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hiperônimos e hipônimos

"Prezados Senhores: gostaria de saber o significado das palavras


hiperônimo e hipônimo. Meus agradecimentos antecipados." Paulo Lira
"Prezado Professor: a pedido de uma amiga que está estudando para um
concurso, escrevo-lhe solicitando que me explique o que é hiperonímia,
uma vez que já esgotamos pesquisas em dicionários e também gramáticas.
Antecipadamente, agradeço-lhe pela atenção." Maria do Carmo Vargas -
Maceió - Alagoas

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Meus caros: hiperônimo e hipônimo são dois termos usados pela


Semântica moderna, em estreita relação um com o outro. Um hipônimo é
um vocábulo mais específico que outro, enquanto um hiperônimo é um
vocábulo mais geral que outro. O hiperônimo é o termo mais genérico, de
sentido mais abrangente, enquanto o hipônimo é o mais limitado. Um
exemplo comumente encontrado nos manuais de Semântica é o de flor
(hiperônimo) e rosa, dália, violeta, etc. (hipônimos). O hipônimo é
sempre uma subcategoria de uma classe mais ampla: "cachorro" é um
hipônimo de "animal"; "vira-lata" é um hipônimo de "cachorro"; ipso facto,
"animal" é o hiperônimo de "cachorro", de "boi", de "cavalo", e assim por
diante. Como vês, um hiperônimo abrange seus hipônimos.
Usam-se também esses dois termos também para definir a relação entre
sinônimos: (vocábulos que têm quase o mesmo significado, já que não
existem sinônimos perfeitos). Se examinarmos os vocábulos que estão em
relação de sinonímia, veremos que geralmente um deles é mais abrangente
que os demais (é o hiperônimo); os mais restritos são, logicamente, seus
hipônimos: ver é hiperônimo de observar, examinar, olhar, enxergar,
etc. (seus hipônimos). Entre remoto e longínquo, há uma relação de
hiponímia (ou hiperonímia; dá no mesmo, pois depende apenas de que
lado da cerca estamos olhando): longínquo se aplica a tudo o que está
longe, enquanto remoto (mais restrito) designa o que está longe e é de
difícil acesso. Tudo o que é remoto é longínquo, mas nem tudo o que é
longínquo é remoto (assim como, no exemplo mais acima, todo o cachorro
é animal, mas nem todo animal é cachorro). Abraço. Prof. Moreno

cadáver e forró - falsas etimologias

Como temos visto em diversos artigos, a Etimologia é um ramo onde a


imaginação muito facilmente substitui a pesquisa e o estudo, produzindo
hipóteses que são muito mais atraentes do que a feia, mas necessária,
realidade. São incontáveis as páginas da Internet que trazem essas
etimologias de almanaque, tolinhas e divertidas, que se alastram mais
rapidamente que o vírus da moda; contudo, vale aqui um princípio de ouro:
quanto mais engenhosa a origem proposta para um vocábulo, maiores as
chances de ser apenas uma lorota. Já vimos isso com relação a coitado, a
testemunha, a canguru e a gringo. Veja agora dois outros casos.
cadáver
Vem do latim "cadere" ("tombar, cair para não mais levantar"). No entanto,
foi muito difundida no passado a hipótese fantástica de que seria um
vocábulo formado pela primeira sílaba das palavras que formam a frase
latina "CAro DAta VERmibus" ("carne dada aos vermes"). Esquecem que
só no séc. 20 começaram a surgir vocábulos a partir de siglas e de iniciais,
como a famigerada Gestapo nazista (Geheime Staats Polizei - "Polícia
Secreta do Estado").
forró
O forró, baile animado em que se dança ao som de ritmos nordestinos, é a
redução do vocábulo forrobodó, que Câmara Cascudo define no seu
Dicionário do Folclore Brasileiro como uma festa popular, com música
movimentada. O processo é o mesmo que produziu formas como japa
(japonês), refri (refrigerante) ou pornô (pornográfico). Contudo, há uma
versão popular de que o nome teria vindo da leitura estropiada da expressão
inglesa "for all", com que os engenheiros ferroviários ingleses da Great
Western (ou os oficiais da base área americana de Natal, noutra versão)
avisavam os operários de que a festa era aberta para todos.
Lingüisticamente, a hipótese é tola; além disso, o forrobodó já existia no
Brasil Colonial, muito antes da presença de ingleses ou americanos por aqui.

A cerveja que desce redondo

Uma boa cerveja deve descer redondo ou redonda? Se redondo é


adjetivo, não deveria concordar com cerveja? Muitos leitores fazem a
mesma pergunta, motivada pela campanha de uma de nossas grandes
cervejarias. A frase da cerveja Skol está correta; na minha experiência,
contudo, quando um número expressivo de falantes tem dúvida quanto ao
emprego de uma determinada forma, é porque, como diziam os latinos,
"latet anguis sub herba" (há uma serpente escondida nessa relva). Em
outras palavras, alguma coisa deve estar motivando a estranheza sentida
por tanta gente.
O que temos aqui é um caso de adverbialização do adjetivo, fenômeno
que já se observava no Latim e que se tornou muito comum em nosso
idioma. Dito de maneira mais simples: o adjetivo, em Português, pode ser
usado como um advérbio: "A águia voava alto"; "Cães de fila custam
caro"; "Ela não senta direito". Dá para notar perfeitamente que esses
adjetivos (aqui, no masculino singular - que é, na verdade, a forma neutra
dos nomes flexionáveis) estão modificando o verbo, e não o substantivo.
A dúvida dos leitores quanto a essa estrutura, como bem diz Celso Cunha,
nasce do caráter fronteiriço entre o adjetivo e o advérbio. Nas frases em que
predomina o valor de adjetivo, o leitor interpreta o vocábulo como um
predicativo do sujeito; somos levados a ler "ela desceu maquilada" ou
"eles chegaram tristes" como "ela estava maquilada quando desceu" e
"eles estavam tristes quando chegaram". Notem como, nesses casos, a
concordância é uma manifestação concreta da relação sintática sujeito-
predicativo.
Nas frases em que predomina o valor de advérbio, no entanto, o leitor
interpreta o vocábulo como um adjunto adverbial (geralmente de modo).
Para mim, "ela desceu rápido" significa "ela desceu rapidamente". Quando
uso "baixo" em "eles falavam baixo", estou especificando de que maneira
eles falavam. A ausência de flexão de "baixo" e de "rápido" confirmam o
seu valor de advérbio.
Se testarmos a frase da cerveja com vários falantes - para captarmos a cor
local, pode ser até numa mesa de bar-, tenho certeza de que a maioria
entenderá que "redondo" descreve a maneira como ela desce (até porque
redondo, aqui no sentido de "suave, macio", não é um atributo
relacionado normalmente com uma bebida, mas sim com seu trajeto e com
sua passagem por nosso equipamento gustativo). Da mesma forma, não
tenho dúvida de que uma frase como "a cerveja desceu gelado" será
rejeitada por quase todos, pois aqui "gelado" é nitidamente um atributo do
sujeito ("a cerveja estava gelada quando desceu").
Espero ter deixado clara a diferença entre as duas situações. É evidente que
meus colegas sintaticistas e semanticistas conseguem, utilizando a
linguagem e a metodologia adequadas, descrever com precisão o que está
por trás deste problema; o difícil - e este é o principal escopo do sítio Sua
Língua - é transmitir o resultado dessa análise ao grande número de
leitores que, embora não-especializados, demonstram um entusiasmado
interesse em conhecer melhor o idioma que usam.

A história de "estória"
Perdi a conta dos leitores que me perguntam sobre a famigerada estória.
Uns querem saber se realmente existe essa distinção entre estória e
história. Outros teriam ouvido que a palavra existiu outrora, mas hoje seria
considerada arcaica. Há quem especule que estória tenha nascido de um
erro de tradução. Quase todos perguntam se é uma distinção útil e
necessária, ou se não passa de supérfluo balangandã. Peço perdão àqueles
que fiz esperar, mas aqui vai minha resposta a todos.
Foi João Ribeiro, forte conhecedor de nosso idioma, quem propôs a adoção
do termo estória, em 1919, para designar, no campo do Folclore, a
narrativa popular, o conto tradicional, objeto de estudo dos especialistas
daquela área. E não se tratava de inventar, mas sim de reabilitar (hoje
usariam o horrendo resgatar...) uma forma arcaica, comum nos
manuscritos medievais de Portugal. Era uma ingênua proposta, paroquial,
nascida da inveja compreensível que causa a distinção story - history do
Inglês; sem ela, alega o próprio Luís da Câmara Cascudo - para mim, um
dos escritores que mais contribuíram para nossa língua -, não se pode
entender frases como "Stories are not History", ou títulos como "The History
of a Folk Story". Que o mestre Cascudo me perdoe: a intenção era boa, mas
sem nenhum fundamento lingüístico.
Em primeiro lugar, a estória medieval não era um vocábulo diferente de
história; era apenas uma das muitas variantes que se encontram nos
textos manuscritos de nossos copistas, naquele tempo heróico em que a
estrutura de nossa ortografia ainda lutava para sedimentar. Ali aparecem
história, hestória, estória, istória, estórea (ainda não se usavam os
acentos, que são de nosso século, mas não pude resistir). Da mesma forma,
vamos encontrar homem, omem, omee (algumas vezes com til no
primeiro e) e até ome. Nota-se que o emprego do "h" e das vogais ainda
não estava estabilizado na escrita. Entretanto, já no séc. XVI - em Camões,
por exemplo - a grafia de homem e história era a que é usada até hoje.
Outras línguas da família latina, como o Espanhol e o Francês, também
experimentaram essa variedade de formas para história, mas terminou
prevalecendo a forma única (historia e histoire, respectivamente).
Em segundo lugar: grande coisa se o Inglês pode fazer a distinção entre
story e history! E daí? Como o folclórico Napoleão Mendes de Almeida nos
lembra, eles também distinguem entre can (poder, conseguir) e may
(poder, no sentido legal e ético): "You can, but you may not" é uma rica
frase em Inglês que só poderíamos traduzir com um aproximado "Você
pode, mas não deve". Esse autor, que abominava estória, pergunta
ironicamente: "Se curtos de inteligência foram nossos pais em não terem
descoberto essa história de "estória", curtos de inteligência continuamos
todos nós em não forjarmos distinção gráfica e fonética para "poder", para
"educação", para "raio", para "oficial" e para outros vocábulos de formas
diferentes em Inglês, como curtos de inteligência são todos os outros
idiomas que têm palavras com mais de uma significação".
Dessa vez Napoleão bateu no prego e não na tábua. Uma olhada no meu
Oxford e me dou conta que para nosso raio, por exemplo, o Inglês tem (1)
ray (onde temos "raio de luz", "pistola de raios"), (2) radius (o "raio de
um círculo") e (3) lightning (a "descarga elétrica"). É mais do que comum o
fato de uma língua fazer distinções vocabulares que outras não fazem. Como
tive a oportunidade de mencionar em outro artigo (Atravessando o Canal da
Manga), o Espanhol designa com um único vocábulo (celo, celos) o que nós
distribuímos por três: zelo, cio e ciúme. Invejamos o story do Inglês? Eles
então devem ficar verdes diante de nosso ser e estar, distinção
fundamental na vida e na Filosofia, que eles simplesmente desconhecem.
Assim são as línguas humanas, na sua (im)perfeição.
Além disso, os amáveis folcloristas que defendiam estória pensavam
apenas em distinguir "a História do Brasil das Histórias da Carochinha". Do
ponto de vista lingüístico, erraram por todos os lados. Primeiro, erraram
porque essa não é uma distinção útil, que justifique sua defesa. O português
José Neves Henriques, o severo e consciencioso JNH do Ciberdúvidas da
Língua Portuguesa (já falei sobre ele na seção de Links), condena essa
invenção "brasileira" (ele tem razão: é coisa nossa), tachando-a de "uma
palermice, porque, até agora, nunca confundimos os vários significados de
história. O contexto e a situação têm sido mais que suficientes para
distinguirmos os vários significados". Certo o professor Henriques, errados
os folcloristas: ninguém vai confundir a história de um país com a história do
bicho-papão.
Segundo, erraram porque enxergavam apenas dois pólos bem definidos: a
história que se refere ao passado e ao seu estudo, e a estória da
narrativa, da fábula. A experiência nos diz que essas invasões de searas
alheias geralmente pecam por um raciocínio simplista, reducionista. Quem
mexe no que não entende, termina fazendo bobagem... e não deu outra.
Nossos estudiosos não perceberam que a distinção sugerida, apetecível do
ponto de vista deles, acabaria criando incertezas e hesitações em frases
corriqueiras como "Deixa de histórias!"; "Essa já é outra história"; "Que
história é essa?"; "Eu e ela temos uma velha história". Qual das duas
formas usar? Por tão pouco benefício, por que assombrar ainda mais os que
escrevem em Português? Faço questão de frisar "os que escrevem" -
porque aqui, também, reside outra falha da proposta de João Ribeiro: as
duas formas não seriam distinguíveis na fala, já que a realização da vogal
"E" inicial de estória é geralmente /i/ (como em espada, esperto, etc.).
Ambas seriam pronunciadas da mesma maneira: /istória/. E quantas outras
palavras, derivadas de história, deveriam ser alteradas? Historieiro?
Historiento? As historietas passariam a ser estorietas? Os aficionados
em quadrinhos passariam a usar EQ em vez do consagrado HQ? Como se
vê, "muito trabalho por nada", como reza a comédia de Shakespeare.
De qualquer forma, o uso de estória poderia ter ficado confinado ao mundo
do Folclore, onde talvez fosse de alguma utilidade. Afinal, não é incomum
que certas áreas do pensamento postulem, para uso exclusivo, vocábulos
novos ou variações fonológicas ou ortográficas de vocábulos antigos, no afã
de obter maior precisão em seus conceitos. Isso se verifica, por exemplo, na
Filosofia, na Lógica, na Lingüística, na Psicanálise (onde me chama a
atenção a impressionante inquietação lingüística dos lacanianos). Como é
natural, essas variantes vão fazer parte de um código específico, cujo
emprego passa a ser indispensável para os especialistas dessa área, mas
não entram no grande caudal da língua comum. A criação, a utilização e,
muito seguidamente, a agonia e morte dessas formas são registradas em
discretos dicionários especializados, convenientemente isolados do grande
rebanho representado pelos dicionários de uso.
Infelizmente, como nos piores pesadelos dos ecologistas, estória rompeu as
cercas de segurança, saiu do pequeno rincão do Folclore e invadiu nossas
vidas. O responsável por isso foi João Guimarães Rosa (pudera não!). Como
escreve meu mestre Celso Pedro Luft, com uma ponta de inesperada ironia,
Rosa decidiu "glorificar, imortalizar a ausência do agá: Primeiras Estórias.
Corriam os anos de 1962. Primeiras estórias ... todos os fãs do mineiro
imortal ficaram absolutamente alucinados. E foi estória para cá, estória
para lá, estória para todos os lados. Uma epidemia. Perdão, uma glória".
Depois, em 1967 veio Tutaméia, com o subtítulo "Terceiras Estórias", e o
póstumo Estas Estórias, publicado em 1969. Muito tem sido escrito sobre a
inovação da linguagem rosiana; a sintaxe de seu narrador é, a meu ver, a
criação literária do século. No entanto, sou obrigado a observar que, em
termos não-literários, essa inovação é zero. Nenhuma das palavras
montadas, deformadas ou inventadas por ele jamais será usada, a não ser
por imitadores (que já andam escasseando...). É uma linguagem só dele;
funciona admiravelmente no universo de sua obra, mas é seu instrumento
pessoal, e nunca será nosso. Ouso dizer que a única influência rosiana no
Português foi a divulgação desse equívoco que é estória. Tenho certeza de
que Guimarães Rosa, místico de quatro costados, entenderia: deve ser
vingança dos deuses da Língua.

a hora da onça beber água

"Prezado Doutor: lendo seu excelente artigo sobre arigatô vem de


obrigado?, fiquei em dúvida, no último parágrafo, quanto ao trecho "que
falavam seu idioma mil anos antes dos portugueses aparecerem por lá".
Nos anos 60, aprendi, com o saudoso professor Godofredo de Macedo, que
era abominável a contração da preposição "de" com o artigo antes de um
verbo no infinitivo, devendo-se usar, portanto, "antes de os portugueses
aparecerem..." Gostaria que me esclarecesse se esta regra mudou, ou se se
tornou "mais elástica", como tudo nos dias em que vivemos. Obrigado." Luiz
Brandenburger - Médico       Novo Hamburgo (RS)

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Meu caro Luiz: o legendário professor Godofredo não inventou aquela regra;
ele seguia a lição de um gramático do séc. XIX (Grivet), depois difundida
pelo respeitado Eduardo Carlos Pereira e, a partir daí, repetida por muitos
autores de livros escolares. Infelizmente eles se enganavam; confundiam a
velha análise lógica, em que foram educados, com a análise sintática e
fonológica. Como o problema já está suficientemente estudado, limito-me
a recorrer ao trabalho de duas autoridades muito significativas para mim,
Celso Pedro Luft, meu mestre e amigo, e Evanildo Bechara, o atual
gramático-chefe do Brasil. Os argumentos e os exemplos são deles; o que
não ficar bem claro deve ser debitado à minha falta de jeito.
Podemos dizer que aquela velha regra nasceu de um silogismo que parece
inatacável:

(1) As preposições sempre subordinam o termo que vem à sua direita


(termo regido).
(2) O sujeito, assim como o predicado, é um dos termos "nobres" da
oração e não pode, por isso mesmo, estar subordinado.
(3) Logo, o sujeito jamais poderá vir regido por preposição.
Seguindo esse raciocínio, uma frase como "hoje é dia dele voltar para casa"
seria inaceitável, porque o sujeito "ele" estaria regido pela preposição "de";
a forma adequada seria "hoje é dia de ele voltar para casa". Tudo parece
muito lógico - aliás, era imprescindível que assim fosse, ou a hipótese não
teria seduzido tantas boas cabeças brasileiras e portuguesas, como é o caso
de Rebelo Gonçalves e de Eduardo Carlos Pereira. Ocorre, no entanto, que
eles são gramáticos anteriores até mesmo a Ferdinand de Saussure,
considerado o fundador da Lingüística Moderna, com o seu Curso publicado
em 1916 (e que só veio a ser lido no Brasil muitos anos depois). Se fossem
médicos, seriam, mutatis mutandis, como Hipócrates ou Galeno,
exercendo a Medicina antes mesmo de surgir Pasteur.
Em "hoje é dia dele voltar para casa", o "de" não está regendo o pronome
"ele", mas sim toda a oração infinitiva, da qual o pronome é o sujeito:
Hoje é dia DE + [ele voltar para casa]
Tanto Luft quanto Bechara perceberam que o equívoco dos velhos mestres
nasceu da confusão entre sintaxe e fonética. A transformação da frase "a
hora de ele voltar" em "a hora dele voltar" é de ordem fonética (é a
tradicional elisão), mas não afeta a ordem sintática (não houve a
subordinação de "ele" a "dia"). Na fala, como já notou Sousa da Silveira,
essa elisão é obrigatória; na escrita, admitindo-se que possamos escolher
entre fazê-la ou não, assim mesmo foi praticada pelos melhores escritores
de nosso idioma (não cito os posteriores à Semana de Arte Moderna de
1922 para que não digam que estou sendo tendencioso):

- "São horas DA baronesa dar o seu passeio pela chácara" - M. de


Assis
- "Antes DELE avistar o palácio de Porto Alvo" - Camilo Castelo
Branco
- "Sabia-o antes DO caso suceder" - A. Herculano
- "Antes DO sol nascer, já era nascido" - Vieira
- "Depois DO enfermo lhe haver contado" - Bernardes
- "Apesar DAS couves serem uma só das muitas espécies" - Rui
Barbosa
Por outro lado, há também exemplos de autores clássicos (Vieira é um
deles, e de peso!) que quase nunca fazem a combinação da preposição com
o artigo ou o pronome; como são anteriores a Grivet (1881), não podemos
atribuir a responsabilidade dessas escolhas à influência de sua famosa
gramática. Citando Rodrigues Lapa, Bechara sugere que interfiram aqui
fatores de ordem muito mais estilística do que gramatical, como, em certos
casos, o desejo de pôr em relevo a preposição, evitando que ela fique
"enfraquecida" pela elisão. Isso ainda vai ser estudado - se é que já não foi.
De qualquer forma, recomendo ao amigo o exame do substancioso artigo
"Está na hora da onça (ou de a onça) beber água?", do prof. Bechara, que
faz parte da coletânea Na Ponta da Língua -2 (Rio de Janeiro, Ed. Lucerna,
2000. p. 176-188). Abraço. Prof. Moreno

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