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Copyright © Dos Autores, 2021.

2° edição - 2022

Revisão e preparação dos originais: Mauro Meirelles


Normatização: Mauro Meirelles
Edição e Diagramação: Mauro Meirelles
Capa: Luciana Hoppe
Tiragem: 300 exemplares impressos para distribuição digital.

A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em


parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).

Editora CirKula
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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) -
Código de Financiamento 001 / This study was financed in part by
the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- Brasil (CAPES) - Finance Code 001.
Este livro foi submetido a revisão por pares, conforme
exige as regras do Qualis Livros da CAPES.
TRANSFORMAÇÕES
COMUNITÁRIAS
PARTICIPATIVAS

Gabriela Coelho de Souza


Eber Pires Marzulo
Mauro Meirelles
(Organizadores)

2022
Dedicamos esse livro a memória de Breno
Aprato Marzulo e Jonas Araujo Lunardon,
bem como a todas as famílias que perderam
pessoas queridas vitimadas pela pandemia
agravada pela política deliberada de um gover-
no que jogou com a vida de centenas de milha-
res de brasileiras/os.

E, também aqueles/as que no meio do caos e


desespero mantiveram a tenacidade res/xistin-
do em reflexão e prática.
CONSELHO EDITORIAL

César Alessandro Sagrillo Figueiredo, José Rogério Lopes,


Jussara Reis Prá, Luciana Hoppe, Mauro Meirelles

CONSELHO CIENTÍFICO

Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela


Universidade da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Pro-
fessor da Universidade Católica Argentina (Buenos Aires).
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Humano da
Universidade de Taubaté.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de
Paris I - Panthéon-Sorbonne, Pós-Doutor pela Ecole de Hautes
Etudes en Sciences Sociales e Professor Titular da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de
Paris VII e Professor Titular do Departamento de Sociologia da
Universidade de Montreal.
Cíntia Inês Boll (Brasil) - Doutora em Educação e professora
no Departamento de Estudos Especializados na Faculdade de
Educação da UFRGS.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Pro-
fessor Adjunto da Universidade UFRGS.
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e
Professor na Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação, Profes-
sora Associada da UFSM e pesquisadora da AMF.
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Pro-
fessor Titular da Universidade Nacional de San Martín.
José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia
pela FFLCH- USP e professora da UEL.
Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor da
Faculdade de Educação da UFRGS.
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor
em Sociologia pela UFRGS e Professor do Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar Ciências Humanas da UFFS.
Lygia Costa (Brasil) - Pós-doutora pelo IPPUR/UFRJ e profes-
sora da EBAPE da Fundação Getúlio Vargas.
Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguís-
tica e Professora da UNESP.
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação,
Pós-Doutora pela UNED/Madrid e Professora da UFRGS.
Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social e
Pesquisador do LAVIECS/UFRGS.
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) - Doutor em Engenharia e
professor do Programa de Pós-Graduação em Avaliação de
Impactos Ambientais em Mineração do Unilasalle.
Stefania Capone (França) – Doutora em Etnologia pela Uni-
versidade de Paris X- Nanterre e Professora da Paris X-Nanterre.
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação, Profes-
sor do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação e do
Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFFS.
Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenage-
ment pela Universite de Paris XII, em Science Sociale pela Uni-
versité Paris 1 e Professora Titular da UFRGS.
Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Progra-
ma de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da
Universidade LaSalle.
Sumário
13 Prefácio
Um diálogo sobre experiências afins
em tempos distópicos
Eber Pires Marzulo

39 A inconstância da alma e os valores democráticos:


uma crítica à finitude instrumental dos conceitos
de democracia e participação no âmbito
da Ciência Política
Wrana Panizzi

59 From City-Wide Participatory Budgeting in NYC


to a Global Green New Deal: on the Power and
Role of PB in a Time of System Change
Michael Menser

121 Democracia e Inovação: transformações na


trajetória do espaço participativo no urbanismo e
planejamento urbano em Porto Alegre
Rafael Passos

155 Inovação sustentável e as ambiguidades


da tecnologia
Fabian Scholze Domingues

163 The Porto Alegre Sustainable Innovation Zone


(ZISPOA) and Participatory Community
Transformation
Marc A. Weiss
169 Os movimentos sociais brasileiros
e sua internacionalização
Vanessa Marx

191 Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar


e Nutricional e o coletivo Mbya Guarani no Sul
do Brasil: colaboração da academia em dinâmicas
de transformações comunitárias participativas em
diálogo com políticas públicas
Gabriela Coelho-de-Souza, Felipe Brizoela
e Rafaela Biehl Printes

241 Movimentos sociais e desenvolvimento local:


reflexões sobre o impacto do Orçamento
Participativo no território
Tarson Núñez

281 Posfácio
Ao vencedor as batatas: ou do niilismo que parece
estar fora do lugar
Mauro Meirelles

293 Sobre os Autores e as Autoras


Prefácio
Um diálogo sobre experiências afins
em tempos distópicos

Não se tem ainda certeza sobre o quanto o ano da


pandemia de 2020-21 está por trás do lançamento deste
trabalho apenas em 2022, ano de vacinação contra o ví-
rus que não para de se transmutar e assombrar o plane-
ta. No entanto, não deixa de ser coerente tal atraso, pois
2020/21 parece ter sido um ano, pois dois, pelo menos
desde fevereiro de 2020 até meados de 2021, que estão
sendo o mesmo enquanto ápice de experiência de com-
pressão espaço-temporal. Ano em suspenso, pelo menos
em termos da normalidade das atividades que como se
dizia até então passa ano, muda ano e as coisas seguem
iguais. Seguiam. Não foi assim em 2020/21 por um dos
piores motivos que apenas distopias avaliadas muito pro-
vavelmente como excessivamente inverossímeis e nada
fantásticas até então poderiam supor. Uma pandemia que
insiste em continuar com um vírus cujas mutações ainda
são avaliadas.
Logo, os artigos em sua compilação estão necessa-
riamente inseridos em um período particular da história
mundial. Mesmo produzidos em 2019, antes da pandemia
do COVID-19, já estavam incluídos em cenário distópi-
co, devido à emergência climática, subjacente à discussão
que os artigos trazem e que fomentaram as elaborações
que levaram a realização do Seminário, mais urgentes ain-
da com a eclosão da pandemia no início de 2020 quando
se começava a preparar esse livro.

13
O conteúdo aqui apresentado é extraído do 1º Se-
minário Internacional Transformações Comunitárias Par-
ticipativas, realizado em Porto Alegre entre 27 e 30 de
setembro de 2019, nas dependências da Faculdade de Ar-
quitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
e da Livraria e Editora CirKula, evento que recebeu nas
mensagens internas da organização o carinhoso acrônimo
de SITCOMPA, em clara alusão ao espírito do evento, ou
melhor, do espírito subjacente à pesquisa ao qual o evento
está associado, pois afinal o SITCOMPA foi um seminá-
rio que, simultaneamente, buscava estabelecer um patamar
básico de discussão para a pesquisa Transformação Comu-
nitária Participativa: inovação e sustentabilidade em Porto
Alegre, e consolidar uma abordagem cuja constituição vi-
nha ocorrendo ao longo de discussões na equipe de pesqui-
sa durante o ano de 2019. De certa forma, os artigos apre-
sentados são um ponto de chegada e, também, um ponto
de partida deste encontro entre pesquisa e evento.
Além do estabelecimento de uma abordagem para
as relações entre inovação e sustentabilidade e participação
comunitária participativa no âmbito da pesquisa, o SIT-
COMPA funcionou para consolidar a parceria com o Cen-
ter for the Studies of Brooklyn (CSB) do Brooklyn College/City
University of New York (CUNY), através do Prof. Michael
Menser. O caráter institucional e a relevância do trabalho
em conjunto com o CSB afirmam a centralidade do Prof.
Menser na interlocução, desde seu interesse em estudar e
comparar o que se passa em Porto Alegre com experiências
no Brooklyn, em Nova Iorque. As perspectivas ético-polí-
ticas e acadêmico-científicas comuns, com altíssimo nível
de proximidade, obviamente são bases que foram se apre-
sentando ao longo de uma interlocução que começa pelo

14
interesse político-intelectual e memória afetiva de Menser
com a Porto Alegre do Fórum Social Mundial e Orçamen-
to Participativo. E um primeiro encontro e discussão após
troca de e-mails em 2018, na CUNY Baccalaureate for Uni-
que and Interdisciplinary Studies, em plena 5ª Avenida.
Também se tem que referenciar a relevância dos dou-
tores, e no momento do seminário professores colabora-
dores do Programa de Pós-Graduação em Planejamento
Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS), Marc Weiss e
Tarson Núñez para a existência deste projeto. Ambos são
os principais responsáveis pela constituição da pesquisa e
incentivadores da colaboração com o CSB e, logo, figuras
chaves para a existência do Seminário e desse livro.
Obviamente todas as atividades – pesquisa, seminá-
rio e livro girando em torno ao esforço coletivo do Grupo
de Pesquisa Identidade e Território (GPIT/CNPq)1, tendo
algumas figuras chaves. Estudantes de pós-graduação, al-
guns já professores e estudantes de graduação cada um e
uma sabe a importância que teve. Aqui meu agradecimen-
to a cada um/a. Como também a tanto/as outras/os que
ajudaram ao GPIT se manter ativo desde seu início infor-
mal em reunião com o Grupo de Pesquisa Modernidade e
Cultura (GPMC/UFRJ) em um distante verão carioca de
2008. E ainda mais importante, durante a pandemia não
perdendo a indignação nem as atividades de reflexão e pro-
dução acadêmica2, apesar de mortes e doenças atingindo o
entorno afetivo imediato e familiar de muito/as do Grupo.
Pela importância, o GPIT exige uma breve apresentação.

1 GPIT. Grupo de Pesquisa Identidade e Território UFRGS.


Disponível em: https://www.ufrgs.br/gpit/about/.
2 GPIT UFRGS. Canal institucional no YouTube. Disponível em:
https://www.youtube.com/user/gpitufrgs/videos.
15
O Grupo surgiu formalmente em 2008 e desde então
não parou de realizar atividades de caráter acadêmico-inte-
lectual ligada à formação e experimentação de pesquisado-
res, muitas vezes ultrapassando a esfera estrita da reflexão
e se juntando a experiências de intervenção. Mais do que
um Grupo de Pesquisa, se constituiu ao longo de mais de
uma década como um coletivo de experimentação e ação
tendo como eixo uma abordagem fundada em compromis-
so ético-político na construção da troca de saberes, práticas
e conhecimentos como base para a diminuição das desi-
gualdades socioespaciais e, cada vez mais, tendo como ho-
rizonte práticas visando diminuir os efeitos da emergência
climática que atinge territorialmente aqueles já marcados
pelas injustiças e desigualdades socioeconômicas. Um eixo
de práticas que parece claro ao mesmo tempo com larga
amplitude, que vai de questões relativas a planos urbanos
e legislações territoriais até práticas e ações artísticas, sem-
pre encaminhadas à questão das injustiças socioespaciais e
problematizando o cânone acadêmico-científico, seja em
termos de seus parâmetros seja nos padrões de formulação
e apresentação. Daí certa facilidade em como os trabalhos,
sejam de extensão universitária, pesquisas, dissertações, te-
ses, em diferentes formatos como seminários, simpósios,
grupos de estudos, intervenções artísticas, debates, expo-
sições, visitas, audiovisuais, artigos, trazem em seu interior
uma postura de indignação derivada do inconformismo
com o status quo tanto quanto um compromisso com a
produção do conhecimento em perspectiva epistemoló-
gica fundada no pensamento crítico e em processo cada
vez mais intenso de abertura a outros saberes e práticas e,
logo, epistemes não dominantes. Por óbvio, tal trajetória é
nada disciplinar. Muitas vezes sequer disciplinada. Talvez

16
além de inter e transdisciplinar o GPIT seja um coletivo
atravessado pela indisciplina, pois inconformado e sempre
inquieto. A ver.
A perspectiva encontrada ao longo dos anos e por
princípio em constante mutação, tem sua constituição
inseparável da fomentação e existência da Rede Lati-
no Americana Imagem e Identidade e Território (Rede
LAIIT), rede cuja interlocução ocorre nas franjas das for-
malizações, mas que se afirma com certa sistematicida-
de desde o já citado encontro no verão carioca em 2008,
através do Simpósio Imagem e Identidade e Território,
nosso SIIT, que já foi bienal, mas que nos últimos anos
se tornou anual, todavia não tendo ocorrido em 2019 e
estando em um funcionamento online durante 2020/21
em formato cuja definição não se constituiu ainda. Mais
do que sempre totalmente work in progress. Nos anos em
que o SIIT, já com 8 edições até o ano de 2018, foi bienal,
nos intervalos realizávamos os chamados Ateliês, encon-
tros assumidamente experimentais que reuniam um con-
junto menor de grupos de pesquisas e não aberto ao pú-
blico. As experimentações dos ateliês foram trazidas para
dentro do SIIT, assumindo-se os riscos frente a convida-
dos e públicos externos aos grupos. Hoje a Rede LAIIT
conta com pesquisadores da FLACSO-Equador, Univer-
sidade de Buenos Aires (UBA/AR) e Universidade San
Martín (UNSAM/AR); e os grupos de pesquisa GPMC
(UFRJ), Desurbanidades (UFF), Entrópicos (UFG),
Nordestanças (UFAL), LaDA (UERJ), Le Metro (UFRJ),
Olho (UNICAMP) e Margem (UFRGS) de universida-
des brasileiras. Se a diversidade territorial e variedade de
localização acadêmica são particulares, pois há grupos e
pesquisadores ligados a Programas de Pós-Graduação, Fa-

17
culdades e Grupos de Pesquisa de Planejamento Urbano,
Arquitetura e Urbanismo, Psicologia, Design, Sociolo-
gia, Geografia, Antropologia e Arte de três países e cinco
Estados brasileiros reunindo doze grupos ou centros de
pesquisa, as formações e âmbitos de atuação são ainda
mais variados. Uma variedade que, em muitos casos, está
já na própria formação dos pesquisadores participantes
da rede pelo cruzamento de graduações com mestrados
e doutorados, sendo que em vários casos formações em
Programas de Pós-Graduação interdisciplinares. Enfim,
uma grande mescla que vem construindo um particular
amálgama ético-político-intelectual em entrelaçamento
assumidamente dependente de um convívio que remete
à concepção clássica da amizade filosófica.
Deste amálgama constitutivo e sempre em processo
de constituição do GPIT, ligado a recente interlocução
com o CSB pelo Prof. Michael Menser e as colaborações
dos pesquisadores Marc Weiss e Tarson Núñez, pode-se
entender um pouco do sentido a atravessar as diferen-
tes contribuições de colegas às questões da pesquisa e do
problema intrínseco às relações propostas entre sustenta-
bilidade e inovação e participação comunitária em uma
perspectiva transformadora no sentido de emancipatória
das condições de dominação do presente.
Não por acaso, o tema desta coletânea de artigos
sobre inovação e sustentabilidade e transformações comu-
nitárias e participativas se tornou especialmente atual em
época pandêmica, na medida em que os efeitos da devasta-
ção planetária e o fenômeno da globalização juntos criaram
as condições para a pandemia do COVID-19, agravada
por políticas neoliberais que se associaram a um reaciona-
rismo com traços antidemocráticos e até mesmo fascistas,

18
conforme nos apresentou o ceticismo tornado realismo de
Davis3. Paralelamente, os mecanismos de operação capazes
de permitir a continuidade da existência socioeconômi-
ca estiveram fundamentados na apropriação por parcelas
significativas da população de inovações tecnológicas e na
necessidade de criação de condições de vida mais sustentá-
veis tendo como suporte, em especial aos pobres e camadas
populares mundiais, ações comunitárias que em muitos
casos se constituíam a partir de experiências anteriores de
organização popular.
Sem dúvida, os ganhos das corporações globais de alta
tecnologia, as Big Tech e do sistema Big Pharma aliados à di-
fusão de mecanismos de controle social através das tecnolo-
gias informacionais estabeleceram profundos vínculos entre
o capitalismo global e os Estados neoliberais contemporâ-
neos exigindo resistência e resiliência no sentido da criação
de práticas táticas à la Certeau4 de apropriações da tecnologia
de controle transformadas em base tecnológica para o esta-
belecimento de vínculos e constituição de redes de auto sus-
tentação e de manutenção da vida e criação. Como vivemos
no passado e presente e provavelmente seguiremos vivendo
nessa era pandêmica. Tal qual a incorporação na indumen-
tária do uso da máscara que talvez se torne mais comum
a partir de 2020/21, afinal os vírus propagadores de SARS
seguem se proliferando e potencialmente cada vez mais pró-
ximos de novos ataques à humanidade, em virtude das di-
3 DAVIS, M.; et AL. Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos,
2020. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/
documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/
BibliotecaDigital/BibDigitalLivros/TodosOsLivros/Coronavirus-e-a-
-luta-de-classes.pdf.
4 CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis:
Vozes, 1996.
19
mensões populacionais e de ocupação de florestas, associadas
às facilidades de deslocamento em escala mundial.
Ao final dos primeiros quarenta e cinco dias de qua-
rentena, em algumas notas trocadas com colegas surgiram
questões sobre as relações entre espaço e pandemia. Muitas
destas notas seguem atuais e por isto em parte as retomo. Em
geral tem como questão os efeitos da era pandêmica3 no es-
paço urbano e em suas relações com o rural e o não-urbano.
Da questão que emergiu como central sobre as altas densida-
des se estabeleceu um reposicionamento do problema para
a aglomeração. Perguntas neste sentido foram debatidas via
grupos e as respostas tanto iluminaram aspectos quanto dei-
xaram respostas em aberto. Apresento uma síntese dos temas
trazidos e breves comentários críticos:

1) A questão não é um modelo de ocupação territorial,


mas distribuição e acesso a equipamentos de saúde. No
entanto, mesmo tendo mais e melhores e mais rápidos
acessos aos serviços nas densas áreas urbanas, ainda assim
nos contaminaríamos e sofreríamos dores, com mortos e
elevados custos sociais e econômicos para as populações.
Como resposta imediata o acesso a serviços avançados de
saúde funcionou, assim como vacinas e medicamentos e,
neste caso, o uso de máscaras. Porém, se projetarmos uma
intensificação de pandemias, como tem sido nos últimos
anos, com SARS e Influenza, Gripe Aviária e Suína, e
agora o COVID-19, cada vez mais rápidas em sua pro-
pagação e mais patogênicas, não deveríamos pensar nosso
padrão de concentração urbana e atividades de massa?

2) A cidade densa é melhor para acessar os serviços. Este é


um argumento geral, mas no caso de pandemias parece me-

20
lhor evitar ou diminuir a densificação devido à propagação
que ocorre por proximidade, por meio de uma diminuição
da densificação estabelecida no atual padrão de assentamen-
to humano, pois a pressão sobre os serviços de saúde pode
ser insuportável, como se demonstrou em inúmeros casos
em momentos críticos. Todavia, sem dúvida a densificação
de atividades facilita em termos de custos e mesmo de acesso.

3) A cidade extensa apresenta ainda potencial de maior


contaminação. Isso por causa do afastamento das necessi-
dades dos serviços de saúde estar associada à mobilidade em
massa e, portanto, da possibilidade de gerar contaminação
e propagação. No caso das periferias urbanas pobres temos
mais camadas de propagação, pois além de precisarem se
deslocar para buscar renda por meio de transportes públi-
cos superocupados, vivem em um território urbano de alta
densidade e onde há poucos, fracos ou nenhum serviço de
saúde, como diferentes níveis, da inexistência à intermitên-
cia, de acesso à infraestrutura mínima necessária à saúde
sanitária e a realização de atividades produtivas à distância.

4) O maior problema será a falta de saneamento básico que


funciona melhor em cidades densas. O argumento não pa-
rece razoável no quadro epidêmico, porque a pandemia está
ocorrendo em áreas e cidades com boa infraestrutura urba-
na. Mantendo-se o problema da propagação no contexto
de proximidade social, pois a velocidade de propagação na
população de áreas densas foi alta e letal onde poderíamos
pensar que o sistema de saúde suportaria melhor e as res-
postas seriam mais rápidas ainda. Supõe-se assim se con-
tinuaria sob condições de repetição do quadro crítico que
ocorreu em muitos locais e em diversos momentos, além da

21
possibilidade que outros e novos vírus possam surgir sem
sabermos seu comportamento. Todavia é inquestionável a
necessidade do direito à infraestrutura urbana e habitação
digna como forma de diminuição da propagação.

5) A culpa é do neoliberalismo e das políticas neoliberais.


Os efeitos seriam menores sem as políticas neoliberais das
últimas décadas, parece indiscutível. As informações de-
monstram que Estados sociais e governos com políticas
sociais mais fortes, como os países escandinavos, e sua in-
feliz exceção sueca, e alguns da Oceania, além de Portugal,
apresentaram dados muito melhores do que países com go-
vernos mais liberais e mais ainda frente aos governos neo-
liberais. Por outro lado, alguns Estados autoritários como
a China ou mesmo a Coréia do Sul, apresentaram bons
níveis de controle da epidemia, apesar dos dados questio-
nados da China, segundo o governo dos Estados Unidos –
obviamente questionamento não desprovido de interesses.
O neoliberalismo contemporâneo, em particular em sua
manifestação através de governantes fascistas que se afir-
maram como incapazes e desinteressados em enfrentar a
pandemia, seja por incompetência ou darwinismo social
barato aplicado como necropolítica5 e biopoder6, cuja com-
patibilidade e associação a interesses econômicos privados
são imediatas, parece ter sido central na escala pandêmica.

6) Cidade-jardim e Ville Radieuse: de volta à unidade do


bairro. Esse argumento não foi exatamente usado, mas

5 MBEMBE, A. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de ex-


ceção, política da morte. São Paulo: N-1, 2018.
6 FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Edições Graal: Rio de Ja-
neiro, 1985.
22
alguns analistas em artigos sobre as cidades em contexto
epidêmico trouxeram esses modelos de ocupação como
melhores padrões e daí propondo sua atualidade no de-
bate sobre a cidade na era pandêmica. As críticas a esses
modelos já estabelecidas não parecem sofrerem de de-
satualização frente às mudanças trazidas pelo contexto
pandêmico, porque os altos custos econômicos e sociais
desses modelos permanecem tanto quanto os custos de
sua estruturação espacial segregadora. Já a diminuição da
diversidade, fator engendrado à convivência e, portanto,
a menor proximidade social derivada desses modelos, e a
consequente incidência na perda da ambiência urbana,
talvez não tenham mais o mesmo impacto social que na
normalidade anterior à crise pandêmica. Porém, o zonea-
mento como ideia-chave desses modelos traz o mesmo
problema da cidade extensa ao produzirem altos custos
de transporte e, portanto, de energia, e assim o risco dos
efeitos da propagação do vírus através da aglomeração in-
trínseca à necessidade de viagens urbanas longas.

7) O quadro real de propagação e letalidade é uma exceção.


Não é a interpretação de teóricos como Davis3 e Latour7 ou o
que dizem epidemiologistas8. Parece antes uma característica
das primeiras décadas do século XXI cuja curva de propaga-
ção e letalidade vem aumentando nas diferentes epidemias,
fora casos excepcionais e até agora bastante localizados como
o do Ebola. No entanto a capacidade técnico-científica pa-

7 LATOUR, B. Imaginar gestos que barrem o retorno da pro-


dução pré-crise. Disponível em: http://www.bruno-latour.fr/sites/
default/files/downloads/P-202-AOC-03-20-PORTUGAIS_2.pdf.

8 ÁTILA IAMARINO. Canal no YouTube. Disponível em: https://


www.youtube.com/c/AtilaIamarino/featured.
23
rece demonstrar capacidade de responder à crise de modo
inédito, seja através das redes informacionais permitindo em
parte a continuidade de atividades mesmo em largos perío-
dos de isolamento social, ou da produção de vacinas, em que
pese dificuldades de produzir nos volumes necessários devi-
do ao grau de letalidade e gravidade da doença no início da
produção. No entanto, o problema está se concentrando na
distribuição mundial, pois essa a escala do problema, e nas
logísticas de distribuição nacionais, em especial nos países
extensos e de grande população, fora, obviamente o caso dos
ricos da América do Norte, em particular os EUA que, aliás,
cumpriram função de aguçamento da crise ao retiraram o
acesso de milhões de doses de vacinas à população mundial
ao concentrarem a compra do sistema Big Pharma em que
tem papel central. Concentração que se não houvesse ocor-
rido teria provavelmente diminuído o número de mortes e
enfermos graves no mundo, caso as doses fossem distribuí-
das conforme necessidades e proporções por agências inter-
nacionais humanitárias.
Não se tem ainda um alto nível de informação sobre
a propagação do COVID-19 em áreas rurais, áreas naturais,
ou pequenas cidades desconectadas dos fluxos globais e in-
tranacionais com as grandes cidades. Enfim, pelo menos no
Brasil parece serem poucos dados em geral, embora o esforço
institucional e intelectual de operar sem recursos, pois com
as fontes de financiamento diminuídas ou extintas, e menos
ainda a existência de pormenorização de dados desagregados.
Talvez dados comparativos entre áreas rurais e pequenas ci-
dades desconectadas ou pouco conectadas ao fluxo global ou
nacional e as grandes cidades possam trazer uma perspectiva
analítica distinta, no entanto, as notícias e informações dis-
persas apontam para um movimento do vírus em se deslocar

24
para populações dispersas aglomeradas e mais jovens, depois
de atacarem os mais aglomerados e frágeis, em especial idoso/
as e doentes. E muitas vezes nessas localidades/municípios se
tem mais problemas logísticos para elevar os níveis de imuni-
zação da forma mais eficaz até hoje descoberta: a vacinação.
Se os dados das grandes cidades-metrópoles são muitas vezes
imprecisos e defasados, o problema se torna ainda maior nas
pequenas localidades, em particular no caso brasileiro ao se
tratar do chamado Brasil profundo. Além dos problemas de-
correntes para fins comparativos mundiais. Infelizmente, as
informações dispersas mostram que o problema não arrefece
em função da capacidade adaptativa do vírus em populações
aglomeradas dispersas e mais jovens. Enquanto circula se
adapta dizem os virologistas9. A falta de dados se soma aos de-
mais problemas. E o mau exemplo de referência de desmonte
da produção de dados no Brasil é razoavelmente recente e não
se estava em período tão crítico. Os efeitos sobre a implanta-
ção de políticas foram graves pela falta de descrição numérico-
-quantitativa gerada quando o governo Collor (1990-1992)
adiou o Censo de 1990 para 1991 e ainda o realizou de forma
desestruturada. Três décadas depois o problema retorna ao
Brasil de 2021 sem Censo de 2020, em mais um desmanche
de linhas de tempo fundamentais para análise. E se segue sem
saber se haverá Censo ainda nesse governo (2019-2022). Um
país cronicamente inviável em 2000 retorna10. Quase duas
décadas de grandes avanços e imensos problemas enfrentados

9 LIVE 12/01 - Novas variantes e novas vacinas, 2021. 1 vídeo (71


min). Publicado pelo canal Átila Iamarino. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=LtjBFzTEO_k.
10 CRONICAMENTE Inviável. Direção de Sérgio Bianchi. Brasil:
Europa Filmes, 2000. 1 DVD (101 min.). Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=bO8x1xXkHto.
25
depois voltamos ao nível da inviabilidade por uma associação
que já se sabe entre capital financeiro-imobiliário, agronegó-
cio, militares e milicianos de diversos níveis e inserção que
tomou quase de assalto o Estado Brasileiro. Não se trata de
ênfase retórica tratar o resultado das últimas eleições (2018)
como um assalto ao Estado brasileiro sobreposto ao golpe hí-
brido (ocorrido em agosto de 2016)11, desde os resultados de
julgamentos de recursos anos depois do candidato impedi-
do de disputar as eleições de 2018 e depois preso por quase
dois anos, uma espécie de declaração de arrependimento pela
Suprema Corte brasileira dos efeitos trágicos que decisões
viciadas do sistema jurídico trouxeram, sobre condições que
permitiram um resultado eleitoral que se pode quantificar em
mortes. Enfim, sabe-se o ponto.
Para além do beco com poucas saídas que o sistema
de poder estabelecido brasileiro engendrou, pode-se pro-
por um vetor analítico através da crítica à aglomeração
intrínseca à concentração de serviços e população deri-
vada da acelerada e intensa concentração de capital12; e
sua territorialização. Logo, o problema da aceleração da
concentração de capital seguirá e segue ainda mais urgen-
te como questão central da agenda de pesquisa e planeja-
mento territorial. Afinal, a diminuição da ocupação con-
centrada e de seu efeito de aglomeração, e os riscos letais
decorrentes da era pandêmica, implicam na constituição
de alternativas que resgatem os ganhos do convívio com
diferentes tipos de experiências socioespaciais e do acesso

11 COSTA, S. K. Guerras híbridas, das revoluções coloridas aos


golpes. Conjuntura Austral, v. 10, n. 51, pp. 139 - 143, 2019.
12 PIKETTY, T. O Capital no século XXI. Rio de Janeiro: Editora
Intrínseca, 2014.; HARVEY, D. Para Entender o Capital. São Paulo:
Editora Boitempo, 2013.
26
público aos serviços e à infraestrutura urbana típicos da
experiência das grandes metrópoles.
A alternativa incentivada em muitos países de uso do
comércio local e ao incremento da tendência à chamada cida-
de de 15min, na definição da prefeita de Paris Anne Hidalgo
(2014 – atual), ou da proximidade, em que os serviços ne-
cessários para a vida cotidiana estejam acessíveis em desloca-
mentos a pé ou por veículos não-motorizados no máximo a
15 minutos de distância, absolutamente pertinente e herdeiro
da crítica de Jacobs13, pois junta o enfrentamento à emissão
de carbono e pandemias à diminuição das aglomerações que
o padrão de ocupação por shopping centers, torres corpora-
tivas, condomínios fechados e grandes deslocamentos em
transportes de massa ou veículos particulares privados apre-
senta. Padrão de ocupação de aglomeração que se assenta so-
bre estrutura urbano-metropolitano da cidade espraiada, no
caso latino-americano14 de segregação extremada. Segregação
socioespacial que se estabelece através da interseccionalida-
de de territórios femininos, jovens, negros, indígenas, pobres
em geral, ou seja, uma estrutura territorial socioespacial que
impõe o tratamento desde o espaço enquanto dimensão in-
dissociável da interseccionalidade. Perspectiva analítica neces-
sária para se criar alternativas possíveis, desde as práticas do
cotidiano4 e do saber de homens/mulheres lentos15, embebi-

13 JACOBS, J. Morte e vida das grandes cidades. WMF Martins


Fontes: São Paulo, 2011.
14 SCHAPIRA, M.-F. P. Amérique Latine : conflits et environnement,
« quelque chose de plus ». Problèmes d’Amérique latine, n. 70, pp. 5-11,
2008. ; KATZMAN, R. Seducidos y abandonados: el aislamiento social
de los pobres urbanos. Revista de la CEPAL, v. 75, pp. 171-189, 2001.
15 SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica, Razão e Emoção.
São Paulo: Edusp, 2006.
27
dos e inalados por princípio com outros/as seres de diferen-
tes cosmogonias em uma tessitura de naturezas em diversos
níveis e aparições e expressões cujo reconhecimento implica
em adesão a outras dimensões para que o céu pare de cair e os
xapiris sigam pela floresta16. Um viés de análise pressupondo
as condições e peculiaridades das espacializações. E se esfor-
çando em reconhecer outras naturezas além da humana.
O efeito pandêmico sobre a publicação acabou por
colocar outra camada de atualidade e problematização in-
trínseca ao eixo do conjunto dos artigos, mesmo que ne-
nhum tenha projetado tal grau de catástrofe, embora a di-
mensão catastrófica da contemporaneidade já esteja aqui,
seja na abordagem sobre a experiência participativa trazida
por Michael Menser, ou nos enfrentamentos à vulnerabili-
dade nutricional colocado por Gabriela Coelho-de-Souza,
Rafaela Biehl Printes e Felipe Brizoela, a partir de experiên-
cia de troca de saberes e práticas e conhecimentos técnico-
-científicos. De forma indireta, o conjunto dos artigos ao
apresentar experiências e análises de processos de inovação
e sustentabilidade participativa comunitária com foco em
escalas territoriais permite à/o leitor/a estabelecer um diá-
logo com as possibilidades de preservação e continuidade
da existência planetária suscitada pelas abordagens.
Nessa perspectiva, tem-se a análise do professor e pes-
quisador Michael Menser, que conheceu Porto Alegre em
2001 no Fórum Social Mundial - e quem esteve no fórum
entenderá por que o autor estabeleceu uma memória afetiva
com a cidade. Na visita, conforme contou em sua fala no
SITCOMPA, além dos debates e atividades culturais inten-
sas com uma profusão de pessoas dos mais variados pontos

16 KOPENAWA, D.; ALBERT, B. A queda do céu: Palavras de um


xamã yanomami. Companhia das Letras: São Paulo, 2015.
28
do planeta que começavam a ser nomeadas de altermundia-
listas, aqueles que entendem possível a construção de um
outro mundo, o que por si só já estabeleceria uma relação
fraterna com a cidade, ele descobriu a experiência do Orça-
mento Participativo. O resto da história pode ser encontra-
do em artigos, livros e palestras17, mas tem ecos em alguma
medida em seu artigo From city-wide participatory budgeting
in nyc to a Global Green New Deal: on the power and role of
PB in a time of system change, no qual apresenta a extensão da
experiência do OP em Nova York e seu potencial para fun-
damentar o Green New Deal global como eixo de mudanças
do sistema capitalista. A reflexão de Menser está logo após o
artigo de abertura dessa coletânea da Profa. Wrana Panizzi.
Em A inconstância da alma e os valores democráticos:
uma crítica à finitude instrumental dos conceitos de demo-
cracia e participação no âmbito da Ciência Política, encon-
tram-se como pontos de fuga as duas vertentes da trajetória
intelectual da Profa. Wrana Panizzi, a Filosofia e o Plane-
jamento Urbano, com a precisão e engajamento que mar-
cam sua contribuição às questões candentes e estruturais da
sociedade nacional brasileira. Para quem se interessa sobre
os problemas territoriais com incidência na estrutura social
brasileira, desde um diálogo com a filosofia clássica, um arti-
go indispensável. A Profa. Wrana Panizzi tem como uma de
suas características centrais o compromisso com o ensino e a
pesquisa, assim nos últimos anos tem trazido contribuições
mais sistemáticas à discussão sobre a função da universida-
de18, sem se afastar da participação intensa e sistemática com

17 MENSER, M. We decide!: theories and cases in participatory


democracy. Philadelphia: Temple University Press, 2018.
18 PANIZZI, W. (Org.). Universidade: um lugar fora do poder. Por-
to Alegre: UFRGS, 2002.
29
contribuições a produção e formação acadêmico-científica
incontornável para a questão do planejamento urbano e re-
gional no Brasil19. Sempre com um olhar particular no que
tange à cidade de Porto Alegre e ao Estado do Rio Grande
do Sul. Sugiro aos que não conhecem a trajetória brilhante
e longeva da Profa. Wrana façam o mais fácil: busquem seus
artigos, livros, palestras e outras intervenções públicas.
Mesmo não sendo algo deliberado, e aqui há algo
breve e irrelevantemente confessional, os artigos que abrem
a coletânea têm dois autores filósofos debruçados sobre a
urgência do presente. Mais além, teremos ainda mais um
autor oriundo da formação em Filosofia.
Em seguida ao artigo de Michael Menser temos estu-
do histórico detalhado do arquiteto Rafael Passos, formado
nos bancos da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, ati-
vista urbano, pesquisador acadêmico das questões da cida-
de de Porto Alegre e presidente do IAB-RS (2017-2023)
e vice-presidente do IAB nacional (2020-2023), em que
trata da normatização urbana de Porto Alegre através de
Planos e o campo de disputa sobre a cidade, instaurado
desde a implantação de Conselhos, característica marcante
e peculiar da gestão de Porto Alegre, talvez não por acaso
cidade impulsionadora no fim do século XX da experiên-
cia do Orçamento Participativo que segue se expandindo
mundialmente, embora em crise na cidade polo. No artigo
Democracia e inovação: transformações na trajetória do espaço
participativo no Urbanismo e Planejamento Urbano em Porto
Alegre encontra-se de saída o peso na estruturação urbana
e no urbanismo-planejamento urbano, conforme a defini-
ção do autor, do Cais do Porto de Porto Alegre e de sua
centralidade no primeiro Plano encontrado oficialmente
19 PANIZZI, W. Outra vez Porto Alegre. Porto Alegre, CirKula, 2016.
30
como referência de outros tantos lá no distante início do
século XX, em 1914. Cais do Porto sempre tema tão atual
e mais uma vez em debate e disputa com a entrada previs-
ta de grandes agentes operadores de dita desestatização e
produção de valorização de ativos fundiários em processo
em curso em Porto Alegre (2021), também contribuindo
profundamente para se entender a centralidade de proces-
sos participativos e a relação com instâncias municipais
que incorporam atores da sociedade civil no debate sobre
as questões urbano-territoriais de Porto Alegre.
Em Inovação sustentável e as ambiguidades da tecno-
logia, breve e denso artigo do professor e pesquisador da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS Fabian
Scholze Domingues e coordenador do Núcleo de Estu-
dos, Pesquisa e Extensão sobre Migrações (NEPEMIGRA/
UFRGS), tem-se uma abordagem “anticlímax”, conforme
sua definição. O filósofo-economista ou vice-versa, em rá-
pidas pinceladas que configuram com precisão questões
candentes da questão central do livro, apresenta uma vi-
são crítica da ideia de inovação, pois ambígua por princí-
pio, em particular em seu sentido econômico de inovação
tecnológica. Desde Hans Jonas, passando pelo Genesis e
Fausto, até Descartes se tem um passeio para situar a ambi-
guidade em que o capitalismo fundado na inovação tecno-
lógica nos colocou como espécie em ação no planeta. As-
sim como a sustentabilidade se transformou em marca que
produz valor imediatamente econômico, muitas vezes em
mercadorias e serviços explicitamente insustentáveis, pois
produtores de efeitos geradores da emergência climática.
Também problematizando a relação entre participação co-
munitária e inovação sustentável, na medida em que a in-
terseção destes dois aspectos traz imediatamente a proble-

31
mática do conhecimento técnico-científico e, logo, restrito
ao domínio geral e daí encaminhando para as abordagens
de clássicos do pensamento econômico que se fazem ainda
mais contundente no âmbito do controle monopsónico e
monopólico das Big Tech e seu impacto em nossa formação
social nacional, associado a alto nível de emprego de mão-
-de-obra pouco qualificada em relações de trabalho precá-
rias e de baixa remuneração, cujo efeito social certamente
não aponta para algum grau de emancipação e liberdade
derivado da ampliação de acesso a tecnologia. Felizmente,
embora o anunciado anticlímax, Professor Fábio nos ofere-
ce algumas possibilidades de saída.
Impulsionador da pesquisa e do evento, ao mesmo
tempo em que incentivou intensamente a aproximação
com instituições americanas de pesquisa e a abordagem
comparativa e associada da experiência porto-alegrense e
gaúcha à norte-americana, dado seu interesse há anos pelo
potencial para implantação de uma economia sustentável e
inovadora, segundo sua avaliação, no Rio Grande do Sul,
a partir da área central de Porto Alegre desde a estratégia
leapfrog; avaliação absolutamente relevante dada sua vasta
experiência internacional ligada a Global Urban Develo-
pment (GUD)20 e no período do evento realizando Pós-
-Doc na Faculdade de Arquitetura da UFRGS, o Dr. Marc
Weiss apresenta em seu artigo The Porto Alegre Sustainable
Innovation Zone (ZISPOA) and participatory community
transformation uma descrição do processo de implantação
do ZISPOA e a relação com a experiência de participa-
ção comunitária na cidade. Uma dinâmica marcada pela

20 https://www.globalurban.org/
32
construção de um arcabouço relacional entre estruturas de
Estado, Universidade e Startups, incluindo apoios interna-
cionais a iniciativas particularmente relevantes de acesso à
inovação tecnológica. A história do Dr. Marc com a cidade
já tem mais de uma década e sua contribuição acadêmica e
na difusão de estratégias econômicas fundadas na inovação
sustentável é ampla e de grande influência.
Sem dúvida, um aspecto particular e mundial das ex-
periências locais na passagem do século XX para o século
XXI é a difusão internacional, simultaneamente, das prá-
ticas de gestão urbana participativas, desde a centralidade
reconhecida de Porto Alegre, e a emergência de instâncias
internacionais de governos locais (municipais e regionais).
A Profa. Vanessa Marx, pesquisadora deste novo momento
das relações internacionais em que os governos locais cons-
tituem seus fóruns internacionais se tornando atores rele-
vantes e centrais em questões mundiais, foca no artigo Os
movimentos sociais brasileiros e sua internacionalização o (re)
surgimento dos movimentos sociais no cenário internacio-
nal com uma perspectiva contra hegemônica ao processo da
chamada globalização, em que movimentos de base local e/
ou nacional assumem nas últimas décadas papel indiscutível
no sistema internacional, devido ao impacto da globalização
nas questões locais e/ou nacionais. Desde uma perspectiva
da tradição crítica, o artigo apresenta as relações estabeleci-
das entre atores e agentes de diferentes escalas e o reconheci-
mento da legitimidade dos movimentos sociais em debates
no sistema internacional a partir de posições assumidas por
instituições do Estado Nacional no caso brasileiro, em es-
pecial tratando a inserção do movimento de mulheres em
instâncias do Mercosul. Uma abordagem que demonstra a
relação indissociável entre as lutas locais e globais e a função
33
central que governos comprometidos com a implantação de
políticas públicas democráticas e progressistas no âmbito do
Estado nacional cumprem para inserção dos movimentos so-
ciais como agentes legítimos das questões mundiais.
Se a fome nunca deixou de ser um problema na so-
ciedade mundial apesar da aceleração da escala da produ-
ção global, o desmonte das políticas sociais no caso brasilei-
ro particularmente a partir de 2016 e a crise pandêmica do
COVID-19 agravaram tremendamente a questão dado o
aumento assustador da quantidade de famílias e indivíduos
em insegurança alimentar. A/os pesquisadores Gabriela
Coelho-de-Souza, Felipe Brizoela e Rafaela Biehl Printes
apresentam no artigo Agroecologia e Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional e o Coletivo Mbya Guarani no Sul
do Brasil: colaboração da academia em dinâmicas de transfor-
mações comunitárias participativas em diálogo com políticas
públicas uma análise de como a universidade, em especial
a Universidade Pública, pode criar coletivos/fóruns de in-
tercâmbio de práticas e saberes e conhecimentos, desde a
experiência de um projeto de extensão com caráter de pes-
quisa em comunidade indígena. O artigo analisa as possi-
bilidades institucionais a partir do ambiente acadêmico e
os impactos que a criação de espaços de interlocução com
comunidades traz em termos territoriais desde a articula-
ção entre Agroecologia, Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional. Todavia, os/as autores não fogem do que tal
abordagem traz intrínseca: uma problemática epistêmica.
Problemática epistêmica porque a abordagem não foge ao
desafio de estabelecer a discussão nesse nível, desde a aná-
lise de uma prática que pressupõe posições de igualdade
na troca de saberes e práticas e conhecimentos. Repete-se
o “e” porque se tem o sentido imediato de apontar para

34
uma transversalização das relações entre os agentes envolvi-
dos, logo não verticais. Aliás, transversalidade expressa na
autoria do próprio artigo pela presença do cacique Felipe
Brizoela da aldeia Pindoty, do município de Riozinho21.
Quase onipresente nos artigos e, logo, nesse Prefácio,
o OP, desde sua experiência em Porto Alegre tem no artigo
Movimentos sociais e desenvolvimento local: reflexões sobre o
impacto do OP no território, seu aparecimento mais explícito
e, talvez, na tradição dos estudos sobre o OP uma aborda-
gem particularmente contundente no sentido de apresentar
as relações intrínsecas entre exemplar experiência de produ-
ção territorial, no sentido imediato de um território que se
des-re-monta, ou na terminologia consagrada se des-re-terri-
torializa22, em termos de práticas sobre uma territorialidade
que pressupõe participação comunitária enquanto práxis23
tendo como um dos polos nucleares a experiência do OP na
comunidade/experiência em análise. Tarson Núñez, não só
produz academicamente desde 2010 sobre o tema como já
era interlocutor desde os primórdios do OP em Porto Ale-
gre, pois ocupou lugar central no funcionamento lá no iní-
cio da experiência como ator do governo local (1993-1994),
como também uma das referências em fóruns e organiza-

21 Saliente-se que o SITCOMPA teve a participação de atores não-a-


cadêmicos, como Ezequiel Morais da Cooperativa Habitacional 20 de
Novembro, visita e diálogo na UNIVENS e Justa Trama com Nelsa
Nespolo, e mesmo a festa na experiência de re-funcionalização com
efeitos urbanos no Centro Cultural Vila Flores (http://vilaflores.org/).
22 HAESBAERTH, R. O mito da desterritorialização: do “fim
dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2004.
23 GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere, Volume 1: introdução ao
estudo da filosofia, a filosofia de Benedetto Croce. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999.
35
ções internacionais que investigam experiências dos OP’s em
diferentes organizações públicas, escalas e sociedades nacio-
nais24. O artigo nos permite conhecer uma experiência em
comunidade particular situada na zona norte de Porto Ale-
gre, a Vila Nossa Senhora Aparecida, enquanto experiência
comunitária, participativa, sustentável, de geração de renda,
ecológica, articulada à produção orgânica no campo e a luta
das mulheres: a Cooperativa Univens.
Vislumbra-se algo como um arco-íris de análises, ex-
periências, práticas, casos, abordagens que acabam por fun-
cionar como táticas exemplares de possibilidades/alternativas
socioespaciais ao caos distópico em que as classes dominan-
tes mundiais ao longo da história moderna levaram a exis-
tência planetária em movimento constitutivo da catastrófica
associação entre emergência climática e era pandêmica, cujo
efeito simultâneo coloca em risco, desde a ação humana, es-
pécies e a própria humanidade, em particular derivação de
retroalimentação pelo processo político econômico que faz
as classes dominantes mundiais incidirem e contaminando
mais diretamente florestas e suas espécies e povos originá-
rios paralelamente à globalização dos fluxos globais de mer-
cadorias que facilitam a propagação de vírus desde áreas de
florestas chegando aos fundos oceânicos ou aos micro-or-
ganismos em grandes áreas em degelo acelerado, trazendo
a possibilidade de efeitos patológicos absolutamente desco-
nhecidos. Talvez se tenha um contexto de tipo do tão enun-
ciado oximoro25 na ação das classes dominantes mundiais

24 People Powered. Disponível em: https://pt.peoplepowered.org/.


25 “Figura de linguagem em que palavras de sentidos opostos são
combinadas de modo a parecerem contraditórias, mas que reforçam a
expressão: gentileza cruel; belo horroroso; música silenciosa”. In: DI-
CIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2021.
36
ao produzirem de modo tão claro um obscuro mundo. Um
perspectivismo26 se abre por não sermos apenas uma espé-
cie no planeta como também por não estarmos toda espécie
humana sob a égide e associada aos interesses da classe do-
minante mundial – ou melhor, talvez, entendida de maneira
mais precisa como classe dominante humana.

Eber Pires Marzulo

26 VIVEIROS DE CASTRO, E. Metafísicas canibais: elementos


para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Ubu Editora, n-1
edições, 2018.
37
A inconstância da alma e os valores democráticos:
uma crítica à finitude instrumental dos conceitos
de democracia e participação no âmbito
da Ciência Política

Wrana Panizzi

O Seminário Internacional Transformações Comu-


nitárias Participativas, realizado no período de 27 a 30 de
setembro de 2019, na Faculdade de Arquitetura da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), cons-
titui-se em um momento importante do Grupo de Pesqui-
sa Identidade e Território (GPIT) da UFRGS, coordenado
pelo professor Eber que busca realizar um trabalho de
observação e de reflexão teórico-prática sobre o tema da
participação como objeto de estudo centrado em duas rea-
lidades territoriais – Porto Alegre e seu entorno regional
e Nova Iorque e sua área de abrangência. Dois “mundos”
separados não só pela distância física, mas pelas caracterís-
ticas socioeconômicas, político-institucionais, culturais e
identitárias de cada uma das economias da qual fazem par-
te. A primeira tributária a um modelo de desenvolvimento
ligado a um país subdesenvolvido que busca espaço entre
as economias emergentes, a segunda, no coração financeiro
do mundo capitalista e no centro de uma das maiores eco-
nomias mundiais, os Estados Unidos.
Em comum tem-se que, tanto uma como a outra,
apesar de inseridas em economias e modelos de desenvolvi-
mento diversos, a preocupação em construir instrumentos,
canais, e modelos promotores e facilitadores do interesse

39
e da mobilização efetiva da população na construção e na
execução de ações públicas de desenvolvimento, sobretudo
no que tange à gestão e ao governo das cidades.
Como pedra de toque, ambas as cidades, dado que
estão inseridas em algumas das maiores democracias do
mundo, buscam, na resolução de seus problemas mais ime-
diatos e também de longo prazo, sempre privilegiar valores
que levem em conta os princípios básicos da democracia,
quais sejam: a representação, a participação e o exercício
pleno da cidadania.
A preocupação com essas questões tem se manifesta-
do contundentemente em diferentes Estados e regiões do
planeta e, já há algumas décadas, os dados têm mostrado
um certo esgotamento de modelos tributários aos modelos
de desenvolvimento vigentes nas décadas de 1950/1960,
1970/1980 e 1990/2000, como já escrevi em outro lugar
(PANIZZI, 2016), de modo que, como contraponto a essa
crescente crise tanto econômica quanto política, tem-se
buscado novas saídas, e uma delas encontra assento no mo-
delo proposto pelo orçamento participativo e outros tri-
butários a experiências locais latino-americanas ocorridas
no Brasil (FEDOZZI, 2009a, 2009b; BAQUERO et AL.,
2005; KUNRATH e SILVA, 2012; GONZÁLES, 2011),
no Equador (ORBES, 2017), na Bolívia, Colômbia (SAN-
TANA, 2009) e em outras partes de Nuestra América.
Sobretudo, o que se busca com o resgate desses mo-
delos ligados a experiências locais é dar resposta a profun-
da crise de representação e legitimidade que os governos
latino-americanos a mais tempo e o governo americano a
menos tempo têm tido junto a população em geral no que
se refere a gestão das contas públicas e aos investimentos
tidos como prioritários para a população. Cabe aqui res-

40
saltar que, em um momento em que os recursos se tornam
mais escassos, ninguém quer ter em sua mão a tesoura dos
cortes, de modo que colocar o cidadão no centro das deci-
sões se mostra como uma saída política deveras interessante
que permite ao governo, pouco ou nenhum desgaste polí-
tico à longo prazo. Algo que, do ponto de vista histórico,
se assenta no pensamento de Nicolau Maquiavel (2017)
quando diz: se tem que fazer o bem, o faça aos poucos; se
tem que fazer o mal, o faça de uma vez só.
Contudo, sobre a ilusão do poder distribuído, que
aos olhos do povo é o bem, o mal é feito. Mas é o povo que
sujará suas mãos de sangue ao priorizar investimentos em
infraestrutura viária e não em saúde, pois a opção de abrir e
pavimentar ruas também serve para abrir caminho para as
carpideiras que chorarão seus mortos nas filas dos postos de
saúde que não tiveram recursos a eles direcionados.
Sobretudo o que se busca com o resgate dessas ex-
periências, que seguem modelos semelhantes ao do Or-
çamento Participativo de Porto Alegre e de outras expe-
riências latino-americanas congêneres, é promover ações
participativas voltadas ao equacionamento das demandas
da população – por ela mesma e não mais pelo Estado – e,
mais do que isso, à promoção e à observação de experiên-
cias inovadoras que nada mais são do que uma retomada
do comunalismo e do comunismo primitivo tão comum às
populações tidas como tradicionais como é caso das aldeias
indígenas, dos quilombos e de uma série de comunidades
rurais espalhadas pelo mundo afora. A diferença, no en-
tanto, reside na escala. Se no caso dessas populações estão
envolvidas poucas centenas de pessoas, no caso de Porto
Alegre são milhares de pessoas e de Nova Iorque, alguns
milhões. Como mostra o quadro a seguir:

41
Quadro 1: Comparativo escalar de População e Arrecadação

Cidade Área Total População Arrecadação


São João do 78.32 km2 2.552 hab. R$ 33 719,216 mil
Polêsine/RS
Porto Alegre 496,692 km2 1.483.771 hab. R$ 68.117.224,43 mil
Nova Iorque 1.213 km2 11.023.921 $ 1.406 bi
hab.
Fonte: Wikipédia.

Desta feita, tem-se que com uma distribuição tão dís-


par da riqueza como já mostrou Cattani (2018) em alguns de
seus estudos tem-se que, mundo afora, novos instrumentos
de ação política que buscam engajar a sociedade civil come-
çam a ser adotados nos lugares mais diametralmente opostos
do globo terrestre. Movimento esse que coloca em discussão
e/ou em disputa a maneira como os poderes públicos e, de
modo especial o Estado, elaboram, executam e tornam ex-
plícitos os seus programas, projetos e formas de exercício do
governo e suas relações com a sociedade civil.
Mas também é revelador do desgaste do Estado em
função de seus constantes fracassos no que tange à gestão
de recursos e à promoção de políticas e ações voltadas
a grande parte da população e não somente aos 239 bi-
lionários brasileiros que fazem parte da última lista da
revista Forbes. Contexto esse que não só tem se conso-
lidado como passou a se expandir em diferentes países e
continentes, provocando uma crescente insatisfação so-
cial e um aumento por ações políticas de valorização de
diferentes e múltiplos atores de representação civil. Estes,
capazes de expressar as demandas sociais exigidas por uma
sociedade em construção e a busca do seu empoderamen-
to civil e político.
42
O desalento social conduziu à busca de alternativas,
instrumentos e políticas a partir de práticas comunitárias
associativas legitimadas pelos agentes locais, construtores
de demandas coletivas reconhecidas pela busca de novas
formas de execução! A que, iniciativas como a do Orça-
mento Participativo de Porto Alegre, respondem com bas-
tante vigor ganhando assim, também, as graças da adminis-
tração pública da sexta maior megalópole do mundo, Nova
Iorque, como mostra o quadro abaixo:

Quadro 2: As maiores megalópoles do mundo

Cidade População
Tóquio, Japão 38,8 milhões de habitantes
Jacarta, Indonésia 31,5 milhões de habitantes
Seul, Coreia do Sul 25,6 milhões de habitantes
Karachi, Paquistão 24,3 milhões de habitantes
Xangai, China 24,2 milhões de habitantes
Nova York, Estados Unidos 23,6 milhões de habitantes
Manila, Filipinas 22,7 milhões de habitantes
Cidade do México, México 22,2 milhões de habitantes
Delhi, Índia 21,8 milhões de habitantes
Pequim, China 21,5 milhões de habitantes
São Paulo, Brasil 21,3 milhões de habitantes
Lagos, Nigéria 21 milhões de habitantes
Fonte: Wikipédia

Os tempos são de crise na democracia. Esta que aí


está, há dezenas de anos, e os sucessivos erros, de gera-
ções outras, levam a que, hoje, o que tenhamos é uma
grande descrença no Estado, em seus processos, nos seus
canais de comunicação e atuação, nos seus instrumentos
de avaliação e gestão, mas, sobretudo, nas lideranças que
estão no Estado que, na maioria das vezes, não se mos-
43
tram como legítimas em relação aos interesses da popula-
ção por somente defender o interesse daqueles que estão
na disputadíssima lista da revista Forbes. Isto é a prática.
Esta é uma das muitas faces de grande parte das democra-
cias latino-americanas.
Do ponto de vista da reflexão teórica, as discussões
se ampliam e aprofundam como mais adiante pontuare-
mos alguns aspectos cujas origens remontam ao próprio
significado da palavra “democracia” e à participação nos
processos a ela inerentes.
Os países em seus diferentes estágios e experiências
de construção da democracia e dos seus instrumentos
permitem a constatação de uma diversidade de nuances
nas suas vivências e institucionalizações de processos de
participação da sociedade, enquanto agentes políticos.
Uns passam a figurar como ricos “exemplos” e “mode-
los” de nações democráticas; outros, mais recentes em
suas institucionalidades, buscam construir espaços que
ofereçam condições de avançar na efetividade de uma
maturidade política e institucional.
No entanto, em todos os países, mais ou menos de-
senvolvidos, líderes mundiais ou regionais, constata-se que
suas populações, de certa forma “menosprezam” e são des-
crentes de seus sistemas de participação e de representação
política e social. Pouco prestígio é dispensado ao sistema
bem como aos seus atores “representantes do povo!”. Exis-
tem espaços para a população reivindicar, apresentar as
suas demandas, mas existe também um sistema de controle
sobre esses espaços e sobre as demandas conforme as suas
diferentes naturezas.
Neste contexto, entre as propostas de políticas go-
vernamentais, as demandas da população e a atenção às

44
suas expectativas existe um longo vácuo e, portanto, uma
enorme frustração. Pois, os espaços de representação estão
separados dos espaços de poder. E o povo diz: não quero
mais ser representado, quero participar; não quero mais
dar opinião, quero decidir! E, sobretudo, quero poder ver
e usufruir da efetividade e da concretude das respostas
políticas oferecidas às demandas da população.
Configura-se, assim, a ideia de que ao exercer a parti-
cipação a sociedade se aproxima mais e se apodera da prática
e da internalização da democracia como “modus vivendi” do
exercício do poder institucionalizado via estruturas vigentes
ou da percepção de novos valores e novas dimensões do exer-
cício e das práticas da cidadania. Mas, isso não é tão evidente
quanto parece ser! Há um conjunto de questões que se so-
brepõe a este corolário perpassando as questões da vontade
individual e/ou coletiva àquelas inerentes à natureza dos es-
paços públicos e das fronteiras que diferenciam as diversas
realidades dos países e regiões: maiores índices e padrões de
desenvolvimento econômico e social, sociedades mais ativas,
passivas, autoritárias e de múltiplos perfis históricos-societá-
rios, como se mostra evidente, comparativamente, no qua-
dro 1, a partir do PIB de Porto Alegre e Nova Iorque.
Isso associado aos efeitos das transformações ocorridas
nas últimas décadas do século passado, que contribuíram e
provocaram a construção de novas alternativas disponibiliza-
das e atividades ao exercício político da população que po-
deriam ultrapassar e/ou corrigir os padrões de representação
existentes nas cidades em geral que, com a criação e valo-
rização das ações comunitárias como lócus, de inovação de
soluções para o exercício político, abrem um novo horizonte
de possibilidades para a democracia, qual seja: da retomada
do poder local como espaço de liderança e exercício mais

45
efetivo da cidadania, onde, a valorização e a transposição das
instâncias decisórias mais amplas – nacionais e regionais –
para o âmbito comunitário – local, ganham centralidade no
interior desses novos arranjos institucionais.
É, pois, neste contexto, que o Orçamento Partici-
pativo promove uma volta à comunidade, ao comunalis-
mo e à ideia de governo do povo feito pelo povo como
pressupõe o prefixo grego “demos”. Movimento esse que
eleva a discussão acerca da gestão dos recursos públicos a
um outro patamar, qual seja, de trazer para arena pública
os interesses e vontades de pouco mais de 210 milhões de
cidadãos brasileiros que não estão na lista da revista For-
bes. De modo que, quando mencionamos a experiência
do Orçamento Participativo, estamos nos referindo a um
modelo de desenvolvimento, de gestão das cidades e dos
recursos públicos que busca transpor os limites das ins-
tituições tradicionais e da ação política desconectada da
realidade, uma vez que, tal iniciativa não somente apro-
xima o cidadão do Estado, mas também o coloca como
co-particípe das decisões do primeiro.
Desde essa perspectiva, o Orçamento Participativo
surge como uma prática de democracia participativa que
goza de legitimidade e reconhecimento público, local,
nacional e internacional. A ideia de democracia não é
recente; sabe-se que ela existe há mais de 2 mil anos e,
ainda hoje, depara-se com as suas imperfeições e discu-
te-se o seu efetivo alcance. Daí a questão: como explicar
a repercussão e a adesão a este instrumento, sua expan-
são em diferentes lugares, cidades e diferentes governos
mundo afora em continentes distantes!?
O Orçamento Participativo foi criado no Brasil, no
final da década de 1980, evoluiu e passou com o tempo

46
a ser adotado em muitas cidades brasileiras, além dessas,
em cidades americanas e europeias. A atenção a este ins-
trumento sustentou-se, de forma especial, na constatação
de o mesmo ser uma ferramenta que aproxima o cidadão
do poder público. Aí o seu valor e reconhecimento que,
nas palavras de Brian Wampler, cientista político ligado
a Universidade Americana de Boise State (OLIVEIRA,
2016), envolve “a demanda das sociedades por mais trans-
parência no processo político” uma vez que, promove um
aumento do “interesse por modelos de gestão comunitá-
ria” e implica numa “forma de educar a população sobre o
uso do dinheiro público por meio de uma ferramenta que
gera resultados concretos nos municípios”.
Dito isto, tem-se que no presente seminário, e a
partir da rica conferência inaugural do professor Michael
Menses, podemos perceber o significado da reflexão aqui
proposta sobre o Orçamento Participativo e outras tantas,
ainda, a serem apresentadas, sobre a riqueza e a complexi-
dade que as diferentes práticas comunitárias, suas ampli-
tudes e diferenças, se revelam como formas concretas de
exercícios e vivências políticas. E mais, explorar o modo
como estas experiências estimulam e desafiam a reflexão
teórica sobre as bases conceituais das atividades e ações
políticas e de governo, do poder público e suas relações
com o papel da sociedade civil.
A apresentação da experiência americana de Or-
çamento Participativo, trazida pelo referido professor a
partir do caso de Nova Iorque, assume aqui o papel cen-
tral e provocador que teve sua fala entre os participantes
do referido seminário ao longo de quase uma semana de
debates e discussões realizadas junto a Faculdade de Ar-
quitetura da UFRGS.

47
A mim, coube a tarefa de tecer alguns comentários
sobre o que lá ouvimos. É o que consta da programação e
desde já agradeço a deferência do convite. Mas é preciso
que fique muito claro que não sou uma estudiosa do Or-
çamento Participativo. Muitos dos que lá estiveram, têm
larga experiência enquanto mentores de vários programas
e projetos como também de numerosas pesquisas, estudos,
teses e textos sobre o tema. Enumerá-los, todos, é impossí-
vel, mas cabe destacar os trabalhos e o papel de difusão da
experiência brasileira de Orçamento Participativo, a partir
do caso de Porto Alegre dos professores Luciano Fedozzi e
Tarson Nuñez. Estes e outros tantos pesquisadores que, a
seu tempo, contribuíram para a expansão e a inovação des-
ta ferramenta não só no Brasil, mas pelo mundo.
Estudos esses que, particularmente, iluminam os co-
mentários que aqui ouso apresentar enquanto uma não-es-
pecialista no tema, mas uma atenta etnógrafa das relações
e construções que se fizeram presentes no decorrer do se-
minário do qual esse livro é um dos resultados concretos.
Não se trata, portanto, de estabelecer e questionar
as trajetórias dos Orçamentos Participativos de Porto Ale-
gre e Nova Iorque, mas de evidenciar alguns aspectos e
interrogações que estas experiências e outros casos nos
provocam a pensar sobre o tema geral das transformações
comunitárias participativas que envolvem diferentes pro-
cessos que têm como ponto de partida seu caráter ino-
vador e sustentável, não por acaso, conceitos esses que
adjetivam o subtítulo do seminário e também o conjunto
de textos do qual esse faz parte.
A implantação e o reconhecimento do Orçamento
Participativo representa uma proposta inovadora de par-
ticipação que tem servido como instrumento capaz de

48
aproximar a comunidade do poder público com vistas a
construção de alternativas de desenvolvimento que tem
como mote a sua sustentabilidade à longo prazo, fazendo,
assim, frente à crise democrática e de representação que
têm tirado o sono da maioria dos líderes democráticos de
todo o mundo, estejam eles no sul da América do Sul ou
no centro da América do Norte.
Ademais, a expansão e o reconhecimento interna-
cional desses instrumentos e de suas ideias básicas propor-
cionaram não só o seu sucesso como proposta de exercício
de cidadania, mas também como campo de reflexão teó-
rico-prático que envolve instrumentos e conceitos susten-
tadores de uma racionalidade comprometida com valores
e ideias democráticas.
Tais valores e ideias têm como mote o crescimento
real e o desenvolvimento social, de caráter coletivo, agrega-
do e distribuído entre as diferentes camadas populacionais.
Contudo, não constituem apenas a aplicação idílica de mo-
delos e equações que nunca saem do papel como é o caso,
por exemplo, da cartilha do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional. Esta, durante muito tempo, con-
siderada o livro de cabeceira dos governantes latino-ameri-
canos e que, de certo modo, faz parte dos principais fatores
produtores dessa crise de representação que hoje assombra
aqueles que outrora foram executores dessa cartilha.
Grosso modo, podemos dizer que a adoção do Orça-
mento Participativo teve diferentes “motivações” e encon-
trou um campo fértil para sua implantação por diferentes
razões. De uma forma mais ampla, como já dissemos no
início deste texto, a partir da crise da democracia e da gra-
dativa pauperização e alcance dos instrumentos existentes.
Assim, podemos ver que no Brasil, berço do Orçamento

49
Participativo, o seu início ocorreu após o período da Di-
tadura Militar, em 1989, e ele voltou-se, inicialmente, a
amenizar a desconfiança do papel do Estado em relação às
instituições políticas e, como em toda a América Latina,
o foco centrou-se nos estratos populacionais mais pobres,
carentes de serviços básicos.
Por sua vez, nos países centrais – Estados Unidos
e Europa – o Orçamento Participativo volta-se às cha-
madas minorias e aos grupos de imigrantes, passando
aos poucos a atrair a presença da classe média, grande
consumidora dos serviços públicos.
É bom chamar a atenção para o fato de que não existe
um “manual único” de implantação do Orçamento Partici-
pativo; cada cidade, região ou país tem adotado seu próprio
modelo, usando de originalidade e progressiva construção
a partir das suas formas de atração da população e do re-
conhecimento de suas demandas, com diferentes estruturas
institucionais. Daí a existência de múltiplas formas híbridas!
Contribuiu para isto, também, as diferentes características
das cidades: natureza identitária; tamanho, porte e funções;
localização continental, América, Europa, África; e posições
políticas partidárias dos governos, direita e esquerda.
Neste sentido, situa-se o que afirmou o professor
Yves Cabannes (OLIVEIRA, 2016), do College of Lon-
don, conhecido pelos seus trabalhos em relação à América
Latina, de que, no Brasil, “o Orçamento Participativo fi-
nancia obras básicas que necessitam de maior investimen-
to, mas nos países ricos os projetos são majoritariamente
de serviços de qualidade de vida”. De modo que, antro-
pologicamente, podemos dizer que sua implementação
envolve também o conhecimento da realidade cultural de
cada país e aquilo que é tido como elemento balizador da

50
ação política em cada lugar/território, pois só se luta por
comida, se se passa fome.
É preciso, pois, aprender e julgar os efeitos desse
instrumento participativo a partir das lições que as di-
ferentes experiências nacionais e internacionais nos en-
sinam. Umas com maior história e continuidade, outras
com alguns revezes e transformações desestruturadoras.
Contudo, há de se convir que, como nos lembra
Bourdieu et Al (1999), não podemos nos deixar cair em
um mero exercício de sociologia espontânea e pensarmos
somente no sucesso e fracasso dessas experiências em di-
ferentes locais, na medida em que, aquilo que não dá cer-
to, também nos ensina. E como, estamos nos referindo a
um processo de construção de uma experiência como a do
Orçamento Participativo é importante que olhemos para
nossos êxitos e fracassos no que tange a sua implementação
e que, consideremos esses, a partir de dimensões diferen-
ciadas que envolvem as particularidades políticas, econô-
micas, culturais de cada experiência e/ou território onde o
Orçamento Participativo se faz presente.
Uma observação que também chama a atenção,
quando da reflexão sobre as práticas do Orçamento Par-
ticipativo e seus legados, refere-se à consideração e análise
de experiências cujas configurações transitam e despontam
por outros caminhos e “espécies” de exercícios político-ins-
titucionais. Salientamos como exemplo uma atividade co-
munitária expressa pelas ocupações habitacionais e de terra
e outras tantas diferentes formas de construção do espaço
urbano (PANIZZI, 1988). Fatos estes que trazem impor-
tantes aportes de temas, avanços e recuos sobre a natureza
teórico-científica, objeto de atenção e de exploração neste
seminário e do Grupo de Pesquisa acima mencionado.

51
Por fim, cabe observar ainda que a ampliação e o
aprofundamento da reflexão sobre o tema passa, neces-
sariamente, por uma discussão acerca da validade e da
essência última do Orçamento Participativo no que tan-
ge à prevalência e ao fortalecimento de valores caros à
democracia, tais como a participação, a representação e
a legitimidade dos governos democráticos. Tudo isso a
partir da integração da população ao Estado com vistas
ao fomento da participação cidadã e ao exercício pleno
da cidadania nos órgãos representativos e colegiados de
natureza diversa. Estes órgãos passam a atuar no seio das
decisões que são tomadas no interior do Estado, em es-
pecial, no que tange à gestão de recursos públicos e à
implementação de políticas voltadas àqueles segmentos
da população que estão à margem dos 239 bilionários
citados pela revista americana.
Portanto, do ponto de vista de sua ontologia, o exer-
cício da cidadania não envolve apenas o participar e se
constituir em um agente da polis e de sua direção; é preciso
ir além para avançar na verdadeira apropriação do valor
da democracia e da política sob o risco de, como Sócrates,
sermos condenados à morte pela ingestão de cicuta.
Mais do que uma experiência pontual, a experiên-
cia do Orçamento Participativo, tanto em Porto Alegre
quanto em Nova Iorque, como mostram os textos que
compõem essa publicação, se constitui em quase um
excerto extemporâneo do diálogo emulado com Sócra-
tes por seus amigos quando, este, sob o efeito da cicuta,
aguarda o momento de seu encontro com Hades. Ou seja,
daquilo que se quer deixar como legado às próximas ge-
rações. Algo que, de certa forma se reproduz no diálogo
abaixo extraído de Fedón:

52
Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou
certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o
que nos propomos investigar.

És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para


a aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e be-
ber?

De forma alguma, Sócrates, replicou Símias.

E com relação aos prazeres do amor? A mesma coisa. E os


demais prazeres, que entendes com os cuidados do corpo?

És de parecer que lhes atribua algum valor? A posse de


roupas vistosas, ou de calçados e toda a sorte de orna-
mentos do corpo, que tal achas? Eles os apreciam ou os
desprezam no que não for de estrita necessidade?

Ele, pelo menos, respondeu, sou de parecer que o verda-


deiro filósofo os despreza. Sendo assim, continuou, não
achas que, de modo geral, as preocupações dessa pessoa,
não visam ao corpo, porém tendem, na medida do pos-
sível, a afastar-se dele para aproximar-se da alma?

É também o que eu penso. Nisto, por conseguinte, antes


de mais nada, é que o filósofo se diferencia dos demais
homens: no empenho de retirar quanto possível a alma
da companhia do corpo. Evidentemente.

Excerto esse que nos remete a seguinte questão


quando nos referimos ao caso do Orçamento Participati-
vo: estamos, nesse caso, falando de valores (alma) ou de
instituições (corpo)?! A resposta a essa questão ainda não
está dada, mas Platão já nos dá o caminho. Este consiste
em nos livrarmos do julgamento do homem comum que
somente considera como importante o que vê, manifesto
na mundanidade recompósita do prazer de comer e beber e

53
na efetividade do alimento do corpo... Algo que no âmbito
da alma se refere a valores que, diferentemente dos praze-
res mundanos, envolve não só a satisfação do espírito, mas
também o crescimento da alma.
Algo que, no que tange à democracia e à prevalência
de valores democráticos, implica em compreender a expe-
riência do Orçamento Participativo como um processo
permanente de construção do mundo que transcende o
tempo presente e envolve um futuro que ainda está por
vir. Algo que alegoricamente Platão coloca da seguinte
forma, quando se refere ao mundo dos homens (da políti-
ca) e busca abordar o modo como a realidade é percebida:

Assim é a natureza da terra em seu conjunto e das cois-


as que a circundam. Nas entranhas da terra, por todo
o seu contorno notam-se numerosas concavidades, al-
gumas mais profundas e patentes do que esta em que
moramos, outras também profundas, porém com en-
trada mais angusta do que a nossa, havendo, ainda,
umas tantas de menor fundura, porém mais largas do
que esta. Todas essas regiões se comunicam entre si em
muitos lugares por passagens subterrâneas, de largura
variável, além de possuírem outras vias de acesso. Muita
água corre de uma para outra, como nos grandes vasos,
havendo, outrossim, embaixo da terra rios perenes de
grandeza descomunal, de água quente e fria, e também
muito fogo e grandes rios de fogo, bem como correntes
de lama líquida, ora mais limpa, ora mais suja ... Essas
diferentes regiões se enchem de semelhante matéria, de
acordo com a direção ocasional da corrente. Essas águas
se movimentam para cima e para baixo, como um pên-
dulo colocado no interior da terra.

Assim é a política. Um mundo repleto de entrâncias


e reentrâncias, um campo de luta e de lutas, um lugar de
combate, de defesa de ideias, de luta por reconhecimento.

54
Um mundo, quase que em caos permanente, onde poucos
sempre representaram muitos e que agora, sob a batida do
pêndulo de Platão, têm, no Orçamento Participativo, o fiel
da balança, daquilo que deixaremos como legado para as
gerações futuras.
Encerro este texto, congratulando os palestrantes e as
reflexões que estes conseguiram provocar em mim de modo
tão seminal, uma vez que, como coloca Rubem Alves, a fina-
lidade de um seminário sempre é a de fecundar ideias e não
de simplesmente expô-las, pois o nome disso é apresentação.
Nesse sentido, importa aqui destacar que o título
deste texto vai bem além do argumento que desenvolvo
no mesmo. Constitui-se muito mais em uma provocação
epistêmica ao leitor do que um monólogo interpretativo
da realidade tão comum às ciências humanas, que buscam
mais instigar, provar teses.

55
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56
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57
58
From City-Wide Participatory Budgeting in NYC
to a Global Green New Deal: on the Power and
Role of PB in a Time of System Change

Michael Menser

This essay examines the recent history, diverse pres-


ent and potent future of participatory budgeting in NYC as
mode of participatory democracy during a time of local-na-
tional-global crises and system change with a special focus
on climate change. Like so many coastal urban areas across
the world, sea levels are rising around NYC, as are rents, the
overall cost of living, and economic inequality. But partici-
patory democracy, sustainability and climate change adapta-
tion or “resilience” initiatives too are proliferating. Thanks
to mobilization and legislation over the last five years, energy
sucking skyscrapers will no longer are banned in NYC and
the firm of the richest man in the world was rejected. But’s
this isn’t just about saying “no!”; in this same period, the city
has said yes to bike lanes and green roofs, and the city coun-
cil has funded programs to spread worker ownership, renew-
able energy and green jobs. And even more dramatically, in
a referendum in 2018, NYC voters overwhelmingly chose
to change the charter of the city to make it more democratic
by creating a new Civic Engagement Commission (CEC)
and mandate more popular power over the Mayor’s budget
through a city wide participatory budgeting process.
One part of this transformation makes participatory
budgeting mandatory for NYC government and accessible

59
to all NYCers thereby institutionalizing a shift in scale from
scattered city council districts with small pots of money to
a city wide process with dedicated infrastructural support-
ed by the CEC. In the summer of 2020 the new process
officially begins alongside a parallel PB process that will
involve 10s of thousands of young people in 300 plus NYC
high schools as part of the Mayor’s “civics for all” initiative.
And all this happens as the Civic Engagement Commis-
sion carries out its mission to provide technical assistance
to NYC’s 50 plus community boards so that these local in-
terfaces between community and the city bureaucracy have
more technical assistance and support especially on that
most fraught of urban issues: development and land use1.
In this essay, I will discuss the implications of these
high profile developments. I begin with a history of PB in
NYC, noting its successes and limitations versus PB’s origi-
nal version in Porto Alegre, Brazil, detail the emerging PB in
NYC high schools and how it might play a role in changing
the default conception of democracy from competitive elec-
tions to collaborative problem solving. I then look at how
PB could play a supporting role as NYC neighborhoods and
infrastructure struggle to adapt to the challenges of climate
change--from sea level rise to more intense storms and heat-
waves--amidst continued onslaughts of gentrification and
“rising rents”. I argue that while PB can play an important
role in small scale neighborhood resilience efforts especially
in terms of adaptive learning, such efforts are at best fragile
and at worst doomed without a large-scale reconstruction of
the physical and bureaucratic infrastructures like those that
are called for by proponents of a Green New Deal. I argue

1 https://www.gothamgazette.com/city/8265-city-s-new-civic-engage-
ment-commission-set-to-be-named-in-april-is-accepting-applications
60
that PB and other forms of participatory governance and
economic democracy have a crucial role to play to make sure
that such programs, if and when they come, are driven by
community needs and imaginations but integrate the com-
plex insights of climate science and bureaucratic technical
expertise. My conclusions are twofold: important impacts
of PB can come from high profile expansions like city wide
participatory budgeting and in the schools PBs, but they can
also happen with PB playing a subordinate role in system
change programs such as criminal justice transformation
and the Green New Deal.

PB Comes to NYC: Laying out the Framework of Inquiry

In 2011, a couple of US academics and housing


organizers convinced 4 NYC council members to turn
over a million dollars each to begin the first ever partici-
patory budgeting process in the US’s largest city (BAEZ
and HERNANDEZ, 2012). A year later, a young college
administrator convinced Brooklyn College’s student gov-
ernment to turn over $15,000 of its dollars to begin the
first school PB in the US. NYC high schools officially took
the PB plunge last year (2018) and more than 300 will do
it in 2020 (that’s 350,000 students!). To top it off, after
eight years of work trying to expand PB NYC, in Novem-
ber of 2018, NYC residents voted to change the city charter
to require PB across the whole city, forever. And, in a twist,
the same referendum created a new government entity to
support the PB process and connect it to other municipal
democratizing initiatives. But that’s not all folks! PB has
also grown thematically, there were two restorative justice
PBs in high schools in Brooklyn in the spring of 2019 and

61
a socio-ecological resilience engagement process (also in
Brooklyn) is formulating projects for PB this fall2.
Clearly PB is on the rise in NYC, but what have been
the impacts so far? And what are the goals going forward?
Is simply doing more PB a good in itself or might there be a
power shifting democratization that happens that goes be-
yond “this many people voted and chose this many projects”
kind of valuation? Put another way, does PB’s spread express
a fundamental democratization occurring in this capital of
finance or is it just another innovative but low impact effort
doomed to stay, if not on the margins, “subordinate”? In this
essay I will discuss the origins and evolution of PB in NYC,
its past successes and limits, its near future possibilities, and
long term challenges. I will argue that when it comes to the
big challenges that cities face: rising economic inequality,
climate change, and the domination, exploitation, and ex-
clusion of peoples due by structural racism, PB’s potential is
significant, and its role is critical, but limited in important
ways. Does this mean we should abandon PB? No. Far from
it. This means that we should have a better understanding
of how and where to use it, of the actors and relationships
needed to support it. And we need to more strategically
understand the way PB can support other democratization
efforts such as healthcare and criminal justice reform, eco-
nomic democracy initiatives such as forming and support-
ing cooperatives and women and minority owned businesses
(MWBEs), as well as climate change adaptation and the pur-
suit of socio-ecological resilience. And this is why the current
case of NYC is so important.

2 The latter is part of a project led by the Science and Resilience Insti-
tute at Jamaica Bay in partnership with Public Agenda and the Center
for the Study of Brooklyn at Brooklyn College. More below.
62
It is my view that, PB in NYC has the potential to
forward the project of participatory democracy (PD) that is
inclusive, inequality-reducing, capability developing, equi-
ty-enhancing, authority-sharing, sustainable, and resilient.
This is what I call PD PB3. But in NYC, this PD PB is best
understood not as a community building process--I think
PB’s ability is actually limited in this regard in most but not
all cases in the US--but as a democratizing interface that can
interlink government bureaucracies, expert knowledges and
data (scientific, commercial and “local”). But, of course,
PB in particular and PD more broadly has to do this while
engaged with forces which are not only against participa-
tory democracy, but also in their extremist forms, against
the (staid? stale?) older forms of representative government
which had provided a backdrop for so much PB experi-
mentation. How do PB and PD more generally “negotiate”
and indeed “fight” these forces in this contentious, com-
bative and divisive political moment? And to make things
even more complicated, the technological transformations
fostered by social media and technology companies more
broadly from Silicon Valley in the US to the Pearl River
Delta in China are producing an epochal and existential
transformation of human interaction with respect not only
to communications and politics but in labor, social life, and
the planetary ecology. How does PB and PD fit into that?!4.
3 For my account of PD PB see Menser We Decide! Theories and
Cases in Participatory Democracy (Temple University Press, 2018),
but here I am adding socio-ecological resilience and sustainability to
my account. Most PBs throughout the world are not PD. See Menser,
n. 69, pp. 79-87, 2018.
4 I do not take up this question at length in this essay but am in a
future one which builds upon the work of Shoshana Zuboff’s “The Age
of Surveillance Capitalism”.
63
PB started in 1989 in Porto Alegre, Brazil and has
spread to 1000s of cities across five continents. Much has
been accomplished from the perspective of “process de-
mocracy” (more diverse people involved and empowered
in governmental decision-making) and the democracy
of public goods (more infrastructure and programs that
directly benefit more people) both of which when done
right reduce inequality and enhance equity. But while PB
has led to such gains in some cities, in most it has not.
And even in the ones that it has succeeded to great extent
(such as Porto Alegre), it has not done so in a way that has
changed the city fundamentally. Indeed, in Porto Alegre,
PB and its movements have suffered recent (but tempo-
rary!) defeats. Can NYC PB learn from these failures and
defeats? To answer this question, we have to go back to
the beginning.

The Origins and Evolution of PB NYC: from Voluntary


City Council Districts to “Mandatory”
in the City Charter

PB NYC started small with just four council mem-


bers out of a total of fifty-one5. In 2012, it doubled to
eight, then nine in the 3rd year, eleven in the fourth. In the
last three years more than thirty are doing it. Throughout
it’s retained the same basic format though it started with
exclusively capital projects in NYC and now has some
money for services (though only a tiny amount) but the
more notable change has been the lowering of the voting
age from 18 to 11 in most districts. But let’s first discuss

5 Video covering the first year of PB NYC is here: https://www.youtu-


be.com/watch?v=S7JwPekH5U0
64
the process of how PB in NYC works and then contrast it
with PB as it had developed and been practiced in Porto
Alegre because there are significant differences6.
From its origin to present in NYC, PB NYC has
five stages. First, a district committee is formed of com-
munity leaders, second, assemblies are held, third, a sub-
set of community members step up to be budget dele-
gates and working with the relevant government agency
representatives create the ballot. Fourth is the vote, and,
fifth, concluding the year is a review of the process by the
district committee and concerned residents to talk about
what went well, what the problems were and what needs
to be modified.
In order to get things prepared for PB at the city
council district level, the initial stage is to bring together
community leaders in the jurisdiction and form a “dis-
trict committee.” “Community leaders” are the persons
or organizations that are tapped into the social networks
of the jurisdiction and know about the needs, aspirations,
and assets of the community. Such leaders are often from
religious institutions or block associations or are business
owners or activists.
The task of the district committee is not to make
proposals for how to spend the money. (It sometimes
takes time for members to process this point!) Rather, its
members are to do outreach to the different populations
and regions of the jurisdiction – each NYC council dis-
trict has about 140,000 people – and to set up a process
that is equitable, transparent, and inclusive: the three
guiding principles of NYC PB at its origin. The district

6 The description of PB NYC below is modified from Menser (2018,


p. 72-79).
65
committee works with the City Council member’s office
to do this7.
The second stage of the process is to spread the word
about PB to the general public and bring people together
to discuss the needs of the district and collectively brain-
storm about ideas to address these needs. This stage is su-
perficially similar to Porto Alegre’s PB (more below) and is
done through the convening of neighborhood assemblies
where dozens of people come to hear about the process
and then break out into small groups (5–15 people) with
trained facilitators to talk about needs and ideas. Initially,
several neighborhood assemblies were held in each district
(around 3–5) but reps from the district committee and
council member’s office also go to already existing organi-
zations (e.g., at a school parent-teacher organization meet-
ing or senior center) and present on the PB process there8.
Besides informing residents about the process and
getting inputs on priorities and proposals, another goal

7 See Kasdan, Alexa and Lindsay Cattell (2012, p. 9). “A People’s


Budget: a research and evaluation report on the Pilot Year of the Par-
ticipatory Budgeting in New York City.” Community Development
Project at the Urban Justice Center with the PBNYC Research Team.
http://www.urbanjustice.org/. It should be noted that while in these
early years of PBNYC, all districts had to have a district committee.
But in the last few years, most districts no longer have functioning
district committees and in most cases this is a bad thing. This lack of
sustainable support infrastructure is one of the reasons for going “city
wide” and forming a separate organization to focus on and coordinate
support (the Civic Engagement Commission).
8 Kasdan Alexa, Erin Markman, and Pat Convey. 2014. “A People’s
Budget: a Research and Evaluation Report on Participatory Budgeting
in New York City Cycle 3” p. 11-12 Community Development Project
at the Urban Justice Center with the PBNYC Research Team http://
cdp.urbanjustice.org/cdp-reports.
66
of the neighborhood assemblies is to encourage especially
passionate residents to step up to help develop the (usually
rough and partial) ideas submitted by the broader public
into proposals. (These persons are similar in role to Porto
Alegre’s PB delegates but the former are not elected.) This
third stage goes from October to January. These folks are
called “budget delegates” and receive training in the ba-
sics of the budget process and in group facilitation. Budget
delegates develop the proposals and then vet them with
the help of city officials in accordance with the city’s fiscal,
technical, and regulatory criteria. All the proposals have to
be within a certain price range, meet legal requirements,
and get the approval of the relevant agency or agencies. So,
for example, a proposal for a school garden must meet the
needs of the school and/or local community, be technically
feasible at the site (access to sunlight, proper drainage), be
within the price range (between $35,000 and $1 million),
and be deemed eligible by the Department of Education
(KASDAN and CATTELL, 2012).
The proposals that pass these tests are then put onto
a ballot. The ballot is presented to the public in February
in “expos,” to garner publicity and then the vote is held
over the course of a week at various sites usually in late
March. A New York Times article captured one such scene
as follows:

On a weeknight in mid-March, a room in the Park Slope


Armory YMCA that is frequently used for children’s
birthday parties was packed with tables draped in pale
yellow, 99-cent-store, vinyl coverings and topped with
propped-up tri-fold poster boards. About 100 people
bumped and jostled their way to the snack table lined
with bowls of popcorn and pretzels. Eager presenters
button-holed passersby. It looked like a middle-school

67
science fair. But the buzz in the room wasn’t over home-
made solar system models or photosynthesis; it was the
sound of revolutionary civics in action (SANGHA 2011
quoted in MENSER, 2018, p. 74, my emphasis).

To further enable access to the process, people can


vote at a range of sites, from the council member’s office to
schools and churches and tables set up at grocery stores, and
voting takes place not just on one day but over the course
of a week. (And there has been some on line voting over
since 2016). As noted above, the voting age has dropped to
11 in some districts. In the voting phase, residents must
prove that they reside in the city council district and then
they have 5 votes to cast. There are usually anywhere from
6-18 proposals on a ballot and one project can only receive
one vote from each person (i.e. I cannot use all five of my
votes for my favorite project.).
The last phase of the process involves the formation
of a monitoring committee that will follow the projects as
they go through the various stages in the city bureaucracy
and are hopefully implemented. (PB proposals are subject
to delays and cancellations just like any other capital pro-
posal submitted to the city by a city council member.).
Also, there is a critical review of the process that happens
at each district level. That feedback is presented to the
citywide steering committee who meets in the summer,
in between phases, to make any changes. One change that
occurred in year two was the lowering of the voting age
from eighteen to sixteen. A major reason for this was lack
of youth participation. Again, now the voting age is elev-
en in many districts.

68
PB NYC and Political Equality

In the first year (2011) in four districts, PB NYC


engaged over 8,000 people over the course of the entire
process. More specifically, 2,400 residents identified 2,000
project ideas to address community needs, over 300 volun-
teers researched, revised, and developed 78 full project pro-
posals, and 6,000 voters chose 27 winning projects. In year
two (2012), 13,889 participated in the allocation of $9.8
million in eight districts, and in year three, 18,184 par-
ticipated in the allocation of 14.5 million in ten districts
(KASDAN, MARKMAN and CONVEY, 2014 p. 16).
In 2018, 31 council districts from across all five boroughs
have signed up to participate in Cycle 8. That means $31
million of New York City’s $89 billion budget – rough-
ly 0.035% – will be put to a direct vote9. Although the
amount of money in NYC PB has grown, this percentage
is trivial as compared with the overall budget and partici-
pation is quite low in a city of eight million humans.
When compared to voting patterns in local elections,
PB fared well in terms of turnout and did better from
the perspective of inclusion. Overall, people of color and
middle to lower income residents were better represented
in PB than in the local elections10. Also, research found
that PB was a site for learning about the political process,
9 https://www.govtech.com/dc/A-Look-at-New-York-Citys-Partici-
patory-Budgeting-Map.html; for cycle 8 results see: https://council.
nyc.gov/pb/results/cycle-8-results/. For more info on projects see:
https://data.cityofnewyork.us/City-Government/Participatory-Bud-
geting-Project-Tracker/qm5f-frjb
10 See SU, C. Whose budget? Our Budget. Broadening Political Sta-
keholdership via Participatory Budgeting. Journal of Public Delibera-
tion, v. 8, n. 2, pp. 1-14, 2012.
69
social network building, and collaboration that not only
built confidence among participants but also had benefits
beyond the PB process itself (KASDAN and CATTELL,
2012). In other words, not only did PB promote collective
determination among (small) segments of the community,
it also promoted interconnection with other efforts, orga-
nizations, and issues outside of PB.
The report released by the research team of PB NYC
gives much to ponder about PB and a number of issues
already mentioned in Chapter 1. NYC’s first year of PB
indicated successes from multiple standpoints: in terms of
the stated principles (transparency, equity, inclusion), PB
succeeded with respect to all three, though modestly with
respect to inclusion (KASDAN and CATTELL, 2012).
Also, there is evidence that, in at least one district, the proj-
ects that were funded were more likely to go to residents
comparatively lacking services and infrastructure. In other
words, the rich (e. g., well served) did not get richer; instead,
those with less access to infrastructure got more (KASDAN,
MARKMAN and CONVEY, 2014, p. 27). Over the course
of nine years, we are starting to be able to see what kind of
projects win and get implemented: schools, libraries, parks,
streets, but it’s still early to gauge the impact of these proj-
ects because they take a couple years to get built and then
it of course can take a few years before a judgment can be
made as to how impactful the project is and for who. We
can say with confidence that libraries have been frequent
beneficiaries of PB and in NYC11. As in many other com-
munities across the US, libraries are particularly important

11 Winning projects can be found on the Council Member website


and a full presentation of ideas, proposals and projects and comments
is at the http://ideas.pbnyc.org/page/about.
70
for low income and immigrant folks as a place to study, to
access before and after school programs, job training, not to
mention access to free books and computers!
In terms of other benefits, PB reduced alienation
with respect to the political process and increased the
confidence of those participating as political agents. It
increased the number of people in contact with the gov-
ernment at the level of elected officials, their offices, and
city agencies. Overall, the contact and communications
was positive and productive rather than negative and/or
confrontational, but there was frustration with specific city
agencies especially re: the vetting of proposals (KASDAN,
MARKMAN and CONVEY, 2014). One striking statistic
from the perspective of collective determination, capability
development and inequality is that 75 percent of budget
delegates with a high school diploma reported becoming
more comfortable contacting government agencies and of-
ficials, and 100 percent “became more comfortable negoti-
ating and building agreement”. Relatedly, people talked to
their neighbors more about political issues and were more
likely to connect with community based organizations.
Further evidence of this positivity was that more than a few
projects that did not win were funded by council members
who were motivated to find other sources of funds (KAS-
DAN and CATELL, 2014, p. 66).
This development of confidence also played out
positively along gender lines. At the beginning of the PB
process, women were less likely to be comfortable speak-
ing publicly, but they stayed involved more so than men
through the whole process. Indeed, women were over-
represented in every stage of the process, including the
budget delegates phase which is where residents exert the

71
most power in the PB process because they shape the bal-
lot itself. When compared to elected officials at the local
level, and even more so at the state and national levels, PB
has many more women participating. For example, there
are twice as many men as women on the NYC council,
but in PB processes, more women than men participate
as delegates and as voters (KASDAN, MARKMAN and
CONVEY, 2014). PB fostered a more “common good”
perspective and brought attention to (infra)structural in-
equality. As one delegate pithily put it, “People came out
with a community agenda rather than a personal agenda”
(KASDAN and CATELL, 2012, p. 24). This is a core
concern for practically every defender of PD, from Rous-
seau thru Pateman12. Most winning projects were focused
on basic needs and tended to benefit more people rather
than less, for example, public safety infrastructure (light-
ing, security cameras, traffic improvements) and technol-
ogy and computer upgrades for schools and libraries. In
another case, a proposal was withdrawn from a ballot be-
cause it was felt that the school applying for it already had
quite a few assets and other schools were in need of much
more basic infrastructure. So in this case, the proposer, a
teacher at a middle school, withdrew his proposal for a
green laboratory and outdoor teaching space and instead
his budget delegate committee looked at projects pro-
posed at schools with the highest need. There they found
a project for fixing tiles and putting doors on toilets in a
children’s restroom in PS 124. Cases of this sort occurred
in other districts as well13.

12 See Menser (2018).


13 See Menser (2018).
72
The Case of City Council District 45 in Brooklyn

In this section I’d like to focus on PB from a more
intimate angle. One case from PB NYC that demonstrates
its multidimensional power happened in the 45th dis-
trict in Brooklyn. I assisted in this district process from
the start. In 2011, there was a new young councilmember
(CM) named Jumaane Williams who came in as a member
of the newish Progressive Caucus. He was the first NYC
CM from Grenada and represented a set of neighborhoods
mostly made up of diverse Caribbean communities as well
as a smaller Jewish one. CM Williams had been a housing
organizer, not so unusual for electeds in NY, but he also
has Tourette’s Syndrome and was diagnosed with attention
deficit disorder as a child. He overcame both of these con-
ditions this and received a BA and MA from Brooklyn Col-
lege where he was president of student government. And
he has been an advocate on all of these issues for years.
PB arrived in the US shortly after Jumaane became
CM. After the initial success of Chicago, we brought Alder-
man Joe Moore to talk to NYCers and electeds to see if we
could get a few to take the PB plunge. I brought Alderman
Moore to my upper level social philosophy class to speak
with CM Williams. The room was packed with students
and they urged him to do PB, presenting numerous rea-
sons. CM Williams said he’d consider it and was about to
leave the room when one of my students politely, but with
let’s call it “tenacious enthusiasm,” requested that he com-
mit to PB before he left the room. He reflected, asked Joe a
few more questions (including how much does this cost in
terms of staff time to implement, a key question!), and then
committed!. Jumaane was one of the original four CMs do

73
PB in NYC in 2011 and has become a spokesperson for
it. He also continued his fight for safe affordable housing
and criminal justice reform where he was instrumental in
getting the discriminatory policing policy called “stop and
frisk” – which unfairly targeted Black and Latino youth –
eliminated. (It should be noted that crime went DOWN
after its elimination.). Jumaane went on to run a very spirit-
ed campaign for Lieutenant Governor at the state level. He
lost a close race, but gained much respect and broadened
his reach and then successfully ran for Public Advocate of
NYC. He won. And now we will count on him in his city-
wide role to be an advocate for PB as it goes city-wide.
I tell this story because in the US part of the appeal
of PB is as a space for leadership development, especially
for those persons and communities excluded by structur-
alism racism. In the case of Jumaane Williams, PB was a
space for the further leadership development of an elected.
This is crucial because we need to create spaces for electeds
and public officials to learn about PB and PD more broad-
ly, and support them as they run for higher levels such as
the state and federal government. PB is also been used by
groups in NYC for leadership development with the for-
merly incarcerated (e.g. the Fortune Society) and for youth
(Coro). Indeed, one of the most successful PBs we have
done in the US was a youth PB in the city of Boston for
young people aged 12-25.
A project that got funding early on in CM Williams’
district was a middle school technology classroom. In the
year 2019, this might sound trivial but in the year 2012,
in central Brooklyn, it seemed an out-of-reach dream. A
community based organization called CAMBA had been
trying to get one for years. They finally got it through in

74
the first years of PB. I was there when they opened the
room to the public with school administrators, teachers,
parents, and students all present along with CM Williams.
I have a few photos of the event and there are two things
that are striking to this day. In the room there are two doz-
en computers and a projector and screen and whiteboard.
Fantastic. But as I moved through the room I came across
something incongruous: a simple table with several very
old cell phones carefully displayed on stands alongside a
DVD, a cassette tape, and a VHS tape. The sign above the
table said “history of technology museum” and it was put
together but the 12 and 13 year old students. The kids were
not only recipients of funding from the proposal but they
had used their own intelligence (and humor) to make this
project and its space their own.
Here we see the multidimensional impacts of PB its
best: a community subject to structuralism racism fulfills a
long unmet need and its young people make it their own;
a young person from the same neighborhood, substantive
and savvy, overcomes a disability, and becomes a rising po-
litical star, redefining NYC politics in terms of issues such
as criminal justice reform and who is able to hold elected
office. And he’s already had a major impact on the lives of
black and brown youth thanks to his political work and a
new kind of equity-enhancing participatory politics.

Comparing PB in Porto Alegre and NYC

Overall, in Porto Alegre and NYC, PB creates spaces


for democratic community building that are both critical
and constructive, agonistic and protagonistic. At its best,
PB helps to create an institutional matrix for the produc-

75
tion of a democratic culture and sensibility. It does this
in a manner that is multifaceted and multidimensional.
There is extensive literature that demonstrates this in Porto
Alegre. In NYC, there are some indications of this happen-
ing in some of the districts but not in others. A next phase
is about to start with city-wide PB and PB in the high
schools (more below), so greater impacts (we hope!) are
still to come. Still we know that in its first nine years, PB
imparts and develops skills that are needed to bring togeth-
er diverse populations in a jurisdiction. It creates a setting
– especially in the neighborhood assemblies and budget
delegate meetings – where people from divergent or con-
flicting social positions can talk about needs and ideas to
meet those needs. PB also offers a setting where individuals
can develop and exercise deliberative skills and learn about
the machinations of the particular political processes (this
is especially true for the budget delegates). Indeed, one
facet of PB that always pleases the council members and
their staff is that residents are exposed to the bureaucratic
restrictions that proposals often face. For example, a school
garden proposal in Jumaane’s 45th district was subject to
the jurisdictions of Departments of Transportation, Educa-
tion, Parks, and the State Dormitory Authority. Residents
are also exposed to the costs: yes, a new watering system for
a park costs $100,000 and bus location signs screens more
than twice that (KASDAN, MARKMAN and CONVEY,
2014, p. 26). A related benefit is that residents get a better
sense of how much civil servants do14.
The differences between PB in Porto Alegre and NYC
are most apparent in terms of who started it, how many

14 CABANNES, Y. “20 Cities,” working paper. Sept. 2014. IIED -


International Institute for Environment and Development, 2014.
76
participate, and, most important, not just who decides
which proposals to fund but how the who decides what
proposals are chosen. In Porto Alegre, and throughout Bra-
zil, the Workers Party was the key supporter and prolifera-
tor of PB. In NYC and the United States, the Participatory
Budgeting Project (PBP, a nonprofit NGO) played the lead
role. In Brazil, PB was driven by a political party in a mix
with other social movements as part of a large and compre-
hensive national political movement. In the United States,
PB also was tied to a larger national framework, the U.S.
Social Forum, but was not supported by a major political
party. Also, the spread of PB in the United States was due
to the efforts of PBP working with relatively isolated elect-
ed officials, and the different cities that chose to do it had
no real political connections beforehand.

Participation in PB NYC 2012-2020

2012: 4 city council members (CMs) (1 million each, cap-


ital discretionary)
2013: 8 CMs; Brooklyn College (student government PB)
2014: 10 CMs
2015: 24 CMs
2016: 28 CMs;
2017: 30 CMs; 2 University PBs; 1 school PB
2018: 27 CMs; 2 University PBs; 31 school PBs
2019: 32 CMs; 3 University PBs; 57 school PB
2020: city wide PB; CMs?; 120 HS PBs; 1 elementary school

A second difference concerns how many participate.


In Porto Alegre, a city of 1.4 million, 30,000 participated
in the annual cycle in the 2000s. In NYC, a city of 8 mil-

77
lion, more than 50,000 participated in its fourth year and
99,000 in 2018, but the percentage is still much less than
in Porto Alegre. Crucially, there are also some key differ-
ences in the structures of the processes. Many PB programs
in Brazil adopt a “quality of life index,” which allocates
greater resources on a per capita basis to poorer neighbor-
hoods. This creates a bias in favor of the poor, thereby en-
couraging poor citizens to participate. It is also designed to
encourage greater spending on the types of policy problems
that most strongly affect poor neighborhoods (e.g., access
to public health care and public housing, building basic
infrastructure). Research on PB in Brazil has demonstrated
that majorities of participants and elected PB delegates are
low income, have low levels of education, and are often
women, thus confirming that PB rules have successfully
expanded public venues to include poor and traditionally
excluded sectors. However, research has also shown that
the most vulnerable, the poorest of the poor, are usually
not effectively integrated into the process15.
The biggest difference between Porto Alegre and NYC
PBs is the degree of participation. In POA, the numbers
are multiples higher in terms of the assemblies. The most
qualitative difference between NYC and Porto Alegre is in
regard to who votes and how they vote. In NYC, tens of
thousands of residents turn out to vote and choose the pro-
posals. In Porto Alegre, a couple dozen delegates elected by
the residents in the assemblies choose the proposals in the

15 See Menser (2018). In the recently started Paris city wide PB,
the poorest of the poor, especially the homeless, have been prioritized
and receive extensive funding for projects. See the essay by long time
PB researcher Yves Cabannes: https://budgetparticipatif.paris.fr/bp/
plugins/download/YvesCabannes_PB_in_Paris.pdf
78
COP. The other difference, though, is that in Porto Alegre,
the ballot of proposals to be voted on is in part structured
by need. That is, those neighborhoods with greater need are
much more likely to have their proposals on the ballot and
have an increased chance of winning the vote. In NYC, no
formal measures like this are in place, and, although budget
delegates are urged to consider need, there is no mechanism
to formally favor the least advantaged areas16. Despite their
differences, it is my view that both Porto Alegre and NYC
PBs are both “participatory democratic” (PD) but NYC
is much less mature and impactful that porto Alegre at its
peak in the mid to late 2000s. Still, each has fulfilled our PD
norms (inclusive, capability developing, equity-enhancing,
authority-sharing) although Porto Alegre on a scale and with
a history that dwarfs that of NYC (MENSER, 2018).

PB as Civics for All! Changing the Default Image of


Democracy in NYC Public Schools

A different type of difference between PB and Porto


Alegre PBs is with respect to their institutional locations.
In the US, PB has entered into the space of schools and
universities. And after running pilot programs for two
years, PB in NYC will be in all of the high schools (HS
PB) in 2021. HS PB is modeled in some general sense after
PB NYC but in practice differs considerably.
One could imagine a process where after school,
assemblies are held where students discuss issues and pro-
pose ideas, and then another group, perhaps of students,

16 Although many would like to see some kind of criteria like this for
city wide PB, the process not been designed yet, though it starts in
July 2020.
79
teachers and administrators vets the proposals and creates
the ballot and then the whole student body is eligible to
vote. This is the process Brooklyn College initially used.
PB in High Schools is different. First, it’s in a class, and
although Brooklyn College ended up shifting to hold-
ing assemblies in classes, there they were not full fledged
parts of the curriculum the way there are in NYC HS PB.
Relatedly, HS PB is mandated by the school system and
the Department of Education (DOE) and DOE working
with teachers determined how it would fit into the cur-
riculum. They decided to offer PB through two different
classes: economics and political science. A group of teach-
ers and administrators designed a curriculum with assign-
ments. PB is thus a multiweek activity with assignments
that happens in classes. The format is as follows: first stu-
dents learn about PB and its origins in Brazil (yeah!) and
its implementation as PB NYC. Then they learn about
PB from the perspective of one of the two classes. For
government, PB is taught in the context of civics. In eco-
nomics, PB is situated within a framework of construct-
ing a budget, both institutional and personal finance. The
learning objectives as stated by DOE are the following:

“Civics for All” Learning Objectives17

#1. Students gain an increased understanding of what it


means to be an active community member.
#2. Students work collaboratively to identify potential
solutions to community needs and create project pro-
posals that address these needs.
#3. Students use information from multiple sources to

17 Civics for All: https://infohub.nyced.org/docs/default-source/de-


fault-document-library/participatory-budgeting-in-your-school.pdf,
page 14.
80
foster research skills, critical thinking skills, and basic
budgeting skills.
#4. Students evaluate campaigning strategies and devel-
op public presentation skills to persuade others to sup-
port their proposal.
#5. Students develop an increased concern about the
welfare of others, develop a sense of social responsibil-
ity, and understand ways they can influence the larger
community.

Liberal democracies have often had some kind of


civics education program in the school system. Frequent-
ly they involve an election of a president and vice-pres-
ident or possibly an entire student government. There
are also campaigns or fundraisers for particular causes:
health, environment and so on. But we are seeing a kind
of crisis with respect to the usual models especially after
the last election18. The vulgarity and animosity of the last
election combined with the character of Trump, and to
be fair of the Clintons (e.g. Bill’s past) was not exactly in-
spiring to young people either in terms of civic virtue nor
in regard to the electoral process. But even in a good year,
young people holding their own elections doesn’t teach
much if anything about participatory democracy. It is,
instead, more of a lesson in the competitive multi-party
system where, at best, each side learns to advocate for an
issue or develop a platform, and rally others to their side
and/or away from the other side. PB has a different logic:
here people come together to collectively make things better;
to learn about each other, to discuss and deliberate and
problem solve. There is competition, but, fundamentally,

18 The crisis is of course older than the previous presidential election.


http://neatoday.org/2017/03/16/civics-education-public-schools/ and
https://www.aft.org/ae/summer2018/shapiro_brown
81
PD is not a contest, it is a collaboration. PD is a collective
decision making process which shares authority and/or
power to solve problems. It’s disappointing that neither
“collective deliberation” nor “collective problem solving”
is listed in any of the goals. If one looks at the propos-
al formulation process as well as the needs assessment,
there is an opportunity for collective deliberation and a
kind of authority-sharing. Thus, from a PD perspective,
one might modify goals #2 and #5 and instead of merely
“concern for others,” suggest a kind of listening that be-
comes authority-sharing. Reformulating the “campaign-
ing” goal in #4 is especially important. Campaigning is a
significant form of political communication, but anchor-
ing it in the terrain of collective deliberation and problem
solving precludes the brute partisanship model of cam-
paigning which turns off so many. In this sense, goal #1
lays all of this out positively in what it means to be an
“active community member”. It’s not just about voting
or campaigning for a candidate or petitioning; it’s about
skills-building, collective deliberation, and an animated,
driven, problem-solving mode of inquiring.
In the PD formulation of “civics for all,”, students
develop capabilities not (only!) to get into a college or get
a job but in order to work better in groups and acquire
the skills of collaboration, deliberation and conflict resolu-
tion through learning by doing; PB is learning democracy by
doing democracy. But doing PB is not just about teaching
people about PB in order to do more PB (!). PB is also
about learning how to do PD thru PB, and, potentially,
to introduce other forms of PD. For example, in an eco-
nomic democracy curriculum we are developing at CUNY,
participatory budgeting is employed not simply as an end

82
it itself, but as an introduction to forms of collective delib-
eration and power sharing in the economic sphere such as
worker owned and managed firms (worker cooperatives),
consumer owned and managed firms (consumer coopera-
tives), credit unions (financial cooperatives), and commu-
nity land trusts (property cooperatives). PB can be a kind
of gateway to other forms of PD as well as be a training
ground for basic PD skills and concepts that can be de-
ployed in these other venues. Indeed, in a set of Brook-
lyn high schools there are job training classes in the works
where students learn particularly useful skills for the job
market such as heating and air conditioning installation
and repair and pharmacy but also as part of the business
aspect of the curriculum will learn the basics of cooperative
management (where the workers are the owners)19.
Of course reaching tens of thousands of students a
year also creates a veritable PB “army” which can then go
onto participate in city wide PB and deepen the expecta-
tions of that process. But equally intriguing, what kind
of impact might PB have as the high schoolers take their
expectations of “learning democracy by doing democracy”
into colleges and universities?
And what kind of impact might these students make
who go into business? NYC is famous for its small busi-
nesses and family businesses, what if they were structured
democratically as cooperatives? NYC has the largest work-
er coop in the US, Community Home Healthcare Associ-
ates and the largest consumer coop, the Park Slope Food

19 This part of the Citizen Share Brooklyn program which emerged


out of the Coalition to Transform Interfaith Hospital and is part of the
anchor model of economic development being pursued by the newly
formed One Brooklyn Health System.
83
Coop (22,000 members!). And, four years ago, after much
(PD!) campaigning, the NYC council started an initiative
to incubate and support worker coops, especially to ad-
dress the economic inequality crisis. Clearly just getting
an education and a job is no longer a ticket to the middle
class; indeed, frighteningly, the flood of low-paying jobs
has created a new category, not just “the working poor”
but the working homeless20. But in the US with its hyper
competitive individualized culture of entrepreneurship,
individualized consulting, and “climbing the corporate
ladder,” asking people to join much less start a coopera-
tive is a bit anachronistic. While in my book I debunk the
idea that people refuse to join coops because there are too
many meetings (MENSER, 2018), it is true that people
who join coops face non trivial difficulties given the US’s
lack of settings to practice collective decision making and
shared authority, especially when there are high stakes in-
volved. Here again, we see the potential of PB as a kind
of education and skills-building space which can prepare
the ground for coops and economic democracy. It is also
true that PB processes can provide direct support for coops
whom otherwise struggle much more for financing and
support services than traditional sole proprietor or corpo-
rate firms. Indeed, Park Slope Brooklyn’s PB was success-
fully utilized to start a coop!21.
I now want to turn to three other venues for PD PB
which are in their early phases in NYC and tease out their
possibilities for system change in this moment of structural
racism, the climate crisis and rising economic inequality.
20 https://newrepublic.com/article/154618/new-american-homeless-hous-
ing-insecurity-richest-cities?utm_source=pocket-newtab
21 https://pbnyc39.com/project-map/
84
PB and Reparative Justice

In his highly influential book The End of Policing,


my Brooklyn College colleague Alex Vitale shifts the de-
bate around police reform. We don’t need more police.
Nor is “police reform” the answer; indeed, retraining law
enforcement to solve a whole range of social problems still
involves a kind of militarization to treat what are funda-
mentally social and economic problems. In other words,
these problems don’t need more policing, they require
more community building. So, why not downsize the po-
lice and use those funds to enable community members
to address these problems through neighborhood based
participatory democracy processes? Here, money would
be moved from the police departments to communities
in order to address problems which the police are not
well suited to respond to such as mental health crises,
drug addiction, and youth delinquency. But there is no
“one size fits all” model and a top down version of this
could reinforce the structural inequalities. Different com-
munities have different histories and cultural dynamics,
and those should be able to inform the debate. However,
PB is well equipped for tapping into such context-sensi-
tive conditions. While there is no such PB underway yet,
in 2018-9, two NYC high schools used PB for enabling
students to define just what “safety in schools” means and
this year the project may massively expand22.

22 There is no public report on these processes to comment on here


but the process was funded by the Brooklyn Borough President’s office
and may be institutionalized by a city agency.
85
Participatory Democratic Socio-ecological
Resilience in Brooklyn

Another area in desperate need of capability develop-


ing, authority-sharing and equity enhancing participatory
processes is climate change adaptation. Even for those of
us who are strident proponents of participatory democra-
cy, we realize that it is neither necessary nor desirable for
broad swaths of the public to be involved in every deci-
sion. Some policy and government issues are exceedingly
technical, like how best to fix a train tunnel damaged by a
storm, or upgrade a hospital whose electrical infrastructure
is inadequate given the demands of new equipment. And
some are rather trivial: what color should the walls be in
the basement of the new library and should the chairs have
three legs or four? But when it comes to climate change
adaptation, public participation is crucial both in terms of
priorities and projects. And it is equally crucial that the
participation be both inclusive and regularized: the various
constituencies of the community should be at the table,
and indeed, the groups with the deepest needs may even
should be overrepresented, as should those who are most
vulnerable. And communities should be engaged not just
in an ad hoc, “after the disaster” event, but regularly, be-
cause the challenges of climate change are not going away;
they are only going to get worse.
Since 2014, I have been part of a novel experiment
in urban climate adaptation in NYC called the Science and
Resilience Institute at Jamaica Bay (SRI@JB). SRI@JB stud-
ies Jamaica Bay, a large “lagoon” by JFK airport, with more
than 100 miles of coastline and over a million people re-
siding in its watershed. Created during Mayor Bloomberg’s

86
administration, SRI@JB’s mission is to link all the different
types of scientific knowledge (of weather patterns and cli-
mate, flood dynamics and water quality, plant biology and
marsh restoration, the movement of sediment and ecosys-
tem dynamics) with all the different branches of govern-
ment that have jurisdiction over the bay (there are more
than 30!) to enhance the resilience of the ecosystems and
communities in the JB watershed. In its first years, SRI@
JB aimed to interconnect the different government agencies
and communities to utilize the best scientific knowledge
available to help government set priorities for enhancing
resilience for the ecosystems and communities. I came into
the mix not as a scientist but as philosopher interested in
environmental issues and with some scientific proficiency.
But more relevant is my extensive experience doing public
participation both with community groups and govern-
ment, especially in my work with PBP and then in specifi-
cally climate disaster contexts, including as a member of a
coalition of communities that had been severely impacted
by Superstorm Sandy in 2012. This coalition was person-
al: my own community – and household of four with two
young children – lost power for almost two weeks.
What fascinated me about SRI@JB was that not
only were the communities involved but so were the gov-
ernmental decision-makers. This is often not the case. Of-
tentimes communities meet to talk about their issues and
needs, and even their ideas and aspirations for solving their
problems. They may do so through “needs assessments” or
“visioning sessions,” but they usually do it without the ac-
tual power-holders in the room. There are virtues to this
approach: communities get to discuss and debate without
power holders framing the discussion or intimidating those

87
challenging current policy. I have seen both of these phe-
nomena occur and it’s important to have spaces where’s
communities can have this kind of autonomy. But all too
often those “autonomous” spaces never have any impact
on policy or governmental operations. In some cases they
may make difference in some plan, but then after the de-
cision is made the committee disbands, the community
is excluded, and there is no follow up much less regular
communication. Instead, the residents are subject to the
fiscal and administrative whims of the agency as the poli-
cy is implemented. Sure, there are success stories where it
all works out and, say, the street improvements reduce the
flooding. But too many times it’s not so smooth: a commu-
nity’s favorite basketball court is upgraded but it floods in
the summer time when it’s used the most.
The task for organizations like SRI@JB is to cre-
ate a more sustained and informed relationship between
community leaders and key agency staff, and also regularly
check in with the broader public. This is, of course, easier
said than done for at least three reasons23.The staff of SRI@
JB are neither elected officials nor community members,
they are scientists. And their primary job is to integrate the
science about the bay. This in itself is no easy task given the
different data sets which also reveal gaps in the knowledge.
For example, in JB, one of the contentious issues pertains
to the dredging of the bay from the inlet into its center.
Those who fish in the bay believe that this invites more

23 These remarks are based on my participation in the organization


over its lifetime. I was involved since before the beginning since I was
part of the team that designed the institute, after the grant was award-
ed and before the director was hired. I continue to work with SRI@JB
as community engagement advisor.
88
fish and a wider variety which is not just good for those
aiming to catch striped bass but also increases biodiversity
by inviting other colder water fish into the bay and larger
schools of fish such as menhaden. And, for the non fishing
folks, it seems that having these deeper water areas also
brings down the temperature of the water in the summer
which is a benefit for those communities right on the water
as well as those visiting the Gateway National Recreation
Area of which JB is a part. But some scientists believe that
the dredging also makes the communities more vulnerable
since it allows for a greater mass of water in the bay which
during a storm can do more damage when flooding occurs.
There have not been studies of the relationship between
the dredging, water temperature, and fish population and
diversity in the channels, and the community wants this.
This shows the importance of having all three groups in the
room at the same time.
In Canarsie, Brooklyn the situation is a bit different.
Here the community is not a classic beach front or coastal
community like a Broad Channel or Breezy Point. Houses
are not on the bay, and they don’t have docks and boats
like those in Mill Basin to the south or Howard Beach to
the East. Unlike those majority white waterfront commu-
nities, the 90% Black (Caribbean and African American)
Canarsie, like many communities of color across the US,
does not have much recreational access to the body water
right next to them--there is one pier and a new park--
but they do get the negative “access” of flooding. Much of
Canarsie is quite close to the bay and two adjacent bod-
ies of water: Fresh Creek and Paedergat Basin. But even
worse from the vulnerability standpoint, it is low lying
and largely built on filled in marsh so it drains poorly. And

89
while Broad Channel and Breezy Point have attracted con-
siderable resources for adaptation, Canarsie has not, and
the community feels abandoned24.
As a member of SRI@JB and Brooklyn College, I am
part of a team doing a climate change adaptation process in
this neighborhood called “Cycles of Resilience.” Phase one be-
gan in November of 2018 with formation of working group
of community leaders who met with the team of scientists
from SRIJB, social scientists and engagement experts from
the non-profit Public Agenda, and the BC college based Cen-
ter for the Study of Brooklyn (I am a member of its board).
The goal of this initial working group was to build trust and
set the parameters for the process and the division of labor
and to educate each other about the history of Canarsie, the
landscape of current actors, and meet local electeds.
In the next phase (phase two), the goal was outreach to
the broader community. Here we departed from the standard
“information session” and instead developed a game. Games
are important in many Latin American political movements
and some have been used in PB as well25. For Cycles of Re-
silience, we borrowed a tool of practice from PBP and US
PB which utilized the format of USA game show Jeopardy to
teach people about budgeting and PB. We made the ques-
tions about the history of Jamaica Bay, famous people from
Canarsie, the social history of Canarsie, the ecology of Ja-
maica Bay, and the role of the different government agencies
in the area and JB. We did a few stand alone versions of the
game as an event unto itself where the community members
divided up into teams, played and then talked about what
24 https://blavity.com/blavity-original/how-this-brooklyn-community-
is-taking-matters-into-their-own-hand-to-fight-against-climate-change
25 See Josh Lerner’s 2014 “Making Democracy Fun” (MIT Press).
90
they learned, provided critical feedback on what was miss-
ing, and what most surprised them. These discussions were
fascinating; we found that allowing for this space of reflec-
tion enabled community members to really “own” the event
and drive the inquiry in ways that were more meaningful to
them (and hopefully inspire them to stay engaged!). We also
did mini-versions of the game at community events such
as fairs, and there kids especially wanted to play. All these
events spurred additional interest among some who wanted
to know more. This set us up for Phase 326.
Phase 3 was “getting to know the bay.” After the
“light” engagement of Phase 2, some community members
wanted to learn more so SRI@JB and Public Agenda set
up a three hour boat ride on the CUNY1 research vessel to
learn more about JB, see the marshes, the birds, dolphins,
and talk with scientists and agency officials as they also en-
joyed complimentary food and played a scavenger hunt
game. We did two of these events with about 25 commu-
nity members on each trip.
In Phase 4, “ideas and action,” after the deeper en-
gagement of Phase 3, community leaders formed actions
team to discuss and deliberate about community priorities
and the projects that best serve those priorities. The action
teams are on specific topics--civics, streets and transporta-
tion, blue and green infrastructure, and a community center-
-and anchored an “assembly” in a church basement attended
by more than 50 people. This phase led to the cultivation of
a new set of community advocates on “action teams”; those
who want to work together to further refine a specific pro-
posal and meet with relevant agencies to seek out funding.

26 https://blavity.com/blavity-original/how-this-brooklyn-community-
-is-taking-matters-into-their-own-hand-to-fight-against-climate-change
91
So what does all of this have to do with PB? The
multiphase process of PB NYC informed the Cycles of
Resilience process. Also, more directly, the proposals that
are eligible will also be submitted to the city wide PB in
2020. What this also shows is that PB can be placed into
an engagement process that has an independent set of civ-
ic, educational and political goals. While in some sense
the projects that will go into PB are the culmination of a
much longer engagement process, the goal of the engage-
ment process is not simply to do a PB, get a few proposals
funded, and then stop. The goal is to develop solidarity
and trust and educate community members so that they
will use this increased social capital and skills in many
ways, beyond Cycles of Resilience and the PB process,
for example in lobbying elected officials or city agencies
for action, funding for their proposals, and influence in
implementation and monitoring.
Cycles of Resilience offers a few lessons for those
interested in PB and PD more broadly--not to mention
climate adaptation. One, proposals for a PB process need
not be generated within the PB process. While this is in
some sense obvious since anyone can submit an idea into
PB NYC regardless of where it was created, the point is
that another PD process (e.g. Cycles of Resilience) can
frame a PB process. And projects can be generated in oth-
er PD processes that have other goals and agendas but
also are vetted proposals. Two, even though PB is itself
a multiphase process it can be fit into other multiphase
processes. Indeed, in another neighborhood in Brooklyn,
a school playground literally right across the street from
my own Brooklyn College won funding in PB, after many
years of trying, for the reconstruction of their schoolyard

92
to make it into a multiuse recreational area with plantings
and a garden. The community became so attracted to and
excited by the project that another local elected also put
in funding to make the school garden a community gar-
den as well so as to include community members outside
the school, and the school day and year when otherwise
it would be literally locked up27. What was amazing was
that the lead landscape architect of the garden included
school kids in the design of the expanded site. So the
process that followed the PB was also PD. Construction
starts in the spring of 2020.
Sustainability and resilience planning are sectors
which are only going to get bigger. Cycles of Resilience
shows how PB can fit into a sector without having to
dominate the framing. Here, PB is a process among oth-
ers, but a crucial one which educates and develops social
capital and solidarity in the community. This is differ-
ent from the traditional tactic of lobbying an elected or
governmental official to get one’s project through. Such
tactics while necessary often do not build trust in the
community since they are closed door and insider-ish and
often involve protest or bargaining (though the former
can be more social and solidarity enhancing.). Again, the
point is that this kind of mixed approach, of which PB is
a part, builds PD skills and regular relationships among
researchers, government, and community. PB is not just
about PB.

27 That elected official, State Assembly member Rodneyse Bichotte


used funding that is part of a NY State program called Vital Brooklyn
which is focused on public health in Central Brooklyn.
93
The Local Limits of Resilience and the Scales of
Everyday Life

The kind of intimate small scale processes described


above that interconnect science, government and commu-
nity are essential to promote socio-ecological resilience.
And, they are, sadly, inadequate. First, even if we could
make our local neighborhood resilient, that would not
actually make our life resilient. Most of us do not “live”
in one neighborhood: we work in one, shop in another,
go to school in still another, visit friends and family across
the country. As such, ironically, that most intimate geo-
graphically proximate process to my residence may only
capture a small portion of my life. Even those who are
homebound or have restricted mobility require others to
support them, from the workers at local stores to mainte-
nance staff for their building, home healthcare aides and
nurses, social workers, delivery persons and so on.
The second and quite obvious reason in this time
of globalization is that even if we do primarily reside in a
single neighborhood, the basic goods that we depend on
do not originate there. Water, food, electricity, and many
if not most of our basic goods come from a diverse set of
elsewheres within or outside a country. What supports us
then are networks and supply chains and infrastructures,
multiple grids on multiple scales some stretching hun-
dreds if not thousands of miles28. In NYC, we depend
on outside networks from the reservoirs which hold our

28 On global supply chains and their political significance in the


21st century see Parag Khanna’s Connectography (2016). For more
on how supply chains are constructed see Keller Easterling’s Extra-
statecraft (2014).
94
water outside the city to the power grid which brings in
electricity from multiple sources from dams upstate to
a nuclear plant up the river and food which comes in
through the Hunts Point Terminal Market in the Bronx
from various ports in New Jersey and Maryland and then
comes in via truck. Frustratingly, much of the infrastruc-
tures we depend on for our everyday lifeways are degrad-
ed, dilapidated, and not adequately maintained--and
that’s independent of the challenges of climate change! –
because of lack of jurisdictional cooperation, funding, in-
competence, neglect and so on. When one throws climate
change on top of all that our vulnerability is magnified.
Again, the point of all this is that my local neighborhood
meeting even if it goes really well does not address any of
this. But it still has a crucial role to play.
In the US, the wealthiest country in the history of
the world, infrastructure spending must happen, but how
to make sure it meets the needs of people, is informed by
science, enables the transition to the zero carbon econ-
omy, restores habitat, and oh yeah dismantles structural
inequality as it promotes inclusion and equity (and resil-
ience)? And how to make sure that there is a bureaucrat-
ic apparatus that is responsive and competent enough to
plan, implement, manage and maintain it? Bring on PB
(and its PD hybrids and fellow travelers)! Here PB has
much to offer both in terms of how other countries have
used it as well as its particular potentials as it scales in
NYC. But that will also require changes to the bureaucra-
cy and a move from the domination of the public-private
mode of governing and service delivery to a community
driven “social-public” one which understands such proj-
ects not as vehicles for capital accumulation but for the

95
preservation and restoration of a socio-ecologically resil-
ient commons29. How do we construct such participatory
discussions at multiple scales? This is an under-discussed
dimension to all these (urgent and inspiring!) calls for a
Green New Deal.

PB, Scale and the Green New Deal

In the Fall of 2018, a group of young activists who


had been organizing to get elected officials to refuse cam-
paign donations from fossil fuel companies were fed up.
They were fed up with the lack of urgency among main-
stream politicians, so they engaged in a sit-in in House
Speaker Nancy Pelosi’s office to demand a response to the
climate crisis that went beyond new regulations and tax-
es and instead was of a scope and ambition which was
at the scale required to meaningfully address the climate
crisis. They were fed up with too-local efforts, and small
scale incentives and subsidies and instead envisioned a
kind of mobilization seen during the Great Depression,
WWII and the 1960s Space Race. This organization is
called the Sunrise Movement, and when the recently elect-
ed Alexandra Ocasio-Cortez stopped by their sit in, the
mainstream political imagination shifted horizons as well.
Soon thereafter, young Ocasio-Cortez joined with long
time politician Senator Markey to co-author a resolution
called “Recognizing the Duty of the Federal Government
to Create a Green New Deal”. The goal of this Green New

29 On the social public see Menser (2018). On socio-ecological re-


silience see the classic and contemporary formulations in the journal
Ecology and Society. A good introduction is here: https://www.ecolo-
gyandsociety.org/vol21/iss3/art41/
96
Deal (GND) is to decarbonize the US economy, create
good paying green jobs, and improve infrastructure and
access to basic goods such as housing and education across
the US30. This nonbinding resolution was voted down by
the US House of Representatives later in the year, but the
visionary platform continues to gain adherents and ver-
sions of it have been adopted by several Democratic pres-
idential candidates. Indeed, Bernie Sanders version goes
farther than Ocasio-Cortez and Markey by explicitly for
the prosecution of the fossil fuel companies and for public
ownership especially in the energy industry31.
The last time the US marshalled a transformative pub-
lic system-wide response to a system-wide crisis was during
the Great Depression32. The effort was led by President Roo-
sevelt and was called the New Deal. Begun in 1933, it aimed
to address unemployment, stabilize the banking system and
deal with a massive (man-made) ecological crisis (sound fa-
miliar!) which displaced millions (i.e. the dust bowl). While
the first phase of it struggled, it was quickly rebooted and in
its second phase (1935-1941) produced some of the most
impactful and far reaching government programs in US
history: from Social Security which guaranteed benefits to
retired workers to the Works Progress Administration that
hired millions and created public works that are used to this
30 https://www.vox.com/energy-and-environment/2019/2/7/18211709/
green-new-deal-resolution-alexandria-ocasio-cortez-markey
31 https://berniesanders.com/en/issues/green-new-deal/
32 For a history of Green New Deal type proposals since the 1980s, see:
https://www.vox.com/energy-and-environment/2018/12/21/18144138/
green-new-deal-alexandria-ocasio-cortez ; It’s also worth noting the there
was a proposal for a Green New Deal modeled after the US New Deal for-
warded by groups in the UK in 2008 during the financial crisis; see https://
neweconomics.org/2008/07/green-new-deal
97
day, from libraries and parks to bridges, tunnels, airports and
roads. (Indeed, the building where I teach at Brooklyn Col-
lege, Boylan Hall, was built by the New Deal.).
But the New Deal didn’t just hire and build, it
changed the way government operated from finance and
taxes to labor law and monetary policy to the structure of
government agencies, the regulatory powers of the execu-
tive branch, and the rules that structure economic sectors
from power generation and distribution to agriculture.
And, it was so difficult to fund that the US went off the
gold standard!33. The Green New Deal too must revolu-
tionize along all these dimensions; it’s not just about shut-
ting down the oil and gas sector and converting the grid
to renewables – though it’s certainly about that! – it’s also
about transforming the ownership and management struc-
ture of these new infrastructures34. Participatory Budgeting
processes and practitioners have much to offer here.
The Green New Deal, much like the original New
Deal, inspires (or enrages, depending on one’s politics and
view on the role of the state) for the same reason: it involves
the large scale action of the federal government in the pol-
itics and economy of the nation and states. It, remarkably,
remade the political economy of the nation and framed a
(Keynesian) model of economic development that dom-
inated until the neoliberal restructuring of the 1970s. It
also, devastatingly, reinforced and extended structuralism
racism with its housing and agricultural policies35.
33 See Arthur Schlesinger Jr.’s magisterial The Politics of Upheaval, 1960.
34 On the project of public ownership see Thomas Hanna’s compre-
hensive Our Common Wealth (2018).
35 A Planet to Win, 2019, Kate Aronoff, Alyssa Battistoni, Daniel
Aldana Cohen, and Thea Riofrancos (Verso).
98
The original New Deal also had many significant prob-
lems that any well-intentioned Green New Deal must take
into account. Large scale federal projects can lead to massive
corruption by lining the pockets of wealthy donors or influ-
ential lobbyists; projects can be doled out to political allies
and just as crucially withheld from political opponents de-
spite the real needs of those constituents36. And even when
there are good intentions and no political hanky panky, well
meaning projects can be poorly conceived because they are
too top-down, designed by “beltway bureaucrats” out of
touch with the real needs and local dynamics of specific states
and cities. This is a genuine problem even for a well inten-
tioned non-corrupt Green New Deal because not only must
the implementers know the local political and cultural dy-
namics, they must know the local ecological dynamics. This
was a real problem for the original New Deal which paid
thousands of workers in the Civil Conservation Corp to fill
in marshlands which altered local hydrology in ways that
led to soil erosion and also further enabled the rise of car-
bon emissions since marshes are some of the most effective
storehouses of carbon and as they are lost all that carbon and
methane is released which leads to rising sea levels which de-
stroy more marshes not to mention coastal infrastructure!. If
only there was a process that could integrate local knowledge
and scientific expertise, and be driven by community needs
in a way that collaborated with government, both electeds
and bureaucrats... But wait! Yes, we already have such a pro-
cess! So how to upgrade PB for this multiscalar challenge?

36 Although it must be said that the opposite problem has arisen lately
(under Obama) when states refused aid that would benefit their con-
stituents because the opposition Republican governors did not want to
receive the funding from Democrat Obama.
99
In most current PB processes community members
discuss and deliberate with each other and then meet with
government officials to formulate proposals37. They make
sure the projects--say the reconstruction of a coastal board-
walk or a hydroponics lab in a school--are both technically
and fiscally feasible and meet the needs of the community.
But a Green New Deal PB must go further. First, it must
calculate not just the cost of the project but the number of
workers required with a rough estimate of wages paid and
hours worked just like any other project that the city builds
or sends out for bid. This is because politically, the GND,
just like the original New Deal, is a jobs program and
contra all that downsizing of jobs and wages through new
waves of automation, creating jobs for public works is itself
a public good38. Second, PB GND proposals need to be
evaluated in terms of sustainability and resilience. For ex-
ample, backup generators and power stations can enhance
resilience but if they are oil, diesel or gasoline powered they
are not sustainable. Renewable versions should be sought.
But more controversially, let’s say there is a proposal to
build a zero waste renewable energy powered housing de-
velopment but said development is in a flood plain. While
it satisfies the sustainability measure, it may not be feasible
from a resilience standpoint. These kinds of dilemmas are
inevitable with climate change becoming an already here
climate emergency. And this is something that a GND will

37 I am inspired by the writings of and conversations with Alex


Kolokotronis on this issue. See his http://www.geo.coop/blog/
notes-green-new-deal-watchdog-public-public-operating-stakeholder
38 See Ocasio Cortez and Markey above. Also, longtime green jobs
labor advocate Jeremy Brecher gives his take here: https://inequality.org/
research/the-green-new-deal-a-strategy-for-a-more-equal-united-states/
100
have to confront in a democratic manner; there is much
infrastructure that needs an upgrade but may not be worth
the cost, or the risk, from a resilience standpoint. The point
is that, this is only going to work if the public is brought
in. If they are not, intense opposition is likely as people
who are in vulnerable locations might not get projects to
make them more resilient. But at the same time, if they do
not, they need a place to move. And more sweepingly, as it
grapples with these complexities, a PD GND will require a
shift in how we understand some types of property. Some
of it will have to move from being understood as a space for
capital accumulation to that of a commons. PB alongside
other PD processes and forms of collective ownership and
management, can make these commons operational39.

Globalizing the Green New Deal without Green Imperialism

But there is another challenge: a Green New Deal in


one country is not going to solve the global ecological cri-
sis40. Supply chains criss-cross the globe, delivering (too!)
many of our basic goods, especially food and energy, mak-
ing nearly every space on the planet dependent on interna-
tional trade. Indeed half of all goods are delivered through
global supply chains. On the ecological side, for there to be
a stabilization of the global climate and ecology, ecosystems
39 See the work of Elinor Ostrom on PD and socio-ecological resil-
ience; for a short introduction, see: https://science.sciencemag.org/con-
tent/325/5939/419.full
40 But a GND in TWO countries might: it could be argued that be-
cause so many supply chains go through China and the US, and be-
cause of the purchasing power and financial power and sway, that if the
US and China did a bilateral GND the rest of the world would almost
have to follow suit even without a global agreement.
101
across the planet must be conserved or restored. There are
forests and grasslands across the hemispheres both north
and south, east and west that are critical for local and glob-
al climate. And there are regional systems that cross na-
tional boundaries. This is well understood. But what draws
less consideration is that even if one country wanted to do
a national GND, such a program is structurally impossible
without a change in international trade agreements since
such agreements guarantee the rights of investors to fund
extractive industries41. A national green new deal cannot
happen even in one country without a change in interna-
tional trade and global finance.
Let’s take the US and Brazil as test cases. In Sep-
tember of 2019, the world condemned Brazil for not just
allowing but encouraging the burning of the Amazon
rainforest. These “controlled” burns, the aim of “slash and
burn agriculture” – a practice that is millennia old – be-
came “uncontrolled” due to climate change. Why did it
happen? Farmers were especially encouraged to clear rain-
forest to grow soy. To benefit whom? Isn’t this a matter for
the Brazilian people to decide? This soy is not being grown
to feed local Brazilians, as if! Nor even to feed local cattle
for local Brazilians, but mostly to feed cattle for consumers
in Europe and China. Bolsonaro, the current president of
Brazil, encouraged this because Brazil needs cash. But Bol-
sonaro did not make this happen. The incentive structure
comes from the architecture of the global economy and the
supply chains that are made possible by international and
transnational infrastructures. None of this forest burning
makes sense unless the new crops can be exported and for

41 http://unevenearth.org/2019/11/trade-governance-will-make-or-
break-the-green-new-deal/
102
that a new road is required to get the product to port. The
new road is not financed by Brazil, it is financed by a glob-
al partnership led by a US based hedge fund, the largest
in the world, the Blackstone Group. The burning of the
Amazon is an international enterprise both in terms of the
financing of it, and the consumption of it!42. Saving the
Amazon requires that we change international trade rules,
and dramatically reduce the undemocratic and ecologically
devastating agenda of global finance43.
So what would a Green New Deal look like in the
global level to address these kinds of issues? While is ob-
vious that the global climate crisis requires international
action, is globalizing a US Green New Deal the appropri-
ate model? Democratic Presidential Candidate Elizabeth
Warren thinks so44. Warren uses the original New Deal
frame of “jobs” but then dips it in the sauce of national-
ism, what she calls “economic patriotism,” and sees the
program as a way the US can assert itself on the global
economic stage by dominating the market in renewable
energy. It draws upon the post WWII US model of the
Marshall Plan which financed rebuilding in war torn Eu-
rope but also structured international markets to US ad-
vantage. She is worth quoting at length in her own words:

42 See Ryan Grim’s excellent piece in the Intercept: https://theinter-


cept.com/2019/08/27/amazon-rainforest-fire-blackstone/
43 See this interview with economist Anne Petitfor on why private fi-
nance can’t be in the driver seat on a global green new deal and insights
from FDR’s New Deal experience:
https://www.annpettifor.com/2019/09/how-the-green-new-deal-was-
born-by-hettie-obrien-new-statesman/
44 https://theintercept.com/2019/06/24/global-green-new-deal-cli-
mate-finance/
103
Green Marshall Plan – a commitment to using all the
tools in our diplomatic and economic arsenal to en-
courage other countries to purchase and deploy Amer-
ican-made clean energy technology. This includes a
new federal office dedicated to selling American-made
clean, renewable, and emission-free energy technology
abroad and a $100 billion commitment to assisting
countries to purchase and deploy this technology45.

Is this is supposed to be the Democrats “non-cli-


mate change” denying of “America First?! Warren also fa-
vors the public-private model of financing of the domestic
programs of a GND which could then further intensify
US corporate dominance not just on the innovation and
patents side but on the financial management of the global
scene. Again, a PD GND wants is climate justice, and cli-
mate justice is not going to happen if the US, or any other
country, achieves “market dominance” in the technology
needed to save the planet.
The good news, paradoxically, is that the US is no-
where near market dominance in ANY of the key green
technologies! China is of course the leader along with a
small set of northern European and Asian countries that
tech such as wind turbines and solar panels to mass transit
vehicles and systems. Indeed, if there is any country that
could achieve “market dominance” in sustainable technol-
ogy it would be China. And again, paradoxically, China
does do a lot of “public” investment and government con-
trol of the sector – but here “public” means the Chinese
Communist Party neo-authoritarian cybersurveillance
kind of public that puts religious minorities in camps and
tracks the financial and social media transactions of 100s
45 https://medium.com/@teamwarren/my-green-manufacturing-plan-
-for-america-fc0ad53ab614
104
of millions of people. So what are the climate justice pros-
pects for a Chinese led global GND?
We’ve gotten a glimpse of what a Chinese Marshall
Plan could look like. It’s called the “Belt and Road” initia-
tive. Here the official inspiration is not post-WWII US but
the ancient Eurasian Silk Road. As the US has receded (sort
of) from the world’s stage after the election of Trump and
the pullout from the TPP, many feared the rise of China
as it stepped up not just to finance but to build infrastruc-
ture across the globe including in places such as Djibouti,
Kyrgyzstan, Laos, the Maldives, Mongolia, Montenegro,
Pakistan and Tajikistan, Sri Lanka and Greece. But while a
few shiny projects have materialized with great fanfare – one
thinks of the mass transit project in east Africa – other proj-
ects have been less well received due to labor conflicts, and,
in classic top-down fashion--many have not been well suited
to local conditions46. (Again, the importance of PB!!). In-
deed, just as US and EU financial elements and interests fuel
and fund the destruction of the Amazon rainforest, Chinese
financial interests are fueling and funding the destruction
of the next largest river system in the world with its diverse
subsistence economies all around it, the Mekong47. Also, in
a 21st century twist, the infrastructure sometimes spies on
the users48. And, this is a problem that is about to get much
much worse.

46 https://www.theguardian.com/cities/ng-interactive/2018/jul/30/what-
china-belt-road-initiative-silk-road-explainer; Also, in a 21st century twist,
the infrastructure sometimes spies on the new users.
47 I owe this incredibly under-addressed geopolitical insight to the un-
published work of Aaron Eisenberg.
48 https://thediplomat.com/2018/01/if-china-bugged-the-au-headquar-
ters-what-african-countries-should-be-worried/
105
A neo-Marshall Plan will not get us to Climate Jus-
tice. Nor will China’s Belt and Road model. On the con-
trary, a global GND must organize a much more demo-
cratic model of financing as well as local ownership and
management models. A first step in this new architecture
is to build upon an existing program, the UN Global Cli-
mate Fund. This has a mainstream articulation in the Green
New Deal of Senator Bernie Sanders49. The Sanders plan is
a major upgrade from the original US version by Markey
and Ocasio-Cortez. And it diverges from Warren’s on at
least two issues: first, Bernie pushes for public ownership
rather than the public-private partnerships and corporate
leadership (albeit reformed and more intensely regulated)
called for by Warren. Second, Saunders does not call for
the US to achieve global market dominance, but instead
calls for demilitarization and the return and redeployment
of the US military and repurposing of the defense bud-
get. Sanders also calls for more community owned power
through worker and consumer cooperatives which also gets
at the inequality crisis in terms of ownership of assets as
well as more community control50. In sum, we might say
that Warren calls for a reformed green capitalism led by
US based, publicly regulated corporations and Bernie calls
for a democratic socialist or economic democracy program
that, like the plan of British Labor Party, calls for public
ownership mixed with cooperatives.

49 https://berniesanders.com/en/issues/green-new-deal/
50 There is also a deeper way in which the Department of Defense
with its extensive facilities across the US (and bases across the world)
impacts on local economies. To get to climate justice, we need a deep
transformation of the basic infrastructure of our country not just to
decarbonize but to promote a collaborative, creative culture.
106
A Climate Justice Driven Global Green New Deal

Building of many of the views cited above, a ten


point plan for a Climate Justice driven global Green New
Deal might look like the following:

1/ Keep it in the Ground. All exploration for new fossil fuel


deposits must cease, and no more fossil fuel infrastructure
should be built (e.g. pipelines, drilling platforms etc). All sub-
sidies for the previous activities are eliminated and all permits
stopped. As Naomi Klein says, “Blockadia” is working51, but
we’re not there yet, and the arctic in particular is vulnerable.

2/ Reform the Rules of Global Trade. The current export-ori-


ented global trade system is designed to lower labor costs and
encourages extraction. This must flip so that protection of
locally and/or globally significant ecosystems is encouraged
as is the labor to perform such services. The good news is that
President Trump’s trade war with China, combined with his
earlier pulling out of the TPP – which was originally a glob-
al justice movement demand – and criticism of the WTO
has caused chaos in the system. Global labor and ecological
movements must further coordinate and build on forms such
as the Democracy in Europe Movement (DIEM)52.

3/ Reform the global finance and tax regimes to promote


public investment in infrastructure, agriculture and ecolog-
ical conservation and restoration. The good news: bitcoin

51 See Naomi Klein, This Changes Everything: Capitalism versus the


Climate. Simon and Schuster, 2014.
52 https://www.theguardian.com/commentisfree/2019/apr/23/interna-
tional-green-new-deal-climate-change-global-response
107
and Facebook’s Libra proposal are intensifying existential
crises in finance and major changes are already likely (for
better or worse). Also, calls for a global corporate tax are
back (especially for Facebook and other tech firms) as is the
call to eliminate tax havens53.

4/ End Austerity, Renew Public Investment. National calls


for Green New Deals are putting the state back in a role as
innovator or even an entrepreneurial model and are neces-
sary to make sure that technology is shared globally54.

5/ Make agriculture sustainable and resilient. Once the trade


and tax reforms happen the agricultural food system transi-
tion is doable at scale. End WTO jurisdiction over agriculture
and switch to organic, agroecological farming and urban agri-
culture (e.g. greenhouses, hydroponic). Transfer subsidies for
monoculture and export oriented agriculture to organic agro-
ecological farming and promote local, regional and national
planning for food security and food sovereignty. Farming is re-
sponsible for about 20% of global emissions and is the sector
that is most easy to switch to sustainable model in a short time
(e.g. much quicker than the energy transition). Eliminate pat-
ents held by corporations that undermine food security and
sovereignty. Promote farmer to farmer technical assistance
thru transnational organizations like La Via Campesina, and
look to further scale consumer owned food purchasing collec-
tives in urban areas like the Seikatsu Club Consumer Coop-

53 See GALAZ, V., CRONA, B., DAURIACH, A. et Al. Tax havens


and global environmental degradation. Nature Ecology & Evolution,
n. 2, pp. 1352–1357, 2018).
54 See Maria Mazzucato’s work in The Entrepreneurial State (2014) and her
research center here: https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/home
108
erative Union in Japan. Agroecology is a core part of Climate
Justice55 and consumer cooperatives can help insure equity
and community empowerment in urban and rural areas56.

6/ Eliminate the debt of developing countries and enact rep-


arations for those countries who did not contribute to the cli-
mate crisis but are nevertheless undergoing climate driven dis-
placement (e.g. the Caribbean, Myanmar, Bangladesh etc.)57.

7/ Make the Fossil Fuel companies pay. Those who caused


the damage also are some of the wealthiest companies on the
planet. Prosecution of these firms begins and assets are seized
and put into national and global funds as appropriate (e.g the
Global Climate Fund). Presidential candidates Warren and
Sanders back this as well as many others58. Communities most
negatively impacted are prioritized as are climate refugees.

8/ New global protection treaties for key regional ecosys-


tems such as the Amazon River basin, the Mekong water-
shed, the Alaskan Tongass Forest59, and the largest forest
region in the world by far, the Siberian boreal forests60,

55 http://www.fao.org/agroecology/database/detail/en/c/452669/
56 See Menser (2018).
57 See the special issue of this journal edited by Baptiste and Rhiney:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016718516301403
58 For more on what to do with the fossil fuel companies and how to transi-
tion to democratically owned and managed renewables, see Bozuwa: https://
thenextsystem.org/learn/stories/energy-democracy-taking-back-power
59 https://e360.yale.edu/features/let-it-be-why-we-must-save-alaskas-
pristine-tongass-forest
60 https://www.climatechangenews.com/2019/10/08/siberia-illegal-
-logging-feeds-chinas-factories-one-woman-fights-back/
109
as well as other key forests, prairies and grasslands. Such
protections need to end extraction/commodification of
these systems and center local communities supported by
global allies to conserve and/or restore those habitats. The
under-appreciated multilateral treaty that protects Ant-
arctica is an extreme but existing model for inspiration.

9/ Global Funding and Coordination for a Just Green Tran-


sition. Workers and communities dependent on the fossil
fuel energy sector must be retrained for renewable energy
and/or other sustainability enhancing activities or compen-
sated for their lost jobs through pensions, buyouts etc. These
workers did not cause the crisis, and they should not be pun-
ished in the transition61. Technology transfer to developing
countries must be subsidized and not promote dependence.

10/ Reform the US military. The US military is exponen-


tially more powerful than any other military on the planet.
It must be downsized and its considerable logistical powers
used for the climate emergency in disaster relief, etc62. Also,
the US military is the single largest polluter and energy user
on the planet63 and the US promotes and even subsidies
arms purchases by other countries64. The majority of these
assets and expenditures should go to combat climate change.

61 Check out Trade Unions for Energy Democracy for a union led perspec-
tive: http://unionsforenergydemocracy.org/resources/tued-publications/
62 Or it will be used for elites: https://www.tni.org/en/article/securing-
whose-future-militarism-in-an-age-of-climate-crisis
63 See the work of Rob Nixon on the “slow violence” of military destruction.
64 https://www.amnesty.org/en/latest/news/2019/08/killer-facts-2019-
the-scale-of-the-global-arms-trade/
110
Some of these reforms can be done immediately:
tax reform can happen at the domestic and international
level next year, while coordinating the green transition
and dismantling the US military might take a little lon-
ger. Some challenges are technological (like developing
a non-toxic battery), but many are about “political will”
and negotiation. With the current trade war between
China and the US, there is an opening that could allow
for an entirely different trade regime to emerge. Indeed,
from a climate perspective, the trade of goods must be
dramatically reduced. The essence of the current global
economy is ecologically disastrous. Thus, even if it could
be shown that global trade reduces inequalities, from a
climate perspective, it is untenable and immoral. From
a PD perspective, extensive global trade is also unjust
because it decreases autonomy for peoples and regions.
While very few regions are anywhere close to being fully
self sufficient, many locales that could be secure in ba-
sic resources such as food end up exporting their locally
grown produce and importing staples. Locales that have
the ecological capacity to grow or produce goods locally
should do so and must do so from a climate perspective.
Relatedly, some call for a new “protectionism” that would
put in trade agreements that would make “local econo-
mies” legally permissible because now they are not65. And
in this kind of framework, protectionism is redefined
since what is protected are not commodity producing in-
dustries but ecosystem enhancing livelihoods. One recalls
when Rafael Correa was the president of Ecuador and
pleaded with the international community to fund his

65 http://unevenearth.org/2019/11/trade-governance-will-make-or-break-
the-green-new-deal/
111
country in order to protect the Amazon rainforest, rather
than paying it to cut it down, but then demanding that it
not cut it down66. These kinds of changes would lead to
the dramatic transformation or elimination of the World
Trade Organization (WTO) and put in trade agreements
that protect labor and environmental rights. This has
been argued since the 1990s at least, indeed it was one
of the major demands of the famous anti-WTO protest
called the Battle of Seattle and so called “anti-globaliza-
tion movement” which was in essence a global justice
movement.
This decrease in trade would be part of the reversal
of the inputs intensive model of economic development
dominant since the end of WWII (or the Roman Empire
depending one’s view of various pre-capitalist empires).
Sometimes called “degrowth,” a key element of it is the
elimination of fossil fuels or “decarbonisation”. In the doc-
ument a Green New Deal for Europe, the authors write,
“Decarbonising Europe’s economies means more than in-
vesting in renewables. It also means scaling down aggregate
energy use in order to enable a rapid transformation to an
economy that respects planetary boundaries”. GND4E
3.2. But decarbonization alone is not sufficient. It’s not
just about carbon, it’s about consumption, from wood to
lithium; what’s needed is degrowth. A a decarbonised pro-
duction won’t end endless commodification or inequality,
for that we need a new kind of political-economy, one fo-
cused on environmental and social reproduction, driven
by the goals of socio-ecological resilience and climate jus-
tice. This is a social economy of the commons, one which

66 https://amazonwatch.org/news/2013/0825-rights-and-re-
sponsibility-the-failure-of-yasuni
112
restores ecosystems, shifts human work from commodity
production to the cultivation and maintenance of human
institutions and their ecosystems. One sees glimpses of this
everywhere, from urban gardening for health foods for hu-
mans and pollinators to marsh restoration which helps re-
duce flooding while enhancing habitat for a range of plants
and animals, while improving water quality for them and
us. This is what a truly ecological economics looks like.
But again, to enact this transition, we need place-based
collaborative processes which link international expertise
and local skills, homegrown experts and satellite measure-
ments of global ecological cycles, transnational monitoring
by birdwatchers of migratory species, international protec-
tions for local caretaker communities and native plants, as
well as assistance to climate refugees. One example of this
could be a 21st century version of the original New Deal’s
Civilian Conservation Corp67. But this won’t work unless
its grounded locally and participatory where authority and
expertise are shared. PB is one such process which can cre-
atively combine knowledges and also enhance community
management skills alongside that ever elusive goal of bu-
reaucrats everywhere: inter-agency coordination.

Finance, Debt, and Taxes

Every billionaire is a policy failure68.

The first task of the Green New Deal for Europe, then,
is to begin the process of moving away from the un-
stable and environmentally-destructive model of finan-

67 http://theconversation.com/national-service-for-the-environment-
what-an-army-of-young-conservationists-could-achieve-113276
68 https://twitter.com/danriffle
113
cialisation, returning finance to its roots: serving local
communities through deposit-taking and lending. It
recognises the vital role of cooperative banks, farm-
er-driven financing in agriculture, credit unions and
other community-based financing architectures69.

As part of our commitment to addressing the climate


crisis, we should end all American support for interna-
tional oil and gas projects through the Export-Import
Bank and the Overseas Private Investment Corpora-
tion. We should also commit to using America’s voting
power in the World Bank and other global financial
institutions to cut off investment in fossil fuel projects
and to direct that investment into clean energy projects
instead. Our efforts should be dedicated to accelerating
the global transition to clean energy70.

The Green New Deal is inspired by President Roos-


evelt’s New Deal because his administration unilaterally
dismantled the gold standard – the globalised financial
system of his day – and stripped Wall Street of its power
to dictate economic policy. Once the elected govern-
ment was in the driving seat of the economy, and Wall
Street was made servant to the interests of the people
and of nature, it became possible to resolve the banking
crisis of that time; to end the Great Depression; to raise
finance and use fiscal policy to create jobs and income
and end inequality71.

Reforming trade is not enough. Apart from the


trade of goods there is the movement of money. And as
we saw in the case of the recent destruction of the Am-
azon, finance drives much ecological devastation. There

69 Green New Deal for Europe, 3.2: https://report.gndforeurope.com/#3.2


70 Elizabeth Warren at https://medium.com/@teamwarren/my-green-man-
ufacturing-plan-for-america-fc0ad53ab614
71 Anne Petitfor at https://report.gndforeurope.com/#2.2
114
are many groups working on climate who are calling
for the immediate reconstruction of the global financial
system. The immediate goal is to stop the funding and
financing of ecological destruction. The goal alongside
that one is to of course put together a set of finance
models to support all those socio-ecological resilience
enhancing projects driven by the goals of participatory
climate justice. This sets the basis for the question: how
do we pay for it?
How do we pay for it? In part, the same way we in
the US pay for the military, through taxes and debt. As
Warren says, “If people claim we can’t afford to combat
climate change, they’re wrong. According to the indepen-
dent Moody’s analysis of my plan, nearly its entire cost
is covered by my Real Corporate Profits Tax – a tax that
ensures that the very largest and most profitable Ameri-
can corporations don’t pay zero corporate income tax –
ending federal oil and gas subsidies, and closing corporate
tax loopholes that promote moving good jobs overseas”72.
When one thinks about the “transition”; for most,
what first comes to mind is remaking the infrastructure that
anchors our age: the energy system of power plants and pow-
er lines, ports, roads, airports, factories and office buildings,
and making them renewables and efficient. To get this tran-
sition in motion and the transformations happening and in
place would cost about 90 trillion dollars spent over the next
15 years or 6 trillion a year73. Interestingly, DIEM estimates
a higher cost, about 8 trillion a year, but they are much more

72 See more: https://medium.com/@teamwarren/my-green-manufac-


turing-plan-for-america-fc0ad53ab614
73 See: https://www.theguardian.com/environment/2016/oct/06/
climate-change-infrastructure-coal-plants-green-investment
115
explicit that reparations need to take place that would wipe
out the debt of countries that were former colonies, or sub-
ject to structural adjustment and those that are now incredi-
bly vulnerable to climate change most obviously islands state
but also Bangladesh and the Caribbean. They write,

The Green New Deal for Europe is more than a vehicle


for redirecting resources to the fight against climate
and environmental breakdown. It is a promise to build
a fairer and more democratic economy, generating de-
cent jobs, protecting workers’ rights, and empowering
communities to shape their futures. This is the vision
behind the Green Public Works (GPW), an historic
public investment programme powered by the Euro-
pean Investment Bank (GND4E).

The GND4E is meant to go further than both the


original New Deal as well as Warren’s nationalist one
seeking global market domination, as instead, closer to
Sanders, seek Climate Justice74. As indigenous schol-
ar and activist Nick Estes puts it, “no decarbonisation
without decolonization”75. And from the perspective
of this essay, there is no just transition without climate
justice and no new just institutional apparatus without
participatory democracy.

Conclusion: We’re Cutting Down the Wrong “Amazon”;


Democratic Post “Growth” Development, Let’s Do It!

When I travelled to Brazil in late September of 2019,


the world’s heart was heavy with despair with the images of

74 See more: GND4E section 3.2.


75 See more: https://logicmag.io/nature/water-is-life-nick-estes-on-in-
digenous-technologies/
116
the fires spread across the world’s largest rainforest. (And it’s
heart is even heavier now with catastrophic fires ripping across
the continent of Australia.). And just a week later, there was
yet another assassination of an environmental activist in that
same burning forest. The previous month it was an indige-
nous leader who was killed, and the killings have continued.
Amidst the fires, many indigenous peoples who have lived in
the region for hundreds of years have been displaced. Indeed
to call these burnings a genocidal attack is no exaggeration,
since Brazil’s president overtly speaks in this language. And
the Amazon rainforest is of course of global significance, as a
producer of oxygen, as an absorber of carbon, as habitat for
species, for forms of life both local and global, human and
non-human, ancient and modern. And as Nick Estes says –
and must be front and center in our hearts and minds – no
decarbonization without decolonization.
Now let’s move 5,000 miles to the north where I cur-
rently sit. Here in NYC, in the previous winter, there was
a controversy over a very different Amazon(.com) and with
quite different results. Here in this eastern coastal forest re-
gion, heavily urbanized to be sure, NYC rejected the firm
of the richest man in the world. Even though he promised
50,000 high paying jobs and millions in tax revenue, NYCers
were not buying it. What does all this have to do with PB
and kids in schools learning about participatory democracy
and drawing up proposals for solar panels? And what does
this have to do with the more tropical Amazon? Amazon.com
promotes an intensive profit-enhancing oligopolistic model
of hyper-consumption, low wages, and non-sensical automa-
tion, that is ecologically and socially devastating, degrading
to workers, and wasteful of resources, and leads to the accu-
mulation of oligopoly-enhancing profits which are used to

117
further corrupt and undermine the political process. In other
words, Amazon.com is embodies and forwards the logic of
the political economy pillaging the South American Amazon.
The defeat of Amazon.com in NYC has opened the
door to a new model of development, one focused not on
the market cap of multinational firms but on the real needs
of people and ecosystems. This rejection has opened the
door to an eco-community wealth building that displac-
es and undermines the inputs-intensive fossil fuel driven
mode of commodity consumption and real estate specula-
tion. And it was not just the rejection of Bezos. This past
year, there was a series of stinging defeats for the ruling
block of New York City real estate from the passing of rent
control protections at the state level to commercial rent
control at the city level and a series of game-changing re-
forms that will forever alter the way that large buildings
are built and operated76. When one combines these with
previous city-supported initiatives to promote economic
democracy through worker ownership and community
control of land use, the contours of a real alternative model
of political economy become visible. But these small suc-
cesses and big victories must be supported and intercon-
nected, protected and further iterated. And for them to not
just promote sustainability and resilience but to dismantle
structural inequalities, we need inclusive, authority-shar-
ing participatory democratic institutions that interconnect
communities, expertise and remake bureaucracies.
The Green New Deal does not (yet) exist, but PB does,
and so does the Civic Engagement Commission. More and
more cities have passed environmental legislation to move on

76 See more: https://www.nytimes.com/2019/11/29/nyregion/real-es-


tate-industry-nyc.html?searchResultPosition=1
118
key specific programs and issues. But a real GND requires na-
tional and global action and we are not there yet. But we have
to get there. How do we get there? PB exists in thousands of
cities across the globe. PB has enabled diverse peoples on four
continents to collaborate and create real projects that meet
needs while the process enhances their ability to deliberate
and collaborate, to learn and share authority. We have seen
real improvements to people’s lives with respect to transpor-
tation and parks, education and housing, and in NYC, PB is
looking to support resilience, reparative justice and a more
community driven healthcare as it is utilized in different ways
in different sectors. For a Green New Deal in the US, and in
Brazil, and in France, and in India, climate adaptation and
climate justice movements local and global must continue
to build inclusive, capacity-enhancing, budget processes to
do the actual work of realizing these dreams; these processes
must connect scientific knowledge with local knowledge, and
link government agencies with community groups, and move
neighborhood leadership the center. The challenge is not just
ecological and economic, it is political, epistemic and insti-
tutional. To make the slogans of climate justice and visions
of the Green New Deal real, we must change how govern-
ment works. And participatory budgeting is a long practiced,
well-studied multicultural, multinational democratic process
from which to build upon and interconnect to bring about
participatory democracy and climate justice in a time of local,
national and global system change.

119
120
Democracia e Inovação: transformações na
trajetória do espaço participativo no urbanismo e
planejamento urbano em Porto Alegre

Rafael Passos

Introdução

Espaço e democracia estão entrelaçados desde os
tempos da democracia ateniense, representada pela Ágo-
ra. A democracia é frágil, talvez por sua própria natureza,
a qual desafia a natureza humana. A democracia ateniense
funcionou por um breve período de sua história. No Bra-
sil vivemos breves períodos democráticos interrompidos
por duros períodos de autoritarismo. Inovar nas formas
do exercício da democracia é um grande desafio neste
contexto. Trazer à luz um pouco das inovações em torno
da gestão democrática da cidade de Porto Alegre é que
pretendemos nas páginas seguintes.
Apresentamos em traços gerais a trajetória histó-
rica da participação social na gestão e no urbanismo-
-planejamento urbano1 de Porto Alegre, reunindo os
momentos críticos de mudanças na estrutura do atual
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Am-
biental (CMDUA), e ainda alguns momentos que pre-
1 Considerando os diferentes significados atribuídos a urbanismo
e a planejamento urbano por diversos teóricos, o que os torna
conceitos ambíguos, optamos por usar a definição “urbanismo-
-planejamento urbano” a fim de não termos que dissertar sobre as
discussões conceituais existentes.
121
cederam sua criação, em 1955, ainda sob o nome de
Conselho do Plano Diretor.

Antecedentes

Porto Alegre teve seu primeiro plano urbanístico


concluído em 1914. O Plano Geral de Melhoramentos
foi elaborado por uma comissão coordenada pelo Eng.
João Moreira Maciel na administração do Intendente
José Montaury. A ideia de fazer um plano foi impulsiona-
da pela proposta do Governo estadual de modernização
do Cais do Porto, o atual Cais Mauá. Algumas propos-
tas contidas no Plano de Melhoramentos foram levadas
a cabo, resultando em profundas mudanças na paisagem
urbana do que hoje é a Área Central de Porto Alegre na
primeira metade do Século XX.
Já durante o Estado Novo o Prefeito Loureiro da Sil-
va decidiu contratar o “urbanista”3 Arnaldo Gladosch para
2

conduzir os trabalhos de elaboração de um Plano Diretor.


A Constituição Brasileira de 1937 extinguiu as Câ-
maras Municipais e instituiu os Conselhos Municipais,
ampliando os poderes do Executivo. Loureiro criou o Con-
selho Técnico de Administração Municipal, formado por
funcionários4 ao qual cabia deliberar sobre qualquer assun-
to que o Prefeito levasse a seu exame, inclusive “questões

2 José Loureiro da Silva foi Prefeito de Porto Alegre em duas oportu-


nidades. Durante o Estado Novo foi nomeado pelo Presidente Getúlio
Vargas, tendo exercido o cargo entre 1937 e 1943.
3 Gladosch se formou em Arquitetura pela Universidade de Dresden,
na Alemanha. Optamos pela denominação “urbanista”, por ser assim
apresentado nos documentos oficiais (Boletim Municipal) da época.
4 Ato nº 5 de 13 de novembro de 1937.
122
de urbanismo”. Ele criou também uma instância colegiada
específica para debater as propostas desenvolvidas por Ar-
naldo Gladosch, o primeiro Conselho do Plano Diretor, o
qual funcionou entre os anos de 1939 e 1945 e perpassou
as gestões de mais dois prefeitos, também nomeados: An-
tônio Brochado da Rocha e Clóvis Pestana.
Na pauta predominava a questão do plano desenvolvi-
do por Gladosch, mas outros temas de relevância eram apre-
sentados pelo Prefeito, como contas públicas destinadas a
obras e grandes projetos como foi o caso na época, por exem-
plo, do novo hipódromo. O Conselho do Plano Diretor era
formado por representantes de entidades classistas e públicas
indicadas pelo Prefeito.
A diversidade de entidades representadas no Con-
selho abrangia em sua maioria setores cujos saberes eram
pertinentes ao urbanismo-planejamento urbano à época,
contudo, alguns deles parecem ter sido colocados ali com
propósitos não necessariamente técnicos, como a Associa-
ção Riograndense de Imprensa, ou mesmo o Rotary Club.
O propósito do Conselho é bastante controver-
so entre os estudiosos da questão. Por certo, o Conselho
desempenhou o papel de promover legitimidade política
aos trabalhos desenvolvidos pela Prefeitura no âmbito da
questão urbana e em especial no que tange ao trabalho de
elaboração do Plano Diretor.
O Conselho visava promover a legitimidade aos atos
do Prefeito, obstinado por promover a modernização da
Capital. Sua composição e suas atribuições eram determi-
nadas única e exclusivamente pelo Prefeito, bem como a
própria contratação do urbanista Arnaldo Gladosch. Suas
atividades foram encerradas pouco antes do fim do Estado
Novo, em 1945.

123
De Conselho do Plano Diretor a Conselho de
Desenvolvimento Urbano Ambiental: décadas de
avanços e retrocessos

Uma década depois do fim daquele primeiro perío-


do, o Prefeito Manoel Vargas (PTB)5 instituiu por Lei a
criação do Conselho do Plano Diretor. Aquele Conselho
atuaria de forma ininterrupta até hoje, sofrendo diversas
mudanças ao longo das décadas seguintes, até vir a ter sua
denominação atual, qual seja, de Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA).
Em 1945 a Câmara Municipal foi reaberta, e em
1948, já sob o marco da Constituição Brasileira de 1946,
foi aprovada a Lei Orgânica Municipal. Ao longo deste pe-
ríodo, Vargas promoveu uma profunda reforma adminis-
trativa da Capital. A Lei 1.314 de 1955 estabeleceu uma
estrutura amparada em órgãos de assistência ao Prefeito,
órgãos de atividades-fim, órgãos de atividades-meio, mas
a mais impactante das inovações é a criação de órgãos co-
legiados. Foram criados três Conselhos Municipais: dos
Serviços Públicos, dos Contribuintes e o do Plano Diretor
(CPD), subordinados diretamente ao Gabinete do Prefeito.
Entre suas competências figurava a promoção da
“elaboração do Plano Diretor da Cidade”, dos “estudos
necessários ao Plano ou a ele complementares” quanto
aos quais caberia ao CPD “aprovar ou rejeitar planos de-
les resultantes” (PMPA, 1955) que posteriormente seriam
5 O Prefeito eleito, Ildo Meneghetti (PSD), licenciou-se para concor-
rer ao Governo do Estado no pleito de 1954. Após dois Presidentes
da Câmara assumirem interinamente o cargo, Manoel Vargas (PTB),
de oposição a Meneghetti, assumiu o cargo por nove meses, período
em que promoveria profundas mudanças na Estrutura Administrati-
va do Município.
124
encaminhados para considerações do Prefeito a fim de en-
caminhar Projetos de Lei ou de Regulamentação quando
necessários. Foi-lhe atribuído poder deliberativo e consul-
tivo no que tange à elaboração do Plano Diretor.
A Lei determinava a proporção entre órgãos munici-
pais e entidades públicas e classistas “que pelas técnicas ou
pelas classes que congreguem, constituem elementos pon-
deráveis da opinião citadina” (PMPA, Lei 1.413/55, Art.
20) e discriminava os órgãos públicos a compor o CPD,
já as entidades públicas e classistas foram definidas através
do Decreto 847/55. Além dos onze membros, havia ainda
assistência jurídica, exercida pelo Assessor Jurídico do Pre-
feito, e uma Secretaria Executiva, que cabia ao Chefe da
Divisão de Urbanismo, sem direito a voto.
A elaboração do Plano Diretor de 1959 foi conduzida
pela Divisão de Urbanismo, coordenada por Edvaldo Pereira
Paiva, que também era Secretário Executivo do CPD. Com
uma equipe bastante modesta a Divisão precisava contar
com o suporte do Conselho, formado por entidades e ór-
gãos públicos de caráter técnico. Tal desenho institucional
promoveu uma relação de ajuda mútua entre as instâncias
administrativas e o órgão colegiado (CPD). Paiva, conduzia
os trabalhos como uma espécie de pivô entre ambos, pois
“estudos e propostas foram discutidos passo a passo pelo
Conselho do Plano Diretor” (POZZOBON, 2018, p. 156).
O Conselho do Plano Diretor, a partir de sua cons-
tituição pela Lei de 1955 apresentou maior grau de insti-
tucionalidade, com suas regras bem determinadas, umas
por força de Lei, outras, por Decreto, restando ainda al-
gum espaço para a autonomia de decisão do próprio Con-
selho quanto a suas regras de funcionamento. A composi-
ção, por outro lado, garantia o controle das decisões por

125
parte da Municipalidade, que tinha maioria no Conselho.
Comparando ao Conselho de Loureiro há uma redução
da diversidade de representação da sociedade civil, res-
tringindo-a praticamente a arquitetos e engenheiros. O
exercício da Secretaria Executiva pelo Subdiretor Geral
de Urbanismo e coordenador da equipe do Plano Diretor
lhe conferia maior capacidade de acompanhamento do
processo de revisão das propostas construídas por este.
A conclusão dos trabalhos do Plano Diretor se deu
no início da Administração de Tristão Sucupira Vianna
(PTB), Vice-Prefeito eleito que tomou posse após o afasta-
mento do Prefeito Leonel Brizola (PTB) para concorrer ao
cargo de Governador do Estado.
Com o Golpe Militar houve a cassação do mandato
do Prefeito eleito Sereno Chaise (PTB). A partir de então
três Presidentes da Câmara Municipal assumiriam o co-
mando do Executivo Municipal até que em 1969 Thelmo
Thompson Flores (ARENA) foi nomeado pelo Regime Mi-
litar, com amplos poderes. Em sua gestão houve importan-
tes mudanças, sobretudo na composição do Conselho.
A Lei Municipal 3607/71 criou outros Conselhos
Municipais e novas regras para os conselhos já existentes,
como o CPD, o qual passou a se chamar Conselho Mu-
nicipal do Plano Diretor (CMPD). Suas atribuições eram
definidas em um único parágrafo, e algumas das regras já
incorporadas foram consolidadas na Lei, como a eleição do
Presidente por voto secreto.
A descrição mais detalhada das atribuições do Conse-
lho foi dada a partir de Decreto, e não mais por Lei, porém
sem maiores mudanças. A competência de em relação ao
Plano Diretor já não era a de elaborar, mas de “estudar e pro-
por” sobre sua “ampliação e atualização”. Além disso, e talvez

126
os mais significativos foram a substituição do termo “Plano
Diretor” por “Planejamento Urbano” na alínea que lhe atri-
buía a função de aprovar ou rejeitar planos ou estudos, e a
supressão da competência de tratar sobre “Financiamento da
realização de planos e de serviços de utilidade pública”.
Sua composição foi ampliada de onze para quinze
membros, sendo nove do poder público municipal e seis de
entidades públicas e classistas (Tabela I). Além disso, a in-
dicação dos membros passava a se dar por uma lista tríplice
sob o crivo do Prefeito.

127
Tabela I: Composição do Conselho Municipal do Plano Dire-
tor (Continua)

Conselho Municipal do Plano Diretor - CMPD - 1971-1979


Composição conforme Lei Municipal nº 3.607 de 1971
Alterações
Alterações De-
Decreto 4.530/72 Decreto
creto 5.429/75
5.879/77
Secretário da Secretário da Secretário da
SMOV SMOV SMOV
Secretário
Secretário SMT Secretário SMT
SMT
Secretário da Secretário da Secretário da
SMEC SMEC SMEC
Chefe do GA- Secretário Secretário
PLAM SPM¹ SPM
Diretor Geral Diretor Geral Diretor Ge-
DMAE DMAE ral DMAE
Representantes Diretor do Depar-
da Prefeitura Diretor
tamento de Turis- Diretor Geral
(9 membros) Geral
mo e Divulgação de DEMHAB
DEMHAB
Porto Alegre

Assessor En- Assessor


Assessor Engenhei-
genheiro do Engenheiro
ro do Prefeito
Prefeito do Prefeito
Titular da Titular da
Diretor da Divisão Supervisão do Supervisão
de Planejamento da Planejamento do Planeja-
SMOV Urbano da mento Urba-
SPM ¹ no da SPM
Diretor da Di-
Diretor da Divisão
visão de Expan- Secretário da
Expansão Urbana
são Urbana da SMAM ²
da SMOV
SPM ¹

128
Tabela I: Composição do Conselho Municipal do Plano Dire-
tor (Final)

Conselho Municipal do Plano Diretor - CMPD - 1971-1979


Composição conforme Lei Municipal nº 3.607 de 1971

Membros nomeados diretamente pelo


Forma de indicação
Prefeito
Departamento de Estatística do Esta-
do do RS
1º terço
Sociedade de Agronomia do Rio
Grande do Sul (SARGS)
Entidades públi- Instituto de Arquitetos do Brasil /
cas, associativas, Departamento RS (IAB/RS)
classistas e dos 2º terço
contribuintes Secretaria de Saúde do Estado do RS
(6 membros) (SES/RS)
Sociedade de Engenharia do Rio
Grande do Sul (SERGS)
3º terço
Ordem dos Advogados do Brasil - Se-
ção RS (OAB/RS)
Fonte: Elaboração do Autor.

Anteriormente subordinado diretamente ao Gabi-


nete do Prefeito, passou a estar ligado à Secretaria Mu-
nicipal de Obras e Viação, e à Secretaria do Planejamen-
to Municipal (SPM), a partir de sua criação (1975). A
criação da SPM representou um marco importante para
a institucionalização setor de planejamento urbano no
Município. No mesmo ano o Departamento Municipal
de Habitação passou a compor o CMPD e em 1977, a
Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
A Secretaria Executiva passou a ser exercida por
pessoa indicada pelo Prefeito, interrompendo a relação
construída entre corpo técnico e colegiado. Além disso,
129
foi extinta a figura do assessor jurídico, passando tal rol ao
representante da OAB/RS. O Presidente ainda era eleito,
mas somente funcionários estáveis eram elegíveis, retirando
o direito da sociedade civil.
Se as mudanças promovidas em 1971 pouco impac-
taram nas competências do Conselho, pelo menos do pon-
to de vista normativo, do ponto de vista da composição,
representatividade e acesso a certos aspectos da tomada de
decisão, os impactos foram significativos. Tais fatos indi-
cam que se por um lado o Regime Militar prezasse pelo
caráter técnico do Conselho e de seu papel na tomada de
decisão sobre o urbanismo-planejamento urbano, por ou-
tro atuou para restringir a democracia interna do Conselho
e sua relação mais direta com os órgãos técnicos da Admi-
nistração. O Regime valorizava a racionalidade e a técnica,
mas promovia o autoritarismo que lhe era peculiar.
Nomeado em 1975, Guilherme Socias Villela
(ARENA) foi o Prefeito que esteve à frente da Municipa-
lidade durante a elaboração do 1º Plano Diretor de De-
senvolvimento Urbano (1º PDDU), implementado por
Lei em 1979 (L. C. 43/79). O CMPD, cuja estrutura
era determinada pelas regras impostas em 1971, assumiu
importante papel no processo, deliberando sobre os tra-
balhos propostos pela equipe técnica da Secretaria de Pla-
nejamento Municipal (SPM), sendo ainda o signatário do
texto de apresentação do Plano.
Pela primeira vez o Conselho é incorporado na pró-
pria Lei do Plano Diretor, o qual foi definido como órgão
integrador do novo Sistema Municipal de Planejamento e
Coordenação do Desenvolvimento Urbano, passando a se
chamar Conselho Municipal do Plano Diretor de Desen-
volvimento Urbano (CMPDDU). Há uma clara redução

130
das competências, bem como de seus poderes deliberati-
vos, pois todas as suas decisões passariam pelo crivo do
Prefeito, a quem competia homologá-las.
O PDDU também estabeleceu, em seu Título III,
regras para a participação da comunidade no processo de
planejamento. Autorizou a constituição de Associações de
Moradores em cada Unidade Territorial de Planejamen-
to6, para domiciliados e proprietários de estabelecimento
a fim de promover ou defender interesses comunitários.
Estabeleceu regras para o reconhecimento destas associa-
ções por parte da Prefeitura. Segundo a Lei as Associações
deveriam ser consultadas pelo poder público sobre proces-
sos administrativos que tivessem por objeto a instalação
de loteamentos e grandes equipamentos ou edificações.
O ano de 1979 foi marcado pela posse do último
Presidente Militar, General João Batista Figueiredo, e pela
Lei da Anistia. O Regime Militar preparava sua retirada
ante uma oposição que crescia junto à sociedade brasileira.
As grandes cidades que cresceram de forma profundamente
desigual durante as décadas anteriores se tornavam tam-
bém um campo de disputa por democracia e direitos. As
remoções violentas de populações de áreas de interesse do
mercado eram amparadas por um urbanismo-planejamen-
to urbano tecnocrático.

6 Art. 99 A Unidade Territorial de Planejamento - UTP terá por fun-


ções simultâneas seguintes:
I - servir como base de informação estatística;
II - qualificar um determinado espaço urbano, segundo os critérios de:
a) população;
b) predominância de usos;
c) equipamentos urbanos;
d) relacionamento com o meio ambiente.
(PMPA, 1979a, p. 42, Art. 9º)
131
Em Porto Alegre a Federação Rio-Grandense de Asso-
ciações Comunitárias e Amigos de Bairro (FRACAB) – cria-
do em 1977 – se consolidava como o fórum de reunião das
associações de moradores constituídas de forma autônoma.
Neste sentido a proposta imposta pelo PDDU de relacionar
as associações às Unidades Territoriais (definidas por crité-
rios técnicos) foi vista pelos movimentos sociais como uma
forma de desarticulação de sua organização promovendo
uma duplicidade da representação (FEDOZZI, 2000).
Além disso, o desenho institucional do Sistema no
que tange à participação da sociedade estabeleceu dois es-
paços distintos: por um lado um CMPDDU como instân-
cia exclusiva a entidades técnicas e classistas e por outro
uma forma de participação comunitária aberta ao casuís-
mo, pois seriam consultadas caso a caso, e ao clientelismo.
A proposta, no entanto, não durou muito. Apenas
dois meses depois o Prefeito Villela publicou o Decreto
6964/79, que estabeleceu nova composição para o CMPD-
DU integrando a representação comunitária. Foram altera-
dos os números de membros da Administração Municipal
e de entidades públicas e classistas, a fim de manter ampla
maioria da representação técnica.
O Conselho passou a ser presidido pelo Titular
da Secretaria Municipal. Nove membros da Administra-
ção, oito de entidades de classe e quatro representantes
de entidades comunitárias (Tabela II). As alterações na
composição previstas na Lei de 1971 foram modificadas
por Decreto (6964/79) antes mesmo de uma nova Lei
(44/79) – reflexos de tempos de autoritarismo e plenos
poderes do Executivo.

132
Tabela II: Composição CMPDDU 1979/1999.

Conselho Municipal do Plano Diretor - CMPDDU


Composição conforme Lei Complementar nº 43 de 1979 e Lei Comple-
mentar 44 de 1979
Conforme Decreto 6.964/1979
Secretário Municipal de Obras e Viação
Secretário Municipal dos Transportes
Secretário Municipal de Educação e Cultura
Representantes Secretário do Planejamento Municipal
da Prefeitura
(9 membros) Secretário Municipal do Meio Ambiente
Diretor Geral do DMAE
Diretor Geral do DEMHAB
Assessor Engenheiro do Prefeito
Supervisor do Planejamento Urbano da SPM
Sociedade de Agronomia do Rio Grande do
Sul (SARGS)
Fundação de Economia e Estatística do
1º terço Estado do RS (FEE)
2 (dois) representantes de entidades comu-
nitárias
Instituto de Arquitetos do Brasil / Departa-
mento RS (IAB/RS)
Entidades Secretaria da Saúde e Meio Ambiente do
(8 membros) 2º terço Estado do Rio Grande do Sul
e entidades co- Associação Riograndense de Imprensa
munitárias
(4 membros) 1 (um) representante de entidade comuni-
tária
Sociedade de Engenharia do Rio Grande do
Sul (SERGS)
Ordem dos Advogados do Brasil - Seção RS
(OAB/RS)
3º terço
Fundação Metropolitana de Planejamento -
METROPLAN
1 (um) representante de entidade comuni-
tária
Fonte: Elaboração do Autor.

133
Além as entidades já representadas, foram incluídas a
Associação Rio-Grandense de Imprensa (ARI) e a Fundação
Metropolitana de Planejamento (Metroplan). Havia uma
confusão conceitual, pois tanto a L. C. 44/79 e o Decreto
6964/79 usavam o termo “entidades de classe”, tendo sido
suprimido o termo “entidades públicas”, ainda assim, três
das oito representações eram na verdade órgãos públicos
(Metroplan, Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do Estado
do Rio Grande do Sul e Fundação de Economia e Estatís-
tica). Além da OAB, órgão sui generis, uma autarquia com
funções de entidade de classe. O Titular da SPM passou a ser
Presidente e em sua ausência ou impedimento as funções se-
riam exercidas pelo membro mais idoso configurando outra
restrição da autonomia interna do Conselho.
O Decreto 8239/83, assinado pelo último Prefeito
nomeado pelo Regime Militar, João Antônio Dib (ARE-
NA), estabeleceu um alto grau de regulação do Município
sobre participação das Associações de Moradores, as quais
deviam se cadastrar junto à Secretaria do Governo Muni-
cipal para estarem aptas a participar de assembleia da sua
Zona Comunitária em que elegiam uma lista tríplice a ser
encaminhada ao Prefeito a quem cabia a indicação final.
Competia ao Secretário do Planejamento Municipal baixar
o Regimento Interno da assembleia, retirando das associa-
ções a decisão sobre as regras do jogo. Percebe-se, portanto
um alto grau de heteronomia no processo, determinando
“uma situação de sub-representação, agravada pela assime-
tria de poder existente entre as forças sociais e econômicas
que atuam no espaço urbano” (FEDOZZI, 2000, p. 26).
Os anos seguintes foram marcados pelas manifesta-
ções por eleições diretas à Presidência da República e por
disputas locais por serviços urbanos e habitação. Em Porto

134
Alegre havia a expansão do número de entidades comu-
nitárias, sobretudo de associações de moradores, por um
lado, e por outro, disputas entre diferentes grupos dentro
do campo progressista. Neste contexto a criação da União
das Associações de Moradores de Porto Alegre, a UAM-
PA, representava a perda da hegemonia da FRACAB. Porto
Alegre vivia um momento de grande densidade social, o
que fatalmente viria a se refletir nas instâncias participati-
vas da Municipalidade pelos anos seguintes.
Em 1985 as eleições para as capitais foram retoma-
das e Alceu Collares (PDT) foi eleito Prefeito de Porto
Alegre. Iniciava-se um período de intensa disputa envol-
vendo setores progressistas da política institucional e mo-
vimentos populares pelo modelo de participação social a
ser adotado na cidade. Reuniões foram organizadas pela
Prefeitura e pelos representantes comunitários do CM-
PDDU, contendo em média 50 entidades por região. A
disputa se dava em torno de temas como os nomes dos
conselhos, jetons, e a proporção da representação comu-
nitária dentro dos Conselhos. Em uma das reuniões, com
a presença de cerca de cem entidades, dentre as quais 84
associações de moradores, foi aprovada a proposta que
previa a presença de 60% de entidades comunitárias,
30% de entidades de classe e sindicatos e 10% do Exe-
cutivo (FEDOZZI, 2000), criando uma tensão sobre a
forma de organização dos Conselhos.
Um Projeto de Lei resultante destes debates e nego-
ciações entre Prefeitura e UAMPA foi encaminhado pelo
Executivo, mas foi retirado ante uma forte oposição até
mesmo por parte de vereadores aliados do Prefeito. Após a
derrota de Collares nas eleições de 1988, o Projeto de Lei
foi recolocado em pauta, com algumas alterações. Aprova-

135
do pela Câmara, foi sancionado pelo Prefeito no último
dia de sua gestão. Foram criados 17 Conselhos Populares7
por meio desta Lei, os quais seriam formados por vinte e
um membros, sendo doze de entidades comunitárias, sete
de entidades de classe e somente dois representantes do
Executivo Municipal. A maior participação das entidades
comunitárias foi, porém, vetada por Collares.
Em 1988 Olívio Dutra (PT) foi eleito Prefeito ini-
ciando um período de 16 anos de governos da Adminis-
tração Popular (AP). A questão da participação social no
Governo se tornara central, não somente por um projeto
político da AP, mas pela pressão imposta pela Lei Comple-
mentar 195/88. Em abril de 1989 Olívio derrubou o veto
de Collares referente aos doze representantes de entidades,
após decisão da Câmara Municipal.
O impasse colocado pela Lei encontrou um cami-
nho para a solução na Constituição Federal de 1988, a qual
demandava a elaboração de nova Lei Orgânica Municipal
(LOM). Promulgada em 1990 a nova reconheceu os dois
tipos de conselhos: os Municipais, definidos como “órgãos
de participação direta da comunidade na Administração
Pública e têm por finalidade propor e fiscalizar matérias
referentes a setores da Administração, bem como sobre elas
deliberar” e os Populares, instâncias regionais autônomas
formadas “a partir de entidades representativas de todos os
segmentos sociais da região” e que poderiam discutir e ela-
borar políticas públicas (PMPA, 1990).

7 O nome Conselhos Populares era defendido pela Prefeitura. A


UAMPA, por sua vez, propunha o nome de Conselhos Municipais,
pois entendia o uso do nome proposto pela Prefeitura como uma coop-
tação da participação autônoma já praticada pelas comunidades em
seus conselhos populares fora da institucionalidade.
136
A LOM estabeleceu ainda, em linhas bem gerais, as
entidades que poderiam compor os Conselhos, e em 1993
uma nova lei definiu regras gerais para os Conselhos, de-
terminando que cada um deles seria regido por uma L.C.
específica e que as entidades comunitárias a compô-los se-
riam eleita pela UAMPA, num claro sinal de atribuição de
poder e autonomia à entidade.
Enquanto todo este debate sobre os Conselhos ocor-
ria, um outro processo muito poderoso em termos de par-
ticipação social na produção da cidade acontecia: o Orça-
mento Participativo (OP). Sua criação e desenvolvimento
teriam grande impacto no desenvolvimento urbano da ci-
dade e também nos espaços institucionais do urbanismo-
-planejamento urbano em Porto Alegre.
Em 1993, já sob a gestão do segundo Prefeito da AP,
Tarso Genro foi apresentado o Projeto Cidade Constituin-
te, com a intenção de discutir o futuro da cidade. No I
Congresso da Cidade, parte deste projeto, uma das cente-
nas de deliberações traz a tona a necessária reformulação
do Plano Diretor. A partir daí iniciou-se um processo de
cinco anos que culminou com a implementação por Lei
do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental
(PDDUA) em 1999.
Neste processo de mais de cincos anos de ativida-
des e debates muito mais amplos em torno de um novo
Plano Diretor o Conselho perdeu seu protagonismo de
anos anteriores. Talvez pela compreensão da Adminis-
tração Popular de que a composição do CPDDU não
era compatível nem com seu projeto político de partici-
pação, nem com a pressão exercida pelas entidades co-
munitárias. O OP de fato, havia consolidado um novo
paradigma na construção de espaços de debate, e isso

137
se refletiria no desenho institucional da participação in-
clusive no âmbito do urbanismo-planejamento urbano.
Ainda assim o CMPDDU foi envolvido em todas as ati-
vidades públicas realizadas.

O PDDUA e o novo CMDUA: um novo velho


momento para urbanismo-planejamento urbano em
Porto Alegre

O PDDUA avançou de forma importante no novo


desenho do Sistema de Planejamento, ora chamado Siste-
ma Municipal de Gestão do Planejamento (SMGP).
Do ponto de vista da gestão do planejamento, o PD-
DUA amparou-se em duas premissas: a participação e con-
trole social por um lado, e o planejamento estratégico, ou
como afirmou Telmo Oliveira, de forma bastante crítica:
“justificado pela participação” e “prevalentemente focado
no planejamento estratégico” (OLIVEIRA FILHO, 2009,
p. 210). Tal característica coloca o CMDUA como um
órgão colegiado com poderes para promover uma grande
sorte de ajustes no Plano Diretor mediante projetos apre-
sentados por empreendedores ou pela Municipalidade.
As competências do Conselho foram ampliadas
significativamente no PDDUA, porém, entre as pautas
apresentadas de fato predominam aquelas de interesses
específicos, através de propostas de Estudo de Viabilidade
Urbanística que solicitam menores ou maiores ajustes nas
regras básicas do Plano Diretor, as quais foram se tornando
cada vez mais flexíveis, sobretudo após as alterações promo-
vidas na revisão consolidada em 2010.
Do ponto de vista da composição, as mudanças fo-
ram bastante profundas. Se por um lado aquela sonhada

138
e disputada maioria de entidades comunitárias não foi al-
cançada, por outro, o modelo territorial constituído no
Orçamento Participativo se refletiu na organização da
participação de base comunitária no urbanismo-planeja-
mento urbano. O número de conselheiros foi ampliado
para 24 –incluído o Titular da SPM, que seguiu sendo o
Presidente do CMDUA – sendo oito do poder público
(da municipalidade, do Estado e da União), oito de enti-
dades da sociedade civil e oito representantes das Regiões
de Gestão do Planejamento (RGP). A representação passa
a ser tripartite, igual entre os diferentes grandes segmen-
tos, e aquela confusão conceitual entre entidades de classe
entidades públicas é resolvida, pois estas últimas passam
compor a representação do poder público.
A criação dos Fóruns Regionais de Gestão do Plane-
jamento foi uma das principais mudanças, reflexo direto da
organização territorial do OP, constituído em 16 regiões.
Cada RGP é definida pelo agrupamento de duas regiões do
OP, totalizando oito representações. São criados os Fóruns
de cada uma das RGP’s, os quais são constituídos por de-
legados eleitos em eleições bienais em cada região, na qual
também são eleitos os representantes (titular e suplentes)
de cada uma delas no CMDUA. Os fóruns poderiam se
reunir regularmente, convocados pela Prefeitura a pedido
do Conselheiro daquela Região. Até hoje não foi criado um
Regimento Interno dos Fóruns, o que tem sido um obstá-
culo para a organização e até mesmo para a efetividade da
participação dos Fóruns e a um maior controle destes sobre
as decisões dos seus representantes no CMDUA.
Determinou-se uma classificação entre entidades de
classe e afins ao planejamento, entidades empresariais, e
científicas e ambientais. Cada uma com um determinado

139
número de assentos no Conselho, eleitas em um Fórum
específico a ser realizado na Conferência Municipal de Ava-
liação do Plano Diretor, as quais deveriam ser realizadas a
cada quatro anos. Após 20 anos da Lei, ocorreu somente
uma, em 2003, ainda na gestão da AP. Nenhum dos gover-
nos posteriores promove-as, o que não foi objeto de grande
contestação por parte do próprio CMDUA, ou de entida-
des da sociedade civil, movimentos, Ministério Público ou
mesmo de partidos de oposição.
As entidades de classe passaram a ser eleitas em fó-
rum específico, o que refletiu na natureza das entidades
representadas (Tabela III). Em que pese o fato de que as
teorias sobre democracia participativa indiquem a eleição
da representação da sociedade civil como um avanço nor-
mativo, o que ocorreu nos anos seguintes foi a ocupação
deste espaço institucional por setores empresariais e pro-
fissionais até então ausentes, mais habituados a negocia-
ções fora destes espaços8. Inicia-se um período de hege-
monia de setores que têm a cidade como base física para a
reprodução e acúmulo do capital.

8 Em diversas eleições foram inscritas entidades profissionais e empre-


sariais de setores bastante distantes do urbanismo-planejamento urba-
no, como transportes de valores, hotéis e restaurantes, móveis, e com a
predominância do setor imobiliário. Conseguiram, assim, ter sempre
número maior de entidades eleitoras.
140
Tabela III: Comparativo entidades eleitos na única Con-
ferência Municipal de Avaliação do Plano Diretor e no
primeiro Fórum dois anos depois.

  2004/2005 2006/2007
Eleitas na Confe-
rência Eleitas em Fórum exclusivo
Sociedade de Engenharia Sociedade de Engenharia
do Rio Grande do Sul do Rio Grande do Sul
(SERGS) (SERGS)
Associação Gaúcha dos
Instituto de Arquitetos do
Advogados do Direito
Brasil / Departamento RS
Imobiliário Empresarial
(IAB/RS)
(AGADIE)
de classe e Ordem dos Advogados do Sindicato dos Corretores
afins ao pla- Brasil - Secção RS (OAB/ de Imóveis (SINDIMO-
nejamento RS) VEIS)
Sindicato dos Trabalha-
Entidades da sociedade civil (9)

Sociedade de Economia do
dores nas Indústrias da
Rio Grande do Sul (SOCE-
Construção Civil de Porto
CON)
Alegre (STICC)
Ordem dos Advogados do
Sindicato dos Corretores de
Brasil - Secção RS (OAB/
Imóveis (SINDIMOVEIS)
RS)
Associação Gaúcha de Pro-
teção ao Ambiente Natural Solidariedade (ONG)
ambientais (AGAPAN)
e científicas Cidade - Centro de Asses- Instituto Gaúcho de Estu-
soria e Estudos Urbanos dos da Indústria da Cons-
(ONG) trução Civil (IGEC)
Sindicato das Indústrias Sindicato das Indústrias
da Construção Civil (SIN- da Construção Civil
DUSCON) (SINDUSCON)
empresariais
Associação Riograndense Associação Riograndense
dos Escritórios de Arquite- dos Escritórios de Arqui-
tura (AREA) tetura (AREA)

Fonte: Elaboração do Autor.

141
Em 2003 se consolidaram as últimas mudanças na
composição do CMDUA. O número de conselheiros foi
ampliado para vinte e oito (incluído o Titular da SPM). A
mudança se deu para que fosse incluído um representante
da temática do OP que trata da Organização da Cidade,
Desenvolvimento Urbano Ambiental (OCDUA). A fim
de manter a paridade entre os segmentos, todos os demais
também passaram a ter um assento a mais (Tabela IV).
Nesse mesmo período houve significativas reformas
administrativas que atingiram a área do urbanismo-pla-
nejamento urbano. Em 2012 a SPM foi extinta, dando
lugar à Secretaria Municipal de Urbanismo (SMURB).
Em 2017, já sob a gestão de Marchezan, uma nova refor-
ma é implantada e as funções de planejamento urbano e
licenciamento são separadas. A SMURB é extinta e suas
funções são distribuídas entre Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Sustentabilidade (SMAMS) e a Secre-
taria Municipal de Desenvolvimento Econômico, estabe-
lecendo uma separação entre planejamento e gestão do
desenvolvimento urbano.

142
Tabela IV: Atual organização da composição do CMDUA
(Continua)

Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental -


CMDUA - Período 2010/atual
Composição conforme Lei Complementar nº 434/99 e alterações
posteriores até L.C. 667/11, e Decreto 16.836 de 2010
Secretaria do Planejamento Muni-
cipal (SPM)
Secretaria Municipal do Meio
Ambiente (SMAM)
Secretaria Municipal dos Trans-
Representantes portes (SMT)
de entidades Secretaria Municipal de Obras e
governamentais Viação (SMOV)
Representan- que tratem de Departamento Municipal de Ha-
tes Governa- matéria afim bitação (DEMHAB)
mentais
Secretaria Municipal de Gestão
(9 membros) (8 membros)
e Acompanhamento Estratégico
6 municipais
(SMGAE)
1 estadual
1 federal Gabinete do Prefeito (GP)
Fundação Estadual de Planeja-
mento Metropolitano (METRO-
PLAN)
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS)

143
Tabela IV: Atual organização da composição do CMDUA
(Final)

Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental -


CMDUA - Período 2010/atual
Composição conforme Lei Complementar nº 434/99 e alterações
posteriores até L.C. 667/11, e Decreto 16.836 de 2010
Titular do órgão responsável pelo Sistema Mu-
nicipal de Gestão do Planejamento (SMGP): Secreta-
ria do Planejamento Municipal (SPM) na qualidade
de Presidente

5 entidades de classe e afins ao planejamento urbano


Represen-
2 entidades empresariais, preferencialmente da área
tantes de
da construção civil
entidades
2 representantes de entidades ambientais e institui-
(9 membros)
ções científicas

Oito representantes e respectivos suplentes, eleitos


Representan- por cada uma das oito Regiões de Gestão do Planeja-
tes Regiões mento.
e OP Um representante da temática Organização da Ci-
(9 membros) dade Desenvolvimento Urbano Ambiental do Orça-
mento Participativo.
Fonte: Elaboração do Autor.

20 Anos de PDDUA: Revisão em tempos de hegemonia do


neoliberalismo: articulação social para o processo de revisão

Como disposto no Estatuto da Cidade os Planos Di-


retores devem ser revisados pelo menos a cada dez anos. Em
Porto Alegre, portanto a revisão deve ocorrer até o ano de
2020. A atual Administração, do Prefeito Nelson Marchezan
Junior (PSDB).
A eleição de Marchezan foi marcada por um discurso
de uma Porto Alegre que precisaria avançar através da redu-

144
ção da burocracia para licenciamento de novos empreendi-
mentos e da regulação do uso do solo urbano, ou seja, um
discurso baseado na retomada do neoliberalismo no desen-
volvimento econômico em que a cidade é base material, a
cidade-mercado.
Entidades e movimentos sociais representativos de
saberes técnicos e campos políticos (respectivamente) que
por alguns anos estavam fora do CMDUA resolveram se
organizar para retomar a atuação nesta instância nas elei-
ções realizadas no ano de 2018. Pela primeira vez, e por
iniciativa de entidades como o IAB, entre outras entidades
de arquitetos e urbanistas, engenheiros, economistas, con-
vocam coletivos, movimentos sociais e lideranças políti-
cas para disputar as eleições como parte de uma estratégia
maior para enfrentar uma revisão que, a seu ver, ameaça
conquistas importantes incorporadas no PDDUA. A in-
tenção era mobilizar entidades de classe e ONGs por um
lado, e por outro disputar as eleições nas Regiões de Pla-
nejamento. Como resultado, foram conquistados sete das
nove representações de entidades (exceto no segmento de
entidades empresariais) – Tabela V – e uma minoria entre
as oito Regiões, incluindo vitórias significativas na RGP 1
e RGP 7. Ainda assim, a base alinhada ao atual governo
manteve maioria.
Logo do início desta gestão do CMDUA, houve im-
portantes mudanças na rotina do CMDUA, incluindo uma
presença mais assídua do Secretário para exercer as funções
de Presidente, depois de alguns anos em que a Presidência
era exercida pelos Vice-Presidentes eleitos (um pela RGP
e um pelas entidades). O Regimento Interno sofreu alte-
rações que restringiram a autonomia dos conselheiros e o
ambiente de debate.

145
Na tramitação dos Projetos Especiais, aqueles que
devem passar pelo CMDUA, tem tido intensos debates.
Mediante eventuais questionamentos e manifestações
contrárias a projetos por parte do grupo de “novos” con-
selheiros, os “velhos” membros, em geral da sociedade ci-
vil, respondem acusando-os de operar para “atravancar”
o desenvolvimento da cidade, e de retardar o andamento
dos processos com pedidos de vista, ou de diligência aos
órgãos públicos para esclarecimentos. Raramente os pro-
jetos que chegam ao CMDUA são rejeitados, a imensa
maioria é aprovada.

146
Tabela V: Comparativo entidades antes da articulação e depois

 
2016/2017 2016/2017
 
Conselho de Arquitetura
Conselho Regional dos
e Urbanismo do Rio
Corretores de Imóveis
Grande do Sul (CAU/
(CRECI/RS)
RS)
Associação Gaúcha dos Sindicato dos Arquitetos
Advogados do Direito e Urbanistas no Estado
Imobiliário Empresarial do Rio Grande do Sul
(AGADIE) (SAERGS)
de classe e
Sindicato dos Corretores Instituto de Arquitetos
afins ao pla-
de Imóveis (SINDIMO- do Brasil Departamento
nejamento
Entidades da sociedade civil (9)

VEIS) RS (IAB RS)


Sindicato dos Trabalha-
Sociedade de Economia
dores nas Indústrias da
do Estado do Rio Grande
Construção Civil de Porto
do Sul (SOCECON)
Alegre (STICC)
Ordem dos Advogados do
Sindicato dos Engenhei-
Brasil - Secção RS (OAB/
ros do RS (SENGE/RS)
RS)
Instituto Urbano Am- Acesso Cidadania e Di-
biental (UIA) reitos Humanos
ambientais e
Associação Brasileira de Associação Brasileira de
científicas
Engenharia Sanitária e Engenharia Sanitária e
Ambiental (ABES) Ambiental (ABES)
Sindicato das Indústrias Sindicato das Indústrias
da Construção Civil da Construção Civil
(SINDUSCON) (SINDUSCON)
empresariais
Associação Riograndense Associação Riograndense
dos Escritórios de Arqui- dos Escritórios de Arqui-
tetura (AREA) tetura (AREA)
Fonte: Elaboração do Autor.

No âmbito da revisão do Plano Diretor, a atual Ad-


ministração contratou uma consultoria internacional, da
ONU-Habitat, uma vez que traz como diretriz fundamen-
147
tal da revisão o alinhamento do Plano Diretor aos Objeti-
vos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Se por um lado inova ao trazer uma consultoria com
o peso da ONU Habitat, por outro a capacidade técnica
da Prefeitura nunca esteve tão limitada desde a criação da
SPM. A equipe da revisão é composta por pouco mais de
dez pessoas, todos arquitetos e a maioria com menos de 5
anos de serviço.
Outra parte da estratégia pensada por estes movi-
mentos e entidades é a promoção de momentos e espaços
fora da institucionalidade para debater o urbanismo-plane-
jamento urbano da cidade com o objetivo de articular mo-
vimentos para uma participação mais efetiva nos eventuais
fóruns institucionais de revisão.
O IAB promoveu, com financiamento via edital do
Conselho de Arquitetura e Urbanismo, um projeto chama-
do “Planos Populares de Ação Regional”, assim denomina-
do pelo caráter de ser realizado fora da institucionalidade, e
por outro trazer um viés institucional ao evocar os Planos de
Ação Regional, instrumento previsto no próprio PDDUA.
A intenção era realizar um plano em cada Região. Oficinas
foram realizadas em duas etapas: diagnóstico e proposições,
cujos resultados seriam sistematizados e devolvidos às Re-
giões as quais decidiriam que destino dar ao material final.
O IAB convidou todos os conselheiros das RGP’s para rea-
lizar oficinas e promover os planos. Das oito regiões, cinco
aceitaram o desafio (RGPs 1, 2, 4, 5 e 7). Um destaque para
a RGP 6, Zona Sul, cujo Conselheiro, em um momento de
rompante durante uma sessão do CMDUA bradava: em mi-
nha Região o IAB não entra, eu barrei o IAB”. Isso a despeito
do fato de não ter convocado nenhuma reunião do Fórum,
ou seja, era uma decisão autoritária tomada sem consulta aos

148
delegados, os quais, aliás, tinham em sua maioria apoiado o
candidato de oposição nas eleições da Região.
A competência atribuída pelo PDDUA ao Conselho
de deliberar sobre ajustes no Plano Diretor tem sido negli-
genciada. Falta transparência nos atos da Administração re-
ferentes à revisão. Além disso, há uma intenção de promover
outros espaços de participação sem a inclusão do CMDUA.
Um exemplo é a forma como foi anunciado o contrato com
a ONU-Habitat. O convite para o Ato Público na Prefeitura
foi enviado aos membros do CMDUA sem que anterior-
mente lhes fosse sequer informado os termos do convênio.
O ato foi anunciado como assinatura de Memoran-
do de Entendimentos entre Prefeitura Municipal, ONU-
-Habitat e Pacto Alegre9. O papel de fato do Pacto era de
mera testemunha. Ainda assim foi dado ao coordenador
do Pacto, o Diretor da Escola de Engenharia da UFRGS,
um protagonismo no Ato, que não foi dado a qualquer dos
representantes do CMDUA ali presentes.
O Pacto Alegre, em que pese reunir três das prin-
cipais universidades do município, não tem convidado os
cursos de arquitetura e urbanismo, nem os de pós-gradua-
ção na área de planejamento urbano para seus momentos
de debate, mesmo quando pretende tratar da revisão do
Plano Diretor.

9 Pacto Alegre é uma articulação de diferentes entidades, liderada pela


Aliança pela Inovação (que reúne três das principais universidades exis-
tentes no município). Entre as entidades estão grandes empresas de
comunicação, entidades empresariais dentre as quais aquelas que atua-
vam no CMDUA até 2018. A questão urbana é assessoria à temática
central de tratar de inovação econômica e social. Sua missão é: “Trans-
formar Porto Alegre em um ecossistema de inovação de classe mundial
para a criação de um futuro melhor para todas as pessoas.” (https://
pactoalegre.poa.br)
149
Tal fato nos leva a supor que se pretende atribuir
protagonismo a instâncias não oficiais, onde a participação
é seletiva, em detrimento daquelas que têm legitimidade
para tratar da revisão, mas cuja composição atual não agra-
da à atual administração.
Tanto nos discursos quanto na metodologia de revisão
apresentada a palavra “participação” é substituída pelo termo
“colaborativo”, o qual se origina dos ambientes empresariais
e vem sendo trazido para o âmbito da gestão pública. Não se
pode dizer, contudo, que foi apresentada uma metodologia
de revisão, mas apenas uma proposta de momentos de deba-
te com temáticos e comunitários sem uma linha de amarra-
ção, ou hierarquia entre eles. Os estudos e levantamentos de
dados técnicos não foram apresentados e estão ainda sendo
solicitados às diversas secretarias. O desmonte do lugar ins-
titucional (POZZOBON, 2018) da última década mostra
agora seus resultados. E justamente neste momento a cidade
é colocada ante o desafio de realizar uma revisão em um ano,
o prazo mais curto entre todos os planos realizados.
Outro agravante é o fato de que o cronograma prevê
que o Projeto de Lei do Plano seja enviado à Câmara Mu-
nicipal em ano eleitoral. Sabe-se que os setores da cons-
trução civil e imobiliários estão entre os maiores doadores
de campanha, e enviar uma proposta de revisão à Câmara
Municipal neste contexto em ano eleitoral pode ampliar
o poder de influência destes setores sobre os vereadores.

Considerações finais

Trazemos por fim uma reflexão sobre a relação entre


democracia e inovação, tema a que fomos convidados a
debater. Incluiria aqui um outro componente, o da in-

150
clusão, o qual a ONU incorpora em sua agenda urbana
mais recente.
É necessário envolver os mais diferentes saberes para
a gestão democrática das cidades e para o urbanismo-pla-
nejamento urbano, sejam eles os comunitários, técnicos,
ou até mesmo dos setores econômicos (produtivos e fi-
nanceiros). Neste sentido, porém, um dos grandes desa-
fios para a efetiva participação é a assimetria de saberes,
sobretudo em sociedades onde a desigualdade se expressa
nos âmbitos do social, do econômico, do território bem
como no acesso ao conhecimento e à escolaridade.
Ermínia Maricato chama de “analfabetismo urbanísti-
co” o desconhecimento por parte da sociedade sobre a ques-
tão urbana. Isso é agravado, tanto pela desigualdade social, e
quanto pela complexidade dos termos e instrumentos que téc-
nicos do urbanismo-planejamento urbano usam cunhar. De-
ve-se, portanto, buscar meios para vencer este analfabetismo.
Nós, técnicos, através de entidades e mesmo dos
centros de saber (universidades etc.) devemos promover
momentos de formação para a participação social no urba-
nismo-planejamento, buscar não só explicar os conceitos e
instrumentos, mas também buscar termos mais acessíveis
ao saber comum. Por outro lado, devemos promover outras
formas de nós mesmos conhecermos a cidade a fim de nos
aproximarmos da realidade vivida pelos cidadãos e cidadãs.
Levar o urbanismo-planejamento e as disciplinas e saberes
técnicos que o envolvem para a rua, para a praça, para a pe-
riferia, criando espaços novos de aprendizado e troca podem
ser caminhos para a redução das assimetrias de conhecimen-
to que também são um dos principais empecilhos para uma
efetiva e autônoma participação da sociedade na tomada de
decisão sobre o presente e o futuro de nossas cidades.

151
Referências
FEDOZZI, L. O Poder da Aldeia, gênese e história do
Orçamento Participativo de Porto Alegre. Porto Alegre:
Tomo Editorial, 2000.
OLIVEIRA FILHO, J. T. A participação popular no
planejamento: a experiência do plano diretor de Porto
Alegre. [Tese de Doutorado]. Porto Alegre: UFRGS, 2009.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE.
Plano Diretor de Porto Alegre. Porto Alegre, Prefeitura
Municipal, 1964. / Esboço histórico da evolução urba-
na de Porto Alegre e das tentativas de sua planificação;
Pesquisa Urbana; Planificação. Pp.13-48.
POZZOBON, R. M. Urbanismo e Planejamento Urba-
no: um olhar sobre o processo de constituição do seu
lugar institucional. [Tese de Doutorado]. Porto Alegre:
UFRGS, 2018.

152
Outras fontes consultadas
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei 1413 de
1955. Reorganiza os serviços da Prefeitura Municipal
de Porto Alegre. Porto Alegre: PMPA, 1955.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 1516 de
1955. Extingue e cria cargos, suprime funções gratifica-
das e dá outras providências. Porto Alegre: PMPA, 1955.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei 3607 de
1971. Cria e disciplina os Conselhos Municipais, na for-
ma contida na lei Orgânica. Porto Alegre: PMPA, 1971.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar 43 de 1979. Dispõe sobre o desenvolvimento
urbano no Município de Porto Alegre. Institui o Pri-
meiro PDDU, e dá outras providências. Porto Alegre:
PMPA, 1979a.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 6964
de 1979. Dispõe sobre a organização e funcionamento
do CMPDDU e dá outras providências. Porto Alegre:
PMPA, 1979b.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar 44 de 1979. Altera a L.C.43/79 que dispõe so-
bre o desenvolvimento urbano no Município de Porto
Alegre. Institui o Primeiro PDDU, e dá outras provi-
dências. Porto Alegre: PMPA, 1979.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 8239
de 1983. Dispões sobre a escolha de representantes co-
munitários no CMPDDU e dá outras providências. Por-
to Alegre: PMPA, 1983.

153
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 8724
de 1986. Dispõe sobre a escolha de representantes co-
munitários no CMPDDU, e dá outras providências.
Porto Alegre: PMPA, 1986.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar 195 de 1988. Cria o Sistema de Participação do
Povo no Governo Municipal e dá outras providências.
Porto Alegre: PMPA, 1988.
PORTO ALEGRE. Câmara Municipal. Lei Orgânica de
1990. Porto Alegre: CMPA, 1990.
PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar Nº 434 de 1999. Esta lei dispõe sobre o desen-
volvimento urbano no Município de Porto Alegre e
instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
Ambiental de Porto Alegre (PDDUA) e dá outras provi-
dências. Porto Alegre: PMPA, 1999.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar nº 434, de 1999, atualizada e compilada até a Lei
Complementar nº 667 de 2011, incluindo a Lei Comple-
mentar nº 646 de 2010. Porto Alegre: PMPA, 2010.

154
Inovação sustentável e as ambiguidades
da tecnologia

Fabian Scholze Domingues

Boa tarde! É um prazer poder compartilhar esta tarde


com vocês. Também é uma alegria grande estar aqui no
PROPUR aprendendo sobre transformações comunitárias
participativas. Começo me desculpando, pois, minha fala
será uma espécie de anticlímax. Uma vez que, depois de
duas apresentações sobre o que está sendo feito de mais
bacana em termos de inovação sustentável, vocês têm a mi-
nha fala. Que não vai tratar de dados, tendências ou exem-
plos. Assim que fui desafiado ao tema pensei em tratá-lo de
maneira filosófica. Minha fala vai se colocar de um ponto
de vista crítico e remeter a alguns conceitos e ideias da fi-
losofia que podem contribuir para a reflexão do que hoje
pensamos como inovação sustentável.
Para começar, uma observação preliminar. Inovação
sustentável é um daqueles poucos conceitos que é consenso
na academia. E podemos ter duas posições fundamentais
sobre isso. Ser um entusiasta, como vários dos entusiastas
que encontramos hoje aqui. Ou ir para o puleiro da filo-
sofia e pensar mais sobre este conceito que não é isento de
dificuldades. A ideia do seminário é discutir de um pon-
to de vista crítico o senso comum sobre conceitos como
participação e inovação num país periférico, cuja lógica da
inovação não funciona da mesma maneira do que nos paí-

155
ses centrais de modo que, as análises convencionais sobre
inovação, não se aplicam aos países subdesenvolvidos.
Gostaria, contudo, de ir por outra trilha, propria-
mente filosófica e trazer um autor que me é muito caro,
Hans Jonas, filósofo da técnica e da biologia, judeu dis-
cípulo de Heidegger, para pensar no avanço ambíguo da
tecnologia. Podemos pensar em diversos momentos na his-
tória, começando pelo Gênesis, onde o homem é expulso
do paraíso por comer da árvore do conhecimento. Prome-
teu, que rouba o fogo, a ciência dos Deuses e dá para os
homens, sendo condenado ao suplício eterno por isso, é
outro exemplo. O Fausto do Goethe, que vende a sua alma
pelo conhecimento ainda é outro, agora na modernidade.
Nestes mitos e estórias o conhecimento tem qualquer coisa
de perigoso, de ameaçador, de romper com a ordem es-
tabelecida. A ameaça deste rompimento é um alerta que
desperta temor. Esta é a primeira referência fundamental
do conhecimento para nós em nossa cultura.
A segunda referência do conhecimento, antagônica à
primeira, é o Descartes no Discurso do Método, a obra que
abre, inaugura o pensamento moderno, onde ele considera
o homem como senhor da natureza. Nesta visão o mundo
é inteiramente dessacralizado, despido de qualquer poder
imanente da criação para se transformar num conjunto de
recursos à disposição. No limite comerciáveis, desde sempre
cognoscíveis e submetidos ao mesmo conjunto impessoal e
universal de leis da física. O conhecimento neste caso nos
permite brincar de ser Deus. Do ponto de vista urbanísti-
co este fato deveras pretensioso do senhor da natureza faz
com que linhas retas, pontos de fuga e demais idiossincrasias
dos urbanistas e seus projetos se imponham ao relevo e à
topografia. Desrespeito que não acometia os medievos, que

156
seguiam nos traçados do relevo e da topografia as curvas de
suas cidades. Este é o paradigma moderno. Isso nos traz uma
sinuca de bico, uma vez que a questão ecológica contempo-
rânea é inescapável: foi a inovação tecnológica, o domínio
da técnica que transformou o homem em senhor, que nos
trouxe até aqui. Se temos riscos que ameaçam o planeta, é
porque a tecnologia e a inovação permitiram a ampliação do
poder do homem. Este poder alargado é justamente o que
nos coloca em risco: a quebra do átomo, do DNA, a ameaça
nuclear, a manipulação genética. Foi a inovação do século
XIX, com o motor à carvão e depois com o motor à ex-
plosão, que permitiram que emitamos sem parar CO2. Este
poder alargado mostra que o próprio conceito de inovação é
contraditório e ambíguo nos seus fundamentos.
Este é o primeiro ponto: não podemos ignorar esta
ambiguidade fundamental inerente ao conceito de inovação,
naquilo que ele tem de libertador e também de aterrador.
Uma das tarefas clássicas da filosofia é aclarar o
significado e uso dos conceitos. Deste modo, gostaria de
chamar a atenção de um outro aspecto, econômico, do
conceito de sustentabilidade. Tem uma questão na sus-
tentabilidade é que ela é incremental ao nosso sistema
econômico. Se vocês estiverem num hotel, não precisam
utilizar a toalha duas vezes, dá para aproveitar a água da
chuva na privada... este tipo de inovação sustentável ela
é funcional ao desenvolvimento do capitalismo, que nos
traz um aliado poderoso, mas nem sempre um aliado
conveniente ao refletirmos e agirmos sobre os limites da
inovação dentro de uma lógica econômica de exploração
dos recursos naturais. Que é estritamente equivalente a
colocarmos a ideia de sustentabilidade dentro de uma óti-
ca de redução de custos. Uma lógica que, no longo prazo,

157
acaba por agravar o problema. Maximizar os insumos e as
margens de lucro não significa necessariamente assumir
uma posição tout court sustentável.
Sustentabilidade e sustentabilidade ambiental vira-
ram marcas a serem agregadas aos produtos para adicio-
nar valor. O comerciante que não sabe como fazer para
vender seu produto, começa a anunciá-lo como sustentá-
vel... Duas situações disso: 1) a UFRGS não tem energia
solar (com uma exceção, que vocês sabem qual é). Mas se
repararem na entrada do Campus do Vale tem uma pla-
ca, onde se lê: Inovação Sustentável, numa subestação de
energia da CEEE; 2) considerar, como quer a atual admi-
nistração estadual, considerar prospecção de carvão como
energia sustentável, porque será gaseificado. São questões
que aparecem sobre o ponto fundamental que estávamos
falando a pouco, que é desconfiar dos consensos sobre
conceitos como inovação e inovação sustentável.
Passo agora para meu segundo ponto. Como gerar
inovação sustentável de forma comunitária e participati-
va? Conhecimento especializado e participação comuni-
tária não são ideiasque, quando colocadas juntas, estão
isentas de tensões. Existem questões fundamentais do
conhecimento que significam especialização, conversa de
meia dúzia de doutos, incompreensível para a maioria da
população. Temos um desafio que não é pequeno de fa-
zer com que este conhecimento se espalhe legitimamente.
Lembro do início da Internet e da série de promessas que
foram feitas acerca da rede mundial de computadores.
Todo mundo estaria conectado ao conhecimento de for-
ma instantânea. Contudo, a apreensão do conhecimento
formador de cidadãos depende de tempo, de uma cultura
que incentive os estudantes a fazerem as perguntas corre-

158
tas e não a onda de ódio que vemos jorrar de alguns dos
maiores oligopólios da história humana que são Twitter,
Facebook e Alphabet (da Google). No início da internet
a promessa é de que seríamos agentes desta inovação, que
a inovação seria ampliada e beneficiaria a todos. Esta pro-
messa nós sabemos hoje que não se confirmou, que é fake,
para usar a palavra símbolo que a internet se transformou.
Como em outros setores econômicos o que vimos com
o avanço social da Internet foi o surgimento de grandes
monopólios com poder econômico e social imensos, com
o poder alargado pelas novas tecnologias, pela segmen-
tação de propaganda vinculada a perfis de usuário, pelas
fakenews, pós-verdade, entre outras inovações. O ponto
é que essas inovações acabaram por gerar esses grandes
conglomerados que ganham bilhões nos espionando, nos
manipulando, ao invés do conhecimento livre e acessível
a todos prometido em seu início. Isto tem a ver com o
caráter ambíguo da tecnologia. Não é meu papel aqui ne-
gar os avanços incontestes que ocorreram com a internet,
nem é da minha opinião que devemos voltar às cartas e
aos pombos-correio de outrora para substituir os e-mails-
muito mais facilmente rastreável - mas que este avanço
é ambíguo e, eventualmente, pode e deve nos despertar
temor e preocupação. Assim como Darth Vader não po-
demos negar o lado sombrio da força.
Neste sentido, o que a gente poderia fazer para dar um
caráter mais participativo e comunitário às novas tecnologias
e com tornar as inovações realmente sustentáveis do ponto
de vista social e ambiental? Vocês sabem que o diagnósti-
co de grandes economistas brasileiros como Celso Furtado
consideram que um dos principais problemas de nossa eco-
nomia é o excessivo grau de monopólio da economia, com

159
todos os principais setores da economia sendo dominados
por um conjunto muito pequeno de empresas. Esses grandes
conglomerados têm poder de monopsônio e de monopólio,
pagando menos na hora da compra e cobrando mais na hora
da venda. Os grandes atravessadores. Fico pensando se uma
das maneiras de aumentar a participação popular por meio
da tecnologia não seria copiarmos um sistema chinês de
compra e venda para pequenos produtores por uma parceria
com o que seria os Correios dele. Mediante aplicativo os pe-
quenos produtores, eventualmente organizados em coope-
rativas e associações, podem comprar e vender em qualquer
lugar da China. Uma experiência dessas poderia ser replicada
para o Brasil. Os pequenos produtores organizados de forma
cooperativada, digamos, da feira agroecológica do Bonfim
poderiam vender as suas mercadorias por aplicativo aos con-
sumidores finais. Usaríamos, assim, a tecnologia para dimi-
nuir o poder dos grandes atravessadores. Vocês sabem que
está na pauta do atual governo a privatização da CEAGESP,
a maior distribuidora de alimentos da América Latina? Ali-
mentos mais caros e em quantidades menores colocam no
horizonte do Brasil novamente a insegurança alimentar e o
flagelo da fome. Assim uma possibilidade de venda direta de
alimentos por meio de aplicativos e com (ou sem) apoio go-
vernamental poderia ser interessante para nos fortalecer na-
quilo em que o Brasil possui admiráveis vantagens absolutas,
no caso, a produção agrícola. Nosso campo tem que poder
vender direto ao consumidor sem depender das grandes ca-
deias de supermercados. Esta me parece seria uma forma da
atual onda de difusão tecnológica aumentar a participação
popular na economia.
Outra questão para pensarmos em termos de ino-
vação é se esta arquitetura geral da inovação que tem

160
amadurecido nos últimos anos e está provocando pro-
fundas e dramáticas alterações no emprego, sua quali-
dade e as estruturas sociais relacionadas é sustentável.
Parece que também a inovação pode ter uma contribui-
ção para aliviar o drama que é o desemprego tecnológi-
co. O maior empregador do Brasil hoje é o Uber, com
quase cinco milhões de motoristas cadastrados e, em
breve, esta turma toda irá perder o emprego pois está
chegando o 5G e o carro sem motorista. Que tipo de
estrutura social virá com esta mudança, uma vez que a
infraestrutura econômica determina a superestrutura da
sociedade? Sempre considerei a bicicleta como um ma-
ravilhoso instrumento da realização da liberdade huma-
na, até ver adolescentes trabalhando quatorze, dezesseis
horas por dia no Uber Eats e em outros aplicativos de
entrega. É evidente que a inovação nesses casos não está
cumprindo a promessa cartesiana de melhorar a vida do
homem na terra, pois o tipo de emprego que surgiu com
a nova onda tecnológica precarizou o trabalho em escala
mundial e, em ato contínuo, aumentou a desigualdade.
A estrutura social e o emprego estão diretamente relacio-
nados de modo que precisamos pensar seriamente nos
limites disto e como impedir formas contemporâneas de
escravidão por meio do celular. Quais os limites desta
inovação disruptiva do trabalho, em claro prejuízo da
classe dos trabalhadores no mundo todo? Não haverá
mais trabalhadores, seremos todos investidores!?
Por fim, meu tempo está acabando. A título de con-
siderações finais, julgo que temos que ter alguns cuidados
para não cairmos em armadilhas. Vocês sabem que a pri-
meira lâmpada elétrica funciona até hoje. Por que a da mi-
nha casa, e das casas de vocês, queimam a cada três meses?

161
Que inovação sustentável é essa do LED? Que dura mais?
Mas também custa mais. O tema da obsolescência progra-
mada também ronda a inovação sustentável e temos que
estar atentos a isso. As armadilhas do envelhecimento pre-
coce das tecnologias como se dele resultasse inovação.
Algumas direções: A inovação sustentável no senti-
do que estamos atribuindo aqui é mais do que mera ino-
vação, isto é, em termos schumpeterianos, de invenção a
ser lançada no mercado. Não é disso que estamos falando.
Eventualmente muitas das inovações que nos interessam
aqui não dariam planos de negócio. Vide a Phillips e suas
lâmpadas feitas para estragarem.
A inovação sustentável depende de um paradigma
educacional que incorpore outros saberes. A nossa prática
docente já enxerga este desafio, com os alunos checando o
que o professor diz na internet ou fazendo pesquisas sobre
tópicos do seu interesse sem precisar perguntar ao professor.
Finalmente, deixo uma pergunta provocadora para
o debate: se é possível, necessária ou desejável ainovação
sustentável sem mudanças na estrutura social que levem
a uma visão menos individualista dos processos de mer-
cado. Numa sociedade cada vez mais conectada, o pa-
radigma do indivíduo isolado não faz sentido nenhum.
Que tipo de estrutura social poderá emergir a partir deste
atual estado tecnológico que nos encontramos de intera-
ção permanente, de conexão instantânea e universal?

162
The Porto Alegre Sustainable
Innovation Zone (ZISPOA) and Participatory
Community Transformation

Marc A. Weiss

The Porto Alegre Sustainable Innovation Zone


(ZISPOA--Zona de Inovação Sustentável de Porto Alegre)
is the first major implementation step of Global Urban
Development’s World Bank-funded 2015 Leapfrog Eco-
nomic Strategy for the City of Porto Alegre and the State
of Rio Grande do Sul (RS) to become the most sustainable
and innovative places in Latin America by 2030.
Sustainable Innovation Zones near urban univer-
sities, technology parks, and business incubators are de-
signed to become international magnets for talent and
concentrated experiments in developing advanced tech-
nologies and globally scalable products and services that
conserve, reuse, and renew resources much more effi-
ciently. Through this approach, people, places, and orga-
nizations can experience greater prosperity and quality of
life, earning and saving more money with thriving busi-
nesses, better jobs, and higher incomes, at the same time
that they are helping to accomplish the UN Sustainable
Development Goals, Paris Climate Agreement, and New
Urban Agenda by 2030.
The ZISPOA area includes all or part of ten Porto
Alegre communities: Azenha, Bom Fim, Centro Históri-
co, Cidade Baixa, Farroupilha, Floresta, Independência,

163
Rio Branco, Santa Cecilia, and Santana. Located inside
ZISPOA are Porto Alegre’s largest public park, two federal
universities and three other higher education institutions,
six major hospitals, Brazil’s oldest and largest weekly or-
ganic farmers market, an historic urban retail center, four
large private companies, numerous educational, cultur-
al, and religious institutions, and several neighborhoods
that have been at the heart of Porto Alegre’s sustainability
movement for the past half century.
GUD began organizing ZISPOA in September
2015 through the Entrepreneurship Challenge at the Fed-
eral University of Rio Grande do Sul (UFRGS), togeth-
er with various courses and activities at the Paralelo Vivo
Sustainable Innovation Hub, and numerous civic and uni-
versity events. In March 2017 we launched the ZISPOA
Project at UFRGS in the Engineering School’s Centenario
Building. ZISPOA is working with senior administra-
tors, faculty, and students at UFRGS to develop a plan
for the university to become a global leader in Sustainable
Innovation by 2030, in teaching, research, resource utili-
zation, facilities management, community collaboration,
entrepreneurial development, public service, and interna-
tionalization. This includes launching in March 2021 a
new multidisciplinary Sustainable Innovation Profession-
al (SIP) post-graduate certificate program, and improving
the Centenario Building’s energy efficiency, water conser-
vation, recycling, and solar power to become one of the
“greenest” buildings in Brazil.
In December 2017 the Porto Alegre City Council
voted unanimously to officially recognize ZISPOA and
its boundaries, and Mayor Nelson Marchezan Jr. signed
this legislation into law in March 2018. Currently we are

164
working with the Porto Alegre City Government to offi-
cially include ZISPOA in the updating of the city’s master
urban development plan.
ZISPOA is based on six key elements: Innovation and
Technology, Entrepreneurship and Startups, Sustainability
and Resource Efficiency, Creativity and Collaboration, Par-
ticipatory Community Management, and Business-Friend-
ly Environment. Thus far ZISPOA is focused on becoming
more solar-powered, more bike-friendly, more renewable
technology-friendly (zero waste/recycling/circular econo-
my), more energy-efficient, and more digitally connected.
The ZISPOA network includes university profes-
sors and students, young entrepreneurs and profession-
als, collaborative houses and sustainability organizations.
Operating as a citizen-led, community-oriented, univer-
sity and private sector movement, in active collaboration
with UFRGS, the Porto Alegre City Government, and the
Swedish and US governments, to date ZISPOA has helped
launch numerous sustainable startup businesses, includ-
ing Elysia, YES, Loop, Re-ciclo, ARCO, and Volta; built a
solar charging station for electric car sharing at Shopping
Total with MVM, Orkestra, and YES; built the Solar Poste
with Elysia for charging mobile devices in the courtyard of
the UFRGS Administration School; promoted solar “trees”
with OZ Engenharia; developed the Espaço Floresta com-
munity gardening and composting center at a city-owned
recycling facility; and built the ZISPOA Sustainable Par-
klet with Tetra Pak, Josephyna’s, Sim Sala Bim, Elysia, Soli-
dariedade, Urban Ode, Pacto Alegre, UFRGS, the Swedish
Embassy, and other partners.
In addition, ZISPOA has helped organize many
other initiatives including a wide range of weekly seminars

165
(ZIStalks), workshops, lectures, festivals, and networking
events such as monthly Green Drinks. Events have ranged
from three UN-Habitat Urban Thinkers Campuses during
November 2017, December 2019, and July 2020; Swe-
den-Brazil Innovation Week activities during October 2016,
October 2017, and September 2019; a ZISPOA World Envi-
ronment Day Festival at Vila Flores in June 2016; a ZISPOA
Bike-Friendly Festival in October 2017; and much more.
ZISPOA involves many projects and working groups,
including: ZISProf (Professores Conselheiros da ZISPOA),
a network of more than 150 professors from 15 universi-
ties in metropolitan Porto Alegre supporting ZISPOA’s ac-
tivities through teaching and research; ZUNI (ZISPOA nas
Universidades), involving hundreds of students engaging in
ZISPOA research and action through university courses and
programs; POA Solar (Solarizing ZISPOA), promoting solar
energy throughout ZISPOA and Porto Alegre, including a
ZISPOA solar electric cooperative; Bike-Friendly ZISPOA,
promoting dedicated bike lanes (ciclovias), secure bike park-
ing (paraciclos), bike sharing, parklets as outdoor gathering
spaces, and bicycling apps; UFRGS Sustentável, focusing on
greening campus buildings and facilities, recycling, and edu-
cation and traning; and many other projects.
ZISPOA works very closely with Porto Alegre’s May-
or, City Government, City Council, businesses and associa-
tions, collaborative houses and startup hubs, coworking and
maker spaces, sustainability and social advocacy and service
groups, and many other key stakeholder organizations, in-
cluding Pacto Alegre, Aliança de Inovação, Virada Suste-
ntável, Singularity University (South Brazil Chapter), Porto
Alegre Inquieta, TodaVida, UFO Sustainable Innovation
Hub, GRID, Pulsar, PROPUR-GPIT, Point, Casa Guandu,

166
Associação Cultural Vila Flores, Aeromovel, Minha Porto
Alegre, Mobilicidade, Global Shapers, Casa das Cidades,
INSPE, Órbita Coworking, CRA-RS, IAB-RS, CAU-RS,
Engineers Without Borders, Misturai, Solidarieadade, Por-
to Alegre Resiliente, CIUPOA, Marquise 51 Hub Criati-
vo, TransLAB.URB, Ksa Rosa, UNIVENS, WOW, IGS,
Nós Coworking, POA Hub, Distrito Criativo, Distrito
Empreendedor, Fábrica do Futuro, UFRGS Parque Zenit,
Cooperativa 20 de Novembro, Fundação Gaia, WRI Brasil,
ICLEI, PYXERA Global, and numerous others.
Through GUD, Sustainable Innovation Zones are
now beginning to spread to other cities. Currently two
more have recently been launched: 1) ZISSAN in Santo
Ângelo, a smaller Brazilian city in Rio Grande do Sul; and
2) ACTA in Panama City, Panama. GUD also is working
to help organize Sustainable Innovation Zones in other cit-
ies, including London (UK), Western Sydney (Australia),
Naples (Italy), and Brooklyn/New York City (US).
ZISPOA’s strategy incorporates many aspects of a
successful “technology innovation ecosystem” (as identified
by the World Bank) -- college and university education and
research, technology transfer, business incubators and ac-
celerators, startup hubs, coworking and maker spaces, fab
labs, hackathons, meetups, boot camps, angel investors,
venture capital, financial and regulatory incentives, etc.
-- and adds four more vital components: 1) place-based
community emphasis; 2) primary purpose promoting Sus-
tainable Innovation technologies, businesses, and talent; 3)
active participation and support by sustainability, social,
and creative design experts and activists (in addition to
entrepreneurs and technologists) and, 4) empowered by a
grassroots citizen movement.

167
In addition, ZISPOA’s commitment to generating
Inclusive Prosperity in urban neighborhoods represents a
“community development ecosystem” as defined by Robert
Zdenek and Dee Walsh in their recent book, Navigating
Community Development, about Community Devel-
opment Corporations (CDCs), producer and consumer
cooperatives, and other community-based and affordable
housing development organizations in the US. The key
distinction about ZISPOA as a community development
ecosystem is its primary focus on Sustainable Innovation.
Indeed, ZISPOA’s Sustainable Communities approach is
comparable to EcoDistricts, Transition Towns, and similar
urban neighborhood sustainability movements.
ZISPOA also promotes the main activities of the
“creative economy” and works with many organizations in
Porto Alegre to encourage this approach, including Asso-
ciação Cultural Vila Flores, Porto Alegre Inquieta, INSPE,
RS Criativo, and many other organizations.
Finally, ZISPOA and ZISSAN collaborate with the
Rio Grande do Sul (RS) State Government’s Secretariat of
Innovation, Science, and Technology (SICT) to promote
the statewide INOVA RS initiative and help spread GUD’s
Sustainable Innovation and Inclusive Prosperity approach
to cities and universities throughout the state, in the spirit
of fulfilling GUD’s 2015 Leapfrog Economic Strategy en-
abling Porto Alegre and RS to become the most sustainable
and innovative places in Latin America by 2030.

168
Os movimentos sociais brasileiros
e sua internacionalização

Vanessa Marx

Introdução1

O mundo vem sendo atravessado pelo fenômeno


da globalização. Este fenômeno influencia cada vez mais
as dinâmicas sociais intensificando as relações e interde-
pendências globais. O capital e o trabalho circulam com
mais facilidade entre as regiões e os países criando um
desenvolvimento geográfico desigual (Harvey, 2006). Os
fatores econômicos se apresentam como a variável prin-
cipal, ficando o poder político algumas vezes refém da
economia onde a expressão máxima se traduz na subordi-
nação de alguns Estados às forças do capital e de agentes
como as empresas transnacionais. Esta aliança se traduz
no que poderíamos chamar de globalização hegemônica.
A partir do Fórum Social Mundial se construiu uma glo-
balização alternativa a globalização hegemônica a chama-
da globalização contra-hegemônica desde os movimentos
sociais. Boaventura de Sousa Santos descreve globalização
contra-hegemônica como: “articulação transnacional dos
movimentos, associações e organizações que defendem os
1 Este artigo é resultado da pesquisa “Os Movimentos Sociais como
atores do sistema internacional”. A autora agradece a contribuição
para a pesquisa da bolsista da Iniciação Científica Joana Winckler,
bacharela em Ciências Sociais da UFRGS.
169
interesses e grupos subalternos ou marginalizados pelo ca-
pitalismo global” (2002, p. 57).
Neste cenário de disputa e de surgimento de uma
globalização contra-hegemônica que aparecem os movi-
mentos sociais como atores no sistema internacional. Esta
redistribuição de poder nos situa no âmbito político-ins-
titucional, que junto com a influência da política inter-
nacional dos países em desenvolvimento faz com que os
movimentos sociais atuem no cenário internacional por
meio de suas próprias redes e fóruns ou em articulação
com outros atores.
Os movimentos sociais atuam nas localidades, lugar
onde expressam desejos, conflitos e disputas com outros
atores e buscam espaços para participar do processo de for-
mulação e implementação de políticas públicas de Estado.
Apesar do território ser o lugar onde exercem a ação polí-
tica e suas lutas, a globalização vem internacionalizando
as agendas destes agentes. Existe uma ampla literatura que
busca explicar, através de teorias dos movimentos sociais,
as lutas, motivações e confrontos destes atores por meio
de diferentes abordagens principalmente: ciclos de protes-
tos e estruturas de mobilização política (TARROW, 2009;
TILLY, 1978), redes de movimentos sociais (SCHEREN-
-WARREN, 2006) e ativismo na relação entre Estado e so-
ciedade (ABERS e VON BULLOW, 2011).
Desta forma seria a partir das lutas por reconheci-
mento de suas demandas que aparecem os ciclos de reivin-
dicações e de confronto, tanto no plano nacional quanto
internacional. Os ciclos de confronto estão presentes na
vida dos movimentos sociais nacionais ou transnacionais.
Os movimentos sociais transnacionais poderiam ser en-
tendidos como: “interações contenciosas sustentadas com

170
opositores – nacionais ou não-nacionais – através de re-
des de desafiantes organizados e que ultrapassam fron-
teiras nacionais” (TARROW, 2009, p. 231). Estas ações
coletivas podem ser sustentadas ou temporárias e buscar
somente a difusão das suas ações ou avançar no intercâm-
bio político. Os confrontos transnacionais normalmente
acompanham a dinâmica da economia e política mun-
dial, principalmente em cenários de crise (MARX, 2015).
A partir do referencial teórico construído sobre o
contexto de globalização contra-hegemônica é que parti-
mos para um outro eixo, ou seja, a abordagem da teoria
que foi o de pensar a política externa como política pública
tendo a participação como eixo estruturador, para refletir
sobre a influência dos movimentos sociais como agentes
propositivos de uma agenda mais democrática da política
externa brasileira. A partir destes dois referencias teóricos
a pesquisa se centrou na análise do período histórico de
2002 a 2014 tomando como referência a política externa
do primeiro e do segundo mandato do governo do presi-
dente Luís Inácio Lula da Silva e o primeiro mandato da
presidenta Dilma Rousseff. A partir dos achados empíri-
cos centramos nossa descrição da relação entre a política
externa com a formação do grupo de reflexão em relações
internacionais (GR-RI), da participação social no Merco-
sul e do movimento brasileiro de mulheres. Pensamos que
a atuação dos movimentos sociais brasileiros no contexto
internacional junto com a inovação da política externa bra-
sileira poderia contribuir para verificar se os movimentos
sociais podem ser considerados atores do sistema interna-
cional como veremos a seguir.

171
Participação e política externa como Política Pública

O Ministério de Relações Exteriores (MRE) do Brasil,


o Itamaraty, poderia ser reconhecido como lugar de excelên-
cia do serviço público brasileiro. Caracterizar-se como uma
instituição dedicada aos interesses nacionais e com relativo
isolamento sem a pressão de participação que marcam ou-
tros ministérios. Sendo assim, uma característica marcante
desse órgão refere-se ao seu insulamento burocrático.
Esse caráter insular do Itamaraty, segundo Faria
(2012), desde o fim da Segunda Guerra Mundial conta
com uma corporação profissional altamente especializada.
Outro fator é a centralização da política externa do MRE
que conforme define Faria (2008) poderia ser compreen-
dido pela confluência de distintos fatores, sendo eles:

(a) o arcabouço constitucional do país, que conce-


de grande autonomia ao Executivo nesta matéria, re-
legando o Legislativo a uma posição marginal, o que
também ocorre na maior parte dos países; (b) do fato
de o Congresso brasileiro ter delegado ao Executivo a
responsabilidade pela formação da Política Externa; (c)
do caráter “imperial” do presidencialismo brasileiro; (d)
do fato do modelo de desenvolvimento por substitui-
ção de importações ter gerado uma grande introversão
e um insulamento dos processos políticos e econômicos
do país, redundando em grande isolamento internacio-
nal do Brasil, reduzido a partir da década de 1990; (e)
do caráter normalmente não conflitivo e alargamento
adaptativo da atuação diplomática do país; (f ) da sig-
nificativa e precoce profissionalização da corporação di-
plomática do país, associada ao prestígio de que desfruta
o Itamaraty nos planos domésticos e internacional.

Esses fatores, somados, pareceriam explicar o baixo


grau de politização da política externa do país, pelo me-
172
nos até o final da década de 1980, o que reforça e justifica
o insulamento do Itamaraty, que encara a política externa
principalmente como política de Estado (FARIA, 2008).
A partir das mudanças no cenário internacional desde
o fim da Guerra Fria e o surgimento do mundo multipolar,
a dinâmica da política internacional se alterou principal-
mente em função da expansão da globalização econômica,
da fluidez das fronteiras e de uma maior participação de
atores não-estatais nos organismos internacionais e em suas
agências. Além disto pudemos notar cada vez mais um en-
trelaçamento da política doméstica e as relações internacio-
nais (PUTNAM, 2010) gerando a participação de agentes
em instâncias nacionais e internacionais.
Partindo do entendimento de que a pluralidade de
atores e agendas da política externa brasileira poderia ser
decorrente do fato que: tanto a ordem internacional, quan-
to a doméstica, apesar das desigualdades e das diferenças
que conformam suas estruturas, deixam em aberto vários
espaços políticos que desafiam nossa capacidade analítica
de localizar com precisão o lócus institucional e o agente
par excellence da decisão em matéria de política externa. Fa-
zendo emergir, portanto, a necessidade de uma nova visão
sobre a política externa, sua prática e seu estudo (MILANI
e PINHEIRO, 2013).
Dessa forma, se faz necessário uma “reconfiguração
da política externa brasileira”, considerando-a como uma
política pública, ou seja, o Estado e o governo em ação no
plano internacional. Isso implica considerar que o governo
é uma instituição do Estado – sem dúvida, a principal delas
– e que são os governos, os produtores de políticas públicas
(SOUZA, 2006). Partindo desse entendimento, Milani e
Pinheiro (2013, p. 24) discorrem que:

173
[...] estamos retirando a política externa de uma condi-
ção inercial associada a supostos interesses nacionais au-
toevidentes e/ou permanentes, protegidos das injunções
conjunturais de natureza política partidária. Estamos,
portanto, despindo a política externa das características
geralmente atribuídas ao que se chama de política de
Estado, que nos levava a lhe imputar uma condição de
extrema singularidade frente às demais políticas públi-
cas do governo.

No entanto, apesar do crescente número de atores


não-estatais brasileiros presentes nos debates internacio-
nais, isso não lhes compete automaticamente as decisões
da política externa brasileira – mesmo que possam in-
fluenciá-la; é no âmbito estatal, que as decisões são toma-
das. Atualmente, há mais diversidade de temas que se in-
serem nas atividades de outros Ministérios e Agências de
Governo, caracterizando um novo arranjo institucional,
em que não há mais restrita necessidade de intermédio do
MRE, pois os diversos temas chegam à agenda da política
externa através de outros órgãos do governo, prefeituras,
governos estaduais etc. Dessa forma poderíamos conside-
rar assim como os autores que:

A política externa é uma política pública, haja vista


que atores institucionais, sociais e econômicos a tra-
tam nessa perspectiva; falta-lhe, porém, arcabouço ins-
titucional que reflita politicamente essa nova configu-
ração (MILANI e PINHEIRO, 2013, p. 30).

A partir da reflexão teórica da globalização contra-


-hegemônica dos movimentos sociais e com a política ex-
terna, considerada como política pública, partimos para a
parte empírica do nosso estudo com os achados de agentes
que tem relação com a política externa brasileira, seja em

174
fóruns, redes ou arenas internacionais e que propõem uma
relação mais democrática da política externa brasileira.

Os agentes não-estatais e a relação com a política externa

As mulheres em movimento: movimento de mulheres no Brasil2

Os movimentos e redes feministas participaram


historicamente de redes e fóruns que discutem as políticas
para as mulheres no âmbito internacional. No primeiro
mandato do governo Dilma Rousseff isto se intensificou
na relação com a política externa brasileira3.
Estes espaços de participação no âmbito interno,
aliados às redes de articulação do movimento de mulhe-
res em nível internacional, por meio da participação nos
organismos internacionais, fez com que os movimento de
mulheres trabalhassem com suas agendas no âmbito in-
terno e as levassem ao cenário internacional.
O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, órgão
onde estavam presentes movimentos e organizações sociais
ligadas à questão de gênero, associações e fóruns de mulhe-
res, que participavam da elaboração dos Planos Nacionais
de Políticas para as Mulheres, também atuavam no plano
internacional com a participação em importantes organis-
mos, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a
Organização dos Estados Americanos (OEA), o Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL), a Comunidade dos Países

2 Esta parte do texto foi desenvolvida de forma mais aprofundada em


artigo aceito na Revista Conjuntura Global da UFPR.
3 Ver DISCURSO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF, por oca-
sião do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas -
Nova York, Estados Unidos,21/09/2011.
175
de Língua Portuguesa (CPLP) e o grupo tripartite IBAS
(Brasil, Índia e África do Sul).
A formação desse tipo de órgão institucional de
consulta vai de encontro as classificações presentes em
Scherer-Warren (2006), quanto aos níveis de participação
da sociedade civil. O primeiro, refere-se ao associativis-
mo local, ou seja, forças associativas de expressão local ou
comunitárias; num segundo nível, encontram-se as for-
mas de articulação interorganizacionais, “que buscam se
relacionar entre si para o empoderamento da sociedade
civil, representando organizações e movimentos do asso-
ciativismo local” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 111).
Para a autora é a partir desse tipo de mediação que se dá
a interlocução mais institucionalizada entre a sociedade
civil e o Estado. Por fim, em um terceiro nível, observa-se
as mobilizações na esfera pública.
De fato, podemos perceber a presença no Conse-
lho principalmente de formas de articulação interorga-
nizacionais. Por exemplo, como aponta Scherer-Warren
(2006), a Marcha Mundial das Mulheres (MMM), teve
sua origem no movimento de mulheres e “caracteriza-se
por ser um projeto de mobilização social no qual parti-
cipam ONGs feministas, mas também comitês e orga-
nismos mistos de mulheres e homens que se identificam
com a causa do projeto” (SCHERER-WARREN, 2006,
p. 116). Dessa forma, segundo a autora, é central na pla-
taforma política da MMM não apenas a temática de gê-
nero, mas também o combate à pobreza (demanda por
terra, trabalho, direitos sociais); e o combate à injusti-
ça (contra a violência em todas as esferas da vida social,
que vai do tráfico de mulheres ao trabalho escravo até o
cancelamento da dívida externa, como forma de explora-

176
ção injusta). Portanto, conclui a autora, “a MMM, como
muitos movimentos sociais que se constituíram à luz dos
movimentos alterglobalização, é uma rede interorganiza-
cional” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 116).
Dessa forma, o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher tornou-se um campo interessante para o estudo
da articulação entre movimentos/organizações sociais e
sociedade civil com o Estado Brasileiro, inclusive no que
tange à política externa, devido a sua participação em
organismos internacionais.
Em relação à pesquisa de campo com os dados empí-
ricos pudemos identificar o perfil e a atuação dos movimen-
tos de mulheres brasileiras. As perguntas centrais elaboradas
para o questionário foram as seguintes: a) qual é a área de
atuação do seu movimento social/organização social? b) qual
seria a sua avaliação sobre a participação das organizações/
movimentos sociais nas políticas para as mulheres no cená-
rio internacional? c) seu movimento social/organização so-
cial é ativo internacionalmente? d) seu movimento social/
organização social estabelece redes com outros movimentos
sociais/organizações sociais? e) seu movimento social/orga-
nização social participa de reuniões e negociações da ONU
Mulheres? f) o seu movimento social/organização social tem
algum contato com o Ministério das Relações Exteriores? g)
você considera que o seu movimento social/organização so-
cial influencia na Política Externa Brasileira?
Neste ponto a pesquisa preocupou-se em articular o
debate contemporâneo de globalização hegemônica e con-
tra-hegemônica com os estudos pós-coloniais, a fim de en-
riquecer a análise da relação dos movimentos e organizações
sociais com o Estado brasileiro a partir de uma visão lati-
no-americana. Isto é, buscou-se perceber a presença desses

177
segmentos a partir do entendimento que os movimentos e
organizações sociais têm como sua participação e influên-
cia no Estado brasileiro e nos organismos internacionais.
No caso do movimento de mulheres no Brasil vemos
que existiu a relação com o Estado na política interna, atra-
vés da participação no Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher que foi se constituindo como um espaço de diálogo
de construção de políticas públicas para as mulheres em âm-
bito nacional. Quanto à atuação no cenário internacional,
os movimentos e organizações de mulheres tem preferido se
articular em redes internacionais, participar de fóruns inter-
nacionais, como o Fórum Social Mundial e influenciar na
agenda internacional por meio de participação em organis-
mos internacionais, ainda que de forma muito incipiente,
por meio da ONU Mulheres, PNUD, CIFAL e UNITAR.
Para finalizar poderíamos dizer que a internaciona-
lização do movimento de mulheres, ainda que tenha tido
o apoio do Estado Brasileiro no primeiro mandato do go-
verno da presidenta Dilma Rousseff, funciona de forma
autônoma com uma dinâmica própria na articulação com
redes internacionais e fóruns de mulheres, e não tanto pela
relação institucional, seja com o Ministério de Relações Ex-
teriores do Brasil, seja com os organismos internacionais.

O processo de integração regional na América Latina: o Mercosul

O Mercosul foi uma das políticas prioritárias na


política externa brasileira, principalmente em relação a
cooperação sul-sul. Desde o primeiro mandato do gover-
no do Presidente Luís Inácio Lula da Silva o Mercosul e a
América Latina ganharam relevância. No Mercosul os mo-
vimentos sociais participaram da Cúpula Social do Merco-

178
sul, do Programa Mercosul Social e Solidário e Unidade de
Participação Social do Mercosul, participação de jovens no
Mercosul. Estes espaços participativos de interlocução com
a institucionalidade, paralelos algumas vezes com a reunião
de Cúpula, permitiam que os movimentos tivessem canais
de diálogo com o poder executivo sobre as políticas rela-
cionadas ao Mercosul e com o MRE. A Cúpula Social do
Mercosul se caracterizava como uma cimeira ampliada de
participação de organizações da sociedade civil, onde estas
podiam acompanhar a agenda do Mercosul de forma arti-
culada com o governo. Os agentes que participavam desta
instância eram diversos: pequenos e médios empresários,
mulheres, jovens, estudantes, pessoas com deficiência, en-
tre outros (MESQUITA, 2013).
A partir do primeiro mandato do governo do presi-
dente Lula a dimensão social ganhou um espaço para poder
equilibrar a balança entre o econômico e o social, ainda que
tenha sido impulsionado por uma vontade política, já que o
Mercosul e a cooperação sul-sul foram o foco inicial da po-
lítica externa brasileira: “A construção de fóruns coletivos de
caráter internacional passa a ser um instrumento de promo-
ção de identidades, particularmente, nos casos de atores com
razoável grau de autonomia frente aos Estados” (VIGEVANI
et Al., 2004, p. 109). Seguindo esta lógica da prioridade no
econômico a dimensão ambiental ficou um pouco esquecida
e passou a margem sendo priorizada estas agendas pelos mo-
vimentos sociais em cenários de denúncia e conflito, onde
estes eram mais autônomos na relação com o Estado.
Por fim podemos dizer que houve um avanço na
incorporação dos agentes sociais no espaço de integração
regional, mas como menciona Granato (2017) existem
avanços de participação, mas eles não são acompanhados

179
por uma verdadeira reforma democrática na estrutura ins-
titucional do bloco.
O Mercosul apresentou desde o início um arcabouço
institucional para participação nas instâncias regionais, a fim
de aprofundar a democracia no processo, ainda que a partici-
pação dos atores sociais tenha sido mais em caráter consultivo.
Para a análise da influência e participação dos mo-
vimentos e organizações sociais no Mercosul, optamos, a
partir da análise documental, nos focarmos nos Programas
Mercosul Social e Participativo e na Unidade de Apoio à
Participação Social do Mercosul, bem como no Conselho
Brasileiro do Mercosul Social e Participativo. O Programa
Mercosul Social e Participativo foi instituído em outubro de
2008, abrindo um novo capítulo nas relações entre o gover-
no brasileiro e a sociedade civil no que se refere à participa-
ção social no Bloco. Foi coordenado pela Secretaria-Geral da
Presidência da República e pelo Ministério das Relações Ex-
teriores, com o objetivo de divulgar as iniciativas do gover-
no, relacionadas ao Mercosul, debater temas da integração
e encaminhar sugestões da sociedade civil. Composto por
representantes dos ministérios que atuam no Bloco e lide-
ranças de organizações sociais convidadas, de setores como
agricultura familiar, pequenas e médias empresas, mulheres,
meio ambiente, juventude, trabalhadores urbanos e do cam-
po, direitos humanos, economia solidária, saúde, educação,
cooperativismo, cultura e povos indígenas, entre outros.
As atribuições do Programa consistiam em divulgar
as políticas, prioridades, propostas em negociação e outras
iniciativas do governo brasileiro relacionadas ao Mercosul
- fomentar discussões no campo político, social, cultural,
econômico, financeiro e comercial que envolvam aspectos
relacionados ao Mercosul - encaminhar propostas e suges-

180
tões de consenso, no âmbito das discussões realizadas com
as organizações da sociedade civil, ao Conselho do Mer-
cado Comum e ao Grupo do Mercado Comum do Mer-
cosul4. Em 2012, as entidades da sociedade civil presentes
na reunião do pleno do Programa Mercosul Social e Parti-
cipativo (PMSP) decidiram criar um “Grupo Focal”. Esse
grupo desempenharia as funções de representar o PMSP, de
promover debates sobre a integração e de dar continuidade
aos processos de participação nos períodos compreendidos
entre a realização das Cúpulas Sociais.
O Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Parti-
cipativo é um programa. Por esse motivo, não possui a
legislação, estrutura e o funcionamento de um conselho.
Tem por objetivo promover a interlocução entre o Gover-
no Federal e as organizações da sociedade civil sobre as
políticas públicas para o Mercado Comum do Sul (Mer-
cosul). Tem a finalidade de divulgar as políticas, priori-
dades e propostas em negociação e outras iniciativas do
Governo brasileiro relacionadas ao Mercosul; fomentar
discussões no campo político, social, cultural, econômico,
financeiro e comercial que envolvam aspectos relaciona-
dos ao Mercosul; encaminhar propostas e sugestões que
lograrem consenso, no âmbito das discussões realizadas
com as organizações da sociedade civil, ao Conselho do
Mercado Comum e ao Grupo do Mercado Comum do
Mercosul. O Conselho é composto por vinte e um mem-
bros do poder público e quarenta membros representantes
da sociedade civil, entre entidades e personalidades reco-
nhecidas. A  Unidade de Apoio à Participação Social do

4 Fonte: http://www.secretariageral.gov.br/atuacao/internacional/mer-
cosulsocialeparticipativo/conselhobrasileirodomercosulsocialepartici-
pativo [acesso em:21/08/2015].
181
MERCOSUL  (UPS) foi criada mediante a  Decisão do
Conselho do Mercado Comum N° 65/10, com o obje-
tivo de promover, consolidar e aprofundar a participação
das organizações e movimentos sociais da região no bloco.
Começou a funcionar em novembro de 2013, com sede na
cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai.
A UPS nasce da vocação dos governos do bloco de ampliar
as bases da representação política e a participação social
no MERCOSUL, dado que ambas são fundamentais na
construção e no fortalecimento de uma integração de en-
raizamento popular e inclusiva. Para que esta integração
possa se consolidar, são necessários canais institucionais e
políticos robustos para a participação social.
Podemos dizer que neste caso a participação dos
movimentos sociais brasileiros se dá em um cenário de
integração regional onde esta política é acordada com
outros países do bloco regional, mas mesmo assim hou-
ve uma indução do governo brasileiro à participação dos
movimentos sociais no Mercosul, já que esta era uma po-
lítica prioritária para a política externa brasileira.

Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI)

O Itamaraty não está alheio ao debate e buscou nes-


te período – ainda que de forma lenta – uma possível
abertura de diálogo com atores sociais. Dentre as inicia-
tivas merecem destaque: (a) A Conferência Nacional de
Política Externa e Política Internacional, realizadas desde
2006; (b) a questão da “Diplomacia Pública” muito asso-
ciada as novas mídias.
Por outro lado podemos destacar a iniciativa da
sociedade civil com a criação Grupo de Reflexões sobre

182
Relações Internacionais (GR-RI)5 que propôs a “Confe-
rência Nacional 2003-2013: uma Nova Política Externa”
realizada entre o dia 15 e 18 de julho de 2013, no campus
São Bernardo do Campo (SP) da Universidade Federal
do ABC (UFABC), com o objetivo de discutir a política
externa brasileira e suas perspectivas de futuro a partir da
democratização do processo decisório6.
Romanzini Júnior e Farias (2014) apontam sobre a
existência de um risco de privatização da política externa,
portanto, é preciso pensar em fortalecer o debate sobre a
institucionalização da participação dos atores sociais na
política externa equilibrando a sua composição e dando
transparência às instâncias decisórias. Para isto seria impor-
tante a criação de uma instância de caráter consultivo. De
acordo com Romanzini Júnior e Farias (2014), desde 1985
há um debate iniciado pela proposta do cientista político
Oliveiros S. Ferreira pela criação de um “Conselho de Po-
lítica Internacional” composto pelos ministros da Fazenda
e do Planejamento, pelo ministro chefe do EMFA, pelo
presidente do Senado Federal e por um representante da
oposição, quanto aos representantes da sociedade civil, se-
riam ouvidos. A Constituição de 1988 não o criou.
A proposta da criação de um Conselho Nacional de
Política Externa (CONPEB) foi um dos pontos de pauta
da agenda do GR-RI. Ainda segundo o GR-RI:

Além de promover a democratização das agendas


de política externa e a dimensão propriamente

5 Outra iniciativa semelhante é: Comitê Brasileiro de Direito Huma-


nos e Política Externa. Vide: Mesquita (2012).
6 http://www.conferenciapoliticaexterna.org.br/index.php/duvidas-fre-
quentes acesso em 23/10/2015.
183
pública de seus debates, a proposta do CONPEB
fortalece institucionalmente o MRE na relação
com outros atores governamentais domésticos e
legitima sua capacidade de negociação no exterior,
na medida em que amplia a representatividade, a
credibilidade e a pluralidade de vozes da socieda-
de nessa esfera renovada da política externa. Con-
trariamente à hipótese do esvaziamento e da mar-
ginalização do Itamaraty, a criação  do CONPEB
permite a institucionalização da participação da
sociedade civil nas agendas da política externa,
garante centralidade ao Itamaraty e, assim, evita a
privatização da política externa7.

A política externa brasileira é exercida, principalmen-


te, pelo Ministério de Relações Exteriores, e por esta razão
ele foi o primeiro espaço de análise desta pesquisa. A partir
dele a preocupação em analisar o diálogo com movimentos
sociais brasileiros. Este Ministério é pouco permeado pela
influência de movimentos sociais, bem como não possui
nenhum tipo de órgão institucional no seu escopo onde
haja diálogo ou consulta com movimentos sociais, a isto a
pesquisa associou os conceitos de “insulamento burocráti-
co” e “política externa como política pública”.
Na figura a seguir podemos ver onde os movimen-
tos e organizações sociais tiveram algum grau de influência
seja na política externa brasileira ou nos órgãos de governo,
para internacionalizar suas agendas e propor políticas con-
vergentes entre Estado e sociedade.

7 http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/conselho-nacio-
nal-de-politica-externa-fortalece-o-itamaraty-8986.html acesso em
23/10/2015.
184
Figura 1.

Fonte: Elaboração própria.

Podemos finalizar dizendo que os movimentos e or-


ganizações sociais com outras temáticas também utilizam
tanto espaços institucionalizados como aqueles fora da
institucionalidade para internacionalizarem suas agendas.
Inclusive, a transversalidade de temáticas das quais os mo-
vimentos e organizações sociais brasileiros se articulam é de
suma importância para o estudo destes atores.

Considerações Finais

A política externa brasileira é exercida, principal-


mente, pelo Ministério de Relações Exteriores. Ele é pou-
co permeado pela influência de movimentos sociais, bem
como não possui nenhum tipo de órgão institucional no
185
seu escopo que haja diálogo ou consulta com movimentos
sociais, por esta razão é importante aprofundar os concei-
tos de “insulamento burocrático” e “política externa como
política pública”.
A participação dos movimentos sociais de mulhe-
res no âmbito internacional tem privilegiado a criação
e participação de redes próprias – ou “redes de articu-
lação” – nacionais e internacionais e a participação em
fóruns como o Fórum Social Mundial. A internaciona-
lização destes movimentos acontece por fora da institu-
cionalidade do Estado, em redes e fóruns internacionais.
O Fórum Social Mundial representaria neste contexto o
espaço não-institucional, no qual os movimentos sociais
articulam-se entre si e criam suas redes de articulação. In-
serido no debate quanto a globalização alternativa e glo-
balização neoliberal, foi sendo construída uma globaliza-
ção contra-hegemônica desde os movimentos sociais, na
qual o Fórum Social Mundial ganhou centralidade. Neste
cenário de debates quanto a uma globalização contra-he-
gemônica, somado a elementos da teoria crítica das rela-
ções internacionais que aparecem os movimentos sociais
na arena internacional. Estes movimentos, chamados de
transnacionais, atuam na agenda nacional e internacional
através da participação em redes e na sua presença em
fóruns internacionais.
Os programas de participação de movimentos e or-
ganizações sociais no Mercosul, foram organizados pelo
MRE e pela Presidência da República, fazendo este últi-
mo, juntamente com o MRE um dos principais canais da
política externa brasileira. Consideramos a participação no
Mercosul como uma participação “híbrida”, pois ela se dá
tanto institucionalmente – dentro dos programas que são

186
comandados pelo Estado brasileiro – como também atra-
vés de redes próprias destes movimentos, que, dessa forma,
se internacionalizam por fora da institucionalidade do Es-
tado. Estes movimentos e organizações sociais que atuam
no Mercosul poderiam ser considerados atores do sistema
internacional, internacionalizando suas agendas dentro e
fora da institucionalidade.
Podemos considerar a proposta de criação de um con-
selho consultivo, o CONPEB, por parte do GR-RI uma
proposta mais ousada e diretamente relacionada com a ins-
titucionalidade, já que dialoga para que haja uma instância
participativa para a política externa brasileira. Este conselho,
se criado, seria considerado uma participação institucionali-
zada de movimentos e organizações sociais que influencia-
riam na política externa a partir do MRE.
Por último podemos dizer que movimentos sociais
e organizações sociais com outras temáticas também utili-
zam tanto espaços institucionalizados como aqueles fora da
institucionalidade, para internacionalizarem suas agendas.
Inclusive, a transversalidade de temáticas das quais os mo-
vimentos e organizações sociais brasileiros se articulam é de
suma importância para o estudo destes atores. Seria impor-
tante verificar e aprofundar as estratégias de articulação dos
movimentos para a formação de redes que acontecem em
outros espaços regionais e internacionais. Consideramos
que o Fórum Social Mundial foi um espaço interessante de
análise, de criação de redes e de articulação de movimentos
e organizações sociais no cenário internacional.

187
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189
Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional e o coletivo Mbya Guarani no sul
do Brasil: colaboração da academia em dinâmicas
de transformações comunitárias participativas em
diálogo com políticas públicas

Gabriela Coelho-de-Souza
Felipe Brizoela
Rafaela Biehl Printes

Introdução

Este capítulo parte de uma reflexão provocada pela


questão posta pelo I Seminário Internacional Transforma-
ções Comunitárias Participativas, em 2019, qual seja: quais
os espaços de diálogo e interlocução que a academia contri-
bui para as dinâmicas de transformações comunitárias par-
ticipativas? Como primeiro passo para avançar na resposta a
esta questão, faz-se necessário mapear os espaços acadêmicos
que estabelecem e tem potencial para este diálogo. Ao mes-
mo tempo, a partir de uma leitura mais ampla, quando esta
discussão é posta em um ambiente acadêmico, ela convo-
ca a universidade a interagir com a questão, tanto da forma
clássica, por meio da produção do debate na academia e na
sociedade, promovendo discussões em sala de aula, eventos,
matérias e artigos, entre outros. Como de forma participati-
va, atuando como ator social nos processos e nos territórios.
Desde o período da redemocratização, a universidade
vem interagindo de forma mais participativa nos processos
em curso nos territórios, por meio de atividades de ensino,
191
pesquisa e extensão. Importante sublinhar o papel dessas
autarquias demarcado na Constituição dos Estados-Nação,
que as consideram dotadas de autonomia didático-científi-
ca, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. No
Brasil, a Constituição Federal de 1988 concede autonomia
às universidades e orienta sua ação pelo princípio da indis-
sociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL,
1988). “A Extensão, realizada pela interação entre a Uni-
versidade e a sociedade, visa ao desenvolvimento mútuo,
através de atividades de cunho científico, tecnológico, so-
cial, educacional e cultural” (Art. 68, UFRGS, 2018).
Essa nova visão transcende a visão da extensão
como o elo de conexão da universidade com a sociedade,
como responsável pela transferência de conhecimentos,
técnicas e tecnologias. Ela considera uma visão sistêmica,
que posiciona a universidade como ator social, e reconhe-
ce o contexto social onde está inserida, buscando um ali-
nhamento da pesquisa e ensino às demandas dos proces-
sos em curso nos territórios onde atua. Coelho-de-Souza
et al. (2020) evidenciam o papel da extensão universi-
tária no tripé ensino-pesquisa-extensão, a partir de sua
mediação entre as políticas públicas voltadas à Soberania
e Segurança Alimentar e Nutricional e os processos que
ocorrem nos territórios. O papel de mediação imputa-
do às universidades fortalece as redes sociais/acadêmicas
partícipes do tecido social, criando e fortalecendo “forças
vivas nos territórios”. Estas forças representam demandas
e lutas de grupos sociais, por seus direitos, como o acesso
aos territórios, aos recursos naturais, a sua cultura e tradi-
ção, à soberania e segurança alimentar e nutricional. Esses
processos contribuem e fortalecem as transformações co-
munitárias participativas.

192
Nos espaços rurais, que tem como uma de suas fun-
ções principais a produção de alimentos, essas comunida-
des se vêem ora partícipes dos processos participativos e
produtivos, ora alijadas de seus territórios, por não com-
pactuarem e integrarem um modelo de agricultura inserido
em uma concepção de desenvolvimento concentrador de
capital. A figura 1 apresenta as características dos sistemas
alimentares a partir de dois modelos de desenvolvimento.
Os modelos de desenvolvimento calcados na con-
centração de capital e na soberania das comunidades,
regiões, países, apresentam características e interesses
muitas vezes opostos entre si. Do modelo que busca gerar
soberania, se aproximam campos do conhecimento inter
ou transdisciplinares como o do desenvolvimento rural,
agroecologia, soberania e segurança alimentar e nutricio-
nal. Estes campos do conhecimento dialogam com pro-
cessos de transformações comunitárias participativas, por
interagirem no nível familiar, comunitário e/ou regional,
reconhecendo que as comunidades estão em constantes
dinâmicas socioambientais em seus territórios.
A participação comunitária em processos de toma-
da de decisão e de interlocução com o setor governamen-
tal, pode levar a transformações em direção a conquistas
de demandas comunitárias, que muitas vezes são cruciais
para a consecução dos direitos humanos. Estes processos
de governança interna dos grupos e interações com gru-
pos vizinhos e diálogo com setor governamental, podem
ser de grande complexidade, ainda mais em contextos
culturais diferenciados, como no caso da interação entre
grupos indígenas e a sociedade ocidental.

193
Figura 1 - Características dos sistemas alimentares no
contexto dos modelos de desenvolvimento e de etnode-
senvolvimento.

MODELOS DE
DESENVOLVIMENTO
DESENVOLVIMENTO ETNODESENVOLVIMENTO
Concentração de capital Soberania

CARACTERÍSTICAS
DOS MODELOS DE
DESENVOLVIMENTO

SISTEMAS
ALIMENTARES

CARACTERÍSTICAS
DOS SISTEMAS
ALIMENTARES

RELAÇÕES
SOCIEDADE E
Sociedade Natureza
NATUREZA
Desenvolvi-
MODELOS DE mento
Etnodesen-
volvimento
DESENVOLVIMENTO Concentração de capital Soberania
• Concepção cartesiana
• Concepção sistêmica
• Relações de trabalho
• Relações Socioculturais
• Dependência
• Autonomia
• Sistema econômico excludente
• Sistemas locais e regionais dinâmicos
• Conexões em sistemas globalizados
• Conexões multiescalares
• Produção homogênea de alimentos
CARACTERÍSTICAS • Produção de alimentos ultraprocessados
• Produção diversificada e regionalizada
DOS MODELOS DE • Produção valorizando sociobiodiversidade
• Sistemas Alimentares Globalizados
• Sistemas Alimentares Sustentáveis
DESENVOLVIMENTO • Indicadores de segurança alimentar e
• Indicadores de segurança alimentar e
de desenvolvimento humano baixos
de desenvolvimento humano altos
• Gestão governamental com baixa priorização das
• Gestão governamental atuante, intersetorial e participativa
questões técnicas, com recursos escassos
• Etnoconservação, integrando a sociobio-
• Modelo de conservação excludente
diversidade e a economia
• Remanescentes de ecossistemas nativos
• Corredores ecológicos conectados e
fragmentados e isolados
contínuos
•Extinção da biodiversidade e
• Ecossistemas nativos resilientes
degradação dos recursos naturais
• Mitigação das mudanças climáticas
• Aumento das mudanças climáticas

SISTEMAS Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo


ALIMENTARES
Ecossistemas
Transformados para Redes globalizadas
homogeneizados
agricultura Insumos externos Alimentos Alimentação
motomecanizada Mercados ultraprocessados
nocivos globalizada
institucionais, locais,
Valorização dos Incluindo ecossistemas regionais Alimentos orgânicos e Alimentação
nativos nativos Redes da sociobiodiversidade adequada e saudável
Insumos promovendo descentralizadas,
biodiversidade Atores diversificados

Fonte: Adaptado de Coelho-de-Souza (no prelo)

194
Neste contexto, este capítulo tem como objetivo te-
cer reflexões sobre o papel das universidades nos processos
de transformações comunitárias participativas em contexto
intercultural, buscando compreender as interconexões entre
os campos científicos, que estão envolvidos com a prática e o
movimento agroecológico e da soberania e segurança alimen-
tar e nutricional e os processos territoriais em curso, prota-
gonizados pelo coletivo Mbya Guarani no litoral sul do Bra-
sil. O capítulo está organizado em quatro seções, além desta
introdução. Na segunda seção são apresentados os campos
do conhecimento da agroecologia e da soberania e segurança
alimentar e nutricional, buscando explorar as conexões desses
campos científicos com a prática e os movimentos que acon-
tecem nos territórios. A terceira seção apresenta os processos
de transformação comunitária protagonizados pelo coletivo
Mbya Guarani para a construção de um Plano Guarani, com
apoio de políticas intersetoriais e assessoria de uma univer-
sidade pública, por meio de ações de extensão, pesquisa e
ensino. A quarta seção analisa o papel dos planos de gestão
territorial e ambiental na proteção dos sistemas alimentares
indígenas, discutindo seu papel nos processos de transforma-
ções comunitárias participativas no caso Mbya Guarani. Na
quinta seção, se apresentam as considerações finais.

As esferas da prática, ciência e movimento da Agroecologia


e da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e as
transformações comunitárias nos territórios

A Agroecologia e a Soberania e Segurança Alimentar


e Nutricional (SSAN) se expressam nas esferas da prática,
ciência e movimento. De acordo com Caporal e Costabe-
ber (2004), ABRANT (2013), Gonzalez Rodriguez et al.

195
(2019), Ramos (2019) e Zuñiga (2019), elas são construí-
das com base na abordagem sistêmica, complexa, multies-
calar e multidimensional, calcada nos princípios da sus-
tentabilidade. Esta concepção é construída pela prática,
fundamentada pela ciência e norteadora do movimento
agroecológico e da soberania e segurança alimentar e nu-
tricional, em direção a um modelo de desenvolvimento
com enfoque na soberania alimentar (figura 1).
A esfera da prática gera processos de interação entre
comunidades e ecossistemas, por meio do conhecimento
e práticas associadas ao manejo dos recursos naturais e da
agrobiodiversidade, além das práticas associadas à circula-
ção, sociabilidade, abastecimento e consumo nas comuni-
dades. A esfera do movimento busca realizar e articular os
processos, estando associada a uma dimensão política. De
acordo com Brandenburg et Al (2004), ao difundir-se nos
campos científico e político, a visão sistêmica associada à
sustentabilidade, se configura em uma categoria que permi-
te articular tanto o conhecimento quanto as intervenções
na sociedade, associando prática, ciência e movimento.
Na esfera da ciência, esta abordagem compreende a
interação entre sistemas socioecológicos que transcendem
o somatório do sistema social e do ecológico, reconhecen-
do que os componentes de um sistema estão em constante
interação e em contínuo movimento (COSTABEBER e
MOYANO, 2000). Estas dinâmicas produzem proprie-
dades emergentes resultando nos serviços ecossistêmicos.
A visão sistêmica, a partir da ciência, embasa a interação
da extensão, pesquisa e ensino enfocando a compreensão
e o fortalecimento dos processos em torno da construção
de um modelo de desenvolvimento, calcado nos princí-
pios da sustentabilidade. Neste contexto, a agroecologia e

196
a SSAN são campos científicos inter e transdisciplinares,
na interface entre ciências naturais e sociais (figura 2c).
De acordo com Boaventura de Souza Santos, as in-
terfaces entre os campos científicos são espaços potentes
de construção de ferramentas para abordagens de ques-
tões complexas, como a fome, a degradação ambiental
e a insegurança alimentar e nutricional. Desde a década
de 1940, a partir dos estudos de Josué de Castro, a pro-
blemática da fome passou a ser considerada uma questão
social decorrente de processos de concentração de poder
impedindo o acesso de parcela da população a alimentos,
renda, recursos naturais e/ou seus territórios. A partir da
década de 2000, a problemática da fome e da alimentação
adequada e saudável passou a ser reconhecida como uma
questão socioambiental, a partir do agravamento da crise
ambiental, da questão do acesso dos povos e comunida-
des tradicionais a seus territórios e da drástica mudança
nos padrões alimentares mundiais, passando de uma dieta
regionalizada para alimentos ultra processados. O caráter
socioambiental se impõe, por esta questão estar relaciona-
da à degradação dos ecossistemas naturais, agrobiodiver-
sidade, perda de sementes crioulas, dificultando o acesso à
alimentação por grande parcela da população, em especial
as comunidades rurais, étnicas e as das periferias das cida-
des. Esse processo acarreta a fragilização dos sistemas ali-
mentares tradicionais e o desabastecimento de produtos
locais nos mercados regionais, empobrecendo as regiões.
Partindo da sustentabilidade como categoria presen-
te nas abordagens de segurança alimentar e nutricional e
agroecologia, Gonzalez Rodriguez et al. (2019) propuse-
ram uma abordagem da multidimensionalidade da Segu-
rança Alimentar e Nutricional, considerando as dimen-

197
sões presentes no conceito de SAN brasileiro1 (BRASIL,
2006), integrando aos pilares da Segurança Alimentar e
Nutricional, presentes na perspectiva da FAO. Essa abor-
dagem apresenta seis dimensões, quais sejam, ambiental,
sociocultural, econômica, política, ética e nutricional. Nes-
sa abordagem “a dimensão ambiental é a base de todas as
outras dimensões, pois se constitui no meio onde os seres
humanos vivem e fornece serviços ecossistêmicos que são
imprescindíveis à vida” (GONZALEZ RODRIGUEZ et
Al., 2019, p. 223). Na figura 2a, a dimensão ambiental é
desdobrada incluindo as dimensões de ecossistemas, pai-
sagens comunidades biológicas, representando o sistema
ecológico em interação com o sistema social. A dimensão
territorial também é incluída, representando as interações
entre as comunidades humanas e biológicas e os recursos e
paisagens com as quais interagem.
A análise da multidimensionalidade coloca as di-
mensões em relação entre si. A dimensão econômica se
contrapõe à dimensão sociocultural. As dimensões política
e ética fazem a mediação entre as dimensões econômica,
ambiental e sociocultural. Importante destacar a diversi-
dade cultural e o conhecimento local como ferramentas
para a gestão e conservação dos territórios, que estão em
busca constante da sustentabilidade ambiental, econômica
e social, aspectos chave na conservação da biodiversidade.
De acordo com Nascimento (2020), a partir da perspecti-
va etnoecológica, saberes e práticas culturais associadas à

1 Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos


de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso
a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam
social, econômica e ambientalmente sustentáveis (BRASIL, 2006).
198
alimentação dos povos, tornam-se símbolo de resistência
cultural. Esses sistemas socioecológicos, onde o sistema
cultural é intimamente associado ao sistema ecológico,
promove a conservação pelo uso dos ecossistemas nativos,
permitindo prover os serviços ecossistêmicos fundamentais
para a vida no planeta terra.
A Agroecologia e SSAN propõem um modelo de
desenvolvimento baseado nos princípios do Direito Hu-
mano à Alimentação Adequada, sustentabilidade, diver-
sidade e equidade. Ambos são campos científicos multi-
dimensionais com sobreposições de dimensões. Entre as
dimensões compartilhadas, estão a sociocultural, ambien-
tal, econômica, política e ética (figura 2a). A dimensão
nutricional é exclusiva da Segurança Alimentar e Nutri-
cional, e está relacionada ao campo da saúde coletiva. No
conceito de SAN, a saúde é considerada de modo inte-
gral, na medida em que considera as práticas alimentares
em sua relação com a promoção da saúde do indivíduo
e do ambiente, e com o respeito aos diversos hábitos ali-
mentares (RAMOS, 2019).

199
Figura 2 - Perspectivas analíticas integrando agroecolo-
gia e segurança alimentar e nutricional, a partir de análise
multidimensional da SAN, sistemas socioecológicos e sis-
temas alimentares.

a) Multidimensionalidade da SAN, com detalhe para di-


mensão ambiental.

Ética

Política

Territórios
Sociocultural
paisagens
ACESSO Econômica
Ecossistemas
Ambiental
indivíduo CONSUMO

Nutricional
DISPONIBILIDA
Comuni- DE
UTILIZAÇÃO
dades BIOLÓGICA

Adaptado de Gonzalez Rodriguez et AL. (2019).

b) eixos do sistema alimentar articulando as multidimen-


sões da SAN.

Territórios

paisagens

Ecossistemas ECOSSISTE- MANEJOS UTILIZAÇÃO


indivíduo MAS AGRICULTURA
ABASTECI-
MENTO
DIETAS CONSUMO BIOLÓGICA

Comuni-
dades

200
c) elos dos sistemas alimentares conforme modelos de desen-
volvimento baseados na Agroecologia e Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional, como prática, ciência e movimento.
DESENVOLVIMENTO
MODELOS DE

Agroecologia Soberania e Segurança


Alimentar e Nutricional

Utilização
Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo
biológica
ALIMENTARES
SISTEMAS

PRÁTICA
CIÊNCIA
MOVIMENTO
SISTEMAS ALIMENTARES

Provimento de Manejos sustentáveis Feiras, Redes Cultura alimentar Refeições da Insegurança


INDÍGENAS

Serviços da agrobiodiversidade descentralizadas Receitas de Plantas sociobiodivers Alimentar e


ecossistêmicos em mercados
Atores regionais,
diversificados Alimentícias Não idade Nutricional/
ecossistemas nativos institucionais, locais, Convencionais, Obesidade
Botânica/Ecologia/ Frutas nativas,
Etnoecologia/Agroeco Extrativismo Cadeias produtivas, Flores alimentícias Gastronomia
Nutrição
logia sustentável Articulação entre o nativas Nutrição
Saúde Coletiva
Saberes tradicionais Conservação pelo Uso Rural e o Urbano

Conservação dos Agroecologia Cidades sustentáveis


ecossistemas nativos

O enfoque da agroecologia e da SSAN se centra na


construção de modelos de desenvolvimento visando a so-
berania alimentar, considerada como:

o direito dos povos de definirem suas próprias políti-


cas e estratégias sustentáveis de produção, distribui-
ção e consumo de alimentos que garantam o direito
à alimentação para toda a população, com base na
pequena e média produção, respeitando suas próprias
culturas e diversidades dos modos camponeses, pes-
queiros e indígenas de produção. [...] A soberania ali-
mentar é a via para erradicar a fome e a desnutrição e
garantir a segurança alimentar duradoura e sustentá-
vel para todos os povos2 (Fórum Mundial sobre Sobe-
rania Alimentar, Havana, Cuba – 2007)

2 O termo soberania alimentar foi lançado pela Via Campesina


no período em que ocorria a Cúpula Mundial da Alimentação, em
1996, fortalecendo o movimento em torno da Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional.
201
Neste contexto, a construção de sistemas alimenta-
res sustentáveis se constitui no objetivo dos modelos de
desenvolvimento calcados na sustentabilidade e soberania
alimentar. A centralidade desses modelos sobre os sistemas
alimentares se deve ao fato dos sistemas alimentares gera-
rem e direcionarem grande parte dos fluxos ecossistêmicos
globais, sendo também segmentos de grande relevância
para setores produtivos da economia.
Tanto a agroecologia, quanto a soberania e segurança
alimentar e nutricional são modelos de desenvolvimento
que desencadeiam processos em múltiplos níveis, desde o
familiar e na propriedade, a níveis comunitários, muni-
cipais, territoriais, regionais e mundiais. De acordo com
debate promovido pela Plataforma Brasileira de Ensino,
Pesquisa e Extensão em Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional (NUTRISSAN, 2020), os sistemas alimenta-
res podem ser analisados a partir de seis elos: a) ecossiste-
mas; b) manejos; c) abastecimento; d) dietas3; e) consumo;
e, f ) utilização biológica, conforme os pilares da SAN.
A partir dos princípios da soberania e sustentabilida-
de, nos sistemas alimentares são valorizados os processos em
nível comunitário e territorial, gerando autonomia, diversi-
ficação, inclusão e sustentabilidade, fortalecendo o desenvol-
vimento territorial. No nível territorial, redes regionais de
articulação, nas temáticas indígenas, agroecológicas, de ali-
mentação adequada e saudável, são as forças vivas que geram
movimento a partir de sua atuação, envolvendo atores go-
vernamentais, da sociedade civil, e em especial da academia,
por meio da extensão. É neste contexto, que a extensão, a

3 As dietas representam um elo dos sistemas alimentares que conectam a


inserção dos produtos em diferentes contextos, como em políticas públicas
da alimentação escolar, dietas agroecológicas, veganas, regionais etc.
202
partir dos campos epistemológicos da Agroecologia e SSAN,
contribui para fortalecer processos de transformações comu-
nitárias participativas nos territórios onde atuam.
Nesta seção as esferas da prática, ciência e movimento
da agroecologia e soberania e segurança alimentar e nutricio-
nal foram apresentadas, buscando posicionar os sistemas ali-
mentares sustentáveis como foco de modelos de desenvolvi-
mento. A seguir será apresentado um processo comunitário
protagonizado pelo coletivo Mbya Guarani para construção
de sua soberania e segurança alimentar e nutricional, com
apoio de políticas intersetoriais e assessoria de uma univer-
sidade pública, no litoral do Estado do Rio Grande do Sul.

Dinâmicas de colaboração da academia em processos de


transformação comunitária do coletivo Guarani enfocando
a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

O coletivo Guarani no Litoral do Rio Grande do Sul


compreende um território com dez aldeias na região delimi-
tada pelos limites do Território Rural Litoral, que integrou a
política de desenvolvimento territorial desenvolvida no Rio
Grande do Sul, desde 2003. Em 2013, foram reconhecidos
onze novos territórios nesse Estado, totalizando dezoito Ter-
ritórios Rurais, abrangendo cerca de 85% do Estado. Des-
tes, 12 (66,7%) territórios foram beneficiados com o asses-
soramento de Instituições de Ensino Superior, no período
de 2015 a 2017, envolvendo sete instituições4 que atuaram
com recursos do Programa Nacional de Desenvolvimento

4 Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade Federal da


Fronteira Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade
Federal de Pelotas, Universidade Federal de Santa Maria, Instituto
Federal do Rio Grande do Sul, Instituto Federal Rio-Grandense.
203
Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT) (COELHO-
-DE-SOUZA et Al., 2019). Entre os novos territórios, o
Território Rural Litoral (TRL) passou a existir desde 2015, a
partir da constituição do Colegiado de Desenvolvimento do
Território Rural Litoral.
Entre os anos de 2015 a 2017, o território teve o
assessoramento do Núcleo de Extensão em Desenvolvi-
mento Territorial (NEDET UFRGS), o qual atuou em
conjunto com o Núcleo de Estudos em Desenvolvimento
Rural Sustentável e Mata Atlântica (DESMA) e o Núcleo
de Pesquisas em Segurança Alimentar e Nutricional (NE-
SAN), ambos vinculados ao Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Rural da UFRGS (COELHO-DE-
-SOUZA et Al., 2019). 
O TRL compreende 24 municípios5, localizado no
Planalto Meridional e Planície Costeira, tratando-se de um
território socioambientalmente diversificado, com a presen-
ça dos biomas Mata Atlântica e Pampa. Além da presença
Mbya Guarani, inclui uma população culturalmente diver-
sa, com a presença de remanescentes de quilombos, pesca-
dores, além de descendentes de imigrantes europeus (COE-
LHO-DE-SOUZA et Al., 2013). No TRL encontram-se
ecossistemas nativos, como florestas, banhados, lagoas, rios,
dunas e restingas, muitos ameaçados e, alguns, protegidos
por Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

5 Arroio do Sal, Balneário Pinhal, Capão da Canoa, Capivari do Sul,


Caraá, Cidreira, Dom Pedro de Alcântara, Imbé, Itati, Mampituba,
Maquiné, Morrinhos do Sul, Mostardas, Osório, Palmares do Sul,
Riozinho, Santo Antônio da Patrulha, Tavares, Terra de Areia, Torres,
Tramandaí, Três Cachoeiras, Três Forquilhas e Xangri-lá. Desses
municípios 7 possuem aldeias Mbya Guarani, sendo eles Osório,
Maquiné, Caraá, Riozinho, Palmares do Sul, Torres, Capivari do Sul.
204
Figura 3 - Território Rural Litoral e seus 24 municípios,
com destaque para os 7 municípios com presença de al-
deias Mbya Guarani.

Fonte: Elaborado por Silva (2018) apud Printes (2019).

O TRL foi organizado, de 2015 a 2017, por meio de


uma coordenação com os cargos de coordenador (COO-
MAFITT) e vice-coordenador (COOPVIVA). O Cacique
Felipe Brizoela da aldeia Pindoty, Riozinho, passou a inte-
grar o núcleo diretivo. Em 2015, foram criadas 8 Câmaras
Temáticas6 para dialogar com os temas de maior relevância
para o bem viver das populações do território. A concep-

6 01- Câmara Temática de Segurança Alimentar, Nutricional, 02- Câ-


mara de Comercialização e Economia Solidária, 03- Câmara Temática
de Povos e Comunidades Tradicionais, 04- Câmara Temática de Meio
Ambiente, 05- Câmara Temática de Educação e Juventude, 06- Câmara
Temática de Política de Desenvolvimento Agrário, 07- Câmara Temática
de Saúde (a única com esse tema nos Territórios Rurais e de Cidadania
do RS) e 08 - Câmara Temática de Gênero.
205
ção das câmaras previu que a agroecologia fosse um tema
transversal a ser trabalhado por todas elas (COELHO-DE-
-SOUZA et Al., 2017).
Dentre as atribuições do NEDET UFRGS estava a
elaboração do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural
Sustentável para o TRL (PTDRS). Em função da presença
Guarani lançou-se o desafio de operacionalizar a transversa-
lidade das políticas públicas PRONAT e a Política Nacio-
nal de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI),
estimulando a discussão entre os Mbya Guarani de temas
ligados à gestão territorial e ambiental em suas aldeias e al-
ternativas ao desenvolvimento no Yvy Rupá “a terra em que
pisamos; uma só terra” (MORINICO, 2010), consideran-
do a possibilidade da construção de um Plano de Gestão
Territorial e Ambiental (PGTA) Mbya Guarani no Território
Litoral, como parte do PTDRS (PRINTES et Al., 2018). 
Para tanto, foi constituída uma equipe intercultu-
ral que trabalhou na articulação interna dos Guarani, na
mediação entre os Guarani e as políticas territorial, indi-
genista e de segurança alimentar e nutricional, bem como
na promoção da intersetorialidade entre essas políticas,
por meio do PGTA e PTDRS, conforme apresentado na
sub-seção a seguir.

Equipe intercultural Mbya Guarani, pesquisadores


e extensionistas para fortalecer os processos de
transformações comunitárias participativas

A articulação do TRL, após a sua homologação em


2013, se deu a partir do chamado da Delegacia Estadual
de Desenvolvimento Agrário para uma reunião em julho
de 2014. O Delegado de Desenvolvimento Agrário do Rio

206
Grande do Sul na época7, convocou uma reunião na Escola
Técnica de Osório, no município de Osório, com a finali-
dade de retomar a articulação do território, comunicar a
abertura da Chamada para constituição de um Núcleo de
Extensão em Desenvolvimento Territorial para assessora-
mento ao Colegiado, e, por fim, anunciar uma Chamada
do Programa do Governo Federal de apoio a Projetos de
Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais, com prazo
para encaminhamento de cerca de um mês.
Essa reunião foi presidida pelo coordenador do Ter-
ritório, o administrador da COOMAFITT, com o apoio
do primeiro assessor territorial do TRL, técnico da ONG
Centro Ecológico. Desta reunião, participaram cerca de 80
pessoas, incluindo técnicos da EMATER, representantes de
prefeituras municipais, cooperativas, representantes quilom-
bolas, cerca de 8 Guarani da aldeia Pindoty, alunos da Escola
Técnica de Osório e pesquisadores do DESMA/PGDR. 
Ao longo da reunião o Delegado reafirmou que a
política territorial tem como finalidade a inclusão de agri-
cultores familiares, povos e comunidades tradicionais, mu-
lheres e jovens nos processos produtivos do território, se-
guindo as diretrizes do desenvolvimento rural sustentável.
Como resposta a esta colocação, em um momento poste-
rior, o cacique Felipe Brizoela tomou a palavra e, de forma
bastante pausada e serena, afirmou que ele era professor e,
por ser professor entendia melhor a linguagem dos juruá.
Pelo o que ele estava entendendo este era um projeto que
incluía os Guarani. Então, se o projeto era para os Guarani,
tinha que entrar “para dentro” das aldeias e buscar comu-
nicar o que era o projeto. Pois, se, ele, que convivia com os

7 Delegado de Desenvolvimento Agrário no Estado do Rio Grande do


Sul, Marcos Regelin, coordenou os 10 NEDET no Estado.
207
juruá, tinha dificuldade de entender, então, como seria este
entendimento para os Guarani que tinham pouco contato
com a linguagem burocrática do Estado? Outro ponto que
o cacique Brizoela chamou atenção se refere ao fato de que
projetos com prazo de execução breve, e que não tenham
sido construídos com eles, acabam sendo prejudiciais aos
Guarani, por não respeitarem os tempos e processos de go-
vernança das aldeias.
Importante ressaltar que a crítica tecida por Brizoela
referia-se à forma de tratamento dos Guarani pelo Estado,
em relação à linguagem burocrática que se reflete em falta
de diálogo e processos morosos, e ações de políticas públicas
descoladas dos processos de governança dos Guarani. A falta
de conexão entre a governança Guarani e as políticas públi-
cas usualmente implementadas, pode ser explicada por um
distanciamento cultural entre as comunidades e os técnicos
representantes dos setores públicos. Além disso, essa falta de
conexão é explicada pela lacuna na formação de técnicos e
pesquisadores, de conteúdos como relações interculturais. 
Após aprovação do Projeto e implementação do NE-
DET UFRGS, cerca de um ano depois, o cacique Felipe
Brizoela foi procurado pela coordenação do NEDET, jun-
tamente com a assessoria territorial e uma pesquisadora do
DESMA. Essa comitiva foi à aldeia Pindoty para retomar a
conversa após ter assistido a sua fala na reunião de Osório
de julho de 2014. A coordenadora do NEDET relatou que
ouviu sua fala naquele dia e que tinha vindo procurá-lo
para trabalharem em conjunto. Relatou que o Núcleo de
Estudos que trabalhava, tinha experiência de parceria com
os Guarani, desde o Grupo Técnico de demarcação de Ter-
ras Guarani em Porto Alegre, Viamão e Barra do Ribeiro.
Também tinham trabalhado em conjunto com as aldeias

208
do Lami, Cantagalo, Lomba do Pinheiro e Capivari, onde
o Cacique Cirilo, da aldeia da Lomba do Pinheiro, havia
trabalhado na articulação do projeto de manejo agroflo-
restal Guarani, buscando promover a articulação entre as
aldeias da região metropolitana e do litoral. 
O projeto da política territorial foi apresentado
como uma oportunidade para os Guarani se reunirem e
discutirem suas prioridades, buscando identificar quais
projetos seriam pertinentes para suas tekoá, para estes se-
rem incluídos em uma pauta de diálogo com as diferen-
tes representações do Estado. Neste contexto, o cacique
foi convidado para trabalhar conduzindo os processos de
governança Guarani respaldados pelas organizações do
Colegiado Territorial e fazendo a articulação dos Guarani
com o Colegiado Territorial e NEDET UFRGS. Brizoela
ressaltou a importância de respeitar o tempo Guarani. 
Essa reunião na aldeia selou a parceria entre os Gua-
rani, o DESMA, a ONG AEPIM, o NEDET UFRGS e
o Colegiado Territorial, os quais constituíram uma equi-
pe intercultural incluindo o cacique da aldeia Pindoty de
Riozinho, alguns acompanhantes Guarani que variaram
ao longo do tempo. Em momentos públicos participaram
estudantes do Programa de Pós-Graduação em Desen-
volvimento Rural, graduandos do Curso de Educação do
Campo e Ciências Sociais. 
A equipe intercultural em pouco tempo conseguiu
visualizar um caminho a ser trilhado que, ao mesmo tem-
po em que fortalecesse a governança interna Guarani,
também fortalecesse o diálogo com as políticas públicas,
buscando a construção do componente Guarani no PT-
DRS, juntamente como o PGTA. O trabalho de interlo-
cução do cacique Brizoela e da equipe intercultural com

209
as aldeias focou na construção de um Plano de Vida das
tekoá (aldeias) do TRL, pois se tratava de um processo de
fortalecimento da governança Guarani, em primeiro pla-
no. E, parte desse documento responderia às exigências
da PNGATI e do PRONAT.
Desde janeiro de 2016, as 10 aldeias Mbya no litoral
foram percorridas pela equipe intercultural. Se realizaram
reuniões com lideranças e demais membros das comuni-
dades, com pautas em 3 (três) dimensões: 1) Governança
interna Mbya: união; articulação das aldeias; espirituali-
dade; alimentação; organização familiar, comunitária e
intercomunitária; fortalecimento da participação de jo-
vens e mulheres; 2) Redes interculturais (em nível de ter-
ritório): autonomia; trocas de experiências e intercâmbios
com quilombolas, pescadores, agrofloresteiros, produto-
res agroecológicos e agricultura familiar em geral; e, 3)
Institucional (território e além do território): coerência;
articulação das instituições e de políticas; justiça e direitos
humanos e indígenas; espaços e tempos apropriados. 
Os pesquisadores e extensionistas e a coordenação
do NEDET UFRGS buscaram a FUNAI Porto Alegre
para o reconhecimento do processo de construção do PT-
DRS junto aos Guarani como um processo de construção
do PGTA. A FUNAI Porto Alegre orientou que este as-
sunto deveria ser tratado na Coordenação Regional (CR),
em Florianópolis. Em função da escassez de recursos, a
equipe de juruá se organizou e buscou a CR/FUNAI em
Florianópolis. A proposta foi apresentada, reforçando a
intersetorialidade entre políticas de secretarias que pou-
co dialogavam. A CR/FUNAI se manifestou dizendo ser
difícil a aproximação tendo em vista o histórico de falta
de trabalho em parceria entre o Ministério do Desenvol-

210
vimento Agrário e a PNGATI, reforçando que o repre-
sentante deste Ministério no Comitê Gestor da PNGATI
não participava das reuniões, dificultando o trabalho da
FUNAI. Por fim, manifestou que essa demanda deveria
ser apresentada pelos próprios Guarani em reunião em
Brasília. Entretanto, a FUNAI não disponibilizou recur-
sos para subsidiar a ida dos Guarani. Nesse contexto, fi-
cou evidente que a centralização das relações entre as po-
líticas no âmbito de Brasília, pode ter sérias repercussões
nos espaços locais, prejudicando os principais beneficiá-
rios, mesmo com a intersetorialidade estando pautada em
diversas políticas.
O trabalho da equipe intercultural teve duração
até 2017, quando a política territorial deixou de ser
prioridade para o governo federal. Ao longo deste tempo
foram realizados cinco Nhemboaty Mbya kuery no litoral
do RS (figura 4), que ocorreram entre os anos de 2016
e 2018, envolvendo a mobilização de representantes de
todas as aldeias nesta porção do Yvy Rupá. Na sub-seção
a seguir será relatada a realização do I Nhemboaty Mbya
kuey, juntamente com a I Conferência de ATER Temá-
tica Livre Guarani, evidenciando o diálogo entre o pro-
tagonismo guarani, a extensão universitária e políticas
públicas voltadas a processos de transformação comuni-
tária participativa.

211
Figura 4 - Linha do tempo dos eventos vinculados ao
Sistema de Governança Mbya Kuery no litoral do RS.

Fonte: Printes (2019).

1º Nhemboaty mbya kuery: tekoá pindoty (aldeia


jerivazal): fortalecimento de transformações
comunitárias participativas

O 1º Nhemboaty foi realizado na aldeia Pindoty no


município de Riozinho, em março de 2016. Ele foi decor-
rência da realização da 1ª Conferência Territorial de As-
sistência Técnica e Extensão Rural do Litoral, em dezem-
bro de 2015, onde o cacique da aldeia Pindoty foi eleito
delegado territorial. A grande participação dos Guarani,
pescadores e quilombolas incentivou a realização de uma
I Conferência Temática de Assistência Técnica e Exten-
são Rural Mbya Guarani do Território Rural do Litoral,

212
no dia 23 de março de 2016. A I Conferência Temática
foi realizada concomitante ao 1º Nhemboaty mbya kuery:
teko ojevy angua regua, yy e’ë reguá – Encontro Guarani: o
passado-futuro na continuidade da cultura no Território
Litoral (figura 5). Para a realização dos eventos contou
com uma etapa prévia de expedições a campo, visitas nas
aldeias e contatos com órgãos relacionados (Prefeituras,
EMATER, FUNAI, SDR) que viabilizaram a atividade,
entre os dias 21 a 24 de março de 2016 na aldeia Pindoty
(PRINTES, 2019).

213
Figura 5 - 1º Conferência Temática de ATER Mbya
Guarani e abertura do 1º Nhemboaty Mbya kuery pela
liderança Mbya Guarani do CODETER Litoral.

Fonte: UFRGS/PGDR (2016), Printes (2019).


214
A expressão “passado-futuro” como título do evento
reforçou a ideia dos Encontros promoverem o diálogo entre
velhos e jovens Mbya para que juntos reconstruíssem possí-
veis caminhos, no esforço de manter o mbya rekó (modo de
vida Guarani), em meio aos desafios contemporâneos rela-
cionados à governança para a gestão territorial e ambiental.
Para a organização da Conferência, os Mbya e a equi-
pe analisaram o documento de referência da 2º Conferência
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (2ª CNA-
TER), discutindo o processo de construção do evento, o qual
segue a norma de que as conferências temáticas devem apro-
fundar todo documento ou parte dele. Nesse momento, evi-
denciou-se que a linguagem do documento estava distante do
domínio de entendimento dos Mbya, a começar pela escrita
na língua portuguesa e demais termos técnicos usados. 
A equipe intercultural trabalhou no Eixo C transver-
sal – ATER e Povos e Comunidades Tradicionais, adaptan-
do-o à especificidade Mbya Guarani do litoral. Desse pro-
cesso resultaram quatro temas geradores destinados a serem
discutidos em Grupos de Trabalho (GT) interculturais na
dinâmica da I Conferência de ATER Mbya Guarani/RS.

GT 1: O papel da ATER no fortalecimento dos Mbya Gua-


rani no Território Litoral/RS: teve como objetivo discutir o
papel da ATER na construção de “alternativas ao desen-
volvimento rural” para os Mbya Guarani, considerando
que a expectativa é avançar em propostas orientadoras de
mudanças que contribuam com o teko porã reguá (cami-
nho para o bem viver) entre os Mbya.

GT 2: A orientação Mbya Guarani para ATER: teve como


propósito estimular o reconhecimento e o respeito à agri-

215
cultura milenar realizada pelos Mbya Guarani e ao mes-
mo tempo facilitar o acesso às novas tecnologias sustentá-
veis voltadas à agricultura, fortalecendo uma abordagem
intercultural para a agroecologia.

GT 3: ATER no espaço-tempo Mbya Guarani: teve como fi-


nalidade chamar atenção para a temporalidade diferenciada
entre os Mbya Guarani e os técnicos de ATER, bem como as
concepções de espaço.
GT 4: Integração institucional para um Plano Mbya Gua-
rani: este tema objetivou proporcionar um ambiente de
união entre as instituições presentes, entendendo que é ne-
cessário executar as políticas públicas de maneira articulada
e transparente, dando condições dos Mbya e dos represen-
tantes das instituições se apropriarem do que está sendo
realizado por todos, evitando ações que se sobreponham
e desperdicem recursos públicos (PRINTES et Al. 2018).

O 1º Nhemboaty ocorreu na aldeia Pindoty, muni-


cípio de Riozinho, entre os dias 21 a 24 de março, reu-
nindo 70 Mbya, com expressiva participação da juventu-
de, mulheres, demais lideranças e os sábios anciões, além
de cerca de 20 não indígenas representantes de institui-
ções8. No dia 23 de março ocorreu a Conferência de que
teve como principal resultado a constatação dos Mbya so-
bre a necessidade da continuidade da discussão para sua
apropriação dos mecanismos de diálogo com o Estado,

8 Secretaria de Desenvolvimento Rural do RS (SDR), EMATER,


UFRGS, Instituto Federal (IFRS), Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL), Prefeitura de Riozinho, Assistência Social, ONGs Instituto
de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM) e Associação de Estudos
e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM).
216
em especial com a FUNAI e o Ministério do Desenvolvi-
mento Agrário (MDA). Essa demanda incentivou a ela-
boração da única proposta da Conferência temática livre,
apresentada pelo cacique Brizoela na Conferência Nacio-
nal de ATER, etapa Estadual, em abril de 2016: 

Implementar espaços de articulação dos Povos e Comu-


nidades Tradicionais (PCTs) para que os temas referen-
tes à relação entre os grupos e o Estado se dê de forma
permanente em um processo de empoderamento, po-
dendo ser por meio de centros de formação continuada
para PCTs que prevejam a formação de agentes de ATER
entre PCTs, PRONATEC Campo, formação em acesso
a conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio
genético (Proposta para PCT, Etapa Estadual RS).
 
Quanto aos resultados do 1º Nhemboaty Mbya kuery
no litoral do RS e a 1ª Conferência Nacional de ATER
(CNATER), o mais importante foi o comprometimento das
instituições participantes em contribuírem para realização de
Encontros itinerantes, ao longo de 2016, envolvendo todas
as aldeias do TRL9. A expectativa daquele momento foi de
que os encontros fortaleceriam a rede Mbya e a dinâmica do
diálogo interno e exclusivo indígena em relação às questões
que afetam à gestão do território, e para melhor compreensão
do PRONAT e PNGATI, considerando o início do processo
de construção de um Plano de Vida Mbya kuery no litoral. 
Neste 1º Encontro ficou claro o descontentamento e
pouco entendimento dos Mbya em relação aos temas pro-
postos pela 2ª CNATER, em que ressaltam o descompasso
9 Aldeias que sediariam os Nhemboaty: Tekoá Pindoty e Tekoá Itapoty
(Riozinho), Tekoá Nhu’u Porã, Tekoá Guyra Nhendu, Tekoá Pakovaty
(Maquiné), Tekoá Kuaray Rexë (Osório), Tekoá Nhu Porã (Torres),
Tekoá Yryapu, Tekoá Araçaty e Tekoá Ka’a Mirindy Yy Pa’ü e Tekoá
Pindoty (Palmares do Sul), Tekoá Ka’aguy Pa’ü (Caraá).
217
e a necessidade de mais tempo para uma discussão tão am-
pla, ficando evidente a necessidade de adequações metodo-
lógicas por parte dos mediadores não indígenas, das pautas
e temas, conforme o ritmo de vida, temporalidade e pen-
samento dos Mbya. A fala do representante Mbya da aldeia
Pindoty, registrada em uma reunião da equipe intercultural
de preparação do 1º Nhemboaty e da 2ª CNATER, expressa
bem essa questão,

Sem essa rede, digamos assim, uma discussão entre os fa-


miliares que moram dentro da aldeia, a gente não tem
como conseguir, então essa é a preocupação com Gua-
rani kuery. Então por isso que eu queria, antes do juruá
kuery, antes de fazer esse seminário eu queria um encon-
tro somente Guarani. Discutir o que precisa. Eu quero
entender a comunidade, se existe uma divisão, por quê?
Isso não precisa juruá perguntar, nós é que temos que nos
perguntar. Por que que tá assim, o que que tá faltando?
Será que tá faltando o juruá kuery se aproximar? Será que
nós precisamos disso pra se unir novamente? Essa é a mi-
nha preocupação. Vou ser bem sincero. Hoje pra mim,
sabe o que tá acontecendo, equipe? Vai ter um monte de
juruá kuery e nós não temos um Plano. Nessa discussão
com juruá kuery eu quero tirar alguma coisa deles, não do
Mbya kuery, entendeu? Pra que o juruá tenha seu com-
promisso e faça a sua obrigação. Mas pra isso, Mbya kuery
tem que tá unido, preparado, pra nessa hora se apoiar, pra
ir contra ou a favor do juruá kuery. Mas isso não tá acon-
tecendo, entende? Então essa é a minha preocupação. E
toda vida isso tá acontecendo. Nunca dá esse espaço pro
Mbya kuery, essa é a primeira coisa que eu quero colocar
pro juruá kuery. O juruá kuery tem que deixar espaço,
dar lugar, deixar o tempo pro guarani se organizar. Ai
sim o Guarani vai dizer ‘isso nós precisamos’ e todos da
comunidade vão concordar ou não, mas isso nunca acon-
teceu. [...] por isso que eu queria que o primeiro encontro
fosse só Mbya keury, pra entrar em acordos (Cacique da
tekoá Pindoty, março de 2016). 

218
Assim, a metodologia proposta pelos Mbya Guarani
para compreenderem melhor tais políticas e se engajarem
na construção de tais Planos foi, inicialmente, retomarem o
diálogo político interno Mbya por meio dos Nhemboaty. Os
grupos participantes dos encontros são diferentes entre si e
cada aldeia tem suas problemáticas e demandas materiais
específicas, mas, no entanto, de maneira geral, os Mbya das
diferentes localidades do litoral têm dificuldades em viver
de acordo com o Mbya rekó (modo de ser) em decorrência
do processo de colonização e a forma de organização dos
jurua kuery (não indígenas). Relatam que há décadas os
investimentos em projetos e políticas públicas direcionados
para as aldeias Mbya são pensados pelos juruá kuery, não
resolvendo os problemas locais e causando muitos confli-
tos internos. Explicam que somente nos últimos anos os
Guarani começaram a ser questionados, participando na
decisão quanto ao uso dos recursos do Governo, indicando
como/para quê devem ser aplicados nas aldeias. Nas últi-
mas décadas somente ações assistencialistas têm chegado às
comunidades, pois não existe um plano a médio e longo
prazo para cada aldeia, que respeite as especificidades de
cada aldeia, e que esteja de acordo com o Mbya rekó.
Para além do acesso a terra com mato e recursos
para viver o Mbya rekó, é importante o apoio institucio-
nal permanente na realização dos Nhemboaty (encontros)
entre as aldeias, garantindo um processo contínuo de
organização interna e fortalecimento da rede interaldeã
Mbya Guarani com apoiadores não indígenas. A proposta
dos Nhemboaty no litoral proporcionou a integração dos
Mbya nesta porção do território, pois, conforme relata-
ram, esta integração foi enfraquecida nas últimas décadas
em função da inexistência de apoio para realização deste

219
tipo evento. O relato a seguir do cacique da tekoá Pindoty,
complementa esta afirmação, pois ao longo da sua expe-
riência, os Mbya das tekoá no litoral do RS não se encon-
travam há mais de 20 anos. Relatou que o “desencontro”
Mbya foi provocado também pelas instituições do juruá
kuery, desde que começaram a entrar nas tekoá e imporem
“novas regras”. A partir daí, começou a mudar totalmente
a relação interaldeã e intra-aldeã, conforme explicado em
conversa com a equipe intercultural:

Faz 25 anos isso e mudou totalmente, eu tenho certeza.


Antes nós tínhamos união. Se um era cacique e o outro
também concordavam sobre até que ponto nós vamos
deixar o juruá kuery entrar na nossa comunidade. Nós
vamos procurar o juruá kuery ou o juruá kuery é que
vai nos procurar? Nós vamos procurar, porque se o ju-
ruá entrar, vai entrar um, outro, outro e mais outro,
e isso aconteceu. Por isso que hoje já não existe mais
respeito na comunidade. Antigamente não, há 30 anos
atrás, por exemplo, era tranquilo porque era o próprio
Guarani que se organizava. Guarani que dizia até onde
juruá podia chegar, onde não podia. Sabe por que isso
aconteceu? Por causa de uma política que entrou no
meio do Guarani kuery dizendo assim: ‘cacique é o
responsável’. Mas nem cacique tava entendendo o que
tava recebendo do grupo juruá kuery. [...] Hoje não tá
acontecendo uma ‘política Mbya’, mas uma ‘política
misturada’, que traz confusão, às vezes, conflito entre
os Mbya (Cacique da tekoá Pindoty, março de 2016).

A crítica apresentada pelo indígena demonstra a


fragilização das instituições Mbya a partir da intervenção
de instituições externas (envolvendo agentes de governo e
ONG’s) cujos projetos e políticas públicas desconsideram
a pré-existência de uma dinâmica interna de organização
indígena. Tal situação contribui para que descumpram

220
certas regras de Nhanderú, estimulando inclusive intrigas
e ciúmes entre os Mbya. A condução da 2º CNATER é
comparável ao ritmo desse processo, porém o enfrenta-
mento dos Mbya favoreceu a auto-reflexão interinstitu-
cional de atuação de diversos profissionais presentes. 
A próxima sub-seção apresenta a participação e os
resultados da representação Mbya Guarani nos espaços de
governança intercultural estadual e nacional no âmbito
da execução das políticas públicas territorial, indigenista
e de segurança alimentar e nutricional.

Conferência Estadual e Nacional de Assistência Técnica


e Extensão Rural: passos para a união institucional do
PGTA e PTDRS

Os espaços promovidos pela 2a Conferência Nacional


de ATER foram importantes para a continuidade do pro-
cesso de reconhecimento da FUNAI sobre a construção do
Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das tekoá
Guarani junto com o componente Guarani no Plano Terri-
torial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) con-
forme orientações da Coordenação Regional da FUNAI, em
Florianópolis, no mês de fevereiro de 2016. 
A 2a Conferência Estadual de Assistência Técnica
e Extensão Rural do Rio Grande do Sul ocorreu entre
os dias 31 de março e 01 de abril de 2016 no município
de Canoas. Nela o cacique Felipe Brizoela participou le-
vando a única proposta construída na Conferência Temá-
tica Mbya Guarani relacionada à necessidade de que os
Guarani se apropriem dos mecanismos de diálogo com
o Estado, em especial com a FUNAI e o extinto MDA
(PRINTES et Al., 2018). A proposta levada ao grupo de

221
trabalho da Conferência recebeu outras propostas, fican-
do com a redação a seguir: 
Implementar espaços de articulação dos Povos e Co-
munidades Tradicionais (PCTs) para que os temas
referentes à relação entre os grupos e o Estado se dê
de forma permanente em um processo de empodera-
mento, podendo ser por meio de centros de formação
continuada para PCTs que prevejam a formação de
agentes de ATER entre PCTs, PRONATEC Campo,
formação em acesso a conhecimentos tradicionais as-
sociados ao patrimônio genético (Proposta para PCTs
Etapa Estadual RS, 2016).

A proposta foi levada para a Conferência Estadual,


chegando à votação em plenária, mas não foi priorizada
como resultado do Estado para a etapa nacional. Nessa
conferência o cacique Felipe Brizoela, entre outras lide-
ranças indígenas, teve a oportunidade de se reunir com o
Delegado de Desenvolvimento Agrário, expondo os pro-
cessos dos Nhemboaty e as demandas Guarani de apoio à
realização dos encontros, o que levou o Delegado à ma-
nifestar a possibilidade dos Guarani de acessar um recur-
so destinado à ATER para contribuir na promoção dos
encontros.  Embora esta tenha sido uma das primeiras
aproximações mais concretas entre os Guarani e a De-
legacia de Desenvolvimento Agrário do Rio Grande do
Sul, sinalizando uma possibilidade de trabalho conjunto
futuro, esta manifestação não foi concretizada, em função
da drástica mudança no cenário político brasileiro.   
Ainda na Conferência Estadual, o cacique Felipe Bri-
zoela foi eleito delegado para representar os povos e comu-
nidades tradicionais na 2a Conferência Nacional, em Bra-
sília entre os dias 31 de maio e 3 de junho. A ida à capital

222
brasileira, custeada pela Conferência Nacional de ATER,
possibilitou a realização de uma reunião do cacique Mbya
Guarani, que foi acompanhado pela delegada representan-
te da SDR, junto à Coordenação Geral de Gestão Ambien-
tal (CGGAM) da FUNAI.
O cacique Brizoela contextualizou a forma como
a equipe intercultural estava conduzindo a execução do
PRONAT junto aos Guarani no litoral do RS, ressal-
tando o envolvimento da representação Mbya em plená-
rias interculturais e em encontros periódicos nas aldeias
Mbya no litoral (por meio dos Nhemboaty). Apresentou
os resultados dos dois primeiros Nhemboaty na forma
documental e manifestou a intenção dos Mbya na con-
tinuidade dos encontros para a construção do PGTA,
solicitando apoio em recursos financeiros. Além disso,
reforçou a necessidade de que o processo em curso, pro-
movido pelo PRONAT, fosse reconhecido como parte
da construção do PGTA, inclusive, porque grande parte
dos eixos da PNGATI estavam sendo contemplados nas
discussões dos Nhemboaty, pondo em prática a transver-
salidade das políticas públicas territorial e indigenista. 
O cacique teve sua demanda acolhida pela FUNAI,
além do comprometimento da Coordenação Geral de Ges-
tão Ambiental em participar do 3º Nhemboaty, que seria
realizado na aldeia Sol Nascente em Osório. Na FUNAI
Brasília, o cacique Brizoela encontrou representantes da
Terra Indígena Guarani do Bracuí no Rio de Janeiro, que
estavam em processo de construção do PGTA, sendo este
um dos resultados do Projeto de Gestão Ambiental e Ter-
ritorial (Projeto GATI), no qual a TI Guarani do Bracuí
esteve envolvida por ser uma das 32 áreas referência des-
te projeto, que teve como propósito ser um projeto piloto

223
para implementação da PNGATI (Decreto 7.747/2012)
(BRASIL, 2012).
Os contatos do cacique trouxeram novos incentivos
para a construção do PGTA, houve o reconhecimento dos
Nhemboaty como processo de construção do PGTA, uma
sinalização de execução da política pública indigenista
com a de desenvolvimento agrário, por meio da elabo-
ração dos planos PGTA e PTDRS, além da aproximação
de um ator nacional, a FUNAI Brasília. Com a drástica
mudança ocorrida em 2016, o processo não teve conti-
nuidade dessa forma. As universidades perderam o seu
papel de mediador direto de políticas públicas, executado
a partir dos recursos destinados aos NEDET. As políticas
de reconhecimento dos direitos indígenas tiveram fortes
retrocessos. Entretanto, desde 2019, o contato com a FU-
NAI promovido pela extensão, fez com que a governança
Guarani retomasse, junto às redes de apoio, o processo de
construção dos PGTA.
Na seção a seguir discute-se o papel da ferramenta
do PGTA na construção dos sistemas alimentares susten-
táveis dos Guarani, como um processo de fortalecimento
das transformações comunitárias participativas desse Co-
letivo à luz da Agroecologia e Soberania e Segurança Ali-
mentar e Nutricional.

Planos de gestão territorial e ambiental de terras


indígenas e proteção dos sistemas alimentares indígenas:
o contexto do PGTA guarani

Os Planos de Gestão Territorial e Ambiental de Ter-


ras Indígenas (PGTA) são

224
instrumentos de caráter dinâmico, que visam à valoriza-
ção do patrimônio material e imaterial indígena, à recu-
peração, à conservação e ao uso sustentável dos recursos
naturais, assegurando a melhoria da qualidade de vida e
as condições plenas de reprodução física e cultural das
atuais e futuras gerações indígenas (FUNAI, 2013, p. 7).

Eles são ferramentas de implementação da Política


Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PN-
GATI) que tem como objetivo

garantir e promover a proteção, a recuperação, a conser-


vação e o uso sustentável dos recursos naturais das ter-
ras e territórios indígenas, assegurando a integridade do
patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e
as condições plenas de reprodução física e cultural das
atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitan-
do sua autonomia sociocultural (BRASIL, 2012).

A PNGATI está estruturada em 7 eixos, os quais


são desenvolvidos nos PGTAs, visando contribuir para:
valorizar o conhecimento dos povos indígenas sobre
o seu território; a transmissão de conhecimento entre
gerações; a redução de conflitos internos e o estabele-
cimento de acordos para gestão das Terras Indígenas;
auxiliar os processos de reivindicação da defesa e pro-
teção do território e seus recursos naturais; promover
a utilização sustentável dos recursos naturais; gerar al-
ternativas econômicas e de geração de renda; redução
das ameaças sobre as Terras Indígenas; contribuir para
a qualificação das reivindicações fundiárias indígenas;
o fortalecimento das organizações indígenas; as me-
lhorias nos processos relacionados à educação, saúde
e promoção social; a ampliação do diálogo com insti-
tuições governamentais e não-governamentais e para a
promoção do protagonismo e da autonomia dos povos
indígenas (FUNAI, 2013, p. 7).

225
A centralidade da PNGATI na proteção dos territó-
rios e conservação e disponibilidade dos recursos naturais
das terras indígenas evidencia a grande fragilidade a que as
terras indígenas estão expostas, em decorrência do modelo
de desenvolvimento concentrador de capital adotado pelo
país. A proteção dos territórios é a medida mais emergen-
cial para manutenção dos sistemas alimentares indígenas.
Visando explorar a contribuição do PGTA na soberania e
segurança alimentar e nutricional dos indígenas, elaborou-
-se o quadro 1 relacionando os eixos e ações da PNGATI
com os elos dos sistemas alimentares indígenas. Das 44
ações distribuídas em sete eixos, 22 ações (em seis eixos10),
estão de alguma forma relacionadas aos sistemas alimenta-
res indígenas. As ações estão fortemente associadas aos elos
ecossistemas e manejo dos sistemas alimentares.

Quadro 1 - Eixos e objetivos da PNGATI associados aos


elos dos sistemas alimentares indígenas.

Eixos da PNGATI Elos dos sistemas


alimentares
Indígenas
I - eixo 1 - proteção territorial e dos recursos naturais:
c) contribuir para a proteção dos recursos naturais das
terras indígenas em processo de delimitação, por meio ecossistemas
de ações de prevenção e de defesa ambiental pelos
órgãos e entidades públicos competentes, em conjunto
com os povos, comunidades e organizações indígenas;
e) apoiar a celebração de acordos e outros ecossistemas
instrumentos que permitam o acesso dos povos
indígenas aos recursos naturais que tradicionalmente
utilizam localizados fora dos limites de suas terras;

10 Somente o eixo III que trata da governança das áreas protegidas,


unidades de conservação e terras indígenas, não apresenta uma ação
relacionada diretamente aos elos dos sistemas alimentares.
226
f ) promover ações de proteção e recuperação das ecossistemas
nascentes, cursos d’água e mananciais essenciais aos
povos indígenas;
g) apoiar o monitoramento das transformações ecossistemas/manejo
nos ecossistemas das terras indígenas e a adoção de
medidas de recuperação ambiental
i) promover o etnozoneamento de terras indígenas ecossistemas/manejo
como instrumento de planejamento e gestão
territorial e ambiental, com participação dos povos
indígenas;
II - eixo 2 - governança e participação indígena:
a) promover a participação de homens e mulheres ecossistemas/manejo/
indígenas na governança, nos processos de tomada abastecimento/
de decisão e na implementação da PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
b) promover a participação dos povos indígenas e ecossistemas/manejo
da FUNAI nos processos de zoneamento ecológico-
econômico que afetem diretamente as terras
indígenas;
c) promover o monitoramento da qualidade da ecossistemas/manejo
água das terras indígenas, assegurada a participação
dos povos indígenas e o seu acesso a informações a
respeito dos resultados do monitoramento;
d) apoiar a participação indígena nos comitês e ecossistemas
subcomitês de bacias hidrográficas e promover a
criação de novos comitês em regiões hidrográficas
essenciais aos povos indígenas;
e) promover a participação dos povos indígenas nos ecossistemas/manejo
fóruns de discussão sobre mudanças climáticas;
IV - eixo 4 - prevenção e recuperação de danos
ambientais:
a) promover ações com vistas a recuperar e restaurar ecossistemas/manejo
áreas degradadas nas terras indígenas;
c) promover ações de prevenção e controle da ecossistemas/manejo
contaminação por poluição e resíduos sólidos e de
outras formas de degradação de recursos naturais das
terras indígenas;
d) identificar as espécies nativas de importância ecossistemas/manejo
sociocultural em terras indígenas e priorizar seu
uso em sistemas agroflorestais e na recuperação de
paisagens em áreas degradadas;

227
e) promover a recuperação e conservação da ecossistemas/manejo/
agrobiodiversidade e dos demais recursos naturais abastecimento/
essenciais à segurança alimentar e nutricional dos dietas/consumo/
povos indígenas, com vistas a valorizar e resgatar utilização biológica
as sementes e cultivos tradicionais de cada povo
indígena;
f ) promover ações para a recuperação de áreas ecossistemas/manejo
degradadas e a restauração das condições ambientais
das terras indígenas, em especial as de prevenção e
combate à desertificação;
V - eixo 5 - uso sustentável de recursos naturais e
iniciativas produtivas indígenas:
b) fortalecer e promover as iniciativas produtivas ecossistemas/manejo
indígenas, com o apoio à utilização e ao
desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis;
c) promover e apoiar a conservação e o uso ecossistemas/manejo
sustentável dos recursos naturais usados na
cultura indígena, inclusive no artesanato para fins
comerciais;
d) apoiar a substituição de atividades produtivas ecossistemas/manejo
não sustentáveis em terras indígenas por atividades
sustentáveis;
f ) desestimular o uso de agrotóxicos em terras manejo
indígenas e monitorar o cumprimento da Lei nº
11.460, de 21 de março de 2007, que veda o cultivo
de organismos geneticamente modificados em terras
indígenas;
g) apoiar iniciativas indígenas sustentáveis de dietas/consumo
etnoturismo e de ecoturismo, respeitada a decisão
da comunidade e a diversidade dos povos indígenas,
promovendo-se, quando couber, estudos prévios,
diagnósticos de impactos socioambientais e a
capacitação das comunidades indígenas para a gestão
dessas atividades;
h) promover a sustentabilidade ambiental das ecossistemas/manejo
iniciativas indígenas de criação de animais de médio
e grande porte;
i) promover a regulamentação da certificação dos
produtos provenientes dos povos e comunidades
indígenas, com identificação da procedência étnica abastecimento
e territorial e da condição de produto orgânico, em
conformidade com a legislação ambiental

228
j) promover assistência técnica de qualidade, manejo
continuada e adequada às especificidades dos povos
indígenas e das diferentes regiões e biomas;
VII - eixo 7 - capacitação, formação, intercâmbio e
educação ambiental:
a) promover a formação de quadros técnicos, ecossistemas/manejo/
estruturar e fortalecer os órgãos públicos e parceiros abastecimento/
executores da PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
b) qualificar, capacitar e prover a formação ecossistemas/manejo/
continuada das comunidades e organizações abastecimento/
indígenas sobre a PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
c) fortalecer e capacitar as comunidades e ecossistemas/manejo/
organizações indígenas para participarem na abastecimento/
governança da PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
g) promover e estimular intercâmbios nacionais e ecossistemas/manejo/
internacionais entre povos indígenas para a troca abastecimento/
de experiências sobre gestão territorial e ambiental, dietas/consumo/
proteção da agrobiodiversidade e outros temas utilização biológica
pertinentes à PNGATI.
Fonte: elaborado pelos autores com base PNGATI (BRASIL, 2012).

A PNGATI foi promulgada em 2012, o que de uma


forma geral, influenciou os Guarani do Litoral na cons-
trução de um Plano que está em constante construção e
ao mesmo tempo em pleno processo de execução, sendo
implementado na prática por meio do protagonismo e
da autonomia dos Mbya. O Plano busca o fortalecimen-
to espiritual, proteção e controle territorial, conservação
e gestão da biodiversidade (PRINTES, 2019). Os Mbya
falam em “Planos de Vida Mbya kuery” ao invés de PGTA,
considerando que o plano envolve o fortalecimento da es-
piritualidade e da educação tradicional na opy, da constru-
ção e articulação em rede de alternativas sustentáveis para
manutenção do Mbya rekó e o cumprimento das regras de

229
Nhanderu. Para os Mbya o Plano de Vida Mbya kuery é pra-
ticado cotidianamente, no seu caminhar e entre as redes de
apoio intercultural que passaram a se consolidar ao longo
das últimas décadas. Para esta construção os Guarani rea-
lizaram quatro Nhemboaty, em 2016, que apontaram para
demandas expostas no quadro 2 (PRINTES, 2019). 

Quadro 2 - Síntese das demandas apresentadas dos Nhem-


boaty Mbya kuery no litoral nos kuaxiás (documentos).

Demandas  Direcionadas às
instituições 
1 Recursos para alimentação e logística Emater-ATER
permanente para realização periódica dos Prefeituras
Nhemboaty (a cada seis meses). municipais, SDR,
FUNAI
2 Alimentação dos Nhemboaty adquirida Cooperativas
preferencialmente de pequenos agricultores, de agricultores
quilombolas e pescadores artesanais do litoral, familiares colônia de
evidenciando a importância de acessarem e pescadores do litoral
estimularem o comércio de alimentos locais. 
3 Acesso às terras em áreas de planície e acesso FUNAI. Redes
as ka’aguy hete reguá (criações naturais de Pluralidades:
originárias) fora dos limites das aldeias para ANAMA, CEBB,
que possam manter os cultivos das sementes Coletivo Baçara
verdadeiras e acessos a plantas necessárias
alimentação e manutenção de práticas
medicinais e espirituais/rituais, conforme o
Mbya rekó.
4 Construção das casas de moradia, das casas PACIG
de artesanato, da escola, instalação de placas
solares, do posto de saúde e compra de terras.
5 Contratação de dois fiscais indígenas PACIG
por aldeia contemplada no PACIG para
monitoramento e intervenção nas obras
contempladas, mas ainda não executadas. 
6 Demanda da criação do cargo específico para Emater-ATER
indígenas na Emater, chamado de “agentes
indígenas” de Ater. 

230
7 Garantia de veículos à disposição das Emater-ATER,
comunidades para os deslocamentos entre FUNAI
aldeias, tendo em vista a importância cultural
dos intercâmbios de sementes e ramas,
mutirões e rituais para as atividades produtivas
Mbya Guarani. 
8 Preparo das áreas para plantio, a partir do Emater-ATER,
mês de julho (Ara pyau). As comunidades FUNAI, SESAI,
demandam a integração das instituições SEDUC, SDR,
que atuam nas aldeias para garantir o apoio EMATER,
logístico de transporte e alimentação para Prefeituras
mutirões. municipais, ONG’s, 
Universidades.
9 Condições para que os professores indígenas, SEDUC-11º CRE
em conjunto com a comunidade, elaborem o
Projeto Político Pedagógico (PPP) específico
para os Mbya no litoral.
10 As comunidades demandam melhorias das Prefeituras
estradas de acesso às aldeias e a iluminação nos municipais
acessos internos das aldeias.
11 Realização de encontros para troca de Emater-Ater
conhecimentos entre as mulheres: temas como: FUNAI,
puã (remédios naturais), cuidados na gestação Universidades,
e parto, preparo de alimentos tradicionais, ONGs – ANAMA e
plantação nas roças, saberes e fazeres do outras redes
artesanato.
12 Garantir o preparo das roças com a aquisição Prefeituras
de maquinário e equipamentos agrícolas para municipais
uso exclusivo das comunidades Mbya Guarani. Emater-ATER
Trator equipado com roçadeira, arado e grade
e garantia de manutenção dos equipamentos.
Fonte: Printes (2019).

Das demandas registradas nos kuaxiá, seis estão dire-


tamente relacionadas à manutenção dos sistemas alimenta-
res guarani (quadro 2). A alimentação guarani é baseada na
agricultura, nas trocas entre as aldeias, nas compras locais
pelos Guarani e nos alimentos fornecidos por políticas pú-
blicas. Printes e Coelho-de-Souza (no prelo), evidenciam
a estratégia de complementariedade entre as aldeias, em
231
função das diferentes características ecossistêmicas das ter-
ras indígenas, do manejo de diferentes elementos da agro-
biodiversidade, da circulação de alimentos e de cultura.
Essa complementariedade exige deslocamentos e meios de
transporte, já que a gestão territorial e ambiental se dá na
mobilidade (PRINTES, 2019).
Em relação ao elo do manejo, os Mbya Guarani têm
profundo conhecimento dos ecossistemas que manejam,
como as práticas da coivara, das roças, a coleta de elemen-
tos das florestas e campos, a caça, o manejo das águas e
a pesca. O abastecimento dos alimentos tradicionais das
tekoá é dependente dos deslocamentos guarani e da conti-
nuidade das políticas públicas. Os elos da dieta e do con-
sumo estão relacionados ao acesso dos Mbya Guarani aos
alimentos, muitos deles estando expostos à alimentos ul-
tra-processados tendo suas dietas tradicionais ameaçadas.
O elo da utilização biológica considera os alimentos tanto
na sua dimensão nutricional, como a partir do seu papel na
“nutrição espiritual” (figura 5).
Com base nas características desses elos, percebe-se
que os sistemas alimentares Guarani são baseados em prin-
cípios de autonomia e reciprocidade, representando fortes
elos de coesão do sistema cultural Mbya Guarani, em ín-
tima associação com os sistemas ecológicos. O sistema ali-
mentar Mbya Guarani está alicerçado na prática da agroe-
cologia e da soberania e segurança alimentar e nutricional.
Com base neles, a figura 5 busca analisar as relações entre
sistemas alimentares indígenas e as esferas da prática, ciên-
cia e movimento da Agroecologia e Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional.
A figura 5 evidencia que na esfera da ciência, os prin-
cipais campos científicos em diálogo com os sistemas ali-

232
mentares indígenas são: Etnoecologia, Saberes Tradicionais,
Botânica, Zoologia, Ecologia, Antropologia, Gastronomia,
Nutrição, Saúde Coletiva, Saúde Ambiental, Agroecologia,
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, desenvol-
vimento rural e pós-colonialismo. Assim como na esfera do
movimento se destacam os movimentos Direitos Humanos,
Movimento Indígena, Movimento Ameríndio, Movimento
Agroecológico, Patrimônio Alimentar, Diversidade, Conser-
vação da Biodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional, Alimentação Tradicional, Saúde Integral.
Ademais, tem-se qye a relação entre as esferas da
Agroecologia e SSAN e os elos dos sistemas alimentares
fornecem pistas para atuação das universidades em con-
textos interculturais por meio de ensino, pesquisa e exten-
são calcados nesses campos do conhecimento.

233
Figura 5 - Características dos sistemas alimentares indíge-
nas inseridos em modelos de desenvolvimento com foco na
agroecologia, soberania e segurança alimentar e nutricional.
DESENVOLVIMENTO
MODELOS DE

Agroecologia Soberania e Segurança


Alimentar e Nutricional

Utilização
Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo
biológica
ALIMENTARES
SISTEMAS

PRÁTICA
CIÊNCIA
MOVIMENTO
SISTEMAS ALIMENTARES

Provimento de Manejos sustentáveis Feiras, Redes Cultura alimentar Refeições da Insegurança


INDÍGENAS

Serviços da agrobiodiversidade descentralizadas Receitas de Plantas sociobiodivers Alimentar e


ecossistêmicos em mercados
Atores regionais,
diversificados Alimentícias Não idade Nutricional/
ecossistemas nativos institucionais, locais, Convencionais, Obesidade
Botânica/Ecologia/ Frutas nativas,
Etnoecologia/Agroeco Extrativismo Cadeias produtivas, Flores alimentícias Gastronomia
Nutrição
logia sustentável Articulação entre o nativas Nutrição
Saúde Coletiva
Saberes tradicionais Conservação pelo Uso Rural e o Urbano

Conservação dos Agroecologia Cidades sustentáveis


ecossistemas nativos

Agroecologia Soberania e Segurança


Alimentar e Nutricional

Utilização
Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo
biológica

PRÁTICA
CIÊNCIA
MOVIMENTO

Provimento de Manejo sustentável Aldeias se Cultura alimentar Comidas Alimentos


Serviços agricultura ameríndia abastecem, trocas tradicional tradicionais espirituais,
Provimento de
ecossistêmicos Manejos sustentáveis Atores asFeiras,
aldeias,Redes
entrediversificados Cultura
Receitas comalimentar Refeições da Insegurança
vitaminas, micro e
Serviços da agrobiodiversidade
Conhecimentos e Programadescentralizadas
sociais, Receitas de PlantasEtnogastrono
agrpbiodiversidade sociobiodivers
macronutrientesAlimentar e
PRÁTICA Saberes tradicionais
ecossistêmicos em
práticas, Etnoecologia mercados
feiras,
Atoresredes regionais,
diversificados Alimentícias Não mia idade Nutricional/
Etnoecologia Antropologia, nativos descentralizadas,
ecossistemas Convencionais,
institucionais, locais, Antropologia da Gastronomia Nutrição Obesidade
Botânica, Zoologia
Botânica/Ecologia/ Extrativismo Mercados Frutas nativas, Nutrição
alimentação Saúde Coletiva
CIÊNCIA Ecologia
Etnoecologia/Agroeco sustentável
Extrativismo Cadeias produtivas, Etnoecologia
institucionais Gastronomia
Flores alimentícias Direitos Segurança Nutrição
logia Sistemas
sustentável Articulação entre o Gastronomia nativas Nutrição Alimentar e
socioecológicospelo Uso Decolonialidade Humanos Saúde Coletiva
MOVIMENTO Saberes tradicionais
Direitos humanos Conservação Rural e o Urbano Saúde Coletiva
Movimento Nutricional
Sociobiodiversidade Soberania e
Diversidade Conservação pelo Uso Direitos Humanos, Alimentação Saúde integral
Conservação dos Agroecologia Segurança Alimentar
Cidades sustentáveis
Movimento Saúde ambiental e Nutricional Diversidade, Tradicional
ecossistemas
ameríndionativos Alimentação
Agroecologia Antropologia Soberania e Segurança
Conservação da Etnoecologia Alimentar e Nutricional Adequada e
biodiversidade Diversidade Desenvolvimento Movimentos de Saudável
Agroecologia Rural valorização da cultura Saúde integral
Movimento indígena indígena
Direitos Humanos
Soberania e
Segurança Alimentar
e Nutricional,
Agroecologia

Fonte: Elaborado por Coelho-de-Souza

234
Considerações finais

Os Mbya Guarani apresentam protagonismo na


busca por mecanismos para a proteção de seus sistemas
alimentares, onde visualizam a necessidade de fortaleci-
mento de seus processos comunitários, de intercâmbios
entre as aldeias, e de atuação em redes interculturais. Os
sistemas alimentares guaranis seguem a lógica das diretri-
zes da agroecologia e soberania e segurança alimentar e
nutricional. Entretanto, embora o acesso à novas terras,
desde a década de 2010, seja uma realidade recente, há
escassez de terra para que os Mbya Guarani possam viver
o Mbya rekó, tanto dentro de suas terras, quanto tendo
acesso a terras com recursos naturais de seu uso.
A partir da interlocução com a política territorial
os Guarani iniciaram os Nhemboaty que passaram a ter
apoio do movimento indígena e agroecológico. Nes-
se contexto, os Nhemboaty foram retomados no âmbito
de uma política de “desenvolvimento” territorial brasi-
leiro, construída desde baixo. Em que pese o desmonte
da política territorial, com a extinção do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), e também da política
indigenista no país, assim como o desmonte da legislação
ambiental federal e estadual, cujos reflexos afetam direta-
mente as possibilidades de manter o sistema Mbya rekó.
Estão ocorrendo movimentos de fortalecimento das redes
institucionais, como o movimento dos Nhemboaty.
Os processos territoriais em curso, protagonizados pelo
coletivo Mbya Guarani no litoral sul do Brasil, estão levando
à construção de um PGTA como um instrumento de diálogo
com as políticas públicas que fortalecem o Direito Humano à
Alimentação Adequada, a Conservação da (Socio)Biodiversi-

235
dade, a construção da Agroecologia e da Soberania e Seguran-
ça Alimentar e Nutricional. Essas diretrizes estão presentes no
modelo de desenvolvimento focado na Soberania Alimentar,
que considera as diretrizes dos sistemas alimentares sob enfo-
que da soberania e segurança alimentar e nutricional.
Por fim, a criação de estruturas11 de extensão nas uni-
versidades como braços auxiliares de políticas públicas, é
uma estratégia de amplo alcance nos processos de transfor-
mações comunitárias, a qual foi privilegiada pelo governo
progressista. Estas estruturas, alicerçadas nos campos cien-
tíficos da Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional, inter-atuam nas esferas da prática, ciência e
movimento, integrando uma estratégia que visa manter in-
terações de longo prazo, fortalecendo o caráter da extensão
das universidades e o empoderamento de processos comu-
nitários, visando sua transformação em direção a modelos
de desenvolvimento calcados na interculturalidade, sobera-
nia e sustentabilidade, contribuindo para os processos de
descolonização das universidades e da sociedade.

Agradecimentos

Ao GEPIT pelo convite para participação no I Se-


minário Internacional Transformações Comunitárias Par-
ticipativas, a qual provocou estas reflexões. Ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-
co pelo aporte financeiro ao PANexus (Processo CNPq
441526/2017-9).

11 Centros Colaboradores da Alimentação do Escolar (CECANE), os


Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEA), Núcleos de Extensão em
Desenvolvimento Territorial (NEDET) e os Centros de Referência em
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
236
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240
Movimentos sociais e desenvolvimento local:
reflexões sobre o impacto do Orçamento
Participativo no território

Tarson Núñez

Introdução

O presente artigo se propõe a uma reflexão que tem
como base a experiência dos movimentos de moradores
em um assentamento na zona norte de Porto Alegre, a Vila
Nossa Senhora Aparecida. O estudo deste caso tem como
objetivo analisar o impacto dos movimentos sociais sobre o
território da cidade, demonstrando que as ações dos movi-
mentos sociais são efetivamente capazes de incidir de forma
qualitativa e quantitativa a dinâmica da evolução urbana. Ao
mesmo tempo, esta experiência aponta também para a im-
portância dos espaços de participação cidadã na gestão das
cidades, uma vez que uma parte significativa das conquistas
da comunidade resulta da interação com mecanismos como
o Orçamento Participativo, assim como de políticas públicas
que foram acessadas a partir das demandas do movimento.
O debate sobre o papel dos chamados novos movi-
mentos sociais emerge nas ciências humanas no final dos
anos de 1970 como resultado de dois processos. No âmbito
da sociedade, ele surge como resultado da emergência de lu-
tas e movimentos que colocaram novos atores em cena nos
anos de 1960. No âmbito teórico este olhar sobre os novos
movimentos estimulou uma reflexão acerca da insuficiên-

241
cia das formulações existentes à época, incapazes de com-
preender o alcance deste novo fenômeno social. A Sociologia
Funcionalista ainda via os movimentos como resultantes das
disfunções associadas às transformações de sociedades tra-
dicionais em sociedades urbano industriais, disfunções que
se solucionariam automaticamente com o desenvolvimento
econômico. Já a Sociologia Crítica ainda estava muito presa
a esquemas teóricos deterministas e economicistas, que con-
cebiam as superestruturas políticas e ideológicas como um
mero reflexo das relações de produção.
Desafiando estas explicações tradicionais emergem as
formulações de Touraine (1976) e Castoriadis (1982) que
viam nos movimentos sociais atores centrais na transforma-
ção da sociedade. Neste mesmo período Manuel Castells
(1983) traz este debate sobre os movimentos sociais para
o âmbito das questões urbanas e do desenvolvimento das
cidades. Mais para o final do século Charles Tilly e seus co-
laboradores (TILLY, 2003; GIUGNI, McADAM e TILLY,
1999) aprofundam este debate mostrando a importância
dos movimentos sociais e suas lutas na construção da de-
mocracia. Por fim, já na virada do século, Boaventura dos
Santos (1999) aprofunda a análise dos movimentos sociais
nos marcos da busca de uma nova epistemologia voltada
para a emancipação.
No entanto a maioria das análises relativas aos mo-
vimentos sociais, ainda que tenham em comum a visão de
seu papel transformador da sociedade, tendem sempre a se
concentrar nas suas ações, suas lutas e demandas em termos
de reivindicações ao Estado. Os movimentos geralmente são
vistos em seu papel de interlocutores e ou desafiantes das
autoridades e do poder. Não existem muitos estudos que
buscam explorar as dimensões das ações dos movimentos

242
para além desta dinâmica do conflito em torno do poder
estatal. Mais recentemente Miguel Carter (2010) em seu es-
tudo sobre o Movimento dos Sem-Terra (MST) explorou o
impacto produtivo transformador no território que tem os
assentamentos da Reforma Agrária como redutores da desi-
gualdade social. Já Boaventura dos Santos (2005) analisou
iniciativas de economia solidária no mundo inteiro. Ambos
os autores buscaram focar, para além das dimensões demo-
cráticas reivindicatórias e mobilizadoras dos movimentos,
seus impactos concretos em termos de transformação social
no território. É neste horizonte que se situa o estudo de caso
sobre a Vila Nossa Senhora Aparecida.
Ao observar os impactos territoriais de mais de qua-
renta anos de lutas e reivindicações, mas também de proje-
tos e ações concretas dos movimentos organizados naque-
la localidade, pretendemos demonstrar que eles carregam
consigo uma potencialidade de construção de um ambien-
te urbano mais justo, sustentável e solidário. Este breve es-
tudo de caso da Vila Nossa Senhora Aparecida e de suas
conquistas têm como objetivo tirar da invisibilidade uma
experiência de grande significado. Neste sentido, a simples
descrição do processo já carrega em si um valor efetivo,
uma vez que as histórias vividas pelas populações nas peri-
ferias tendem a ser ignoradas quando se pensa na evolução
e crescimento das cidades. Mas este estudo também nos
permite uma reflexão um pouco mais profunda sobre as
dinâmicas de interação entre os movimentos sociais e os
governos locais. Neste sentido, é um caso que nos permite
testemunhar o exercício do Direito à Cidade a partir da
ação autônoma dos cidadãos organizados.
Neste contexto, a experiência da Vila Nossa Senhora
Aparecida possibilita também estabelecer reflexões acerca

243
da relação destes movimentos sociais com o Estado e a polí-
tica. Como veremos adiante, o processo de mobilização so-
cial neste território guarda uma relação muito íntima com
a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre.
A convergência entre um movimento de baixo para cima
dos moradores em torno de suas demandas e uma vontade
política do governo local de criar um arcabouço institu-
cional que permitisse aos cidadãos incidir de forma direta
sobre as suas decisões de investimento foi uma das marcas
mais fundamentais do processo.
Esta convergência possibilita uma reflexão acerca
das interfaces entre a democratização da esfera política e
a democratização de outras esferas da vida da comunida-
de, particularmente a economia e o território. Para isto,
utilizamos o conceito de Democracia Econômica, segundo
o qual “os princípios da soberania popular e os valores de
liberdade, solidariedade e igualdade devem ser aplicados ao
sistema econômico” (MENSER, 2018, p. 107). O concei-
to de democracia participativa, portanto, não precisa ficar
restrito ao campo da política, das relações entre os cidadãos
e o Estado, podendo ser incorporado a outras esferas da
vida social. E o caso em questão permite demonstrar esta
possibilidade, assim como os impactos deste processo no
território e na cidade.
O estudo de caso se orienta a partir da noção de
transformações comunitárias participativas, que temos
desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa Identidade
e Território, do Programa de Pós-Graduação em Planeja-
mento Urbano e Regional da UFRGS, como instrumento
para compreender o impacto das ações dos movimentos
sociais sobre as cidades. Esta abordagem busca superar a
visão convencional que deduz a evolução da cidade quase

244
que exclusivamente das dinâmicas do mercado, dos deba-
tes nas esferas político-institucionais e da ação de planeja-
mento e gestão por parte do Estado.
Para isto, o artigo busca descrever a trajetória dos
movimentos sociais na Vila Nossa Senhora Aparecida,
suas lutas, impasses e conquistas. Esta análise histórica nos
permite identificar impactos concretos das lutas sociais
desenvolvidas naqueles territórios, assim como analisar a
complexa interação entre as ações dos cidadãos e as polí-
ticas públicas desenvolvidas pelo Estado. O papel do Or-
çamento Participativo como um espaço de interlocução
com o governo local é detalhado e sua dinâmica e trans-
formações são identificadas. O trabalho de pesquisa com-
binou dimensões quantitativas e qualitativas. De um lado,
o levantamento de dados estatísticos e análise documental;
de outro, entrevistas em profundidade com membros do
movimento, além da observação participante de natureza
etnográfica e qualitativa.
A partir daí se busca aprofundar de forma mais analíti-
ca a trajetória dos movimentos relacionados com a experiên-
cia da Vila Nossa Senhora Aparecida. Sua dimensão ético-po-
lítica, os valores subjacentes que orientaram as ações coletivas,
as distintas esferas de intervenção do movimento em termos
da sua escala e de seu impacto, as relações com o Estado nas
esferas local, estadual e nacional, são objetos de uma reflexão
mais sistemática. Além disso, são analisados também o papel
das distintas redes, movimentos e esferas de atuação que estão
relacionados com a experiência. O objetivo é compreender as
relações entre o processo local estudado e as dinâmicas mais
gerais das lutas sociais na cidade.

245
A experiência dos movimentos comunitários da Vila
Nossa Senhora Aparecida

A Vila Nossa Senhora Aparecida se situa na região


norte de Porto Alegre, quase no limite do município com
os demais da região metropolitana. É uma das inúmeras
comunidades que compõem o Bairro Sarandi. O Sarandi
era uma área originalmente ocupada por atividades agríco-
las, basicamente de pecuária leiteira. No início do século
XX a área começa a ser povoada com maior intensidade,
surgindo, também, plantações de arroz às margens do rio
Gravataí. Nos anos de 1940 e 1950, com a expansão ur-
bana, o Governo Municipal passa a promover a ocupação
da área para moradia popular, com o surgimento da Vila
Meneghetti, seguida pela Vila Leão, em 1952. Ainda nos
anos de 1950, a Prefeitura Municipal e empresas particula-
res empreenderam planos de loteamento no bairro, sendo
instaladas as Vilas Parque, Elizabeth e Minuano. O Bair-
ro como um todo possui 91.366 habitantes, representando
6,48% da população do município.
Durante os anos de 1960, com a expansão de Porto
Alegre e dos demais municípios da região metropolitana, o
processo de urbanização do bairro se intensifica. Por outro
lado, as ações governamentais voltadas para habitação popu-
lar começam a ser reduzidas. No final dos anos de 1970, o
processo de criação de novos loteamentos por parte do poder
público se reduz ao mínimo, ao mesmo tempo em que a pres-
são da demanda por habitação continua crescendo. “Durante
o período de 1970 a 1974, os recursos para habitação popu-
lar não deixam de decrescer, alcançando nesse último ano o
menor financiamento da história do BNH, ou seja, apenas
7.831 casas” (AZEVEDO e ANDRADE, 2011, p. 90).

246
Este processo levou a um crescimento dos conflitos
urbanos, resultando em movimentos espontâneos de cida-
dãos, movidos por uma carência extrema de moradia, que
ocupavam áreas ociosas. Estas ocupações não resultavam
de movimentos sociais formalmente organizados para este
fim, se caracterizando mais como iniciativas espontâneas
movidas por necessidades extremas. Isso não significa que
não houvesse organizações envolvidas. Muitas vezes as as-
sociações comunitárias de moradores dos bairros davam
apoio às ocupações. Desta forma as ocupações se multi-
plicaram na periferia de Porto Alegre, se constituindo em
uma das principais formas de acesso ao direito à moradia
naquele período (PANIZZI, 1993).
A Vila Nossa Senhora Aparecida é resultado deste
contexto, de uma ocupação ocorrida em 1978 no bairro
Sarandi. A ocupação foi realizada em um terreno privado,
ocasionalmente utilizado para o plantio de arroz, uma vez
que se situava nos limites da área urbanizada do município.
Hoje se constitui em uma comunidade de mais de mil fa-
mílias, em um contingente de mais de 4 mil pessoas. Em
1985, o governo municipal, através do Departamento Mu-
nicipal de Habitação (DEMHAB), comprou a área de seus
proprietários e reconheceu a presença dos moradores, o
que permitiu aos ocupantes estabilizarem sua situação, ain-
da que sem a garantia de propriedade dos lotes ocupados.
Desde sua origem, portanto, a Vila Nossa Senhora Apareci-
da se constitui a partir de uma dinâmica de ação coletiva, o
que marca profundamente sua identidade como território.
A Tabela I apresenta um resumo dos indicadores sociais
da Vila Nossa Senhora Aparecida. Os dados mostram uma
comunidade com indicadores sociais e econômicos bem
abaixo da média do restante da cidade.

247
Tabela I - Indicadores sociais da Vila Nossa Senhora
Aparecida1.

Indicador Porto Vila Nossa Vila Re-


Alegre Sra canto do
Aparecida/ Chimar-
Ipê/Caiu do rão
Céu
IDH 0,805 0,724 0,619
Expectativa de vida (anos) 76,42 74,5 70,9
Mortalidade infantil (anos) 11,6 13,4 19,0
% população analfabeta 2,6 5,0 6,1
% população com ensino superior 25,9 3,8 0,7
Renda per capita (R$) 1.758,27 709,69 400,10
% moradores com renda até 2 sm 48,98 69,04 86,76
% pobres 3,82 2,91 11,4
% extremamente pobres 0,92 0,97 2,49
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil (2013)

Participação cidadã e desenvolvimento local

No final dos anos de 1980, mais precisamente em


1989, a eleição municipal é vencida pela Frente Popular, uma
coalizão de partidos de esquerda liderada pelo Partido dos Tra-
balhadores (PT), que implementa, a partir do ano de 1990, o

1 O Atlas do Desenvolvimento Humano é um projeto do IPEA, em


parceria com a Fundação João Pinheiro e o PNUD, que proporciona
uma base georeferenciada dos indicadores sociais das regiões metropo-
litanas. Em seu nível de desagregação mais baixo, divide os territórios
em Unidades de Desenvolvimento Humano, compostas por unidades
censitárias. Os territórios da Vila Nossa Senhora Aparecida estão con-
tidos em duas UDHs, com a Vila Recanto do Chimarrão em uma e as
Vilas Caiu do Céu, Vila Nossa Senhora Aparecida e Ipê/São Borja. Esta
última (Ipê/São Borja) não faz parte do território que estamos analisan-
do, as três outras fazem parte do que se denomina Vila Nossa Senhora
Aparecida. Os dados, portanto, no caso de uma das duas UDH, se
constituem em uma aproximação.
248
Orçamento Participativo (OP). O OP se constituiu em uma
oportunidade decisiva para a comunidade da Vila Nossa Se-
nhora Aparecida, foi um instrumento que possibilitou o aces-
so a investimentos significativos na infraestrutura urbana da
ocupação. Através do OP, os moradores daquela comunidade,
que até então tinha sua existência meramente tolerada pelo
poder público, conquistam acesso a recursos públicos de uma
maneira mais sistemática e mais, a um poder de decisão acerca
de em que projetos estes recursos deveriam ser investidos.
Uma análise dos Planos de Investimentos do OP en-
tre 1992 e 2016 nos permite constatar que, considerando
apenas as demandas de natureza local aprovadas pelas ple-
nárias regionais, foram aprovados investimentos da ordem
de R$ 10.308.038 na Vila Nossa Senhora Aparecida em
valores atualizados pela inflação. Destes, R$ 4.647.723,53
foram investidos em pavimentação, R$ 4.059.293,09 em
saneamento básico, R$ 1.424.653,46 em regularização fun-
diária, R$ 182.072,86 em programas sociais e educativos e
R$ 30.680,63 em projetos de iluminação e sinalização de
trânsito2. Estes investimentos deram conta em grande parte
dos problemas de infraestrutura urbana da comunidade. Até
o ano 2000, segundo os dados do Atlas do Desenvolvimento
Humano no Brasil3, 98% dos domicílios da Vila Nossa Se-
nhora Aparecida já dispunham de acesso à água encanada e
energia elétrica e 97% dispunham de coleta de lixo. A maior
parte das ruas da vila estava pavimentada e dispunha de ilu-
minação pública. Este contexto abriu espaço para a formula-
ção de demandas de natureza distinta para o OP.

2 Disponível em http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/default.php?p_
secao=1130
3 http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_udh/22280 e http://www.
atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_udh/22279
249
A solução, ainda que parcial, dos principais proble-
mas relacionados com a infraestrutura urbana, levou a co-
munidade a uma reflexão voltada para o redirecionamento
das demandas coletivas para outras pautas. Os moradores
da comunidade, uma vez atendidas demandas estruturais
mais urgentes, passaram a direcionar sua atenção para me-
tas mais ambiciosas, relacionadas com as perspectivas de
desenvolvimento local. As experiências coletivas de luta
por melhores condições de vida apontaram para demandas
relacionadas com a geração de trabalho e renda.
De outro lado, o próprio processo do OP vinha so-
frendo transformações decorrentes da experiência de seus
primeiros anos. Neste período inicial o processo de debate
dos investimentos municipais tinha uma base exclusiva-
mente territorial, materializada nas demandas que vinham
de plenárias em cada uma das 16 regiões da cidade. Esta
dinâmica local tinha como resultado uma dificuldade de
direcionar investimentos relacionados à cidade como um
todo, que se relacionassem com uma visão mais geral de
desenvolvimento. Por seu desenho institucional de base
territorial, o OP até então não disponibilizava um espaço
efetivo de debate de questões mais estruturais da cidade.
Esta constatação levou a uma discussão que resultou,
em 1994, em uma primeira reforma que alterou de forma
significativa o desenho institucional do OP. Foram criadas
novas instâncias do OP, as plenárias temáticas. Estas reuniões
eram também abertas para todos os cidadãos, mas debatiam
investimentos que não estavam relacionados com nenhuma
região em particular. Eram estruturadas em torno de temas:
a) Tributação e Desenvolvimento Econômico; b) Saúde e
Assistência Social; c) Educação, Cultura e Lazer; d) Organi-
zação da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambien-

250
te; e) Transporte e Circulação. Estas novas instâncias tinham
como objetivo ampliar e dar mais universalidade ao debate
dos investimentos públicos, reduzindo a dinâmica localista
que predominava nas demandas das comunidades.
Por outro lado, os ativistas que participavam do OP
na região também realizavam uma reflexão acerca das suas
estratégias de acesso aos recursos públicos. Uma vez que os
investimentos conquistados em termos de infraestrutura ur-
bana e serviços já tinham solucionado os problemas mais
urgentes, o foco da comunidade se direcionou para a busca
de recursos para projetos de geração de trabalho e renda. A
comunidade, em parceria com a Igreja Católica, já vinha de-
senvolvendo atividades voltadas para a capacitação profissio-
nal e geração de trabalho e renda. Estas ações ganharam força
ao acessar uma nova fonte de financiamento a partir do OP.
A criação das plenárias temáticas do OP, somada às
novas demandas das comunidades, levou a um movimento
paralelo de constituição de novos programas de políticas
públicas para dar conta das reivindicações surgidas nestes
espaços de discussão. Já no Plano de Investimentos para
1995, discutido em 1994, foi incorporado um programa
voltado para “fomentar, junto à população de baixa renda,
as possibilidades de emprego”4, para o qual foram alocados,
em valores atualizados, R$ 1.831.260,13. Já no Plano de
Investimentos de 1996, discutido em 1995, foram agrega-
dos mais R$ 431.332,28 para a “construção de 10 galpões
para ações coletivas”5.

4 Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Plano de Investimentos do


OP 1995, p.11. Disponível em http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/
default.php?p_secao=1130
5 Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Plano de Investimentos do OP
1996, p.12.
251
A cooperativa Univens

Dentro deste contexto, foi constituída, na Vila Nos-
sa Senhora Aparecida, a cooperativa de costureiras “Unidas
Venceremos” (Univens). Esta busca de construção de me-
canismos de geração de trabalho e renda teve como ponto
de partida os conhecimentos e habilidades disponíveis na
comunidade. O conhecimento das técnicas de corte e cos-
tura por parte das mulheres foi visto desde o princípio como
uma possibilidade de dar corpo a estas iniciativas. Inicial-
mente, a busca por geração de trabalho pelas costureiras foi
movida pela possibilidade de prestar serviços ao Hospital
Conceição, o maior da cidade, que se localiza na zona norte
de Porto Alegre e que administra um posto de saúde loca-
lizado na Vila. A partir da relação com o Posto de Saúde,
formou-se o grupo de costureiras que daria origem à coope-
rativa. Foi do contato com esta instituição, e da necessidade
de haver uma personalidade jurídica para viabilizar a con-
tratação das costureiras, que surgiu a ideia da cooperativa.
Após algumas reuniões e tomando como base o esta-
tuto de uma cooperativa habitacional é que se constituiu o
grupo de 35 mulheres que fundou a Cooperativa em maio
de 1996. Num primeiro momento, a cooperativa funcio-
nou no Salão da Capela da paróquia local. Em 1999, atra-
vés do Orçamento Participativo, a cooperativa teve acesso
a um espaço físico, o que permitiu ampliar suas atividades.
Este espaço era a Incubadora Popular da Zona Norte, parte
de um programa que proporcionava um espaço físico para
empreendimentos dividido em módulos com infraestrutu-
ra compartilhada, onde eram também oferecidos cursos de
formação gerencial e capacitação técnico-profissional, tan-
to para o público que desenvolvia atividades na incubadora

252
quanto para o público externo da região. Este espaço estava
localizado na própria Vila Nossa Senhora Aparecida, o que
fortaleceu a relação da cooperativa com o território.
A Univens se constitui com um profundo compro-
misso com os valores do cooperativismo, da democracia e
da solidariedade. Todas as decisões são tomadas de forma
coletiva em assembleias mensais com a participação de to-
das as associadas. Cada novo trabalho a ser iniciado é discu-
tido por todas e a distribuição das tarefas e da remuneração
é realizada coletivamente. A presidência da Cooperativa é
rotativa, mudando anualmente para evitar a perpetuação
das lideranças. E para além dessa dinâmica de democra-
cia interna, a Cooperativa tem também fortes laços com
a comunidade local, engajando-se em movimentos e lu-
tas reivindicativas para além da sua atividade cotidiana. A
Cooperativa até mesmo reserva parte dos seus ganhos para
a constituição de um fundo solidário, utilizado para apoiar
grupos mais carentes ou projetos na comunidade. Hoje,
a Univens tem 26 associadas e uma sede própria onde se
desenvolvem atividades de corte e costura, serigrafia e ati-
vidades de capacitação profissional.
Desde o seu início, a cooperativa esteve envolvida com
o movimento mais amplo que se organizava em torno do
conceito de Economia Solidária. Este movimento, de caráter
nacional, tinha fortes relações com a igreja católica e com
o movimento sindical dos trabalhadores urbanos. Com o
apoio destas instituições, os empreendimentos de economia
solidária desenvolveram uma ação em rede, trabalhando co-
letivamente em defesa de políticas públicas para o setor, or-
ganizando feiras de comercialização, atividades de capacita-
ção e eventos públicos de divulgação e defesa dos princípios
do cooperativismo e da economia solidária.

253
A Univens, desde o início, teve uma participação ati-
va neste movimento. Participou da constituição do Fórum
Municipal de Economia Solidária, assim como de sua ex-
pansão em nível estadual, além de participar da constitui-
ção do Fórum Nacional da Economia Solidária. Sua ação,
portanto, não se esgota na dinâmica local enquanto grupo
isolado de trabalhadoras da Vila Nossa Senhora Aparecida.
Sua identidade se constitui como parte de um movimento
mais amplo, de caráter nacional, de construção de um novo
modelo econômico.
A constituição de um movimento organizado por
parte das cooperativas abriu espaço para o debate com as
instituições governamentais acerca da constituição de políti-
cas públicas para o setor. Até o final dos anos de 1990, esta
interlocução se dava com o Governo Municipal. Em 1999,
após a vitória de Olívio Dutra (PT) nas eleições estaduais, a
Secretaria do Trabalho do Governo Estadual estruturou um
setor voltado para o apoio à economia solidária. Em 2003,
após a vitória de Lula nas eleições presidenciais, o Ministério
do Trabalho cria a Secretaria Nacional de Economia Soli-
dária (SENAES), que passa a desenvolver políticas públicas
focalizadas no apoio ao cooperativismo. A Univens, desde
seu início, atuou neste debate sobre as políticas públicas para
a economia solidária, buscando o atendimento de suas de-
mandas, mas também defendendo políticas de fomento para
o movimento de economia solidária como um todo.
No entanto, ainda que a interlocução da cooperativa
tenha sido inicialmente com estes governos liderados por
partidos de esquerda, a Univens e o movimento da econo-
mia solidária sempre dialogou e interagiu com governos
de todos os matizes políticos. O debate e a demanda por
políticas públicas de apoio e fomento à economia solidária

254
foram permanentes, com maior ou menor intensidade, du-
rante todos os governos desde o final dos anos de 1990 e a
Univens, como parte do movimento mais amplo, fez parte
deste processo.
No entanto, a viabilização da cooperativa não depen-
deu exclusivamente da iniciativa da comunidade local e dos
poderes públicos. A articulação da comunidade com outros
movimentos da sociedade civil também foi decisiva. No final
dos anos de 1990, o movimento de luta contra a pobreza e a
fome era muito ativo no Brasil, protagonizado por institui-
ções da sociedade civil. Neste contexto, se formou o COEP
(Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela
Vida – http://coepbrasil.org.br), iniciativa impulsionada
pela Igreja Católica, com o apoio de universidades, empre-
sas, órgãos governamentais, entidades de classe e organiza-
ções não governamentais, que se intitula uma “Rede Nacio-
nal de Mobilização Social”. O COEP foi quem financiou
a compra dos equipamentos que ampliaram a capacidade
produtiva da cooperativa.
Outro importante ponto de apoio da cooperativa
foram os seus vínculos com o movimento sindical. O
Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e a Central
Única dos Trabalhadores foram parceiros relevantes em
termos de apoio político e material às iniciativas da co-
munidade. A composição social da comunidade, na qual
vivem muitos operários metalúrgicos, e os vínculos pes-
soais e de militância das lideranças locais com o movi-
mento sindical, foram decisivos para o apoio dos sindica-
listas à cooperativa. No vídeo comemorativo dos 15 anos
da Cooperativa, o presidente estadual da CUT destaca o
apoio da central à Univens e um dirigente do Sindicato
dos Metalúrgicos destaca que “a forma solidária dos tra-

255
balhadores e das trabalhadoras para poder gerar trabalho
é muito importante... as pessoas se organizam elas podem
construir caminhos que evitam a exploração”6.
Este apoio do movimento sindical vai além da re-
tórica política. Em 1999, a Central Sindical constituiu
um espaço político de suporte aos empreendimentos
cooperativos, a Agência de Desenvolvimento Solidário
(ADS)7. A ADS tem como objetivo “promover a consti-
tuição, fortalecimento e articulação de empreendimen-
tos solidários e autogestionários, buscando a geração de
trabalho e renda através da organização econômica, so-
cial e política dos trabalhadores inseridos em um proces-
so de desenvolvimento sustentável e solidário”.
A cooperativa UNIVENS, portanto, ainda que seja
uma iniciativa de caráter eminentemente local e profun-
damente ligada à Vila Nossa Senhora Aparecida, sempre
operou num âmbito mais amplo, demandando, discutindo
e se relacionando com outros movimentos e com políti-
cas públicas de âmbito municipal, estadual e nacional. Seu
sucesso como empreendimento no território não pode ser
dissociado de sua atuação em uma escala mais ampla, o que
viabilizou a alocação de recursos, a captação de clientes, a
articulação de iniciativas de fortalecimento da cooperativa
e do movimento de economia solidária em geral.
Esta ação em uma escala mais ampla não se resumiu
ao diálogo com o poder público. Os próprios movimentos
sociais se tornaram parceiros importantes. Na edição de
2005 do Fórum Social Mundial, realizada em Porto Alegre,
a cooperativa teve um papel destacado. De um lado na arti-
6 Jurandir Damin, dirigente do Sindicato em https://www.youtube.
com/watch?v=EzHNZAEtgtg
7 https://www.desenvolvimentosolidario.org.br
256
culação e promoção de eventos e debates sobre a economia
solidária, mas também como prestadora de serviços. Todas
as 60 mil bolsas utilizadas pelos inscritos no Fórum eram
de pano e foram produzidas por uma rede de cooperativas
de costureiras coordenadas pela UNIVENS.
O envolvimento da Univens com o movimento
mais geral da economia solidária levou a cooperativa a
contribuir na construção da UNISOL, uma central que
reúne cooperativas, associações produtivas e empreendi-
mentos solidários. A UNISOL surge em São Paulo no
ano de 2000, mas em 2004 passa a ter uma abrangên-
cia nacional. Hoje, a instituição conta com cerca de mil
empreendimentos filiados em todo o país, atuando nas
áreas da agricultura familiar, confecção e têxtil, artesana-
to, construção civil, reciclagem, metalurgia e polímeros,
fruticultura, apicultura, alimentação e turismo8.
Em 2003, a cooperativa consegue comprar um ter-
reno e construir uma sede própria. Os recursos para isto
refletem com precisão o perfil empreendedor e a rede de
apoios da Univens. Uma parte dos recursos era da própria
cooperativa, economizada pelo fato de o uso do espaço da
Incubadora Municipal demandar apenas uma cobrança
simbólica. Isto permitiu que, com um pequeno aumento
de 2% para 5% das contribuições das associadas, a coope-
rativa pudesse ter recursos para investimento. Mas houve
também aportes de fundos de ONGs locais (CAMP, Cen-
tro de Assessoria Multiprofissional e AVESOL, Associa-
ção do Voluntariado e da Solidariedade ligada à Igreja Ca-
tólica), o que permitiu a compra do terreno. E as redes de
apoio não se limitavam aos parceiros locais, adquirindo
uma dimensão nacional e internacional: os recursos para
8 www.unisolbrasil.org.br
257
a construção foram conseguidos com o apoio da UNI-
SOL e de uma ONG da Espanha.

A Rede Justa Trama



Esta atuação em âmbitos mais amplos levou a Coo-
perativa a ser protagonista de uma iniciativa que ampliou
em sua escala de atuação, a Rede Justa Trama9. No âmbito
da UNISOL, a cooperativa entrou em contato com ini-
ciativas cooperativas de outras partes do Brasil, identifi-
cando parceiros que pudessem gerar uma sinergia com as
atividades realizadas pela Univens na Vila Nossa Senhora
Aparecida. O resultado foi a constituição de uma rede
de empreendimentos cooperativos e autogestionários de
âmbito nacional, que produz e comercializa roupas pro-
duzidas com fibras de algodão orgânico.
A Justa Trama é a maior cadeia produtiva no seg-
mento de confecção da economia solidária, articulando
600 cooperados/associados, em cinco Estados: Rio Gran-
de do Sul, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Ceará e
Rondônia. Este processo inicia no plantio do algodão
agroecológico por cooperativas de agricultores familiares
no Ceará e em Mato Grosso do Sul. Em seguida, passa
por uma fábrica cooperativada, uma tecelagem em Mi-
nas Gerais que transforma o algodão em fibra e em teci-
do, além de empreendimentos de coleta e artesanato em
Rondônia e Rio Grande do Sul que produzem matéria
prima para acessórios. Esta matéria prima é repassada
para a Univens, que se encarrega da produção das rou-
pas. Na sua apresentação institucional, a rede formula
de maneira bem explícita a sua missão e os valores que a
9 https://www.justatrama.com.br
258
orientam. Seu papel é “articular e integrar os empreen-
dimentos da cadeia produtiva da fibra ecológica através
do plantio, transformação, produção e comercialização,
promovendo a economia solidária, a sustentabilidade, a
agroecologia, o comércio justo, o consumo consciente, a
preservação do meio ambiente e a distribuição justa de
renda para seus associados e a sociedade em geral10”.
Uma vez consolidada a cooperativa de trabalho e
suas conexões locais e nacionais, o processo de mobili-
zação da comunidade se voltou para uma nova direção.
Tendo em conta a experiência das trabalhadoras coopera-
das, que encontravam dificuldade de conciliar as jornadas
de trabalho e o cuidado dos filhos, a comunidade decide
mais uma vez recorrer ao Orçamento Participativo. No
ano de 2002, foi aprovada a demanda de uma creche na
Vila Nossa Senhora Aparecida. A Escolinha Nova Gera-
ção segue os mesmos valores e o mesmo modelo orga-
nizativo da Univens. É uma cooperativa autogestionária
com uma equipe de nove educadores que são também os
gestores da escola. A Nova Geração atende crianças de 0
a 5 anos de idade, sendo aberta para toda a comunidade.

O Banco Justa Troca



Como resultado do longo envolvimento da Uni-
vens com o movimento de economia solidária, e a partir
do contato com experiências nacionais e internacionais, o
debate evoluiu no sentido da necessidade de aprofundar
as ações voltadas para o desenvolvimento econômico local.
A rica experiência brasileira em termos de instituições de
microfinanças, que se iniciou com a criação do Banco Pal-
10 https://www.justatrama.com.br/sobre-nos
259
mas, em Fortaleza, Ceará, em 1998, foi a base de uma nova
proposta desenvolvida na Vila Nossa Senhora Aparecida; a
criação de um banco comunitário. O Banco Comunitário
Justa Troca é uma instituição de microcrédito, voltada para
viabilizar empreendimentos locais através de empréstimos
a baixo custo.
O banco trabalha também com uma moeda social, o
“Justo”, que pode ser trocado por reais e que pode ser utiliza-
do no comércio local, como uma forma de estimular o con-
sumo de produtos e serviços dentro da comunidade. Uma
rede de mais de 20 negócios locais já aceita a moeda social,
alguns dos quais dão descontos nos preços aos consumidores
quando do seu uso. O Banco realiza empréstimos em três
linhas de produtos: a) Microcrédito Produtivo (em Justos
ou em Reais) para financiar empreendimentos econômicos;
b) Microcrédito para Pequenas Reformas (em Justos e em
Reais) para pequenas reformas e reparos domésticos; e c) Mi-
crocrédito de Consumo somente em moeda social.
Segundo Nelsa Nespolo, “o Banco Justa Troca surgiu
justamente para a gente buscar uma forma de integrar as
iniciativas do ponto de vista de desenvolvimento dentro
da nossa própria comunidade. Percebemos que além de to-
das as iniciativas que temos, necessitávamos de algo que
nos unificasse, que nos trouxesse juntos para olhar o de-
senvolvimento da Vila”11. O Banco Justa Troca é adminis-
trado pela Associação Comunitária Nossa Vila Aparecida
(ACONVI), com participação ativa das cooperativas Justa
Trama, Univens e Nova Geração. Conta também com apoio
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul por meio
do Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa.

11 http://conexaoplaneta.com.br/blog/justa-troca-o-mais-novo-ban-
co-comunitario-brasileiro/
260
A cooperação internacional, resultante do envolvi-
mento da Univens e dos ativistas locais com os movimentos
relacionados ao Fórum Social Mundial, também teve um
papel importante. O Banco conta com o apoio da Nexus –
agência de solidariedade da Emilia-Romagna apoiada pelo
movimento sindical italiano12, do Centro de Estudos Rurais
e de Agricultura Internacional, de Barcelona (CERAI)13 e
da Associação de Cooperação Internacional Norte-Sul (CO-
NOSUD)14, também da Espanha.
Outra parceria fundamental para a constituição do
Banco foi o Núcleo de Gestão Alternativa (NEGA), da
Escola de Administração da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. O Núcleo, que reúne estudantes e profes-
sores da universidade, cumpre um papel fundamental em
termos de assessoria técnica, realizando estudos sobre a
dinâmica econômica da comunidade, atividades de capa-
citação e dando apoio técnico para a constituição e opera-
ção do Banco Justa Troca. Esta consultoria de quadros da
universidade foi um elemento importante no sentido de
dar consistência técnica às ações que permitiram o surgi-
mento do banco comunitário.
No dia 6 de julho de 2016 foi realizada a inauguração
do Banco Justa Troca, com a presença da comunidade, de
comerciantes locais e da Creche Nova Geração. Participa-
ram também representantes do poder público municipal, o
Posto de Saúde local, o gestor do Centro Administrativo da
Zona Norte, da Incubadora de Mulheres e o Secretário Ad-
junto da Secretaria Municipal do Trabalho de Porto Alegre.

12 www.nexusemiliaromagna
13 http://www.cerai.org
14 http://www.conosud.org
261
Também estiveram presentes representantes da Universi-
dade (NEGA), da Caixa Econômica Federal, do SINE e
do Coletivo Catarse, articulação da sociedade civil voltada
para a captação de recursos via crowdfunding on-line. Estas
presenças dão conta da diversidade da rede de apoiadores
articulada pela comunidade em seus projetos.
O Banco Justa Troca faz parte de uma rede nacional
de bancos comunitários cujos próximos passos são direcio-
nados para ampliar a atuação destas instituições em servi-
ços bancários realizados pelos bancos convencionais, como
o pagamento de contas e serviços mobile, através de apli-
cativos para telefone celular. A ideia do banco é contribuir
para o desenvolvimento local através do fortalecimento do
comércio na Vila Nossa Senhora Aparecida, ampliando o
acesso ao crédito e direcionando os gastos dos moradores
para os empreendimentos locais. No futuro, o projeto é a
de constituição de uma rede de bancos sociais criando con-
dições para operar em condições semelhantes ao sistema
financeiro convencional.
Para além das atividades de microcrédito, o Banco
Justa Troca realiza cursos e atividades de capacitação para
os empreendedores locais, organiza uma Feira Comunitária
mensal que vende produtos orgânicos da agricultura fami-
liar, além de produtos de empreendedores locais, feiras de
trocas de produtos e serviços, além de trabalhar para um
mapeamento do consumo e da produção local levantando
informações que permitam planejar ações para o desenvol-
vimento local. Sua atuação com a moeda social contribui
para a manutenção e circulação de riqueza na comunidade,
fortalecendo o tecido econômico local.
Este breve resumo buscou dar conta de quase 40 anos
de construção democrática voltada para o desenvolvimento

262
da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida. Ele mos-
tra a constituição de uma constelação de iniciativas articula-
das entre si atuando em diversas escalas, âmbitos de atuação
e espaços político-institucionais. A cooperativa, a Escola, a
Associação Comunitária e o Banco constituem um comple-
xo de espaços interdependentes que atuam conjuntamente
em um movimento voltado para a transformação do territó-
rio, mas também da cidade, do país e da sociedade de modo
geral. A experiência dos movimentos da Vila Nossa Senhora
Aparecida se constitui em um caso paradigmático do poten-
cial transformador dos movimentos sociais.
Seus impactos em termos de qualificação da infraes-
trutura urbana, melhoria das condições de vida dos morado-
res, geração e fortalecimento de empreendimentos de econo-
mia solidária, criação de postos de trabalho são indiscutíveis
e exemplares. As lutas e conquistas da comunidade da Vila
Nossa Senhora Aparecida são uma demonstração da capaci-
dade transformadora de um movimento organizado e por-
tador de um projeto solidário, democrático e participativo.

Analisando as diferentes facetas da experiência

Tendo descrito em linhas gerais a trajetória do mo-


vimento da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida
e seus resultados, é possível identificar algumas das carac-
terísticas que tornam esta experiência tão exemplar e bem-
-sucedida. Compreender estas características é importante
no sentido de possibilitar uma replicação de experiências
deste tipo em outros contextos. A Justa Trama, o Banco
Comunitário Justa Troca, a Univens e a Escolinha Nova
Geração se constituem em um conjunto de iniciativas que
demonstram a capacidade dos movimentos sociais gerarem

263
um efetivo impacto em termos de desenvolvimento local.
Sua experiência demonstra a potencialidade dos movimen-
tos no sentido de ir além de uma dinâmica de reivindicar
do Estado investimentos e políticas públicas e avançar no
sentido de implementar ações concretas que transformam
a realidade local. Sua trajetória sinaliza a capacidade de
construção de um padrão de relações sociais e econômicas
distintas do modelo hegemônico, baseadas na democracia,
na participação, na solidariedade e na cooperação.

Múltiplas dimensões

Um primeiro elemento importante a ser destacado


neste breve estudo de caso é o das distintas dimensões
da ação do movimento social protagonizado pelos cida-
dãos da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida.
Sua ação tem uma dimensão territorial, relacionada com
a melhoria das condições de vida daquela comunidade
local. Seu ponto de partida foi a busca de melhorias físicas
na Vila, através da pressão sobre o poder público munici-
pal, processo que permitiu atrair investimentos públicos e
uma qualificação dos serviços.
Mas, ao mesmo tempo, este processo tem também
uma dimensão socioeconômica, relacionada com os esfor-
ços por geração de trabalho e de renda para os habitantes,
focada em um conceito de economia solidária. E mais
ainda, o movimento se caracteriza por uma ação sistemá-
tica de constituição de um projeto de desenvolvimento
local para a comunidade em um modelo baseado na coo-
peração e na solidariedade voltadas para a justiça social.
Além disso, o movimento tem também uma forte
relação com a temática ambiental. O projeto de desenvol-

264
vimento local tem como eixo central uma iniciativa produ-
tiva cujo fundamento é a produção e o consumo susten-
tável. Esta dimensão ecológica do movimento, manifesta
não apenas no projeto da rede “Justa Trama”, mas em um
debate constante dos temas da sustentabilidade, se mate-
rializa também nas feiras mensais de produtos orgânicos,
articulada a partir dos contatos do movimento local com os
produtores agroecológicos da região metropolitana.
Por fim deve ser destacada também a dimensão de
gênero. As principais lideranças do movimento são mu-
lheres, contingente que compõe a totalidade das associa-
das à cooperativa. Uma das suas principais iniciativas foi
a criação de uma creche, tema diretamente vinculado à
condição feminina. O conhecimento feminino da costu-
ra, a problemática do cuidado da família, as dificuldades
das mulheres no mercado de trabalho são elementos que
condicionam o perfil das ações do movimento, mas que
também proporcionam um olhar solidário, inclusivo e
cuidadoso que caracteriza as ações do movimento.

Múltiplas escalas: local, municipal, estadual,


nacional e internacional

Estas diferentes dimensões da atuação do movimento


da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida, do pon-
to de vista conceitual, correspondem também a múltiplas
escalas espaciais. Um movimento de forte base local, que
surge e se fortalece através de ações voltadas para as melho-
rias da condição de vida na sua localidade. Mas também,
ao mesmo tempo, uma ação de escala regional (no bair-
ro) e municipal, quando os ativistas da Vila, no âmbito do
Orçamento Participativo, se articulam com as comunida-

265
des de outras vilas no Fórum da Região Norte do OP para
uma atuação conjunta e solidária. Esta postura permitiu
que diferentes comunidades estabelecessem acordos entre
si para unificar as demandas nas assembleias regionais do
OP, todos votando em conjunto em demandas acordadas
previamente, permitindo a potencialização de seus votos.
Mas o movimento, sem perder sua dimensão local,
se articula também com as esferas estadual e nacional. Ao
se engajar na construção do movimento da economia soli-
dária, a ação local se relaciona com todo um conjunto de
dinâmicas políticas que vão muito além do bairro Sarandi e
da cidade de Porto Alegre. O debate ganha uma dimensão
para além das demandas imediatas de infraestrutura urbana
e se direciona para as políticas públicas de desenvolvimen-
to. Este movimento mais amplo resulta no fortalecimento
do movimento da economia solidária, cuja atuação resulta
na conquista de políticas públicas nas esferas estadual e na-
cional. A escala, portanto, se desloca de uma lógica localista
para uma lógica mais universal de debate das políticas pú-
blicas municipais, estaduais e nacionais.
Para além das escalas local e nacional, as iniciativas da
comunidade na Vila Nossa Senhora Aparecida não podem
ser compreendidas sem que se considere também a dimen-
são internacional. Desde o primeiro Fórum Social Mundial,
a Univens estabeleceu um conjunto consistente de articu-
lações internacionais. O próprio movimento de economia
solidária forma uma rede que vai além das dimensões nacio-
nais. O apoio material de ONGs espanholas e italianas foi,
como vimos antes, decisivo na consolidação da cooperativa.
A experiência mostra, portanto, que o sucesso das iniciati-
vas na Vila Nossa Senhora Aparecida, ainda que esta seja
uma experiência eminentemente local, com fortes raízes na

266
comunidade, não pode ser compreendido sem o reconheci-
mento dessas múltiplas escalas.

Relações com o Estado e as políticas públicas

Um terceiro elemento importante para compreen-


der a experiência da Vila Nossa Senhora Aparecida é o da
interlocução com o Estado e as políticas públicas. Neste
caso, a experiência do Orçamento Participativo foi decisiva
na medida em que permitiu redimensionar as demandas e
alterar a dinâmica da relação da comunidade com o poder
público municipal. Desde um ponto de vista imediato, o
OP marca o acesso a investimentos públicos por parte de
uma comunidade pobre e periférica. Isto por si só já repre-
senta uma grande conquista, em um país caracterizado pela
exclusão social e política. Mas a participação no OP não se
esgota apenas na conquista de investimentos e serviços. Ela
permitiu à comunidade o acesso a um debate mais amplo
sobre as políticas públicas.
De um lado o OP permitiu romper com uma relação
cidadão/Estado baseada apenas em demandas e reivindi-
cações. A constituição de um canal institucionalizado de
debate e deliberação acerca das ações do governo muni-
cipal na comunidade abriu espaço para um debate mais
sistemático acerca das políticas públicas municipais. Os
mecanismos de participação geraram espaços de discussão
que iam muito além de qual rua deveria ser pavimentada,
ou onde uma escola deve ser construída. A constituição
de um espaço compartilhado de deliberação abre caminho
para uma discussão mais ampla acerca do conteúdo e da
qualidade das políticas públicas. O que a prefeitura pode
fazer para gerar postos de trabalho? Como desenvolver o

267
bairro? O que podemos fazer coletivamente para levar a
uma melhoria das condições de vida da comunidade? Uma
esfera pública de debate sobre a vida comum traz para a
discussão um conjunto de pessoas que a princípio sempre
esteve excluída de poder decisório.
Para além da constituição de um novo espaço po-
lítico, o OP produziu também novas capacidades, a ex-
periência de participação é, em si, um aprendizado. O
OP permitiu “o surgimento de muitas lideranças, porque
quem ia lá na frente defender era qualquer morador. Às
vezes não sabia... nunca tinha ido na frente de dez pessoas
para falar. Agora estava na frente de cem pessoas, achan-
do argumentos para defender porque que a rua que ele
morava era mais importante que a outra rua e merecia
ser priorizada. Olha só que processo de formação que a
gente teve”15. Esta afirmação remete à reflexão de Carole
Pateman em um dos estudos clássicos sobre a democracia
participativa, onde ela mostra que a participação é, em
si, um aprendizado, que permite o desenvolvimento de
habilidades e capacitações, a constituição de redes de rela-
cionamento, a ampliação do conhecimento dos mecanis-
mos de funcionamento do poder público, mas também
da sociedade como um todo (PATEMAN, 1982).
A relação do movimento comunitário da Vila Nossa
Senhora Aparecida é um exemplo da interação entre dinâ-
micas de baixo para cima, das ações diretas da comunidade
(ocupação da área, demandas por investimento e serviços,
criação de novas formas organizativas) com uma vontade po-
lítica por parte do Governo Municipal de criar mecanismos
que canalizassem esta participação em um sentido positivo.
O OP e o conjunto de políticas públicas acessados e operados
15 Entrevista com Nelsa Nespolo, 5 de setembro de 2019.
268
pelo movimento social expressaram uma disposição daquela
fração da estrutura estatal, naquele momento, de se relacionar
de uma maneira proativa com as demandas das comunidades.

Estabelecimento de redes e articulações


com a sociedade civil

O processo da Vila Nossa Senhora Aparecida não


pode ser compreendido de forma completa se não conside-
ramos sua inserção em um contexto muito mais amplo que
envolve sua relação com outros movimentos sociais. Do mo-
vimento comunitário ao movimento da economia solidária,
do movimento sindical ao movimento altermundialista do
Fórum Social Mundial. Dos movimentos de mulheres aos
movimentos de consumo consciente e da sustentabilidade.
O conjunto de iniciativas construídas por aquela comunida-
de não pode ser compreendido sem que se observe toda uma
constelação de movimentos diversos e plurais que fazem par-
te do horizonte dos ativistas locais. A riqueza da experiência
da Vila Nossa Senhora Aparecida só pode ser captada na me-
dida em que se observe que os ativistas locais nunca se viram
apenas como uma comunidade isolada que demandava o
atendimento de suas reivindicações particulares.
E este olhar universalista é que permitiu a constitui-
ção de toda uma rede de interlocução e apoio que ampliou
as possibilidades de sucesso dos seus projetos. Esta capaci-
dade da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida de
se articular com parceiros de distintas trajetórias e âmbitos
de intervenção é que produziu a riqueza de sua experiência.
Em primeiro lugar, porque o olhar dos ativistas nunca foi
paroquial, limitado às reivindicações de melhorias locais.
Seu sucesso reside justamente na capacidade de compreen-

269
der a realidade local nos marcos de uma visão sistêmica,
que buscava compreender os mecanismos mais gerais de
reprodução da sociedade.
O primeiro elemento é o seu engajamento junto aos
movimentos sociais. O movimento sindical, o movimento
das associações de moradores, as ONGs vinculadas aos mo-
vimentos populares foram interlocutores importantes que
proporcionaram aos ativistas da Vila Nossa Senhora Apa-
recida um olhar que transcendia suas reivindicações locais
e imediatas. E as iniciativas desenvolvidas ali não sofriam
apenas a influência dos debates mais gerais dos demais mo-
vimentos, mas também interferiam sobre estes movimen-
tos. As redes de apoio e solidariedade constituídas neste
processo foram decisivas para as conquistas obtidas.
A relação com a Igreja Católica, particularmente com
seus setores mais progressistas, vinculados à Teologia da Li-
bertação, também é uma parte importante do perfil do mo-
vimento. O salão paroquial da capela na comunidade foi o
primeiro espaço utilizado pela Cooperativa. A trajetória de
Nelsa Nespolo, uma das lideranças mais importantes da Uni-
vens e da Justa Trama, é marcada pela militância na Juven-
tude Operária Católica, da qual foi coordenadora nacional
nos anos de 1980 (NESPOLO, 2014, p.13). O movimento
da economia solidária no Rio Grande do Sul tem laços signi-
ficativos com os setores progressista da Igreja Católica, mas
também com outras igrejas. A Fundação Diaconia, vincu-
lada à Igreja Luterana, também tem relações intensas com
o movimento da economia solidária, tendo dado apoio às
iniciativas na Vila Nossa Senhora Aparecida.
Outro elemento importante são as relações de solida-
riedade internacional, que permitiram a constituição de uma
rede de apoio fundamental para o sucesso da Univens, da

270
Justa Trama e do Banco Justa Troca. Tanto pelos contatos
propiciados pelo Fórum Social Mundial quanto pelas redes
formadas no movimento de economia solidária, o movi-
mento da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida se
articula e recebe apoio político e material de organizações da
Itália e da Espanha, além de manter contatos e uma intera-
ção constante com movimentos de toda a América Latina.
A Universidade, em particular a Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul, também é parte desta rede
constituída pelo movimento da comunidade. Através do
NEGA, as necessidades em termos de conhecimento técni-
co, burocrático e administrativo foram supridas em grande
medida. Os professores, estudantes e técnicos da universi-
dade cumpriram neste caso uma função social importante,
colocando seu conhecimento à disposição da comunidade.
Esta rede ampla e complexa de apoios que contribuí-
ram para potencializar as iniciativas da comunidade da Vila
Nossa Senhora Aparecida tem um componente importante
relacionado com as articulações dos demais movimentos
sociais. O movimento sindical, as ONGs que animam o
Fórum Social Mundial, os movimentos de moradia, os
delegados e conselheiros do Orçamento Participativo, o
movimento da Economia Solidária, todos eles fazem parte
de uma relação de diálogo permanente entre as iniciativas
locais e a dinâmica mais ampla dos movimentos.
Mas as parcerias construídas não se resumiram aos
movimentos e organizações do campo popular. Uma plu-
ralidade de relações políticas e institucionais foi ativada,
permitindo o sucesso das iniciativas na Vila Nossa Senho-
ra Aparecida. Entre elas, se incluem também organizações
do chamado “Terceiro Setor”, aquelas organizações da so-
ciedade civil vinculadas ao setor privado. Uma estratégia

271
pragmática e uma atuação flexível permitiu ampliar o arco
de apoios. O Instituto Ioschpe, vinculado a uma grande
empresa do setor industrial e financeiro, financiou equipa-
mentos no início da Cooperativa. O Institutos Loja Ren-
ner, vinculado a uma das maiores redes de varejo do país, é
um dos apoiadores da Rede Justa Trama.
Portanto a experiência da Vila Nossa Senhora Apa-
recida materializa uma convergência, em um mesmo mo-
mento e em um mesmo território, de um conjunto de
movimentos sociais, que se combinam num processo de
diálogo e mútuo aprendizado. Na sua origem, temos os
movimentos de luta pela moradia, pelo acesso ao direito
de uma habitação digna, com a ocupação da vila. Este mo-
vimento se transforma em um movimento comunitário,
de vizinhança, que demanda e conquista investimentos e
políticas públicas através do OP ou do diálogo com as dis-
tintas agências do Estado. A estes se somam as ações dos
movimentos sindicais de trabalhadores assalariados e dos
movimentos sociais das Igrejas. A criação da cooperativa
vinculou também o território ao movimento nacional e in-
ternacional da Economia Solidária. E, por fim, e não me-
nos importante, uma forte ligação das ações no território
ao movimento das mulheres e do movimento ecologista.
Esta pluralidade de perspectivas e sua convergência
em um território são o grande segredo da vitalidade da ex-
periência das lutas dos moradores da Vila Nossa Senhora
Aparecida. E nos desafia a abordar os distintos movimentos
em sua dinâmica interação, evitando olhar apenas suas es-
pecificidades e particularidades. Na vida real eles são ape-
nas expressões das distintas perspectivas que emergem das
contradições sociais vividas pelos trabalhadores que vivem
nas comunidades periféricas. Perspectivas estas que em al-

272
guns momentos convergem em ações como as protagoni-
zadas pelos moradores da Vila Nossa Senhora Aparecida.

Os valores do movimento

Além destas múltiplas dimensões do movimento e da


sua capacidade de constituir redes de apoio, é importante
destacar também os valores que orientam as ações do movi-
mento: democracia, participação, cooperação, solidariedade,
sustentabilidade e universalismo. Todas as ações realizadas
nestes quarenta anos foram orientadas por um forte compro-
misso democrático e participativo. “Participar Transforma”
afirma o material de divulgação da rede Justa Trama, ofere-
cendo cursos e eventos de capacitação para a comunidade.
As experiências na Vila Nossa Senhora Aparecida
demonstram um intenso compromisso com a democracia
participativa. No funcionamento interno da cooperativa e
das demais organizações, na sua forma de participação no
OP, em sua participação no movimento da economia soli-
dária, a perspectiva de construção de relações horizontais,
inclusivas e radicalmente democráticas está sempre presen-
te. E isto não se resume aos processos internos da comu-
nidade. O estímulo ao protagonismo de cada participante
nos processos decisórios se soma ao estímulo ao engaja-
mento de todos nos processos políticos e sociais mais am-
plos, sempre desde uma postura de defesa da democracia.
Outro elemento característico dos valores expressos
pela comunidade em 40 anos de luta é a solidariedade. E,
novamente, são valores que se projetam para as relações
internas da comunidade, construção de iniciativas coope-
rativas, atuação conjunta com outras vilas nas demandas
para o OP, mas também para as relações da comunidade

273
com a sociedade em geral. Os movimentos da Vila Nos-
sa Senhora Aparecida são voltados para o atendimento de
suas demandas locais, mas também ativamente engajados
nos movimentos mais gerais pela democracia e a defesa dos
direitos da classe trabalhadora. Mais do que uma iniciativa
local, relacionada com o interesse das 26 cooperadas, ou
com as demandas dos moradores da comunidade, há na
Vila Nossa Senhora Aparecida um engajamento na cons-
trução de um movimento mais amplo de transformação da
sociedade em um sentido mais solidário.
Mas a experiência da Justa Trama também incorpo-
ra de maneira intensa uma dimensão ambiental, relacio-
nada com os temas da sustentabilidade. De acordo com
Nelsa Nespolo, “não existe uma produção solidária se não
houver também um consumo consciente das pessoas. As
pessoas precisam começar a pensar no que consomem, a
quantidade que consomem e que elas possam ter o di-
reito de saber de onde ele vem o que está comprando.
E que consumindo este produto ela está fazendo a sua
parte na preservação do meio ambiente”16. Esta postura
de compromisso com o meio ambiente não se resume aos
produtos vendidos pela cooperativa. Nas feiras promovi-
das mensalmente pelo movimento na Vila Nossa Senhora
Aparecida são vendidos, além de produtos locais, alimen-
tos orgânicos produzidos por agricultores agroecológicos
da região metropolitana de Porto Alegre.
As ações deste complexo de organizações construídas
pelo movimento na Vila Nossa Senhora Aparecida têm um
conteúdo universalista, na medida em que não são vistas
apenas como uma forma de resolver seus problemas pessoais

16 Depoimento de Nelsa Nespolo. https://www.youtube.com/watch?-


v=EzHNZAEtgtg
274
e locais. Sua ação, ainda que baseada no interesse imedia-
to de cada participante em garantir trabalho, renda, condi-
ções dignas de moradia e de vida, são sempre pensadas em
um contexto mais amplo de um movimento voltado para
a transformação da sociedade. Seu olhar é local, profunda-
mente enraizado no território, e ao mesmo tempo universal,
através de um engajamento permanente em movimentos
que buscam difundir seus valores e replicar sua experiência
pela cidade, o país e o mundo.

Reflexões e perspectivas para o futuro

Este breve relato da experiência da Vila Nossa Se-


nhora Aparecida nos permite vislumbrar as potenciali-
dades transformadoras dos movimentos sociais tanto do
ponto de vista de seu impacto local como de uma trans-
formação mais geral da sociedade. Este caso, ainda que
particular e relativamente excepcional de construção de
um movimento social de base territorial, aponta um po-
tencial dos movimentos sociais como instrumentos de
construção de uma nova cidadania e de uma nova cidade.
A experiência da Vila Nossa Senhora Aparecida é
um caso paradigmático também no sentido de mostrar a
convergência entre um movimento social que pressiona de
baixo para cima e de fora para dentro do Estado com uma
ação estatal voltada para o empoderamento das comunida-
des (o OP). A vontade política de compartilhamento do
poder materializada na implementação de um mecanismo
participativo gerou neste caso uma sinergia que potencia-
lizou o resultado dos esforços do movimento social. E esta
convergência aponta ainda para o fato de que o OP pode
ter impactos para além do provimento de bens públicos e

275
serviços. O OP é também uma escola de participação que
gera novas capacitações, além de contribuir para a constru-
ção de capital social, fortalecendo a organização da socieda-
de civil, gerando laços de confiança e solidariedade e espa-
ços de deliberação que legitimam a prática da democracia.
Outro elemento importante que o caso estudado
aponta é o processo de evolução da dinâmica e das demandas
do OP. A participação e o debate acerca das políticas públi-
cas permitem uma evolução da relação dos cidadãos com a
sua cidade. A comunidade da vila passou de um olhar local,
baseado em suas necessidades imediatas, ao olhar municipal,
da discussão dos problemas da cidade, mas também das polí-
ticas públicas estaduais e nacionais. A participação, portanto,
consegue fazer romper o olhar particularista, paroquial, ge-
rando um olhar universal, cidadão. O debate na comunidade
se desloca das obras associadas às carências imediatas para os
projetos de desenvolvimento local para um debate acerca do
modelo de desenvolvimento.
E a abordagem deste debate se baseia no fortalecimen-
to de valores como a democracia, a cooperação, a solidarie-
dade, a sustentabilidade. O processo da Vila Nossa Senhora
Aparecida aponta para a possibilidade de os movimentos
sociais transitarem de uma dinâmica de demandantes do
Estado para a de portadores de um projeto de sociedade.
Os movimentos sociais organizados, portanto, têm impacto
sobre o território, mas também sobre o conjunto de relações
sociais que organizam nossa vida na cidade.

Os Movimentos Sociais e a Cidade

A experiência da Vila Nossa Senhora Aparecida é um


bom exemplo do impacto que os movimentos sociais podem

276
ter no território. Em sua história se pode identificar um ama-
durecimento que, em um aprendizado a partir de suas lutas e
organização, levou a uma ampliação dos horizontes. Em um
primeiro momento, as ações do movimento refletiam a visão
clássica acerca do papel e dos horizontes dos movimentos so-
ciais. Demandar direitos aos poderes públicos, seja através da
ação direta (ocupação) seja através dos mecanismos clássicos
dos movimentos (mobilizações, abaixo-assinados, discussão
com as autoridades). Mas a experiência foi mais além, a par-
tir do processo de crescente democratização da gestão da ci-
dade desde o final dos anos de 1980. O movimento passou
a ter canais institucionalizados para as suas demandas (o OP
e outros espaços de gestão democrática) e esta experiência de
interlocução ampliou seus horizontes. Para além das deman-
das, o movimento se torna capaz de discutir e influenciar as
políticas públicas implementadas pelo Estado.
E por fim, o amadurecimento do movimento e sua
resiliência aponta para um avanço ainda maior, a consti-
tuição de uma capacidade de implementação autônoma de
projetos de desenvolvimento local. Estes projetos, ainda
que evidentemente em vários momentos contem com um
suporte governamental, não se originam e nem dependem
da ação estatal. E são projetos que efetivamente estão mu-
dando o território, transformando as vidas dos moradores
e apontando em direção de uma sociedade onde os cida-
dãos sejam sujeitos autônomos das transformações. A ex-
periência mostra, portanto, que os movimentos sociais não
cumprem apenas um papel de canalizar as demandas dos
cidadãos frente ao Estado, mas que eles são capazes de, por
si mesmos protagonizar ações transformadoras da realidade
em que vivem.

277
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da política de habitação popular. In: Habitação e poder: da
Fundação da Casa Popular ao Banco Nacional Habitação
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TILLY, C. Democracy and Contention in Europe. New
York: Columbia University Press, 2003.

279
280
Posfácio
Ao vencedor as batatas: ou do niilismo que
parece estar fora do lugar

Introdução

Vivemos em tempos de hipermodernidade. Em tem-


pos fluídos onde tudo que é, logo, deixa de ser. E, como nos
mostra a Ciência Política, o povo brasileiro, de uma maneira
geral, têm memória curta e, em média, 8 de cada 10 brasi-
leiros, nem mesmo lembra em que votou na última eleição
para deputado federal e senador. O que se dirá dos políticos
locais que ocupam as cadeiras das Câmaras de Vereadores,
dado que, esses possuem nichos eleitorais bem específicos?
Todavia, há de se questionar em que essa constatação
tem a ver com aquilo que foi discutido nesse Seminário?
De pronto, muitos diriam: nada. Porém, devemos lembrar
que quase que a totalidade das decisões que dizem respeito
a cidade são tomadas no plenário das Câmaras de Verea-
dores. É lá, com o apoio de comissões técnicas que o orde-
namento urbano é pensado, o plano diretor discutido, os
investimentos em saúde, educação, habitação e mobilidade
urbana, negociados.
As Câmaras de Vereadores são, de certa forma, um
verdadeiro mercado de pulgas, onde, tudo têm um preço
e tudo se negocia. O orçamento da cidade e como ele
será aplicado para além dos percentuais garantidos em
lei, é um farto bolo que será dividido entre aqueles que
conseguirem mobilizar forças políticas que lhes ajudem a
garantir uma fatia mais farta do mesmo. E, nessa disputa,

281
pouco interessa os interesses de grande parte da popula-
ção pois, o que vale, no final das contas é a quantidade
de votos e os ganhos políticos que, por exemplo, sobre
a égide da sustentabilidade ambiental, uma ciclovia que
vai do nada para lugar nenhum – e que, quase nunca será
usada – irá render em termos de ganhos políticos.
Na esteira do exposto, certas municipalidades,
dentre as quais inclui-se Porto Alegre que, por um lado,
através da Lei Municipal 12.514/19, proíbe a venda e a
distribuição de canudos flexíveis plásticos descartáveis
em restaurantes, bares, ambulantes e similares de Porto
Alegre e, por outro, não oferece meios ecologicamente
sustentáveis para o descarte daqueles não utilizados com
vistas ao cumprimento da referida lei de modo que, mais
uma vez, temos um regulação para inglês ver que nem
mesmo saiu do papel, ou seja, ao mesmo tempo que exige
não fornece meios para seu cumprimento.
Da mesma forma como na Câmaras de Vereadores,
em outros fóruns decisórios, também se observam rotinas
semelhantes onde o que vale é a capacidade de mobilizar
pessoas e atores com vistas a se conquistar a maior faria do
bolo, deixando aos porcos, algumas migalhas decisórias
que pouco ou nenhum impacto possuem no orçamento
da cidade e que, servem muitas vezes, para frear e/ou li-
mitar investimentos em determinadas áreas1.
Movimento este constatado pela professora Wrana
Panizzi em diversos de seus estudos quando, por ocasião
de se pensar o planejamento urbano e o plano diretor,
acabou por constatar que, na maioria das vezes, o Esta-

1 CABANNES, Y. Contribuições dos Orçamentos Participativos para


a provisão e gestão de serviços básicos: Experiências locais e lições
aprendidas. Porto Alegre: IIED, 2014.
282
do, pouca ou nenhuma gerência possui sobre o mobi-
liário urbano no que tange ao se pensar uma cidade do
povo para o povo, uma vez que, o que prevalece é sempre
o interesse do mercado e os ganhos fiduciários ligados ao
arrendamento, exploração e uso do espaço urbano. E, na
busca de ganhos escalares, gigantescas torres e condomí-
nios são construídos por construtoras sem que nenhum
investimento na expansão e ampliação da malha viária
e/ou nas redes de luz, água e esgoto seja feito por estes.
Desta feita, enquanto uns poucos comem o filé de um
lado do Shopping Iguatemi, do outro, muitos estão a roer os
ossos e a pagar a conta do açougue nos dias de chuva com
entupimentos e enchentes, e nos dias de sol, com as taxas
extras das bandeiras da conta de luz e os apagões constantes.
Dado que, em geral, o filé é servido aqueles que moram nos
lugares altos, na casa grande, enquanto aquilo que sobra é
destinado àqueles que residem nas terras baixas, nas senzalas.
Contudo, pode-se objetar que uso de tal terminolo-
gia tributária a Gilberto Freyre2 é extemporânea e o modo
como a cidade está organizada de modo que as coisas pare-
cem estar fora do lugar3. Neste sentido, importa pensar, na
esteira do exposto por Panizzi4:

Se escapar do niilismo reside em se buscar por novos


valores como o quer Nietzche através da ideia de trans-
valoração e da proposição de novos ideais que tomam
as crenças e os valores tradicionais como infundados e
sem qualquer sentido ou utilidade o que fazer com o

2 FREIRE, G. Casa Grande e Senzala. São Paulo: Global, 2002.


3 SCHWARZ, R. As ideias fora do lugar. São Paulo: Penguin Books/
Cia das Letras, 2014.
4 PANIZZI, W. O suplício da cidade: novos paradigmas, velhos pro-
blemas. Porto Alegre, 2021. [Mimeo].
283
pensamento e os ideais daqueles que vieram antes de
nós quando não é mais possível esconder a sujeira de-
baixo do tapete: a ausência de planejamento urbano (na
garantia de sua não aplicabilidade pelos donos do mer-
cado), a pobreza (nas periferias dos grandes centros),
a miséria (nos abrigos e nas casas de passagem), a vio-
lência (nos presídios), a fome (nos programas sociais),
a sapiência ignorante (na retórica) e a ignorância (na
ausência de informação).

Desta feita e a partir do exposto nos importa refletir:


A) A quem interessa pensar a cidade e o seu planejamento?
B) Quem pensa a cidade e para quem a cidade é pensada?
C) Qual o lugar e o espaço que, enquanto atores sociais, a
Universidade e as Organizações da Sociedade Civil, ocupam
nestes fóruns? D) Não estaríamos a viver uma ilusão ao pen-
sar que vivemos numa feita para o povo e para os cidadãos?
E) O que esses dois anos de pandemia nos ensinaram?

A cidade e seu planejamento: a quem interessa?

Apesar de haver todo um ordenamento legal de ter-


ras que é dado pelos diferentes documentos legais que se
ocupam da questão do ordenamento urbano e do modo
como a cidade está organizada. Pouca ou nenhuma in-
cidência esses possuem na vida da maioria dos cidadãos
dado que, pouco o nenhum conhecimento estes detêm
acerca da norma legal, ficando a cargo dos engenheiros
e arquitetos pensar e adequar os projetos a norma legal.
Ao cidadão comum, somente interessa o acesso aos
serviços básicos e a facilidade que estar em determinado lu-
gar implica em termos de mobilidade urbana e acesso e bens
e serviços de consumo, como por exemplo, supermercados,
farmácias, centros comerciais etc. Também interessa a esses

284
cidadãos os índices de criminalidade e o quão eles podem se
sentir protegidos onde estão, algo que implica, dado o cresci-
mento exponencial da violência urbana, em cada vez mais, se
pensar em estratégias conjuntas por parte dos moradores de
uma dada rua ou parte da cidade, de incluir entre seus custos
a manutenção de serviços privados de segurança.
Em termos de saúde e educação, movimento seme-
lhante se observa e, cada vez mais, cresce o número de ad-
quirentes de planos de saúde privados e/ou de pessoas que
optam por colocarem seus filhos a estudar em estabeleci-
mentos privados quando, constitucionalmente, caberia ao
Estado e aos demais entes federados garantir o acesso e a
qualidade de ambos os serviços – o que, na prática, não
tem acontecido já faz muito tempo.
Emerge destas duas constatações também algumas
ilusões, quais sejam: a) que as pessoas estão a se organizar
coletivamente; e, b) que a qualidade de vida na cidade tem
melhorado na medida em que, é possível a muitas pessoas,
garantir o acesso a saúde e a educação privada a seus entes
queridos. Doce ilusão e amargo destino daquele que com-
põem a horda de remediados da cidade. Pois, o que está em
jogo, nesse caso, não são interesses coletivos, mas sim pri-
vados, os quais, visam garantir a sobrevivência e um lugar
ao sol aqueles que são capazes de assumir esse ônus.
Em vista de certas garantias, paga-se muito por pouco.
E um quinhão qualquer de terra que antes era ocupado ho-
rizontalmente por quatro ou cinco pessoas hoje é ocupado
verticalmente por vinte a quarenta pessoas a depender da al-
tura permitida em cada região da cidade. Mas o que isso têm
a ver com o planejamento urbano da cidade? Tudo.
Aos construtores na medida em que, um mesmo qui-
nhão de terra, permite multiplicar seus ganhos fiduciaria-

285
mente a partir de um mesmo metro quadrado que passa a
render entre quatro e oito vezes, no mínimo, o seu investi-
mento. Ao Estado que, também, em função da verticalização
obtém ganhos exponenciais em termos de tributos munici-
pais, estaduais e federais, dado que, mais pessoas ocupam
um mesmo espaço sem que, grandes investimentos em in-
fraestrutura se façam necessários, uma vez que, é cada vez
mais comum por parte das pessoas que, estas, se utilizem de
serviços privados de saúde, educação e segurança, ao invés de
exigir do Estado a sua garantia como consta na letra da lei.
E, neste sentido, é basilar se pensar as produções re-
unidas nessa obra tendo como horizonte, uma cidade e um
planejamento urbano que é pensado por uns e para alguns
de modo que, se por um lado, a conta do açougue é paga por
todos, por outro, são somente uns poucos que saboreiam as
partes nobres da carne, restando aos demais, fazer um sopão
com os ossos e a gordura, como diversas matérias jornalísti-
cas colocaram em destaque, durante esses dois últimos anos,
a realidade de grande parte daqueles que vivem nos mucam-
bos descritos por Freyre5 nas partes baixas da cidade e que,
pela janela, vislumbram os sobrados da parte alta da cidade.

A cidade pensada

Cabe aos gestores urbanos e aos urbanistas pensar a


cidade. Ao Estado, aos seus entes federados e as municipali-
dades a sua regulação. Modos de pensar a cidade e critérios
que orientem seu planejamento são muitos, mas de uma
maneira geral, com raras exceções, pouco ou nada variam
em termos daquilo que é considerado como essencial e que
deve ser garantido em termos legais e por força de lei. A ci-
5 FREIRE, G. Sobrados e Mucambos. São Paulo: Global, 2003.
286
dade e seu planejamento urbano, no plano ideal, no âmbito
da universidade e escalonada nas maquetes dos escritórios
de arquitetura e urbanismo, funciona muito bem. Mas, são
cidades de papel, semelhantes àquelas existentes nos mapas
que visavam garantir que esses não fossem pirateados e/ou
falsificados por empresas concorrentes no início do século.
Na prática e no momento de sua saída do papel o que
está em jogo são interesses outros e os ganhos que se pode ter
a partir de “certas permissividades contidas na lei” de modo
que, a cidade pensada e considerada ideal em muito dista
da cidade real. E, a família feliz a beira de uma piscina azul
com vista para um lindo bosque verde, logo, é substituída
por outra onde as crianças são deixadas a se divertir sozinhas
no interior de um condomínio com muros altos e cinzentos,
com uma piscina cercada por grandes, enquanto seus pais
trabalham cada vez mais para arcar com os custos condomi-
niais das benesses prometidas pelos materiais publicitários.
Neste sentido, é a luz dessa fuga ao niilismo6 que de-
vemos pensar as discussões presentes nos textos que antece-
dem a este na medida em que, a maioria dos textos que aqui
reunimos prima por deixar de lado essa cidade inexistente e
busca pensar a cidade, seu planejamento e mesmos as políti-
cas públicas a partir de dados concretos e da realidade nua e
crua que muitas vezes não estamos dispostos a ver.

Democracia para que e para quem?

Junto com a polis grega nasce a ideia de cidadão e,


também, aquilo que mais tarde denominaríamos de gover-
no do povo, algo que, hodiernamente, chamamos de demo-

6 NIETZSCHE, F. W. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin


Claret, 2005
287
cracia. Contudo, se do ponto de vista legal, todos são tidos
como cidadãos nos tempos atuais, do ponto de vista prático,
somente têm acesso as instâncias decisórias da polis alguns
poucos, apesar de mais de vinte séculos terem se passado,
desde que os primeiros escritos de Platão acerca da política e
do modo como a política e a polis grega funcionavam.
De uma maneira geral como nos mostram os tex-
tos aqui apresentados há no âmbito do regramento ur-
bano, assento e lugar tanto para a Universidade quanto
para Organizações da Sociedade Civil, bem com, para
entidades representativas diversas nos mais diversos fó-
runs decisórios onde a questão do planejamento urbano
e da cidade é tema de cidade é tema privilegiado. Porém,
como já colocamos antes, a força e a representatividade
que terão, depende da sua capacidade de mobilizar outros
atores quando se está a se preparar o planejamento e a se
ponderar aquilo que será ou não incluído na normativa
legal e nos documentos que orientaram o planejamento
urbano e da cidade nos anos seguintes.
É um jogo de forças e, em termos da essência consti-
tutiva daquilo que, hodiernamente, se entende como base da
democracia representativa, tão mais força e poder terá aquele
que mais interesses conseguir coadunar e representar ao se
colocar como liderança e/ou como indivíduo a representar
determinados interesses, sejam eles, individuais ou coletivos.
E, assim sendo, importa aqui colocar em destaque que
os textos aqui apresentados de uma maneira ou de outra,
exploram a sua maneira e a partir de diferentes perspectivas
o modo como essas dinâmicas se fazem presentes no âmbi-
to de diversos fóruns decisórios e instâncias de discussão e
debate acerca da cidade e seu planejamento. É, portanto,
sem ingenuidades que, as reflexões propostas pelos autores

288
reunidos nessa coletânea, discutem o modo como algumas
dessas iniciativas e fóruns estão organizados e como, na prá-
tica, a cidade de papel ganha forma na mão dos gestores
públicos e daqueles que orbitam o seu entorno.

A ilusão: Cidade, Doce Cidade!

Trocadilho que remete a expressão Lar, Doce Lar!


Construção aforística onde, lar, se constitui em substantivo
masculino utilizado para se definir a casa ou os assuntos
relacionados a ela, como a convivência com a família e os
vizinhos. Dependendo do contexto, também pode assumir
uma conotação sentimental ou carinhosa que remete a ha-
bitação de uma pessoa ou família, ao seu torrão natal, a
pátria, a família ou mesmo a sua casa.
Por extensão, também a cidade pode ser pensada afo-
risticamente. Ou seja, de uma cidade que não é igual as
outras, de uma cidade que é a nossa cidade. Uma cidade
que é percebida por nós enquanto um lugar de memória,
de interação, de vivência, de afetos e desafetos. Uma cidade
que vemos e percebemos a partir daquilo que consideramos
importante, que valoramos em função de cheiros e cores
diversas. Uma cidade idílica que somente nós percebemos
e conseguimos vislumbrar. Uma cidade que agrada a gregos
ou troianos, mas nos agrada.
Uma cidade pensada por gestores, urbanistas e técni-
cos em planejamento que pouco nos interessa em termos
de seu planejamento e daquilo que dela esperamos em ter-
mos de infraestrutura e recursos. Uma cidade que se faz
cidade em nossa cabeça e não no seu planejamento. Pois,
como nos destaca uma conhecida canção7:
7 Música Urbana 2, do Álbum “Dois”, do Legião Urbana.
289
Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música
urbana / Nas ruas os mendigos com esparadrapos po-
dres cantam música urbana / Motocicletas querendo
atenção às três da manhã / É só música urbana. / Os
PMs armados e as tropas de choque vomitam música
urbana / E nas escolas as crianças aprendem a repetir a
música urbana. /Nos bares os viciados sempre tentam
conseguir a música urbana. / O vento forte, seco e sujo
em cantos de concreto / Parece música urbana. / E a
matilha de crianças sujas no meio da rua - Música ur-
bana. / E nos pontos de ônibus estão todos ali: música
urbana. /Os uniformes / Os cartazes / Os cinemas /
E os lares / Nas favelas / Coberturas / Quase todos os
lugares. / E mais uma criança nasceu. / Não há mais
mentiras nem verdades aqui / Só há música urbana. /
Yeah, Música urbana. / Oh Ohoo, Música urbana.

O aprendizado

Depois de dois anos de pandemia como muito bem


nos lembra um dos organizadores em seu prefácio, muito
ou nada mudou. Muitas pessoas morreram em função e/ou
em decorrência da pandemia como é o caso do pai do refe-
rido autor e de nosso colega pesquisador, Jonas Lunardon.
Mortes essas, próximas a nós, mas que implicam no fato que
nunca mais as veremos transitar pelas nossas idílicas cidades.
Cidade idílica essa que, no decorrer destes últimos
dois anos, se tornou cinzenta, vazia e, também, o transitar
por ela uma sentença quase de morte. Uma cidade que não
foi pensada para se estar em casa. Uma cidade que não foi
pensada para a convivência das pessoas em espaços priva-
dos. Uma cidade com ínfima estrutura de saúde e que, nem
mesmo, está preparada para enterrar seus mortos.
Uma cidade que não possui a infraestrutura tecnoló-
gica e a qualidade de desses serviços necessária para atender
290
minimamente as novas exigências de recursos e largura de
banda que o uso intenso das plataformas de trabalho vir-
tuais de trabalho e estudo exigiram durante esses dois anos.
Uma cidade onde, uns pouco se importam com outros e,
onde, os mascarados são aqueles que pensam no bem-co-
mum, e não os vilões.
Dito isto, encerro esse Posfácio, lembrando uma cé-
lebre sentença de Machado de Assis8, utilizada por Roberto
Schwarz9, que ensaia uma resposta e unifica todo que existe
em um único princípio: “Ao vencedor as batatas!”.

Mauro Meirelles
Porto Alegre, janeiro de 2022.

8 MACHADO, A. Quincas Borba. São Paulo: Penguin, 2012


9 SCHWARZ, R. Ao vencedor as batatas. São Paulo: Editora 34, 2012.
291
292
Sobre os Autores e as Autoras

Eber Pires Marzulo: Graduação em Ciências Sociais, Mestre em Pla-


nejamento Urbano e Regional pela UFRGS e Doutor em Planejamen-
to Urbano e Regional pela UFRJ com estágio no Institute de Recher-
che Interdisciplinaire en Socioeconomie/CNRS, Paris IX – Dauphine.
Membro do Grupo de Trabalho Democracia Participativa, Sociedade
Civil e Território do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo
(CEGOV) da UFRGS. Coordenador do Grupo de Pesquisa Identidade
e Território/CNPq (GPIT). Professor do Departamento de Urbanismo
da Faculdade de Arquitetura e Professor colaborador do Programa de
Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS. É
professor Titular da UFRGS.

Wrana Panizzi: Graduação em Filosofia e Direito, Mestre em Plane-


jamento Urbano e Regional pela UFRGS, Especialista em Urbanisme
et Amenagement pela Université de Paris XII (Paris-Val-de-Marne),
Doutora de III Cycle en Urbanisme et Amenagement pela Université
de Paris XII (Paris-Val-de-Marne) e em Science Social pela Universi-
té Paris 1 (Panthéon-Sorbonne). Foi coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional, Pró-Reitora de
Planejamento e de Administração e Reitora, por dois mandatos (1996-
2004). Também foi Vice-Presidente do CNPq (2007-2011). Professo-
ra do Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação
em Planejamento Urbano e Regional. É Professora Titular da UFRGS.

Michael K. Menser: Bacharel em Filosofia, B.A. em Philosophy, Po-


litical Science e Economics pela University of Pittsburgh e Ph.D em
Philosophy pela City University of New York. Diretor do Center for
the Study of Brooklyn no Brooklyn College; cofundador e membro do
Conselho de Administração do Participatory Budgeting Project (PBP),
EUA. Professor do Departamento de Philosophy, no Urban Sustai-
nabilty Studies Program e Caribbean Studies Programa no Brooklyn
College; e no Graduate Center da City University of New York. É
Professor Assistente (tenured) do Brooklyn College.

293
Rafael Passos: Arquiteto e Urbanista e mestrando em Planejamento
Urbano e Regional pela UFRGS. Foi consultor do Centro de Estu-
dios y Proyectación Ambiental (2008-2010). Sócio no escritório Mãos
arquitetura. É Presidente do IAB-RS (2017-2019/2020-2022) e Vice-
-Presidente do IAB Brasil (2020-2023).

Fabian Scholze Domingues: Graduação e Mestrado em Filosofia


e Graduação e doutorado em Ciências Econômicas pela UFRGS. É
coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Economia Urba-
na (Nepeu) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Migrações (Ne-
pemigra). Atua também como integrante do Grupo de Pesquisa em
Refugiados, Imigrantes e Geopolítica (Grigs). Coordena o Núcleo de
Ensino à Distância do Departamento de Economia e Relações Interna-
cionais (Eaderi). Professor do Departamento de Economia e Relações
Internacionais. É professor Adjunto da UFRGS.

Marc A. Weiss: B.A. em Political Science por Stanford University,


M.C.P. e Ph.D em City and Regional Planning pela University of Ca-
lifornia, Berkeley. É Presidente e CEO da Global Urban Development
(GUD). É Lead Partner da UN-Habitat World Urban Campaign,
Membro do Conselho da IHC Global. Fundador e coordenador do
Zona de Inovação Sustentável de Porto Alegre (ZISPOA). Foi Profes-
sor Colaborador e pesquisador Pós-doutorado no Programa de Pós-
Graduação em Planejamento Urbano e Regional pela UFRGS.

Vanessa Marx: Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela PUC-RS.


Mestrado em Integração Latino-Americana pela Universidad Nacional
de La Plata e Doutorado em Ciência Política e Administração pela Uni-
versidad Autonoma de Barcelona. Pós-Doutorado em Ciência Política
pela UFRGS. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Sociologia Urbana
e Internacionalização das Cidades (GPSUIC) e membro do Grupo de
Trabalho Democracia Participativa, Sociedade Civil e Território e do
Conselho Científico do Centro de Estudos Internacionais sobre Go-
verno (CEGOV) da UFRGS. Pesquisadora do Observatório das Me-
trópoles. Professora do Departamento de Sociologia e do Programa de
Pós-Graduação em Sociologia. É Professora Adjunta da UFRGS.

Gabriela Coelho-de-Souza: Graduada em Ciências Biológicas pela Uni-


versidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre em Etnobotânica e Dou-
tora em Ciências pela UFRGS. Coordenadora do Círculo de Referência

294
em Agroecologia, Sociobiodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Segurança Alimentar
e Nutricional e do Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sus-
tentável e Mata Atlântica. Conselheira do Comitê Estadual da Reserva
da Biosfera da Mata Atlântica, membro do Grupo de Assessoramento
Técnico do Plano Nacional de Ação Estratégica para Espécies Ameaçadas
– PAN Lagoas do Sul. Professora do Departamento de Economia e Re-
lações Internacionais e Professora permanente do Programa de Pós-Gra-
duação em Desenvolvimento Rural. É Professora Associada da UFRGS.

Felipe Brizoela: Indígena guarani. Presidente da Associação de Estu-


dos e Projetos com Povos Indígenas e Minoritários (AEPIM/RS). É
cacique da aldeia Pindoty, em Riozinho/RS.

Rafaela Biehl Printes: Bacharel e licenciada em Geografia pela PUC-RS.


Especialista no Ensino de Geografia e História, Mestre e Doutora em De-
senvolvimento Rural pela UFRGS. Pesquisadora do Núcleo de Estudos
em Segurança Alimentar e Nutricional (NESAN/UFRGS); pesquisadora
associada ao Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sustentável e
Mata Atlântica (DESMA/UFRGS). Coordenadora do Núcleo de Estudo
em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA/Uergs-Tapes). É Professora
Adjunta na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.

Mauro Meirelles: Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Unisinos, Dou-


tor em Antropologia Social, Mestre em Educação e Licenciado em Ciên-
cias Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmen-
te desenvolve atividades ligadas ao Laboratório Virtual e Interativo de
Ciências Sociais (LAVIECS/UFRGS). É Editor da CirKula Editora.

Tarson Núñez: Graduado em História, Mestre e Doutor em Ciência


Política pela UFRGS. Foi assessor da CUT/RS, assessor parlamentar na
Assembleia Legislativa/RS, coordenador do Gabinete de Planejamento
da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Diretor do Departamento de
Desenvolvimento Regional e Urbano da Secretaria de Planejamento
do estado (2000/2002) e coordenador da Assessoria de Cooperação
e Relações Internacionais do Gabinete do Governador do Estado do
Rio Grande do Sul (2011/2014). Desde 2021 faz parte da direção da
Associação Internacional pela Democracia Participativa People Powe-
red. É analista pesquisador em Ciência Política no Departamento de
Economia e Estatística do estado do Rio Grande do Sul.

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está a adquirir um produto qualquer. Você também remunera
e reconhece o trabalho do autor e de todos aqueles que, direta
ou indiretamente, estão envolvidos na produção editoral e na
comercialização das obras, tais como editores, diagramadores,
ilustradores, gráficos, distribuidores e livreiros, entre outros. Se
quiser saber um pouco mais sobre isso, acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=XQkpZA6qFhc

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