworthy the emergence of vertical
people and of residences in Santos becomes developments on the outskirts of the
evident when the numbers are analyzed in municipalities, particularly of São Vicente and
more detail. In 2000, the average in Santos Praia Grande, resulting from the production
was 3.17 persons/residence, with a total of housing projects by the governmental
population of 416,347 residents and 131,324 agencies Cohab Baixada Santista e Companhia
residences. In 2010, the average dropped to de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de
2.89 persons/residence with a total of 417,864 SP (São Paulo State Company of Housing and
residents and 144,715 residences, showing Urban Development) (CDHU-SP).
Source: Demographic Census (IBGE, 2000 and 2010). Prepared by Lenimar Gonçalves Rios in 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 533
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Source: Demographic Census (IBGE, 2000). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.
Source: Demographic Census (IBGE, 2010). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.
Source: Demographic Census (IBGE, 2000). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.
Source: Demographic Census (IBGE, 2010). Prepared by Gustavo Marques dos Santos in 2018.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 535
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Regarding the scale of the spatial growth, In short, since the 1960s, the high price
Graph 5 shows the incidence of residences of real estate in Santos has been an inducer
in apartments in the central municipalities, of population migration to neighboring
in 2010. Santos is the most vertical city. It municipalities. In 2019, while the average price
concentrated apartments, accumulating twice per square meter near the beachfront in the
the total number of apartments of the other municipalities of RMBS central area was R$5.8
municipalities. thousand, in Santos it reached R$7.5 thousand
In Graph 6, it can be observed that, in (Secovi-SP, 2019). These prices impact other
the period 2000-2010, Santos concentrated municipalities and dictate the values in the
the production of apartments and Praia rest of the territory, influencing the dynamics
Grande (mainly) and São Vicente are in the that induces the continuous verticalization,
process of verticalization. especially in Praia Grande.
Source: Demographic Census (IBGE, 2000 and 2010) – Universe – Tables 1434 and
3341. Prepared by Lenimar Gonçalves Rios in 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 537
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
Source: (*) Demographic Census (IBGE, 2010). (**) Projec on for 2020 prepared by the State Data Analysis System
Founda on (Seade) for Sabesp (Município..., 2017). (***) TGCA 2010-2020, prepared by the authors.
Source: (*) Demographic Census (IBGE, 2010). (**) Projec on prepared by the State Data Analysis System Founda on
(Seade) for Sabesp, available at: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017).
Source: Município da Estância Balneária de Praia Grande (2017). Prepared by the authors.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 539
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
33%, Guarujá with 13% and São Vicente with expanding towards the degraded residential
4%. The phase when Praia Grande surpasses areas of the old downtown. The predominant
Santos in launches and sales of housing units typologies are 10 to 20 floor and 20 to 30
begins (Secovi, 2016). floor buildings. In São Vicente, the production
Today, 99.5% of the residences produced of 4 floor buildings stands out, many of them
by developers in central municipalities are occupying areas with drainage problems, which
vertical. Horizontal properties comprise 1.78% cause recurring problems in the entire city. In
of the launches (Zarif, 2014). Praia Grande, 10 to 20 floor buildings, close to
On the map in Figure 12, we see the the beachfront, were predominantly produced.
vertical projects built in the period 2009-2020 Regarding the scale, based on the data
in the RMBS central municipalities. Examining from the map in Figure 11, Graph 7 shows
the typological characteristics and the the incidence of the various typologies in
distribution in the municipalities, we observe the set of central municipalities. There is a
that, in Santos, the new projects concentrated predominance of highly dense constructions,
in the eastern portion of the city and are particularly of 10 and 20 floor buildings.
Total
Floors Area A* Area A%* Area B** Area B%**
buildings
4 23 7 30,43 16 69,57
5 - 10 74 13 17,57 61 82,43
11 - 20 66 51 77,27 15 22,73
21 - 30 97 76 78,35 21 21,65
31 - 40 16 16 100,00 0 0,00
Total 286 163 56,99 123 43,01
Source: prepared by Alexandre Lukas Morrone. (*) Area between Av. Gal. Francisco Glycerio, Av. Affonso Penna,
and the beachfront (Av. Pres. Wilson, Av. Vicente de Carvalho, Av. Bartolomeu de Gusmão and Av. Alm. Saldanha da
Gama). (**) rest of the urban area of the Municipality of Santos.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 541
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
In the period from 2010 to 2020, not distant, 163 buildings were produced, 56.99%
only the rationale of the “wall that surrounds of the total 286 buildings produced in the entire
the sea” was maintained, but it also had an municipality of Santos. Like in São Vicente, in
intense growth, with most of the new buildings Santos the biggest discrepancy is related to the
and especially the tallest ones being built up to building typology, the majority of which have
1 km from the beachfront. In Guarujá, except 4 to 10 floors, produced to the north of the
for the housing complex north to the Jardim avenues General Francisco Glicério and Affonso
Virgínia and Condomínio Rouxinol, in Jardim Penna. Most of the buildings with more than 11
dos Pássaros, all new residential buildings were floors were produced between these avenues
built up to 750 meters from the beachfront. and the seafront, and all buildings with more
In Praia Grande, this phenomenon is than 30 floors are less than 600 meters from
even more intense. Of the 356 new buildings the beach.
identified, 339 are between the beachfront
and Avenida Presidente Kennedy, which
runs parallel to the beachfront at an average
distance of 650 meters; only 17 buildings are a
Final considera ons
little further away.
In Sa nto s an d São Vicente, t his The studies carried out in this phase of
phenomenon is also observed, but in a less the research show that the verticalization
intense and clear way, as new buildings are and densification process of the central
found throughout the whole urban territory of municipalities of Baixada Santista Metropolitan
such municipalities. In São Vicente, the tallest Region is undergoing changes since the 1980s,
buildings, between 10 to 40 floors, totaling 14, with reflections on the socio-spatial structuring
are located up to 1 km from Gonzaguinha beach and the environment. The observed changes
in the city´s central district. The remaining 141 do not occur in the development and
new buildings are social housing projects (HIS) expansion model, which continues to produce
and small buildings, also residential, produced verticalization and regional dispersion, but in
by the private sector; all with 4 or 5 floors and the direction of verticalization.
spread throughout the urban fabric. The local Although in recent decades, Santos has
population affectionately calls these buildings dropped in the region´s population ranking,
“Predinhos” (Little Buildings). due to the decreased annual population
In Santos, most of the buildings were also growth rate, the municipality remains as
produced close to the beachfront, up to 1.4 km a regional hub, concentrating the best
from it. But the production of these buildings infrastructure, urban equipment and the main
took place in a much more homogeneous economic activities that create jobs. However,
way throughout the urban area of Santos, in Santos continues to expel the younger
comparison to the other studied municipalities. and lower-income population to other
If we analyze the area between the beach front municipalities, especially São Vicente and
and the avenues General Francisco Glicério Praia Grande, which increases the commuting
and Affonso Penna, which is at most 1.57 km between Santos and such other municipalities.
On the other hand, Praia Grande has a since the 1970s, and approximately 120
growth of its permanent population, because thousand residents, representing almost 30%
of the inflow of residents overflowing from of the entire municipal population.
Santos, causing the municipality to transition As a result, the new residential expansion
from predominantly touristic to residential, on frontier in Santos ignores the geographic
the way to becoming a “dormitory city”, just continuity. Guided by the interests of the
like São Vicente. real estate market, the residential expansion
In Santos, the production of the “takes a leap” over the areas close to the jobs,
real estate market is verticalizing the last goes beyond the barrier of the channel that
residential expansion frontier of the island´s separates the island of São Vicente and the
eastern portion (also called prime portion) mainland, and reaches Praia Grande, which
and is advancing around the axis of the VLT now has the voids next to the beachfront
(Light Rail Vehicle – medium capacity rapid occupied by vertical residential developments.
transport) line that connects Santos and The areas where densification occurs are those
São Vicente. However, it does not advance originally intended for the so-called second
to the west of Santos territory, known as residences, which, since the beginning of the
the northwest zone, where, in addition to urbanization process, have been occupied
be geographically continuous, real estate is following a combination of legal parameters
cheaper, largely due to the poor quality of and public investments that transform them
the installed infrastructure, and because part into spaces of excellence.
of the land is below the sea level, therefore Thus, the verticalization of the region´s
subject to flooding. Public authorities´ occupation has reinforced the single-functionality
activities to correct these problems have been and car dependence features, leading to a
slow and discontinuous – there are projects greater commuting time, and worsening mobility
dated as back as the 1990s that only recently and car pollution problems in Santos. These
began to be taken off the drawing board. The problems also affect São Vicente, a transit area
real estate market is not showing interest in between Praia Grande and Santos.
investing in this area, in which verticalized From a socio-spatial point of view, it is
properties have been the result of housing possible to observe signs of gentrification both
projects undertaken by Cohab and CDHU. in Santos and in Praia Grande, which points
The northwest zone is the region of Santos to the need for new investigations to verify
concentrating most of the housing projects, possible territorial effects of this phenomenon.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 543
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
[I] https://orcid.org/0000-0001-5069-7174
Universidade Católica de Santos, curso de Arquitetura e Urbanismo. Santos, SP/Brasil.
lenimar.rios@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-5297-5091
Universidade Católica de Santos, cursos de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia Ambiental. San-
tos, SP/Brasil.
moviana@uol.com.br
[III] https://orcid.org/0000-0003-1547-6338
Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Grupo de Pesquisa Processo de
Produção do Espaço Construído. São Paulo, SP/Brasil.
alm089@hotmail.com
Transla on: this ar cle was translated from Portuguese to English by the author Alexandre Lukas
Morrone, and reviewed by Ione Marisa Koseki Cornejo, ikoseki@uol.com.br.
Notes
(1) RMBS, comprised by nine municipalities (Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Mongaguá,
Peruíbe, Praia Grande, São Vicente, and Santos), was formally ins tuted by the supplementary
law n. 815, on July 30, 1996. It is the first metropolitan region to be created having a municipality,
Santos, as the hub and not the state capital.
(2) According to survey performed by ZAP Imóveis, which has detailed the data of the last Census
performed by IBGE and created the ranking. Available at: h ps://www.diariodolitoral.com.br/
co diano/santos-e-a-cidade-mais-ver calizada-do-brasil-aponta-pesquisa/117399/. Accessed
in: Mar 2019.
(3) They cons tute Houses of Occasional Use as defined by the IBGE.
(4) The research group Observatório Socioespacial da Baixada San sta of the Catholic University of
Santos – Observa BS was created in 2015 and studies urban issues, focusing on the Metropolitan
Region of Baixada San sta – RMBS and its nine municipali es.
(5) The municipality of Cubatão will not be addressed in this research, as it does not present a relevant
number of ver cal buildings. It is an industrial municipality, which has different dynamics from
the other municipali es in the region, which, due to their beaches, are recognized as Seaside
Resorts by the state government of São Paulo.
(6) During this period, the following municipali es were emancipated from Santos: Guarujá (1947) and
Cubatão (1948); from São Vicente: Itanhaém (1958) and Praia Grande (1967); from Itanhaém:
Mongaguá and Peruíbe (1959). Bertioga, district of Santos, was the last to be emancipated
(1992).
(7) Regarding seaside tourism, it is worth no ng that eight of the nine municipali es that make up the
RMBS are seaside resorts.
(10) Ranking prepared by Marum, in 2017, based on studies by Yasbek (2016b, Table 2, p. 635).
Available at: h ps://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/ar cle/view/2236-9996.2020-4813/
pdf. Accessed on: March 19, 2021.
References
AECweb (2012). Secovi-SP apresenta estudo do mercado imobiliário da Baixada San sta. AECweb.
Disponível em: <h ps://www.aecweb.com.br/revista/no cias/secovisp-apresenta-estudo-do-
mercado-imobiliario-da-baixada-san sta/5471>. Acesso em: 25 mar 2021.
AGEM – Agência Metropolitana da Baixada San sta (2002). Plano Metropolitano de Desenvolvimento
Integrado – PMDI.
ARAUJO FILHO, J. R. de (1965). “As áreas funcionais de Santos”. In: AZEVEDO, A. (org.). Baixada
San sta – aspectos geográficos, v. III, Capítulo 12. São Paulo, Edusp.
BRANDÃO, E. (2019). Construção civil avança em Praia Grande; crescimento foi de 26,3%. Santos.
A Tribuna Digital, 2 jun. Disponível em: <h ps://www.atribuna.com.br/cidades/praiagrande/
construcao-civil-avanca-em-praia-grande-crescimento-foi-de-263>. Acesso em: mar 2021.
______ (2015). O Plano de Saneamento de Saturnino de Brito para Santos: construção e crise da cidade
moderna. Risco – Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo. Ins tuto de Arquitetura e
Urbanismo – IAU-USP, n. 22.
HOTEL SANTA MARIA GUARUJÁ (2021). Orla de Guarujá, 1950. Disponível em: <https://www.
hotelsantamariaguaruja.com.br/fotos-an gas>. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (1991). Censo demográfi co: Caracterís cas da população e dos domicílios: resultados do
universo – Tabela 156. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: < h ps://sidra.ibge.gov.br>. Acesso
em: mar 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 545
Lenimar Gonçalves Rios, Mônica Antonia Viana, Alexandre Lukas Morrone
IBGE (2000). Censo demográfico: Caracterís cas da população e dos domicílios: resultados do universo
– Tabela 156. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: < h ps://sidra.ibge.gov.br>. Acesso em: mar
2021.
______ (2000). Censo demográfico 2000. Tabela 1434 – Domicílios particulares permanentes e
Moradores em Domicílios par culares permanentes por situação e po do domicílio. Rio de
Janeiro, IBGE. Disponível em: <h ps://sidra.ibge.gov.br/tabela/1434>. Acesso em: mar 2021.
______ (2011). Censo demográfico 2010. Tabela 3341 – Domicílios par culares permanentes, total
e com rendimento domiciliar, e valor do rendimento nominal médio e mediano mensal dos
domicílios par culares permanentes, total e com rendimento domiciliar, segundo a situação do
domicílio, o po de domicílio e o des no do lixo. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: <h ps://
sidra.ibge.gov.br/tabela/3341>. Acesso em: mar 2021.
JAKOB, A. A. E. (2004). A dinâmica intraurbana do município de Santos vista sob o prisma dos censos
demográficos de 1991 e 2000. Revista Brasileira de Estudos de População. Campinas, v. 21, n. 1,
pp. 117-136.
MARUN, V. de O.; VIANA, M. A. (2020). Impactos urbanos da cadeia produ va de Petróleo e Gás:
estudo de caso em Santos, SP. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 22, n. 48, pp. 617-644.
MEYER, J.; CAMPOS, A. C.; QUEIROGA, E.; GALENDER, F.; DEGREAS, H.; MACEDO, S.; AKAMINE, R.;
CUSTODIO, V. (2013). Incorporações ver cais em São Paulo. Portuguese Network of Urban
Morphology. Coimbra/Portugal, Actas do PNUM.
NOVO MILÊNIO (2021a). Orlas de Santos e São Vicente, 1940. Disponível em: <h p://www.novomilenio.
inf.br/>. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (2021b). Orlas de Santos e São Vicente, 1950. Disponível em: <h p://www.novomilenio.inf.
br/>. Acesso em: 25 mar 2021.
RIOS, L. G. (2019). Turismo de segunda residência – impasses para o desenvolvimento urbano socialmente
inclusivo e ambientalmente sustentável: o caso de Ber oga. Dissertação de mestrado. Santos,
Universidade Católica de Santos.
SÃO VICENTE NA MEMÓRIA (2021). Orlas de Santos e São Vicente, 1970. Disponível em: <h p://
saovicentenamemoria.blogspot.com/2013/07/cartao-postal.html>. Acesso em: 25 mar 2021.
SEABRA, O. C. de L. (1979). A muralha que cerca o mar: uma modalidade de uso do solo urbano.
Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
SECOVI-SP (2016). Dia 9/3 Secovi-SP apresenta balanço do mercado imobiliário 2015. Imprensa Secovi-
SP. Disponível em: h p://www.secovi.com.br/no cias/balanco-2015-do-mercado-imobiliario-
da-capital-e-rmsp/11068. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (2019). Jornal A Tribuna, 3/8/2019. Valor médio do metro quadrado a nge R$5,8 mil na Baixada
San sta. Disponível em: atribuna.com.br/cidades/valor-medio-do-metro-quadrado-a nge-r-5-
8-mil-na baixada-san sta-162064. Acesso em: 25 mar 2021.
SIDRA-IBGE (2011). Censo Demográfico 2010. Caracterís cas da população e dos domicílios: resultados
do universo – Tabela 156. Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: <h ps://sidra.ibge.gov.br>. Acesso
em: mar 2021.
VIANA, M. A. (2010). Navegado pelas ondas do desenvolvimento: Baixada San sta em busca de um
porto seguro. Tese de doutorado. São Paulo, Pon cia Universidade Católica de São Paulo.
ZARIF, R. M. (2012). Estudo do Mercado Imobiliário de Santos - 2012. Sindicato das Empresas de
Compra e Venda de Imóveis do Estado de São Paulo – Secovi-SP. Disponível em: <h ps://www.
secovi.com.br/downloads/pesquisas-e-indices/estudos-do-interior/baixada-san sta/estudo-do-
mercado-imobiliario-da-baixada-san sta-2012.pdf>. Acesso em: 25 mar 2021.
______ (2014). Estudo do Mercado Imobiliário. Sindicato das Empresas de Compra e Venda de Imóveis
do Estado de São Paulo – Secovi-SP. Disponível em: h ps://www.secovi.com.br/downloads/
pesquisas-e-indices/estudos-do-interior/baixada-san sta/estudo-do-mercado-imobiliario-da-
baixada-san sta-2014.pdf. Acesso em: 25 mar 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 523-547, maio/ago 2022 547
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado
no transporte público de Araraquara–SP
Neoliberalism and the emptying of the State
in public transportation in Araraquara, state of São Paulo, Brazil
Tatiane Borchers [I]
Victor Garcia Figueirôa-Ferreira [II]
Resumo Abstract
O presente artigo procura investigar, a partir de The present article seeks to investigate, based
levantamentos realizados no município de Arara- on studies carried out in the city of Araraquara,
quara – SP, a relação entre sistemas de transporte state of São Paulo, Brazil, the relationship
público e o desenvolvimento urbano, assim como between public transporta on systems and urban
também analisar o papel do Estado e da política development, analyzing the role of the State and
neoliberal nesse contexto. Para isto, foi realizado of neoliberal policies in this context. To this end,
um extenso levantamento bibliográfico sobre Ara- a bibliographic review about Araraquara was
raquara, buscando caracterizar e delinear a evolu- performed, aiming to characterize and delineate
ção histórica dos sistemas de transporte público. the historical evolu on of its public transporta on
Essas análises foram realizadas com o apoio de systems. The analyses were supported by
ferramentas de Sistemas de Informação Geográfi- Geographic Information System (GIS) tools. It
ca (SIG). Pode-se afirmar que existe uma profunda can be stated that there is a deep connection
conexão entre os sistemas de transporte público e between public transporta on systems and urban
o desenvolvimento urbano, bem como o papel do development, and that the government plays
poder público como um instrumento de um pro- the role of an instrument in a neoliberal process
cesso neoliberal de especulação imobiliária que im- of real estate speculation that affects the urban
pacta o ambiente urbano de forma nega va. environment nega vely.
Palavras-chave: espraiamento urbano; neolibera- K e y w o rd s : urban sp rawl; neoliberalism;
lismo; priva zação; transporte público; urbanismo privatization; public transportation; neoliberal
neoliberal. urbanism.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5405 Crea ve Commons Atribu on
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
550 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
sobre o urbanismo neoliberal com foco no se- urbano e acumulação de capital (Farmer, 2011;
tor de transportes; 2) caracterização de Arara- Matela, 2014; Santos, 2018; Theodore, Peck e
quara como objeto de estudo, principalmente Brenner, 2009).
no tocante à evolução urbana do município; 3) Os processos de urbanização neolibe-
histórico da evolução do sistema de transporte rais contemporâneos defendem um conjunto
público da cidade; 4) análise das relações en- de políticas destinadas a fortalecer a discipli-
tre os processos de desenvolvimento urbano e na de mercado e a competição, bem como o
as mudanças em transportes; e 5) análise do desmonte e o esvaziamento do Estado, tor-
esvaziamento do Estado como política neoli- nando-o um agente regulador (Farmer, 2011;
beral para viabilizar a privatização do sistema Theodore, Peck e Brenner, 2009). “A intenção
de transporte público. Ao final, algumas con- é ‘liberar’ tanto os serviços públicos das cha-
siderações são feitas quanto aos pontos apre- madas ‘ineficiências do Estado’ quanto o capi-
sentados e em específico à situação de crise tal ‘desperdiçado’ pela tributação que poderia
decorrente e acentuada pela pandemia de ser mais lucrativa se empregada por atores
Sars-CoV-2. privados” (Farmer, 2011, p. 1155). Assim, o Es-
tado regulador apropriado e assenhorado pelo
neoliberalismo promove a disciplina de mer-
Urbanismo neoliberal cado sobre a sociedade e ele mesmo, através
de diversos mecanismos político-econômicos,
e as consequências como a redução de impostos a empresas e ca-
para o setor de transportes pitalistas, desmantelamento de serviços públi-
cos e sujeição destes à vontade mercadológica
Sem esgotar as complexas discussões sobre o por meio de concessões, permissões, parcerias
tema, a expressão capitalista do neoliberalis- público-privadas ou privatização total (Farmer,
mo pode ser compreendida como uma doutri- 2011; Theodore, Peck e Brenner, 2009).
na econômico-política e filósofo-cultural que A ideologia neoliberal foi utilizada como
instrumentaliza de forma coercitiva e coesiva justificativa para dar sustentação a diversos
forças de acumulação por espoliação através projetos: 1) a desregulamentação do controle
do aparelhamento do Estado, do controle dos do Estado na indústria; 2) a ofensiva contra o
meios de produção – de bens, serviços, do es- trabalho organizado; 3) a redução de impostos
paço e do próprio ser humano – e do domínio corporativos; 4) a contração e/ou a privatiza-
ou subjugo de todos aqueles cuja existência ção dos recursos e serviços públicos; 5) o des-
serve apenas para a produção de mais-valia mantelamento dos programas de bem-estar
(Gramsci, 1999; Marcuse, 1973). Já o urbanis- social; 6) a expansão da mobilidade do capital
mo neoliberal é a específica aplicação dessa internacional; e 7) a intensificação da concor-
doutrina de destruição criativa no planejamen- rência entre localidades (ibid.). Especificamen-
to e gestão do espaço urbano, de seus habitan- te no Brasil, elites empresariais incorporaram
tes e aspectos econômicos, para reconfigurar seus interesses em políticas de desenvolvi-
a organização territorial e assim suscitar no- mento local, com a privatização do setor públi-
vas formas de produção desigual do espaço co e da infraestrutura coletiva, eliminando-se
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 551
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
552 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
como a única que possui qualquer razão ou profundamente marcado por grandes pro-
lógica (Gramsci, 1999; Marcuse, 1973; Matela, priedades rurais e pela construção da ferrovia
2014; Theodore, Peck e Brenner, 2009). no final do século XIX. Nas últimas décadas do
O avanço nas últimas décadas dos pa- século XX, com a aprovação de loteamentos
radigmas que orientam o neoliberalismo for- longe do centro urbano consolidado, houve
taleceu a ação empresarial e empreendedora um espraiamento considerável do períme-
nas cidades brasileiras via governos locais, tro urbano, levando as classes mais pobres a
estaduais e federal. A presença do Estado é viver em locais remotos e com déficit de in-
fundamental para o bom funcionamento des- fraestrutura (Balestrini, 2016; Donato, 2014;
ses formatos de governança, atuando como Pierini, 2020).
elo de equilíbrio na regulação dos recursos e Até os anos de 1950, a implementação
no provimento das infraestruturas que estimu- de novos loteamentos ocorria de forma rela-
lem a presença do grande capital na produção tivamente contígua em relação à área urbana
do espaço urbano (Leal, 2017; Rhodes, 1997 existente. A mudança da evolução urbana – e
e 2007). Nesse sentido, as políticas empre- consequente espraiamento da cidade – ocor-
sariais de transporte público remodelam os re a partir dos anos 1970, com a implantação
contornos da exclusão social e encrudescem de vários loteamentos além da malha viária
a dependência centro-periferia. À medida que existente, em um processo de urbanização
incorporadores imobiliários mobilizam seu po- que passa a registrar descontinuidades e ex-
der político e financeiro para vencer os grupos tensos vazios. Inclusive, vários desses lotea-
de baixa renda pelos direitos à cidade (cen- mentos configuram até hoje os limites do
tral), eles empurram os moradores da classe perímetro urbano. A estratégia dos proprie-
trabalhadora e das minorias para as margens tários de terras era gerar áreas urbanizadas
da cidade, onde moradias populares podem para servirem como reservas de capital, isto
ser encontradas, mas o serviço de transporte é, a expansão não era guiada pela demanda
público é insuficiente e a manutenção histórica de lotes, mas pela lógica de acumulação de
de uma natureza pendular os mantêm segre- terrenos urbanos como um investimento se-
gados (Farmer, 2011). guro e de alto retorno a médio ou longo prazo
(Cintrão, 2004).
Foi nesse contexto que o Plano Diretor
(lei n. 1.794/1971) foi implementado, dele-
Araraquara gando, aos loteadores fundiários, a obrigação
como objeto de estudo de implementar infraestrutura na construção
de novos loteamentos (lei n. 2.467/1979), em
Araraquara está localizada na região central uma tentativa de conter os gastos públicos ge-
do estado de São Paulo, Brasil, a cerca de 270 rados pelo espraiamento. Ao contrário da rea-
km da capital; tem uma população estimada lidade de várias cidades brasileiras, cujas ex-
de 238.339 habitantes e é considerada uma pansão e dispersão urbana aconteceram prin-
cidade de médio porte (IBGE, 2021). O nú- cipalmente de forma informal, em Araraquara,
cleo urbano do município teve seu território os loteamentos eram regularizados e seguiam
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 553
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Fonte: elaborado pelos autores, adaptado de Cintrão (2004), Donato (2014) e Pierini (2020).
554 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 555
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
556 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
de 1990: em 1992 a frota atinge o ápice de 46 da infraestrutura que lhe dava sustentação,
veículos, mas, a partir desse momento, a pró- foram sucateados, desmanchados e leiloados.
pria CTA passou a investir em veículos a diesel Atualmente, resta apenas o trólebus de núme-
(CTA, 2021b; Ferreira, 1995). ro 1 que foi restaurado e instalado no museu
Até 1994, mesmo com o alto custo da histórico da CTA (ibid.). A rede de trólebus po-
energia elétrica, os trólebus ainda correspon- de ser visualizada na Figura 2.
diam a 43% da frota, e as principais razões da Um apontamento sobre o modelo de fi-
sua manutenção eram a não poluição do ar e o nanciamento do sistema deve ser feito. A em-
conforto proporcionado aos passageiros, uma presa foi criada como uma sociedade anônima,
vez que esses veículos não produziam ruídos e e a composição de capital foi realizada através
vibração (Cintrão, 2004; Cintrão et al., 2017). de uma cobrança adicional no Imposto Predial
Os trólebus estiveram em operação na cidade e Territorial Urbano (IPTU), ou seja, o finan-
até 1999, sendo o alto custo dos veículos, da ciamento foi realizado através da população,
energia elétrica em si, somados aos investidos mesmo a que residia em loteamentos que não
em linhas e subestações de energia elétrica, eram atendidos pelo sistema. Dessa maneira,
apontados como motivos para a inviabilidade os maiores acionistas eram os que possuíam
econômica desse sistema. Na realidade, de- mais propriedades. As ações não possuíam va-
vido ao espraiamento urbano, a flexibilização lor de mercado, pois todo o lucro deveria ser
de rotas proporcionada pelos veículos a diesel revertido como investimento na própria em-
tornou-se mais atrativa (Cintrão, 2004; CTA, presa, bem como não traziam benefícios di-
2021b; Ferreira, 1995). retos a seus detentores. Esse fator gerou um
Um funcionário da CTA (Fray, encarre- desinteresse pelas ações por parte de seus le-
gado de manutenção), em relato apresentado gítimos donos, levando à não reclamação das
por Cintrão et al. (2017), afirma que os mo- ações ou mesmo à venda destas por valores
toristas da empresa eram bem-remunerados, irrisórios, resultando na acumulação de ações
os funcionários tinham status de artista e que por parte de algumas pessoas que gerenciavam
todos queriam trabalhar na CTA. Fray declara a empresa. O aumento do poder de decisão
que “na época todos andavam de trólebus, por fez com que, em 2004, muitos dos conselhei-
exemplo, médicos, dentistas, advogados, enge- ros da CTA fossem justamente proprietários de
nheiros, etc.” (ibid., p. 28). A desativação dos terras e especuladores imobiliários, que pude-
trólebus, que beneficiou as empresas de ôni- ram continuar orientando os destinos dos in-
bus a diesel, causou revolta na população que vestimentos no transporte coletivo da cidade
era acostumada com o sistema. Percebe-se, (Cintrão, 2004; Cintrão et al., 2017; Ferreira,
portanto, que os trólebus não eram apenas o 1995). Um grande percentual de ações (80%)
sistema de transporte da cidade, mas que o ca- ficou com propriedade desconhecida, sendo
ráter inovador e a qualidade dos ônibus elétri- assumido pela Prefeitura em 2006 – quando a
cos eram percebidos como elemento cultural empresa passou a ser de economia mista – e os
da cidade e configuravam parte de seu patri- 20% restantes eram dos demais acionistas (Ara-
mônio. Com a desativação, os trólebus, além raquara, 2016c; Cintrão et al., 2017).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 557
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Em 2008, o serviço de transporte públi- podem ser observadas na Figura 3. Cabe sa-
co por ônibus de Araraquara era constituído lientar que algumas linhas de ônibus em ope-
por uma rede de 31 linhas, sendo 26 opera- ração atualmente se baseiam nas antigas rotas
das pela CTA e 5 linhas operadas pela Viação dos trólebus, como a Campus / Vila Xavier,
Paraty, que já atuava no transporte público da Fonte / Altos da Vila Xavier / Jardim das Esta-
cidade antes do processo permissionário de ções, Melhado / Imperador, Rodoviária / Santa
2008 (Araraquara, 2008a), a partir do qual pas- Cruz, Santana / Pinheirinho, São José / Santa
saram a operar 7 linhas (Araraquara, 2008b). Angelina e Universal / Cecap (Cintrão et al.,
As linhas que estavam em operação em 2008 2017; Pierini, 2020).
558 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 559
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
público urbano e assumiu um papel de regula- A maioria das linhas realiza atendimentos
dor de serviços com a criação da (nova) Con- em alguns horários do dia. Atendimentos são
troladoria do Transporte de Araraquara,2 atra- variações de itinerário que passam em ruas di-
vés da lei ordinária n. 8.680/2016 (Araraquara, ferentes ou dão uma volta maior para abranger
2016d). A controladoria é vinculada à Secreta- outro bairro, geralmente relacionados a movi-
ria de Trânsito e Transportes e é responsável mentos pendulares nos picos da manhã e da
pela gestão, planejamento, supervisão, contro- tarde. Cabe destacar que a operação através
le e fiscalização do transporte público da cida- de atendimentos pode causar confusão para os
de e da sua concessão (ibid.; CTA, 2021a). usuários, uma vez que estes podem não estar
560 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
cientes das mudanças de tabela horária ou de de 2008 corrobora essa análise, uma vez que
itinerário, e também limita o acesso que deter- aponta justamente o surgimento de loteamen-
minadas regiões da cidade têm ao transporte tos na zona norte da cidade como responsá-
público, criando um déficit de mobilidade. veis por ajustes nos itinerários, tabela horária
e aumento da frota da empresa. O aditamento
é concedido pelo poder público, aumentando
A interseção dos sistemas de 7 para 9 as linhas operadas pela empresa
na época (Araraquara, 2016a). Na Figura 5, é
de transportes com possível observar a sobreposição da configu-
o desenvolvimento urbano ração urbana e do sistema de transporte em
operação. São apresentados 3 períodos: os
A evolução urbana e do sistema de transporte loteamentos aprovados até 1990 juntamente
público de Araraquara mostrou que o espraia- com o sistema de trólebus; os loteamentos
mento urbano, ocasionado principalmente aprovados até 2010 com as linhas de ônibus
pela aprovação de loteamentos para além em operação em 2008; e os loteamentos apro-
da malha viária existente na década de 1970, vados de 2011 a 2016 com as linhas de ônibus
impulsionou a mudança da matriz energética em operação em 2020.
do sistema de transportes, com a troca dos Na Figura 6, é apresentado um mapa
veículos elétricos por veículos a diesel (Cin- com a sobreposição de todos os sistemas, mos-
trão, 2004; CTA, 2021b; Ferreira, 1995; Pierini, trando a evolução do sistema de transporte pú-
2020). Se, para a operação dos trólebus, era blico desde a década de 1960 até 2020. Nota-
necessário um planejamento da expansão da -se claramente que a rede sofreu uma grande
rede devido aos altos custos atrelados, com os expansão ao longo dos anos, acompanhando
veículos a diesel esse planejamento não preci- a implantação de loteamentos nas zonas mais
sa ser tão rígido. Essa necessidade de planeja- afastadas do centro da cidade. A implantação
mento dos trólebus associado ao alto custo de de infraestrutura – nesse caso relacionada à
implantação tendem a conter a urbanização mobilidade e ao transporte público – é um
para dentro dos limites urbanos, enquanto os trunfo da especulação. No caso de Araraquara,
veículos a diesel, cuja rota pode ser alterada as rotas dos trólebus – selecionadas pela pre-
sem grandes complicações ou custos de im- feitura – sinalizavam as áreas de interesse imo-
plantação de infraestrutura, permitem a exis- biliário, o que explica que, mesmo com a subs-
tência de um modelo mais disperso e menos tituição deles, as rotas existentes foram man-
compacto de cidade (Pierini, 2020). Em sínte- tidas (Cintrão, 2004), e a “flexibilização” das
se, ambos se retroalimentam: o espraiamento rotas através dos veículos a diesel representou
urbano forja mudanças no sistema de trans- apenas expansão dos trajetos. Assim, o poder
porte, que, por sua vez, consolida o processo público local assume um papel de instrumento
de especulação imobiliária e a valorização da da iniciativa privada, sendo (1) responsável por
terra, que é o objetivo inicial do espraiamento. conduzir as ações dos demais agentes urbanos;
A justificativa apresentada pela Viação Paraty e (2) usado para consolidar projetos e valorizar
para a solicitação de aditamento ao contrato loteamentos e áreas específicas da cidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 561
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Fonte: os autores, adaptado de Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de Transportes (2020), Cintrão
(2004), Donato (2014), Ferreira (1995) e Pierini (2020).
562 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
Fonte: elaborado pelos autores, adaptado de Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de
Transportes (2020), Ferreira (1995) e Pierini (2020).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 563
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Mesmo que o loteador seja responsável necessidades dos diferentes grupos sociais. Tal
pela implantação de infraestrutura, quem arca papel é acentuado no atual contexto de emer-
com as despesas de operação de transporte gência climática, e os benefícios desses siste-
público é a prefeitura ou, mais especificamen- mas podem ser observados em impactos po-
te no caso de Araraquara, as empresas con- sitivos na saúde e no meio ambiente, redução
cessionárias. Esses custos são repassados aos de acidentes, aumento dos índices de mobili-
passageiros através da tarifa, o que, na prática, dade da população, além de configurarem um
significa que todos os usuários do transporte fator importante na geração de renda e nos
público da cidade pagam os custos do espraia- orçamentos familiares (Cervero e Dai, 2014;
mento. Através desse modelo de urbanização, Haddad et al., 2015; Santos, Behrendt e Teytel-
os donos de terras não só lucram com a espe- boym, 2010). Ainda, um sistema de transporte
culação e a valorização imobiliária, como não público de qualidade pode reduzir o uso dos
pagam pelos “prejuízos”, delegando-os para a modos motorizados individuais, que, além de
população geral. ruídos, poluição do ar, congestionamentos e
Isso não significa que investimentos em acidentes, perpetuam as desigualdades sociais
transporte público não devam ser realizados. (Davison e Knowles, 2006). Por fim, salienta-
O espraiamento da cidade faz aparecer, nas -se que, justamente pelo fato de o transporte
bordas urbanas, uma demanda por mobilidade público ser um sistema gerador de benefícios
que muitas vezes é dependente do transporte (externalidades positivas), e esses benefícios
público. Fornecer esse serviço nas periferias, não serem apropriados apenas pelos usuá-
bem como garantir acesso a oportunidades e rios do sistema em si, justificam-se subsídios
serviços públicos, é uma obrigação do Estado. e políticas de investimento público nos trans-
É necessário que haja uma integração com po- portes coletivos, isto é, benefícios econômicos
líticas de uso do solo, para que o transporte e ambientais, como a redução de acidentes e
público assim como modos ativos sejam o fo- da poluição do ar, são apropriados por toda a
co da mobilidade urbana, direcionando o de- população, e, portanto, os investimentos pú-
senvolvimento urbano para uma forma menos blicos devem ser voltados para melhorar esses
espraiada, com dinamismo de atividades nas sistemas e a qualidade de vida da população
próprias periferias, fazendo frente a manu- em geral (Ipea, 2016).
tenção histórica de movimentos pendulares e Moura (2014) aponta que os agentes
contribuindo para a diminuição da segregação dominantes desse modelo de cidade fazem
socioespacial com ampla acessibilidade à ci- com que a distribuição do espaço passe a ser
dade (Cervero e Dai, 2014; Santos, Behrendt e um evento ligado à lógica do capital, em que
Teytelboym, 2010). o espaço e as infraestruturas urbanas deixam
Políticas de transporte sustentável de- de ser providos segundo uma lógica de servir
vem partir do pressuposto de que os sistemas ao bem público e passam a ser um produto de
de transporte público desempenham um papel investimentos do capital. Ao estabelecer – ou
central na construção de um modelo de mo- não – prioridades e opções de intervenção, o
bilidade ambiental, social e economicamen- poder público acaba produzindo vantagens lo-
te sustentável, devendo ser consideradas as cacionais e valorização de imóveis, mantendo
564 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
ou aprofundando as precariedades que refor- anos; seguida por maiores permissões à em-
çam a dinâmica de desigualdade (Bittencourt presa Paraty para atuação na cidade. Empresa
e Faria, 2021). É justamente esse modelo de cujas relações contratuais com a CTA já foram
urbanização neoliberal que se critica aqui. Es- alvo de investigação da promotoria de Ara-
te que induz as pessoas mais pobres a morar raquara. Uma das possíveis irregularidades
nos locais mais afastados e, ao mesmo tempo, investigadas foi o controle de vendas de pas-
a pagar os custos da especulação imobiliária. sagem repassado à Paraty, transação que até
Investimentos em transporte público são fun- 2012 era realizada exclusivamente pela Com-
damentais, mas eles devem estar orientados panhia Troleibus Araraquara, que repassava os
para o melhor atendimento possível da popu- valores correspondentes ao volume de passa-
lação, e não com o intuito de valorizar deter- geiros transportados para a Paraty. Ainda, ha-
minados corredores da terra. Ainda, moradia via a suspeita de que as linhas mais lucrativas
não deve ser apenas a ocupação de um espa- ficaram sob responsabilidade da empresa pri-
ço, e sim algo que assegure uma condição de vada (Folha de S.Paulo, 2013).
vivência, com infraestrutura e acesso a equi- O balanço de despesas e receitas da CTA
pamentos coletivos, contrariando o padrão mostra lucros que variam de cerca de R$950
de segregação imposto (Moura, 2014), que se mil, em 2006, a cerca de R$1,66 milhão em
assemelha a um cárcere de celas e muros invi- 2010. A partir de 2011, entretanto, a empre-
síveis, cujo controle se dá pelo acesso ou falta sa começou a amargar prejuízos, chegando a
dele ao restante da cidade e a equipamentos e quase R$18 milhões em 2016 (CTA, 2021b).
serviços urbanos. Em uma sessão ordinária da Câmara Muni-
cipal, o Movimento Transporte Justo ques-
tionou a queda brusca dos lucros e apontou
A concessão da operação que os principais problemas da CTA eram a
coexistência da Paraty, empresa que detém o
do transporte público monopólio da zona norte da cidade e à qual
em Araraquara – SP foi permitido explorar algumas das linhas mais
rentáveis da CTA; decisões políticas que pri-
Conforme apresentado anteriormente, o pro- vilegiavam a empresa privada, como o freta-
cesso de esvaziamento do Estado no transpor- mento do transporte escolar, responsável por
te público de Araraquara passou por diversas uma verba mensal de cerca de R$1 milhão e
etapas. A primeira delas foi a permissão, a que poderia ser realizado pela CTA; e o aditivo
partir da década de 1980, da atuação de em- no contrato com a Paraty que transfere para
presas privadas – Viação Paraty – com veículos a permissionária privada o monopólio que
a diesel, impulsionada pela justificativa do es- a CTA tinha de vender passes de transporte.
praiamento urbano, em concomitância com a Segundo o movimento, para a recuperação da
operação dos trólebus. Depois, foi a troca de CTA seria necessário rever os contratos de dis-
matriz energética da própria CTA, que já foi tribuição das linhas entre CTA e Paraty, repas-
uma empresa de referência nacional e cujo sar o fretamento de transporte escolar à CTA
processo de sucateamento se arrastou por e criar um Fundo Municipal de Transportes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 565
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
para subsidiar a CTA, garantindo que a empre- desconhecida e foram incorporados pela pre-
sa pública saísse da crise financeira e pudesse feitura em 2006 e o restante estava sob o con-
cumprir o objetivo de garantir, aos cidadãos, o trole de grandes proprietários de terras e de
direito à cidade (Câmara Municipal de Arara- conselheiros que as acumularam comprando a
quara, 2014). preços irrisórios. Em 2017, a empresa acumu-
Nota-se, portanto, que a extinção da lava dívida de R$38,9 milhões (Câmara Muni-
CTA e a subsequente privatização do sistema cipal de Araraquara, 2017) e atualmente ainda
de transporte público não se deram em meio se encontra em liquidação (CTA, 2021b).
à falta de alternativas. Tampouco foi um pro- Os dados de passageiros transportados
cesso sem repercussão social. Diversas mani- (Figura 7) mostram a tendência de queda,
festações de funcionários, estudantes e movi- o que é considerado um padrão nas cidades
mentos sociais ocorreram contra a extinção da brasileiras. Com a privatização dos serviços,
empresa e a privatização do sistema (G1 São há um aumento no número de passageiros em
Carlos e Araraquara, 2013 e 2014). Entretanto, 2017, entretanto, já em 2018, os números ca-
apesar da resistência, em 2016, foi celebrada a em vertiginosamente, possivelmente pelo iní-
concessão por um prazo de 20 anos – prorro- cio da operação de aplicativos de viagem por
gável por igual período, desde que em comum demanda na cidade. Em 2019, o volume de
acordo com a concessionária – da prestação e passageiros transportados foi o menor desde
exploração dos serviços de transporte público 2006, exceto pelo ano de 2020 que, em virtu-
coletivo urbano (Araraquara, 2016b). de da pandemia de Covid-19, teve uma redu-
Em seguida à assinatura do contrato de ção ainda maior. Os dados de 2016 não estão
concessão, concretiza-se a extinção da Com- disponíveis de maneira completa, possivel-
panhia Troleibus Araraquara pela lei municipal mente por ser o ano de transição da operação
n. 8.667, de 2 de março de 2016. Os bens mó- dos serviços.
veis e imóveis, após a liquidação da empresa, Finalmente, alguns pontos devem ser
passam a ser da prefeitura de Araraquara, bem ressaltados quanto ao contrato de conces-
como esta passa a assumir quaisquer contra- são em si. Primeiramente, está previsto que
tos vigentes da CTA, inclusive os de concessão a prestação dos serviços deverá ser efetuada
do transporte público (a concessão é regula- por conta e risco da concessionária, median-
da através da Controladoria do Transporte de te remuneração que engloba todos os inves-
Araraquara – CTA). Está previsto que, finda a timentos, insumos e despesas necessárias ao
liquidação, o município pagará aos acionistas cumprimento das obrigações operacionais
o capital que cada um tiver direito pelas ações previstas, tais como: materiais, mão de obra,
que possuir, entregando para esse pagamento serviços, taxas, impostos, encargos trabalhistas
títulos de dívida pública municipal acrescidos e sociais, energia elétrica, abastecimento de
de juros de 12% (doze por cento) ao ano. Caso água, consumo de combustível, consumo de
seja apurado patrimônio negativo, o municí- outros materiais e serviços e despesas admi-
pio arcará com o prejuízo (Araraquara, 2016c). nistrativas. Essa remuneração é denominada
Cabe relembrar que os maiores percentuais justa, se ela atender, entre outros, aos seguin-
de ações permaneceram com propriedade tes custos: 1) despesas de operação; 2) custos
566 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 567
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
568 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
propostas pleiteadas pelas empresas, estão o foi realizada por 9 municípios, dos quais se
auxílio e socorro emergencial e também “um destacam Belo Horizonte – MG, Curitiba – PR
novo modelo de financiamento dos sistemas e Salvador – BA (Lima, Carvalho e Figueiredo,
de transporte público, para assegurar a qua- 2020; NTU, 2021a).
lidade que a sociedade exige” (NTU, 2021d). Em Araraquara, houve redução de frota
O socorro emergencial pleiteado era de R$5 e das linhas em operação de 38, em 2019, para
bilhões por ano para subsidiar as gratuidades 30 nos anos de 2020 e 2021. Segundo aponta-
do sistema. Felicio Ramuth, vice-presidente do, a alteração foi possível com o realinhamen-
de Mobilidade Urbana da Frente Nacional dos to logístico das linhas (Câmara Municipal de
Prefeitos (FNP), afirmou que “a ajuda não é Araraquara, 2021). Os usuários do transporte
para as empresas, mas para as pessoas que público, entretanto, reclamaram da aglome-
mais precisam (os passageiros). É de grande ração de pessoas no Terminal Central de Inte-
importância social" (ibid.). Curiosamente, as gração (TCI) e do atraso de ônibus em algumas
pessoas serão “beneficiadas” via empresas, as linhas (G1 São Carlos e Araraquara, 2021).
mesmas que reduziram a operação e provoca- A crise do transporte público, agravada
ram aglomeração durante uma pandemia. Foi pela pandemia de Covid-19, está diante de um
pautada, ainda, a reestruturação do serviço, impasse: ao mesmo tempo que se percebe a
não só do ponto de vista financeiro, como da importância do transporte público, escancara-
regulação de contratos e criação de um novo -se uma falha estrutural do modelo neoliberal.
marco regulatório. Houve, também, o projeto Não há como manter os sistemas em opera-
de lei n. 3.364/2020, que previa ajuda de R$4 ção nesse modelo durante uma crise. Otávio
bilhões para esse segmento, mas que foi veta- Cunha, presidente da Associação Nacional
do (NTU, 2021c, 2021d). das Empresas de Transportes Urbanos – NTU,
Além das tentativas de financiamento afirma que “o serviço está à beira do colapso
federal, os operadores também buscaram as em todo o país” e, ainda, que “nossa expecta-
prefeituras, a fim de tentar minimizar os pre- tiva é que o Governo Federal tenha um papel
juízos enfrentados. Entre as principais medidas proativo nesse processo e assuma, de fato, o
oferecidas, encontram-se o repasse de subsí- papel de guardião da política nacional de mo-
dios aos operadores, desonerações fiscais e bilidade urbana” (NTU, 2021c, 2021d). Afinal,
compras antecipadas de créditos. Em relação se o Estado é o regulador-avalista da iniciativa
aos subsídios, destacam-se as cidades de São privada no modelo de desenvolvimento neoli-
Paulo – SP, Curitiba – PR e Brasília – DF, mas beral, nada mais lógico que recorrer a ele em
a medida foi adotada em cerca de 26 municí- momentos de crise (Carcanholo, 2017), ou se-
pios. As desonerações tributárias foram aplica- ja, apropriação do lucro, socialização dos pre-
das em Joinville – SC, Pelotas – RS e Natal – RN. juízos. Enquanto houver lucro, livre-mercado;
Além disso, o governo do estado do Rio Grande quando houver prejuízo, intervenção estatal e
do Norte reduziu em 50% a alíquota de Impos- divisão dos prejuízos com a sociedade.
to sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Em nenhum momento o modelo opera-
(ICMS) sobre diesel e biodiesel para empresas cional privatizado é questionado. Quando se
de ônibus. A compra antecipada de passagens fala em reestruturação, é apenas no modo de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 569
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
financiamento, para que, diante de uma no- municipal de serviços públicos permite que
va crise, os faturamentos estejam garantidos. lucros de sistemas de eletricidade, gás e água
O modelo não oferece seguridade alguma: sejam transferidos para o transporte público
nem para a população, nem para garantia dos (Ipea, 2016). É possível ir além, como mostram
empregos no setor. Se haverá financiamento as cidades de Talim, na Estônia, Maricá – RJ e
público para o transporte público e há a ne- Caucaia – CE, e instituir políticas de passe li-
cessidade de uma reestruturação como afir- vre, para que sejam assegurados os direitos ao
mam os empresários, deve-se ir além do que transporte a todos os cidadãos do município
a ideologia neoliberal quer nos fazer acredi- (Caucaia, 2021; Santini, 2019).
tar. É preciso pautar novas alternativas. Nesse
contexto, alguns questionamentos devem ser
levantados. É possível reconstruir os sistemas
públicos? É possível que, em um cenário de
Considerações finais
impossibilidade dessa alternativa, tenhamos
modelos menos predatórios de financiamento Este estudo buscou fazer uma análise da evo-
de transporte público? lução dos sistemas de transporte público do
Uma forma possível de o poder público município de Araraquara – SP, apontando as
municipal assumir o controle sobre os presta- relações entre o desenvolvimento urbano e as
dores privados é o modelo de “municipaliza- mudanças no sistema de transporte público da
ção” instituído em São Paulo, no qual a recei- cidade, além do papel do poder público local
ta auferida pelas tarifas era arrecadada pelo no processo de especulação e valorização imo-
poder público e as empresas remuneradas biliária no contexto de uma lógica neoliberal
com base no serviço prestado, medido pelo de desenvolvimento urbano.
número de quilômetros ofertados (e não pelas Durante muitos anos, os trólebus con-
tarifas arrecadadas dos usuários).4 No caso de tiveram a expansão da cidade, entretanto, o
São Paulo, uma vez cumprida a quilometra- desenvolvimento urbano espraiado passou a
gem programada, as empresas recebiam 80% orientar a operação do sistema de transporte
do valor acordado com o município, estando o público por ônibus, resultando na incorpora-
pagamento dos 20% restantes atrelado ao nú- ção de veículos a diesel. Tem-se, então, um
mero de passageiros transportados previstos, modelo urbano que “inviabiliza” a manuten-
estratégia esta para evitar que os operadores ção dos serviços públicos de transporte, dada
realizassem as viagens com veículos vazios a necessidade constante de expansão para
(Gregori et al., 2020; Gomide e Galindo, 2013). atendimento das áreas mais periféricas. É esse
No atual patamar tecnológico, a fiscalização do argumento, pertencente às falácias da lógica
cumprimento das viagens realizadas, da tabela neoliberal, que leva à extinção da Companhia
horária e do número de passageiros transpor- Troleibus Araraquara em 2016 – após um lon-
tados poderia ser realizada através de sistemas go período de sucateamento – e à concessão
de GPS e de bilhetagem eletrônica (Gregori et do sistema de transporte público. A prometida
al., 2020). Em cidades como Munique, na Ale- melhoria aparece apenas no primeiro ano após
manha, a existência de uma única empresa a licitação, quando o número de passageiros
570 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
[I] https://orcid.org/0000-0002-0186-6661
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
tati.borchers@protonmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-7834-7675
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
figueiroa@protonmail.com
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 571
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Notas
(1) O levantamento dos i nerários de ônibus ocorreu em janeiro de 2020 e, portanto, apresenta a
configuração do sistema de transporte no período pré-pandemia de Covid-19.
(2) Chama-se a atenção aqui para o fato de que o órgão criado em 2016 para fiscalizar os serviços de
transporte público – CTA (Controladoria do Transporte de Araraquara) – mantém a mesma sigla
que CTA (Companhia Tróleibus Araraquara), que atualmente está em processo de liquidação.
(3) A Companhia Troleibus Araraquara – CTA é a concedente do contrato. Com a ex nção da empresa,
os contratos vigentes foram assumidos pela Prefeitura de Araraquara através da Controladoria
do Transporte de Araraquara – CTA.
(4) O sistema de pagamento por quilômetros ofertados foi ins tuído em 1992, sob a gestão de Luiza
Erundina. Após a troca de gestão, em 1993, foi iniciado o processo de priva zação da CMTC, e a
lógica de remuneração das empresas de ônibus foi sendo alterada ao longo dos anos até voltar à
remuneração por passageiro transportado em 2003.
Referências
ARAGÃO, J. J. G. (1998). Compe ção e propriedade em transporte público. Revista dos Transportes
Públicos – ANTP, ano 20, 3º semestre.
______ (1979). Lei ordinária n. 2.467, de 11 de junho de 1979. Dispõe sobre loteamentos,
desmembramentos e arruamentos, alterando o Título V, da lei municipal n. 1794, de 26/7/1971.
Disponível em: https://www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/2467.
Acesso em: 9 jul 2021.
______ (2005). Lei complementar n. 350, de 27 de dezembro de 2005. Ins tui o Plano Diretor de
Desenvolvimento e Política Urbana e Ambiental de Araraquara e dá outras providências.
Disponível em: h ps://www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisComplementares/350.
Acesso em: 9 jul 2021.
______ (2008a). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato STM n. 1497/2007. Plano diretor de
transportes e mobilidade urbana de Araraquara; Produto P-3: Caracterização da situação atual e
diagnós co. Sistran Engenharia.
______ (2008b). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato n. 014/2008. Contrato de prestação
de serviço de transporte público cole vo de passageiros por ônibus para um lote de 7 (sete)
linhas rurais e urbanas, com 25 (vinte e cinco) ônibus no município de Araraquara. Disponível em:
h p://www.ctaonline.com.br/index.php/concessao.html. Acesso em: 26 jul 2021.
572 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
______ (2016b). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato n. 111/2016. Outorga de concessão
onerosa do segundo lote de serviço de transporte cole vo de passageiros do município de
Araraquara. Disponível em: h p://www.ctaonline.com.br/index.php/licitacoes2.html. Acesso
em: 28 jul 2021.
______ (2016c). Lei ordinária n. 8.667, de 2 de março de 2016. Autoriza a ex nção da CTA – Companhia
Troleibus Araraquara e dá outras providências. Disponível em: h ps://www.legislacaodigital.
com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/8667. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2016d). Lei ordinária n. 8.680, de 23 de março de 2016. Autoriza a criação da CTA –
Controladoria do Transporte de Araraquara e dá outras providências. Disponível em: h ps://
www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/8680. Acesso em: 9 jul 2021.
BALESTRINI, M. (2016). O programa minha casa minha vida e o marco regulatório urbanís co do
munícipio: o caso de Araraquara. Dissertação de metrado. São Carlos, Departamento de
Engenharia Civil, UFSCar.
BORCHERS, T.; FERREIRA, V. G. F.; RIBEIRO, R. A. (2021). Percep on of public transport in Brazilian
capitals in the COVID-19 pandemic. Periódico Eletrônico Fórum Ambiental da Alta Paulista,
v. 17, n. 1.
BRASIL (2001). Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Cons tuição
Federal, estabelece diretrizes gerais da polí ca urbana e dá outras providências. Disponível em:
h p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 9 jul 2021.
CÂMARA MUNICIPAL DE ARARAQUARA (2014). Movimento Transporte Justo é contra a priva zação
da CTA. Disponível em: h ps://camara-arq.sp.gov.br/no cias/movimento-transporte-justo-e-
contra-a-priva zacao-da-cta,25-06-2014. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2017). Prefeitura apresenta situação financeira aos vereadores. Disponível em: h ps://www.
camara-arq.sp.gov.br/no cias/prefeitura-apresenta-situacao-financeira-aos-vereadores,16-11-
2017?ver=212. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2021). Média de passageiros transportados nos ônibus diminuiu 68,3% durante pandemia.
Disponível em: https://www.camara-arq.sp.gov.br/noticias/media-de-passageiros-
transportados-nos-onibus-diminuiu-683-durante-pandemia,07-04-2021. Acesso em: 29 jul 2021.
CARCANHOLO, M. D. (2017). Marx(ism) and public debt: Thoughts on the poli cal economy of public
debt. Cri que, v. 45, n. 3, pp. 303-317.
CERVERO, R.; DAI, D. (2014). BRT TOD: Leveraging transit-oriented development with bus rapid transit
investments. Transport Policy, v. 36, pp. 127-138.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 573
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
CINTRÃO, J. F. F.; ALVES, E. R. M.; DA LUZ, A.; SOFFNER, A. B.; CINTRÃO, C. F. (2017). O sistema trólebus
de Araraquara–SP: memória e história do transporte cole vo no período de 1959 a 1999. Revista
Brasileira Mul disciplinar, v. 20, n. 1, pp. 19-34.
CAT – CONSÓRCIO ARARAQUARA DE TRANSPORTES (2020). Linhas e horários. Disponível em: h p://
novocardararaquara.com.br/linhas-e-horarios/. Acesso em: 27 jan 2020.
______ (2021c). Total de Passageiros Transportados 2017, 2018, 2019 e 2020. Disponível em: h p://
www.ctaonline.com.br/index.php/passageiros-cat.html. Acesso em: 26 jul 2021.
DAVISON, L. J.; KNOWLES, R. D. (2006). Bus quality partnerships, modal shi and traffic deconges on.
Journal of Transport Geography, v. 14, n. 3, pp. 177-194.
FERREIRA, E. R. (1995). Trolebus, espaço e sociedade. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade
de São Paulo.
FOLHA DE S.PAULO (2013). Promotoria apura alterações feitas em contrato do transporte em Araraquara.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2013/12/1382134-
promotoria-apura-alteracoes-feitas-em-contrato-do-transporte-em-araraquara.shtml. Acesso
em: 28 jul 2021.
G1 São Carlos e Araraquara (2013). Manifestação de 4 horas reúne mais de 5 mil pessoas em Araraquara,
SP. Disponível em: h p://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/no cia/2013/06/manifestacao-de-
4-horas-reune-mais-de-5-mil-pessoas-em-araraquara-sp.html. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2014). Protesto contra priva zação da CTA reúne 100 pessoas em Araraquara, SP. Disponível
em: h p://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/no cia/2014/05/protesto-contra-priva zacao-
da-cta-reune-100-pessoas-em-araraquara-sp.html. Acesso em: 28 jul 2021.
GOMIDE, A. D. A.; GALINDO, E. P. (2013). A mobilidade urbana: uma agenda inconclusa ou o retorno
daquilo que não foi. Estudos avançados, v. 27, pp. 27-39.
574 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado no transporte público...
GREGORI, L.; WHITAKER, C.; VAROLI, J. J.; ZILBOVICIUS, M.; GREGORI, M. S. (2020). A cidade sem
catracas: história e significados da tarifa zero. São Paulo, Autonomia Literária.
GROSSI, G.; PIANEZZI, D. (2017). Smart ci es: Utopia or neoliberal ideology? Ci es, v. 69, pp. 79-85.
HADDAD, E. A.; HEWINGS, G. J.; PORSSE, A. A.; VAN LEEUWEN, E. S.; VIEIRA, R. S. (2015). The
underground economy: tracking the higher-order economic impacts of the São Paulo subway
system. Transporta on Research Part A: Policy and Prac ce, v. 73, pp. 18-30.
IBGE – Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca (2021). Panorama sobre o município de Araraquara.
Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: h ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/araraquara/panorama.
Acesso em: 9 jul 2021.
IPEA – Ins tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (2016). Transformações e tendências recentes na
regulação dos serviços de ônibus urbano no Brasil (n. 2187). Texto para Discussão. Ipea, DF/
Ministério da Economia.
______ (2021). Novo modelo de contrato de mobilidade urbana: como gerar receita, aumentar uso e
reduzir custos de transporte público urbano. Ipea, DF/Ministério da Economia.
KOOIMAN, J. (2008). Exploring the Concept of Governability. Journal of Compara ve Policy Analysis:
Research and Prac ce, v. 10, n. 2, pp. 171-190.
LEAL, S. R. (2017). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante
da crise do mercado. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 19, pp. 537-555.
MARICATO, E. (2000). As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil.
A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
______ (2015). Para entender a crise urbana. São Paulo, Expressão Popular.
MARINETTO, M. (2003). Governing beyond the centre: A cri que of the Anglo-Governance School.
Poli cal Studies, v. 51, n. 3, pp. 529-608.
MARX, K. (2014). O capital: crí ca da economia polí ca, Livro II: O processo de circulação do capital.
São Paulo, Boitempo Editorial.
MOURA, J. M. D. (2014). O Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal: uma
análise espacial dos padrões de segregação e desterritorialização. Urbe. Revista Brasileira de
Gestão Urbana, v. 6, n. 3, pp. 339-359.
NTU (org.) (2021a). Bole m NTU – Impactos da Covid–19 no transporte público por ônibus. NTU –
Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.
org.br/novo/upload/Publicacao/Pub637523537674807205.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 575
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
NTU (org.) (2021b). Impactos no transporte público por ônibus provocados pela pandemia da COVID-19:
análise do cenário nacional (março/2020 a abril/2021). NTU – Associação Nacional das Empresas
de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.org.br/novo/ckfinder/userfiles/files/
NTU-Impactos%20Covid%20no%20TP_Mar%2020-Abr%2021%20(tab%20e%20graf)%20v1_4-1.
pdf. Acesso em: 29 jul 2021.
______ (2021c). Prefeitos apoiam auxílio emergencial e reestruturação do transporte público. NTU –
Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.
org.br/novo/No ciaCompleta.aspx?idArea=10&idSegundoNivel=106&idNo cia=1498. Acesso
em: 29 jul 2021.
______ (2021d). Transporte público precisa de socorro financeiro e reestruturação. NTU – Associação
Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.org.br/novo/
NoticiaCompleta.aspx?idArea=10&idSegundoNivel=106&idNoticia=1498. Acesso em: 29 jul
2021.
QGIS Development Team (2021). QGIS Geographic Informa on System. Version 3.4.8-Madeira. Open-
Source Geospa al Founda on Project. Disponível em: h p://qgis.osgeo.org. Acesso em: 29 jul
2021.
______ (2007). Understanding governance: ten years on. Organiza on Studies, v. 28, n. 8, pp. 1243-1264.
SALVADOR, PREFEITURA MUNICIPAL (2021). Linhas de ônibus de Salvador serão redistribuídas entre
empresas. Disponível em: h p://www.comunicacao.salvador.ba.gov.br/index.php/todas-as-
noticias/59333-linhas-de-onibus-de-salvador-serao-redistribuidas-entre-empresas-ate-esta-
quinta-30. Acesso em: 17 dez 2021.
SANTINI, D. (2019). Passe livre: as possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização. São
Paulo, Autonomia Literária.
SANTOS, G.; BEHRENDT, H.; TEYTELBOYM, A. (2010). Part II: Policy instruments for sustainable road
transport. Research in transporta on economics, v. 28, n. 1, pp. 46-91.
THEODORE, N.; PECK, J.; BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los
mercados. Temas sociales, v. 66, pp. 1-11.
576 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022
Neoliberalism and the emptying
of the State in public transportation
in Araraquara, state of São Paulo, Brazil
Neoliberalismo e o esvaziamento do Estado
no transporte público de Araraquara–SP
Tatiane Borchers [I]
Victor Garcia Figueirôa-Ferreira [II]
Abstract Resumo
The present article seeks to investigate, based O presente artigo procura investigar, a partir de
on studies carried out in the city of Araraquara, levantamentos realizados no município de Arara-
state of São Paulo, Brazil, the relationship quara – SP, a relação entre sistemas de transporte
between public transportation systems and público e o desenvolvimento urbano, assim como
urban development, analyzing the role of the também analisar o papel do Estado e da polí ca
State and of neoliberal policies in this context. To neoliberal nesse contexto. Para isto, foi realizado
this end, a bibliographic review about Araraquara um extenso levantamento bibliográfico sobre Ara-
was performed, aiming to characterize and raquara, buscando caracterizar e delinear a evolu-
delineate the historical evolution of its public ção histórica dos sistemas de transporte público.
transportation systems. The analyses were Essas análises foram realizadas com o apoio de fer-
supported by Geographic Information System ramentas de Sistemas de Informação Geográfica
(GIS) tools. It can be stated that there is a deep (SIG). Pode-se afirmar que existe uma profunda co-
connection between public transportation nexão entre os sistemas de transporte público e o
systems and urban development, and that the desenvolvimento urbano, bem como o papel do po-
government plays the role of an instrument in a der público como um instrumento de um processo
neoliberal process of real estate specula on that neoliberal de especulação imobiliária que impacta
affects the urban environment nega vely. o ambiente urbano de forma nega va.
Keywords: urban spra wl; neolibera lism ; Palavras-chave: espraiamento urbano; neolibera-
privatization; public transportation; neoliberal lismo; priva zação; transporte público; urbanismo
urbanism. neoliberal.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5405.e Crea ve Commons Atribu on
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
the structure of the article: 1) bibliographical new forms of unequal production of the urban
survey about neoliberal urbanism with a focus space and capital accumulation (Farmer, 2011;
on the transportation sector; 2) characterization Matela, 2014; Santos, 2018; Theodore, Peck
of Araraquara as the study object, mainly and Brenner, 2009).
regarding the city's urban evolution; 3) history Contemporary neoliberal urbanization
of the evolution of the city's public transport processes advocate a set of policies aimed
system; 4) analysis of the relations between at strengthening market discipline and
urban development processes and changes in competition, as well as dismantling and
transportation; and 5) analysis of the emptying hollowing out the State, making it a regulatory
of the State as a neoliberal policy to enable the agent (Farmer, 2011; Theodore, Peck and
privatization of the public transport system. At Brenner, 2009). The intention is “to 'liberate'
the end, some considerations are made about both public services from so-called 'State
the points presented and specifically about the inefficiencies' and capital 'squandered' by
crisis resulting and accentuated by the SARS- taxation that could be more profitability
CoV-2 pandemic. deployed by private actors" (Farmer, 2011, p.
1155). Thus, the regulatory State appropriated
and seized by neoliberalism promotes market
Neoliberal urbanism discipline over society and itself through
various political-economic mechanisms, such
and its consequences as reducing taxes on businesses and capitalists,
for the transporta on sector dismantling public services, and subjecting
them to the market will through concessions,
Without exhausting the complex discussions permissions, public-private partnerships, or
on the subject, the capitalist expression outright privatization (Farmer, 2011; Theodore,
of neoliberalism can be understood as an Peck and Brenner, 2009).
economic-political and philosophical-cultural Neoliberal ideology was used as a
doctrine that instrumentalizes in a coercive and justification to support several projects: 1)
cohesive way the forces of accumulation by the deregulation of State control in industry;
dispossession through the State apparatus, the 2) the offensive against organized labor;
control of the means of production – of goods, 3) the reduction of corporate taxes; 4) the
services, spaces and the human being itself – contraction and/or privatization of public
and the domination or subjugation of all those resources and services; 5) the dismantling
whose existence serves only for the production of social welfare programs; 6) the expansion
of surplus value (Gramsci, 1999; Marcuse, of international capital mobility; and 7)
1973). Neoliberal urbanism, on the other the intensification of competition between
hand, is the specific application of this doctrine localities (ibid.). Specifically in Brazil, business
of creative destruction to the planning and elites have incorporated their interests
management of the urban space, its inhabitants into local development policies, with the
and economic aspects, in order to reconfigure privatization of the public sector and collective
the territorial organization and thus give rise to infrastructure, eliminating State monopolies
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 551
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
for the provision of public services such as role: that of Guarantor-regulator (Carcanholo,
education, health, security, transportation, etc. 2017). In a recent publication by the Institute
(Souza, 2018). for Applied Economic Research (Ipea, 2021),
A clear example of neoliberal ideological it is argued that "freedom should be given to
propaganda is presented by Aragão (1998). the creativity of the entrepreneur", in this case
The au th or ad vocates for a p ropos al the concessionaire of public transport services,
called "competitive bidding", pointing out to develop services desired by society. It is
that among the arguments justifying this pointed out that, for example, if the service
institutional reform would be the rigidity of the provider can have other sources of income
public machinery, as well as the widespread and these are considerable, he may eventually
fiscal crisis. He states that: lower the fare, in view of the parallel revenues.
It is almost touchingly naïve to believe in
Worldwide, institutional monopolies in
the entrepreneur's benevolence, since his
public transportation, as a rule operated
by public companies, are ebbing, to aim in operating the public transportation
be maintained as a last alternative. systems is profit, not necessarily social
The introduction of competition is welfare. There is no guarantee that fares will
being considered as an imperative be reduced because of parallel revenues. On
in the search for greater efficiency
the contrary, a new profit margin is opened to
and effectiveness of services. On the
other hand, deregulation of services the entrepreneur. Care is needed, even with
pure and simple does not seem to proposals for subsidies, since they can also be
have succeeded, at least in urban absorbed as an increase in the profit margin
public transportation, so introducing of the companies in the sector (Gomide and
private initiative through competitive
Galindo, 2013).
contracting is being chosen as the ideal
intermediate solution. (Ibid., p. 115) For the neoliberal hegemony to be
confirmed, it is necessary to pass on the image
Published in a political period marked that the State-owned companies have worse
by privatization and the rise of neoliberalism conditions to offer a service and, therefore,
in Brazil, the publication shows contempt bankruptcy appears as an inevitable result and
for what is public and that only the insertion privatization as a necessary solution towards
of private initiative could ensure efficiency a supposed progress and modernization of
and increased use of public transportation the State. The premise for this movement
(ibid.). In a market in which free competition is the disinvestment in public services and
presents inefficiencies, pure deregulation is enterprises, so that these have, in fact,
overlooked in favor of a regulatory role of difficulties in meeting the needs and desires
the State, justifying that the market structure of the population, generating a political
itself imposes such a condition (Ipea, 2016 atmosphere in which the commercialization
and 2021). The neoliberal idea, still in vogue, of the State appears as the only way out.
does not admit that the State can provide One perceives, therefore, a hegemonic and
such services, restricting it to a single possible one-dimensional process of coercion through
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 553
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Source: created by the authors, adapted from Cintrão (2004), Donato (2014) and Pierini (2020).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 555
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
companies began to operate in the city; 4) supported them, were scrapped, dismantled,
1990s: in 1992 the fleet reaches the peak of and auctioned. Currently, only the number 1
46 vehicles, but from this moment on, the CTA trolleybus remains, which was restored and
itself began to invest in diesel vehicles (CTA, installed in the historical museum of the CTA
2021b; Ferreira, 1995). (ibid.). The trolleybus network can be seen in
Until 1994, even with the high cost of Figure 2.
electricity, trolleybuses still accounted for 43% An observation should be made about
of the fleet, and the main reasons for their the financing model of the system. The
maintenance were the absence of air pollution company was created as a joint-stock company,
and the comfort provided to passengers, since and the capital composition was made through
these vehicles did not produce noise and an additional charge in the Urban Land and
vibration (Cintrão, 2004; Cintrão et al., 2017). Property Tax (IPTU), i.e., the financing was
The trolleybuses were in operation in the city attained through the population, even those
until 1999, and the high cost of the vehicles, who lived in lots that were not served by the
the electric power itself, added to investments system. In this way, the biggest shareholders
in power lines and substations, were pointed were those who owned the most properties.
out as reasons for the economic unfeasibility The shares had no market value, because all
of this system. In reality, due to the urban the profit should be reverted to investments
sprawl, the route flexibility provided by diesel in the company itself, and did not bring direct
vehicles had become more attractive (Cintrão, benefits to its holders. This factor generated a
2004; CTA, 2021b; Ferreira, 1995). lack of interest in the shares by their rightful
A CTA employee (Fray, maintenance owners, leading to the non-claiming of
supervisor), in an account presented by shares or even the sale of them for negligible
Cintrão et al. (2017), states that the company's amounts, resulting in the accumulation of
drivers were well-paid, employees had artist shares by a few people who managed the
status, and that everyone wanted to work at company. The increase in decision-making
CTA. Fray states that "at the time everyone power meant that, in 2004, many of the CTA's
rode the trolleybus, for example, doctors, board members were precisely landowners
dentists, lawyers, engineers, etc." (ibid., p. 28). and real estate speculators, who could
The deactivation of the trolleybuses, which continue to guide the investments destinations
benefited the diesel bus companies, caused a in the city's public transportation (Cintrão,
revolt in the population that was used to the 2004; Cintrão et al., 2017; Ferreira, 1995). A
system. It can be seen, therefore, that the large percentage of shares (80%) remained
trolleybuses were not only the city's transport with unknown ownership, being acquired
system, but that the innovative character and by the City Hall in 2006 – when the company
quality of the electric buses were perceived as became a mixed economy company – and
a cultural element of the city and configured the remaining 20% belonged to the other
part of its heritage. With the deactivation, the shareholders (Araraquara, 2016c; Cintrão et
trolleybuses, as well as the infrastructure that al., 2017).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 557
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Source: created by the authors, adapted from Ferreira (1995) and Pierini (2020).
In 2008, Araraquara's public bus transport can be seen in Figure 3. It should be noted that
service consisted of a network of 31 lines, 26 some bus lines currently in operation are based
operated by the CTA and 5 lines operated by on the old trolleybus routes, such as Campus /
Viação Paraty, which was already operating Vila Xavier, Fonte / Altos da Vila Xavier / Jardim
in the city's public transport before the 2008 das Estações, Melhado / Imperador, Rodoviária
permission process (Araraquara, 2008a), from / Santa Cruz, Santana / Pinheirinho, São José /
which it started operating 7 lines (Araraquara, Santa Angelina and Universal / Cecap (Cintrão
2008b). The lines that were in operation in 2008 et al., 2017; Pierini, 2020).
The Companhia Troleibus Araraquara for 18 lines, and Viação Paraty, responsible for
continued as the operator and planner of the 20 lines (9 of which are from the concession
public transportation system until 2016, when contract signed in 2008). Figure 4 shows the
the system was privatized and granted, for a bus lines in operation in 2020.1 It is possible to
period of 20 years, to the Consórcio Araraquara see that Viação Paraty gained a new share of
de Transportes – CAT (Araraquara Transport the city lines’ operation. The State – in this case
Consortium). The Consortium is composed of represented by the municipality of Araraquara
two companies, Empresa Cruz, responsible – went through an emptying process, in which
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 559
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Source: created by the authors, adapted from CAT – Consórcio Araraquara de Transportes (2020).
afternoon peaks. It should be noted that the for an amendment to the 2008 contract
operation through “atendimentos” can cause corroborates this analysis, since it points
confusion for users, since they may not be precisely to the emergence of subdivisions in
aware of the changes in the timetable or route, the northern part of the city as responsible
and also limits the access that certain regions for adjustments in routes, timetables and
of the city have to public transportation, increasing of the company's fleet. The
creating a mobility deficit. government granted the amendment,
increasing from 7 to 9 lines operated by the
company at the time (Araraquara, 2016a). In
The intersec on Figure 5, it is possible to observe the overlap
between the urban configuration and the
of transporta on systems transport system in operation. Three periods
with urban development are shown: the subdivisions approved until
1990 together with the trolleybus system; the
The urban evolution and the public transport subdivisions approved until 2010 with the bus
system of Araraquara showed that the urban lines in operation in 2008; and the subdivisions
sprawl, caused mainly by the approval of approved from 2011 to 2016, with the bus lines
subdivisions beyond the existing road network in operation in 2020.
in the 1970s, drove the change in the energy Figure 6 presents a map with the overlay
matrix of the transport system, with the of all systems, showing the evolution of the
exchange of electric for diesel vehicles (Cintrão, public transportation system from the 1960s
2004; CTA, 2021b; Ferreira, 1995; Pierini, to 2020. It can clearly be seen that the network
2020). If, for the operation of trolleybuses, it has undergone a major expansion over the
was necessary to plan the network expansion years, following the implementation of housing
because of the intrinsic high costs, with diesel developments in areas far from the city center.
vehicles this planning does not need to be The implementation of infrastructure – in this
so strict. This need for trolleybus planning case related to mobility and public transportation
associated with the high cost of implementation – is a trump card for speculation. In the case of
tends to contain urbanization within the urban Araraquara, the trolleybus routes – selected by
limits, while diesel vehicles, whose route can the city hall – signaled the areas of real estate
be changed without major complications or interest, which explains that, even with their
costs of infrastructure deployment, allow the replacement, the existing routes were maintained
existence of a more dispersed and less compact (Cintrão, 2004), and the "flexibilization" of the
city model (Pierini, 2020). In summary, there routes through diesel vehicles represented only
is a vicious retro feeding cycle: urban sprawl an expansion of the routes. Thus, the local public
forges changes in the transportation system, power assumes a role of an instrument of private
which, in turn, consolidates the process of real initiative, being (1) responsible for driving the
estate speculation and land valorization, which actions of other urban agents; and (2) used to
is the initial aim of the sprawl. The justification consolidate projects and valorize lots and specific
presented by Viação Paraty for the request areas of the city.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 561
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Source: created by the authors, adapted from Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de Transportes
(2020), Cintrão (2004), Donato (2014), Ferreira (1995) and Pierini (2020).
Source: created by the authors, adapted from Araraquara (2008a), CAT – Consórcio Araraquara de
Transportes (2020), Ferreira (1995), and Pierini (2020).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 563
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Even if the developer is responsible for and the benefits of these systems can be
the implementation of infrastructure, it is the observed in positive impacts on health and the
municipality or, more specifically in the case of environment, reduction of accidents, increase
Araraquara, the concessionaires who bear the in the population's mobility indexes, besides
costs of public transport operation. These costs being an important factor in income generation
are transmitted to passengers through the and family budgets (Cervero and Dai, 2014;
fare, which, in practice, means that all public Haddad et al., 2015; Santos, Behrendt and
transportation users in the city pay the costs Teytelboym, 2010). Furthermore, a high-
of the urban sprawl. Through this model of quality public transportation system can
urbanization, landowners not only profit from reduce the use of individual motorized modes,
speculation and real estate appreciation but which, besides noise, air pollution, congestion,
also do not pay for the "losses", transferring and accidents, perpetuate social inequalities
them to the general population. (Davison and Knowles, 2006). Finally, it is
This does not mean that investments emphasized that, precisely because public
in public transportation should not be made. transportation is a system that generates
The sprawl of the city creates a demand benefits (positive externalities), and these
for mobility at the urban edges that often benefits are not only appropriated by the users
depends on public transportation. Providing of the system, subsidies and public investment
this service in the peripheries, as well as policies in public transportation are justified,
guaranteeing access to opportunities and i.e., economic and environmental benefits,
public services, is an obligation of the State. An such as the reduction of accidents and air
integration with land use policies is necessary, pollution, are appropriated by the entire
so that public transportation and active modes population, and therefore, public investments
are the focus of urban mobility, thus, directing should focus at improving these systems and
urban development to a less sprawled the quality of life of the general population
form, with dynamism of activities within the (Ipea, 2016).
peripheries, facing the historical maintenance Moura (2014) points out that the
of exclusively work related commuting and dominant agents of this city model cause
contributing to the reduction of socio-spatial the distribution of space to become an event
segregation with broad accessibility to the city linked to the logic of capital, in which space
(Cervero and Dai, 2014; Santos, Behrendt and and urban infrastructures are no longer
Teytelboym, 2010). provided according to a logic of serving
Sustainable transport policies should the public good and become a product of
start with the assumption that public capital investments. By establishing – or not
transport systems play a central role in the – priorities and intervention options, the
construction of an environmentally, socially public power ends up producing locational
and economically sustainable mobility model, advantages and valorization of real estate,
and the needs of different social groups maintaining or deepening the precariousness
should be considered. Such a role is stressed that reinforces the dynamics of inequality
in the current context of climate emergency, (Bittencourt and Faria, 2021). It is precisely
this model of neoliberal urbanization that is contractual relations with the CTA have
criticized here. This model induces the poorest already been investigated by the Araraquara
people to live in the most distant places and, District Attorney's Office. One of the possible
at the same time, to pay the costs of real irregularities investigated was the control of
estate speculation. Investments in public ticket sales passed on to Paraty, a transaction
transportation are fundamental, but they that until 2012 was performed exclusively by
must be oriented to achieve the best possible Companhia Troleibus Araraquara, which paid
service to the population, and not intending to Paraty the due value corresponding to the
to enhance the value of certain land corridors. volume of passengers carried. There was also
Furthermore, housing should not be only the the suspicion that the most profitable lines
occupation of a space, but something that were under the responsibility of the private
ensures a living condition, with infrastructure company (Folha de S.Paulo, 2013).
and access to collective equipment, contrary CTA's balance sheet of expenses and
to the segregation pattern imposed (Moura, revenues shows profits ranging from about
2014), which resembles a prison with invisible BRL 950,000 in 2006 to about BRL 1.66 million
cells and walls, whose oversight is given by in 2010. As of 2011, however, the company
access or lack thereof to the rest of the city incurred losses, reaching almost BRL 18 million
and to urban equipment and services. in 2016 (CTA, 2021b). In a regular session of
the City Council, the Movimento Transporte
Justo (Fair Transport Movement) questioned
The public transport the sharp drop in profits and pointed out that
the CTA's main problems were the coexistence
opera on concession with Paraty, a company that holds a monopoly
in Araraquara – SP in the northern part of the city and which
was allowed to operate some of the most
As presented above, the emptying of the State profitable lines of the CTA; political decisions
process regarding the public transportation that favored the private company, such as
in Araraquara went through several stages. the chartering of school transportation,
The first was the permission, from the 1980s, responsible for a monthly budget of about
of private companies – Viação Paraty – to BRL 1 million, which could be carried out by
operate with diesel vehicles, driven by the the CTA; and the amendment in the contract
justification of urban sprawl, concomitant with Paraty, which transfers to the private
with the operation of trolleybuses. Then, concessionaire the monopoly that the CTA
it was the change in the energy matrix of had to sell transportation tickets. According to
the CTA itself, which was once a company the movement, in order to recover the CTA it
of national reference and whose scrapping would be necessary to review the distribution
process dragged on for years; followed by contracts of the lines between CTA and Paraty,
greater permissions to the Paraty company transfer the school transport chartering to the
to operate in the city. A company whose CTA, and create a Municipal Transportation
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 565
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Fund to subsidize the CTA, ensuring that 2016c). It is worth remembering that the
the public company would emerge from the largest percentage of shares remained with
financial crisis and could fulfill the goal of unknown ownership and were incorporated
safeguarding citizens’ rights to the city (Câmara by the city government in 2006 and the rest
Municipal de Araraquara, 2014). was under the control of large landowners
Note, therefore, that the extinction and councilors who accumulated them by
of the CTA and the subsequent privatization acquisition at derisory prices. In 2017, the
of the public transportation system did not company had accumulated a debt of BRL 38.9
happen amidst a lack of alternatives. Nor million (Araraquara City Council, 2017) and is
was it a process without social repercussion. currently still in liquidation (CTA, 2021b).
Several demonstrations by employees, The data of passengers carried (Figure
students, and social movements occurred 7) shows the downward trend, which is
against the extinction of the company and the considered a pattern in Brazilian cities. With
privatization of the system (G1 São Carlos and the privatization of the services, there is
Araraquara, 2013 and 2014). However, despite an increase in the number of passengers
the resistance, in 2016, the concession was in 2017. However, already in 2018, the
signed for a term of 20 years – extendable for numbers sharply fall, possibly because of the
an equal period, provided that in agreement beginning of ridesourcing services operation
with the concessionaire – of the provision and in the city. In 2019, the volume of passengers
operation of urban public transport services carried was the lowest since 2006, except for
(Araraquara, 2016b). the year 2020, which, due to the Covid-19
Following the signing of the concession pandemic, had an even greater reduction.
contract, the extinction of the Companhia Data for 2016 is not fully available, possibly
Troleibus Araraquara is materialized by because it is the transition year of the
municipal law n. 8.667, of March 2, 2016. After operation of the services.
the company's liquidation, all movable and F i n a l l y, s o m e p o i n t s s h o u l d b e
immovable assets will belong to the Araraquara emphasized regarding the concession contract
City Hall, which will also take over any existing itself. First, it is stipulated that the provision
CTA contracts, including public transportation of services should be carried out at the risk
concessions (the concession is regulated by of the concessionaire, upon remuneration
the new CTA – Transport Controllership of that includes all investments, inputs and
Araraquara). It is foreseen that, at the end of expenses necessary to fulfill the expected
the liquidation, the municipality will pay the operating obligations, such as materials,
shareholders the capital each one is entitled labor, services, fees, taxes, labor and social
to for the shares they own, delivering for charges, electric power, water supply, fuel
this payment municipal public debt bonds consumption, consumption of other materials
plus interest of 12% (twelve percent) per and services and administrative expenses. This
year. If negative equity is determined, the remuneration is called fair if it meets, among
municipality will bear the loss (Araraquara, others, the following costs: 1) operation costs;
2) depreciation costs on all assets involved in municipality of Araraquara have any intention
providing the services; 3) remuneration for of granting subsidies. The remuneration,
all capital employed for the execution of the therefore, occurs only from the collection of
services, directly or indirectly, such as, for public fare (Araraquara, 2016b).
example: garages and their improvements, T h e i d eo l o g i ca l im p o s i t i o n m ay
fleet, machines, installations, tools, equipment make this form of service provision seems
and warehouse. logical, but, at the root, the population of
Finally, it is pointed out that all assets a city is paying for all the capital invested
necessary for the provision of services, as via fares, without ultimately owning the
well as those incorporated during contractual goods acquired at their expense. In the case
execution, are not linked to the concession. of the citizens of Araraquara, this is the
Therefore, there will be no reversible assets second time this happens: the population
deriving from the concession. The contract financed the trolleybus system, which was
also clarifies that neither the grantor3 nor the scrapped so that a new and more aggressive
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 567
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
process of spoliation could take place, this unprecedented pandemic to reduce the loss
time via privatization and concession of of revenue (ibid.). Also, from January/2020
transportation services. to March/2021, 76,757 jobs were lost in the
entire urban public passenger transportation
sector, besides the delay of salaries and
benefits, suspension of labor contracts and
The return to the State reduction of working hours (Lima, Carvalho
in mes of crisis and Figueiredo, 2020; NTU, 2021b).
In addition, several companies and
The failure of the liberal and neoliberal consortia interrupted the provision of services,
model occurs mainly in times of crisis. It is due to: 1) suspension of activities because of
in this situation that companies – including the inability to comply with the payment of
public transportation ones – whose common salaries or the purchase of fuel, for example; 2)
discourse is competitiveness and free-market, definitive closure of activities; 3) intervention
turn to the State for help (Carcanholo, 2017). in the operation, with the public authority
In 2020, the world was ravaged by the assuming the responsibilities of administration
pandemic caused by SARS-CoV-2 and, among and operation of the company; or 4) contract
the main health control measures, was social suspension (NTU, 2021b). Finally, we present
distancing, a measure that goes against the two cases in which there was intervention by
concept of public transport. The continuity public authorities for the maintenance of public
of the state of sanitary calamity provoked an transportation services. In Rio de Janeiro, Detro-
unprecedented fall in the demand for this -RJ (department that regulates transportation
mode of transportation. Borchers, Ferreira and in the state) intervened in the services of the
Ribeiro (2021), in a study of Brazilian capitals, bus company Alto Minho Ltda., which operated
show that besides the discontinuity of bus and intercity lines from Nova Iguaçu – RJ. In Salvador
subway use during the pandemic, there is the – BA, the Salvador Norte Concessionaire (CSN)
possibility of this behavior extending to the sued the Salvador city hall and requested
post-pandemic, without the demand returning intervention in the operation, alleging that
to pre-Covid-19 levels. the city hall had not been complying with
The neoliberal model of public transport the obligations of economic and financial
operation in vogue in Brazil has presented rebalancing of the contract. The municipality
two major lines of collapse: operational took over the operation until September 2021,
and financial. Different from the worldwide when CSN's lines were transferred to other
recommendation, instead of increasing fleets concessionaires operating in the city (NTU,
and decreasing the amount of passengers 2021b; Salvador, 2021).
carried, the opposite occurred in Brazil. The Given the scenario of accumulated
recommendations were not followed, and losses of about BRL 14.2 billion in the bus
there were agglomerations in terminals, systems, the solution found by the companies
bus stops and in the vehicles. It was actively was to resort to the government to reduce
chosen to crowd people in the middle of an the losses. Until then disesteemed, subsidies
started to be accepted by several operators. cities, among which Belo Horizonte – MG,
They also welcomed tax exemptions (NTU, Curitiba – PR and Salvador – BA carried out the
2021a). Among the proposals advocated by the advance purchase of tickets (Lima, Carvalho
companies are the aid and emergency relief and Figueiredo, 2020; NTU, 2021a).
and also "a new financing model for public In Araraquara, there was a reduction
transportation systems, to ensure the quality in the fleet and lines in operation from 38,
that society demands" (NTU, 2021d). The in 2019, to 30 in 2020 and 2021. According
requested emergency aid was of BRL 5 billion to what was pointed out, the change was
per year to subsidize the system's gratuities. possible with the logistical realignment of the
Felicio Ramuth, vice-president of Urban lines (Câmara Municipal de Araraquara, 2021).
Mobility of the Frente Nacional de Prefeitos Public transport users, however, complained
(FNP) (National Front of Mayors), said that about crowding at the Central Integration
"the aid is not for the companies, but for the Terminal (TCI) and the delay of buses in some
people who need it most (the passengers). It lines (G1 São Carlos and Araraquara, 2021).
is of great social importance" (ibid.). Curiously, The p ublic transp ortation c risis,
people will be "benefited" via companies, the aggravated by the Covid-19 pandemic, is facing
same ones that reduced operations and caused an impasse: while the importance of public
crowding during a pandemic. The restructuring transportation is perceived, a structural flaw
of the service, not only from the financial of the neoliberal model is exposed. There
point of view but also in the regulation of is not a way to keep the systems operating
contracts and the creation of a new regulatory in this model during a crisis. Otávio Cunha,
framework, was also discussed. There was president of the National Association of Urban
also the bill n. 3.364/2020, which provided Transportation Companies – NTU, states
aid of BRL 4 billion for this segment, but it was that "the service is on the verge of collapse
vetoed (NTU, 2021c and 2021d). all over the country" and, further, that "our
Besides federal funding attempts, the expectation is that the Federal Government
operators also sought the municipalities, in takes a proactive role in this process and
order to minimize the losses faced. Among actually assumes the role of guardian of the
the main measures offered were the transfer National Policy of Urban Mobility" (NTU,
of subsidies to operators, tax exemptions, 2021c and 2021d). After all, if the State is the
and early purchases of ticket credits. In guarantor-regulator of private initiative in the
relation to subsidies, the cities of São Paulo – neoliberal development model, nothing more
SP, Curitiba – PR and Brasília – DF stand out, logical than resorting to it in times of crisis
but the measure was adopted in about 26 (Carcanholo, 2017), that is, appropriation of
municipalities. Tax exemptions were applied in profit, socialization of losses. As long as there
Joinville – SC, Pelotas – RS and Natal – RN. In is profit, free-market; when there is loss, State
addition, the Rio Grande do Norte (RN) state intervention and division of losses with society.
government reduced by 50% the ICMS (Tax on At no point in time is the privatized
Circulation of Goods and Services) tax rate on operating model questioned. When talks
diesel and biodiesel for bus companies. Nine occurs about restructuring, it is only about
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 569
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
the way of financing it, so that in the event transport (Ipea, 2016). It is possible to go
of a new crisis, revenues are guaranteed. The further, as shown by the cities of Tallinn in
model does not offer any security: neither Estonia, Maricá – RJ, and Caucaia – CE, and
for the population, nor for the jobs in the institute free pass policies to ensure the
sector. If there will be public financing for right to transportation for all citizens of the
public transportation and there is a need for municipality (Caucaia, 2021; Santini, 2019).
restructuring, as the business owners claim,
we must go beyond what the neoliberal
ideology would have us believe. It is necessary
to establish new alternatives. In this context,
Final considera ons
some questions must be raised. Is it possible
to rebuild public systems? Is it possible, in a This study sought to make an analysis of the
scenario where this alternative is impossible, evolution of public transportation systems in
to have less predatory models for financing the city of Araraquara – SP, pointing out the
public transport? relationships between urban development and
One possible way for the municipal changes in the city's public transport system,
government to take control over private in addition to the role of local government
providers is the "municipalization" model in the process of speculation and real estate
instituted in São Paulo – SP, in which fare valorization in the context of a neoliberal logic
revenue was collected by the government of urban development.
and the companies were paid based on the For many years, the trolleybuses
service provided, measured by the number contained the expansion of the city. However,
of kilometers provided (and not by the fares the sprawling urban development guided the
collected from users). 4 In the case of São operation of the public transportation system
Paulo – SP, once meeting the scheduled by buses, resulting in the incorporation of
mileage, the companies received 80% of the diesel vehicles. Therefore, comes to fruition,
amount agreed with the municipality, with an urban model that "makes it unfeasible" to
the payment of the remaining 20% linked to maintain public transportation services, given
the number of passengers carried, a strategy the constant need for expansion to serve the
designed to prevent operators from making most peripheral areas. It is this argument,
trips with empty vehicles (Gregori et al., 2020; belonging to the fallacies of neoliberal logic,
Gomide and Galindo, 2013). At the current which leads to the extinction of the Companhia
technological level, the monitoring of the Troleibus Araraquara (Araraquara Trolleybus
trips made, the timetable and the number of Company) in 2016 – after a long period of
passengers carried could be done through GPS dismantling – and the concession of the public
and electronic ticketing systems (Gregori et transport system. The promised improvement
al., 2020). In cities such as Munich, Germany, appears only in the first year after the bidding,
the existence of a single municipal services when the number of passengers carried had
company allows profits from electricity, gas, a large increase. However, already in 2018,
and water systems to be transferred to public this number drops, possibly because of the
[I] https://orcid.org/0000-0002-0186-6661
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
tati.borchers@protonmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-7834-7675
Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de
Engenharia Civil, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. São Carlos, SP/Brasil.
figueiroa@protonmail.com
Transla on: this ar cle was translated from Portuguese into English by the authors themselves.
Acknowledgments
This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (Capes) – Finance Code 001.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 571
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
Notes
(1) The survey of bus routes took place in January 2020 and therefore presents the configura on of
the transporta on system in the pre-Covid-19 pandemic period.
(2) A en on is drawn here to the fact that the agency created in 2016 to oversee public transporta on
services – CTA (Controladoria do Transporte de Araraquara) – keeps the same acronym as CTA
(Companhia Tróleibus Araraquara), which is currently in the process of liquida on.
(3) Companhia Troleibus Araraquara – CTA is the grantor of the contract. With the extinction of
the company, the current contracts were taken over by the Araraquara City Hall through the
Controladoria do Transporte de Araraquara – CTA.
(4) The kilometers-based payment system was instituted in 1992, under Luiza Erundina's
administration. After the change in administration, in 1993, the privatization process of
the CMTC (Municipal Collective Transportation Company) was initiated, and the logic of
remunera on of the bus companies was changed over the years un l it returned to payment
per passenger carried in 2003.
Referências
ARAGÃO, J. J. G. (1998). Compe ção e propriedade em transporte público. Revista dos Transportes
Públicos – ANTP, ano 20, 3º semestre.
______ (1979). Lei ordinária n. 2.467, de 11 de junho de 1979. Dispõe sobre loteamentos,
desmembramentos e arruamentos, alterando o Título V, da lei municipal n. 1794, de 26/7/1971.
Disponível em: https://www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/2467.
Acesso em: 9 jul 2021.
______ (2005). Lei complementar n. 350, de 27 de dezembro de 2005. Ins tui o Plano Diretor de
Desenvolvimento e Política Urbana e Ambiental de Araraquara e dá outras providências.
Disponível em: h ps://www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisComplementares/350.
Acesso em: 9 jul 2021.
______ (2008a). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato STM n. 1497/2007. Plano diretor de
transportes e mobilidade urbana de Araraquara; Produto P-3: Caracterização da situação atual e
diagnós co. Sistran Engenharia.
______ (2008b). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato n. 014/2008. Contrato de prestação
de serviço de transporte público cole vo de passageiros por ônibus para um lote de 7 (sete)
linhas rurais e urbanas, com 25 (vinte e cinco) ônibus no município de Araraquara. Disponível em:
h p://www.ctaonline.com.br/index.php/concessao.html. Acesso em: 26 jul 2021.
______ (2016b). CTA – Companhia Trólebus Araraquara, Contrato n. 111/2016. Outorga de concessão
onerosa do segundo lote de serviço de transporte cole vo de passageiros do município de
Araraquara. Disponível em: h p://www.ctaonline.com.br/index.php/licitacoes2.html. Acesso
em: 28 jul 2021.
______ (2016c). Lei ordinária n. 8.667, de 2 de março de 2016. Autoriza a ex nção da CTA – Companhia
Troleibus Araraquara e dá outras providências. Disponível em: h ps://www.legislacaodigital.
com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/8667. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2016d). Lei ordinária n. 8.680, de 23 de março de 2016. Autoriza a criação da CTA –
Controladoria do Transporte de Araraquara e dá outras providências. Disponível em: h ps://
www.legislacaodigital.com.br/Araraquara-SP/LeisOrdinarias/8680. Acesso em: 9 jul 2021.
BALESTRINI, M. (2016). O programa minha casa minha vida e o marco regulatório urbanís co do
munícipio: o caso de Araraquara. Dissertação de metrado. São Carlos, Departamento de
Engenharia Civil, UFSCar.
BORCHERS, T.; FERREIRA, V. G. F.; RIBEIRO, R. A. (2021). Percep on of public transport in Brazilian
capitals in the COVID-19 pandemic. Periódico Eletrônico Fórum Ambiental da Alta Paulista,
v. 17, n. 1.
BRASIL (2001). Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Cons tuição
Federal, estabelece diretrizes gerais da polí ca urbana e dá outras providências. Disponível em:
h p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 9 jul 2021.
CÂMARA MUNICIPAL DE ARARAQUARA (2014). Movimento Transporte Justo é contra a priva zação
da CTA. Disponível em: h ps://camara-arq.sp.gov.br/no cias/movimento-transporte-justo-e-
contra-a-priva zacao-da-cta,25-06-2014. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2017). Prefeitura apresenta situação financeira aos vereadores. Disponível em: h ps://www.
camara-arq.sp.gov.br/no cias/prefeitura-apresenta-situacao-financeira-aos-vereadores,16-11-
2017?ver=212. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2021). Média de passageiros transportados nos ônibus diminuiu 68,3% durante pandemia.
Disponível em: https://www.camara-arq.sp.gov.br/noticias/media-de-passageiros-
transportados-nos-onibus-diminuiu-683-durante-pandemia,07-04-2021. Acesso em: 29 jul 2021.
CARCANHOLO, M. D. (2017). Marx(ism) and public debt: Thoughts on the poli cal economy of public
debt. Cri que, v. 45, n. 3, pp. 303-317.
CERVERO, R.; DAI, D. (2014). BRT TOD: Leveraging transit-oriented development with bus rapid transit
investments. Transport Policy, v. 36, pp. 127-138.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 573
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
CINTRÃO, J. F. F.; ALVES, E. R. M.; DA LUZ, A.; SOFFNER, A. B.; CINTRÃO, C. F. (2017). O sistema trólebus
de Araraquara–SP: memória e história do transporte cole vo no período de 1959 a 1999. Revista
Brasileira Mul disciplinar, v. 20, n. 1, pp. 19-34.
CAT – CONSÓRCIO ARARAQUARA DE TRANSPORTES (2020). Linhas e horários. Disponível em: h p://
novocardararaquara.com.br/linhas-e-horarios/. Acesso em: 27 jan 2020.
______ (2021c). Total de Passageiros Transportados 2017, 2018, 2019 e 2020. Disponível em: h p://
www.ctaonline.com.br/index.php/passageiros-cat.html. Acesso em: 26 jul 2021.
DAVISON, L. J.; KNOWLES, R. D. (2006). Bus quality partnerships, modal shi and traffic deconges on.
Journal of Transport Geography, v. 14, n. 3, pp. 177-194.
FERREIRA, E. R. (1995). Trolebus, espaço e sociedade. Tese de doutorado. São Carlos, Universidade
de São Paulo.
FOLHA DE S.PAULO (2013). Promotoria apura alterações feitas em contrato do transporte em Araraquara.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/ribeiraopreto/2013/12/1382134-
promotoria-apura-alteracoes-feitas-em-contrato-do-transporte-em-araraquara.shtml. Acesso
em: 28 jul 2021.
G1 São Carlos e Araraquara (2013). Manifestação de 4 horas reúne mais de 5 mil pessoas em Araraquara,
SP. Disponível em: h p://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/no cia/2013/06/manifestacao-de-
4-horas-reune-mais-de-5-mil-pessoas-em-araraquara-sp.html. Acesso em: 28 jul 2021.
______ (2014). Protesto contra priva zação da CTA reúne 100 pessoas em Araraquara, SP. Disponível
em: h p://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/no cia/2014/05/protesto-contra-priva zacao-
da-cta-reune-100-pessoas-em-araraquara-sp.html. Acesso em: 28 jul 2021.
GOMIDE, A. D. A.; GALINDO, E. P. (2013). A mobilidade urbana: uma agenda inconclusa ou o retorno
daquilo que não foi. Estudos avançados, v. 27, pp. 27-39.
GREGORI, L.; WHITAKER, C.; VAROLI, J. J.; ZILBOVICIUS, M.; GREGORI, M. S. (2020). A cidade sem
catracas: história e significados da tarifa zero. São Paulo, Autonomia Literária.
GROSSI, G.; PIANEZZI, D. (2017). Smart ci es: Utopia or neoliberal ideology? Ci es, v. 69, pp. 79-85.
HADDAD, E. A.; HEWINGS, G. J.; PORSSE, A. A.; VAN LEEUWEN, E. S.; VIEIRA, R. S. (2015). The
underground economy: tracking the higher-order economic impacts of the São Paulo subway
system. Transporta on Research Part A: Policy and Prac ce, v. 73, pp. 18-30.
IBGE – Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca (2021). Panorama sobre o município de Araraquara.
Rio de Janeiro, IBGE. Disponível em: h ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/araraquara/panorama.
Acesso em: 9 jul 2021.
IPEA – Ins tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (2016). Transformações e tendências recentes na
regulação dos serviços de ônibus urbano no Brasil (n. 2187). Texto para Discussão. Ipea, DF/
Ministério da Economia.
______ (2021). Novo modelo de contrato de mobilidade urbana: como gerar receita, aumentar uso e
reduzir custos de transporte público urbano. Ipea, DF/Ministério da Economia.
KOOIMAN, J. (2008). Exploring the Concept of Governability. Journal of Compara ve Policy Analysis:
Research and Prac ce, v. 10, n. 2, pp. 171-190.
LEAL, S. R. (2017). A retração da acumulação urbana nas cidades brasileiras: a crise do Estado diante
da crise do mercado. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 19, pp. 537-555.
MARICATO, E. (2000). As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil.
A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
______ (2015). Para entender a crise urbana. São Paulo, Expressão Popular.
MARINETTO, M. (2003). Governing beyond the centre: A cri que of the Anglo-Governance School.
Poli cal Studies, v. 51, n. 3, pp. 529-608.
MARX, K. (2014). O capital: crí ca da economia polí ca, Livro II: O processo de circulação do capital.
São Paulo, Boitempo Editorial.
MOURA, J. M. D. (2014). O Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal: uma
análise espacial dos padrões de segregação e desterritorialização. Urbe. Revista Brasileira de
Gestão Urbana, v. 6, n. 3, pp. 339-359.
NTU (org.) (2021a). Bole m NTU – Impactos da COVID-19 no transporte público por ônibus. NTU –
Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.
org.br/novo/upload/Publicacao/Pub637523537674807205.pdf. Acesso em: 14 maio 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 549-576, maio/ago 2022 575
Tatiane Borchers, Victor Garcia Figueirôa-Ferreira
NTU (org.) (2021b). Impactos no transporte público por ônibus provocados pela pandemia da COVID-19:
análise do cenário nacional (março/2020 a abril/2021). NTU – Associação Nacional das Empresas
de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.org.br/novo/ckfinder/userfiles/files/
NTU-Impactos%20Covid%20no%20TP_Mar%2020-Abr%2021%20(tab%20e%20graf)%20v1_4-1.
pdf. Acesso em: 29 jul 2021.
______ (2021c). Prefeitos apoiam auxílio emergencial e reestruturação do transporte público. NTU –
Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.
org.br/novo/No ciaCompleta.aspx?idArea=10&idSegundoNivel=106&idNo cia=1498. Acesso
em: 29 jul 2021.
______ (2021d). Transporte público precisa de socorro financeiro e reestruturação. NTU – Associação
Nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Disponível em: h ps://www.ntu.org.br/novo/
NoticiaCompleta.aspx?idArea=10&idSegundoNivel=106&idNoticia=1498. Acesso em: 29 jul
2021.
QGIS Development Team (2021). QGIS Geographic Informa on System. Version 3.4.8-Madeira. Open-
Source Geospa al Founda on Project. Disponível em: h p://qgis.osgeo.org. Acesso em: 29 jul
2021.
______ (2007). Understanding governance: ten years on. Organiza on Studies, v. 28, n. 8, pp. 1243-1264.
SALVADOR, PREFEITURA MUNICIPAL (2021). Linhas de ônibus de Salvador serão redistribuídas entre
empresas. Disponível em: h p://www.comunicacao.salvador.ba.gov.br/index.php/todas-as-
noticias/59333-linhas-de-onibus-de-salvador-serao-redistribuidas-entre-empresas-ate-esta-
quinta-30. Acesso em: 17 dez 2021.
SANTINI, D. (2019). Passe livre: as possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização. São
Paulo, Autonomia Literária.
SANTOS, G.; BEHRENDT, H.; TEYTELBOYM, A. (2010). Part II: Policy instruments for sustainable road
transport. Research in transporta on economics, v. 28, n. 1, pp. 46-91.
THEODORE, N.; PECK, J.; BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudad y el imperio de los
mercados. Temas sociales, v. 66, pp. 1-11.
Resumo Abstract
O presente ar go visa compreender a subje vidade This ar cle aims to understand the subjec vity of
do trabalhador shopper, avançando na análise da the shopper worker, analyzing uberization in the
uberização no cenário brasileiro e dos impactos do Brazilian scenario and the impacts of neoliberalism
neoliberalismo no tecido social e urbano. Observa- on the social and urban reality. We investigated
mos como os shoppers descrevem suas a vidades, how shoppers describe their activities, what
quais relações estabelecem com as plataformas e relationships they establish with platforms and
colegas e de que forma manifestam sua iden da- colleagues, and how they manifest their iden ty.
de. Para tanto, analisamos dois trabalhadores que To achieve this, we analyzed two workers who
narram questões sobre esse tipo de trabalho em talk about this type of work on YouTube channels.
canais do YouTube. As conclusões sinalizam que as The conclusions point out that the uncertainties
incertezas vivenciadas nesse contexto se conver- experienced in this context are converted into
tem em indefinições quanto às suas identidades uncertainties regarding their professional
profissionais, que se somam a um contexto urbano identities, which are added to an urban context
dominado pela falta de proteção de milhões de tra- dominated by lack of protection of millions of
balhadores, por vezes vistos a si mesmos como em- workers, who are some mes seen as entrepreneurs
preendedores de suas próprias vidas que buscam of their own lives seeking to build alterna ves of
construir alterna vas de renda e trabalho. income and work.
Palavras-chave: neoliberalismo; shopper; uberiza- Keywords: neoliberalism; shopper; uberization;
ção; informalidade. informality.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5406 Crea ve Commons Atribu on
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
578 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 579
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
580 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 581
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
invés daquelas de compra e venda. Com isso, dependente de uma vinculação do Estado aos
reside na posse de si a ideia de propriedade pressupostos do mercado, este em constante e
que ainda é tão cara ao sistema capitalista. É acelerada modificação.
aqui que podemos pensar no empreendedo- As maneiras com que bens e serviços são
rismo, como pautou López-Ruiz (2007), como circulados também sofrem alterações estru-
um valor social a ser cultivado nas práticas do turais, influenciadas e sendo parte, por certo,
cotidiano. Estamos nos referindo aos empre- das modificações aqui já notadas entre indiví-
sários ou empreendedores de si mesmos que duos e instituições. Um exemplo dessa relação
tanto ganham terreno no mundo do trabalho é o incentivo a uma economia do comparti-
contemporâneo, marcado pela desregulamen- lhamento incentivada pela noção de que “tu-
tação das profissões e do próprio mercado de do pertence a todos” ou “o que é meu é seu”
trabalho, colocando desafios para a dinâmica (Zanatta, 2016, p. 22). Scholz (2016) demons-
da vida urbana. tra que a economia baseada no compartilha-
Outras mudanças também se fazem pre- mento de bens e serviços, ao invés da posse
sentes com o advento neoliberal. Para além da privada deles, apesar de oferecer mais alterna-
alteração nas formas de pensar e conduzir as tivas para a obtenção de renda, estende mer-
vidas e os rumos profissionais dos indivíduos, cados livres desregulados a áreas até então es-
as instituições são profundamente modifica- sencialmente privadas de nossas vidas. Assim,
das a partir do neoliberalismo. O Estado torna- as grandes empresas do chamado capitalismo
-se, ao mesmo tempo, alvo e agente dessas de plataforma dependem de nossos carros,
transformações. Como pautam Cruz e Fonseca apartamentos, emoções e, principalmente, de
(2018), os programas e projetos governamen- nosso tempo, para crescerem, sendo apenas
tais, sob o que chamaram de ideais ultralibe- intermediadoras logísticas em que os bens re-
rais, constroem-se a partir de uma precedên- lacionados são, nesse caso, os indivíduos.
cia da esfera privada sobre a esfera pública, O conceito de capitalismo de platafor-
exemplificada em propostas como a desesta- ma, originalmente criado por Nick Srnicek,
tização na economia, a desproteção dos capi- buscou referenciar uma nova etapa da eco-
tais nacionais, o desmantelamento do Estado nomia global baseada em empresas de tec-
social – aspecto notado também em Fonseca nologia que centram seu foco na exploração
(2019) – e “uma desregulação e desregula- econômica dos dados: as plataformas, como
mentação da produção, da circulação dos bens a Cornershop, que aqui será esmiuçada. Es-
e serviços, do mercado financeiro, das relações sas plataformas passam a organizar os mer-
de trabalho e de todas as formas de mercado, cados, mediando a infraestrutura entre dife-
entre as quais o imobiliário” (Cruz e Fonseca, rentes grupos e, ao definir “as regras do jogo”,
2018, p. 556; grifos nossos). Assim, essa desre- também ditam como as demais empresas se
gulamentação se faz sentir, por sua vez, no te- estruturam dali em diante, havendo pouca
cido social urbano e na gestão de grandes me- margem de manobra (Srnicek, 2017). Scholz
trópoles, uma vez que a organização do espaço (2016, p. 18) denominou “uma armadilha
e dos múltiplos interesses econômicos estaria precária de salários baixos” a economia do
582 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
compartilhamento propalada pelas platafor- a barreira do sul global e ensejando uma no-
mas. Ao igualar trabalhadores e consumidores va forma de gestão e controle. O conceito de
como ambos sendo usuários dos aplicativos uberização é compreendido, dessa maneira,
oferecidos por essas plataformas, há uma dua- enquanto um amplo e generalizado processo
lidade dessa relação. Se, por um lado, trata-se de informalização do trabalho, o que provoca
de ter novas oportunidades econômicas, por alterações na forma como a própria informali-
outro, os usuários trabalhadores que fornecem dade é concebida, pois a uberização, segundo
os bens e serviços aos usuários consumidores Abílio (2020), engloba processos de desre-
são por estes gerenciados, com a prerrogativa gulamentação estatal e a extinção de meca-
de punir ou, mesmo, demitir a pessoa que está nismos de controle das relações de trabalho,
prestando determinado serviço. É aqui que po- legitimando e tornando banal a transferência
demos falar da uberização como conceito que de custos e riscos ao próprio trabalhador. Esse
sintetiza os efeitos desse modelo econômico processo se dá, entre outros aspectos, a par-
para a organização social. Slee (2017) analisa tir da conversão de trabalhadores em profis-
esse movimento como algo que despontou sionais autônomos, que se autogerenciam e
enquanto inovador, parte de um apelo susten- estão sempre disponíveis para uma multidão
tável e comunitário, e, ao fim, tornou-se um de consumidores. Nesse sentido, a subjetivi-
espaço desregulado e controlado por grandes dade do trabalhador na uberização é alterada
empresas. Estas acabaram por promover uma de maneira profunda, uma vez que aspectos
nova onda de precarização do trabalho. relacionados à sua identificação em relação às
Abílio (2019 e 2020) desenvolve esse atividades que desempenha são suprimidos.
cenário explorando o que chamou de era do Assim, emerge o conceito de trabalho amador
“trabalhador just in time” para descrever o enquanto algo que é temporário, mesmo que
que compreende como uberização. O argu- se coloque de modo permanente, pois não há
mento da autora, após estudar revendedoras definições de atividades, horários e espaços
de cosméticos e entregadores motociclistas, é de trabalho, assim como planejamentos a lon-
de que as formas de exploração do trabalho go prazo para a ocupação são impossíveis de
na periferia, que antes tinham um papel se- serem traçados (ibid.).
cundário ou marginal na explicação do modo Um elemento importante da uberização
de produção do capitalismo, agora desempe- definida por Abílio (2019 e 2020) é o fato de
nham papel central para explicar a dinâmi- que, embora ela tome proporções inéditas e
ca econômica global. Importante notar que enseje formas novas de regulação e contro-
elementos bastante presentes na realidade le, as incertezas e a flexibilidade propiciadas
histórica do mercado laboral brasileiro, como por esse modelo não são questões inéditas
a indefinição sobre o que é considerado tem- no horizonte da classe trabalhadora brasilei-
po de trabalho ou não, as confusões sobre o ra. O trabalho de Machado da Silva (2018) e
que deve ser remunerado, quais são os espa- a construção positiva (no sentido de buscar
ços domésticos e espaços de trabalho, todos uma afirmação ao invés de negar o seu opos-
eles são aprofundados num modelo flexível to) do que considera como estratégias de vida
que alcança níveis mundiais, ultrapassando e sobrevivência elucidam que, ao contrário
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 583
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
584 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 585
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
pela plataforma, ou emite um Recibo de Paga- Em suma, observa-se uma relação pro-
mento Autônomo (RPA). O pagamento ocorre fissional que emula certos elementos de uma
sempre às sextas-feiras e se refere aos ganhos relação empregatícia: benefícios para o funcio-
da semana anterior. nário, programa de incentivos e bonificações e
Assim como em outras plataformas, cobertura médica. No entanto, esses elemen-
há incentivos e promoções que a empresa tos são efêmeros e insuficientes para represen-
Cornershop destina para regular a oferta e a tar uma real segurança e estabilidade ao traba-
demanda e para cobrir determinadas regiões. lhador. O benefício de ter uma compra sema-
Estes produzem impactos psicológicos e na to- nal apenas realça a vinculação do indivíduo à
mada de decisões dos shoppers, seja impulsio- plataforma em que atua, colocando-o, ainda
nando o surgimento de pessoas interessadas, que uma única vez na semana, na posição de
seja incentivando cargas maiores de trabalho e consumidor, que, por sua vez, irá avaliar e jul-
expedientes prolongados. gar o serviço de outro trabalhador. A cobertura
A seção de “Benefícios” das Perguntas médica fornecida ocorre apenas durante o pe-
Frequentes na aba “Seja um shopper”, do site ríodo de atendimento do pedido, sendo invá-
da Cornershop9 é bastante elucidativa da rela- lida para momentos em que o shopper esteja,
ção profissional estabelecida entre trabalha- por exemplo, conectado ao aplicativo, mas não
dor e empresa. Há a menção sobre um seguro esteja atendendo ninguém. Da mesma manei-
para shoppers, que se aplica apenas durante ra, o trajeto de sua casa até o supermercado,
o período de realização do pedido. Ele cobre e vice-e-versa, não possui nenhuma segurança
morte acidental, invalidez permanente total por parte da empresa, assim como as compras
ou parcial por acidente, despesas médicas, e os veículos envolvidos em eventuais aciden-
hospitalares e odontológicas e diária por in- tes não estão inclusos no seguro fornecido.
ternação hospitalar por acidente. Esse seguro, Por fim, o sistema de premiação
importante notar, surgiu apenas no começo “Shopper 5 estrelas” associa a avaliação do
de 2021. Não conseguimos rastrear se havia trabalhador ao consumidor, que não possui
agentes responsáveis por exercer essa pressão qualquer compromisso com essa tarefa e pode
junto à empresa ou se foi uma ação tomada variar nos níveis de exigência e parâmetros de
diretamente, possivelmente para equiparar qualidade. São, portanto, elementos caracterís-
os tipos de seguros já previstos no transporte ticos do trabalho por aplicativos e do capitalis-
de passageiros. Surgiu, também mais recente- mo de plataforma atualmente vigente, mesmo
mente, a possibilidade de gorjetas por parte que busquem aspectos que transmitam maior
dos consumidores, repassadas integralmente sensação de acolhimento do trabalhador, como
ao shopper. Este também possui o benefício os benefícios e premiações, possivelmente para
de uma entrega grátis por semana para usu- se adequar a uma sociedade marcada ainda pe-
fruir da plataforma como consumidor. E ainda lo horizonte do assalariamento e da segurança
há um sistema de incentivo preestabelecido, o por ele proporcionada. Nesse sentido, as me-
“Shopper 5 estrelas”, que “busca reconhecer didas tomadas não se colocam através de uma
os Shoppers que têm um ótimo atendimento iniciativa marcante de regulamentação dessa
e uma excelente parceria com a Cornershop”.10 atividade profissional que exija parâmetros
586 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 587
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
588 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Marcelo em frente a um veículo e o seguinte que, antes do trabalho por aplicativos, Marce-
texto na imagem: “Método Motorista Fora da lo foi vendedor de uma loja de esportes, no
Curva: rode utilizando as melhores estraté- formato de carteira assinada, e que também
gias a seu favor, conquiste as melhores notas atuou no ramo da venda de carros, no qual diz
e fature muito mais do que você imagina!”. Os não ter obtido sucesso.16
logos das plataformas Uber, 99 e Cabify tam- Até aqui, todos os elementos mobiliza-
bém são exibidos, bem como hiperlinks para dos nos levam a pensar que Marcelo apenas
acessar as páginas de Marcelo no Instagram e trabalha no transporte de passageiros, mani-
no Facebook.13 festando sua identidade profissional como um
Percebemos, portanto, que Marcelo trabalhador que é somente uber. No entanto,
criou uma espécie de metodologia de traba- um exame das playlists existentes no seu canal
lho, o Método “Fora da Curva”, que ajudasse revela uma especificamente dedicada ao tema
os motoristas a terem maiores rendimentos “Cornershop”. Essa playlist contém 124 vídeos.
e boas avaliações, numa espécie de “otimi- As demais playlists, que, de certa maneira, or-
zação” do esforço empregado. Como o foco ganizam as atividades representadas por Mar-
deste artigo é sobre o trabalho como shopper, celo, estão no Quadro 1, elencadas da mais
não examinaremos como essa metodologia é antiga para a mais recente.
desenhada e aplicada. Porém, vale notar uma De certo modo, a associação de Mar-
menção que faz Marcelo de um curso com celo como um uber e não um shopper advém
“aulas dinâmicas e diretas com exemplos práti- da maneira como as atividades da Cornershop
cos para auxiliar VOCÊ a ganhar mais dinheiro adentraram na sociedade brasileira. No con-
como motorista de aplicativo”. Essa menção texto de início da pandemia do novo corona-
é encontrada em sua página de Facebook, na vírus, em que houve uma queda significativa
qual há um link que, em teoria, remeteria ao do número de corridas no transporte de passa-
curso, mas que, quando clicamos, a página pa- geiros, por muitas pessoas terem adotado me-
rece já estar fora do ar.14 didas de isolamento social, tornar-se shopper
É válido também mencionar o título soava como uma alternativa para quem já era
reivindicado por Marcelo em sua página no uber. Se essa atividade substituiria sua ante-
Instagram, de eleito como “Melhor Uber do cessora ou seria com ela partilhada no futuro
Brasil”. Esse título advém de sua nota 5.00 de seria difícil dizer, e essa determinação ainda
avaliação, ao menos em maio de 2019, reco- hoje está em constante definição. Porém, a
nhecida pela empresa Uber como a única no pergunta que muitos ubers se faziam era: Vale
País. Na entrevista concedida por Marcelo a pena fazer delivery de supermercado?. Essa
ao jornal gaúcho Zero Hora, quando de sua era exatamente a frase que constava na ima-
premiação, conseguimos identificar que ele é gem de capa do terceiro vídeo da playlist que
morador de Porto Alegre e trabalha com um Marcelo dedicou ao assunto “Cornershop”. Es-
carro que é alugado.15 Em outra entrevista, se vídeo, de 23 de abril de 2020,17 relata a pri-
concedida a uma empresa que desenvolve meira entrega feita pelo recém-shopper, dan-
aplicativos de transporte, conseguimos saber do continuidade a uma fase em que passava as
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 589
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
primeiras impressões sobre o aplicativo. Qua- sua posição, numa posição similar a quem é
tro dias atrás, em 19 de abril, Marcelo havia empreendedor de si mesmo. Esses “outros”
postado o primeiro vídeo da série, intitulado são vistos, assim, como fracassados: “[...] vai
“Primeiras Impressões da Cornershop”. ter um monte de fracassado dizendo para ti
No vídeo sobre sua primeira entrega co- que isso, que isso não vale, é vida de escravo,
mo shopper, Marcelo mobiliza elementos de que não sei o que … é Uber, é Cornershop blá-
valorização de capacidades pessoais, entre elas bláblá. Tu é que sabe onde teu calo aperta, tu
a paciência. Quem não tivesse esse atributo, é que sabe onde tem que tirar a força para sair
segundo ele, deveria “ir para a obra” (02’00”). de casa todo dia [...]” (05’50’’).
Outro momento que o shopper mobiliza as ha- Se, nos vídeos iniciais, havia certo des-
bilidades interpessoais da atividade é quando lumbramento com a forma com que o aplicati-
ele diz que “tu vai pegando a manha “de fazer vo da Cornershop operava, após algum tempo
compras e melhora sua eficiência, pois o apli- de vivência como shopper, Marcelo passa a
cativo vai remunerar melhor e te indicar mais questionar certas estratégias da plataforma.
vezes para outras compras. Percebe-se, então, Em 5 de maio de 2020, ele grava o vídeo intitu-
uma relação de admiração inicial pelo aplicati- lado “Cornershop reduz as tarifas e os incenti-
vo, que consegue organizar e quantificar as re- vos” 18 e o inicia perguntando “Cornershop ain-
lações de trabalho envolvidas na experiência. da tá valendo a pena?”. Em seguida ao ques-
Ao final desse vídeo, fica evidente a construção tionamento, ele descreve situações de redu-
de uma imagem positiva vinculada ao trabalho ção dos valores ganhos e dos incentivos que,
como shopper e como uber, manifestando no- no começo da operação, eram tão presentes
vamente qualidades individuais que exaltam para os shoppers. Ao mesmo tempo que tece
aquele que persiste enquanto outros criticam críticas, Marcelo busca explicar a lógica por
590 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
trás do comportamento das empresas para quanto tempo tu vai ficar on-line… tenta
as quais presta serviços. Há, então, um cará- jogar com outros aplicativos, tenta jogar
com Uber, com 99, com InDriver. Ten-
ter dual, entre crítica e compreensão e que
ta, sabe, porque… hoje as tarifas estão
resulta em certa resignação, associada a ten- muito ruins, as tarifas estão muito bai-
tativas de não ser explorado: “Quando tá bom xas. Seja em Uber, InDriver, 99, tá muito
os aplicativos, eu falo. Quando os aplicativos complicado. A tarifa aqui da Cornershop
tão uma porcaria, eu também falo. Falo por tá caindo também. Então a gente vai
ter que saber explorar ao máximo pra
quê? Porque a gente tem que tentar não ser
não ser tão explorado pelos aplicativos.
explorado, somente ser explorado, pelos apli- (06’00” ao 06’37”)
cativos. Tem que tentar explorar alguma coi-
sa deles também” (04’38”). Marcelo explica É importante notar que, apesar do cará-
a lógica econômica da plataforma nos locais ter individualista presente no discurso de Mar-
que ela chega, dizendo que buscam injetar celo, e mobilizado principalmente pela ideia
dinheiro no início, fornecendo incentivos aos que se aproxima de um ethos empreendedor,
shoppers, momento que mais compensa fazer de superação das adversidades e constante
compras e entregas por esse aplicativo. De- leitura do cenário econômico, vemos também
pois que a empresa se consolida no local, se- que há uma busca pela formação de uma re-
gundo ele, esse investimento deixa de aconte- de de trabalhadores em condições similares à
cer. A lógica econômica e a responsabilização dele. Essa rede também é ambígua, pois a as-
das plataformas são sucedidas por uma leitura sociação de mais pessoas ao seu canal e suas
conjuntural de que há muita gente à disposi- redes sociais garante, por sua vez, mais visua-
ção dos aplicativos, pois muitas pessoas es- lizações ao seu conteúdo e maior monetiza-
tão desempregadas, o que resulta em poucas ção dele. Além disso, no começo da operação
chamadas para cada shopper. Em certa medi- da Cornershop no País, havia também muitos
da, deposita parte da responsabilidade pelos incentivos financeiros para que um shopper
baixos ganhos ao próprio trabalhador. A saída convidasse um colega a ingressar no ramo. As-
é, novamente, investir em si próprio e nas ca- sim, aquele que indicasse mais pessoas obteria
pacidades individuais, mobilizando pequenos mais vantagens. Ademais, mesmo conside-
cálculos econômicos e de tempo, ao mesmo rando esses aspectos de cunho individualista,
tempo que “tentar” e persistir acabam sendo observa-se uma constante troca de experiên-
atitudes mais e mais aconselhadas. A tentati- cias e situações que, ao mesmo tempo que
va, para Marcelo, diante da inevitabilidade da auxilia o dia a dia no trabalho, também ajuda
forma de atuação da Cornershop, é “explorar a ser formada uma, mesmo que frágil, identi-
para não ser tão explorado”. dade profissional. São muitas as vezes em que
Marcelo dá dicas de como agir em determina-
Dá pra ganhar dinheiro? Dá. Mas cada das situações, inclusive ilustrando exemplos
vez mais, como eu sempre falei, tem que
de colegas que conheceu, muito por conta
saber trabalhar. Cada vez mais tu vai
ter que saber onde tu tá gastando, qual da atuação do canal. Um exemplo de como
o tempo que tá na rua, se tá valendo a é formada uma coletividade dessa atividade
pena ficar à disposição do aplicativo, profissional, ainda que com vínculos frágeis,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 591
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
é o apoio a paralizações de motoristas de apli- o meu, suga o meu dinheiro através dos
cativo que Marcelo demonstra no vídeo: “Gre- impostos. Então, galerinha, quero saber
a tua opinião aqui nos comentários. Dei-
ve na Uber, 99 pop e InDriver. você vai parar
xa o teu like, te inscreve no canal e até o
também?? dia 3 de novembro”. 19 Apesar de próximo vídeo fora da curva!
não fazer referência explícita ao trabalho como
shopper, esse vídeo consta da playlist dedica- Marcelo aparentemente não tem fei-
da ao assunto, mostrando mais uma vez como to tantas atividades como shopper em 2021
as categorias shopper e uber estão imbricadas como foi no começo da pandemia da Covid-
em seu discurso. No vídeo, Marcelo diz apoiar -19. No vídeo “Quase perdi minha conta na
todo tipo de paralização, mas reivindica mais Cornershop”,21 de 19 de janeiro de 2021, ele
união na definição das datas para as greves da relata que já não fazia tantas corridas pelo
categoria. Para ele, deve haver uma estratégia, aplicativo, provavelmente tendo retomado
pois é possível “parar de forma inteligente. Até suas atividades como trabalhador uber, de tal
nisso, a gente pode ganhar dinheiro. A gente forma que foi desabilitado na plataforma por
pode ganhar dinheiro, a gente pode mostrar e ficar muito tempo sem utilizá-la. A explicação,
a gente pode fazer um efeito... mais forte, né, segundo Marcelo, é que muitas pessoas que-
dar no rim, ali, dos aplicativos”. (01’07”). Essa rem entrar no ramo, e aqueles que ficam mui-
é uma importante descrição da estratégia “ex- to tempo sem utilizar acabam por ficar com a
plorar para não ser tão explorado”, presente no vaga dos que desejam ingressar.
discurso de Marcelo, e dá conta de represen-
tar a complexidade de sua subjetividade. Essa Valmir Cavalcante
complexidade e o posicionamento político de
Marcelo ficam mais nítidos no final do vídeo Valmir é mais sucinto na descrição de seu
“Como eu trabalho na pandemia”,20 de 18 de canal, que leva somente seu nome e sobre-
agosto de 2020, também presente na playlist nome. Descreve ele: “Vídeos sobre meus tra-
dedicada ao tema Cornershop. Ao tocar nos balhos!” 22. O canal possui um alcance muito
cuidados sanitários que toma rotineiramente menor em relação ao de Marcelo, com ape-
em seu veículo e expressar preocupação com nas 2,07 mil inscritos, embora seja mais anti-
a gravidade da pandemia do novo coronavírus, go, com sua inscrição em 10 de novembro de
possivelmente ao observar que esse era um 2013. Até a escrita deste artigo, foram 403.583
tema politicamente controverso, Marcelo diz: visualizações no canal. O papel de parede diz
o seguinte: “Máscaras [emoji de alguém com
Tem uns aí que são de extrema esquerda,
máscara] atacado”, o que, se analisarmos a fo-
outros são de extrema direita... Tem uns
que falam, já misturam política no ne- to de perfil de Valmir, que veste uma másca-
gócio, não quero nem saber disso, nem ra caseira escrita, de um lado, seu nome, e de
discuto política, num ganho nada com outro, o logo do YouTube, nos permitiria con-
esses políticos de merda. Nem de esquer- cluir que a atividade de Valmir como shopper,
da, nem de direita, não interessa o teu
se não foi descontinuada, ao menos concorre
partido, o meu partido é o do trabalho,
eu que faço o meu dinheiro. Político ne- com outros de seus “trabalhos”, termo por ele
nhum me ajuda, só me atrapalha e suga empregado na descrição. O vídeo mais recente
592 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
dele falando sobre a Cornershop, porém, es- Essa função, assim como das outras vezes, foi
clarece de vez a situação. Num comentário, combinada com atividades como shopper e
um usuário questiona: “Vc saiu da cornershop? uber, até o momento em que ele relata se dedi-
Está postando vídeos de vendas agora”. E Val- car às máscaras com exclusividade.24
mir, em uma das respostas, resume sua ativi- É possível que, pelo fato de desempe-
dade profissional atual: “Cornershop me aju- nhar uma série de “virações” e trabalhos que
dou muito, mas hj em dia só vendo máscaras, variam conforme as oportunidades aparecem
distribuo para todo Brasil”.23 e se esvaem, Valmir não manifesta, como ocor-
Embora não haja playlists criadas no re com Marcelo, uma identidade como um
canal de Valmir Cavalcante, fizemos abaixo uber ou shopper. Um atento olhar aos vídeos
um pequeno agrupamento dos assuntos dos que publica e à narrativa que constrói de si
vídeos por ele postados no canal. O agrupa- nos indica que Valmir é tudo isso ao mesmo
mento busca seguir uma cronologia a partir tempo, evocando novas identidades à medida
dos vídeos mais antigos para os mais recentes. que um aplicativo é conectado e outro é des-
Assim, percebemos que Valmir, entre 2016 e conectado ou conforme muda o produto ou
2017, era um caminhoneiro, ou um truck, como serviço a ele demandado para ser entregue.
nomeava seu canal até 2020: Truck Valmir Ca- O primeiro vídeo de Valmir como shopper, in-
valcante. Há cerca de dois anos, passou a traba- titulado “Cornershop, Shopper comprador em
lhar como uber, alternando, por um tempo, as mercados”,25 de 18 de março de 2020, ilustra
atividades como caminhoneiro. Em março de essa polifonia de identidades profissionais,
2020, tornou-se shopper, dessa vez alternando que, pelas palavras dele, poderíamos afirmar
com as atividades de uber. A partir de maio do que se aproxima de uma visão de alguém que
mesmo ano, já existem vídeos de Valmir rela- é um empreendedor de si mesmo, iniciando
tando suas vendas de máscara por atacado. novos empreendimentos:
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 593
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
Estou indo fazer um treinamento pra um trabalhando como shopper. Ele inicia o vídeo
novo empreendimento aí. É... o que que após sua terceira compra no dia, dentro do seu
é esse empreendimento que eu vou fa- carro em um estacionamento de supermerca-
zer agora? [...] Eu vou ser um shopper.
do. Em sua quarta compra, ele se mostra an-
O que que é um shopper? O shopper é
um comprador. Então vou ser um com- sioso ao comentar que o valor da compra en-
prador. Um comprador de mercado. En- comendada não cobria a gratuidade do esta-
tão, agora já tá tendo várias empresas, cionamento, o que o obrigou a entrar em con-
eu tô indo fazer o treinamento de uma, tato com o suporte da empresa de plataforma
mas já tem mais duas aí que eu posso tá
para conseguir o reembolso. Outra dificuldade
me cadastrando também. Eu vou ficar no
mercado, então posso trabalhar com dois relatada é a de precisar caminhar muito para
aplicativos. Igual, tipo, Uber e 99. Só que fazer algumas entregas.
eu vou fazer compras, não vou ter passa- Em outros momentos do vídeo, percebe-
geiro. [...] Então vou ser shopper já dessa mos a disposição permanente de Valmir para
empresa que é... shopper é comprador.
aquela atividade, exemplificando com nitidez
Eu vou lá, faço a compra, separo os itens
e levo até o... até o cliente. (00’03” a a noção do trabalhador just-in-time (Abílio,
01’23”) 2020): primeiramente, ele comenta que pre-
cisava agilizar uma entrega porque o aplicati-
Assim como Marcelo, Valmir grava mui- vo já tinha indicado outra compra a ser feita;
to de seus vídeos dentro do carro, mas, em depois, revela: “trabalhei cara, não parei nem
geral ele os faz durante os deslocamentos até um minuto. O único tempo que eu parei foi
o supermercado ou até a residência de algum meia hora, fiz uma refeição e continuei [...]”
consumidor da Cornershop. Por essa razão, (05’37’’); no final do vídeo, quando já está re-
muitas vezes suas falas são interrompidas pelo tornando para casa, aponta que só vai comer,
comando de voz do GPS ou então ele precisa dormir e depois acordar cedo para outra jorna-
fazer algumas pausas nos relatos para se aten- da de trabalho de 12 horas.
tar ao trânsito à sua volta. Outros vídeos tam- Está presente, nesse vídeo, novamente a
bém são gravados nos estacionamentos dos ideia do empreendedor de si, que mobiliza o
supermercados ou dentro deles, fazendo as imperativo de ser ágil para aumentar seu ga-
compras e narrando algumas dicas e aconteci- nho, ao mesmo tempo que se preocupa com
mentos. Esse recurso não é muito mobilizado sua reputação, buscando escolher bem os pro-
por Marcelo, que geralmente faz seus relatos dutos para não ter problemas com os clientes
num mesmo local e com o carro parado. e preocupando-se com o sistema de avaliação
O vídeo de Valmir, “Cornershop – traba- do aplicativo (49 avaliações com 5 estrelas e 1
lhando por 12 horas”,26 de 6 de abril de 2020, com 4 estrelas). Esse mesmo vídeo ainda eluci-
é um exemplo dessa forma de gravar do sho- da como Valmir lidava com o trabalho em dois
pper em questão. Porém, mais do que isso, é aplicativos e atividades distintos, buscando
um vídeo elucidativo das condições de traba- combiná-los de modo a atenuar gastos de seu
lho encaradas por Valmir. Num domingo, ain- deslocamento pela cidade. Afinal, muitas ve-
da que uma referência generalizada de um dia zes, quando acaba o expediente, ele está lon-
de descanso, ele relata ter passado 12 horas ge de sua casa: “Terminei longe. Como a gente
594 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
não é bobo, acabei de ligar o Uber. Direcionei, funciona. Tá? Eu tô fazendo vídeo e tá conec-
se pegar um passageiro, ele vai ajudar na des- tado. De repente pode tocar aqui…” (03’33”
pesa” (5’00’’; grifos nossos). ao 03’48”).
Valmir desenvolve uma relação seme- Outro aspecto importante para a des-
lhante à de Marcelo, em alguns aspectos, com crição do canal de Valmir é sua interação com
a plataforma Cornershop. Ambos aliam críti- outros trabalhadores shoppers. Há muitos ví-
cas a determinadas lógicas de funcionamento deos relatando a experiência de trabalho com
com explicações e justificativas sobre a manei- outros colegas, sejam pessoas que estavam ini-
ra como a empresa opera. Contudo, é possível ciando suas atividades como shoppers naque-
dizer que Valmir manifesta maior resignação le momento, sejam colegas que ele relata ter
quanto à Cornershop do que Marcelo. Se este contato através de grupos no WhatsApp, e que
falava em greve dos motoristas de aplicativo decidiu gravar uma experiência de compra ao
e era mais incisivo nas críticas, Valmir parece lado deles. Este é o caso do vídeo “Cornershop
mais preocupado em explicar os modos de 31/12, Última compra do ano”,28 de 31 de de-
funcionamento da plataforma, mesmo que zembro de 2020, quando Valmir grava seu co-
não deixe de manifestar cansaço e ansiedade lega atendendo a um pedido, e os dois vão for-
pelas condições de trabalho enfrentadas. O necendo dicas de como prestar aquele serviço
vídeo “Cornershop proíbe você trabalhar com com mais qualidade e agilidade. A animação
outro App”,27 de 6 de junho de 2020, embora e efusividade de Valmir ao gravar vídeos com
pareça tratar de uma manifestação de desa- seus colegas denotam alguma solidariedade
gravo à empresa, na verdade é uma explicação coletiva em torno da atividade como shopper,
de Valmir de que não há nenhum impeditivo ao mesmo tempo que podem indicar uma bus-
de trabalhar com mais de um aplicativo, des- ca por mobilizar seu próprio canal, atraindo vi-
mentindo certo boato que dizia o contrário. sualizações para sua atividade. Nesse aspecto,
Ele explica que havia incentivos para que os na comparação com Marcelo, vemos que este
shoppers ficassem on-line no aplicativo por age de modo distinto: suas interações apare-
determinado período, pois ganhavam um va- cem nos vídeos através de relatos dele sobre
lor a mais por isso, não havendo um porquê conversas que teve com colegas, sem, contu-
de se conectar a outras plataformas. Com a do, mobilizar nomes e vídeos inteiramente
diminuição desses incentivos, Valmir conta dedicados a isso. Possivelmente pela diferença
que passou a valer mais a pena trabalhar com de magnitude dos canais e pelo número de ins-
outras plataformas simultaneamente, desde critos e visualizações, Valmir parece se ocupar
que tendo o cuidado de desligar uma delas mais de dar visibilidade a outros shoppers,
quando uma corrida ou compra chegasse na mesmo que não haja uma continuidade dessas
outra. Mas reforça que essa exclusividade com interações em seu canal.
a Cornershop nunca ocorreu: “Simplesmente, Por fim, politicamente, podemos ver
se você não, é... não tiver conectado, cê num que Valmir não se coloca de maneira enfática,
vai receber... é… pedido nenhum. Quem tiver evitando posicionar-se, mesmo em momen-
conectado vai receber pedido, e é assim que tos em que aparentemente iria expressar sua
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 595
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
opinião com mais clareza. Mais especificamen- Aqui não se trata de uma comparação entre
te, no vídeo “Uber – táxi! vereador Amadeu”,29 os dois, mas de uma complementaridade que
de 1º de agosto de 2020, Valmir começa fa- nos auxilia a traçar aspectos da subjetividade
lando de como o vereador Adilson Amadeu, do trabalhador shopper. Ao descrever suas ati-
reconhecido representante da categoria de vidades, Valmir traz as condições extenuantes
taxistas em São Paulo, havia ficado bravo e de trabalho a que essa categoria é submeti-
descontente com certa estratégia da empre- da, como jornadas de trabalho extensas, bai-
sa Uber em buscar abarcar o público taxista. xa remuneração, ausência de estrutura para
Valmir dá sinais de que começará a criticar o deslocamento casa-trabalho e a ausência de
vereador e, em alguns momentos, aparenta condições importantes para a saúde do traba-
defender a Uber, mas termina o vídeo dizen- lhador, como horário adequado de almoço e
do que, apesar de serem mudanças boas para preocupações com o esforço físico empregado
o passageiro, no sentido de que ele terá mais nas tarefas. Isso tudo sem contar nos quase
opções de escolha, “vai dar muita briga, isso nulos direitos de trabalho considerados pela
aí vai dar muito o que falar. Certo? Mas vamo plataforma Cornershop como “benefícios”. Es-
ver o resultado daqui pra frente” (07’00”). Um sas condições se convertem em manifestações
pouco antes, ponderou sobre o vereador: “No de cansaço físico e psicológico, bem como em
ponto de vista dele, ele tá certo. Tá lutando aí diversos momentos de ansiedade e preocupa-
pelos taxistas...”. Esse episódio ainda elucida ção, advindos do afã de desempenhar bem a
a maneira como se dá o debate em torno das função shopper, mas também das inseguranças
iniciativas de regulamentação do trabalho por propiciadas pela lógica de funcionamento das
aplicativos, em que lógicas privadas e corpora- plataformas. Valmir toca em atributos pessoais
tivas – dos taxistas – buscam intervenção junto que um shopper deveria prezar e desenvolver
ao Estado, este já permeado pelos interesses nesse cenário, mas é Marcelo quem explora
econômicos das plataformas e pela lógica ge- isso com mais detalhamento. Ele traz o ethos
rencial de governança. Os direitos e a proteção empreendedor em suas falas e ações, deman-
das categorias pouco representadas e desas- dando sempre uma atitude de perseverança
sistidas de uma real regulamentação de suas diante de tais condições encaradas, sem deixar
condições acabam negligenciados por uma de denunciá-las, vale notar. Mas o modo como
concepção neoliberal de justiça, que entende Marcelo descreve seu trabalho permite enqua-
as desigualdades sociais como justificáveis e, drá-lo como um empreendedor de si mesmo
por isso, aceitas (Fonseca, 2014). (Dardot e Laval, 2016), que atravessa uma jor-
nada difícil, mas para a qual é preciso “extrair
força”, superando barreiras como o Estado que
Conclusões o “suga” através dos impostos, as plataformas
que o exploram e os “fracassados” que trans-
Podemos começar analisando as descrições ex- mitem negatividade àquela ocupação.
postas acima observando que a maneira como Ser um shopper, portanto, é mais co-
a atividade de shopper é descrita por Marcelo mo um “passar a ser” um shopper, é encarar
e por Valmir mobiliza diferentes elementos. mais um “empreendimento” na vida desses
596 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
indivíduos, é uma condição que pode ser de- seu caráter instável, se olharmos para os
sativada ou reativada conforme progridem os shoppers também como ubers, entregadores,
cálculos, estratégias e oportunidades. No ca- trucks, ou seja, trabalhadores modulados por
so da pandemia do novo coronavírus, essa foi aplicativos gerenciados por grandes empresas,
a oportunidade para que muitos que se viam as plataformas. Como toda generalização, per-
como uber ou, como usualmente se nomeiam, deremos nuances importantes se encararmos
“motoristas de aplicativo” passassem a atuar dessa maneira, mas é um modo que considera
como shoppers. De todo modo, nunca se deixa a própria narrativa e representação de si feitas
uma atividade completamente. A incerteza e a por Marcelo e Valmir, por exemplo.
insegurança quanto às condições de trabalho A permanência do trabalho por aplicati-
e os ganhos que serão obtidos acarretam uma vos, porém, ajuda a explicar as atividades de-
impossibilidade de planejar o futuro a médio e sempenhadas pelos dois, mas não encerra as
longo prazo, como já havia adiantado Sennett estratégias por eles traçadas para ganharem
(1999 e 2006). O planejamento ocorre confor- a vida. Marcelo, por exemplo, buscou capitali-
me as informações disponíveis, e a velocidade zar sua atuação enquanto youtuber para ten-
dos cálculos e raciocínios para ingressar numa tar ofertar um curso para outros motoristas
determinada atividade ou ligar e desligar deter- de aplicativo. Já Valmir, identificando que o
minado aplicativo precisa ser muito fugaz. Isso trabalho como shopper não propiciava os ga-
explica a fragilidade e a dificuldade de se cons- nhos que estava esperando, passou a utilizar
truir uma identidade em torno do shopper, mas as redes e seu canal para vender máscaras no
também em torno de outras ocupações modu- atacado, outra lacuna identificada por ele com
ladas pela uberização (Abílio, 2019 e 2020). As- o advento da pandemia do novo coronavírus.
sim, é latente a presença do trabalho amador, Numa narrativa empreendedora clássica, diría-
como descreveu Abílio (2020), dada a indeter- mos que Valmir identificou uma oportunidade
minação de tempo e espaço nas tarefas desem- de mercado e buscou explorá-la para conquis-
penhadas. Isso produz efeitos na formação de tar seus ganhos. Esta não é uma descrição in-
uma solidariedade coletiva e nas possibilidades correta, mas preferimos situá-la como uma
desse sujeito social intervir no Estado. prática constante e estruturante das estraté-
Não significa dizer, porém, que não há gias de vida e sobrevivência das camadas po-
uma identidade e uma subjetividade a ser no- pulares (Machado da Silva, 2018), ou como um
tada no trabalhador shopper. Ela existe e pode imperativo de sobrevivência no mundo da in-
ser vista nas falas dos sujeitos aqui analisados formalidade, considerando o contexto históri-
e na maneira como eles dialogam com seus co e socioeconômico brasileiro, ainda que sob
semelhantes. Mas essa identidade possui vín- dimensões e intensidades distintas na atua-
culos frágeis e fugazes, embora sempre reati- lidade (Telles, 2010).
váveis, como descrevem Boltanski e Chiapello Percebe-se nas falas dos shoppers ana-
(2009) sobre o mundo conexionista de proje- lisados uma frustração com a política (e com
tos e redes que se formou no capitalismo con- os políticos). Fica clara a ideia de que eles es-
temporâneo. Talvez seja mais nítido de notar tão por conta própria e evitam se posicionar
essa identidade coletiva, ainda que permaneça politicamente, com receio de que sua visão
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 597
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
possa trazer algum prejuízo para sua ativida- Por fim, percebe-se que os shoppers,
de, principalmente com seus clientes. Marcelo, ou, num geral, os trabalhadores de aplicativo,
por exemplo, diz que procura “não meter polí- que permeiam o tecido das metrópoles con-
tica no meio”. Ainda assim, é possível verificar temporâneas, são sujeitos que buscam prá-
certa insatisfação e descontentamento com as ticas que passam pela ideia de “novidades”,
plataformas e certas lógicas de funcionamen- algo que quebre com a estrutura de ganhos
to. Contudo, sem uma representação coletiva, e condições vivenciadas, como foi a ativida-
como no caso dos taxistas citado por Valmir, de de shopper, principalmente no período da
e na ausência de mecanismos de proteção pandemia do novo coronavírus. As incertezas
social, é realçada a percepção de que estão vivenciadas nesse contexto se convertem em
“sozinhos”. Por isso precisam usar de todas as indefinições quanto às suas identidades e
estratégias para aumentar seu rendimento: sentimentos de vinculação e reconhecimento,
“explorar para não ser tão explorado”, como que se somam a um contexto urbano domi-
afirmou Marcelo. A frase de Valmir, aparente- nado por uma razão neoliberal que enseja a
mente corriqueira e despretensiosa, “Como a falta de proteção e regulamentação de mi-
gente não é bobo, acabei de ligar o Uber", na lhões de trabalhadores, por vezes vistos a si
verdade é simbólica da representação das es- mesmos como empreendedores de suas pró-
tratégias adotadas para encararem o cenário prias vidas e buscando construir alternativas
de incertezas e desproteções. de renda e trabalho.
[I] https://orcid.org/0000-0002-2105-5890
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Programa de Pós-
-Graduação em Sociologia. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
braunercruz@iesp.uerj.br
[II] https://orcid.org/0000-0002-8279-3643
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharias e Ciências Sociais, Programa de Pós-Gradua-
ção em Ciências Humanas e Sociais. Santo André, SP/Brasil.
claudio.penteado@ufabc.edu.br
[III] https://orcid.org/0000-0002-5847-241X
Universidade Federal do ABC, Laboratório de Tecnologias Livres, Centro de Engenharias e Ciências
Sociais. Santo André, SP/Brasil.
paulorobertoeliasdesouza@gmail.com
598 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Notas
(1) Este é um termo usado pelos próprios trabalhadores desse tipo de serviço, razão pela qual
decidimos mantê-lo em nossa análise. Em inglês, shopper designaria um comprador, e a palavra
é mobilizada pela plataforma Cornershop, de propriedade da Uber, que nomeia seus usuários
trabalhadores dessa maneira. Assim, quando a empresa adentrou o mercado brasileiro,
muitos se tornaram shoppers, pois, na grande maioria, iniciaram os trabalhos nesse aplica vo,
mesmo que atualmente prestem serviço também a outras plataformas. Mais recentemente,
uma startup de nome Shopper, com atuação semelhante às demais plataformas citadas, tem
ganhado mercado na cidade de São Paulo. Contudo, o termo shopper permanece com seu
sen do abrangente, podendo designar trabalhadores desse ramo em diferentes plataformas.
(3) Ver: Uber compra startup chilena de entregas de mercado Cornershop. Disponível em: h ps://
link.estadao.com.br/noticias/empresas,uber-compra-startup-chilena-de-entregas-de-
mercado,70003046303. Acesso em: 8 nov 2020.
(4) Ver: Cornershop: como funciona o serviço de mercado em parceria com Uber. Disponível em:
https://www.techtudo.com.br/listas/2020/08/cornershop-como-funciona-o-servico-de-
mercado-em-parceria-com-uber.ghtml. Acesso em: 8 nov 2020.
(5) Ver: Uber assume 100% da Cornershop por mais de U$ 1,4 bilhão. Disponível em: h ps://neofeed.
com.br/blog/home/uber-assume-100-da-cornershop-por-mais-de-us-14-bilhao/. Acesso em: 17
dez 2021.
(6) Na Uber, entretanto, é solicitado um carro cuja fabricação date de até 10 anos. Essa é uma
vantagem compara va para quem deseja se tornar um shopper, uma vez que não precisa ter um
carro tão novo.
(7) Essas etapas são baseadas nos relatos dos shoppers por nós analisados e no contexto de produção
dos vídeos que u lizamos. Algumas dessas etapas, porém, foram alteradas ao longo do tempo
de atuação da plataforma, como um encurtamento da capacitação on-line e a dispensa de
um teste de aprovação dos conhecimentos. Contudo, optamos por descrever aquelas que
vigoravam quando do início da produção dos vídeos e relatos dos dois shoppers que estudamos,
por volta de abril de 2020.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 599
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
(24) É importante frisar que esta é uma descrição que inferimos a par r dos vídeos publicados por
Valmir e as respectivas datas, podendo haver imprecisões nos momentos dos “trabalhos”
desenvolvidos.
600 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Vestindo a camisa da empresa”
Referências
ABÍLIO, L. C. (2019). Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado.
Psicoperspec vas, v. 18, n. 3, pp. 41-51.
______ (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in- me? Estudos Avançados, v. 34, n. 98.
BOLTANSKI, L. e CHIAPELLO, È. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo, Mar ns Fontes.
BURGESS, J.; GREEN, J. (2009). YouTube e a revolução digital. São Paulo, Aleph.
CRUZ, M.; FONSECA, F. (2018). Vetores em contradição: planejamento da mobilidade urbana, uso do
solo e dinâmicas do capitalismo contemporâneo. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 20, n. 42,
pp. 553-576.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
FONSECA, F. (2014). A concepção neoliberal de jus ça. REBAP. Revista Brasileira de Administração
Polí ca, v. 12, pp. 15-41
FOUCAULT, M. (2008). O nascimento da biopolí ca: curso dado no Collège de France (1978-1979). São
Paulo, Mar ns Fontes.
JESUS, E.; SALGADO, T.; SILVA, P. (2014). Performances e produção de efeitos subje vos no Instagram
e no YouTube. Fronteiras-estudos midiá cos, v. 16, n. 3, pp. 243-256.
KARHAWI, I. (2017). Influenciadores digitais: conceitos e prá cas em discussão. Communicare, v. 17,
pp. 46-61.
LÓPEZ-RUIZ, O. (2007). Os execu vos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e
empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro, Azougue.
MACHADO DA SILVA, L. A. (2018). O mundo popular: trabalho e condições de vida. Rio de Janeiro,
Papéis Selvagens.
SLEE, T. (2017). Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 601
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
TELLES, V. (2006). “Introdução”. In: TELLES, V.; CABANES, R. Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas
e seus territórios. São Paulo, Humanitas.
______ (2010). A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte, Argumentum.
602 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022
“Doing their best for the company”:*
neoliberalism and the subjectivity
of shopper workers
“Vestindo a camisa da empresa”: neoliberalismo
e a subjetividade dos trabalhadores shoppers
Brauner Geraldo Cruz Junior [I]
Claudio Luis de Camargo Penteado [II]
Paulo Roberto Elias de Souza [III]
Abstract Resumo
This article aims to understand the subjectivity O presente ar go visa compreender a subje vidade
of the shopper worker, analyzing uberization do trabalhador shopper, avançando na análise da
in the Brazilian scenario and the impacts of uberização no cenário brasileiro e dos impactos do
neoliberalism on the social and urban reality. neoliberalismo no tecido social e urbano. Observa-
We investigated how shoppers describe their mos como os shoppers descrevem suas a vidades,
activities, what relationships they establish with quais relações estabelecem com as plataformas e
pla orms and colleagues, and how they manifest colegas e de que forma manifestam sua iden dade.
their identity. To achieve this, we analyzed two Para tanto, analisamos dois trabalhadores que nar-
workers who talk about this type of work on ram questões sobre esse po de trabalho em canais
YouTube channels. The conclusions point out do YouTube. As conclusões sinalizam que as incer-
that the uncertain es experienced in this context tezas vivenciadas nesse contexto se convertem em
are converted into uncertainties regarding their indefinições quanto às suas iden dades profissio-
professional identities, which are added to an nais, que se somam a um contexto urbano domina-
urban context dominated by lack of protec on of do pela falta de proteção de milhões de trabalhado-
millions of workers, who are sometimes seen as res, por vezes vistos a si mesmos como empreende-
entrepreneurs of their own lives seeking to build dores de suas próprias vidas que buscam construir
alterna ves of income and work. alterna vas de renda e trabalho.
Keywords: neoliberalism; shopper; uberiza on; in- Palav ras -ch ave: neoliberalismo; shopper;
formality. uberização; informalidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5406.e Crea ve Commons Atribu on
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
With the advent of the new coronavirus owner zealous for his personal attributes.
pandemic, we have seen the food delivery Boltanski and Chiapello (2009) highlighted
and supermarket shopping branches grow the importance of a project organization in a
exponentially. In Brazil, this latter segment, connectionist world, in which the formation
which until then did not have many adherents, and maintenance of dynamic networks and
began to offer itself as a way for people who easily reactivatable points were essential
avoided leaving their homes, for fear of for the new capitalist spirit on the rise. In a
infecting themselves and their families but, plot closer to the national context, Telles
even so, they needed to buy groceries of (2006 and 2010) pointed out that the social
everyday use. Thus, alternatives for carrying experience of work in neoliberalism indicated
out this activity were offered by companies other times of life and their relationship
such as Cornershop, Rappi and James Delivery. with the city, in a scenario that gives rise to
Platforms that connect consumers with people precariousness, discontinuity and uncertainty.
willing to make these purchases in the market If we refer to the description of subjectivity
and deliver them at home, risking their health, stemming arising from neoliberal rationality,
with remuneration according to parameters guided by competition as a social norm
defined by the companies. and the organization of individuals in the
T h e g r o w i n g l i t e ra t u re a r o u n d form of a company, we have in the shopper
work based on apps points to a critical category 1 – the worker who purchases in
perspective on the conditions faced by this supermarkets mediated by large platforms
workforce, as well as the logic operated by – an important figure in this context. It
the platforms that modulate such conditions does not imply granting all these attributes
(Scholz, 2016; Srnicek, 2017). In particular, to this type of worker, but rather thinking
the debate around the phenomenon of about how this subjectivity is being formed
uberization, pointed out by Slee (2017) and, and how it dialogues with the influences it
in a perspective closer to the Brazilian reality, receives. It is important to emphasize: if there
also developed by Abílio (2019 and 2020), is the emergence of new elements in the
reveals the formation of new professional relationship between subject and work, there
identities, under a deep transformation in are also relevant continuities in the practices
how the subject sees himself in relation to and identifications related to work in the non-
the activity he performs. Sennett (2006) -formalized market, in view of its importance
had already identified the subject resulting and historical and structural weight for the
from what he called a culture of the new Brazilian economy. The absence of guarantees
capitalism as som eone who is guided and rights for this part of the labor market
by short-term relationships, incessantly on the part of public governance marks the
searches for new capabilities and preaches a trajectory of this sector, which, although
certain detachment from the past, invoking flirting with the horizon of wage-earning,
a consumer personality and not of an finds itself increasingly distant from achieving
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 579
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
it, especially with the new productive 2017) and the emergence of self-performance
arrangements of neoliberalism and with the devices, based on elements put in scene by
dissolutions of the wage-earning world. users (Jesus, Salgado and Silva, 2014). The
The objective of this article, therefore, performances published on the YouTube
is to advance in the understanding of platform are projected as a resource (device)
the subjectivity of the shopper worker, of mediatization of a “self” represented in
considering that this is a category that allows front of an audience based on search terms
us to analyze the context of uberization in the (internal or external) and the recommendation
Brazilian scenario and, thus, to move forward algorithms of the platform (sociotechnical
in the understanding of the impacts of the network). In this way, the self-representation
neoliberal advance in the social and urban of the professional activity by shopper workers,
tissue. We will pay attention to the following through YouTube, is configured as a structuring
questions: How do shoppers describe their element of their identity and subjectivity, the
occupation and work activities?; What focus of this study.
relationships do they establish with the The article is divided into four more
platforms and with their peers?; How do sections, in addition to this introduction. We
they represent their activities towards the will begin by approaching in greater depth the
society and how do they claim recognition debate about neoliberalism and its impacts in
and manifest their identity?; How do they see the Brazilian context. We will seek to trace how
themselves towards the State and how do uberization is associated with this model of
they position themselves politically? In order government of society and how we can think
to do so, we will analyze two shopper workers about the resulting forms of work, considering
who narrate their daily lives and questions our historical and social scenario. In the next
about this type of work through channels of section, we will explain how the Cornershop
the YouTube video platform. platform operates in Brazil and which activities
In the digitalized society, YouTube has are required from shopper workers. Then we
become an important space for the expression will explain the methodological approach
of contemporary subjectivities. The fifteen- adopted and present the two YouTube
-year-old platform has approximately two channels analyzed, first doing a general
billion unique monthly users,2 making it the reading about them and, after that, describing
second most visited website in the world, and analyzing each shopper worker through
only behind Google. Having varied uses by the speeches, actions and behaviors from their
its users, YouTube has undergone important videos. The final section will be dedicated to
transformations (Burgess and Green, 2009), drawing conclusions about the analysis carried
no longer being just a repository of home out and its relationship with the proposed
videos to become an important social media theme, indicating possible research agendas
for the production of new businesses, the and outlining a small overview of the shopper
emergence of digital influencers (Karhawi, worker's subjectivity.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 581
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
sale. With this, the idea of property that is still The ways in which goods and services
so dear to the capitalist system resides in the are circulated also suffer structural changes,
possession of oneself. It is here that we can influenced and being part, of course, of
think of entrepreneurship, as stated by López- the changes already noted here between
Ruiz (2007), as a social value to be cultivated individuals and institutions. An example of
in everyday practices. We are referring to this relationship is the encouragement of a
businessmen or self-employed who have sharing economy encouraged by the notion
gained so much ground in the contemporary that “everything belongs to everyone” or
world of work, marked by the deregulation of “what is mine is yours” (Zanatta, 2016, p. 22,
professions and the job market itself, posing free translation). Scholz (2016) demonstrates
challenges to the dynamics of urban life. that the economy based on the sharing of
Other changes are also present with goods and services, rather than the private
the advent of neoliberalism. In addition ownership of them, despite offering more
to the change in the ways of thinking and alternatives for income earning, extends
leading the lives and professional paths of unregulated free markets to areas hitherto
individuals, institutions are deeply modified essentially private of our lives. Thus, the
by neoliberalism. The State becomes, at the large companies of the so-called platform
same time, the target and the agent of these capitalism depend on our cars, apartments,
transformations. As mentioned by Cruz and emotions and, mainly, our time, to grow,
Fonseca (2018), government programs and being only logistic intermediaries in which the
projects, under what they called ultraliberal related goods are, in this case, individuals.
ideals, are built from a precedence of the The concept of platform capitalism,
private sphere over the public sphere, originally created by Nick Srnicek, sought to
exemplified in proposals such as privatization reference a new stage of the global economy
in the economy, lack of protection of the based on technology companies that focus on
national capital, the dismantling of the welfare the economic exploitation of data: platforms
state – an aspect also noted in Fonseca (2019) such as Cornershop, which will be discussed
– and “a nonintervention and deregulation of here. These platforms start to organize
the production, as of the circulation of goods the markets, mediating the infrastructure
and services, the financial market, labor between different groups and, when defining
relations and all forms of market, including "the rules of the game", also dictate how
real estate” (Cruz and Fonseca, 2018, p. 556; other companies are structured from then
our translation, emphasis added). Thus, this on, with little room for maneuver (Srnicek,
deregulation is felt, in turn, in the urban 2017). Scholz (2016, p. 18, free translation)
social tissue and in the management of large called the platform-fueled sharing economy
metropolises, since the organization of space "a precarious trap of low wages." By matching
and multiple economic interests would be workers and consumers as both being users of
dependent on a link between the State and the applications offered by these platforms,
the presuppositions of the market, which is in there is a duality of this relationship. If, on the
constant and accelerated modification. one hand, it is about having new economic
opportunities, on the other hand, the working in the way informality itself is conceived,
users who provide the goods and services to because uberization, according to Abílio
consumer users are managed by them, with (2020), encompasses processes of state
the prerogative to punish or even dismiss deregulation and the extinction of mechanisms
the person who is providing a certain service. to control labor relations, legitimizing and
This is where we can talk about uberization making the transfer of costs and risks to the
as a concept that synthesizes the effects of worker himself banal. This process takes place,
this economic model for social organization. among other aspects, from the conversion of
Slee (2017) analyzes this movement as workers into self-managed professionals, who
something that emerged as an innovator, manage themselves and are always available
part of a sustainable and community appeal, to a multitude of consumers. In this sense,
and, in the end, has become a deregulated the subjectivity of the worker in uberization
space controlled by large companies. is deeply altered, since aspects related to his
These eventually promoted a new wave of identification in relation to the activities he
precarious work. performs are suppressed. Thus, the concept
Abílio (2019 and 2020) develops this of amateur work emerges as something that
scenario by exploring what she called the is temporary, even if it is permanently put,
era of "just-in-time worker" to describe because there are no definitions of activities,
what she understands as uberization. The schedules and workspaces, as well as long-
author's argument, after studying cosmetic term planning for occupation are impossible to
retailers and motorcyclist delivery men, is be plotted (ibid.).
that the forms of exploitation of work in the An important element of the uberization
periphery, which previously had a secondary defined by Abílio (2019 and 2020) is the
or marginal role in explaining the mode of fact that, although it has unprecedented
production of capitalism, now play a central proportions and creates new forms of
role in explaining the global economic regulation and control, the uncertainties
dynamics. It is important to note that elements and flexibility provided by this model are not
very present in the historical reality of the unprecedented issues in the horizon of the
Brazilian labor market, such as the uncertainty Brazilian working class. Machado da Silva's
about what is considered working time or work (2018) and the positive construction (in
not, the confusions about what should be the sense of seeking a statement rather than
remunerated, which are the domestic spaces denying its opposite) of what it considers as
and workspaces, are all deepened in a flexible strategies of life and survival elucidate that,
model that reaches world levels, overcoming contrary to facing informality as only the
the global southern barrier and leading to a inverted mirror of wage, it is necessary to
new form of management and control. The see the practices existing in this universe as
concept of uberization is understood, in this legitimate and revealing the way of life of a
way, as a broad and generalized process of huge contingent of the Brazilian population.
informalization of work, which causes changes Analyzing the subjectivity of workers in the
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 583
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
of the company; (2) submission of documents The time at which activities can be
and an online course of instruc ons and rules of performed is when most stores are open: from
opera on of the applica on, with expecta on of 7 a.m. to 11 p.m.; this time, according to the
90% score in the test; (3) if approved, contract company, provides greater security to the
signing and training with experienced shopper; worker. On the other hand, the remuneration
(4) removal of material from the company: debit
of the shopper takes place in two moments:
and credit card to make purchases, masks and
one in the purchase of the products, with a
hand sanitizers, returnable bags and the t-shirt
fixed value plus a variable according to weight
with name on the front. Thus, shoppers are easily
identifiable people in supermarkets, literally and quantity of the products; and another in
"wearing the company’s shirt” (reinforcing the the trips to the supermarket and to the house
relevance of the expression in Portuguese as we of the person who made the order, being the
men on in the tle of this ar cle), even if they act value conditioned to the mileage and, again,
as self-employed workers. to the weight of the products. To receive these
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 585
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
accumulated amounts, the shopper registers "seeks to recognize shoppers who have a great
as an Individual Microentrepreneur (MEI, in service and an excellent partnership with
portuguese), an alternative encouraged by Cornershop".10
the platform, or issues a Standalone Payment In su m , t h ere is a p ro fe ss io n a l
Receipt (RPA, in portuguese). Payment always relationship that emulates certain elements
takes place on Fridays and refers to the of an employment relationship: employee
earnings of the previous week. benefits, incentives and bonus programs, and
As with other platforms, there are medical coverage. However, these elements
incentives and promotions that Cornershop are ephemeral and insufficient to represent
aims to regulate supply and demand and real security and stability to the worker. The
to cover certain regions. These produce benefit of having a weekly purchase only
psychological and decision-making impacts to highlights the linking of the individual to
shoppers, either by boosting the emergence the platform on which he operates, placing
of interested people, or by encouraging higher him, even once a week, in the position of a
workloads and prolonged expedients. consumer, which, in turn, will evaluate and
The "Benefits" section of the FAQs in the judge the service of another worker. The
"Be a shopper" tab of the Cornershop website9 medical coverage provided only occurs during
is very insightfully elucidating about the the order fulfillment period, being invalid
professional relationship established between for times when the shopper is, for example,
worker and company. There is the mention connected to the application, but is not
of insurance for shoppers, which only applies serving anyone. Similarly, the journey from
during the period of order fulfillment. It covers his home to the supermarket, and vice versa,
accidental death, total or partial permanent has no security on the part of the company,
disability by accident, medical, hospital and as well as the purchases and vehicles involved
dental expenses and daily hospitalization by in eventual accidents are not included in the
accident. This insurance, it is important to insurance provided.
note, only emerged in early 2021. We were Finally, the "5 stars Shopper" award
unable to trace whether there were agents system associates the worker's rating with the
responsible for exerting this pressure on consumer, who has no commitment to this
the company or whether it was an action task and can vary in the requirement levels
taken directly, possibly to match the types of and quality parameters. They are, therefore,
insurance already provided in the transport of characteristic elements of work by applications
passengers. More recently, the possibility of and platform capitalism currently in force,
tips by consumers, passed on to the shopper, even if they seek aspects that convey a greater
has also emerged. It also has the benefit of one sense of worker acceptance, such as benefits
free delivery per week to enjoy the platform as and awards, possibly to adapt to a society still
a consumer. And there is also a pre-established marked by the horizon of wage and security
incentive system, the "5 stars Shopper", which provided by them. In this sense, the measures
are not taken through a remarkable initiative markets, a number of shopper workers,
to regulate this professional activity that men and women, but mostly men, in red
requires minimum parameters and guarantees Cornershop T-shirts shopping and constantly
to the shopper worker in the exercise of their consulting their smartphones.
activity. Although it is sometimes urged to It was in this wake that we sought to
act alongside the passenger transport, given know more about this type of activity, and
the scope and repercussions of the uber we found, on YouTube, a few channels, still,
profession in urban centers, the State has of shoppers who began to expose their daily
not yet inserted itself in some kind of social lives, transmit practical knowledge and give
protection to the shopper. tips to those who were interested to follow the
same directions.
A video by Valmir Cavalcante, whose
channel we will explore below, entitled
Knowing "Cornershop – My first day as a shopper –
the analyzed channels buyer/link" 11 and dating from March 22nd,
2020, reveals with great clarity this context
We will now enter the description and analysis of the beginning of both the pandemic and
of the two channels of shoppers selected this type of activity. Valmir, in this video,
for this article. Beforehand, however, it is summarizes, while driving, the activity he
appropriate to explain the methodology used will perform: "I do not take passenger, I just
for the choice and reading of this content. In take the purchase. [...] People ordering the
this sense, it is important to explain that this is app, I make the purchase and I will make the
an object of interest arising around April 2020, delivery. That's what you must do. Crowded
when the city of São Paulo experienced more market, lots of people buying by app, buying
rigorous periods of isolation, including the a lot, and I'm going to do this shopper job.
anticipation of municipal and state holidays Shopper, shopper." [00'35"]. The end of
and even daily rotation in the circulation of this sentence also expresses the beginning
cars. This is important to be placed, because of Valmir's identification with his activity,
it is at this time that the Cornershop company changing the pronunciation of the new word
began to expand its scope of operation, both of his vocabulary, until he defined one, with
in the cities in which it was already present, the "o" more open. It reads "ch-oh-per".
with a growth of shoppers who signed up for Thus, the choice of the two channels on
the application, as well as in national terms, in which we will focus was under the primacy
which the company inaugurated its operations of content that reflected the daily work of
in other major cities and capitals. It was, the newly emerged shoppers, also valuing a
therefore, a context in which vaccination was certain continuity of publications on YouTube,
still a very uncertain and distant reality, and which would increase the diversity of topics
the protection of the population that had covered and the moments experienced,
comorbidities was even more urgent. Thus, it reflecting important variations for our analysis.
was frequent to see, in the company’s partner It is also relevant to consider the stimulus
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 587
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
of the YouTube search engine algorithm, their biographical and professional trajectories
which indicated more prominent channels and also drawing a panorama of the channel
on the theme searched. Thus, in addition to they have: description, graphic representation,
visualizations, the algorithms indicated the types of videos and playlists created,
channels as a consequence of the engagement interaction with other social networks. This
and articulation between producers and will allow us to infer certain aspects of their
viewers, leading to a common denominator of subjectivities, which will be explored with
cohesive narrative for the analyzed segment videos of them as shoppers, when we will
(theme, keywords, common profiles that select some speeches and activities that
accessed this type of content). Since, in this better help in the construction of these
article, we care more about the discourse, subjects. As advanced in the Introduction, the
the narrative construction of the shoppers, selected elements are based on the interest of
than the number of views and likes, is that we observing how these shoppers describe their
analyze channels and videos not necessarily at activities and relate to the platforms and their
the top of the audience on YouTube. co-workers and on the way they construct
The decision to have only two channels the narrative of themselves, expressing
as the object of study corroborates the search their positions towards society and their
for focus on the narrative construction of the subjectivity.
analyzed individuals which requires a greater
level of detail of the contents exposed for Marcelo's Uber, the Uber off the charts (in
the study of the expressions and discourses Portuguese: ‘Uber do Marcelo, o Uber fora da curva’)
of these professionals. From the perspective
of analysis of the shopper’s subjectivity, we This channel is managed by Marcelo Ribeiro,
consider that these details would ensure who describes himself as follows:
the capture of more nuances, ambiguities 4 Years of Uber, more than 15,000 trips,
and reflections than a quantitative study, for the first driver of the RS to achieve the
example, on various channels of shoppers on incredible 5.0 score, currently the most
YouTube. This, however, is also an interesting awarded driver in Brazil proving that
"YES, the stars pay the bills and more".
research for the sequence of studies on this
Helping other drivers from all over the
category of worker in this type of media country to achieve the 5.0 score and also
framework, as well as other qualitative be recognized for excellence in service.
approaches deserve development. In such a Without ever working with
way that our article and the clipping proposed transportation or living in traffic,
I discovered at Uber an excellent
by it allow only a first look at the social
opportunity to make money and meet
phenomenon described here, with much room new people every day.12
to explore it through a larger universe in any
future research. M a rc e l o ' s c h a n n e l h as 1 0 5 , 0 0 0
The following descriptions and analyses subscribers and more than 12 million views
will seek to understand who the chosen and was created on April 14th, 2016. There is
shoppers are, collecting information about a wallpaper on the homepage with a photo of
Marcelo in front of a vehicle and the following of a formal job, and that he also worked in the
text in the image: "Off the Charts Driver field of car sales, in which he says he had not
Method: run using the best strategies in your succeeded.16
favor, earn the best scores and earn much So far, all the mobilized elements lead us
more than you think!". The logos of the Uber, to think that Marcelo only works in passenger
99 and Cabify platforms are also displayed, transport, manifesting his professional identity
as well as hyperlinks to access Marcelo's as a worker who is only "uber". However, an
Instagram and Facebook pages.13 examination of the playlists in his channel
We noticed, therefore, that Marcelo reveals one specifically dedicated to the
created a kind of work methodology, the theme "Cornershop". This playlist contains
"Off the Charts" Method, which would help 124 videos. The other playlists, that, in a way,
drivers to have higher incomes and good organize the activities represented by Marcelo,
evaluations, in a kind of "optimization" of the are in the Table 1, which are selected from the
effort employed. Because the focus of this oldest to the most recent.
article is on working as a shopper, we will not In a way, Marcelo's association as an
examine how this methodology is designed uber and not a shopper comes from the way
and applied. However, it is worth noting a Cornershop's activities have entered Brazilian
mention that Marcelo does about a course society. In the context of the beginning of the
with "dynamic and direct classes with practical new coronavirus pandemic, in which there was
examples to help YOU earn more money as a significant drop in the number of races in
an application driver". This mention is found passenger transport, since many people have
on his Facebook page, in which there is a link adopted measures of social isolation, becoming
that, in theory, would refer to the course, but a shopper sounded like an alternative for those
that, when we click, the page seems to be who were already uber. Whether this activity
already down.14 would replace its predecessor or be shared with
It is also valid to mention the title it in the future would be difficult to say, and
claimed by Marcelo on his Instagram page, that determination is still in constant definition
elected as "Best Uber in Brazil". This title today. However, the question that many ubers
comes from his 5.00 rating, at least in May asked themselves was: "Is it worth making
2019, recognized by uber as the only one in supermarket delivery?". This was exactly the
the country. In the interview given by Marcelo phrase in the cover image of the third video
to the newspaper of Rio Grande do Sul, Zero of the playlist that Marcelo dedicated to the
Hora, when he was awarded, we were able to subject "Cornershop". This video, from April
identify that he is a resident of Porto Alegre 23rd, 2020,17 reports the first delivery made
and works with a rented car. 15 In another by the new shopper, continuing a phase in
interview, granted to a company that develops which he gave his first impressions about the
transport applications, we were able to know application. Four days earlier, on April 19th,
that, before working by applications, Marcelo Marcelo had posted the first video of the series,
was a salesman of a sports store, in the format entitled "First Impressions of Cornershop".
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 589
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
Table 1 – Playlists of the channel “Marcelo’s Uber, the Uber off the charts”
In the video about his first delivery as qualities that exalt the one who persists while
a shopper, Marcelo mobilizes elements of others criticize his position, in a similar position
appreciation of personal abilities, including to those who are entrepreneurs of themselves.
patience. Those who did not have this These "others" are seen as losers: "[...] there
attribute, according to him, should "go to will be a lot of losers telling you that this, that
work" (02'00). Another moment that the this is not worth, it is a slave life, that I do not
shopper mobilizes the interpersonal skills of know what ... it's Uber, it's Cornershop blah
the activity is when he says that "you get to blah blah. You know where the shoe pinches,
learn the ropes" of shopping and improve you know where you have to take the strength
your efficiency, because the application will to leave home every day [...]" (05'50'').
pay better and assign you more often for If, in the initial videos, there was a
other purchases. Then, an initial relationship certain dazzle with the way the Cornershop
of admiration for the application is perceived, application operated, after some time of
which manages to organize and quantify the experience as a shopper, Marcelo starts to
work relationships involved in the experience. question certain strategies of the platform.
At the end of this video, the construction of a On May 5th, 2020, he records the video titled
positive image linked to work as a shopper and "Cornershop reduces fares and incentives" 18
as uber is evident, again manifesting individual and starts asking "Is Cornershop still paying
off?". After questioning, he describes Can you make money? Yeah. But more
situations of reduction of the amounts earned and more, as I've always said, you have
to know how to work. More and more
and the incentives that, at the beginning of the
you will have to know where you are
operation, were so present for the shoppers. spending, for how long you are on the
While weaving criticism, Marcelo seeks to street, if it is worth being available to
explain the logic behind the behavior of the the application, how long you will be
companies for which he provides services. online ... try to play with other apps, try
to play with Uber, with 99, with InDriver.
There is, then, a dual character, between
Try, you know, because... today the
criticism and understanding that results in a tariffs are very bad, the fares are very
certain resignation, associated with attempts low. Whether it's Uber, InDriver, 99,
not to be exploited: "When the applications it's too complicated. The fare here at
Cornershop is falling too. So we're going
are good, I say it. When the apps are crap, I
to have to know how to explore to the
say it too. Why do I speak? Because we have fullest so we don't get so exploited by
to try not to be exploited, to be only exploited, the apps. (06'00" to 06'37")
by the applications. You have to try to exploit
It is important to note that, despite the
something from them too" (04'38). Marcelo
individualistic character present in Marcelo's
explains the economic logic of the platform
speech, and mobilized mainly by the idea
in the places it arrives, saying that they seek
that approaches an entrepreneurial ethos,
to inject money in the beginning, providing
overcoming adversities and constantly reading
incentives to shoppers, a moment that makes
the economic scenario, we also see that there
up the most for shopping and delivery for this
is a search for the formation of a network
application. After the company consolidates
of workers in conditions similar to his. This
on th e site, h e said, th is investment network is also ambiguous, because the
ceases to happen. The economic logic and association of more people to his channel and
accountability of the platforms are succeeded his social networks ensures, in turn, more views
by a conjunctural reading that there are many to his content and greater monetization of it.
people available to the applications, because In addition, at the beginning of Cornershop's
many people are unemployed, which results operation in the country, there were also many
in few calls for each shopper. To some extent, financial incentives for a shopper to invite a
it places part of the responsibility for the low colleague to join the business. Thus, the one
gains on the worker himself. The way out is, who indicated more people would get more
again, to invest in yourself and in individual advantages. Moreover, even considering these
capacities, mobilizing small economic and individualistic aspects, there is a constant
time calculations, while "trying" and persisting exchange of experiences and situations that,
end up being more and more advisable while helping the day-to-day work, also helps
attitudes. The attempt, for Marcelo, given the to form a professional identity, even if a fragile
inevitability of Cornershop's way of acting, one. There are many times when Marcelo
is "to explore in a way so as not to be so gives tips on how to act in certain situations,
exploited". including illustrating examples of colleagues
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 591
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
he met, much because of the channel's work’s party, I make my own money.
performance. An example of how a collectivity No politician helps me, just gets in my
way and sucks mine, sucks my money
of this professional activity is formed, although
through taxes. So, folks, let me know
with fragile ties, is the support for strikes of your opinion here in the comments.
app drivers that Marcelo demonstrates in the Leave your like, subscribe to the channel
video: "Strike at Uber, 99 pop and InDriver. and see you in the next video off the
Will you stop too???” On November 3rd. 19 charts!
if not discontinued, at least competes with May of the same year, there are already videos
other of his "jobs", a term he employed in of Valmir reporting his wholesale mask sales.
the description. The most recent video of him This function, as well as the other times, has
talking about Cornershop, however, clarifies been combined with activities such as shopper
the situation for good. In a comment, a user and uber, until the moment he reports
asks: "Did you leave Cornershop? You are dedicating himself to masks exclusively.24
posting sales videos now." And Valmir, in It is possible that, because he plays
one of the answers, summarizes his current a series of "gigs" and jobs that vary as
professional activity: "Cornershop helped me a opportunities come and go, Valmir does not
lot, but nowadays I’m only selling masks, I ship manifest, as Marcelo does, an identity as an
to all Brazil".23 uber or shopper. A careful look at the videos
Although there are no playlists created he publishes and the narrative he builds about
on Valmir Cavalcante's channel, we have himself indicates that Valmir is all of them
done below a small grouping of the subjects at the same time, evoking new identities as
of the videos he posted on the channel. The one application is connected and another is
grouping seeks to follow a timeline from the disconnected; or as the required products
oldest to the most recent videos. Thus, we or services to be delivered change. Valmir's
realized that Valmir, between 2016 and 2017, first video as a shopper, titled "Cornershop,
was a truck driver, or a truck, as he named his Shopper Buyer in Markets", 25 of March 18th,
channel until 2020: Truck Valmir Cavalcante. 2020, illustrates this polyphony of professional
About two years ago, he began working as an identities, which, in his words, we could say
uber, alternating, for a time, the activities as a is approaching a vision of someone who is
trucker. In March 2020, he became a shopper, an entrepreneur of himself, initiating new
this time alternating with uber activities. As of enterprises:
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 593
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
I'm going to do some training for a his fourth purchase, he is eager to comment
new enterprise there. It is... what is that the value of the purchase ordered did
this venture I'm going to do now? [...]
not cover the free parking, which forced him
I'm going to be a shopper. What is a
shopper? The shopper is a buyer. So, I'm
to contact the platform company's support to
going to be a buyer. A market buyer. So get a refund. Another reported difficulty is the
now there are several companies, I'm need to walk a lot to make some deliveries.
going to do the training for one, but In other moments of the video, we
there are already two more there that
noticed Valmir's permanent disposition for
I can register too. I'm going to stay on
the market, so I can work with two apps.
that activity, clearly exemplifying the notion
The same, like, Uber and 99. But I’m only of the just-in-time worker (Abilio, 2020): he
going shopping instead, I'm not going first comments that he needed to expedite a
to have a passenger. [...] So I'm already delivery because the application had already
going to be a shopper for this company
indicated another purchase to be made; then,
that is... shopper is buyer. I go there,
make the purchase, I separate the items he reveals, "I worked, man, I didn't stop for
and take them to the... to the customer. a minute. The only time I stopped was half
(00'03" to 01'23") an hour, made a meal and continued [...]"
(05'37''); at the end of the video, when he is
Like Marcelo, Valmir records a lot of his already returning home, he points out that he
videos inside the car, but in general he makes will only eat, sleep and then wake up early for
them during trips to the supermarket or to the another 12-hour workday.
residence of some Cornershop consumer. For In this video, the idea of the self-
this reason, his speeches are often interrupted entrepreneur is present again, that mobilizes
by the GPS voice command or else he needs to the imperative of being agile to increase his
take a few breaks in the reports to pay attention gain, while worrying about his reputation,
to the traffic around him. Other videos are also seeking to choose well the products so as not
recorded in the supermarket or their parking to have problems with customers and worrying
lots, shopping and narrating some tips and about the rating system of the application (49
events. This feature is not much mobilized by reviews with 5 stars and 1 with 4 stars). This
Marcelo, who usually makes his reports in the same video still elucidates how Valmir dealt
same place and with the car parked. with work in two different applications and
Valmir's video, "Cornershop – working activities, seeking to combine them in order to
for 12 hours", 26 from April 6th, 2020, is an mitigate the expenses of his travel through the
example of this shopper’s way of recording. city. After all, often, when the working hours
However, more than that, it is an illustrative are over, he is far from his home: "I've finished
video of the working conditions faced by away. Since we're not silly, I just turned on
Valmir. On a Sunday, though a widespread Uber. I directed, if I pick up a passenger, it will
reference to a rest day, he reports having help with the expense" (5'00''; our emphasis).
spent 12 hours working as a shopper. He starts Valmir develops a relationship similar
the video after his third purchase on the day, to Marcelo's, in some respects, with the
inside his car in a supermarket parking lot. In Cornershop platform. Both combine criticism
with certain operating logics with explanations shoppers at that time, or colleagues that he
and justifications about the way the company reports having contact through WhatsApp
operates. However, it is possible to say that groups, and who decided to record a shopping
Valmir expresses greater resignation towards experience next to them. This is the case of
Cornershop than Marcelo. While he speaks the video "Cornershop 31/12, Last Purchase
of the strike of the app drivers and was more of the Year", 28 of December 31st, 2020,
incisive in the criticism, Valmir seems more when Valmir records his colleague fulfilling a
concerned with explaining the ways in which request, and the two provide tips on how to
the platform works, even expressing tiredness provide that service with more quality and
and anxiety about the working conditions agility. Valmir's excitement and effusiveness
he faced. Although the video "Cornershop when recording videos with his colleagues
prohibits you from working with another denote some collective solidarity around
App",27 of June 6th, 2020, seems to deal with the activity as a shopper, while at the same
a manifestation of retaliation to the company, time indicating a quest to mobilize his own
in fact it is an explanation of Valmir that there channel, attracting views for his activity. In
is no impediment to working with more than this aspect, in comparison with Marcelo, we
one application, belying certain rumor that see that he acts differently: his interactions
said otherwise. He explains that there were appear in the videos through his reports about
incentives for shoppers to stay online in the conversations he had with colleagues, without,
app for a certain period, because they earned however, mobilizing names and videos entirely
an additional value for it, and there was no dedicated to it. Possibly due to the difference
reason to connect to other platforms. With between the channels’ magnitude, number
the reduction of these incentives, Valmir says of subscribers and views, Valmir seems to be
that it became more worth working with busier giving visibility to other shoppers, even
other platforms simultaneously, since taking if there is no continuity of these interactions in
care to turn off one of them when a race or his channel.
purchase arrived at the other. But he stresses Finally, politically, we can see that
that this exclusivity with Cornershop never Valmir does not stand emphatically, avoiding
occurred: "Simply, if you aren’t... if you are positioning himself, even at times when he
not connected, you will not receive... hmm... would apparently express his opinion more
any request at all. Whoever is connected will clearly. More specifically, in the video "Uber
receive a request, and that's how it works. – taxi! Councilman Amadeu",29 of August 1st,
Ok? I am making a video and I am connected. 2020, Valmir begins by talking about how
Suddenly it can ring here..." (03'33" to 03'48"). Councilman Adilson Amadeu, recognized
Another important aspect for the representative of the category of taxi drivers
description of Valmir ’s chann el is its in São Paulo, had been angry and dissatisfied
interaction with other shopper workers. There with a certain strategy of the company Uber
are many videos reporting the experience in seeking to include the taxi drivers. Valmir
of working with other colleagues, whether gives signs that he will begin to criticize the
people who were starting their activities as councilman and, in some moments, appears
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 595
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
to defend Uber, but he ends the video saying for the workers' health, such as adequate
that, although there are good changes for the lunch time and concerns about the physical
passenger, in the sense that they will have effort employed in the tasks. Not to mention
more options to choose, " it will cause big the almost null work rights considered by the
fights, this will give a lot to talk about. Right? Cornershop platform as "benefits". These
But let's see the result from now on" (07'00). conditions become manifestations of physical
A little earlier, he pondered the councilman: and psychological fatigue, as well as in several
"From his point of view, he's right. He's moments of anxiety and concern, arising from
fighting there for the cabbies...". This episode the effort of performing the shopper function
also elucidates the way the debate about the well, but also from the insecurity provided
initiatives of regulation of work by applications by the logic of operation of the platforms.
takes place, in which private and corporate Valmir mentions personal attributes that a
logics – of taxi drivers – seek for intervention shopper should appreciate and develop in this
within the State, which is already permeated scenario, but it is Marcelo who explores this
by the economic interests of the platforms in more detail. He brings the entrepreneurial
and the management logic of governance. The ethos in his speeches and actions, always
rights and protection of the poorly represented demanding an attitude of perseverance in
and unassisted categories of a real regulation the face of such faced conditions, not failing
of their conditions end up neglected by to denounce them, it is worth noting. But
a neoliberal conception of justice, which the way Marcelo describes his work allows
understands social inequalities as justifiable him to frame himself as a self-entrepreneur
and, therefore, accepted (Fonseca, 2014). (Dardot and Laval, 2016), who goes through a
difficult journey, but for which it is necessary
to "extract strength", overcoming barriers such
as the State that "sucks" him through taxes,
Conclusions the platforms that exploit him and the "losers"
that transmit negativity to that occupation.
We can start by analyzing the descriptions Being a shopper, therefore, is more like
exposed above by observing that the way the "becoming" a shopper, it is to face another
shopper activity is described by Marcelo and "enterprise" in the life of these individuals, it is
Valmir mobilizes different elements. Here it is a condition that can be disabled or reactivated
not about a comparison between the two, but a as calculations, strategies and opportunities
complementarity that helps us trace aspects of progress. In the case of the new coronavirus
the shopper worker’s subjectivity. In describing pandemic, this was the opportunity for many
his activities, Valmir brings the strenuous who saw themselves as uber or, as they
working conditions to which this category is usually call themselves, "app drivers" to start
subjected, such as long working hours, low acting as shoppers. In any case, you never
pay, lack of structure for commuting home- leave an activity completely. The uncertainty
work and the absence of important conditions and insecurity regarding working conditions
and the gains that will be obtained lead to The permanence of work by
an impossibility of planning the future in the applications, however, helps to explain the
medium and long term, as Sennett (1999 and activities performed by the two, but does not
2006) had already advanced. Planning takes end the strategies they outline to earn a living.
place according to the information available, Marcelo, for example, sought to capitalize
and the speed of calculations and reasoning on his performance as a youtuber to try to
to join a particular activity or turn on and offer a course to other app drivers. Valmir,
off a particular application needs to be very identifying that working as a shopper did not
fleeting. This explains the fragility and difficulty provide the gains he was expecting, began to
of building an identity around the shopper, but use the networks and his channel to sell masks
also around other occupations modulated by wholesale, another gap identified by him with
uberization (Abílio, 2019 and 2020). Thus, the the advent of the new coronavirus pandemic.
presence of amateur work is latent, as Abílio In a classic entrepreneurial narrative, we
(2020) described, given the indetermination would say that Valmir identified a market
of time and space in the tasks performed. opportunity and sought to exploit it to achieve
This influences the formation of a collective his gains. This is not an incorrect description,
solidarity and on the possibilities of this social but we prefer to situate it as a constant and
subject to intervene in the State. structuring practice of the strategies of life
It does not mean to say, however, that and survival of the popular classes (Machado
there is no identity and subjectivity to be da Silva, 2018), or as an imperative of survival
noticed in the shopper worker. It exists and in the world of informality, considering the
can be seen in the statements of the subjects Brazilian historical and socioeconomic context,
analyzed here and in the way they dialogue although under distinct dimensions and
with their peers. But this identity has fragile intensities today (Telles, 2010).
and fleeting, though always reattachable, A frustration with politics (and with
bonds, as Boltanski and Chiapello (2009) politicians) is perceived in the statements of
describe in the connectionist world of projects the shoppers analyzed. The idea that they are
and networks formed in contemporary on their own and avoid positioning themselves
capitalism. Perhaps it is clearer to note this politically, fearing that their vision may bring
collective identity, even if it remains unstable, some damage to their activity, especially with
if we look at shoppers as well as ubers, delivery their customers, is clear. Marcelo, for example,
men, trucks, that is, workers modulated by says he seeks "not to meddle in politics". Still,
applications managed by large companies, the it is possible to see some dissatisfaction and
platforms. Like all generalizations, we may lose discontent with the platforms and certain
important nuances if we look at it this way, but logics of operation. However, without a
it is a way that considers the narrative itself collective representation, as in the case of taxi
and representation of themselves made by drivers cited by Valmir, and in the absence of
Marcelo and Valmir, for example. social protection mechanisms, the perception
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 597
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
that they are "alone" is highlighted. That's something that breaks with the structure
why they need to use all strategies to increase of gains and conditions experienced, as the
their income: "to exploit in a way not to be so activity of shopper was, especially in the
exploited", as Marcelo said. Valmir's phrase, period of the new coronavirus pandemic.
apparently commonplace and unpretentious, The uncertaint ies experienc ed in this
"Since we are not silly, I just turned on Uber", context become indefinitions regarding their
is actually symbolic of the representation of identities and feelings of attachment and
the strategies adopted to face the scenario of recognition, which add to an urban context
uncertainties and protections. dominated by a neoliberal reason that results
Finally, it is perceived that the shoppers, in the lack of protection and regulation of
or, in general, the application workers, millions of workers, sometimes seen by
who permeate the tissue of contemporary themselves as entrepreneurs of their own
metropolises, are subjects who seek practices lives and seeking to build alternatives of
that go through the idea of "novelties", income and work.
[I] https://orcid.org/0000-0002-2105-5890
University of State of Rio de Janeiro, Institute of Social and Political Studies, Postgraduate Program
in Sociology. Rio de Janeiro, RJ/Brazil.
braunercruz@iesp.uerj.br
[II] https://orcid.org/0000-0002-8279-3643
Federal University of ABC, Center for Engineering and Social Sciences, Postgraduate Program in
Humanities and Social Sciences. Santo André, SP/Brazil.
claudio.penteado@ufabc.edu.br
[III] https://orcid.org/0000-0002-5847-241X
Federal University of ABC, Free Technologies Laboratory, Center for Engineering and Social Sciences,
Santo André, SP/Brazil.
paulorobertoeliasdesouza@gmail.com
Translation: this article was translated from Portuguese to English by Eduardo Araujo Couto,
eduardoaraujocouto@gmail.com.
Notes
(*) The original expression, in Portuguese, is “Ves ndo a camisa da empresa”, which means, literally,
“Wearing the company’s shirt”. It is a common expression in Brazil used as a reference for an
employee who puts devo on and allegiance to his/her work and, mostly, the company he or she
is working for.
(1) This is a term used by the workers themselves for this type of service, which is why we decided to
keep it in our analysis. In English, shopper would designate a buyer, and the word is mobilized
by the Cornershop pla orm, owned by Uber, which names its hardworking users in this way.
Thus, when the company joined the Brazilian market, many became shoppers, because, in their
vast majority, they started working on this applica on, even though they currently also provide
services to other pla orms. More recently, a startup named Shopper, with similar opera ons
to the other pla orms men oned, has gained market share in the city of São Paulo. However,
the term shopper remains in its broad sense, being able to designate workers in this field on
different pla orms.
(3) Link Estadão. Uber buys Chilean startup from Cornershop market deliveries. Available in:
h ps://link.estadao.com.br/no cias/empresas,uber-compra-startup-chilena-de-entregas-de-
mercado,70003046303. Access: November 8th, 2020.
(4) Techtudo G1. Cornershop: How the market service works in partnership with Uber. Available
in: https://www.techtudo.com.br/listas/2020/08/cornershop-como-funciona-o-servico-de-
mercado-em-parceria-com-uber.ghtml. Access: November 8th, 2020.
(5) NEOFEED. Uber takes over 100% of Cornershop for more than $1.4 billion. Available in: h ps://
neofeed.com.br/blog/home/uber-assume-100-da-cornershop-por-mais-de-us-14-bilhao/.
Access: December 17th, 2021.
(6) At Uber, however, a car is requested to be manufactured back up to 10 years. That's a compara ve
advantage for anyone who wants to become a shopper, since they don't need to have such a
new car.
(7) These steps are based on the reports of the shoppers analyzed by us and the context of the
production of the videos we used. Some of these steps, however, were altered over the
pla orm's performance me, such as a shortening of online training and the dispensa on of a
knowledge approval test. However, we chose to describe those that prevailed when the videos
began being produced and the reports of the two shoppers we studied were made, around April
2020.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 599
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
(24) It is important to emphasize that this is a descrip on that we inferred from the videos published
by Valmir and their dates, and there may be inaccuracies in the moments of the "jobs"
developed.
References
ABÍLIO, L. C. (2019). Uberização: do empreendedorismo para o autogerenciamento subordinado.
Psicoperspec vas, v. 18, n. 3, pp. 41-51.
______ (2020). Uberização: a era do trabalhador just-in- me? Estudos Avançados, v. 34, n. 98.
BOLTANSKI, L. e CHIAPELLO, È. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo, Mar ns Fontes.
BURGESS, J.; GREEN, J. (2009). YouTube e a revolução digital. São Paulo, Aleph.
CRUZ, M.; FONSECA, F. (2018). Vetores em contradição: planejamento da mobilidade urbana, uso do
solo e dinâmicas do capitalismo contemporâneo. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 20, n. 42,
pp. 553-576.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
FONSECA, F. (2014). A concepção neoliberal de jus ça. REBAP. Revista Brasileira de Administração
Polí ca, v. 12, pp. 15-41
FOUCAULT, M. (2008). O nascimento da biopolí ca: curso dado no Collège de France (1978-1979). São
Paulo, Mar ns Fontes.
KARHAWI, I. (2017). Influenciadores digitais: conceitos e prá cas em discussão. Communicare, v. 17,
pp. 46-61.
JESUS, E.; SALGADO, T.; SILVA, P. (2014). Performances e produção de efeitos subje vos no Instagram
e no YouTube. Fronteiras-estudos midiá cos, v. 16, n. 3, pp. 243-256.
LÓPEZ-RUIZ, O. (2007). Os execu vos das transnacionais e o espírito do capitalismo: capital humano e
empreendedorismo como valores sociais. Rio de Janeiro, Azougue.
MACHADO DA SILVA, L. A. (2018). O mundo popular: trabalho e condições de vida. Rio de Janeiro,
Papéis Selvagens.
SLEE, T. (2017). Uberização: a nova onda do trabalho precarizado. São Paulo, Elefante.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 577-602, maio/ago 2022 601
Brauner Geraldo Cruz Junior, Claudio Luis de Camargo Penteado, Paulo Roberto Elias de Souza
TELLES, V. (2006). “Introdução”. In: TELLES, V.; CABANES, R. Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas
e seus territórios. São Paulo, Humanitas.
______ (2010). A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte, Argumentum.
Abstract Resumo
Modern architects operate with at least three Os arquitetos modernos operam com pelo me-
fundamental no ons: space, me, and movement. nos três noções fundamentais: espaço, tempo e
In the case of the walkways, the challenge is also movimento. No caso das passarelas, o desafi o é
to solve the problems of walkability in specific resolver também os problemas de caminhabili-
topographic constraints of the city. Based on dade em condicionantes topográfi cos específicos
documents available in the library collection of da cidade. Com base em documentos disponíveis
the School of Architecture and Urbanism of the no acervo da Biblioteca da FAUUSP, este estudo
University of São Paulo, this study analyzed the analisou as passarelas urbanas projetadas por
urban walkways designed by Vilanova Artigas in Vilanova Ar gas na década de 1970 para a cida-
the 1970s for the city of São Paulo and the region de de São Paulo e ABC. O valor dessas passarelas
known as ABC Paulista. The value of these walkways na obra de Ar gas reside não apenas no objeto
in Artigas’ work lies not only in the designed and projetado e construído, mas também em seu pen-
constructed object, but also in his theoretical samento teórico sobre a circulação, a conexão, a
thought about circula on, connec on, city, people, cidade, as pessoas e a arquitetura. Foi criada uma
and architecture. A table was created with the tabela com os desenhos das passarelas e seus
drawings of the walkways and their main circula on principais elementos de circula ção. Este estudo
elements. This study contributes to the apprecia on contribui para a valorização do nosso patrimônio
of our architectural and modern urban heritage. arquitetônico e urbano moderno.
Keywords: urban walkways; Vilanova Artigas; Palavras-chave: passarelas urbanas; Vilanova Ar -
circula on; path. gas; circulação; percurso.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5407 Crea ve Commons Atribu on
Ana Tagliari, Wilson Florio
created projects with the adoption of the In the case of an urban environment,
elements of circulation in different ways. these elements of connection are especially
The analysis of the architect's set of urban i m p o r ta n t a n d sy m b o l i c . I n A r t ig a s'
walkways projects can reveal fundamental architecture we can observe the importance
aspects for a better understanding of his of the circulation system in the definition and
work. These facts aroused the interest of structuring of the architectural parti.
studying these projects focusing on circulation The original contribution of this research
systems to further understand the association resides in the object of study, focus of
between these elements of architecture and investigation, and in the methodology, using
the urban dimension. drawings, visits, photos, and diagrams.
Note: Drawings and construc on details extracted from the drawings of the studied walkways.
Historical photos of the walkways selected for the study. Material made available by the FAUUSP Library.
Source: by the authors (2018).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 605
Ana Tagliari, Wilson Florio
modern technique of reinforced concrete. The Four Books of Architecture, the architect
One of the design strategies used by Artigas to approaches the design and construction
materialize these concepts is the adoption of of bridges as an important element for the
ramps in his projects. Ramps are elements of circulation of people around the city. For the
modern architecture that allow to create a fluid architect, bridges should be beautiful and safe,
and continuous space, visually and formally. made of wood or stone.
Artigas' work can be considered a There are countless important bridges
manifestation of the architect's position that constitute our cultural repertoire.
over the society of his time. The use of new The Ponte d'Avignon in France, the Ponte
materials and construction techniques were Vecchio in Florence, or the Bridges of Rialto
decisive factors in changing the modern or dell'Accademia in Venice. In Brazil, it can
language of his architecture. be said that the most well-known pedestrian
In addition to constructive change, he walkways are those designed by João Filgueiras
also aimed to modify the organization of the Lima, Lelé, for the city of Salvador in Bahia.
architectural programming of spaces. Artigas Regarding Urbanism, Lucio Costa
believed that changes in society started (2018, p. 277) states: “A city is the palpable
demanding a new stance from architects and expression of the human need for contact,
artists. It should be noted that during his communication, organization and exchange -
career, the architect proposed changes in the in a certain physical-social circumstance and
organization of the architectural program, in a given historical context”. Le Corbusier,
sectorization, circulation and connection in his books Urbanism and the Charter of
between spaces. Athens, notes the importance of circulation
and its means, both for cars and for people,
for the dynamic of modern city. In the Charter
of Athens, Corbusier states: “Pedestrians
Pedestrian walkways: must be able to follow routes other than
circula on, path and movement the automobile. This would constitute a
through urban space fundamental reform of circulation in cities”.
In this sense, walkways, as elements of
Because many rivers, due to their width,
urban infrastructure, are fundamental to the
depth, and speed, cannot be ford, the
convenience of bridges was created. freedom of movement, connection, and safety
(Andrea Palladio, Third Book) of pedestrians, in addition to contributing to
the fluidity of urban activities.
The concept of walkway appears in the modern In São Paulo, Empresa Municipal de
city based on the idea of bridges in the old city. Urbanização – Emurb, a public company
As stated in the Aurélio dictionary, a walkway created in November 1971, had as main
is: “ponte estreita construída sobre avenidas objective the planning and intervention of
e estradas para trânsito de pedestres”. In the the urban space. However, Emurb split up in
third book of the Andrea Palladio Treatise, 2010 in the companies São Paulo Urbanismo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 607
Ana Tagliari, Wilson Florio
( SP-U rb an ism o) an d São Pau lo Ob ras to valuing public spaces, the physical and
(SPObras). In the 1970s, a series of walkways mental health of citizens, and social and
were requested by the company as a demand economic relations on the street scale and the
for pedestrian problems in the urban spaces. neighborhood. (Hoppe; Siqueira, 2018).
On the scale of urban design, Vicente del Kevin Lynch presents his study of the
Rio (1990, p. 69) develops a methodological landscape on the urban scale of the city,
reasoning that unites the various theories that organizing it into five elements, one of which
complement each other, regarding analysis is related to connections, namely roads. For
and performance from the user's perspective, Lynch (1960, p. 103) circulation is one of the
that is, how he sees, feels, understands, fundamental functions that can be expressed
uses, and appropriates the city, its elements, by the shapes of a city. The skeleton of the
and its social activities. This methodology city's image consists of these streets, paths,
involves visual analysis, perception of the and connections. And, according to this
environment, environmental behavior, and reasoning, walkways are part of this structure.
urban morphology. One of the approaches is In addition to the matter of connection, the
precisely the connections and the place. Urban city offers visuals and points of interest along
infrastructure elements such as walkways are the route, which takes on an even greater
important for city activities to take place. meaning, making it an experience in full and
This thin kin g is in lin e with th e involving perceptual qualities natural to the
contemporary concept of walkability coined movement through space.
by Chris Bradshaw in 1993, which focuses on A path is the action of moving, a route
the conditions of urban space seen from the to be taken between one point and another,
perspective of the pedestrian. As Danielle distant from each other. In a space, routes
Hoppe and Rafael Siqueira (2018) note in are necessary to move from one location
general lines, this concept can be defined as to another, and thus perform the necessary
the extent to which the characteristics of the activities. Circulation and path, in architecture
urban environment favor its use for walking. and in the city, are not items to be planned
Walkability comprises aspects such as only in a functional and objective manner,
the conditions and dimensions of sidewalks but also subjective, as they involve various
and intersections, the attractiveness and perceptual and psychological questions.
density of the neighborhood, the perception Gordon Cullen presents a series of
of public safety, road safety conditions and any observation drawings, the serial view, which
other characteristics of the urban environment studies the city from different paths. Cullen
that influence the motivation for people to (1971, p. 25) notes that the city has territories
walk more often and use the urban space. that lead to static occupation, and others that
Walkability focuses not only on physical consist of appropriation by the movement,
elements, but also on attributes of land use, in addition to interconnections, connections
politics or urban management that contribute and paths.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 609
Ana Tagliari, Wilson Florio
• Sesi walkway on Avenida dos Eucaliptos/ the engineering view encompasses structural,
Rio Tamanduateí, Centro, Santo André, for the static, and dynamic issues, the view of
Santo André City Hall, 1974; architecture involves functionality, insertion
• Walkway on Avenida Pereira Barreto, Rua into the urban context and the landscape,
Caiubí, Jardim Paraíso, Santo André, for the language, details and understanding and
Santo André City Hall, 1978; sensitivity towards the user. In this sense,
• Walkways in the Municipal Palace of São it is noted that Artigas, with his training as
Bernardo do Campo/Av. Brigadeiro Faria Lima an engineer/architect, subtly united the
and Av. Pereira Barreto, for the São Bernardo sensitivity and technique that a walkway
do Campo City Hall, 1975; project requires.
Rosa Artigas (2015, p. 200) comments A walkway should connect two points,
on the urban walkways in São Paulo: “These preferably with the shortest route, but also
are projects for nine walkways that cross direct visuals and promote experiences for
avenues [...] with the same constructive the pedestrian walking on it. Therefore, there
principle serving for all of them: a central is not only a functional problem, but also a
free span grounded by a prefabricated metal perceptual one. In addition, a walkway must
structure supported by reinforced concrete be accessible and safe.
pillars at the ends”. According to the norm of the Brazilian
The consulted documents demonstrate Association of Technical Standards (ABNT)
an intense work of the architect in developing 9050, pedestrian walkways must be provided
u rb a n walk w ay project s w it h sim ilar with ramps, or ramps and stairs, or ramps
construction principles – precast and/or and elevators, or stairs and elevators for
metallic structure – that could be quickly the circulation of people. Ramps, stairs and
assembled and installed – but with different elevators must fully comply with the provisions
designs, straight and/or curved, according to of this norm. Although the analyzed walkways
the characteristics of the urban context where were designed in the 1970s, they already met
they would be inserted – topography; height the needs that we now find systematized
required for passage on the expressway; area in the standard, as a natural solution to the
available for the insertion of stairs and/or problem presented.
ramps; vegetation; pedestrian flow.
The walkways
Results and discussion
In this topic we present the object of study.
The pedestrian must be able to follow The walkways designed by Vilanova Artigas.
routes other than those of the car. (Le
In the city of São Paulo we have studied
Corbusier, The Athens Charter, 1993)
eight walkways. The walkway over Avenida
The design of a walkway involves an 23 de Maio with Rua Coronel Oscar Porto,
interdisciplinary and collaborative vision Paraíso, 1972, was not built. This walkway
between engineering and architecture. While should make it possible to connect the two
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 611
Ana Tagliari, Wilson Florio
sides of Avenida 23 de Maio around the The Largo Padre Péricles walkway,
Paraíso and Vila Mariana neighborhoods. Due on Avenida Francisco Matarazzo (Figure
to the topographic conditions of the region, 6), Perdizes, for Emurb, 1972, built, allows
Avenida 23 de Maio is located in a valley, the circulation of people crossing Avenida
and the walkway connects two streets with Matarazzo in an important location, on the
higher elevations, without the need for stairs one side, the Perdizes neighborhood, and on
or ramps to access it, presenting only a slight the other, Barra Funda. Access to the walkway
inclined surface configuring the design of an occurs through circular, helical ramps.
arch. Walkway to Avenida Rubem Berta with
The walkway to Avenida Rubem Berta Avenida Aratans, Planalto Paulista, to Emurb,
with Alameda Miruna, Planalto Paulista, for 1972. It was built to make the connection
Emurb, 1972, was built, allowing to connect between the two sides of the north-south
the two sides of the north-south corridor in corridor in the Moema neighborhood possible.
the Moema neighborhood, close to Avenida It is located very close to the Alameda Miruna
dos Bandeirantes. Access to the walkway walkway. Access to the walkway occurs
occurs through straight ramps. through straight ramps.
Figure 2 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
Sequence of projects: Oscar Porto; Miruna; Matarazzo; Aratans; Getulio Vargas;
Lisbon (2 versions); Ibirapuera and INPS
Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.
The Walkway Over Avenida 9 de Julho over Avenida 23 de Maio, the views would
with Fundação Getúlio Vargas (Figure 7), be especially open towards the obelisk in
Bela Vista, for Emurb, 1972, built, connects Ibirapuera Park.
the two sides of Avenida 9 de Julho around The topography of the city of São Paulo
FGV, between Bela Vista and Consolação. offers natural conditions that configure valleys
Access to the walkway occurs naturally with and avenues, urban limits, as occurs on Avenida
an inclined surface, forming a slight arch, 23 de Maio, located in the valley. The walkway
due to the topographic conditions of the that would be installed there would occupy
valley region. the highest elevations, connecting areas that
The Walkway on Avenida 9 de Julho/J.M. were detached from the road. Urban limits can
Lisboa, Jardim Paulista, 1973, was not built. also be streets (Lynch, 1960, p. 76), where the
There are two versions of the project. One observer was not prevented from circulating
with access through stairs and the walkway on the road, so the image of the street as a
has a slight slope forming an arch, and another circulation route predominated, as occurs on
with access through straight ramps. Avenida Rubem Berta, in this case from the
The Ibirapuera walkway at Avenida walkways of Rua Aratans and Avenida Miruna.
Pedro Alvares Cabral, 1974, was also not In the city of Santo André at ABC Paulista
built. It would have provided for straight (Figures 8-9-10), the walkway on Avenida
ramps to access the walkway, which should Coronel Alfredo Flaquer (Figure 11), also
occur naturally, as a continuation of the known as Avenida Perimetral, was built for
public walkway. This walkway would be an the Santo André Administration in 1974, and
articulating and facilitating element for people connects the two sides of this avenue that
who circulate in Ibirapuera Park. crosses an important central part of the city.
Fortunately the walkway on Avenida 9 It is located close to Av. Guilherme Marconi,
de Julho/n. 610-INPS, Bela Vista, for Empresa which connects the city center to the Vila
Municipal de Urbanização (Emurb), 1977, was Assunção neighborhood. This walkway contains
built, whose access occurs through straight ramps as access elements. On one side straight
stairs and ramps. ramps, and on the other side a spiral ramp with
These walkways positively redefine organic design. The straight ramps are covered
the urban landscape of the place, in addition with a roof, with zenith openings.
to creating visuals for the pedestrians that The walkway that creates continuity
circulate on it. Unique views of the city can on Rua Justino Paixão crosses over Avenida
be seen from the walkway, such as the Nove Ramiro Colleoni, an avenue with a large flow
de Julho walkway, Fundação Getúlio Vargas, of cars. Located in the center, next to the
a wide and unobstructed view of the Avenida Municipal Palace and built for the Santo André
Paulista spire and the São Paulo Museum Administration in 1974. There are straight
of Art (Masp). In the case of the walkway ramps as access elements.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 613
Ana Tagliari, Wilson Florio
Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP
library collec on.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 615
Ana Tagliari, Wilson Florio
The Sesi walkway at Avenida dos For the Municipality of São Bernardo do
Eucaliptos, also built for the Santo André Campo (Figure 9), there is a set of walkways
Administration in 1974, creates a safe crossing located in the Municipal Palace of São
over the Avenida do Estado and the Tamanduateí Bernardo do Campo with Av. Brigadeiro Faria
River, connecting neighborhoods in the city. The Lima and Av. Pereira Barreto, from 1975.
access elements are straight ramps. It is important to highlight that issues
The walkway on Avenida Pereira Barreto of accessibility, comfort and safety, all topics
with Rua Caiubí in Jardim Paraíso, designed for discussed today, were already contemplated
the Santo André Administration in 1978, was not on the walkways designed by Vilanova Artigas
built. The drawings show straight stairs and ramps in the 1970s as a natural solution to the
following the topography on one of the sides. problem presented in the program.
Figure 6 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
Sequence of projects – Santo André: Perimetral; Ramiro Colleoni; SESI;
Pereira Barreto (2 versions)
Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.
Figure 7 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
São Bernardo do Campo
Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 617
Ana Tagliari, Wilson Florio
Figure 8 – Study designs of the analyzed walkways. Plan and eleva on.
Sequence of projects in Santo André: Perimetral; Ramiro Colleoni; Sesi;
Pereira Barreto (2 versions)
Source: drawings by the authors (2018) based on the original drawings from the FAUUSP library collec on.
Figure 9 – Photos from the visit at Perimetral/Alfredo Flaquer, Santo André walkway
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 619
Ana Tagliari, Wilson Florio
architecture. In addition, we can say that some the space “in-between”, the interval, and the
important experiments and achievements movement of people. Thus, the utopian, the
were carried out with regard to the elements symbolic and the metaphorical are present
of circulation, the walkways, and some in his architecture and in these elements of
examples of his oeuvre of architecture. urban infrastructure.
The element s of circu lation and This study contributes to valuing our
connection, such as walkways, stairs, and cultural, architectural, and urban heritage, the
ramps, also offer a symbolic interpretation registration and documents of this precious
of bringing together, and at the same time collection, and built architecture and urban
creating internal and external spaces, valuing infrastructure.
[I] http://orcid.org/0000-0002-4488-9898
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Curso
de Arquitetura e Urbanismo. Campinas, SP/Brasil.
tagliari.ana@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-6940-8341
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Curso de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
wilsonflorio@gmail.com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 621
Ana Tagliari, Wilson Florio
Acknowledgments
To CNPq for their support to the study “Espaço, Percurso, Tempo e Movimento. Análise de Projetos
como foco no sistema de circulação como sistema estruturador do par do”. To the FAUUSP
Library, which kindly made available the consultation to the collection. The authors thank
Espaço da Escrita – Pró-Reitoria de Pesquisa – Unicamp – for the language services provided.
References
Acervo Digital da Biblioteca da FAU-USP – Projetos de Vilanova Ar gas.
CASTRIOTA, L. B. (org.) (2011). Arquitetura e documentação. São Paulo, Annablume; Belo Horizonte, Ieds.
______ (2005). Mensagem aos estudantes de arquitetura. São Paulo, Mar ns Fontes.
COSTA, L. (2018). Registro de uma vivência. São Paulo, Edições Sesc São Paulo.
DEL RIO, V. (1990). Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo, Pini,.
KATINSKY, J. (2003). Depoimento sobre Vilanova Ar gas. São Paulo, Ins tuto Tomie Ohtake. CD da
Exposição.
KEIL, A. (2013). Pedestrian Bridges. Ramps, walkways, structures. Munique, Detail Prac ce.
SINAECO e Ins tuto de Engenharia de São Paulo (2019). Campanha pela manutenção do ambiente
construído. São Paulo. Disponível na web. Consulta em novembro.
TAGLIARI, A.; PERRONE, R.; FLORIO, W. (2017). Vilanova Ar gas. Projetos residenciais não construídos.
São Paulo, Annablume.
THOMAZ, D. E. (1997). Um olhar sobre Vilanova Ar gas e sua contribuição à arquitetura brasileira.
Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
TIWARI, R. (2018). Connec ng places, connec ng people: a paradigm for urban living in the 21st
century. Nova York, Routledge.
VOGLIAZZO, M. (2002). Pon e passerelle. Bridges and footbridges. L’Arca Plus. Milano, L’ArcaEdizioni,
Anno IX, n. 34.
XAVIER, A.; LEMOS, C.; CORONA, E. (1983). Arquitetura moderna paulistana. São Paulo, Pini.
WISNIK, G.; FRAMPTON, K. (2010). Revista 2G n. 54. João Vilanova Ar gas. Barcelona, Gustavo Gilli.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 603-623, maio/ago 2022 623
Governança neoliberal em territórios
minerários: o investimento
social privado na RMBH
Neoliberal governance in mining territories: private social
investment in the Metropolitan Region of Belo Horizonte
Junia Maria Ferrari de Lima [I]
Renato Barbosa Fontes [II]
Léa Guimarães Souki [III]
Resumo Abstract
Este ar go discute uma das expressões da gover- This paper addresses one of the expressions of
nança neoliberal que, no caso brasileiro, se mani- neoliberal governance that, in the Brazilian case,
festa, dentre outras formas, a par r do chamado manifests itself, among other forms, through the
“inves mento social privado”. Trata-se de um con- so-called “private social investment”. It is a set
junto de ações, de caráter gerencial, conduzido por of managerial actions conducted by companies
empresas e/ou suas fundações na região onde ope- and/or their foundations in the region where
ram suas a vidades, e que visa a ampliar sua hege- they operate, aiming to expand their hegemony
monia a par r da valorização de suas imagens, ao by improving their image. However, at the same
mesmo tempo que elas despoli zam e subtraem, time, this causes depoliticization and decreases
das sociedades locais, sua capacidade par cipa va the participatory and transformative capacity of
e transformadora. Com base no conceito de hege- the local societies. Based on Antonio Gramsci's
monia de Antonio Gramsci e u lizando os relató- concept of hegemony and using sustainability
rios de sustentabilidade disponibilizados nos sites reports available on the websites of mining
de empresas minerárias que atuam no vetor su- companies operating in the Southeast vector of
deste da Região Metropolitana de Belo Horizonte, the Metropolitan Region of Belo Horizonte, the
interessa-nos aqui reunir elementos que permitam main goal of this paper is to collect elements that
iden ficar mais essa par cularidade da “governan- enable to iden fy this par cularity of “neoliberal
ça neoliberal”. governance”.
Palavras-chave: cidades minerárias; inves mento Keywords: mining ci es; private social investment;
social privado; organizações da sociedade civil; Re- civil society organiza ons; Metropolitan Region of
gião Metropolitana de Belo Horizonte; governança. Belo Horizonte; governance.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5408 Crea ve Commons Atribu on
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
626 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 627
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
628 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 629
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
630 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 631
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
Fonte: SRF (Brasil, 2016) e Rais/MTE (Brasil, 2015). Elaboração Ipea em Lopez (2018, p. 142).
632 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 633
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
Esse discurso, além de alinhado à lin- Isto sugere que esses princípios, em es-
guagem da governança neoliberal, sinaliza um pecial a tríade sustentabilidade, segurança e
grande interesse no sentido de construção, responsabilidade social, tenham sido interna-
fortalecimento e divulgação da imagem des- lizados na prática das empresas como um re-
sas empresas. Em seus textos institucionais, curso de legitimação e, em última instância,
é comum ver suas ações apresentadas como de sua hegemonia. A responsabilidade social
investimento, e os atores sociais chamados de é apresentada, de maneira geral, como uma
investidores sociais. preocupação das empresas com as comunida-
des locais, e suas ações são viabilizadas a partir
O investimento social possui instrumen-
tos poderosos ligados à mobilização dos de recursos próprios, doações ou via leis de in-
recursos da sociedade e do capital priva- centivo fiscal, em diversas áreas.
do. Como investidores sociais, devemos A sustentabilidade apresenta-se como
ser capazes de incorporar a dimensão um elemento que sobressai na maioria dos
pública na gestão de recursos privados.
sites e relatórios. Sua visibilidade se dá por
Estruturas de governança fortes e a am-
pliação da transparência são vetores meio de informações sobre a adoção de me-
fundamentais para assegurar o devido didas de educação ambiental e investimentos
equilíbrio entre os interesses público sociais que visam garantir o desenvolvimento
e privado e um diálogo aberto e efeti-
social e a preservação dos recursos naturais. As
vo com grupos sociais. (Disponível em:
https://gife.org.br/quem-somos-gife/;
empresas ressaltam, com clareza, seu papel pri-
grifos nossos) mordial no escopo de atuação, o que pode ser,
em grande medida, entendido pela visibilidade
Atualmente há cerca de 20 empresas de internacional do conceito de sustentabilidade.
mineração9 atuando em sete municípios que A segurança, de modo geral, aparece
compõem o que aqui denominamos vetor su- como essencial nas operações das empresas
deste da RMBH e cujos PIBs estão majoritaria- visando ao bem-estar dos funcionários através
mente ancorados nessa atividade econômica. da adoção de medidas de prevenção de aci-
Dessas mineradoras, apenas 12 têm site ins- dentes de trabalho, por exemplo, ou de medi-
titucional e/ou relatórios de sustentabilidade das relacionadas à saúde dos indivíduos.
disponibilizados on-line, o que nos obrigou a Desse universo de empresas, 8 10 são
reduzir o recorte de análise para esse universo, multinacionais e estão inseridas no Pacto Glo-
abaixo sintetizado. bal da ONU,11 iniciativa voluntária lançada em
Foi possível constatar semelhanças nos 2000 e voltada para o setor empresarial. No
discursos institucionais das 12 empresas ana- Brasil, essas empresas se organizam através
lisadas: (1) sustentabilidade, presente em da Rede Brasil do Pacto Global, que preside o
todas elas; (2) segurança, presente em 9 em- Conselho das Redes Locais na América Latina e
presas; e (3) responsabilidade social, vista em tem sede em Nova York. Entre seus objetivos,
7 empresas. Outros aspectos, como ética, li- encontra-se “alavancar o potencial da comuni-
derança, qualidade e saúde, por exemplo, são dade empresarial como agente de transforma-
também mencionados. ção também é garantir a competitividade dos
634 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Nacional/
Empresas Diretriz Base Princípios recorrentes
Mul nacional
Sustentabilidade
1. AngloGold Ashan Segurança
Responsabilidade Social
2. ArcelorMi al Sustentabilidade
Meio Ambiente
3. CSN Mineração Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
4. Jaguar Mining Mul nacional ODS da ONU Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
5. Mineração Usiminas Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
6. Vale - Cia Vale do Rio Doce Segurança
Responsabilidade Social
Sustentabilidade
7. Vallourec Mineração Segurança
Responsabilidade Social
Meio ambiente
9. Grupo MBL Segurança
Responsabilidade Social
Responsabilidade socioambiental
10. Herculano Mineração Nacional Polí ca própria
Segurança
Meio Ambiente
11. Minerita
Segurança
Meio Ambiente
12. Vór ce Mineral Segurança
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 635
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
636 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 637
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
638 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 639
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
640 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
e legitimá-las perante as comunidades e as or- ações das empresas diretamente nas comu-
ganizações da sociedade civil, além de auferir nidades. Outra hipótese a ser considerada é
ganhos financeiros. o constrangimento do desenvolvimento do
No caso da rede associativa em torno associativismo local na direção de uma possí-
das empresas mineradoras da RMBH, espe- vel luta contra expressões mais substantivas,
cialmente nos municípios que exploraram no especialmente contra os efeitos deletérios do
passado ou ainda mantêm atividades de extra- extrativismo minerário.
ção, essas parcerias sugerem um outro ciclo de Dito isso, cabe evidenciar que, ao con-
domínio/dependência a partir do investimen- trário do que se propaga simplificadamente,
to social privado, estratégico na defesa corpo- os argumentos referentes à hegemonia não
rativa das empresas. Os aparelhos privados de são meramente culturais, embora a cultura as
hegemonia são investimentos que, além de incorpore de maneira consistente. Essa hege-
facilitarem situações lucrativas, também pare- monia remete também às diversas lutas cons-
cem criar uma cultura, um senso comum, de tantes intra e entreclasses sociais, e, se essas
valores compartilhados para além da simples lutas atingem algum grau de estabilidade, esta
absorção da linguagem neoliberal. Possuem se faz, em grande medida, pela despolitização
um papel nas formas de organização de socia- ou pelo silêncio dos dominados. O equilíbrio
bilidade e na conexão da base econômica e do atingido nunca é absolutamente estável, ele
Estado. Esta seria, pois, uma das característi- sempre conterá algum dinamismo.
cas da dominação do neoliberalismo, especi- A reformulação do papel do Estado
ficamente no setor minerário exportador de brasileiro, ao se democratizar, trouxe consigo
commodities: sujeito às flutuações no mercado novas formas de configuração e fortalecimen-
internacional, aferidor de importantes lucros to de sua hegemonia, construindo consensos
e com papel relevante na economia de Minas através da materialização de políticas e no
Gerais e do Brasil. âmbito das lutas simbólicas. A organização
No caso das mineradoras que atuam na empresarial pôde se utilizar do novo marco le-
RMBH, percebe-se que há um beneficiamento gal das organizações da sociedade civil captu-
dessas empresas por meio de maior presença rando e ressignificando os problemas sociais
de suas respectivas fundações, iniciativas de e suas soluções, no caso das cidades mine-
investimento social privado e parcerias com rárias. Nesse sentido, cabe-nos avaliar, como
as OSCs, operando com mais legitimidade no reflexão final, os limites e possibilidades de
território em que estão instaladas. Porém, se construir um novo e mais persuasivo senso
não se trata de um efeito automático, mas comum, ou uma contra-hegemonia por parte
de um jogo de posições de múltiplas cama- dos setores não empresariais, trabalhadores
das que atuam de maneira gradual. Estas se e população afetada pela mineração. Isto é,
expressam a partir de editais elaborados pe- o fortalecimento de um outro lado que não o
las empresas para financiamento de projetos do capital minerário, uma rede de associações
coordenados por OSCs, patrocínio de even- autônomas ancoradas no entendimento da di-
tos culturais e esportivos, parcerias entre as ferença e especificidade dos interesses de uns
empresas e prefeituras locais, bem como de e de outros.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 641
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
[I] https://orcid.org/0000-0002-1534-5621
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Departamento de Urbanismo. Belo
Horizonte, MG/Brasil.
juniaferrari15@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-6220-8849
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Programa de Pós-Graduação em Ar-
quitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, MG/Brasil.
renatobfontes@gmail.com
[III] https://orcid.org/0000-0003-0290-8090
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Sociais, Programa de Pós-
-Graduação em Ciências Sociais. Belo Horizonte, MG/Brasil.
lgsouki@gmail.com
Nota de agradecimento
Notas
(1) Organização da Sociedade Civil (OSC) é a forma mais recente (lei n. 13.019/2014 e lei n. 13.204/2015)
de designar en dades ins tucionalizadas (com CNPJ) ou de direito privado, sem fins lucra vos e
não governamentais (Lopez, 2018).
(2) Este recorte inclui os municípios de Brumadinho, Caeté, Ita aiuçu, Nova Lima, Raposos, Rio Acima
e Sabará.
642 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
(4) Ribeiro (2020) compreende inflexão ultraliberal como a dinâmica instaurada no Brasil após o golpe
parlamentar e o posterior impeachment de Dilma Rousseff. A inflexão sinaliza a ruptura com
um ciclo de organização polí ca e econômica inaugurado a par r da redemocra zação, com
governos que conciliaram medidas conservadoras e compromissos com os setores populares.
A tese central de Ribeiro (ibid.) é a de que o Golpe de 2016 “alterou de maneira radical essa
correlação de forças que vinha se cons tuindo no interior do bloco de poder na direção de um
controle mais efe vo por parte das forças conservadoras” (p. 2).
(5) Cidadania regulada é um conceito cunhado por Wanderley Guilherme dos Santos que entende o
caso brasileiro do desenvolvimento da cidadania “[...] cujas raízes encontram-se, não em um
código de valores polí cos, mas em um sistema de estra ficação ocupacional, e que ademais,
tal sistema de estra ficação ocupacional é definido por norma legal. Em outras palavras, são
cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer
uma das ocupações reconhecidas e definidas em lei” (Santos, 1979, p. 75).
(7) Na lista de associados, ao lado de fundações empresariais brasileiras (que inclui grandes bancos
privados, empresas mineradoras e da construção civil), figuram também grande quan dade de
en dades estrangeiras, como as fundações Bunge, Cargill, Nestlé Brasil, Nokia, Volkswagen, os
ins tutos Coca-Cola Brasil, HSBC Solidariedade, Renault, Wal-Mart, além da par cipação direta
de empresas como Monsanto e Microso , dentre outras. Disponível em: h ps://gife.org.br/
quem-somos-gife/. Acesso em: 15 maio 2021.
(9) Multinacionais: AngloGold Ashanti; ArcelorMittal; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining Inc.;
Mineração Usiminas S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração. Nacionais: Cefar; Comisa; Ferrous
Resources do Brasil; Grupo AVG; Grupo MBL; Herculano Mineração; London Mining Brasil;
Mineral do Brasil; Mineração Boa Vista; Mineração Serra Azul; Minerita - Minérios Itaúna Ltda;
Tamisa Mineração; Vór ce Mineral.
(10) AngloGold Ashan ; ArcelorMi al; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining Inc.; Mineração Usiminas
S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração; Vór ce Mineral.
(14) D isponív el em: ht t ps: //is suu .com /an glogolda shan t ibr/d ocs/b alan co _parc eria s_
sustentaveis_2019. Acesso em: 11 nov 2020.
(15) Como senso comum, entende-se aqui uma espécie de cimento que liga e cria consensos sobre
a maneira de compreender, agir e julgar a vida social. Poderia ser quase sinônimo de ideologia
no sen do que é compar lhado pelo grupo, abarca a vida social e, por ser muito familiar, nem
sempre será visível para quem compar lha.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 643
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
Referências
ACSELRAD, H. (org.) (2018). Polí cas territoriais, empresas e comunidades: o neoextra vismo e a
gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro, Garamond.
BIANCHI, A. (2018). O laboratório de Gramsci: filosofia, história e polí ca. Porto Alegre, Zouk.
BRASIL (1998). Lei n. 9.637 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a ex nção dos órgãos
e en dades que menciona a absorção de suas a vidades por organizações sociais, e dá outras
providências. Disponível em: h p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9637.htm. Acesso em:
20 out 2020.
BRESSER-PEREIRA, L. C. (1997). Estratégia e estrutura para um novo Estado. RSP, v. 48, n. 1, pp. 5-25.
CASIMIRO, F. H. C. (2018). A nova direita: aparelhos de ação polí ca e ideológica no Brasil contemporâneo.
São Paulo, Expressão Popular.
COUTO, E.; COSTA, A. (2003). Trajetória histórica da empresa mineração Morro Velho. In: V CONGRESSO
BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA. Anais... São Paulo, Associação Brasileira de Pesquisadores
em História Econômica.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
DENEAULT, A. (2018). "As empresas mul nacionais: um novo poder soberano inscrito na ordem das
coisas". In: ACSELRAD, H. (org.). Polí cas territoriais, empresas e comunidades: o neoextra vismo
e a gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro, Garamond.
FONTES, V. (2006). Sociedade civil, classes sociais e conversão mercan l-filantrópica. Observatório
Social de América La na. CLACSO. Ano VII, n. 19, pp. 341-350.
______ (2010). O Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro, EPSJV/Editora UFRJ.
______ (2018). Gramsci, Estado e sociedade civil: anjos, demônios ou lutas de classes? Revista Outubro,
n. 31.
FRASER, N. (2020). O velho está morrendo e o novo não pode nascer. São Paulo, Autonomia Literária.
HALL, S.; LUMLEY, B.; McLENNAN, G. (1980). “Política e Ideologia: Gramsci”. In: CENTRE FOR
CONTEMPORAY CULTURAL STUDIES (org.). Da ideologia. Rio de Janeiro, Zahar.
LOPEZ, F. G. (org.) (2018). Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil. Brasília, Ipea. Disponível
em: h p://www.ipea.gov.br/portal/index.php?op on=com_content&view=ar cle&id=33432
Acesso em: 20 out 2020.
644 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022
Governança neoliberal em territórios minerários
SANTOS, B. S. (2001). “Para uma reinvenção solidária e par cipa va do Estado”. In: BRESSER PEREIRA,
L. C.; WILHEIM, J.; SOLA, L. (orgs.) Sociedade e estado em transformação. São Paulo, Editora
Unesp, pp. 243-271.
SANTOS, W. G. (1979). Cidadania e jus ça: a polí ca social na ordem brasileira. Rio de Janeiro, Campus.
THEODORE, N.; PECK, J.; BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudady el imperio de los
mercados. Temas Sociales, n. 85. San ago/Chile.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 645
Neoliberal governance in mining territories:
private social investment in the Metropolitan
Region of Belo Horizonte
Governança neoliberal em territórios minerários:
o investimento social privado na RMBH
Junia Maria Ferrari de Lima [I]
Renato Barbosa Fontes [II]
Léa Guimarães Souki [III]
Abstract Resumo
This paper addresses one of the expressions of Este ar go discute uma das expressões da gover-
neoliberal governance that, in the Brazilian case, nança neoliberal que, no caso brasileiro, se mani-
manifests itself, among other forms, through the festa, dentre outras formas, a par r do chamado
so-called “private social investment”. It is a set “investimento social privado”. Trata-se de um
of managerial actions conducted by companies conjunto de ações, de caráter gerencial, conduzido
and/or their foundations in the region where por empresas e/ou suas fundações na região on-
they operate, aiming to expand their hegemony de operam suas atividades, e que visa a ampliar
by improving their image. However, at the same sua hegemonia a partir da valorização de suas
time, this causes depoliticization and decreases imagens, ao mesmo tempo que despolitizam e
the par cipatory and transforma ve capacity of subtraem, das sociedades locais, sua capacidade
the local societies. Based on Antonio Gramsci's par cipa va e transformadora. Com base no con-
concept of hegemony and using sustainability ceito de hegemonia de Antonio Gramsci e u lizan-
reports available on the websites of mining do os relatórios de sustentabilidade disponibiliza-
companies operating in the Southeast vector of dos nos sites de empresas minerárias que atuam
the Metropolitan Region of Belo Horizonte, the no vetor sudeste da Região Metropolitana de Belo
main goal of this paper is to collect elements that Horizonte, interessa-nos aqui reunir elementos que
enable to iden fy this par cularity of “neoliberal permitam iden ficar mais essa par cularidade da
governance”. “governança neoliberal”.
Keywords: mining ci es; private social investment; Palavras-chave: cidades minerárias; investimento
civil society organiza ons; Metropolitan Region of social privado; organizações da sociedade civil; Re-
Belo Horizonte; governance. gião Metropolitana de Belo Horizonte; governança.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5408.e Crea ve Commons Atribu on
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
policies. For Deneault, the risk of applying Region of Belo Horizonte (RMBH). With an
management theory to (e.g.) politics and public economic structure that relies heavily on mining
life —the discourse of “good governance”— activities, these municipalities have shown an
lies in that “one no longer speaks of social expressive number of CSOs in the last decades.
struggle, but of social acceptability. One no They make up the so-called Iron Quadrangle
longer speaks of the precautionary principle [Quadrilátero Ferrífero], located in the central
or of nature, but of sustainable development. region of Minas Gerais. It encompasses part
[...] One no longer denounces propaganda, of the metropolitan region (Figure 1), which
one speaks of corporate social responsibility is the geographic region responsible for a
instead" (Deneault, 2018, pp. 19-20). considerable share of the mineral resources
This paper rests on the insights drawn extracted in Brazil today. Such an insertion
from a research carried out in the municipalities entails being under intense influence of mining
of the Southeastern zone of the Metropolitan activities, leading thus to the scenario wherein
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 627
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
mining companies participate substantially not of the data we gathered from institutional and/
only in the local economy, but also in the social or sustainability reports made public by the
and political relations. mining companies themselves, which are the
To identify the characteristics of what main communication channels and sources
we call ‘expression of neoliberal governance’, found. We also resorted to online newspapers
we have examined the sustainability reports and, among others, to the websites of the
made available on the websites of the mining Association of Mining Municipalities of Minas
companies that operate in the region. Part Gerais (Amig) and the Group of Institutes,
of the activities of these groups consists in Foundations and Companies (Gife). This path
providing funds via public notices that aim to brought out the case of the AngloGold Ashanti
meet social demands of local communities company, whose partnerships and funding of
(sports, leisure, social work). This is done certain CSOs in the area are worthy of attention.
through mediation and management of social We chose this case as a way of example on
organizations that operate in the region. account of the particularities of the company’s
The present work is divided into three main private social investment program,
sections, in addition to this introduction namely, the “Sustainable Partnerships”. By
and the final remarks. In the first section transferring funds to certain CSOs, this program
we discuss neoliberal governance, salvaging is responsible for planning annual calls for
certain elements of neoliberalism and financial support to social projects in the region
focusing on civil society’s adherence to this where the company operates. We identified
ideology – assuming that the neoliberal good the occurrence of such partnerships in the
governance relies heavily on such an accord. following municipalities of the State of Minas
In this connection, we provide a brief history Gerais: Barão de Cocais, Santa Bárbara, Caeté,
of the expansion of associativism in Brazil Nova Lima, Raposos, and Sabará – the last four
since the 1990s, highlighting the growth of located in the RMBH. According to a balance
CSOs. We used data from the research “Mapa sheet published 3 by the company itself, the
das organizações da sociedade civil” (Lopez, program has already supported 240 initiatives
2018), which was coordinated and conducted in the neighboring municipalities of the
by the Institute for Applied Economic Research company’s area of operation, having benefited
(IPEA). In the process of consolidation of around 27,000 people directly, and invested
such a form of civil society participation, we about R$9 million.
have identified the development of a type of In the third s ection , we employ
associativism which is capable of assimilating a the Gramscian critique to clarify these
social practice of a neoliberal nature. contradictions and ambiguities within the
In the second part, we present a so-called third sector; that is, we explore the
preliminary survey of the aspects that aspects of such an expansion of democracy
characterize the guidelines of the private and the concomitant widening of the mining
social investment of mining companies of the sector’s scope of interest. Lastly, in the final
Southeastern zone of RMBH. Here systematized remarks we summarize the issues we have
rather succinctly, this information is the result raised, and the risks of this form of neoliberal
governance – which is capable of reducing, or civil society has been regarded as a fertile
constraining, civil society's responses to mining ground for the reproduction and legitimization
activities that are considered detrimental to of capitalist ideas and interests.
the common good. In interpreting the phenomenon of
neoliberalism, Theodory, Peck and Brenner
(2009) consider that it may vary in each location
Neoliberal governance – and period, given the specificity of political,
economic, cultural, historical, and geographic
from social par cipa on to characteristics. This detachment from the view
entrepreneurial associa vism that regards neoliberalism as an entity or a
set of closed doctrines gives more leeway for
First of all, it is important to highlight discussing its operationalization and social
that neoliberalism, more than a vigorous effects in daily life – hence, its innovations.
reinvention of capitalism, is a normative This will be particularly useful when analyzing
system. It imposes the rationale of generalized the case of certain municipalities of the RMBH,
competition as a conduct, and sets the especially the ones whose economies are
company as a role model of efficiency to be centered on mineral extraction and whose
adopted by the machinery of government, and cases will be discussed in a specific chapter.
by the individuals in their relations – be these To use the same principle of avoiding
internal or between individual and world. In generalizations and of disregarding the
short, neoliberalism produces behaviors and heuristic potential of certain general concepts,
regiments social relations according to an we stress that distinct schools of thought
entrepreneurial pattern as it subjects the State have handled and employed the concept
to the demands of efficiency and performance, of governance, and that this ended up
and turns individuals into entrepreneurs and ascribing varied meanings and uses to the
competitors (Dardot & Laval, 2016). According term. In this paper, we regard the concept as
to the authors, there lies the remarkable playing a structural role within the neoliberal
effectiveness of this normative system, that vocabulary: it synthesizes the joint action
is: in its ability to produce subjectivities that between State and private capital (at both
alter structurally our ways of relating with national and international levels), as well as
others and ourselves, and to both justify the institutions, associations, churches, and the
inequalities revealed by the economic model various instances of civil society – all these
itself and exempt us from the responsibility of acting in accordance with the entrepreneurial
getting involved in collective causes (Ibid.). principles of efficiency, competition, and
In this sense, neoliberal good governance productivity.
presupposes not only the extensively On an international scale, for instance,
discussed interplay between market and State, the dissemination of neoliberal ideals by
but also the adherence of civil society. This is multilateral agencies – such as the World Bank
not a novel circumstance – far from it; since and the International Monetary Fund (IMF)–
Antonio Gramsci’s prison writings (1926-1937), had significant implications, especially for
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 629
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
the Master Plan for the Reform of the State of unprotected labor. According to Lopez
Apparatus (1995), 6 coordinated by the then (2018, p. 22), in 2015, the total number of
Minister of Federal Administration and Reform formally employed people in CSOs in Brazil
of the State, Luiz Carlos Bresser-Pereira. The was equivalent to “more than 30% of those
plan evinces the intention to weaken labor employed in the agricultural sector, 26% of
rights and social security, bringing significant the total employed in industry, and 26% of the
losses for the population as a whole; total number of people employed in the public
moreover, it explicitly points in the direction sector (including civilians and military)”.
of outsourcing public policies through As shown in Table 1, most of these CSOs
partnerships with non-state organizations – also commonly known as non-governmental
(third sector or civil society organizations). organizations (NGOs) – were established in
According to Bresser-Pereira (1997), the decades of 1990-2000 (24.6%) and 2000-
2010 (33.8%). The number of new registrations
The reform will probably mean reducing
becomes stable from 2011 on; even so, there
the State, limiting its functions as a
producer of goods and services [...], is still an annual amount of new registrations
but it will probably imply expanding of about 3% (ibid.), which is justified by a
its functions with respect to financing context of new legislation regulating the
public non-state organizations to carry administrative and bureaucratic structure of
out activities in which externalities or
these organizations, as well as the access to
basic human rights are involved and
need to be subsidized. (p. 6; emphasis financial support and public funds.
added) According to Fontes (2010), this period
indicates a turning point in the form of
Simões (2010) defends that such an participation wherein civil associativism was
intention of ‘depoliticizing’ the State that directed towards a professionalizing setting.
comes together with a destatization of social The author’s hypothesis (Fontes, 2006; 2010
regulation is compatible with a new form of and 2018), which is the theme of our main
political organization: the Third Sector. Santos discussion here, is that there is a process of
(2001) adds that it is a form of organization conversion within the hegemonic dispute in
that is wider than the State – even though Brazil: the basis of civil associativism shifts into
maintaining the State as an arranger –, and a mercantile-philanthropic basis. Under the
yet capable of reshaping into a hybrid that umbrella of social responsibility, this process
combines state and non-state, national and is associated with a certain dynamic of global
global elements. financial expansion.
From then onwards, the records of these The data from Ipea (Lopez, 2018)
organizations multiplied, coincidentally. This indicate that, at the end of 2016, Brazil
was also motivated by the precariousness of reached the mark of 820 thousand active CSOs
social policies and working-class organizations, with National Registry of Legal Entities (CNPJs)
in addition to the aforementioned growth in the country, as indicated in Chart 1. Of this
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 631
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
Source: SRF (Brasil, 2016) e Rais/MTE (Brasil, 2015). Produced by Ipea in Lopez (2018, p. 142).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 633
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
In addition to being aligned with the This suggests that these principles, in
language of neoliberal governance, such particular the triad sustainability, safety and
a discourse indicates a great interest in social responsibility, have been internalized
the construction, strengthening, and the in the practices of companies as a tool for
promotion of the image of these companies. legitimation and, ultimately, their hegemony.
In their company profile texts, we often see Social responsibility is generally presented as a
their actions presented as investment, and the concern, on the part of the companies, for local
social actors presented as social investors. communities; their actions are made possible
due to their own resources, donations, or
S o c i a l i nv e st m e nt h a s p ow e r f u l
through tax incentive laws, in several areas.
instruments tied to the mobilization of
the resources in society and from private Sustainability stands out as an element
capital. As social investors, we must be that is present in most websites and reports.
able to incorporate a public dimension It becomes manifest through information
into private resource management. regarding measures on environmental
Strong governance structures and more
education and social investments concerned
transparency are key vectors to ensure
a proper balance between public and with social development and preservation
private interests and an open and of natu ra l re sou rce s. The comp anies
effective dialogue with social groups. perspicuously emphasize the primary role
(Available at: https://gife.org.br/quem- played by sustainability in the scope of
somos-gife/; emphasis added)
action, which can be explained in terms
There are currently about 20 mining of the prominence of the concept at the
companies9 operating in seven municipalities international level.
of what we call here the Southeastern zone of In most cases, safety appears as an
the RMBH, and whose GDPs rely majorly on element that is essential in the operations
this economic activity. Only 12 of these mining of companies which aim at the well-being
companies have institutional websites and/or of employees – for instance, by adopting
sustainability reports available online, and this measures to prevent accidents at work, or
forced us to reduce the scope of analysis to measures concerning the health of individuals.
such universe, summarized below. Among the set of companies analyzed,
We have identified similarities between eight 10 of them are multinationals that
the institutional discourses of the 12 participate in the UN Global Compact, 11 i.e.,
companies: (1) sustainability, present in all a voluntary initiative launched in 2000 for the
of them; (2) safety, observed in 9 companies; business sector. In Brazil, these companies are
and (3) social responsibility, observed in 7 organized by the Global Compact Network
companies. Other aspects, such as ethics, Brazil, which is the chair of the Council of
leadership, quality and health, for instance, are Local Networks in Latin America, having
also mentioned. its headquarters in New York. Among its
Na onal/
Companies Basic guideline Recurring principles
Mul na onal
Sustainability
1. AngloGold Ashan Safety
Social responsibility
2. ArcelorMi al Sustainability
Environment
3. CSN Mineração Safety
Social responsibility
Sustainability
SDGs set up
4. Jaguar Mining Mul na onal Safety
by the UN
Social responsibility
Sustainability
5. Mineração Usiminas Safety
Social responsibility
Sustainability
6. Vale - Cia Vale do Rio Doce Safety
Social responsibility
Sustainability
7. Vallourec Mineração Safety
Social responsibility
Environment
9. Grupo MBL Safety
Social responsibility
Social and environmental
10. Herculano Mineração Na onal Own policies responsibility
Safety
Environment
11. Minerita
Safety
Environment
12. Vór ce Mineral
Safety
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 635
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
objectives, one finds that “to boost the In a study on the relation between CSR, ISE,
potential of the business community as an and asset valuation, Joseph et al. (2018) point
agent of transformation also means to ensure out the connection between “participation
the competitiveness of businesses in the world in sustainability indexes and improvements
economy and the inclusion of leaders in global in all categories of tangible [financial,
decision-making forums”. 12 That is, social organizational, physical, technological] and
responsibility actions are not only inseparable intangibles assets [innovations, human
from economic activities, but also presented resources, reputation]” (p. 74).
as assets and gains in the financial market. Throughout the ins and outs of the
The São Paulo Stock Exchange (B3, struggle for hegemony wherein civil society,
currently) corroborates this claim. The State, and corporations clash, new forms of
Corporate Sustainability Index – ISE is an index dispute are being produced and old strategies
that is based upon the assessment of corporate reshaped. This is done in such a way that
performance according to sustainability a new environment of hybrid language
criteria. The shares of companies that make up arises, constructed by the wayside. It is in
the ISE contribute to the reliability of the very such a context of pursuit for hegemony that
companies, which improves their performance practices and cultures adapt themselves
in the financial market. According to the São in the leeway given by the young Brazilian
Paulo Stock Exchange portal, democracy. Thus, far from being regarded
as spontaneous, or disinterested practices
The ISE B3 is designed to measure
of solidarity anchored in political projects of
average stock performance tracking
changes in the prices of stocks of radical social transformation, the CSR and the
c o m p a n i e s re c o g n i ze d f o r t h e i r partnerships with local social organizations
commitment to corporate sustainability. seem to make up a wider picture. More
It supports investors in decision-making specifically, a scenario that is more tied up to
and induces companies to adopt the
the financial market, and wherein companies
best sustainability practices, since ESG
(Environmental, Social and Corporate profit twice (financially and in terms of their
Governance) practices add to the image) by incorporating the social issue into
longevity of businesses.13 their practices.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 637
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
could add to the mitigation of the negative private hegemonic apparatus (understood
environmental impacts of the company’s as part of the extended State) have brought
operations in the region and, at the same particularities of the business world to
time, to the legitimization of its practices; 3) as civil organizations. The model of business
shown in the balance sheet of the Programa sociability, together with the entrepreneurial-
Parcerias Sustentáveis (Sustainable Partnerships competitive type of management, merged into
Program), the projects revolve around agendas the picture of solidarity, collaboration with
and activities of a local nature – hence, they do the community, and/or sustainability, so as
not converge towards more substantive topics to form a seemingly contradictory message.
such as those related to the social question or Dardot and Laval (2016), however, consider
the contradiction between capital and work – that this message bears a strategy to capture
but, at the same time, they manage to dialogue our subjectivity.
directly with the topic of social recognition Fontes (2010 and 2018) and Casimiro
(entrepreneurship for women and ethnic-racial (2018) also interpreted the expansion and
issues). diversification of the associative apparatus
It is against this background that a as a contradictory movement. The authors
particular format of participation gained find the explanation of this ambiguity in the
strength, namely, the way certain civil society Gramscian perspective: on the one hand,
organizations take part in the composition the associative apparatus is taken as the
of neoliberal good governance. It is a format expansion of democracy and, therefore,
characterized by a mode of operation that the achievement of the working classes;
mirrors the model adopted by private on the other, it is taken as the possibility of
capital companies – the so-called ‘corporate strengthening, simultaneously, the trenches of
philanthropy’, or ‘private social investment’, capitalism. Put differently, these apparatuses
to use the terminology employed by the would not be free from the dissemination and
organizations themselves. This format gained defense of liberal and bourgeois ideology and
prominence in several associations whose interests.
revenue streams were predicated on showing The authors (Fontes, 2018; Casimiro,
efficiency, especially in the foundations 2018) acknowledge the “art of association”
created within the very companies. – to use the term coined by Tocqueville – as
a vital force of democracy and social justice.
Nevertheless, they cast doubt upon it as they
Civil society as a disputed suspect it may facilitate class domination
by fostering consensus in the region where
territory: the private companies operate. The interpretation of the
hegemonic apparatus contradictions in the expansion of associativism
in contemporary Brazilian democracy relies
In the midst of the many-sided process of on the hypothesis that organized civil society
recreating associativism, reinterpreted with is also a fertile ground for legitimizing the
the aid of new nuances and meanings, the interests of private capital.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 639
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
political, ideological, and economic interests, that mining companies in the Southeastern
insofar as these do not compromise essential zone of the RMBH have drawn closer to
or long-term goals. organized civil society by means of the private
B y a c k n o w l e d g i n g t h e va l u e o f social investment format. As shown in Table 1,
r e p re s e n t a t i o n w i t h i n t h e m o d e o f the data indicate a growing number of CSOs,
associationism, or the art of association, but it is still unclear what are the impacts of
neoliberal governance would be acquiring this expansion on the possibilities of producing
new expressions in its most recent stage. active citizenship. It appears that the ambit
N eve rt h e le ss , t h is a ck n ow l ed gem e nt of CSOs is a field wherein the most diverse
introduces, in its practice, values that are interests are expressed – from anticapitalist
endemic to neoliberalism. Fraser (2020) alerts struggles to the recent forms of neoliberal
to the subtleties of this economic model, as it entrepreneurship. Within the Iron Quadrangle
can be more sophisticated when orchestrating setting, one finds associations and foundations
a “regressive, pro-business economic policy, funded by mining companies’ resources, as well
with a progressivist policy of recognition, as CSOs that work on themes related to the
cherishing representation but resignifying environment, solidarity economy, gender, and
equality as synonymous with meritocracy” race – on agendas that vary from depoliticized
(ibid., p. 18). actions to others of a more contesting nature.
There is still a relatively unexplored In summary, there are representations of
range of facets to be examined in the civil society that operate in different ways,
movement of hegemonic construction of but the configuration that draws attention,
neoliberalism, namely, its ability to attach itself in particular, is the one that makes way for
to different projects of recognition (ethnic- partnerships with private capital. Their new
racial and gender issues, for example). Within formats are capable of reducing or changing
civil society organizations, one can notice these groups’ traditional ways of contestation.
not only the appeasement of certain social Being the most recurrent strategy, the private
struggles, but also the management of the social investment has proven itself to be
direction of values, languages, moral customs, an effective way of improving the image of
and a new common sense. Civil society is, to companies, and of legitimizing them in the eyes
a great extent, organized and framed by the of communities and civil society organizations
demands of multilateral agencies, as well as – in addition to its effectiveness in terms of
seized by civil organizations connected to the bringing financial gain.
companies of the big capital. In the case of the associative net around
the mining companies of the RMBH, especially
in municipalities wherein extraction activities
Final remarks took or still take place, these partnerships
suggest there is another cycle of domination/
Considering the effects of neoliberal ideology d e p en d e nc e b a se d on p ri vate s oci al
on the current pattern of governance, investment – which, in terms of corporate
experiences in mining environments suggest defense, is strategic for the companies. Private
hegemonic apparatuses are investments that, It should be noted that, contrary to what
in addition to increasing profitability, also seem is disseminated in a rather simplified form, the
to create a culture, a common sense of shared arguments regarding hegemony are not stated
values, being more than a mere absorption in merely cultural terms, although culture
of neoliberal language. They play a role in consistently incorporates them. Hegemony
the forms of organization of sociability and in also concerns the various struggles that persist
connecting the economic basis to the State. within and between social classes —and if
This is, thus, a characteristic of neoliberal some degree of stability is reached, it is mainly
domination, particularly in the mining sector the result of having depoliticized or silenced
that exports commodities: to be subjected to the dominated. The equilibrium achieved is
fluctuations of the international market, while never absolutely stable; it will always contain
being remarkably profitable and pivotal to the some dynamism.
economy of Minas Gerais and Brazil. As the country became a democracy,
With regard to the mining companies the reformulation of the role of the Brazilian
operating in the RMBH, one can notice that State brought new forms of shaping and
they benefit from an increasing presence of strengthening its hegemony; having built
their respective foundations, private social consensus through making policies concrete
investment initiatives, and partnerships with as well as attaining goals within the scope
CSOs, when operating with more legitimacy of symbolic struggles. The business sector
in the region they are installed. This beneficial organization managed to make use of the new
effect, however, is not automatically felt, for legal framework for civil society organizations,
it consists of a multi-layered game wherein having captured and given new meaning to
action is rather piecemeal. These layers social problems and their solutions, in the
express themselves in terms of public call case of mining towns. In view of this, there
notices elaborated by companies to fund still remains the task of assessing the limits
projects coordinated by CSOs, sponsorships and possibilities of building a new and more
of cultural and sporting events, partnerships persuasive common sense; or of building
between companies and local governments, a counter-hegemony that encompasses
as well as the companies’ activities in non-business sectors, workers, and the
the communities. Another hypothesis population affected by mining activities. In
to be considered is the constraint of the other words, to buttress a side other than
development of a local associativism that that of the mining capital; a network of
may lean towards struggling against more autonomous associations anchored in the
substantive issues, in particular against the acknowledgement of the difference and
detrimental effects of mineral extraction. specificity of the interests involved.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 641
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
[I] https://orcid.org/0000-0002-1534-5621
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Departamento de Urbanismo. Belo
Horizonte, MG/Brasil.
juniaferrari15@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-6220-8849
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Programa de Pós-Graduação em Ar-
quitetura e Urbanismo. Belo Horizonte, MG/Brasil.
renatobfontes@gmail.com
[III] https://orcid.org/0000-0003-0290-8090
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Sociais, Programa de Pós-
-Graduação em Ciências Sociais. Belo Horizonte, MG/Brasil.
lgsouki@gmail.com
Acknowledgments
This paper is an offshoot of the research “Governança e Associa vismo na Região Metropolitana de
Belo Horizonte”, conducted by the Laboratory of Urban and Metropolitan Studies of the School
of Architecture of the Federal University of Minas Gerais (LabUrb - UFMG). The authors express
their thanks to the whole group of researchers who contributed to it, and in par cular to Renata
Salles and Viviane Fernandes for producing the tables and chart, and to Gabriel da Cruz for
producing the map.
Transla on: this ar cle was translated from Portuguese to English by João Vitor Ferrari Rabelo.
Notes
(1) In Brazil, there is no type of legal en ty named NGO [t.n.]. Civil Society Organiza on (CSO) is the
most up-to-date (law 13.019/2014 and law 13.204/2015) designa on for ins tu onalized (CNPJ)
or private law, non-profit and non-governmental en es (Lopez, 2018).
(2) This zone includes the municipali es of Brumadinho, Caeté, Ita aiuçu, Nova Lima, Raposos, Rio
Acima and Sabará.
(4) Ribeiro (2020) considers the ultraliberal inflec on to be the configura on established in Brazil
a er the parliamentary coup and the subsequent impeachment of Dilma Rousseff. The inflec on
indicates the rupture with a period characterized by the poli cal and economic framework that
was founded during the redemocra za on, and in which governments reconciled conserva ve
measures with commitments to popular sectors. Ribeiro’s (ibid.) central thesis is that the 2016
coup “radically changed this correla on of forces that had been consolida ng itself within the
power bloc, steering it towards a more effec ve control by conserva ve forces” (p. 2).
(5) Regulated ci zenship is a concept coined by Wanderley Guilherme dos Santos, according to which:
in the case of Brazil, the development of ci zenship is not rooted “[...] in a code of poli cal
values, but in a system of occupa onal stra fica on, [...] which moreover [..] is defined by legal
norm. In other words, all those members of the community who find themselves in any of the
occupa ons iden fied and defined by law are ci zens” (Santos, 1979, p. 75).
(7) In the list of associates, besides founda ons of Brazilian companies (e.g., large private banks,
mining and construc on companies), there are also a large number of foreign en es, such as
the founda ons Bunge, Cargill, Nestlé Brasil, Nokia, Volkswagen, the ins tutes Coca-Cola Brasil,
HSBC Solidariedade, Renault, Wal-Mart; as well as the direct par cipa on of companies such as
Monsanto and Microso , etc. Available at: h ps://gife.org.br/quem-somos-gife/. Accessed on:
May 15, 2021.
(8) Available at: h ps://gife.org.br/inves mento-social-privado. Accessed on: May 15, 2021.
(9) Mul na onal companies: AngloGold Ashan ; ArcelorMi al; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining
Inc.; Mineração Usiminas S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração. National companies: Cefar;
Comisa; Ferrous Resources do Brasil; AVG Group; Grupo MBL; Herculano Mineração; London
Mining Brasil; Mineral do Brasil; Mineração Boa Vista; Mineração Serra Azul; Minerita - Minérios
Itaúna Ltda; Tamisa Mineração; Vór ce Mineral.
(10) AngloGold Ashan ; ArcelorMi al; CSN Mineração S.A.; Jaguar Mining Inc.; Mineração Usiminas
S.A.; Vale S.A.; Vallourec Mineração; Vór ce Mineral.
(15) By "common sense" we mean a certain kind of cement that binds and builds consensus as to
how we understand, act, and judge social life. It could be regarded as almost synonymous with
ideology, in the sense of something that encompasses social life and is shared by the group –
although it may not always be visible to its members when concealed by familiarity.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 643
Junia Maria Ferrari de Lima, Renato Barbosa Fontes, Léa Guimarães Souki
References
ACSELRAD, H. (org.) (2018). Polí cas territoriais, empresas e comunidades: o neoextra vismo e a
gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro, Garamond.
BIANCHI, A. (2018). O laboratório de Gramsci: filosofia, história e polí ca. Porto Alegre, Zouk.
BRASIL (1998). Lei n. 9.637 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como
organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a ex nção dos órgãos
e en dades que menciona a absorção de suas a vidades por organizações sociais, e dá outras
providências. Disponível em: h p://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9637.htm. Acesso em:
20 out 2020.
BRESSER-PEREIRA, L. C. (1997). Estratégia e estrutura para um novo Estado. RSP, v. 48, n. 1, pp. 5-25.
CASIMIRO, F. H. C. (2018). A nova direita: aparelhos de ação polí ca e ideológica no Brasil contemporâneo.
São Paulo, Expressão Popular.
COUTO, E.; COSTA, A. (2003). Trajetória histórica da empresa mineração Morro Velho. In: V CONGRESSO
BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA. Anais... São Paulo, Associação Brasileira de Pesquisadores
em História Econômica.
DARDOT, P.; LAVAL, C. (2016). A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo,
Boitempo.
DENEAULT, A. (2018). "As empresas mul nacionais: um novo poder soberano inscrito na ordem das
coisas". In: ACSELRAD, H. (org.). Polí cas territoriais, empresas e comunidades: o neoextra vismo
e a gestão empresarial do “social”. Rio de Janeiro, Garamond.
FONTES, V. (2006). Sociedade civil, classes sociais e conversão mercan l-filantrópica. Observatório
Social de América La na. CLACSO. Ano VII, n. 19, pp. 341-350.
______ (2010). O Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro, EPSJV/Editora UFRJ.
______ (2018). Gramsci, Estado e sociedade civil: anjos, demônios ou lutas de classes? Revista Outubro,
n. 31.
FRASER, N. (2020). O velho está morrendo e o novo não pode nascer. São Paulo, Autonomia Literária.
HALL, S.; LUMLEY, B.; McLENNAN, G. (1980). “Política e Ideologia: Gramsci”. In: CENTRE FOR
CONTEMPORAY CULTURAL STUDIES (org.). Da ideologia. Rio de Janeiro, Zahar.
LOPEZ, F. G. (org.) (2018). Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil. Brasília, Ipea. Disponível
em: h p://www.ipea.gov.br/portal/index.php?op on=com_content&view=ar cle&id=33432
Acesso em: 20 out 2020.
SANTOS, B. S. (2001). “Para uma reinvenção solidária e par cipa va do Estado”. In: BRESSER PEREIRA,
L. C.; WILHEIM, J.; SOLA, L. (orgs.) Sociedade e estado em transformação. São Paulo, Editora
Unesp, pp. 243-271.
SANTOS, W. G. (1979). Cidadania e jus ça: a polí ca social na ordem brasileira. Rio de Janeiro, Campus.
THEODORE, N.; PECK, J.; BRENNER, N. (2009). Urbanismo neoliberal: la ciudady el imperio de los
mercados. Temas Sociales, n. 85. San ago/Chile.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 625-645, maio/ago 2022 645
Doce fel da minero-dependência
nas cidades mineiras: Brumadinho
e Itabira em perspectiva
Bittersweet mining dependency in Minas Gerais towns:
Brumadinho and Itabira in perspective
Frederico Dornellas Martins Quintão [I]
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio [II]
André Luiz Freitas Dias [III]
Resumo Abstract
Este ar go analisa Brumadinho e Itabira, problema- This paper analyzes Brumadinho and Itabira,
zando as possibilidades de superação da depen- discussing possibilities of overcoming the
dência econômica, social, política e cultural que economic, social, politic al, a nd cultural
marca a relação de suas populações com a minera- dependency that marks the rela onship between
ção. A discussão mobiliza estudos crí cos advindos their populations and mining. The discussion
do decolonialismo e pós-desenvolvimento para a mobilizes cri cal studies arising from decolonialism
análise do extra vismo e da minero-dependência, and post-development to analyze extrac vism and
uma relação de dominação que extrapola o campo mining dependency, a rela onship of domina on
econômico e atravessa relações polí cas, sociais e that goes beyond the economic field and crosses
subje vidades das populações dessas cidades. Tra- political and social relationships, as well as the
ta-se de um estudo no campo da pesquisa qualita - subjec vi es of these popula ons. This qualita ve
va, marcado pelo envolvimento dos pesquisadores study is marked by the researchers’ involvement
com movimentos locais de resistência e valorização with local resistance movements that value other
de outras formas de existência nessas cidades, não forms of existence in these cities, not dependent
dependentes da mineração. Nos resultados, são on mining. In the results, the problems that the
apontadas as mazelas que a a vidade mineradora mining activity has brought to these cities are
tem trazido para essas cidades, bem como as possi- pointed out, as well as possibili es of overcoming
bilidades de superação dessa dependência. this dependency.
Palavras-chave: extra vismo; pós-desenvolvimen- Keywords: extrac vism; post-development; mining
to; minero-dependência; Brumadinho; Itabira. dependency; Brumadinho; Itabira.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5409 Crea ve Commons Atribu on
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
648 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 649
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
cidades; 2) impactos dos projetos territoriais O segundo, sustentado no medo, foi me-
conduzidos pelo estado e mercado; e 3) formas canizado a partir da ameaça à vida dos povos
de resistência da população local. originários, principalmente com o uso de pól-
vora e armas que eram tecnologias de guerra
de alta letalidade. Essa diferença tecnológica
foi determinante para que os colonizadores
Referencial teórico se apoiassem em duas falácias para exercer o
processo de dominação: a primeira era a cren-
Mineração primeva ça e a imposição de um pensamento de que
a cultura e a tecnologia dos povos originários
Os povos originários da América Latina sempre eram inferiores; e a segunda era de que os re-
tiveram uma relação de sacralidade, harmo- cursos naturais que havia ali eram ilimitados
nia, bem-estar e subsistência com a natureza (Araóz, 2020).
e o ecossistema em que viviam. A chegada Posicionados esses mecanismos de con-
do colonizador, seja espanhol ou português, trole, a violência se institucionalizou-se em for-
trouxe uma nova forma de se relacionar com mas materiais e simbólicas, afetando os modos
o meio ambiente, voltada para a alta acumula- de subsistência, crença, bem-estar e impondo
ção e comercialização internacional de metais a escravidão como única forma de vida pos-
preciosos, cana de açúcar e outros produtos sível, a partir do estabelecimento da cultura
(Araóz, 2020; Svampa, 2019; Krenak, 2020). europeia. O extermínio dos cultivos e a conta-
Esse encontro de racionalidades diferen- minação ambiental foram determinantes para
tes com a natureza não foi a partir de uma guer- interromper a capacidade produtiva dos povos
ra de conquista. Os colonizadores chegaram originários (ibid.).
doentes e enfraquecidos, sendo acolhidos pelos Desde o período colonial até os dias de
indígenas. Com o passar do tempo, os primeiros hoje, os indígenas mantêm uma relação de in-
aprenderam com os segundos a sobreviver na terseção do ecossistema com os corpos e sua
selva e identificaram os pontos onde havia ri- cultura. A “força geradora” do novo mundo
queza (Krenak, 2020). A partir disso, iniciaram o ou do descobrimento instalou novas formas
processo de colonização por meio da violência. de organização social, política, ambiental,
Dois mecanismos de violência para a do- cultural, hierarquias, religião, mecanismos de
minação dos povos são identificados por Araóz guerra e trabalho, principalmente ao pensar
(2020), como a fé e o medo. O primeiro foi os corpos como meras ferramentas de produ-
exercido com a imposição da religião católica, ção (ibid.).
de forma a docilizar os corpos, fazê-los coni- Portanto, a dominação e a coloniza-
ventes com a nova forma de vida instaurada no ção dos povos produziram efeitos diferentes
território, mudando sua linguagem e forma de nas organizações sociais de um território: a
comunicar, e principalmente torná-los “peca- periferia colonial é lugar de violência simbó-
dores”, menosprezando aqueles que obtinham lica e material, fornecedora de mão de obra
uma relação harmoniosa e de sacralidade com e riquezas, ao passo que, no centro imperial,
a natureza. concentra-se o poder absoluto do mercado e
650 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
do estado, onde há vida, luxúria, saber, ciência, obstante, a falácia de que os recursos nunca
protagonismo e valor de verdade (ibid.). Essa iriam se esgotar se confirmou como tal e uma
distribuição de prioridade e valoração é de- outra temática passou a ser discutida: a de-
terminante para compreender onde estão os pendência dos territórios (principalmente da
corpos descartáveis que são utilizados para a economia) com relação à atividade extrativa.
manutenção do poder (Mbembe, 2016). Discussões sobre o possível legado da
Dessa forma, Araóz (2020) destaca que mineração podem ser vistas nos escritos de
a colonização também é dividida em duas Davis e Tilton (2005), estes contendo bastan-
ações: o Colonialismo é composto por fatos te enfoque na herança de infraestrutura e in-
sociais concretos, como os conflitos e a hie- vestimento em conhecimentos que podem ser
rarquização social e racial nos territórios, fatos produzidos com o grande volume de dinheiro
políticos, econômicos e apropriação da riqueza que as atividades movimentam. Infelizmente
local; ao passo que a Colonialidade é formada a América Latina não é considerada por eles
pelas narrativas e por discursos sociais, estru- um exemplo de sucesso das benesses que a
turas institucionais e saberes técnicos, jurí- mineração pode trazer, e veremos alguns mo-
dicos, religiosos, filosóficos e políticos que se tivos a seguir.
organizam e operam como legitimadores das A princípio, a atividade extrativa ainda
visões dominantes. se manifesta como grande mobilizadora de
De forma complementar, ao pensar os recursos nos territórios, seja pelo inchaço na
impactos da colonização para diversos mode- arrecadação do estado, seja pela quantidade
los de desenvolvimento, as compreensões de de emprego gerada e pela circulação de di-
Acemoglu, Johnson e Robinson (2001) desta- nheiro no comércio das cidades. Entretanto,
cam que o fator determinante para a preca- o que ocorre é a fragmentação territorial e o
rização da América Latina não foi exclusiva- deslocamento do tecido social e econômico,
mente a extração de riquezas naturais, e sim vez que se perpetuam as desigualdades na
a herança institucional deixada no território. relação de trabalho e gênero e aumenta a in-
Essa herança pode ser bem explicada pelos cidência de crimes, alcoolismo e prostituição
conceitos de colonialismo e colonialidade ex- (Svampa, 2019).
plicitados por Araóz (2020). A dependência e subjugação dos ter-
ritórios são camufladas com a aparência de
progresso (Araóz, 2020; Svampa, 2019). En-
Dependência quanto ocorre um boom de construções,
aumenta o empobrecimento; hospitais são
Mesmo que a chegada dos espanhóis na Amé- construídos, e a saúde é deteriorada; escolas
rica remeta a 1492 e dos portugueses ao Brasil são levantadas com precarização nos níveis
a 1500, ainda hoje existem riquezas naturais de educação; os saberes locais são silencia-
a serem exploradas, principalmente em ter- dos e cooptados para priorizar uma economia
ras indígenas. Uma série de minas e jazidas se importadora. A facilitação nas normas legais
esgotou, outras tantas ainda estão em plena e os altos incentivos financeiros do estado
atividade, algumas perto de se esgotar. Não para com as grandes empresas favorecem,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 651
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
652 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
impactos negativos causados (Araóz, 2020; Parcela de problemas estes que fica a car-
Acserald, 2018). Dessa forma, o empobreci- go de o estado solucionar posteriormente
mento institucional instalado nas colônias: (Banerjee, 2008).
“Não tem a ver com a carência eventual de No discurso desenvolvimentista existe,
certos bens ou com a insatisfação de necessi- portanto, um intenso conflito de interesses: de
dades, e sim com a deterioração secular, sistê- um lado exploradores que possuem objetivos
mica, da capacidade produtiva das populações particulares, chegando a um território diferente
e dos territórios afetados” (ibid., p. 29). do seu. Do outro, a comunidade que vive seus
costumes e tem seu cotidiano alterado com a
chegada de um explorador que tem objetivos
diferentes para o meio em que vive. O choque
Herança extra vista cultural demarca o processo de colonização
na modernidade que os europeus fizeram na América Latina e
que, de acordo com Acosta e Brand (2018), se-
Outro termo que está intimamente ligado à gue a mesma lógica ainda na Modernidade.
compreensão de desenvolvimento, principal- Acosta (2016) convida-nos a pensar
mente com as realidades da América Latina, que o discurso desenvolvimentista possui raí-
é o “pós-extrativismo”. Esse termo, desmem- zes coloniais, uma vez que usa desse preceito
brado por Acosta e Brand (2018), revela as para lançar mão de práticas segregativas. No
condições estruturais em que um território se caso do Brasil, isso pode ser observado com
configura com o final da extração de recursos as ações de guerra e dominação usadas pelos
naturais. Fato é que os países “em desenvolvi- portugueses para minerar e explorar o País,
mento” vivem uma lua de mel da exploração usando e matando indígenas até que fosse ne-
de suas riquezas naturais, exportando-as com cessário o uso de mão de obra africana e escra-
baixo grau de beneficiamento e complexidade, vizada. O autor critica, também, a concepção
para que outros lugares do globo avancem tec- de que o crescimento baseado em recursos na-
nologicamente. Durante esse processo, os con- turais sem fim é puramente contraditória, por-
flitos sociais e os impactos ambientais ficam que os recursos são finitos e não conseguem
sob responsabilidade do país explorado. atender à demanda de produção e consumo
O dito “desenvolvimento” proposto por que a sociedade moderna impõe.
grandes empreendimentos e mineradoras, Como agravante, a maior parte da popu-
mesmo antes de esgotarem todos os recursos lação do território não tem acesso direto a to-
naturais, transforma negativamente os locais da a gama complexa e sofisticada de produtos
explorados, gerando riquezas para um grupo que a cadeia de produção global executa. São
mínimo privilegiado e proporcionando em- ritmos fabris e de desenvolvimento tecnológi-
pregos de má qualidade, escassez de recursos co que buscam atender ou criar demandas de
naturais, poluição, catástrofes e desigualda- mercado e não solucionar problemas socio-
de para grupos vulneráveis (pobres, negros, ambientais antigos ou os que são criados com
indígenas, camponeses e trabalhadores). esse ritmo acelerado. A própria humanidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 653
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
não dá conta de processar as novidades e se das empresas internacionais, que venderão ca-
angustia com itens tidos como indispensáveis ro o material acabado para os mesmos forne-
para o bem-estar social, mas que se reformu- cedores. Além disso, o passivo socioambiental
lam constantemente, sendo inalcançáveis a to- proporcionado pela extração de riqueza ficará
do tempo (ibid.). a cargo dos países explorados; é o que Acosta
Do ponto de vista social, essa lógica de- e Brand (2018) e Escobar (2005) chamam de:
senvolvimentista não parece funcionar bem pós-desenvolvimento ou pós-extrativismo, que
na prática, com geração de empregos em más foram discutidos anteriormente nesse artigo.
condições de trabalho e aumento da angústia
pela falta de bens materiais. O meio ambiente
não consegue suprir toda a demanda da extra-
ção de matéria-prima, aliada ao desmatamen-
Re-existências
to, poluição de rios e ar e aquecimento global.
Dessa forma, pergunta-se: “Qual sustentabili- Chama a atenção também o fato de que as po-
dade vivemos?”. A proposta do “bem viver” líticas progressistas ou socialistas não tiveram
busca equacionar esse dilema, sem apresen- êxito em equacionar as questões da desigual-
tar “receita de bolo” para que seja possível dade. Dessa forma, Acosta (2016) busca resga-
melhorar condições de vida nos territórios tar, na população indígena equatoriana de ori-
explorados. O bem viver é baseado em uma gem Kichwa, uma outra forma de vida, que foi
lógica de tomada de decisão coletiva e que silenciada com a chegada dos colonizadores.
respeite as limitações e particularidades do es- Popularmente conhecido como “bem viver”,
paço socioambiental no qual o grupo se insere esse paradigma de vida está relacionado com a
(Acosta, 2016). relação harmônica entre as populações e a na-
A narrativa do desenvolvimento foi mui- tureza, bem como com a maior autonomia dos
to explorada pelo presidente Truman. Usou-se povos para ditar o ritmo de suas próprias vi-
esse conceito para dizer que existiam países das, impossibilitando que forças institucionais
distribuídos pelo globo que não estavam no externas (Estado ou mercado) os subjuguem.
mesmo estágio de complexidade material que É preciso destacar que a proposta de se
os Estados Unidos; portanto, eram inferiores e viver a partir dos paradigmas indígenas não é a
precisavam ser incluídos na cadeia de produ- de que se criem outras formas de acumulação
ção global deles. É preciso destacar que não al- de capital material nem de redistribuição de
cançar o mesmo estágio material não significa renda. O princípio está em viver da forma mais
que as pessoas viviam mal; elas só não viviam democrática possível, respeitando as formas de
da forma que o norte-americano desejava. vida e direcionamento das pessoas, incluindo
A grande crítica a esse panorama é que aquelas mais necessitadas, também em respei-
a inclusão em uma cadeia produtiva com os to à natureza. Trata-se de repensar os processos
Estados Unidos (ou outros países que se intitu- políticos e de ações práticas que guiam grandes
lam desenvolvidos) significa que os outros paí- impactos socioambientais. Isso será possível a
ses fornecerão matéria-prima ou mão de obra partir da evolução da racionalidade para o pen-
barata para elaborar produtos que serão posse sar coletivo com respeito (Acosta, 2016).
654 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 655
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
vida silenciados e ofuscados pela extração mi- realidade territorial. Em especial, destaca-se
neral e quais são as formas de expressão que o envolvimento dos pesquisadores com a ar-
esses sujeitos encontram para preservar sua ticulação “Eu luto, Brumadinho vive”, que, em
própria história. Para que isso fosse possível, conjunto com outros movimentos, organiza-
foi realizado um estudo de caso em profundi- ções e coletivos em atuação em Brumadinho,
dade nas cidades de Brumadinho e de Itabira, desenvolvem uma série de ações desde 2019,
buscando apreender melhor as particularida- com destaque para um mapeamento de mo-
des de seus diversos bairros, regiões, grupos vimentos sociais, associações e formas de
e mobilizações. existência no território.
Em meio a tantos atores em disputas de O envolvimento dos investigadores com
narrativa nos territórios, a opção pelo enfo- métodos participativos e relacionamentos co-
que qualitativo é fundamental para responder munitários, que ficará mais claro nas partes
qual é a significação que a própria sociedade que se seguem no presente artigo, traz ele-
impactada tem sobre o legado da mineração mentos relevantes para a compreensão dessas
em seus territórios; sendo necessário, então, formas de existir e resistir no cotidiano dos ter-
que os moradores digam sobre o que foi vi- ritórios. Além disso, os métodos participativos
venciado por eles e qual o sentido que pode constituem-se em uma abordagem de pesqui-
ser atribuído, sendo o pesquisador aquele que sa qualitativa baseada na interação entre sujei-
proporciona um espaço de elaboração coletiva tos investigadores e sujeitos investigados, na
sobre o tema estudado (Yilmaz, 2013). qual comunidades e atores locais assumem o
Além disso, para que essa compreensão protagonismo na produção de seus saberes e
seja realizada satisfatoriamente, é necessário de sua compreensão do cotidiano e das formas
lançar mão da pesquisa engajada (Pozzebon, de existência e resistência, a partir de seu lugar
2018; Cunliffe, 2020), visto que os pesquisado- no espaço, no tempo e no território (Andrade
res em questão estão inseridos e em atuação e Carneiro, 2009; Goldstein, Barcellos, Maga-
constante nos territórios investigados, propor- lhães e Gracie, 2013).
cionando maior integração nos modos de ser- Reforça-se o compromisso de compreen-
-fazer das sociedades, além de terem mais faci- der as pessoas em relacionamento na pesquisa
lidade para apreender a cultura de cada grupo como seres que sentem e pensam ao mesmo
individual e suas implicações para o corpo uni- tempo (Borda, 1994, 1987, 2014) e que estão
ficado dessas instituições no espaço. em uma posição de vulnerabilidade na com-
Um dos investigadores tem laços fami- plexidade das relações sociais e econômicas
liares e de amizade com moradores de Bru- (Freire, 2001); reforça-se também a responsa-
madinho e ambos os pesquisadores, desde bilidade ética do pesquisador em garantir que
a tragédia-crime de 2019, em Brumadinho, essas pessoas sejam implicadas na pesquisa
se envolveram em lutas sociopolíticas no como sujeitos ativos e construtores de uma
município, tendo algumas dessas lutas en- práxis capaz de mobilizar suas potências no
trelaçamento com projetos de extensão e de cotidiano, que podem resultar em lutas eman-
pesquisa desenvolvidos por uma das univer- cipatórias (Freire, 2001; Pozzebon e Petrini,
sidades que orientou seus projetos para essa 2013; Borda, 1994,1987, 2014; Cunliffe, 2019).
656 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 657
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
658 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 659
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
660 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
Nos dias de hoje, ainda é possível iden- e tomar voz dos atingidos, levantando diversas
tificar contrastes na relação com a terra e com pautas e movimentando, o que pode ser cha-
pessoas no município: um deles manifesta-se mado “indústria da tragédia”.
por uma grande referência, como museu de
arte moderna que foi estabelecido em uma an-
tiga cava de extração de minério de ferro por
seus próprios donos. Entretanto, a mesma ini-
Acordos e reparação
ciativa encontra registros de grilagem de terra,
apropriação de patrimônios públicos, trabalho Os moradores de Brumadinho caracterizam
infantil e escravo, desmatamento ilegal, apro- que a tragédia de 2019 se manifestou em duas
priação de terras de agricultores e monoculti- ondas: a primeira onda do rejeito, causando
vo de eucalipto, que gerou escassez de água destruição socioambiental repentina e devas-
(Dados da pesquisa, 2021; Lara, 2018). tadora. A segunda é da reparação, lenta e que
Outro ponto de encontro entre agriculto- continua a perpetuação de violações de direi-
res e empresas extrativistas na região de Bru- tos humanos, principalmente com relação à
madinho pode ser identificado em um assen- participação no processo de reparação. Aos
tamento de reforma agrária que se estabele- atingidos não é dado espaço de fala e decisão
ceu nas áreas das empresas Comisa e MMX, nos projetos: são obrigados a aceitar acordos e
do empresário Eike Batista. ações estabelecidos por instituições de justiça,
Brumadinho era conhecida por ser uma governo do estado, assessoria técnica e Vale,
cidade de parada, ponto de encontro de co- que não os consultam e tampouco reparam os
merciantes para a logística cafeeira e de outros danos causados.
insumos agropecuários. A chegada da minera- Um dos projetos apresentados para os
ção fez com que todos os esforços de mão de agricultores na cidade no pós-rompimento
obra fossem alocados para a nova “vocação”. com articulação da Vale e poder público foi
Entretanto, a água também sempre foi foco de questionado e não avançou: os agricultores
debate na cidade, capitaneado pelo Movimen- alegavam que o projeto não forneceria uma
to Águas e Serras de Casa Branca. Além disso, rede de produtores e consumidores, não resol-
em 2019, uma barragem da Vale S/A rompeu- veria a dúvida sobre contaminação da água e
-se em Brumadinho, matando imediatamente terra, não forneceria investimento ou acesso
272 pessoas. a infraestrutura. Por fim, o questionamento
Esse crime foi impactante para toda a era: “Se nada fosse oferecido, o interesse das
população da cidade, que nos primeiros me- instituições era apenas em obter uma foto de
ses tinha dois objetivos: cuidar dos enlutados horta bonita?”.
e superar a dependência e relação que o terri- Outra ação oferecida pela Vale e por
tório tinha com a mineração (Dados da pesqui- outras instituições aos agricultores da cidade
sa, 2021). Além dos próprios moradores, um foi o de incentivo à plantação de flores. Essa
grande volume de movimentos sociais e pes- proposta não está em conformidade com as
quisadores adentrou o município para dar voz vocações e demandas dos produtores locais,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 661
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
que questionaram o intenso uso de agrotó- Outras pessoas ainda chamam o projeto de
xicos na plantação de flores, por ser nocivo à “Engodoanel”, “Rodominério” ou “Rodocaos”,
saúde dos agricultores. Também há alta incer- alegando que essa proposta do rodoanel é
teza de mercado, uma vez que as flores são mais benéfica para o governo do estado, ad-
muito demandadas para eventos e, nesse con- quirindo caráter de obra eleitoreira, e que tam-
texto de pandemia e isolamento social, não é bém ela favorece o escoamento de minério da
possível realizar eventos. região, além do fato de que a serra perfurada
O acordo estabelecido entre governo de seria dotada de um minério de alta qualidade,
Minas Gerais e Vale, mediado pelo Ministério que seria direcionado às mineradoras.
Público e Defensoria Pública, foi celebrado O projeto do rodoanel ameaça perfurar
com louvores por essas instituições, definindo a Serra do Rola Moça, que cerca um bairro de
um valor de R$37,68 bilhões para a reparação Brumadinho. É uma área de preservação am-
do rompimento da barragem em 2019. A pro- biental, mas que é ameaçada com o retorno
posta do governo era de R$55 bilhões e a Vale de uma atividade mineradora no local. Sob o
almejava R$29 bilhões. Apesar de ser aponta- pretexto de descomissionar a barragem da an-
do como o maior acordo feito na América Lati- tiga mina da Mineração Geral do Brasil (MGB),
na para reparação e um dos maiores do mun- atendendo à recomendação e à permissão do
do, esse processo não contou com a participa- governo do estado após a tragédia de 2019 no
ção dos atingidos e a menor parte dos valores Córrego do Feijão, a referida mineradora vol-
será direcionada para Brumadinho (Bouças e tou às atividades na mina, transportando mi-
Goés, 2021). nério para ser vendido a outras empresas.
Um dos projetos que será mobilizado pe- Com monitoramento constante, mo-
lo governo de Minas Gerais é o da construção radores da região organizados em um grupo
de um rodoanel na Região Metropolitana de denominado Rola Moça Resiste denunciaram
Belo Horizonte. Dos custos de R$4,5 bilhões, a atividade ilegal, aos órgãos competentes do
R$3,5 seriam pagos pela Vale dentro da quan- governo do estado, que não se posicionaram
tia total do acordo. A alça sul do rodoanel é ou nada fizeram para que o procedimento fos-
uma das mais contestadas pela população e se interrompido. Apenas com intervenção de
por movimentos sociais, por prever impacto outras instâncias de justiça e órgãos federais
ambiental direto em serras, com perfurações foi possível que a MGB interrompesse a explo-
para túneis, e por terminar seu traçado afe- ração e o fluxo de caminhões constante nas
tando diretamente Brumadinho, passando por vias do parque.
cima de Casa Branca. Em Brumadinho, também é discutida,
Movimentos sociais em defesa do meio entre instituições locais e poder público, a
ambiente alegam que existem traçados alter- instalação de uma fábrica para incineração
nativos com menos impacto socioambien- de lixo hospitalar no distrito industrial da ci-
tal, inclusive que não precisem furar serras e dade (Dados da pesquisa, 2021). Entretanto,
áreas de preservação, nem passar por cima de essa proposta incide em um alto impacto am-
bairros e remover pessoas (Bernardes, 2021). biental para o território como um todo e para
662 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 663
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
o direito de viver, existir e resistir ao suposto antimercadorização da vida e dos corpos conti-
desenvolvimento advindo da modernidade nuam a existir e resistir nos territórios que têm
extrativista e mineradora. a mineração em sua história e memória.
Porém, potências também podem ser Os resultados da presente pesquisa in-
visualizadas, compreendidas e desveladas nos dicam que a minero-dependência, não pusilâ-
diferentes territórios de Brumadinho, desde nime em sua destruição, captura a manuten-
que, para tal, a pesquisa crítica, reflexiva e ção de sentidos, sentimentos e identidades
engajada de forma a se orientar mais radical- como dependente e fadada à mineração, fa-
mente para a centralidade, protagonismo e dada a se submeter à ideologia moderniza-
autonomia dos atores locais seja desenvolvida. dora e desenvolvimentista do extrativismo
Da mesma forma, comunidades tra- minerador. Mesmo sem conseguir avanços
dicionais e a população da cidade de Itabira decisivos na interação com o Estado e com
desenvolvem uma relação sustentável com a o mercado, formas com diferentes graus de
natureza e vivem seus modos de existir, geran- organicidade e múltiplos formatos de “gestão
do trabalho e renda sem ter relacionamento ordinária” têm conseguido romper barreiras
direto ou indireto com a mineração. A relação de invisibilidade dentro e fora do território,
sustentável está presente no crescimento do superar obstáculos históricos da cultura polí-
setor de gastronomia, agricultura, criação de tica brasileira na construção de lutas progres-
animais, abertura de lojas e prestação de ser- sistas e se contrapor à mineração como forma
viços. Entretanto, esse estabelecimento e dinâ- inexorável de viver, trabalhar, sobreviver e
mica não são visualizados pela mineradora ou progredir em um território.
pelas elites econômicas como algo válido pa- Espera-se que os achados da presente
ra a cidade, preferindo que sejam executados pesquisa, que ainda pretende colher mais fru-
projetos de desenvolvimento voltados a outros tos no futuro, com o avanço da história da pós-
modos de vida. -tragédia-crime em Brumadinho, possam ins-
No presente artigo, buscou-se o esforço pirar mais e melhores pesquisas nos estudos
reflexivo, postura epistemológica e metodoló- organizacionais, fortalecendo a importante
gica. Procurou-se desvelar diferentes formas agenda de pesquisa sobre desenvolvimentis-
de se organizar resistências e vivências no mo, extrativismo, mineração, pesquisa enga-
cotidiano dos diferentes territórios de Bru- jada, “gestão ordinária”, cotidiano e formas de
madinho (Carrieri, Maranhão e Murta, 2009; existência e resistência. O mais importante nos
Carrieri, Perdigão, 2014; Certeau, 1994). Ca- avanços dessa agenda de investigação é que os
da uma dessas formas de organizar a partir novos estudos também busquem, sem ideali-
de uma “gestão ordinária” (Carrieri, Perdigão zações e devaneios distantes da realidade de
e Aguiar, 2014) e do cotidiano indica, para a pesquisa e da economia política da construção
comunidade de pesquisadores em estudos de conhecimento, novos avanços nos saberes
organizacionais, que utopias antimineração, construídos a partir da autonomia, protagonis-
antidesenvolvimentismo, antigerencialismo e mo e centralidade dos atores locais.
664 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
[I] https://orcid.org/0000-0001-6253-759X
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais,
Programa de Pós-Graduação em Administração. Belo Horizonte, MG/Brasil.
fredericodmq@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-7835-5851
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais,
Programa de Pós-Graduação em Administração. Belo Horizonte, MG/Brasil.
armindo.teodosio@gmail.com
[III] https://orcid.org/0000-0002-2653-7581
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento
de Psicologia. Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito. Belo Horizonte, MG/
Brasil.
alfreitasdiasufmg@gmail.com
Referências
ACEMOGLU, D.; JOHNSON, S.; ROBINSON, J. A. (2001). The colonial origins of compara ve development:
an empirical inves ga on. The American Economic Review, v. 91, n. 5, pp. 1369-1401. Disponível
em: h ps://economics.mit.edu/files/4123. Acesso em: 3 jun 2021.
ACOSTA, A. (2016). O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo,
Autonomia Literária/Elefante.
ACOSTA, A.; BRAND, U. (2018). Pós-extra vismo e decrescimento: saídas do labirinto capitalista. São
Paulo, Elefante.
ACSERALD, H. (2018). Polí cas territoriais, empresas e comunidades: o neo-extra vismo e a gestão
empresarial do “social”. Rio de Janeiro, Garamond.
ARAÓZ, H. M. (2020). Mineração, genealogia do desastre: o extra vismo na América como origem da
modernidade. São Paulo, Elefante.
BABAU, cacique. (2019). Retomada. Piseagrama. Belo Horizonte, n. 13, pp. 98-105.
BANERJEE, S. B. (2007). Transna onal power and translocal governance: The poli cs of corporate
responsibility. Human rela ons, pp. 1-26.
______ (2008). Corporate social responsability: The good, the bad and the ugly. Cri cal Sociology, v. 34,
n. 1, pp. 51-79.
BERNARDES, I. (2021). Amda apresenta estudo com proposta alterna va para Alça Sul do Rodoanel.
Jornal Estado de Minas Gerais. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/
gerais/2021/03/03/interna_gerais,1242986/amda-apresenta-estudo-com-proposta-alterna va-
para-alca-sul-do-rodoanel.shtml. Acesso em: 3 jun 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 665
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
BORDA, O. F. (1987). Ciencia propia y colonialismo intelectual: los nuevos rumbos. Bogotá, Carlos
Valencia.
______ (1994). El problema de como inves gar la realidad para transformarla por la praxis. Colômbia,
Tercer Mundo.
______ (2014). Ciencia, compromiso y cambio social. Polis [online], v. 13, n. 38, pp. 637-641. Disponível
em: h p://www.scielo.cl/pdf/polis/v13n38/art29.pdf. Acesso em: 3 jun 2021.
BOUÇAS, C.; GOÉS, F. (2021). Vale e governo de Minas fecham acordo de R$37,68 bilhões por Brumadinho.
Valor Econômico. Disponível em: h ps://valor.globo.com/empresas/no cia/2021/02/04/governo-
de-mg-e-vale-fazem-audiencia-de-conciliacao-sobre-brumadinho.ghtml. Acesso em: 2 jun 2021.
CARRIERI, A. P.; PERDIGÃO, D. A.; AGUIAR, A. R. C. (2014). A gestão ordinária dos pequenos negócios:
outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais. Revista de Administração de Empresas.
São Paulo, v. 49, n. 4, pp. 698-713.
CEDEFES (2019). Basta de incineração de resíduos tóxicos em Sarzedo, MG, pela empresa Ecovital.
Disponível em: https://www.cedefes.org.br/basta-de-incineracao-de-residuos-toxicos-em-
sarzedo-mg-pela-empresa-ecovital/. Acesso em: 3 jun 2021.
CHEWINSKY, M. (2019). Coordinating Action: NGOs and Grassroots Groups Challeging Canadian
Resource Extrac on Abroad. Voluntas 30, pp. 356-368. Disponível em: h ps://doi.org/10.1007/
s11266-018-0023-x. Acesso em: 3 jun 2021.
CHOWDHURY R. (2021). Critical essay: (In)sensitive violence, development, and the smell of
the soil: Strategic decision-making of what? Human Relations, v. 74, n. 1, pp. 131-152.
DOI:10.1177/0018726719874863.
DAVIS, G. A.; TILTON, J. E. (2005). The resource curse. Natural Resources Forum, v. 29, n. 3, pp. 233-
242.
DIAS, A. L. F.; OLIVEIRA, L. F. (2018). Violações de direitos e dano ao projeto de vida no contexto da
mineração. São Carlos, Scienza.
666 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Doce fel da minero-dependência nas cidades mineiras
FATO, B. (2019) Acampamento do MST às margens do Paraopeba sente os | Direitos Humanos. Rádio
Brasil de fato. Disponível em: h ps://www.brasildefato.com.br/2019/02/01/acampamento-do-
mst-as-margens-do-paraopeba-sente-os-efeitos-do-rompimento-da-barragem. Acesso em: 3 jun
2021.
FERREIRA, A. G. C. (2015). Mineração em serra tanto bate até que seca: a presença da Vale em
Itabira para além do desenvolvimento dos conflitos ambientais. Monografia. Belo Horizonte,
Universidade Federal de Minas Gerais.
FUSCH, P. I.; NESS, L. (2015). Are we there yet? Data satura on in qualita ve research. The Qualita ve
Report, n. 20, pp. 1408-1416.
GUDYNAS, E. (2009). “Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo. Contextos y demandas
bajo el progressismo sudamericano actual”. In: Extrac vismo, polí ca y sociedad. Quito, Caap
(Centro Andino de Acción Popular) y Claes (Centro La no-Americano de Ecología Social), pp.
187-225. Disponível em: http://www.redge.org.pe/sites/default/files/2009%20CLAES%20
Extrac vismo%20Poli ca%20y%20Sociedad.pdf. Acesso em: 2 jun 2021.
GUIMARÃES, C.; MILANEZ, B. (2017). Mineração, impactos locais e os desafios da diversifi cação:
revisitando Itabira. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 41, pp. 215-236.
KRENAK, A. (2020). Entrevista: Ailton Krenak. Rádio Brasil de Fato. Disponível em: h ps://www.
brasildefato.com.br/2020/11/06/ailton-krenak-a-mineracao-nao-tem-dignidade-se-pudesse-
con nuaria-escravizando. Acesso em: 2 jun 2021
LARA, B. (2018). Os crimes de Bernardo Paz, idealizador do Inho m: de grilagem a trabalho infan l.
The Intercept Brasil. Disponível em: h ps://theintercept.com/2018/06/08/crimes-bernardo-paz-
do-inho m/. Acesso em: 2 jun 2021.
MBEMBE, A. (2016). Necropolí ca. Arte & Ensaio, n. 32, pp. 127-151.
MENDONÇA, M. C. (2019). Fim do minério em 2028: Vale omi u de Itabira descoberta no pico do Cauê
do mineral jacun gaíta. O Trem Itabirano, Itabira, n. 160.
NETO, J. (2017). Paulo Freire e Orlando Fals Borda na genealogia da pedagogia decolonial la no-
americana. In: 38ª REUNIÃO NACIONAL DA ANPED. Anais... São Luís/MA.
PORTAL, D. (2021). Território e organizações da sociedade civil. Portal Diálogos. Disponível em: h ps://
portaldialogos.org.br/territorio-e-organizacoes-da-sociedade-civil/. Acesso em: 1º jun 2021.
POZZEBON, M. (2018). From asep c distance to passionate engagement: reflec ons about the place
and value of par cipatory inquiry. RAUSP Management Journal, v. 53, n. 2, pp. 280-284. DOI:
10.1016/j.rauspm.2018.02.002.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022 667
Frederico Dornellas Martins Quintão, Armindo dos Santos de Sousa Teodósio, André Luiz Freitas Dias
PROJETO universitário de Itabira avança com novos inves mentos da Vale e Prefeitura na expansão do
campus da Unifei (2019). Vila de Utopia, Itabira, MG, 23 out. Disponível em: h ps://viladeutopia.
com.br/projeto-universitario-de-itabira-avanca-com-novos-inves mentos-da-vale-e-prefeitura-
na-expansao-do-campus-da-unifei/. Acesso: 11 nov 2019.
TEMPER, L.; DEMARIA, F.; SCHEIDEL, A.; DEL BENE, D.; MARTINEZ-ALIER, J. (2018). The Global
Environmental Jus ce Atlas (EJAtlas): ecological distribu on conflicts as forces for sustainability.
Sustainability Science, v. 13, n. 3, pp. 573-584. DOI: 10.1007/s11625-018-0563-4.
TUBINO, D.; DEVLIN, J. F.; YAP, N. (2011). “A busca pela responsabilidade socioambiental em Itabira
(MG)”. In: Recursos minerais & sustentabilidade territorial. Grandes minas. Rio de Janeiro,
Cetem/MCTI, v. 1. pp. 307-332.
YILMAZ, K. (2013). Comparison of quan ta ve and qualita ve research tradi ons: epistemological,
theore cal and methodological differences. European Journal of Educa on, v. 48, n. 2, pp. 311-325.
ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. (2010). “Conflitos ambientais”. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. (orgs.).
Desenvolvimento e conflitos ambientais: um novo campo de inves gação. Belo Horizonte, Editora
UFMG.
668 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 647-668, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos
hidrológicos em São Paulo
Urbanization and management
of hydrological risks in São Paulo
Afonso Celso Vanoni de Castro [I]
Angélica Tanus Benatti Alvim [II]
Resumo Abstract
Este artigo discute os riscos hidrológicos do mu- The article discusses hydrological risks of the city
nicípio de São Paulo como uma construção his- of São Paulo as a historical and social construc on
tórica e social resultante de um planejamento da deriving from an urbanization planning that
urbanização que desconsiderou as dinâmicas hi- disregarded the hydrological dynamics, did not
drológicas, não previu espaço para as populações provide space for vulnerable popula ons, favored
vulneráveis, privilegiou a mobilidade, a expansão mobility and urban expansion, and increased
e a valorização fundiária. Apoia-se em fontes indi- land value. It is supported by indirect sources
retas (leis, teses e ar gos acadêmicos) e discute o (laws, theses, academic ar cles) and discusses the
Sistema Municipal de Defesa Civil à luz dos marcos Municipal Civil Defense System in the light of current
vigentes e dos entes responsáveis pela gestão de frameworks and en es responsible for managing
riscos de desastres naturais. A gestão de riscos é risks of natural disasters. Risk management is
tratada como questão emergencial, subordinada à treated as an emergency issue, subordinated to
Secretaria Municipal de Segurança. Com uma es- the Municipal Security Department. With a fragile
trutura frágil, sem elementos básicos, desdenha structure that lacks basic elements, it disdains
seu passivo histórico e ambiental e expõe o its historical and environmental liabilities and
afastamento do Estado sob a ação das políticas exposes the State’s withdrawal under the ac on of
neoliberais. neoliberal policies.
Palavras-chave: São Paulo; urbanização; fundos de Keywords: São Paulo; urbaniza on; valley bo oms;
vale; planejamento urbano; polí cas públicas. urban planning; public policies.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5410 Crea ve Commons Atribu on
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
670 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
hídrica. Tal quadro constitui, atualmente, um Da mesma forma, a presença dessas empresas
dos maiores passivos socioambientais, não só influenciou a consolidação dos cânones da en-
de São Paulo, mas de diversas cidades do mun- genharia sanitária brasileira.
do, em especial das cidades brasileiras. No Brasil, o tema Água é regulamentado
Muitos autores alertam para o quadro pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988)
de deterioração e os impactos pelos quais os como competência da União e ordenado pe-
rios urbanos vêm passando, causados pela ex- lo Sistema Nacional de Gerenciamento de
pansão do adensamento populacional e pela Recursos Hídricos (Singreh) com instrumentos
impermeabilização das superfícies das cida- de comando e controle (planos de bacia, autori-
des, levando a um ponto de virada, na aborda- zação para captação e uso da água, classificação
gem da gestão de águas pluviais urbanas. Aler- dos cursos de água e sistemas de informação).
tam, igualmente, para o crescimento das crises Trata-se de um sistema que adota incentivos
hídricas que afetam milhões de pessoas em econômicos para o uso “racional” dos recursos
zonas urbanizadas (Spirn, 1995; Hough, 1995; hídricos (cobrança pelo uso da água e com-
Riley, 1998; Delijaicov, 1998; Rutkowski, 1999; pensações financeiras). No entanto, o Estado
Alvim, 2003; Higueras, 2006; Travassos, 2010; abstém-se de investimentos diretos, transferin-
Gorski, 2010; Schutzer, 2012; Kahtouni, 2016). do a responsabilidade para agentes privados,
A partir de 1980, com a economia glo- sem uma participação social ampliada. Mesmo
balizada, a sustentabilidade e a economia dos a criação, nos anos de 1990, das agências regu-
recursos naturais passaram a ser pauta de po- ladoras, responsáveis pela gestão e fiscalização
líticas públicas em todo o mundo. Iniciaram-se dos agentes públicos sobre as empresas conces-
ações e investimentos no planejamento e em sionárias, não foi precedida por uma discussão
obras de recuperação dos rios, com o objeti- sobre o modelo de regulação. Discutiram-se,
vo de salvaguardar a sustentabilidade hídrica primeiro, as leis e depois os conceitos. Isso afas-
e resgatar as qualidades socioambientais da tou as agências da dinâmica política e ampliou
convivência das populações e das paisagens o espaço do mercado, substituindo a burocracia
fluviais (Alencar, 2017; Kahtouni, 2016). Essas estatal pela privatização da oferta de serviços
ações evidenciaram que os modelos adotados públicos (Rossi e Santos, 2018).
pela engenharia hidráulica tradicional estavam Este artigo busca discutir as fragilidades
falhando e criando uma série de problemas do sistema de gestão de riscos hidrológicos
nas metrópoles. operado pelos agentes públicos na cidade de
O saneamento e a geração de energia São Paulo, associando-as a um modelo de ur-
no Brasil foram sempre subordinados às ten- banização adotado pelo planejamento urbano
dências e aos interesses de empresas privadas e a um processo de produção do espaço urba-
de vários países que investiram nos setores no que não respeitou as dinâmicas hidrológicas
de serviços básicos dos sistemas de esgotos, e não determinou lugar para as populações
ferrovias, companhias de gás e de eletricida- vulneráveis. A pesquisa, fruto de uma tese de
de, telégrafos e telefones, transporte urbano, doutorado (Castro A., 2020)1 que emprega uma
companhias de navegação e obras públicas abordagem histórica, se apoia em investigação
(Castro C., 1979 apud Gomes e Barbieri, 2004). documental e indireta, para verificar a hipótese
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 671
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
de que, no processo de urbanização, de pla- políticas urbanas na cidade de São Paulo. Ape-
nejamento e de gestão do espaço urbano de sar da existência de mecanismos adequados
São Paulo, residem as causas dos conflitos de planejamento urbano previstos e existentes
socioambientais que expõem sua população, nos arcabouços legais que ordenam a ocupação
especialmente as camadas mais pobres, a ris- do solo, a gestão de riscos na maioria das vezes
cos hidrológicos. Tem como pressuposto que é relevada a segundo plano e/ou subordinada
o Estado, ao privilegiar o uso das águas de aos interesses privados de exploração fundiária
muitos dos seus rios para a geração de ener- a serviço do transporte individual.
gia e apagar da paisagem outra parcela de
seus cursos d’água, substituindo-os por infra-
estrutura viária, contribuiu para promover as
Gestão de riscos
transformações geomorfológicas e alteração
das dinâmicas hidrológicas de suas bacias
e o planejamento urbano:
hidrográficas e sujeitou-se aos interesses uma abordagem integrada
dos investidores e do capital privado e imo-
biliário, eximindo-se da responsabilidade de De acordo com o relatório anual do Centre for
conduzir a construção de uma cidade plural, Research on Epidemiology of Disasters (Cred,
prevendo espaço para todos os segmentos 2020) para o ano de 2019, as inundações e as
de sua população. tempestades foram os desastres naturais que
Este artigo estrutura-se em três partes. mais causaram mortes e prejuízos financeiros
Na primeira, explora as relações entre os desas- em todo o mundo.
tres naturais, os processos de urbanização ado- No Brasil não existe programa sistemáti-
tados pelo planejamento urbano e a gestão de co de controle de enchentes que envolva seus
riscos, à luz de conceitos fundamentais sobre o diferentes aspectos (Tucci, 2007). A Secreta-
tema, sintetizando dados sobre os riscos hidro- ria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano
lógicos no País. Na segunda parte, apresenta (SRHU), ligada ao Ministério do Meio Am-
uma análise do arcabouço legal do sistema de biente, define normas e instrumentos para a
gestão de riscos no Brasil e na cidade de São gestão sustentável das águas no meio urbano
Paulo, com suas atribuições e competências, com desenvolvimento de baixo impacto, cen-
analisando as fragilidades desse sistema no to- trado na prevenção de inundações, de manei-
cante ao suporte material e de dados e, em es- ra a evitar a perda de vidas e de patrimônio.
pecial, pela desarticulação com outros setores, Recomenda o aperfeiçoamento de soluções de
exclusivamente com caráter de atendimento projeto para a drenagem urbana e o estímulo a
emergencial. Por fim, nas considerações finais formas inovadoras de sistemas de drenagem; a
evidencia-se a persistência dos paradigmas do renaturalização de rios e de córregos; e a cria-
higienismo em relação aos rios e sua submissão ção de Parques Fluviais para conter a ocupação
aos traçados que priorizam a mobilidade dos das Áreas de Preservação Permanente (APP),
automóveis, como também a permanência de ripárias e de várzeas. Porém não apresenta um
uma distribuição espacial injusta das popula- programa ou um plano de ação, transferindo
ções, mesmo quando apoiadas por ações das tal atribuição aos municípios.
672 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 673
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
com que as enchentes se transformassem em Até antes de meados do século XIX, a re-
inundações, que passaram a se configurar um de de águas superficiais formada pelos rios e
problema complexo a ser enfrentado na ges- córregos de São Paulo era utilizada sem quais-
tão territorial das áreas urbanas. quer obras de infraestrutura. As demandas do
Estudos, planos, projetos e obras de crescimento da cidade naquele período exigi-
controle de enchentes e inundações passa- ram intervenções relacionadas ao abastecimen-
ram a ser uma preocupação recorrente dos to de água e saneamento, passando por contro-
gestores públicos desde meados do século le de enchentes e geração da energia elétrica
XIX; e investimentos foram consumidos desde necessária à industrialização (ibid., 2005).
então. Somam-se 172 anos desde as primeiras Para garantir o abastecimento de água e
obras de retificação do rio Tamanduateí na o controle das inundações dos três principais
gestão do prefeito João Teodoro, em 1848, até rios da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê 2 –
os dias de hoje; porém a relação entre o clima, Tietê, Pinheiros e Tamanduateí – os gesto-
as águas e a urbanização vem sendo tratada res públicos empreenderam, entre o final do
de forma imprevidente, tanto no planejamen- século XIX e o primeiro quartel do século XX,
to quanto na gestão, na cidade de São Paulo obras de represamento de alguns contribuin-
(Travassos, 2005). tes de menor porte, especialmente do rio
674 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Tietê, como também a retificação do Taman- foram empreendidas pela São Paulo Tramway,
duateí, na região do Glicério (Kahtouni, 2004; Light & Power, empresa canadense respon-
Campos, 2001; Reis Filho, 2004). sável pelos serviços de bonde e geração e
A partir do século XX, a geração de ener- distribuição de energia elétrica (Melo, 2001;
gia elétrica também se apropriou das águas Kahtouni, 2004).
represadas e demandou grandes obras, como As obras de retificação dos leitos gera-
a retificação dos leitos dos rios Tietê – no pe- ram a necessidade de saneamento das várzeas
ríodo entre 1950 e 1960 – e do Pinheiros – de dos rios para sua utilização na implantação de
1928 até 1950 (Pessoa, 2019) – para garantir infraestruturas urbanas e para a ocupação ur-
volume e velocidade de escoamento direcio- bana de seus vales inundáveis. Tais interven-
nados para as represas situadas na região sul ções, empreendidas para que se garantissem
do município, para serem encaminhadas pelas usos múltiplos para as águas, criaram um sis-
escarpas da Serra do Mar até a Usina de Cuba- tema complexo, com características e necessi-
tão situada no litoral paulista. Essas obras dades específicas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 675
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
No entanto, se, em suas condições natu- Mas essas grandes transformações não se
rais, essas bacias hidrográficas tinham um regi- restringiram aos rios e suas bacias; envolviam
me de drenagem eficiente, com ciclos de inun- também modificações nas estruturas do relevo
dações ocupando grandes extensões dos vales, original desse território.
nutrindo o solo e alimentando as nascentes de Ab’Saber (2004) explica que, por estar si-
sua ampla rede hídrica, com as intervenções tuada na confluência dos vales fluviais dos rios
sofridas, seus regimes hídricos se desestrutu- Tietê e Pinheiros, a região onde se estabeleceu
raram (Castro A., 2020; Seabra, 1987). São Paulo tem, como característica de seu rele-
Paradoxalmente, as obras de represa- vo, o predomínio do Espigão Central, em cujo
mento, executadas com a finalidade de mo- topo se localiza a avenida Paulista. A configura-
ver as usinas de geração de energia, acaba- ção de seu relevo formou patamares interme-
ram por agravar os problemas das enchentes diários, entre os fundos de vale e as cotas mais
e das inundações, atingindo áreas em que, altas, que foram apropriados para implantação
até então, esses conflitos entre as águas e a de avenidas para promover um trânsito inter-
urbanização ainda não eram percebidos (Sea- no, por antigos caminhos transformados em
bra, 1987; Beiguelman, 1995; Segatto, 1995). avenidas radiais importantes.
676 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Pelo fato de as altas colinas das ver- um terço atendida pela rede de esgotos. Entre
tentes do Espigão Central representarem um meados da década de 1960 e início de 1980
obstáculo a ser vencido pelos arruamentos, houve um grande debate público envolvendo
dificultando o acesso para os bairros que se as questões de abastecimento e saneamento
implantaram ao sul, nas proximidades das pla- (Travassos, 2005; Alencar, 2017). Data desse
nícies do rio Pinheiros foi proposta como solu- período a construção das barragens de Paiva
ção para os problemas de circulação interna a Castro e Águas Claras na bacia do rio Juqueri,
utilização as calhas dos afluentes dos rios Tietê conformando a primeira fase de implantação
e Pinheiros, por meio da construção de aveni- do Sistema de Abastecimento de Água Canta-
das de fundo de vales e a construção de túneis reira, 4 que reverteu parte das águas da bacia
como na avenida Nove de Julho (ibid.). hidrográfica Piracicaba. Apesar de a implanta-
Travassos (2005) analisa as principais ção do Sistema Cantareira suprir, já naquele
propostas urbanísticas para São Paulo, rela- momento, grande parte das necessidades de
cionadas aos rios urbanos e suas várzeas, em abastecimento de água da Grande São Paulo,
duas fases distintas: a primeira fase, de mea- região que vinha crescendo em ritmo bastante
dos do século XIX ao início da década de 1930, acelerado, sua lógica era energética, tal qual
envolve a etapa de saneamento das várzeas foi a construção dos reservatórios Guarapi-
dos principais rios para a expansão da cidade, ranga (1907) e Billings (1925). Segundo Silva
garantindo a salubridade e o embelezamento (2002, p. 284), “as águas importadas da Bacia
urbano; a segunda fase, pós-1930, indica como do Piracicaba, depois de utilizadas no abaste-
o crescimento demográfico da cidade exerceu cimento urbano, seriam lançadas na Bacia do
grande pressão na urbanização de novas áreas, Alto Tietê e agregariam uma vazão próxima
apoiada pela construção de sistema viário. Pa- a 30m 3/s canalizada através do Pinheiros em
ra a autora, é na segunda fase que se consolida direção à vertente oceânica”, alimentando, as-
o modelo de ocupação das várzeas dos rios da sim, o reservatório Billings.
cidade pelas chamadas avenidas de fundo de Nessa ocasião, a solução da canalização
vale, idealizado e consagrado pelo Plano de de rios e córregos, com a construção de aveni-
Avenidas de 1930.3 Tais avenidas foram cons- das marginais (avenidas sanitárias), tornou-se
truídas nas décadas seguintes, estendendo-se hegemônica para os cursos d’água na cidade
até os anos 1970. de São Paulo, com investimentos do Estado e
da União em programas de saneamento. Pa-
radoxalmente, os planos urbanísticos incor-
O planejamento urbano poravam as questões de transporte e sanea-
em São Paulo: as questões mento, mas não contemplavam nenhuma
ambientais e os sistemas hídricos diretriz de drenagem. Outro contrassenso era
em relação ao fato de as obras de implantação
Nos anos 1960, a condição de abastecimento do sistema viário localizadas em vales fluviais
de água e de esgotamento sanitário de São também não atenderem a nenhum plano geral
Paulo atingiu níveis críticos, com metade da de mobilidade (Travassos 2010; Alencar, 2017;
população sem acesso a água potável e apenas Castro A., 2020).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 677
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
678 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
uma revisão do ideário da canalização de rios hídricos para o planejamento urbano, ao de-
e córregos, como forma hegemônica de ação terminar uma leitura e articulação das políticas
pública (ibid.). de urbanização em quatro redes estruturais,
Porém, esses conceitos não influencia- sendo uma delas a rede hídrica (Figura 4). Com-
ram as ações e não se refletiram imediata- posta pelos rios, córregos e talvegues, a rede
mente no planejamento urbano em São Paulo. hídrica deveria receber intervenções urbanas
Prova disso é que, enquanto planos e comitês de recuperação ambiental, drenagem, recom-
eram organizados para discutir as questões do posição da vegetação e saneamento, para pro-
planejamento do uso do solo e a gestão das mover absorção, retenção e escoamento das
águas urbanas, a Prefeitura, em 1987, coloca- águas e a interrupção do processo de imper-
va em ação o seu Programa de Canalização de meabilização do solo. Assim, esta foi articulada
Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo a um conjunto de elementos integradores – ha-
de Vale (decreto n. 23.440, de 16/2/1987). bitação, equipamentos sociais, áreas verdes e
Esse programa passou, desde então, por re- espaços públicos – que tinham como objetivo
configurações, sendo modificado pelo decreto de promover “a reconciliação da cidade com
n. 32.995 (12/2/1993) passando a se chamar seu território natural” (Tripoloni, 2008, p. 196).
Programas de Canalização de Córregos, Im- A articulação das políticas ambientais e
plantação de Vias e Recuperação Ambiental e de desenvolvimento urbano foi determinada
Social de Fundos de Vale – Geprocav, subor- por uma divisão territorial em duas macrozo-
dinado à Secretaria de Infraestrutura Urbana, nas: uma de proteção ambiental, composta
com os objetivos de promover e implantar a das áreas de mananciais protegidas ao sul e ao
canalização de córregos, implantação de vias, norte do município; e outra de estruturação e
incluindo a recuperação ambiental e social de qualificação urbana, onde a urbanização esta-
fundos de vale, mas ainda com ações muito va consolidada, subordinada aos planos regio-
restritas, mais afeitas ao tratamento das infra- nais das subprefeituras, de modo a contemplar
estruturas urbanas (Castro A., 2020). e responder às diversidades de cenários exis-
Sob a influência do protagonismo das tentes no território da cidade. Ocorre que nas
questões socioambientais que predominaram regiões onde se situava a macrozona de estru-
a partir dos anos 1990 na escala global e, nos turação e qualificação urbana, estavam todos
anos 2000, no Brasil, pelo recém-publicado os vales fluviais, sendo boa parte antropizada,
Estatuto da Cidade (Lei Federal 10257/2001), ocorrendo aí os conflitos entre sua ocupação e
o planejamento urbano em São Paulo incor- as inundações (Castro A., 2020).
porou novos parâmetros, adotando conceitos Para tanto, o PDE propôs criar um Pro-
de direito à cidade e da função social da pro- grama de Recuperação Ambiental de Cursos de
priedade; assim como incorporando políticas Água e Fundos de Vale, como um conjunto de
sociais participativas e trazendo as questões ações coordenadas pela Secretaria Municipal de
ambientais como pautas públicas (ibid.). Planejamento (Sempla), pela Secretaria Munici-
O Plano Diretor Estratégico de 2002 (PDE pal do Meio Ambiente (SMMA) e pela Secretaria
2002 – lei municipal n. 13.430, de 13/9/2002) Municipal de Habitação (Sehab), com a partici-
trouxe a questão ambiental e dos recursos pação das comunidades e da iniciativa privada.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 679
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
680 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Esse Programa pretendia recuperar implantação dos parques lineares não conside-
áreas degradadas, promover o reassentamen- rava, como parâmetros, as áreas de maior risco
to das populações que viviam em áreas vulne- hidrológico nem inseria as manchas de inunda-
ráveis às margens de rios e córregos, melhorar ção, mesmo porque o município ainda não con-
o sistema viário local, promover ações de sa- tava com um plano de drenagem.
neamento ambiental e localizar os equipamen- O Programa Córrego Limpo, instituído
tos sociais nas proximidades dos parques (Tra- em 2007, em parceria entre a Prefeitura Mu-
vassos e Schult, 2013). nicipal e a concessionária Sabesp, tem como
O PDE 2002 incorporou o conceito de objetivo ampliar a despoluição das águas das
parque linear como uma de suas principais bacias do município de São Paulo. Reconhe-
estratégias para atender, simultaneamente, às ceu que, mesmo em bacias hidrográficas que
demandas urbanas e conviver com cheias pe- tiveram implantação completa de rede de es-
riódicas nessas regiões. Com uma abordagem gotamento sanitário, permaneceu algum nível
multifuncional, a estratégia de implantação de poluição nos rios, pelo lançamento clandes-
dos parques lineares, no PDE 2002, tencionou tino de esgoto, pela disposição inadequada de
envolver várias pastas da gestão pública em resíduos sólidos, pela falta de manutenção da
sua implementação. Esteve presente em pla- rede de coleta de esgoto ou descontinuidades
nos e programas elaborados desde 2002, re- temporárias, em razão da execução de obras
lacionado às questões de proteção ambiental, (Travassos e Schult, 2013; Castro A., 2020).
de acesso às áreas verdes e de lazer, de sanea- Apoiado na implantação de parques lineares,
mento e drenagem e de habitação, como no o Programa trouxe como contribuição, do
Programa 100 Parques para São Paulo, no Pro- ponto de vista conceitual, o reconhecimento
grama de Recuperação Ambiental de Cursos de que “ao lado das obras estruturais, devem
D’água e Fundos de Vale (Córrego Limpo) e ser consideradas as ações operacionais, como
no Plano Municipal de Saneamento Básico de eliminação de conexões clandestinas, manu-
São Paulo e no Programa de Urbanização de tenção e programas de educação ambiental”
Favelas (Travassos e Schult, 2013). (Travassos e Schult, 2013, p. 301) compondo
O Programa 100 Parques, criado em um conjunto medidas não estruturais que,
2005, implantou 56 novos parques, atingindo articulado com os sistemas convencionais de
um total de 90 parques municipais, contabili- drenagem e saneamento, é mais efetivo para a
zando 34 anteriormente existentes (São Paulo, gestão das águas urbanas.
2012). Consolidou a adoção do conceito de par- Esse programa, em operação desde
ques lineares, como solução para proteção das 2007, teve algumas interrupções, mas rela-
áreas de APP, redução da ocupação em áreas cionou o saneamento e a manutenção de 161
de risco, o combate às enchentes e a recupera- córregos na capital paulista, até o final do ano
ção das margens dos córregos; como também de 2020; incluindo a manutenção do monito-
constituiu uma opção de cultura e lazer para as ramento da qualidade das águas de – deman-
populações do entorno. Porém, paradoxalmen- da bioquímica de oxigênio, DBO (mg/l) – em
te, a seleção dos perímetros adotados para a 144 desses córregos (Sabesp, 2021).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 681
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
682 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 683
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
684 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 685
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
À Comdec foi atribuída a função de coor- não somente a adesão, mas a permanência
denar as ações de socorro nas áreas atingidas nos programas preventivos, independente-
pelos desastres; ela passou a contar também mente das gestões administrativas.
com o Conselho Municipal de Defesa Civil – Em São Paulo, desde 2001, segue, como
Consdec, constituído por representantes de ação permanente, o Plano de Gestão de Ris-
diversas secretarias municipais, visando ga- cos e o Plano Preventivo de Chuvas de Verão
rantir a articulação das políticas públicas rela- (PPCV), para dar suporte às ações preventivas
cionadas à defesa civil com os demais setores de riscos geológicos e hidrológicos. As situa-
da administração municipal. Essa organização ções de riscos tecnológicos são representados
conferiu à Comdec uma posição muito favo- pelos acidentes em infraestruturas urbanas
rável, pois as subprefeituras dialogam com (água, eletricidade, gás e esgoto) e nos siste-
todas as secretarias da prefeitura municipal e mas de transporte de fluídos e transporte de
estão muito próximas, tanto do gabinete do produtos químicos pelas estradas e ferrovias
prefeito, quanto do próprio território e de suas que atravessam a cidade que, apenas recente-
comunidades. Porém, em abril de 2018, pelo mente, passou a incorporar os planos de ges-
decreto municipal n. 58.199/2018, tornou-se tão de riscos (Malheiros Figueira e Candeias
uma unidade específica da Secretaria Muni- de Almeida, 2020). São feitos os registros de
cipal de Segurança Urbana. Dessa forma per- ocorrências e avaliadas as condições específi-
deu a articulação mais ampla, restringindo-se cas de cada situação para a divulgação de aler-
às ações de resposta aos eventos e desastres tas e, caso necessário, a decretação de estado
naturais, não mais a uma unidade de planeja- de emergência (São Paulo, 2021).
mento no estabelecimento das ações preventi- Os relatórios do último PPCV, de 2019-
vas, que não se restringem apenas a medidas 2020, trazem registros de ocorrências por na-
estruturais ou a ações emergenciais. tureza, que corroboram os índices apresenta-
Importantes questões conceituais fo- dos nos estudos consultados e nos relatórios
ram adotadas em deliberações da Comdec, de órgãos internacionais de monitoramento
após a promulgação da Constituição de 1988 de riscos, que apontam a grande incidência de
e após a Política Estadual de Recursos Hídricos inundações e alagamentos.
(São Paulo). Dentre as mais expressivas, desta- Mas são notáveis as vulnerabilidades, a
cam-se seu caráter participativo; a abordagem desarticulação e as inconsistências, às quais
sistêmica na gestão de riscos; a adoção das ba- está sujeito esse importante programa de
cias hidrográficas como unidade territorial bá- prevenção de inundações. Além do município
sica para o estabelecimento de ações preventi- de São Paulo não contar com um mapa geral
vas, em relação às enchentes e às inundações; de inundações 5 ou um sistema de registros
e a organização das comunidades para partici- históricos e georreferenciados desses locais,
parem das discussões relacionadas a ações es- apenas os eventos de alagamento que provo-
tratégicas e das medidas preventivas a serem cam interrupções no fluxo de veículo em vias
adotadas nas áreas de risco, garantindo, assim, públicas têm seus registros feitos por sistemas
686 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 687
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
órgãos ocorre sem planejamento, sem preven- definiu os vales fluviais situados nos eixos
ção, ficando restrito ao atendimento de emer- das redes hídricas dos grandes rios da cidade
gências (Castro A., 2020). como territórios prioritários para desenvolvi-
Pelo fato de essas ocorrências, em sua mento metropolitano, aliado à estratégia de
gran de maioria, acontecerem em áreas de adensamento dos eixos de transporte público
vulnerabilidade e instabilidade geológica e e das regiões dotadas de redes e sistemas de
hidráulica ocupadas por populações pobres, infraestrutura urbana.
não é difícil reconhecer os reflexos da histó- Apesar dos avanços, a experiência recen-
rica negligência do planejamento e principal- te de chamamento da iniciativa privada para
mente da gestão pública, em abranger as to- o desenvolvimento dos PIUs revela, mais uma
talidades urbanas. vez, que prevalece a exploração do valor do so-
lo pelo mercado imobiliário, com pouca ou ne-
nhuma contrapartida de investimento público
propriamente dito; demonstrando a captura
Considerações finais de boas ferramentas de planejamento e gestão
públicos para atender, exclusivamente, a inte-
A atuação da gestão pública no que se refere resses privados.
à ordenação da ocupação dos vales fluviais foi Por sua vez, os processos de reestrutu-
marcada pela setorização e por uma desarti- ração dos sistemas de infraestrutura de dre-
culação que não conseguiu ser suplantada, nagem não estão plenamente contemplados.
mesmo na história recente da urbanização Sendo o sistema de drenagem uma competên-
de São Paulo. Apesar de, a partir dos anos cia da prefeitura, pouco é feito pelos concessio-
2000, a pauta ambiental ter sido incorpora- nários privados, responsáveis pela gestão das
da nos discursos das políticas públicas, dos redes de infraestrutura urbana básica de água
planos diretores e projetos setoriais, a força potável, esgoto e de limpeza urbana. E, como
dos agentes privados continua determinando exposto, a gestão de riscos passou, na atualida-
que as agendas se materializem como parte de, a ser tratada como um problema de segu-
do privilégio dos mesmos segmentos que, rança pública, como se fosse possível as águas
historicamente, determinaram como, para urbanas respeitarem o poder das polícias.
quem e para onde a cidade de São Paulo cres- As análises sobre a gestão de riscos
ce e se organiza. aplicadas pelos órgãos federativos indicam
Do ponto de vista dos planos diretores, que muito se tem a avançar, tanto do pon-
são inquestionáveis os avanços mais recen- to de vista das regulamentações, quanto,
tes do PDE 2002 e do PDE 2014. O PDE 2002 principalmente, da gestão. A ausência de
definiu pioneiramente a rede hídrica da cida- determinação clara da responsabilidade dos
de como eixo de estruturação urbana e um agentes do Estado para o apoio e a cobertu-
conjunto de parques lineares que deveriam ra financeira para ressarcir danos materiais
privilegiar os cursos d’água, em sua maioria de eventos hidrológicos não foi incorporada,
tamponado pelo sistema viário. Já o PDE 2014 nem na construção dos arcabouços legais,
688 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 689
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
de uma ação do governo de Santa Catarina uma vez que estas trazem como consequên-
com a Agência de Cooperação Internacional do cia o aumento do nível do mar e da potência
Japão (Jica). das tempestades.
Já a cidade de Nova York vem atualizan- São Paulo, apesar dos avanços institu-
do e adaptando normativas do zoneamento cionais apontados, segue tratando essas ques-
do solo, com vistas a reduzir os impactos de tões sem um planejamento integrado, sem
eventos hidrológicos extremos. As normati- suporte de dados e material atualizados, com
vas de Inundação de 2013 e de Recuperação equipes reduzidas numa histórica defasagem
de 2015 procuraram facilitar a adaptação que custa vidas e recursos materiais e finan-
das construções para atender aos requisi- ceiros, anualmente, a cada estação de chuvas.
tos mínimos estabelecidos para padrões de Em face dos eventos climáticos recentes, o
construção resistentes a inundações. No en- risco de inundação da cidade continua a au-
tanto, ante as mudanças climáticas, o risco mentar, apontando um futuro socioambiental
de inundação da cidade continua a aumentar, incerto e insustentável.
[I] https://orcid.org/0000-0002-9966-9788
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
afonso.celso.castro@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0001-7538-2136
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
angelica.alvim@mackenzie.br
Nota de agradecimento
Agradecemos ao apoio das seguintes ins tuições: Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsa de
doutorado); Fundo MackPesquisa (financiamento de Projeto de Pesquisa) e à Capes Proex
(tradução do ar go).
690 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
Notas
(1) A tese de doutorado defendida por Castro A. (2020), no PPGAU/UPM, é parte de uma pesquisa
maior intitulada “Projetos de urbanização e assentamentos precários e áreas de proteção
ambiental: as dimensões da sustentabilidade”, liderada por Angélica T. Benatti Alvim, com
financiamento do Fundo MackPesquisas (2018-2021) e do CNPq (edital Universal 2018).
(2) Os limites geográficos da Bacia do Alto Tietê (BAT) quase se confundem com os limites
administra vos da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (Alvim, 2003).
(3) Em 1930, o engenheiro Francisco Prestes Maia elaborou o Plano de Avenidas com o objetivo
orientar o desenvolvimento da cidade. Com base no modelo “haussmanniano”, Prestes Maia
propunha um sistema viário capaz de remodelar a totalidade urbana, traçado a partir de
uma estrutura radial perimetral – o perímetro de irradiação –, modelo formal que deveria
ser adaptado às condições topográficas da cidade. Em 1938, Prestes Maia torna-se prefeito e
coloca seu plano em prá ca, implantando ações bastante significa vas para a cidade, tais como
a con nuidade da canalização do rio Tamanduateí, o alargamento da avenida Rangel Pestana,
a extensão da avenida Rebouças, o prolongamento da avenida Pacaembu até o rio Tietê e da
Nove de Julho, com a implantação de um túnel que passava sob a avenida Paulista, entre outros.
Se, por um lado, o Plano de Avenidas pode ser considerado um instrumento de viabilização da
modernização de São Paulo, por outro, foi um dos responsáveis por sua expansão “ilimitada” e
pelo modelo de ocupação de avenidas de fundo de vale (Abascal, Bruna, Alvim, 2007).
(4) Atualmente, o Sistema Produtor de Água Cantareira, um dos maiores do mundo, produz 33 m 3/s
de água e abastece 8,8 milhões de pessoas da RMSP. Sua concepção envolve a transposição
entre duas bacias hidrográficas, importando água da Bacia do Piracicaba para a Bacia do
Alto Tietê. Dos 33m3/s produzidos pelo sistema, apenas 2m 3/s são produzidos na Bacia do
Alto Tietê, pelo rio Juqueri; 22m3/s vêm dos reservatórios Jaguari-Jacareí, cujas bacias estão
inseridas majoritariamente no estado de Minas Gerais, e o restante na Bacia do rio Piracicaba.
A gestão do Sistema Cantareira é de responsabilidade da Agência Nacional de Águas (ANA) e do
Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee) (ANA, 2021).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 691
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
Referências
ABASCAL, E. S.; BRUNA, G. C.; ALVIM, A. T. B. (2007). Modernização e modernidade. Algumas
considerações sobre as influências na arquitetura e no urbanismo de São Paulo no início do século
XX. Arquitextos. São Paulo, ano 8, n. 85.05, Vitruvius, jun. Disponível em: <h ps://vitruvius.com.
br/revistas/read/arquitextos/08.085/240>. Acesso em: 4 abr 2019.
AB’SABER, A. (2004). São Paulo, Ensaios Entreveros. São Paulo, Edusp/Imprensa Oficial.
ALVIM, A. T. B. (2003). A contribuição do comitê do Alto Tietê à gestão da bacia metropolitana entre
1994 e 2002. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
ALVIM, A. T. B.; BRUNA, G. C.; KATO, V. (2008). Polí cas ambientais e urbanas em áreas de mananciais:
interfaces e conflitos. Cadernos Metrópole. São Paulo, n. 19, pp. 143-164. Disponível em: h ps://
revistas.pucsp.br/index.php/metropole/ar cle/view/8714. Acesso em: 20 maio 2019.
ANA – Agência Nacional de Águas (2021). Sistema Cantareira. Disponível em: h ps://www.gov.br/
ana/pt-br/sala-de-situacao/sistema-cantareira/sistema-cantareira-saiba-mais. Acesso em: 20
dez 2021.
ANELLI, R. (2007). Redes de mobilidade e urbanismo em São Paulo. Das radiais/perimetrais do Plano
de Avenidas à malha direcional PUB. Arquitextos, São Paulo, ano 7, n. 82.00, Vitruvius. Disponível
em: h ps://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259. Acesso em: 15 out 2019.
BEIGUELMAN, P. (1995). Processo polí co-par dário brasileiro de 1945 ao plebiscito. Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil.
BRASIL (2012). Polí ca Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Lei n. 12.608, de 10 de abril.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm.
Acesso em: 15 dez 2021.
______ (2020). Parâmetros para a ocupação sustentável de áreas de fundo de vale no meio urbano:
o caso da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo,
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
692 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
CASTRO, C. N. de (2012). Gestão das águas: experiências internacional e brasileira. Texto para discussão
n. 1744. Brasília, Ipea. Disponível em: h ps://www.ipea.gov.br/portal/index.php?op on=com_
content&view=ar cle&id=15034. Acesso em: 14 jul 2020.
CRED – Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (2020). School of Public Health.
Brussels, Belgium, Université Catholique de Louvain. Disponível em: h ps://www.cred.be/
publica ons?field_publica on_type_ d=All. Acesso em: 28 jul 2020.
DELIJACOV, A. (1998). Os rios e o desenho urbano da cidade: proposta de projeto para a orla fluvial da
Grande São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
GOMES, J.; BARBIERI, J. (2004). Gerenciamento de recursos hídricos no Brasil e no estado de São Paulo:
um novo modelo de polí ca pública. Cadernos EBAPE Br, v. II, n. 3. Disponível em: h ps://www.
scielo.br/pdf/cebape/v2n3/v2n3a02.pdf. Acesso em: 20 mar 2019.
GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: ruptura e reconciliação. São Paulo, Editora Senac.
MALHEIROS FIGUEIRA, R.; CANDEIAS DE ALMEIDA, A. (2020). Gestão integrada dos riscos tecnológicos
na Região Metropolitana de São Paulo-RMSP. Diálogos socioambientais na macrometrópole
paulista. São Paulo, v. 3, n. 8, pp. 39-42.
MELO, L. L. (2001). A Light revela São Paulo: espaços livres de uso público do centro nas fotografias
da Light (1899-1920). Revista História & Energia, n 9. Fundação Patrimônio Histórico da Energia
de São Paulo.
PASTERNAK, S. (2010). Loteamentos irregulares no município de São Paulo: uma avaliação espacial
urbanís ca. Revista Planejamento e Polí cas Públicas, n. 34. São Paulo, Ipea. Disponível em:
h ps://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/issue/view/28. Acesso em: 24 jul 2020.
PDMAT 3 (2013). Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê. São Paulo, SP, Daee.
Disponível em: h ps://sigrh.sp.gov.br/public/uploads/documents/CBH-AT/11958/relatorio-i_
plano_final-rev2.pdf. Acesso em: 20 ago 2019.
PELLEGRINO, P. R. M. (1995). Paisagens está cas: ambiente virtual. Tese de doutorado. São Paulo,
Universidade de São Paulo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 693
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
PESSOA, D. (2019). O processo de re ficação do rio Tietê e suas implicações na cidade de São Paulo,
Brasil. Paisag. Ambiente: Ensaios. São Paulo, v. 30, n. 44, e158617. Disponível: file:///C:/Users/
User/Downloads/158617-Texto%20do%20ar go-392074-1-10-20200211.pdf. Acesso em: 17 ago
2019.
REIS FILHO, N. G. (2004). São Paulo: vila cidade metrópole. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo.
RILEY, A. L. (1998). Restoring streams in ci es: a guide for planners, policy makers, and ci zens.
Washington (DC), Island Press.
ROSSI, R. A.; SANTOS, E. (2018). Conflito e regulação das águas no brasil – a experiência do Salitre.
Universidade Federal da Bahia. Caderno CRH, v. 31 n. 82. Salvador.
RUTKOWSKI, E. W. (1999). Desenhando a bacia ambiental: subsídios para o planejamento das águas
doces metropolitan(izad)as. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (2021). Programa Córrego Limpo.
Disponível em: site.sabesp.com.br/site/interna/Default.aspx?secaold=116. Acesso em: 12 jul
2019.
SAITO, S. M. et al. (2019). População urbana exposta aos riscos de deslizamentos, inundações e
enxurradas no Brasil. Revista Sociedade & Natureza, v. 31. Disponível em: h p://www.seer.ufu.
br/index.php/sociedadenatureza/ar cle/view/46320. Acesso em: 9 mar 2020.
SANTOS, R. F. (2004). Planejamento ambiental: teoria e prá ca. São Paulo, Oficina dos Textos.
SÃO PAULO, Prefeitura Municipal (2012). Programa 100 parques. Disponível em: https://www.
prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/index.php?p=49467. Acesso
em: 12 dez 2021.
______ (2020a). Cidade de São Paulo, Urbanismo e Licenciamento. Mapas. Disponível em: h ps://
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamento/desenvolvimento_urbano/
legislacao/plano_diretor/index.php?p=1391. Acesso em: 14 dez 2021.
______ (2021). Reorganização da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. Disponível em: h ps://
egislação.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-prefeito-pref-1122-de-23-de-agosto-de-2021.
Acesso em: 12 dez 2021.
SCOLARO, D. (2012). A preservação dos recursos hídricos na bacia do Itajaí: soluções de baixo impacto
ambiental para o município de Blumenau. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade
Federal de Santa Catarina.
SEABRA, O. (1987). Meandros dos rios nos meandros do poder: Tietê e Pinheiros – valorização dos rios
e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
694 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022
Urbanização e gestão de riscos hidrológicos em São Paulo
SEGATTO, J. A. (1995). Reforma e revolução: as vicissitudes polí cas do PCB, 1954-1964. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira.
SILVA, R. T. (2002). "Gestão hidrográfica de bacias densamente urbanizadas". In: FONSECA, R. B.;
DAVANZO, A. M. Q.; NEGREIROS, R. M. C. Livro verde. Desafios para a gestão da Região
Metropolitana de Campinas. Campinas, Editora da Unicamp.
TOMINAGA, L. K.; SANTORO, J.; AMARAL, R. (orgs.) (2009). Desastres naturais conhecer para prevenir.
São Paulo, Ins tuto Geológico.
______ (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na
cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
TRAVASSOS, L.; SCHULT, S. I. M. (2013). Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade
de São Paulo, entre transformações e permanências. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 15, n. 29,
pp. 289-312. Disponível em: h ps://revistas.pucsp.br/metropole/ar cle/view/15826. Acesso
em: 23 set 2020.
TRIPOLONI, P. (2008). Planos e projetos para o rio Tietê na cidade de São Paulo, 1988-2002: de uma visão
setorial a uma visão integrada. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
TUCCI, C. E. M.; BERTONI, J. C. (2003). Inundações urbanas na América do Sul. Revista da Associação
Brasileira de Recursos Hídricos. Porto Alegre, Editora da Associação Brasileira de Recursos Hídricos.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 695
Urbanization and management
of hydrological risks in São Paulo
Urbanização e gestão de riscos
hidrológicos em São Paulo
Afonso Celso Vanoni de Castro [I]
Angélica Tanus Benatti Alvim [II]
Abstract Resumo
The article discusses hydrological risks of the city Este ar go discute os riscos hidrológicos do mu-
of São Paulo as a historical and social construc on nicípio de São Paulo como uma construção his-
deriving from an urbanization planning that tórica e social resultante de um planejamento
disregarded the hydrological dynamics, did not da urbanização que desconsiderou as dinâmicas
provide space for vulnerable popula ons, favored hidrológicas, não previu espaço para as popu-
mobility and urban expansion, and increased lações vulneráveis, privilegiou a mobilidade, a
land value. It is supported by indirect sources expansão e a valorização fundiária. Apoia-se em
(laws, theses, academic ar cles) and discusses the fontes indiretas (leis, teses e ar gos acadêmicos)
Municipal Civil Defense System in the light of current e discute o Sistema Municipal de Defesa Civil à luz
frameworks and en es responsible for managing dos marcos vigentes e dos entes responsáveis pela
risks of natural disasters. Risk management is gestão de riscos de desastres naturais. A gestão
treated as an emergency issue, subordinated to de riscos é tratada como questão emergencial,
the Municipal Security Department. With a fragile subordinada à Secretaria Municipal de Segurança.
structure that lacks basic elements, it disdains Com uma estrutura frágil, sem elementos básicos,
its historical and environmental liabilities and desdenha seu passivo histórico e ambiental e ex-
exposes the State’s withdrawal under the ac on of põe o afastamento do Estado sob a ação das polí-
neoliberal policies. cas neoliberais.
Keywords: São Paulo; urbaniza on; valley bo oms; Palavras-chave: São Paulo; urbanização; fundos de
urban planning; public policies. vale; planejamento urbano; polí cas públicas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5410.e Crea ve Commons Atribu on
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
Many authors warn about the The topic ‘water’ in Brazil is regulated
deterioration and impacts suffered by urban by the 1988 Federal Constitution (CF/1988)
rivers due to both intense population growth as State competence; it must be ordered
and the sealing of cities’ surfaces. These by the National System of Water Resources
factors lead to a turning point in the urban Management, also known as Singreh, based on
river-water management approach. They command and control instruments (watershed
also shine light on increase in water crisis plans, licensing for water use and capture,
episodes that can affect millions of people in water course classification and information
urbanized areas (Spirn, 1995; Hough, 1995; systems). It regards a system that adopts
Riley, 1998; Delijaicov, 1998; Rutkowski, economic incentives for the ‘rational’ use of
1 9 9 9 ; A l v i m , 2 0 0 3 ; H i g u e ra s , 2 0 0 6 ; water resources (water-use financial charging
Travassos, 2010; Gorski, 2010; Schutzer, or compensations); however, the State did not
2012; Kahtouni, 2016). provide direct investments to it, but it actually
From the 1980s onwards, sustainability transfers such a responsibility to private
and the economy of natural resources rose in agents that do not care about a broaden
the agenda of public policies worldwide due social participation in this process. Even the
to the emergence of the globalized economy. creation of regulating agencies in the 1990s,
Actions and investments aimed at planning which account for public agents responsible
and river-recovery ventures to safeguard for managing and inspecting concessionary
water sustainability and to rescue socio- companies, was not preceded by the debate
environmental quality for populations, as well about the best regulation model; legal
as river landscapes (Alencar, 2017; Kahtouni, frameworks were discussed prior to concepts.
2016). These actions highlighted that This process has taken these agencies apart
models adopted by the traditional hydraulic from the political dynamics and broadened
engineering had failed and created a whole the market space by replacing the State
series of issues in metropolises. bureaucracy by the privatization of offered
Sanitation and power generation in public services (Rossi and Santos, 2018).
Brazil were always subjected to the trends The aim of the present article is to
and interests of private companies from discuss the weaknesses of the hydrological
different countries that had invested in risk management system operated by public
the basic-services sector, such as sewage agents in São Paulo City. Such weaknesses
systems, railroads, gas and electricity were herein associated with an urbanization
companies, telegraphs and telephones, urban model adopted by the urban planning
transportation, navigation companies and project and with the urban space production
public construction ventures (Castro C., 1979 process, which did not respect the local
apud Gomes and Barbieri, 2004). Accordingly, hydrological dynamics and did no set locations
the presence of these enterprises has for vulnerable populations. This article
influenced the consolidation of some Brazilian derived from a PhD thesis (Castro A., 2020),1
sanitary engineering canons. which employs a historical approach that is
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 671
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
do not encompass a program or action plan, change the landscape due to the occupation
a fact that transfers such a responsibility to of environmentally weak urban areas, such
municipalities. as mangroves, floodplains, valley bottoms
A study carried out by the National and supply waterbodies, and that promote
Center for Natural Hazards Monitoring and the socio-spatial segregation of vulnerable
Warning (Cemaden, 2019) published in 2019 populations (Mello and Ribas, 2004 apud
point out that Southeastern region held the Scolaro, 2012; Castro A., 2020).
largest number of areas presenting risk of
mapped floods and landslides in Brazil, in 2018
(Saito et al., 2019). Assumingly, because the
Valley bo om urbaniza on
Southeastern region accounts for the highest
rates of population density in the country,
in São Paulo and the prevalence
one can believe that such a scenario led to the of sectoral logics
largest number of people affected by natural
hazard events over the assessed period. Several studies were produced based on the
The present research also featured the analysis of the urbanization model adopted
profile of the most affected population based for valley bottoms, and it indicates the need of
on economic data. It was observed that 36% regulating and standardizing urban occupation
of households exposed to such events lived based on an integrated and systemic approach,
with income per capita up to half minimum which must be understood as the only way
wage. This situation was observed in 20% to reduce conflicts, and financial and human
of the assessed municipalities. Yet, 71% of losses, as one can see on a daily basis (Tucci
the population exposed to hazardous events and Bertoni, 2003; Tucci, 2007; Alvim et al.,
in the Southeastern region would be living 2006; Gorski, 2010; Travassos, 2010; Alencar,
in 38 municipalities in the metropolitan 2017; Pellegrino, 1995). Even the doctrine
regions of São Paulo, Rio de Janeiro and Belo basis of the National Policy of Protection and
Horizonte cities – it totaled 2,583,705 people Civil Defense (PNPDEC) sees inter-sectoral
(ibid, 2019). articulations as essential for the management
Data provid ed by this imp ortant of public administration agents; it must follow
research have shown the effects of socio- an integrated approach applied to planning
political processes that link urban populations and management of urban soil use.
to natural hazard events. It goes from human São Paulo City was settled in an
actions intensifying climatic changes to the extremely irrigated and rainy region; it had
vulnerability and exposure of people to to learn to deal with flooding events since its
them, as consequence of urban territorial foundation, mainly from the mid-19th century
policies. Such effects are the reflex of an on, when it has expanded due to the power
urbanization model based on mechanic views of the agricultural economy supported by
that do not take into account the diversity coffee exports. At that time, due to the city’s
of natural systems, eliminate woods and favorable topographic conditions, railroads
humid zones, exhaust natural resources, were implemented on valley bottoms and it
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 673
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
has encouraged urbanization in these areas The network of surface water, which
(Franco, 2005). Changes imposed to the was formed by rivers and brooks in São
natural physiography of these areas, and Paulo up to the mid-19 th century, was used
their occupation turned flooding events into without any infrastructure projects. Demands
inundations, which were then featured as a resulting from city growth at that time forced
complex issue to be faced by the territorial interventions related to water supply and
management of urban areas. sanitation. This process encompassed flood
Studies, plans, projects and construction control and the generation of power necessary
ventures focused on controlling floods and for the industrialization process (ibid., 2005.)
inundations became a recurrent concern for In order to ensure water supply and
public managers since the mid-19 th century; flood control in the three main rivers in
therefore, investments were made in this Alto Tietê 2 basin – Tietê, Pinheiros and
field. In total, 172 years have passed since Tamanduateí rivers –, public managers
the correction of Tamanduateí river during engaged in construction projects to dam
João Teodoro’s administration, back in 1948. some smaller tributaries, mainly of the Tietê
However, the association among climate, water river, between the late 19 th century and the
and urbanization has been treated recklessly, early 20 th century, as well as in correcting
either in terms of planning or management, in Tamanduateí river in Glicério region (Kahtouni,
São Paulo City (Travassos, 2005). 2004; Campos, 2001; Reis Filho, 2004).
Figure 1 – Schema c map of the dam system in São Paulo in the early 20th century
From the 20th century on, electric power which was the Canadian company in charge
generation also appropriated the dammed of cable car services, and of electric power
water and demanded huge construction generation and distribution (Melo, 2001;
projects, such as the correction of Tietê River’s Kahtouni, 2004).
bed – between 1950 and 1960 –, as well as of Riverbed correction ventures accounted
Pinheiros River – between 1928 and 1950 – to for the need of floodplains’ sanitation, so
ensure the volume and speed of flows heading rivers could be used for urban infrastructure
to dams located in the municipality’s Southern implementation and for the urban occupation
region. This flow had to be guided through of their flooding valleys. Such interventions,
cliffs in Serra do Mar to reach Cubatão Plant which were made to ensure multiple water
in São Paulo coastal area. These ventures were uses, have created a complex system that
made by São Paulo Tramway, Light & Power, presented specific features and needs.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 675
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
However, given its natural conditions, Nevertheless, these great changes did not get
this water basin had an efficient drainage limited to rivers and basins; they also regarded
system, which had flooding cycles that the structure of original reliefs in this territory.
covered huge extensions of the valleys. It Ab’Saber (2004) explains that the region
nurtured the soil and water springs in a broad where São Paulo was settled, which is located
water network. However, the implemented in the confluence between the valleys of Tietê
interventions broke its water regimes (Castro and Pinheiros rivers, has the prevalence of
A., 2020; Seabra, 1987). Central Spike as its main feature – its peak is
As a paradox, the dam projects put in located in Paulista avenue. The configuration
place to displace power generation plants if its relief has formed intermediate landing
ended up worsening the flood and inundation places between valley bottoms and the
issue, since these events reached areas that, highest coasts, which were appropriated for
at that time, remained free from conflict the implementation of avenues to promote
between water and urbanization (Seabra, internal transit through old pathways that
1987; Beiguelman, 1995; Segatto, 1995). were turned into important radial avenues.
Figure 3 – Nove de Julho avenue’s tunnel construc on site, and Trianon Belvedere, 1939
Source: picture by B. J. Duarte, taken in São Paulo in Black and White (2020).
A solution was proposed for the internal have access to drinking water and only one-
circulation problem because the high hills third of it was assisted by sewage networks.
around the Central Spike represented an There was a great public debate about water
obstacle to be overcome by streets that supply and sanitation matters by the mid-
impaired the access to neighborhood emerging 1960s and early 1980s (Travassos, 2005;
in the Southern zone, close to Pinheiros River’s Alencar, 2017). The construction of Paiva
surroundings, namely: using the gutters for Castro and Águas Claras dams in Juqueri
Tietê and Pinheiros rivers’ tributaries. It was river basin dates back to this time, and it
done by building avenues on valley bottoms complied with the first implementation
and tunnels, such as the case of Nove de Julho phase of Cantareira Water Supply System, 4
avenue (ibid.). which has reversed part of the water in
Travassos (2005) analyzes the main P iracicab a’s watersh ed. Alt h ou gh th e
urbanistic propositions to São Paulo associated implementation of the Cantareira System
with urban rivers and their floodplains. These has fulfilled most of the demand for water
propositions were divided into two different supply in Grande São Paulo region at that
phases. The first phase lasted from the mid-19th time – this region had been growing at quite
century to the early 1930s; it encompasses the accelerated pace –, its logic followed that
sanitation stage of the main rivers’ floodplains of the construction of Guarapiranga (1907)
the second phase took place after the 1930s; and Billings’ (1925) reservoirs. According
points out how the demographic growth in the to Silva (2002, p. 284), “water imported
city influenced the urbanization of new areas from Piracicaba Basin, which is later used
based on the construction of road system. for urban supply, would be discharged in
According to this author, the second phase Alto Tietê Basin and it would aggregate at
witnesses the consolidated occupation system flow close to 30m3/s and channeled through
set for rivers’ floodplains in place to build the Pinheiros towards the ocean slope” to feed
so-called valley bottom avenues. This project Billings’ reservoir.
was designed and made real by the Avenues’ At that time, the solution was to
Plan from 1930.3 These avenues were built in channel rivers and brooks to build the
the following decades; their construction went marginal avenues (sanitary avenues), this
on up to the 1970s. decision was hegemonic for water courses
in São Paulo City – the state and the federal
governments made investments in sanitation
Urban planning in São Paulo: programs. As a paradox, urbanistic plans
embodied transportation and sanitation
environmental ma ers matters, but they did not follow any drain
and water systems guideline. Another countersense lied on the
fact that construction sites to implement the
Back in the 1960s, water supply and sanitary road system on river valleys did not fulfil any
sewage conditions in São Paulo reached plan on general mobility (Travassos, 2010;
critical levels, half of the population did not Alencar, 2017; Castro A., 2020).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 677
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
In addition, between the 1970s and 80s, planning, provided general guidelines to
São Paulo experienced a fast demographic drainage, water supply, sanitary sewage and
expansion towards peripheral regions. Areas garbage collection systems that were integrally
missing basic infrastructure were occupied analyzed and linked to several systems. It was
by irregular allotments and slums emerged done to review the concept of drainage from
in environmentally weak areas, such as the exclusively hydraulic approach adopted
valley bottoms and spring protection areas. for fast surface flow and transposition of
This process has reinforced the association flooding points, to concepts of systems
between environmental and housing liabilities integrated to drainage and sanitation plans, as
(Pasternak, 2010). According to Alvim et well as to soil use and occupation (Travassos,
al. (2006), between 1950 and 1970, which 2005). The enactment of Lei de Proteção de
corresponded to São Paulo’s ‘metropolization’ Mananciais (State Law n. 898, from 1975, n.
and to more intense conflicts among economic 1.172, from 1976, and State Decree n. 9.714,
growth, society and the physical medium. The from 1977) also dates back to this time; it
implementation of a complex road system aimed at disciplining soil use in water spring
and the intense migration flow from several areas of interest to the metropolitan area. This
regions in the country – people were seeking process forced restrictions to soil fractioning
job opportunities in the secondary and and occupation use, as well as the provision
tertiary sectors – intensified the population of sanitation infrastructure to 53% of RMSP as
move towa rd s p erip h era l an d f ragile urban-control form.
areas. This process has helped worsening Bac k in the 1 98 0s, the com pany
environmental issues in the region. In the elaborated a preventive and normative Plano
early 1950s, the population in São Paulo City Global de Drenagem to ensure the proper
comprised 2.155 million inhabitants, plus 500 occupation of basins that were not fully
thousand inhabitants in neighbor counties. In urbanized until that moment. Simultaneously,
1980, IBGE’s demographic census recorded Daee launched an Urban Drainage handbook
9,646,185 inhabitants in São Paulo City; São guided by these same principles, which
Paulo metropolitan region (RMSP) recorded exclusively refer to linear parks as solution for
12,549,856 inhabitants. Demographic rates in drainage issues; it proposed the “gathering
the 1970s pointed out the different dynamics of urban plans and drainage planning and
in the core-municipality in comparison to of upstream river water prevention and
the other municipalities in RMSP. While the floodplains’ maintenance to linear parks”
population in the capital grew by 3.7% per (Travassos, 2005, p. 74).
year, the resident population in the other Soon after, other solutions associated
RMSP’s municipalities was growing by 6.4% with soil use and occupation type started
per year in the same period (Pasternak, 2010). to be taken into consideration for flooding
In 1975, Empresa de Planejamento S/A areas. They promoted the conceptual review
(Emplasa), which is an autarchy of São Paulo on the actions regarding water courses,
State’s government in charge of metropolitan drainage and combat to flooding events. This
questioning process led to reviews on the idea of urban planning by determining the review
of channeling rivers and brooks as hegemonic and articulation of urbanization policies
form of public action (ibid.). in four structural networks, among them,
However, these concepts did not one finds the water network (Figure 4). It
influence the actions taken and did not encompassed rivers, brooks and thalwegs;
immediately reflect on São Paulo’s urban therefore, it should be the target of urban
planning. Such a statement was proven by the interventions for environmental recovery,
fact that while plans and committees were drainage, vegetation recovery and sanitation
organized to discuss soil use planning matters to promote water absorption, retention and
and urban water management, the City Hall flow, and the interruption of the soil sealing
put in place its Programa de Canalização de process. Thus, this action was incorporated to
Córregos e a Abertura de Avenidas de Fundo de a set of integrating elements (housing, social
Vale, in 1987 (Decree n. 23.440, from February equipment, green areas and public spaces)
16, 1987). This program faced adjustments aimed at promoting “the city’s conciliation to
since its launching, it was modified by Decree its natural territory” (Tripoloni, 2008, p. 196).
n. 32.995 (February 12, 1993) and its name The articulation of environmental policies
was changed to Brooks Channeling, Roads to urban development was set by a territorial
Implementation and Valley Social Funds division determined in two macro-zones,
Program, also known as Geoprocav.This namely: one for environmental protection and
program was run by the Urban Infrastructure the other for urban structuring and qualification.
Secretariat; it aimed at promoting and Therefore, urbanization was consolidated and
implementing brooks’ channeling, and new subjected to sub-city halls regional plans, so
roads – including the environmental and social that it was about to encompass and respond
recovery of valley bottom, based on quite to several scenarios in city territories. Actually,
restrictive actions mostly linked to treating in regions housing the structuring and urban
urban infrastructure (Castro A., 2020). qualification macro-zone, one finds all river
São Paulo urban planning held new valleys, and good part of them are subjected
parameters based on the influence of socio- to human action, a fact that opened room for
environmental matters that have prevailed conflicts between their occupation and flooding
from the 1990s onwards, at global scale, as events (Castro A., 2020).
well as in Brazil, from the 2000s on, due to the Therefore, PDE proposed to create
recently published City Statute. It adopted the Programa de Recuperação Ambiental de
concepts of right to the city and of the social Cursos de Água e Fundos de Vale, which
function of property, as well as embodied en comp ass ed a w h ole set of ac tions
participatory social policies that opened space coordinated by the Municipal Planning
for environmental issues as public agenda (ibid.). Secretariat (Sempla), by the Municipal
The 2002 Plano Diretor Estratégico Environment Secretariat (SMMA) and by the
(PDE 2002 – Municipal Law n. 13.430, from Municipal Housing Secretariat (Sehab), with
September 13, 2002) put the environmental the participatory action of local communities
and water resources issue in the mainstream and the private sector.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 679
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
This program aimed at recovering adopted for linear parks’ implementation did
degraded areas, re-assessing populations not encompass areas presenting the highest
living in vulnerable areas on the sides of hydrological risks as parameter, or inserted
rivers and brooks, improving the local road flood spots in it, because the municipality did
system, promoting environmental sanitation not yet count on a drainage plan.
actions and locating social equipment in parks’ Programa Córrego Limpo, launched
surroundings (Travassos and Schult, 2013). in 2007 by the partnership between the
The 2002 PDE embodied the linear City Hall and Sabesp, aimed at broadening
park concept as one of its main strategies to the depollution of water in basins in São
simultaneously fulfil urban demands and live Paulo municipality. It was acknowledged
with systematic flooding events in the region. that watersheds that had faced the full
Since it was a multi-functional approach, the implementation of sanitary sewage networks
strategy adopted to implement linear parks yet showed some degree of river pollution due
determined by the 2002 PDE was an attempt to the discharge of clandestine sewage, to the
to gather seve ral pu blic m an agement inappropriate disposal of solid waste, to lack
bureaus in their implementation. It was of sewage-collection network maintenance
observed in plans and programs concerning or to noon-systematic maintenance in them
environmental protection issues elaborated because of construction sites in course in the
since 2002, as well as the access to green region (Travassos and Schult, 2013; Castro A.,
and leisure areas, sanitation, drainage 2020). The Program was supported by the
and housing. It was similarly observed in implementation of linear parks and, from
Programa 100 Parques for São Paulo, in the the conceptual viewpoint, it acknowledged
Program for the Environmental Recovery of that “by structural construction sites, one
Water Courses and Valley Bottoms (Córrego must consider operational actions such as the
Limpo), in the Municipal Plan for Basic elimination of clandestine connections, and
Sanitation in São Paulo and in Programa the maintenance of environmental education
de Urbanização de Favelas (Travassos and programs” (Travassos and Schult, 2013,
Schult, 2013). p. 301) that comprise a whole set of non-
Programa 100 Parques was created structural measures that are more effective
in 2005 and implemented 56 new parks; it to urban water management when they are
reached the total number of 90 municipal associated with conventional drainage and
parks, along with the previously ones (São sanitation systems.
Paulo, 2012). The adoption of the linear This program has been operational since
parks’ concept was consolidated as solution 2007, although it faced few interruptions;
to protect APP areas, to the occupation of however, it related san itation to th e
risk areas and to combat flooding events maintenance of 161 brooks in São Paulo
and brook sides’ recovery. It also emerged State capital by late 2020 – it included the
as culture promotion and leisure option maintenance of water quality monitoring
for the surrounding populations. However, in 144 of these brooks (oxygen biochemical
as a paradox, the selection of perimeters demand, OBD – mg/l) (Sabesp, 2021).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 681
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
The Plano Diretor de Drenagem Urbana maintenance of a risk situation if they were
was included in Plano de Metas 2013-2016, not fully implemented in locations vulnerable
although it should be under the command to flooding events – it meant the creation of a
of a “municipal water entity” and have new liability.
technical, legal and institutional connection Among goals exposed in the 2014
to other municipalities composing the Alto PDE strategies (municipal law n. 16.050
Tietê Basin, as well as to federal and state from July 7, 2014), one finds the adoption
managerial bureaus closely associated with of t h e environ m enta l a gen d a , w h ich
water resources, sanitation and environmental emerged as supporting character in the city’s
management. development. It took river valleys and axes
It is worth highlighting that, at that time, in water networks as strategies to guide city
state law n. 7.663 (from December 30, 1991) growth by promoting densification in the
and federal law n. 9.433 (from January 1, 1997) surroundings of public transportation facilities
were already enacted. They provided on water and in regions presenting urban infrastructure
resources policies based on the following networks and systems. Valleys of the Tietê,
principles: adoption of watersheds as physical- Pinheiros and Tamanduateí rivers were
-territorial planning and management units, appropriated as metropolitan structuring axes;
and the integration of plans and programs to they were inserted in the Urban Structuring
municipalities belonging to the same basin. and Qualification Macro-zoning, which had
However, this dreamed integration did not featuring and perimeter similar to those
become true at that time and it is still under proposed by the 2002 PDE. However, they
construction. lost their amplitude and priority as urban
The bill focused on the Plano Municipal sustainability target.
de Habitação (2009-2024), which was not Based on the previous plan, river
approved, was pioneer in defining the housing valleys were seen as strategic regions for
policy and fundamental principles related the inter-sectoral integration of urban
either to land and building matters or to urban, management achieved by means of linear
environmental and infrastructure issues. parks’ implementation. The 2014 PDE, in its
Accordingly, among the parameters adopted turn, opened room for an approach referring
to classify priorities, one finds the classification to soil use ordering in this region, which had
based on precariousness criteria and on water prioritized urbanization to the detriment of
micro-basins, whose variables were added water capacity recovery in valley bottom areas
to three great dimensions: infrastructure, based on urban densification and increment
undercut or landslide risks, and health. The of public transportation systems – it did not
actions taken in valley bottoms for slums’ mention environmental issues.
urbanization programs were substantiated The 2014 PDE launched Programa de
by settlements’ maintenance. These actions Intervenção Urbana, also known as PIU, as new
were put in place through infrastructure urban transformation and ordering instrument
implementation to avoid removing these applicable to densification and transformation
populations, they could represent the axes. It regarded technical studies elaborated
by the public power to promote ordering and Finally, among advancements and
urban restructuring in underused areas with steps back in the application of concepts
transformation potential in São Paulo City. This concerning socio-environmental issues, the
PDE proposed the creation of PIU Arco Tietê, urban planning in São Paulo municipality
PIU Arco Pinheiros and PIU Arco Jurubatuba, favored paradigms and even implementation
which lay on the edges of these rivers. They strategies that face conflicts created by
aimed at urban, environmental and water the valleys’ bottom urbanization model,
recovery in these regions. Studies were carried These advancements and steps back did not
out by taking into consideration the existing contemplate a place for waters and poor
conflicts between soil occupation and sealing populations in the urban space; therefore,
in these areas, as well as the impacts that have they remain exposed to all sorts of risks, the
led to flooding events. interest in mobility and occupation expansion
These proposals considered remain as real estate strategy.
interventions that covered drainage systems It is possible observing that there is a
and the recovery of brooks, green areas, relapsing management issue that devalues
public spaces and mobility. However, it was public assets. It goes beyond the persistence of
possible observing little contribution of them obsolete concepts associated with urban water
to landscape and riverbeds’ requalification and outdoor spaces’ management, as well as
in areas close to the road system; this finding with São Paulo’s environmental features. Since
reinforced the prevalence of vehicles’ mobility. 2017, this municipality has been witnessing
Yet, in 2016 Fundo de Desenvolvimento advancements in the privatization of important
Urbano – Fundurb – was regulated by Decree parks and public spaces. These privatizations are
n. 57.547 from December 19, 2016. It is an excused by the “efficiency of the private sector”;
important mechanism to finance urbanistic this justification was supported by lack of
and environmental plans, programs and structuring in parks’ managerial councils, which
projects that integrate or derive from the have been essential participatory instances since
direction plan, which works with resources the project was defined, mainly because of the
obtained from the sales of granting to the right valuing, maintenance and close ‘surveillance’ of
of building due to onerous grant operations the quality of these spaces – they are promoted
provided by PDE instruments. Castro and Alvim by the public use of these spaces.
(2018), by analyzing Fundurb’s applications If one considers the unquestionable
between 2013 and 2016, have observed climate changes and the impacts that have
that most of the contemplated construction been caused by the urbanization phenomenon
sites had associated urban drainage services at global scale, it is possible stating that the
with both the remediation of geological and urban planning project faces challenges
waterbodies’ risks (brooks and steams), with related to overcoming sectoral models and the
roads’ repair and paving, and with sites, to discontinuity of public policies.
make adjustments in public squares based on Despite the proper and innovative
landscaping and on the installation of sports legal framework in Brazil, except for isolated
and leisure equipment. experiences, Brazilian cities keep on expanding
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 683
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
based on the orientation supported by the soil health, environment, climatic changes, water
occupation and planning model that favors resources, geology, infrastructure, education,
the most powerful sectors and agents. Such among others, as well as civil society’s
orientation takes into account environmentally representatives, in order to build a local
weak areas, ruins their natural patrimony and system to manage civil defense and protection
exposes their populations, mainly the poorest policies and actions. These measures aim
ones, to all sorts of risk situations and socio- social, economic and environmental recovery,
environmental vulnerabilities. as well as the reconstruction of ultimate
infrastructure and buildings (ibid.).
Risks management presupposes a
broad set of structural and non-structural
Natural Hazard risk measures that hold psycho-social aspects,
management in São Paulo such as material support actions to fulfil the
and the sectoral logics basic needs of the affected ones, actions to
encourage hope towards the recovery of daily-
The Brazilian policy life activities; as well as economic aspects:
subsidized credit lines, fiscal incentives, tax-
Natural Hazard risks management in Brazil free policies and other measures regarding the
is adjusted by Política Nacional de Proteção productive capacity to generate income and to
e Defesa Civil, also known as PNPEDC offer new job positions; environmental aspects:
(law n. 12.608 from April 10, 2012), which measures to recover degraded ecosystem due
provides on civil protection and defense to hazardous events; and structural aspects:
actions organized by prevention, mitigation, infrastructure reconstruction, buildings and
preparation, response and recovery actions facilities (ibid.).
regarding specific responsibilities that These losses worsen in Brazil due to lack
are, in their turn, based on a systemic and of programs and policies for risks management
continuous management. This management and damage mitigation, which are tools to
type organizes itself according to standards recover, reinforce and reestablish economic
by Sistema Nacional de Proteção e Defesa activities in affected areas and populations,
Civil – Sinpdec, which is managed by municipal mainly the ones affected by hydrological
and state civil defense bureaus and by other events, since they are the most frequent ones
sectoral and support organs. The National and generate material losses (Castro A., 2020).
Civil Protection and Defense Secretariat Reconstruction is an important part of
Sedec/MI – is its main organ, but it does recovery in scenarios affected by hazardous
not define any minimal structure for them, events; therefore, PNPEDEC (2012) highlights
since it preserves municipalities and states’ that such a phase must be supported by the
autonomy (Brasil, 2012). mandatory transference of federal resources
P N P D EC a d d re s s e s t h e n e e d o f destined to the full or partial recovery of
articulating sectoral public policies for infrastructure, buildings, and public or
territorial ordering, urban development, community facilities. Thus, these actions
must be planned from the perspective of São Paulo municipality created São Paulo
improving the original conditions in affected Municipal Civil Defense System in August 1978
areas and of incorporating preventive aspects through municipal decree n. 15.191/78 to
to them. These preventive aspects demand promote integration efforts, use the existing
interventions based on the analysis of disaster resources and provide proper assistance
scenarios capable of showing all factors during public calamity situations. Based on
influencing their occurrence, as well as current municipal decree n. 15.539/78, this system
and future risks. comprises two dimensions, namely: Municipal
Among the observed challen ges, Civil Defense Commission (Comdec), which is
one finds low quality of basic projects linked to the State Civil Defense Coordination
or incomplete ones; changes made in – it is composed of one representative from
construction projects that ended up generating each municipal secretariat and from the
high costs for expenses support, and, most of military assistance of the mayor’s office, and
all, the maintenance of inappropriate rules and to the District Civil Defense Commissions
standards set for territorial ordering, which (Coddec) that have free access to all Regional
previously allowed the occupation of risk areas Administrations (ibid.).
by human activities and buildings. In August 20 06, this system was
reorganized through municipal decree n.
47.534/2006, so it was adjusted to the
São Paulo and risks management:
standards set by the National Civil Defense
advancements and challenges
System, which are listed in federal decree n.
One of the first measures adopted by cities 5.376/2005. Comdec adopted the natural
to manage risks lies on mapping conflict and anthropic hazardous event reduction as
areas and on reordering their occupation its goal; its actions included not just rescue
by establishing new occupation rules and and help, but assistance actions and the
determining responsibility limits for the reestablishment of social normality, as well
public power and the population. Accordingly, as preventive actions aimed at avoiding or
the current approach acts in establishing a minimizing hazardous events by mapping
combination of structural and non-structural geological and hydrological risk areas.
actions, including adaptation to planning and Comdec was in charge of coordinating
construction laws and standards, as well as help and rescue actions in areas affected
warning plans and post-event support. by hazardous events; it also counted on the
The role and structures of municipal Municipal Civil Defense Council, known as
civil protection and defense bureaus account Consdec, which comprised representatives
for articulating reconstruction along with from several municipal secretariats. It had
sectoral bureaus at their governmental level. to make sure about the articulation of public
These organs are in charge of institutional and policies related to civil defense and to other
sectoral competences referring to construction sectors of the Municipal Administration.
sites, finances, social assistance, urbanization This organization granted Comdec with a
and the environment (São Paulo, 2018). much more favorable position, since sub-
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 685
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
city halls have contact with all secretariats through roads and railways crossing the city
of the municipal city hall and are quite – only recently the city incorporated risks
close to the mayor’s office, as well as to the management plans (Malheiros Figueira and
territory and its communities. However, in Candeias de Almeida, 2020). Occurrence
April 2018, municipal decree n. 58.199/2018 records are carried out and the specific
became a specific unit of the Municipal conditions of each region are assessed
Urban Security Secretariat. Accordingly, it to outspread warnings; in this case, the
lost a broader articulation and got limited to emergency state is issued (São Paulo, 2021).
actions to respond to natural hazard events. Reports in the last PPCV, 2019-2020,
It was no longer a planning unit focused on provide records of occurrence based on
establishing preventive actions that were not their nature. These reports corroborate the
limited to structural measures or emergency indices presented in the assessed studies and
actions (ibid.). in reports by international risk monitoring
Important conceptual inquiries were bureaus that point out the great incidence of
adopted in Condec’s deliberations after the floods and inundations (ibid.).
1988 Constitution was enacted and after the However, vulnerabilities, disarticulation
State Water Resources Policy (São Paulo). Its and inconsistency are notable; they put
participatory profile stood out among the pressure over this important program
most expressive ones, for example: systemic to prevent inundations.5 São Paulo
approach in risks management; adoption municipalities do not count on a general map
of watersheds as territorial units for the of inundations or on a system of historical
establishment of preventive actions regarding and georeference d record s for th es e
flooding events and inundation, and the locations; only flooding events that lead
organization of communities to participate to interruptions in vehicles’ flow in public
in discussions related to strategic actions and roads have records registered in systems
preventive measures to be adopted in risk georeferenced by Companhia Estadual de
areas. These measures aimed at ensuring, Tráfego (CET). This scenario evidences the
not just the adhesion to, but the permanence persistence of wrong urbanization concepts
in preventive programs, regardless of the adopted for valley bottom areas; these
administrative management. concepts are substantiated by public actions
Since 2001, the Risk Management and policies that favor vehicles’ mobility and
Plan and the Summer Rain Preventive Plan flow to the detriment of populations living
(PPCV) have been treated as permanent in these areas in São Paulo City – these areas
action in São Paulo; they aim at providing are systematically exposed to risks and losses
supp ort to p reventive geological and (Castro A., 2020).
hydrological risks actions. The technological With respect to the availability of
risk situations are addressed as accidents in data for free public access, one can find the
urban infrastructures (water, electric power, Geotechnical Letter of São Paulo Municipality,
gas and sewage) and in systems aimed at which can be consulted in and downloaded
transporting chemical fluids and products from the Geosampa system. 6 It counts on
georeferenced data about risks’ evaluation due There were no advancements regarding
to the assessment and classification of areas the implementation of an inspection system
described in the 2010 mapping; therefore, it for risk areas. Based on risk areas’ mapping,
demands up-dating. which is by the way obsolete, risk situations
The aforementioned frame led to the must be monitored according to occurrence
need of building a prevention system and of records and act by activating sub-city halls’
supporting areas exposed to risk situations. inspection units – Sub-city halls account for
However, the built system reflects an all sorts of assistances within its areas of
exclusion and non-prevention culture, which action. The structuring of this Secretariat,
neglects populations exposed to risks and itself, which encompasses issues concerning
does not respect systems and environmental Public Security and Risks Management,
dynamics (ibid.). shows inconsistencies and misunderstandings
Th e PM RR revi ew wa s not fu lly about the importance of these public
performed, but it was carried out until policies. Matters regarding public security
December 2020; only information from 11 sub- do not directly concern the prevention of
city halls were up-dated, according to report hydrological and geological risks, which are
by the Civil Defense of São Paulo City Hall prone to actions and programs involving soil
published on its website (São Paulo, 2020b). occupation processes. The fact that public
It also informs that the screening of risk areas agents such as policemen, firemen or even
is still being done by the Municipal Urban the military gather to help victims in case
Security Secretariat (SMSU) – it is directly in of natural hazard events does not feature
charge of the Municipal Civil Protection and the nature and object of risks’ prevention
Defense Coordination, also known as Comdec. policies. Water and soil cannot be policed.
Records of risk areas occurrence Functioning, without up-dated data and
and removal are kept by Comdec, at the the consolidation of a system to monitor
24-h Integrated Control Center of the City and map risk areas, points towards that
(CCOI), which manages Technical Advises for the performance of these bureaus is not
Construction Ventures and Services by the substantiated by planning, it is not based on
Municipal Sub-City Halls Secretariat. However, prevention, and is limited to give support to
information about occurrence records is quite emergence situations (Castro A., 2020).
recent, as expressed by information collected Because most of these occurrences
from interviews carried out with Comdec take place in vulnerability, and in geological
members. As for removals of households and hydrological instability areas occupied
located in risk areas, the Municipal Housing b y p o o r p o p u l a t i o n s , i t i s n o t h ard
Secretariat is in charge of controlling housing acknowledging the reflexes of the historical
assistance, and it reinforces a disperse and n eg l igen c e w ith p la nn ing a n d p u b lic
disarticulated action. management on all urban fabric.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 687
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
socio-spatial segregation that still prevails in approach to sub-city halls. It is so, because
urban soil management in São Paulo. Such a sub-city halls are directly related either to the
basic structuring has to be faced in order to Mayor’s Office or to the territory itself.
guide the management of São Paulo territory It is important highlighting that some
by adjusting and embodying the hydrological cities in Brazil and on the globe have been
dynamics and urban rivers in its agenda. updating their hydrological and geological
The Emergency Management Center, hazard events data, by considering the
known as CGE, by São Paulo City Hall has been unquestionable influence of climatic changes
responsible for monitoring the meteorological on the rainfall regimes. Accordingly, the
conditions in the Capital since 1999. It was following cities stand out in the world scenario:
launched in November 1999 after a large scale Blumenau, Santa Catarina State; and New York,
inundation in the Anhangabaú Tunnel region, in the USA.
in March of this same year. This bureau was Blumenau incorporated limitations to
in a room in the headquarters of Central de flooding areas to its Direction Plan back in
Operações da Companhia de Engenharia 1989 by articulating a municipal civil defense
de Tráfego (CET). It acts in partnership with plan to sanitation, housing, environment,
the Municipal Civil Defense Coordination water resources and territorial ordering
(COMDEC) to prevent the harming effects plans. These municipal hydrological risks
of rainfall. This center stores records of prevention plan is in compliance with the
inundation and flooding points, as well as “Integrated Plan for the Prevention and
keeps a website for public access. The fact Mitigation of Natural Hazard Events risks in
that CGE acts in partnership with and under Itajaí Rivers’ Hydrological Basin” (PPRD-Itajaí)
the guardianship of CET evidences how the – which shows regional scale and is under the
vehicles circulation issue and transportation responsibility of the state government. Itajaí-
remains as priority to the detriment of risks’ PPRD results from an action of Santa Catarina
prevention. Finally, urban soil expansion and government, which was taken along with the
exploration in the municipality is favored International Japanese Cooperation Agency,
by the real estate sector. This process is also known as JICA
articulated to individual transportation New York City, in its turn, has been up-
means displacement, which impairs the socio- dating and making normative adjustments in
environmental agenda. soil zoning, and it has been done to reduce
Therefore, it is worth giving back to the impacts from extreme hydrological events.
Comdec the articulating role of managing risks Standards in 2013 Inundation and 2015
São Paulo, to reach the goal of preventing, Recovery aimed at facilitating the adjustments
mitigating, preparing, responding to and of construction sites to fulfil the minimal
recovering different risk situations in the city requirements set by construction patterns
by adopting an inter-sectoral and articulated resistant to inundations.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 689
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
São Paulo, despite the pointed out and material and financial resources, on a
institutional advancements, still deals with yearly basis, at every rainy season. Given the
these matters without integrated planning, recent climatic changes, the risk of flooding
without the support of up-dated material events in the city is still growing, and it points
data, with reduced teams. All these features towards an uncertain and non-sustainable
highlight the historical delay that affects lives, socio-environmental future.
[I] https://orcid.org/0000-0002-9966-9788
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
afonso.celso.castro@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0001-7538-2136
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, SP/Brasil.
angelica.alvim@mackenzie.br
Acknowledgement
We are grateful for the support from the following ins tu ons: Universidade Presbiteriana Mackenzie
(PhD scholarship); Fundo MackPesquisa (Research Project funding) and Capes Proex (transla on
of the ar cle).
Translation: this article was translated from Portuguese to English by Deyse Assis de Miranda,
deyse@gooddealconsultoria.com
Notes
(1) The PhD thesis was presented by Castro (2020) at PPGAU/UP, it is part of a broader research
called “Urbaniza on Projects of Precarious Se lements and of Environmental Protec on Areas:
dimensions of sustainability”, which is coordinated by Angélica T. Bena Alvim and funded by
Fundo MackPesquisa and CNPq (edital Universal 2018).
(2) The geographic limits of Alto Tietê basin (BAT) almost entangle the managerial limits of São Paulo’s
metropolitan region (RMSP) (Alvim, 2003).
(3) In 1930, Engineer Francisco Prestes Maia elaborated Plano de Avenidas in order to guide the
city’s development. Based on the “haussmannian” model, Prestes Maia proposed a road
system capable of fully remodeling the city, which would be designed based on perimeter radial
structure – the irradia on perimeter -; this is a formal model that should be adjusted to the city’s
topographic condi ons. In 1938, Prestes Maia became the mayor and put his project in place,
he implemented quite significant ac ons to the city, such as kept on channeling Tamanduateí
River, enlarging Rangel Pestana Avenue, extending Rebouças Avenue, prolonging Pacaembu
Avenue un l reaching Tietê River and Nove de Julho Avenue by implemen ng a tunnel crossing
underneath Paulista Avenue, among others. If, on the one hand, the Avenues’ Plan can be seen
as an instrument to picture São Paulo’s moderniza on, on the other hand, it accounted for its
unlimited expansion and for the model adopted to occupy the valley bo om avenues. (Abascal,
Bruna, Alvim, 2007).
(4) Nowadays, Cantareira Water Producer System, one of the biggest of its kind in the world, produces
33 m3/s of water and supplies 8.8 million people in RMSP. Its conception encompasses the
transposi on between two watersheds; it imports water from Piracicaba watershed to Alto Tietê
basin. Of the 33m3/s produced by this system, only 2m3/s are produced in Alto Tietê basin, by
Juqueri River; 22m3/s come from Jaguari-Jacareí reservoirs, whose basins are mostly inserted in
Minas Gerais State – the remaining water is found in Piracicaba River basin. Cantareira System
management is ruled by the Na onal Agency of Waters (ANA) and by the Department of Waters
and Electric Power of São Paulo State (Daee), (ANA, 2021).
(5) The Drainage Book has been developed; it encompasses the Municipal São Paulo Water System
Management Plan – PMAPSP. These books provide maps of inunda ons in water sub-basins in
São Paulo municipality which are elaborated by the Technical Hydrological Center of USP Poly-
technical School. It also presents data, informa on, studies and the proposi on of measures to
control cri cal events. So far, books about 12 of the 186 sub-basins that are catalogued by the
city hall were elaborated and published. Available at h ps://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/
secretarias/obras/obras_de_drenagem/index.php?p=230496.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 691
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
References
ABASCAL, E. S.; BRUNA, G. C.; ALVIM, A. T. B. (2007). Modernização e modernidade. Algumas
considerações sobre as influências na arquitetura e no urbanismo de São Paulo no início do século
XX. Arquitextos. São Paulo, ano 8, n. 85.05, Vitruvius, jun. Disponível em: <h ps://vitruvius.com.
br/revistas/read/arquitextos/08.085/240>. Acesso em: 4 abr 2019.
AB’SABER, A. (2004). São Paulo, Ensaios Entreveros. São Paulo, Edusp/Imprensa Oficial.
ALVIM, A. T. B. (2003). A contribuição do comitê do Alto Tietê à gestão da bacia metropolitana entre
1994 e 2002. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
ALVIM, A. T. B.; BRUNA, G. C.; KATO, V. (2008). Polí cas ambientais e urbanas em áreas de mananciais:
interfaces e conflitos. Cadernos Metrópole. São Paulo, n. 19, pp. 143-164. Disponível em: h ps://
revistas.pucsp.br/index.php/metropole/ar cle/view/8714. Acesso em: 20 maio 2019.
ANA – Agência Nacional de Águas (2021). Sistema Cantareira. Disponível em: h ps://www.gov.br/
ana/pt-br/sala-de-situacao/sistema-cantareira/sistema-cantareira-saiba-mais. Acesso em: 20
dez 2021.
ANELLI, R. (2007). Redes de mobilidade e urbanismo em São Paulo. Das radiais/perimetrais do Plano
de Avenidas à malha direcional PUB. Arquitextos, São Paulo, ano 7, n. 82.00, Vitruvius. Disponível
em: h ps://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259. Acesso em: 15 out 2019.
BEIGUELMAN, P. (1995). Processo polí co-par dário brasileiro de 1945 ao plebiscito. Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil.
BRASIL (2012). Polí ca Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. Lei n. 12.608, de 10 de abril.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm.
Acesso em: 15 dez 2021.
______ (2020). Parâmetros para a ocupação sustentável de áreas de fundo de vale no meio urbano:
o caso da bacia hidrográfica do córrego Jaguaré, São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo,
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
CASTRO, C. N. de (2012). Gestão das águas: experiências internacional e brasileira. Texto para discussão
n. 1744. Brasília, Ipea. Disponível em: h ps://www.ipea.gov.br/portal/index.php?op on=com_
content&view=ar cle&id=15034. Acesso em: 14 jul 2020.
CRED – Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (2020). School of Public Health.
Brussels, Belgium, Université Catholique de Louvain. Disponível em: h ps://www.cred.be/
publica ons?field_publica on_type_ d=All. Acesso em: 28 jul 2020.
DELIJACOV, A. (1998). Os rios e o desenho urbano da cidade: proposta de projeto para a orla fluvial da
Grande São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
GOMES, J.; BARBIERI, J. (2004). Gerenciamento de recursos hídricos no Brasil e no estado de São Paulo:
um novo modelo de polí ca pública. Cadernos EBAPE Br, v. II, n. 3. Disponível em: h ps://www.
scielo.br/pdf/cebape/v2n3/v2n3a02.pdf. Acesso em: 20 mar 2019.
GORSKI, M. C. B. (2010). Rios e cidades: ruptura e reconciliação. São Paulo, Editora Senac.
MALHEIROS FIGUEIRA, R.; CANDEIAS DE ALMEIDA, A. (2020). Gestão integrada dos riscos tecnológicos
na Região Metropolitana de São Paulo-RMSP. Diálogos socioambientais na macrometrópole
paulista. São Paulo, v. 3, n. 8, pp. 39-42.
MELO, L. L. (2001). A Light revela São Paulo: espaços livres de uso público do centro nas fotografias
da Light (1899-1920). Revista História & Energia, n 9. Fundação Patrimônio Histórico da Energia
de São Paulo.
PASTERNAK, S. (2010). Loteamentos irregulares no município de São Paulo: uma avaliação espacial
urbanís ca. Revista Planejamento e Polí cas Públicas, n. 34. São Paulo, Ipea. Disponível em:
h ps://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/issue/view/28. Acesso em: 24 jul 2020.
PDMAT 3 (2013). Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê. São Paulo, SP, Daee.
Disponível em: h ps://sigrh.sp.gov.br/public/uploads/documents/CBH-AT/11958/relatorio-i_
plano_final-rev2.pdf. Acesso em: 20 ago 2019.
PELLEGRINO, P. R. M. (1995). Paisagens está cas: ambiente virtual. Tese de doutorado. São Paulo,
Universidade de São Paulo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 693
Afonso Celso Vanoni de Castro, Angélica Tanus Benatti Alvim
PESSOA, D. (2019). O processo de re ficação do rio Tietê e suas implicações na cidade de São Paulo,
Brasil. Paisag. Ambiente: Ensaios. São Paulo, v. 30, n. 44, e158617. Disponível: file:///C:/Users/
User/Downloads/158617-Texto%20do%20ar go-392074-1-10-20200211.pdf. Acesso em: 17 ago
2019.
REIS FILHO, N. G. (2004). São Paulo: vila cidade metrópole. São Paulo, Prefeitura Municipal de São Paulo.
RILEY, A. L. (1998). Restoring streams in ci es: a guide for planners, policy makers, and ci zens.
Washington (DC), Island Press.
ROSSI, R. A.; SANTOS, E. (2018). Conflito e regulação das águas no brasil – a experiência do Salitre.
Universidade Federal da Bahia. Caderno CRH, v. 31 n. 82. Salvador.
RUTKOWSKI, E. W. (1999). Desenhando a bacia ambiental: subsídios para o planejamento das águas
doces metropolitan(izad)as. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (2021). Programa Córrego Limpo.
Disponível em: site.sabesp.com.br/site/interna/Default.aspx?secaold=116. Acesso em: 12 jul
2019.
SAITO, S. M. et al. (2019). População urbana exposta aos riscos de deslizamentos, inundações e
enxurradas no Brasil. Revista Sociedade & Natureza, v. 31. Disponível em: h p://www.seer.ufu.
br/index.php/sociedadenatureza/ar cle/view/46320. Acesso em: 9 mar 2020.
SANTOS, R. F. (2004). Planejamento ambiental: teoria e prá ca. São Paulo, Oficina dos Textos.
SÃO PAULO, Prefeitura Municipal (2012). Programa 100 parques. Disponível em: https://www.
prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/index.php?p=49467. Acesso
em: 12 dez 2021.
______ (2020a). Cidade de São Paulo, Urbanismo e Licenciamento. Mapas. Disponível em: h ps://
www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamento/desenvolvimento_urbano/
legislacao/plano_diretor/index.php?p=1391. Acesso em: 14 dez 2021.
______ (2021). Reorganização da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. Disponível em: h ps://
egislação.prefeitura.sp.gov.br/leis/portaria-prefeito-pref-1122-de-23-de-agosto-de-2021.
Acesso em: 12 dez 2021.
SCOLARO, D. (2012). A preservação dos recursos hídricos na bacia do Itajaí: soluções de baixo impacto
ambiental para o município de Blumenau. Dissertação de mestrado. Florianópolis, Universidade
Federal de Santa Catarina.
SEABRA, O. (1987). Meandros dos rios nos meandros do poder: Tietê e Pinheiros – valorização dos rios
e das várzeas na cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
SEGATTO, J. A. (1995). Reforma e revolução: as vicissitudes polí cas do PCB, 1954-1964. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira.
SILVA, R. T. (2002). "Gestão hidrográfica de bacias densamente urbanizadas". In: FONSECA, R. B.;
DAVANZO, A. M. Q.; NEGREIROS, R. M. C. Livro verde. Desafios para a gestão da Região
Metropolitana de Campinas. Campinas, Editora da Unicamp.
TOMINAGA, L. K.; SANTORO, J.; AMARAL, R. (orgs.) (2009). Desastres naturais conhecer para prevenir.
São Paulo, Ins tuto Geológico.
______ (2010). Revelando os rios: novos paradigmas para intervenção em fundos de vale urbanos na
cidade de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.
TRAVASSOS, L.; SCHULT, S. I. M. (2013). Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade
de São Paulo, entre transformações e permanências. Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 15, n. 29,
pp. 289-312. Disponível em: h ps://revistas.pucsp.br/metropole/ar cle/view/15826. Acesso
em: 23 set 2020.
TRIPOLONI, P. (2008). Planos e projetos para o rio Tietê na cidade de São Paulo, 1988-2002: de uma visão
setorial a uma visão integrada. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
TUCCI, C. E. M.; BERTONI, J. C. (2003). Inundações urbanas na América do Sul. Revista da Associação
Brasileira de Recursos Hídricos. Porto Alegre, Editora da Associação Brasileira de Recursos Hídricos.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 669-695, maio/ago 2022 695
Potencialidades e contradições do FMSAI
no município de São Paulo – 2011-2018
Potentialities and contradictions of the Municipal
Fund for Environmental Sanitation and Infrastructure
in the city of São Paulo – 2011-2018
Lucas Daniel Ferreira [I]
Resumo Abstract
O presente artigo propõe uma análise crítica so- This article proposes a critical analysis of
bre a política de saneamento no município de the sanitation policy in the city of São Paulo,
São Paulo, com enfoque para atuação do Fundo focusing on the performance of the Municipal
Municipal de Saneamento Ambiental e Infraes- F und fo r E n vi r o nm enta l S ani tati o n an d
trutura – FMSAI, entre 2011 e 2018. Para tanto, Infrastructure (FMSAI) between 2011 and 2018.
ilustra a relevância do fundo municipal em re- It illustrates the relevance of the municipal fund
lação a outras fontes de recursos e detalha sua in relation to other sources of resources and
execução orçamentária nesse período. A propos- details its budget execution in this period. The
ta metodológica adotada buscou compreender o methodological proposal adopted here aimed to
papel do FMSAI na busca pela universalização do understand the role of the FMSAI in the pursuit
saneamento, considerando duas dimensões essen- of universal sanitation considering two essential
ciais: os investimentos ao longo do tempo e sua dimensions: investments over time and their
distribuição no território. Os resultados apresen- distribution in the territory. The results indicate
tados indicam que, apesar de incorporar o caráter that, despite incorporating the intersectoral
intersetorial da polí ca de saneamento ambiental character of the environmental sanitation policy
em seu desenho ins tucional, sua execução levou in its institutional design, its execution led to the
ao acirramento do conflito distribu vo inerente ao worsening of the distributive conflict inherent in
orçamento público. the public budget.
Palavras-chave: fundo público; orçamento público; K e y w o r d s : p ub l i c f und ; p u bl i c b u d ge t;
saneamento ambiental; governança da água; polí- environmental sanita on; water governance; urban
ca urbana. policy.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5411 Crea ve Commons Atribu on
Lucas Daniel Ferreira
698 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 699
Lucas Daniel Ferreira
Fonte: elaboração própria com base nas ações definidas pelo convênio de governança compar lhada.
700 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 701
Lucas Daniel Ferreira
Crescimento – PAC, também conhecido como da operação FMSAI, responsável por con-
PAC Mananciais, repassou recursos importan- centrar 67% de todos os recursos estaduais
tes que visaram a obras e serviços de urbani- repassados ao município de São Paulo entre
zação e saneamento básico nas áreas de ma- os anos de 2003 e 2016. Ao todo, o FMSAI
nanciais das represas Billings e Guarapiranga. transferiu mais de 2,4 bilhões de reais à capi-
A cooperação estadual para o financia- tal entre 2011 e 2016, o que explica a inflexão
mento do desenvolvimento urbano paulistano apresentada pelo Gráfico 2 (Royer, Santos e
ganhou nova dimensão em 2011, com o início Filocomo, 2018).
702 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
Importa apontar que os recursos do vez que desempenham, muitas vezes, papéis
FMSAI repassados pela Sabesp não represen- complementares na estrutura orçamentária
tam propriamente uma transferência estadual de algumas secretarias municipais.
de recursos fiscais ao município de São Paulo. O Fundurb, criado no ano de 2002 pelo
Considerando que tais recursos são receitas Plano Diretor Estratégico, tem como principal
oriundas do contrato de concessão e presta- característica a redistribuição dos ônus da valo-
ção de serviços, deveriam ser classificados co- rização imobiliária para a coletividade. De acor-
mo receita própria do município. No entanto, do com o Plano Diretor Estratégico de 2014,
essa distorção contábil permanece até os dias prevê-se de destinação de recursos do fundo
de hoje. para seis funções prioritárias: (1) programas de
Comparando as receitas estaduais e fe- habitação de interesse social; (2) implantação
derais do município de São Paulo, através dos de sistemas de transporte coletivo; (3) ordena-
gráficos apresentados anteriormente (Gráficos mento e direcionamento da estruturação urba-
1 e 2), pode-se ter uma noção da relevância do na; (4) implantação de equipamentos urbanos
FMSAI no financiamento da política urbana em e espaços públicos; (5) proteção de áreas de in-
relação aos repasses de programas federais teresse histórico, cultural ou paisagístico; e (6)
como o PAC (I e II). Tomando como exemplo o criação de unidades de conservação.
ano de 2014, ano de maior receita via repasses A fim de demonstrar a importância do
federais e uma das menores receitas estaduais Fundurb na execução orçamentária das secreta-
da série histórica,5 as transferências federais rias municipais que têm acesso aos seus recursos,
atingiram a marca de aproximadamente 300 Paim (2019, p. 24) aponta que “o volume de re-
milhões de reais, e os recursos do FMSAI che- cursos do Fundurb utilizado pela Secretaria Mu-
garam à casa dos 400 milhões de reais no ano. nicipal de Habitação, quando comparado com o
Em um cenário de crise fiscal e incons- valor liquidado do orçamento da secretaria em
tâncias nos repasses da União – através dos 2016, chega a representar quase 50%”.
programas federais como PAC e MCMV –, o Ainda que o Fundurb tenha uma parti-
município de São Paulo amplia sua autonomia cipação importante no orçamento destinado
orçamentária e financeira através da institui- ao desenvolvimento urbano de São Paulo, os
ção do FMSAI. recursos do FMSAI representam a maior par-
Outra fonte de recursos importan- cela. A relação entre as despesas totais de am-
te para a cidade de São Paulo é o Fundo de bos os fundos, se considerarmos os recursos
Desenvolvimento Urbano – Fundurb. Uma totais liquidados, em todas as suas funções
análise comparativa em relação a esse fundo de governo, temos uma média de 65% para o
municipal, também protagonista do financia- FMSAI e 35% para o Fundurb, no período en-
mento do desenvolvimento urbano, contri- tre o ano de 2011 e 2019 (Gráfico 3). O ano
bui para ampliarmos o entendimento sobre de maior disparidade entre a participação dos
o papel do FMSAI. Não se trata, contudo, de dois fundos no financiamento das políticas ur-
uma análise comparativa, a fim de hierarqui- banas foi 2017, quando o FMSAI representou
zar a importância de ambos os fundos, uma 80% e o Fundurb, 20%.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 703
Lucas Daniel Ferreira
Devido ao fato de que a principal fonte (26%), enquanto o FMSAI concentrou uma
de recursos do Fundurb é a arrecadação da execução orçamentária acima de 3,2 bilhões
Outorga Onerosa do Direito de Construir – (74%), apresentando uma capacidade financei-
OODC, sua receita depende diretamente da ra três vezes superior.
atividade imobiliária na cidade, fazendo com A análise dos dados desenvolvida na pre-
que os recursos disponíveis nesse fundo sente seção expressa a importância do Fundo
tenham uma variação considerável de ano Municipal de Saneamento Ambiental e Infraes-
para ano. Além disso, o fato de a captação trutura, em números gerais, no financiamento
de recursos do FMSAI ser baseada em por- de política urbana do município de São Paulo,
centagem da receita sobre os serviços de especialmente no que se refere às funções de
água e esgotamento sanitário faz com que governo habitação e saneamento. Em termos
sua receita seja tendencialmente mais cons- de volume de recursos, o FMSAI atingiu uma
tante, fato este que também reflete em sua dimensão sem precedentes no município, am-
execução orçamentária – como veremos na pliou a autonomia do município em relação
seção a seguir. aos repasses federais do PAC I e II e se con-
Sobre os valores absolutos liquidados solidou como a principal fonte de recursos da
nas funções habitação e saneamento, entre política habitacional, de saneamento ambien-
2011 e 2018, o Fundurb apresentou um to- tal e infraestrutura, com maior estabilidade e
tal de investimentos da ordem de 1,1 bilhão robusteza que o Fundurb.
704 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 705
Lucas Daniel Ferreira
706 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
FMSAI. As despesas, por sua vez, mantiveram intervenções de controle de cheias realizadas
o patamar dos 400 milhões de reais, e os valo- pela Secretaria Municipal de Infraestrutura
res liquidados ultrapassaram os valores de re- Urbana – Siurb.
passe, utilizando o saldo dos anos anteriores. Dessa vez, os investimentos realizados
Com o aprofundamento da crise hídri- por função de governo permitem-nos identi-
ca em 2015, a receita seguiu decrescente e ficar as principais disputas entre as secretarias
levou ao ano de menor investimento na série municipais pelos recursos do fundo (Gráfico 6).
histórica. Os anos seguintes, de 2016 a 2018, Do ponto de vista institucional e metodológico,
foram marcados pela recuperação da arreca- os valores investidos na função habitação foram
dação da Sabesp e por um aumento progressi- executados pela Secretaria Municipal de Habi-
vo de seus repasses ao município que, por sua tação (Sehab) e os valores investidos na função
vez, não recuperou sua capacidade de gestão, saneamento representam a execução pela Se-
e os investimentos estacionaram na casa dos cretaria Municipal de Infraestrutura Urbana.
340 milhões de reais, chegando a um saldo de Nesse caso, a análise do Gráfico 6 suge-
quase 90 milhões de reais apenas no ano de re a distinção de dois períodos bem definidos:
2018. Nesse período de maior diferença entre (1) de 2011 a 2014, os recursos do FMSAI são
valores empenhados e liquidados, os maiores destinados em sua totalidade aos projetos/
saldos inutilizados deram-se em grandes obras atividades da Secretaria de Habitação – Sehab;
de infraestrutura, principalmente nas ações de e (2) em 2015, há uma evidente inflexão na
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 707
Lucas Daniel Ferreira
destinação dos recursos, chegando a quase (2) com a instituição do Plano Diretor Estra-
50% para a função habitação e 50% para a fun- tégico, em 2014, houve alterações sobre a
ção saneamento. De 2016 a 2018, os recursos regulamentação do financiamento da política
seguem distribuídos entre as duas funções de urbana – especificamente do Fundurb – que,
governo, com queda na função saneamento e potencialmente, levaram a uma reacomoda-
um ligeiro aumento na função habitação. ção dos investimentos no FMSAI.
No primeiro período, o Fundo investiu O convênio entre o Ministério das Cida-
nos quatro anos um valor total próximo de 1,9 des e a Secretaria de Infraestrutura Urbana
bilhão de reais concentrados na função habi- representou o maior incremento de repasses
tação. De maneira geral, esses recursos foram federais, a partir do ano de 2014 (Gráfico 1).
destinados às obras de urbanização de favelas, Seria razoável a hipótese de que tais convê-
divididos em dois grandes programas: Urba- nios com o Governo Federal teriam causado
nização de Favelas e o Programa Mananciais.8 a inflexão no fundo municipal a partir do ano
Ambos os programas incluem ações de urbani- de 2015, ao drenar recursos municipais para
zação integrada, com implementação de redes pagamento de contrapartidas previstas, comu-
de água e esgotamento sanitário e infraestru- mente, nos convênios federais. Essa hipótese,
tura de drenagem em assentamentos precá- contudo, não se aplica.
rios, ações de regularização fundiária, desa- Os repasses de programas federais não
propriação de terrenos e construção de novas demonstraram influência direta no direcio-
unidades habitacionais para reassentamento namento dos recursos do FMSAI. O Gráfico 7
das famílias de baixa renda. ilustra a relação entre recursos do FMSAI uti-
No entanto, cabe apontar que o montan- lizados como complementação de recursos
te de recursos investidos na função habitação federais (PAC I e II), enquadrados como contra-
não representa, necessariamente, a garantia do partida do município, e os recursos liquidados
direito à moradia como regra. Conforme aponta em programas e atividades exclusivamente
Silva (2020), esse período foi marcado por um municipais. Em 2011 e 2012, nota-se uma con-
aumento exponencial de novos atendimentos tribuição importante dos recursos do FMSAI
habitacionais provisórios através de pagamento para pagamento de contrapartidas do municí-
de verbas pecuniárias9 para famílias removidas pio ao PAC, em sua modalidade Urbanização
por frentes de obras de urbanização de favelas. de Assentamentos Precários. Em 2012, quase
Para compreendermos a inflexão ocorri- metade dos recursos liquidados no Fundo foi
da no ano de 2015, sugerem-se dois elementos destinada a contrapartida, atingindo o mon-
centrais para a análise, que serão explorados tante de 206 milhões de reais, para serviços e
adiante: (1) de maneira contraintuitiva, ape- obras em Paraisópolis, São Francisco e Progra-
sar do aumento considerável dos repasses ma Mananciais (PAC-Mananciais).
federais para ações de infraestrutura e ser- A partir de 2013, destaca-se uma que-
viços urbanos (Gráfico 1), o FMSAI não teve da considerável da alocação dos recursos
uma participação considerável nas contrapar- em forma de contrapartida. Já, entre 2015
tidas do município previstas nos convênios; e 2016, as contrapartidas foram alocadas
708 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 709
Lucas Daniel Ferreira
em 2015. Além disso, os recursos do FMSAI de favelas, eram em parte, financiadas pelo
que investiam em serviços e obras na função FMSAI. A partir de 2015, passaram a ser objeto
habitação, como aquisição de terrenos para de financiamento do Fundurb.
construção e programa mananciais, em 2014, Dessa forma, entende-se que a reorien-
passaram a financiar as obras de drenagem ur- tação inversamente proporcional em ambos
bana a partir de 2015. os fundos reflete as acomodações dos fundos
Entre os anos de 2011 e 2014, o Fundurb municipais em atendimento às novas regras
investiu considerável montante em obras de estabelecidas pelo PDE. Tais acomodações po-
drenagem urbana, como, por exemplo, obras dem ser comparadas à figura de vasos comuni-
realizadas pela Siurb no córrego do Cordeiro cantes, tendo em vista as compensações na dis-
e córrego Ponte Baixa. A partir de 2015, com tribuição dos recursos inversamente proporcio-
a instituição do PDE, as referidas obras passa- nais entre as funções de governo habitação e
ram a contar com investimentos do FMSAI. Já a saneamento, observadas em ambos os fundos.
aquisição de terrenos para construção de uni- Os valores demonstrados pelas funções
dades habitacionais e/ou desapropriações de de governo (Gráfico 6) podem ser interpreta-
imóveis para frentes de obras de urbanização dos também como projetos – ou atividades –
710 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
no período de 2011 a 2018 (Gráfico 9). As ati- execução na ordem de 290 milhões. No entan-
vidades nomeadas de Urbanização de Favelas, to, em 2018, o total destinado às urbanizações
Programa Mananciais, Construção de Unida- de favelas foi cerca de 19 milhões, represen-
des Habitacionais e Regularização Fundiária tando uma queda de 88%. Já o programa ma-
compõem o que anteriormente adotamos nanciais, que em 2011 recebeu cerca de 259
como Função Habitação. A atividade classifi- milhões de reais, teve seu menor orçamento
cada como Obras de Drenagem e Saneamento em 2017, com apenas 34 milhões de reais, o
refere-se à Função Saneamento. Já as “Obras que representa uma queda de 77%.
e serviços nas Áreas de Risco Geotécnico” e Além disso, as atividades relacionadas
“Implantação de Parques Lineares” correspon- às obras de drenagem e saneamento, em três
dem às Funções Urbanismo e Gestão Ambien- anos, passaram da ordem de 33 milhões de
tal, respectivamente. reais, em 2013, para o patamar de 188 milhões
A análise dos dados por projeto/ativi- de reais no ano de 2016, figurando como a ati-
dade reforça os argumentos levantados ante- vidade mais bem remunerada pelo Fundo des-
riormente. A redução de investimentos deu-se, de 2015 – com aumento de 70%.
principalmente, nas ações de urbanização de A alteração do marco regulatório munici-
favelas12 e na execução do programa manan- pal criou as condições favoráveis à reorientação
ciais. A primeira, em 2011, apresentou uma dos fundos municipais entre os anos de 2014 e
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 711
Lucas Daniel Ferreira
712 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
Fonte: PMSP, SMUL (2011); SMUL/Geoinfo (2004); Sehab/Habitasampa (2016). Elaboração própria.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 713
Lucas Daniel Ferreira
714 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
município de São Paulo – FMSAI, a partir de fundo municipal foram majoritariamente con-
duas dimensões essenciais: a evolução da exe- centrados em duas grandes obras de drena-
cução orçamentária ao longo do tempo e sua gem: córrego do Cordeiro e córrego da Ponte
distribuição no espaço. Baixa. As referidas obras de drenagem e sanea-
No que se refere ao volume de recursos, mento realizadas por Siurb, ao contrário das
destacamos que o FMSAI é de extrema impor- obras de urbanização de favelas, possuem o
tância para o financiamento da política urbana caráter exclusivo de drenagem urbana. Ainda
na cidade de São Paulo. A instituição do fundo que estivessem contíguas a assentamentos
ampliou a autonomia do município em relação precários, essas obras não tinham por finali-
aos repasses federais do PAC I e II, ultrapassan- dade a garantia do direito à moradia através
do os valores transferidos pelo programa. Os da regularização fundiária dos loteamentos
valores ultrapassaram, também, a execução irregulares ou favelas. Conforme ilustramos, a
orçamentária do Fundurb, outra fonte de re- concentração de recursos nessas obras levou a
cursos municipal importante para a cidade. uma queda importante nos recursos voltados
No período de 2011 a 2014, os recursos às urbanizações de favelas – redução esta que
foram integralmente alocados em ações da não foi compensada pelo Fundurb.
função de governo habitação, promovendo Nos últimos anos, percebemos uma di-
obras de urbanização de favelas, inclusive nas minuição na capacidade da gestão financeira
áreas de proteção aos mananciais, regulariza- e, consequentemente, uma queda dos investi-
ção fundiária e construções de novas unidades mentos realizados pelas secretarias executoras
habitacionais. As ações foram distribuídas ma- em números relativos. Consequência disso é
joritariamente nas regiões periféricas da cida- o saldo não gasto pelo fundo municipal, cres-
de, porém não representaram a garantia do cente a partir de 2016 e ampliado nos anos de
direito à moradia se considerarmos o aumento 2017 e 2018.
de remoções por frentes de obras. Nos anos de 2017 e 2018, nota-se uma
Entre os anos de 2014 e 2015, os investi- pulverização de recursos, principalmente se
mentos apresentaram uma notável reorienta- comparados aos anos anteriores. A maior dis-
ção. Após refutar a hipótese de que tal reorien- persão dos recursos pode demonstrar uma
tação teria ocorrido por conta do desembolso tendência de alocação de recursos, que histo-
de contrapartida nos convênios com o gover- ricamente eram investidos em territórios mais
no federal, demonstramos que as inversões periféricos, em áreas de maior renda da cida-
na destinação dos recursos, tanto do FMSAI de, como, por exemplo, o caso pontual, porém
quanto do Fundurb – com características de emblemático, de melhoria em galeria pluvial
“vasos comunicantes” –, se deram em função na alameda Lorena, no Jardim Paulista. Po-
de uma reacomodação dos fundos municipais rém, os valores absolutos continuam a ilustrar
em atendimento às novas regras estabelecidas maior concentração de recursos em algumas
pelo Plano Diretor Estratégico de 2014. poucas frentes de obras de drenagem urbana.
Os anos de 2015 e 2016 caracterizaram- A análise realizada no presente ar-
-se como o período de maior concentração de tigo nos permite apontar que a execução
investimentos. Nesse período, os recursos do do FMSAI, apesar de incorporar o caráter
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 715
Lucas Daniel Ferreira
[I] https://orcid.org/0000-0001-9872-2383
Pesquisador autônomo. São Paulo, SP/Brasil.
lucasferreiraarq@gmail.com
Nota de Agradecimento
Gostaria de agradecer, em especial, aos Profs. Drs. Jeroen Klink e Marcos Barcellos de Souza, da
Universidade Federal do ABC, pela contribuição fundamental na elaboração da pesquisa que
desdobrou-se no presente ar go e nos resultados ora apresentados.
Notas
(1) Ver IBGE (2018, p. 23).
(3) Secretaria Municipal de Habitação; Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente; Secretaria
do Governo Municipal; Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras; Secretaria
Municipal de Urbanismo e Licenciamento; Secretaria Municipal de Finanças; Secretaria
Municipal de Planejamento; Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras.
716 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
(5) Nos anos de 2014 e 2015, devido à crise de gestão hídrica na cidade de São Paulo, a Sabesp
teve considerável queda na receita e, portanto, os montantes de repasses ao município foram
comprome dos.
(6) Lei municipal n. 14.934, de 18 de junho de 2009 (São Paulo, 2009), autoriza a criação do convênio
entre município, Arsesp e Sabesp e cria o Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e
Infraestrutura.
(7) Os valores empenhados são reservas orçamentárias que garantem, por parte do poder público, os
créditos necessários para liquidação e pagamento dos serviços. Os valores liquidados ocorrem
após a realização efe va do serviço e são encaminhados para pagamento. Metodologicamente,
comparar os dois valores mostra-nos a dimensão dos recursos orçados e auxilia na compreensão
da parcela realmente executada.
(8) O Programa Mananciais foi voltado à urbanização das favelas em Área de Proteção e Recuperação
dos Mananciais, na porção extremo sul da cidade de São Paulo, mais especificamente nas bacias
das represas Billings e Guarapiranga. Para uma análise detalhada do Programa Mananciais, ver
Ferrara (2013, p. 293).
(9) Tais atendimentos, através das modalidades Bolsa Aluguel, Parceria Social e Auxílio Aluguel,
consistem no pagamento de 400 reais mensais às famílias como forma de atendimento
provisório. Os recursos para esse atendimento não advinham do FMSAI, mas do Tesouro
Municipal. Sobre a polí ca de Auxílio Aluguel no município de São Paulo, ver Silva (2020, p. 15).
(10) Lei municipal n. 16.050, de julho de 2014 – Aprova a Polí ca de Desenvolvimento Urbano e o
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a lei n. 13.430/2002.
(11) “Art. 340. Os recursos arrecadados pelo Fundurb deverão respeitar anualmente o limite de:
I – Ao menos 30% (trinta por cento) des nados para a aquisição de terrenos des nados à produção
de Habitação de Interesse Social localizados na Macroárea de Estruturação Metropolitana, e
na Macroárea de Urbanização Consolidada e na Macroárea de Qualificação da Urbanização,
preferencialmente classificados como Zeis 3, conforme Mapa 4A anexo;
II – Ao menos 30% (trinta por cento) des nados à implantação dos sistemas de transporte público
cole vo, cicloviário e de circulação de pedestres.
§ 1º Os recursos especificados no inciso I, que não sejam executados no montante mínimo
estabelecido, deverão permanecer reservados por um período de um ano, após esse prazo, o
Conselho Gestor poderá des nar esse recurso para subsídio em programas estaduais e federais
de provisão de Habitação de Interesse Social.
§ 2º Os recursos especificados nos incisos I e II do “caput”, que não sejam executados no montante
mínimo estabelecido, deverão permanecer reservados por um período de 2 (dois) anos, após
este prazo, o Conselho Gestor poderá dar des nação diversa conforme previsto no art. 339.
§ 3º No exercício seguinte ao ano de promulgação desta lei, aplicam-se os limites estabelecidos no
“caput” ao saldo do Fundurb.”
(12) Os recursos rela vos à Construção de Unidades Habitacionais, em 2014, 2017 e 2018, estavam
incluídos na atividade Urbanização de Favelas nos outros anos, fato que pode causar uma
distorção na leitura dos valores, mas não altera estruturalmente os argumentos apresentados
acima.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 717
Lucas Daniel Ferreira
Referências
BERCOVICI, G.; MASSONETTO, L. F. (2006). A constituiçã o dirigente invertida: a blindagem da
cons tuição financeira e a agonia da cons tuição econômica. Bole m de Ciências Económicas,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 49.
BRITTO, A. L. (2011). Panorama do saneamento básico no brasil: avaliação polí co-ins tucional do
setor de saneamento básico. Volume IV, Ministério das Cidades.
BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. (2017). A polí ca pública para os serviços urbanos de abastecimento
de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercan lização e perspec vas de
resistência. Cadernos Metrópole, v. 19, pp. 557-581. São Paulo, Educ.
FERREIRA, L. D. (2020). A liquidez da água: um estudo de caso sobre o Fundo Municipal de Saneamento
Ambiental e Infraestrutura de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo,
Universidade Federal do ABC.
HELLER, L.; MORAES, L. R. S.; BRITTO, A. L. N. P.; BORJA, P. C.; REZENDE, S. C. (2014). Panorama do
saneamento básico no Brasil. Brasí lia, Ministério das Cidades. Disponí vel em: <h p://www.
cidades.gov.br/index.php/plano-nacional-de- saneamento-basico-plansab.html>. Acesso em:
set 2019.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018). Perfil dos municí pios brasileiros:
Saneamento básico: Aspectos gerais da gestão da polí ca de saneamento básico: 2017 / IBGE,
Coordenação de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro, IBGE.
MORETTI, J. A.; MORETTI, R. S. (2014). Saneamento como importante elemento do direito à cidade:
ponderações sobre a polí ca municipal de saneamento em São Paulo. Direito, Estado e Sociedade,
n. 45, pp. 61-81.
OLIVEIRA, F. (1988). O surgimento do an valor: capital força de trabalho e fundo público. Novos
Estudos – Cebrap, n. 22, pp. 8-28.
PAIM, D. G. (2019). A instrumentalização da polí ca urbana no município de São Paulo: uma análise
do Fundo de Desenvolvimento Urbano. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São
Paulo.
PERES, U. D. (2020). Dificuldades ins tucionais e econômicas para o orçamento par cipa vo em
municípios brasileiros. Caderno CRH. Salvador, v. 33, pp. 1-20.
718 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potencialidades e contradições do FMSAI no município de São Paulo – 2011–2018
SÃO PAULO (Município) (2009). Lei municipal n. 14.934, de 18 de junho de 2009. Autoriza o poder
execu vo a celebrar contratos, convênios ou quaisquer outros pos de ajustes necessários, inclusive
convênio de cooperação e contrato de programa, com o Estado de São Paulo, a Agência Reguladora
de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP e a Companhia de Saneamento Básico
de Estado de São Paulo – SABESP, para as finalidades e nas condições que especifica; cria o Fundo
Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura; e dá outras providências. Disponível em:
h ps://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2009/1493/14934/lei-ordinaria-n-
14934-2009-autoriza-o-poder-execu vo-a-celebrar-contratos-convenios-ou-quaisquer-outros-
pos-de-ajustes-necessarios-inclusive-convenio-de-cooperacao-e-contrato-de-programa-com-
o-estado-de-sao-paulo-a-agencia-reguladora-de-saneamento-e-energia-do-estado-de-sao-
paulo-arsesp-e-a-companhia-de-saneamento-basico-do-estado-de-sao-paulo-sabesp-para-as-
finalidades-e-nas-condicoes-que-especifica-cria-o-fundo-municipal-de-saneamento-ambiental-
e-infraestrutura-e-da-outras-providencias. Acesso em: ago 2019.
______ (2010b). Convênio que entre si celebram o estado de São Paulo e o município de São Paulo,
com a interveniência e anuência da Sabesp e Arsesp, com a finalidade de compartilhar a
responsabilidade pelo oferecimento do serviço de abastecimento de água e esgotamento
sanitário na capital, 23 de junho de 2010. Disponível em: h ps://www.prefeitura.sp.gov.br/
cidade/secretarias/habitacao/fmsai/convenios_e_contratos/index.php?p=145807. Acesso em:
ago 2019
TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (2018). Iris – Informação e Relatórios de Interesse
Social. Disponível em: h ps://iris.tcm.sp.gov.br/Iris/10658. Acesso em: jan 2020.
MAPAS
PMSP, SMUL / GEOINFO (2004). Nível Represa 2004. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo.
Disponível em:h p://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#. Acesso em:
jan 2020.
PMSP, SMUL – Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (2011). Limites Administra vos.
Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo. Disponível em: h p://geosampa.prefeitura.
sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#. Acesso em: jan 2020.
______ (2016). Loteamento Irregular. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
h p://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#. Acesso em: jan 2020.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 719
Lucas Daniel Ferreira
720 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022
Potentialities and contradictions
of the Municipal Fund for Environmental
Sanitation and Infrastructure
in the city of São Paulo – 2011-2018
Potencialidades e contradições do FMSAI
no município de São Paulo – 2011-2018
Lucas Daniel Ferreira [I]
Abstract Resumo
This article proposes a critical analysis of the O presente ar go propõe uma análise crí ca sobre a
sanita on policy in the city of São Paulo, focusing polí ca de saneamento no município de São Paulo,
on the performance of the Municipal Fund for com enfoque para atuação do Fundo Municipal de
Environmental Sanitation and Infrastructure Saneamento Ambiental e Infraestrutura – FMSAI,
(FMSAI) between 2011 and 2018. It illustrates entre 2011 e 2018. Para tanto, ilustra a relevância
the relevance of the municipal fund in rela on to do fundo municipal em relação a outras fontes de
other sources of resources and details its budget recursos e detalha sua execução orçamentária nes-
execution in this period. The methodological se período. A proposta metodológica adotada bus-
proposal adopted here aimed to understand cou compreender o papel do FMSAI na busca pela
the role of the FMSAI in the pursuit of universal universalização do saneamento, considerando duas
sanita on considering two essen al dimensions: dimensões essenciais: os inves mentos ao longo do
investments over time and their distribution in tempo e sua distribuição no território. Os resulta-
the territory. The results indicate that, despite dos apresentados indicam que, apesar de incorpo-
incorporating the intersectoral character of the rar o caráter intersetorial da polí ca de saneamen-
environmental sanita on policy in its ins tu onal to ambiental em seu desenho ins tucional, sua exe-
design, its execu on led to the worsening of the cução levou ao acirramento do conflito distribu vo
distribu ve conflict inherent in the public budget. inerente ao orçamento público.
K e y w o r d s : p u bl i c f un d; p u bl i c bu dg et ; Palavras-chave: fundo público; orçamento público;
environmental sanitation; water governance; saneamento ambiental; governança da água; polí-
urban policy. ca urbana.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5411.e Crea ve Commons Atribu on
Lucas Daniel Ferreira
budget implementation and the changes that to the Municipal Fund for Environmental
occurred in the time period between 2011 and Sanitation and Infrastructure – FMSAI, with
2018, focusing on disputes about the allocation the purpose of complementing the activities of
of funds. On the third, we explore the spatial Sabesp in the municipality.
aspect of the investments over the same However, the purpose of the Fund
time period. Finally, the final considerations is supposed to be the investment on a
point, based on the data presented, to the wide range of work and services relative to
contradictions present in the implementation (1) interventions in areas predominantly
of the municipal fund. occupied by low-income households, with a
view toward making precarious settlements
up code; (2) housing for families in areas of
FMSAI's poten als in the urban influence or predominantly occupied by low-
income population; (3) dispossession of areas
policy of the municipality for the implementation of actions that fall
of São Paulo under the Fund's responsibility; (4) cleaning,
de-polluting, canalization of streams; (5)
The beginning of the 2000s was marked urban drainage; (6) implementation of parks
by the dispute between the state and the and other conservation units as needed for
municipality of São Paulo over who was in the protection of natural conditions and
charge of sanitation services. After frustrated production of water in the municipalities, as
attempts to municipalize the services, a well as detention basins for peak flow periods,
shared governance model was implemented sports areas, landscaping, and leisure areas.
for water supply and sanitation in the capital (São Paulo, 2010b).
of the state of São Paulo. The agreement The management of the Fund's money
and contract, instituted in 2010 (São Paulo, is done by a Management Board presided by
2010a; 2010b), guaranteed the provision of the Housing Office and also comprised of eight
services by the Basic Sanitation Company of other municipal offices 3 and three boards of
the State of São Paulo (Sabesp) for 30 years, civil and organized society representatives.4
defining the attributions of each federative The deliberations of the Management Board
entities, both the state, through Sabesp and are published in the Official Gazette of the
a regulating agency, and the municipality. City and the Fund's official website, for
Generally speaking, the agreement lacked transparency about the board's discussions.
decentralization and social control and had a The institutional composition of the
marked economic and financial bias (Moretti; management board, however limited it may
Moretti, 2014; Ferreira, 2020). be in terms of control and social participation,
According to the agreement for the suggests that a sectoral rationale in the
provision of public services of water supply and application of public municipal funds has been
sanitation,2 a portion of the funds obtained by overridden. The environmental sanitation
Sabesp from the exploration of the services of policy in the municipality, then, is shown to be
water supply and sanitation must be directed intersectoral.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 699
Lucas Daniel Ferreira
Source: Elaborated by the author based on the ac ons defined by the shared governance agreement.
It bears noting that the Municipal Plan To that end, we propose a comparative
for Basic Sanitation was elaborated in 2010 analysis against other sources of funds that
under the coordination of the Municipal are important for the development of urban
Housing Office and its provisions cover a policy in the local scale.
20-year plan, with periodic quadrennial The transfe rs of fu n ds f rom th e
updates. However, it was only in 2019 that the Union (the juridical person of the Federal
São Paulo City Hall published a complementary Government of Brazil) for the financing of
revision of the plan with new guidelines, with the municipality of São Paulo's urban policy
a view toward a full revision in 2020. between 2003 and 2016 demonstrate that
The referred plan, instituted after there are two periods where there was
municipal decree no. 58.778 of May 2019, greater investment capability. The period
does not set up an investment plan considering from 2007 to 2012 was marked by the launch
FMSAI funds nor SABESP funds collected from of the Growth Acceleration Program – PAC,
the municipality in 2019 and 2020, leaving mainly meant for works and services of
those, respectively, to the Fund's Management urbanization of precarious settlements and
Board and the contract's Management Board. for land formalization, reaching its highest
To understand the relevance of FMSAI mark in 2009, in the order of 260 million reais
for the funding of the city of São Paulo's (Chart 1). In the same year, the second phase
urban, housing, and sanitation policies, it is of the Federal program is launched (PAC – II),
necessary to understand that it is a robust extending toward the end of 2016, with a
and perennial municipal source of funds. steadily diminishing budget.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 701
Lucas Daniel Ferreira
It is important to point out that the FMSAI The central characteristic of the Urban
funds transferred by Sabesp do not adequately Development Fund – Fundurb, created in
represent a state transfer of fiscal funds to 2002 through the Strategic Master Plan, is
the municipality of São Paulo. Considering the redistribution of the onus of real estate
that such funds are revenue coming from appreciation toward the collectivity. The
the contract of concession and provision of Strategic Master Plan of 2014 provides an
services, they should be categorized as the application of money from the fund toward
municipality's own revenue. However, this six priority functions: (1) social interest
accounting distortion still remains. housing programs; (2) implementation
Comparing the federal and state of collective transportation systems; (3)
revenues of the municipality of São Paulo, planning and steering of urban structures; (4)
from the previous charts (Charts 1 and 2), it is implementation of urban amenities and public
possible to subsume the relevance of FMSAI spaces; (5) protection of areas of historic,
for the funding of urban policy compared with cultural, or landscaping (such as public gardens
transfers from federal programs such as PAC (I and common greens) value; (6) creation of
and II). Taking the year of 2014 as an example, conservation units.
as it had the largest revenue from federal To demonstrate the importance of
transfers and one of the lowest state revenues Fundurb in the budgetary execution of
historically,5 federal transfers reached the mark the municipal offices that have access to
of around 300 million reais, and the FMSAI its funds, Paim (2019, p. 24) remarks that
funds reached the mark of 400 million reais. "the volume of Fundurb funds used by the
In a scenario of fiscal crisis and the Municipal Housing Office, against the outlay
inconstancies of transfers from the Union – from the office's 2016 budget, represents
through federal programs such as PAC and almost 50% of it."
MCMV – the municipality of São Paulo expands Even though the participation of
its budgetary and financial autonomy through Fundurb in the budget destined for the
the implementation of FMSAI. urban development of São Paulo, the
Another important source of funds for FMSAI funds represent the largest portion.
the city of São Paulo is the Urban Development Comparing total expenditures from both
Fund – Fundurb. A comparative analysis using funds, if we consider the total outlay, in all
this municipal fund, which is also a protagonist government functions, we get an average of
of the financing of urban development, 65% for FMSAI and 35% for Fundurb in the
contributes toward a better understanding of timespan between 2011 and 2019 (Chart 3).
FMSAI's role. It is not, however, a comparative The year with the largest disparity between
analysis meant to im pute a hierarchy the participation of the two funds in the
between both funds, as they often perform financing of urban policy was 2017, when
complementary roles in the budgetary FMSAI represented 80% and Fundurb, on the
structure of some municipal revenues. other hand, came in with 20%.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 703
Lucas Daniel Ferreira
Chart 3 – Comparison of total expenses from the FMSAI and FUNDURB funds.
Values shown
Due to the fact that the main source of implementation of over 3.2 billion (74%),
Fundurb revenue are offsetting collections presenting three times the financial capacity,
via the Onerous Bestowal of the Right to in comparison.
Build – OODC, its revenue depends directly The data assessment developed in
from the city's real estate activity, which this section expresses the importance of
renders the available resources from that fund the Municipal Fund for Environmental
considerably variable from one year to the Sanitation and Infrastructure, in general
other. On the other hand, as the collection of figures, for the funding of the urban policy
funds for the FMSAI is based on a percentage of the Municipality of São Paulo, particularly
of the revenue from water and sanitation regarding the government functions of
services, that renders its revenue more Housing and Sanitation. In terms of amount
constant, a fact that is also reflected in the of funds, FMSAI achieved an unprecedented
budgetary execution – as we will see in the scale in the municipality, expanding the
following section. municipality's autonomy from the PAC I and
About the absolute outlaid amounts II federal transfers, and consolidated its status
in the functions Housing and Sanitation, as the main source of funds for housing,
between 2011 and 2018, Fundurb presented environmental sanitation, and infrastructure
an investment total in the order of 1.1 billion policies, with greater stability and heft than
(26%), while FMSAI concentrated a budget Fundurb.
Chart 4 – FMSAI and Fundurb outlays for the government fuc ons
of Housing and Sanita on, in the mespan between 2011 and 2018.
Sums are updated for 2018, based on the IPCA index.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 705
Lucas Daniel Ferreira
and the drop in collection by Sabesp led to a difference between committed and outlaid
smaller amount of transfers to FMSAI. The amounts, the largest unused balances happened
expenditures, in turn, remained around the on large-scale infrastructure works, mainly
400 million reais mark and outlaid amounts flood control interventions undertaken by the
exceeded the transferred amounts, using the Municipal Office of Urban Infrastructure – Siurb.
balance from the previous years. T h i s t i m e a ro u n d , i n v e s t m e n t s
With the worsening of the 2015 water undertaken by government function allow
crisis, the revenue continued to drop and led to us to identify the key disputes between the
the year with the lowest investment in history. municipal offices over the fund's resources
The following years, from 2016 to 2018, were (Chart 6). From t he inst itutional and
marked by Sabesp's collection recovery and a methodological standpoint, the amounts
progressive increase in their transfers to the invested in the Housing function were
municipality, which, in its turn, did not recover implemented by the Municipal Housing
its management capacity and the investments Office (Sehab) and the amounts invested
became stuck at the mark of 340 million reais, in the function Sanitation represent the
reaching a balance of almost 90 million reais implementation done by the Municipal Office
only in the year of 2018. In this period of greater of Urban Infrastructure (Siurb).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 707
Lucas Daniel Ferreira
In this case, the analysis of the chart further: (1) counter-intuitively, in spite of the
at hand suggests the distinction of two very considerable increase in federal transfers
well-defined periods:(1) from 2011 to 2014, for infrastructure and urban services efforts
the entirety of the FMSAI funds is destined for (Chart 1), the FMSAI did not have considerable
projects/activities undertaken by the Housing participation on the municipality's matching
Office – Sehab; (2) in 2015, there is a clear of funds provided in the agreements; (2) with
inflection in the destination of funds, arriving the institution of the Strategic Master Plan, in
at almost 50% for the Housing function and 2014, there were changes on the regulation
50& for the Sanitation function. From 2016 of the financing of urban policy – specifically
to 2018, the funds continue to be shared from Fundurb – which, potentially, led to a re-
between the two government functions, with allocation of the FMSAI investments.
a drop in the Sanitation function and a slight The agreement between the Ministry of
increase in the Housing function. Cities and the Office of Urban Infrastructures
In the first period, the Fund invested, – Siurb represented the largest increment in
over the four years, a total sum of about 1.9 federal transfers, starting in 2014 (Chart 1). It
billion reais concentrated in the Housing would be reasonable to raise the hypothesis that
function. Overall, those funds were routed for those agreements with the Federal Government
favela (informal communities) urbanization would have caused the inflection in the
efforts, divided into two large-scale programs: municipal fund starting in 2015, as they drained
Urbanization of Favelas and the Springs municipal funds for the payment matches that
Program.8 Both programs include integrated are usually provided in federal agreements. This
urbanization efforts, with the implementation hypothesis, however, is not applicable.
of water and sanitation networks as well The transfers from federal programs
as drainage infrastructure in precarious did not prove to have a diret influence on the
s ett lem ent s, lan d regu latio n efforts , routing of the FMSAI funds. Chart 7 illustrates
expropriation of lans and construction of new the relationship between FMSAI funds used as a
housing units for the re-settlement of low- complement of federal resources (PAC I and II),
income households. falling under the category of matched payments
However, it bears pointing that the from the municipality, and the outlays from
amount of funds invested in the Housing programs and efforts solely of the municipality.
function does not necessarily entail the In 2011 and 2012, there is an important
guarantee of the right to housing as a rule. As contribution taken from the FMSAI funds for
pointed by Silva (2020), this period was marked payment matches from the municipality to
by an exponential increase in new provisional PAC, in the modality Urbanization of Precarious
housing aid consisting of the payment of Settlements. In 2012, almost half of the Fund
monetary sums9 for families that were evicted outlays were earmarked for payment matches,
by favela urbanization efforts. reaching the amount of 206 million reais, for
To understand the inflection that services and construction efforts in Paraisópolis,
happened in 2015, we suggest two central São Francisco and the Springs Program (PAC-
elements of analysis, which will be explored Mananciais).
Chart 7 – FMSAI amounts obligated for PAC payment matches in the period
of 2011 to 2018. Sums are updated for 2018, based on the IPCA index
From 2013 on, what stands out is a 30% of its funds for the Housing function, to
considerable drop in the allocation of funds as be earmarked for the acquisition of land in
payment matches. As for the period between prime locations.
2015 and 2016, the payment patches were Note that the re-routing of FMSAI funds
mainly allocated for services and drainage in the transition from 2014 to 2015 also
efforts in the Ponte Baixa stream; however, the occurred on Fundurb, but inversely instead
amount of funds is not enough to explain the (Chart 8). Until 2014, albeit with a considerable
inflection demonstrated by Chart 6. variation, the Sanitation function received a
As we have previously argued, Fundurb greater volume of funds, in comparison with
and its central status in the financing of the the Housing function. From the standpoint of
municipal urban policy may be the key to the new PDE rule, we observe an abrupt drop
interpret the alteration in the distribution of funds directed to Sanitation – in constant
of FMSAI funds, as its resources are used for fall up to 2018 – and Housing remained at
the same government functions and tend, a more elevated tier of funds because of the
partially, to the same municipal offices. 30% obligated for the expropriation of lands.
The approval of the Strategic Master Therefore, we surmise that the Fundurb
Plan – PDE10 in 2014 installed new guidelines funds that financed efforts in the Sanitation
for the destination of Fundurb funds. Among function in 2014 went on to invest in the
them, article 34011 established a minimum of acquisition of real estate in prime locations,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 709
Lucas Daniel Ferreira
restricted to the more central macro-areas efforts of urbanization in favelas, they were
in 2015. On the other hand, the FMSAI funds partially funded by FMSAI. Since 2015, they
that invested on services and construction in went on to be financed by Fundurb.
the Housing function, such as Acquisition of As such, we understand that the inversely
Land for construction and the Springs Program correlated re-direction in both funds reflects
in 2014, went on to finance urban drainage the accommodations of municipal funds
works starting in 2015. to uphold the new regulations established
Between 2011 and 2014, Fundurb by the PDE. Such accommodations can be
invested considerable amounts on urban compared to the image of communicating
drainage works, such as, for instance, efforts vessels, concerning the compensations in
conducted by Siurb in the Cordeiro and Ponte the distribution of inversely correlated funds
Baixa streams. Starting in 2015, with the between the government functions of Housing
institution of PDE, the referred efforts started and Sanitation, observed in both Funds.
to receive FMSAI funds. As for the acquisition The amounts demonstrated by the
of lands for the construction of housing units government functions (Chart 6) can also be
and/or for the expropriation of real estate for interpreted as Projects – or Activities – in the
period between 2011 and 2018 (Chart 9). The in 2018, the total amount directed to the
activities (or efforts) classed as Urbanization urbanization of favelas amounted to about
of Favelas, Springs Program, Construction 19 million, representing a drop by 88%. As for
of Housing Units, and Land Regulation the Springs Program, which received, in 2011,
comprise what we previously h eld as around 259 million reais, it had its lowest
"Housing Function". The activity categorized budget in 2017, with only 34 million reais –
as Sanitation and Drainage Works refers to representing a drop by 77%.
the Sanitation Function. As for "Works and On the other hand, the activities
services in Areas of Geotechnical Risk" and pertaining to drainage and sanitation works,
"Implementation of Linear Parks" correspond over three years, hiked up from 33 million reais
to t h e U r b a n i s m a n d E nv i ro n m e n ta l in 2013 to 188 million reais in 2016, achieving
Management functions, respectively. the post of activity that received the highest
The analysis of data by Project/Activity amount of money from the Fund since 2015 –
supports the previously laid out arguments. with an increase of 70%.
The reduction of investments referred mainly Th e alt erat ion o f th e mu n i c ip a l
to the efforts of urbanization of favelas 12 regulatory framework created the favorable
and the implementation of the Springs conditions for the re-routing of municipal
Program. The first one, in 2011, presented funds between 2014 and 2015. Beyond
an implementation of 290 million. However, that, as we will present in this section, that
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 711
Lucas Daniel Ferreira
Source: PMSP, SMUL (2011); SMUL/Geoinfo (2004); Sehab/Habitasampa (2016). Elaborated by the author.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 713
Lucas Daniel Ferreira
standpoint of its two essential dimensions: the The years of 2015 and 2016 were
evolution of budget implementation over time characterized as the period with the highest
and its spatial distribution. concentration of investments. In this period,
Concerning the amount of funds, we resources from the municipal fund were mainly
highlight FMSAI is extremely important for concentrated in two large-scale drainage
the financing of urban policy in the city of São efforts: the Cordeiro and Ponte Baixa streams.
Paulo. The institution of the fund amplified The referred Drainage and Sanitation works
the autonomy of the municipality in relation conducted by Siurb, contrary to the urbanization
to the federal transfers from PAC I and II, of favelas efforts, exclusively fall under the
outmatching the amounts transferred by the urban drainage rubric. Even when next to
program. The amounts also outmatched the precarious settlements, those works were not
budget implementation of Fundurb, another intended to uphold the safeguarding of the right
source of municipal funds that is important for to housing through land regulation of irregular
the city. settlements or favelas. As illustrated, the
In the 2011-2014 timeframe, the funds concentration of resources in those efforts led
were allocated entirely to efforts falling under to an important drop in the funds earmarked
the Housing government function, promoting for the urbanization of favelas – a reduction that
works of urbanization of favelas – including was not compensated by Fundurb.
within protected springs areas –, land Over the last few years, we noticed a
regulation, and the construction of new housing decrease in financial management capacity,
units. The efforts were mainly distributed and, consequently, a drop in the outlaid
among the peripheral areas of the city (inner investments by the offices in charge in
cities), but did not represent the safeguarding relative figures. A consequence of this is the
of the right to housing, when we consider the outstanding balance from the municipal fund,
rise in evictions to make way for construction/ which saw an increase starting in 2016 and
infrastructure works. was amplified in 2017 and 2018.
Between 2014 and 2015, a notable In 2017 and 2018, there is a noticeable
redirection of investments appeared. After diffusion of the funds, particularly compared
debunking the hypothesis that this redirection to previous years. The greater dispersion of
would have been a result of the disbursement funds, on the other hand, can show a trend in
of paym ent matc hes provided in th e the allocation of funds, which historically were
agreements with the federal government, we invested in more peripheral areas, in higher
showed that the inversions in the destination income areas in the city, such as the isolated
of funds, both from FMSAI and Fundurb – but emblematic case of the improvement of
displaying "communicating vessel" features the rainwater gallery of Lorena avenue, in
– unfolded as a result of a re-accommodation the affluent neighborhood Jardim Paulista.
of the municipal funds to uphold the new However, the absolute figures continue to
regulations established by the 2014 Strategic illustrate a greater concentration of funds in a
Master Plan (PDE). few urban drainage efforts.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 715
Lucas Daniel Ferreira
The analysis undertaken in the present dispute in an austerity context. Although the
paper puts us in the position of pointing that legal provision for its application of funds
the FMSAI implementation, even though is very diversified, we understand that its
it embodies the intersectoral character of growing participation in exclusive efforts of
the environmental sanitation policy in its urban drainage, considering the character of
institutional design, led to the escalation the interventions and the level of investment
of the distribution conflict in the public they necessitate, ended up compromising,
budget. In a scenario of fiscal and economic in some measure, the advancement of
crisis, marked by the reduction of other the universalization of access to water
sources of revenue, the fund ended up being supply and sanitation services because of
positioned, in practice, as a complement the discontinuous status of the efforts of
to the municipal budget and an object of urbanization of favelas.
[I] https://orcid.org/0000-0001-9872-2383
Pesquisador autônomo. São Paulo, SP/Brasil.
lucasferreiraarq@gmail.com
Acknowledgments
I would like to thank, in special, Profs. Jeroen Klink and Marcos Barcellos de Souza, from Universidade
Federal do ABC, for their fundamental contribu on to the research that developed into this
ar cle and the results presented here.
Translation: this article was translated from Portuguese to English by Maíra Mendes Galvão,
mairamendesgalvao@gmail.com
Notes
(1) See IBGE (2018, p. 23).
(3) Municipal Housing Office; Municipal Greens and Environment Office; Municipal Government
Office; Municipal Urban Infrastructure and Construction Office; Municipal Urbanism and
Licensing Office; Municipal Finance Office; Municipal Planning Office; Municipal Coordina on of
Boroughs Office;
(4) Municipal Housing Board – CMH; Municipal Environment and Sustainable Development Board –
Cades; and Municipal Urban Policy Board – CMPU; the board members are appointed bu their
own boards, with one representa ve, as well as one sub-representa ve, each.
(5) In the years of 2014 and 2015, because of the water management crisis in the city of São Paulo,
Sabesp saw a considerable drop in revenue, and therefore the amounts of transfers to the
municipality were compromised.
(6) Municipal Act n. 14.934, of 18 June 2009, authorizes the creation of an agreement between
municipality, ARSESP and Sabesp and creates the Municipal Fund for Environmental Sanita on
and Infrastructure – FMSAI.
(7) The committed amounts are budget reserves that guarantee, through the public power, the
necessary credits for liquida on and payment of services. The outlaid amounts incur a er the
service is effec vely performed, and the payment is requested. Methodologically, comparing
both amounts shows us the dimension of the budgeted funds and helps understand the por on
that was truly implemented.
(8) The Springs Program focused on the urbaniza on of favelas in Areas of Protec on and Recovery
of Springs, in the outermost Southern por on of the city of São Paulo, specifically the basins of
the Billings and Guarapiranga dams. For a more detailed analysis of the Springs Program, see
Ferrara (2013, p. 293).
(9) The government aid at hand, under the modali es of Rent S pend, Social Partnership and Rent
Aid, consists of monthly payments of 400 reais by way of provisional aid. The funds for this aid
did not come from FMSAI, but from the Municipal Treasury. About the Rent Aid policy in the
Municipality of São Paulo, see Silva (2020, p. 15).
(10) Municipal Act n. 16.050, of July 2014 – Approves the Urban Development Policy and the Strategic
Master Plan of the Municipality of São Paulo and revokes Act n. 13.430/2002.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 717
Lucas Daniel Ferreira
(11) “Art. 340. Resources collected by Fundurb must observe, yearly, the limits of:
I – A minimum of 30% (thirty per cent) obligated for the acquisi on of land meant for the produc on
of Social Interest Housing located in the Macro-area of Metropolitan Structuring, and the
Macro-area of Consolidated Urbaniza on, and the Macro-area of Qualifica on of Urbaniza on,
classed preferrably as ZEIS 3, according to Map 4A a ached;
II – A minimum of 30% (thirty per cent) obligated for the implementa on of collec ve transporta on,
bicycle, and pedestrian systems.
§ 1st The funds specified on item I that are not implemented at the established minimum amount,
must remain in reserve for the period of one year; a er this meframe, the Management Board
may direct this fund to subsidize state and federal programs of Social Interest Housing provision.
§ § 2nd The funds specified on items I and II of the "caput" that are not implemented at the established
minimum amount, must remain in reserve for a period of 2 years, a er which, the Management
Board may direct it elsewhere as provided on ar cle 339.
§ 3rd In the year that follows the year of promulga on of this Act, the limits to the Fundurb balance
established in the "caput" are applicable.”
(12) The funds rela ve to the Construc on of Housing Units in 2014, 2017, and 2018 were included in
the "Urbaniza on of Favelas" ac vity in the other years, a fact that can entail a distor on in how
the amounts are read, but does not alter structurally the arguments presented above.
Referências
BERCOVICI, G.; MASSONETTO, L. F. (2006). A constituiçã o dirigente invertida: a blindagem da
cons tuição financeira e a agonia da cons tuição econômica. Bole m de Ciências Económicas,
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. 49.
BRITTO, A. L. (2011). Panorama do saneamento básico no brasil: avaliação polí co-ins tucional do
setor de saneamento básico. Volume IV, Ministério das Cidades.
BRITTO, A. L.; REZENDE, S. C. (2017). A polí ca pública para os serviços urbanos de abastecimento
de água e esgotamento sanitário no Brasil: financeirização, mercan lização e perspec vas de
resistência. Cadernos Metrópole, v. 19, pp. 557-581. São Paulo, Educ.
FERREIRA, L. D. (2020). A liquidez da água: um estudo de caso sobre o Fundo Municipal de Saneamento
Ambiental e Infraestrutura de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Bernardo do Campo,
Universidade Federal do ABC.
HELLER, L.; MORAES, L. R. S.; BRITTO, A. L. N. P.; BORJA, P. C.; REZENDE, S. C. (2014). Panorama do
saneamento básico no Brasil. Brasí lia, Ministério das Cidades. Disponí vel em: <h p://www.
cidades.gov.br/index.php/plano-nacional-de- saneamento-basico-plansab.html>. Acesso em:
set 2019.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018). Perfil dos municí pios brasileiros:
Saneamento básico: Aspectos gerais da gestão da polí ca de saneamento básico: 2017 / IBGE,
Coordenação de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro, IBGE.
MORETTI, J. A.; MORETTI, R. S. (2014). Saneamento como importante elemento do direito à cidade:
ponderações sobre a polí ca municipal de saneamento em São Paulo. Direito, Estado e Sociedade,
n. 45, pp. 61-81.
OLIVEIRA, F. (1988). O surgimento do an valor: capital força de trabalho e fundo público. Novos
Estudos – Cebrap, n. 22, pp. 8-28.
PAIM, D. G. (2019). A instrumentalização da polí ca urbana no município de São Paulo: uma análise
do Fundo de Desenvolvimento Urbano. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São
Paulo.
PERES, U. D. (2020). Dificuldades ins tucionais e econômicas para o orçamento par cipa vo em
municípios brasileiros. Caderno CRH. Salvador, v. 33, pp. 1-20.
SÃO PAULO (Município) (2009). Lei municipal n. 14.934, de 18 de junho de 2009. Autoriza o poder
execu vo a celebrar contratos, convênios ou quaisquer outros pos de ajustes necessários, inclusive
convênio de cooperação e contrato de programa, com o Estado de São Paulo, a Agência Reguladora
de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo – ARSESP e a Companhia de Saneamento Básico
de Estado de São Paulo – SABESP, para as finalidades e nas condições que especifica; cria o Fundo
Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura; e dá outras providências. Disponível em:
h ps://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sao-paulo/lei-ordinaria/2009/1493/14934/lei-ordinaria-n-
14934-2009-autoriza-o-poder-execu vo-a-celebrar-contratos-convenios-ou-quaisquer-outros-
pos-de-ajustes-necessarios-inclusive-convenio-de-cooperacao-e-contrato-de-programa-com-
o-estado-de-sao-paulo-a-agencia-reguladora-de-saneamento-e-energia-do-estado-de-sao-
paulo-arsesp-e-a-companhia-de-saneamento-basico-do-estado-de-sao-paulo-sabesp-para-as-
finalidades-e-nas-condicoes-que-especifica-cria-o-fundo-municipal-de-saneamento-ambiental-
e-infraestrutura-e-da-outras-providencias. Acesso em: ago 2019.
______ (2010b). Convênio que entre si celebram o estado de São Paulo e o município de São Paulo,
com a interveniência e anuência da Sabesp e Arsesp, com a finalidade de compartilhar a
responsabilidade pelo oferecimento do serviço de abastecimento de água e esgotamento
sanitário na capital, 23 de junho de 2010. Disponível em: h ps://www.prefeitura.sp.gov.br/
cidade/secretarias/habitacao/fmsai/convenios_e_contratos/index.php?p=145807. Acesso em:
ago 2019
TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (2018). Iris – Informação e Relatórios de Interesse
Social. Disponível em: h ps://iris.tcm.sp.gov.br/Iris/10658. Acesso em: jan 2020.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 697-720, maio/ago 2022 719
Lucas Daniel Ferreira
MAPAS
PMSP, SMUL / GEOINFO (2004). Nível Represa 2004. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo.
Disponível em:h p://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#. Acesso em:
jan 2020.
PMSP, SMUL – Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (2011). Limites Administra vos.
Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo. Disponível em: h p://geosampa.prefeitura.
sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#. Acesso em: jan 2020.
______ (2016). Loteamento Irregular. Prefeitura do Município de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
h p://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#. Acesso em: jan 2020.
Resumo Abstract
Este ar go pretende construir uma base de refle- This ar cle intends to build a basis for reflec on
xão sobre a Economia Cria va como estratégia de on Creative Economy as an urban development
desenvolvimento urbano, adotada no Brasil nas úl- strategy, adopted in Brazil in recent decades.
mas décadas. Será traçado um panorama acerca An overview will be drawn about the new sector
do novo setor através de uma revisão bibliográfi- through a bibliographic review, taking as an
ca e, para exemplificar, tomaremos a cidade de example the city of Belo Horizonte, state of Minas
Belo Horizonte, Minas Gerais, onde tal segmento Gerais, where state and municipal governments
vem sendo incorporado pelos governos estadual have incorporated that segment through cultural
e municipal através de polí cas públicas culturais public policies aimed at valuing the local plan.
visando à valorização do plano local. As propostas The proposals mapped in the capital city will
mapeadas na capital nos permi rão pensar sobre allow us to think about the hypothesis of adop ng
a hipótese da adoção da Economia Cria va como Creative Economy as a model of economic
um modelo de crescimento econômico que corro- growth that corroborates the logic of spatial
bora com a lógica de transformação espacial por transformation through the practice of local
meio da prá ca do empreendedorismo urbano lo- urban entrepreneurship – based on a rentier-
cal – baseada numa dinâmica ren sta-financeira –, financial dynamics –, s mula ng new studies in
incen vando novos estudos na área. the area.
Palavras-chave: economia cria va; desenvolvimen- Keywords: crea ve economy; urban development;
to urbano; produção do espaço; política pública; space production; public policy; neoliberal
inflexão neoliberal. inflec on.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5412 Crea ve Commons Atribu on
Renata de Leorne Salles
722 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
nas metrópoles e sua relação com a expansão como parte de um amplo processo de
do setor de serviços, fenômeno que contribuiu desenvolvimento sustentável. A Econo-
para tornar a economia criativa uma estratégia mia Criativa incorpora aspectos econô-
micos, culturais e sociais, interagindo
urbana de desenvolvimento. Em seguida,
com a tecnologia, a propriedade intelec-
propõe-se o debate sobre a centralidade tual e o turismo. (Unctad, 2012)
adquirida pela cultura na contemporaneida-
de, cuja relevância foi se consolidando em prol Nesse sentido, podemos considerar eco-
do incremento de economias locais através da nomia criativa como uma política que integra
(re)valorização do patrimônio cultural e, mais e articula cultura e economia, tendo a criativi-
recentemente, do fomento à economia cria- dade como o principal motor para o desenvol-
tiva. Discutiremos, também, alguns modelos vimento socioeconômico ambicionado. Assim,
internacionais vinculados à cultura e incorpo- através da criação de produtos e atividades
rados por diversos países para, somente então, culturais e criativas que tenham como suporte
abordarmos o contexto histórico brasileiro, na a propriedade intelectual e as novas tecnolo-
tentativa de compreender como o estímulo gias de informação, estas utilizadas para au-
aos setores criativos foi adotado pelo Estado, mentar a produtividade e a eficiência nas eco-
nos anos 2000, atrelado a processos de in- nomias baseadas no conhecimento (Florida,
clusão social. Por fim, levantaremos algumas Mellander e King, 2015 apud Cauzzi e Valiati,
ações implementadas em Belo Horizonte, que 2016), espera-se alcançar a inovação (no sen-
poderão servir de base para futuras investiga- tido de originalidade), o desenvolvimento sus-
ções acerca do tema. tentável e a diversidade cultural, recursos que
vêm sendo considerados essenciais, em ter-
mos mundiais, para o fortalecimento de eco-
nomias locais.
O conceito Ao propor desenvolvimento econômico
de Economia Cria va e cultural de forma conjunta, considerando
que já não há dissociação entre essas duas
A definição de Economia Criativa apresentada dimensões, a economia criativa sugere uma
na Conferência das Nações Unidas sobre Co- forma de conexão à rede econômica global.
mércio e Desenvolvimento (Unctad) – Econo- Portanto, investir em atividades culturais e
mia Criativa: uma opção de desenvolvimento criativas visando à geração de emprego e
viável – trata de forma ampla o novo segmen- renda seria uma forma viável de promover
to, cujo principal alicerce para o alcance dos desenvolvimento em distintas localidades,
efeitos de inovação e desenvolvimento almeja- considerando a crescente demanda por lazer e
dos seria a criatividade. Logo, a nova economia entretenimento, além da emergência de cida-
é tida como uma des mais autônomas, capazes de lidar com os
desafios da contemporaneidade (Marx, 2006;
[...] força da economia contemporânea
e no entendimento de que os desenvol-
Losada, 2018), como a competitividade interci-
vimentos culturais e econômicos não dades, o aumento do consumo cultural e turís-
se dão de forma isolada, mas integrada tico, entre outros.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 723
Renata de Leorne Salles
Além disso, como os setores da eco- atrelado à criação de produtos simbólicos cria-
nomia criativa estão conectados aos fluxos tivos como essencial para o desenvolvimento
de trabalho global e aos circuitos culturais, a das nações.
importância desse segmento no âmbito da
cidade se dá pela possibilidade de conexão
de seus trabalhadores aos circuitos do capital
global (Lees; Slater; Wyly, 2008; Sassen, 2005).
A reestruturação espacial
Nesse sentido, pressupõe-se que a denomi- e a expansão do setor
nada classe criativa, composta por membros de serviços
dessa nova força de trabalho, seria capaz de
promover mudanças como inovação, diversi-
Se o espaço urbano das metrópoles vem pas-
dade, oportunidades profissionais e, portanto,
sando por diversas transformações socioes-
um maior desenvolvimento econômico local
paciais e culturais desde as últimas décadas
(Florida, 2002).
do século 20, muitas delas decorrentes da
É importante ressaltar que os setores
inserção da economia criativa no âmbito da
que compõem as indústrias criativas são de-
cidade, vale lembrar que tal processo possui
rivados das indústrias culturais. Conforme o
relação com a reestruturação das economias
Framework for Cultural Statistics da Unesco
capitalistas avançadas (Smith, 2007) devido
(2009), eles englobam tanto os setores criati-
à desindustrialização das cidades, o que de-
vos dominantes/tradicionais da indústria cul-
sencadeou o fenômeno da terceirização das
tural (patrimônio, artes, literatura e atividades
atividades, com o crescimento das economias
correlatas), como os setores da indústria de
baseadas em serviços.
serviços criativos (design, moda, arquitetura,
No Brasil dos anos 1980, os fenômenos
etc.), acrescidos das novas mídias e tecnolo-
de redemocratização e suburbanização, além
gias e demais atividades correlacionadas às
da crise econômica, corroboraram a reestru-
indústrias culturais e criativas:
turação espacial das atividades econômicas
[...] aquelas que combinam a criação, concomitantemente ao processo de terceiri-
produção e comercialização de conteú- zação, cujo setor de serviços começou a gerar
dos intangíveis e culturais por natureza, mais empregos. Assim, pode-se dizer que as
o que inclui os produtos audiovisuais, o
atividades produtivas e os serviços da econo-
design, os novos meios de informação, as
artes do espetáculo, a produção editorial mia criativa foram se expandindo e ganhando
e as artes visuais. (Ibid., p. 140) maior importância econômica, passando a ser
os responsáveis pela promoção de diversas
Tal material resultou numa espécie de mudanças nas estruturas socioespaciais das ci-
ferramenta que, desde então, vem servindo de dades (Caldeira, 1997).
base para a formulação de políticas públicas Além da migração do capital, através
direcionadas para o setor. Além disso, o relató- da expansão da atividade econômica no es-
rio da Unctad (2012) contribuiu para a difusão paço urbano, houve, também, a migração de
internacional do conceito de economia criativa parte da população das áreas centrais para
724 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
novas centralidades emergentes. Consequen- Contudo, em grande parte dos casos, tais
temente, a maioria dos centros históricos/ medidas têm se voltado para os interesses de
tradicionais foi sendo fisicamente deteriora- mercado – lucratividade, medidas de controle
da e estigmatizada por muitos, com edifícios e segurança, turismo, valorização imobiliária –,
abandonados e/ou obsoletos devido à dimi- gerando a mercantilização do patrimônio e de
nuição da função residencial e de atividades atividades culturais, ofertadas predominante-
relacionadas às camadas média e alta que mente para as camadas médias e altas da po-
ocupavam tais regiões. Desse modo, iniciaram- pulação, desfavorecendo a democratização da
-se diversos processos visando à recuperação cultura ou a implementação de políticas que
de tais localidades. garantam benefícios sociais mais amplos.
Smith (2007) discorre sobre as ações do
poder público direcionadas para as regiões
centrais como uma expressão da divisão do
trabalho no espaço urbano, ou seja, o surgi-
Os modelos de fomento
mento de novas empresas do setor de serviços à economia cria va
nessas localidades seria determinado pelos in-
teresses do capital. Ademais do fator rent gap O papel da cultura e sua crescente mercanti-
(existência de terras disponíveis a baixo custo), lização na contemporaneidade, a princípio,
os investimentos voltados para os centros ur- estiveram ligados às indústrias culturais e,
banos seriam capazes de contribuir com a con- logo, com a ampliação desse conceito, às in-
centração de serviços avançados nessas áreas dústrias criativas. Conforme aponta Adorno
ou em suas proximidades. e Horkheimer (1985), a cultura é reveladora
Nesse sentido, surgiram diversas políti- da estrutura do poder social dentro da lógica
cas públicas culturais interligadas a interven- capitalista, ou seja, coloca em evidência o sis-
ções urbanas e tidas como estratégias corro- tema hierárquico que compõe a sociedade e
borativas, visando à (re)ativação socioeconô- que, por sua vez, conforma os espaços da ci-
mica de áreas consideradas degradadas para, dade. Nesse sentido, podemos dizer que os
então, recuperá-las, fomentando a ocupação motivos econômicos reguladores da “Indústria
do espaço público e a promoção do consumo Cultural” – denominação utilizada por alguns
cultural e turístico, contando muitas vezes com autores em meados do século XX para o fenô-
aportes do setor privado. Demarca-se, portan- meno então conhecido como “cultura de mas-
to, uma mudança de paradigma no padrão de sa” – a padronizam conforme o status e, com
desenvolvimento urbano, de modo que o ape- isso, delimitam o próprio consumo ao tornar
lo cultural se tornou uma estratégia de inves- os sujeitos objetos dessa indústria.
timento do poder público para promover as Tais mecanismos, ao serem incorporados
transformações desejadas nos mais diversos por políticas públicas através de planejado-
territórios, em busca do crescimento local, res e gestores urbanos, acarretam processos
além de criar condições atrativas para a atua- de exclusão socioespacial, pois beneficiam as
ção da iniciativa privada. classes detentoras de maior poder econômico,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 725
Renata de Leorne Salles
726 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
dos anos 1980. A princípio, as elaborações econômica do espaço urbano brasileiro, cujos
fizeram-se em torno do patrimônio cultural, efeitos se fazem evidentes a partir da mudan-
visando retomar as referências simbólicas e ça na estrutura produtiva e na organização
afetivas da população para revalorizar algumas do mercado de trabalho. Estamos falando da
regiões. Dessa maneira, diversas áreas centrais terceirização das atividades econômicas e dos
e/ou antigas zonas industriais converteram- serviços, que pouco a pouco transformaram
-se nos principais focos de políticas urbanas, os territórios, em linhas gerais, em centros fi-
que passaram a contar com os setores priva- nanceiros e de entretenimento, do ponto de
dos para recuperar localidades relativamente vista turístico e comercial (Frúgoli Jr., 2000).
esvaziadas e/ou abandonadas objetivando a Portanto, com a expansão da economia de
promoção de novos serviços e atividades atra- serviços, o fomento aos setores de serviços
tivas, especialmente, para as camadas mais al- criativos tornou-se relevante nas agendas ur-
tas da população. banas estaduais e municipais.
Além disso, consideraram-se também as Nesse sentido, investir na cadeia de
questões relacionadas ao patrimônio construí- serviços da economia criativa tornou-se fun-
do e à identidade cultural local para reinventar damental para o desenvolvimento de muitas
tais paisagens urbanas. Esse esteticismo, em cidades, já que a proposição de políticas pú-
muitos casos, vem contando com o apoio de blicas de renovação atreladas à cultura, num
manifestações artísticas contemporâneas, dura- contexto cuja demanda pelo consumo cultural
douras (como pinturas em edificações) ou efê- é crescente, tornou-se um modo de preparar
meras (exposições, performances, etc.), realiza- o terreno para a atuação do mercado imo-
das no espaço público para criar lugares de visi- biliário e/ou de empresários. Entretanto, à
ta. Um exemplo é o festival de arte urbana Cura medida que esse novo padrão vai adquirindo
(Circuito Urbano de Arte), que vem ocorrendo hegemonia, a apropriação do espaço urbano
em Belo Horizonte, desde 2017, através de contemporâneo fica a cargo dos atores pri-
aportes do poder público municipal em conjun- vados, de maneira geral, alimentando alguns
to com investidores privados visando fomentar processos de segregação socioespacial.
a ocupação da rua (Veloso e Andrade, 2019).1 Desse modo, podemos dizer que a re-
Além da preocupação estética, nota-se o in- levância da economia criativa se tornou nor-
teresse em estimular a apropriação do espaço teadora de políticas culturais nos âmbitos lo-
público e a interação social (Corte-Real, 2015). cais mais diversos, e identificar o fomento aos
Já nas últimas décadas e diante da con- setores criativos em Belo Horizonte parece
solidação dos processos de desindustrializa- revelar a ânsia não só pelo desenvolvimento
ção e suburbanização das cidades, é possível urbano, mas, também, pelo desejo de renova-
notar, de modo geral, o deslocamento de ção do papel da cidade. Através de renovações
economias regionais na direção do capitalis- urbanas atreladas à cultura, a capital mineira
mo neoliberal, com o mercado atuando nas parece vir buscando o incremento de sua eco-
cidades latino-americanas como nunca se ti- nomia local para melhor articular-se num nível
nha visto antes (Roberts e Wilson, 2009). Tal macro. Conforme De Marchi (2014) sobre o re-
fato vem promovendo uma reestruturação latório da Unesco (2009):
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 727
Renata de Leorne Salles
Nele [relatório] afirmava-se que as in- Desse modo, a produção cultural, antes
dústrias criativas constituíam um meio destinada às iniciativas privadas (comércio/in-
estratégico para se alcançar um comércio
dústria), passou a ser considerada fundamental
internacional mais justo. Com a emer-
gência da globalização e a crescente va-
para a participação da população na esfera pú-
lorização do trabalho imaterial, criou-se blica, assim como os processos de distribuição
uma oportunidade única para os países e consumo de bens culturais. Daí a mudança de
em desenvolvimento acessarem as eco- paradigma das tradicionais “indústrias cultu-
nomias desenvolvidas através não da ex-
rais” (cultural industries) para as “indústrias
portação de commodities ou de mão de
obra desqualificada, mas de bens e servi-
criativas” (creative industries). As atividades re-
ços com alto valor agregado. (De Marchi, lacionadas aos setores criativos, dessa maneira,
2014, p. 199) começaram a ser consideradas essenciais para
disseminar a cultura e incrementar a economia
O trecho anterior levanta uma ques-
britânica de modo includente.
tão importante, uma vez que coloca a econo-
Com isso, o papel da cultura na socieda-
mia criativa como uma oportunidade viável
de é ampliado, na perspectiva do Estado, na
também para países em desenvolvimento.
medida em que a “criatividade”, aliada a gera-
Dessa forma, a importância das culturas lo-
ção e exploração de propriedade intelectual,
cais é colocada em pauta – contrapondo a
passou a ser um instrumento singular para a
experiência desenvolvimentista do perío- criação de produtos capazes de gerar empre-
do industrial –,convertendo-se numa forma go e incrementar a economia. Analisando pelo
de gerar crescimento econômico através de viés da crise econômica vigente na Grã-Bre-
políticas públicas capazes de promover cone- tanha, à época, que sofria as consequências
xões com a rede econômica global e, portanto, da desindustrialização, as indústrias criativas
com países desenvolvidos. Assim, a valorização ofereciam a oportunidade de reconstruir a
da diversidade cultural, em termos mundiais, economia nacional por meio da cultura (ibid.),
entra no âmbito das estratégias de desenvolvi- ou seja, através da produção de bens simbóli-
mento econômico e socialmente includentes. cos cuja inserção se daria no mercado global,
O Creative Nation, projeto do governo tendo o Estado como facilitador, e não mais
australiano implementado no início dos anos como promotor.
1990, pode ser considerado o marco inicial no
que se refere ao fomento às políticas culturais
com base nas indústrias criativas. Mas foi com A inserção da economia
a experiência conduzida pelo Partido Traba- cria va no Brasil
lhista britânico, no fim da década, que uma
mudança paradigmática se estabeleceu, no No Brasil, a partir de 1985, quando se deu iní-
que diz respeito às implicações desse tipo de cio à redemocratização do País, a concepção
política para o novo setor. Nesse caso, alguns de cultura adotada pelo Estado começou a mu-
princípios básicos de políticas sociais foram dar. A perspectiva funcionalista foi deixada de
adotados pelo governo e submetidos à lógica lado para a adoção do conceito antropológico
de mercado (ibid., 2014). do termo – cultura como modo de vida. Assim,
728 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 729
Renata de Leorne Salles
País como estratégia para a produção de rique- crescimento econômico. Assim, áreas urbanas
za inclusiva e equitativa, o que não é comple- são transformadas em espaços modernos e
tamente assegurado nos discursos dos organis- rentáveis. Tais processos podem ser exemplifi-
mos internacionais” (Pacheco, Benini e Maria- cados pelos grandes projetos de revitalização,
ni, 2018, p. 145). pelas privatizações dos espaços públicos, pelas
Ainda buscando adequar o modelo im- operações urbanas consorciadas ou pela pro-
portado à realidade brasileira, o termo “in- moção dos chamados “megaeventos”, causan-
dústrias criativas” foi substituído por “setores do grandes modificações na estrutura socioes-
criativos”, contemplando os empreendimen- pacial das metrópoles contemporâneas. Desse
tos nos quais as atividades produtivas advêm modo, produz-se uma paisagem urbana sem
de um processo criativo (portanto, de compe- relação com o lugar, desconsiderando as carac-
tência individual), gerador de bens ou serviços terísticas culturais e locais.
cujos valores estão atrelados à dimensão sim- Além disso, com o desmantelamento do
bólica (imaterial). Estado Social (retração de políticas sociais e
Sendo assim, ao propor uma política pa- trabalhistas), agravado após a saída da presi-
ra o fomento da economia criativa no Brasil e dente Dilma Rousseff (PT), em 2016, além dos
aliado a diversos outros ministérios, o MinC escassos investimentos em pesquisa, em novas
tornou-se o principal articulador e agente de tecnologias e na diversificação da economia,
planejamento e desenvolvimento nacional, faz-se necessário entendermos, novamente,
“[...] com a missão de transformar a criativi- como a cultura vem sendo tratada. 5 É impor-
dade brasileira em inovação e a inovação em tante lembrar que a flexibilização da mão de
riqueza: riqueza cultural, riqueza econômica, obra na contemporaneidade se origina, justa-
riqueza social” (Brasília, 2011, p. 30). Ademais, mente, no campo da cultura, com a reestrutu-
a cultura tornou-se o pilar central no contex- ração do modelo capitalista. Logo, a promoção
to político e econômico, sendo necessária a do autoemprego/informalidade ou a forma-
participação ativa do Estado na regulação da -empresa/empreendedorismo individual como
economia criativa, já que estamos falando de meio emancipatório do sujeito tornou-se o
um contexto cujo desenvolvimento macroeco- principal discurso para valorizar a precarização
nômico almejado deveria ocorrer em conjunto das relações de trabalho e, ainda, a subordina-
com medidas de inclusão social. ção da produção intelectual ao capital (Bolaño,
Após esse debate, sobre como o mode- Lopes e Santos, 2016).
lo internacional foi adaptado e incorporado Dessa forma, a generalização da econo-
pelo governo brasileiro, e visando possíveis mia criativa, em nível mundial, parece legitimar
investigações acerca dos desdobramentos dos a perspectiva economicista, como evidenciado
setores criativos no Brasil, vale lembrar que a pela maioria dos discursos institucionais volta-
recorrência desse padrão de desenvolvimen- dos para os ideais de geração de emprego e ren-
to tende a provocar, de modo geral, a expro- da, contrapondo o desenvolvimento sociocultu-
priação urbana, refletindo os interesses do ral pretendido pelo Brasil, ao menos a princípio,
capitalismo globalizado, que incorpora mode- quando a ideia de uma economia criativa foi
los empresariais na gestão urbana em prol do adotada como política social inclusiva.
730 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 731
Renata de Leorne Salles
732 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
de um polo nacional e internacional dos seto- demandas e, assim, promover mudanças atra-
res criativos, ampliando o alcance da cidade no vés da cultura, conectando pessoas ligadas à
mercado nacional e internacional. economia criativa, ao patrimônio cultural, à
Em 2018, a prefeitura municipal lan- educação, etc., para revalorizar a região.
çou o programa Horizonte Criativo, com o A partir de então, além da inserção de
apoio do Banco de Desenvolvimento Eco- algumas empresas e startups no bairro, o local
nômico de Minas Gerais (BDMG), para criar tem sido movimentado por manifestações ar-
oportunidades para profissionais e empre- tísticas e culturais realizadas no espaço públi-
sas da economia criativa. A primeira região a co (Figura 3), como o Circuito de Arte Urbana
receber investimentos é o bairro Lagoinha, (Cura Lagoinha 2019), exposições fotográficas
situado próximo ao centro de Belo Horizonte. (Projeto Moradores), cortejos de carnaval, fes-
Tal localidade já vem desenvolvendo ações de- tas organizadas em parceria com a prefeitura
correntes de iniciativas da sociedade civil em municipal, entre outras. Além disso, os diálogos
prol de benefícios sociais, desde 2007, com o com alguns órgãos públicos têm gerado diversas
Projeto Viva Lagoinha (Viva..., 2020) que, nos melhorias na infraestrutura urbana, no fomento
últimos anos, ganhou um novo fôlego. Diante ao comércio e na capacitação de empreendedo-
do descaso do poder público e dos estigmas res locais. Problemas de segurança e de saúde
negativos que se consolidaram no bairro desde pública de pessoas em situação de rua também
as últimas décadas, tal projeto tratou de reu- vêm sendo alvo de programas sociais para tratar
nir lideranças locais para mapear as principais questões como o consumo de crack na região.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 733
Renata de Leorne Salles
Ao que tudo indica, e com a atuação últimas décadas, como mais uma estratégia
do poder público nessa área como há muito de desenvolvimento econômico local. Porém,
não se via, é provável que aportes privados nota-se que as parcerias público-privadas ou
já estejam sendo direcionados para a região, acordos estratégicos entre essas esferas, em
cuja localização central parece ser um dos muitos casos, são utilizados como marketing
motivos dos esforços públicos voltados para o para (re)valorizar o patrimônio cultural e res-
bairro Lagoinha visando à atração de mais in- gatar a interação social através da inserção
vestimentos. Inclusive, já existe a previsão de de novos usos no espaço público (Corte-Real,
tombamento de algumas edificações históri- 2015), na tentativa de alcançar vantagens
cas como forma de valorizar o patrimônio cul- competitivas diante dos desafios impostos
tural local. Esse cenário parece se enquadrar pela globalização, em termos mercadológicos
nos moldes de desenvolvimento urbano dis- (Arantes, 2000).
cutidos neste trabalho. Ademais, no sentido Portanto, a construção de uma base de
de contribuir com futuras análises críticas, re- investigação sobre a inserção da economia cria-
vela-se a necessidade de investigar, também, tiva no Brasil e, consequentemente, sobre co-
se as empresas de serviços dos setores criati- mo ela vem sendo implementada em algumas
vos já instaladas vêm gerando algum tipo de metrópoles, como no caso de Belo Horizonte,
mudança, em termos socioeconômicos e/ou faz-se necessária para o entendimento dos
espaciais, como espera-se que ocorra diante possíveis efeitos acarretados no espaço ur-
da presença de tais plataformas culturais em bano da atualidade. Os setores criativos tam-
localidades estratégicas das cidades. bém podem ser eficientes para o alcance de
soluções inovadoras, em termos econômicos
e socioespaciais, contribuindo com a melhoria
de condições urbanas para promover novas so-
Considerações finais ciabilidades e, desse modo, reformular os sen-
tidos de cidadania através de um novo modo
Refletir sobre os efeitos da economia cria- de apropriação da cidade, com a inclusão das
tiva no espaço contemporâneo tornou-se comunidades locais e criando sentidos de per-
relevante, pois diversas políticas públicas de tencimento para todos os cidadãos. Mas é pre-
fomento ao novo setor vêm sendo atreladas ciso averiguar se tais desdobramentos se fazem
a processos de renovação urbana, desde as presentes em nosso território.
[I] https://orcid.org/0000-0002-5722-3753
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Faculdade de Ciências Sociais, Programa de Pós-
-Graduação em Ciências Sociais. Belo Horizonte, MG/Brasil.
renatasalles2020@gmail.com
734 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
Notas
(1) O Cura foi o primeiro fes val a propor pinturas em empenas de muros e prédios. Sua primeira
edição, em 2017, ocorreu no Centro da cidade. Para fomentar o evento, que vem ocorrendo
todos os anos em Belo Horizonte, são promovidas diversas ações paralelas, como debates,
feiras e festas, incen vando a ocupação da rua. Ver h ps://cura.art/.
(2) Em 1990, quando o governo neoliberal de Fernando Collor se tornou vigente, a ausência do Estado
no campo da cultura promoveu um retrocesso, não havendo con nuidade na polí ca nacional
de cultura do governo anterior, de José Sarney. Os atores privados ficaram a cargo do fomento
ao setor, em detrimento do bem-estar cole vo, o que agravou as desigualdades da oferta de
equipamentos e a vidades culturais no País com a priorização do eixo Rio-São Paulo.
(3) Em 2003, o MinC foi reestruturado e ampliado, passando a contar com seis secretarias.
(4) A lei n. 12.343/2010, aprovada pelo Congresso em dezembro de 2010, define que o PNC teria de
10 (dez) anos, ou seja, até dezembro de 2020.
(5) Em 2019, durante a atual gestão neoliberal e de extrema-direita do presidente Jair Bolsonaro, o
MinC foi oficialmente ex nto, juntamente com os Ministérios do Esporte e do Desenvolvimento
Social. Os três foram incorporados ao Ministério da Cidadania, e criou-se, então, a Secretaria
Especial da Cultura (antigo MinC), vinculada ao ministério do Turismo, da qual a Secretaria
Nacional da Economia Cria va e Diversidade Cultural (SECDC) faz parte.
(6) Em 2016, a Fundação João Pinheiro (FJP) – ins tuição de pesquisa e ensino ligada à Secretaria
de Estado e Planejamento e Gestão de Minas Gerais – promoveu o Seminário Plano Estadual
da Economia Cria va em Minas Gerais, em conjunto com alguns agentes do estado e outras
en dades, visando encontrar alterna vas de desenvolvimento econômico a par r das demandas
iden ficadas pelos próprios setores cria vos. Em 2018, a FJP promoveu o Colóquio Devolu vo
do Seminário Plano Estadual da Economia Cria va em Minas Gerais na tenta va de avançar no
planejamento estadual ao fomento aos setores referidos.
(7) Além do estado, estão envolvidos a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge),
o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas), a Federação
das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), a Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sedectes) e a Fundação João Pinheiro.
(8) O edi cio da nova sede da Agência foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer nos anos 1950. É
propriedade do poder público e já abrigou o an go Banco Mineiro de Produção e o an go Banco
do Estado de Minas Gerais (Bemge). Foi tombado pelo Iepha em 2016 e, logo, reconhecido
como patrimônio cultural. Foi restaurado pela Codemge e reinaugurado em 2019 para abrigar
empreendedores, startups, ar stas, cole vos, inves dores, agentes públicos e empresas de
diversos segmentos da economia cria va.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 735
Renata de Leorne Salles
Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. (1985). “A indústria cultural: o esclarecimento como mis ficação
das massas”. In: ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialé ca do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro, Zahar.
ARANTES, O. (2000). “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O.;
VAINER, C.; MARICATO, E. (orgs.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
Petrópolis, Vozes.
BOLAÑO, C.; LOPES, R.; SANTOS, V. (2016). “Uma economia polí ca da cultura e da cria vidade”. In:
LEITÃO, C.; MACHADO, A. F. (orgs.). Por um Brasil cria vo: significados, desafios e perspec vas
da economia cria va brasileira. Belo Horizonte, Código Editora.
______ (2012). Ministério da Cultura. Metas do Plano Nacional de Cultura. Disponível em: h p://pnc.
cultura.gov.br/metas-do-pnc/. Acesso em: 10 out 2019.
CALDEIRA, T. (1997). Enclaves For ficados: a nova segregação urbana. Novos Estudos. São Paulo, n. 47,
pp. 155-176.
CAUZZI, C.; VALIATI, L. (2016). “Indústrias criativas e desenvolvimento: análise das dimensões
estruturadoras”. In: MOLLER, G.; VALIATI, L. (orgs.). Economia cria va, cultura e polí cas públicas.
Porto Alegre, Editora da UFRGS/Cegov.
CODEMGE – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (2018). Indústria cria va. Disponível
em: h p://www.codemge.com.br/atuacao/industria-cria va/. Acesso em: 5 out 2019.
CORTE-REAL, M. (2015). Revitalizar como e para quem no contexto das intervenções territoriais na
cidade interior – o estudo de caso da Mouraria. Cahiers-CoST. Val de Loire, n. 4, pp. 83-99.
Disponível em: h p://citeres.univ-tours.fr/spip.php?ar cle2295. Acesso em: 5 set 2018.
FLORIDA, R. (2002). The Rise of the Crea ve Class: why ci es without gays and rock bands are losing
the economic development race. The Washington Monthly. Washigton, pp. 15-25.
FRÚGOLI JR., H. (2000). Centralidade em São Paulo. Trajetórias, conflitos e negociações na metrópole.
São Paulo, Edusp.
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (2018). Economia cria va em Minas Gerais: um estudo exploratório.
Organização de S. CARVALHO. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro.
736 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Economia Criativa
IPEA (2013). Panorama da Economia Cria va no Brasil. Texto para Discussão. Rio de Janeiro, Ipea.
Disponível em: h ps://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1880.pdf. Acesso
em: 14 out 2019.
LEES, L.; SLATER, T.; WYLY, E. (2008). “Contemporary gentrifica on”. In: LEES, L.; SLATER, T.; WYLY, E.
Gentrifica on. Nova York, Routledge.
LEITÃO, C.; MACHADO, A. F. (orgs.) (2016). Por um Brasil Cria vo: significados, desafios e perspec vas
da economia cria va brasileira. Belo Horizonte, Código.
LOSADA, A. F. (2018). De la retórica a la polí ca: ¿Pueden las ciudades ganar trascendencia en las
agendas globales? Opinión CIDOB. Barcelona, n. 556. Disponível em: h ps://proyectoallas.
net/2018/11/13/de-la-retorica-a-la-poli ca-pueden-las-ciudades-ganar-trascendencia-en-las-
agendas-globales/. Acesso em: 12 abr 2020.
MACHADO, A. F.; DINIZ, S.; NASCIMENTO, J.; MAIA, R. (2016). “Desenvolvimento urbano, Economia
Cria va e produção solidária em uma metrópole brasileira”. In: LEITÃO, C.; MACHADO, A. F.
(org.). Por um Brasil Cria vo: significados, desafios e perspec vas da economia cria va brasileira.
Belo Horizonte, Código.
MILAN, M. (2016). “Indicadores para avaliação de a vidades econômicas culturais e cria vas: uma
síntese”. In: MOLLER, G.; VALIATI, L. (orgs.). Economia cria va, cultura e polí cas públicas. Porto
Alegre, Editora da UFRGS/Cegov.
MOREIRA, C. M. (2009). “Revitalização urbana e patrimônio cultural: programa Centro Vivo”. In:
AZEVEDO, S.; NABUCO, A. L. (orgs.). Democracia par cipa va: a experiência de Belo Horizonte.
Belo Horizonte, Leitura; PBH, v. 1, pp. 119-142.
PACHECO, A.; BENINI, E. G. (2015). Desenvolvimento da indústria cria va brasileira a par r dos pontos
de cultura. Polí cas Culturais em Revista. Salvador, v. 1, n. 8, pp. 121-135. Disponível em: h ps://
periodicos.u a.br/index.php/pculturais/ar cle/view/13427/9753. Acesso em: 1º out 2019.
PACHECO, A.; BENINI, E. G.; MARIANI, M. A. (2018). O discurso global da economia cria va – Frameworks –
para o desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional.
Taubaté, v. 14, n. 5, pp. 134-146.
P7 CRIATIVO (2018). Sobre o P7. Disponível em: h p://p7cria vo.com.br/. Acesso em: 10 out 2019.
ROBERTS, B. R.; WILSON, R. H. (2009). “Residen al segrega on and governance in the Americas: an
overview”. In: ROBERTS, B. R., BRYAN R.; WILSON, R. H., ROBERT, H. (orgs.) Urban segrega on
and governance in the Americas. Nova York, Palgrave Macmillan.
SASSEN, S. (2005). The global city: Introducing a concept. The Brown Journal of world affairs. Providence,
v. XI, n. 2, pp. 27-43.
SECULT – Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (s/d). Ins tuições. Disponível em: h ps://www.
secult.mg.gov.br/ins tuicoes/centro-de-cultura-itamar-franco. Acesso em: 15 jun 2019.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 737
Renata de Leorne Salles
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento; Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (2012). Relatório de economia cria va 2010: economia cria va,
uma opção de desenvolvimento viável. Brasília, Ministério da Cultura; São Paulo, Itaú Cultural.
Disponível em: h ps://unctad.org/pt/docs/ditctab20103_pt.pdf. Acesso em: 14 out 2019.
UNESCO (2009). The 2009 Framework for Cultural Sta s cs (FCS). UNESCO Ins tute for Sta s cs.
Disponível em: http://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/unesco-framework-for-
cultural-sta s cs-2009-en_0.pdf. Acesso em: 12 out 2019.
VELOSO, C.; ANDRADE, L. (2019). Sapucaí Street: Entertainment Hub and Commercial Gentrifica on in
Belo Horizonte. Interna onal Journal of the Sociology of Leisure. Suíça, 2, pp. 43-61.
VIVA Lagoinha aposta na economia cria va para repensar o bairro histórico de BH (2020). Medium.
Disponível em: h ps://medium.com/orbiconecta/viva-lagoinha-aposta-na-economia-cria va-
para-repensar-bairro-hist%C3%B3rico-de-bh-5b5bc702f2d1. Acesso em: 25 ago 2020.
ZUKIN, S. (2000). “Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder”. In: ARANTES, A.
(org.). O espaço da diferença. Campinas, Papirus.
738 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022
Creative Economy: an urban
development strategy in Belo Horizonte
Economia Criativa: uma estratégia
de desenvolvimento urbano em Belo Horizonte
Abstract Resumo
This ar cle intends to build a basis for reflec on Este ar go pretende construir uma base de refle-
on Crea ve Economy as an urban development xão sobre a Economia Cria va como estratégia de
strategy, adopted in Brazil in recent decades. desenvolvimento urbano, adotada no Brasil nas úl-
An overview will be drawn about the new mas décadas. Será traçado um panorama acerca
sector through a bibliographic review, taking do novo setor através de uma revisão bibliográfi-
as an example the city of Belo Horizonte, state ca e, para exemplificar, tomaremos a cidade de
of Minas Gerais, where state and municipal Belo Horizonte, Minas Gerais, onde tal segmento
governments have incorporated that segment vem sendo incorporado pelos governos estadual
through cultural public policies aimed at valuing e municipal através de polí cas públicas culturais
the local plan. The proposals mapped in the visando a valorização do plano local. As propostas
capital city will allow us to think about the mapeadas na capital nos permi rão pensar sobre
hypothesis of adopting Creative Economy as a a hipótese da adoção da Economia Cria va como
model of economic growth that corroborates um modelo de crescimento econômico que corro-
the logic of spatial transformation through the bora com a lógica de transformação espacial por
prac ce of local urban entrepreneurship – based meio da prá ca do empreendedorismo urbano lo-
on a rentier-financial dynamics –, stimulating cal – baseada numa dinâmica ren sta-financeira –,
new studies in the area. incen vando novos estudos na área.
Keywords: crea ve economy; urban development; Palavras-chave: economia cria va; desenvolvimen-
space production; public policy; neoliberal to urbano; produção do espaço; política pública;
inflec on. inflexão neoliberal.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5412.e Crea ve Commons Atribu on
Renata de Leorne Salles
which allow the opening of new fields for the main foundation for achieving the desired
expansion and circulation of various cultural innovation and development effects would
goods and services. be creativity. Therefore, the new economy is
After this introduction, the definition of seen as a
Creative Economy and the description of the
[...] strength of contemporary economy
creative service sectors that compose it will be
and in the understanding that cultural
presented. In subsequent sections, a debate and economic developments do not
on the production of space in metropolises take place in isolation but integrated as
and its relationship with the expansion of the part of a broad process of sustainable
service sector is proposed, a phenomenon that development. The Creative Economy
in corp o rat es econ o mic , c ult ural ,
contributed to making the creative economy an
and social aspects, interacting with
urban development strategy. Next, it proposes technology, intellectual property, and
the debate on the centrality acquired by tourism. (UNCTAD, 2012, our translation)
culture in contemporaneity, whose relevance
was consolidated in favor of increasing local In this sense, we can consider creative
economies through the (re)valorization of economy as a policy that integrates and
cultural heritage and, more recently, the articulates culture and economy, with
promotion of the creative economy. We creativity as the main engine for the objective
will also discuss some international models socioeconomic development. Thus, through
linked to culture and incorporated by several the creation of cultural and creative products
countries to address the brazilian historical and activities that support intellectual
context only then, to understand how the property and new information technologies,
stimulus to the creative sectors was adopted these are used to increase productivity and
by the State in the 2000s, linked to social efficiency in knowledge-based economies
inclusion processes. Finally, we will raise some (Florida, Mellander & King, 2015 apud Cauzzi
actions implemented in Belo Horizonte which & Valiati, 2016), it is expected to achieve
may serve as a basis for future investigations innovation (in the sense of originality),
on the subject. sustainable development and cultural diversity,
resources that have been considered essential,
in global terms, for the strengthening of local
economies.
The concept By proposing economic and cultural
of Crea ve Economy development jointly, considering that there
is no longer dissociation between these two
The definition of Creative Economy presented dimensions, the creative economy suggests
at the United Nations Conference on Trade a form of connection to the global economic
and Development (UNCTAD) – Creative network. Therefore, investing in cultural
Economy: a viable development option – and creative activities aimed at generating
treats the new segment broadly, whose employment and income would be a viable way
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 723
Renata de Leorne Salles
were expanding and gaining greater economic so that the cultural appeal has become a
importance, becoming responsible for strategy of investment of the public authorities
promoting several changes in the socio-spatial to promote the desired transformations in
structures of cities (Caldeira, 1997). the most diverse territories, in search of local
In addition to the migration of capital, growth, besides creating attractive conditions
through the expansion of economic activity in for the performance of the private sector.
the urban space, part of the population from H o w e v e r, i n m o s t c a s e s , s u c h
the central areas to new emerging centralities measures have focused on market interests
was also migrated. Consequently, most of the – profitability, control and security measures,
historical/traditional centers were physically tourism, real estate valuation – generating
deteriorated and stigmatized by many, with the commercialization of heritage and cultural
abandoned and/or obsolete buildings due activities, offered predominantly to the
to the decrease in residential function and middle and upper classes of the population,
activities related to the middle and upper disfavoring the democratization of culture or
layers that occupied such regions. Thus, the implementation of policies that ensure
several processes were initiated to recover broader social benefits.
such localities.
Smith (2007) discusses the actions of
the public authorities directed to the central
regions as an expression of the division of labor
The models for fostering
in the urban space, that is, the emergence the crea ve economy
of new companies in the service sector in
these locations would be determined by the Th e ro le of c u lt u re an d it s g row in g
interests of capital. In addition to the rent gap commercialization in contemporaneity, at
factor, investments for urban centers would first, were linked to cultural industries and,
be able to contribute to the concentration of therefore, with the expansion of this concept,
advanced services in or near these areas. to the creative industries. As Adorno and
In this sense, several cultural public Horkheimer (1985) points out, culture reveals
policies have emerged linked to urban the structure of social power within capitalist
interventions and considered as corroborative logic, that is, it highlights the hierarchical
strategies, aiming at the socioeconomic (re) system that makes up society and, in turn,
activation of areas considered degraded, conforms the spaces of the city. In this sense,
and then recovering them, promoting the we can say that the regulatory economic
occupation of public space, and promoting reasons of the "Cultural Industry" – the authors'
cultural and tourist consumption, often name (1947) for the phenomenon then known
counting on contributions from the private as "mass culture" – standardize it according to
sector. Therefore, a paradigm shift in the status and, thus, delimit consumption itself by
pattern of urban development is demarcated making the subjects objects of this industry.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 725
Renata de Leorne Salles
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 727
Renata de Leorne Salles
It (report) stated that the creative fundamental for the participation of the
industries were a strategic means of population in the public sphere as well as the
achieving fairer international trade. With
processes of distribution and consumption of
the emergence of globalization and the
increasing appreciation of intangible
cultural goods. Hence the paradigm shift from
work, a unique opportunity has been traditional "cultural industries" to “creative
created for developing countries to industries”. Activities related to the creative
access developed economies through sectors, in this way, began to be considered
not the export of commodities or
essential to disseminate culture and increase
disqualified labor but of goods and
services with high added value. (De
the british economy in an inclusive way.
Marchi, 2014, p. 199, our translation) With this, the role of culture in society
is expanded from the perspective of the State
The previous excerpt raises an important to the extent that "creativity", combined with
issue as it places the creative economy as the generation and exploitation of intellectual
a viable opportunity also for developing property, has become a unique instrument
countries. Thus, the importance of local for the creation of products capable of
cultures is put on the agenda – opposing the generating jobs and increasing the economy.
developmental experience of the industrial Analyzing the bias of the economic crisis in
period – becoming a way to generate Great Britain at the time, which suffered the
economic growth through public policies consequences of deindustrialization, the
capable of promoting connections with the creative industries offered the opportunity to
global economic network and, therefore, rebuild the national economy through culture
with developed countries. That´s why the (ibid.), that is, through the production of
valorization of cultural diversity, in global symbolic goods whose insertion would take
terms, falls within the scope of economic and place in the global market, with the State as a
socially inclusive development strategies. facilitator, and no longer as a promoter.
Creative Nation, an Australian
government project implemented in the early
1990s, can be considered the initial milestone
in fostering cultural policies based on creative The inser on of the crea ve
industries. But it was with the experience economy in Brazil
led by the British Labour Party at the end of
the decade that a paradigmatic change was In Brazil, from 1985, when the
established about the implications of this type redemocratization of the country began,
of policy for the new sector. In this case, some the conception of culture adopted by the
basic principles of social policies were adopted State began to change. The functionalist
by the government and submitted to market perspective was left aside for the adoption
logic (ibid., 2014). of the anthropological concept of the
Thus, cultural production, previously term – culture as a way of life. Thus, from
dest ined to private initiatives (trade/ locus to the creation of solidarity or social
industry), has come to be considered cohesion (in th e d urkheimian sense),
culture has come to be considered a key of 2010, the PNC was approved, in the form
element for the reconstruction of national of law, situating culture not only within the
democracy. In this sense, the new type federal government, but also in the agenda of
of ambitious development could only be states, cities and civil society, besides allowing
achieved through the valorization of creative the collaboration of public and private agents to
practices of the population (ibid.), these comply with the propositions.4
linked to local cultures. With this, it would Shortly thereafter, in 2011, the Plan of
be possible to promote social inclusion and the Secretariat of the Creative Economy was
economic growth, in concomitance and launched through the MinC (Brasília, 2011).
without dependence on other countries. It is The project contemplated the particularities of
noteworthy that this period is the creation of the national territory favoring the promotion
the Ministry of Culture (MinC), configuring the of cultural and creative activities in congruence
kickoff of cultural policies focused on the field with the brazilian economic potentials. Allied
of creative activities. to the intentions of the PT, still in power, it
However, it was only with the arrival was intended to carry out its own project of
of the left in power, in 2003, represented creative economy, equating development and
by president Lula (PT), that culture as a social inclusion through the cultural diversity
purpose of national development was of the country. Considered as a social resource,
adopted.2 There was the resumption of the economic and political asset, it was expected
MinC in order to make it responsible for the that this diversity would promote the insertion
formulation, implementation and monitoring of Brazil in the world economy, although
of cultural public policies, retaking the State this economistic view was not explained in
its role in the sector. 3 The anthropological the institutional discourse (Bolaño, Lopes &
notion of culture was also recovered, by Santos, 2016).
contemplating its conforming dimensions – According to the Plan, four would be
culture as symbolic expression, potentiality the interactive forces capable of promoting
of economic development and as a right to a new alternative of economic growth based
citizenship – distinct social and minority groups on a local dynamic for the construction of
were appreciated (ibid.), creating adequate the Creative Brazil Project: "[...] the flexible
conditions for the proposition of a national organization of production; the diffusion of
policy based on national cultural production, innovations and knowledge; the change and
considered as an economic and symbolic asset adaptation of institutions, and the urban
that generates local development. development of the territory" (Brasília, 2011,
Thus, from 2005, the National Culture Plan p. 14, our translation).
(PNC) began to be elaborated through several In this sense, the Plan indicated
governmental debates with the participation of meth od ologies and p rograms for th e
civil society. The objective was to set goals and promotion of propositions of creative
guidelines that contemplated the preservation territories in places considered, in a way,
of our cultural diversity through the definition favorable to corroborate the economy and job
of public actions of culture. Soon, at the end creation, prioritizing "[...] the cultural diversity
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 729
Renata de Leorne Salles
of the country as a strategy for the production management in favor of economic growth.
of inclusive and equitable wealth, which is not Thus, urban areas are transformed into
completely guaranteed in the discourses of modern and profitable spaces. Such processes
international organizations" (Pacheco, Benini can be exemplified by the great revitalization
& Mariani, 2018, p. 145, our translation). projects, the privatization of public spaces,
Still seeking to adapt the imported the urban operations, or the promotion of so-
model to the brazilian reality, the term called "mega events", causing major changes
"creative industries" was replaced by "creative in the socio-spatial structure of contemporary
sectors", contemplating the enterprises in metropolises. Thus, an urban landscape is
which productive activities come from a produced unrelated to the place, disregarding
creative process (therefore, of individual cultural and local characteristics.
competence), generator of goods or services Moreover, with the dismantling of the
whose values are linked to the symbolic Social State (retraction of social and labor
(immaterial) dimension. policies), aggravated after the departure
Thus, by proposing a policy for the of President Dilma Rousseff (PT), in 2016,
promotion of the creative economy in Brazil in addition to the scarce investments
and adhering to several other ministries, the i n r e s e a rc h , n e w t e c h n o l o g i e s , a n d
MinC became the main articulator and agent diversification of the economy, it is necessary
of national planning and development, "[...] to understand, again, how culture has
with the mission of transforming Brazilian been treated. It is important to remember
creativity into innovation and innovation into that the flexibilization of the labor force in
wealth: cultural wealth, economic wealth, social contemporaneity originates, precisely in the
wealth" (Brasília, 2011, p. 30, our translation). field of culture, 5 with the restructuring of the
Moreover, culture has become the central capitalist model. Therefore, the promotion
pillar in the political and economic context, of self-employment/informality or the
and the active participation of the State in the individual form-company/entrepreneurship
regulation of the creative economy is necessary, as an emancipatory means of the subject
since we are talking about a context whose became the main discourse to value the
desired macroeconomic development should precariousness of labor relations and the
occur together with social inclusion measures. subordination of intellectual production to
After this debate on how the capital (Bolaño, Lopes & Santos, 2016).
international model was adapted and Thus, the generalization of the creative
incorporated by the brazilian government and economy, at the global level, seems to legitimize
aiming at possible investigations about the the economic perspective, as evidenced by
unfolding of creative sectors in the country, it most institutional discourses focused on the
is worth remembering that the recurrence of ideals of generating employment and income,
this pattern of development tends to provoke, opposing the sociocultural development
in general, urban expropriation, reflecting desired by Brazil, at least at first, when the
the interests of globalized capitalism, which idea of a creative economy was adopted as an
incorporates business models in urban inclusive social policy.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 731
Renata de Leorne Salles
Figure 2 – In the center of the image, the building that houses the Crea ve P7
In 2018, the city hall launched the Since then, in addition to the insertion
Creative Horizon program, with the support of some companies and startups in the
of the Economic Development Bank of Minas neighborhood, the place has been moved
Gerais (BDMG), to create opportunities by artistic and cultural events held in the
for professionals and creative economy public space (Figure 3), such as the Urban Art
companies. The first region to receive Circuit (CURA Lagoinha 2019), photographic
investments is the Lagoinha neighborhood, exhibitions (Residents Project), carnival
located near the center of Belo Horizonte. processions, parties organized in partnership
This locality has been developing actions with the city hall, among others. In addition,
resulting from civil society initiatives for social dialogues with some public agencies have
benefits, since 2007, with the Viva Lagoinha generated several improvements in urban
Project which, in recent years, has gained a infrastructure, in promoting trade and in the
new breath. Faced with the dismay of public training of local entrepreneurs. Health and
power and the negative stigmas that have public health problems of homeless people
consolidated in the neighborhood since the have also been the target of social programs
last decades, this project has tried to bring to address issues such as crack consumption in
together local leaders to map the main the region.
demands and, thus, promote changes through Apparently and with the performance of
culture, connecting people linked to the the government in this area as has not been
creative economy, cultural heritage, education, seen for a long time, it is likely that private
etc., to revalue the region. contributions are already being directed to
Figure 3 – The colorful pain ngs in some buildings are part of CURA,
in the Lagoinha neighborhood
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 733
Renata de Leorne Salles
the region, whose central location seems development. However, it is noted that public-
to be one of the reasons for public efforts -private partnerships or strategic agreements
aimed at the Lagoinha neighborhood aiming between these spheres, in many cases, are used
at attracting more investments. In addition, as marketing to (re)value cultural heritage and
there is already the prediction of tipping some rescue social interaction through the insertion
historical buildings to value the local cultural of new uses in the public space (Corte-Real,
heritage. This scenario seems to fit the urban 2015), to achieve competitive advantages
development molds discussed in this work. in the face of the challenges imposed by
Moreover, to contribute to future critical globalization, in market terms (Arantes, 2000).
analyses, it is revealed the need to investigate, Therefore, t he const ruc tion of a
also, whether the service companies of research base on the insertion of the creative
the creative sectors already installed have economy in Brazil and, consequently, on
generated change, in socioeconomic and/ how it has been implemented in some
or spatial terms, as expected to occur in the metropolises, as in the case of Belo Horizonte,
presence of such cultural platforms in strategic is necessary to understand the possible
locations of the cities. effects in the urban space of today. The
creative sectors can also be efficient in
achieving innovative solutions, in economic
and socio-spatial terms, contributing to the
Final considera ons improvement of urban conditions to promote
new sociability and, thus, reformulate the
Reflecting on the effects of the creative senses of citizenship through a new mode of
economy in the contemporary space has appropriation of the city, with the inclusion of
become relevant, as several public policies local communities and creating meanings of
to foster the new sector have been tied belonging for all citizens. But it is necessary
to urban renewal processes, since the last to ascertain whether such developments are
decades, as another strategy of local economic present in our territory.
[I] https://orcid.org/0000-0002-5722-3753
Pontifical Catholic University of Minas Gerais, Faculty of Social Sciences, Graduate Program in Social
Sciences. Belo Horizonte, MG/Brazil.
renatasalles2020@gmail.com
Transla on: this ar cle was translated from Portuguese into English by the author herself.
Notes
(1) CURA was the first fes val to propose pain ngs in cables of walls and buildings. Its first edi on,
in 2017, took place in the city center. To foster the event, which has been taking place every
year in Belo Horizonte, several parallel ac ons are promoted, such as debates, fairs, and par es,
encouraging the occupa on of the street. See h ps://cura.art/.
(2) In 1990, when Fernando Collor's neoliberal government became in force, the absence of the State
in the field of culture promoted a setback with no con nuity in the na onal culture policy of
the previous government of José Sarney. The private actors oversaw fostering the sector, to the
detriment of collec ve well-being, which aggravated the inequali es in the supply of cultural
equipment and ac vi es in the country with the priori za on of the Rio-São Paulo axis.
(3) In 2003, the MinC was restructured and expanded, with six departments.
(4) The lay n. 12.343/2010, approved by Congress in December 2010, defines that the PNC have ten
years, that is, un l December 2020.
(5) In 2019, during the current neoliberal management and far-right the president Jair Bolsonaro,
the MinC has been officially extinguished, together with the Ministries of Sport and Social
Development. The three were incorporated into the Ministry of Citizenship, and then, the
Special Secretariat of Culture (old MinC) was created, linked to the Ministry of Tourism, which
the Na onal Secretariat for Crea ve Economy and Cultural Diversity (SECDC) is part of.
(6) In 2016, João Pinheiro Founda on (FJP) – research and teaching related to the State Secretariat
and Planning and Management of Minas Gerais – promoted the Seminar State Plan for the
Crea ve Economy in Minas Gerais, together with some state agents and other en es, aiming
to find alterna ves for economic development based on the demands iden fied by the crea ve
sectors themselves. In 2018, the FJP promoted Seminary Return Colloquium State Plan of
Creative Economy in Minas Gerais to advance in the state planning to promote the sectors
men oned.
(7) In addi on to the state, Development Company of Minas Gerais (Codemge), the Support Service for
Micro and Small Enterprises of Minas Gerais General (Sebrae Minas), the Federa on of Industries
of the State of Minas Gerais (Fiemg), the Secretary of State for Economic Development, Science,
Technology and Higher Educa on (Sedectes) and the João Pinheiro Founda on.
(8) The building of the agency's new office was designed by architect Oscar Niemeyer in the 1950s. It is
owned by the government and has housed the former Produc on Bank of Minas Gerais and the
former Bank of the State of Minas Gerais (Bemge). It was overturned by the IEPHA in 2016 and,
therefore, recognized as cultural heritage. It was restored by Codemge and reopened in 2019 to
house entrepreneurs, startups, ar sts, collec ves, investors, public agents, and companies from
various segments of the crea ve economy.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 735
Renata de Leorne Salles
References
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. (1985). “A indústria cultural: o esclarecimento como mis ficação
das massas”. In: ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialé ca do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Rio de Janeiro, Zahar.
ARANTES, O. (2000). “Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas”. In: ARANTES, O.;
VAINER, C.; MARICATO, E. (orgs.). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos.
Petrópolis, Vozes.
BRASÍLIA (2011). Ministério da Cultura. Plano da Secretaria da Economia Cria va: polí cas, diretrizes
e ações, 2011 - 2014. 2011. Disponível em: http://www2.cultura.gov.br/site/wp-content/
uploads/2012/08/livro_web2edicao.pdf. Acesso em: 16 out 2019.
BRASÍLIA (2012). Ministério da Cultura. Metas do Plano Nacional de Cultura. Disponível em: h p://pnc.
cultura.gov.br/metas-do-pnc/. Acesso em: 10 out 2019.
BOLAÑO, C.; LOPES, R.; SANTOS, V. (2016). “Uma economia polí ca da cultura e da cria vidade”. In:
LEITÃO, C.; MACHADO, A. F. (orgs.). Por um Brasil cria vo: significados, desafios e perspec vas
da economia cria va brasileira. Belo Horizonte, Código Editora.
CALDEIRA, T. (1997). Enclaves For ficados: a nova segregação urbana. Novos Estudos. São Paulo, n. 47,
pp. 155-176.
CAUZZI, C.; VALIATI, L. (2016). “Indústrias criativas e desenvolvimento: análise das dimensões
estruturadoras”. In: MOLLER, G.; VALIATI, L. (orgs.). Economia cria va, cultura e polí cas públicas.
Porto Alegre, Editora da UFRGS/Cegov.
CODEMGE – Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (2018). Indústria cria va. Disponível
em: h p://www.codemge.com.br/atuacao/industria-cria va/. Acesso em: 5 out 2019.
CORTE-REAL, M. (2015). Revitalizar como e para quem no contexto das intervenções territoriais na
cidade interior – o estudo de caso da Mouraria. Cahiers-CoST. Val de Loire, n. 4, pp. 83-99.
Disponível em: h p://citeres.univ-tours.fr/spip.php?ar cle2295. Acesso em: 5 set 2018.
FLORIDA, R. (2002). The Rise of the Crea ve Class: why ci es without gays and rock bands are losing
the economic development race. The Washington Monthly. Washigton, pp. 15-25.
FRÚGOLI JR., H. (2000). Centralidade em São Paulo. Trajetórias, conflitos e negociações na metrópole.
São Paulo, Edusp.
FUNDAÇÃO JOAO PINHEIRO (2018). Economia cria va em Minas Gerais: um estudo exploratório.
Organização de S. CARVALHO. Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro.
IPEA (2013). Panorama da Economia Cria va no Brasil. Texto para Discussão. Rio de Janeiro, Ipea.
Disponível em: h ps://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_1880.pdf. Acesso
em: 14 out 2019.
LEES, L.; SLATER, T.; WYLY, E. (2008). “Contemporary gentrifica on”. In: LEES, L.; SLATER, T.; WYLY, E.
Gentrifica on. Nova York, Routledge.
LEITÃO, C.; MACHADO, A. F. (orgs.) (2016). Por um Brasil Cria vo: significados, desafios e perspec vas
da economia cria va brasileira. Belo Horizonte, Código.
LOSADA, A. F. (2018). De la retórica a la polí ca: ¿Pueden las ciudades ganar trascendencia en las
agendas globales? Opinión CIDOB. Barcelona, n. 556. Disponível em: h ps://proyectoallas.
net/2018/11/13/de-la-retorica-a-la-poli ca-pueden-las-ciudades-ganar-trascendencia-en-las-
agendas-globales/. Acesso em: 12 abr 2020.
MACHADO, A. F.; DINIZ, S.; NASCIMENTO, J.; MAIA, R. (2016). “Desenvolvimento urbano, Economia
Cria va e produção solidária em uma metrópole brasileira”. In: LEITÃO, C.; MACHADO, A. F.
(org.). Por um Brasil Cria vo: significados, desafios e perspec vas da economia cria va brasileira.
Belo Horizonte, Código.
MILAN, M. (2016). “Indicadores para avaliação de a vidades econômicas culturais e cria vas: uma
síntese”. In: MOLLER, G.; VALIATI, L. (orgs.). Economia cria va, cultura e polí cas públicas. Porto
Alegre, Editora da UFRGS/Cegov.
MOREIRA, C. M. (2009). “Revitalização urbana e patrimônio cultural: programa Centro Vivo”. In:
AZEVEDO, S.; NABUCO, A. L. (orgs.). Democracia par cipa va: a experiência de Belo Horizonte.
Belo Horizonte, Leitura; PBH, v. 1, pp. 119-142.
PACHECO, A.; BENINI, E. G. (2015). Desenvolvimento da indústria cria va brasileira a par r dos pontos
de cultura. Polí cas Culturais em Revista. Salvador, v. 1, n. 8, pp. 121-135. Disponível em: h ps://
periodicos.u a.br/index.php/pculturais/ar cle/view/13427/9753. Acesso em: 1 out 2019.
PACHECO, A.; BENINI, E. G.; MARIANI, M. A. (2018). O discurso global da economia cria va – Frameworks
– para o desenvolvimento econômico. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional.
Taubaté, v. 14, n. 5, pp. 134-146.
P7 CRIATIVO (2018). Sobre o P7. Disponível em: h p://p7cria vo.com.br/. Acesso em: 10 out 2019.
ROBERTS, B. R.; WILSON, R. H. (2009). “Residen al segrega on and governance in the Americas: an
overview”. In: ROBERTS, B. R., BRYAN R.; WILSON, R. H., ROBERT, H. (orgs.) Urban segrega on
and governance in the Americas. Nova York, Palgrave Macmillan.
SASSEN, S. (2005). The global city: Introducing a concept. The Brown Journal of world affairs. Providence,
v. XI, n. 2, pp. 27-43.
SECULT – Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (s/d). Ins tuições. Disponível em: h ps://www.
secult.mg.gov.br/ins tuicoes/centro-de-cultura-itamar-franco. Acesso em: 15 jun 2019.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 721-738, maio/ago 2022 737
Renata de Leorne Salles
UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento; Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (2012). Relatório de economia cria va 2010: economia cria va,
uma opção de desenvolvimento viável. Brasília, Ministério da Cultura; São Paulo, Itaú Cultural.
Disponível em: h ps://unctad.org/pt/docs/ditctab20103_pt.pdf. Acesso em: 14 out 2019.
UNESCO (2009). The 2009 Framework for Cultural Sta s cs (FCS). UNESCO Ins tute for Sta s cs.
Disponível em: http://uis.unesco.org/sites/default/files/documents/unesco-framework-for-
cultural-sta s cs-2009-en_0.pdf. Acesso em: 12 out 2019.
VELOSO, C.; ANDRADE, L. (2019). Sapucaí Street: Entertainment Hub and Commercial Gentrifica on in
Belo Horizonte. Interna onal Journal of the Sociology of Leisure. Suíça, 2, pp. 43-61.
VIVA Lagoinha aposta na economia cria va para repensar o bairro histórico de BH (2020). Medium.
Disponível em: h ps://medium.com/orbiconecta/viva-lagoinha-aposta-na-economia-cria va-
para-repensar-bairro-hist%C3%B3rico-de-bh-5b5bc702f2d1. Acesso em: 25 ago 2020.
ZUKIN, S. (2000). “Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder”. In: ARANTES, A.
(org.). O espaço da diferença. Campinas, Papirus.
Abstract
Resumo Housing production in Brazilian metropolises
A produção de habitação nas metrópoles brasilei- is linked to the expansion and strengthening
ras apresenta vinculação à expansão e ao fortale- of the real estate sector in urban spaces, often
cimento do setor imobiliário nos espaços urbanos, independently of the country's economic cycles.
muitas vezes independentemente dos ciclos eco- Porto Alegre does not deviate from the Brazilian
nômicos do País. Porto Alegre não foge ao padrão pattern; however, this article verifies Molotch’s
brasileiro; entretanto, este ar go verifica a hipó- hypothesis called “Growth Machine”. To
tese de Molotch, denominada “Máquina de Cres- accomplish this, it examines and discusses the real
cimento”. Para isso, examina e discute a dinâmica estate dynamics and housing construction in the
imobiliária e a construção habitacional na última last decade in the city of Porto Alegre. Data from
década na cidade de Porto Alegre. U lizam-se co- SINDUSCON-RS are used as reference, in addi on
mo referência dados do Sinduscon-RS, além dos to housing production data from the Minha Casa
dados sobre a produção habitacional do Programa Minha Vida Program (PMCMV) between 2009
Minha Casa Minha Vida (PMCMV) entre 2009 e and 2020. Based on the hypothesis, the article
2020. A par r da hipótese, demonstra-se a impor- demonstrates the importance that sectors linked to
tância que os setores ligados à dinâmica imobiliária the real estate dynamics have in the produc on of
têm na produção do espaço na cidade. space in the city.
Palavras-chave: produção habitacional; máquina Keywords: housing production; growth machine;
do crescimento; mercado imobiliário; Porto Alegre. real estate market; Porto Alegre.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5413 Crea ve Commons Atribu on
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
740 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 741
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
comerciais das antigas áreas industriais, assim expressivo e que coloca a importância da
como um processo de gentrificação que é mais construção civil e do mercado imobiliário na
evidente no chamado 4º Distrito (bairros Flo- economia da cidade.
resta, Navegantes, São Geraldo, São João, Far- Agora, focando na última década (entre
rapos e Humaitá), a antiga grande área indus- 2011 e 2018), foram construídas e ofertadas
trial na zona norte da cidade.2 56.450 unidades novas, novamente incluí-
Todo esse movimento é realizado a partir das unidades comerciais. Também foi nesse
da concertação entre o setor público e diver- período que tivemos os anos com o maior
sos agentes urbanos (construtores, empreen- número absoluto de novas construções na ci-
dedores, consultores, agências internacionais), dade: em 2012 e 2013, mais de 8.000 novos
entre os quais a indústria da construção civil e imóveis foram construídos em cada ano. A Ta-
a promoção imobiliária têm destaque, revelan- bela 1 permite observar alguns detalhes que
do a importância da análise que realizaremos. escapam no primeiro gráfico mais geral deste
texto. O primeiro é o predomínio absoluto da
construção de edifícios em relação às casas.
O mercado imobiliário Das pouco mais de 52 mil unidades residen-
ciais (casas + apartamentos), 94,63% são habi-
na capital gaúcha tações tipo apartamento.
na úl ma década Desse modo, nos últimos anos temos
presenciado um reforço do fato de Porto Ale-
Nesta segunda seção, vamos descrever a situa- gre ser uma das cidades mais verticalizadas 3
ção da cidade ante os investimentos imobi- do País (Lahorgue, 2015, p. 36). Dentro da ti-
liários mais recentes. Contextualizando um pologia apartamento, o mais visível é o predo-
perío do um pouco mais longo, o Gráfico 1 mínio absoluto das unidades de dois dormitó-
mostra-nos a quantidade de imóveis novos rios, representando 51,66% de todas as unida-
ofertados entre 2002 e 2018, compreendendo, des verticais. Também é interessante observar
portanto, o período com dados consolidados e que unidades tipo um dormitório, apesar de
disponíveis pelo Sinduscon/RS. numericamente bastante inferiores às tipolo-
Portanto, ao longo de 17 anos, foram gias dois e três dormitórios, têm apresentado
construídos e ofertados mais de 5.000 imó- consistentemente crescimento, ano a ano.
veis por ano. Ainda que com oscilações, não Em relação à construção de unidades
é possível dizer que algum ano tenha sido comerciais, percebe-se que elas representam
fraco nessa atividade econômica. Tanto que apenas 7,30% das unidades ofertadas no pe-
o total é de 109.146 unidades. Observe-se ríodo considerado. Há oscilações de ano para
que não são somente unidades residenciais, ano, mas o comportamento do mercado nos
assim como também é importante lembrar dois últimos anos, com crescimento da parti-
que não estão contabilizadas construções cipação das unidades comerciais, pode indicar
individuais (casas feitas por empreitada, por um início de mudança – ou pelo menos maior
exemplo), somente as erguidas por constru- participação – do segmento comercial no in-
toras. Ainda assim, é um número bastante vestimento imobiliário.
742 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 743
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Tabela 2 – MCMV em Porto Alegre – unidades concluídas e entregues por faixa de renda
Fonte: elaborado por Heleniza Campos e Nicolas Billig Giacome , a par r do Portal Brasileiro de dados abertos do
MDR. Disponível em: h ps://dadosabertos.mdr.gov.br/dataset/cva_mcmv. Acesso em: 28 dez 2021.
744 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
Os dados sobre as unidades contratadas destaca-se como a que mais teve contratações
e entregues por faixa de renda também de- e entregas, superando em 38% a quantidade
monstram que há diferenças recorrentes em contratada da Faixa 1.
todos os anos apresentados, sendo sempre As disparidades aparecem não apenas
menores as quantidades dos empreendimen- nas quantidades de empreendimentos con-
tos entregues à Faixa 1. Já, nas demais faixas, tratados e entregues, mas nos valores investi-
há uma compatibilidade precisa entre as duas dos. No Gráfico 2, aparecem as diferenças de
categorias (contratadas e entregues), o que re- distribuição dos valores de operação (previsto
vela o baixo atendimento às demandas sociais no contrato) e do efetivamente liberado para
para os beneficiários mais carentes. Destaca- a construção/aquisição dos imóveis em cada
-se, ainda, que, especificamente na Faixa 1, as faixa de renda, com grande destaque para os
unidades contratadas correspondem a, apro- valores empreendidos da Faixa 2. Considere-
ximadamente, duas vezes o número das uni- -se que, entre 2012 e 2020, o Banco do Brasil
dades entregues, havendo anos em que não também participou como agente financeiro,
houve entrega de unidades residenciais (2015, além da Caixa Econômica, para as três maiores
2019 e 2020). Nos anos de 2012, 2014 e 2016 faixas de renda, o que também tende a abrir
há contratação, mas não há entrega. A Faixa 2 opções aos beneficiários nessas condições.
Valores faixa 3
Valores faixa 2
Valores faixa 1
Liberado De operação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 745
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
746 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
municípios da Região Metropolitana de Porto Brasil a abrir capital no novo mercado da Bolsa
Alegre (RMPA), especialmente em Canoas, ad- de Valores do Brasil (Melnick Even, 2020). Pos-
jacente a Porto Alegre e segunda maior cidade sui um grande número de empreendimentos
da região metropolitana. de alto padrão, a maioria edifícios, mas tam-
As quatro incorporadoras citadas são bém condomínios residenciais, conjuntos
todas empresas de grande porte. Duas delas comerciais, malls e usos mistos (residencial
são o resultado de associações entre empresas e comercial), com atuação em Porto Alegre
locais e paulistas (Goldsztein-Cyrela, Melnick- e em Canoas. Com relação aos condomínios
-Even). A Nex Group é resultado da fusão das fechados, atua em Porto Alegre e nos municí-
locais Capa Engenharia, DHZ Construções, pios de Eldorado do Sul (RMPA) e Xangri-lá (li-
EGL Engenharia e Lomando, Aita, ocorrida em toral norte).
2011, justamente para ganhar escala e resistir Um grande projeto da construtora é o
à entrada dos grandes players no mercado lo- chamado Hub da Saúde, com a construção de
cal-regional (se considerarmos a região metro- conjuntos e residenciais voltados para os ser-
politana). A Rossi pode ser uma exceção, pois viços de saúde. Esse projeto é realizado em
atuou sozinha no mercado imobiliário de Porto aliança com o hospital Moinhos de Vento (um
Alegre, porém sua atuação se concentrou mais dos principais hospitais privados de Porto Ale-
na primeira metade do período de análise e gre) e com o grupo Zaffari (super e hipermer-
hoje realiza poucos empreendimentos. Tam- cados, shopping centers). Estão previstos cinco
bém podemos incluir nessa relação dois outros hubs, quatro em Porto Alegre e um em Canoas;
atores "externos" de atuação nacional: a MRV destes, quatro já estão em construção. Esse
que está se destacando na produção habitacio- projeto conta, ainda, com apoio da prefeitura
nal voltada para os setores médios e popular; de Porto Alegre, uma vez que a conversão da
e a Multiplan Empreendimentos Imobiliários, cidade em um “centro de excelência nacional
do Rio de Janeiro, que está desenvolvendo um e continental de saúde” se encontra entre as
megaprojeto na orla do Guaíba. prioridades econômicas do município (Melnick
Atualmente, a principal construtora Even, 2016). Dois projetos recentes da Melnick
do mercado imobiliário porto-alegrense é relacionam-se com empreendimentos inicia-
a Melnick Even, fundada em 1970. Ela es- dos por outras construtoras. É o caso dos em-
tá, portanto, há mais de 50 anos atuando no preendimentos Supreme, realizados no bairro
mercado da construção civil local e regional, planejado Central Parque (grande projeto ini-
no qual se autodenomina “a empresa líder ciado pela Rossi), e do megaprojeto do Pontal,
em alto padrão”. Em 2008, associou-se com a um dos maiores empreendimentos em realiza-
Even de São Paulo, empresa da qual se tornou ção na metrópole, bastante relacionado com a
acionista majoritária em 2015, através do fun- questão da reestruturação da orla do Guaíba
do de investimentos Melpar, braço financeiro (Rodrigues, 2019). Este foi iniciado em 2006
do sócio-proprietário da Melnick e de outras pela BM Par Empreendimentos, e a Melnick
grandes fortunas do RS. Em setembro de 2020, assumiu oficialmente a parceria em 2018. A
tornou-se a primeira incorporadora do sul do atual configuração do projeto inclui shopping
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 747
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
com 25.000 m² de área bruta locável, 160 lo- Porto Alegre, adjacente ao BarraShoppingSul
jas, cinemas, além de centro de eventos, hub (que também ocupou terrenos pertencentes
da Saúde e um hotel com bandeira da rede ao Jockey) e de frente para o Guaíba (Zero Ho-
Hilton (Melnick Even, 2018). ra, 2021). Esse empreendimento e o Pontal,
Outra grande construtora com atuação bastante próximos, são as “locomotivas” da
na cidade é a Cyrela Goldsztein, a maior em- reestruturação do setor da orla do Guaíba em
presa do setor em valor de mercado (Exame, curso, indicando a possibilidade de configura-
2021). Trata-se, como a Melnick, da fusão de ção de um novo “regime de acumulação urba-
uma empresa local (Goldsztein) com uma de na” na metrópole de Porto Alegre.5
atuação nacional (Cyrela), aliança iniciada com Esse regime urbano decorre de uma
uma joint venture em 2006 e concluída com ampla reestruturação produtiva, que deslo-
a incorporação definitiva da Goldsztein pela calizou a indústria do núcleo metropolitano,
Cyrela em 2009. A construtora atua no seg- sendo o capital imobiliário o atual grande
mento de alto padrão, disputando o mercado responsável pela acumulação urbana, como
local com a Melnick, no ramo tanto residen- veremos adiante.
cial como no comercial, no qual desenvolve o A atuação dessas grandes construtoras
produto Medplex (complexo de consultórios e incorporadoras, dados o volume, a varie-
médicos e serviços de saúde), o qual concorre dade e a complexidade dos capitais mobiliza-
diretamente com os hubs da Melnick. dos, aponta para o já reconhecido processo
Finalmente, nesta parte, cabe desta- de financeirização da produção imobiliária.6
car a Multiplan Empreendimentos e sua rela- As empresas atualmente dominantes no mer-
ção com a orla do Guaíba. A construtora atua cado imobiliário se capitalizam na bolsa de
na região metropolitana desde 2008, com a valores, além de se relacionarem com fundos
construção do BarraShoppingSul, um grande de investimentos (na composição acionária) e
shopping center localizado na zona sul de Por- de se utilizarem de papéis financeiros (fundos
to Alegre e que alterou significativamente as imobiliários, certificados de recebíveis) que
centralidades desse setor da cidade. A partir viabilizam os maiores empreendimentos. A
de 2011, passou a empreender também em Melnick tem seu próprio fundo de investimen-
torres comerciais e residenciais adjacentes ao tos, o Fundo Melpar, que adquiriu o controle
shopping. Em 2017, a Multiplan inaugurou o acionário da Even, além de realizar outras ope-
ParkShopping em Canoas, o maior shopping rações em outros ramos de investimentos. O
center da RMPA fora do núcleo metropolita- projeto Pontal conta com fundos imobiliários
no. Atualmente, leva adiante o megaprojeto para alavancar seus subprojetos, especialmen-
do “bairro planejado e privativo” Golden Lake, te o do hotel.
um conjunto de 18 torres residenciais em uma A seguir discutiremos a questão do cres-
área de 160 mil m² e cujo Valor Geral de Ven- cimento populacional de Porto Alegre, de-
das (VGV) pode chegar a 3 bilhões de reais. Lo- monstrando a distância entre este e o cresci-
caliza-se em antigo terreno do Jockey Club de mento do setor imobiliário local.
748 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 749
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Ano
1991 2000 2010
Nº de domicílios ocupados 380.992 441.866 508.813
Média de moradores por domicílios ocupados 3,29 3,06 2,75
Domicílios em aglomerados subnormais 33.436 37.480 56.024
Média de moradores por domicílios em aglomerados subnormais 4,07 3,82 3,44
Domicílios par culares não ocupados – vagos 48.598 42.736 48.934
Total de domicílios 430.357 503.536 574.831
750 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
implicariam necessidade de mais habitações. entre 2011 e 2018, está estimado em 66.007
Mas, novamente, se olharmos os dados de pessoas. Apesar de indicar uma leve curva as-
número médio de habitantes por domicílio no cendente – uma fertilidade um pouco maior –
último Censo e multiplicarmos pelo número de em relação à década precedente, os números
novas unidades no período, temos o seguinte ainda apontam para a continuidade do baixo
resultado: 2,75 X 52.699 = 144.922,25. Em ou- crescimento populacional, resultado tanto da
tras palavras: o estoque produzido para a ven- fertilidade abaixo da taxa de reposição quanto
da na década seria suficiente para mais de 144 do arrefecimento das migrações em direção ao
mil pessoas. Um número muito maior que o in- coração da metrópole.
cremento populacional. Se o levantamento no próximo Censo
Quanto aos anos mais recentes, os da- (2022) confirmar um acréscimo um pouco
dos demográficos são estimativas, mas ajudam maior de população na cidade, desta vez tería-
a refletir se a dinâmica entre população e pro- mos um crescimento maior de habitantes do
dução de imóveis continua semelhante. que de imóveis, que, como vimos, são 52.327
As estimativas de população feitas pe- novas ofertas de imóveis residenciais. Ainda
lo IBGE apontam um incremento ao redor de assim, o questionamento da relação entre o
75 mil pessoas entre 2011 e 2020. Como te- reduzido crescimento populacional e a intensa
mos dados imobiliários até 2018, podemos atividade construtiva em Porto Alegre conti-
equalizar datas: o incremento populacional, nua válido.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 751
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
O espaço urbano como lugar mas não explica todas as diferenças entre
processos de acumulação e distintos ritmos
da acumulação de capital de crescimento de diversas cidades ao longo
do globo, assim como não é suficiente para
A urbanização, como venho argumen-
percebermos as nuanças e mesmo disparida-
tando há tempos, tem sido um meio
fundamental para a absorção dos exce- des das políticas locais. Portanto, agregar ou-
dentes de capital e de trabalho ao longo tras explicações é fundamental.
de toda a história do capitalismo. Tem Lefebvre (1976) alertava que, exatamen-
uma função muito particular na dinâmi- te porque a construção proporciona lucros su-
ca da acumulação do capital devido aos
periores à média, através do espaço, o dinhei-
longos períodos de trabalho e rotativida-
de e a longevidade da maior parte dos ro produz dinheiro (p. 101). Ao mesmo tempo
investimentos no ambiente construído. que esse fenômeno ajuda a explicar por que o
Também tem uma especificidade geográ- setor imobiliário – e a produção de ambientes
fica tal que a produção de espaço e dos construídos – é parte integrante da dinâmica
monopólios espaciais se tornam parte
de acumulação, também mostra contradições.
integrante da dinâmica da acumulação,
não apenas em virtude da natureza dos Isto porque a propriedade da terra é ante-
padrões mutáveis do fluxo de merca- rior ao desenvolvimento do capitalismo. O
dorias no espaço, mas em virtude da desenvolvimento do capitalismo, é verdade,
natureza mesma dos espaços e lugares
transforma a propriedade, mas não a elimina.
criados e produzidos em que esses mo-
vimentos ocorrem. Contudo, exatamente
E não a elimina, como lembra Harvey (2013,
por toda essa atividade – que, a propó- p. 462), seguindo os passos de Marx, pois, se
sito, é um campo de enorme importân- a terra estivesse à livre disposição de todos,
cia em que se dá a produção de valor e não seria possível a formação de uma clas-
mais-valia – ocorrer em tão longo prazo,
se possuída apenas de sua força de trabalho,
alguma combinação de capital financeiro
e engajamento estatal é absolutamente
condição necessária para o desenvolvimento
fundamental para seu funcionamento. da produção capitalista. Essa contradição le-
Essa atividade é claramente especulativa va à outra. A terra não pode estar livremente
no longo prazo, e sempre corre o risco à disposição, mas pode (e deve) ser um valor
de replicar, muito mais tarde e em maior
de troca, pois a propriedade privada da terra
escala, as mesmas condições de sobrea-
cumulação que, de início, tenta atenuar. desempenha uma função legitimadora da pro-
(Harvey, 2014, pp. 92-93) priedade privada em geral (e especialmente
dos meios de produção). Significa, em termos
Harvey, como ele mesmo informa na práticos, que a busca por propriedade privada
epígrafe acima, tem insistido na importância (por exemplo, moradia própria) deve ser esti-
de entendermos que o investimento na mul- mulada, inclusive, para as classes trabalhado-
tiplicação do ambiente construído vai além ras. O resultado, nítido nas cidades atuais, é a
dos efeitos locais e está conectado com o pulverização da propriedade privada, possibili-
processo mais geral de acumulação de capi- tando – em teoria – a quase todos terem aces-
tal. Este é um interessante ponto de partida, so a algum grau na renda da terra.
752 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 753
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
754 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
e/ou escritório, etc. Essa pequena lista serve em que as frações ligadas ao capital e à renda
para mostrar por que a ideologia do cresci- fundiária tiveram que ceder algum espaço pa-
mento funciona. ra a realização de políticas públicas redistribu-
É interessante notar que essa máquina tivas e democráticas. Mas, e isto é importan-
de crescimento urbano não necessariamente te lembrar, nunca houve impedimentos para
está vinculada ao processo de acumulação de empreendimentos imobiliários de todos os
capital produtivo. Aliás, como muitas pesqui- portes. O que se fez foi colocar em prática ins-
sas empíricas no Brasil já constataram, pro- trumentos de regulação para a intervenção no
cessos que provocam encarecimento de áreas solo capazes de redistribuir parte dos ganhos
urbanas podem ter como efeito colateral de- do capital imobiliário. Por exemplo: um hiper-
sindustrialização dos centros urbanos. A indús- mercado foi autorizado a se instalar na Zona
tria desloca-se para a periferia metropolitana Sul como parte inicial de um grande projeto
para fugir das desvantagens de aglomeração, urbano no qual, alguns anos mais tarde, seria
mas isto não necessariamente diminui o pre- construído um shopping center anexo ao hi-
ço da terra no núcleo central da metrópole. A permercado (BarraShoppingSul). A permissão
acumulação de capital é contraditória; não é de instalação foi feita tendo como contrapar-
um processo em que todos ganham da mes- tida a construção de novas habitações para as
ma forma. Essas relações acabam por ajudar a famílias que ocupavam de forma precária (e ir-
definir diferentes formas urbanas, que estão, regular) a área do empreendimento. Para isso,
portanto, relacionadas a diferentes maneiras foi proposta a lei n. 8093/1997 autorizando a
como operam e se conectam nas cidades as permuta de imóveis entre os empreendedores
várias frações do capital e as diferentes frações e a Prefeitura Municipal. Literalmente:
de rentistas.
Art. 3º – Sobre a área a ser transferi-
Mas, como afirmado, o que torna a cons-
da ao Município, os Empreendedores
tituição e o desenvolvimento das cidades tão implantarão as unidades habitacionais
parecidas umas com as outras é a constituição e respectiva urbanização, conforme
de coalizões – políticas – que têm interesse di- Estudo de Viabilidade Urbanística –
reto na cidade como máquina de crescimento. E.V.U. aprovado (Processo Administra-
tivo n. 2.284147.00.9), para possibilitar
Voltemos a olhar para Porto Alegre. E fa-
o reassentamento das famílias hoje
çamos uma pequena digressão ao passado re- ocupantes das vilas identificadas como
cente. Uma das marcas da década de 1990 na Campos do Cristal, Estaleiro Só e Foz do
cidade foi a sucessiva eleição de governos de Arroio Cavalhada (trecho da Av. Diário de
Notícias até os limites das Cavalariças do
centro-esquerda, liderados por uma coalizão
Jockey Club do Rio Grande do Sul). (Porto
em torno do Partido dos Trabalhadores. Co- Alegre, 1997)
mo é bem conhecido, houve uma tentativa de
aprofundar formas de democracia que não fos- Não está em discussão aqui a provável
sem puramente representativas, como a de- melhora nas condições de vida dos moradores
monstra a constituição do Orçamento Partici- da ocupação que receberam novas casas, e sim
pativo (Abers, 1998; Fedozzi, 1997; Tartaruga, lembrar que o que permitiu aos empreende-
2003). Não há dúvida de que foi um período dores aceitar essas condições foi a existência
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 755
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
de uma renda potencial de solo muito maior Como definiu Siqueira (2019), a dinâmi-
do que a renda a ser capturada com a cons- ca da democracia em Porto Alegre vem expe-
trução de habitações populares. Na verdade, rimentando um deslocamento do poder, no
não só maior do que a renda capitalizada no sentido de força decisória, nas instâncias par-
loteamento popular, mas suficiente para co- ticipativas, como o Conselho Municipal de De-
brir com folga os custos do reassentamento. senvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA) e
Dito de outra forma: a dinâmica da máquina o próprio Orçamento Participativo (OP). Como
de crescimento, na qual o valor de troca se so- colocado no parágrafo anterior, esse desloca-
brepõe ao valor de uso da terra sempre esteve mento, em direção ao ultraliberalismo, foi len-
presente na cidade, mesmo quando a coalizão to e gradual. Começou com a criação da Secre-
formalmente no Governo Municipal procurava taria Municipal de Coordenação Política e Go-
enfatizar a democratização da cidade. vernança Local, em 2004, na gestão que suce-
Como colocado anteriormente, esta deu os governos petistas. A Governança Local
foi uma digressão no sentido de exemplifi- acabou por se constituir em um fórum acima
car; uma pesquisa sobre a dinâmica do setor do OP, até então uma das instâncias máximas
imobiliário na época da administração popu- de deliberação em Porto Alegre, subordinan-
lar em Porto Alegre certamente traria mais do-o a um planejamento pré-consensuado,
exemplos para reforçar a tese. Mas este é um neutralizando conflitos e passando a ideia de
texto com base em dados da última década; uma solidariedade em torno do espaço urbano
portanto avancemos. que é ideológica no sentido clássico (ocultação
Nos dias atuais (2020), a administração de interesses e discurso lacunar).
popular parece cada vez mais uma pequena Um exemplo: mostrando todo o pro-
utopia distante. Em época de inflexão ultra- cesso de tramitação da lei complemen-
liberal (Ribeiro, 2020a), o governo municipal tar n. 721/2013, que, segundo a ementa,
vem cumprindo fielmente com os preceitos “estabelece medidas de incentivo e apoio à
que indicam o domínio de uma coalizão dedi- inovação e à pesquisa científica e tecnológica
cada à máquina de crescimento. Em Porto Ale- no ambiente empresarial, acadêmico e social
gre, essa inflexão inicialmente não foi radical. no Município de Porto Alegre e dá outras pro-
A não reeleição de coligações em torno do Par- vidências”, Siqueira (ibid., pp. 180-182) revela
tido dos Trabalhadores, em 2004, foi o marco que a Lei apresenta repercussão direta no es-
da inflexão. De início, timidamente liberal; aos paço urbano, pois elenca uma série de incen-
poucos, cada vez mais assumindo uma postura tivos em uma área que compreende vários
em direção ao ultraliberalismo, representado bairros da cidade e libera total ou parcialmen-
pela eleição do último prefeito (2017-2020), te os investimentos em impostos municipais,
Nelson Marchezan Jr., e de seu sucessor, Se- tais como IPTU, ITBI, ISSQN entre outros. Para
bastião Mello, eleito em 2020; que, embora poder aprovar tamanha alteração, foi neces-
em “oposição” partidária ao anterior manda- sário proceder modificações no Plano Diretor.
tário, ao longo de 2021 ampliou o programa Como convencer os conselheiros do CMDUA
ultraliberal, agora com maioria mais folgada no ligados à representação popular a aprovarem
legislativo municipal. constantemente alterações no Plano Diretor
756 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
que facilitassem empreendimentos de empre- mostra que toda coalizão governamental bem-
sários? Através da instituição de contraparti- -sucedida (entendendo por esse termo ca-
das ao empreendimento. E o esforço das novas pacidade de colocar em prática propostas de
estruturas de governo em aprovar projetos de governo) precisa da participação de diversos
seu interesse: atores, inclusive do consentimento de atores
que, em teoria, deveriam apresentar oposição
A Secretaria Municipal de Governança
Solidária Local destinou um funcionário a diversas medidas do governo em questão. O
para participar do Escritório de Licen- resultado prático é um reforço na importância
ciamento exclusivamente para acom- e no poder do setor imobiliário na produção
panhar a tramitação de projetos cujas do espaço urbano em Porto Alegre e a criação
medidas compensatórias apresentem
de uma dependência de setores populares em
potencial de atendimento às demandas
através do que ficou conhecido entre os aceitar o protagonismo desse setor, como con-
conselheiros como “contrapartidas so- trapartida para o atendimento de demandas e
ciais” (Ata Ordinária n. 003/2016). Após obras em suas comunidades. Aliás, nesse sen-
identificadas tais “contrapartidas”, o fun- tido, a analogia com “máquina” é perfeita: co-
cionário deverá levar aos conselheiros
mo toda máquina, ao mesmo tempo depende
do OP, que discutirão a destinação atra-
vés da temática HOCDUA – Habitação e da condução de pessoas que a dirigem e colo-
Organização da Cidade Desenvolvimento cam para funcionar, mas também, depois que
Urbano Ambiental. a máquina é “ligada”, ela é capaz de funcionar
Mesmo sendo uma ação diretamente
com relativa autonomia em relação a essas
relacionada ao Escritório de Licencia-
mento, também é vinculada ao CMDUA
mesmas pessoas.
pois é imprescindível que o conselho Por fim, deve ser lembrado que a infle-
analise os projetos de grande impacto na xão ultraliberal está largamente associada à
cidade após tramitar pelo escritório de financeirização. Basicamente, financeirização
licenciamento.
significa disseminação profunda e geral das
O processo citado acima, proposto pela
Governança Solidária Local, leva a um características do capital portador de juros no
paradoxo. Para que alguma comunidade sistema como um todo (Fix e Paulani, 2019).
tenha demanda contemplada através de A complexidade aqui é que, na cidade, atra-
medida compensatória ou TCAP, o pro- vés da renda e da capitalização da terra, o fi-
jeto deverá, necessariamente, ser apro-
nanceiro sempre esteve presente. O capital
vado em todas as instâncias, inclusive
no CMDUA. Portanto, fica comprome- portador de juros é elemento essencial em
tido, assim, o voto do representante todo o sistema imobiliário. Ele aparece, para
do OP no CMDUA. A tendência é que o o consumidor final dessa mercadoria, como
voto seja sempre favorável ao projeto.
acesso ao crédito. Foi exatamente o acesso ao
(Ibid., p. 182)
crédito um dos elementos que permitiu toda
O exemplo trazido na citação anterior a explosão de investimentos imobiliários e a
é elucidativo na transformação prática em constituição do Minha Casa Minha Vida. E, co-
direção a uma coalizão mais explicitamente mo os dados mostrados anteriormente neste
dedicada à máquina de crescimento. E é ex- artigo evidenciam, não há como negar que a
tremamente interessante porque também imbricação desses elementos (o financeiro e o
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 757
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
758 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
ao PMCMV expressa a sua relevância no con- Assim, o artigo aponta para uma cer-
tingente total de edifícios produzidos para ha- ta autonomia do mercado de produção de
bitação em Porto Alegre. habitações na metrópole, que se torna uma
Outro aspecto é a atuação ao mesmo arena em que uma elite de empreendedo-
tempo concentrada e pulverizada do mercado res se beneficia do acesso ao governo local
imobiliário na cidade, resultado da atuação de e a outras instituições civis, visando ampliar
mais de 300 empresas com atuação na cons- o retorno de investimentos. Tal situação en-
trução de imóveis. Tudo isto revela que nunca contra, na reflexão de Molotch (1976) sobre a
houve uma recessão na produção habitacional máquina do crescimento, uma representação
em Porto Alegre, com acréscimo de mais de coerente e muito próxima do que ocorre em
5.000 unidades habitacionais por ano, mesmo Porto Alegre.
com oscilações de outros indicadores econô- Para finalizar, este artigo indica também
micos e a diminuição do ritmo de atividades a necessidade de se pensar a constituição de
em outros segmentos da economia. um “regime urbano” em Porto Alegre voltado,
Como forma de contextualização dessa em forte medida, para a contínua expansão de
tendência permanente e ininterrupta de cres- um complexo de atores ligados ao setor imobi-
cimento da produção imobiliária habitacional, liário, o que anuncia uma coalizão em torno do
observaram-se as taxas de crescimento da Estado e do setor imobiliário. Assim, os indica-
população residente na metrópole, que po- dores revelam essa promoção imobiliária assis-
deriam justificar esse aumento, mas que têm tida por um sistema público que acaba por fa-
caminhado no sentido oposto, apresentando vorecer a manutenção dessa ideia de máquina
índices cada vez menores. de crescimento.
[I] https://orcid.org/0000-0001-9223-5154
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia.
Porto Alegre, RS/Brasil.
mario.lahorgue@ufrgs.br
[II] https://orcid.org/0000-0002-3262-768X
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia,
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Porto Alegre, RS/Brasil.
paulo.soares@ufrgs.br
[III] https://orcid.org/0000-0002-2789-3887
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanis-
mo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre, RS/Brasil.
heleniza.campos@ufrgs.br
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 759
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Notas
(1) Sobre os impactos da Copa do Mundo de 2014 em Porto Alegre, ver os diversos ar gos reunidos
em Soares (2015).
(3) Ver calização, aqui, é entendida simplesmente como construção e predomínio de pologia de
edi cios. Não está em discussão, por exemplo, altura de edificações.
(4) No período estudado, 2009-2020, o Programa Minha Casa Minha Vida estava dividido em três
faixas (1, 2 e 3), correspondendo ao perfil de renda dos contemplados. Em 2016, houve alteração
nas regras do Programa e nas faixas de renda. Ficaram quatro faixas, da seguinte forma: Faixa 1:
até R$ 1.800,00 de renda; Faixa 1,5: até R$ 2.600,00; Faixa 2: até R$ 4.000,00; e Faixa 3: até R$
9.000,00. A par r de agosto de 2020, o Programa foi formalmente subs tuído por outro, o "Casa
Verde Amarela".
(5) A Teoria dos Regimes Urbanos é posterior e pode ser considerada um desdobramento ou
ampliação da ideia de “máquina de crescimento” que trabalhamos neste artigo. Para uma
leitura ampla dessa teoria, ver texto de França (2019).
(6) A literatura recente sobre o processo de financeirização é bastante ampla. Sugerimos a leitura dos
diversos capítulos do livro organizado por Ribeiro (2020b).
(7) Cabe salientar que outros bairros da Região Centro passam por esse processo, como o Moinhos de
Vento, Rio Branco e Petrópolis.
Referências
ABERS, R. (1998). Inventando a democracia: distribuição de recursos públicos através da par cipação
popular em Porto Alegre, RS. CIDADE: Centro de Assessoria e Estudos Urbanos. Porto Alegre.
Disponível em: h ps://www.ufrgs.br/nph/ong/?p=25. Acesso em: 12 dez 2020.
DEMHAB. Produzindo casas e cidadania. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Disponível em: h p://
www2.portoalegre.rs.gov.br/demhab/default.php?p_secao=113. Acesso em: 13 maio 2020.
760 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
EXAME (2015). Estudo traça perfil do comprador de imóveis. Revista Exame, 28 de março. Disponível
em: h ps://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/estudo-traca-perfil-do-comprador-de-imoveis/.
Acesso em: 3 maio 2020.
______ (2021). Por que as construtoras sofrem na bolsa, apesar das vendas recordes? Disponível em:
https://exame.com/invest/por-que-as-construtoras-sofrem-para-subir-na-bolsa-apesar-do-
bom-momento/. Acesso em: 23 mar 2020.
FEDOZZI, L. (1997). Orçamento Par cipa vo: reflexões sobre a experiência de Porto Alegre. Porto
Alegre, Tomo editorial.
FIX, M.; PAULANI, L. (2019). Considerações teóricas sobre a terra como puro a vo financeiro e o
processo de financeirização. Revista de Economia Polí ca, v. 39, n. 4 (157), pp. 638-657.
FRANÇA, B. L. P. de O. (2019). Da teoria urbana ao regime Urbano: contribuições como teoria e como
método para interpretar as relações de poder intera vas na cidade. Texto para Discussão 2. Rio de
Janeiro: Observatório das Metrópoles. Disponível em: h ps://www.observatoriodasmetropoles.
net.br/wp-content/uploads/2019/09/TD-002-2019_Barbara-Franca_Final.pdf. Acesso em: 15
dez 2021.
GODECHOT, O. (2015). Financializa on is marke za on! A study on the respec ve impact of various
dimensions of financializa on on the increase in global inequality. MaxPo Discussion Paper 15/3.
Paris, Max Planck Sciences Po Center.
______ (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Mar ns Fontes.
IBGE (1991; 2000; 2010). Censo Demográfi co. Disponível em: h ps://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/
censo-demografico/demografico-2010/inicial. Acesso em: 14 maio 2020.
LAHORGUE, M. L. (2015). “O mercado imobiliário em Porto Alegre e a Copa do Mundo de 2014”. In:
SOARES, P. R. R. (org.). Porto Alegre: os impactos da Copa do Mundo 2014. Porto Alegre, Deriva.
LEFEBVRE, Henri (1976). Espacio y poli ca: el derecho a la ciudad II. Barcelona, Península.
MELNICK EVEN (2016). Proposta inovadora para a saúde dos gaúchos. ME Magazine, ano 10, n. 30,
pp. 14-24.
______ (2018). Novo símbolo da orla da cidade reconecta porto-alegrenses ao Guaíba. ME Magazine,
ano 12, n. 36, pp. 12-27.
MELO, E. O. (2021). Financeirização, governança urbana e poder empresarial nas cidades brasileiras.
Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 23, n. 50, pp. 41-66.
MOLOTCH, H. (1976). The city as a growth machine: toward a poli cal economy of place. American
Journal of Sociology. Chicago, v. 82, n. 2, pp. 309-332.
______ (1988). Strategies and constraints of growth machines. Disponível em: h ps://whorulesamerica.
ucsc.edu/power/molotch_1988.html. Acesso em: 6 maio 2020.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 761
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
NEWMAN, K. (2012). “The new economy and the city: foreclosures in Essex County New Jersey”. In:
AALBERS, M. Subprime ci es: the poli cal economy of mortgage markets. Oxford, Blackwell
Publishing.
PORTO ALEGRE (1997). Lei n. 8093 de 17 de dezembro de 1997. Desafeta área de uso comum do povo,
autoriza o Município de Porto Alegre a permutar imóvel desafetado com os Empreendedores do
Cristalshopping. DOPA: Diário Oficial de Porto Alegre, 18/12/1997. Disponível em: h p://www2.
portoalegre.rs.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=000021822.DOCN.&l=20&u=/netahtml/sirel/simples.
html&p=1&r=1&f=G&d=atos&SECT1=TEXT. Acesso em: 13 maio 2020.
______ (org.) (2020b). As metrópoles e o capitalismo financeirizado. Rio de Janeiro, Letra Capital/
Observatório das Metrópoles.
SECOVI-RS – AGADEMI (vários anos). Panorama do mercado imobiliário. Porto Alegre, 2011, 2012,
2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018.
SINDUSCON-RS (2019). 21º Censo do Mercado Imobiliário de Porto Alegre. Disponível em: h ps://
www.sinduscon-rs.com.br/produtos-e-servicos/pesquisas-e-indices/mercado-imobiliario/.
Acesso em: 11 maio 2020.
SMITH, N. (2012). La nueva frontera urbana: ciudad revanchista y gentrificación. Madrid, Traficantes
de Sueños.
SOARES, P. R. R. (org.) (2015). Porto Alegre: os impactos da Copa do Mundo 2014. Porto Alegre, Deriva.
762 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022
Porto Alegre como máquina de crescimento
VILLAÇA, F. (1998). O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Lincoln Ins tute.
ZERO HORA (2021). Veja imagens do bairro planejado com 18 torres, praia ar ficial e até aquário em
Porto Alegre. Zero Hora, 9 de março. Disponível em: h ps://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/
giane-guerra/no cia/2021/03/veja-imagens-do-bairro-planejado-com-18-torres-praia-ar ficial-
e-ate-aquario-em-porto-alegre.html. Acesso em: 15 mar 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 763
Porto Alegre as a growth machine:
recent housing production
in the metropolis
Porto Alegre como máquina e crescimento:
a produção habitacional recente na metrópole
Mario Leal Lahorgue [I]
Paulo Roberto Rodrigues Soares [II]
Heleniza Ávila Campos [III]
Abstract Resumo
Housing production in Brazilian metropolises A produção de habitação nas metrópoles bra-
is linked to the expansion and strengthening sileiras apresenta vinculação à expansão e ao
of the real estate sector in urban spaces, often fortalecimento do setor imobiliário nos espaços
independently of the country's economic cycles. urbanos, muitas vezes independentemente dos
Porto Alegre does not deviate from the Brazilian ciclos econômicos do País. Porto Alegre não fo-
pattern; however, this article verifies Molotch’s ge ao padrão brasileiro; entretanto, este arti-
hypothesis called “Growth Machine”. To go verifica a hipótese de Molotch, denominada
accomplish this, it examines and discusses the real “Máquina de Crescimento”. Para isso, examina
estate dynamics and housing construc on in the e discute a dinâmica imobiliária e a construção
last decade in the city of Porto Alegre. Data from habitacional na úl ma década na cidade de Por-
SINDUSCON-RS are used as reference, in addi on to Alegre. U lizam-se como referência dados do
to housing produc on data from the Minha Casa Sinduscon-RS, além dos dados sobre a produção
Minha Vida Program (PMCMV) between 2009 habitacional do Programa Minha Casa Minha Vi-
and 2020. Based on the hypothesis, the article da (PMCMV) entre 2009 e 2020. A par r da hipó-
demonstrates the importance that sectors linked tese, demonstra-se a importância que os setores
to the real estate dynamics have in the produc on ligados à dinâmica imobiliária têm na produção
of space in the city. do espaço na cidade.
Keywords: housing produc on; growth machine; Palavras-chave: produção habitacional; máquina
real estate market; Porto Alegre. do crescimento; mercado imobiliário; Porto Alegre.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5413.e Crea ve Commons Atribu on
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 741
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
the so-called 4th District (Floresta, Navegantes, So, these records are very expressive and show
São Geraldo, São João, Farrapos and Humaitá the importance of civil construction and the
neighborhoods), the former large industrial real estate market in the city's economy.
area in the northern zone of the city.2 Focusing on the last decade (between
All this movement is carried out in 2011 and 2018), 56,450 new units were built
concert with the public sector and urban and offered, considering commercial units. It
agents (builders, developers, consultants, was also in this period that we had the years
international agenc ies), among which with the highest absolute number of new
the construction industry and real estate constructions in the city: in the period 2012-
development are prominent, revealing the 2013, more than 8,000 new properties were
importance of the analysis we will perform. built each year. Table 1 shows some details
that complement Graphic 1. The first detail
is the absolute predominance of building
construction over housing. Of the little
The real estate market more than 52,000 residential units (houses
in Porto Alegre + apartments), 94.63% are apartment-type
dwellings.
in the last decade Thus, in recent years we have witnessed
a reinforcement of the fact that Porto Alegre
In this section, we will describe the situation is one of the most verticalized cities 3 in the
of Porto Alegre before the most recent real country (Lahorgue, 2015, p. 36). Within the
estate investments. Putting a slightly longer apartment typology, the most visible is the
period into context, Graphic 1 shows the absolute predominance of two-bedroom units,
amount of new real estate offered between representing 51.66% of all vertical units. It is
2002 and 2018, including, therefore, the also interesting to notice that one-bedroom
period with consolidated data available from units, although numerically much smaller than
Sinduscon/RS. the two and three-bedroom typologies, have
Therefore, more than 5,000 properties shown consistent growth year after year.
were built and offered per year over these About the construction of commercial
17 years. Although with oscillations, it is not units, it can be seen that they represent
possible to say that any year was weak in this only 7.30% of the units offered in the period
economic activity since the total is 109,146 considered. There are oscillations from year
units. Notice that these numbers include to year, but the market's behavior in the last
only residential units and exclude individual two years, with an increase in the share of
constructions (houses built by contract, commercial units, may indicate the beginning
for example), that is, it refers only to those of a change – or at least a greater share – of the
properties built by construction companies. commercial segment in real estate investment.
Source: Sinduscon/RS.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 743
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Table 2 – MCMVP in Porto Alegre - units completed and delivered per income level
Source: made by Heleniza Campos and Nicolas Billig Giacome , from the MDR Brazilian Open Data Portal. Available
at: h ps://dadosabertos.mdr.gov.br/dataset/cva_mcmv. Accessed on: Dec 28, 2021.
The data on contracted and delivered number of contracted and delivered units,
units per income bracket also show that exceeding by 38% the number contracted in
there are recurring differences in all the Level 1.
years, with the qu antities of projects The disparities appear not only in the
delivered to Level 1 always being smaller. quantities of projects contracted and delivered
In t h e oth er ran ges , t here is p recis e but also in the amounts invested. Graphic
compatibility between the two categories 2 shows the differences in the distribution
(contracted and delivered units), which of the operating amounts (provided in the
reveals the low fulfillment of the social contract) and the amounts released for the
demands for the neediest beneficiaries. construction/acquisition of properties in each
It is also noteworthy that, specifically in income range, with great emphasis on the
Level 1, the contracted units correspond amounts undertaken for Income bracket 2.
to approximately twice the number of Consider that, between 2012 and 2020, the
delivered units, with some years in which Banco do Brasil also participated as a financial
no residential units were delivered (2015, agent, in addition to the Caixa Econômica
2019, and 2020). In 2012, 2014, and 2016 Federal, for the three highest income
there is hiring, but no delivery. Level 2 brackets, which also tends to open options to
stands out as the range with the highest beneficiaries in these conditions.
Level 3 values
Level 2 values
Level 1 values
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 745
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
It can be seen in Graphic 2 that the Social Interest Housing programs in the city,
amount released for Level 1 is equivalent accounts for the delivery of 1,456 units in
to 30.30% of what was released for Level 2, seven real state developments until 2020, out
demonstrating, once again, the importance of sync with the official data from the Brazilian
of the market construction in the production Government.
of th e city sp ace an d , conseq u ent ly, The real estate market of the city
reinforcement in the growth machine. presents, at the same time, concentration and
Considering these numbers together pulverization. More than 300 companies are
with the offers of new properties made working in real estate construction; however,
available by Sinduscon, it is possible to have 15 companies (7.81% of the universe)
an idea of the importance that the Minha Casa concentrate 50.67% of the total units on offer
Minha Vida Program has had as an incentive (Sinduscon-RS, 2019, p. 5). These data are
for the civil construction industry and the real from 2018 but reflect a structure that has not
estate market itself. changed in recent years and has systematically
So, we have a situation that can be appeared in real estate surveys and censuses.
summarized as follows:
a) Porto Alegre has maintained, in this
last decade, the process of continuous The main construc on companies
expansion in the construction of new real state
developments and buildings. In this process of real estate production, we
b) The Minha Casa Minha Vida Program have the performance of several construction
contributed to this market dynamism, although companies, from different origins in terms of
it can always be said that it represents a capital. The construction cycle that began in
specific market that does not encompass the 2008-2009 promoted a restructuring of the
more traditional middle class and the high- sector, both in terms of the concentration of
income bracket. Even so, certainly, MCMVP the companies' capital and the different scales
contributed to the large number of units built. of their operations in the national territory,
c) The growth machine was so overwhelming now much broader for large construction
that the very data from Minha Casa Minha companies and developers (Sanfelici, 2013).
Vida Program show the immense difficulty in Soares and Aita (2019) analyzed the
facing the housing deficit in the neediest strata performance of four important real estate
of the population. Although the greatest need companies in Porto Alegre: Cyrela Goldsztein,
for housing is there, it was in Level 1 that not Melnick Even, Nex Group, and Rossi. In the first
only a few units were built, but there were also years of the analyzed period, these were the
difficulties even in contracting and finalizing most active in the real estate market of Porto
the works. The little importance that the Alegre. These four construction companies,
dynamics described here gave to the poorest between 2007 and 2018, carried out almost
is also evident when one notices that the a hundred real estate developments in Porto
website of the Demhab (Municipal Housing Alegre, as well as Melnick and Nex Group were
Department), formerly responsible for all the active in large developments in municipalities
in the Metropolitan Region of Porto Alegre Brazil to go public on the new market of the
(RMPA), especially in Canoas, adjacent to Brazilian Stock Exchange (Melnick Even, 2020).
Porto Alegre and the second-largest city in the It has a large number of high-standard real
Metropolitan Region. estate developments, mostly buildings, but
Th e four real e stat e d evelop ers also residential condominiums, commercial
mentioned are all large companies. Two of complexes, malls, and mixed-use enterprises
them are the result of associations between (residential and commercial), with operations
local and São Paulo companies (Goldsztein- in Porto Alegre and Canoas. Regarding gated
-Cyrela, Melnick-Even), and Nex Group is the communities, it operates in Porto Alegre and
result of the merger of local Capa Engenharia, the cities of Eldorado do Sul (on Porto Alegre’s
DHZ Construções, EGL Engenharia, and Metropolitan Region) and Xangri-lá (on the Rio
Lomando, Aita, which occurred in 2011, Grande do Sul’s northern coast).
precisely to gain scale and resist the entry of A major project of the construction
the big players in the local-regional market company is the so-called Health Hub, with
(if we consider the Metropolitan Region). the construction of complexes and residences
Rossi may be an exception, as it acted alone focused on health services. This project is
in the real estate market of Porto Alegre, but carried out in alliance with Hospital Moinhos
its performance was more concentrated in de Vento (one of the main private hospitals
the first half of the period of analysis, and in Porto Alegre) and with Zaffari Group (super
today it carries out a few projects. We can and hypermarkets, shopping centers). Five
also include in this list two other "external" hubs are planned, four in Porto Alegre and
national players: MRV, which is standing out one in Canoas; of these, four are already under
in the production of housing for the middle construction. This project also has the support
class and low-income sectors, and Multiplan of the Porto Alegre City Hall, since converting
Empreendimentos Imobiliários, from Rio de the city into a "national and continental
Janeiro, which is developing a mega-project health center of excellence" is among the
along the Guaíba riverfront. municipality's economic priorities (Melnick
Currently, the main construction Even, 2016). Two recent Melnick projects relate
company in the Porto Alegre real estate to developments started by other construction
market is Melnick Even, founded in 1970. It companies. This is the case of the Supreme
has been operating in both local and regional developments, carried out in the planned
construction markets for over 50 years, in neighborhood Central Parque (a large project
which it calls itself "the leading company initiated by Rossi), and the Pontal megaproject,
in high standards". In 2008, it partnered one of the largest developments underway
with São Paulo’s Even, a company of which in the metropolis, closely related to the
it became a majority shareholder in 2015, issue of restructuring the Guaíba waterfront
through the Melpar investment fund, the (Rodrigues, 2019). This was started in 2006
financial branch of Melnick's partner-owner, by BM Par Empreendimentos, and Melnick
and other big fortunes in RS. In September officially took over the partnership in 2018. The
2020, it became the first developer in southern current configuration of the project includes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 747
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
a shopping center with 25,000 m² of gross may reach 3 billion Reais. It is located in the
leasable area, 160 stores, cinemas, as well as former site of the Jockey Club of Porto Alegre,
an events center, a Health hub, and a hotel adjacent to BarraShoppingSul (which also
under the Hilton chain (Melnick Even, 2018). occupied land belonging to the Jockey) and
Another large construction company facing the Guaíba lake (Zero Hora, 2021). This
operating in the city is Cyrela Goldsztein, the development and the nearby Pontal are the
sector's largest company in market value "engines" of the ongoing restructuring of the
(Exame, 2021). It is, like Melnick, the result of a Guaíba waterfront, indicating the possibility of
merger between a local company (Goldsztein) the configuration of a new "regime of urban
and a national one (Cyrela), an alliance that accumulation" in the metropolis of Porto
began as a joint venture, in 2006, and ended Alegre.5
with the final incorporation of Goldsztein by This urban regime is the result of a broad
Cyrela in 2009. The construction company productive restructuring, which relocated the
operates in the high-standard segment, industry of the metropolitan core, being real
competing in the local market with Melnick, estate capital the current major responsible
both in the residential and commercial area, for urban accumulation, as we will see below.
in which it develops the Medplex product Th e p er form a nc e of th es e large
(a complex of medical offices and health construction and development companies,
services), which competes directly with given the volume, variety, and complexity of
Melnick's Hubs. the capital mobilized, points to the already
Finally, in this section, it is worth recognized process of financialization of
highlighting Multiplan Empreendimentos and real estate production.6 The companies that
its relationship with the Guaíba waterfront. are currently dominant in Porto Alegre’s
The construction company has been active real estate market are capitalized in the
in the Metropolitan Region since 2008, with stock market, besides having relationships
the construction of BarraShoppingSul, a large with investment funds (in the shareholding
shopping center located in the southern composition) and using financial papers (real
zone of Porto Alegre and which significantly estate funds, receivables certificates) that
changed the centralities of this sector of the make the largest projects feasible. Melnick
city. From 2011 on, it also started to develop has its investment fund, the Melpar Fund,
commercial and residential towers adjacent which acquired Even's shareholding control,
to the mall. In 2017, Multiplan opened besides performing other operations in other
ParkShopping in Canoas, the largest shopping investment areas. The Pontal project counts
center in Porto Alegre’s Metropolitan Region on real estate funds to leverage its sub-
outside the capital city. Currently, it is carrying projects, especially the hotel.
out the megaproject of the "planned and N ext , w e w i ll d is c u ss t h e is s u e
private neighborhood" Golden Lake, a set of 18 of population growth in Porto Alegre,
residential towers in an area of 160 thousand demonstrating the gap between this and the
m² and whose General Sales Value (GSV) growth of the local real estate sector.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 749
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Year
1991 2000 2010
Number of occupied private households 380,992 441,866 508,813
Average number of residents in occupied private households 3.29 3.06 2.75
Slums households 33,436 37,480 56,024
Average number of residents in slums households 4.07 3.82 3.44
Non-occupied private households (vacant) 48,598 42,736 48,934
Total of households 430,357 503,536 574,831
Source: IBGE’s Demographic Census (1991; 2000; 2010).
and multiply it by the number of new units and 2018, is estimated at 66,007 people.
in the period, we get the following result: Despite indicating a small upward curve –
2.75 X 52,699 = 144,922.25. In other words, slightly higher fertility – compared to the
the stock produced for sale in the decade previous decade, the numbers still point to
would be enough for more than 144 thousand continued low population growth, a result of
people. This number was much larger than the both fertility below the replacement rate and
population increase. decreasing migration toward the metropolis.
A s f o r m o r e r e c e n t y e a rs , t h e If th e sur vey in th e next Cen su s
demographic data are estimates, only, but (2022) confirms a slightly larger population
they help to reflect whether the dynamics increase in the city, this time we would have
b et w een po p u la t i on an d rea l e state a larger growth in inhabitants than in real
production remain similar. estate property offers, which, as we have
The population estimates made by IBGE seen, is 52,327 new residential units. Still,
indicate an increase of around 75,000 people the questioning of the relationship between
between 2011 and 2020. Since we have real the reduced population growth and the
estate data until 2018, we can equalize dates: intense construction activity in Porto Alegre
the population increment, between 2011 remains valid.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 751
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
So, there is a general interest in the the centrality. In the case of Porto Alegre, an
appreciation of real estate assets. All property example of this process can be seen with the
owners, even those who own only a small piece regionalization employed by the Participatory
of real estate on the outskirts, look favorably Budgeting (PB). The "Central Region" in the
on processes that increase prices because they PB is an area that comprises the Historical
see an increase in the value of their real estate. Center and its adjacent neighborhoods such
Of course, this general appreciation does not as Bom Fim, Cidade Baixa, Menino Deus,
result in equal gains for everyone; indeed, not Independência, Moinhos de Vento, Rio
everyone gains. Branco, Petrópolis, which are middle and
Those who can turn capitalized rent upper-middle-class neighborhoods. If it is
into potential ground rent will win. As Smith remembered that Menino Deus started as a
(2012, p. 11) explains, capitalized land rent is "hamlet" of houses, some of them as second
the amount of land rent that is appropriated summer homes for an elite, and, today, it is
by the landowner, taking into account the a vertical neighborhood, with most of the
present land use. Here it can already be seen land occupied by buildings, it is possible to
that simply spreading ownership does not understand the process. When the land in
result in a gain for everyone. The owner of a this neighborhood is occupied by a house, it
single house (his own) cannot capitalize unless can capitalize a certain amount of land rent.
he sells it. But since this will practically force If the City Plan, as it happened with the 1999
him to buy another one to continue living in Plan, allows higher buildings than before, this
minimal conditions, the appropriation of this means that the allowed use is now different.
income is canceled out by this necessity, which So, the potential land rent is the amount that
means that the initial income ends up in other can be capitalized through better or higher
hands, accumulated by others. land use. In other words, because of location,
The result is that those who hold the neighborhood can now potentially
capital will seek more than one property in capitalize higher amounts of rent with
cities – or at least the constant investment different use of land and space (ibid., p. 118).
in properties – as a way to monetize their Those who can capture these differences will
gains. But in addition to monetizing present obtain much higher rents than others. This is
use, speculation can take another form. the essence of real estate speculation. 7
What is the potential use that a certain Thus, at the same time, the city is formed
portion of land can have? For example, by a dispute over locations (Villaça, 1998)
a middle-class neighborhood was mainly and by a dispute over who can capture more
occupied by houses. With urban growth, this income from the land. These two disputes, of
neighborhood, initially distant from the area course, are intertwined with each other and
considered central, is now considered part of imbricated with urban politics.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 753
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
The poli cal economy and business interests directly linked to local
growth and development. These interests
of the city: the growth machine and businesses are tied to land ownership.
This is because, since land and urban
Homeownership has been lauded
in the US as a tool to build wealth,
improvements (buildings) can be bought and
revive failin g neigh borhoods and sold as commodities, urban space becomes
cities, reduce poverty, and engage an arena, in which this elite of entrepreneurs
the civically disengaged. When the US seek to use local government and other civic
homeownership rate reached 69 percent
institutions to maximize the return on their
in 2006, many celebrated as vast scores
of Americans, including many people
investments. In fact, the author is extremely
of color, achieved the much-celebrated assertive that such growth is the essence of
American Dream – acquiring a home. local government; not just one of the functions
But not everyone was celebrating. After performed by the municipal government,
decades of work to reverse redlining
but the primary one (Molotch, 1976, p. 313).
and disinvestment, some community
organizations found themselves in the Hence, the expression growth machine. Cities
unusual position of questioning whether are designed to maximize profits for this real
the influx of capital their neighborhoods estate elite. So, you don't necessarily have to
experienced since the mid-1990s was be a large landowner, for example, because
beneficial or harmful. While some
the local power coalition includes real estate
celebrated, others began to question
whether their neighborhoods had developers and everyone who, in one way or
increased access to capital or capital had another, owes their fortunes to the growth of a
increased its access to them. The dispute particular area of the city. It involves financial
concerned whether access to capital
institutions, for the obvious reason that real
produced a net benefit for homeowners
estate investments require the advance of
and communities or whether it
facilitated capital accumulation with capital for construction and development; it
little public benefit. Housing, of course, involves the local media, because, as can be
in addition to being “home” is also a easily noticed, the local print newspapers
major component of the US and other
carry a great deal of advertising of real estate
countries’ economies. (Newman, 2012,
p. 219)
launchings and defend hard the "progress"
that would come from these new investments.
The construction and acquisition of real Besides, the growth also interests small
estate are not technical or legislative matters, investors, because the areas in appreciation
only, just as it is not only an economic matter; attract new businesses and services, such as
it is also a political matter. In cities, this is law offices, bakeries, restaurants, bars, etc.,
an essential component in understanding and, on another level, construction material
economic and political disputes. companies, real estate branches, home and/
Molotch (1988) argues that virtually all or office furniture stores, etc. This shortlist
cities in the United States are dominated by a goes to show how the ideology of growth
small elite whose members have professional works.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 755
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
housing. In fact, it was not only higher than the of decision-making power in participatory
income capitalized in the popular subdivision instances, such as the Municipal Council for
but sufficient to cover the resettlement costs. Urban Environmental Development and the
In other words, the dynamics of the growth Participatory Budgeting itself. As mentioned
machine, in which exchange value overrides in the previous paragraph, this shift towards
the use-value of land, has always been ultraliberalism was slow and gradual. It
present in the city, even when the coalition started with the creation of the Municipal
in municipal government formally sought to Secretariat for Political Coordination and Local
emphasize the democratization of the city. Governance, in 2004, in the administration that
As we said, it was a digression, made in succeeded the Workers’ Party governments.
the sense of exemplifying the complexity of Local Governance ended up being a forum
the situation. Research on the dynamics of the above the PB, until then one of the highest
real estate sector at the time of the popular instances of deliberation in Porto Alegre,
administration in Porto Alegre would certainly subordinating it to pre-consensual planning,
bring more examples to reinforce this thesis. neutralizing conflicts, and passing on the idea
But this example is based on data from the last of solidarity around the urban space that is
decade, so let's move on. ideological in the classical sense (by practicing
Nowadays (2020), popular both concealments of interests and lacunar
administration seems more and more like a discourse).
small distant utopia. In a time of ultraliberal An exam ple: by showing the
inflection (Ribeiro, 2020a), the municipal entire proceeding of processing of the
government has been faithfully complying with Complementary Law n. 721/2013, which,
the precepts that indicate the dominance of a according to the amendment, "[…] establishes
coalition dedicated to the growth machine. measures to encourage and support innovation
In Porto Alegre, this inflection was initially and scientific and technological research in the
not radical. The non-re-election of coalitions business, academic and social environment in
around the Workers' Party, in 2004, was the the Municipality of Porto Alegre and makes
mark of the inflection. At first, timidly liberal; other provisions", Siqueira (ibid., pp. 180-182)
gradually, increasingly taking a stance toward reveals that the law has direct repercussion
ultraliberalism, represented by the election of in the urban space, since it lists a series of
the last mayor (2017-2020), Nelson Marchezan incentives in an area that includes several
Jr. and his successor, Sebastião Mello, neighborhoods in the city and totally or
elected in 2020, who, although in partisan partially releases investments in municipal
"opposition" to the previous incumbent, taxes, such as IPTU, ITBI, ISSQN, among others.
expanded the ultraliberal program throughout To be able to approve such a change, it was
2021, now with a looser majority in the necessary to make modifications to the City
municipal legislature. Plan. How to convince CMDUA's councilors
As defined by Siqueira (2019), the linked to the popular representation to
dynamics of democracy in Porto Alegre have constantly approve changes in the City Plan
been experiencing a power shift in the sense that would facilitate entrepreneurs' initiatives?
Through the institution of trade-offs to the to put into practice government proposals)
enterprise, besides the effort of the new needs the participation of various actors,
government structures to approve projects of including the consent of actors that, in
their interest. theory, should present opposition to various
measures of the government in question.
The Municipal Department of Local The practical results are the reinforcement
Solidarity Governance has assigned
of the importance and power of the real
an employee to participate in the
Licensing Office exclusively to follow
estate sector in the production of urban
up on the processing of projects whose space in Porto Alegre and the creation
compensatory measures have the of a dependency of popular sectors in
potential to meet demands through accepting the protagonism of this sector, as
what became known among councilors
a counterpart for the fulfillment of demands
as "social trade-offs" (Ordinary Minute
nº 003/2016). After identifying such
and works in their communities. As a matter
"trade-offs", the official should take of fact, in this sense, the analogy with a
them to the PB councilors, who will "machine" is perfect: like any machine, at the
discuss the allocation through the same time it depends on people who direct it
theme Housing and Organization of the
and put it to work, but also after the machine
City Urban Environmental Development.
Even though it is an action directly is "turned on", it can work with relative
related to the Licensing Office, it is autonomy concerning these same people.
also linked to the CMDUA, because Finally, it should be remembered that
the council must analyze the projects the ultraliberal inflection is largely associated
of great impact on the city after being
with financialization. Financialization means a
processed by the Licensing Office.
The process mentioned above, proposed deep and general spread of the characteristics
by Local Solidarity Governance, leads of interest-bearing capital in the system as a
to a paradox. For any community whole (Fix and Paulani, 2019). The complexity
to have its demands contemplated
here is that, in the city, through rent and
through a compensatory measure or
TCAP, the project must necessarily be
land capitalization, finance has always been
approved in all instances, including present. Interest-bearing capital is an essential
the CMDUA. Therefore, the vote of element in the entire real estate system.
the PB representative in the CMDUA is It appears, for the final consumer of these
compromised. The tendency is that the
goods, as access to credit, and it was exactly
vote is always favorable to the project.
(Ibid., p. 182)
the access to credit that allowed the whole
explosion of real estate investments and
The example brought in the previous the constitution of the Minha Casa Minha
quote is illumin ating in th e prac tical Vida Program. As the data showed, earlier
transformation toward a coalition more in this article, there is no denying that the
explicitly dedicated to the growth machine. intermingling of these elements (the financial
And it is extremely interesting because it and the real estate complex) is one of the main
also shows that any successful government factors responsible for the production of urban
coalition (meaning by this term the ability space in Porto Alegre.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 757
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Another evidence of this imbrication is same about Porto Alegre? What has been
presented by Melo (2021). The author shows exposed so far shows evidence that yes,
that the coalitions of power present in Brazilian business sectors somehow linked to the real
metropolises conform to an urban-real estate- estate market play a key role in the production
financial complex, that is, a confluence of of space in the city, and the concept of
interests between economic sectors linked to growth machine helps us to understand this
urban accumulation and the financial market process. Moreover, the recent history of this
(ibid., p. 46). Examining the data on electoral metropolis, with the presence of center-left
donations in the municipal elections, it is coalitions governing the city in several periods,
seen that, of the donations from legal entities makes it evident that, certainly, the growth
identified in Porto Alegre, more than 65% machine is much more contradictory than it
come from sectors linked to this association. seems at first sight, and often needs to yield to
The construction sector alone accounted for other actors to continue operating.
more than 45% of the total contributions to
parties and candidates. This information is
also important because it shows the limits of
financialization in Brazilian metropolises. The
Final considera ons
financial sector, by not spending much money
on financing municipal electoral campaigns, This article showed data on the strong
shows that its main activity is not on this scale. investments in housing production by real
In this sense, it is interesting to associate it estate capital in Porto Alegre in the last
with other recent research. Godechot (2015), decade, taking into account the volume of
studying the impact of financialization on the new developments in the city, either by direct
growth of inequality in 18 OECD countries and market construction or through MCMVP.
measuring the role of the various possible forms The data presented reveal a consistent
of financialization, concludes that the role permanence of a high volume of real estate
of financialization of non-financial firms and investments. It was also shown that the
households is marginal next to what he defined proportion of real estate investments focused
as the commodification of financialization, that on the construction of housing units is much
is, the increasing volume (and energy spent) higher than those concentrated in commercial
trading/exchanging financial instruments in real estate. In the same vein, the quantity
financial markets. In other words, the main of developments linked to the PMCMV
volume, including in monetary terms, involved expresses its relevance in the total contingent
in the financialization of the economy concerns of buildings produced for housing in Porto
the transformation of financial instruments into Alegre.
a commodity, traded as if it were a commodity Another aspect is the concentrated
like any other. and pulverized performance of the real
As already exposed, Molotch (1976; estate market in the city, resulting from the
1988) states that the growth machine is the performance of more than 300 companies
essence of American cities. Could we say the active in the construction of properties. All this
shows that there has never been a recession access to local governments and other civil
in housing production in Porto Alegre, with an institutions, aiming to increase the return on
increase of more than 5,000 housing units per investments. This situation finds, in Molotch's
year, even with oscillations of other economic (1976) reflection on the growth machine, a
indicators and a decrease in the pace of coherent and very close representation of
activities in other segments of the economy. what occurs in Porto Alegre.
As a way of contextualizing th is To conclude, this article also indicates
continuous and uninterrupted trend of growth the need to think about the constitution of
of housing production, the rates of growth of an "urban regime" in Porto Alegre, to be
the population living in the metropolis were focused, in strong measure, on the continuous
observed, which could justify this increase, expansion of a complex of actors linked to the
but have been going in the opposite direction, real estate sector, which announces a coalition
presenting smaller and smaller indexes. around the State and real estate sector. Thus,
Thus, the article points to a certain the indicators reveal this real estate promotion
autonomy of the housing production market assisted by a public system that ends up
in the metropolis, which becomes an arena in favoring the maintenance of this idea of a
which an elite of entrepreneurs benefits from growth machine.
[I] https://orcid.org/0000-0001-9223-5154
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia.
Porto Alegre, RS/Brasil.
mario.lahorgue@ufrgs.br
[II] https://orcid.org/0000-0002-3262-768X
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Geociências, Departamento de Geografia,
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Porto Alegre, RS/Brasil.
paulo.soares@ufrgs.br
[III] https://orcid.org/0000-0002-2789-3887
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura, Departamento de Urbanis-
mo, Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional. Porto Alegre, RS/Brasil.
heleniza.campos@ufrgs.br
Transla on: this ar cle was translated from Portuguese to English by Gustavo Suertegaray Saldivar,
gsuerte@gmail.com.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 759
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
Notes
(1) On the impacts of the 2014 World Cup in Porto Alegre, see Soares (2015).
(3) Ver caliza on is here understood simply as construc on and predominance of a building typology.
The height of buildings, for example, is not under discussion.
(4) In the period studied, 2009-2020, the Minha Casa Minha Vida Program was divided into three
levels (1, 2 and 3), corresponding to the income profile of those a ended. In 2016, there was a
change in the rules of the Program and in the income brackets. Four levels remained, as follows:
Level 1: income up to R$ 1,800.00; Level 1.5: up to R$ 2,600.00; Level 2: up to R$ 4,000.00; and
Level 3: up to R$ 9,000.00. In August 2020, the Program was formally replaced by another, “Casa
Verde Amarela”.
(5) The Theory of Urban Regimes is later and it can be considered an unfolding or expansion of the
idea of "growth machine" that we work on in this ar cle. For a broad reading of this theory, see
França (2019).
(6) The recent literature on the process of financializa on is quite extensive. We suggest the reading
the various chapters of the book organized by Ribeiro (2020b).
(7) It is worth no ng that other neighborhoods in the central region of Porto Alegre are going through
this process, such as Moinhos de Vento, Rio Branco, and Petrópolis.
References
ABERS, R. (1998). Inventando a democracia: distribuição de recursos públicos através da par cipação
popular em Porto Alegre, RS. CIDADE: Centro de Assessoria e Estudos Urbanos. Porto Alegre.
Disponível em: h ps://www.ufrgs.br/nph/ong/?p=25. Acesso em: 12 dez 2020.
DEMHAB. Produzindo casas e cidadania. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Disponível em: h p://
www2.portoalegre.rs.gov.br/demhab/default.php?p_secao=113. Acesso em: 13 maio 2020.
EXAME (2015). Estudo traça perfil do comprador de imóveis. Revista Exame, 28 de março. Disponível
em: h ps://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/estudo-traca-perfil-do-comprador-de-imoveis/.
Acesso em: 3 maio 2020.
______ (2021). Por que as construtoras sofrem na bolsa, apesar das vendas recordes? Disponível em:
https://exame.com/invest/por-que-as-construtoras-sofrem-para-subir-na-bolsa-apesar-do-
bom-momento/. Acesso em: 23 mar 2020.
FEDOZZI, L. (1997). Orçamento Par cipa vo: reflexões sobre a experiência de Porto Alegre. Porto
Alegre, Tomo editorial.
FIX, M.; PAULANI, L. (2019). Considerações teóricas sobre a terra como puro a vo financeiro e o
processo de financeirização. Revista de Economia Polí ca, v. 39, n. 4 (157), pp. 638-657.
FRANÇA, B. L. P. de O. (2019). Da teoria urbana ao regime Urbano: contribuições como teoria e como
método para interpretar as relações de poder intera vas na cidade. Texto para Discussão 2. Rio de
Janeiro: Observatório das Metrópoles. Disponível em: h ps://www.observatoriodasmetropoles.
net.br/wp-content/uploads/2019/09/TD-002-2019_Barbara-Franca_Final.pdf. Acesso em: 15
dez 2021.
GODECHOT, O. (2015). Financializa on is marke za on! A study on the respec ve impact of various
dimensions of financializa on on the increase in global inequality. MaxPo Discussion Paper 15/3.
Paris, Max Planck Sciences Po Center.
______ (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Mar ns Fontes.
IBGE (1991; 2000; 2010). Censo Demográfi co. Disponível em: h ps://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/
censo-demografico/demografico-2010/inicial. Acesso em: 14 maio 2020.
LAHORGUE, M. L. (2015). “O mercado imobiliário em Porto Alegre e a Copa do Mundo de 2014”. In:
SOARES, P. R. R. (org.). Porto Alegre: os impactos da Copa do Mundo 2014. Porto Alegre, Deriva.
LEFEBVRE, Henri (1976). Espacio y poli ca: el derecho a la ciudad II. Barcelona, Península.
MELNICK EVEN (2016). Proposta inovadora para a saúde dos gaúchos. ME Magazine, ano 10, n. 30,
pp. 14-24.
______ (2018). Novo símbolo da orla da cidade reconecta porto-alegrenses ao Guaíba. ME Magazine,
ano 12, n. 36, pp. 12-27.
MELO, E. O. (2021). Financeirização, governança urbana e poder empresarial nas cidades brasileiras.
Cadernos Metrópole. São Paulo, v. 23, n. 50, pp. 41-66.
MOLOTCH, H. (1976). The city as a growth machine: toward a poli cal economy of place. American
Journal of Sociology. Chicago, v. 82, n. 2, pp. 309-332.
______ (1988). Strategies and constraints of growth machines. Disponível em: h ps://whorulesamerica.
ucsc.edu/power/molotch_1988.html. Acesso em: 6 maio 2020.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 761
Mario Leal Lahorgue, Paulo Roberto Rodrigues Soares, Heleniza Ávila Campos
NEWMAN, K. (2012). “The new economy and the city: foreclosures in Essex County New Jersey”. In:
AALBERS, M. Subprime ci es: the poli cal economy of mortgage markets. Oxford, Blackwell
Publishing.
PORTO ALEGRE (1997). Lei n. 8093 de 17 de dezembro de 1997. Desafeta área de uso comum do povo,
autoriza o Município de Porto Alegre a permutar imóvel desafetado com os Empreendedores do
Cristalshopping. DOPA: Diário Oficial de Porto Alegre, 18/12/1997. Disponível em: h p://www2.
portoalegre.rs.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=000021822.DOCN.&l=20&u=/netahtml/sirel/simples.
html&p=1&r=1&f=G&d=atos&SECT1=TEXT. Acesso em: 13 maio 2020.
______ (org.) (2020b). As metrópoles e o capitalismo financeirizado. Rio de Janeiro, Letra Capital/
Observatório das Metrópoles.
SECOVI-RS – AGADEMI (vários anos). Panorama do mercado imobiliário. Porto Alegre, 2011, 2012,
2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018.
SINDUSCON-RS (2019). 21º Censo do Mercado Imobiliário de Porto Alegre. Disponível em: h ps://
www.sinduscon-rs.com.br/produtos-e-servicos/pesquisas-e-indices/mercado-imobiliario/.
Acesso em: 11 maio 2020.
SMITH, N. (2012). La nueva frontera urbana: ciudad revanchista y gentrificación. Madrid, Traficantes
de Sueños.
SOARES, P. R. R. (org.) (2015). Porto Alegre: os impactos da Copa do Mundo 2014. Porto Alegre, Deriva.
VILLAÇA, F. (1998). O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Lincoln Ins tute.
ZERO HORA (2021). Veja imagens do bairro planejado com 18 torres, praia ar ficial e até aquário em
Porto Alegre. Zero Hora, 9 de março. Disponível em: h ps://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/
giane-guerra/no cia/2021/03/veja-imagens-do-bairro-planejado-com-18-torres-praia-ar ficial-
e-ate-aquario-em-porto-alegre.html. Acesso em: 15 mar 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 739-763, maio/ago 2022 763
A regulação do mercado imobiliário
e política habitacional no Rio de Janeiro
Real estate market regulation
and housing policy in Rio de Janeiro
Resumo
O problema habitacional no Brasil, nas últimas
duas décadas, tem aumentado. O déficit habitacio- Abstract
nal absoluto no País passou de 5,657 milhões, em The housing problem in Brazil increased in the
2016, para 5,877 milhões em 2019. A pesquisa aqui last two decades. The absolute housing deficit
apresentada tenta problema zar o papel do Estado rose from 5,657 million in 2016 to 5,877 million
não somente como promotor de habitação de inte- in 2019. The research presented here a empts to
resse social, mas também como agente regulador problematize the role of the State not only as a
do mercado imobiliário que envolve tanto o setor promoter of social housing, but also as a regulator
de vendas quanto o setor de aluguéis. Este ar go of the real estate market, including both rental
visa colocar em pauta que, sem o controle do Esta- and sales markets. The article aims to point out
do sob mecanismos de acesso ao mercado formal that, without State control through mechanisms
de imóveis, a produção de novas unidades habita- of access to the formal real estate market, the
cionais para baixa renda é apenas uma medida mi- production of new low-income housing units is
gadora para as restrições que o mercado impõe only a mi ga ng measure for the restric ons that
aos trabalhadores. the market imposes on workers.
Palavras-chave: déficit habitacional; mercado imo- Keywords: housing deficit; real estate; affordability;
biliário; affordabilidade, necessidades habitacio- housing needs; housing demand.
nais; demanda habitacional.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5414 Crea ve Commons Atribu on
Thêmis Amorim Aragão
No Brasil, a maior parte dos diagnósticos destacando o papel mais amplo do Estado na
sobre políticas habitacionais busca analisar os condução de ações que ultrapassam as da
dados o déficit habitacional em comparação produção pública de moradia. Considerando
com a produção habitacional pública, dando a complexidade do campo habitacional, que-
enfoque aos aspectos quantitativos da política. remos ressaltar que o poder público tem pre-
Russo (2014) argumenta que, apesar dos estu- ponderante responsabilidade na regulação do
dos desenvolvidos pela Fundação João Pinheiro mercado imobiliário e do uso do solo, assim
realizarem uma abordagem mais complexa do como essas estratégias podem ser até mais
problema, levantando dimensões qualitativas relevantes do que os tradicionais programas
da habitação e dos aspectos demográficos, de provisão de Habitação de Interesse Social –
existe uma tendência generalizada por parte do HIS. Nesse sentido, para mostrar os efeitos ne-
poder público e dos meios de comunicação em gativos da pouca regulação do mercado imobi-
dar enfoque primordial ao aspecto quantitativo liário e a limitada eficácia dos instrumentos de
da política, o que impede uma compreensão ordenamento do solo na promoção de justiça
mais ampla das questões habitacionais. social, tomaremos o comportamento das com-
Gilbert (2001), analisando o contexto lati- ponentes do déficit habitacional para demons-
no-americano, aponta três questões relevantes trar lacunas da ação do Estado em eixos rele-
ao se considerar o indicador do déficit habita- vantes da política. Somado a isto, propomos
cional como parâmetro de avaliação de políti- enfatizar a importância da desconstrução da
cas públicas habitacionais, especialmente quan- ideia de que cabe ao Estado somente prestar
do se observa apenas o critério quantitativo: assistência à população pobre ou, recobrando
a ideologia difundida mais recentemente, de
Primeiramente, déficits habitacionais que cabe ao poder público “dar condições” pa-
são baseados em um método de análise
ra o mercado resolver o problema habitacional
altamente dúbio do problema habitacio-
nal. Para definir o déficit habitacional,
através do aumento da demanda obtida pela
é necessário classificar todas as mora- política de crédito.
dias tanto as satisfatórias como as não O artigo está dividido em três partes. Na
satisfatórias, usualmente com base em primeira parte será apresentado um panorama
critérios físicos [...]. Em segundo lugar,
dos fundamentos microeconômicos sobre o
os cálculos do déficit habitacional ten-
dem a negligenciar se a população, ou bom funcionamento dos mercados, argumen-
mesmo o governo, pode pagar pelas so- tos amplamente difundidos para a consolida-
luções aparentemente melhores [...]. Em ção de uma lógica, como vamos argumentar,
terceiro, os cálculos do déficit sempre incompatível com a realidade da dinâmica ur-
produzem metas que poucos governos
bana. Com isto, buscamos estabelecer as dis-
nacionais podem atingir. (Ibid., pp. 21-
22; tradução nossa) tinções conceituais necessárias entre a racio-
nalidade microeconômica, os aspectos-chave
Embora grande parte dos estudos sobre das políticas habitacionais e a ação do Estado
o déficit habitacional seja voltada às interven- no setor. Assim, consideramos dispor de uma
ções do Estado, o debate proposto neste arti- melhor leitura dos processos que influenciam
go busca dar enfoque ao mercado imobiliário, no déficit habitacional.
766 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
A segunda seção discorre sobre a pro- apenas autorregulados, mas também são me-
dução capitalista da habitação e apresenta canismos de otimização de recursos por exce-
a hipótese de que a predominância da pro- lência. O arcabouço clássico da economia que
priedade da casa não se dá somente por uma defende essa perspectiva afirma que os pro-
hegemonia da ideologia da casa própria, mas cessos baseados no mercado se colocam como
também por condicionantes do mercado. Para padrão eficiente para alocação de recursos.
embasar a argumentação, apresentamos pes- Essa noção é reforçada pela Lei de Say 1 que
quisa sobre o acesso aos mercados de aluguel anuncia que a oferta cria sua própria deman-
e de vendas na cidade do Rio de Janeiro. da, assim como os interesses econômicos dos
Por fim, a conclusão, que se coloca mais agentes constituem fator determinante para
como provocação a outros debates, sugere manutenção do equilíbrio dos mercados.
uma conexão entre a baixa regulação do mer- De acordo com a perspectiva econômi-
cado imobiliário e a existência e tolerância aos ca clássica, os processos de mercado pressu-
espaços informais como uma condição neces- põem uma perfeita competição entre agentes
sária para a manutenção dos patamares de econômicos quando se observa a existência
preço das habitações formais. Assim, apresen- de certas condições. Para que haja uma verda-
taremos os desafios de desconstrução ideológi- deira competição nas trocas, seria necessário:
ca do papel restrito do Estado ao atendimento (1) a ausência de externalidades; (2) a con-
daqueles que não conseguem sua reprodução sideração de que cada agente é um tomador
social através da esfera do consumo e ressalta- de preços; e (3) que exista isonomia dos ato-
remos a importância de tratar da complexidade res, tanto produtores como consumidores, no
da moradia como um problema amplo que en- acesso à informação. Sob essas circunstâncias,
volve não somente a provisão de habitação so- o ambiente econômico conduz os participan-
cial, o estabelecimento de crédito e a constru- tes, que, por sua vez, são orientados por um
ção da cidade, mas também, e principalmente, interesse próprio, a corrigir eventuais “erros”
a regulação do mercado imobiliário a partir de que ocorram na troca, regulando o comporta-
uma política de publicização de dados do mer- mento entre a oferta e a demanda através da
cado imobiliário, modernização do sistema de precificação. Como consequência das ações
cálculo do IPTU e de controle dos valores e ní- conjuntas dos agentes num ambiente propício
veis de crédito indexado à massa salarial local. à competição, o mercado gera um ótimo de
Pareto2 na alocação dos recursos, promovendo
o bem-estar econômico.
Bases para debate sobre O modelo do equilíbrio geral, como nor-
mativa para a análise econômica, tem sido
o mercado imobiliário associado, a partir da década de 1970, a uma
e a habitação social economia com pouca regulação, flexível e
sem obstáculos impostos pelo Estado. Alguns
O desenvolvimento do capitalismo avançado preceitos econômicos têm assumido que o
(globalizado e financeirizado) no mundo ge- interesse público já é eficientemente repre-
neralizou a ideia de que os mercados não são sentado pelos mecanismos de mercado e que
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 767
Thêmis Amorim Aragão
768 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 769
Thêmis Amorim Aragão
770 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 771
Thêmis Amorim Aragão
772 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 773
Thêmis Amorim Aragão
pagamento do aluguel que vai construir a de- prover o melhor uso dos recursos. Por outro
manda habitacional. O Estado deve promover lado, sociólogos geralmente têm a preocupa-
políticas públicas necessárias tanto para gerar ção voltada à desigualdade social e às reais
produção e consumo no setor da construção razões para o estresse habitacional (Stone,
civil, materializada na política de crédito, como 1993). Nesse sentido, affordabilidade não é
prestar assistência à parcela excluída da esfera uma mera questão de compra ou aluguel de
do consumo, expressa em programas de habi- uma moradia. Para sobreviver, o habitante pre-
tação social. cisa manter uma renda residual para a compra
Considerando a tendência de deslo- de bens de consumo corrente e também para
camento do debate acerca da formação do manutenção do imóvel ao longo do tempo.
preço e dos termos de entrada do consumi- Tomando a perspectiva das políticas urbanas,
dor no mercado formal para a discussão tri- Maclennan e Williams (1990, p. 9) trazem uma
vial e pouco problematizada da ampliação importante definição de affordabilidade:
do sistema de crédito e financiamento habi-
Affordabilidade preocupa-se com a ga-
tacional, propomos maior reflexão sobre os rantia de um determinado padrão de
níveis de affordability da população. O ter- habitação (ou padrões diferentes) a um
mo affordability, ou affordabilidade no nosso preço ou aluguel que não imponha, aos
olhos de terceiros (geralmente o gover-
neologismo, tem sido utilizado amplamente
no), uma carga excessiva sobre a renda
nos países do norte global desde a década de familiar. (p. 9; tradução nossa)
1970. Seu uso pode ser associado à difusão
das formas neoliberais de política sociais que As diferenças na forma como o termo
preconizam “maior resiliência no mercado pri- tem sido conceitualizado e acionado na lite-
vado e nas organizações não governamentais ratura estão ligadas à natureza do sistema
para prover e gerenciar habitações de baixo habitacional em cada nação (Kemeny, 2006).
custo, e menor resiliência em subsídios para Freeman, Kiddle e Whitehead (2000) destacam
provisão de habitações públicas” (Yates et al., que a onipresença da noção de affordabilidade
2005; tradução nossa). Essas mudanças têm no discurso político indica o sucesso de lobis-
trazido algumas confusões sobre o significado tas representes dos interesses do setor priva-
de habitação social, uma vez que muitos es- do em colocar os debates políticos de fora das
tudos começaram a usar o termo habitação decisões sobre os investimentos habitacionais.
acessível (affordable house) como sinônimo de Esses autores também enfatizam que a noção
habitação social. de affordabilidade é sintomática de uma mu-
No debate internacional, o significado de dança da política social que vai de uma solução
affordabilidade é constantemente discutido. coletiva dos problemas, a partir da promoção
A natureza contestada desse conceito reflete de programas sociais de habitação de interes-
o confronto dos pontos de vista de diferentes se social, para a responsabilidade individual
perspectivas teóricas. Por um lado, autores na contração de linhas de crédito imobiliário
como Quigley e Raphael (2004) focam numa e busca da moradia no mercado. Para eles, o
perspectiva econômica, já apontada acima, debate de affordabilidade é consequência ime-
que privilegia a objetividade do mercado em diata da difusão de políticas sociais que tem
774 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 775
Thêmis Amorim Aragão
776 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
apresentou uma taxa de informalidade no do mesmo percentual para uma família com
mercado de trabalho 5 de 40,6% para o País, renda de 20 salários-mínimos.
percentual este que já indica o grau de estrei- Outro aspecto que temos que conside-
tamento do mercado formal habitacional. rar no mercado residencial de aluguéis é que, à
Dentro de uma perspectiva de estabe- medida que há o crescimento da renda, há uma
lecimento de limites de comprometimento da diminuição da procura por imóveis para alugar,
renda, que, ao fim e ao cabo, é um parâmetro dado que essas famílias tendem a migrar para
de affordabilidade; considerando que as dife- o mercado de vendas, aí sim considerando a
renças de preços no mercado devem ser sen- ideologia da casa própria. Dessa forma, supõe-
síveis à variação nos preços dos insumos e do -se que os preços dos aluguéis tendam a manter
valor marginal da mercadoria; e, ainda, tendo um limite que estabelece níveis mais competi-
em vista que as cestas de consumo também di- tivos de preços para a modalidade de aluguel,
ferem entre os diversos estratos da sociedade, “democratizando” o acesso.
o percentual de comprometimento com habi- De forma a analisar as necessidades
tação não pode ser aplicado linearmente para habitacionais perante os anúncios de imóveis
todas as faixas de renda. Um terço de uma ren- ofertados e as condições de renda estabele-
da familiar que totaliza um salário-mínimo tem cidas para o inquilino pelo mercado para alu-
o efeito bem diferente do comprometimento guéis, apresentamos o Quadro 1.
A par r de A par r de
Mercado Acima de 10 SM
4.509,50 1.488,14
9,74 7,50 31.230 86,34 86,34
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 777
Thêmis Amorim Aragão
778 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
imobiliários exigiram outras condições para danificado pelo locatário, o proprietário pode
estabelecer o contrato. De acordo com os re- reter esse valor parcial ou totalmente para rea-
sultados, 84,21% das imobiliárias rejeitam fia- lizar os devidos reparos.
dores que não possuem imóveis localizados no O aspecto positivo desse tipo de garantia
município do Rio de Janeiro. Em alguns casos, para o locatário é que o depósito caução ofe-
os constrangimentos contratuais são até maio- rece maior autonomia para o inquilino exercer
res, quando agentes imobiliários solicitam que escolha no mercado imobiliário. A cada finali-
o fiador comprove a propriedade de dois imó- zação de contrato, se o inquilino quiser optar
veis inseridos no território do município do Rio por melhores ofertas, o depósito caução serve
de Janeiro. Dentre todas as respostas, apenas como recurso para cobrir gastos com pinturas,
5,26% dos agentes imobiliários não impuse- mudança ou, até mesmo, servir como valor pa-
ram restrições para além daquelas previstas na ra garantir o novo contrato.
Lei do Inquilinato. É necessário notar que a mobilidade ter-
É importante observar as consequências ritorial é essencial para o acesso a oportunida-
econômicas e sociais desse tipo de compor- des de trabalho. O processo migratório é basi-
tamento do mercado. Implicitamente se es- camente fundamentado na dinâmica do merca-
tabelece um nível de exclusão socioterritorial do de trabalho, assim como, na escala urbana,
à medida que o mercado de aluguéis selecio- a escolha da localização da moradia pelo indiví-
na, na maioria dos casos, famílias que pos- duo leva em consideração o trade-off feito en-
suem vínculos com moradores proprietários tre os custos com habitação e com transporte.
formais do município, rejeitando, inclusive, Consequentemente, podemos inferir que as
consumidores da RMRJ dispostos a morar no barreiras impostas no mercado de aluguéis se
município-polo. constituem, também, como obstáculos coloca-
Para aqueles possíveis consumidores dos ao acesso ao mercado de trabalho.
que possuem poder aquisitivo para pagar em Para apresentar o quão difícil é ocupar
segurança os valores cobrados para aluguel, no o território formal do município do Rio de Ja-
município do Rio de Janeiro, mas que não pos- neiro pelo mercado de aluguéis, o questiona-
suem tal vínculo com a elite proprietária local, mento sobre o depósito caução desvendou
os agentes imobiliários sugerem a adoção de outros impedimentos colocados pelos agentes
alternativas ao fiador. A natural opção tomada imobiliários. Dentre todas as empresas que
pelos candidatos a inquilinos pela Lei do Inqui- participaram da pesquisa, 68,42% afirmaram
linato diz respeito ao depósito caução. que não consideram a opção de depósito cau-
O depósito caução é caracterizado pelo ção válida para o estabelecimento de contrato
depósito de determinado valor no momento de aluguel. Além disso, para aquelas que con-
da assinatura do contrato de aluguel. O pro- sideram o depósito caução uma opção, são es-
prietário deve investir esse valor em uma con- tabelecidos valores muito acima do total refe-
ta e devolvê-lo acrescido de possíveis rentabili- rente a três meses de aluguel, como é aceito
dades, ao final do contrato, caso não tenha ha- tradicionalmente. Em nossa pesquisa, 10,53%
vido inadimplência. Caso o imóvel tenha sido das empresas cobravam depósitos no valor de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 779
Thêmis Amorim Aragão
12 vezes o aluguel, acrescido de taxas condo- com parcerias exclusivas. Na pesquisa, 60,53%
miniais e impostos, e outros 10,53% colocam das empresas afirmaram que aceitariam so-
a opção para que o proprietário decida se irá mente as apólices da financeira Porto Seguros
aceitar ou não o depósito. como válidas para os contratos.
Considerando todas as dificuldades que Os dados encontrados a partir da pes-
o candidato a inquilino encontra para estabe- quisa indicam que a propriedade imobiliária
lecer um contrato de aluguel no município do tem sido utilizada para gerar renda não so-
Rio de Janeiro, a última “alternativa” colocada mente aos proprietários, mas também para os
seria a aquisição de um título de seguro fiança. agentes imobiliários que fazem a intermedia-
Esse título é uma apólice que substitui a figura ção dos contratos de aluguel. O imóvel entra
do fiador no contrato e custa, ao inquilino, três como meio de ampliar o mercado de seguros
a quatro vezes o valor do aluguel, acrescido de fiança, a partir das arbitrárias barreiras in-
das taxas condominiais e dos impostos. Esse terpostas pelos agentes imobiliários aos con-
valor é cobrado anualmente e não é reembol- sumidores. Em contrapartida, a corretagem
sável ao final do contrato, nem mesmo se o in- passa a receber comissões pelas vendas de
quilino cumprir com todas as suas obrigações. apólices, aproveitando-se do estoque imobiliá-
No caso de atraso no pagamento do aluguel, rio de pequenos proprietários para gerar de-
o seguro paga os meses em débito. Contudo, manda aos seus produtos financeiros e estran-
a depender do desempenho financeiro do in- gulando a demanda por moradia no mercado
quilino no contrato, o agente financeiro pode de aluguéis.
optar por não renovar a apólice, ficando o mo- Importante lembrar que a década de
rador sujeito a despejo por falta de garantias 2000 foi marcada por um período de cresci-
de contrato. mento econômico sustentado. As desigual-
Analisando esse tipo de “solução” para dades sociais caíram sensivelmente. O Índice
o estabelecimento do contrato de aluguel, te- de Gini, 7 que em 2001 foi de 0,596, caiu para
mos que ressaltar que o seguro fiança restrin- 0,531, em 2011, e para 0,518 em 2014 (Ipea-
ge o mercado de aluguéis, ao se colocar como -data). Nesse sentido, a expectativa seria de
um custo a mais para o morador. Ao equivaler que a moradia se tornasse mais acessível no
anualmente aos custos de três a quatro meses mercado de aluguel, devido ao aumento da
em moradia, a capacidade de pagamento do renda da população. Contudo, embora a pro-
indivíduo diminui, pois compromete grande dução de largo estoque imobiliário no sub-
parte da renda com a manutenção da apólice. mercado de vendas promovido pelo Programa
Nesse sentido, a própria garantia pode se co- Minha Casa Minha Vida tenha absorvido parte
locar como um fator de estresse habitacional. das famílias que estavam morando de aluguel
Durante a pesquisa, um importante vín- ou em coabitação, os preços dos aluguéis não
culo entre os agentes imobiliários e o setor fi- se mantiveram estáveis. Mesmo havendo um
nanceiro foi observado. Quando questionados movimento de perda de demanda para o mer-
se o candidato a inquilino poderia escolher, no cado de vendas e uma possível compensação
mercado de seguros, a apólice de sua preferên- desta pela entrada na esfera da locação formal
cia, muitas empresas alegaram que trabalham de um contingente que conseguiu aumento
780 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 781
Thêmis Amorim Aragão
782 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 783
Thêmis Amorim Aragão
784 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
Fonte: calculado a par r de dados do Banco Mundial (2009 a 2012) e IBGE (2009 a 2012).
Casa Minha Vida 2 alterou as taxas de juros, por si sós já estabelecem outro patamar de
impactando diretamente na affordabilidade do acesso ao mercado residencial que, associado
mercado de vendas, mesmo que este não te- às diversas restrições adotadas pelos agentes
nha alterado a tendência de alta do preço dos imobiliários, aumentam o grau de exclusão.
imóveis como mostra o Gráfico 4.
De uma forma geral, o Programa Minha
Casa Minha Vida, ao liberar crédito sem infor-
mações sobre o estoque disponível em cada
Considerações finais
cidade, sobre as projeções de novas unidades, ou regulando os preços
sobre a massa salarial, a base econômica dos e a terra como mecanismos
municípios e até mesmo as necessidades habi- de distribuição de riqueza
tacionais baseadas nos componentes de cresci-
mento demográfico, coabitação e reposição de
social, ou, ainda, equidade
estoque, levou a dois tipos de impactos nega- para o direito à cidade
tivos para as políticas habitacionais. Por um la-
do, a liberação de crédito sem monitoramento Em termos gerais, habitação tem impactado
do estoque gerou uma procura repentina por fortemente o orçamento dos brasileiros. O
unidades habitacionais, influenciando no pro- déficit habitacional entre os anos 2009 e 2015
gressivo aumento do valor das habitações. Por apresentou aumento mesmo em se tratando
outro lado, o aumento do preço no mercado de um período em que houve uma ampla pro-
de venda levou a reboque a elevação de pre- dução imobiliária e que atingiu particularmen-
ços do mercado de aluguel. Esses dois fatores te as famílias de menor renda.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 785
Thêmis Amorim Aragão
786 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
porque, no que diz respeito à habitação, ele amplo acesso à informação pelos comprado-
não tem capacidade para lidar com a magnitu- res mitiga os efeitos da especulação imobiliá-
de do problema. ria e evita que um consumidor, ao questionar,
Mas quais seriam, de fato, as ações re- ao corretor, o preço de um imóvel, ser arguido
gulatórias que o Estado deveria manter para sobre o valor da renda.
disciplinar o mercado imobiliário? A princípio, A regulação de um banco de dados refe-
o Estado deve estabelecer limites às arbitra- rente ao estoque imobiliário, identificando da-
riedades praticadas pelos agentes imobiliá- ta de construção, data da última venda, valor
rios que induzem os inquilinos a se inserir no da venda, unidades vagas, período de vacân-
mercado de seguros e pressionar os gastos cia, unidade com dívida de IPTU e outras infor-
com habitação. mações relevantes, poderia auxiliar o planeja-
O acesso à informação também se co- mento das políticas de crédito, na localização
loca como ponto crucial na correção dos er- das áreas para aplicação dos instrumentos do
ros do mercado imobiliário. É primordial a Estatuto das Cidades, além de subsidiar estu-
construção de uma base geográfica de dados dos urbanos por parte da comunidade acadê-
públicos indicando, mensalmente, o valor de mica. Nesse sentido, regulação do mercado
venda real dos imóveis, de forma a orientar, imobiliário não se trata de controle de preços
ao comprador, o valor do metro quadrado em dos imóveis, mas de estabelecimento de limi-
cada região da cidade. Outra atitude poderia tes para que a oferta e a procura participem de
ser de obrigar as placas de “vende-se” ou “alu- um mercado justo.
ga-se” nos edifícios a expor o valor do imóvel A estratégia de criar bases de dados pú-
no anúncio, assim como o código do consumi- blicas e com atualizações rápidas tanto ajuda
dor exige que os produtos sejam precificados no funcionamento do mercado quanto facilita
nas vitrines das lojas de variedades. O livre e a construção de políticas públicas urbanas.
https://orcid.org/0000-0002-7691-5894
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-
-Graduação em Urbanismo. Rio de Janeiro, RJ/Brasil.
themisaragao@gmail.com
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 787
Thêmis Amorim Aragão
Notas
(1) A Lei de Say defende que não existem as chamadas crises de "superprodução geral". Essa
perspec va afirma que tudo o que é produzido pode ser consumido, já que a demanda de um
bem é determinada pela oferta de outros bens. É sinte zada pela expressão "a oferta cria sua
própria demanda".
(2) O ótimo de Pareto é um estado em que os recursos estão alocados da forma mais eficiente
possível. Qualquer realocação dos recursos para melhorar a situação de um indivíduo irá
necessariamente piorar as condições de outro indivíduo. No entanto, ao ser eficiente não
necessariamente significa que gere igualdade.
(3) A lei de Walras é uma teoria econômica segundo a qual a existência de excesso de oferta em
um mercado deve ser igualada pelo excesso de demanda em outro mercado para que ele se
equilibre. Essa lei afirma que um mercado examinado deve estar em equilíbrio se todos os
outros mercados es verem em equilíbrio.
(5) Referente aos trabalhadores sem carteira assinada (empregados do setor privado e trabalhadores
domés cos), sem CNPJ e sem contribuição para a previdência oficial (empregadores e por conta
própria) ou sem remuneração (auxiliam em trabalhos para a família).
(6) Faço ressalva ao uso do dado de déficit habitacional da RMRJ, uma vez que esse dado não é
desagregado por município, e a análise que estamos fazendo recorta apenas o município do Rio
de Janeiro. Contudo, consideramos que, pelo peso demográfico do município-polo, esse dado
serve como referência para comparar o nível de exclusão do mercado imobiliário.
(7) O Índice de Gini é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado
grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos.
Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa
a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no
extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza.
Referências
ABRAMO, P. (2002). Mercado imobiliário nas favelas cariocas – relatório de pesquisa. Oipsolo-Ippur-
UFRJ. Mimeo.
ADEMI-RJ – Associação dos Dirigentes do Mercado Imobiliário do Rio de Janeiro (2019). Pesquisa
Ademi do Mercado Imobiliário. Rio de Janeiro.
ARAUJO, M.; CORTADO, T. J. (2020). A Zona Oeste do Rio de Janeiro, fronteira dos estudos urbanos?
Dilemas - Revista de Estudos de Conflito Controle Social. Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, pp. 7-30.
AZEVEDO, S. (2000). A questão da moradia no Brasil: necessidades habitacionais, polí cas e tendências.
Fórum Internacional de Habitação. Recife-PE.
788 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
BANCO CENTRAL DO BRASIL (2013). Histórico dos valores da taxa Selic. Brasília.
BONDUKI, N. (1998). Origens da habitação Social no Brasil: arquitetura moderna, Lei do Inquilinato e
difusão da casa própria. São Paulo, Estação Liberdade.
BOURDIEU, P. (2011). A dis nção: crí ca social do julgamento. Porto Alegre, Zouk.
BOYER, R. (1990). A teoria da regulação: uma análise crí ca. São Paulo, Nobel.
BUCHANAN, J. M. (1966) "Social Choice, Democracy and Free Markets". In: CAMERON, H. A.; HENDERSON,
W. (orgs.). Public Finance: Selected Readings. Nova York, H. Wolff Book Manufacturing Co.
______ (1975). The limits of liberto: between anarchy and leviathan. The University of Chicago Press.
BURKE, T.; RALSTON, L. (2003). Analysis of expenditure pa erns and levels of household indebtedness
of public and private rental households, 1975 to 1999. Final Report. Melbourne, AHURI.
CAIXA ECONOMICA FEDERAL (2019). Regulação do programa Minha Casa Minha Vida. Disponível em:
h ps://www.caixa.gov.br/Downloads/habitacao-minha-casa-minha-vida/_Legislacao_FAR.pdf.
Acesso em: 10 out 2019.
DIXIT, A. K. (1996). The making of economic policy: a transac on-cost poli cs perspec ve. Cambridge,
Mass, MIT Press.
DUST, L.; MAENNIG, W. (2007). Shrinking and growing metropolitan areas - asymmetric real estate
price reac ons? Working Papers 006, Chair for Economic Policy. University of Hamburg.
FERNANDES, E. (2008). “Cidade Legal x Ilegal”. In: VALENÇA, M. M. Cidade (i)legal. Rio de Janeiro, Mauad.
FGV – Fundação Getúlio Vargas (2019). Histórico da variação do Índice Nacional da Construção Civil –
INCC. Rio de Janeiro.
FJP – Fundação João Pinheiro (2010). Déficit habitacional no Brasil. Relatório de pesquisa. Belo Horizonte.
FREEMAN, A., KIDDLE, C.; WHITEHEAD, C. (2000) “Defining affordability”. In: MONK, S. e WHITEHEAD,
C. (eds). Restructuring Housing systems: from social to affordable housing? York, York Publishing
Services, pp. 42-49.
GILBERT, A. (2001). Housing in La n America. Working Paper Series I-7UE. Washington, D.C.
GRANOVETTER, M. (2007). Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão. RAE electron.
[online], v. 6, n. 1.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 789
Thêmis Amorim Aragão
IBGE – Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca (2011). Censo Populacional, Dados do Universo,
2010. Rio de Janeiro, IBGE.
______ (2019). Histórico da variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. Rio de Janeiro.
______ (2020). Pesquisa Nacional Domiciliar por Amostragem Con nua – PNADC, 2019. Rio de Janeiro,
IBGE.
JARAMILLO, S. (1982). “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: PRADILLA, E.
(org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. México, La na Unam, pp. 149-212.
KEMENY, J. (1995). From public housing to the social market. Londres, Routledge.
______ (2006). Corpora sm and Housing Regimes. Housing, Theory and Society, v. 23, n. 1, pp. 1-18.
KINDLEBERGER, C. P. (1978). Manias, panics, and crashes: a history of financial crisis. Nova York, Basic
Books.
LIPIETZ, A. (1988). Miragens e Milagres. Problemas da Industrialização do Terceiro Mundo. São Paulo,
Nobel.
MACLENNAN, D.; WILLIAMS, P. (eds.) (1990). Affordable Housing in Britain and America. York, Joseph
Rowntree Founda on.
MANKIW, W. G.; WEIL, D. N. (1989). The baby boom, the baby bust and the housing market. Regional
Science and Urban Economics, v. 19, pp. 235-258.
MARICATO, E. (org.) (1982). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo,
Alfa-Omega.
McCUBBINS, M.; THIES, M. F. (1996). Ra onality and the founda ons of posi ve poli cal theory.
Leviathan.
MINSKY, H. P. (1974). The modeling of financial instability: an introduc on. Modeling and simula on,
v. 5, Part 1: Proceedings of the Fi h Annual Pi sburgh Conference. Pi sburgh, Pa, Instrument
Society of America, pp. 267-272.
MUELLER, B. (2001). Regulação, Informação e Polí ca: uma resenha da Teoria polí ca posi va da
regulação. Revista Brasileira de Economia de Empresas, v. 1, n. 1.
NOZICK, R. (1974). Anarchy, state and utopia. Nova York, Basic Books.
QUILEY, J.; RAPHAEL, S. (2004). Is housing unaffordable? Why isn’t it more affordable? Journal of
Economic Perspec ves, v. 18, n. 1, pp. 191-214.
RIBEIRO, L. C. de Q. (1997). Dos cor ços aos condomínios fechados. As formas de produção da moradia
na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, Ippur, UFRJ, Fase.
ROYER, L. (2014). Financeirização da polí ca habitacional: limites e perspec vas. São Paulo, Annablume.
790 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022
A regulação do mercado imobiliário e política habitacional no Rio de Janeiro
SHIMBO, L. F. (2010). Habitação social, Habitação de mercado: a confluência entre Estado, empresas
construtoras e capital financeiro. Tese de doutoramento. São Paulo, Universidade de São Paulo.
SILVA, M. F. G. (1990). James Buchanan e a Nova Economia Polí ca. Texto de Discussão, n. 12/90,
mímeo, FEA/USP.
STONE, M. E. (1993). Shelter poverty: new ideas on housing affordability. Philadelphia, PA, Temple
University Press.
YATES, J.; GABRILE, M.; BURKE, T.; JACOBS, K.; ARTHURSON, K. (2005). Conceptualising and measuring
the housing affordability problem. Collabora ve Research Venture 3: Housing Affordability for
Lower Income Australians. Research paper. Melbourne, Ahuri.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 765-791, maio/ago 2022 791
Produção do espaço residencial
em Santos/SP: parâmetros
urbanísticos e a “ordem urbana”
Production of residential space in Santos, state of SP:
urban parameters and the “urban order”
Marina Ferrari de Barros [I]
Flavia da Fonseca Feitosa [II]
Jeroen Johannes Klink [III]
Resumo Abstract
Este ar go está amparado nas teses de Abramo e Based on the theses proposed by Abramo
Villaça a propósito da produção das novas localiza- and Villaça regarding the production of new
ções residenciais para levantar a hipótese de que residential locations, this article raises the
a ação regulatória estatal reforça a “ordem urba- hypothesis that state regulatory ac on reinforces
na” que privilegia a produção de espaço residencial the “urban order” that privileges the produc on of
de alta renda. A metodologia empregada consis u high-income residen al space. The methodology
em analisar a distribuição de índices urbanís cos, adopted in the ar cle consisted of analyzing the
em especial o coeficiente de aproveitamento na distribution of urban indices, particularly floor
legislação urbanís ca da área insular do município area ra o in the urban legisla on of the insular
de Santos no período compreendido entre 1968 e area of the city of Santos in the period between
2018. Conclui-se que há uma combinação de gene- 1968 and 2018. It is concluded that there is a
ralização e focalização na atribuição do aproveita- combination of generalization and focus in the
mento do solo pelo poder local que desencadeia attribution of land use by the local government
uma “ordem urbana” direcionada à maximização that triggers an “urban order” aimed at
dos lucros da produção de novas localizações e o maximizing profits earned with the produc on of
direcionamento da produção residencial pelas ca- new loca ons and at high-income strata direc ng
madas de alta renda. residen al produc on.
Palavras-chave: política urbana; espaço residen- Keywords: urban policy; residential space; real
cial; mercado imobiliário; coeficiente de aproveita- estate market; floor area ra o (FAR); segrega on.
mento; segregação.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5415 Crea ve Commons Atribu on
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
794 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 795
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
796 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
cirurgicamente para resolver alguma situação participantes, concluiu que é o tempo e a cren-
de “desequilíbrio” do mercado, sem questio- ça que influenciam a equilibração mercantil.
nar muito quem a causou ou quem deve arcar Sua análise se fundamenta na verificação do
com ela, como parecem defender os neoclássi- direcionamento da demanda para o consumo
cos ou os tributários da Real Estate Economy. de novos produtos, a partir da criação e ma-
Entre os modelos econômicos explicati- nutenção de crenças compartilhadas (conven-
vos e a concretude da produção do espaço re- ções urbanas)10 sobre externalidades de vizi-
sidencial existem diferentes métricas que cir- nhança que gerariam vantagens monetárias
culam e transformam a realidade, sobre a qual e sociais (de status – às famílias) aos agentes
deve atuar o Estado, entre outros mecanismos, envolvidos. Similarmente a Abramo (2007),
via regulação urbanística. Villaça (1998) relaciona o preço do solo ao
Embora ainda não testada, a teoria he- valor das localizações. Estas são produzidas
terodoxa proposta por Abramo 8 (2007), mais coletivamente, mas seu domínio pelo proces-
focada na microeconomia, parece apresentar so de segregação empreendido pelo mercado
potencial de explicação sob o ponto de vista imobiliário, em atendimento às camadas de al-
tanto espacial quanto do comportamento dos ta renda, forçosamente se utiliza, entre outros
agentes, especialmente se considerarmos o mecanismos, da ideologia. A descrição do pro-
diálogo que pode ser estabelecido entre esta cesso de convenção urbana de Abramo com-
e a teoria da performatividade, qual seja, a plementa a explicação de Villaça, ao detalhar o
ideia de que a ciência econômica molda a rea- comportamento relacional dos compradores,
lidade mais do que apenas a descreve. Con- apenas abordados superficialmente na obra
tudo, esta é questionável sob o porto de vista deste último.
dos responsáveis pela estruturação espacial Contudo, nem Abramo, nem Villaça ex-
resultante. Seria apenas obra de inovações de plicam especificamente o funcionamento in-
empresários schumpeterianos9 a produção das terno do mercado imobiliário. Para Abramo, os
novas localizações de bairros residenciais? Pa- agentes do mercado imobiliário são movidos
ra Villaça (1998), o processo de estruturação pela maximização de lucros, o que talvez não
do espaço intraurbano, e, dentre seus elemen- explique exatamente a forma urbana constituí-
tos, os bairros residenciais, tem como respon- da a partir de sua produção. Por sua vez, Villa-
sáveis as camadas de mais alta renda, as quais ça entende que a responsabilidade pela estru-
coordenam o Estado e o mercado imobiliário turação do espaço urbano não é de comando
e, no Brasil, respondem por um processo de do mercado imobiliário; esse setor seria muito
segregação gerador de uma estrutura morfo- mais coordenado pelos grupos de alta renda
lógica em setores de círculos, a partir da con- do que o contrário. É possível, entretanto, que
centração das camadas de alta renda em uma se trate do mesmo grupo social e, portanto, de
mesma região. valores partilhados – setor imobiliário e cama-
Abramo (2007), a partir de uma descri- das de alta renda. Nesse aspecto, a teoria da
ção detalhada do processo de produção mer- performatividade traz elementos para o apro-
cantil do espaço residencial e de seus agentes fundamento do tema.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 797
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
A dinâmica urbana descrita por Abra- mercado. Abramo (2007) critica, assim, o dis-
mo (2007), em suas palavras, assemelha-se a curso neoliberal urbano que aposta na solução
uma cidade "caleidoscópica", pois o processo do mercado "para descobrir o paraíso da efi-
de produção mercantil do espaço residencial ciência, da criatividade e da felicidade social"
constrói crenças a respeito de localizações (p. 329) e propõe o retorno à política interven-
urbanas e produtos para depois destruí-los cionista no urbano, a partir da regulação e de
ficticiamente dando início a novo processo de procedimentos institucionais que permitam
produção e realização do espaço-moradia em "devolver a visibilidade ao futuro da especula-
busca da lucratividade perdida justamente em ridade urbana mercantil". O deslocamento das
decorrência da criação endógena de demanda camadas de alta renda no espaço intraurbano
que ele mesmo iniciou. Há similaridade tam- é, para Villaça (1998), o processo de estrutu-
bém nesse aspecto com o processo de rees- ração e reestruturação urbana, o qual apenas
truturação descrito por Villaça (1998) em que pode ser verificado, quando analisada a estru-
o abandono das classes de alta renda de deter- tura como um todo e por um longo período de
minadas localizações para a criação de novas é tempo. Sem esses critérios, para o autor, ape-
construído igualmente com a utilização de me- nas é possível a identificação de transforma-
canismos ideológicos similares, com comando ções, que parecem, a princípio, guiadas apenas
do Estado por essas camadas, definindo áreas pelo mercado imobiliário, mas, ao olhar dis-
prioritárias para investimento em infraestrutu- tanciado, são produzidas por este último, sob
ra e utilização da legislação urbanística como a dominação da burguesia. O autor não aponta
garantia de manutenção da segregação e qua- propostas ou estratégias de atuação do Estado,
lidade urbana pelo controle bastante restrito dado que não era este o objetivo de sua tese;
de permissões de uso do solo. apenas se limita a incluir a legislação urbanísti-
A analogia ao caleidoscópio é muito feliz ca como um mecanismo empreendido pelo Es-
também para descrever o processo de estrutu- tado, que sob o domínio das camadas de alta
ração e reestruturação do espaço intraurbano renda, visa a garantir as localizações.
de Villaça (ibid.), posto que o conceito de estru- Das duas teorias brevemente abordadas,
tura pressupõe uma rede de relações, em que depreendem-se os conceitos de “externalida-
a alteração de um elemento da estrutura fatal- de de vizinhança” e “localização” como chaves
mente altera também seus outros elementos. para a interpretação do processo de produção
A partir dessa perspectiva, pode-se in- do espaço residencial urbano. Dentre as pos-
ferir que não haveria relação entre a deman- síveis variáveis derivadas, neste trabalho se
da, criada pelo mercado especulativo da rea- abordou o papel da regulação urbanística, em
lização do espaço moradia e aquela existente especial a definição de potencial construtivo
na cidade, para a qual se desenham políticas (representado pelo coeficiente de aprovei-
públicas de atendimento. Pelo contrário, pa- tamento) e zoneamento do uso residencial,
rece que a dinâmica decorrente do processo como variáveis de levantamento e análise do
mercantil promove, na verdade, a migração papel do Estado na formação das localizações.
de grupos sociais de maior renda de seus anti- Como o Estado participa desse processo por
gos locais de moradia para novos, criados pelo meio da prática do zoneamento no município
798 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 799
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
800 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 801
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
A intensidade das alterações em relação aquela que a substituiu nesse assunto, de 1998,
a cada uma das subcategorias enunciadas é e o segundo período, bem menor, de 13 anos e
apresentada a partir da soma da quantidade entre a penúltima e a última, menor ainda, de
de vezes que os artigos, agrupados por temas, apenas 7 anos).
foram alterados ao logo do tempo. É importan-
te, contudo, ressaltar, como será demonstrado
adiante, que a lei de 1968 (ibid.) é muito mais
abrangente quanto aos temas tratados. Trata-
Análise – 1° Período:
-se do modelo de plano que cobre fisicamente 1968 a 1998
todo o território do município e incorpora, além
da divisão da cidade por funções, também por Em 16 de abril de 1968, foi promulgada a
classes, como se verá, constituindo-se no zo- lei n. 3.529, instituindo o plano diretor físi-
neamento propriamente dito. Estava presente, co do município de Santos (Santos, 1968a),
ainda, nessa lei a regulamentação de assuntos estruturado em 17 capítulos e 406 artigos,
atualmente incluídos em leis específicas (Qua- abordando desde a regulamentação da “co-
dro 2), como o Plano Municipal de Mobilidade locação de estátuas, hermas e quaisquer ou-
e Acessibilidade Urbanas (Santos, 2019), leis de tros monumentos nos logradouros públicos”,
uso e ocupação do solo da área insular (Santos, até a definição de densidades residenciais lí-
2018a) e da área continental (Santos, 2011c), quidas por zonas, disciplina da circulação de
diretrizes e sistema de planejamento presentes veículos, cargas e pessoas, bem como a espe-
nos planos diretores (Santos, 1998b) e até mes- cificação de áreas de renovação urbanística
mo a estrutura administrativa do planejamento da cidade. Observam-se preocupação com a
urbano municipal e a composição de conselhos expansão urbana e a necessidade de lhe im-
(Santos, 1999). Sendo assim, é necessário re- por limites e organização.
lativizar, na análise comparativa, as alterações Cabe ressaltar que se considerava en-
relacionadas às subcategorias “mobilidade” e tão, como área urbana, todo o território insu-
“sistema de planejamento”, posto que o pla- lar, embora os morros situados na ilha fossem
no diretor físico (Santos, 1968a) é muito mais objeto de lei específica, promulgada no mes-
abrangente do que as leis de uso e ocupação mo dia, pela lei n. 3.533 (Santos, 1968b), a
do solo do período, as quais se referem espe- qual, por sua vez, reportava a regulamentação
cificamente à atividade do zoneamento, não da ocupação a leis específicas a serem edita-
incluindo objetivamente parâmetros de regula- das posteriormente.15
ção da circulação, como dimensionamento de No que se trata propriamente da pro-
vias, localização de pontos de parada de trans- dução do espaço residencial, observa-se que
porte fretado intermunicipal, entre outros, apenas algumas zonas definidas podiam re-
como havia anteriormente. Por esse mesmo ceber esse uso, com especificação daquelas
motivo, também, a quantidade de alterações onde seriam permitidas as moradias econô-
efetuadas é maior, assim como o período de micas, ou seja, apenas nas áreas de interface
vigência da referida lei é maior (em relação direta com o porto organizado ou com zonas
ao zoneamento, 30 anos entre a primeira lei e industriais, tanto na zona leste quanto na zona
802 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 803
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
noroeste. Nos morros, seria permitida apenas densidade residencial líquida, o coeficiente de
a permanência das moradias econômicas exis- aproveitamento e o gabarito das edificações,
tentes, de acordo com a lei de morros (ibid.) este último também limitado originalmente à
(Figura 2). largura da via. As maiores densidades líquidas,
Sob o ponto de vista do valor da terra, de 1200 hab/ha e gabarito de 14 pavimentos,
entende-se que as moradias econômicas po- estavam definidas para as quadras situadas em
deriam ser viabilizadas nas áreas mais degra- frente à praia, na área estabelecida como zo-
dadas da cidade, pois sujeitas aos inconvenien- na turística, a qual recebeu, durante bastante
tes dos usos mais impactantes, mas também tempo, primordialmente as maiores densida-
estariam concorrendo em desigualdade de des flutuantes da cidade em decorrência do
condições de acesso com atividades econô- uso de veraneio. Pode-se aventar se, nesse ca-
micas que se beneficiavam principalmente da so, o maior aproveitamento dos lotes urbanos
proximidade com o porto organizado e da in- pode ter iniciado um movimento especulativo
fraestrutura de acesso de veículos de carga. A para captar as rendas derivadas do monopólio
essas áreas eram estabelecidas as mais baixas da vista ao mar.
densidades líquidas da cidade (200 hab/ha) e Os coeficientes de aproveitamento varia-
gabarito (3 pavimentos). Se, segundo Topalov vam de 3 a 6 vezes a área do terreno, os gabari-
(1984), o montante do lucro das atividades tos de 3 a 14 pavimentos e as densidades resi-
econômicas pode ser modulado segundo sua denciais líquidas de 200 hab/ha, na zona noro-
localização na estrutura urbana, é de se espe- este e na interface com o porto na zona leste, a
rar que as áreas adjacentes ao porto organi- 1200 hab/ha, na zona turística, e 1000 hab/ha,
zado o requeiram à cidade. A pressão nessas na leste em geral. Esse período deu continuida-
áreas específicas de permissão da construção de ao processo de cristalização dos estoques
de moradias econômicas é esperada e, como residenciais, iniciado na década de 1950.
se verá adiante, contemplada com alterações A partir de 1970, têm início o aumento
de zoneamento. Mas cabe, contudo, questio- generalizado das densidades residenciais lí-
nar se essa disciplina de zoneamento empre- quidas, até esta ser extinta como parâmetro
endida pelo Estado não acabou por manter na década de 1980. A manutenção do alto
baixos os preços da terra, quando as ativida- coeficiente de aproveitamento na maior zona
des retroportuárias não eram permitidas, para da região leste da cidade assegura desde já di-
depois liberar tais atividades. Se as atividades retriz generalista de distribuição de índices de
retroportuárias pudessem se instalar desde o aproveitamento generosos na maior porção
início, talvez houvesse a caracterização nessa urbanizada da área insular. Embora o aprovei-
área de renda de monopólio, pela proximidade tamento do solo bruto 16 fosse equivalente ao
à área irreprodutível de acesso às águas do ca- líquido originalmente, ou seja, todas as áreas
nal do Estuário e às vias perimetrais de circula- construídas do edifício entravam no cômputo
ção e acesso de veículos de carga. do coeficiente-limite, este permaneceu de fato
O plano diretor físico (Santos, 1968a), gratuito durante os 30 primeiros anos da apli-
originalmente definia três critérios de ocupa- cação da lei e, na prática, até os dias de hoje,
ção por zona no que tange ao uso residencial: a como se verá a seguir.
804 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 805
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
Limites zonas
Uso
Sistema planejamento
Mobilidade
Constru vas
toda a cidade
centro
zona noroeste
zona leste - orla
zona leste
dentro dos limites das Zedes (eixos sombrea- Não se tem notícia da efetividade dessa
dos na Figura 3), desde que fosse efetuado o lei, mas serão encontradas similaridades em
pagamento de contrapartida financeira à pre- relação às áreas de majoração de índices me-
feitura, com fatores de planejamento diferen- diante contrapartidas, assim como em relação
tes de acordo com o uso pretendido, vinculado à estratégia, questionável, de tentar promover
ao coeficiente máximo de aproveitamento da o resgate de contrapartidas, sem, contudo,
ordem de 7,5 vezes a área da quadra, para fi- adaptar os índices de outras zonas urbanas
nanciar a construção de habitação de interesse também de interesse do mercado imobiliário,
social. Os valores recolhidos seriam destinados inviabilizando sua aplicação por concorrência
ao Fincohap (Fundo de Incentivo à Construção com outras localizações urbanas, dotadas de
de Habitação Popular). altos índices de aproveitamento.
806 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 807
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
808 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
contudo, parece possível que a expansão de Ainda que tenham se viabilizado a con-
construções nos padrões daquelas tradicional- solidação e a ampliação dos índices urbanísti-
mente realizadas na zona da orla (extensa faixa cos com a promulgação da lei complementar
de terra situada abaixo da antiga linha férrea n. 312, de novembro de 1998 (Santos, 1998a),
que atravessava a cidade) para áreas situadas algumas alterações a ela ainda foram realiza-
na zona intermediária (situada acima da antiga das entre 1998 e 2011. A maioria concentrada
linha férrea) possa ter se beneficiado do deno- nos parâmetros construtivos (Gráfico 3). Entre
minado mark up19 urbano, nos termos aborda- estas se destaca a inclusão da expressão “áreas
dos por Abramo (2007), maximizando os lucros computáveis” no cálculo da área construída
na realização ou se apropriando de sobrelu- adicional para efeitos do cálculo da outorga
cros, em decorrência da aplicação dos mesmos onerosa em CDRU, inviabilizando qualquer res-
parâmetros para a construção em terras mais gate de contrapartida financeira.
baratas, sem que isto tivesse impacto na redu- Desde o início da vigência da lei de Zeis
ção do preço dos apartamentos. (Santos, 1992), garantiu-se a proibição da de-
Como apontado por Carriço e Barros marcação de Zeis na região próxima à orla da
(2015), ao avaliar a produção imobiliária do praia, institucionalizando a segregação das ca-
período mais recente da área insular de San- madas de alta renda, historicamente ali loca-
tos (2005 a 2014), observou-se que esta se lizadas desde a primeira metade do início do
concentra onde há estoque de moradias século XX, com a abertura de duas importantes
desocupadas e onde residem as famílias com ligações viárias entre o centro e a praia. Embo-
maior rendimento. É possível inferir, portan- ra as permissões de construção de habitações
to, que a justificativa apresentada pelo setor econômicas tenham sempre definido essa
para a ampliação dos índices não se cumpriu região como uma área de exclusão, entende-
na prática. -se que a definição expressa no texto da lei da
Limites zonas
Paisagem
Mobilidade
Sistema planejamento
Uso
Constru vas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 809
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
proibição é incomum. Além disso, a existência não computáveis, haveria de fato uma redução
dessa demanda tão específica, na década de do aproveitamento, ainda que pequena, mas
1990, pode significar um movimento de defesa desvinculada da justificativa utilizada para es-
do território ameaçado por políticas progres- sa alteração, o “congestionamento” provocado
sistas. Afinal, o Banco Nacional de Habitação – por veículos, posto que nenhuma restrição na
BNH já havia financiado um conjunto expressi- oferta de vagas de veículos a acompanhou.
vo de unidades no bairro da Aparecida, a duas Em verdade, observa-se o contrário na
quadras da praia, no final da década de 1960, modelagem dos empreendimentos, ou seja, a
ao lado de terreno onde seria construído, pos- ampliação do número de vagas ofertadas por
teriormente, um shopping center e diversos unidade com a construção de embasamentos
outros edifícios de alto padrão. cada vez maiores, “estimulados” pela não inclu-
Com isso se garantiu, ao mercado imo- são da área construída de garagens no cômpu-
biliário, a possibilidade de constituição de zo- to do coeficiente máximo de aproveitamento.
nas homogêneas de concentração das famílias Nos sete anos decorridos entre a pro-
de maior poder aquisitivo próximo à principal mulgação da lei complementar n. 730, de 11
amenidade da área insular, a praia. de julho de 2011 (Santos, 2011a) e a atualmen-
te vigente (lei complementar n. 1006, de 16 de
julho de 2018 – Santos, 2018a), apenas duas
alterações foram realizadas, e ambas se refe-
Análise – 3° Período: riam a pequenas modificações nas categorias e
2011 a 2018 permissões de uso.
Não há registro, durante todo o período
Em 2011, o zoneamento definido pela lei com- em se passou a cobrar contrapartidas pelo uso
plementar n. 312, de 23 de novembro de 1998 de área construída adicional, de qualquer valor
(Santos, 1998a), é substituído pela lei comple- efetivamente pago de obra concluída na cida-
mentar n. 730, de 11 de julho (Santos, 2011a). de, conforme informações da Secretaria Muni-
Não há alteração no padrão generalista de dis- cipal de Desenvolvimento Urbano, ou de uso
tribuição dos coeficientes de aproveitamento da Transferência do Direito de Construir – TDC,
já praticados, a despeito da miríade cada vez possível para imóveis preservados situados no
maior de condicionantes que dificultam a Centro Histórico.
compreensão da lei. Acrescenta-se a redução Em 2013, o Plano Diretor (PD) disciplina-
do coeficiente de aproveitamento para o que do pela lei complementar n. 731, de 11 de ju-
se denominou “vias de menor capacidade de lho de 2011 (Santos, 2011b), é revisado e nele
suporte”. Nos imóveis emplacados para as vias há inclusão de um interessante artigo a respei-
assim classificadas (largura inferior a 14 m), to da relação entre o potencial construtivo e os
passou-se a permitir o coeficiente líquido de 4, tipos edilícios dos empreendimentos que pas-
em substituição a 5 vezes a área do lote. Con- saram a ser realizados a partir década de 2000,
siderando a quantidade de vias identificadas os “condomínios clube”. Esse dispositivo per-
com essa classificação, não fossem as áreas maneceu na revisão do PD efetuada em 2018,
810 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
que deu origem à lei complementar n. 1.005, sanitários, até uma vaga de garagem e
de 16 de julho de 2018 (Santos, 2018b). Pode- área útil de, no máximo, 70 m² (setenta
metros quadrados) garantido um mínimo
-se dizer que o dispositivo é o tipo de “norma-
de 65% de área privativa da área construí-
tização de reação”, posto que foi introduzido da total do empreendimento, excluindo-se
para corrigir uma distorção que estava a des- vaga de veículos. (Grifos nossos)
virtuar o atendimento à demanda de Habita-
ção de Mercado Popular – HMP, qual seja: Essa tentativa do poder público muni-
cipal significa, na prática, que as áreas de ga-
Art. 142. [...]
§ 3º Para os efeitos desta Lei Comple-
ragem e lazer não poderiam mais assumir as
mentar, considera-se: proporções que vinham assumindo nos em-
IV - Habitação de Mercado Popular – preendimentos de mercado para o caso de
HMP: destinada a famílias com renda bru- habitações de mercado popular. Ainda assim,
ta igual a 7,5 (sete e meio) até 10 (dez) sa-
essa assunção parte do pressuposto de que o
lários-mínimos nacionais, podendo ser de
promoção pública ou privada, com padrão mercado imobiliário estaria apto a realizar em-
de unidade habitacional com até 2 (dois) preendimentos populares.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 811
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
812 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 813
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
814 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 815
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
A simulação da comparação entre a apli- Contudo, essa regra não é válida para
cação dos coeficientes de aproveitamento pa- todos os bairros de interface com o porto. O
ra as quatro leis estudadas sobre o atual par- bairro Ponta da Praia, localizado na zona da
que construído demonstra a diferença enorme orla, contíguo ao corredor exportador, é ob-
entre o aproveitamento do terreno, que con- jeto de 3 Nides, cujos projetos de requalifica-
sidera todas as áreas construídas, e o aprovei- ção não foram apenas regulamentados em lei,
tamento líquido do terreno, em que entram como executados somente dois anos após sua
apenas as áreas computáveis (Figura 7). regulamentação (Santos, 2018).
A observação do conteúdo relacionado
ao uso e à ocupação do solo anistiado, ao lon-
go de todo o período considerado, evidencia o
tratamento dispensado às moradias econômi-
Conclusão
cas, legalizadas em grande proporção a despei-
to de suas condições de habitabilidade, desde É clara a falta de transparência na imputa-
que situadas fora das zonas de maior interesse ção dos índices no zoneamento da cidade, 21
do mercado imobiliário. que vêm se elevando desde quando foram
Enquanto cidade portuária, o municí- instituídos como instrumentos de regulação da
pio de Santos, com vasta área de preserva- ocupaçãodo solo, na década de 1960. Na prá-
ção ambiental em sua porção continental, é tica, considerando as áreas não computáveis
território de grande disputa entre usos resi- definidas na lei,22 como área de garagem, lazer,
denciais e retroportuários. Sua porção insu- entre outras, é possível construir, a depender
lar, de exíguo território, ao abrigar um porto do tamanho do lote e do projeto do empreen-
organizado, desde o final do século XIX com dimento, muito acima do dobro do coeficiente
algumas expansões, inclusive sobre o canal do máximo admitido.
estuário ao longo do tempo, é grande atratora A partir da breve análise, observou-se
de empresas de armazenamento e de trans- que o Estado, via regulação urbanística, garan-
porte de cargas. Os usos retroportuários, im- te a segregação das localizações preferenciais
pactantes por natureza, além de angariarem, das camadas de alta renda através das restri-
a cada nova revisão de zoneamento, novas ções às permissões de uso, da delimitação de
áreas, com a ampliação regulamentar das zo- zonas de exceção para qualificação e da manu-
nas portuárias, sempre sobre antigos bairros tenção de índices lucrativos para a produção
populares, também foram legalizados fora das do mercado imobiliário de uso residencial. O
áreas permitidas, em um movimento inverti- poder local garante a conservação dos valo-
do do planejamento das permissões de uso. res das propriedades, seja pela reafirmação a
Por interesse daqueles que realizam a princi- partir da regulação dos espaços de produção
pal atividade econômica de uma cidade por- residencial privilegiada, seja pela manutenção
tuária, zonas portuárias foram acrescentadas das possibilidades de provisão habitacional
sobre áreas de uso portuário anistiado, em subsidiada, distante da zona leste da ilha ou,
bairros já em processo de desqualificação pa- mais precisamente, da extensa faixa mais pró-
ra o uso residencial. xima à orla.
816 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
Além disso, a atribuição de altos índices ou à definição da ordem urbana, tal como a
em toda a área insular, generalista, garante a espacialização da distribuição da população
conversão de áreas em novas localizações resi- por rendimento no período, espacialização
denciais, com possibilidade de maximização de do valor dos imóveis ao longo do tempo, bem
lucros. Nesse sentido, os princípios de susten- como dos produtos imobiliários residenciais
tabilidade do adensamento invocados na lei que possibilitem a observação da atuação das
não chegam, de fato, a reestruturar a produ- convenções urbanas propostas por Abramo
ção de habitações populares ao longo de eixos (2007) na formação nas novas localizações.
de transporte. Além disso, o levantamento e a espacialização
A ação regulatória estatal não apenas dos investimentos públicos de qualificação da
não muda, como reforça a “ordem urbana” infraestrutura urbana de mobilidade e espaço
que privilegia a produção de espaço residen- público, os quais contribuem para a valoriza-
cial de alta renda. Há uma combinação de ção da terra e sobre os quais responde o po-
generalização e focalização na atribuição do der local, são também necessários.
aproveitamento do solo pelo poder local que Outro aspecto importante a se considerar
desencadeiam uma “ordem urbana” direciona- é a delimitação dos papéis que desempenharam
da à maximização dos lucros da produção de o poder executivo e o poder legislativo no pro-
novas localizações, bem como o direcionamen- cesso de evolução do zoneamento urbano. Pes-
to da produção do espaço urbano residencial quisas futuras, em documentos como atas das
pelas camadas de alta renda. sessões realizadas na Câmara de Santos e nas
Considera-se importante que sejam le- emendas efetuadas pelo poder legislativo aos
vantadas as outras variáveis relacionadas à projetos de lei referentes ao ordenamento urba-
produção das localizações residenciais que no, podem trazer contribuições, inclusive para a
possam contribuir para a verificação das teses verificação do defendido por Villaça (1998) em
de Abramo (2001) e Villaça (1998) em relação relação ao papel de coordenação dos grupos de
à estruturação do espaço residencial urbano alta renda sobre o mercado imobiliário.
[I] https://orcid.org/0000-0001-5271-3430
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Territó-
rio. Santo André, SP/Brasil.
marina.ferrari@ufabc.edu.br
[II] https://orcid.org/0000-0001-7744-5225
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Territó-
rio. Santo André, SP/Brasil.
flavia.feitosa@ufabc.edu.br
[III] https://orcid.org/0000-0001-6264-001X
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Territó-
rio. Santo André, SP/Brasil.
jeroen.klink@ufabc.edu.br
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 817
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
Notas
(1) Lucro “normal” é o nível de lucro associado às condições de mercado compe vo (as condições
“normais” na perspec va da economia ortodoxa). Sobrelucro representa o nível de lucro que
emerge em função da capacidade de o proprietário controlar/monopolizar a estrutura de
mercado (Christophers, 2020). Na perspec va desse autor, para gerar renda são necessárias
duas condições: a existência de um proprietário em condições monopolista-oligopolista e de um
mercado que permita circular a propriedade e realizar essa renda/sobrelucro.
(2) Disposi vo similar às Zonas Especiais de Interesse Social aplicadas no Brasil. Imbroscio (2019)
traz uma síntese crí ca da discussão abordada pelo movimento An -EZ (Exclusionary Zoning)
americano e as propostas de Inclusionary Zoning.
(3) Healy (2011) usa “travelling” planning ideas para se referir a ideias de planejamento urbano que
viajam entre lugares. Há similitude entre o conceito de Healy e o abordado por Maricato (2001),
Leme (1999) e Feldman (2005) quando estes úl mos iden ficam, na história do planejamento
urbano no Brasil, as ideias de “matriz estrangeira” que orientavam sua prática no País. Em
estudos mais recentes, Yunda e Bjørn (2020) e Lopez-Morales et al. (2019) abordam os impactos
das ideias de transit-oriented development – TOD, provenientes no norte global, introduzidos
nos ambientes urbanos do sul global, em específico nas cidades de Bogotá e Santiago,
respec vamente.
(4) “Densification became seen as a means to reduce land consumption, foster agglomeration
economies, improve social inclusion and integra on, enhance biodiversity, and reduce energy
consump on” (Turok, 2011; Zhu, 2012 apud Yunda e Bjørn (2020).
(5) O conceito de embeddedness estabeleceu-se como uma categoria instrumental para tomar nota
dos processos no nível micro da teoria de rede, dos laços relacionais entre os atores, enfa zando
o papel que as redes sociais desempenham na geração de confiança entre compradores e
vendedores, que tornam a troca possível (Berndt e Boeckler, 2009).
(6) O conceito de performa vidade pode ser entendido como uma interpretação do funcionamento do
mercado. Para Callon (2006), modelos e métricas não apenas descrevem, mas potencialmente
transformam a própria realidade do mercado.
(7) Vertente da economia ortodoxa que explica a alocação e a formação de preços nos mercados
fundiárias e imobiliários (DiPasquale e Wheaton, 1996).
(8) Embora a teoria da renda fundiária, concebida como o principal elemento da coordenação
intraurbana, seja mais comumente utilizada nas análises das dinâmicas de localização da
produção do mercado imobiliário, Abramo (2007) sugere outra perspectiva de análise,
considerando a subje vidade dos processos cogni vos dos agentes par cipantes da produção
e consumo mercantil do espaço residencial. Ele sustenta que uma política de austeridade
monetária ortodoxa, "par cularmente no que se refere à configuração urbana, pode vir a gerar
muito mais dificuldades do que as tradicionais, preocupadas, acima de tudo, com o papel da
propriedade fundiária, conseguiriam imaginar" (p. 326). Descreve um processo de escolha
das localizações pelas famílias, muito mais orientado pelo "mo vo-especulação" do que pelo
"mo vo-residência", seja porque esperam realizar um ganho monetário graças à valorização da
mercadoria urbana, seja porque venham a ser compensadas por expecta va de venda do bem
como reembolso da dívida aos agentes financeiros sob o risco de desemprego.
818 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
(9) De acordo com Abramo (2007), empresários schumpeterianos são os indivíduos, grupos de
indivíduos ou empresas responsáveis pela inovação em produtos imobiliários ou na criação de
novas localizações urbanas para a implantação de novos empreendimentos residenciais.
(10) Segundo Abramo (2007, p. 211), é entendida como uma crença projetada sobre o futuro das
localizações residenciais.
(11) A população es mada do município de Santos, em 2020, era, de acordo com o IBGE de 433.656
pessoas (disponível em: h ps://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/santos/panorama; acesso em: 21
fev 2022).
(12) A expressão refere-se ao movimento observado por Carriço (2011) na área insular do município
de Santos de aumento na sele vidade do acesso de determinados grupos sociais aos bairros
da orla, repercu ndo para as demais partes de seu território, mesmo para aquelas até então
desprezadas, como o setor noroeste de Santos. Esse processo também teria rebatimentos
em outras áreas da RMBS, empurrando os grupos populacionais situados na base da pirâmide
social à emigração de Santos, já que não encontrariam outras alterna vas habitacionais em seu
território insular.
(13) Meyer (2008), ao relacionar a oferta de moradias pelo mercado e a demanda no município de
São Paulo, observa que o movimento se assemelha a um êmbolo: "Como um êmbolo, os grupos
de renda média vão ocupando os espaços de expansão do grupo de renda seguinte, que tem seu
locus de migração deslocado para a próxima porção do território" (p. 185).
(14) Coeficiente de aproveitamento: índice que, mul plicado pela área do terreno a ser edificado,
determina a área construída permi da para o lote. Para a u lização de instrumentos urbanís cos,
como PEUC (Parcelamento, Edificação e U lização Compulsórios), TDC (Transferência do Direito
de Construir) e OODC (Outorga Onerosa do Direito de Construir), é necessário, além da definição
do coeficiente de aproveitamento básico, também do mínimo e do máximo.
(15) A única área regulamentada foi o planalto da Nova Cintra, em 1970, por decreto, recebendo um
programa de ocupação com definição de projetos de interesse turís co (Santos, 1970).
(16) A expressão “coeficiente bruto” significa, no âmbito desta análise, a área total passível de ser
construída, somando-se as áreas computáveis e não computáveis. A expressão “coeficiente
líquido” leva em consideração apenas as áreas computáveis.
(17) Considera-se aqui “mais-valia” urbana nos termos da abordagem de Fernanda Furtado (Silva,
2014), como parte da valorização alheia à ação do proprietário decorrente de decisões
administra vas que importem em alterações da norma va urbanís ca ou decorrem da definição
destas, como os índices de aproveitamento do solo.
(18) Seções I, II e III do Capítulo VIII (“Do zoneamento de uso dos terrenos, quadras, lotes, edificações
e compartimentos”), I e VI do Capítulo X (“Das edificações nos lotes”) e anexos (mapas de
zoneamento e classificação viária) da lei municipal n. 3.529, de 16 de abril de 1968 (Plano Diretor
Físico do Município de Santos, suas normas ordenadoras e disciplinadoras, em Santos, 1968a).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 819
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
(20) A delimitação de dois dos Nides previstos na lei complementar n. 1.006, de 16 de julho de 2018
(Santos, 2018a), e os respec vos termos de compromissos assinados entre grupos empresariais
e a Prefeitura Municipal de Santos são objeto de Ação Civil Pública movida pelo Ministério
Público do Estado de São Paulo contra os referidos grupos, a Prefeitura, o prefeito e os
secretários municipais.
(21) Trata-se, aqui, de índices que interferem no aproveitamento do solo, como recuos, taxa de
ocupação, coeficiente de aproveitamento e gabarito.
(22) As áreas computáveis cons tuem-se nas áreas construídas previstas em projeto, cujos limites
são definidos a par r da mul plicação do coeficiente de aproveitamento estabelecido para a
zona onde se situa o imóvel pela área do terreno onde se deseja construir. Sendo assim, em um
terreno de 500 m², situado em uma zona em que o coeficiente de aproveitamento máximo é 5,
seria possível construir uma edificação de até 2.500 m². Considerando que o espaço des nado
à garagem de veículos nesse projeto não computasse e apresentasse 1000 m², seria possível
construir 3.500 m², por liberalidade da norma.
Referências
ABRAMO, P. (2001). Mercado e ordem urbana: do caos à teoria da localização residencial. Rio de
Janeiro, Bertrand Brasil/Faperj.
______ (2007). A cidade caleidoscópica: coordenação espacial e convenção urbana: uma perspec va
heterodoxa para a economia urbana. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
BERNDT, C.; BOECKLER, M. (2009). Geographies of circula on and exchange: construc ons of markets.
Progress in Human Geography, v. 33, n. 4, pp. 535-551.
CALLON, M. (2006). What does it mean to say that economics is performa ve? CSI Working Paper
Series 005. Paris, Centre de Sociologie de l´Innova on.
820 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
CARRIÇO, J. M. (2011). “Produção do espaço urbano voltada para as elites: doze anos de aplicação
da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo na área insular de Santos”. In: VAZQUEZ,
D. A. (org.). A questão urbana na Baixada San sta: polí cas, vulnerabilidades e desafios para o
desenvolvimento. Santos, Editora Universitária Leopoldianum, v. 1, pp. 145-176.
CARRIÇO, J. M.; BARROS, M. F. (2015). Crise de mobilidade urbana em Santos/SP: produção imobi-
liária, segregação socioespacial e desenraizamento. In: XVI ENANPUR. Anais... Belo Horizonte.
v. 1, pp. 1-20.
CHRISTOPHERS, B. (2020). Ren er capitalism: who owns the economy, and who pays for it? Londres,
Verso.
DIPASQUALE, D.; WHEATON, W. C. (1996). Urban economics and real estate markets. Nova Jersey,
Pren ce Hall.
EMTU (2013). Pesquisa mini origem-des no domiciliar da RMBS, 2012. São Paulo, EMTU.
FARIAS, L. A. C. de (2018). Mobilidade populacional e produção do espaço urbano na baixada san sta:
um olhar sociodemográfico sobre sua trajetória nos últimos 20 anos. Tese de doutorado.
Campinas, Universidade Estadual de Campinas.
FELDMAN, S. (2005). Planejamento e zoneamento: São Paulo: 1947-1972. São Paulo, Edusp/Fapesp.
HEALY, P. (2011). The universal and the con ngent: some reflec ons on the transna onal flow of
planning Ideas and prac ces. Planning Theory. Sage, pp. 188-207.
IMBROSCIO, D. (2019). Rethinking exclusionary zoning or: how I stopped worrying and learned to love
It. Urban Affairs Review , v. 57, n. 1, pp. 214-251.
LOPEZ-MORALES, E.; SANHUEZA, C.; ESPINOZA, S.; ORDENES, F.; OROZCO, H. (2019). Rent gap forma on
due to public infrastructure and planning policies: an analysis of Greater San ago, Chile, 2008-
2011. Economy and Space, v. 51, n. 7, pp. 1536-1557.
MARICATO, E. (2001) “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil”.
In. ARANTES, O. B. F.; VAINER, C.; MARICATO, E. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes.
PORTAL DO GOVERNO (2017). “Alckmin entrega o primeiro trecho do VLT da Baixada San sta: novas
estações e trens são incorporados ao trecho entre Barreiros, em São Vicente, e o Porto de Santos,
agora com 11,5 quilômetros”. SP No cias, 31, jan. Disponível em: h ps://www.saopaulo.sp.gov.
br/spno cias/alckmin-entrega-o-primeiro-trecho-do-vlt-da-baixada-san sta/. Acesso em: jul
2019.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 821
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
SANTOS (1968a). Lei municipal n. 3.529, de 16 de abril de 1968. Ins tui o Plano Diretor Físico do
Município de Santos, suas normas ordenadoras e disciplinadoras e dá outras providências.
Disponível em: h p://legislacao.camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/3059?Data=16%2F04%
2F1968. Acesso em: jul 2019.
______ (1970). Decreto-lei n. 114, de 13 de maio de 1970. Diário Oficial do Município de Santos.
SANTOS (1976). Lei municipal n. 4014, de 15 de março de 1976. Altera redação dos itens I do ar go
93 e I e III do ar go 239 da Lei nº 3.529, de 16 de abril de 1968. Disponível em: h p://legislacao.
camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/2899. Acesso em: jul 2019.
______ (1992). Lei complementar n. 53, de 15 de maio de 1992. Dispõe sobre a criação de Zonas
Especiais de Interesse Social – Zeis, estabelece normas para a implantação de Empreendimentos
Habitacionais de Interesse Social – EHIS e dá outras providências. Disponível em: h p://legislacao.
camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/5318?Data=15%2F05%2F1992. Acesso em: jul 2019.
______ (1996). Lei complementar n. 213, de 17 de abril de 1996. Disponível em: h p://legislacao.
camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/4319?Data=17%2F04%2F1996. Acesso em: jul 2019.
______ (1998b). Lei complementar n. 311, de 23 de novembro de 1998. Ins tui o Plano Diretor de
Desenvolvimento e Expansão Urbana do Município de Santos e dá outras providências. Disponível
em: h p://legislacao.camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/5347?Data=23%2F11%2F1998.
Acesso em: jul 2019.
______ (1999). Lei municipal n. 1.776, de 1º de julho de 1999. Cria e disciplina o Conselho Municipal
de Desenvolvimento Urbano, e dá outras providências. Disponível em: http://legislacao.
camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/1637. Acesso em: jul 2019.
______ (2011a). Lei complementar n. 730, de 11 de julho de 2011. Disciplina o ordenamento de uso e
dá ocupação do solo na área insular do Município de Santos, e dá outras providências. Disponível
em: h p://legislacao.camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/6357?Data=11%2F07%2F2011.
Acesso em: jul 2019.
______ (2011b). Lei complementar n. 731, de 11 de julho de 2011. Institui o Plano Diretor de
Desenvolvimento e Expansão urbana do Município de Santos e dá outras providencias. Disponível
em: h p://legislacao.camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/6066?Data=11%2F07%2F2011.
Acesso em: jul 2019.
______ (2011c). Lei complementar n. 729, de 11 de julho de 2011. Disciplina o orçamento do uso e
da ocupação do solo na área con nental do Município, dá nova disciplina à área de proteção
ambiental – APA, e dá outras providências. Disponível em: h p://legislacao.camarasantos.
sp.gov.br/Normas/Exibir/6251?Data=11%2F07%2F2011. Acesso em: jul 2019.
822 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
SANTOS (2018a). Lei complementar n. 1.006, de 16 de julho de 2018. Disciplina o ordenamento do uso e
da ocupação do solo na área insular do Município de Santos, e dá outras providências. Disponível
em: h p://legislacao.camarasantos.sp.gov.br/Normas/Exibir/27483. Acesso em: jul 2019.
______ (2018b). Lei complementar n. 1.005, de 16 de julho de 2018. Disponível em: Ins tui o Plano
Diretor de Desenvolvimento e Expansão Urbana do Município de Santos, e dá outras providências.
Acesso em: jul 2019.
______ (2019). Lei Complementar n° 1.087, de 30 de dezembro de 2019. Ins tui o Plano Municipal
de Mobilidade e Acessibilidade Urbanas de Santos, e dá outras providências. Disponível em:
h ps://www.santos.sp.gov.br/sta c/files_www/files/portal_files/SEDURB/lc_1087_de_30-12-
2019_com_alteracoes.pdf. Acesso em: abril 2021.
SILVA, F. F. de O. (2014). “Uma revisão das bases conceituais para um sistema de instrumentos de
polí ca fundiária urbana”. In. COSTA, M. de L. P. M.; SILVA, M. L. P. da (orgs.). Produção e gestão
do espaço – 10 anos de PPGAU/UFF. Niterói, Faperj/Casa 8.
TOPALOV, C. (1984). Ganancias y rentas urbanas. Elementos teóricos. Madri, Siglo XXI.
VILLAÇA, F. (1998). Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp/Lincoln Ins tute.
YUNDA, J. G.; BJØRN, S. (2020). Densifica on, private sector-led development, and social polariza on
in the global south: Lessons from a century of zoning in Bogotá. Ci es, n. 97.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 823
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
ANEXO
Tabela 1 – Síntese da contagem de alterações por período
Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Sistema Paisagem Limites Mobilidade
planejamento zonas
73 6 zona leste
86 5 zona leste 1
93 5 zona noroeste 1
240 5 zona noroeste 1
294 5 toda a cidade 1
74 4 zona leste 1
79 4 zona noroeste 1
198 4 toda a cidade 1
209 4 toda a cidade 1
232 4 zona leste 1
282 4 toda a cidade 1
324 4 toda a cidade 1
325 4 toda a cidade 1
72 3 zona leste orla 1
81 3 zona noroeste 1
85 3 zona leste orla 1
189 7 toda a cidade 1
210 3 toda a cidade 1
223 3 toda a cidade 1
225 3 toda a cidade 1
235 3 centro 1
239 3 zona noroeste 1
274 3 toda a cidade 1
356 3 toda a cidade 1
66 2 toda a cidade 1
69 2 toda a cidade 1
70 2 toda a cidade 1
82 2 zona leste e noroeste 1
88 2 centro 1
188 2 toda a cidade 1
190 2 toda a cidade 1
196 2 toda a cidade 1
197 2 toda a cidade 1
224 2 toda a cidade 1
231 2 zona leste 1
233 2 centro 1
234 2 centro 1
284 2 toda a cidade 1
285 2 toda a cidade 1
286 2 toda a cidade 1
287 2 toda a cidade 1
291 2 toda a cidade 1
292 2 toda a cidade 1
28 1 toda a cidade 1
61 1 toda a cidade 1
continua
824 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
continuação
Alterações na lei municipal n° 3.529, de 16 de abril de 1968 – Plano Diretor Físico
Sistema Limites
Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Paisagem Mobilidade
planejamento zonas
71 1 zona leste orla 1
75 1 centro 1
76 1 centro 1
77 1 centro 1
78 1 centro 1
80 1 zona noroeste 1
83 1 toda a cidade 1
84 1 zona leste orla 1
87 1 centro 1
89 1 centro 1
90 1 centro 1
91 1 centro 1
92 1 zona noroeste 1
94 1 zona noroeste 1
95 1 zona leste e noroeste 1
187 1 toda a cidade 1
191 1 toda a cidade 1
195 1 toda a cidade 1
200 1 toda a cidade 1
201 1 toda a cidade 1
202 1 toda a cidade 1
203 1 toda a cidade 1
204 1 toda a cidade 1
205 1 toda a cidade 1
206 1 toda a cidade 1
207 1 toda a cidade 1
208 1 toda a cidade 1
211 1 toda a cidade 1
222 1 centro 1
230 1 zona leste orla 1
250 1 toda a cidade 1
255 1 toda a cidade 1
272 1 toda a cidade 1
276 1 zona leste orla 1
298 1 toda a cidade 1
319 1 centro 1
326 1 toda a cidade 1
328 1 toda a cidade 1
334 1 toda a cidade 1
338 1 toda a cidade 1
343 1 centro 1
351 1 toda a cidade 1
352 1 toda a cidade 1
354 1 toda a cidade 1
355 1 toda a cidade 1
357 1 toda a cidade 1
404 1 toda a cidade 1
Totais 12 33 14 6 12 15
continua
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 825
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
continuação
Lei complementar n° 312, de 23 de novembro de 1998 – Lei de uso e ocupação do solo da área insular do município de Santos
Sistema Limites
Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Paisagem Mobilidade
planejamento zonas
13 7 toda a cidade 1
anexo II 7 toda a cidade 1
anexo III 7 toda a cidade 1
anexo IV 7 toda a cidade 1
anexo V 7 toda a cidade 1
26 6 toda a cidade 1
anexo VII 6 toda a cidade 1
8 4 parte cidade 1
82 4 parte cidade 1 1
anexo VI 4 1
anexo VIII 4 1
14 3 parte cidade
17 3 toda a cidade 1
28 3 parte cidade 1
72 3 centro e orla 1
anexo I 3 toda a cidade
18 2 toda a cidade
19 2 toda a cidade 1
24 2 toda a cidade 1
29 2 toda a cidade 1
40 2 toda a cidade 1
42 2 toda a cidade 1
56 2 toda a cidade 1
73 2 parte cidade 1
74 2 parte cidade 1
75 2 parte cidade 1
76 2 parte cidade 1
78 2 parte cidade 1
79 2 zona leste orla 1
83 2 parte cidade 1 1
84 2 parte cidade 1
85 2 centro e orla
86 2 parte cidade 1
87 2 centro 1
88 2 centro 1
89 2 centro 1
90 2 centro 1
91 2 centro 1
92 2 centro 1
15-A 2 toda a cidade 1
7 1 toda a cidade 1
10 1 toda a cidade 1
15 1 toda a cidade 1
20 1 toda a cidade 1
21 1 toda a cidade 1
25 1 toda a cidade 1
continua
826 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
continuação
Lei complementar n° 312, de 23 de novembro de 1998 – Lei de uso e ocupação do solo da área insular do município de Santos
Ar go Qtde. Local cidade Uso Constru vas Sistema Paisagem Limites Mobilidade
planejamento zonas
27 1 toda a cidade 1
30 1 toda a cidade 1
35 1 toda a cidade 1
36 1 toda a cidade 1
38 1 toda a cidade 1
39 1 toda a cidade 1
41 1 morros 1
43 1 toda a cidade 1
45 1 zona da orla 1
50 1 morros 1
51 1 zona leste e noroeste 1
52 1 morros 1
54 1 centro 1
55 1 centro 1
68 1 morros 1
70 1 zona leste e noroeste 1
71 1 morros 1
77 1 parte cidade 1
102 1 toda a cidade 1
103 1 toda a cidade 1
104 1 toda a cidade 1
107 1 toda a cidade 1
110-A 1 toda a cidade 1
16-A 1 toda a cidade 1
Totais 16 29 15 1 4 3
Lei complementar n° 730, de 11 de junho de 2011 – Lei de uso e ocupação do solo da área insular do município de Santos
16 1 toda a cidade 1
17 1 parte cidade 1
20 1 toda a cidade 1
22 1 toda a cidade 1
32 1 toda a cidade 1
35 1 toda a cidade 1
38 1 toda a cidade 1
anexo II 1 toda a cidade 1 0
Totais 5 3
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022 827
828
Tabela 2 – Copilação das leis de anis as do período – 1968 a 2018
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
Produção do espaço residencial em Santos/SP
829
Com prazo Prorrogação Com
Lei Qtde. Ano Local liberação Tipo uso Qtde. Tipo construção Qtde. (dias) de prazo (dias) pagamento
1 toda a cidade 0 mais de uma edificação no 1
mesmo lote
0 toda a cidade 0 recuos 1
Lei complementar n. 109,
de 20 de dezembro de 1993 0 1993 ZR e ZRE comerciais e serviços 1 0 240 Não
0 ZI serviços de apoio à 1 0
indústria e à retroportuária
0 ZR, ZCR, ZCC, ZCS e ZN industrial 1 0
1 toda a cidade 0 recuos 1
serviços de apoio à
Lei complementar n. 152, 0 1994 ZI indústria e à retroportuária 1 0 180 180 365 Não
de 14 de dezembro de 1994
0 ZR, ZCR, ZCC, ZCS, ZN e industrial 1 0
morros
única residência unifamiliar,
1 ZN e morros 0 com até 60 m 2 1
mais de uma edificação no
0 toda a cidade 0 1
Lei complementar n. 296, mesmo lote
de 26 de dezembro de 1997 1997 120 Não
recuos, até um pavimento, e
0 toda a cidade 0 de fundos, até 2 pavimentos 1
serviços de apoio à
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
0 ZI indústria e à retroportuária 1 0
construções ou acréscimos
1 toda a cidade usos permi dos 0 até 200 m2 1
0 toda a cidade 0 única residência unifamiliar
com até 60 m2 1
0 toda a cidade 0 mais de uma edificação no 1
Lei complementar n. 310, mesmo lote
1998 120 90 155 Não
de 16 de novembro de 1998 0 toda a cidade 0 recuos 1
guaritas, marquises,
garagens ou abrigos de
veículos, área de lazer,
0 toda a cidade 0 salão de festas,lavanderias,
1
ves ários, zeladoria e outras
dependências
830
Prorrogação de Com
Lei Qtde. Ano Local liberação Tipo uso Qtde. Tipo construção Qtde. Com prazo
prazo pagamento
construções ou acréscimos
1 toda a cidade usos permi dos 0 1
que tenham até 750 m 2
Lei complementar n. 378,
de 28 de dezembro de 1999 1999 mais de uma edificação no 90 120 Não
0 toda a cidade usos permi dos 0 1
mesmo lote
0 toda a cidade 0 recusos 1
construções ou acréscimos até somente os
1 toda a cidade usos permi dos 0 1
Lei complementar n. 425, 1500 m2 processos de
de 4 de janeiro de 2001 2001 NA NA Não
mais de ujma edificação no regularização
0 toda a cidade usos permi dos 0 1 em curso
mesmo lote
1 toda a cidade usos permi dos 0 2 edificações no mesmo lote 1 somente os
Lei complementar n. 507, 2004 processos de NA NA Sim
de 17 de novembro de 2004 0 toda a cidade usos permi dos 0 TO, CA e recuos 1 regularização
em curso
Total construções
Total leis anis as período 17 Total uso anis ados 10 32
anis ados
Marina Ferrari de Barros, Flavia da Fonseca Feitosa, Jeroen Johannes Klink
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 793-830, maio/ago 2022
A dimensão internacional
nas transformações urbanas
no bairro Floresta em Porto Alegre
The international dimension in the urban transformations
of the Floresta neighborhood in Porto Alegre
Vanessa Marx [I]
Gabriela Luiz Scapini [II]
Gabrielle Araújo [III]
Resumo Abstract
Neste artigo, buscamos compreender como a di- In this paper, we aim to understand how the
mensão internacional vem influenciando as trans- interna onal dimension has been influencing urban
formações urbanas no bairro Floresta, localizado transformations in the Floresta neighborhood,
na região do 4º Distrito de Porto Alegre. A agenda located in the 4th District of the city of Porto Alegre.
urbana vem sendo transformada na cidade a par- The urban agenda has been transformed in the city
r dos processos de financeirização em curso, com due to the ongoing financializa on processes, with
a alteração dos regimes urbanos e disputas nessa the alteration of urban regimes and local disputes.
região. A partir desse contexto, apresentamos a Based on this context, we present the methodology
metodologia desenvolvida com o intuito de captar developed in order to capture the mul scale issue in
a questão multiescalar no território, a formação the territory and the forma on of alliances, poli cal
de alianças, coalizões polí cas e parcerias público- coalitions and public-private partnerships. We
-privadas. Consideramos que a relação global-local consider that the global-local rela onship affects this
incide nessa região e, através da construção me- region and, through the methodological construc on,
todológica, buscamos incorporar o olhar dos ato- we aim to incorporate the point of view of social
res sociais com incidência no bairro Floresta, para actors with an impact on the Floresta neighborhood,
compreender as transformações que vêm ocorren- in order to understand the transforma ons that have
do no território. been taking place in the territory.
Palavras-chave: cidades; financeirização; interna- Keywords: ci es; financializa on; interna onaliza on;
cionalização; Porto Alegre; bairro Floresta. Porto Alegre; Floresta neighborhood.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5416 Crea ve Commons Atribu on
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
832 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 833
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
Uma rede pode se estabelecer com atores modelos de planejamento urbanos neoliberais
do exterior, estando em contato com outros que visam à promoção de lucro, sobretudo pa-
territórios, ou, no local, com atores sociais e ra os entes privados. Nessa lógica, as cidades
econômicos. Trabalhar em rede, portanto, su- são pensadas para atender às demandas dos
põe aceitar que não se pode avançar sem estar negócios, da especulação imobiliária e de um
vinculado a uma estrutura de interdependên- empresariado urbano crescente.
cias e complementaridades. É nesse sentido que surgem os modelos
O conceito de governança aparece nes- de “cidade como negócio” (Botelho, 2007) ou
se contexto e, segundo Rhodes (1996, p. 28), “cidades-empresas” (Vainer, 2013) e a "Cidade-
no sistema de interdependência internacional, -competitivo-empreendedora" representando
poderia representar: um “planejamento estratégico” descrito por
Ribeiro (2020). O lucro é colocado no centro
A erosão da autoridade dos Estados no
de sua organização socioespacial, e modelos
cenário internacional pelas múltiplas vias
(para baixo, para cima, a favor de novos com essa orientação pró-mercado acabam por
atores e de novos processos de trans- beneficiar setores privados de um capitalismo
nacionalização) e emergência de novas globalizado e neoliberal, em detrimento de
redes de intercâmbio multinível onde atender às necessidades básicas de vida urba-
intervêm tanto novos organismos supra-
na da população, que acaba tendo um déficit
nacionais, como entidades subnacionais.
em termos de vida urbana nas cidades, enfren-
Seria importante ressaltar que a crise fi- tando a precariedade e o baixo acesso a mo-
nanceira de 2008 trouxe alterações no sistema radia de qualidade, saneamento básico, rede
internacional colocando em novas posições de transportes e oportunidades para garantir o
os países; por um lado, os centrais do capita- desenvolvimento social pleno, e estando mais
lismo que cada vez mais afiançavam a aliança suscetível às diversas violências urbanas.
com o mercado; em por outro lado, as potên- Essa maneira pela qual as cidades têm
cias emergentes que ensaiaram um processo sido planejadas e pensadas, através dos mo-
distinto de inserção na economia internacio- delos neoliberais que beneficiam setores pri-
nal por meio da cooperação sul-sul e de no- vados e empresariais, antagoniza-se com uma
vas perspectivas de regionalização, como, por concepção de cidades para todos e todas,
exemplo, a formação dos Brics. sobretudo estando em oposição ao direito à
As novas dinâmicas descritas e o avanço cidade (Lefebvre, 2001). Entendemos que es-
neoliberal passam a influenciar na organização se direito seja coletivo, e que, através dele, a
socioespacial das cidades, na qual cada vez população possa interferir nos rumos das ci-
mais a influência internacional em um mundo dades, reinventando-as de acordo com seus
globalizado se faz presente. Em relação a esse desejos. No limite, esse direito também ates-
aspecto, observamos como o neoliberalismo ta a possibilidade de uma democratização dos
vem impondo redefinições no tecido urbano e meios de produção (Brenner, 2018). Essas de-
social nas cidades para atender aos seus propó- mandas de participação na vida e nas decisões
sitos de aumentar o acúmulo de capital. Com das cidades parecem cada vez mais cerceadas
isso, em diferentes países são implementados na atualidade e têm se acentuado no Brasil,
834 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 835
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
No Brasil, a financeirização poderia ser os atores que residem e/ou trabalham nesses
visualizada através das parcerias público-pri- lugares e que gostariam de permanecer neles,
vadas constituindo uma modalidade nova em apesar da tendência à gentrificação de diver-
termos da relação entre governo e as forças de sos bairros da cidade.
mercado. Na esteira dessas mudanças, no mu- Essa tendência atravessa a região na qual
nicípio de Porto Alegre, a lei n. 9.875/2005,2 centramos nossa pesquisa em Porto Alegre, o
que institui as Parcerias Público-Privadas 4º Distrito, o qual se destaca por ser a antiga
(PPPs), impactou na governança urbana local, zona industrial da cidade. Na atualidade, esse
na qual o poder privado parece assumir maior território apresenta grandes vazios urbanos,
protagonismo nas decisões sobre os territó- antigas plantas industriais e prédios históricos
rios, impulsionando o uso da terra urbana para com pouca conservação e/ou abandonados.
atender seus interesses. Localizada ao norte do centro histórico, a re-
A mercantilização da terra urbana e sua gião do 4º Distrito estende-se até a entrada da
exploração pelo capital privado e internacio- cidade, nas proximidades do aeroporto inter-
nal vêm se ampliando, ao mesmo tempo que nacional Salgado Filho, abrangendo os bairros
iniciativas de resistência de atores sociais vêm Floresta, São Geraldo, Navegantes, Farrapos e
ocorrendo. Existe uma disputa pelo território Humaitá. A localização do território em estudo
entre os representantes do capital financeiro e pode ser observada na Figura 1.
836 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
A região tem sido apresentada como re- à transformação (Marx, Araújo e Souza, 2021).
levante na agenda pública de desenvolvimento Em 2021, ainda no contexto da pandemia da
econômico e urbano na cidade por apresentar Covid-19, o cronograma de atividades para re-
uma baixa densidade demográfica ao mesmo tomar a revisão do Plano Diretor foi apresenta-
tempo que conta com uma infraestrutura ur- do pelo poder público. Os planos setoriais tam-
bana consolidada em terreno plano e traçado bém vêm sendo instituídos na cidade, através
xadrez contínuo formado por vias largas. A lo- do Programa de Reabilitação do Centro-Históri-
calização estratégica dessa área se justifica por co, aprovado em novembro do mesmo ano, e
estar situada na entrada da cidade, próxima do Programa +4D. Esses planos apresentam al-
aos bairros nobres da capital e ao centro his- terações urbanísticas específicas para cada uma
tórico e, no seu limite, com o lago Guaíba, que dessas regiões, com o objetivo de impulsionar
proporciona atrativos à paisagem urbana. os projetos de revitalização e atrair investidores
A região do 4º Distrito está presente na (Bisol, 2021). Isto poderia indicar uma fragmen-
agenda pública de desenvolvimento econômi- tação da cidade e alterações nos canais partici-
co e urbano na cidade, seguindo tendência já pativos sobre os processos urbanos.
observada em outras regiões da capital que Esses eventos poderiam se relacionar
vêm sendo retratadas e sendo analisadas em com a existência de regulamentações específi-
outras pesquisas (Soares, 2020). A Orla do cas que retratam a mercantilização da cidade
Guaíba e seu processo de revitalização (Soares e o aumento do empreendedorismo urbano
et al., 2019) seriam um exemplo com a cons- (Harvey, 2006). O processo de financeirização
trução de um bairro privativo na zona sul, às com viés fortemente neoliberal estimula a ex-
margens do lago Guaíba.3 O centro histórico pansão e a reestruturação urbana das grandes
seria outro exemplo de interesse do poder pú- urbes com alterações dos instrumentos de pla-
blico para revitalização, com a elaboração de nejamento urbano, com uso de sistemas de
um plano diretor próprio para efetivar as alte- crédito e com financiamento de capital estran-
rações urbanísticas (Silva, 2021). Esses proces- geiro (Campos, Tavares e Marx, 2021).
sos e alterações em curso na cidade têm se co- A nossa investigação, apesar de descre-
nectado à região investigada, conforme temos ver os acontecimentos inseridos no 4º Distrito
observado em discussões públicas na Câmara de Porto Alegre, centra-se no bairro Floresta.
Municipal de Porto Alegre e na Prefeitura Mu- Este se localiza na região central de Porto Ale-
nicipal de Porto Alegre. gre, fazendo divisa com a orla norte do lago
A análise dos planos diretores da cidade Guaíba e com os bairros Centro-Histórico, In-
identifica que o 4º Distrito vem sendo pensado dependência, Moinhos de Vento, Auxiliadora,
pela prefeitura como um espaço de interesse São João e São Geraldo. Suas principais aveni-
cultural, econômico e tecnológico, demarcado das são a Voluntários da Pátria, a Farrapos e a
como área de revitalização desde a década de Cristóvão Colombo, às quais correspondem a
1990. Na revisão do Plano Diretor em 2010, a via de acesso que conecta o aeroporto inter-
prefeitura definiu o 4º Distrito como área de nacional, no extremo norte, e o centro da cida-
Operação Urbana Consorciada (OUC), desig- de. Outro importante equipamento urbano de
nando a região como um território destinado mobilidade nessa área é a rodoviária.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 837
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
838 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
A partir dessa leitura, evidenciamos co- prefeitura de José Fortunati (PDT) e Sebastião
mo diversos projetos de reestruturação urba- Melo (MDB8), a capital candidatou-se e passou
na e/ou requalificação vêm sendo pensados a integrar o programa filantrópico global “De-
para a região do 4º Distrito de Porto Alegre, safio 100 cidades resilientes”, coordenado pela
incidindo no bairro Floresta, que passa a ser Fundação Rockefeller, que visa conectar cida-
incluído como parte integrante desta região. des de diferentes países e auxiliar na captação
Tais projetos se iniciam nos anos de 1995, com de recursos não onerosos para tornar as cida-
o Pacto Cidade Tecnópole. Porém, devido aos des mais resilientes, contando com reuniões
entraves políticos do período, esses projetos bianuais (Freitas, 2019).
não puderam ser concretizados. Em paralelo, ainda em 2013, o grupo
Observamos como o discurso sobre a ne- Cidadãos, Inovação, Tecnologia e Empreende-
cessidade e urgência de revitalizar a região in- dorismo (Cite), formado por empreendedores
tensificou-se nos últimos anos, acompanhan- e acadêmicos em tecnologia e inovação, via-
do o ritmo de transformações observadas na jou para o Vale do Silício, nos Estados Unidos
cidade de Porto Alegre, que passa a incentivar (Martins, 2013). Nessa viagem internacional,
cada vez mais a tecnologia e a inovação, ope- buscou-se acessar o centro econômico de
rando em uma lógica de cidade para o negó- inovação e tecnologia para encontrar parce-
cio. Esta vem se acentuando nos últimos anos, rias viáveis que levassem à frente a propos-
em especial a partir de 2021, com a formação ta de tornar o 4º Distrito de Porto Alegre o
de novas parcerias público-privado e incenti- lugar mais inovador da América Latina (Oli-
vos de uma articulação em diferentes níveis veira, 2017). Foram estabelecidas algumas
(internacional, nacional, regional e local). parcerias com iniciativas privadas internacio-
Na trajetória de planos e projetos de nais, e as universidades locais brasileiras tam-
revitalização para essa região, constatamos bém se somaram a esse empreendimento de
que, em 2009, na prefeitura liderada por José transformação da região, com a participação
Fogaça (coligação PPS 5-PTB6) e José Fortunati dos polos de tecnologia e inovação da Pon-
(PDT7), foi criado o primeiro Grupo de Traba- tifícia Universidade Católica (PUC-RS) e da
lho do 4º Distrito (GT-4D) e o Plano de Revitali- Universidade Federal do Rio Grande do Sul
zação do 4º Distrito (PR-4D), em parceria com (UFRGS) entre outras instituições de ensino
a Secopa (Secretaria Extraordinária da Copa do locais, que se juntaram a esses esforços de re-
Mundo) de Porto Alegre. O principal propósito, vitalizar a região.
naquele momento, era duplicar a avenida Vo- Além desses eventos relevantes na cida-
luntários da Pátria e conferir um novo uso aos de e na região do 4º Distrito e mais especifica-
prédios do seu entorno, muitos deles vazios mente no Floresta, também caberia destacar a
e desocupados (Wagner, 2019). Essa iniciati- consultoria realizada pelo Banco Mundial à re-
va se configurou como um momento inicial gião, sendo apoiada pelo Fundo Global Redu-
que foi continuado em 2013, através de novas ção de Riscos de Desastres (Global Facility for
articulações do poder público. O propósito de Disaster Risk Reduction – GFDRR), que resul-
revitalizar a região permaneceu e, na gestão da tou em um documento de assistência técnica
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 839
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
840 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 841
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
Já o “Alto Floresta” abrangeria a área nas Alegre – Barcelona, uma iniciativa de inova-
proximidades do Moinhos de Vento, estando ção social que busca desenvolver a economia
localizada entre as avenidas Farrapos e Cris- criativa nessa região, assim como conectá-la
tóvão Colombo, com a presença de artistas ao distrito de inovação de Barcelona, o 22@,
e pequenos empreendedores, bem como de além das redes de inovação e tecnologia for-
uma expansão cultural e imobiliária que apon- madas principalmente por startups.
ta para uma possível elitização do bairro, com Esses territórios do “Alto” e “Baixo” Flo-
marcas internacionais. Nesse sentido, também resta têm como ponto de (des)conexão/fricção
destacamos a chegada de novos atores so- a avenida Farrapos, importante avenida que
ciais, em especial na região do “Alto Floresta”, conecta o centro de Porto Alegre e sua região
representando setores da economia criativa metropolitana. No primeiro semestre de 2021,
e compartilhada. São empreendimentos de o projeto de requalificação da avenida Farra-
coworking, culturais, comerciais e artísticos pos no 4º Distrito foi selecionado pela AECID
que, em sua maioria, participam do chamado (Agência Espanhola de Cooperação Interna-
Distrito Criativo, fundado pela UrbsNova Porto cional para o Desenvolvimento) para receber
842 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
investimento integrando esses dois territórios civil) e que destina boa parte de seus projetos
com a retirada do corredor de ônibus e impul- para a transformações dessa região. Como,
sionar a entrada de maiores investimentos pri- por exemplo, o HandsOn 4D (Pacto Alegre,
vados para a região (Tomasi, 2021). 2019), que visa ser um kick-off de revitaliza-
Em meio a essa correlação de forças, ção criativa na região, engajando a comuni-
observamos como diferentes atores vão as- dade local, empreendedores e os agentes
sumindo maior protagonismo nas discussões, de inovação, através de experimentações
em especial aqueles que fomentam a região urbanas inovadoras; e tem atuado como um
como um território de inovação, a exemplo “laboratório de iniciativas” que promove a
do Pacto Alegre, que seria uma articulação inovação para atrair investimentos, reforçan-
baseada na quádrupla hélice (poder público, do lógicas de um empreendedorismo urbano
agentes privados, universidades e sociedade na cidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 843
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
844 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
As entrevistas permitem captar olhares ter algum tipo de envolvimento e/ou partici-
dos atores sociais acerca do território, a partir pação no bairro Floresta, ou serem afetados/
de suas experiências sociais no/em relação a beneficiados pelos projetos de requalificação
ele, e de como percebem a realidade que os urbana do 4º Distrito, e no bairro Floresta.
cerca. Optamos pela entrevista semiestrutura- Construímos uma amostra dos atores so-
da, a partir de questões predeterminadas, pos- ciais a serem entrevistados que contemplasse
sibilitando contrastar as falas entre diferentes a diversidade entre eles e que permitisse con-
atores, com um espaço maior para a flexibili- trastar as realidades e compreender as dinâmi-
zação e inclusão de novas perguntas quando cas da região. Assim, surgiu a necessidade de
necessário, assim como um maior tempo de construir os eixos analíticos para a pesquisa e,
fala. Com isso, debatemos a construção de um através deles, os integrantes do grupo subdi-
roteiro-guia da pesquisa, partindo dos concei- vidiram-se em grupos menores. Ao todo, de-
tos principais (financeirização, direito à cidade finiram-se quatro eixos: a) cultura e economia
e internacionalização das cidades) e avaliando criativa; b) as religiões e associações; c) assen-
quais eram os objetivos da investigação. Em tamentos, ocupações e loteamentos; e d) mer-
continuidade, passamos para a fase de seleção cado imobiliário e o poder público. Os detalhes
e mapeamento dos atores-chave do/no terri- sobre cada um dos eixos e suas características
tório. Priorizaram-se os atores que poderiam podem ser acessados no Quadro 1.
Fonte: informações ob das no campo de pesquisa do GPSUIC. Quadro elaborado pelas autoras, em 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 845
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
846 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
Eixos
Assentamento,
Cultura e Associações e Poder público e
Dimensões ocupações e
economia cria va religiões mercado imobiliário
loteamentos
Temas
Apresentação Vínculo
Intencionalidade Relação com o cole vo
Trajetória do ator e conhecimento e pertencimento
social Laços de pertencimen- Laços de pertencimen- Narra va sobre Relação com o cole vo
to com o bairro to com o bairro o bairro e com o espaço
Intencionalidade História do cole vo
Socialização no bairro Socialização no bairro
atuação no bairro no bairro
Inserção e vínculo
com o bairro Relações de vizihança,
Associa vismo e Redes de conflito e Relações pontuais
cooperação e conflito
par cipação cooperação no bairro e parcerias no bairro
no bairro
Percepção das
Transformação do Percepção Par cipação Par cipação
transformações
bairro (presente e
futuro) Percepção e conheci-
Projetos Percepção Par cipação
mento de projetos
Redes com Redes com a
Parcerias Redes e parcerias com
organizações da sociedade civil e
Redes ins tucionais outros projetos
sociedade civil en dades privadas
e interlocução
com outros Redes com organiza-
agentes ções culturais e da Parcerias com o poder Parcerias Relações e parcerias
economia cria va público ins tucionais com o poder público
(parcerias externas)
nas cidades. A dualidade entre o local-global pode refletir no território alterando os regimes
em nossas urbes e a complexidade da socie- urbanos da cidade. A problemática resulta em
dade contemporânea, atravessada pela pan- como captar a dimensão da escala e essas al-
demia da Covid-19, levam-nos a pensar novas terações que estão sendo produzidas. Para isso,
formas de compreender e estudar as cidades. buscamos discutir também a importância da
elaboração de metodologias sobre os estudos
urbanos que captem essas especificidades de
forma profunda, o que os planos e os documen-
Conclusões tos não retratam. Além disso, consideramos
que, através do olhar dos atores sociais, pode-
Este trabalho buscou contribuir com as dis- mos compreender as alianças, coalizões e redes
cussões acerca da relação global-local e de que são produzidas no território, assim como as
como através dessa relação o neoliberalismo disputas de resistências sobre ele.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 847
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
848 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
[I] https://orcid.org/0000-0002-3595-2883
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento
de Sociologia, Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, RS/Brasil.
vanemarx14@gmail.com
[II] https://orcid.org/0000-0002-7260-3586
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, RS/Brasil
gabrielascapini@gmail.com
[III] https://orcid.org/0000-0002-0560-3498
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de
Pós-Graduação em Sociologia. Porto Alegre, RS/Brasil
gabie.araujo@gmail.com
Notas
(1) A pesquisa “O 4º Distrito a partir do olhar dos atores sociais no bairro Floresta” vem sendo
desenvolvida no âmbito do grupo de pesquisa Sociologia Urbana e Internacionalização das
Cidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GPSUIC/UFRGS).
(3) Bairro Privativo Golden Lake realizado pela incorporadora Multipan. Disponível em: https://
bairrogoldenlake.com.br/. Acesso em: 28 dez 2021.
(4) Porto Alegre divide-se em oito Regiões de Gestão e Planejamento (RGP) e dezessete regiões do
Orçamento Par cipa vo (OP). Disponível em: h ps://www2.portoalegre.rs.gov.br/spm/default.
php?p_secao=127. Acesso em: 28 dez 2021.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 849
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
Referências
BANCO MUNDIAL (2020). Transformação urbana e financiamento de infraestrutura no 4° Distrito. Porto
Alegre. Disponível em: h ps://documents1.worldbank.org/curated/en/726521608667888848/
pdf/Execu ve-Summary-Portuguese.pdf. Acesso em: 29 jul 2021.
BOTELHO, A. (2007). A cidade como negócio: produção do espaço e acumulação do capital no município
de São Paulo. Cadernos Metrópole. São Paulo, n. 18, pp. 15-38.
______ (2018). Espaços de urbanização: o urbano a par r da teoria crí ca. Rio de Janeiro, Letra Capital/
Observatório das Metrópoles.
CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Cons tuição de frente parlamentar do 4º distrito. Disponível
em: h ps://www.camarapoa.rs.gov.br/draco/processos/136246/REQ69-21.pdf. Acesso em: 28
dez 2021.
CAMPOS, H.; TAVARES, S.; MARX, V. (2021). “O mercado da habitação em Porto Alegre: tensões e
disputas no 4º Distrito”. In: CARDOSO, A.; D’OTTAVIANO, C. (orgs.). Habitação e direito à cidade:
desafios para as metrópoles em tempos de crise. Rio de Janeiro, Observatório das Metrópoles.
FREITAS, M. (2019). Paim par cipa de encontro da rede 100 cidades resilientes. Disponível em: h ps://
prefeitura.poa.br/gvp/noticias/paim-participa-de-encontro-da-rede-100-cidades-resilientes
Acesso em: 25 jul 2021.
850 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
A dimensão internacional nas transformações urbanas...
______ (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Mar ns Fontes.
HICKMANN, C. (2015). Empresas do 4º Distrito terão desconto no IPTU. Jornal do Comércio. Disponível
em: h ps://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/2015/12/poli ca/472378-empresas-do-4-
distrito-terao-desconto-no-iptu.html. Acesso em: 8 jul 2021.
IBGE (2021). Brasil | Rio Grande do Sul | Porto Alegre. Disponível em: h ps://cidades.ibge.gov.br/
brasil/rs/porto-alegre/panorama. Acesso em: 27 dez 2021.
JACOBS, J. (2011). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, WMF Mar ns Fontes.
MARTINS, J. C., (2013). CITE quer agitar Porto Alegre. Disponível em: h ps://www.baguete.com.br/
no cias/13/05/2013/cite-quer-agitar-porto-alegre Acesso em: 20 dez 2021.
MARX, V. (2008). Las ciudades como actores polí cos en las relaciones internacionales. Tese de
doutorado. Barcelona, Universidad Autónoma de Barcelona.
MARX, V.; ARAUJO, G.; SILVA, L. H. A. (2020). “4º distrito e o bairro Floresta: avanço do empreendedorismo
urbano ante as dinâmicas locais do território”. In: BÓGUS, L.; GUIMARÃES, I. B.; PESSOA, Z. S.
(orgs.). Cidades brasileiras: temas e questões para debate. São Paulo, Educ, v. 1, pp. 5-366.
MARX, V.; ARAUJO, G.; SOUZA, V. G. de (2021). Relação global-local transformação urbana no 4º distrito
de Porto Alegre. Revista Polí ca e Planejamento Regional . Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, pp. 273-296.
PREFEITURA DE PORTO ALEGRE. Cadastro para empreendedores do 4º Distrito. Disponível em: h ps://
www2.portoalegre.rs.gov.br/smf/default.php?p_secao=267 Acesso em: 28 jul 2021.
RHODES, R. A. W. (1996). The new governance: governing without government. Poli cal Studies, n. XLVI.
ROBINSON, J. (2011). Ci es in a world of ci es: the compara ve gesture. Interna onal Journal of Urban
and Regional Research, v. 35, v. 1, pp. 1-24.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022 851
Vanessa Marx, Gabriela Luiz Scapini, Gabrielle Araújo
SOARES, P. R. R.; FEDOZZI, L. J. (2016). Porto Alegre e sua região metropolitana no contexto das
contradições da metropolização brasileira contemporânea. Sociologias. Porto Alegre, n. 42, ano
18, pp. 162-197.
SOARES, P. R. R. (2020). A produção do espaço urbano, financeirização e gestão urbana nas metrópoles
e cidades na atualidade. @metropolis Revista Eletrônica de Estudos Urbanos e Regionais. Rio de
Janeiro, n. 40, ano 11, pp. 35-42.
TOMASI, M. (2021). 4º Distrito: projeto de requalificação da avenida Farrapos é selecionado por agência
internacional. Disponível em: h ps://prefeitura.poa.br/gvp/no cias/4o-distrito-projeto-de-
requalificacao-da-avenida-farrapos-e-selecionado-por-agencia. Acesso em: 30 jul 2021.
VAINER, C. B. (2013). “Pátria, empresa e mercadoria notas sobre a estratégia discursiva do planejamento
Estratégico Urbano”. In: ARANTES, O.; VAINER, C. B.; MARICATO, E. A cidade do pensamento
único desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
______ (2019). A questão da sustentabilidade nas polí cas de desenvolvimento urbano: a reestruturação
urbana do Baixo 4° Distrito de Porto Alegre (1995-2016). Tese de doutorado. Porto Alegre,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
852 Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 831-852, maio/ago 2022
Cadernos Metrópole
Cad. Metrop., São Paulo, v. 24, n. 54, pp. 853-856, maio/ago 2022 Ar go publicado em Open Acess
h p://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2022-5417 Crea ve Commons Atribu on
Revisão por pares
Os ar gos serão subme dos à apreciação dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc
para emissão de pareceres.
Os ar gos receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto
dos autores quanto dos pareceristas.
A avaliação dos manuscritos segue as opções:
a) aceitar sem restrições
b) aceitar com correções
c) submeter novamente para avaliação
d) rejeitar
O tempo médio de avaliação é de 6 a 12 meses a par r da data de submissão até sua aprovação/rejeição.
Alguns casos podem ultrapassar esse período.
Os pareceristas se reservam o direito de emi rem comentários/conselhos, visando o aprimoramento do
manuscrito, respeitando o es lo e opinião dos autores.
Os manuscritos que receberem a avaliação (c) terão a submissão rejeitada. Para uma nova avaliação e
possível publicação, será necessário começar um novo processo, com a submissão do manuscrito revisado.
Os pareceristas que detectarem algum conflito de interesse na análise do manuscrito devem informar aos
editores, para que sejam realocados para outro trabalho.
Caberá aos organizadores da edição e aos Editores Cien ficos a seleção final dos textos recomendados
para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-cien fica, clareza de
ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema.
Ética da publicação
A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas.
A revista não aplica taxas de submissão, publicação ou de qualquer outra natureza em seus processos.
A revista possui rigoroso código de é ca em sua produção cien fica, com total comprome mento dos
profissionais envolvidos no processo editorial.
A revista u liza programas de detecção de plágio, para iden ficar e impedir a publicação de ar gos em
que possa ter ocorrido má conduta de pesquisa.
meradas, incluindo tabelas, gráficos, figuras, referências bibliográficas; as imagens devem ser em formato JPG/
PNG, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm;
• referências bibliográficas, seguindo rigorosamente as instruções especificadas abaixo.
É imprescindível o envio do Instrumento Par cular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e
assinado pelo(s) autor(es). Em caso de dúvida, consulte o Manual de Submissão pelo Autor.
A revista não publica texto de autoria ou (co)autoria de graduandos. Nesse caso, o nome do graduando
será citado como “Colaborador”.
O ar go que não seguir as instruções acima terá a submissão cancelada.
Referências
As referências, que seguem as normas da ABNT adaptadas pela Educ, deverão ser colocadas no final do ar go,
seguindo rigorosamente as seguintes instruções:
Livros
AUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Capítulos de livros
AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.).
. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O úl mo dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In:
VALLADARES, L. do P. (org.). . Rio de Janeiro, Zahar.
Ar gos de periódicos
AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do ar go. . Cidade, volume do periódico, número
do periódico, páginas inicial e final do ar go.
Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. .
Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
Edições
Todas as edições da Cadernos Metrópole podem ser consultadas nos endereços:
www.revistas.pucsp.br/metropole
www.cadernosmetropole.net
Rede Observatório das Metrópoles
Baixada San sta Universidade Federal de São Paulo Marinez Villela Macedo Brandão
Belém Universidade Federal do Pará Juliano Ximenes Ponte
Universidade Federal de Minas Gerais Jupira Gomes de Mendonça
Belo Horizonte
Pon cia Universidade Católica de Minas Gerais Luciana Teixeira Andrade
Rômulo José da C. Ribeiro
Brasília Universidade de Brasília
Frederico Rosa Borges de Holanda
Universidade Federal do Paraná Madianita Nunes da Silva
Curi ba
Ins tuto de Pesquisa Econômica Aplicada Rosa Moura
Maria Clélia Lustosa Costa
Fortaleza Universidade Federal do Ceará
Luis Renato Bezerra Pequeno
Goiânia Universidade Federal de Goiás Celene Cunha Monteiro A. Barreira
Maringá Universidade Estadual de Maringá William Antonio Borges
Natal Universidade Federal do Rio Grande do Norte Maria do Livramento M. Clemen no
Paraíba Universidade Federal de Campina Grande Lívia Izabel Bezerra de Miranda