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2° edição - 2022
Editora CirKula
Av. Osvaldo Aranha, 522 - Bomfim
Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190
e-mail: editora@cirkula.com.br
Loja Virtual: www.livrariacirkula.com.br
2022
Dedicamos esse livro a memória de Breno
Aprato Marzulo e Jonas Araujo Lunardon,
bem como a todas as famílias que perderam
pessoas queridas vitimadas pela pandemia
agravada pela política deliberada de um gover-
no que jogou com a vida de centenas de milha-
res de brasileiras/os.
CONSELHO CIENTÍFICO
281 Posfácio
Ao vencedor as batatas: ou do niilismo que parece
estar fora do lugar
Mauro Meirelles
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O conteúdo aqui apresentado é extraído do 1º Se-
minário Internacional Transformações Comunitárias Par-
ticipativas, realizado em Porto Alegre entre 27 e 30 de
setembro de 2019, nas dependências da Faculdade de Ar-
quitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
e da Livraria e Editora CirKula, evento que recebeu nas
mensagens internas da organização o carinhoso acrônimo
de SITCOMPA, em clara alusão ao espírito do evento, ou
melhor, do espírito subjacente à pesquisa ao qual o evento
está associado, pois afinal o SITCOMPA foi um seminá-
rio que, simultaneamente, buscava estabelecer um patamar
básico de discussão para a pesquisa Transformação Comu-
nitária Participativa: inovação e sustentabilidade em Porto
Alegre, e consolidar uma abordagem cuja constituição vi-
nha ocorrendo ao longo de discussões na equipe de pesqui-
sa durante o ano de 2019. De certa forma, os artigos apre-
sentados são um ponto de chegada e, também, um ponto
de partida deste encontro entre pesquisa e evento.
Além do estabelecimento de uma abordagem para
as relações entre inovação e sustentabilidade e participação
comunitária participativa no âmbito da pesquisa, o SIT-
COMPA funcionou para consolidar a parceria com o Cen-
ter for the Studies of Brooklyn (CSB) do Brooklyn College/City
University of New York (CUNY), através do Prof. Michael
Menser. O caráter institucional e a relevância do trabalho
em conjunto com o CSB afirmam a centralidade do Prof.
Menser na interlocução, desde seu interesse em estudar e
comparar o que se passa em Porto Alegre com experiências
no Brooklyn, em Nova Iorque. As perspectivas ético-polí-
ticas e acadêmico-científicas comuns, com altíssimo nível
de proximidade, obviamente são bases que foram se apre-
sentando ao longo de uma interlocução que começa pelo
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interesse político-intelectual e memória afetiva de Menser
com a Porto Alegre do Fórum Social Mundial e Orçamen-
to Participativo. E um primeiro encontro e discussão após
troca de e-mails em 2018, na CUNY Baccalaureate for Uni-
que and Interdisciplinary Studies, em plena 5ª Avenida.
Também se tem que referenciar a relevância dos dou-
tores, e no momento do seminário professores colabora-
dores do Programa de Pós-Graduação em Planejamento
Urbano e Regional (PROPUR/UFRGS), Marc Weiss e
Tarson Núñez para a existência deste projeto. Ambos são
os principais responsáveis pela constituição da pesquisa e
incentivadores da colaboração com o CSB e, logo, figuras
chaves para a existência do Seminário e desse livro.
Obviamente todas as atividades – pesquisa, seminá-
rio e livro girando em torno ao esforço coletivo do Grupo
de Pesquisa Identidade e Território (GPIT/CNPq)1, tendo
algumas figuras chaves. Estudantes de pós-graduação, al-
guns já professores e estudantes de graduação cada um e
uma sabe a importância que teve. Aqui meu agradecimen-
to a cada um/a. Como também a tanto/as outras/os que
ajudaram ao GPIT se manter ativo desde seu início infor-
mal em reunião com o Grupo de Pesquisa Modernidade e
Cultura (GPMC/UFRJ) em um distante verão carioca de
2008. E ainda mais importante, durante a pandemia não
perdendo a indignação nem as atividades de reflexão e pro-
dução acadêmica2, apesar de mortes e doenças atingindo o
entorno afetivo imediato e familiar de muito/as do Grupo.
Pela importância, o GPIT exige uma breve apresentação.
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além de inter e transdisciplinar o GPIT seja um coletivo
atravessado pela indisciplina, pois inconformado e sempre
inquieto. A ver.
A perspectiva encontrada ao longo dos anos e por
princípio em constante mutação, tem sua constituição
inseparável da fomentação e existência da Rede Lati-
no Americana Imagem e Identidade e Território (Rede
LAIIT), rede cuja interlocução ocorre nas franjas das for-
malizações, mas que se afirma com certa sistematicida-
de desde o já citado encontro no verão carioca em 2008,
através do Simpósio Imagem e Identidade e Território,
nosso SIIT, que já foi bienal, mas que nos últimos anos
se tornou anual, todavia não tendo ocorrido em 2019 e
estando em um funcionamento online durante 2020/21
em formato cuja definição não se constituiu ainda. Mais
do que sempre totalmente work in progress. Nos anos em
que o SIIT, já com 8 edições até o ano de 2018, foi bienal,
nos intervalos realizávamos os chamados Ateliês, encon-
tros assumidamente experimentais que reuniam um con-
junto menor de grupos de pesquisas e não aberto ao pú-
blico. As experimentações dos ateliês foram trazidas para
dentro do SIIT, assumindo-se os riscos frente a convida-
dos e públicos externos aos grupos. Hoje a Rede LAIIT
conta com pesquisadores da FLACSO-Equador, Univer-
sidade de Buenos Aires (UBA/AR) e Universidade San
Martín (UNSAM/AR); e os grupos de pesquisa GPMC
(UFRJ), Desurbanidades (UFF), Entrópicos (UFG),
Nordestanças (UFAL), LaDA (UERJ), Le Metro (UFRJ),
Olho (UNICAMP) e Margem (UFRGS) de universida-
des brasileiras. Se a diversidade territorial e variedade de
localização acadêmica são particulares, pois há grupos e
pesquisadores ligados a Programas de Pós-Graduação, Fa-
17
culdades e Grupos de Pesquisa de Planejamento Urbano,
Arquitetura e Urbanismo, Psicologia, Design, Sociolo-
gia, Geografia, Antropologia e Arte de três países e cinco
Estados brasileiros reunindo doze grupos ou centros de
pesquisa, as formações e âmbitos de atuação são ainda
mais variados. Uma variedade que, em muitos casos, está
já na própria formação dos pesquisadores participantes
da rede pelo cruzamento de graduações com mestrados
e doutorados, sendo que em vários casos formações em
Programas de Pós-Graduação interdisciplinares. Enfim,
uma grande mescla que vem construindo um particular
amálgama ético-político-intelectual em entrelaçamento
assumidamente dependente de um convívio que remete
à concepção clássica da amizade filosófica.
Deste amálgama constitutivo e sempre em processo
de constituição do GPIT, ligado a recente interlocução
com o CSB pelo Prof. Michael Menser e as colaborações
dos pesquisadores Marc Weiss e Tarson Núñez, pode-se
entender um pouco do sentido a atravessar as diferen-
tes contribuições de colegas às questões da pesquisa e do
problema intrínseco às relações propostas entre sustenta-
bilidade e inovação e participação comunitária em uma
perspectiva transformadora no sentido de emancipatória
das condições de dominação do presente.
Não por acaso, o tema desta coletânea de artigos
sobre inovação e sustentabilidade e transformações comu-
nitárias e participativas se tornou especialmente atual em
época pandêmica, na medida em que os efeitos da devasta-
ção planetária e o fenômeno da globalização juntos criaram
as condições para a pandemia do COVID-19, agravada
por políticas neoliberais que se associaram a um reaciona-
rismo com traços antidemocráticos e até mesmo fascistas,
18
conforme nos apresentou o ceticismo tornado realismo de
Davis3. Paralelamente, os mecanismos de operação capazes
de permitir a continuidade da existência socioeconômi-
ca estiveram fundamentados na apropriação por parcelas
significativas da população de inovações tecnológicas e na
necessidade de criação de condições de vida mais sustentá-
veis tendo como suporte, em especial aos pobres e camadas
populares mundiais, ações comunitárias que em muitos
casos se constituíam a partir de experiências anteriores de
organização popular.
Sem dúvida, os ganhos das corporações globais de alta
tecnologia, as Big Tech e do sistema Big Pharma aliados à di-
fusão de mecanismos de controle social através das tecnolo-
gias informacionais estabeleceram profundos vínculos entre
o capitalismo global e os Estados neoliberais contemporâ-
neos exigindo resistência e resiliência no sentido da criação
de práticas táticas à la Certeau4 de apropriações da tecnologia
de controle transformadas em base tecnológica para o esta-
belecimento de vínculos e constituição de redes de auto sus-
tentação e de manutenção da vida e criação. Como vivemos
no passado e presente e provavelmente seguiremos vivendo
nessa era pandêmica. Tal qual a incorporação na indumen-
tária do uso da máscara que talvez se torne mais comum
a partir de 2020/21, afinal os vírus propagadores de SARS
seguem se proliferando e potencialmente cada vez mais pró-
ximos de novos ataques à humanidade, em virtude das di-
3 DAVIS, M.; et AL. Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos,
2020. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/
documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/
BibliotecaDigital/BibDigitalLivros/TodosOsLivros/Coronavirus-e-a-
-luta-de-classes.pdf.
4 CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis:
Vozes, 1996.
19
mensões populacionais e de ocupação de florestas, associadas
às facilidades de deslocamento em escala mundial.
Ao final dos primeiros quarenta e cinco dias de qua-
rentena, em algumas notas trocadas com colegas surgiram
questões sobre as relações entre espaço e pandemia. Muitas
destas notas seguem atuais e por isto em parte as retomo. Em
geral tem como questão os efeitos da era pandêmica3 no es-
paço urbano e em suas relações com o rural e o não-urbano.
Da questão que emergiu como central sobre as altas densida-
des se estabeleceu um reposicionamento do problema para
a aglomeração. Perguntas neste sentido foram debatidas via
grupos e as respostas tanto iluminaram aspectos quanto dei-
xaram respostas em aberto. Apresento uma síntese dos temas
trazidos e breves comentários críticos:
20
lhor evitar ou diminuir a densificação devido à propagação
que ocorre por proximidade, por meio de uma diminuição
da densificação estabelecida no atual padrão de assentamen-
to humano, pois a pressão sobre os serviços de saúde pode
ser insuportável, como se demonstrou em inúmeros casos
em momentos críticos. Todavia, sem dúvida a densificação
de atividades facilita em termos de custos e mesmo de acesso.
21
possibilidade que outros e novos vírus possam surgir sem
sabermos seu comportamento. Todavia é inquestionável a
necessidade do direito à infraestrutura urbana e habitação
digna como forma de diminuição da propagação.
24
para populações dispersas aglomeradas e mais jovens, depois
de atacarem os mais aglomerados e frágeis, em especial idoso/
as e doentes. E muitas vezes nessas localidades/municípios se
tem mais problemas logísticos para elevar os níveis de imuni-
zação da forma mais eficaz até hoje descoberta: a vacinação.
Se os dados das grandes cidades-metrópoles são muitas vezes
imprecisos e defasados, o problema se torna ainda maior nas
pequenas localidades, em particular no caso brasileiro ao se
tratar do chamado Brasil profundo. Além dos problemas de-
correntes para fins comparativos mundiais. Infelizmente, as
informações dispersas mostram que o problema não arrefece
em função da capacidade adaptativa do vírus em populações
aglomeradas dispersas e mais jovens. Enquanto circula se
adapta dizem os virologistas9. A falta de dados se soma aos de-
mais problemas. E o mau exemplo de referência de desmonte
da produção de dados no Brasil é razoavelmente recente e não
se estava em período tão crítico. Os efeitos sobre a implanta-
ção de políticas foram graves pela falta de descrição numérico-
-quantitativa gerada quando o governo Collor (1990-1992)
adiou o Censo de 1990 para 1991 e ainda o realizou de forma
desestruturada. Três décadas depois o problema retorna ao
Brasil de 2021 sem Censo de 2020, em mais um desmanche
de linhas de tempo fundamentais para análise. E se segue sem
saber se haverá Censo ainda nesse governo (2019-2022). Um
país cronicamente inviável em 2000 retorna10. Quase duas
décadas de grandes avanços e imensos problemas enfrentados
31
mática do conhecimento técnico-científico e, logo, restrito
ao domínio geral e daí encaminhando para as abordagens
de clássicos do pensamento econômico que se fazem ainda
mais contundente no âmbito do controle monopsónico e
monopólico das Big Tech e seu impacto em nossa formação
social nacional, associado a alto nível de emprego de mão-
-de-obra pouco qualificada em relações de trabalho precá-
rias e de baixa remuneração, cujo efeito social certamente
não aponta para algum grau de emancipação e liberdade
derivado da ampliação de acesso a tecnologia. Felizmente,
embora o anunciado anticlímax, Professor Fábio nos ofere-
ce algumas possibilidades de saída.
Impulsionador da pesquisa e do evento, ao mesmo
tempo em que incentivou intensamente a aproximação
com instituições americanas de pesquisa e a abordagem
comparativa e associada da experiência porto-alegrense e
gaúcha à norte-americana, dado seu interesse há anos pelo
potencial para implantação de uma economia sustentável e
inovadora, segundo sua avaliação, no Rio Grande do Sul,
a partir da área central de Porto Alegre desde a estratégia
leapfrog; avaliação absolutamente relevante dada sua vasta
experiência internacional ligada a Global Urban Develo-
pment (GUD)20 e no período do evento realizando Pós-
-Doc na Faculdade de Arquitetura da UFRGS, o Dr. Marc
Weiss apresenta em seu artigo The Porto Alegre Sustainable
Innovation Zone (ZISPOA) and participatory community
transformation uma descrição do processo de implantação
do ZISPOA e a relação com a experiência de participa-
ção comunitária na cidade. Uma dinâmica marcada pela
20 https://www.globalurban.org/
32
construção de um arcabouço relacional entre estruturas de
Estado, Universidade e Startups, incluindo apoios interna-
cionais a iniciativas particularmente relevantes de acesso à
inovação tecnológica. A história do Dr. Marc com a cidade
já tem mais de uma década e sua contribuição acadêmica e
na difusão de estratégias econômicas fundadas na inovação
sustentável é ampla e de grande influência.
Sem dúvida, um aspecto particular e mundial das ex-
periências locais na passagem do século XX para o século
XXI é a difusão internacional, simultaneamente, das prá-
ticas de gestão urbana participativas, desde a centralidade
reconhecida de Porto Alegre, e a emergência de instâncias
internacionais de governos locais (municipais e regionais).
A Profa. Vanessa Marx, pesquisadora deste novo momento
das relações internacionais em que os governos locais cons-
tituem seus fóruns internacionais se tornando atores rele-
vantes e centrais em questões mundiais, foca no artigo Os
movimentos sociais brasileiros e sua internacionalização o (re)
surgimento dos movimentos sociais no cenário internacio-
nal com uma perspectiva contra hegemônica ao processo da
chamada globalização, em que movimentos de base local e/
ou nacional assumem nas últimas décadas papel indiscutível
no sistema internacional, devido ao impacto da globalização
nas questões locais e/ou nacionais. Desde uma perspectiva
da tradição crítica, o artigo apresenta as relações estabeleci-
das entre atores e agentes de diferentes escalas e o reconheci-
mento da legitimidade dos movimentos sociais em debates
no sistema internacional a partir de posições assumidas por
instituições do Estado Nacional no caso brasileiro, em es-
pecial tratando a inserção do movimento de mulheres em
instâncias do Mercosul. Uma abordagem que demonstra a
relação indissociável entre as lutas locais e globais e a função
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central que governos comprometidos com a implantação de
políticas públicas democráticas e progressistas no âmbito do
Estado nacional cumprem para inserção dos movimentos so-
ciais como agentes legítimos das questões mundiais.
Se a fome nunca deixou de ser um problema na so-
ciedade mundial apesar da aceleração da escala da produ-
ção global, o desmonte das políticas sociais no caso brasilei-
ro particularmente a partir de 2016 e a crise pandêmica do
COVID-19 agravaram tremendamente a questão dado o
aumento assustador da quantidade de famílias e indivíduos
em insegurança alimentar. A/os pesquisadores Gabriela
Coelho-de-Souza, Felipe Brizoela e Rafaela Biehl Printes
apresentam no artigo Agroecologia e Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional e o Coletivo Mbya Guarani no Sul
do Brasil: colaboração da academia em dinâmicas de transfor-
mações comunitárias participativas em diálogo com políticas
públicas uma análise de como a universidade, em especial
a Universidade Pública, pode criar coletivos/fóruns de in-
tercâmbio de práticas e saberes e conhecimentos, desde a
experiência de um projeto de extensão com caráter de pes-
quisa em comunidade indígena. O artigo analisa as possi-
bilidades institucionais a partir do ambiente acadêmico e
os impactos que a criação de espaços de interlocução com
comunidades traz em termos territoriais desde a articula-
ção entre Agroecologia, Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional. Todavia, os/as autores não fogem do que tal
abordagem traz intrínseca: uma problemática epistêmica.
Problemática epistêmica porque a abordagem não foge ao
desafio de estabelecer a discussão nesse nível, desde a aná-
lise de uma prática que pressupõe posições de igualdade
na troca de saberes e práticas e conhecimentos. Repete-se
o “e” porque se tem o sentido imediato de apontar para
34
uma transversalização das relações entre os agentes envolvi-
dos, logo não verticais. Aliás, transversalidade expressa na
autoria do próprio artigo pela presença do cacique Felipe
Brizoela da aldeia Pindoty, do município de Riozinho21.
Quase onipresente nos artigos e, logo, nesse Prefácio,
o OP, desde sua experiência em Porto Alegre tem no artigo
Movimentos sociais e desenvolvimento local: reflexões sobre o
impacto do OP no território, seu aparecimento mais explícito
e, talvez, na tradição dos estudos sobre o OP uma aborda-
gem particularmente contundente no sentido de apresentar
as relações intrínsecas entre exemplar experiência de produ-
ção territorial, no sentido imediato de um território que se
des-re-monta, ou na terminologia consagrada se des-re-terri-
torializa22, em termos de práticas sobre uma territorialidade
que pressupõe participação comunitária enquanto práxis23
tendo como um dos polos nucleares a experiência do OP na
comunidade/experiência em análise. Tarson Núñez, não só
produz academicamente desde 2010 sobre o tema como já
era interlocutor desde os primórdios do OP em Porto Ale-
gre, pois ocupou lugar central no funcionamento lá no iní-
cio da experiência como ator do governo local (1993-1994),
como também uma das referências em fóruns e organiza-
Wrana Panizzi
39
e da mobilização efetiva da população na construção e na
execução de ações públicas de desenvolvimento, sobretudo
no que tange à gestão e ao governo das cidades.
Como pedra de toque, ambas as cidades, dado que
estão inseridas em algumas das maiores democracias do
mundo, buscam, na resolução de seus problemas mais ime-
diatos e também de longo prazo, sempre privilegiar valores
que levem em conta os princípios básicos da democracia,
quais sejam: a representação, a participação e o exercício
pleno da cidadania.
A preocupação com essas questões tem se manifesta-
do contundentemente em diferentes Estados e regiões do
planeta e, já há algumas décadas, os dados têm mostrado
um certo esgotamento de modelos tributários aos modelos
de desenvolvimento vigentes nas décadas de 1950/1960,
1970/1980 e 1990/2000, como já escrevi em outro lugar
(PANIZZI, 2016), de modo que, como contraponto a essa
crescente crise tanto econômica quanto política, tem-se
buscado novas saídas, e uma delas encontra assento no mo-
delo proposto pelo orçamento participativo e outros tri-
butários a experiências locais latino-americanas ocorridas
no Brasil (FEDOZZI, 2009a, 2009b; BAQUERO et AL.,
2005; KUNRATH e SILVA, 2012; GONZÁLES, 2011),
no Equador (ORBES, 2017), na Bolívia, Colômbia (SAN-
TANA, 2009) e em outras partes de Nuestra América.
Sobretudo, o que se busca com o resgate desses mo-
delos ligados a experiências locais é dar resposta a profun-
da crise de representação e legitimidade que os governos
latino-americanos a mais tempo e o governo americano a
menos tempo têm tido junto a população em geral no que
se refere a gestão das contas públicas e aos investimentos
tidos como prioritários para a população. Cabe aqui res-
40
saltar que, em um momento em que os recursos se tornam
mais escassos, ninguém quer ter em sua mão a tesoura dos
cortes, de modo que colocar o cidadão no centro das deci-
sões se mostra como uma saída política deveras interessante
que permite ao governo, pouco ou nenhum desgaste polí-
tico à longo prazo. Algo que, do ponto de vista histórico,
se assenta no pensamento de Nicolau Maquiavel (2017)
quando diz: se tem que fazer o bem, o faça aos poucos; se
tem que fazer o mal, o faça de uma vez só.
Contudo, sobre a ilusão do poder distribuído, que
aos olhos do povo é o bem, o mal é feito. Mas é o povo que
sujará suas mãos de sangue ao priorizar investimentos em
infraestrutura viária e não em saúde, pois a opção de abrir e
pavimentar ruas também serve para abrir caminho para as
carpideiras que chorarão seus mortos nas filas dos postos de
saúde que não tiveram recursos a eles direcionados.
Sobretudo o que se busca com o resgate dessas ex-
periências, que seguem modelos semelhantes ao do Or-
çamento Participativo de Porto Alegre e de outras expe-
riências latino-americanas congêneres, é promover ações
participativas voltadas ao equacionamento das demandas
da população – por ela mesma e não mais pelo Estado – e,
mais do que isso, à promoção e à observação de experiên-
cias inovadoras que nada mais são do que uma retomada
do comunalismo e do comunismo primitivo tão comum às
populações tidas como tradicionais como é caso das aldeias
indígenas, dos quilombos e de uma série de comunidades
rurais espalhadas pelo mundo afora. A diferença, no en-
tanto, reside na escala. Se no caso dessas populações estão
envolvidas poucas centenas de pessoas, no caso de Porto
Alegre são milhares de pessoas e de Nova Iorque, alguns
milhões. Como mostra o quadro a seguir:
41
Quadro 1: Comparativo escalar de População e Arrecadação
Cidade População
Tóquio, Japão 38,8 milhões de habitantes
Jacarta, Indonésia 31,5 milhões de habitantes
Seul, Coreia do Sul 25,6 milhões de habitantes
Karachi, Paquistão 24,3 milhões de habitantes
Xangai, China 24,2 milhões de habitantes
Nova York, Estados Unidos 23,6 milhões de habitantes
Manila, Filipinas 22,7 milhões de habitantes
Cidade do México, México 22,2 milhões de habitantes
Delhi, Índia 21,8 milhões de habitantes
Pequim, China 21,5 milhões de habitantes
São Paulo, Brasil 21,3 milhões de habitantes
Lagos, Nigéria 21 milhões de habitantes
Fonte: Wikipédia
44
suas expectativas existe um longo vácuo e, portanto, uma
enorme frustração. Pois, os espaços de representação estão
separados dos espaços de poder. E o povo diz: não quero
mais ser representado, quero participar; não quero mais
dar opinião, quero decidir! E, sobretudo, quero poder ver
e usufruir da efetividade e da concretude das respostas
políticas oferecidas às demandas da população.
Configura-se, assim, a ideia de que ao exercer a parti-
cipação a sociedade se aproxima mais e se apodera da prática
e da internalização da democracia como “modus vivendi” do
exercício do poder institucionalizado via estruturas vigentes
ou da percepção de novos valores e novas dimensões do exer-
cício e das práticas da cidadania. Mas, isso não é tão evidente
quanto parece ser! Há um conjunto de questões que se so-
brepõe a este corolário perpassando as questões da vontade
individual e/ou coletiva àquelas inerentes à natureza dos es-
paços públicos e das fronteiras que diferenciam as diversas
realidades dos países e regiões: maiores índices e padrões de
desenvolvimento econômico e social, sociedades mais ativas,
passivas, autoritárias e de múltiplos perfis históricos-societá-
rios, como se mostra evidente, comparativamente, no qua-
dro 1, a partir do PIB de Porto Alegre e Nova Iorque.
Isso associado aos efeitos das transformações ocorridas
nas últimas décadas do século passado, que contribuíram e
provocaram a construção de novas alternativas disponibiliza-
das e atividades ao exercício político da população que po-
deriam ultrapassar e/ou corrigir os padrões de representação
existentes nas cidades em geral que, com a criação e valo-
rização das ações comunitárias como lócus, de inovação de
soluções para o exercício político, abrem um novo horizonte
de possibilidades para a democracia, qual seja: da retomada
do poder local como espaço de liderança e exercício mais
45
efetivo da cidadania, onde, a valorização e a transposição das
instâncias decisórias mais amplas – nacionais e regionais –
para o âmbito comunitário – local, ganham centralidade no
interior desses novos arranjos institucionais.
É, pois, neste contexto, que o Orçamento Partici-
pativo promove uma volta à comunidade, ao comunalis-
mo e à ideia de governo do povo feito pelo povo como
pressupõe o prefixo grego “demos”. Movimento esse que
eleva a discussão acerca da gestão dos recursos públicos a
um outro patamar, qual seja, de trazer para arena pública
os interesses e vontades de pouco mais de 210 milhões de
cidadãos brasileiros que não estão na lista da revista For-
bes. De modo que, quando mencionamos a experiência
do Orçamento Participativo, estamos nos referindo a um
modelo de desenvolvimento, de gestão das cidades e dos
recursos públicos que busca transpor os limites das ins-
tituições tradicionais e da ação política desconectada da
realidade, uma vez que, tal iniciativa não somente apro-
xima o cidadão do Estado, mas também o coloca como
co-particípe das decisões do primeiro.
Desde essa perspectiva, o Orçamento Participativo
surge como uma prática de democracia participativa que
goza de legitimidade e reconhecimento público, local,
nacional e internacional. A ideia de democracia não é
recente; sabe-se que ela existe há mais de 2 mil anos e,
ainda hoje, depara-se com as suas imperfeições e discu-
te-se o seu efetivo alcance. Daí a questão: como explicar
a repercussão e a adesão a este instrumento, sua expan-
são em diferentes lugares, cidades e diferentes governos
mundo afora em continentes distantes!?
O Orçamento Participativo foi criado no Brasil, no
final da década de 1980, evoluiu e passou com o tempo
46
a ser adotado em muitas cidades brasileiras, além dessas,
em cidades americanas e europeias. A atenção a este ins-
trumento sustentou-se, de forma especial, na constatação
de o mesmo ser uma ferramenta que aproxima o cidadão
do poder público. Aí o seu valor e reconhecimento que,
nas palavras de Brian Wampler, cientista político ligado
a Universidade Americana de Boise State (OLIVEIRA,
2016), envolve “a demanda das sociedades por mais trans-
parência no processo político” uma vez que, promove um
aumento do “interesse por modelos de gestão comunitá-
ria” e implica numa “forma de educar a população sobre o
uso do dinheiro público por meio de uma ferramenta que
gera resultados concretos nos municípios”.
Dito isto, tem-se que no presente seminário, e a
partir da rica conferência inaugural do professor Michael
Menses, podemos perceber o significado da reflexão aqui
proposta sobre o Orçamento Participativo e outras tantas,
ainda, a serem apresentadas, sobre a riqueza e a complexi-
dade que as diferentes práticas comunitárias, suas ampli-
tudes e diferenças, se revelam como formas concretas de
exercícios e vivências políticas. E mais, explorar o modo
como estas experiências estimulam e desafiam a reflexão
teórica sobre as bases conceituais das atividades e ações
políticas e de governo, do poder público e suas relações
com o papel da sociedade civil.
A apresentação da experiência americana de Or-
çamento Participativo, trazida pelo referido professor a
partir do caso de Nova Iorque, assume aqui o papel cen-
tral e provocador que teve sua fala entre os participantes
do referido seminário ao longo de quase uma semana de
debates e discussões realizadas junto a Faculdade de Ar-
quitetura da UFRGS.
47
A mim, coube a tarefa de tecer alguns comentários
sobre o que lá ouvimos. É o que consta da programação e
desde já agradeço a deferência do convite. Mas é preciso
que fique muito claro que não sou uma estudiosa do Or-
çamento Participativo. Muitos dos que lá estiveram, têm
larga experiência enquanto mentores de vários programas
e projetos como também de numerosas pesquisas, estudos,
teses e textos sobre o tema. Enumerá-los, todos, é impossí-
vel, mas cabe destacar os trabalhos e o papel de difusão da
experiência brasileira de Orçamento Participativo, a partir
do caso de Porto Alegre dos professores Luciano Fedozzi e
Tarson Nuñez. Estes e outros tantos pesquisadores que, a
seu tempo, contribuíram para a expansão e a inovação des-
ta ferramenta não só no Brasil, mas pelo mundo.
Estudos esses que, particularmente, iluminam os co-
mentários que aqui ouso apresentar enquanto uma não-es-
pecialista no tema, mas uma atenta etnógrafa das relações
e construções que se fizeram presentes no decorrer do se-
minário do qual esse livro é um dos resultados concretos.
Não se trata, portanto, de estabelecer e questionar
as trajetórias dos Orçamentos Participativos de Porto Ale-
gre e Nova Iorque, mas de evidenciar alguns aspectos e
interrogações que estas experiências e outros casos nos
provocam a pensar sobre o tema geral das transformações
comunitárias participativas que envolvem diferentes pro-
cessos que têm como ponto de partida seu caráter ino-
vador e sustentável, não por acaso, conceitos esses que
adjetivam o subtítulo do seminário e também o conjunto
de textos do qual esse faz parte.
A implantação e o reconhecimento do Orçamento
Participativo representa uma proposta inovadora de par-
ticipação que tem servido como instrumento capaz de
48
aproximar a comunidade do poder público com vistas a
construção de alternativas de desenvolvimento que tem
como mote a sua sustentabilidade à longo prazo, fazendo,
assim, frente à crise democrática e de representação que
têm tirado o sono da maioria dos líderes democráticos de
todo o mundo, estejam eles no sul da América do Sul ou
no centro da América do Norte.
Ademais, a expansão e o reconhecimento interna-
cional desses instrumentos e de suas ideias básicas propor-
cionaram não só o seu sucesso como proposta de exercício
de cidadania, mas também como campo de reflexão teó-
rico-prático que envolve instrumentos e conceitos susten-
tadores de uma racionalidade comprometida com valores
e ideias democráticas.
Tais valores e ideias têm como mote o crescimento
real e o desenvolvimento social, de caráter coletivo, agrega-
do e distribuído entre as diferentes camadas populacionais.
Contudo, não constituem apenas a aplicação idílica de mo-
delos e equações que nunca saem do papel como é o caso,
por exemplo, da cartilha do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional. Esta, durante muito tempo, con-
siderada o livro de cabeceira dos governantes latino-ameri-
canos e que, de certo modo, faz parte dos principais fatores
produtores dessa crise de representação que hoje assombra
aqueles que outrora foram executores dessa cartilha.
Grosso modo, podemos dizer que a adoção do Orça-
mento Participativo teve diferentes “motivações” e encon-
trou um campo fértil para sua implantação por diferentes
razões. De uma forma mais ampla, como já dissemos no
início deste texto, a partir da crise da democracia e da gra-
dativa pauperização e alcance dos instrumentos existentes.
Assim, podemos ver que no Brasil, berço do Orçamento
49
Participativo, o seu início ocorreu após o período da Di-
tadura Militar, em 1989, e ele voltou-se, inicialmente, a
amenizar a desconfiança do papel do Estado em relação às
instituições políticas e, como em toda a América Latina,
o foco centrou-se nos estratos populacionais mais pobres,
carentes de serviços básicos.
Por sua vez, nos países centrais – Estados Unidos
e Europa – o Orçamento Participativo volta-se às cha-
madas minorias e aos grupos de imigrantes, passando
aos poucos a atrair a presença da classe média, grande
consumidora dos serviços públicos.
É bom chamar a atenção para o fato de que não existe
um “manual único” de implantação do Orçamento Partici-
pativo; cada cidade, região ou país tem adotado seu próprio
modelo, usando de originalidade e progressiva construção
a partir das suas formas de atração da população e do re-
conhecimento de suas demandas, com diferentes estruturas
institucionais. Daí a existência de múltiplas formas híbridas!
Contribuiu para isto, também, as diferentes características
das cidades: natureza identitária; tamanho, porte e funções;
localização continental, América, Europa, África; e posições
políticas partidárias dos governos, direita e esquerda.
Neste sentido, situa-se o que afirmou o professor
Yves Cabannes (OLIVEIRA, 2016), do College of Lon-
don, conhecido pelos seus trabalhos em relação à América
Latina, de que, no Brasil, “o Orçamento Participativo fi-
nancia obras básicas que necessitam de maior investimen-
to, mas nos países ricos os projetos são majoritariamente
de serviços de qualidade de vida”. De modo que, antro-
pologicamente, podemos dizer que sua implementação
envolve também o conhecimento da realidade cultural de
cada país e aquilo que é tido como elemento balizador da
50
ação política em cada lugar/território, pois só se luta por
comida, se se passa fome.
É preciso, pois, aprender e julgar os efeitos desse
instrumento participativo a partir das lições que as di-
ferentes experiências nacionais e internacionais nos en-
sinam. Umas com maior história e continuidade, outras
com alguns revezes e transformações desestruturadoras.
Contudo, há de se convir que, como nos lembra
Bourdieu et Al (1999), não podemos nos deixar cair em
um mero exercício de sociologia espontânea e pensarmos
somente no sucesso e fracasso dessas experiências em di-
ferentes locais, na medida em que, aquilo que não dá cer-
to, também nos ensina. E como, estamos nos referindo a
um processo de construção de uma experiência como a do
Orçamento Participativo é importante que olhemos para
nossos êxitos e fracassos no que tange a sua implementação
e que, consideremos esses, a partir de dimensões diferen-
ciadas que envolvem as particularidades políticas, econô-
micas, culturais de cada experiência e/ou território onde o
Orçamento Participativo se faz presente.
Uma observação que também chama a atenção,
quando da reflexão sobre as práticas do Orçamento Par-
ticipativo e seus legados, refere-se à consideração e análise
de experiências cujas configurações transitam e despontam
por outros caminhos e “espécies” de exercícios político-ins-
titucionais. Salientamos como exemplo uma atividade co-
munitária expressa pelas ocupações habitacionais e de terra
e outras tantas diferentes formas de construção do espaço
urbano (PANIZZI, 1988). Fatos estes que trazem impor-
tantes aportes de temas, avanços e recuos sobre a natureza
teórico-científica, objeto de atenção e de exploração neste
seminário e do Grupo de Pesquisa acima mencionado.
51
Por fim, cabe observar ainda que a ampliação e o
aprofundamento da reflexão sobre o tema passa, neces-
sariamente, por uma discussão acerca da validade e da
essência última do Orçamento Participativo no que tan-
ge à prevalência e ao fortalecimento de valores caros à
democracia, tais como a participação, a representação e
a legitimidade dos governos democráticos. Tudo isso a
partir da integração da população ao Estado com vistas
ao fomento da participação cidadã e ao exercício pleno
da cidadania nos órgãos representativos e colegiados de
natureza diversa. Estes órgãos passam a atuar no seio das
decisões que são tomadas no interior do Estado, em es-
pecial, no que tange à gestão de recursos públicos e à
implementação de políticas voltadas àqueles segmentos
da população que estão à margem dos 239 bilionários
citados pela revista americana.
Portanto, do ponto de vista de sua ontologia, o exer-
cício da cidadania não envolve apenas o participar e se
constituir em um agente da polis e de sua direção; é preciso
ir além para avançar na verdadeira apropriação do valor
da democracia e da política sob o risco de, como Sócrates,
sermos condenados à morte pela ingestão de cicuta.
Mais do que uma experiência pontual, a experiên-
cia do Orçamento Participativo, tanto em Porto Alegre
quanto em Nova Iorque, como mostram os textos que
compõem essa publicação, se constitui em quase um
excerto extemporâneo do diálogo emulado com Sócra-
tes por seus amigos quando, este, sob o efeito da cicuta,
aguarda o momento de seu encontro com Hades. Ou seja,
daquilo que se quer deixar como legado às próximas ge-
rações. Algo que, de certa forma se reproduz no diálogo
abaixo extraído de Fedón:
52
Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou
certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o
que nos propomos investigar.
53
na efetividade do alimento do corpo... Algo que no âmbito
da alma se refere a valores que, diferentemente dos praze-
res mundanos, envolve não só a satisfação do espírito, mas
também o crescimento da alma.
Algo que, no que tange à democracia e à prevalência
de valores democráticos, implica em compreender a expe-
riência do Orçamento Participativo como um processo
permanente de construção do mundo que transcende o
tempo presente e envolve um futuro que ainda está por
vir. Algo que alegoricamente Platão coloca da seguinte
forma, quando se refere ao mundo dos homens (da políti-
ca) e busca abordar o modo como a realidade é percebida:
54
Um mundo, quase que em caos permanente, onde poucos
sempre representaram muitos e que agora, sob a batida do
pêndulo de Platão, têm, no Orçamento Participativo, o fiel
da balança, daquilo que deixaremos como legado para as
gerações futuras.
Encerro este texto, congratulando os palestrantes e as
reflexões que estes conseguiram provocar em mim de modo
tão seminal, uma vez que, como coloca Rubem Alves, a fina-
lidade de um seminário sempre é a de fecundar ideias e não
de simplesmente expô-las, pois o nome disso é apresentação.
Nesse sentido, importa aqui destacar que o título
deste texto vai bem além do argumento que desenvolvo
no mesmo. Constitui-se muito mais em uma provocação
epistêmica ao leitor do que um monólogo interpretativo
da realidade tão comum às ciências humanas, que buscam
mais instigar, provar teses.
55
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57
58
From City-Wide Participatory Budgeting in NYC
to a Global Green New Deal: on the Power and
Role of PB in a Time of System Change
Michael Menser
59
to all NYCers thereby institutionalizing a shift in scale from
scattered city council districts with small pots of money to
a city wide process with dedicated infrastructural support-
ed by the CEC. In the summer of 2020 the new process
officially begins alongside a parallel PB process that will
involve 10s of thousands of young people in 300 plus NYC
high schools as part of the Mayor’s “civics for all” initiative.
And all this happens as the Civic Engagement Commis-
sion carries out its mission to provide technical assistance
to NYC’s 50 plus community boards so that these local in-
terfaces between community and the city bureaucracy have
more technical assistance and support especially on that
most fraught of urban issues: development and land use1.
In this essay, I will discuss the implications of these
high profile developments. I begin with a history of PB in
NYC, noting its successes and limitations versus PB’s origi-
nal version in Porto Alegre, Brazil, detail the emerging PB in
NYC high schools and how it might play a role in changing
the default conception of democracy from competitive elec-
tions to collaborative problem solving. I then look at how
PB could play a supporting role as NYC neighborhoods and
infrastructure struggle to adapt to the challenges of climate
change--from sea level rise to more intense storms and heat-
waves--amidst continued onslaughts of gentrification and
“rising rents”. I argue that while PB can play an important
role in small scale neighborhood resilience efforts especially
in terms of adaptive learning, such efforts are at best fragile
and at worst doomed without a large-scale reconstruction of
the physical and bureaucratic infrastructures like those that
are called for by proponents of a Green New Deal. I argue
1 https://www.gothamgazette.com/city/8265-city-s-new-civic-engage-
ment-commission-set-to-be-named-in-april-is-accepting-applications
60
that PB and other forms of participatory governance and
economic democracy have a crucial role to play to make sure
that such programs, if and when they come, are driven by
community needs and imaginations but integrate the com-
plex insights of climate science and bureaucratic technical
expertise. My conclusions are twofold: important impacts
of PB can come from high profile expansions like city wide
participatory budgeting and in the schools PBs, but they can
also happen with PB playing a subordinate role in system
change programs such as criminal justice transformation
and the Green New Deal.
61
a socio-ecological resilience engagement process (also in
Brooklyn) is formulating projects for PB this fall2.
Clearly PB is on the rise in NYC, but what have been
the impacts so far? And what are the goals going forward?
Is simply doing more PB a good in itself or might there be a
power shifting democratization that happens that goes be-
yond “this many people voted and chose this many projects”
kind of valuation? Put another way, does PB’s spread express
a fundamental democratization occurring in this capital of
finance or is it just another innovative but low impact effort
doomed to stay, if not on the margins, “subordinate”? In this
essay I will discuss the origins and evolution of PB in NYC,
its past successes and limits, its near future possibilities, and
long term challenges. I will argue that when it comes to the
big challenges that cities face: rising economic inequality,
climate change, and the domination, exploitation, and ex-
clusion of peoples due by structural racism, PB’s potential is
significant, and its role is critical, but limited in important
ways. Does this mean we should abandon PB? No. Far from
it. This means that we should have a better understanding
of how and where to use it, of the actors and relationships
needed to support it. And we need to more strategically
understand the way PB can support other democratization
efforts such as healthcare and criminal justice reform, eco-
nomic democracy initiatives such as forming and support-
ing cooperatives and women and minority owned businesses
(MWBEs), as well as climate change adaptation and the pur-
suit of socio-ecological resilience. And this is why the current
case of NYC is so important.
2 The latter is part of a project led by the Science and Resilience Insti-
tute at Jamaica Bay in partnership with Public Agenda and the Center
for the Study of Brooklyn at Brooklyn College. More below.
62
It is my view that, PB in NYC has the potential to
forward the project of participatory democracy (PD) that is
inclusive, inequality-reducing, capability developing, equi-
ty-enhancing, authority-sharing, sustainable, and resilient.
This is what I call PD PB3. But in NYC, this PD PB is best
understood not as a community building process--I think
PB’s ability is actually limited in this regard in most but not
all cases in the US--but as a democratizing interface that can
interlink government bureaucracies, expert knowledges and
data (scientific, commercial and “local”). But, of course,
PB in particular and PD more broadly has to do this while
engaged with forces which are not only against participa-
tory democracy, but also in their extremist forms, against
the (staid? stale?) older forms of representative government
which had provided a backdrop for so much PB experi-
mentation. How do PB and PD more generally “negotiate”
and indeed “fight” these forces in this contentious, com-
bative and divisive political moment? And to make things
even more complicated, the technological transformations
fostered by social media and technology companies more
broadly from Silicon Valley in the US to the Pearl River
Delta in China are producing an epochal and existential
transformation of human interaction with respect not only
to communications and politics but in labor, social life, and
the planetary ecology. How does PB and PD fit into that?!4.
3 For my account of PD PB see Menser We Decide! Theories and
Cases in Participatory Democracy (Temple University Press, 2018),
but here I am adding socio-ecological resilience and sustainability to
my account. Most PBs throughout the world are not PD. See Menser,
n. 69, pp. 79-87, 2018.
4 I do not take up this question at length in this essay but am in a
future one which builds upon the work of Shoshana Zuboff’s “The Age
of Surveillance Capitalism”.
63
PB started in 1989 in Porto Alegre, Brazil and has
spread to 1000s of cities across five continents. Much has
been accomplished from the perspective of “process de-
mocracy” (more diverse people involved and empowered
in governmental decision-making) and the democracy
of public goods (more infrastructure and programs that
directly benefit more people) both of which when done
right reduce inequality and enhance equity. But while PB
has led to such gains in some cities, in most it has not.
And even in the ones that it has succeeded to great extent
(such as Porto Alegre), it has not done so in a way that has
changed the city fundamentally. Indeed, in Porto Alegre,
PB and its movements have suffered recent (but tempo-
rary!) defeats. Can NYC PB learn from these failures and
defeats? To answer this question, we have to go back to
the beginning.
67
science fair. But the buzz in the room wasn’t over home-
made solar system models or photosynthesis; it was the
sound of revolutionary civics in action (SANGHA 2011
quoted in MENSER, 2018, p. 74, my emphasis).
68
PB NYC and Political Equality
71
most power in the PB process because they shape the bal-
lot itself. When compared to elected officials at the local
level, and even more so at the state and national levels, PB
has many more women participating. For example, there
are twice as many men as women on the NYC council,
but in PB processes, more women than men participate
as delegates and as voters (KASDAN, MARKMAN and
CONVEY, 2014). PB fostered a more “common good”
perspective and brought attention to (infra)structural in-
equality. As one delegate pithily put it, “People came out
with a community agenda rather than a personal agenda”
(KASDAN and CATELL, 2012, p. 24). This is a core
concern for practically every defender of PD, from Rous-
seau thru Pateman12. Most winning projects were focused
on basic needs and tended to benefit more people rather
than less, for example, public safety infrastructure (light-
ing, security cameras, traffic improvements) and technol-
ogy and computer upgrades for schools and libraries. In
another case, a proposal was withdrawn from a ballot be-
cause it was felt that the school applying for it already had
quite a few assets and other schools were in need of much
more basic infrastructure. So in this case, the proposer, a
teacher at a middle school, withdrew his proposal for a
green laboratory and outdoor teaching space and instead
his budget delegate committee looked at projects pro-
posed at schools with the highest need. There they found
a project for fixing tiles and putting doors on toilets in a
children’s restroom in PS 124. Cases of this sort occurred
in other districts as well13.
73
PB in NYC in 2011 and has become a spokesperson for
it. He also continued his fight for safe affordable housing
and criminal justice reform where he was instrumental in
getting the discriminatory policing policy called “stop and
frisk” – which unfairly targeted Black and Latino youth –
eliminated. (It should be noted that crime went DOWN
after its elimination.). Jumaane went on to run a very spirit-
ed campaign for Lieutenant Governor at the state level. He
lost a close race, but gained much respect and broadened
his reach and then successfully ran for Public Advocate of
NYC. He won. And now we will count on him in his city-
wide role to be an advocate for PB as it goes city-wide.
I tell this story because in the US part of the appeal
of PB is as a space for leadership development, especially
for those persons and communities excluded by structur-
alism racism. In the case of Jumaane Williams, PB was a
space for the further leadership development of an elected.
This is crucial because we need to create spaces for electeds
and public officials to learn about PB and PD more broad-
ly, and support them as they run for higher levels such as
the state and federal government. PB is also been used by
groups in NYC for leadership development with the for-
merly incarcerated (e.g. the Fortune Society) and for youth
(Coro). Indeed, one of the most successful PBs we have
done in the US was a youth PB in the city of Boston for
young people aged 12-25.
A project that got funding early on in CM Williams’
district was a middle school technology classroom. In the
year 2019, this might sound trivial but in the year 2012,
in central Brooklyn, it seemed an out-of-reach dream. A
community based organization called CAMBA had been
trying to get one for years. They finally got it through in
74
the first years of PB. I was there when they opened the
room to the public with school administrators, teachers,
parents, and students all present along with CM Williams.
I have a few photos of the event and there are two things
that are striking to this day. In the room there are two doz-
en computers and a projector and screen and whiteboard.
Fantastic. But as I moved through the room I came across
something incongruous: a simple table with several very
old cell phones carefully displayed on stands alongside a
DVD, a cassette tape, and a VHS tape. The sign above the
table said “history of technology museum” and it was put
together but the 12 and 13 year old students. The kids were
not only recipients of funding from the proposal but they
had used their own intelligence (and humor) to make this
project and its space their own.
Here we see the multidimensional impacts of PB its
best: a community subject to structuralism racism fulfills a
long unmet need and its young people make it their own;
a young person from the same neighborhood, substantive
and savvy, overcomes a disability, and becomes a rising po-
litical star, redefining NYC politics in terms of issues such
as criminal justice reform and who is able to hold elected
office. And he’s already had a major impact on the lives of
black and brown youth thanks to his political work and a
new kind of equity-enhancing participatory politics.
75
tion of a democratic culture and sensibility. It does this
in a manner that is multifaceted and multidimensional.
There is extensive literature that demonstrates this in Porto
Alegre. In NYC, there are some indications of this happen-
ing in some of the districts but not in others. A next phase
is about to start with city-wide PB and PB in the high
schools (more below), so greater impacts (we hope!) are
still to come. Still we know that in its first nine years, PB
imparts and develops skills that are needed to bring togeth-
er diverse populations in a jurisdiction. It creates a setting
– especially in the neighborhood assemblies and budget
delegate meetings – where people from divergent or con-
flicting social positions can talk about needs and ideas to
meet those needs. PB also offers a setting where individuals
can develop and exercise deliberative skills and learn about
the machinations of the particular political processes (this
is especially true for the budget delegates). Indeed, one
facet of PB that always pleases the council members and
their staff is that residents are exposed to the bureaucratic
restrictions that proposals often face. For example, a school
garden proposal in Jumaane’s 45th district was subject to
the jurisdictions of Departments of Transportation, Educa-
tion, Parks, and the State Dormitory Authority. Residents
are also exposed to the costs: yes, a new watering system for
a park costs $100,000 and bus location signs screens more
than twice that (KASDAN, MARKMAN and CONVEY,
2014, p. 26). A related benefit is that residents get a better
sense of how much civil servants do14.
The differences between PB in Porto Alegre and NYC
are most apparent in terms of who started it, how many
77
lion, more than 50,000 participated in its fourth year and
99,000 in 2018, but the percentage is still much less than
in Porto Alegre. Crucially, there are also some key differ-
ences in the structures of the processes. Many PB programs
in Brazil adopt a “quality of life index,” which allocates
greater resources on a per capita basis to poorer neighbor-
hoods. This creates a bias in favor of the poor, thereby en-
couraging poor citizens to participate. It is also designed to
encourage greater spending on the types of policy problems
that most strongly affect poor neighborhoods (e.g., access
to public health care and public housing, building basic
infrastructure). Research on PB in Brazil has demonstrated
that majorities of participants and elected PB delegates are
low income, have low levels of education, and are often
women, thus confirming that PB rules have successfully
expanded public venues to include poor and traditionally
excluded sectors. However, research has also shown that
the most vulnerable, the poorest of the poor, are usually
not effectively integrated into the process15.
The biggest difference between Porto Alegre and NYC
PBs is the degree of participation. In POA, the numbers
are multiples higher in terms of the assemblies. The most
qualitative difference between NYC and Porto Alegre is in
regard to who votes and how they vote. In NYC, tens of
thousands of residents turn out to vote and choose the pro-
posals. In Porto Alegre, a couple dozen delegates elected by
the residents in the assemblies choose the proposals in the
15 See Menser (2018). In the recently started Paris city wide PB,
the poorest of the poor, especially the homeless, have been prioritized
and receive extensive funding for projects. See the essay by long time
PB researcher Yves Cabannes: https://budgetparticipatif.paris.fr/bp/
plugins/download/YvesCabannes_PB_in_Paris.pdf
78
COP. The other difference, though, is that in Porto Alegre,
the ballot of proposals to be voted on is in part structured
by need. That is, those neighborhoods with greater need are
much more likely to have their proposals on the ballot and
have an increased chance of winning the vote. In NYC, no
formal measures like this are in place, and, although budget
delegates are urged to consider need, there is no mechanism
to formally favor the least advantaged areas16. Despite their
differences, it is my view that both Porto Alegre and NYC
PBs are both “participatory democratic” (PD) but NYC
is much less mature and impactful that porto Alegre at its
peak in the mid to late 2000s. Still, each has fulfilled our PD
norms (inclusive, capability developing, equity-enhancing,
authority-sharing) although Porto Alegre on a scale and with
a history that dwarfs that of NYC (MENSER, 2018).
16 Although many would like to see some kind of criteria like this for
city wide PB, the process not been designed yet, though it starts in
July 2020.
79
teachers and administrators vets the proposals and creates
the ballot and then the whole student body is eligible to
vote. This is the process Brooklyn College initially used.
PB in High Schools is different. First, it’s in a class, and
although Brooklyn College ended up shifting to hold-
ing assemblies in classes, there they were not full fledged
parts of the curriculum the way there are in NYC HS PB.
Relatedly, HS PB is mandated by the school system and
the Department of Education (DOE) and DOE working
with teachers determined how it would fit into the cur-
riculum. They decided to offer PB through two different
classes: economics and political science. A group of teach-
ers and administrators designed a curriculum with assign-
ments. PB is thus a multiweek activity with assignments
that happens in classes. The format is as follows: first stu-
dents learn about PB and its origins in Brazil (yeah!) and
its implementation as PB NYC. Then they learn about
PB from the perspective of one of the two classes. For
government, PB is taught in the context of civics. In eco-
nomics, PB is situated within a framework of construct-
ing a budget, both institutional and personal finance. The
learning objectives as stated by DOE are the following:
82
it itself, but as an introduction to forms of collective delib-
eration and power sharing in the economic sphere such as
worker owned and managed firms (worker cooperatives),
consumer owned and managed firms (consumer coopera-
tives), credit unions (financial cooperatives), and commu-
nity land trusts (property cooperatives). PB can be a kind
of gateway to other forms of PD as well as be a training
ground for basic PD skills and concepts that can be de-
ployed in these other venues. Indeed, in a set of Brook-
lyn high schools there are job training classes in the works
where students learn particularly useful skills for the job
market such as heating and air conditioning installation
and repair and pharmacy but also as part of the business
aspect of the curriculum will learn the basics of cooperative
management (where the workers are the owners)19.
Of course reaching tens of thousands of students a
year also creates a veritable PB “army” which can then go
onto participate in city wide PB and deepen the expecta-
tions of that process. But equally intriguing, what kind
of impact might PB have as the high schoolers take their
expectations of “learning democracy by doing democracy”
into colleges and universities?
And what kind of impact might these students make
who go into business? NYC is famous for its small busi-
nesses and family businesses, what if they were structured
democratically as cooperatives? NYC has the largest work-
er coop in the US, Community Home Healthcare Associ-
ates and the largest consumer coop, the Park Slope Food
86
administration, SRI@JB’s mission is to link all the different
types of scientific knowledge (of weather patterns and cli-
mate, flood dynamics and water quality, plant biology and
marsh restoration, the movement of sediment and ecosys-
tem dynamics) with all the different branches of govern-
ment that have jurisdiction over the bay (there are more
than 30!) to enhance the resilience of the ecosystems and
communities in the JB watershed. In its first years, SRI@
JB aimed to interconnect the different government agencies
and communities to utilize the best scientific knowledge
available to help government set priorities for enhancing
resilience for the ecosystems and communities. I came into
the mix not as a scientist but as philosopher interested in
environmental issues and with some scientific proficiency.
But more relevant is my extensive experience doing public
participation both with community groups and govern-
ment, especially in my work with PBP and then in specifi-
cally climate disaster contexts, including as a member of a
coalition of communities that had been severely impacted
by Superstorm Sandy in 2012. This coalition was person-
al: my own community – and household of four with two
young children – lost power for almost two weeks.
What fascinated me about SRI@JB was that not
only were the communities involved but so were the gov-
ernmental decision-makers. This is often not the case. Of-
tentimes communities meet to talk about their issues and
needs, and even their ideas and aspirations for solving their
problems. They may do so through “needs assessments” or
“visioning sessions,” but they usually do it without the ac-
tual power-holders in the room. There are virtues to this
approach: communities get to discuss and debate without
power holders framing the discussion or intimidating those
87
challenging current policy. I have seen both of these phe-
nomena occur and it’s important to have spaces where’s
communities can have this kind of autonomy. But all too
often those “autonomous” spaces never have any impact
on policy or governmental operations. In some cases they
may make difference in some plan, but then after the de-
cision is made the committee disbands, the community
is excluded, and there is no follow up much less regular
communication. Instead, the residents are subject to the
fiscal and administrative whims of the agency as the poli-
cy is implemented. Sure, there are success stories where it
all works out and, say, the street improvements reduce the
flooding. But too many times it’s not so smooth: a commu-
nity’s favorite basketball court is upgraded but it floods in
the summer time when it’s used the most.
The task for organizations like SRI@JB is to cre-
ate a more sustained and informed relationship between
community leaders and key agency staff, and also regularly
check in with the broader public. This is, of course, easier
said than done for at least three reasons23.The staff of SRI@
JB are neither elected officials nor community members,
they are scientists. And their primary job is to integrate the
science about the bay. This in itself is no easy task given the
different data sets which also reveal gaps in the knowledge.
For example, in JB, one of the contentious issues pertains
to the dredging of the bay from the inlet into its center.
Those who fish in the bay believe that this invites more
89
while Broad Channel and Breezy Point have attracted con-
siderable resources for adaptation, Canarsie has not, and
the community feels abandoned24.
As a member of SRI@JB and Brooklyn College, I am
part of a team doing a climate change adaptation process in
this neighborhood called “Cycles of Resilience.” Phase one be-
gan in November of 2018 with formation of working group
of community leaders who met with the team of scientists
from SRIJB, social scientists and engagement experts from
the non-profit Public Agenda, and the BC college based Cen-
ter for the Study of Brooklyn (I am a member of its board).
The goal of this initial working group was to build trust and
set the parameters for the process and the division of labor
and to educate each other about the history of Canarsie, the
landscape of current actors, and meet local electeds.
In the next phase (phase two), the goal was outreach to
the broader community. Here we departed from the standard
“information session” and instead developed a game. Games
are important in many Latin American political movements
and some have been used in PB as well25. For Cycles of Re-
silience, we borrowed a tool of practice from PBP and US
PB which utilized the format of USA game show Jeopardy to
teach people about budgeting and PB. We made the ques-
tions about the history of Jamaica Bay, famous people from
Canarsie, the social history of Canarsie, the ecology of Ja-
maica Bay, and the role of the different government agencies
in the area and JB. We did a few stand alone versions of the
game as an event unto itself where the community members
divided up into teams, played and then talked about what
24 https://blavity.com/blavity-original/how-this-brooklyn-community-
is-taking-matters-into-their-own-hand-to-fight-against-climate-change
25 See Josh Lerner’s 2014 “Making Democracy Fun” (MIT Press).
90
they learned, provided critical feedback on what was miss-
ing, and what most surprised them. These discussions were
fascinating; we found that allowing for this space of reflec-
tion enabled community members to really “own” the event
and drive the inquiry in ways that were more meaningful to
them (and hopefully inspire them to stay engaged!). We also
did mini-versions of the game at community events such
as fairs, and there kids especially wanted to play. All these
events spurred additional interest among some who wanted
to know more. This set us up for Phase 326.
Phase 3 was “getting to know the bay.” After the
“light” engagement of Phase 2, some community members
wanted to learn more so SRI@JB and Public Agenda set
up a three hour boat ride on the CUNY1 research vessel to
learn more about JB, see the marshes, the birds, dolphins,
and talk with scientists and agency officials as they also en-
joyed complimentary food and played a scavenger hunt
game. We did two of these events with about 25 commu-
nity members on each trip.
In Phase 4, “ideas and action,” after the deeper en-
gagement of Phase 3, community leaders formed actions
team to discuss and deliberate about community priorities
and the projects that best serve those priorities. The action
teams are on specific topics--civics, streets and transporta-
tion, blue and green infrastructure, and a community center-
-and anchored an “assembly” in a church basement attended
by more than 50 people. This phase led to the cultivation of
a new set of community advocates on “action teams”; those
who want to work together to further refine a specific pro-
posal and meet with relevant agencies to seek out funding.
26 https://blavity.com/blavity-original/how-this-brooklyn-community-
-is-taking-matters-into-their-own-hand-to-fight-against-climate-change
91
So what does all of this have to do with PB? The
multiphase process of PB NYC informed the Cycles of
Resilience process. Also, more directly, the proposals that
are eligible will also be submitted to the city wide PB in
2020. What this also shows is that PB can be placed into
an engagement process that has an independent set of civ-
ic, educational and political goals. While in some sense
the projects that will go into PB are the culmination of a
much longer engagement process, the goal of the engage-
ment process is not simply to do a PB, get a few proposals
funded, and then stop. The goal is to develop solidarity
and trust and educate community members so that they
will use this increased social capital and skills in many
ways, beyond Cycles of Resilience and the PB process,
for example in lobbying elected officials or city agencies
for action, funding for their proposals, and influence in
implementation and monitoring.
Cycles of Resilience offers a few lessons for those
interested in PB and PD more broadly--not to mention
climate adaptation. One, proposals for a PB process need
not be generated within the PB process. While this is in
some sense obvious since anyone can submit an idea into
PB NYC regardless of where it was created, the point is
that another PD process (e.g. Cycles of Resilience) can
frame a PB process. And projects can be generated in oth-
er PD processes that have other goals and agendas but
also are vetted proposals. Two, even though PB is itself
a multiphase process it can be fit into other multiphase
processes. Indeed, in another neighborhood in Brooklyn,
a school playground literally right across the street from
my own Brooklyn College won funding in PB, after many
years of trying, for the reconstruction of their schoolyard
92
to make it into a multiuse recreational area with plantings
and a garden. The community became so attracted to and
excited by the project that another local elected also put
in funding to make the school garden a community gar-
den as well so as to include community members outside
the school, and the school day and year when otherwise
it would be literally locked up27. What was amazing was
that the lead landscape architect of the garden included
school kids in the design of the expanded site. So the
process that followed the PB was also PD. Construction
starts in the spring of 2020.
Sustainability and resilience planning are sectors
which are only going to get bigger. Cycles of Resilience
shows how PB can fit into a sector without having to
dominate the framing. Here, PB is a process among oth-
ers, but a crucial one which educates and develops social
capital and solidarity in the community. This is differ-
ent from the traditional tactic of lobbying an elected or
governmental official to get one’s project through. Such
tactics while necessary often do not build trust in the
community since they are closed door and insider-ish and
often involve protest or bargaining (though the former
can be more social and solidarity enhancing.). Again, the
point is that this kind of mixed approach, of which PB is
a part, builds PD skills and regular relationships among
researchers, government, and community. PB is not just
about PB.
95
preservation and restoration of a socio-ecologically resil-
ient commons29. How do we construct such participatory
discussions at multiple scales? This is an under-discussed
dimension to all these (urgent and inspiring!) calls for a
Green New Deal.
36 Although it must be said that the opposite problem has arisen lately
(under Obama) when states refused aid that would benefit their con-
stituents because the opposition Republican governors did not want to
receive the funding from Democrat Obama.
99
In most current PB processes community members
discuss and deliberate with each other and then meet with
government officials to formulate proposals37. They make
sure the projects--say the reconstruction of a coastal board-
walk or a hydroponics lab in a school--are both technically
and fiscally feasible and meet the needs of the community.
But a Green New Deal PB must go further. First, it must
calculate not just the cost of the project but the number of
workers required with a rough estimate of wages paid and
hours worked just like any other project that the city builds
or sends out for bid. This is because politically, the GND,
just like the original New Deal, is a jobs program and
contra all that downsizing of jobs and wages through new
waves of automation, creating jobs for public works is itself
a public good38. Second, PB GND proposals need to be
evaluated in terms of sustainability and resilience. For ex-
ample, backup generators and power stations can enhance
resilience but if they are oil, diesel or gasoline powered they
are not sustainable. Renewable versions should be sought.
But more controversially, let’s say there is a proposal to
build a zero waste renewable energy powered housing de-
velopment but said development is in a flood plain. While
it satisfies the sustainability measure, it may not be feasible
from a resilience standpoint. These kinds of dilemmas are
inevitable with climate change becoming an already here
climate emergency. And this is something that a GND will
41 http://unevenearth.org/2019/11/trade-governance-will-make-or-
break-the-green-new-deal/
102
that a new road is required to get the product to port. The
new road is not financed by Brazil, it is financed by a glob-
al partnership led by a US based hedge fund, the largest
in the world, the Blackstone Group. The burning of the
Amazon is an international enterprise both in terms of the
financing of it, and the consumption of it!42. Saving the
Amazon requires that we change international trade rules,
and dramatically reduce the undemocratic and ecologically
devastating agenda of global finance43.
So what would a Green New Deal look like in the
global level to address these kinds of issues? While is ob-
vious that the global climate crisis requires international
action, is globalizing a US Green New Deal the appropri-
ate model? Democratic Presidential Candidate Elizabeth
Warren thinks so44. Warren uses the original New Deal
frame of “jobs” but then dips it in the sauce of national-
ism, what she calls “economic patriotism,” and sees the
program as a way the US can assert itself on the global
economic stage by dominating the market in renewable
energy. It draws upon the post WWII US model of the
Marshall Plan which financed rebuilding in war torn Eu-
rope but also structured international markets to US ad-
vantage. She is worth quoting at length in her own words:
46 https://www.theguardian.com/cities/ng-interactive/2018/jul/30/what-
china-belt-road-initiative-silk-road-explainer; Also, in a 21st century twist,
the infrastructure sometimes spies on the new users.
47 I owe this incredibly under-addressed geopolitical insight to the un-
published work of Aaron Eisenberg.
48 https://thediplomat.com/2018/01/if-china-bugged-the-au-headquar-
ters-what-african-countries-should-be-worried/
105
A neo-Marshall Plan will not get us to Climate Jus-
tice. Nor will China’s Belt and Road model. On the con-
trary, a global GND must organize a much more demo-
cratic model of financing as well as local ownership and
management models. A first step in this new architecture
is to build upon an existing program, the UN Global Cli-
mate Fund. This has a mainstream articulation in the Green
New Deal of Senator Bernie Sanders49. The Sanders plan is
a major upgrade from the original US version by Markey
and Ocasio-Cortez. And it diverges from Warren’s on at
least two issues: first, Bernie pushes for public ownership
rather than the public-private partnerships and corporate
leadership (albeit reformed and more intensely regulated)
called for by Warren. Second, Saunders does not call for
the US to achieve global market dominance, but instead
calls for demilitarization and the return and redeployment
of the US military and repurposing of the defense bud-
get. Sanders also calls for more community owned power
through worker and consumer cooperatives which also gets
at the inequality crisis in terms of ownership of assets as
well as more community control50. In sum, we might say
that Warren calls for a reformed green capitalism led by
US based, publicly regulated corporations and Bernie calls
for a democratic socialist or economic democracy program
that, like the plan of British Labor Party, calls for public
ownership mixed with cooperatives.
49 https://berniesanders.com/en/issues/green-new-deal/
50 There is also a deeper way in which the Department of Defense
with its extensive facilities across the US (and bases across the world)
impacts on local economies. To get to climate justice, we need a deep
transformation of the basic infrastructure of our country not just to
decarbonize but to promote a collaborative, creative culture.
106
A Climate Justice Driven Global Green New Deal
55 http://www.fao.org/agroecology/database/detail/en/c/452669/
56 See Menser (2018).
57 See the special issue of this journal edited by Baptiste and Rhiney:
https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0016718516301403
58 For more on what to do with the fossil fuel companies and how to transi-
tion to democratically owned and managed renewables, see Bozuwa: https://
thenextsystem.org/learn/stories/energy-democracy-taking-back-power
59 https://e360.yale.edu/features/let-it-be-why-we-must-save-alaskas-
pristine-tongass-forest
60 https://www.climatechangenews.com/2019/10/08/siberia-illegal-
-logging-feeds-chinas-factories-one-woman-fights-back/
109
as well as other key forests, prairies and grasslands. Such
protections need to end extraction/commodification of
these systems and center local communities supported by
global allies to conserve and/or restore those habitats. The
under-appreciated multilateral treaty that protects Ant-
arctica is an extreme but existing model for inspiration.
61 Check out Trade Unions for Energy Democracy for a union led perspec-
tive: http://unionsforenergydemocracy.org/resources/tued-publications/
62 Or it will be used for elites: https://www.tni.org/en/article/securing-
whose-future-militarism-in-an-age-of-climate-crisis
63 See the work of Rob Nixon on the “slow violence” of military destruction.
64 https://www.amnesty.org/en/latest/news/2019/08/killer-facts-2019-
the-scale-of-the-global-arms-trade/
110
Some of these reforms can be done immediately:
tax reform can happen at the domestic and international
level next year, while coordinating the green transition
and dismantling the US military might take a little lon-
ger. Some challenges are technological (like developing
a non-toxic battery), but many are about “political will”
and negotiation. With the current trade war between
China and the US, there is an opening that could allow
for an entirely different trade regime to emerge. Indeed,
from a climate perspective, the trade of goods must be
dramatically reduced. The essence of the current global
economy is ecologically disastrous. Thus, even if it could
be shown that global trade reduces inequalities, from a
climate perspective, it is untenable and immoral. From
a PD perspective, extensive global trade is also unjust
because it decreases autonomy for peoples and regions.
While very few regions are anywhere close to being fully
self sufficient, many locales that could be secure in ba-
sic resources such as food end up exporting their locally
grown produce and importing staples. Locales that have
the ecological capacity to grow or produce goods locally
should do so and must do so from a climate perspective.
Relatedly, some call for a new “protectionism” that would
put in trade agreements that would make “local econo-
mies” legally permissible because now they are not65. And
in this kind of framework, protectionism is redefined
since what is protected are not commodity producing in-
dustries but ecosystem enhancing livelihoods. One recalls
when Rafael Correa was the president of Ecuador and
pleaded with the international community to fund his
65 http://unevenearth.org/2019/11/trade-governance-will-make-or-break-
the-green-new-deal/
111
country in order to protect the Amazon rainforest, rather
than paying it to cut it down, but then demanding that it
not cut it down66. These kinds of changes would lead to
the dramatic transformation or elimination of the World
Trade Organization (WTO) and put in trade agreements
that protect labor and environmental rights. This has
been argued since the 1990s at least, indeed it was one
of the major demands of the famous anti-WTO protest
called the Battle of Seattle and so called “anti-globaliza-
tion movement” which was in essence a global justice
movement.
This decrease in trade would be part of the reversal
of the inputs intensive model of economic development
dominant since the end of WWII (or the Roman Empire
depending one’s view of various pre-capitalist empires).
Sometimes called “degrowth,” a key element of it is the
elimination of fossil fuels or “decarbonisation”. In the doc-
ument a Green New Deal for Europe, the authors write,
“Decarbonising Europe’s economies means more than in-
vesting in renewables. It also means scaling down aggregate
energy use in order to enable a rapid transformation to an
economy that respects planetary boundaries”. GND4E
3.2. But decarbonization alone is not sufficient. It’s not
just about carbon, it’s about consumption, from wood to
lithium; what’s needed is degrowth. A a decarbonised pro-
duction won’t end endless commodification or inequality,
for that we need a new kind of political-economy, one fo-
cused on environmental and social reproduction, driven
by the goals of socio-ecological resilience and climate jus-
tice. This is a social economy of the commons, one which
66 https://amazonwatch.org/news/2013/0825-rights-and-re-
sponsibility-the-failure-of-yasuni
112
restores ecosystems, shifts human work from commodity
production to the cultivation and maintenance of human
institutions and their ecosystems. One sees glimpses of this
everywhere, from urban gardening for health foods for hu-
mans and pollinators to marsh restoration which helps re-
duce flooding while enhancing habitat for a range of plants
and animals, while improving water quality for them and
us. This is what a truly ecological economics looks like.
But again, to enact this transition, we need place-based
collaborative processes which link international expertise
and local skills, homegrown experts and satellite measure-
ments of global ecological cycles, transnational monitoring
by birdwatchers of migratory species, international protec-
tions for local caretaker communities and native plants, as
well as assistance to climate refugees. One example of this
could be a 21st century version of the original New Deal’s
Civilian Conservation Corp67. But this won’t work unless
its grounded locally and participatory where authority and
expertise are shared. PB is one such process which can cre-
atively combine knowledges and also enhance community
management skills alongside that ever elusive goal of bu-
reaucrats everywhere: inter-agency coordination.
The first task of the Green New Deal for Europe, then,
is to begin the process of moving away from the un-
stable and environmentally-destructive model of finan-
67 http://theconversation.com/national-service-for-the-environment-
what-an-army-of-young-conservationists-could-achieve-113276
68 https://twitter.com/danriffle
113
cialisation, returning finance to its roots: serving local
communities through deposit-taking and lending. It
recognises the vital role of cooperative banks, farm-
er-driven financing in agriculture, credit unions and
other community-based financing architectures69.
117
further corrupt and undermine the political process. In other
words, Amazon.com is embodies and forwards the logic of
the political economy pillaging the South American Amazon.
The defeat of Amazon.com in NYC has opened the
door to a new model of development, one focused not on
the market cap of multinational firms but on the real needs
of people and ecosystems. This rejection has opened the
door to an eco-community wealth building that displac-
es and undermines the inputs-intensive fossil fuel driven
mode of commodity consumption and real estate specula-
tion. And it was not just the rejection of Bezos. This past
year, there was a series of stinging defeats for the ruling
block of New York City real estate from the passing of rent
control protections at the state level to commercial rent
control at the city level and a series of game-changing re-
forms that will forever alter the way that large buildings
are built and operated76. When one combines these with
previous city-supported initiatives to promote economic
democracy through worker ownership and community
control of land use, the contours of a real alternative model
of political economy become visible. But these small suc-
cesses and big victories must be supported and intercon-
nected, protected and further iterated. And for them to not
just promote sustainability and resilience but to dismantle
structural inequalities, we need inclusive, authority-shar-
ing participatory democratic institutions that interconnect
communities, expertise and remake bureaucracies.
The Green New Deal does not (yet) exist, but PB does,
and so does the Civic Engagement Commission. More and
more cities have passed environmental legislation to move on
119
120
Democracia e Inovação: transformações na
trajetória do espaço participativo no urbanismo e
planejamento urbano em Porto Alegre
Rafael Passos
Introdução
Espaço e democracia estão entrelaçados desde os
tempos da democracia ateniense, representada pela Ágo-
ra. A democracia é frágil, talvez por sua própria natureza,
a qual desafia a natureza humana. A democracia ateniense
funcionou por um breve período de sua história. No Bra-
sil vivemos breves períodos democráticos interrompidos
por duros períodos de autoritarismo. Inovar nas formas
do exercício da democracia é um grande desafio neste
contexto. Trazer à luz um pouco das inovações em torno
da gestão democrática da cidade de Porto Alegre é que
pretendemos nas páginas seguintes.
Apresentamos em traços gerais a trajetória histó-
rica da participação social na gestão e no urbanismo-
-planejamento urbano1 de Porto Alegre, reunindo os
momentos críticos de mudanças na estrutura do atual
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Am-
biental (CMDUA), e ainda alguns momentos que pre-
1 Considerando os diferentes significados atribuídos a urbanismo
e a planejamento urbano por diversos teóricos, o que os torna
conceitos ambíguos, optamos por usar a definição “urbanismo-
-planejamento urbano” a fim de não termos que dissertar sobre as
discussões conceituais existentes.
121
cederam sua criação, em 1955, ainda sob o nome de
Conselho do Plano Diretor.
Antecedentes
123
De Conselho do Plano Diretor a Conselho de
Desenvolvimento Urbano Ambiental: décadas de
avanços e retrocessos
125
parte da Municipalidade, que tinha maioria no Conselho.
Comparando ao Conselho de Loureiro há uma redução
da diversidade de representação da sociedade civil, res-
tringindo-a praticamente a arquitetos e engenheiros. O
exercício da Secretaria Executiva pelo Subdiretor Geral
de Urbanismo e coordenador da equipe do Plano Diretor
lhe conferia maior capacidade de acompanhamento do
processo de revisão das propostas construídas por este.
A conclusão dos trabalhos do Plano Diretor se deu
no início da Administração de Tristão Sucupira Vianna
(PTB), Vice-Prefeito eleito que tomou posse após o afasta-
mento do Prefeito Leonel Brizola (PTB) para concorrer ao
cargo de Governador do Estado.
Com o Golpe Militar houve a cassação do mandato
do Prefeito eleito Sereno Chaise (PTB). A partir de então
três Presidentes da Câmara Municipal assumiriam o co-
mando do Executivo Municipal até que em 1969 Thelmo
Thompson Flores (ARENA) foi nomeado pelo Regime Mi-
litar, com amplos poderes. Em sua gestão houve importan-
tes mudanças, sobretudo na composição do Conselho.
A Lei Municipal 3607/71 criou outros Conselhos
Municipais e novas regras para os conselhos já existentes,
como o CPD, o qual passou a se chamar Conselho Mu-
nicipal do Plano Diretor (CMPD). Suas atribuições eram
definidas em um único parágrafo, e algumas das regras já
incorporadas foram consolidadas na Lei, como a eleição do
Presidente por voto secreto.
A descrição mais detalhada das atribuições do Conse-
lho foi dada a partir de Decreto, e não mais por Lei, porém
sem maiores mudanças. A competência de em relação ao
Plano Diretor já não era a de elaborar, mas de “estudar e pro-
por” sobre sua “ampliação e atualização”. Além disso, e talvez
126
os mais significativos foram a substituição do termo “Plano
Diretor” por “Planejamento Urbano” na alínea que lhe atri-
buía a função de aprovar ou rejeitar planos ou estudos, e a
supressão da competência de tratar sobre “Financiamento da
realização de planos e de serviços de utilidade pública”.
Sua composição foi ampliada de onze para quinze
membros, sendo nove do poder público municipal e seis de
entidades públicas e classistas (Tabela I). Além disso, a in-
dicação dos membros passava a se dar por uma lista tríplice
sob o crivo do Prefeito.
127
Tabela I: Composição do Conselho Municipal do Plano Dire-
tor (Continua)
128
Tabela I: Composição do Conselho Municipal do Plano Dire-
tor (Final)
130
das competências, bem como de seus poderes deliberati-
vos, pois todas as suas decisões passariam pelo crivo do
Prefeito, a quem competia homologá-las.
O PDDU também estabeleceu, em seu Título III,
regras para a participação da comunidade no processo de
planejamento. Autorizou a constituição de Associações de
Moradores em cada Unidade Territorial de Planejamen-
to6, para domiciliados e proprietários de estabelecimento
a fim de promover ou defender interesses comunitários.
Estabeleceu regras para o reconhecimento destas associa-
ções por parte da Prefeitura. Segundo a Lei as Associações
deveriam ser consultadas pelo poder público sobre proces-
sos administrativos que tivessem por objeto a instalação
de loteamentos e grandes equipamentos ou edificações.
O ano de 1979 foi marcado pela posse do último
Presidente Militar, General João Batista Figueiredo, e pela
Lei da Anistia. O Regime Militar preparava sua retirada
ante uma oposição que crescia junto à sociedade brasileira.
As grandes cidades que cresceram de forma profundamente
desigual durante as décadas anteriores se tornavam tam-
bém um campo de disputa por democracia e direitos. As
remoções violentas de populações de áreas de interesse do
mercado eram amparadas por um urbanismo-planejamen-
to urbano tecnocrático.
132
Tabela II: Composição CMPDDU 1979/1999.
133
Além as entidades já representadas, foram incluídas a
Associação Rio-Grandense de Imprensa (ARI) e a Fundação
Metropolitana de Planejamento (Metroplan). Havia uma
confusão conceitual, pois tanto a L. C. 44/79 e o Decreto
6964/79 usavam o termo “entidades de classe”, tendo sido
suprimido o termo “entidades públicas”, ainda assim, três
das oito representações eram na verdade órgãos públicos
(Metroplan, Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do Estado
do Rio Grande do Sul e Fundação de Economia e Estatís-
tica). Além da OAB, órgão sui generis, uma autarquia com
funções de entidade de classe. O Titular da SPM passou a ser
Presidente e em sua ausência ou impedimento as funções se-
riam exercidas pelo membro mais idoso configurando outra
restrição da autonomia interna do Conselho.
O Decreto 8239/83, assinado pelo último Prefeito
nomeado pelo Regime Militar, João Antônio Dib (ARE-
NA), estabeleceu um alto grau de regulação do Município
sobre participação das Associações de Moradores, as quais
deviam se cadastrar junto à Secretaria do Governo Muni-
cipal para estarem aptas a participar de assembleia da sua
Zona Comunitária em que elegiam uma lista tríplice a ser
encaminhada ao Prefeito a quem cabia a indicação final.
Competia ao Secretário do Planejamento Municipal baixar
o Regimento Interno da assembleia, retirando das associa-
ções a decisão sobre as regras do jogo. Percebe-se, portanto
um alto grau de heteronomia no processo, determinando
“uma situação de sub-representação, agravada pela assime-
tria de poder existente entre as forças sociais e econômicas
que atuam no espaço urbano” (FEDOZZI, 2000, p. 26).
Os anos seguintes foram marcados pelas manifesta-
ções por eleições diretas à Presidência da República e por
disputas locais por serviços urbanos e habitação. Em Porto
134
Alegre havia a expansão do número de entidades comu-
nitárias, sobretudo de associações de moradores, por um
lado, e por outro, disputas entre diferentes grupos dentro
do campo progressista. Neste contexto a criação da União
das Associações de Moradores de Porto Alegre, a UAM-
PA, representava a perda da hegemonia da FRACAB. Porto
Alegre vivia um momento de grande densidade social, o
que fatalmente viria a se refletir nas instâncias participati-
vas da Municipalidade pelos anos seguintes.
Em 1985 as eleições para as capitais foram retoma-
das e Alceu Collares (PDT) foi eleito Prefeito de Porto
Alegre. Iniciava-se um período de intensa disputa envol-
vendo setores progressistas da política institucional e mo-
vimentos populares pelo modelo de participação social a
ser adotado na cidade. Reuniões foram organizadas pela
Prefeitura e pelos representantes comunitários do CM-
PDDU, contendo em média 50 entidades por região. A
disputa se dava em torno de temas como os nomes dos
conselhos, jetons, e a proporção da representação comu-
nitária dentro dos Conselhos. Em uma das reuniões, com
a presença de cerca de cem entidades, dentre as quais 84
associações de moradores, foi aprovada a proposta que
previa a presença de 60% de entidades comunitárias,
30% de entidades de classe e sindicatos e 10% do Exe-
cutivo (FEDOZZI, 2000), criando uma tensão sobre a
forma de organização dos Conselhos.
Um Projeto de Lei resultante destes debates e nego-
ciações entre Prefeitura e UAMPA foi encaminhado pelo
Executivo, mas foi retirado ante uma forte oposição até
mesmo por parte de vereadores aliados do Prefeito. Após a
derrota de Collares nas eleições de 1988, o Projeto de Lei
foi recolocado em pauta, com algumas alterações. Aprova-
135
do pela Câmara, foi sancionado pelo Prefeito no último
dia de sua gestão. Foram criados 17 Conselhos Populares7
por meio desta Lei, os quais seriam formados por vinte e
um membros, sendo doze de entidades comunitárias, sete
de entidades de classe e somente dois representantes do
Executivo Municipal. A maior participação das entidades
comunitárias foi, porém, vetada por Collares.
Em 1988 Olívio Dutra (PT) foi eleito Prefeito ini-
ciando um período de 16 anos de governos da Adminis-
tração Popular (AP). A questão da participação social no
Governo se tornara central, não somente por um projeto
político da AP, mas pela pressão imposta pela Lei Comple-
mentar 195/88. Em abril de 1989 Olívio derrubou o veto
de Collares referente aos doze representantes de entidades,
após decisão da Câmara Municipal.
O impasse colocado pela Lei encontrou um cami-
nho para a solução na Constituição Federal de 1988, a qual
demandava a elaboração de nova Lei Orgânica Municipal
(LOM). Promulgada em 1990 a nova reconheceu os dois
tipos de conselhos: os Municipais, definidos como “órgãos
de participação direta da comunidade na Administração
Pública e têm por finalidade propor e fiscalizar matérias
referentes a setores da Administração, bem como sobre elas
deliberar” e os Populares, instâncias regionais autônomas
formadas “a partir de entidades representativas de todos os
segmentos sociais da região” e que poderiam discutir e ela-
borar políticas públicas (PMPA, 1990).
137
se refletiria no desenho institucional da participação in-
clusive no âmbito do urbanismo-planejamento urbano.
Ainda assim o CMPDDU foi envolvido em todas as ati-
vidades públicas realizadas.
138
e disputada maioria de entidades comunitárias não foi al-
cançada, por outro, o modelo territorial constituído no
Orçamento Participativo se refletiu na organização da
participação de base comunitária no urbanismo-planeja-
mento urbano. O número de conselheiros foi ampliado
para 24 –incluído o Titular da SPM, que seguiu sendo o
Presidente do CMDUA – sendo oito do poder público
(da municipalidade, do Estado e da União), oito de enti-
dades da sociedade civil e oito representantes das Regiões
de Gestão do Planejamento (RGP). A representação passa
a ser tripartite, igual entre os diferentes grandes segmen-
tos, e aquela confusão conceitual entre entidades de classe
entidades públicas é resolvida, pois estas últimas passam
compor a representação do poder público.
A criação dos Fóruns Regionais de Gestão do Plane-
jamento foi uma das principais mudanças, reflexo direto da
organização territorial do OP, constituído em 16 regiões.
Cada RGP é definida pelo agrupamento de duas regiões do
OP, totalizando oito representações. São criados os Fóruns
de cada uma das RGP’s, os quais são constituídos por de-
legados eleitos em eleições bienais em cada região, na qual
também são eleitos os representantes (titular e suplentes)
de cada uma delas no CMDUA. Os fóruns poderiam se
reunir regularmente, convocados pela Prefeitura a pedido
do Conselheiro daquela Região. Até hoje não foi criado um
Regimento Interno dos Fóruns, o que tem sido um obstá-
culo para a organização e até mesmo para a efetividade da
participação dos Fóruns e a um maior controle destes sobre
as decisões dos seus representantes no CMDUA.
Determinou-se uma classificação entre entidades de
classe e afins ao planejamento, entidades empresariais, e
científicas e ambientais. Cada uma com um determinado
139
número de assentos no Conselho, eleitas em um Fórum
específico a ser realizado na Conferência Municipal de Ava-
liação do Plano Diretor, as quais deveriam ser realizadas a
cada quatro anos. Após 20 anos da Lei, ocorreu somente
uma, em 2003, ainda na gestão da AP. Nenhum dos gover-
nos posteriores promove-as, o que não foi objeto de grande
contestação por parte do próprio CMDUA, ou de entida-
des da sociedade civil, movimentos, Ministério Público ou
mesmo de partidos de oposição.
As entidades de classe passaram a ser eleitas em fó-
rum específico, o que refletiu na natureza das entidades
representadas (Tabela III). Em que pese o fato de que as
teorias sobre democracia participativa indiquem a eleição
da representação da sociedade civil como um avanço nor-
mativo, o que ocorreu nos anos seguintes foi a ocupação
deste espaço institucional por setores empresariais e pro-
fissionais até então ausentes, mais habituados a negocia-
ções fora destes espaços8. Inicia-se um período de hege-
monia de setores que têm a cidade como base física para a
reprodução e acúmulo do capital.
2004/2005 2006/2007
Eleitas na Confe-
rência Eleitas em Fórum exclusivo
Sociedade de Engenharia Sociedade de Engenharia
do Rio Grande do Sul do Rio Grande do Sul
(SERGS) (SERGS)
Associação Gaúcha dos
Instituto de Arquitetos do
Advogados do Direito
Brasil / Departamento RS
Imobiliário Empresarial
(IAB/RS)
(AGADIE)
de classe e Ordem dos Advogados do Sindicato dos Corretores
afins ao pla- Brasil - Secção RS (OAB/ de Imóveis (SINDIMO-
nejamento RS) VEIS)
Sindicato dos Trabalha-
Entidades da sociedade civil (9)
Sociedade de Economia do
dores nas Indústrias da
Rio Grande do Sul (SOCE-
Construção Civil de Porto
CON)
Alegre (STICC)
Ordem dos Advogados do
Sindicato dos Corretores de
Brasil - Secção RS (OAB/
Imóveis (SINDIMOVEIS)
RS)
Associação Gaúcha de Pro-
teção ao Ambiente Natural Solidariedade (ONG)
ambientais (AGAPAN)
e científicas Cidade - Centro de Asses- Instituto Gaúcho de Estu-
soria e Estudos Urbanos dos da Indústria da Cons-
(ONG) trução Civil (IGEC)
Sindicato das Indústrias Sindicato das Indústrias
da Construção Civil (SIN- da Construção Civil
DUSCON) (SINDUSCON)
empresariais
Associação Riograndense Associação Riograndense
dos Escritórios de Arquite- dos Escritórios de Arqui-
tura (AREA) tetura (AREA)
141
Em 2003 se consolidaram as últimas mudanças na
composição do CMDUA. O número de conselheiros foi
ampliado para vinte e oito (incluído o Titular da SPM). A
mudança se deu para que fosse incluído um representante
da temática do OP que trata da Organização da Cidade,
Desenvolvimento Urbano Ambiental (OCDUA). A fim
de manter a paridade entre os segmentos, todos os demais
também passaram a ter um assento a mais (Tabela IV).
Nesse mesmo período houve significativas reformas
administrativas que atingiram a área do urbanismo-pla-
nejamento urbano. Em 2012 a SPM foi extinta, dando
lugar à Secretaria Municipal de Urbanismo (SMURB).
Em 2017, já sob a gestão de Marchezan, uma nova refor-
ma é implantada e as funções de planejamento urbano e
licenciamento são separadas. A SMURB é extinta e suas
funções são distribuídas entre Secretaria Municipal de
Meio Ambiente e Sustentabilidade (SMAMS) e a Secre-
taria Municipal de Desenvolvimento Econômico, estabe-
lecendo uma separação entre planejamento e gestão do
desenvolvimento urbano.
142
Tabela IV: Atual organização da composição do CMDUA
(Continua)
143
Tabela IV: Atual organização da composição do CMDUA
(Final)
144
ção da burocracia para licenciamento de novos empreendi-
mentos e da regulação do uso do solo urbano, ou seja, um
discurso baseado na retomada do neoliberalismo no desen-
volvimento econômico em que a cidade é base material, a
cidade-mercado.
Entidades e movimentos sociais representativos de
saberes técnicos e campos políticos (respectivamente) que
por alguns anos estavam fora do CMDUA resolveram se
organizar para retomar a atuação nesta instância nas elei-
ções realizadas no ano de 2018. Pela primeira vez, e por
iniciativa de entidades como o IAB, entre outras entidades
de arquitetos e urbanistas, engenheiros, economistas, con-
vocam coletivos, movimentos sociais e lideranças políti-
cas para disputar as eleições como parte de uma estratégia
maior para enfrentar uma revisão que, a seu ver, ameaça
conquistas importantes incorporadas no PDDUA. A in-
tenção era mobilizar entidades de classe e ONGs por um
lado, e por outro disputar as eleições nas Regiões de Pla-
nejamento. Como resultado, foram conquistados sete das
nove representações de entidades (exceto no segmento de
entidades empresariais) – Tabela V – e uma minoria entre
as oito Regiões, incluindo vitórias significativas na RGP 1
e RGP 7. Ainda assim, a base alinhada ao atual governo
manteve maioria.
Logo do início desta gestão do CMDUA, houve im-
portantes mudanças na rotina do CMDUA, incluindo uma
presença mais assídua do Secretário para exercer as funções
de Presidente, depois de alguns anos em que a Presidência
era exercida pelos Vice-Presidentes eleitos (um pela RGP
e um pelas entidades). O Regimento Interno sofreu alte-
rações que restringiram a autonomia dos conselheiros e o
ambiente de debate.
145
Na tramitação dos Projetos Especiais, aqueles que
devem passar pelo CMDUA, tem tido intensos debates.
Mediante eventuais questionamentos e manifestações
contrárias a projetos por parte do grupo de “novos” con-
selheiros, os “velhos” membros, em geral da sociedade ci-
vil, respondem acusando-os de operar para “atravancar”
o desenvolvimento da cidade, e de retardar o andamento
dos processos com pedidos de vista, ou de diligência aos
órgãos públicos para esclarecimentos. Raramente os pro-
jetos que chegam ao CMDUA são rejeitados, a imensa
maioria é aprovada.
146
Tabela V: Comparativo entidades antes da articulação e depois
2016/2017 2016/2017
Conselho de Arquitetura
Conselho Regional dos
e Urbanismo do Rio
Corretores de Imóveis
Grande do Sul (CAU/
(CRECI/RS)
RS)
Associação Gaúcha dos Sindicato dos Arquitetos
Advogados do Direito e Urbanistas no Estado
Imobiliário Empresarial do Rio Grande do Sul
(AGADIE) (SAERGS)
de classe e
Sindicato dos Corretores Instituto de Arquitetos
afins ao pla-
de Imóveis (SINDIMO- do Brasil Departamento
nejamento
Entidades da sociedade civil (9)
148
delegados, os quais, aliás, tinham em sua maioria apoiado o
candidato de oposição nas eleições da Região.
A competência atribuída pelo PDDUA ao Conselho
de deliberar sobre ajustes no Plano Diretor tem sido negli-
genciada. Falta transparência nos atos da Administração re-
ferentes à revisão. Além disso, há uma intenção de promover
outros espaços de participação sem a inclusão do CMDUA.
Um exemplo é a forma como foi anunciado o contrato com
a ONU-Habitat. O convite para o Ato Público na Prefeitura
foi enviado aos membros do CMDUA sem que anterior-
mente lhes fosse sequer informado os termos do convênio.
O ato foi anunciado como assinatura de Memoran-
do de Entendimentos entre Prefeitura Municipal, ONU-
-Habitat e Pacto Alegre9. O papel de fato do Pacto era de
mera testemunha. Ainda assim foi dado ao coordenador
do Pacto, o Diretor da Escola de Engenharia da UFRGS,
um protagonismo no Ato, que não foi dado a qualquer dos
representantes do CMDUA ali presentes.
O Pacto Alegre, em que pese reunir três das prin-
cipais universidades do município, não tem convidado os
cursos de arquitetura e urbanismo, nem os de pós-gradua-
ção na área de planejamento urbano para seus momentos
de debate, mesmo quando pretende tratar da revisão do
Plano Diretor.
Considerações finais
150
clusão, o qual a ONU incorpora em sua agenda urbana
mais recente.
É necessário envolver os mais diferentes saberes para
a gestão democrática das cidades e para o urbanismo-pla-
nejamento urbano, sejam eles os comunitários, técnicos,
ou até mesmo dos setores econômicos (produtivos e fi-
nanceiros). Neste sentido, porém, um dos grandes desa-
fios para a efetiva participação é a assimetria de saberes,
sobretudo em sociedades onde a desigualdade se expressa
nos âmbitos do social, do econômico, do território bem
como no acesso ao conhecimento e à escolaridade.
Ermínia Maricato chama de “analfabetismo urbanísti-
co” o desconhecimento por parte da sociedade sobre a ques-
tão urbana. Isso é agravado, tanto pela desigualdade social, e
quanto pela complexidade dos termos e instrumentos que téc-
nicos do urbanismo-planejamento urbano usam cunhar. De-
ve-se, portanto, buscar meios para vencer este analfabetismo.
Nós, técnicos, através de entidades e mesmo dos
centros de saber (universidades etc.) devemos promover
momentos de formação para a participação social no urba-
nismo-planejamento, buscar não só explicar os conceitos e
instrumentos, mas também buscar termos mais acessíveis
ao saber comum. Por outro lado, devemos promover outras
formas de nós mesmos conhecermos a cidade a fim de nos
aproximarmos da realidade vivida pelos cidadãos e cidadãs.
Levar o urbanismo-planejamento e as disciplinas e saberes
técnicos que o envolvem para a rua, para a praça, para a pe-
riferia, criando espaços novos de aprendizado e troca podem
ser caminhos para a redução das assimetrias de conhecimen-
to que também são um dos principais empecilhos para uma
efetiva e autônoma participação da sociedade na tomada de
decisão sobre o presente e o futuro de nossas cidades.
151
Referências
FEDOZZI, L. O Poder da Aldeia, gênese e história do
Orçamento Participativo de Porto Alegre. Porto Alegre:
Tomo Editorial, 2000.
OLIVEIRA FILHO, J. T. A participação popular no
planejamento: a experiência do plano diretor de Porto
Alegre. [Tese de Doutorado]. Porto Alegre: UFRGS, 2009.
PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE.
Plano Diretor de Porto Alegre. Porto Alegre, Prefeitura
Municipal, 1964. / Esboço histórico da evolução urba-
na de Porto Alegre e das tentativas de sua planificação;
Pesquisa Urbana; Planificação. Pp.13-48.
POZZOBON, R. M. Urbanismo e Planejamento Urba-
no: um olhar sobre o processo de constituição do seu
lugar institucional. [Tese de Doutorado]. Porto Alegre:
UFRGS, 2018.
152
Outras fontes consultadas
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei 1413 de
1955. Reorganiza os serviços da Prefeitura Municipal
de Porto Alegre. Porto Alegre: PMPA, 1955.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 1516 de
1955. Extingue e cria cargos, suprime funções gratifica-
das e dá outras providências. Porto Alegre: PMPA, 1955.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei 3607 de
1971. Cria e disciplina os Conselhos Municipais, na for-
ma contida na lei Orgânica. Porto Alegre: PMPA, 1971.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar 43 de 1979. Dispõe sobre o desenvolvimento
urbano no Município de Porto Alegre. Institui o Pri-
meiro PDDU, e dá outras providências. Porto Alegre:
PMPA, 1979a.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 6964
de 1979. Dispõe sobre a organização e funcionamento
do CMPDDU e dá outras providências. Porto Alegre:
PMPA, 1979b.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar 44 de 1979. Altera a L.C.43/79 que dispõe so-
bre o desenvolvimento urbano no Município de Porto
Alegre. Institui o Primeiro PDDU, e dá outras provi-
dências. Porto Alegre: PMPA, 1979.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 8239
de 1983. Dispões sobre a escolha de representantes co-
munitários no CMPDDU e dá outras providências. Por-
to Alegre: PMPA, 1983.
153
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Decreto 8724
de 1986. Dispõe sobre a escolha de representantes co-
munitários no CMPDDU, e dá outras providências.
Porto Alegre: PMPA, 1986.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar 195 de 1988. Cria o Sistema de Participação do
Povo no Governo Municipal e dá outras providências.
Porto Alegre: PMPA, 1988.
PORTO ALEGRE. Câmara Municipal. Lei Orgânica de
1990. Porto Alegre: CMPA, 1990.
PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar Nº 434 de 1999. Esta lei dispõe sobre o desen-
volvimento urbano no Município de Porto Alegre e
instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
Ambiental de Porto Alegre (PDDUA) e dá outras provi-
dências. Porto Alegre: PMPA, 1999.
PORTO ALEGRE, Prefeitura Municipal. Lei Comple-
mentar nº 434, de 1999, atualizada e compilada até a Lei
Complementar nº 667 de 2011, incluindo a Lei Comple-
mentar nº 646 de 2010. Porto Alegre: PMPA, 2010.
154
Inovação sustentável e as ambiguidades
da tecnologia
155
ses centrais de modo que, as análises convencionais sobre
inovação, não se aplicam aos países subdesenvolvidos.
Gostaria, contudo, de ir por outra trilha, propria-
mente filosófica e trazer um autor que me é muito caro,
Hans Jonas, filósofo da técnica e da biologia, judeu dis-
cípulo de Heidegger, para pensar no avanço ambíguo da
tecnologia. Podemos pensar em diversos momentos na his-
tória, começando pelo Gênesis, onde o homem é expulso
do paraíso por comer da árvore do conhecimento. Prome-
teu, que rouba o fogo, a ciência dos Deuses e dá para os
homens, sendo condenado ao suplício eterno por isso, é
outro exemplo. O Fausto do Goethe, que vende a sua alma
pelo conhecimento ainda é outro, agora na modernidade.
Nestes mitos e estórias o conhecimento tem qualquer coisa
de perigoso, de ameaçador, de romper com a ordem es-
tabelecida. A ameaça deste rompimento é um alerta que
desperta temor. Esta é a primeira referência fundamental
do conhecimento para nós em nossa cultura.
A segunda referência do conhecimento, antagônica à
primeira, é o Descartes no Discurso do Método, a obra que
abre, inaugura o pensamento moderno, onde ele considera
o homem como senhor da natureza. Nesta visão o mundo
é inteiramente dessacralizado, despido de qualquer poder
imanente da criação para se transformar num conjunto de
recursos à disposição. No limite comerciáveis, desde sempre
cognoscíveis e submetidos ao mesmo conjunto impessoal e
universal de leis da física. O conhecimento neste caso nos
permite brincar de ser Deus. Do ponto de vista urbanísti-
co este fato deveras pretensioso do senhor da natureza faz
com que linhas retas, pontos de fuga e demais idiossincrasias
dos urbanistas e seus projetos se imponham ao relevo e à
topografia. Desrespeito que não acometia os medievos, que
156
seguiam nos traçados do relevo e da topografia as curvas de
suas cidades. Este é o paradigma moderno. Isso nos traz uma
sinuca de bico, uma vez que a questão ecológica contempo-
rânea é inescapável: foi a inovação tecnológica, o domínio
da técnica que transformou o homem em senhor, que nos
trouxe até aqui. Se temos riscos que ameaçam o planeta, é
porque a tecnologia e a inovação permitiram a ampliação do
poder do homem. Este poder alargado é justamente o que
nos coloca em risco: a quebra do átomo, do DNA, a ameaça
nuclear, a manipulação genética. Foi a inovação do século
XIX, com o motor à carvão e depois com o motor à ex-
plosão, que permitiram que emitamos sem parar CO2. Este
poder alargado mostra que o próprio conceito de inovação é
contraditório e ambíguo nos seus fundamentos.
Este é o primeiro ponto: não podemos ignorar esta
ambiguidade fundamental inerente ao conceito de inovação,
naquilo que ele tem de libertador e também de aterrador.
Uma das tarefas clássicas da filosofia é aclarar o
significado e uso dos conceitos. Deste modo, gostaria de
chamar a atenção de um outro aspecto, econômico, do
conceito de sustentabilidade. Tem uma questão na sus-
tentabilidade é que ela é incremental ao nosso sistema
econômico. Se vocês estiverem num hotel, não precisam
utilizar a toalha duas vezes, dá para aproveitar a água da
chuva na privada... este tipo de inovação sustentável ela
é funcional ao desenvolvimento do capitalismo, que nos
traz um aliado poderoso, mas nem sempre um aliado
conveniente ao refletirmos e agirmos sobre os limites da
inovação dentro de uma lógica econômica de exploração
dos recursos naturais. Que é estritamente equivalente a
colocarmos a ideia de sustentabilidade dentro de uma óti-
ca de redução de custos. Uma lógica que, no longo prazo,
157
acaba por agravar o problema. Maximizar os insumos e as
margens de lucro não significa necessariamente assumir
uma posição tout court sustentável.
Sustentabilidade e sustentabilidade ambiental vira-
ram marcas a serem agregadas aos produtos para adicio-
nar valor. O comerciante que não sabe como fazer para
vender seu produto, começa a anunciá-lo como sustentá-
vel... Duas situações disso: 1) a UFRGS não tem energia
solar (com uma exceção, que vocês sabem qual é). Mas se
repararem na entrada do Campus do Vale tem uma pla-
ca, onde se lê: Inovação Sustentável, numa subestação de
energia da CEEE; 2) considerar, como quer a atual admi-
nistração estadual, considerar prospecção de carvão como
energia sustentável, porque será gaseificado. São questões
que aparecem sobre o ponto fundamental que estávamos
falando a pouco, que é desconfiar dos consensos sobre
conceitos como inovação e inovação sustentável.
Passo agora para meu segundo ponto. Como gerar
inovação sustentável de forma comunitária e participati-
va? Conhecimento especializado e participação comuni-
tária não são ideiasque, quando colocadas juntas, estão
isentas de tensões. Existem questões fundamentais do
conhecimento que significam especialização, conversa de
meia dúzia de doutos, incompreensível para a maioria da
população. Temos um desafio que não é pequeno de fa-
zer com que este conhecimento se espalhe legitimamente.
Lembro do início da Internet e da série de promessas que
foram feitas acerca da rede mundial de computadores.
Todo mundo estaria conectado ao conhecimento de for-
ma instantânea. Contudo, a apreensão do conhecimento
formador de cidadãos depende de tempo, de uma cultura
que incentive os estudantes a fazerem as perguntas corre-
158
tas e não a onda de ódio que vemos jorrar de alguns dos
maiores oligopólios da história humana que são Twitter,
Facebook e Alphabet (da Google). No início da internet
a promessa é de que seríamos agentes desta inovação, que
a inovação seria ampliada e beneficiaria a todos. Esta pro-
messa nós sabemos hoje que não se confirmou, que é fake,
para usar a palavra símbolo que a internet se transformou.
Como em outros setores econômicos o que vimos com
o avanço social da Internet foi o surgimento de grandes
monopólios com poder econômico e social imensos, com
o poder alargado pelas novas tecnologias, pela segmen-
tação de propaganda vinculada a perfis de usuário, pelas
fakenews, pós-verdade, entre outras inovações. O ponto
é que essas inovações acabaram por gerar esses grandes
conglomerados que ganham bilhões nos espionando, nos
manipulando, ao invés do conhecimento livre e acessível
a todos prometido em seu início. Isto tem a ver com o
caráter ambíguo da tecnologia. Não é meu papel aqui ne-
gar os avanços incontestes que ocorreram com a internet,
nem é da minha opinião que devemos voltar às cartas e
aos pombos-correio de outrora para substituir os e-mails-
muito mais facilmente rastreável - mas que este avanço
é ambíguo e, eventualmente, pode e deve nos despertar
temor e preocupação. Assim como Darth Vader não po-
demos negar o lado sombrio da força.
Neste sentido, o que a gente poderia fazer para dar um
caráter mais participativo e comunitário às novas tecnologias
e com tornar as inovações realmente sustentáveis do ponto
de vista social e ambiental? Vocês sabem que o diagnósti-
co de grandes economistas brasileiros como Celso Furtado
consideram que um dos principais problemas de nossa eco-
nomia é o excessivo grau de monopólio da economia, com
159
todos os principais setores da economia sendo dominados
por um conjunto muito pequeno de empresas. Esses grandes
conglomerados têm poder de monopsônio e de monopólio,
pagando menos na hora da compra e cobrando mais na hora
da venda. Os grandes atravessadores. Fico pensando se uma
das maneiras de aumentar a participação popular por meio
da tecnologia não seria copiarmos um sistema chinês de
compra e venda para pequenos produtores por uma parceria
com o que seria os Correios dele. Mediante aplicativo os pe-
quenos produtores, eventualmente organizados em coope-
rativas e associações, podem comprar e vender em qualquer
lugar da China. Uma experiência dessas poderia ser replicada
para o Brasil. Os pequenos produtores organizados de forma
cooperativada, digamos, da feira agroecológica do Bonfim
poderiam vender as suas mercadorias por aplicativo aos con-
sumidores finais. Usaríamos, assim, a tecnologia para dimi-
nuir o poder dos grandes atravessadores. Vocês sabem que
está na pauta do atual governo a privatização da CEAGESP,
a maior distribuidora de alimentos da América Latina? Ali-
mentos mais caros e em quantidades menores colocam no
horizonte do Brasil novamente a insegurança alimentar e o
flagelo da fome. Assim uma possibilidade de venda direta de
alimentos por meio de aplicativos e com (ou sem) apoio go-
vernamental poderia ser interessante para nos fortalecer na-
quilo em que o Brasil possui admiráveis vantagens absolutas,
no caso, a produção agrícola. Nosso campo tem que poder
vender direto ao consumidor sem depender das grandes ca-
deias de supermercados. Esta me parece seria uma forma da
atual onda de difusão tecnológica aumentar a participação
popular na economia.
Outra questão para pensarmos em termos de ino-
vação é se esta arquitetura geral da inovação que tem
160
amadurecido nos últimos anos e está provocando pro-
fundas e dramáticas alterações no emprego, sua quali-
dade e as estruturas sociais relacionadas é sustentável.
Parece que também a inovação pode ter uma contribui-
ção para aliviar o drama que é o desemprego tecnológi-
co. O maior empregador do Brasil hoje é o Uber, com
quase cinco milhões de motoristas cadastrados e, em
breve, esta turma toda irá perder o emprego pois está
chegando o 5G e o carro sem motorista. Que tipo de
estrutura social virá com esta mudança, uma vez que a
infraestrutura econômica determina a superestrutura da
sociedade? Sempre considerei a bicicleta como um ma-
ravilhoso instrumento da realização da liberdade huma-
na, até ver adolescentes trabalhando quatorze, dezesseis
horas por dia no Uber Eats e em outros aplicativos de
entrega. É evidente que a inovação nesses casos não está
cumprindo a promessa cartesiana de melhorar a vida do
homem na terra, pois o tipo de emprego que surgiu com
a nova onda tecnológica precarizou o trabalho em escala
mundial e, em ato contínuo, aumentou a desigualdade.
A estrutura social e o emprego estão diretamente relacio-
nados de modo que precisamos pensar seriamente nos
limites disto e como impedir formas contemporâneas de
escravidão por meio do celular. Quais os limites desta
inovação disruptiva do trabalho, em claro prejuízo da
classe dos trabalhadores no mundo todo? Não haverá
mais trabalhadores, seremos todos investidores!?
Por fim, meu tempo está acabando. A título de con-
siderações finais, julgo que temos que ter alguns cuidados
para não cairmos em armadilhas. Vocês sabem que a pri-
meira lâmpada elétrica funciona até hoje. Por que a da mi-
nha casa, e das casas de vocês, queimam a cada três meses?
161
Que inovação sustentável é essa do LED? Que dura mais?
Mas também custa mais. O tema da obsolescência progra-
mada também ronda a inovação sustentável e temos que
estar atentos a isso. As armadilhas do envelhecimento pre-
coce das tecnologias como se dele resultasse inovação.
Algumas direções: A inovação sustentável no senti-
do que estamos atribuindo aqui é mais do que mera ino-
vação, isto é, em termos schumpeterianos, de invenção a
ser lançada no mercado. Não é disso que estamos falando.
Eventualmente muitas das inovações que nos interessam
aqui não dariam planos de negócio. Vide a Phillips e suas
lâmpadas feitas para estragarem.
A inovação sustentável depende de um paradigma
educacional que incorpore outros saberes. A nossa prática
docente já enxerga este desafio, com os alunos checando o
que o professor diz na internet ou fazendo pesquisas sobre
tópicos do seu interesse sem precisar perguntar ao professor.
Finalmente, deixo uma pergunta provocadora para
o debate: se é possível, necessária ou desejável ainovação
sustentável sem mudanças na estrutura social que levem
a uma visão menos individualista dos processos de mer-
cado. Numa sociedade cada vez mais conectada, o pa-
radigma do indivíduo isolado não faz sentido nenhum.
Que tipo de estrutura social poderá emergir a partir deste
atual estado tecnológico que nos encontramos de intera-
ção permanente, de conexão instantânea e universal?
162
The Porto Alegre Sustainable
Innovation Zone (ZISPOA) and Participatory
Community Transformation
Marc A. Weiss
163
Rio Branco, Santa Cecilia, and Santana. Located inside
ZISPOA are Porto Alegre’s largest public park, two federal
universities and three other higher education institutions,
six major hospitals, Brazil’s oldest and largest weekly or-
ganic farmers market, an historic urban retail center, four
large private companies, numerous educational, cultur-
al, and religious institutions, and several neighborhoods
that have been at the heart of Porto Alegre’s sustainability
movement for the past half century.
GUD began organizing ZISPOA in September
2015 through the Entrepreneurship Challenge at the Fed-
eral University of Rio Grande do Sul (UFRGS), togeth-
er with various courses and activities at the Paralelo Vivo
Sustainable Innovation Hub, and numerous civic and uni-
versity events. In March 2017 we launched the ZISPOA
Project at UFRGS in the Engineering School’s Centenario
Building. ZISPOA is working with senior administra-
tors, faculty, and students at UFRGS to develop a plan
for the university to become a global leader in Sustainable
Innovation by 2030, in teaching, research, resource utili-
zation, facilities management, community collaboration,
entrepreneurial development, public service, and interna-
tionalization. This includes launching in March 2021 a
new multidisciplinary Sustainable Innovation Profession-
al (SIP) post-graduate certificate program, and improving
the Centenario Building’s energy efficiency, water conser-
vation, recycling, and solar power to become one of the
“greenest” buildings in Brazil.
In December 2017 the Porto Alegre City Council
voted unanimously to officially recognize ZISPOA and
its boundaries, and Mayor Nelson Marchezan Jr. signed
this legislation into law in March 2018. Currently we are
164
working with the Porto Alegre City Government to offi-
cially include ZISPOA in the updating of the city’s master
urban development plan.
ZISPOA is based on six key elements: Innovation and
Technology, Entrepreneurship and Startups, Sustainability
and Resource Efficiency, Creativity and Collaboration, Par-
ticipatory Community Management, and Business-Friend-
ly Environment. Thus far ZISPOA is focused on becoming
more solar-powered, more bike-friendly, more renewable
technology-friendly (zero waste/recycling/circular econo-
my), more energy-efficient, and more digitally connected.
The ZISPOA network includes university profes-
sors and students, young entrepreneurs and profession-
als, collaborative houses and sustainability organizations.
Operating as a citizen-led, community-oriented, univer-
sity and private sector movement, in active collaboration
with UFRGS, the Porto Alegre City Government, and the
Swedish and US governments, to date ZISPOA has helped
launch numerous sustainable startup businesses, includ-
ing Elysia, YES, Loop, Re-ciclo, ARCO, and Volta; built a
solar charging station for electric car sharing at Shopping
Total with MVM, Orkestra, and YES; built the Solar Poste
with Elysia for charging mobile devices in the courtyard of
the UFRGS Administration School; promoted solar “trees”
with OZ Engenharia; developed the Espaço Floresta com-
munity gardening and composting center at a city-owned
recycling facility; and built the ZISPOA Sustainable Par-
klet with Tetra Pak, Josephyna’s, Sim Sala Bim, Elysia, Soli-
dariedade, Urban Ode, Pacto Alegre, UFRGS, the Swedish
Embassy, and other partners.
In addition, ZISPOA has helped organize many
other initiatives including a wide range of weekly seminars
165
(ZIStalks), workshops, lectures, festivals, and networking
events such as monthly Green Drinks. Events have ranged
from three UN-Habitat Urban Thinkers Campuses during
November 2017, December 2019, and July 2020; Swe-
den-Brazil Innovation Week activities during October 2016,
October 2017, and September 2019; a ZISPOA World Envi-
ronment Day Festival at Vila Flores in June 2016; a ZISPOA
Bike-Friendly Festival in October 2017; and much more.
ZISPOA involves many projects and working groups,
including: ZISProf (Professores Conselheiros da ZISPOA),
a network of more than 150 professors from 15 universi-
ties in metropolitan Porto Alegre supporting ZISPOA’s ac-
tivities through teaching and research; ZUNI (ZISPOA nas
Universidades), involving hundreds of students engaging in
ZISPOA research and action through university courses and
programs; POA Solar (Solarizing ZISPOA), promoting solar
energy throughout ZISPOA and Porto Alegre, including a
ZISPOA solar electric cooperative; Bike-Friendly ZISPOA,
promoting dedicated bike lanes (ciclovias), secure bike park-
ing (paraciclos), bike sharing, parklets as outdoor gathering
spaces, and bicycling apps; UFRGS Sustentável, focusing on
greening campus buildings and facilities, recycling, and edu-
cation and traning; and many other projects.
ZISPOA works very closely with Porto Alegre’s May-
or, City Government, City Council, businesses and associa-
tions, collaborative houses and startup hubs, coworking and
maker spaces, sustainability and social advocacy and service
groups, and many other key stakeholder organizations, in-
cluding Pacto Alegre, Aliança de Inovação, Virada Suste-
ntável, Singularity University (South Brazil Chapter), Porto
Alegre Inquieta, TodaVida, UFO Sustainable Innovation
Hub, GRID, Pulsar, PROPUR-GPIT, Point, Casa Guandu,
166
Associação Cultural Vila Flores, Aeromovel, Minha Porto
Alegre, Mobilicidade, Global Shapers, Casa das Cidades,
INSPE, Órbita Coworking, CRA-RS, IAB-RS, CAU-RS,
Engineers Without Borders, Misturai, Solidarieadade, Por-
to Alegre Resiliente, CIUPOA, Marquise 51 Hub Criati-
vo, TransLAB.URB, Ksa Rosa, UNIVENS, WOW, IGS,
Nós Coworking, POA Hub, Distrito Criativo, Distrito
Empreendedor, Fábrica do Futuro, UFRGS Parque Zenit,
Cooperativa 20 de Novembro, Fundação Gaia, WRI Brasil,
ICLEI, PYXERA Global, and numerous others.
Through GUD, Sustainable Innovation Zones are
now beginning to spread to other cities. Currently two
more have recently been launched: 1) ZISSAN in Santo
Ângelo, a smaller Brazilian city in Rio Grande do Sul; and
2) ACTA in Panama City, Panama. GUD also is working
to help organize Sustainable Innovation Zones in other cit-
ies, including London (UK), Western Sydney (Australia),
Naples (Italy), and Brooklyn/New York City (US).
ZISPOA’s strategy incorporates many aspects of a
successful “technology innovation ecosystem” (as identified
by the World Bank) -- college and university education and
research, technology transfer, business incubators and ac-
celerators, startup hubs, coworking and maker spaces, fab
labs, hackathons, meetups, boot camps, angel investors,
venture capital, financial and regulatory incentives, etc.
-- and adds four more vital components: 1) place-based
community emphasis; 2) primary purpose promoting Sus-
tainable Innovation technologies, businesses, and talent; 3)
active participation and support by sustainability, social,
and creative design experts and activists (in addition to
entrepreneurs and technologists) and, 4) empowered by a
grassroots citizen movement.
167
In addition, ZISPOA’s commitment to generating
Inclusive Prosperity in urban neighborhoods represents a
“community development ecosystem” as defined by Robert
Zdenek and Dee Walsh in their recent book, Navigating
Community Development, about Community Devel-
opment Corporations (CDCs), producer and consumer
cooperatives, and other community-based and affordable
housing development organizations in the US. The key
distinction about ZISPOA as a community development
ecosystem is its primary focus on Sustainable Innovation.
Indeed, ZISPOA’s Sustainable Communities approach is
comparable to EcoDistricts, Transition Towns, and similar
urban neighborhood sustainability movements.
ZISPOA also promotes the main activities of the
“creative economy” and works with many organizations in
Porto Alegre to encourage this approach, including Asso-
ciação Cultural Vila Flores, Porto Alegre Inquieta, INSPE,
RS Criativo, and many other organizations.
Finally, ZISPOA and ZISSAN collaborate with the
Rio Grande do Sul (RS) State Government’s Secretariat of
Innovation, Science, and Technology (SICT) to promote
the statewide INOVA RS initiative and help spread GUD’s
Sustainable Innovation and Inclusive Prosperity approach
to cities and universities throughout the state, in the spirit
of fulfilling GUD’s 2015 Leapfrog Economic Strategy en-
abling Porto Alegre and RS to become the most sustainable
and innovative places in Latin America by 2030.
168
Os movimentos sociais brasileiros
e sua internacionalização
Vanessa Marx
Introdução1
170
opositores – nacionais ou não-nacionais – através de re-
des de desafiantes organizados e que ultrapassam fron-
teiras nacionais” (TARROW, 2009, p. 231). Estas ações
coletivas podem ser sustentadas ou temporárias e buscar
somente a difusão das suas ações ou avançar no intercâm-
bio político. Os confrontos transnacionais normalmente
acompanham a dinâmica da economia e política mun-
dial, principalmente em cenários de crise (MARX, 2015).
A partir do referencial teórico construído sobre o
contexto de globalização contra-hegemônica é que parti-
mos para um outro eixo, ou seja, a abordagem da teoria
que foi o de pensar a política externa como política pública
tendo a participação como eixo estruturador, para refletir
sobre a influência dos movimentos sociais como agentes
propositivos de uma agenda mais democrática da política
externa brasileira. A partir destes dois referencias teóricos
a pesquisa se centrou na análise do período histórico de
2002 a 2014 tomando como referência a política externa
do primeiro e do segundo mandato do governo do presi-
dente Luís Inácio Lula da Silva e o primeiro mandato da
presidenta Dilma Rousseff. A partir dos achados empíri-
cos centramos nossa descrição da relação entre a política
externa com a formação do grupo de reflexão em relações
internacionais (GR-RI), da participação social no Merco-
sul e do movimento brasileiro de mulheres. Pensamos que
a atuação dos movimentos sociais brasileiros no contexto
internacional junto com a inovação da política externa bra-
sileira poderia contribuir para verificar se os movimentos
sociais podem ser considerados atores do sistema interna-
cional como veremos a seguir.
171
Participação e política externa como Política Pública
173
[...] estamos retirando a política externa de uma condi-
ção inercial associada a supostos interesses nacionais au-
toevidentes e/ou permanentes, protegidos das injunções
conjunturais de natureza política partidária. Estamos,
portanto, despindo a política externa das características
geralmente atribuídas ao que se chama de política de
Estado, que nos levava a lhe imputar uma condição de
extrema singularidade frente às demais políticas públi-
cas do governo.
174
fóruns, redes ou arenas internacionais e que propõem uma
relação mais democrática da política externa brasileira.
176
ção injusta). Portanto, conclui a autora, “a MMM, como
muitos movimentos sociais que se constituíram à luz dos
movimentos alterglobalização, é uma rede interorganiza-
cional” (SCHERER-WARREN, 2006, p. 116).
Dessa forma, o Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher tornou-se um campo interessante para o estudo
da articulação entre movimentos/organizações sociais e
sociedade civil com o Estado Brasileiro, inclusive no que
tange à política externa, devido a sua participação em
organismos internacionais.
Em relação à pesquisa de campo com os dados empí-
ricos pudemos identificar o perfil e a atuação dos movimen-
tos de mulheres brasileiras. As perguntas centrais elaboradas
para o questionário foram as seguintes: a) qual é a área de
atuação do seu movimento social/organização social? b) qual
seria a sua avaliação sobre a participação das organizações/
movimentos sociais nas políticas para as mulheres no cená-
rio internacional? c) seu movimento social/organização so-
cial é ativo internacionalmente? d) seu movimento social/
organização social estabelece redes com outros movimentos
sociais/organizações sociais? e) seu movimento social/orga-
nização social participa de reuniões e negociações da ONU
Mulheres? f) o seu movimento social/organização social tem
algum contato com o Ministério das Relações Exteriores? g)
você considera que o seu movimento social/organização so-
cial influencia na Política Externa Brasileira?
Neste ponto a pesquisa preocupou-se em articular o
debate contemporâneo de globalização hegemônica e con-
tra-hegemônica com os estudos pós-coloniais, a fim de en-
riquecer a análise da relação dos movimentos e organizações
sociais com o Estado brasileiro a partir de uma visão lati-
no-americana. Isto é, buscou-se perceber a presença desses
177
segmentos a partir do entendimento que os movimentos e
organizações sociais têm como sua participação e influên-
cia no Estado brasileiro e nos organismos internacionais.
No caso do movimento de mulheres no Brasil vemos
que existiu a relação com o Estado na política interna, atra-
vés da participação no Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher que foi se constituindo como um espaço de diálogo
de construção de políticas públicas para as mulheres em âm-
bito nacional. Quanto à atuação no cenário internacional,
os movimentos e organizações de mulheres tem preferido se
articular em redes internacionais, participar de fóruns inter-
nacionais, como o Fórum Social Mundial e influenciar na
agenda internacional por meio de participação em organis-
mos internacionais, ainda que de forma muito incipiente,
por meio da ONU Mulheres, PNUD, CIFAL e UNITAR.
Para finalizar poderíamos dizer que a internaciona-
lização do movimento de mulheres, ainda que tenha tido
o apoio do Estado Brasileiro no primeiro mandato do go-
verno da presidenta Dilma Rousseff, funciona de forma
autônoma com uma dinâmica própria na articulação com
redes internacionais e fóruns de mulheres, e não tanto pela
relação institucional, seja com o Ministério de Relações Ex-
teriores do Brasil, seja com os organismos internacionais.
178
sul, do Programa Mercosul Social e Solidário e Unidade de
Participação Social do Mercosul, participação de jovens no
Mercosul. Estes espaços participativos de interlocução com
a institucionalidade, paralelos algumas vezes com a reunião
de Cúpula, permitiam que os movimentos tivessem canais
de diálogo com o poder executivo sobre as políticas rela-
cionadas ao Mercosul e com o MRE. A Cúpula Social do
Mercosul se caracterizava como uma cimeira ampliada de
participação de organizações da sociedade civil, onde estas
podiam acompanhar a agenda do Mercosul de forma arti-
culada com o governo. Os agentes que participavam desta
instância eram diversos: pequenos e médios empresários,
mulheres, jovens, estudantes, pessoas com deficiência, en-
tre outros (MESQUITA, 2013).
A partir do primeiro mandato do governo do presi-
dente Lula a dimensão social ganhou um espaço para poder
equilibrar a balança entre o econômico e o social, ainda que
tenha sido impulsionado por uma vontade política, já que o
Mercosul e a cooperação sul-sul foram o foco inicial da po-
lítica externa brasileira: “A construção de fóruns coletivos de
caráter internacional passa a ser um instrumento de promo-
ção de identidades, particularmente, nos casos de atores com
razoável grau de autonomia frente aos Estados” (VIGEVANI
et Al., 2004, p. 109). Seguindo esta lógica da prioridade no
econômico a dimensão ambiental ficou um pouco esquecida
e passou a margem sendo priorizada estas agendas pelos mo-
vimentos sociais em cenários de denúncia e conflito, onde
estes eram mais autônomos na relação com o Estado.
Por fim podemos dizer que houve um avanço na
incorporação dos agentes sociais no espaço de integração
regional, mas como menciona Granato (2017) existem
avanços de participação, mas eles não são acompanhados
179
por uma verdadeira reforma democrática na estrutura ins-
titucional do bloco.
O Mercosul apresentou desde o início um arcabouço
institucional para participação nas instâncias regionais, a fim
de aprofundar a democracia no processo, ainda que a partici-
pação dos atores sociais tenha sido mais em caráter consultivo.
Para a análise da influência e participação dos mo-
vimentos e organizações sociais no Mercosul, optamos, a
partir da análise documental, nos focarmos nos Programas
Mercosul Social e Participativo e na Unidade de Apoio à
Participação Social do Mercosul, bem como no Conselho
Brasileiro do Mercosul Social e Participativo. O Programa
Mercosul Social e Participativo foi instituído em outubro de
2008, abrindo um novo capítulo nas relações entre o gover-
no brasileiro e a sociedade civil no que se refere à participa-
ção social no Bloco. Foi coordenado pela Secretaria-Geral da
Presidência da República e pelo Ministério das Relações Ex-
teriores, com o objetivo de divulgar as iniciativas do gover-
no, relacionadas ao Mercosul, debater temas da integração
e encaminhar sugestões da sociedade civil. Composto por
representantes dos ministérios que atuam no Bloco e lide-
ranças de organizações sociais convidadas, de setores como
agricultura familiar, pequenas e médias empresas, mulheres,
meio ambiente, juventude, trabalhadores urbanos e do cam-
po, direitos humanos, economia solidária, saúde, educação,
cooperativismo, cultura e povos indígenas, entre outros.
As atribuições do Programa consistiam em divulgar
as políticas, prioridades, propostas em negociação e outras
iniciativas do governo brasileiro relacionadas ao Mercosul
- fomentar discussões no campo político, social, cultural,
econômico, financeiro e comercial que envolvam aspectos
relacionados ao Mercosul - encaminhar propostas e suges-
180
tões de consenso, no âmbito das discussões realizadas com
as organizações da sociedade civil, ao Conselho do Mer-
cado Comum e ao Grupo do Mercado Comum do Mer-
cosul4. Em 2012, as entidades da sociedade civil presentes
na reunião do pleno do Programa Mercosul Social e Parti-
cipativo (PMSP) decidiram criar um “Grupo Focal”. Esse
grupo desempenharia as funções de representar o PMSP, de
promover debates sobre a integração e de dar continuidade
aos processos de participação nos períodos compreendidos
entre a realização das Cúpulas Sociais.
O Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Parti-
cipativo é um programa. Por esse motivo, não possui a
legislação, estrutura e o funcionamento de um conselho.
Tem por objetivo promover a interlocução entre o Gover-
no Federal e as organizações da sociedade civil sobre as
políticas públicas para o Mercado Comum do Sul (Mer-
cosul). Tem a finalidade de divulgar as políticas, priori-
dades e propostas em negociação e outras iniciativas do
Governo brasileiro relacionadas ao Mercosul; fomentar
discussões no campo político, social, cultural, econômico,
financeiro e comercial que envolvam aspectos relaciona-
dos ao Mercosul; encaminhar propostas e sugestões que
lograrem consenso, no âmbito das discussões realizadas
com as organizações da sociedade civil, ao Conselho do
Mercado Comum e ao Grupo do Mercado Comum do
Mercosul. O Conselho é composto por vinte e um mem-
bros do poder público e quarenta membros representantes
da sociedade civil, entre entidades e personalidades reco-
nhecidas. A Unidade de Apoio à Participação Social do
4 Fonte: http://www.secretariageral.gov.br/atuacao/internacional/mer-
cosulsocialeparticipativo/conselhobrasileirodomercosulsocialepartici-
pativo [acesso em:21/08/2015].
181
MERCOSUL (UPS) foi criada mediante a Decisão do
Conselho do Mercado Comum N° 65/10, com o obje-
tivo de promover, consolidar e aprofundar a participação
das organizações e movimentos sociais da região no bloco.
Começou a funcionar em novembro de 2013, com sede na
cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai.
A UPS nasce da vocação dos governos do bloco de ampliar
as bases da representação política e a participação social
no MERCOSUL, dado que ambas são fundamentais na
construção e no fortalecimento de uma integração de en-
raizamento popular e inclusiva. Para que esta integração
possa se consolidar, são necessários canais institucionais e
políticos robustos para a participação social.
Podemos dizer que neste caso a participação dos
movimentos sociais brasileiros se dá em um cenário de
integração regional onde esta política é acordada com
outros países do bloco regional, mas mesmo assim hou-
ve uma indução do governo brasileiro à participação dos
movimentos sociais no Mercosul, já que esta era uma po-
lítica prioritária para a política externa brasileira.
182
Relações Internacionais (GR-RI)5 que propôs a “Confe-
rência Nacional 2003-2013: uma Nova Política Externa”
realizada entre o dia 15 e 18 de julho de 2013, no campus
São Bernardo do Campo (SP) da Universidade Federal
do ABC (UFABC), com o objetivo de discutir a política
externa brasileira e suas perspectivas de futuro a partir da
democratização do processo decisório6.
Romanzini Júnior e Farias (2014) apontam sobre a
existência de um risco de privatização da política externa,
portanto, é preciso pensar em fortalecer o debate sobre a
institucionalização da participação dos atores sociais na
política externa equilibrando a sua composição e dando
transparência às instâncias decisórias. Para isto seria impor-
tante a criação de uma instância de caráter consultivo. De
acordo com Romanzini Júnior e Farias (2014), desde 1985
há um debate iniciado pela proposta do cientista político
Oliveiros S. Ferreira pela criação de um “Conselho de Po-
lítica Internacional” composto pelos ministros da Fazenda
e do Planejamento, pelo ministro chefe do EMFA, pelo
presidente do Senado Federal e por um representante da
oposição, quanto aos representantes da sociedade civil, se-
riam ouvidos. A Constituição de 1988 não o criou.
A proposta da criação de um Conselho Nacional de
Política Externa (CONPEB) foi um dos pontos de pauta
da agenda do GR-RI. Ainda segundo o GR-RI:
7 http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-grri/conselho-nacio-
nal-de-politica-externa-fortalece-o-itamaraty-8986.html acesso em
23/10/2015.
184
Figura 1.
Considerações Finais
186
comandados pelo Estado brasileiro – como também atra-
vés de redes próprias destes movimentos, que, dessa forma,
se internacionalizam por fora da institucionalidade do Es-
tado. Estes movimentos e organizações sociais que atuam
no Mercosul poderiam ser considerados atores do sistema
internacional, internacionalizando suas agendas dentro e
fora da institucionalidade.
Podemos considerar a proposta de criação de um con-
selho consultivo, o CONPEB, por parte do GR-RI uma
proposta mais ousada e diretamente relacionada com a ins-
titucionalidade, já que dialoga para que haja uma instância
participativa para a política externa brasileira. Este conselho,
se criado, seria considerado uma participação institucionali-
zada de movimentos e organizações sociais que influencia-
riam na política externa a partir do MRE.
Por último podemos dizer que movimentos sociais
e organizações sociais com outras temáticas também utili-
zam tanto espaços institucionalizados como aqueles fora da
institucionalidade, para internacionalizarem suas agendas.
Inclusive, a transversalidade de temáticas das quais os mo-
vimentos e organizações sociais brasileiros se articulam é de
suma importância para o estudo destes atores. Seria impor-
tante verificar e aprofundar as estratégias de articulação dos
movimentos para a formação de redes que acontecem em
outros espaços regionais e internacionais. Consideramos
que o Fórum Social Mundial foi um espaço interessante de
análise, de criação de redes e de articulação de movimentos
e organizações sociais no cenário internacional.
187
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189
Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional e o coletivo Mbya Guarani no sul
do Brasil: colaboração da academia em dinâmicas
de transformações comunitárias participativas em
diálogo com políticas públicas
Gabriela Coelho-de-Souza
Felipe Brizoela
Rafaela Biehl Printes
Introdução
192
Nos espaços rurais, que tem como uma de suas fun-
ções principais a produção de alimentos, essas comunida-
des se vêem ora partícipes dos processos participativos e
produtivos, ora alijadas de seus territórios, por não com-
pactuarem e integrarem um modelo de agricultura inserido
em uma concepção de desenvolvimento concentrador de
capital. A figura 1 apresenta as características dos sistemas
alimentares a partir de dois modelos de desenvolvimento.
Os modelos de desenvolvimento calcados na con-
centração de capital e na soberania das comunidades,
regiões, países, apresentam características e interesses
muitas vezes opostos entre si. Do modelo que busca gerar
soberania, se aproximam campos do conhecimento inter
ou transdisciplinares como o do desenvolvimento rural,
agroecologia, soberania e segurança alimentar e nutricio-
nal. Estes campos do conhecimento dialogam com pro-
cessos de transformações comunitárias participativas, por
interagirem no nível familiar, comunitário e/ou regional,
reconhecendo que as comunidades estão em constantes
dinâmicas socioambientais em seus territórios.
A participação comunitária em processos de toma-
da de decisão e de interlocução com o setor governamen-
tal, pode levar a transformações em direção a conquistas
de demandas comunitárias, que muitas vezes são cruciais
para a consecução dos direitos humanos. Estes processos
de governança interna dos grupos e interações com gru-
pos vizinhos e diálogo com setor governamental, podem
ser de grande complexidade, ainda mais em contextos
culturais diferenciados, como no caso da interação entre
grupos indígenas e a sociedade ocidental.
193
Figura 1 - Características dos sistemas alimentares no
contexto dos modelos de desenvolvimento e de etnode-
senvolvimento.
MODELOS DE
DESENVOLVIMENTO
DESENVOLVIMENTO ETNODESENVOLVIMENTO
Concentração de capital Soberania
CARACTERÍSTICAS
DOS MODELOS DE
DESENVOLVIMENTO
SISTEMAS
ALIMENTARES
CARACTERÍSTICAS
DOS SISTEMAS
ALIMENTARES
RELAÇÕES
SOCIEDADE E
Sociedade Natureza
NATUREZA
Desenvolvi-
MODELOS DE mento
Etnodesen-
volvimento
DESENVOLVIMENTO Concentração de capital Soberania
• Concepção cartesiana
• Concepção sistêmica
• Relações de trabalho
• Relações Socioculturais
• Dependência
• Autonomia
• Sistema econômico excludente
• Sistemas locais e regionais dinâmicos
• Conexões em sistemas globalizados
• Conexões multiescalares
• Produção homogênea de alimentos
CARACTERÍSTICAS • Produção de alimentos ultraprocessados
• Produção diversificada e regionalizada
DOS MODELOS DE • Produção valorizando sociobiodiversidade
• Sistemas Alimentares Globalizados
• Sistemas Alimentares Sustentáveis
DESENVOLVIMENTO • Indicadores de segurança alimentar e
• Indicadores de segurança alimentar e
de desenvolvimento humano baixos
de desenvolvimento humano altos
• Gestão governamental com baixa priorização das
• Gestão governamental atuante, intersetorial e participativa
questões técnicas, com recursos escassos
• Etnoconservação, integrando a sociobio-
• Modelo de conservação excludente
diversidade e a economia
• Remanescentes de ecossistemas nativos
• Corredores ecológicos conectados e
fragmentados e isolados
contínuos
•Extinção da biodiversidade e
• Ecossistemas nativos resilientes
degradação dos recursos naturais
• Mitigação das mudanças climáticas
• Aumento das mudanças climáticas
194
Neste contexto, este capítulo tem como objetivo te-
cer reflexões sobre o papel das universidades nos processos
de transformações comunitárias participativas em contexto
intercultural, buscando compreender as interconexões entre
os campos científicos, que estão envolvidos com a prática e o
movimento agroecológico e da soberania e segurança alimen-
tar e nutricional e os processos territoriais em curso, prota-
gonizados pelo coletivo Mbya Guarani no litoral sul do Bra-
sil. O capítulo está organizado em quatro seções, além desta
introdução. Na segunda seção são apresentados os campos
do conhecimento da agroecologia e da soberania e segurança
alimentar e nutricional, buscando explorar as conexões desses
campos científicos com a prática e os movimentos que acon-
tecem nos territórios. A terceira seção apresenta os processos
de transformação comunitária protagonizados pelo coletivo
Mbya Guarani para a construção de um Plano Guarani, com
apoio de políticas intersetoriais e assessoria de uma univer-
sidade pública, por meio de ações de extensão, pesquisa e
ensino. A quarta seção analisa o papel dos planos de gestão
territorial e ambiental na proteção dos sistemas alimentares
indígenas, discutindo seu papel nos processos de transforma-
ções comunitárias participativas no caso Mbya Guarani. Na
quinta seção, se apresentam as considerações finais.
195
(2019), Ramos (2019) e Zuñiga (2019), elas são construí-
das com base na abordagem sistêmica, complexa, multies-
calar e multidimensional, calcada nos princípios da sus-
tentabilidade. Esta concepção é construída pela prática,
fundamentada pela ciência e norteadora do movimento
agroecológico e da soberania e segurança alimentar e nu-
tricional, em direção a um modelo de desenvolvimento
com enfoque na soberania alimentar (figura 1).
A esfera da prática gera processos de interação entre
comunidades e ecossistemas, por meio do conhecimento
e práticas associadas ao manejo dos recursos naturais e da
agrobiodiversidade, além das práticas associadas à circula-
ção, sociabilidade, abastecimento e consumo nas comuni-
dades. A esfera do movimento busca realizar e articular os
processos, estando associada a uma dimensão política. De
acordo com Brandenburg et Al (2004), ao difundir-se nos
campos científico e político, a visão sistêmica associada à
sustentabilidade, se configura em uma categoria que permi-
te articular tanto o conhecimento quanto as intervenções
na sociedade, associando prática, ciência e movimento.
Na esfera da ciência, esta abordagem compreende a
interação entre sistemas socioecológicos que transcendem
o somatório do sistema social e do ecológico, reconhecen-
do que os componentes de um sistema estão em constante
interação e em contínuo movimento (COSTABEBER e
MOYANO, 2000). Estas dinâmicas produzem proprie-
dades emergentes resultando nos serviços ecossistêmicos.
A visão sistêmica, a partir da ciência, embasa a interação
da extensão, pesquisa e ensino enfocando a compreensão
e o fortalecimento dos processos em torno da construção
de um modelo de desenvolvimento, calcado nos princí-
pios da sustentabilidade. Neste contexto, a agroecologia e
196
a SSAN são campos científicos inter e transdisciplinares,
na interface entre ciências naturais e sociais (figura 2c).
De acordo com Boaventura de Souza Santos, as in-
terfaces entre os campos científicos são espaços potentes
de construção de ferramentas para abordagens de ques-
tões complexas, como a fome, a degradação ambiental
e a insegurança alimentar e nutricional. Desde a década
de 1940, a partir dos estudos de Josué de Castro, a pro-
blemática da fome passou a ser considerada uma questão
social decorrente de processos de concentração de poder
impedindo o acesso de parcela da população a alimentos,
renda, recursos naturais e/ou seus territórios. A partir da
década de 2000, a problemática da fome e da alimentação
adequada e saudável passou a ser reconhecida como uma
questão socioambiental, a partir do agravamento da crise
ambiental, da questão do acesso dos povos e comunida-
des tradicionais a seus territórios e da drástica mudança
nos padrões alimentares mundiais, passando de uma dieta
regionalizada para alimentos ultra processados. O caráter
socioambiental se impõe, por esta questão estar relaciona-
da à degradação dos ecossistemas naturais, agrobiodiver-
sidade, perda de sementes crioulas, dificultando o acesso à
alimentação por grande parcela da população, em especial
as comunidades rurais, étnicas e as das periferias das cida-
des. Esse processo acarreta a fragilização dos sistemas ali-
mentares tradicionais e o desabastecimento de produtos
locais nos mercados regionais, empobrecendo as regiões.
Partindo da sustentabilidade como categoria presen-
te nas abordagens de segurança alimentar e nutricional e
agroecologia, Gonzalez Rodriguez et al. (2019) propuse-
ram uma abordagem da multidimensionalidade da Segu-
rança Alimentar e Nutricional, considerando as dimen-
197
sões presentes no conceito de SAN brasileiro1 (BRASIL,
2006), integrando aos pilares da Segurança Alimentar e
Nutricional, presentes na perspectiva da FAO. Essa abor-
dagem apresenta seis dimensões, quais sejam, ambiental,
sociocultural, econômica, política, ética e nutricional. Nes-
sa abordagem “a dimensão ambiental é a base de todas as
outras dimensões, pois se constitui no meio onde os seres
humanos vivem e fornece serviços ecossistêmicos que são
imprescindíveis à vida” (GONZALEZ RODRIGUEZ et
Al., 2019, p. 223). Na figura 2a, a dimensão ambiental é
desdobrada incluindo as dimensões de ecossistemas, pai-
sagens comunidades biológicas, representando o sistema
ecológico em interação com o sistema social. A dimensão
territorial também é incluída, representando as interações
entre as comunidades humanas e biológicas e os recursos e
paisagens com as quais interagem.
A análise da multidimensionalidade coloca as di-
mensões em relação entre si. A dimensão econômica se
contrapõe à dimensão sociocultural. As dimensões política
e ética fazem a mediação entre as dimensões econômica,
ambiental e sociocultural. Importante destacar a diversi-
dade cultural e o conhecimento local como ferramentas
para a gestão e conservação dos territórios, que estão em
busca constante da sustentabilidade ambiental, econômica
e social, aspectos chave na conservação da biodiversidade.
De acordo com Nascimento (2020), a partir da perspecti-
va etnoecológica, saberes e práticas culturais associadas à
199
Figura 2 - Perspectivas analíticas integrando agroecolo-
gia e segurança alimentar e nutricional, a partir de análise
multidimensional da SAN, sistemas socioecológicos e sis-
temas alimentares.
Ética
Política
Territórios
Sociocultural
paisagens
ACESSO Econômica
Ecossistemas
Ambiental
indivíduo CONSUMO
Nutricional
DISPONIBILIDA
Comuni- DE
UTILIZAÇÃO
dades BIOLÓGICA
Territórios
paisagens
Comuni-
dades
200
c) elos dos sistemas alimentares conforme modelos de desen-
volvimento baseados na Agroecologia e Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional, como prática, ciência e movimento.
DESENVOLVIMENTO
MODELOS DE
Utilização
Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo
biológica
ALIMENTARES
SISTEMAS
PRÁTICA
CIÊNCIA
MOVIMENTO
SISTEMAS ALIMENTARES
206
Grande do Sul na época7, convocou uma reunião na Escola
Técnica de Osório, no município de Osório, com a finali-
dade de retomar a articulação do território, comunicar a
abertura da Chamada para constituição de um Núcleo de
Extensão em Desenvolvimento Territorial para assessora-
mento ao Colegiado, e, por fim, anunciar uma Chamada
do Programa do Governo Federal de apoio a Projetos de
Infraestrutura e Serviços em Territórios Rurais, com prazo
para encaminhamento de cerca de um mês.
Essa reunião foi presidida pelo coordenador do Ter-
ritório, o administrador da COOMAFITT, com o apoio
do primeiro assessor territorial do TRL, técnico da ONG
Centro Ecológico. Desta reunião, participaram cerca de 80
pessoas, incluindo técnicos da EMATER, representantes de
prefeituras municipais, cooperativas, representantes quilom-
bolas, cerca de 8 Guarani da aldeia Pindoty, alunos da Escola
Técnica de Osório e pesquisadores do DESMA/PGDR.
Ao longo da reunião o Delegado reafirmou que a
política territorial tem como finalidade a inclusão de agri-
cultores familiares, povos e comunidades tradicionais, mu-
lheres e jovens nos processos produtivos do território, se-
guindo as diretrizes do desenvolvimento rural sustentável.
Como resposta a esta colocação, em um momento poste-
rior, o cacique Felipe Brizoela tomou a palavra e, de forma
bastante pausada e serena, afirmou que ele era professor e,
por ser professor entendia melhor a linguagem dos juruá.
Pelo o que ele estava entendendo este era um projeto que
incluía os Guarani. Então, se o projeto era para os Guarani,
tinha que entrar “para dentro” das aldeias e buscar comu-
nicar o que era o projeto. Pois, se, ele, que convivia com os
208
do Lami, Cantagalo, Lomba do Pinheiro e Capivari, onde
o Cacique Cirilo, da aldeia da Lomba do Pinheiro, havia
trabalhado na articulação do projeto de manejo agroflo-
restal Guarani, buscando promover a articulação entre as
aldeias da região metropolitana e do litoral.
O projeto da política territorial foi apresentado
como uma oportunidade para os Guarani se reunirem e
discutirem suas prioridades, buscando identificar quais
projetos seriam pertinentes para suas tekoá, para estes se-
rem incluídos em uma pauta de diálogo com as diferen-
tes representações do Estado. Neste contexto, o cacique
foi convidado para trabalhar conduzindo os processos de
governança Guarani respaldados pelas organizações do
Colegiado Territorial e fazendo a articulação dos Guarani
com o Colegiado Territorial e NEDET UFRGS. Brizoela
ressaltou a importância de respeitar o tempo Guarani.
Essa reunião na aldeia selou a parceria entre os Gua-
rani, o DESMA, a ONG AEPIM, o NEDET UFRGS e
o Colegiado Territorial, os quais constituíram uma equi-
pe intercultural incluindo o cacique da aldeia Pindoty de
Riozinho, alguns acompanhantes Guarani que variaram
ao longo do tempo. Em momentos públicos participaram
estudantes do Programa de Pós-Graduação em Desen-
volvimento Rural, graduandos do Curso de Educação do
Campo e Ciências Sociais.
A equipe intercultural em pouco tempo conseguiu
visualizar um caminho a ser trilhado que, ao mesmo tem-
po em que fortalecesse a governança interna Guarani,
também fortalecesse o diálogo com as políticas públicas,
buscando a construção do componente Guarani no PT-
DRS, juntamente como o PGTA. O trabalho de interlo-
cução do cacique Brizoela e da equipe intercultural com
209
as aldeias focou na construção de um Plano de Vida das
tekoá (aldeias) do TRL, pois se tratava de um processo de
fortalecimento da governança Guarani, em primeiro pla-
no. E, parte desse documento responderia às exigências
da PNGATI e do PRONAT.
Desde janeiro de 2016, as 10 aldeias Mbya no litoral
foram percorridas pela equipe intercultural. Se realizaram
reuniões com lideranças e demais membros das comuni-
dades, com pautas em 3 (três) dimensões: 1) Governança
interna Mbya: união; articulação das aldeias; espirituali-
dade; alimentação; organização familiar, comunitária e
intercomunitária; fortalecimento da participação de jo-
vens e mulheres; 2) Redes interculturais (em nível de ter-
ritório): autonomia; trocas de experiências e intercâmbios
com quilombolas, pescadores, agrofloresteiros, produto-
res agroecológicos e agricultura familiar em geral; e, 3)
Institucional (território e além do território): coerência;
articulação das instituições e de políticas; justiça e direitos
humanos e indígenas; espaços e tempos apropriados.
Os pesquisadores e extensionistas e a coordenação
do NEDET UFRGS buscaram a FUNAI Porto Alegre
para o reconhecimento do processo de construção do PT-
DRS junto aos Guarani como um processo de construção
do PGTA. A FUNAI Porto Alegre orientou que este as-
sunto deveria ser tratado na Coordenação Regional (CR),
em Florianópolis. Em função da escassez de recursos, a
equipe de juruá se organizou e buscou a CR/FUNAI em
Florianópolis. A proposta foi apresentada, reforçando a
intersetorialidade entre políticas de secretarias que pou-
co dialogavam. A CR/FUNAI se manifestou dizendo ser
difícil a aproximação tendo em vista o histórico de falta
de trabalho em parceria entre o Ministério do Desenvol-
210
vimento Agrário e a PNGATI, reforçando que o repre-
sentante deste Ministério no Comitê Gestor da PNGATI
não participava das reuniões, dificultando o trabalho da
FUNAI. Por fim, manifestou que essa demanda deveria
ser apresentada pelos próprios Guarani em reunião em
Brasília. Entretanto, a FUNAI não disponibilizou recur-
sos para subsidiar a ida dos Guarani. Nesse contexto, fi-
cou evidente que a centralização das relações entre as po-
líticas no âmbito de Brasília, pode ter sérias repercussões
nos espaços locais, prejudicando os principais beneficiá-
rios, mesmo com a intersetorialidade estando pautada em
diversas políticas.
O trabalho da equipe intercultural teve duração
até 2017, quando a política territorial deixou de ser
prioridade para o governo federal. Ao longo deste tempo
foram realizados cinco Nhemboaty Mbya kuery no litoral
do RS (figura 4), que ocorreram entre os anos de 2016
e 2018, envolvendo a mobilização de representantes de
todas as aldeias nesta porção do Yvy Rupá. Na sub-seção
a seguir será relatada a realização do I Nhemboaty Mbya
kuey, juntamente com a I Conferência de ATER Temá-
tica Livre Guarani, evidenciando o diálogo entre o pro-
tagonismo guarani, a extensão universitária e políticas
públicas voltadas a processos de transformação comuni-
tária participativa.
211
Figura 4 - Linha do tempo dos eventos vinculados ao
Sistema de Governança Mbya Kuery no litoral do RS.
212
no dia 23 de março de 2016. A I Conferência Temática
foi realizada concomitante ao 1º Nhemboaty mbya kuery:
teko ojevy angua regua, yy e’ë reguá – Encontro Guarani: o
passado-futuro na continuidade da cultura no Território
Litoral (figura 5). Para a realização dos eventos contou
com uma etapa prévia de expedições a campo, visitas nas
aldeias e contatos com órgãos relacionados (Prefeituras,
EMATER, FUNAI, SDR) que viabilizaram a atividade,
entre os dias 21 a 24 de março de 2016 na aldeia Pindoty
(PRINTES, 2019).
213
Figura 5 - 1º Conferência Temática de ATER Mbya
Guarani e abertura do 1º Nhemboaty Mbya kuery pela
liderança Mbya Guarani do CODETER Litoral.
215
cultura milenar realizada pelos Mbya Guarani e ao mes-
mo tempo facilitar o acesso às novas tecnologias sustentá-
veis voltadas à agricultura, fortalecendo uma abordagem
intercultural para a agroecologia.
218
Assim, a metodologia proposta pelos Mbya Guarani
para compreenderem melhor tais políticas e se engajarem
na construção de tais Planos foi, inicialmente, retomarem o
diálogo político interno Mbya por meio dos Nhemboaty. Os
grupos participantes dos encontros são diferentes entre si e
cada aldeia tem suas problemáticas e demandas materiais
específicas, mas, no entanto, de maneira geral, os Mbya das
diferentes localidades do litoral têm dificuldades em viver
de acordo com o Mbya rekó (modo de ser) em decorrência
do processo de colonização e a forma de organização dos
jurua kuery (não indígenas). Relatam que há décadas os
investimentos em projetos e políticas públicas direcionados
para as aldeias Mbya são pensados pelos juruá kuery, não
resolvendo os problemas locais e causando muitos confli-
tos internos. Explicam que somente nos últimos anos os
Guarani começaram a ser questionados, participando na
decisão quanto ao uso dos recursos do Governo, indicando
como/para quê devem ser aplicados nas aldeias. Nas últi-
mas décadas somente ações assistencialistas têm chegado às
comunidades, pois não existe um plano a médio e longo
prazo para cada aldeia, que respeite as especificidades de
cada aldeia, e que esteja de acordo com o Mbya rekó.
Para além do acesso a terra com mato e recursos
para viver o Mbya rekó, é importante o apoio institucio-
nal permanente na realização dos Nhemboaty (encontros)
entre as aldeias, garantindo um processo contínuo de
organização interna e fortalecimento da rede interaldeã
Mbya Guarani com apoiadores não indígenas. A proposta
dos Nhemboaty no litoral proporcionou a integração dos
Mbya nesta porção do território, pois, conforme relata-
ram, esta integração foi enfraquecida nas últimas décadas
em função da inexistência de apoio para realização deste
219
tipo evento. O relato a seguir do cacique da tekoá Pindoty,
complementa esta afirmação, pois ao longo da sua expe-
riência, os Mbya das tekoá no litoral do RS não se encon-
travam há mais de 20 anos. Relatou que o “desencontro”
Mbya foi provocado também pelas instituições do juruá
kuery, desde que começaram a entrar nas tekoá e imporem
“novas regras”. A partir daí, começou a mudar totalmente
a relação interaldeã e intra-aldeã, conforme explicado em
conversa com a equipe intercultural:
220
certas regras de Nhanderú, estimulando inclusive intrigas
e ciúmes entre os Mbya. A condução da 2º CNATER é
comparável ao ritmo desse processo, porém o enfrenta-
mento dos Mbya favoreceu a auto-reflexão interinstitu-
cional de atuação de diversos profissionais presentes.
A próxima sub-seção apresenta a participação e os
resultados da representação Mbya Guarani nos espaços de
governança intercultural estadual e nacional no âmbito
da execução das políticas públicas territorial, indigenista
e de segurança alimentar e nutricional.
221
trabalho da Conferência recebeu outras propostas, fican-
do com a redação a seguir:
Implementar espaços de articulação dos Povos e Co-
munidades Tradicionais (PCTs) para que os temas
referentes à relação entre os grupos e o Estado se dê
de forma permanente em um processo de empodera-
mento, podendo ser por meio de centros de formação
continuada para PCTs que prevejam a formação de
agentes de ATER entre PCTs, PRONATEC Campo,
formação em acesso a conhecimentos tradicionais as-
sociados ao patrimônio genético (Proposta para PCTs
Etapa Estadual RS, 2016).
222
brasileira, custeada pela Conferência Nacional de ATER,
possibilitou a realização de uma reunião do cacique Mbya
Guarani, que foi acompanhado pela delegada representan-
te da SDR, junto à Coordenação Geral de Gestão Ambien-
tal (CGGAM) da FUNAI.
O cacique Brizoela contextualizou a forma como
a equipe intercultural estava conduzindo a execução do
PRONAT junto aos Guarani no litoral do RS, ressal-
tando o envolvimento da representação Mbya em plená-
rias interculturais e em encontros periódicos nas aldeias
Mbya no litoral (por meio dos Nhemboaty). Apresentou
os resultados dos dois primeiros Nhemboaty na forma
documental e manifestou a intenção dos Mbya na con-
tinuidade dos encontros para a construção do PGTA,
solicitando apoio em recursos financeiros. Além disso,
reforçou a necessidade de que o processo em curso, pro-
movido pelo PRONAT, fosse reconhecido como parte
da construção do PGTA, inclusive, porque grande parte
dos eixos da PNGATI estavam sendo contemplados nas
discussões dos Nhemboaty, pondo em prática a transver-
salidade das políticas públicas territorial e indigenista.
O cacique teve sua demanda acolhida pela FUNAI,
além do comprometimento da Coordenação Geral de Ges-
tão Ambiental em participar do 3º Nhemboaty, que seria
realizado na aldeia Sol Nascente em Osório. Na FUNAI
Brasília, o cacique Brizoela encontrou representantes da
Terra Indígena Guarani do Bracuí no Rio de Janeiro, que
estavam em processo de construção do PGTA, sendo este
um dos resultados do Projeto de Gestão Ambiental e Ter-
ritorial (Projeto GATI), no qual a TI Guarani do Bracuí
esteve envolvida por ser uma das 32 áreas referência des-
te projeto, que teve como propósito ser um projeto piloto
223
para implementação da PNGATI (Decreto 7.747/2012)
(BRASIL, 2012).
Os contatos do cacique trouxeram novos incentivos
para a construção do PGTA, houve o reconhecimento dos
Nhemboaty como processo de construção do PGTA, uma
sinalização de execução da política pública indigenista
com a de desenvolvimento agrário, por meio da elabo-
ração dos planos PGTA e PTDRS, além da aproximação
de um ator nacional, a FUNAI Brasília. Com a drástica
mudança ocorrida em 2016, o processo não teve conti-
nuidade dessa forma. As universidades perderam o seu
papel de mediador direto de políticas públicas, executado
a partir dos recursos destinados aos NEDET. As políticas
de reconhecimento dos direitos indígenas tiveram fortes
retrocessos. Entretanto, desde 2019, o contato com a FU-
NAI promovido pela extensão, fez com que a governança
Guarani retomasse, junto às redes de apoio, o processo de
construção dos PGTA.
Na seção a seguir discute-se o papel da ferramenta
do PGTA na construção dos sistemas alimentares susten-
táveis dos Guarani, como um processo de fortalecimento
das transformações comunitárias participativas desse Co-
letivo à luz da Agroecologia e Soberania e Segurança Ali-
mentar e Nutricional.
224
instrumentos de caráter dinâmico, que visam à valoriza-
ção do patrimônio material e imaterial indígena, à recu-
peração, à conservação e ao uso sustentável dos recursos
naturais, assegurando a melhoria da qualidade de vida e
as condições plenas de reprodução física e cultural das
atuais e futuras gerações indígenas (FUNAI, 2013, p. 7).
225
A centralidade da PNGATI na proteção dos territó-
rios e conservação e disponibilidade dos recursos naturais
das terras indígenas evidencia a grande fragilidade a que as
terras indígenas estão expostas, em decorrência do modelo
de desenvolvimento concentrador de capital adotado pelo
país. A proteção dos territórios é a medida mais emergen-
cial para manutenção dos sistemas alimentares indígenas.
Visando explorar a contribuição do PGTA na soberania e
segurança alimentar e nutricional dos indígenas, elaborou-
-se o quadro 1 relacionando os eixos e ações da PNGATI
com os elos dos sistemas alimentares indígenas. Das 44
ações distribuídas em sete eixos, 22 ações (em seis eixos10),
estão de alguma forma relacionadas aos sistemas alimenta-
res indígenas. As ações estão fortemente associadas aos elos
ecossistemas e manejo dos sistemas alimentares.
227
e) promover a recuperação e conservação da ecossistemas/manejo/
agrobiodiversidade e dos demais recursos naturais abastecimento/
essenciais à segurança alimentar e nutricional dos dietas/consumo/
povos indígenas, com vistas a valorizar e resgatar utilização biológica
as sementes e cultivos tradicionais de cada povo
indígena;
f ) promover ações para a recuperação de áreas ecossistemas/manejo
degradadas e a restauração das condições ambientais
das terras indígenas, em especial as de prevenção e
combate à desertificação;
V - eixo 5 - uso sustentável de recursos naturais e
iniciativas produtivas indígenas:
b) fortalecer e promover as iniciativas produtivas ecossistemas/manejo
indígenas, com o apoio à utilização e ao
desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis;
c) promover e apoiar a conservação e o uso ecossistemas/manejo
sustentável dos recursos naturais usados na
cultura indígena, inclusive no artesanato para fins
comerciais;
d) apoiar a substituição de atividades produtivas ecossistemas/manejo
não sustentáveis em terras indígenas por atividades
sustentáveis;
f ) desestimular o uso de agrotóxicos em terras manejo
indígenas e monitorar o cumprimento da Lei nº
11.460, de 21 de março de 2007, que veda o cultivo
de organismos geneticamente modificados em terras
indígenas;
g) apoiar iniciativas indígenas sustentáveis de dietas/consumo
etnoturismo e de ecoturismo, respeitada a decisão
da comunidade e a diversidade dos povos indígenas,
promovendo-se, quando couber, estudos prévios,
diagnósticos de impactos socioambientais e a
capacitação das comunidades indígenas para a gestão
dessas atividades;
h) promover a sustentabilidade ambiental das ecossistemas/manejo
iniciativas indígenas de criação de animais de médio
e grande porte;
i) promover a regulamentação da certificação dos
produtos provenientes dos povos e comunidades
indígenas, com identificação da procedência étnica abastecimento
e territorial e da condição de produto orgânico, em
conformidade com a legislação ambiental
228
j) promover assistência técnica de qualidade, manejo
continuada e adequada às especificidades dos povos
indígenas e das diferentes regiões e biomas;
VII - eixo 7 - capacitação, formação, intercâmbio e
educação ambiental:
a) promover a formação de quadros técnicos, ecossistemas/manejo/
estruturar e fortalecer os órgãos públicos e parceiros abastecimento/
executores da PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
b) qualificar, capacitar e prover a formação ecossistemas/manejo/
continuada das comunidades e organizações abastecimento/
indígenas sobre a PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
c) fortalecer e capacitar as comunidades e ecossistemas/manejo/
organizações indígenas para participarem na abastecimento/
governança da PNGATI; dietas/consumo/
utilização biológica
g) promover e estimular intercâmbios nacionais e ecossistemas/manejo/
internacionais entre povos indígenas para a troca abastecimento/
de experiências sobre gestão territorial e ambiental, dietas/consumo/
proteção da agrobiodiversidade e outros temas utilização biológica
pertinentes à PNGATI.
Fonte: elaborado pelos autores com base PNGATI (BRASIL, 2012).
229
Nhanderu. Para os Mbya o Plano de Vida Mbya kuery é pra-
ticado cotidianamente, no seu caminhar e entre as redes de
apoio intercultural que passaram a se consolidar ao longo
das últimas décadas. Para esta construção os Guarani rea-
lizaram quatro Nhemboaty, em 2016, que apontaram para
demandas expostas no quadro 2 (PRINTES, 2019).
Demandas Direcionadas às
instituições
1 Recursos para alimentação e logística Emater-ATER
permanente para realização periódica dos Prefeituras
Nhemboaty (a cada seis meses). municipais, SDR,
FUNAI
2 Alimentação dos Nhemboaty adquirida Cooperativas
preferencialmente de pequenos agricultores, de agricultores
quilombolas e pescadores artesanais do litoral, familiares colônia de
evidenciando a importância de acessarem e pescadores do litoral
estimularem o comércio de alimentos locais.
3 Acesso às terras em áreas de planície e acesso FUNAI. Redes
as ka’aguy hete reguá (criações naturais de Pluralidades:
originárias) fora dos limites das aldeias para ANAMA, CEBB,
que possam manter os cultivos das sementes Coletivo Baçara
verdadeiras e acessos a plantas necessárias
alimentação e manutenção de práticas
medicinais e espirituais/rituais, conforme o
Mbya rekó.
4 Construção das casas de moradia, das casas PACIG
de artesanato, da escola, instalação de placas
solares, do posto de saúde e compra de terras.
5 Contratação de dois fiscais indígenas PACIG
por aldeia contemplada no PACIG para
monitoramento e intervenção nas obras
contempladas, mas ainda não executadas.
6 Demanda da criação do cargo específico para Emater-ATER
indígenas na Emater, chamado de “agentes
indígenas” de Ater.
230
7 Garantia de veículos à disposição das Emater-ATER,
comunidades para os deslocamentos entre FUNAI
aldeias, tendo em vista a importância cultural
dos intercâmbios de sementes e ramas,
mutirões e rituais para as atividades produtivas
Mbya Guarani.
8 Preparo das áreas para plantio, a partir do Emater-ATER,
mês de julho (Ara pyau). As comunidades FUNAI, SESAI,
demandam a integração das instituições SEDUC, SDR,
que atuam nas aldeias para garantir o apoio EMATER,
logístico de transporte e alimentação para Prefeituras
mutirões. municipais, ONG’s,
Universidades.
9 Condições para que os professores indígenas, SEDUC-11º CRE
em conjunto com a comunidade, elaborem o
Projeto Político Pedagógico (PPP) específico
para os Mbya no litoral.
10 As comunidades demandam melhorias das Prefeituras
estradas de acesso às aldeias e a iluminação nos municipais
acessos internos das aldeias.
11 Realização de encontros para troca de Emater-Ater
conhecimentos entre as mulheres: temas como: FUNAI,
puã (remédios naturais), cuidados na gestação Universidades,
e parto, preparo de alimentos tradicionais, ONGs – ANAMA e
plantação nas roças, saberes e fazeres do outras redes
artesanato.
12 Garantir o preparo das roças com a aquisição Prefeituras
de maquinário e equipamentos agrícolas para municipais
uso exclusivo das comunidades Mbya Guarani. Emater-ATER
Trator equipado com roçadeira, arado e grade
e garantia de manutenção dos equipamentos.
Fonte: Printes (2019).
232
mentares indígenas são: Etnoecologia, Saberes Tradicionais,
Botânica, Zoologia, Ecologia, Antropologia, Gastronomia,
Nutrição, Saúde Coletiva, Saúde Ambiental, Agroecologia,
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, desenvol-
vimento rural e pós-colonialismo. Assim como na esfera do
movimento se destacam os movimentos Direitos Humanos,
Movimento Indígena, Movimento Ameríndio, Movimento
Agroecológico, Patrimônio Alimentar, Diversidade, Conser-
vação da Biodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional, Alimentação Tradicional, Saúde Integral.
Ademais, tem-se qye a relação entre as esferas da
Agroecologia e SSAN e os elos dos sistemas alimentares
fornecem pistas para atuação das universidades em con-
textos interculturais por meio de ensino, pesquisa e exten-
são calcados nesses campos do conhecimento.
233
Figura 5 - Características dos sistemas alimentares indíge-
nas inseridos em modelos de desenvolvimento com foco na
agroecologia, soberania e segurança alimentar e nutricional.
DESENVOLVIMENTO
MODELOS DE
Utilização
Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo
biológica
ALIMENTARES
SISTEMAS
PRÁTICA
CIÊNCIA
MOVIMENTO
SISTEMAS ALIMENTARES
Utilização
Ecossistemas Manejos Abastecimento Dietas Consumo
biológica
PRÁTICA
CIÊNCIA
MOVIMENTO
234
Considerações finais
235
dade, a construção da Agroecologia e da Soberania e Seguran-
ça Alimentar e Nutricional. Essas diretrizes estão presentes no
modelo de desenvolvimento focado na Soberania Alimentar,
que considera as diretrizes dos sistemas alimentares sob enfo-
que da soberania e segurança alimentar e nutricional.
Por fim, a criação de estruturas11 de extensão nas uni-
versidades como braços auxiliares de políticas públicas, é
uma estratégia de amplo alcance nos processos de transfor-
mações comunitárias, a qual foi privilegiada pelo governo
progressista. Estas estruturas, alicerçadas nos campos cien-
tíficos da Agroecologia e Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional, inter-atuam nas esferas da prática, ciência e
movimento, integrando uma estratégia que visa manter in-
terações de longo prazo, fortalecendo o caráter da extensão
das universidades e o empoderamento de processos comu-
nitários, visando sua transformação em direção a modelos
de desenvolvimento calcados na interculturalidade, sobera-
nia e sustentabilidade, contribuindo para os processos de
descolonização das universidades e da sociedade.
Agradecimentos
237
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240
Movimentos sociais e desenvolvimento local:
reflexões sobre o impacto do Orçamento
Participativo no território
Tarson Núñez
Introdução
O presente artigo se propõe a uma reflexão que tem
como base a experiência dos movimentos de moradores
em um assentamento na zona norte de Porto Alegre, a Vila
Nossa Senhora Aparecida. O estudo deste caso tem como
objetivo analisar o impacto dos movimentos sociais sobre o
território da cidade, demonstrando que as ações dos movi-
mentos sociais são efetivamente capazes de incidir de forma
qualitativa e quantitativa a dinâmica da evolução urbana. Ao
mesmo tempo, esta experiência aponta também para a im-
portância dos espaços de participação cidadã na gestão das
cidades, uma vez que uma parte significativa das conquistas
da comunidade resulta da interação com mecanismos como
o Orçamento Participativo, assim como de políticas públicas
que foram acessadas a partir das demandas do movimento.
O debate sobre o papel dos chamados novos movi-
mentos sociais emerge nas ciências humanas no final dos
anos de 1970 como resultado de dois processos. No âmbito
da sociedade, ele surge como resultado da emergência de lu-
tas e movimentos que colocaram novos atores em cena nos
anos de 1960. No âmbito teórico este olhar sobre os novos
movimentos estimulou uma reflexão acerca da insuficiên-
241
cia das formulações existentes à época, incapazes de com-
preender o alcance deste novo fenômeno social. A Sociologia
Funcionalista ainda via os movimentos como resultantes das
disfunções associadas às transformações de sociedades tra-
dicionais em sociedades urbano industriais, disfunções que
se solucionariam automaticamente com o desenvolvimento
econômico. Já a Sociologia Crítica ainda estava muito presa
a esquemas teóricos deterministas e economicistas, que con-
cebiam as superestruturas políticas e ideológicas como um
mero reflexo das relações de produção.
Desafiando estas explicações tradicionais emergem as
formulações de Touraine (1976) e Castoriadis (1982) que
viam nos movimentos sociais atores centrais na transforma-
ção da sociedade. Neste mesmo período Manuel Castells
(1983) traz este debate sobre os movimentos sociais para
o âmbito das questões urbanas e do desenvolvimento das
cidades. Mais para o final do século Charles Tilly e seus co-
laboradores (TILLY, 2003; GIUGNI, McADAM e TILLY,
1999) aprofundam este debate mostrando a importância
dos movimentos sociais e suas lutas na construção da de-
mocracia. Por fim, já na virada do século, Boaventura dos
Santos (1999) aprofunda a análise dos movimentos sociais
nos marcos da busca de uma nova epistemologia voltada
para a emancipação.
No entanto a maioria das análises relativas aos mo-
vimentos sociais, ainda que tenham em comum a visão de
seu papel transformador da sociedade, tendem sempre a se
concentrar nas suas ações, suas lutas e demandas em termos
de reivindicações ao Estado. Os movimentos geralmente são
vistos em seu papel de interlocutores e ou desafiantes das
autoridades e do poder. Não existem muitos estudos que
buscam explorar as dimensões das ações dos movimentos
242
para além desta dinâmica do conflito em torno do poder
estatal. Mais recentemente Miguel Carter (2010) em seu es-
tudo sobre o Movimento dos Sem-Terra (MST) explorou o
impacto produtivo transformador no território que tem os
assentamentos da Reforma Agrária como redutores da desi-
gualdade social. Já Boaventura dos Santos (2005) analisou
iniciativas de economia solidária no mundo inteiro. Ambos
os autores buscaram focar, para além das dimensões demo-
cráticas reivindicatórias e mobilizadoras dos movimentos,
seus impactos concretos em termos de transformação social
no território. É neste horizonte que se situa o estudo de caso
sobre a Vila Nossa Senhora Aparecida.
Ao observar os impactos territoriais de mais de qua-
renta anos de lutas e reivindicações, mas também de proje-
tos e ações concretas dos movimentos organizados naque-
la localidade, pretendemos demonstrar que eles carregam
consigo uma potencialidade de construção de um ambien-
te urbano mais justo, sustentável e solidário. Este breve es-
tudo de caso da Vila Nossa Senhora Aparecida e de suas
conquistas têm como objetivo tirar da invisibilidade uma
experiência de grande significado. Neste sentido, a simples
descrição do processo já carrega em si um valor efetivo,
uma vez que as histórias vividas pelas populações nas peri-
ferias tendem a ser ignoradas quando se pensa na evolução
e crescimento das cidades. Mas este estudo também nos
permite uma reflexão um pouco mais profunda sobre as
dinâmicas de interação entre os movimentos sociais e os
governos locais. Neste sentido, é um caso que nos permite
testemunhar o exercício do Direito à Cidade a partir da
ação autônoma dos cidadãos organizados.
Neste contexto, a experiência da Vila Nossa Senhora
Aparecida possibilita também estabelecer reflexões acerca
243
da relação destes movimentos sociais com o Estado e a polí-
tica. Como veremos adiante, o processo de mobilização so-
cial neste território guarda uma relação muito íntima com
a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre.
A convergência entre um movimento de baixo para cima
dos moradores em torno de suas demandas e uma vontade
política do governo local de criar um arcabouço institu-
cional que permitisse aos cidadãos incidir de forma direta
sobre as suas decisões de investimento foi uma das marcas
mais fundamentais do processo.
Esta convergência possibilita uma reflexão acerca
das interfaces entre a democratização da esfera política e
a democratização de outras esferas da vida da comunida-
de, particularmente a economia e o território. Para isto,
utilizamos o conceito de Democracia Econômica, segundo
o qual “os princípios da soberania popular e os valores de
liberdade, solidariedade e igualdade devem ser aplicados ao
sistema econômico” (MENSER, 2018, p. 107). O concei-
to de democracia participativa, portanto, não precisa ficar
restrito ao campo da política, das relações entre os cidadãos
e o Estado, podendo ser incorporado a outras esferas da
vida social. E o caso em questão permite demonstrar esta
possibilidade, assim como os impactos deste processo no
território e na cidade.
O estudo de caso se orienta a partir da noção de
transformações comunitárias participativas, que temos
desenvolvido no âmbito do Grupo de Pesquisa Identidade
e Território, do Programa de Pós-Graduação em Planeja-
mento Urbano e Regional da UFRGS, como instrumento
para compreender o impacto das ações dos movimentos
sociais sobre as cidades. Esta abordagem busca superar a
visão convencional que deduz a evolução da cidade quase
244
que exclusivamente das dinâmicas do mercado, dos deba-
tes nas esferas político-institucionais e da ação de planeja-
mento e gestão por parte do Estado.
Para isto, o artigo busca descrever a trajetória dos
movimentos sociais na Vila Nossa Senhora Aparecida,
suas lutas, impasses e conquistas. Esta análise histórica nos
permite identificar impactos concretos das lutas sociais
desenvolvidas naqueles territórios, assim como analisar a
complexa interação entre as ações dos cidadãos e as polí-
ticas públicas desenvolvidas pelo Estado. O papel do Or-
çamento Participativo como um espaço de interlocução
com o governo local é detalhado e sua dinâmica e trans-
formações são identificadas. O trabalho de pesquisa com-
binou dimensões quantitativas e qualitativas. De um lado,
o levantamento de dados estatísticos e análise documental;
de outro, entrevistas em profundidade com membros do
movimento, além da observação participante de natureza
etnográfica e qualitativa.
A partir daí se busca aprofundar de forma mais analíti-
ca a trajetória dos movimentos relacionados com a experiên-
cia da Vila Nossa Senhora Aparecida. Sua dimensão ético-po-
lítica, os valores subjacentes que orientaram as ações coletivas,
as distintas esferas de intervenção do movimento em termos
da sua escala e de seu impacto, as relações com o Estado nas
esferas local, estadual e nacional, são objetos de uma reflexão
mais sistemática. Além disso, são analisados também o papel
das distintas redes, movimentos e esferas de atuação que estão
relacionados com a experiência. O objetivo é compreender as
relações entre o processo local estudado e as dinâmicas mais
gerais das lutas sociais na cidade.
245
A experiência dos movimentos comunitários da Vila
Nossa Senhora Aparecida
246
Este processo levou a um crescimento dos conflitos
urbanos, resultando em movimentos espontâneos de cida-
dãos, movidos por uma carência extrema de moradia, que
ocupavam áreas ociosas. Estas ocupações não resultavam
de movimentos sociais formalmente organizados para este
fim, se caracterizando mais como iniciativas espontâneas
movidas por necessidades extremas. Isso não significa que
não houvesse organizações envolvidas. Muitas vezes as as-
sociações comunitárias de moradores dos bairros davam
apoio às ocupações. Desta forma as ocupações se multi-
plicaram na periferia de Porto Alegre, se constituindo em
uma das principais formas de acesso ao direito à moradia
naquele período (PANIZZI, 1993).
A Vila Nossa Senhora Aparecida é resultado deste
contexto, de uma ocupação ocorrida em 1978 no bairro
Sarandi. A ocupação foi realizada em um terreno privado,
ocasionalmente utilizado para o plantio de arroz, uma vez
que se situava nos limites da área urbanizada do município.
Hoje se constitui em uma comunidade de mais de mil fa-
mílias, em um contingente de mais de 4 mil pessoas. Em
1985, o governo municipal, através do Departamento Mu-
nicipal de Habitação (DEMHAB), comprou a área de seus
proprietários e reconheceu a presença dos moradores, o
que permitiu aos ocupantes estabilizarem sua situação, ain-
da que sem a garantia de propriedade dos lotes ocupados.
Desde sua origem, portanto, a Vila Nossa Senhora Apareci-
da se constitui a partir de uma dinâmica de ação coletiva, o
que marca profundamente sua identidade como território.
A Tabela I apresenta um resumo dos indicadores sociais
da Vila Nossa Senhora Aparecida. Os dados mostram uma
comunidade com indicadores sociais e econômicos bem
abaixo da média do restante da cidade.
247
Tabela I - Indicadores sociais da Vila Nossa Senhora
Aparecida1.
2 Disponível em http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/default.php?p_
secao=1130
3 http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_udh/22280 e http://www.
atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_udh/22279
249
A solução, ainda que parcial, dos principais proble-
mas relacionados com a infraestrutura urbana, levou a co-
munidade a uma reflexão voltada para o redirecionamento
das demandas coletivas para outras pautas. Os moradores
da comunidade, uma vez atendidas demandas estruturais
mais urgentes, passaram a direcionar sua atenção para me-
tas mais ambiciosas, relacionadas com as perspectivas de
desenvolvimento local. As experiências coletivas de luta
por melhores condições de vida apontaram para demandas
relacionadas com a geração de trabalho e renda.
De outro lado, o próprio processo do OP vinha so-
frendo transformações decorrentes da experiência de seus
primeiros anos. Neste período inicial o processo de debate
dos investimentos municipais tinha uma base exclusiva-
mente territorial, materializada nas demandas que vinham
de plenárias em cada uma das 16 regiões da cidade. Esta
dinâmica local tinha como resultado uma dificuldade de
direcionar investimentos relacionados à cidade como um
todo, que se relacionassem com uma visão mais geral de
desenvolvimento. Por seu desenho institucional de base
territorial, o OP até então não disponibilizava um espaço
efetivo de debate de questões mais estruturais da cidade.
Esta constatação levou a uma discussão que resultou,
em 1994, em uma primeira reforma que alterou de forma
significativa o desenho institucional do OP. Foram criadas
novas instâncias do OP, as plenárias temáticas. Estas reuniões
eram também abertas para todos os cidadãos, mas debatiam
investimentos que não estavam relacionados com nenhuma
região em particular. Eram estruturadas em torno de temas:
a) Tributação e Desenvolvimento Econômico; b) Saúde e
Assistência Social; c) Educação, Cultura e Lazer; d) Organi-
zação da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambien-
250
te; e) Transporte e Circulação. Estas novas instâncias tinham
como objetivo ampliar e dar mais universalidade ao debate
dos investimentos públicos, reduzindo a dinâmica localista
que predominava nas demandas das comunidades.
Por outro lado, os ativistas que participavam do OP
na região também realizavam uma reflexão acerca das suas
estratégias de acesso aos recursos públicos. Uma vez que os
investimentos conquistados em termos de infraestrutura ur-
bana e serviços já tinham solucionado os problemas mais
urgentes, o foco da comunidade se direcionou para a busca
de recursos para projetos de geração de trabalho e renda. A
comunidade, em parceria com a Igreja Católica, já vinha de-
senvolvendo atividades voltadas para a capacitação profissio-
nal e geração de trabalho e renda. Estas ações ganharam força
ao acessar uma nova fonte de financiamento a partir do OP.
A criação das plenárias temáticas do OP, somada às
novas demandas das comunidades, levou a um movimento
paralelo de constituição de novos programas de políticas
públicas para dar conta das reivindicações surgidas nestes
espaços de discussão. Já no Plano de Investimentos para
1995, discutido em 1994, foi incorporado um programa
voltado para “fomentar, junto à população de baixa renda,
as possibilidades de emprego”4, para o qual foram alocados,
em valores atualizados, R$ 1.831.260,13. Já no Plano de
Investimentos de 1996, discutido em 1995, foram agrega-
dos mais R$ 431.332,28 para a “construção de 10 galpões
para ações coletivas”5.
252
quanto para o público externo da região. Este espaço estava
localizado na própria Vila Nossa Senhora Aparecida, o que
fortaleceu a relação da cooperativa com o território.
A Univens se constitui com um profundo compro-
misso com os valores do cooperativismo, da democracia e
da solidariedade. Todas as decisões são tomadas de forma
coletiva em assembleias mensais com a participação de to-
das as associadas. Cada novo trabalho a ser iniciado é discu-
tido por todas e a distribuição das tarefas e da remuneração
é realizada coletivamente. A presidência da Cooperativa é
rotativa, mudando anualmente para evitar a perpetuação
das lideranças. E para além dessa dinâmica de democra-
cia interna, a Cooperativa tem também fortes laços com
a comunidade local, engajando-se em movimentos e lu-
tas reivindicativas para além da sua atividade cotidiana. A
Cooperativa até mesmo reserva parte dos seus ganhos para
a constituição de um fundo solidário, utilizado para apoiar
grupos mais carentes ou projetos na comunidade. Hoje,
a Univens tem 26 associadas e uma sede própria onde se
desenvolvem atividades de corte e costura, serigrafia e ati-
vidades de capacitação profissional.
Desde o seu início, a cooperativa esteve envolvida com
o movimento mais amplo que se organizava em torno do
conceito de Economia Solidária. Este movimento, de caráter
nacional, tinha fortes relações com a igreja católica e com
o movimento sindical dos trabalhadores urbanos. Com o
apoio destas instituições, os empreendimentos de economia
solidária desenvolveram uma ação em rede, trabalhando co-
letivamente em defesa de políticas públicas para o setor, or-
ganizando feiras de comercialização, atividades de capacita-
ção e eventos públicos de divulgação e defesa dos princípios
do cooperativismo e da economia solidária.
253
A Univens, desde o início, teve uma participação ati-
va neste movimento. Participou da constituição do Fórum
Municipal de Economia Solidária, assim como de sua ex-
pansão em nível estadual, além de participar da constitui-
ção do Fórum Nacional da Economia Solidária. Sua ação,
portanto, não se esgota na dinâmica local enquanto grupo
isolado de trabalhadoras da Vila Nossa Senhora Aparecida.
Sua identidade se constitui como parte de um movimento
mais amplo, de caráter nacional, de construção de um novo
modelo econômico.
A constituição de um movimento organizado por
parte das cooperativas abriu espaço para o debate com as
instituições governamentais acerca da constituição de políti-
cas públicas para o setor. Até o final dos anos de 1990, esta
interlocução se dava com o Governo Municipal. Em 1999,
após a vitória de Olívio Dutra (PT) nas eleições estaduais, a
Secretaria do Trabalho do Governo Estadual estruturou um
setor voltado para o apoio à economia solidária. Em 2003,
após a vitória de Lula nas eleições presidenciais, o Ministério
do Trabalho cria a Secretaria Nacional de Economia Soli-
dária (SENAES), que passa a desenvolver políticas públicas
focalizadas no apoio ao cooperativismo. A Univens, desde
seu início, atuou neste debate sobre as políticas públicas para
a economia solidária, buscando o atendimento de suas de-
mandas, mas também defendendo políticas de fomento para
o movimento de economia solidária como um todo.
No entanto, ainda que a interlocução da cooperativa
tenha sido inicialmente com estes governos liderados por
partidos de esquerda, a Univens e o movimento da econo-
mia solidária sempre dialogou e interagiu com governos
de todos os matizes políticos. O debate e a demanda por
políticas públicas de apoio e fomento à economia solidária
254
foram permanentes, com maior ou menor intensidade, du-
rante todos os governos desde o final dos anos de 1990 e a
Univens, como parte do movimento mais amplo, fez parte
deste processo.
No entanto, a viabilização da cooperativa não depen-
deu exclusivamente da iniciativa da comunidade local e dos
poderes públicos. A articulação da comunidade com outros
movimentos da sociedade civil também foi decisiva. No final
dos anos de 1990, o movimento de luta contra a pobreza e a
fome era muito ativo no Brasil, protagonizado por institui-
ções da sociedade civil. Neste contexto, se formou o COEP
(Comitê de Entidades Públicas no Combate à Fome e pela
Vida – http://coepbrasil.org.br), iniciativa impulsionada
pela Igreja Católica, com o apoio de universidades, empre-
sas, órgãos governamentais, entidades de classe e organiza-
ções não governamentais, que se intitula uma “Rede Nacio-
nal de Mobilização Social”. O COEP foi quem financiou
a compra dos equipamentos que ampliaram a capacidade
produtiva da cooperativa.
Outro importante ponto de apoio da cooperativa
foram os seus vínculos com o movimento sindical. O
Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre e a Central
Única dos Trabalhadores foram parceiros relevantes em
termos de apoio político e material às iniciativas da co-
munidade. A composição social da comunidade, na qual
vivem muitos operários metalúrgicos, e os vínculos pes-
soais e de militância das lideranças locais com o movi-
mento sindical, foram decisivos para o apoio dos sindica-
listas à cooperativa. No vídeo comemorativo dos 15 anos
da Cooperativa, o presidente estadual da CUT destaca o
apoio da central à Univens e um dirigente do Sindicato
dos Metalúrgicos destaca que “a forma solidária dos tra-
255
balhadores e das trabalhadoras para poder gerar trabalho
é muito importante... as pessoas se organizam elas podem
construir caminhos que evitam a exploração”6.
Este apoio do movimento sindical vai além da re-
tórica política. Em 1999, a Central Sindical constituiu
um espaço político de suporte aos empreendimentos
cooperativos, a Agência de Desenvolvimento Solidário
(ADS)7. A ADS tem como objetivo “promover a consti-
tuição, fortalecimento e articulação de empreendimen-
tos solidários e autogestionários, buscando a geração de
trabalho e renda através da organização econômica, so-
cial e política dos trabalhadores inseridos em um proces-
so de desenvolvimento sustentável e solidário”.
A cooperativa UNIVENS, portanto, ainda que seja
uma iniciativa de caráter eminentemente local e profun-
damente ligada à Vila Nossa Senhora Aparecida, sempre
operou num âmbito mais amplo, demandando, discutindo
e se relacionando com outros movimentos e com políti-
cas públicas de âmbito municipal, estadual e nacional. Seu
sucesso como empreendimento no território não pode ser
dissociado de sua atuação em uma escala mais ampla, o que
viabilizou a alocação de recursos, a captação de clientes, a
articulação de iniciativas de fortalecimento da cooperativa
e do movimento de economia solidária em geral.
Esta ação em uma escala mais ampla não se resumiu
ao diálogo com o poder público. Os próprios movimentos
sociais se tornaram parceiros importantes. Na edição de
2005 do Fórum Social Mundial, realizada em Porto Alegre,
a cooperativa teve um papel destacado. De um lado na arti-
6 Jurandir Damin, dirigente do Sindicato em https://www.youtube.
com/watch?v=EzHNZAEtgtg
7 https://www.desenvolvimentosolidario.org.br
256
culação e promoção de eventos e debates sobre a economia
solidária, mas também como prestadora de serviços. Todas
as 60 mil bolsas utilizadas pelos inscritos no Fórum eram
de pano e foram produzidas por uma rede de cooperativas
de costureiras coordenadas pela UNIVENS.
O envolvimento da Univens com o movimento
mais geral da economia solidária levou a cooperativa a
contribuir na construção da UNISOL, uma central que
reúne cooperativas, associações produtivas e empreendi-
mentos solidários. A UNISOL surge em São Paulo no
ano de 2000, mas em 2004 passa a ter uma abrangên-
cia nacional. Hoje, a instituição conta com cerca de mil
empreendimentos filiados em todo o país, atuando nas
áreas da agricultura familiar, confecção e têxtil, artesana-
to, construção civil, reciclagem, metalurgia e polímeros,
fruticultura, apicultura, alimentação e turismo8.
Em 2003, a cooperativa consegue comprar um ter-
reno e construir uma sede própria. Os recursos para isto
refletem com precisão o perfil empreendedor e a rede de
apoios da Univens. Uma parte dos recursos era da própria
cooperativa, economizada pelo fato de o uso do espaço da
Incubadora Municipal demandar apenas uma cobrança
simbólica. Isto permitiu que, com um pequeno aumento
de 2% para 5% das contribuições das associadas, a coope-
rativa pudesse ter recursos para investimento. Mas houve
também aportes de fundos de ONGs locais (CAMP, Cen-
tro de Assessoria Multiprofissional e AVESOL, Associa-
ção do Voluntariado e da Solidariedade ligada à Igreja Ca-
tólica), o que permitiu a compra do terreno. E as redes de
apoio não se limitavam aos parceiros locais, adquirindo
uma dimensão nacional e internacional: os recursos para
8 www.unisolbrasil.org.br
257
a construção foram conseguidos com o apoio da UNI-
SOL e de uma ONG da Espanha.
11 http://conexaoplaneta.com.br/blog/justa-troca-o-mais-novo-ban-
co-comunitario-brasileiro/
260
A cooperação internacional, resultante do envolvi-
mento da Univens e dos ativistas locais com os movimentos
relacionados ao Fórum Social Mundial, também teve um
papel importante. O Banco conta com o apoio da Nexus –
agência de solidariedade da Emilia-Romagna apoiada pelo
movimento sindical italiano12, do Centro de Estudos Rurais
e de Agricultura Internacional, de Barcelona (CERAI)13 e
da Associação de Cooperação Internacional Norte-Sul (CO-
NOSUD)14, também da Espanha.
Outra parceria fundamental para a constituição do
Banco foi o Núcleo de Gestão Alternativa (NEGA), da
Escola de Administração da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. O Núcleo, que reúne estudantes e profes-
sores da universidade, cumpre um papel fundamental em
termos de assessoria técnica, realizando estudos sobre a
dinâmica econômica da comunidade, atividades de capa-
citação e dando apoio técnico para a constituição e opera-
ção do Banco Justa Troca. Esta consultoria de quadros da
universidade foi um elemento importante no sentido de
dar consistência técnica às ações que permitiram o surgi-
mento do banco comunitário.
No dia 6 de julho de 2016 foi realizada a inauguração
do Banco Justa Troca, com a presença da comunidade, de
comerciantes locais e da Creche Nova Geração. Participa-
ram também representantes do poder público municipal, o
Posto de Saúde local, o gestor do Centro Administrativo da
Zona Norte, da Incubadora de Mulheres e o Secretário Ad-
junto da Secretaria Municipal do Trabalho de Porto Alegre.
12 www.nexusemiliaromagna
13 http://www.cerai.org
14 http://www.conosud.org
261
Também estiveram presentes representantes da Universi-
dade (NEGA), da Caixa Econômica Federal, do SINE e
do Coletivo Catarse, articulação da sociedade civil voltada
para a captação de recursos via crowdfunding on-line. Estas
presenças dão conta da diversidade da rede de apoiadores
articulada pela comunidade em seus projetos.
O Banco Justa Troca faz parte de uma rede nacional
de bancos comunitários cujos próximos passos são direcio-
nados para ampliar a atuação destas instituições em servi-
ços bancários realizados pelos bancos convencionais, como
o pagamento de contas e serviços mobile, através de apli-
cativos para telefone celular. A ideia do banco é contribuir
para o desenvolvimento local através do fortalecimento do
comércio na Vila Nossa Senhora Aparecida, ampliando o
acesso ao crédito e direcionando os gastos dos moradores
para os empreendimentos locais. No futuro, o projeto é a
de constituição de uma rede de bancos sociais criando con-
dições para operar em condições semelhantes ao sistema
financeiro convencional.
Para além das atividades de microcrédito, o Banco
Justa Troca realiza cursos e atividades de capacitação para
os empreendedores locais, organiza uma Feira Comunitária
mensal que vende produtos orgânicos da agricultura fami-
liar, além de produtos de empreendedores locais, feiras de
trocas de produtos e serviços, além de trabalhar para um
mapeamento do consumo e da produção local levantando
informações que permitam planejar ações para o desenvol-
vimento local. Sua atuação com a moeda social contribui
para a manutenção e circulação de riqueza na comunidade,
fortalecendo o tecido econômico local.
Este breve resumo buscou dar conta de quase 40 anos
de construção democrática voltada para o desenvolvimento
262
da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida. Ele mos-
tra a constituição de uma constelação de iniciativas articula-
das entre si atuando em diversas escalas, âmbitos de atuação
e espaços político-institucionais. A cooperativa, a Escola, a
Associação Comunitária e o Banco constituem um comple-
xo de espaços interdependentes que atuam conjuntamente
em um movimento voltado para a transformação do territó-
rio, mas também da cidade, do país e da sociedade de modo
geral. A experiência dos movimentos da Vila Nossa Senhora
Aparecida se constitui em um caso paradigmático do poten-
cial transformador dos movimentos sociais.
Seus impactos em termos de qualificação da infraes-
trutura urbana, melhoria das condições de vida dos morado-
res, geração e fortalecimento de empreendimentos de econo-
mia solidária, criação de postos de trabalho são indiscutíveis
e exemplares. As lutas e conquistas da comunidade da Vila
Nossa Senhora Aparecida são uma demonstração da capaci-
dade transformadora de um movimento organizado e por-
tador de um projeto solidário, democrático e participativo.
263
um efetivo impacto em termos de desenvolvimento local.
Sua experiência demonstra a potencialidade dos movimen-
tos no sentido de ir além de uma dinâmica de reivindicar
do Estado investimentos e políticas públicas e avançar no
sentido de implementar ações concretas que transformam
a realidade local. Sua trajetória sinaliza a capacidade de
construção de um padrão de relações sociais e econômicas
distintas do modelo hegemônico, baseadas na democracia,
na participação, na solidariedade e na cooperação.
Múltiplas dimensões
264
vimento local tem como eixo central uma iniciativa produ-
tiva cujo fundamento é a produção e o consumo susten-
tável. Esta dimensão ecológica do movimento, manifesta
não apenas no projeto da rede “Justa Trama”, mas em um
debate constante dos temas da sustentabilidade, se mate-
rializa também nas feiras mensais de produtos orgânicos,
articulada a partir dos contatos do movimento local com os
produtores agroecológicos da região metropolitana.
Por fim deve ser destacada também a dimensão de
gênero. As principais lideranças do movimento são mu-
lheres, contingente que compõe a totalidade das associa-
das à cooperativa. Uma das suas principais iniciativas foi
a criação de uma creche, tema diretamente vinculado à
condição feminina. O conhecimento feminino da costu-
ra, a problemática do cuidado da família, as dificuldades
das mulheres no mercado de trabalho são elementos que
condicionam o perfil das ações do movimento, mas que
também proporcionam um olhar solidário, inclusivo e
cuidadoso que caracteriza as ações do movimento.
265
des de outras vilas no Fórum da Região Norte do OP para
uma atuação conjunta e solidária. Esta postura permitiu
que diferentes comunidades estabelecessem acordos entre
si para unificar as demandas nas assembleias regionais do
OP, todos votando em conjunto em demandas acordadas
previamente, permitindo a potencialização de seus votos.
Mas o movimento, sem perder sua dimensão local,
se articula também com as esferas estadual e nacional. Ao
se engajar na construção do movimento da economia soli-
dária, a ação local se relaciona com todo um conjunto de
dinâmicas políticas que vão muito além do bairro Sarandi e
da cidade de Porto Alegre. O debate ganha uma dimensão
para além das demandas imediatas de infraestrutura urbana
e se direciona para as políticas públicas de desenvolvimen-
to. Este movimento mais amplo resulta no fortalecimento
do movimento da economia solidária, cuja atuação resulta
na conquista de políticas públicas nas esferas estadual e na-
cional. A escala, portanto, se desloca de uma lógica localista
para uma lógica mais universal de debate das políticas pú-
blicas municipais, estaduais e nacionais.
Para além das escalas local e nacional, as iniciativas da
comunidade na Vila Nossa Senhora Aparecida não podem
ser compreendidas sem que se considere também a dimen-
são internacional. Desde o primeiro Fórum Social Mundial,
a Univens estabeleceu um conjunto consistente de articu-
lações internacionais. O próprio movimento de economia
solidária forma uma rede que vai além das dimensões nacio-
nais. O apoio material de ONGs espanholas e italianas foi,
como vimos antes, decisivo na consolidação da cooperativa.
A experiência mostra, portanto, que o sucesso das iniciati-
vas na Vila Nossa Senhora Aparecida, ainda que esta seja
uma experiência eminentemente local, com fortes raízes na
266
comunidade, não pode ser compreendido sem o reconheci-
mento dessas múltiplas escalas.
267
bairro? O que podemos fazer coletivamente para levar a
uma melhoria das condições de vida da comunidade? Uma
esfera pública de debate sobre a vida comum traz para a
discussão um conjunto de pessoas que a princípio sempre
esteve excluída de poder decisório.
Para além da constituição de um novo espaço po-
lítico, o OP produziu também novas capacidades, a ex-
periência de participação é, em si, um aprendizado. O
OP permitiu “o surgimento de muitas lideranças, porque
quem ia lá na frente defender era qualquer morador. Às
vezes não sabia... nunca tinha ido na frente de dez pessoas
para falar. Agora estava na frente de cem pessoas, achan-
do argumentos para defender porque que a rua que ele
morava era mais importante que a outra rua e merecia
ser priorizada. Olha só que processo de formação que a
gente teve”15. Esta afirmação remete à reflexão de Carole
Pateman em um dos estudos clássicos sobre a democracia
participativa, onde ela mostra que a participação é, em
si, um aprendizado, que permite o desenvolvimento de
habilidades e capacitações, a constituição de redes de rela-
cionamento, a ampliação do conhecimento dos mecanis-
mos de funcionamento do poder público, mas também
da sociedade como um todo (PATEMAN, 1982).
A relação do movimento comunitário da Vila Nossa
Senhora Aparecida é um exemplo da interação entre dinâ-
micas de baixo para cima, das ações diretas da comunidade
(ocupação da área, demandas por investimento e serviços,
criação de novas formas organizativas) com uma vontade po-
lítica por parte do Governo Municipal de criar mecanismos
que canalizassem esta participação em um sentido positivo.
O OP e o conjunto de políticas públicas acessados e operados
15 Entrevista com Nelsa Nespolo, 5 de setembro de 2019.
268
pelo movimento social expressaram uma disposição daquela
fração da estrutura estatal, naquele momento, de se relacionar
de uma maneira proativa com as demandas das comunidades.
269
der a realidade local nos marcos de uma visão sistêmica,
que buscava compreender os mecanismos mais gerais de
reprodução da sociedade.
O primeiro elemento é o seu engajamento junto aos
movimentos sociais. O movimento sindical, o movimento
das associações de moradores, as ONGs vinculadas aos mo-
vimentos populares foram interlocutores importantes que
proporcionaram aos ativistas da Vila Nossa Senhora Apa-
recida um olhar que transcendia suas reivindicações locais
e imediatas. E as iniciativas desenvolvidas ali não sofriam
apenas a influência dos debates mais gerais dos demais mo-
vimentos, mas também interferiam sobre estes movimen-
tos. As redes de apoio e solidariedade constituídas neste
processo foram decisivas para as conquistas obtidas.
A relação com a Igreja Católica, particularmente com
seus setores mais progressistas, vinculados à Teologia da Li-
bertação, também é uma parte importante do perfil do mo-
vimento. O salão paroquial da capela na comunidade foi o
primeiro espaço utilizado pela Cooperativa. A trajetória de
Nelsa Nespolo, uma das lideranças mais importantes da Uni-
vens e da Justa Trama, é marcada pela militância na Juven-
tude Operária Católica, da qual foi coordenadora nacional
nos anos de 1980 (NESPOLO, 2014, p.13). O movimento
da economia solidária no Rio Grande do Sul tem laços signi-
ficativos com os setores progressista da Igreja Católica, mas
também com outras igrejas. A Fundação Diaconia, vincu-
lada à Igreja Luterana, também tem relações intensas com
o movimento da economia solidária, tendo dado apoio às
iniciativas na Vila Nossa Senhora Aparecida.
Outro elemento importante são as relações de solida-
riedade internacional, que permitiram a constituição de uma
rede de apoio fundamental para o sucesso da Univens, da
270
Justa Trama e do Banco Justa Troca. Tanto pelos contatos
propiciados pelo Fórum Social Mundial quanto pelas redes
formadas no movimento de economia solidária, o movi-
mento da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida se
articula e recebe apoio político e material de organizações da
Itália e da Espanha, além de manter contatos e uma intera-
ção constante com movimentos de toda a América Latina.
A Universidade, em particular a Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul, também é parte desta rede
constituída pelo movimento da comunidade. Através do
NEGA, as necessidades em termos de conhecimento técni-
co, burocrático e administrativo foram supridas em grande
medida. Os professores, estudantes e técnicos da universi-
dade cumpriram neste caso uma função social importante,
colocando seu conhecimento à disposição da comunidade.
Esta rede ampla e complexa de apoios que contribuí-
ram para potencializar as iniciativas da comunidade da Vila
Nossa Senhora Aparecida tem um componente importante
relacionado com as articulações dos demais movimentos
sociais. O movimento sindical, as ONGs que animam o
Fórum Social Mundial, os movimentos de moradia, os
delegados e conselheiros do Orçamento Participativo, o
movimento da Economia Solidária, todos eles fazem parte
de uma relação de diálogo permanente entre as iniciativas
locais e a dinâmica mais ampla dos movimentos.
Mas as parcerias construídas não se resumiram aos
movimentos e organizações do campo popular. Uma plu-
ralidade de relações políticas e institucionais foi ativada,
permitindo o sucesso das iniciativas na Vila Nossa Senho-
ra Aparecida. Entre elas, se incluem também organizações
do chamado “Terceiro Setor”, aquelas organizações da so-
ciedade civil vinculadas ao setor privado. Uma estratégia
271
pragmática e uma atuação flexível permitiu ampliar o arco
de apoios. O Instituto Ioschpe, vinculado a uma grande
empresa do setor industrial e financeiro, financiou equipa-
mentos no início da Cooperativa. O Institutos Loja Ren-
ner, vinculado a uma das maiores redes de varejo do país, é
um dos apoiadores da Rede Justa Trama.
Portanto a experiência da Vila Nossa Senhora Apa-
recida materializa uma convergência, em um mesmo mo-
mento e em um mesmo território, de um conjunto de
movimentos sociais, que se combinam num processo de
diálogo e mútuo aprendizado. Na sua origem, temos os
movimentos de luta pela moradia, pelo acesso ao direito
de uma habitação digna, com a ocupação da vila. Este mo-
vimento se transforma em um movimento comunitário,
de vizinhança, que demanda e conquista investimentos e
políticas públicas através do OP ou do diálogo com as dis-
tintas agências do Estado. A estes se somam as ações dos
movimentos sindicais de trabalhadores assalariados e dos
movimentos sociais das Igrejas. A criação da cooperativa
vinculou também o território ao movimento nacional e in-
ternacional da Economia Solidária. E, por fim, e não me-
nos importante, uma forte ligação das ações no território
ao movimento das mulheres e do movimento ecologista.
Esta pluralidade de perspectivas e sua convergência
em um território são o grande segredo da vitalidade da ex-
periência das lutas dos moradores da Vila Nossa Senhora
Aparecida. E nos desafia a abordar os distintos movimentos
em sua dinâmica interação, evitando olhar apenas suas es-
pecificidades e particularidades. Na vida real eles são ape-
nas expressões das distintas perspectivas que emergem das
contradições sociais vividas pelos trabalhadores que vivem
nas comunidades periféricas. Perspectivas estas que em al-
272
guns momentos convergem em ações como as protagoni-
zadas pelos moradores da Vila Nossa Senhora Aparecida.
Os valores do movimento
273
com a sociedade em geral. Os movimentos da Vila Nos-
sa Senhora Aparecida são voltados para o atendimento de
suas demandas locais, mas também ativamente engajados
nos movimentos mais gerais pela democracia e a defesa dos
direitos da classe trabalhadora. Mais do que uma iniciativa
local, relacionada com o interesse das 26 cooperadas, ou
com as demandas dos moradores da comunidade, há na
Vila Nossa Senhora Aparecida um engajamento na cons-
trução de um movimento mais amplo de transformação da
sociedade em um sentido mais solidário.
Mas a experiência da Justa Trama também incorpo-
ra de maneira intensa uma dimensão ambiental, relacio-
nada com os temas da sustentabilidade. De acordo com
Nelsa Nespolo, “não existe uma produção solidária se não
houver também um consumo consciente das pessoas. As
pessoas precisam começar a pensar no que consomem, a
quantidade que consomem e que elas possam ter o di-
reito de saber de onde ele vem o que está comprando.
E que consumindo este produto ela está fazendo a sua
parte na preservação do meio ambiente”16. Esta postura
de compromisso com o meio ambiente não se resume aos
produtos vendidos pela cooperativa. Nas feiras promovi-
das mensalmente pelo movimento na Vila Nossa Senhora
Aparecida são vendidos, além de produtos locais, alimen-
tos orgânicos produzidos por agricultores agroecológicos
da região metropolitana de Porto Alegre.
As ações deste complexo de organizações construídas
pelo movimento na Vila Nossa Senhora Aparecida têm um
conteúdo universalista, na medida em que não são vistas
apenas como uma forma de resolver seus problemas pessoais
275
serviços. O OP é também uma escola de participação que
gera novas capacitações, além de contribuir para a constru-
ção de capital social, fortalecendo a organização da socieda-
de civil, gerando laços de confiança e solidariedade e espa-
ços de deliberação que legitimam a prática da democracia.
Outro elemento importante que o caso estudado
aponta é o processo de evolução da dinâmica e das demandas
do OP. A participação e o debate acerca das políticas públi-
cas permitem uma evolução da relação dos cidadãos com a
sua cidade. A comunidade da vila passou de um olhar local,
baseado em suas necessidades imediatas, ao olhar municipal,
da discussão dos problemas da cidade, mas também das polí-
ticas públicas estaduais e nacionais. A participação, portanto,
consegue fazer romper o olhar particularista, paroquial, ge-
rando um olhar universal, cidadão. O debate na comunidade
se desloca das obras associadas às carências imediatas para os
projetos de desenvolvimento local para um debate acerca do
modelo de desenvolvimento.
E a abordagem deste debate se baseia no fortalecimen-
to de valores como a democracia, a cooperação, a solidarie-
dade, a sustentabilidade. O processo da Vila Nossa Senhora
Aparecida aponta para a possibilidade de os movimentos
sociais transitarem de uma dinâmica de demandantes do
Estado para a de portadores de um projeto de sociedade.
Os movimentos sociais organizados, portanto, têm impacto
sobre o território, mas também sobre o conjunto de relações
sociais que organizam nossa vida na cidade.
276
ter no território. Em sua história se pode identificar um ama-
durecimento que, em um aprendizado a partir de suas lutas e
organização, levou a uma ampliação dos horizontes. Em um
primeiro momento, as ações do movimento refletiam a visão
clássica acerca do papel e dos horizontes dos movimentos so-
ciais. Demandar direitos aos poderes públicos, seja através da
ação direta (ocupação) seja através dos mecanismos clássicos
dos movimentos (mobilizações, abaixo-assinados, discussão
com as autoridades). Mas a experiência foi mais além, a par-
tir do processo de crescente democratização da gestão da ci-
dade desde o final dos anos de 1980. O movimento passou
a ter canais institucionalizados para as suas demandas (o OP
e outros espaços de gestão democrática) e esta experiência de
interlocução ampliou seus horizontes. Para além das deman-
das, o movimento se torna capaz de discutir e influenciar as
políticas públicas implementadas pelo Estado.
E por fim, o amadurecimento do movimento e sua
resiliência aponta para um avanço ainda maior, a consti-
tuição de uma capacidade de implementação autônoma de
projetos de desenvolvimento local. Estes projetos, ainda
que evidentemente em vários momentos contem com um
suporte governamental, não se originam e nem dependem
da ação estatal. E são projetos que efetivamente estão mu-
dando o território, transformando as vidas dos moradores
e apontando em direção de uma sociedade onde os cida-
dãos sejam sujeitos autônomos das transformações. A ex-
periência mostra, portanto, que os movimentos sociais não
cumprem apenas um papel de canalizar as demandas dos
cidadãos frente ao Estado, mas que eles são capazes de, por
si mesmos protagonizar ações transformadoras da realidade
em que vivem.
277
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York: Columbia University Press, 2003.
279
280
Posfácio
Ao vencedor as batatas: ou do niilismo que
parece estar fora do lugar
Introdução
281
pouco interessa os interesses de grande parte da popula-
ção pois, o que vale, no final das contas é a quantidade
de votos e os ganhos políticos que, por exemplo, sobre
a égide da sustentabilidade ambiental, uma ciclovia que
vai do nada para lugar nenhum – e que, quase nunca será
usada – irá render em termos de ganhos políticos.
Na esteira do exposto, certas municipalidades,
dentre as quais inclui-se Porto Alegre que, por um lado,
através da Lei Municipal 12.514/19, proíbe a venda e a
distribuição de canudos flexíveis plásticos descartáveis
em restaurantes, bares, ambulantes e similares de Porto
Alegre e, por outro, não oferece meios ecologicamente
sustentáveis para o descarte daqueles não utilizados com
vistas ao cumprimento da referida lei de modo que, mais
uma vez, temos um regulação para inglês ver que nem
mesmo saiu do papel, ou seja, ao mesmo tempo que exige
não fornece meios para seu cumprimento.
Da mesma forma como na Câmaras de Vereadores,
em outros fóruns decisórios, também se observam rotinas
semelhantes onde o que vale é a capacidade de mobilizar
pessoas e atores com vistas a se conquistar a maior faria do
bolo, deixando aos porcos, algumas migalhas decisórias
que pouco ou nenhum impacto possuem no orçamento
da cidade e que, servem muitas vezes, para frear e/ou li-
mitar investimentos em determinadas áreas1.
Movimento este constatado pela professora Wrana
Panizzi em diversos de seus estudos quando, por ocasião
de se pensar o planejamento urbano e o plano diretor,
acabou por constatar que, na maioria das vezes, o Esta-
284
cidadãos os índices de criminalidade e o quão eles podem se
sentir protegidos onde estão, algo que implica, dado o cresci-
mento exponencial da violência urbana, em cada vez mais, se
pensar em estratégias conjuntas por parte dos moradores de
uma dada rua ou parte da cidade, de incluir entre seus custos
a manutenção de serviços privados de segurança.
Em termos de saúde e educação, movimento seme-
lhante se observa e, cada vez mais, cresce o número de ad-
quirentes de planos de saúde privados e/ou de pessoas que
optam por colocarem seus filhos a estudar em estabeleci-
mentos privados quando, constitucionalmente, caberia ao
Estado e aos demais entes federados garantir o acesso e a
qualidade de ambos os serviços – o que, na prática, não
tem acontecido já faz muito tempo.
Emerge destas duas constatações também algumas
ilusões, quais sejam: a) que as pessoas estão a se organizar
coletivamente; e, b) que a qualidade de vida na cidade tem
melhorado na medida em que, é possível a muitas pessoas,
garantir o acesso a saúde e a educação privada a seus entes
queridos. Doce ilusão e amargo destino daquele que com-
põem a horda de remediados da cidade. Pois, o que está em
jogo, nesse caso, não são interesses coletivos, mas sim pri-
vados, os quais, visam garantir a sobrevivência e um lugar
ao sol aqueles que são capazes de assumir esse ônus.
Em vista de certas garantias, paga-se muito por pouco.
E um quinhão qualquer de terra que antes era ocupado ho-
rizontalmente por quatro ou cinco pessoas hoje é ocupado
verticalmente por vinte a quarenta pessoas a depender da al-
tura permitida em cada região da cidade. Mas o que isso têm
a ver com o planejamento urbano da cidade? Tudo.
Aos construtores na medida em que, um mesmo qui-
nhão de terra, permite multiplicar seus ganhos fiduciaria-
285
mente a partir de um mesmo metro quadrado que passa a
render entre quatro e oito vezes, no mínimo, o seu investi-
mento. Ao Estado que, também, em função da verticalização
obtém ganhos exponenciais em termos de tributos munici-
pais, estaduais e federais, dado que, mais pessoas ocupam
um mesmo espaço sem que, grandes investimentos em in-
fraestrutura se façam necessários, uma vez que, é cada vez
mais comum por parte das pessoas que, estas, se utilizem de
serviços privados de saúde, educação e segurança, ao invés de
exigir do Estado a sua garantia como consta na letra da lei.
E, neste sentido, é basilar se pensar as produções re-
unidas nessa obra tendo como horizonte, uma cidade e um
planejamento urbano que é pensado por uns e para alguns
de modo que, se por um lado, a conta do açougue é paga por
todos, por outro, são somente uns poucos que saboreiam as
partes nobres da carne, restando aos demais, fazer um sopão
com os ossos e a gordura, como diversas matérias jornalísti-
cas colocaram em destaque, durante esses dois últimos anos,
a realidade de grande parte daqueles que vivem nos mucam-
bos descritos por Freyre5 nas partes baixas da cidade e que,
pela janela, vislumbram os sobrados da parte alta da cidade.
A cidade pensada
288
reunidos nessa coletânea, discutem o modo como algumas
dessas iniciativas e fóruns estão organizados e como, na prá-
tica, a cidade de papel ganha forma na mão dos gestores
públicos e daqueles que orbitam o seu entorno.
O aprendizado
Mauro Meirelles
Porto Alegre, janeiro de 2022.
293
Rafael Passos: Arquiteto e Urbanista e mestrando em Planejamento
Urbano e Regional pela UFRGS. Foi consultor do Centro de Estu-
dios y Proyectación Ambiental (2008-2010). Sócio no escritório Mãos
arquitetura. É Presidente do IAB-RS (2017-2019/2020-2022) e Vice-
-Presidente do IAB Brasil (2020-2023).
294
em Agroecologia, Sociobiodiversidade, Soberania e Segurança Alimentar
e Nutricional, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Segurança Alimentar
e Nutricional e do Núcleo de Estudos em Desenvolvimento Rural Sus-
tentável e Mata Atlântica. Conselheira do Comitê Estadual da Reserva
da Biosfera da Mata Atlântica, membro do Grupo de Assessoramento
Técnico do Plano Nacional de Ação Estratégica para Espécies Ameaçadas
– PAN Lagoas do Sul. Professora do Departamento de Economia e Re-
lações Internacionais e Professora permanente do Programa de Pós-Gra-
duação em Desenvolvimento Rural. É Professora Associada da UFRGS.
295
Aviso importante: Ao comprar um livro você não somente
está a adquirir um produto qualquer. Você também remunera
e reconhece o trabalho do autor e de todos aqueles que, direta
ou indiretamente, estão envolvidos na produção editoral e na
comercialização das obras, tais como editores, diagramadores,
ilustradores, gráficos, distribuidores e livreiros, entre outros. Se
quiser saber um pouco mais sobre isso, acesse:
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