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JOÃO RIBEIRO

A LINGUA NACIONAL

NOTAS APROVEITAVEIS

EDIÇÃO DA “REVISTA DO BRASIL”


MONTEIRO LOBATO & CIA.
SÃO PAULO
O titulo geral que coordena as paginas deste livrinho
é certamente exaggerado; mas, era preciso indicar, pelo
menos, a inspiração commum desses fragmentos agora
reunidos.
São — Notas aproveitaveis — segundo a minha
intenção e endereçam-se principalmente á curiosidade
dos amadores e estudiosos do idioma portuguez na
America.

————
A LINGUA NACIONAL

Por vezes temos meditado nas atribulações que


soffre o nosso homem de letras no uso da sua propria
lingua.
E’ por simples vaidade, e talvez por snobismo, que
um que outro mais ousado affecta desdem e indifferença
pelas questões de grammatica.
Não ha inteira sinceridade n’esse menosprezo. A
pecha de incorrecção é um precalço terrivel.
D’ahi, o exito relativo d’essas secções jornalisticas
que nos instruem nas fantasias do bem falar ou do bem
escrever, e nos dizem como se fala e escreve em...
Coimbra ou em Lisboa.
Os conselhos não são lidos com interesse; mas
sempre se passa a vista por essas impertinencias.
Enfim, convém inteirar-se do que contêm os cartapacios
—8—
do bom tom, com agrado ou com desplicencia.
Parece todavia incrivel que a nossa Independencia
ainda conserve essa algema nos pulsos, e que a
personalidade de americanos pague tributo á submissão
das palavras.

————

Parece-nos opportuno examinar essa questão sob


aspectos menos technicos, e, acreditamos, mais
apreciaveis.
A nossa grammatica não póde ser inteiramente a
mesma dos portuguezes. As differenciações regionaes
reclamam estylo e methodo diversos.
A verdade é que, corrigindo-nos, estamos de facto a
mutilar idéas e sentimentos que não são pessoaes.
Já não é a lingua que apuramos, é o nosso espirito
que sujeitamos a servilismo inexplicavel.
Falar differentemente não é falar errado. A
physiognomia dos filhos não é a aberração teratologica
da physiognomia paterna.
Na linguagem como na natureza, não ha egualdades
absolutas; não ha, pois, expressões differentes
—9—

que não correspondam também a idéas ou a


sentimentos differentes.
Trocar um vocabulo, uma inflexão nossa, por
outra de Coimbra, é alterar o valor de ambos a preço
de uniformidades artificiosas e enganadoras.
O facto mais caracteristico (por ser o mais
estudado e conhecido) é o da chamada collocação
dos pronomes.
Fóra, d’ahi, ha uma multidão de outros
pequeninos factos que nos atarantam a paciencia e
dão largas ensanchas aos profissionaes do — “que
se deve dizer”.
— Uma casa mobiliada.
— Não, senhor; diga uma casa “mobilada” que é
como se diz em Lisboa.
— O trem “descarrilhou”...
— Alto lá! diga “descarrilou”, que é o certo. E
“trem” não é palavra de bom cunho. “Comboio” é
que é.
Eis o que é intoleravel.
Ora pois. Somos um povo; vamos festejar um
seculo de Independencia e não temos mais que uma
Gazeta de Hollanda cheia de calumnias e mentiras
linguisticas.
— 10 —

A primeira lição elementar de todas as sciencias


é que objectivamente não pode haver um
phenomeno bom e outro máo ou ruim.
Todos os phenomenos são essencialmente
legitimos. Todos os factos de linguagem, cá e lá,
têm egual excellencia, como phenomenos.
— Não quero me alongar...
— Perdão! Não “me” quero alongar, ou então,
não quero alongar-“me”.
— Não ha duvida; mas eu digo por um terceiro
modo, e, quem sabe, se não estou a crear uma
utilidade nova e um delicado matiz que a lingua
européa não possue! Expressões differentes
envolvem ou traduzem estados d’alma diversos.

————

E aqui chegamos ao nosso intento.


Não podemos, sem mentira e sem mutilação
perniciosa, sacrificar a consciencia das nossas
proprias expressões.
Corrigil-as póde ser um abuso que affecte e
comprometta a sensibilidade immanente a todas
ellas.
— 11 —

Os nossos modos de dizer são differentes e


legitimos e, o que é melhor, são immediatos e
conservam, pois, o perfume do espirito que os dicta.
Alteral-os é já uma falsificação e um principio de
insinceridade.
O exame psychologico dos pronomes vae dar-nos
uma exemplificação curiosa.
O brasileiro diz commumente:
— Me diga... me faça o favor...
E’ esse um modo de dizer de grande suavidade e
doçura ao passo que o — “diga-me” — e o — “faça-
me” — são duros e imperativos.
O modo brasileiro é um pedido; o modo
portuguez é uma ordem.
Em — “me diga” — pede-se: em — “diga-me”
— ordena-se. Assim, pois, somos inimigos da
emphase e mais inclinados ás intimidades.
Eis o supposto erro que, afinal, é apenas a
expressão diversa da personalidade.
E se quizermos uma prova decisiva nesta
materia, temol-a no uso chamado portuguez que
tambem fazemos, quando ha necessidades
imperativas de mando ou de emphase. Então, nesses
casos, praticamos sem o saber, a vernaculidade dos
pronomes.
— 12 —

Se, entre brasileiros, um ordena que outro se


retire, diz logo:
— Safe-se ! raspe-se ! suma-se !
E’ a emphase que vernaculiza a expressão, e eis
porque não a admittimos onde seria impropria,
excessiva e contraria á nossa indole.
— “Me passe” os cobres... é a fórmula de uma
cobrança amigavel.
— “Passe-me” os cobres, é já uma intimação
violenta, judicial, “manu militari”.
Que interesse temos, pois, em reduzir duas
fórmulas a uma unica e em comprimir dois
sentimentos diversos n’uma só expressão ?
Em geral todas as mutilações por amor da
vernaculidade (ou antes do portuguezismo)
envolvem qualquer sacrificio d’alma, destróe os
meios-tons, os matizes creados sob a luz e o céo
americano.

————

N’esse chamado erro de anteposição pronominal


seguimos, aliás, uma corrente archaica e profunda
que havia extirpado da lingua todos os exdruxulos,
todas ou qu asi to das as pala vr as dact ylica s do
— 13 —

italiano e do latim, renovadas depois, um pouco


pedantescamente, pelos letrados do renascimento.
Tão emphatico e pedantesco é o exdruxulo que
ainda hoje é largamente explorado nas composições
comicas e nos versos burlescos.
O brasileiro evita-o por suavidade e preguiça.
E a preguiça nestas coisas, longe de ser um
crime, é uma lei, e até a maior dellas, na historia da
linguagem.
E’ a lei do menor esforço — segundo o appellido
mais vulgar que lhe dão os philologos.
E essa é a principal razão de havermos
transformado o — “diga-me” — em “me diga”.

————

Ha ainda outros damnos irreparaveis nas


corrigendas e erratas vernaculas.
O primeiro e o maior de todos, é o de que nos
fica vedado todo progresso nacional. Só ha um
progresso, e é o que lá se perfez em Lisboa ou em
Coimbra; a nossa evolução passa a ser uma materia
alfandegaria de importação continua.
— 14 —

— Mandem para cá o que vocês dizem e o que se


deve dizer.
E quando a correcção é impossivel ?
O impossivel mesmo será feito. Ha entre nós um
bando de rabiscadores que não dizem — os
monarchistas — e preferem dizer — os
monarchicos.
Outros do mesmo jaez não querem falar em —
“nortista” — porque a palavra é suspeita e não está
registrada nos diccionarios. Inventam-se
circumloquios, fazem-se rodeios, para evitar a
expressão immediata, flagrante e clarissima.
Perde-se um tempo enorme nessas cirurgias
abusivas : instituem-se consultorios que numerosos
clientes frequentam com a avidez da saúde perdida.
Com essa medicina truculenta são innumeros os
desenganados e os incuraveis.
Eis a proposito um exemplo mortal:
Os paulistas do oeste formaram uma palavra que
lhes pareceu indispensavel naquellas terras de
“parvenus” e de parada, e de exhibicionismo.
O vocabulo é — semostração — isto é, a vaidade
ou defeito de ostentar grandeza, luxo ou dinheiro.
O termo acha-se já registrado no — Lexico de
— 15 —

lacunas — de Affonso Taunay, como brasileirismo


curioso.
Ora, a palavra vem de “se-mostrar” com o seu
pronome “mal” collocado".
Como endireitar essa anatomia ?
Devemos supprimil-a como caso teratologico e
indigno ?
Devemos invertel-a portuguezmente para —
“mostrarseção” ? ou para “automostração”, com
hybrismo complacente ?
E, todavia, a — semostração — vende saude e
promette vida longa, sem embargo das juntas
medicas que a sentenceiam de morte.
Se algum dia desapparecerem os pronomes tortos
ficará este — “survival” — para attestar aos
vindouros que o direito de viver não é uma burla.

————

Estamos, assim, caminhando, como galés, por


uma diagonal entre duas forças que nos solicitam
para rumos diversos: o “americanismo”, espontaneo,
incoercivel, natural e o “portuguezismo” affectado e
artificioso.
—16 —

Em tempo, o povo que é o maior de todos os


classicos ( no dizer de um d’elles ) dirá a ultima
palavra.
E os grammaticos de mãos vasias e para o ar, só
terão aquella réplica memoravel: “Kamerade” !

II

Sinto ainda a necessidade de novamente escrever


acerca do que podiamos chamar a — Lingua
Nacional — dos brasileiros.
Não era a defesa nem a apologia intencional de
solecismos, de barbaridades e defeitos indesculpaveis.
Era muito mais erguido e alevantado o meu
proposito.
Tratava-se da independencia do nosso pensamento e
de sua immediata expressão.
E’ abusiva e incomprehensivel tolice sustentar
que a differença de uma lingua, ou dialecto, para
outra, consiste apenas na prosodia. A pronuncia é
um signal ou symptoma de outras differenciações,
— 17 —

excentricas ou concentricas, que caracterizam


qualquer typo de linguagem.
O sotaque tem differenciações infinitesimaes e
cada pessoa póde ser conhecida pela voz.
A’s differenças de timbre correspondem outras
differenças fundamentaes.
E’ um “truism” e não convem perder tempo com
essa trivialidade.
A literatura, porém, cá d’este lado do Atlantico
não quer ter nenhum “sotaque”, desdenha e suffoca
a espontaneidade propria e vive de uma lingua
ficticia e imaginaria.
Mas, o que nos interessa n’este momento, é
verificar que o phenomeno, “pro” e “contra”, é geral
em toda a America.
Os americanos do norte luctam com exito pela
independencia da lingua nacional contra a
formidavel pressão ingleza.
Os inglezes riem-se com ironia apparentemente
razoavel. E’ o caso, dizem, do — “bos locutus est”;
se os senhores escrevem correctamente o inglez
confessam a impotencia e a impossibilidade de uma
lingua americana.
Não é esta, porém, a verdade dos factos. Todo
— 18 —

homem bem educado escreve correctamente a sua


lingua, em qualquer parte do mundo. E no que nos
diz respeito a nós brasileiros é sem duvida agradavel
a opinião muito generalizada entre portuguezes
(Candido de Figueiredo, Julio Dantas, A. de Campos
e outros) de que no Brasil se escreve ou se estuda
com maior perfeição a lingua commum.
Essa perfeição é um puro artificio, como o é nos
Estados Unidos. Explica-se pela imitação excessiva,
pela submissão quasi incrivel com que sacrificamos
todas as nossas expressões immediatas em favor de
uma lingua literaria, esterilizada despida de todos os
seus “venenos regionaes”.
Ha entre nós, para exemplo, meia duzia de
escriptores do fundo d’alma brasileiros, que
galvanizam todas as chamadas anormalidades
barbaras pondo-lhes uma casquinha superficial da
nova graphia portugueza. Affectam assim uma
apparencia hybrida de lusismo galvanoplastico.
Outros, devoram com avidez auctores
portuguezes de quarta ou quinta ordem, mediocres
ou abominaveis, sob o pretexto de retemperarem a
lingua. E’ bom frequentar essas essencias.
Contra essa chloroformização malsan é que
— 19 —

investe um romancista norteamericano (pois que o


phenomeno é tambem da America) o sr. Rupert
Hughes, propondo a independencia de uma “Statish
language”.
Em verdade, cá no sul como ao norte, precisamos
de affirmar a existencia de uma lingua do Estado.
Esta não será uma lingua nova mas um proposito
da indifferença pela lingua alheia.
O sr. Rupert Hughes é um romancista de valor
e que já mereceu o epitheto de Balzac americano,
pelo vigor da expressão e sentimento da realidade.
N’este momento o seu ultimo romance — “What’s
the world coming to?” — escripto após a guerra,
conseguiu enorme popularidade.
Não é espirito vulgar que necessite de qualquer
escandalo literario para forçar a attenção dos seus
compatriotas.
Pois bem. Se tivessemos de trasladar as palavras
de seu breve artigo sobre a independencia da lingua
americana, bastar-nos-ia substituir os termos
“statish” e “english” por — brasileiro e portuguez
— para que logo se percebesse a identidade dos
casos.
— 20 —

Vale, pois, por uma justificativa do que temos


escripto.
Vejam bem como Rupert Hughes rompe a
questão :
“Impõe-se desde já uma nova declaração de
Independencia.
“Será possivel imaginar que um auctor inglez
(leia-se — portuguez) tenha hesitações em empregar
um termo qualquer sob o receio de que não
seja entendido pelos americanos ou que estes o não
approvem ?
“A hypothese é de si mesma absurda.
“Entretanto é essa coisa mais commum entre os
escriptores da America ; todos elles se preoccupam
de saber se a expressão necessaria que lhes occorre
é “bom inglez” (leia-se — bom portuguez) e se
está nos diccionarios registrada com a pecha de
“colloquial U. S.” (leia-se — brasileirismo)”.
E’ exactamente o que succede no Brasil, por
uma submissão voluntaria e inexplicavel.
Devemos convir, como diz Rupert Hughes que
isso é absurdo, desprezivel e servilmente colonial
(“absurd, contemptible and servilely colonial”).
— 21 —

— Recusamos, diz elle ainda, submetter as


nossas leis e instituições á inspecção ou approvação
dos estrangeiros. Porque, pois, havemos de aceitar
esse veredictum exotico nas nossas artes e na
expressão da nossa intelligencia ?
A lingua portugueza (estamos a substituir apenas
as palavras do romancista) deixou de ser celtica,
latina, arabica ou visigothica, para conquistar
a individualidade actual. Não será essa a mesma
lição que estamos a aprender, transformando todas
as origens e todas as collaborações ephemeras das
raças, em proveito de uma personalidade original?
Certas selvagerias americanas só existem na
imaginação dos inglezes (leia-se portuguezes) por
ignorancia d’elles quanto á propria lingua.
Um critico inglez notou em Rupert Hughes um
verbo selvagem — “tiptoe” —; mas a palavra é pura
e ingleza, e está no famoso romance — Clarisse
Harlowe — do seculo XVIII.
(Deste romance é que tomamos, e em todas as
linguas cultas, o typo e o nome de Lovelace).
Ora, a mesma coisa acontece entre portuguezes e
brasileiros. E’ sabido que um critico lusitano
extranhou em José de Alencar o adjectivo — “faceira”
— 22 —

— que entretanto é um vocabulo archaico,


contemporaneo das secias e peraltas do outro tempo.
Muitos dos nossos brasileirismos, e muito da
nossa grammatica, não passam de archaismos
preservados na America.
Sob varios aspectos, como se verifica na questão
orthographica, somos tradicionalistas, ou antes,
somos indifferentes á evolução de além-mar.
Isso não é um antagonismo reflectido (o que
seria novo artificio) é a consciencia de que já
possuimos os fundamentos de evolução propria,
nova
e independente.
No dia em que não nos comprehenderem, façam
glossarios e, se o quizerem, traduzam os escripto
res americanos.
Certamente, não chegaremos a esse extremo de
differenciação.
A verdade, entretanto, é que normalmente dois
seres não realizam a sua propria evolução, agarrados
como xyphopagos, um ás carnes do outro.
Em qualquer caso, livre-nos Deus d’essa
teratologia.

————
ANTIGUIDADE dos BRASILEIRISMOS

O primeiro documento de natureza theorica sobre


a questão dos brasileirisimos foi publicado pelo Visconde da
Pedra Branca em lingua francesa.

Desde os primeiros tempos da colonização do Brasil,


nos documentos literarios, nas cartas dos jesuitas e nas
chronicas dos antigos historiadores aparecem os
primeiros vocabulos de origem americana.
Esse vocabulario colonial é a primeira differenciação
da lingua portuguesa na America ; mas, em geral,
consiste em expressões technicas e peculiares ao Novo
Mundo, coisas e objectos, plantas e frutos, animaes e
seres novos, que não tinham designação especifica na
lingua dos conquistadores.
Não é menos certo, todavia, que um poeta
satyrico, Gregorio de Matos, logo no seculo XVII já
com inteiro desembaraço tirava das vozes indigenas
— 24 —

e africanas todos os recursos de expressão de sua veia


comica. Foi sob esse aspecto o primeiro escriptor
verdadeiramente nacional.
No seculo XIX (1813) no tempo de D. João
VI, quando já se presentiam os alvores da
independencia, o nosso lexicographo Antonio de
Moraes e Silva, aproveitando a planta do diccionario da
Academia e os trabalhos de Bluteau compunha o
seu grande Diccionario que é ainda hoje o melhor
e o mais autorizado da lingua. (1)
Não se esqueceu o nosso Moraes de incluir no seu
lexico um grande numero de vozes brasilicas
ou portuguesas já differenciadas na America. Na
sua mesma Grammatica que é de 1802 apparecem
anotações naturalmente sugeridas pela linguagem
do Brasil. (2)
A nossa independencia e separação em 1822 abriu
desde logo um curso divergente entre o vernaculismo

————
(1) A primeira compilação de Moraes é de 1789, mas não passa
de um resumo de Bluteau ; a segunda edição (1813) é que constitue a obra capital do
lexicographo. As edições de 1823 e a de 1831,
terceira e quarta, representam ainda a continuidade dos trabalhos que realizou e
deixou inéditos.
(2) Por exemplo a das — Composições viciosas — em que se
exemplificaram: amo-lhe, adoro-lhe (Capit. III) modo de frasear que
na parte da syntaxe § II condemna como “erros das colonias”.
— 25 —

português e o americano. Os proprios individuos


inflammados pela revolução separatista adoptaram
nomes e appelidos indigenas ou nacionaes (Gês,
Tupinambás, Montezumas, etc.), por opposição ao
odiado onomastico português.
Na metropole, muito pelo contrario, fazia-se
desordenada guerra contra os estranjeirismos,
principalmente contra os gallicismos, cada vez mais
natipathicos com a revolução francesa e a epopéa
napoleonica, infensas ao ferrenho conservatismo
lusitano: a guerra ao gallicismo, a Arcadia literaria
e todas as formas de exagerado purismo representam
a reacção que desde os fins do seculo XVIII
implantou a idolatria do — português de lei — que
dispõe ainda hoje de alguns soldados fanaticos
retardatarios.
No Brasil, depois da separação, o romantismo,
sem idade media a que recorrer como fizera o
romantismo europeu, achou o seu mundo
cavalheiresco e antigo na historia dos indios. O
indianismo de Magalhães, Porto Alegre, Gonçalves
Dias e Alencar representa essa fase que ainda mais
accentúa a divergencia entre o português reinól e o
americano.
— 26 —

Essa divergencia que dura ainda, occasionou


polemicas talvez estereis e questões talvez
superfluas, mas significativas. Superfluas e estereis
porque os portugueses não abrem mão da sua
hegemonia nessa materia, e, a seu turno, não podem
inflectir e torcer a naturalidade e o imperio dos
proprios factos. (1)
Sem duvida alguma, a nossa lingua é a
portuguesa, mas enriquecida e adaptada ao novo e
longinquo ambiente a que veiu respirar. Não só
enriquecida, a vemos, mas ainda reconstruida pela
renovação de antigos elementos preservados desde
a vida colonial.
O phenomeno da immigração espontanea para a
America é caracteristico do seculo XIX e as nossas
mais recentes estatisticas attestam que o contingente
italiano é mais volumoso que o português, e sê-lo-á
provavelmente cada vez mais intenso.
Aos effeitos dessa corrente immigratoria oppõe-
se a melhor distribuição do elemento português,

————
(1) Alencar sempre se defendeu das arguições gra mmaticaes
que l he fizeram alguns puri stas port ugueses. Gonçal ves Dias numa carta
inti ma e me moravel, infelizmente pouco divulgada, e escripta
em 1857 punha a questão em seus verdadeiros ter mos, reclamando
para o Brasil a independencia razoavel e discreta da sua linguagem.
— 27 —

generalizado por todas as provincias, com o peso


quatro vezes secular da lingua commum.

*
* *

Julgamos, pois, que seria agora interessante


publicar um dos documentos mais antigos acerca
dessa questão dos brasileirismos, e que veiu á luz
quando apenas se desenhavam os primeiros
elementos do problema.
Veiu á luz em momento propicio. Em Paris, o
grande centro scientifico nos começos do seculo
XIX, começava o ardor pelos estudos
ethnographicos.
Achava-se, então, na capital francesa um
brasileiro, Domingos Borges de Barros, barão e
depois visconde de Pedra Branca, poeta e diplomata,
ministro do Imperador, enthusiasta da independencia
da sua patria, havia pouco, emancipada da antiga
metropole.
Por essa occasião preparava Adrien Balbi o
volume de — Introduction à l’Atlas ethnographique
— 28 —

du globe, em que se incluiriam informações a


respeito das raças e das linguas, espalhadas pela
superficie da terra.
O visconde de Pedra Branca foi o collaborador
do sabio geographo na parte referente á lingua
portuguesa da antiga colonia. Escreveu, pois, a
breve e interessante informação que vamos
transcrever e que por ser quasi ignorada (pois não
asbemos de referencia alguma entre nós feita a esse
trabalho) terá pelo menos o merito de curiosidade
bibliographica. (1)
Acreditamos que nesse merito ha alguma coisa
melhor que a curiosidade: e era o conhecimento
do assumpto. Brasileiro, mas ao mesmo tempo
possuindo os seus estudos universitarios de
Coimbra, a Pedra Branca não podia escapar o
sentimento da differenciação entre a lingua da
metropole e a da extinta colonia. Essa circumstancia
augmenta o valor de suas apreciações.

————

(1) O escripto de Pedra Branca é de 1824 ou 1825. O grande


livro de Balbi começou a aparecer em MDCCCXXVI (1826). Domingos Borges de
Barros nasceu em 1779 (segundo Silvio Romero) em
1783 (segundo Pereira da Silva) em 1776 segundo L. Santos Titara, em 1780
(Galeria de brasileiros illustres). Com mais exatidão
do que havia nascido morreu em 1855.
— 29 —

Tambem, e é uma consideração que lhe accresce


a valia, o documento constitue a primeira
contribuição theorica, que possuimos nesta materia.
Até então, os brasileirismos eram cá empregados no
uso corrente, mas não offereceram assumpto a
nenhuma dissertação academica de origem
portuguesa ou brasileira. Eil-o:
“Les langues montrent les mœurs et le caractère
des peuples. Celle des Portugais se ressent de leur
caractère religieux et belliqueux; ainsi, les mots
honnête, galant, béate, bizarre, etc., ont une
signification bien diffèrente de celle qu’ils ont en
français. La langue Portugaise abonde en termes et
phrases pour exprimer des mouvements emportés,
des actions fortes. En portugais, on frappe avec tout;
et quand le Français, par exemple, a besoin d’ajouter
le mot coup à la chose avec laquelle il frappe,
le Portugais l’exprime du seul mot de l’instrument.
On dit en français, un coup de pierre, en portugais,
une pedrada; un coup de couteau, une facada, etc.
On le peut dire hardiment de toutes choses.
“Sans manquer à l’idiotisme, on peut aussi
hardiment former des superlatifs et des diminutifs de
tout adjectif; on en fait quelque fois même des
— 30 —

substantifs. L’âpreté dans la prononciation a


acompagné l’arrogance des expressions et conserve
encore aujourd’hui en héritage; mais cette langue,
transportée au BRESIL, se ressent de la douceur du
climat et du caractère de ses habitants; elle a gagné
pour l’emploi et pour les expressions des sentiments
tendres, et, tout en conservant son energie, elle a
plus d’amenité. On peut s’en convaincre en lisant
les poésies de Gonzaga, J. B. da Gama (nous
ajouterons de M. le baron de Pedra-Branca) (1) et
de plusieurs autres écrivains brésiliens.
“A cette première différence, qui embrasse la
généralité de 1’idiome brésilien, il faut encore
ajouter celle des mots qui ont changé tout-à-fait
d’acception, ainsi que celle de plusieurs autres
expressions qui n’existent point dans la langue
portugaise, et qui ont été empruntées aux indigènes,
ou qui ont été importées au Brésil par les habitants
des différentes colonies portugaises d’autremer.
“Nous allons en donner quelques exemples dans
le tableau suivant.

————

(1) Adrien Balbi é o aut or do parenthese.


— 31 —

NOMS QUI ONT CHANGE’ DE SIGNIFICATION


Mots Signification en Signification au Brésil
Portugal
Faceira Grosse Mâchoire Coquette
Arrumamento Action d’arranger Parade
Babados Bavé Jabot, falbalas
Tope Entrave Cocarde, bouquet de fleurs
Chacota Chanson grivoise Moquerie
Cecia Action de grasseiyr Minaudière
Capoeira Cage á poules Broussailles
Sotão Souterrain Mansardes

NOMS EN USAGE AU BRÉSIL ET INCONNUS EN PORTUGAL

Mots Signification
Pabulo Fat, suffisant
Capéta Lutin
Quindins Minauderies, petits soins.
Yaiá Demoiselle
Chibio Polisson, vaurien
Balaio Espéce de panier
Quitutes Ragouts, fricots
Batuque Danse des nègres
Tapéra Terrain abandonné
Capim Gazon
Coivara Action de brûler des broussailles
Findinga )
Fille publique
Fadista )
Charquear Préparer la viande sèche
Cuchilar Sommeiller
Munheca Le poignet
Chingar Passer de sobriquets
Cangote Le drignon
Calanda Magnétisme, des vapeurs
Muxingueiro Celui qui est chargé de fouetter les esclaves
Presinganga Ponton, prison.
Carpina Charpentier de bâtiment
Caçula Cadat d’une famille
Dondon Vaudeville
— 32 —

NOMS EN USAGE AU BRÉSIL ET INCONNUS EN PORTUGAL

Mots Signification
Fado Bouderie
Fuxicar Chiffonner
Farofa Ostentation ridicule
Mocotó Pied de bœuf
Mungangas Grimaces
Muxoxo Action de faire la moue
Boquinha Petit baiser
Mideixe Noli me tangere
Mulambo Guenille
Mascate Marchand forain
Mascatear Faire le marchand forain
Mandinga Fétiche
Muquem Boucaner
Muquiar L’endroit ou l’on boucane
Muxiba Des peaux de viandre maigre
Nanica Naine
Nuello Sans plumes
Quitanda Marché de vivres
Pequira Criquet
Pimpão Ferrailleur, crâne
Sipoada Coup de badine
Saracutear Tournailler
Trapiche Magasin au bord de l’eau
Rossa Maison de campagne ou ferme
Chacra Maison de campagne
Senzala Case à négres

Essa é a collaboração de Pedra Branca. Haveria


que oppor ao texto algumas correcções ou
restricções, que, todavia, não modificam o caracter
essencial da contribuição.
Vamos anotál-a, brevemente, em alguns pontos.

F ACEIRA — (coquette) é um brasileirismo que


extranharam e censuraram mais tarde alguns critico
— 33 —

portuguezes, P. Chagas e outros, pouco


conhecedores da historia da sua mesma lingua.
Faceira no seculo XVIII era synonymo de
casquilho, elegante, pelintra, petimêtre; a palavra
tornou-se obsoleta em Portugal mas conservou-se no
Brasil ainda que só applicada exclusivamente á
elegancia feminina.
O Anatomico Jocoso que é um repositorio da
linguagem popular portugueza consagrou todo um
capitulo (II, pags. 203 e segs.) ás ridiculezas dos
faceiras. A palavra naturalmente occorre muitas
vezes:

Em Deus amanhecendo, se levantará o


verdadeiro faceira e sairá á janella...
Pg. 205.

Assim preparado, caminhará o nosso


faceira para a igreja.
Pg. 207.

De tarde sairá para fóra o bom faceira


depois de tomar o seu refresco de
polvilhos...
Pg. 210.
Seria escusado multiplicar as citas. A palavra foi
applicada ao pelintra ou ao elegante, ainda que o
— 34 —

significado de musculos da face fosse o normal (1); a


colonia apenas aceitou no vocabulo o significado que
ainda hoje é nosso. E este caso não é unico. Foram
conhecidos naquelle seculo, Noruega com o mesmo
sentido que tem no Brasil e outros ainda que não é aqui
o logar de registar.

TOPE — é também um arcaismo; se os portuguezes


dão-lhe agora de preferencia o sentido de — entrave —
como regista Pedra Branca, nem sempre significou
colisão ou choque — porque desde Bluteau está
mencionado como palavra antiga no sentido de mólho
de fitas, em geral, no chapéu. O tope verde e amarello,
auri-verde como lhe chamaram os poetas veiu a
constituir as côres nacionaes da nossa bandeira, e dos
dias da Independencia.

CAPOEIRA — Nesta palavra não houve propriamente


— changement de signification. Trata-se apenas de um
homonymo casual entre o portuguez

————
(1) Effecti va mente, era de uso vulgar no seculo XVIII. E assim
o encontramos nas Obras Poeticas de Valladares Gambôa:

(2) Que m te deu o carmim com que a faceira


Rubicunda fizeste e tão burnida?
Obras (ed. 1791; tomo I, 73).
— 35—

capoeira derivado de capão (gallo ou frango) e


um vocabulo tupi — ca-poan-êra (literalmente —
mato redondo que existiu —). Este suffixo curioso
êra dá a noção de tempo passado aos nomes tupi-
guaranys; temos assim substantivos de tempo
pássado — capoeira, tapera etc. (1) . Sem indicação
expressa de origem brasileira, o nosso Moraes já
tinha registado o vocabulo, na frase — capoeira
de foice — que tem o sentido da palavra nacional.

S OTÃO — é um termo de sentidos contradictorios


e oppostos em Portugal; tanto significa o andar mais
alto como o mais baixo. No Brasil está sempre o
sotão no alto das casas e oppõe-se a
adega e porão. Evidentemente, a confusão de idéas
nasceu do influxo romano (so-sob-soto, posição
inferior) e da concorrencia do arabe sotéa (açotéa,
posição superior).

CÉCIA — é outro arcaísmo portuguez; faceiras


e cécias são populares no seculo XVIII, e nos
escriptores modernos arcaizantes ainda que escrevam

————
(1) A definição de Candido de Figueiredo, de — mat o que
se destina a roçar — não é exacta.
— 36 —

sécia. Pedra Branca pensava naturalmente no verbo


cecear, ciciar; os brasileiros foram sempre acoimados
de ceceosos, isto é, de pronunciar o s como se fôra s.
Madureira Feijó, desde o seculo XVIII recommendava
não confundir as duas prosodias dando ao s o valor de c
brando.

porque, diz elle, esta pronunciação não é


naturalmente nossa, mas só affectada ou de mulheres
açucaradas ou de homens ceciosos.
Madureira, Orthographia, 6.ª ed. 1802, I, 46.

Comtudo, não raro, os proprios portuguezes


confundiam e confundem ainda essa subtil distincção
como o prova a palavra sécia ou cécia e ainda outras
escriptas diversamente cerzir e serzir, Cintra
e Sintra, cizánia e sizania, assuccena e assucar açucar
e açucena, massa e maça.(1)

*
* *
————
(1) Essa di stincção é um dos cavallos de batal ha dos neographos
portuguezes que entretanto aconsel havam escrever passeio e passear
que a meu ver só se explica m por espaciar de espaço e espaçar, (fare
spazzo, ital. e spassieren, all.) “Folga m de espaciar-se, escreveu M.
Bernardes. O M oraes donde tomamos o exemplo regi sta espaciar-se
e tambem espaçar com o sentido de espai recer.
— 37 —

Em geral Pedra Branca não busca distinguir as


origens tupis, africanas ou européas das palavras;
dahi a apparente confusão do seu excerpto de
vocabulos. E’ possivel suppor que compuzesse um
trabalho de mera amostra, sem intuitos de erudição.
Tambem é de justiça lembrar que o diplomata,
natural da Bahia, na sua lista havia de metter
evidentes peculiaridades regionaes.
Algum erro typographico pode ser explicavel —
calunda — por exemplo em logar de — calundú
— que é pelo menos de forma mais generalizada
e é originado do termo africano.
Não queremos fazer a critica facil da pequena
e imperfeita lista que figura na obra de A. Balbi,
mas apenas indicar que é o primeiro documento,
o mais antigo, no estudo dos brasileirismos. Não
foi conhecido nem aproveitado pelos nossos
vocabulistas Costa Rubim Coruja, M. Soares, B.
Rohan e os que vieram em seguida.
Convinha, pois, divulgal-a para o conhecimento
de amadores e estudiosos.

————
BEBER AGUA DE CHOCALHO

A paremiologia não se resume nas origens já apontadas, na


historia, no conto e na fabula.
Muitos modismos accusam outra fonte: a superstição
popular.

Sirva de exemplo o dito que nas regiões do norte


do Brasil, se applica sempre aos tagarelas ou a
qualquer individuo que “fala pelos cotovelos”.
— Este (dizem) bebeu agua de chocalho.
A muitos póde parecer incomprehensivel.
Não é conhecido no sul esse modismo, e se
antolha talvez extravagante e abstruso á maior parte
dos nossos leitores.
A expressão é, todavia, nada ambigua, e de uso
frequente em toda a região que vai de Pernambuco
ao Ceará. Ha muito derramada por essas terras,
sempre caroaveis de superstições, a crença
— 40 —

firme em um remedio popular de extrema efficacia.


Quando as creanças de leite tardam em falar é
costume, recorrendo a uma pratica muito acreditada,
fazel-as beber a agua ou o leite por um velho
chocalho.
Medicina caseira e universal.
O chocalho tem para o povo a virtude mirifica
de desembaraçar a lingua e as creanças que bebem
por um chocalho dentro de poucos dias tarameleam
algumas palavras.
O abuso d’esta medicina leva naturalmente a
formar tagarellas e papagaios precoces.
D’onde a observação applicavel a qualquer
falador:
— Bebeu agua de chocalho.
O facto e a explicação foram já registrados por
varios conhecedores do assumpto, entre elles pelo
autor do Folk Lore pernambucano. (1)
————
(1) Dr. Pereira da Costa — Folk lore pernambucano. A superstição deve
ser de origem portugueza. Em Cabeça de Vide diz-se
Quem não te m escalho não bebe.
Rev. do Minho — XVIII — 10.
E’ alli costume substituir os baldes por escalho (chocalhos) grandes
providos de azas, para tirar agua dos poços. No Ri o de Janeiro
— 41—

Outro modismo local, mas já do extremo sul,


é o epitheto de boi corneta conhecido dos rio-
grandenses.
São lá familiares estes dizeres, que tambem
parecem extranhos aos adventicios:
— Este é o boi cornêta do partido.
— E’ o boi cornêta da familia.
Assim, em todo o grupo social, partido, seita ou
familia, ha sempre e necessariamente um boi
cornêta.
O boi cornêta é o individuo indisciplinado,
taralhão, fóra da ordem ou das conveniencias,
trefego, desalmado ou rixoso.
A expressão é tomada á linguagem da vida
pastoril e foi já registrada mais ou menos
incompletamente por Coruja, Baurepaire Rohan e
Romaguera nos seus vocabularios bem conhecidos.
Parece-me todavia que o primeiro que notou

————
e em outros lugares do norte ha um remedio popular, differente da
milagrosa agua de chocalho, e um pouco mais drastico, na verdade.
Consiste em dar na cabeça da criança, levando-a para junto do
fogão, com uma colhér de panella. Com a pancada da colhér de pau
sara a mudez, que se desentranha em eloquencia.
E’ uma inversão dos processos da idade adulta, pois consta que a
pau é que se emmudece muita rhetorica intempestiva, nas crianças de maior edade.
— 42 —

convenientemente a locução, pelo menos em letra


de typo, foi um velho jornalista (portuguez, creio
eu) que residiu muito tempo no Rio Grande do
Sul e se chamava Antonio Maria do Amaral Ribeiro.
Escreveu numerosas notas interessantes e curiosas,
que andam esparsas, sobre a vida e costumes rio-
grandenses. Não lhe escapou esta do boi cornêta, o
fomentador de discordias. (1)
No sentido normal, o boi cornêta é o que só tem
um dos chifres ou é aleijado de um d’elles. A
palavra foi assim formada de modo analogo a
perneta, maneta e outras do idioma vulgar.
O sentido translato, porém, é o de intruso, trapacento
e desordeiro. Explica-se.

“O animal assim defeituoso (diz Romaguera) n’uma


tropa de gado é corrido pelos outros e foge dando trompasios a
torto e a direito.”

Cita-se aqui a proposito uma quadra do Gaúcho

————
(1) Ant oni o Maria do Amaral Ribeiro, no decennio de 1850-1860
e ai nda depois, collaborou no antigo Al manaque de Castilho. Os seus
pequenos escriptos são dos mais proveit osos d’aquelle velho annuario.
Hoje, e desde algum tempo já, o Almanaque luso-brasileiro, sal vo
algum rebento florido, é uma vergontea caquetica que deslustra sua
antiga prosapia.
— 43 —

forte onde os bahianos (isto é, nortistas) são


alcunhados de taralhões e bois cornêtas:
Lá na cidade qualquer um bahiano
Póde sem susto me passar buçal.
Mas, tenho um consolo: bois cornêtas d’estes
Cá nos meus pagos têm passado mal. (1)

O modismo não é original nem proprio ou


exclusivo do Rio Grande do Sul, é de todos os
gaúchos da banda oriental e da Argentina.
Cyro Bayo no seu Vocabulario Criollo, tambem
o registra, com o refran gaúcho:

“En la tropa nunca falta un buey corneta.”

E com a definição exacta do termo:

“Buey corneta. Buey revoltoso, alborotador de una


hacienda.”

Aquelle anexim corre tambem no Rio Grande.


Assim, o boi cornêta não é temido pela valentia,

————
(1) Ap. Romaguera — Vocab. 64. Cf. B. Rohan, e Coruja s. v.
A palavra bahiano indica o nortista, do Rio para além, pago é a
fazenda, estancia ou casa dos sertões do sul; passar buçal = enganar;
buçal, são arreios da cabeça do ani mal de mont aria.
— 44 —

mas pela intrujice e por se ingerir onde não é


chamado.
Corresponde ao classico — pomo da discordia.

————

Pois que tratamos de locuções dialectaes


brasileiras, não fique sem advertencia que a palavra
boi nem sempre tem o sentido da lingua vulgar e
pode ser a mera transcripção do tupy mboy, que quer
dizer cobra ou serpente.
Asim, o fogo fatuo, santelmo, ou o fogo de São
Pero Gonçalves, é conhecido no Brasil por boi-tatá,
vocabulo da lingua tupi que se traduz literalmente
por cobra ou serpente de fogo, e assim era
designado pelos indios. Em alguns lugares dizem
ainda batatão, corruptela da expressão primitiva. (1)
Nenhuma analogia, bem se percebe, existe entre
o boi tatá e o boi corneta, nem com o chocalho.
Mas quiz eu reunir n’esta mesma fauna aquellas
tres especies atordoadoras de almas ingenuas,
————
(1) Anchieta no seculo XVI dava explicação um pouco differente,
dizendo que a expressão ori ginaria é mbae-tatá = cousa de fogo;
o que parece justificar-se com a forma biatatâ, mais especial da Bahia.
Como quer que seja, a palavra mais generalizada hoje é boi-tatá.
— 45 —

a um só tempo flagello de timoratos e victimas de


grammaticos curiosos, semi letrados e vadios.
E aqui ponho o ponto para que se não diga que
bebi agua de chocalho.

————
NA PINDAHYBA

Estás nas embiras. Duas expressões synonymicas de


origem identica.

Diz-se da pessoa que está em extrema penuria


ou necessidade, em falta de dinheiro ou de recursos
que está na pindahyba.
Beaurepaire Rohan, que registra o vocabulo e o
modismo no seu sentido commum, escreve que
figuradamente se diz que está na pindahyba aquelle
que se acha em apuros de dinheiro.
Por euphemismo ou receio é tambem costume
dizer em breve — estar na pinda — tal é o maleficio
da expressão propria e completa. Por egual
sentimento é que se abrevia a expressão vernacula
— a desgraça — dizendo-se a disgra (estar na
disgra, na disga e na nisga).
— 48 —

O modismo, bem se vê, é de origem brasileira


e indigena. As explicações propostas não me
parecem satisfactorias, quando submettidas a
rigorosa analyse.
Beaurepaire Rohan não lhe estuda as origens,
mas registrando e definindo pindahyba, “a vara
ou caniço a que se prende o fio do anzol”, parece
d’este facto deduzir o sentido da frase. E é este
o ponto mais delicado.
Provavelmente seguiu Beaurepaire aqui as
pégádas de Baptista Caetano que assim se expressa
a este proposito:
“Pinda-ib, vara do anzol... Che pinda-i rehe
aico che caruha guama-ri — na minha vara de anzol
estou (dependo) para ter o que comer; vulgo, estou
na pindahyba (1).
A frase, aliás correcta, foi adrede formulada
com alguma imprudencia e com o fim de extrahir a
etymologia da expressão. Mas é de si mesma
coisa insustentavel apezar da autoridade do nosso
americanista. Estar com o anzol é, pelo contrario,

————

(1) Vocabulari o appenso á traducção da Conquista espiritual do


padre Montoya, 376.
— 49—

ter sufficiente; ao menos para o indio, pescador


ou caçador, não é o ultimo recurso, e antes é o
estado habitual e o da prosperidade.
Se fosse, de resto, exacta a origem, o modismo
provavel seria estar com a pindahyba, e ninguem
jamais ouviu tal modo de dizer.
Supponho ser um pouco differente o radical da
expressão.
O sentido proprio para os indios de estar na
pindahyba — é o de estar preso, num cipoal, tolhido
ou amarrado. E este é o ultimo apuro, e não
o do dinheiro cuja falta ou presença devia ser
insignificante e effectivamente nenhuma para os
selvagens.
E nem era noção compativel com a sua vida
primitiva e inculta.
Pinda-aî é o anzol, por analogia do pau torto ou
graveto, cipó, não direito, recurvo; é este o sentido
preciso de aî “cosa con tolondrones, gravatillos”
(segundo Montoya) e bira-aî é graveto de pau,
cipó (idem); e ainda é de notar que algumas lianas
conservam este nome, por exemplo, o cipó Siconia
acubata dos botanicos conhecido no sul com o
— 50 —

nome de yagua pindá (1) e ainda a salsa e cipoal


espinhento que se conhece com o nome de unha de
gato era o Nhanpindá dos indios (2).
Ha, portanto, n’este lugar uma confusão de
denominações, mais ou menos affins, que convem
esclarecer: pindá, anzol; pinda-i (ib) a vara do
anzol; pinda-aî, o dente, a volta recurva do anzol,
cipó ou graveto; do mesmo modo que ibira-aî pau
não liso, com voltas, cipó, cipoal.
Ora, se a expressão tem o sentido que proponho,
e claro que tanto vale usar pindá como ibira. E é
justamente o que acontece, e escapou ao exame de
Baptista Caetano.
Effectivamente tanto podemos dizer estar na
pinda-î (pindahyba) como estar nas embiras
(ibiraaî). São frases equivalentes e synonymicas.
Beaurepaire registra o modismo:

“Estar nas embiras se diz de quem se acha em


difficuldades pecuniarias.”

————

(1) Ciro Bai o — Voc. criollo registra-o a pag. 115 s. v. Isipó ou


sipó.
(2) Granada — Vocab. rioplatense rasonado (voc. napindâ).
— 51 —

Esta identidade de sentidos não impressionou,


todavia, os nossos lexicographos.
Explical-a pela vara do anzol não é absolutamente
incontestavel, pois só conviria á primeira formula
(pindahyba), entretanto que ambas (pinda-ai e birá)
convêm ao sentido de cipoal, salsa
de espinhos, lugar embaraçado onde fica tolhido ou sem
movimentos. Accresce que “estar com a vara
do anzol” de modo algum poderia significar a penuria
ou a desgraça, como já observamos.
Se pinda î tomou a fórma de pindahyba foi porque
esta, assim como a embira, de que se tiram cordas de
enleiar e atar, são plantas da mesma familia das
anonáceas (1).
Entendo, emfim, que estar na pindahyba ou estar na
embira é estar amarrado, sem saida, em difficuldades e
apuros. A civilização trocou essas difficuldades naturaes
pelas de dinheiro; d’ahi deriva o sentido moderno e actual
da expressão.

————

————
(1) Pindahyba e ibira accusam a mesma identidade entre al guns
botanicos. Veja Cami nho + Caminhoá í — Botanico, 1313, 1315.
ESTAR NA CHUMBERGA
Estar na chumberga. Chumbergar-se ou chumbregar-
se, tomar uma chumberga (embriagar-se).

A palavra chumberga existe desde os tempos


coloniaes no Brasil. Foi em Portugal uma expressão
popular e de giria no seculo XVII e se lá
dêsappareceu ou passou de moda conservou-se
entretanto na colonia americana em varios lugares,
em Pernambuco e outras partes do Norte. Como
era tambem uma expressão peninsular, de toda a
Espanha, por essa razão veiu repercutir nas
republicas de origem hespanhola e como reflexo, na
linguagem fronteiriça do Rio Grande do Sul. (1)
Eis o fundamento historico d’esse vocabulo,

————
(1) Regi stra-a como termo de uso no Ri o Grande do Sul o Padre
C. Teschauer nas suas apostillas ao Vocabulario, Cf. Phrases de A.
Carval ho.
— 54 —

que anda, com se verá, acompanhado de outros da


mesma especie e já esquecidos.
Quando o conde de Schomberg pelos meiados
do seculo XVII veiu a Lisboa para instruir o
exercito, nas luctas da Restauração, o seu nome e as
suas maneiras tornaram-se populares e proverbiaes.
Elle mais que arbitro das elegancias e homem da
moda, foi uma especie de rotulo e de reclamo para
todas as novidades.
Tudo quanto apparecia de novo, havia de ser
a chumberga.
Um governador mandado então para a capitania
de Pernambuco (Jeronymo de Mendonça) foi
alcunhado o chumberga e uma epidemia de bexiga,
que grassou naquelle tempo foi chamada das
Uxumbergas. (1)
Moraes foi o primeiro a registrar o vocabulo que,
ao depois, figurou em todos os diccionarios. Mas se
o definiu não o abonou com exemplos da literatura
antiga portugueza e é o que vamos indicar.

————
(1) Alfredo de Carval ho — Phrases e palavras pag. 74 seg. Crei o
que não se trata do personagem indicado por A. Carvalho, segundo
as suas notas biographicas. V. Monstruosidade do tempo e da Fortuna
(1662-80) ed. de 1688, pag. 27, 99 e 150. O conde de Schomberg morreu em
Portugal.
— 55 —

Em primeiro lugar, casas de tabique, pequeninas


verdadeiros cachicholos que mais pareciam barracas
militares, então construidas, segundo o processo dos
nossos cortiços, tiveram logo o nome de
chumbergas.
Nota-o um dos poetas dos Singulares nos
seguintes versos:

Não vi tão lindos quartos no Rocio,


Porque vi quarto tal que dentro alverga
Perto de vinte casas á chumberga.
Acad. dos Sing. II, 411.

Este sentido ainda se conserva no Rio da


Prata.
— Os bigodes aparados a tesoura tambem foram
chamados a chumberga, naturalmente porque assim
eram os do marechal, e isto é o que significam os
versos de Serrão de Crasto (sec.
XVII):
Bigodes não vão pintados,
Que meu amor não atina,
Ou se os traz a fernandina,
Ou á Schomberga tosados.

O personagem historico não escapou á menção


— 56 —

dos poetas do tempo e não é difficil deparar


exemplos como o da silva de Jeronymo Bahia,
publicada na Phenix Renascida e em termos que
confimam o que assentamos acima:
O conde de Schomberg
Que nas batalhas obra quanto quer
Lá pela sua arenga
Tambem lhe fez a barba á framenga.
Phenix — III, 181 (ed. de 1746)

Em uns seus versos inéditos diz Gregorio de


Mattos
... traz á chumberga
a barba capona.

Capona — isto é, castrada, tosada, aparada.


A’ moda chumberga oppunha-se outra á
fernandina, segundo se deprehende do texto citado
de Serrão de Crasto e de outros que ainda se podem
allegar.
Assim por exemplo, nos versos de Malhão que
alludem á moda antiga:
Se entre nós de bigode á Fernandina
Golilha por gravata...
Um varão circumspecto apparecera!...
Vida e feitos, III, 31.
— 57 —

Em mais tarde Filinto Elysio:

Barba espessa cortada á Fernandina


Obras (ed. Lisboa) II, 34.

Em Gregorio de Mattos (seculo XVII):

O’ quantos e quantos ha
De bigode fernandino
Que até de noite ás escravas
Pedem salarios indignos.
Obras, I, 88.

No poema heroicomico da Benteida de


Alexandre de Lima (seculo XVIII)

Não vi homem com queixa feminina


Nem mulher com bigode á fernandina.
Canto III, est. 40.

Na fabula de Polyphemo de Jacinto Freire


publicada na Phenix (seculo XVII) ha identica
referencia:

Lemos que os seus bigodes fernandinos


Iam em romaria os mal-barbados.
— 58 —

Essa allusão deixa ver que os imberbes ou


barbipoentes deviam ter inveja aos bigodes
fernandinos naturalmente bastos e grandes. Assim,
pois, ha um erro na interpretação de Alfredo de
Carvalho nas suas interessantes Phrases quando diz
que os bigodes a chumberga eram fartos e erguidos
em tufos. O erro proveio da leitura dos versos de
Serrão de Crasto, acima citados;
Ou a Schomberga tosados
Que Carvalho por não conhecer outros, leu:
Ou a schamberga tofados ou tufados, por
confusão do s medial antigo que tinha quasi a
mesma apparencia do f.
Longe de serem tufados, os bigodes eram qua
si tosados ou aparados, conforme se verifica da
concordancia de outros textos. Não é rara essa
confusão de s e f antigos. Corre no Ceará esse
ditado:
E’ mais velho que a fé. Onde fé está por sé,
igreja matriz. A curiosa deturpação, parece ter
resultado da leitura de algum texto antigo dos
livros de cordel, muito familiares ao povo.
Em Espanha, tambem este mesmo marechal
Schomberg, criou a moda de uniformes luzidios e
— 59 —

por isso o nome passou a essas côres garridas, a


uma certa pintura de verniz e até a uma seguidilha
de versos menores.
O antigo entremez Baile de los Hilos de Flandes
depara-nos a expressão:

Sus colores las hacem chambergos


Solo por lucir.
Migajas del Ingenio (ed. por
Cotarelo) — pag. 73.

Nas regiões do norte do Brasil é termo já


vulgarisado, deu lugar a formação de um verbo
chumbergar ou chumbregar, com o sentido de
embriagar-se:

Na rua em copo não pega


Porém em casa chumbréga.
Canç. do Norte (coll. por R. de
Carvalho) pag. 35.

Foi este sentido especial e ridiculo o unico que


se conservou do ephemero vocabulo, e devido a
mera suggestão de analogia externa com a palavra
chumbar e chumbado que tem o mesmo significado.
— 60 —

Parece que o marechal tudesco era borracho;


ou talvez, por ser allemão, soffresse a pecha que
se attribue á sua raça.

————
POR DENTRO MULAMBO SO’

Não tenho nenhuma indicação de que o


proverbio, aqui declarado, proceda literalmente de
origem ou de fonte genuinamente portugueza.
Na sua forma mais ampliada e completa, Por
fóra muita farofa (farinha), por dentro mulambo
só — não ha duvida que o primeiro talho da frase
é vernaculo. Assim parece.
Ha um grande numero de dizeres antigos em
que a palavra farinha expressa o disfarce, a
exterioridade, a apparencia enganadora. Já o
estudamos em outra opportunidade (nas Frases
feitas) e a origem curiosa e antiquissima desse
modismo encontra-se na fabula classica do gato que
se rebolca em branca farinha e se finge morto. D’ahi
uma serie de expressões archaicas e modernas, taes
como, nem todo o branco é farinha, enfarinhar-se,
— 62 —

enfronhar-se, fingir de gato morto, etc. que deixei


sufficientemente explicadas com os elementos do
mytho esopico. Assim não parece haver
difficuldades em acceitar como portugueza a
primeira parte da frase: — por fóra muita farinha...
no sentido de exterioridade enganosa.
O complemento do proverbio, porém, ainda que
inspirado num dizer idiomatico, apresenta certas
feições peculiares, quanto posso saber, ignoradas
em Portugal.
Em primeiro lugar desde logo se nota que uma
das variantes do proverbio encerra duas palavras
africanas, farofa e mulambo, e essa circumstancia é
que nos ajuda a esclarecer a fonte verdadeira do
nosso anexim popular.
Farofa ou antes farófia é uma expressão já
conhecida dos portuguezes desde algum tempo com
um sentido algo diverso da farofa africana ou
brasileira que é sempre uma iguaria composta
principalmente de farinha de mandioca, simples
conducto de alimentos mais substanciaes. (1)

————
(1) Entre port uguezes farofia é uma especie de doces de clara
de ovo, ovos nevados. Tambem se usa em sentido figurado e para
dizer de cousas vãs, sem peso, como espumas, fl ocos de neve etc.
— 63 —

A segunda palavra que occorre no proverbio,


mulambo, parece ser inteiramente ali desconhecida,
e nem figura nos seus lexicos mais completos senão
talvez como palavra de retorno, colhida nas colonias
da Africa ou nos vocabularios brasileiros.
E’ evidente, pois, que o proverbio é brasileiro
e de origem africana, embora construido segundo
uma formula do adagiario portuguez pela antithese e
opposição das palavras por fóra... e por
dentro, que se verifica em varios rifões antigos,
como este:

“Por fóra corda de viola, por dentro pão bolorento”.

Aqui a opposição do conceito é suggerida pelas


falsas rimas fóra e viola, dentro e bolorento, mais
toantes que consoantes, para ouvidos apurados.
Temos conseguintemente, um caso de fusão dos
elementos africano e portuguez em todo o conjuncto
da frase:

Por fora muita FAROFA

por dentro MULAMBO só.

Mas não são apenas os vocabulos farofa e mulambo


— 64 —

que inculcam a origem africana do proverbio.


Muito mais. Os proprios negros da Angola e
outras regiões convisinhas possuem o proverbio em
numerosas variantes que tem mais ou menos
aquelle sentido literal.
Assim, dizem:

Ukêmbu ûa pêta, moxi milambu.

ou tambem:

Ukêmba ûa pêtus, moxi isûta.

Literalmente traduz-se:
Luxo de almofada, por dentro mulambos, isto
é, luxo de cobertura ou fronha e por dentro trapos
servidos, sujos ou rotos.
As variantes differem aqui apenas nas palavras
milambo (plural de mulambu) e isuta (plural de
kisuta); e ambos querem dizer farrapos ou trapos.
O sentido normal é o de trajes exteriores vistosos
e de luxo que encobrem as roupas menores ou
a miseria da camisa rota ou suja: por fora muita
farofa, por dentro mulambo só.
— 65—

Para os africanos mulambo é especialmente um


trapo ou toalha de decencia que amarram á cintura
e com que encobrem a nudez a que estão habituados.
E a esses trapos é que allude o proverbio
opondo-os á capa e á exterioridade por vezes
brilhante dos janotas pobretões.

————
JISABU’
Proverbios africanos e sua adaptação á linguagem
no Brasil: Papagaio come o milho e periquito leva a
fama. Macaco não olha o seu rabo.

Jisabú quer dizer — os proverbios — na lingua


de Angola.
Não é tanto a sabedoria, mas a maledicencia que
origina entre os negros a abundancia dos seus
anexins.
O anexerista é sempre um motejador da especie
humana, e é quem lhe descobre as fraquezas,
as vaidades ridiculas, as manhas encobertas ou as
malicias evidentes. Os proprios negros o dizem
num seu brocardo. A escravidão negra no Brasil
implantou com as raças africanas muito da sua
literatura popular, mórmente da sua phraseologia.
Alguns desses dictados apparecem entre nós, sob
— 68 —

roupagens portuguezas, demasiado transparentes


para deixar entrevêr a collisão de idéas e de
sentimentos dos dois factores ethnicos que tanto
influiram na linguagem popular do Brasil.
Entretanto, ha difficuldade no discernir o rumo
daquellas correntes, e é bem possivel que o
emprestimo de modismos seja reciproco entre os
dois elementos adventicios na America.
A presença das duas raças sempre em intimo
contacto ou o retorno de negros alforriados á patria
africana, é circumstancia que nem sempre permitte
remontar á verdadeira fonte. O mais facil de
constatar é a fusão das duas correntes quando
não é possivel refluir á origem mais provavel,
portugueza, africana ou de criação secundaria e
mixta.
A difficuldade póde demonstrar-se por um
exemplo. Em portuguez ha o proverbio

No comer e coçar tudo está no começar.

E’ evidente que se trata de uma aliteração pela


identidade das syllabas (co —) das palavras
essenciaes do modismo: ha tambem no seu contexto
um equivoco determinado pelo vocabulo comer que
tem egualmente o sentido coçar, pruir, ou provocar
— 69 —

coceira, comichão. E, acima de tudo, o anexim é


portuguesissimo, idiomatico e antigo.
Se procurarmos um equivalente nos Jisabú, lá
veremos por igual o equivoco, calenbur, aliteração
entre os dois verbos que equivalem respectivamente
a comer e a coçar:
Ni kuria ni kuriaja

Uria, anga uriaja

E’ o texto que copiamos literalmente.


Ninguem, todavia, acreditará que o modismo do
kimbundo passou ao portuguez ou suscitou a
formação do proloquio vernaculo conhecido.
Não bastam, já se vê, as semelhanças externas e
fortuitas para autorizar a identidade de origem.
Como quer que seja e sem querer levar ao
extremo a pesquiza etymologica, basta-nos assentar
que o estudo dos proverbios africanos muito
contribue para esclarecer a paremiologia brasilica,
pelo menos em algumas das suas variantes e versões
divergentes dos textos portuguezes.
E’, por exemplo, muito conhecido entre nós o
adagio:

Papagaio come o milho e periquito leva a fama


— 70 —

Equivale quanto ao seu sentido moral ao da


“corda que se quebra ou se rompe pelo ponto mais
fraco”. O periquito, por mais pequeno, carrega
com a responsabilidade do seu parente mais forte.
O adagio é evidentemente portuguez e não passa
de uma variante, (formada no Brasil provavelmente)
do antigo dictado tirado como muitos outros do
calendario e conhecido dos agricultores europeus:

“ Agosto tem a culpa, setembro leva a fama ”

e já registrado desde o seculo XVII na collecção


de Delicado e em Bluteau. Aqui é a referencia feita
ao mez que amadurece e ao outro que vindima o
fructo, e dahi a antiga variante mais expressiva:
“Agosto tem a culpa e setembro leva a fructa”.
A variante brasileira é tambem um facto da
agronomia pratica. E’ conhecida em Portugal porque
já nol-a depara o Anatomico Jocoso na Carta; que se
mandou aos brazis (seculo XVIII) nos seguintes
termos:

“Olha que assim o adverte Periquito naquelles celebres


versos:
— 71 —

Papagaio come milho,


Periquito leva rama,
Cada negro que é captivo
Vai falar á sua dama.” (1)

Nestes versos ou em alguma cantiga brasileira


que os continha, é que achou o proverbio o autor do
Anatomico.
Parece, apesar das formas exteriores
portuguezas, fundar-se num dos Jisabú angolenses
que fala da ave conhecida pelo nome de mbembe que
tem, aqui no proverbio, os mesmos percalços do
periquito. Diz assim:
Fuma riafumánêna o mbemba,
Mbemba kasubê kilende

Ou, portuguezmente:

A fama deu fama ao mbemba,


(mas) o mbemba nem comeu um cacho.

E’ a mesma fama do periquito que não comeu o


milho. Não é de extranhar que pudesse esta ou

————
(1) E’ provavel erro a palavra rama em l ugar de fama. Esse
trecho foi publicado nos excerptos do Anatomico Jocoso da Bibl.
Univ. X, 40, pg. 124.
—72 —

outra variante do proverbio negro determinar a


versão brasileira, já indicada por antecedentes da
paremiologia portugueza. Se não foi a origem foi
pelo menos um elemento de suggestão ou de
consolidação do adagio americano.
Para não sahir ainda do Jisabú angolense, ha
outro proverbio ou antes modismo negro que corre
no Brasil e talvez em Portugal:

Macaco não olha p’ra seu rabo

que é como quem diz “do que tem a trave no olho e


só enxerga o argueiro no do visinho”. Em kimbundo
o texto é o seguinte nas duas variantes:

a) O hima katale o mukila uê


b) Hima kataliê ku mukila uê
J ISABÚ n. 11 (pg. 29)

Que se traduz literalmente:

(1)
Macaco não-vê rabo seu

————
(1) As duas variantes quasi não differe m entre si. A pri mei ra foi dada pel o
Dr. Saturni no e Cast ro Francina e a mbas pelo autor do Jisabú.
—73—

E’ talvez difficil dizer se foi o proverbio africano


o antecedente e fonte do dictado usual. E’ possivel
tambem que os negros o aproveitassem
e traduzissem em seus dialectos; mas esta ultima
hypothese é seguramente a que mais repugna
acreditar.
Em qualquer caso, a semelhança é tão flagrante
que se não póde recusar a identidade de origem.

P. S. — O Jisabú de Angola é uma collecção


publicada por Jakin ria Mata (Joaquim da Mata),
luso-africano. Ed. de Lisboa, 1891.

————
DITOS HISTORICOS
Para inglez ver. E outros modismos e expressões
hist oricas e politicas.

Frases e ditos politicos são muito numerosos,


mas pouco interessantes. Nascem, grangeiam
immediata popularidade e logo desapparecem. A
camara dos servis de Silveira Martins, a confraria
dos pedintes do senador Zacharias, e outros
epithetos, de vez em quando renovados sob aspectos
varios, divertem a galeria por algum tempo,
prestam-se á caricatura, mas têm vida precaria e
ephemera.
Mais tempo que essas durou o euphemismo da
indecisão calculada e marombeira no modismo —
ficar na espectativa sympathica — attribuido a um
antigo parlamentar, a Barros Pimentel, o velho.
Ainda volta á vida, com a volta tambem frequente
das attitudes dubias.
— 76 —

Sob a presidencia do marechal Hermes tornaram-


se proverbiaes o chaleirismo. No tempo da abolição
os negros criaram o modismo da egualdade social:
tão bom como tão bom.
Seria inutil esboçar aqui um catalogo esteril em
que entrassem o fico! de Pedro I, o quero já!
ou o já sei, já sei, de Pedro II e outras antigualhas
mais ou menos historicas que se não repetem mais.
Não pertencem á linguagem popular.
Uma frase, porém, de origem politica conseguiu
vulgarisar-se com longa persistencia. Parece agora
ser um modismo definitivo:
— Para inglez vêr!
Diz-se — para inglez vêr — de todas as coisas
que, se fazem ou não se fazem, como só o intuito
da apparencia ás vezes necessaria.
Não é só o vicio do exhibicionismo, a boa parte;
mas é tambem a contingencia de apparentar
alguma actividade util.
Para inglez vêr — é, em summa, a hypocrisia
da acção.
A frase nasceu em outros tempos. Desde o
tratado pelo qual a Inglaterra reconhecia a nossa
— 77 —

independencia, tomamos o compromisso de abolir o


trafico dos escravos negros.
A verdade é que jamais cumprimos a clausula
abençoada; da costa da Africa para o Brasil os
negreiros continuavam a transportar, ainda mais
do que nunca, os miseros filhos das selvas africanas.
Sem embargo da vigilancia dos cruzeiros
inglezes, empregavamos com exito e audacia todos
os sophismas.
Eram, por isso, frequentes as reclamações,
asperas e fortes, do governo inglez. Os nossos
governos conniventes no crime, tomavam medidas e
providencias fallazes, simulavam interesse pela
causa humanitaria e expediam decretos e avisos...
para inglez vêr, como se disse logo.
Ninguem acreditava na efficacia desses
expedientes — para inglez vêr — arrancados á nossa
fraqueza, quando os olygarchas e politicos eram
elles proprios senhores de engenho do norte ou
fazendeiros do Sul, interessados na escravidão.
Até Eusebio de Queiroz que, em 1850, com
energia tornou effectiva a repressão do trafico,
tudo quanto se fizera fôra... só para inglez vêr.
Outra explicação damos no Index.
SUL =AMERICANISMOS
Vocabulos sul-americanos: — Um de
Inhapa.Chacara. Tocayo.

Temos já em nossa literatura um volumoso


registro de vozes brasileiras, (1) e, apezar de algumas
incertezas e inevítaveis lacunas (2) poderemos em
breve, talvez na data do centenario, apresentar

————
(1) Os vocabularios de Baurepaire Rohan, Costa Rubi m. Coruja,
A. Taunay, C. Teschauer, Romanguera, R. Garcia, Chermont, R. Magalhães
Pereira da Costa, Ermelino Leão, Amadeu Amaral, representam a
bibliographia mais ordenada e systematica.
(2) Falta m-nos os lexicos da região central mi neira, do S. Francisco e do
extremo oest e Goyaz e M atto Grosso, que conhece mos por fragmentos
insufficientes e informações i ncompletas. Não menos sensivel é a ausencia
n’esses registros das vozes germanicas, slavas e
italianas, correntes na região meridi onal, e, (é possivel acredi tar), de
alguns vocabulos arabes da numerosa colonia syria esparsa pel o
Brasil.
No Paraná, mascates estrangeiros em seus negocios ambulantes
vendem dedaes sob o nome de pequerruchos; o vocabulo é evidente
mente allemão: — fingerhut. E como este deve haver outros exemplos de
nacionalização de vozes germanicas nas cidades do sul.
— 80 —

um lexico de brasileirismos, se a Academia


Brasileira conseguir realisar a empresa que desde
alguns annos tomou a hombros, sem embargo de
involutarias e demoradas interrupções. (1)
Não só temos enorme riqueza vocabular de
varias procedencias pelo contacto de aborigenes,
comquistadores e advenas, mas ainda criamos por
derivações successivas, pela invenção de
(2) (3)
neologismos literarios e scientificos um
thesouro consideravel de vozes e de frases.
Comtudo a par desse movimento incessante
cumpre estudar, discutir e discernir o que parece me
lhor ou mais adequado, mas sem resistir inutilmente
————
(1) A tarefa da Acade mia é nat uralmente de morada e discreta;
só entram no peculio acade mico as vozes abonadas por textos de
auctores nacionaes; muit o prudente mente não aceita lista de termos
e expressões á mercê das faculdades inventivas dos collectores.
Os livros brasileiros constituem as fontes de abonação e auctoridade; e
neste sentido a Academia organiza a planta dos auctores e das obras
que devem servir á col heita do diccionari o. Ent retant o será i nevitavel
como coroamento do trabalho realisado aceitar e registrar o vocabulario de
uso vulgar sem exemplificação nas obras literarias.
(2) Por exemplo, os neologi smos propost os por Cast ro Lopes, dos quaes
alguns tem j á largo uso: convescote, protophonia, nasocul os, ancenubio,
lucivel o, etc.
(3) Neol ogismos scientificos ou technicos: Syllogeo proposto por B.
Ramiz Galvão; necroterio, pelo Visconde de Taunay; satellites (do
diamante) por T. Gorceix. N’esta especie contribuição valiosa é o
Diccionario de Terminologia medica — de Placido Barbosa, e varias notas
esparsas de differentes auctores.
— 81 —

ao uso que dirá sempre a ultima palavra.


— Jus et norma loquendi.
Pareceu-nos thema de interesse e curiosidade
investigar nas suas origens alguns brasileirismos
correntes que offerecem margem a glosas,
confrontos e paralellismos pouco conhecidos.
Veremos alguns casos curiosos de expansão sul
americana em vocabulos que transpuzeram os Andes
e de um oceano a outro, chegaram ás nossas plagas.
Esses têm já situação definitiva.
O Rio Grande do Sul é como uma porta aberta á
lingua franca dos hispanos americanos.
Antes de abrir-se já havia penetrado varias vozes
dos amerindios, como Copacabana e outras.

Inhapa

No Brasil meridional do Paraná ao Rio Grande


do Sul é conhecida e familiar a expressão

Um de inhapa

que quer dizer um a mais, alguma coisa de crescença


que dá o vendedor aos que compram. Uma
— 82 —

— québra — assim tambem dizemos, do que vae


fora de conta em concessão gratuita.
A palavra — inhapa — tem grande extensão de
uso na America do Sul. E’ conhecida em Colombia,
no Peru, em Chile e nas regiões platinas.
No Rio Grande ha variantes em Romaguera e
Teschauer — inhapa, nhapa, anhapa, ajapa e jâpa:
“Isto vae de japa ou de nhapa (i. é, de mais e como
presente)”.
Romaguera diz que a expressão é azteca e
explica a razão: os mexicanos aos compradores de
cacáo costumavam dar uma certa quantidade do
producto, a qual chamavam de anhapa.
Esta explicação não tem fundamento algum nem
está abonada em escriptor ou autoridade de peso.
Devemos consideral-a sem valor e inaceitavel.
Os philologos sul-americanos que podiam melhor
dizer do assumpto, nada allegam em favor de tão
remota e gratuita etymologia, cuja fonte Romaguera
cala e não podemos descobrir. Deve ser falsa.
Rufino Cuervo registrou a forma — ñapa — na
linguagem de Bogotá. Entretanto, a mais geral
— 83 —

entre hispano-americanos e que deu entrada no


diccionario da Academia é — llapa — (lhapa).
E’ evidente que o vocabulo entrou pela fronteira
do Sul. A origem assignalada em Cuervo é a mais
geral, a de vocabulo quíchua, dada a extensão desde
o isthmo até o extremo da America meridional.
O etymo quíchua é — yápana —.
Essa etymologia que tem por si a historia e o
testemunho colonial, é aceita por todos; os proprios
que a combatem não offerecem grandes recursos de
argumentação. Assim vemos combatel-a F. de Solar
(nos seus Reparos al diccionario de chilenismos, de
Zorobabel Rodriguez) a proposito de Yapa por —
llapa, que é, diz elle, a forma vernacula.
Sem duvida os castelhanos admittiram — llapa
— mas não é palavra “castellana de buena estirpe”.
E’ um americanismo.
Os espanhoes tomaram-na aos “peruleros” de
volta á metropole (1) n’um sentido especial, de

————

(1) Peruleros eram os espanhoes que voltavam das minas do Perú, gent e
rica e americanizada. O mesmo se deu em Port ugal que chamava
brasilei ros os portuguezes de t orna-viagem. E ai nda é uso actual,
— 84 —

termo de mineração, definindo-a, segundo a


Academia:

“Llapa. Azougue que en las minas del Peru se añade al


mineral argentifero para facilitar el termino de su trabajo en el
buitron”.

E’ uma expressão technica; os mineiros


tomaram-n’a do sentido vulgar, pois que a llapañ
era uma achega, em pequena quantidade, que se
ajuntava ao minerio para almagamar a prata.
Nem no sentido especial do vocabulo americano
faltavam vozes á lingua espanhola: adehala, por
exemplo (do arabe adejala) como não faltam, tão
numerosas são, no portuguez: quebra, crescença,
gages, propina, etc.
Em nosso proprio paiz, no Rio Grande
concorrem com nhapa duas outras expressões
brasileiras: mota e vendagem, com o sentido de
augmento ou presente dado ao comprador: p. ex.
quanto me dá de móta ? quanto de vendagem ?
————
Os Peruleros e brasileiros volta m com ri quezas e vocabulario novo: e
não é de mais que provoque m a expl oração e a ridiculez. A ci vilização
crescente da America vae attenuando esses ri scos eventuaes, cada vez mais
raros.
— 85 —

O ultimo vocabulo é do norte do Estado, como


affirma Romanguera. (1)
Yapa tem igual significação de quebra,
molhadura, emolumento, gracioso, em todos os
lugares da America do Sul.
Ciro Bayo registra essa voz sob a forma yapa
para Chile, Bolivia, e Peru e ñapa para Colombia, e
mais o verbo popular yapar de comprehensivel
derivação. Eis alguns exemplos tomados ao seu
Vocabulario criolo:

“A fulano le robaron el reloj y de yapa el ladron le dio


una paliza.”
— Um chico va a comprar algo á la tienda, y el mercader,
para tenerle por parroquiano (freguez) le da un juguete ó un
dulce de yapa.

Quanto á derivação verbal, os exemplos são


igualmente caracteristicos:

“Yápe me usted el plato” pedindo augmento da ração.

————
(1) O sentido vulgar de móta é o de aterro, achega de terra e n’esse caso
teria o seu signi fcado soffrido a mesma translação do latino exaggero
(Exaggerare, fazer montões de terra) com a idéa expressa de augmento.
— 86 —

Don Daniel Granada no seu — Vocabulario Rio-


platense — tambem exemplifica:

— Una chinita en una pulperia (venda): Media libra de


yerba (mate) y una cuarta de azucar... Ahora deme la llapa.

Fica assim determinada a zona geographica do


vocabulo que abrange todo o continente meridional.
— Na literatura popular e no estylo dos
descantes inspirados na mesma fonte, a expressão
achou acolhida e agazalho.
Vem a proposito os lindos versos, que o
vocabulario repete, do poeta platino Acuña de
Figueirôa.
A’ quien más corre apostó
Tres besos Juan con Sofia.
Aquel la apuesta ganó,
Mas los besos que perdió
Ella, pagar no queria.
E’l por fuerza, finalmente
El primer beso le atrapa;
Mas el segundo y seguiente
Los pagó ella mui corriente
Y encima... le dió la llapa. (1)

————
(1) Apud. — D. Granada — Vocabulario Rioplatense razonado, 61 — 262.
— 87 —

As formas brasileiras são mais aproximadas de


yapa e ñapa (inhapa) que parecem menos puras, mas
sem razão, a Don Daniel Granada.
A forma castelhana llapa é, ao contrario, a mais
corrompida.

Chacara

Outro brasileirismo sul-americano é a palavra


—chácara — mais conhecida e vulgar no sul do
paiz. (1)
Corresponde a — sitio — nas terras do norte,
pequena lavoura, granja, quinta ao pé das cidades e
povoações.
No Rio de Janeiro é a designação geral das

————
(1) Não se entende e nada te mos que ver com a palavra tambem
conhecida e vulgar — chacara — esp. jácara, romance em verso, cantiga,
de origem i ncerta.
As chacaras ou quintas de recreio vergeis ou pomares correspondem a o
typo de habitação campestre a que na India os inglezes dão o nome de
compound. Este vocabulo anglo-i ndiano não est á bem averiguado quanto ás
origens a ha quem o supponha uma deturpação asiatica do port uguez campo,
campinho e campanha como se vê um pouco ad libitum. Veja-se o Hobson
Jobson 240—243, onde figuram varias etymol ogias propost as. Na Influencia
do Vocabulario portuguez em linguas asiaticas Monsenhor Dalgado fez
apenas um breve registro sem interesse especial.
Sob certos aspectos e em alguns casos a chacara do Rio de Janeiro
lembra tambem o bungalow angl o-india sem a sotéa ou terraço superior.
— 88 —

habitações convisinhas do centro, que têm largo


terreno de horta ou de arvores fructiferas.
A expressão não existe em Portugal. E’ voz
americana que se dá por derivada do quíchua; e, em
verdade, é largamente conhecida em quasi toda,
senão, em toda a America do Sul.
Já na antiga obra de Oviedo (seculo XVI) vinha
registrada e explicada no glossario.
Azara dizia das chacaras que “eram tierras de
labor”; chaçra, é o termo adoptado no Codigo Rural
de Buenos Aires (apud. Granada, op. c.).
Da generalidade commum apenas se discernem
algumas distincções locaes.
Ciro Bayo entende que chacara é um derivado de
chaco terras desertas ou desmontadas, rasas, sem
floresta, do guarany, o que é evidentemente coisa
contradictoria e absurda. O habil compilador é mau
etymologista.
Chacara é o terreno plantado, horta ou quinta, de
legumes ou de fructos, e de nenhum modo deserto,
ou banhado sem vegetação frondosa e luxuriante. E
demais, o guarany não levou o seu influxo a tão
remotas regiões do continente.
— 89 —

A palavra ou é européa ou da região andina,


attenta a sua enorme generalização nas duas grandes
vertentes oceanicas.
Ciro Bayo expõe os termos em que se deve
entender o vocabulo:

“Al salir de los pueblos americanos se hallan: 1.º las


quintas que son de una cuadra cuadrada; 2.º las chácras de
cuatro; 3.º las estancias de muchas cuadras e aun leguas”.

E adverte discretamente que sem envolver


precisão absoluta, isso dá uma idéa razoavel do rus
americano.
Dos tres termos só usamos familiarmente os dois
ultimos, no Rio e no sul (chacara e estancia).
E’ provavel que fosse introduzido no Rio desde
os tempos coloniaes quando se tornaram frequentes
as relações com os povos do Rio da Prata.
Já em Ayres do Casal e em Pizarro (Memorias
historicas) achamos numerosas referencias ás
chacaras que circumdam a cidade. Falando das
aguas dos morros de Mata-cavallos (Santa Tereza)
dizia Pizarro que d’elles
— 90 —

dimanam certas porções de agua que se


conservam entranhadas nos sertões das jacras
particulares.
Memorias, VII—63.

E ainda outras vezes.


Pizarro dizia jacra e jacreiros (ibid., pg. 95: “os
jacreiros do Brasil”) prosodia e forma agora obsoletas.
Dizemos chacara e chacareiro. (1)
Se a palavra — chacara — é de origem americana e
quîchua, não o sabemos com absoluta segurança, apesar
do consenso unanime dos americanistas e lexicographos
e das variantes que se estendem até Costa Rica, segundo
o testemunho de Rodolfo Lenz (Dicc. etimol. de voces
chilenas, s. v.).
Essa mesma extensão geographica parece inculcar
talvez a origem europea do termo.
Por mim mesmo, e sem responsabilidade maior,
achei que era possivel derival-a do arabe, embora não se
encontre o vocabulo nos registros literarios europeus da
peninsula. Não é menos certo, porém, que Freytag
consigna a expressão arabica xagra

————
(1) E’ possivel achar documentação mais antiga, mas não pesquizamos
neste sentido.
— 91 —

definida como lugar de arvores, arvoredos


(arboribus abundans terra) ; a variante americana
chagra com o sentido de campo lavrado, de arvores
fructiferas parece muito proxima do arabe e podia
ser trazida pelos colonos e conquistadores do sul da
peninsula ou talvez da propria Africa do norte
marroquina ou septense.
Eguilaz y Yangas no seu glossario de vozes
orientaes, tratando do vocabulo cigarral, aponta
igual etymo — cachrá — que em verdade offerece
accentuação tonica diversa.
E’ possivel que jacra (esp.) forma persica-xacar-
correspondente á arabica-çucar (açucar) tenha
designado as pequenas lavouras da canna na
America, e d’ahi se origine a palavra.

Tocayo

E’ um brasileirismo conhecido nas regiões do sul


e tambem em toda a America espanhola.
Tocayo é o individuo que traz o mesmo nome de
outro.
E diz-se de entre ambos, que são tocayos.
E’ um puro castelhanismo de origem curiosa e
— 92 —

pittoresca como iremos vêr, e que entrou na


linguagem regional riograndense pelo contacto das
gentes fronteiriças e gaúchas.
Tinhamos todavia e temos ainda; em todo o
Norte o vocabulo familiar em quasi todo o Brasil —
o chará — que diz a mesma coisa e deriva do tupi-
guarany.
A lingua portugueza não possue vocabulo algum
que corresponda aos dois americanos, a não ser o
termo hellenico: homonymo.
Chará, o individuo que tem o mesmo nome do
outro, é um composto de xe-hera, xerera, que
significa literalmente o “meu nome”. (1)
Baptista Caetano explica-nos essa agglutinação
frequente dos nomes verbaes indianos, tupis e
guaranys; che é um pronome paciente ou obliquo
chará = che hera, = me dizem assim, me chamam.
O caso de — tocayo — castelhano apresenta uma
curiosidade historica digna de nota.

————
(1) Este xe ou chê apparece e m outros brasileirismos xe-rim-babo =
minha criação, isto é, aves do terreiro, ani maes domesticos. E’ usual no
extremo Norte.
Ahi, diz-se, chêro chêra; xará mais ao sul com a variante xarapim no
litoral e no interior. Não differe m essencialment e pela forma nem pel o
sentido. “João é meu xará ou xarapim”.
— 93 —

Coisa razoavel e de extrema simplicidade seria


derivar tocayo — do verbo — tocar — pelo sentido
de contacto entre duas coisas e pela união,
semelhança e homologia de dois nomes. E’, todavia,
forçada a hypothese.
Mas, uma etymologia anecdotica, que tem por si
a autoridade academica, não póde aqui passar em
silencio.
A formula do casamento romano era dita pela
mulher ao receber o marido:
Ubi tu Caius, ego Caia. E como a mulher recebia
para sempre o nome do marido, o — tu Caius — ou
— tocayo — passou a significar o homonymo.
Ha mais poesia que verdade n’essa derivação um
pouco insolita.
Leiamos um trecho de Clovis Bevilaqua nos seus
— Estudos Juridicos — que esclarece a formula
romana:

— “Conta Plutarcho que na solemnidade do casamento


romano, era costume pronunciar a mulher: Ubi tu Gaius, ego
Gaia.
“Não se sabia bem a significação desta frase. No emtanto
na solemnidade do casamento reli gioso, se ia repetindo,
inconscientemente.
“Mas, quem leu os livros brahmanicos, sabe que a
— 94—

mulher era considerada na India, como daya, porque, dizem os


livros sagrados, parece que o homem nasce n’ella uma
segunda vez.
“Naturalmente os romanos haviam perdido o sentido
d’essa expressão que não obstante sobreviveu com uma forma
que se approximava da latina”. (1)

Se o — tocayo — castelhano provem da antiga


formula tu Caius em reminiscencia fragmentaria do
brocardo latino, não é singularidade extranhavel. Em
nossa lingua não escasseiam dizeres derivados de
latinorios populares: Codorio (quo ore) e, uma tuta e
meia (segundo conjectura nossa (juven) tutem
meam) palavras ouvidas na missa.
Passe a conta de recreação etymologica que por
vezes é a etymologia sciencia jovial, pueril e
divertida.

Engambelar

Nas linguas de formação mixta e recente como as


da America civilizada não raro offerecem as
palavras, na sua transparencia historica, quando

————

(1) Estudos Juridicos, 63-64.


— 95 —

aprofundadas, certo colorido de fantasia e de


superstição que lhe empresta as origens barbaras
donde procedem.
Pouco importa a obliteração de sentido
consumada pelo tempo, e ainda mais pelo abuso da
abstracção que é propria dos povos cultos. A
sensibilidade intensa das raças primitivas, ainda
quando caldeadas pelo cruzamento, não, se extingue
de todo, deixa perennes vestigios nas suas
transformações inconscientes.
No Brasil, esses strata de formação, ainda
recentes, facilitam a pesquiza a quem quer que os
examine.
Eis um exemplo caracteristico.
Engambelar é um vocabulo que supponho estar
hoje inteiramente vulgarizado na porção mais
conhecida do Brasil.
Vale o mesmo que enganar, seduzir ou illudir por
algum processo secreto ou por meios occultos,
habeis — Engambelar os tolos; engambelar as
crianças. Engambelar com promessas etc. são frases
em que melhor transparece o uso commum da
expressão. Ha sempre malicia e astucia no
engambelar. E’ uma arte por vezes difficil.
— 96 —

Não é palavra portugueza e como não está


registrada nos glossarios do extremo norte e do sul
do paiz (1) é provavel que a sua area de uso não
exceda a região onde se estabeleceram em maior
numero as estirpes africanas importadas pelo trafico.
B AUREPAIRE ROHAN registra o termo engambelar
com o sentido exacto de “embelecar, embalar com
esperanças vans, com caricias, com dadivas e outros
meios de que se póde tirar proveito para attrahir a
confiança de alguem”.
Define bem o termo, como se vê, mas não lhe
descobre a etymologia, a que discretamente não
allude.
Desde logo a area de uso conforme fixamos
acima, correspondente á do antigo Brasil e da
lavoura tropical, e a verificação facil de que a
palavra não é indigena nem portugueza, induz-nos a
acreditar que se trata de vocabulo africano.
Indigena não póde ser; as linguas de indios não
tinham, em geral, a articulação e o som l que

————
(1) Engabelar ou engambelar não figura no vocabulario riograndense ( o
mais complet o) de Romaguera, nem no Glossario paraense de Chermont de
Miranda. Parece t odavia que no ext remo-norte tambe m se diz engrambelar,
expressão provavelmente levada das regiões visinhas, onde a população
escrava foi mais numerosa.
— 97 —

aparecem na expressão e nas suas variantes:


engabelar engambelar e engrambelar e derivados.
Instituida a pesquiza no dominio linguistico
africano, achamos de facto a verdadeira origem da
palavra.
Entre os negros de Loanda (e muitos e
numerosos migraram d’esta região) ha uma especie
de adivinhos, espertalhões e astuciosos que enganam
os mais parvos: é o Ng’-iimba (pron. inguimba).
Falam com voz aflautada como tomada aos
espiritos com que se communicam. O officio é
rendoso e aquelles velhacos são sempre procurados
para a sua arte, como, dizem lá, de nguimbular (1)
para descobrir furtos aventar conselhos ou fazer
qualquer adivinhação.
E’ claro que elles vão inguimbulando os mais
parvos e os que caem na rede varredoira d’esse
embeleco.
E’ uma santa ladroeira muito acreditada pelos
que tem as bossas tortuosas da crendice do
sobrenatural.
————
(1) Jorge de Lucena n’uma noticia de Angola: “Sempre que os meus
affazeres m’o permittiam eu ia assistir ao ng-’imbular (adi vinhar) e nunca
me aborrecia de os ouvir” Cf. o dicc. ki mbundo de Cordeiro da Matta, 122,
s. v.
— 98 —

O povo negro, todavia, conhece que os officiaes


dessas maroteiras não fazem, como os santos de casa
milagres para si proprios.
Assim é que elles dizem n’um proverbio sceptico
que: “os inguimbas ou inguimbuladores não
adivinham para si, nem os curandeiros curam as
suas proprias doenças”.

Ng’imba Ra rimbi, ngamga ie ’mbanda Ra risaké (1)

A superstição apesar de ser catholica e universal


tambem tem os seus herejes.
O inguimbulador é artista de canto; procede
sempre cantando “com uma voz muito fina, e
esganiçada”, no acto de nguimbular.
Ora todos estes mysterios ambundos e
kimbundos vieram com a escravidão para este
contra-mar da America.
Não póde haver duvida que o engambelar é o
mesmo inguimbular dos pretos angolenses.
E’ provavel que no Brasil, ouvindo os negros o
termo enganar logo lhes occorresse a expressão
nativa muito mais energica e comprehensivel.
————
(1) Na o. cit. de Cordeiro da Matta, 123.
— 99 —

Parece-me que foi principalmente applicada no


trato mimoso das crianças pelas suas amas negras,
por que só se inguimbula cantando, quando não se
canta para inguimbular. (1)

————

————
(1) O deus ou espirit o que revela ou adivinha segredos é em al guns
lugares o Ngombo por meio do seu servo ou sacerdote e feiticeiro Mukua-
Ngombo. Ta mbem se diz ku-zambula = adivinhar.
JAVEVO’
Javevó — é um nome que parece conter uma
frase inteira.

A expressão popular — javevó — é um brasileirismo


de grande area geographica.
Affecta sentidos varios, aqui e alli, em S. Paulo,
Minas, Rio. E’ o javevó um homem alto malajambrado,
mal vestido, e o que lhe é peculiar, sempre de grande
estatura.
A essa especie de gigantes o povo dá os varios
epithetos de galerão, galalau, manguari, João Grande,
mangagá e gerivá.
E’ uma serie de termos na maior parte facilmente
explicaveis e que se differençam por leves matizes de
significação.
O mangagá é o nome de um vespão ou maribondo
grande, no guarany mangangá (que definem “abeja
cimarrona” no Rio da Prata) e é designativo
— 102 —

no norte do Brasil de pessôa ou coisa grande e


monstruosa.
João Grande e Manguari (magoari) são nomes
de aves pernaltas do sul. Gerivá procede de jarivá
gerebá, juravá nome commum a algumas especies
de palmeiras indigenas. Vê-se que resultam aquelles
epithetos de simples metaphoras do uso popular.
E’ certamente mais obscura a origem de galalau
ou galerão que me parece vocabulo portuguez ainda
que não registrados nos lexicos ordinarios.
Não será difficil, acredito, lobrigar-lhe a
verdadeira origem que é do folk lore e da literatura
popular dos livros de cordél.
Este galalau não é mais que o galalão ou Conde
Galalão que anda nas lendas portuguezas como typo
de sujeito forte e aladroado, bandido temivel, terror
dos pequenos e fracos. Camillo referindo-se a um
dos companheiros de D. João de Castro dos que
mais se distinguiram na pirataria e roubo das naus
arabicas, diz:

Este Rui Gonçalves de Caminha foi um


ladrão muito celebrado a quem chamavam
por isso mesmo o Conde Galalão.
Raças finas — Trag. da India, .234
— 103 —

E’ já a confirmação do testemunho de autores


contemporaneos. (1)
Essa alcunha de Galalão tenho para mim que foi
tomada do famoso romance de Carlos Magno e dos
Pares de França, de leitura outr’ora e hoje universal
e de personagens como Ferrabraz e outros, ainda
vivos na memoria do povo. Galalão era um dos
cavalheiros gigantéos do imperador franco-romano,
de admiravel bravura mas que se deshonrou pela
traição e pela cupidez do dinheiro.
Galalão tornou-se o typo de bandido valente,
ladrão venal, avaro e cupido, temido pela força ou
pela gigantesca estatura.
E’, seguramente, o galalau, galalão ou galerão
do vocabulario brasileiro. (2)
Nesta serie de epithetos, resta averiguar a
etymologia de javevó que tomamos por epigraphe e
que se nos affigura de elucidação mais difficil.
Não é palavra portugueza nem africana; não o

————

(1) Fel ner — Subsidios para a Hist. da India portuguesa (Introducção).


O opusculo de Camillo anda apenso á ed. moderna de Corja (Lello, Irmão,
Porto).
(2) Seria normal o et ymo galera para galerão. A forma galalão, porem,
indica a verdadeira fonte.
— 104 —

parece pelo menos quanto se pode inferir dos


aspectos externos.
Tambem no tupi ou no guarany não conhecemos
radical que corresponda approximadamente áquella
forma.
E’, pois, um problema que espera solução
positiva. Em quanto não se depara a origem directa,
é licito aventar uma conjectura.
Imagino, quanto a mim, que é uma palavra do
dialecto infantil — javevó e é equivalente á gente
grande, alta, e sempre demasiado alta para crianças.
Ora ha uma trêta gymnastica popular que é
portugueza e brasileira, brincadeira meio barbara,
que consiste em levantar uma criança pela cabeça,
comprimindo as temporas, até á altura de uma
pessoa grande, para ver vóvó, segundo dizem.
As formulas usadas são as seguintes:
— Vamos ver vóvó! Já viu vóvó!
Entendo que por esse motivo um individuo muito
alto é um — já-viu-vóvó — ou abreviadamente um
— javevó.
O termo infantil passou á linguagem corrente,
como alguns outros que arguem a mesma origem.
— 105 —

N’este caso, javevó é a condensação de uma frase


mediante um processo que não é raro aliás na
linguagem commum (idolatra por idolololatra;
bondoso por bondadoso) e é frequentissimo no
linguajar das crianças.

————
MACACO VELHO...
Frase brasileira proverbial: Macaco velho não mette a
mão em combuca. Suas origens provavei s no folklore
americano e aryano.

O Padre Correa de Almeida, poeta satyrico,


conta-nos como este proverbio popular deriva de
uma historieta conhecida que seria inutil reproduzir.
A simplicidade e graça natural do conto parecem
justificar a verdade ou a verosimilhança da origem.
Certos caracteres extrinsecos denunciam todavia
um duplo influxo indiano e europeu, a que a
imaginação mestiça ajuntou alguns traços originaes.
Pelo menos é essa impressão que se colhe da
analogia de outras historias de animaes, aqui
conhecidas.
— 108 —

O caso é o de uma dessa experiencia obtida pelo


macaco (Jacaré ou raposa em outras versões) por
haver roubado a gaita do jaboti. Este exerce uma
vingança e desforra tremenda com apertar
horrivelmente a mão ou o dedo do inimigo voraz por
uma engenhosa tortura da inventiva do animal:
omumuri xiquara pé com mel de páo. (1)
Essa lenda tupi é assaz conhecida.
A conclusão é que a raposa experimentada (o
macaco velho) não metteria mais o dedo ou a mão
em combuca.
Nas versões communs a raposa é substituida
pelo macaco que quasi sempre é um typo de finura e
astucia no folk lore africano, muito disseminado no
Brasil e em contacto e contaminação com as nossas
historias populares.
Já até agora teriamos notado esse colorido
indigena, se no fundo da nossa imaginação e da raça
em grande proporção de sangue ayano e europeu não
jazesse latente a fabula do Grou que parece um dos
elementos essenciaes d’essa historia, e talvez o mais
significativo.
————
(1) Em pormenores, o cont o do Kagado e o Jacaré apud. Silvio Romero
— Contos populares 5.ª edição pg. 275, e ahi mesmo a variante e versão de
Couto de Magalhães, relatam a mesma hist oria.
— 109 —

Para o Grou na fabula esopiana foi-lhe grande


risco metter o bico e pescoço pela guela do lobo que
lhe recusou a paga e salario, fazendo notar, que não
era cousa pouca haver o piedoso medico escapado
com vida.
O grou naturalmente recolheu essa experiencia,
como, na nossa historia, o macaco, com a combuca
traiçoeira.
A fabula do Grou já se encontra na India, é o
Javasakuna Jataka do budhismo em que em vez do
lobo figura o leão.
Na Europa appareceu pela primeira vez na
collecção esopica de Demetrio de Phaleron (300 A.
C.) e d’ahi se vulgarizou por intermedio de Phedro
(I, 8) Romulo (I, 8) e de todos os fabularios
posteriores. (1)
A reflexão dos fabulistas é sempre a mesma, a
difficudade de se safarem do perigo os que ousam a
aventura arriscada:
(2)
Impune abire... jam non potest.

————
(1) Donde, a frase proverbial: cair na boca do lobo. E era ditado grego:
“Fóra da boca do lobo” (ék l ykou stómatos). Pertence innegavelment e á
tradição d’essa fabula a versão e hist orieta contada por Herodot o (II, 68) do
Ichneumon e (os dentes) do Crocodilo.
(2) Phedro (I, VIII).
— 110 —

A combuca é uma especie de cuia alongada e de


dois corpos, um largo e outro menor e separado do
anterior por uma cintura ou gargalo estreito. Esse
aspecto material do fructo poderia suggerir o simile
e a adaptação da nossa fabula conhecida e popular
entre os contadores de historias.
Outra suggestão, a meu vêr, foi a do proprio
vocabulo cumbuca, do tupi cuiambuca e o caso seria
aqui um d’esses mythos verbaes que explicam a
origem e o desenvolvimento de muitas das historias
da tradição popular: Kuiãbuca buc, que não
queremos explanar.
Foi ao que nos parece, n’esse genero de historias
livres, o que succedeu a abacate. (1)
Quanto a kuiambuca ha outra expressão portugueza
tambem relativa a uma cucurbitacea que symbolisa a
virgindade da mulher. E ainda entre indios, como define
Barbosa Rodrigues no seu Vocabulario indigena,
kuiãbuca define-se como balde

————
(1) O abacate goza na opinião popular de propriedades aphrodisiacas. Aba-catu
(assim como catu-aba, tambem preconisado de identicas virtudes) não passa de
suggestão verbal. Referimo-nos a interpretação e equivoco a que se prestaram
aquelles nomes. O abacate não passa por indigena, mas Rodrigues Ferreira
encontrou-o nativo no Rio Negro, no seculo XVIII. Tratamos déssa questão no livro
Folk lore.
— 111 —

de jamacú (cucurbita) furado do lado do pedunculo;


serve para carregar agua ou guardar pequenos objectos
das mulheres”.
Não ha da nossa parte inclinação para historias
bocacianas, mas verificamos que essa tendencia é muito
commum e observada nas historias e anecdotas
populares. A censura, quanto a essa especie, só pode ser
formulada por pessoas inexpertas.
Em resumo, o risco de aventura perigosa (fabula do
grou), a experiencia ou a decepção, como relata a
historieta popular, ou a suggestão verbal do tempo em
que a lingua indigena era perfeitamente entendida e até
falada, poderiam em conjuncto explicar ou ajudar a
formação do proverbio. (1)
Recapitulando essas considerações, parece-nos que é
aceitavel a explicação da historieta contada pelo Padre
Correa de Almeida, como fundamento do proverbio,
pois que ella se funda n’uma corrente de ideas populares
reveladas no folk lore tupi e no aryano.

————
(1) Não é preciso recordar que ainda hoje o tupi é vul gar no Amazonas,
no tempo do autor da Poranduba era lingua popular no Maranhão, e em
seculos anteriores era-o em t odo o litoral do Brasil. No te mpo de Cardim a
capital da colonia tinha de população bra nca e negra menos da metade da
indiana.
TENHÊ=NHÊ
Tenhê-nhê. Parece uma onomatopeia.

Expressão de uso, nas regiões do sul, entre S.


Paulo e Paraná, é essa articulação nasal, exquisita e
vaga do tenhê-nhê, cujo sentido fugitivo é ao
primeiro exame difficil de precisar com inteira
exactidão.
Bem se vê que parece um termo do tupi-guarany,
do radical visivel em outras palavras communs e
conhecidas como o abanhênhê ou nhênhê-gatú,
nhengatu que designam as linguas e dialectos da
nação indiana que mais intensamente se misturou á
população dos conquistadores. E tambem parece
uma onomatopeia como tantas que occorrem na
colorida linguagem dos sertanejos.
Em um curioso romance de costumes do interior
paulista publicado em Guaratinguetá ha uns sescenta
— 114 —

annos (1) occorre frequentemente esse modismo ahi


popular, na boca dos caipiras.
Acreditamos que ainda existe no interior.
Eis aqui os textos:

— Ora o que fez elle, patrão. Encostou-me a boca


da fria (pistola) na cara, e em quanto o diabo esfrega
o olho, assim em ar de tenhen-nhen no masque...
coxilaria no capim.
Mysterios da roça, I, 104

Coxilar no capim ou ajoelhar no capim é morrer por


mão de assassino.

— Patrão, o emboaba (portuguez) ha de coxilar


assim em ar de te-nhen-nhen no masque... zas!
cozerei a fria sem achar uma espinha
Id. II, 45.

— Emboaba! em ar de tenhen-nhen no masque, a


coisada entra só sem achar uma espinha.
Id. II, 54.

— Veja lá... quero a menina.

————
(1) Mysterios da Roça por Vicente Felix de Castro. Guaratinguetá, typ.
commercial de V. R. da Fonseca. 3 vols. 1861.
— 115—

— E’ cá comigo, patrão! em ar de tenhen-nhen


no masque a pombinha cairá na unha.
Id. III, 90.

— Em ar de tenhen-nhen no masque mato


gente ahi por dez réis de mel coado.
Id. III, 88.

Estes exemplos que propositadamente


multiplicamos deixam deduzir sem duvida o sentido
que mais cabe á expressão.
Em ar de tenhen-nhen no masque indica o ar de
facilidade, negligencia, insensibilidade. Equivale a
“como quem não quer coisa alguma, sem falar nem
porfiar”. Ha ainda um cotejo que confirma esta
suggestão.
No Paraná o complemento da frase é um pouco
diverso. Diz-se: tenhê-nhê de balde a tôa com
identica applicação. (1)
Os radicaes etymologicos deixam explicita a
significação da palavra.
“— Tenhé (teñé) = que o diga; em tupi equivale a
tenhi (tenhé) = debalde (B. Caetano).
— Têi = sem causa, atoa, sem motivo. (Id.).

————
(1) Communicado pessoal mente por R. Pombo.
— 116 —

Assim temos o sentido integral de tenhé-nhen —


ou tenhi-nhen: com ar de quem nada quer,
atôamente, sem proposito feito. O complemento da
frase, como foi acima notado, no Paraná esclarece
inteiramente a procedencia e exacta etymologia do
modismo sertanejo. Os paranaenses ajuntam á
expressão tupi outras pleonasticas — a toa, debalde
— que a traduzem e a reforçam.
O romance Mysterios da Roça contem varios
vocabulos de uso entre os caipiras de S. Paulo e esse
mesmo do tenhê-nhê parece ser synonymo de outro
que lá se depara: em ar de caiapiá, tambem de
origem tupi (1) para mim ainda um pouco incerta, e
que examinarei em outra opportunidade.

————

————
(1) Expressões que occorre m nos Mysterios da Roça: gurumi (moleque),
ajoelhar no capim, coxilar no capim (já explicado) a casa de Ignacio
(cadeia; ou ce miterio?) em ar de caiapiá (encolhido?); estar no apá (seguro)
bater guasca (fugir á redea solta), no cotucum (no bol so ou na unha),
mascar fumo (ficar irado, zangar-se). Estas expl anações que rapidamente
deduzi mos do texto necessitam mais ponderado exa me.
Não encontro essas expressões no excellente — O dialecto caipira — de
Amadeu Amaral. Gurumi deve ser uma variante de curumim. Nome de
planta rasteira é caiapiá, mas não percebo o sentido da frase. São
naturalmente expressi vas. — mascar fumo e bater guasca; me nos o é
cotucum no sentido que lhe dá o romancista.
CALUNDÚ E KIJILA.
Calundú. Frase: Estar com os seus calundús.
Variante: estar de lundú. E’ de origem africana.

E’ frase de muito uso no norte do Brasil e diz-se


com as variantes: estar de calundú, estar com seus
calundús, e abreviadamente, estar de lundú.
Quer tudo dizer: estar de mau humor, calado,
abstrato e sem disposição para attender a quem quer
que seja. As pessoas por mais amaveis que sejam
tem lá suas horas de calundú.
E’ uma especie de spleen e de neurasthenia
plebeia, que do povo negro passou aos brancos.
A frase brasileira de origem africana, é já muito
antiga, porque no seculo XVII podemos vel-a em
Gregorio de Matos.
Os calundús que são hoje uma casta de achaques
precarios, eram e são no sentido proprio
— 118 —

acompanhados de cerimonias supersticiosas,


realisadas pelos negros, com danças e ritual bizarro,
qual nol-o descreve aquelle poeta seiscentista:

Que de quilombos que tenho


Com mestres superlativos,
Nos quaes se ensinam de noite
Os calundús e feitiços!

Com devoção os frequentam


Mil sujeitos femininos,
E tambem muitos barbados
Que se prezam de Narcizos.

Ventura, dizem, que buscam...


. . . . . . . . . . . .

Não ha mulher desprezada,


Galan desfavorecido,
Que deixe de ir ao quilombo
Dançar o seu bocadinho.

E gastam bellas patacas


Com os mestres do cachimbo
Que são todos jubilados
Em depennar taes patinhos.

GREGORIO DE M ATOS . — Obras, pag. 82.


— 119 —

E tambem se depara com o sentido mais


commum de hoje na poesia popular:

Vou criar minhas raivas


Com os meus calundús...
Para fazer as coisinhas
Que eu bem quizer.
(1)
SILVIO R OMERO — Cantos pop. 2.ª ed. pg. 64

Eis como era o calundú na Bahia. Um quilombo


ou ajuntamento de negros, que com feitiçarias
attrahiam ao seu supersticioso covil os desilludidos
e infelizes.
Dois seculos depois, em 1853, em soporifico
poema heroi-comico-didactico um prolixo poetastro,
o Dr. José Ferrari, tambem da Bahia, allude ao
inveterado costume.
Por jogo d’Afros calundús...
E NGENHEIDA, canto VI, pag. 230.

e escreve a seguinte nota assás interessante e que


elucida e explica o sentido da palavra calundu:
————
(1) Ta mbem occorre nos Estudos sobre a poesia popular do mesmo
Silvio Romero, pag. 344. Em nota aos Cantos define: Calundús, zangas,
aborrecimentos, effeitos de flato.
— 120 —

“ O que os pretos nagôs chamam Calundú é um supposto


qualquer santo de sua terra natal. Aquelles que dizem sentir
em si o Calundú, ordinariamente é por molestia conjuncta a
descontentamento, imaginação, superstição, etc., que tal
presumem. Qualquer molestia fisica desconhecida, e
sobretudo as affecções moraes, as attribuem ás vezes a
Calundús que entram em seus corpos. E como os que padecem
em seu captiveiro é mais natural que sintam a nostalgia, por
isso aqui os mostro d’ella affectados.
Canto VI, nota n. 6.

Em verdade o Kalundú dos nagôas ou jorubas ou


o Kalundú (plural Ilundu) dos angolenses é o deus
que governa os destinos do homem (1) ; é pois para
essa entidade sobrenatural que appellam os infelizes
e desgraçados christãos que por vezes se soccorrem
das superstições dos barbaros e de seus manipansos.
Tristes, nostalgicos, quasi mentecaptos,
conversam ás vezes os miseros negros com os seus
calundús.
Em um livrinho interessante sobre Costumes
angolenses, referindo-se ás danças do quizombo

————
(1) Veja o Dicc. Kimbundu-port. de Cordeiro da Matta, s. v. Kilundu.
— 121 —

que precedem os casamentos, diz Ladislau Batalha que


os pretos velhos n’estas occasiões se recolhem
silenciosos “porque creem que do recolhimento ao lar
provem a clareza e a solennidade dos pensamentos
inspirados pelos calundús benevolos” (1)
Baurepaire Rohan no seu vocabulario abona este
brasileirismo com a seguinte frase bem significativa:

“Não me importunem hoje, porque estou de calundú”.

Os pretos, quando com os calundús, não falam nem


tratam com pessoa alguma. Esse silencio, porém, tem
certa razão mystica. Acocorados a um canto de suas
choupanas flabellam o ar com o farrapo de uma
vassoura, resmoneando e resingando entre dentes
palavras incomprehensiveis.
Mas, além do calundú solitario havia-o solemne nos
ajuntamentos de pretos (como já o descrevia Gregorio
de Matos no seculo XVII), forma rude do seu culto
barbaro.

————

(1) Costumes Angolenses, pag. 51. Veja tambem Baurepaire Rohan — Dicc. de
vocab. brasileiros, 28.
— 122 —

Como, em geral, as doenças entre negros se


originam de espiritos malignos, feitiços, etc. não se
ha de extranhar a confusão que elles proprios fazem
entre as divindades e os seus males physicos.
Parecida translação semantica deu-se com o
vocabulo quijila que hoje significa horror, ira,
repugnancia, e era como é ainda, a dieta e jejum de
certas praticas religiosas dos negros. O negro que
está de kijila, o makua-kijila fica em estado de
incommunicabilidade, não fala, não responde. O
ethnographo Adolfo Bastian estudou essa curiosa
cerimonia dos negros.

————
MARAGATO
Maragato: hespanholismo da fronteira. Origens historicas na
peninsula iberica.

Todos conhecem hoje esse appelido de maragato


que se vulgarizou com os disturbios da guerra civil
de 1893-94. Maragatos eram assim chamados no sul
os rebeldes e inimigos da legalidade.
A palavra era já familiar na fronteira: maragatos
restrictamente eram os josefinos ou os habitantes da
região de S. José na republica Oriental do Uruguay.
Tornou-se synonymo de bandido, salteador ou cousa
parecida, e na linguagem commum do Rio Grande
criou um certo numero de derivados: maragatar,
maragatagem etc., palavras que envolvem a idéa de
rebeldia e ás vezes de latrocinio na guerra.
O nome é espanhol e provavelmente os antigos
— 124 —

habitantes uruguayos de S. José foram uma pequena


colonia de maragatos oriundos da maragateria, região
leoneza da peninsula iberica.
Na Espanha os maragatos representam uma sub-raça
de origem obscura provavelmente celtibéros ou
visigodos, ou mouros, na opinião discorde e
contradictoria dos autores. São por excellencia arrieiros
e tropeiros e os mais honestos da peninsula; vivem
assim como nomades, fazendo o serviço nas cidades do
norte, Salamanca, Astorga, La Coruña. Tem trajes
pittorescos proprios, os Zaraguelles nos homens,
especie de calças largas; nas mulheres casadas o chapeu
em forma de crescente el Caramiello é caracterestico. E’
famosa ainda a sua dança El Canizo, dos dias de festa.
Ignoro se esses costumes nativos observados na
Europa (1) ainda se conservam na republica visinha ou
na fronteira; é provavel que tenham desapparecido na
America, excepto o nomadismo radical

————
(1) Vejam-se as interessantes notas de R ICHARD F ORT — Gatherings
from Spain, cap. VII.
Derivados: maragateria (na Espanha a região onde habita a parte
sedentaria da tribu), maragatear, maragatagem, maragatice. Al guns
etymol ogos assignalam á palavra uma origem celtica, mare’kat = cavalgar,
andar a cavallo ou montado.
— 125 —

d’esta gente, e uma certa vaidade das suas origens,


como é o caso entre os beduinos do deserto africano.
Nenhuma fidalguia se compara á da honestidade
proverbial dos maragatos espanhoes.

————
MOFINA
Mofina — obliteração de sentido que resulta de
elementos varios. Superstição ligada á significação do
vocabulo.

Feição curiosa, e todavia vulgarissima, é a


alteração de sentido sempre cambiante com a
mudança do meio e habitat das palavras.
O primeiro dos nossos estudiosos que se occupou
das transformações do portuguez na America desde
logo apontou esse resultado inevitavel do transporte
do vocabulario de origem. Por vezes conservamos
uma palavra archaica (como Noruega, faceira) que
parece extranha aos da antiga metropole.
Não nos passarão despercebidos alguns d’esses
casos, quando offereçam materia de curiosidade ou
aspectos originaes e imprevistos.
— 128 —

Um d’elles é certamente o do vocabulo —


mofina — que achou singular destino e adequou-se a
nova expressão, sob o céo da America.
Do mesmo passo aos que estudam e investigam
etymologias não é raro presentar-se um ou outro
vocabulo que condensa, sob uma unica expressão,
como se fora uma frase, varios sentidos de origem
differentes.
E’ difficil n’este caso, e é uma das coisas mais
apraziveis (da especie de prazer que se concede aos
truculentos profissionaes da linguistica) descobrir a
multiplicidade de elementos que lentamente
compozeram a synthese das expressões d’aquella
categoria.
E’ precisamente o caso d’este brasileirismo
curioso — a palavra mofina — que no Brasil
adquiriu sentido novo derivado de uma locução; e
sob a mera forma de vocabulo encerra expressão
mais complexa.
Nas suas origens, mofina é palavra portugueza e
define-se como — desgraça, infortunio constante e
má sorte que parece perseguir os infelizes. —
N’esta significação especial corresponde
— 129 —

exactamente ao que chamamos — caiporismo —


segundo uma palavra nossa sobejamente conhecida.
Mas, passando ao Brasil, a expressão mofina
grangeou utilidades novas e começou a designar toda a
espécie de publicações anonymas, affrontosas, que,
segundo o nosso pessimo costume nacional, se
imprimem na parte ineditorial das gazetas.
Escrever ou pôr uma mofina, e mofineiro são já
vocabulos trivialissimos que se relacionam áquellas
aggressões da covardia.
Como explicar a passagem e transição de um sentido
a outro? Que razão moveu á escolha d’aquelle termo?
A aggressão anonyma não deixa de ser uma desgraça
como o significa a mofina portugueza e vernacula. Esta
analogia, porem, não basta, ao meu parecer, para
intuitivamente justificar a preferencia e adopção do
termo.
Os portuguezes que não estão familiarizados com
nosso vocabulario commettem erros e despropositos
quando se servem das nossas palavras regionaes.
A Virgem Guariciaba de Pinheiro Chagas é um
dos exemplos mais patheticos d’essa toleima que
— 130 —

ainda cultivam, entre nós, alguns rapazes que


architectam dialogos e põem absurdas palavras em
bocas brasileiras.
Esse mesmo vocabulo mofina já deu ensejo a um
malentendu entre portuguezes de cá e de lá.
Theophilo Braga, conhecendo imperfeitamente o
valor do termo brasileiro, applicou-o mal a
proposito de alguns artigos de Zeferino Candido e
Figueiredo de Magalhães, por occasião do terceiro
centenario de Camões, o que suscitou acrimoniosas
represalias. (1)
A mofina brasileira foi adquirindo com o tempo
uma enorme variedade de sentidos e applicações;
não é singelamente o artigo anonymo ou ineditorial;
nem é só o insulto, era mais propriamente (ou pelo
menos era o sentido primitivo) a denuncia de crime,
concussão ou rapina.
E este era o sentido antigo que estava no uso que
cá se fazia das mofinas, agora generalizadas toda a
sorte de aggressões e affrontas anonymas.

————
(1) Documenta m o facto os artigos reunidos sob o titulo Camões e os
Portuguezes no Brasil. Reparos criticos pelo Dr. Figueiredo Magalhães.
Rio, 1880, passim.
— 131 —

E’ facil verifical-o versando as antigas


collecções de jornaes e folhas periodicas.
A principio era um modo de denunciar falcatruas
e roubos, mórmente em partilhas e inventarios, em
negocios de dinheiros.
Nas folhas antigas inseriam-se os artigos, sob
uma assignatura que era sempre a preferida: — A
mão do finado. Repare-se bem na expressão.
Esta formula pseudonymica está hoje quasi
obsoleta; poucos e raros ainda a empregam; era,
porém, a mais commum e quasi a unica assignatura,
como o attestam os jornaes velhos.
E foi aquella locução que suggeriu a outra de que
nos occupamos.
— Ponha uma Mão de finado...
— Mão de-finado, com o tratante...
E assim, acredito, de escrever a mão de-finado
veiu o escrever-se a mofina por simples suggestão
verbal, tanto mais facil quanto o caso era de
amofinar e o vezo de repetir dias seguidos a
denuncia anonyma era bem uma mofina, para as
victimas.
Em conclusão, o brasileirismo mofina, ou antes,
o sentido especial que se deu ao vocabulo, no Brasil
— 132 —

proveiu da assignatura habitual Mão de finado —


que caracterizava outr’ora as publicações anonymas
d’aquella especie.
Não cabe aqui explicar mais extensamente o
valor symbolico da expressão Mão do finado. E’
uma superstição européa conhecida de ha muito: os
ladrões violavam as sepulturas por obter um braço
ou mão de defunto de que faziam talismans
protectores de suas ladroeiras. Todos os
criminalistas conhecem essa abusão e crendice que
voga ainda entre os seres mais degradados da
sociedade. D’ella falou o Padre Manoel Bernardes
na Nova Floresta (II, 242): “As bruxas e feiticeiras
apresentam-se de braços de defuntos: o qual dizem
que lhe serve de cirio ardendo, em quanto de noite
fazem o seu maleficio”.
Sob o titulo A mão do finado Theophilo Braga
colheu e recontou uma historia popular de ladrões e
bandidos que assaltam a casa de um mercador e
levam “pistolas, espadas e uma mão-de-finado” que
era o talisman conhecido (1).

————
(1) Revista do Minho, XIII, 1 — 4. E’ um conto popular que por
brevidade não transcrevemos.
— 133 —

A superstição é de toda a Europa; é a mesma da


Todtenhand dos allemães, e dos russos (1).
A Mão-do-finado acompanha as ladroeiras e
denuncia-as; anda, pois, associada ás antigas
mofinas das gazetas, na delação d’esses crimes.
Dessa convivencia e por mera suggestão verbal,
foi que naturalmente se originou o sentido novo
adquirido pelo vocabulo mofina no lexico brasileiro.
A palavra, pois, condensa e abrevia uma locução
ou expressão mais complexa.
Equivale a uma frase.
Não é somente a desventura ou mofina, forma e
idea primitiva, que explica a latitude, extensão e
emprego da palavra actual de uso no Brasil.

————

————
(1) Lowenstimm — Superstição e direito penal, trad. port. de A. Ansur. Porto,
1905; pag. XIII e 98; 119.
NEM A GANCHO
Frase de orige m e indole portugueza: Nem a gancho.
Archaismo. Anti ga legi slação portugueza.

Não é pela obscuridade, que não a offerece, desta


frase tão familiar e commum entre nós, que me
proponho aqui a estudal-a.
— Nem a gancho! é uma escusa com que se
indica a impossibilidade de reduzir qualquer pessoa
á boa razão ou de conseguir qualquer fim, por maior
diligencia ou esforço que se faça e empregue.
Parece uma metaphora ou um tropo, mas, bem se
vê, a curva ou espigão de ferro, embora na
extremidade de uma haste, é simbolo prosaico de
mais para significar uma flor... de rhetorica.
A frase tem sentido literal e concreto. Não é uma
figura, é a propria realidade, como se ha de vêr das
suas origens.
— 136 —

D’onde proveiu?
Como é muito usual no Brasil, pareceu-me a
principio exclusivamente nossa, desde a sua
etymologia.
Mas se é um brasileirismo de uso, não o é de
estirpe. Demos-lhe uma popularidade que não teve
na metropole e não transparece na sua literatura
burlesca e comica do outro tempo.
O Brasil poderia crial-a, não ha duvida.
Occorreu-me, á primeira vista, que se devia
achar a sua origem no costume de navegar a gancho
nos nossos grandes rios do norte, como é o caso e
unico recurso quando se sobe contra a corrente.
Então, só a gancho é que é possivel vingar o
impeto indomavel das aguas; e nada valem os
remos.
Em geral as embarcações que sobem aquelles
grandes rios evitam o canal e a força da corrente,
acostam-se ás margens e aos barrancos donde a
vegetação se debruça sobre as aguas; e os
barqueiros, em vez de remos, meneiam grandes
ganchos, forquilhas ou croques com que fazem
andar a embarcação.
E’ coisa sabida de todos.
Na sua Viagem pelo Tocantins attesta-o
— 137 —

Coudreau, quando escreve dos barqueiros: “Ils s’en


vont dans les bois couper les ganchos. C’est à
1’aide de ces instruments bizarres qu’on navigue”...
(pag. 14).
Outras abonações seriam escusadas.
Só a gancho ou a espias, podem subir as
montarias e as canoas, nos grandes rios do norte,
maxime no tempo das enchentes; e ainda assim, por
vezes não se póde quebrantar o impeto das aguas.
A expressão poderia ter-se vulgarizado, como
algumas outras oriundas do extremo norte.
Entretanto foi de Portugal que nos veiu esse
modismo popular.
Havia o costume portuguez e até a obrigação
antiga de prender gente criminosa a gancho.
E’ do tempo de D. Manuel e está entre as Leis
extravagantes a que ordena que todos os tendeiros
de Lisboa tenham um gancho de 16 palmos de
comprido e com elle sejam obrigados...

“a acudir a qualquer arruydo que se fezesse na


rua em que vivessem ou por onde fossem fugindo
malfeitores, e trabalhassem quanto possivel lhes
fosse para os prenderem e entregarem presos ás
justiças”.
— 138 —

Não ha, não havia pois nenhuma metaphora em


pegar á gancho os que fugiam. Ao contrario os
vendeiros ou tendeiros que o não cumprissem,
deviam pagar segundo a dita lei, nada menos de mil
reaes de multa. Fisgar um gatuno não é pois um
tropo literario, é a expressão comesinha dos factos.
D’ahi, acredito eu, é que proveiu a expressão —
nem a gancho — para indicar o impossivel, a
teimosa rebeldia dos homens ou a irreductibilidade
das coisas. Passando á colonia, o modismo nada
soffreu do seu archaismo e ainda é metal sonante e
corrente.
Aquelle sentido primitivo de gancho segundo a
lei manuelina parece que estava ipsis literis na
mente do nosso velho lexicographo Moraes quando
registrou a palavra:

“Gancho — ponta de ferro curva enxerida


em haste;... destes devia ter cada mecanico o
seu para acudirem aos arruidos e aprender os
que se acolhiam para não serem presos
infragante”.

Os culpados mais que ninguem deviam conhecer


o que lhes estava preparado e saberiam por qualquer
traça escapar ao perigo...
— 139 —

E, como devia isso acontecer com frequencia, era


bem o caso de dizer, como hoje:
— Nem a gancho!
E’ uma reliquia colonial das antigas leis da
metropole.
No sertão do S. Francisco (Bahia) a frase
appareceu com um complemento de rima:
— Nem Deus com o gancho, nem Santo Antonio
com o garrancho (1).
Não me parece ser outra a origem da expressão (2) .

————

————

(1) Communicado por Silvio Romeiro, pseudonymo do jornalista de


Joazeiro Eugenio Lima, redact or da Folha de S. Francisco.
(2) O texto da lei é o seguinte:
“Ordenou o dito Senhor (Dom Manoel) que todo oficial mecani co
tenha na cidade, á porta de sua tenda e casa e m que viva ou esteja,
um gancho com croque de haste de 16 pal mos, tendo casa e m que
caiba cu de grandura que na dita casa caiba... E que sejam obri gados
com elles acudir a qualquer arroydo que se faça na rua ou por onde
fossem fugidos malfeytores, e trabalhem quanto possivel lhe sejam
para os aprendere m infragante e os entregare m ás justiças do mesmo
Senhor. E não o comprindo não dando e nem mostrando a justa razão
que os absol vam de culpa, pague m mil reaes, ametade para o
meiri nho que os acusar e a outra amet ade para a piedade”....
E’ a Lei II tit. XVII na Repertorio das Leis extravagantes, de Duarte
Nunes do Lyão.
Mais tarde fora m instituidos os quadrilhei ros regulares armados de lança,
segundo se vê das Ordenações filippinas; mas ficou a expressão antiga.
QUILOMBO — MOCAMBO
Mixtos afro-americanos. Quilombola e canhembora. Quilombo,
mocambo e mucama.

Um phenomeno sempre possivel na dialectação da


linguagem culta no Brasil é a confusão de vocabulos
africanos e indigenas, oriundos uns e outros das raças
submettidas pela conquista e pela escravidão.
Para esse amalgama basta apenas qualquer
semelhança ou analogia de forma e de sentido. D’ahi, a
frequente contradição de etymologistas que atribuem a
origens, remotamente distinctas, palavras que resultaram
do encontro fortuito de duas linguas em conflicto.
Não está na indole d’estas paginas esgotar os
assumptos, accumular numerosos exemplos, senão
indicar as especies geraes em que elles se repartem.
E, só por isso, basta-nos estudar um caso.
— 142 —

E’ curioso o phenomeno de extensão de sentido


que na America adquiriu o vocabulo quilombo; no
Brasil é uma multidão de negros escravos, no Sul
tem o sentido de lupanar e bordel.
A palavra quilombo significava entre nós uma
especie de republica de negros fugidos á escravidão.
Os quilombos por vezes reuniam grande numero
de escravos que assim procuravam evitar os rigores
do captiveiro. O mais famoso foi o Quilombo dos
Palmares que se formou durante as guerras
hollandezas no seculo XVII.
Já n’esse tempo era a palavra usada e vulgar.
Qual a sua origem?
Tudo parecia indicar que devia ser africana. Mas
não o quizeram assim entender alguns dos nossos
etymologistas, que viram n’um derivado da palavra,
quilombola, ou calhambola uma deturpação da
forma tupi caanhembora. Não era, todavia, insensata
essa opinião. Vel-o-emos. Apena era demasiado
exclusiva.
O ca-por = aquelle que vive no mato, entidade
demoniaca conhecida dos indios (1) é palavra que

————
(1) Effectivamente existe caapora que corresponde a caipora, de moni o
da floresta, e expressão conhecida no folk lore brasilico, nada tem de
commum com canhembora.
— 143 —

nenhuma affinidade tem com o quilombola, só


applicavel aos pretos que desertaram da casa dos
senhores.
Houve, aqui, uma d’essas raras e curiosas fusões
de dois vocabulos differentes. E’ evidente que
segundo as normas de suffixação vernacula de
quilombo (asylo) não se poderia derivar quilombola,
o fugitivo ou asylado nos matos. Nem tão pouco se
depara esse modo de derivação na lingua africana
donde procede quilombo.
Explica-se a forma quilombola (de radical banto-
africano) pela existencia de outra analoga da lingua
tupi. De facto, canhembora ou canhembara, termo
já conhecido de Anchieta e das primeiras relações
dos conquistadores e missionarios com a raça
indiana, significa o fugitivo, o indio que apartou da
sua aldeia ou se extraviou da tribu (1).
D’est arte, a palavra africana recebeu um
suffixo verbal-bora — proprio da lingua tupi,
formando o mixto hybrido-quilombola. Ou, mais
exactamente, a palavra americana canhembora

————

(1) Nas tri bus do norte canhemo = desapparecer, não parece termo geral.
— 144 —

pareceu derivada de quilombo e tomou as formas


conhecidas calhambóla e quilombóla.
Outra derivação quilombeiro, esta sim, mais
regular portugueza e vernacula é usada no interior
do Brasil (1) .
Ainda hoje em Angola quilombo é a paragem,
pouso para descançar nas viagens pelo interior
africano.
Quilombo no sentido proprio é uma junta,
conselho e reunião de negros (2) , e os quilombos de
negros no Brasil eram sociedades predatorias
arregimentadas para a defesa commum, analogas á
dos antigos bandidos do sul de Italia.
Em outros lugares aqui se chamavam mocambos
essas sociedades de mateiros e salteadores, porque
mocambo, lugar das mucamas, é sitio reservado, ao
que parece, ás mulheres escravas, lugar de goso
sensual (3) e foi por isso que as duas palavras

————
(1) Veja-se a ulti ma nota d’este capitulo.
(2) Cordeiro da Matta. Dicc. Kimbundu, s. v. Kilombo, 23.
(3) Mucamas (mul heres africanas) era m as escravas de cama
denominação port ugueza que “ passou á lingua de Angola, como o sordido
costume dos harens de escravas, introduzido pelos senhores brancos”.
Mucama traduz-se litteralmente: na cama (diz Cordeiro da Matta). Parece -
nos objeccionavel este modo de ver de pessôa aliás autorizada. Esse
costume pol ygamico era proprio dos negros e não foi importado e nem o
fora m as palavras que naturalmente o designam.
— 145 —

quilombo e mocambo, de si mesmas differentes,


adquiriram certa affinidade de sentido.
No Rio da Prata, e em algumas republicas sul-
americanas, o vocabulo quilombo significa lupanar
ou bordel:

“Quilombo — lupanar. En el Brasil llaman quilombo á la


habitacion clandestina en un monte ó desierto que servia de
refugio á los esclavos fugitivos etc.” (1)

Segundo os costumes africanos, as escravas do


harem, mucamas, vivem em sociedade pacifica e
constituem pois uma reunião, ou quilombo.
Como quer que seja, nas regiões do sul, a
expressão mujer quilombera tem o sentido de
rameira ou prostituta (2).

“Quil ombo. Voz brasileña. Sinóni mo de burd el ó


lupanar y que se ha generali zado con est a acepci on ( que
alsolutament e não é bra sil ei ra, anot amos aqui) en media
Ameri ca del Sur. En el Brasil ll amaban ant es qui lombo
al asil o d e l os n egros ci marrones en l o más recón dito d el
matto (mont e). El “quilombo de Palma res, allá por el
si gl o XVII, y el d e C arl ot a d e Matt o Grosso em 1770 ,

————

(1) Vocab. rioplatense por Daniel Granada, 336.


(2) Ciro Bayo — Vocab. criollo-español.
— 146 —

son famosos en los anales de la esclavitud por la bravura de


los negros y la crueldad de los blancos”. (1)

Vê-se d’essa nossa exposição de factos que na


região platina a affinidade natural de sentidos entre
mocambo e quilombo (reunião) deu a esse ultimo o
sentido que não tinha de ajuntamento illicito e lugar
de costumes torpes.
O sentido proprio de mucama é de amasia
concubina. Em uma fabula angoleza, colhida da
tradição oral por Xavier Vianna lê-se:

Todos tres animaes eram solteiros, menos um


d’elles, o rato, que tinha uma mucama (amante)
habitando em uma cubata, fora da casa do seu
senhor. (2)

————

(1) O mesmo — Op. Cit. 191. Não importa aqui o estudo historico dos
quilombos, já memorados por Bralœus, Marcgraf, e escript ores port uguezes
e brasileiros do tempo.
Da exi stencia dos quilombos derivou a dos Capitães do Mato, suj eitos
que com licença do governo, podia m andar armados e constituir bandos de
caça aos escravos. Ao capitão-do-mato cabia, entre out ras vantagens, a
propriedade de crianças nascidas no quilombo.
Derivações: quilombo, quilombola calhambola, canhambora; mocambo,
amaca mbar (verbo); no sertão de S. Francisco tambe m se diz quilombeiro e
assim o registra James Wells — 3.000 Miles through Brazil (II, 161) e
defini-o como outlaw (i bid. II, 383).
(2) Do sertão de Libollo. Publicada na Revista do Minho, vol. XVIII pg.
18.
— 147 —

A mucama (a-kama, mu-kama) é a mulher


escrava do negro polygamo, a mulher livre é
chamada ki-hungi ou mu-kaji. Mas o costume de ter
mucamas attingiu as próprias regiões littoraneas e as
populações civilizadas de Angola (1).

————

————
(1) Veja Heli Chatelain — Folk Tales of Angola, pag. 267, sob a nota
176.
PICA=PAO
Frase: Tem penna de picapáo. Variantes. A lenda do picapáo
no folk lore europeu. O irapurú indigena.

Sem duvida alguma não é por falta de elixires


que a felicidade foge tanto ao homem.
Uma ferradura atraz da porta, ou as teias de
aranha no tecto, o vinho derramado na alegria da
mesa e tantos outros sinaes do céo e da terra, são
penhores seguros da fugidiça deusa da fortuna.
Temos, felizmente, mil modos de affagal-a: a
oração, o amuleto e ao cabo se tudo falha, last not
least, póde-se pactear com o demonio.
Entre nós, e antes de chegar a esses recursos
extremos, basta para ser feliz achar a penna do pica-
páo.
Não é coisa facil, mas tambem não está
classificada entre as impossiveis.
— 150 —

Em certos lugares, todo homem feliz tem penna


de pica-páo.
E’ esta uma frase e superstição popular, quasi
desconhecida no sul do Brasil, mas muito vulgar
pelas terras extremas do norte.
Com ella é costume, entre cearenses, symbolizar
o exito ou a boa fortuna. Se alguem enriquece
improvisamente, ou triumpha de grandes riscos e
perigos, logo dizem e exclamam:

— E’ que o homem tem penna de pica-páo.

Outros dizem (e é variante mais significativa,


como veremos, d’este modismo) com o mesmo
intento:

— O homem achou a folha do pica-páo.

A interpretação d’esta frase que nos parece, ao


primeiro exame, insolita ou abstrusa funda-se em
curiosa superstição e crendice popular espalhada
entre as gentes do norte.
Define-a o BARÃO DE STUDART quando enumera
as superstições tradicionaes do povo cearense: (1)

————
(1) Rev. da Acad. Cearense; tomo XV pag. 56.
— 151 —

“Quem apanhar (diz elle) a penna do pica-páo


ferreiro na occasião em que elle trabalha para furar o
páo e guardal-a, nunca lhe faltará nada, pois tem a
felicidade comsigo. E’ até costume dizer-se do felizardo
em jogo ou negocio: — este tem penna de pica-páo.”
Resta agora averiguar, até onde se possa, a origem
d’esta superstição tão generalizada no extremo-norte,
quanto é pouco sabida no sul do Brasil.
A lenda, na sua forma primitiva, é que o pica-páo
rompe ou amollece os troncos que costuma perfurar, á
cata de insectos, não com uma penna, mas com uma
folha verde, que a ave conhece e que é o talisman com
que abre todas as coisas fechadas, os ninhos, ou o
cortice das arvores. E’ a opinião mais commum
conhecida do povo e registrada por naturalistas e
entomologos. (1)

————
(1) E’ informação de Gualter R. Silva (do Ceará); é tambe m a que
registra E. GOELDI nas Aves do Brasil, pag. 150, e a do pri ncipe de Wied, o
naturali sta; e é a que encerra a variante citada —tem folha de picapáo.
O influxo exercido pelos vegetaes tanto serve para abrir coi sas fechadas
(e este é o caso) como para fechar o corpo contra feitiços e maleficios de
origem. Essa virt ude, te m-n’a, por exe mplo o ra mo do pinhão de purga
(Jatropha curcas) que convem ter e m casa para neutralizar mandingas e
quebrantos, como diz Pereira da Cost a no seu Folk lore pernambucano, 108.
— 152 —

Pareceu-me a principio que esta crendice viesse


dos indios que tantas lendas criaram a respeito das
aves. Mas desde logo verifiquei a impossibilidade
d’essa attribuição. A lenda não é indigena.
E’ certo que aos indios não passou despercebida
a singularidade do pica-páo. Ainda hoje a tradição
criola persiste na cantiga popular:

Penica-páo é marinheiro
Ninguem póde duvidá,
Com seu barrete vermelho,
Sua camiza de zungá...

Mas nem sequer o nome indigena d’esta avesinha


foi conservado na tradição.
No seculo XVI chamavam-lhe ainda Uipicú e
mesmo hoje é o nome corrente no Paraguay entre
os guaranys ou seus descendentes. (1) No extremo-
sul o pica-páo (ou carpinteiro) é entre os indigenas
uma ave fatidica e de mau agouro, de quem todos
fogem; prenuncia a morte, e está, pois, muito longe

————
(1) Uipieu em GABRIEL S OARES , Ipecu em M ONTO YA e em G RANADA,
Vocab. Rioplatense. O nome mais geral na America espanhola é carpinteiro,
pelo habito de picar os troncos velhos das arvores com o que a ave procura a
alimentação em caça aos insectos.
A cantiga popular a que me refiro acima está entre as do cancioneiro de
M ELLO M ORAES .
— 153 —

de trazer a felicidade; ao contrario traz sempre


desventuras grandes. (1)
Conclue-se, pois, que a lenda da folha do pica-
páo, demasiado risonha e feliz, só pode ser de
origem extranha e differente, provavelmente
européa.
E’ européa, sim, e antiquissima; e foi já
registrada pelo velho P LINIO , quando fala das aves
do genero Picus, relembrando crendice igual de que
com uma certa folha magica podiam abrir seus
ninhos ou cavernas ainda quando fechadas a pregos:
“Adactos cavernis eorum a pastore cuneos admota quadam
ab his herbâ e’ahi creditur vulgo” (2).

E’ a mesma virtude da folha do pica-páo, bem se


vê, com que abre todos os esconderijos fechados.
Esta crendice dos caponios romanos parece que
teve grande diffusão em todo o mundo antigo.
D’ella encontramos vestigios um pouco por toda a
parte onde se encontram pegos, picanços e pica-

————
(1) E’ o que diz G RANADA — Supersticiones del Rio de la Plata. “E’ o
portador de la muerte e otras desventuras” pag. 260. Confirma -o tambem o
PADRE C. T ESCHAUER na sua monographia — As aves no Folklore brazilico
(separata, 157).
(2) P LINIO, Hist. nat. 1. X citado e m Wied, Goeldi, e out ros nat urali stas.
— 154 —

páos na enorme variedade d’essa familia de


passaros.
Um antigo poeta allemão ainda a recorda em
circumstancias iguaes, em que apparecem a folha
encantada que abre a caverna de Venus, e o mago,
Martius-vogel (que é o picus martius de Plinio; o
pêgo de Marte ou pica-páo) abridor de venturas. (1)
Não conhecemos nenhuma versão ou variante
portuguesa d’esta lenda na insufficiencia dos
materiaes até hoje recolhidos; mas deve existir
necessariamente na peninsula.
A lenda antiga assim migrou por tantos seculos e
por tão dilatadas terras, até chegar sob outras
roupagens menos equivocas e menos diaphanas,
porém mais poeticas ás plagas cearenses.

*
A lenda do pica-páo embora de formação e
migração européa, confundiu-se com a do Irapurú,

————
(1) “Schon in einen Gediehte Meister Altshwerts, wird der Zugang zu dem Berge
durch ei n Kraut gefunden... Kau m hat es der Dichter gebrochen, so kommt ein
Martiusvoegelchen geflogen, das guter Vorbedeutung zu sein pfle gt; diesem folgt er
und begegnet e inem Zwerge, der in deu Berg zu Frau Venus führt ” — S IM - ROCK . ap.
Gubernatis — Myth Zool. II 281.
— 155 —

avesinha fabulosa da Amazonia que, a quem a ouviu


cantar traz a felicidade; e d’esse encanto ainda resta
um influxo perenne nas proprias pennas da ave, que
se guardam como mysteriosos amuletos contra as
adversidades da vida. As populações semi-indigenas
mummificam o irapurú, segundo os ritos da
pagelança e feitiçaria que observam na feitura
d’esse talisman. O irapurú defumado é posto á porta
como um attractivo de felicidades, negocios e
amores faceis.
E’ a mesma chave que abre a caverna de Venus
na lenda germanica do Martinsvoegelchen. (1)

————

————
(1) H. W. Bates no seu admiravel livro The Naturalist on the river Amazons pg.
358, cap. XII) conta varias anecdotas sobre o mythico Uíra-pará (Irápurú); a ave era
tão procurada pelas suas virtudes de talisman erotico que lhe não foi possivel obter
qualquer exemplar authentico d’essa mentirosa phenix. O desenvolvimento d’esse
mytho nos povos aryanos nas remotas edades do Deus Picus, acha-se tratado no
livro do Folklore que escrevemos.
IDIOTISMOS

No estudo dos brasileirismos são frequentes as


particularidades idiomaticas que da lingua geral dos
indios passaram á lingua nacional accrescendo-a de
matizes expressivos que faltam ao idioma europeu.
Uma d’ellas e assáz conhecida é o suffixo —
uêra-guêra do tupi que empresta aos nomes uma
nuance nova: a do tempo passado.
Dest’arte certos nomes tem verdadeiro tempo
como se foram verbos:

Taba (aldeia) — (taba-êra) tapéra, aldeia que foi


ou em ruina.
Capão (ilha de mato) — (Capaum-era) capoeira,
mato que foi, mato nascido de novo, apoz
a destruição da floresta, virgem.
— 158 —

Tiguêra — segunda roça ou colheita; roça que


foi.
Manipuêra — A manib (mandioca) que foi,
residuo venenoso que fica da mandioca
aproveitada.
E assim, ipuêra, cruêra, quirera, anhanguera,
pacuêra etc.

Vejamos outro idiotismo curioso.


Os indios da lingua geral foram os que, deste
lado do Atlantico, mais enriqueceram e deram
fluidez á lingua perra de Camões e do doutor
Antonio Pereira.
Nos tempos da Arcadia, Filinto Elysio e outros,
abominando os circumloquios, metteram-se a
inventar adjectivos sesquipedaes, o ebrifestante, o
fulvi-ruivo-igneo, o capri-barbi-cornipede e
quejandos...
Os indios, mais discretos e naturaes, deram-nos a
faculdade de compôr algumas palavras admiraveis.
Entre ellas, o suffixo rana, por exemplo, servia
para indicar as coisas parecidas a outras e que
podiam entrar no mesmo genero.
Cannarana ficou sendo uma vegetação egual á
— 159 —

das cannas, tão communs á borda das lagôas e dos


rios.
Dest’arte, no extremo norte, achou-se o termo
brancarana para indicar a mestiça alva, que parece
branca, como toda a gente.
Um dos nossos velhos poetas, Bittencourt
Sampaio, traduzindo os Poemas da Escravidão
(Poems on Slavery), de Longfellow, empregou, com
grande felicidade, a palavra brancarana — a mulata
branca, a quadroon girl, do poeta americano.
Brancarana é uma expressão corrente no
Maranhão, onde o povo, até os fins do seculo XVIII,
ainda falava o tupi. E a brancarana é bem o typo
desenhado pelo grande poeta americano, de grandes
olhos luminosos:

Her eyes were large and full of light...

de pelle clara e setinosa.


Parece que o vocabulo brasileiro, que não é
usado no sul, foi communicado ao nosso poeta por
outro, o saudoso Joaquim Serra.
Com a desapparição das raças coloradas,
caldeiadas de elementos brancos, é cada vez mais
bella e mais numerosa a brancarana patricia.
— 160 —

Não é menos notavel o plural de plural tão


frequentemente fixado em vocabulos brasileiros.
A palavra naná como diziam os primeiros
jesuitas Nobrega e Anchieta, e tambem o disse e
escreveu Lery, todos do seculo XVI foi se
transformando em ananá e no plural ananás; este
plural é hoje singularissimo e costumamos
pluralizal-o dizendo ananazes quando nos referimos
a mais de um ananás ou ananá.
O indio goytacá compunha varias hordas na
região fluminense, e, sendo numerosos, eram
naturalmente chamados os goytacás — mas hoje
singularisado esse plural, formamos outro unico, os
goytacazes.
Outros idiotismos vocabulares familia, encrenca,
botar figuram no Indice.

————

E, last not least, ha a questão dos pronomes...

————
DOIS MODISMOS
I
Tibi! tibi-vôte! vôte-tibi! são expressões obcenas.

Não convem entrar em minuciosos


esclarecimentos acerca d’esse modismo hybrido
luso-tupi que se decompõe na phrase:

— Von-te ao tibi.
— Ao tibi vou-te.

Tibi ou tubi (o a..s) é um vocabulo tupi que ainda


se conserva nas historias populares, como se vê do
conto colhido por Silvio Romêro, da velha que fez
picar e cozinhar o macaco de quem tomava vingança
e que termina pitorescamente pelos gritos do
macaquinho:
— 162 —

— Ecô! ecô! eu vi o tubi da velha.

Ainda pelo norte o vocabulo — tobeiro — derivado


de tobi ou tibi tem sentido indecente impossivel de aqui
ser explanado.
Entretanto o modismo — Tibi! ou vôte! é dito por
ironia hoje, sem que se lhe empreste o feio significado
primitivo.
Alfredo Carvalho via neste modismo o latinismo —
Vœ tibi! — que absolutamente não tem lugar, e não
passa de conjectura destituida de fundamento.
Na literatura regional do norte não é raro que se
depare a expressão no dialogo familiar e já se vê sem
malicia ou impudor. E assim entrou nos cancioneiros
populares. (1)
A desviação do accento tonico tíbi ou tibe por tibí é
um dos recursos do euphemismo em expressões cruas
ou obscenas. Outro recurso é a de partir a palavra ou
supprimir syllabas, como se deu em — Titicaca —
vocabulo egualmente americano. (2)

————
(1) No Canc. do Norte de Rodr. de Carvalho apparece a forma i solada:
Vôte!
(2) Veja a nota s. v. no Indice final deste livro.
— 163 —
II

ANDAR AO ATA’
Um dos mai s anti gos modi smos brasileiros.

Andar ao atá — foi um modismo que se


vulgarizou desde os primeiros tempos do
povoamento do Brasil.
Desde logo se tornou popular e ainda hoje é de
arraigado uso nas regiões do norte.
E’ uma expressão da lingua tupi — a-uatá que
significa andar, correr sem rumo certo. Em certa
epoca do anno os carangueijos andam a-uatá
(parece ser no tempo do cio) e são apanhados com
facilidade.
Contribuiram provavelmente para fixar a
memoria da expressão indigena algumas formas
portuguezas de sentido approximado: andar ás tontas
ou andar a toa.
“O autor dos Dialogos das grandezas do Brasil
trata particularmente deste phenomeno, concluindo:
“E dizem os naturaes, quando se acham estes
cangrejos por esta maneira, que andam ao atá, que
sôa tanto como andar lascivos.” Como que,
— 164 —

consoantemente, refere Macedo Soares, que andam


elles assim a tôa, sem direcção, quando estão na desova.
No cyclo das nossas modinhas populares ha uma sob o
titulo, O Carangueijo, que segundo Theodoro Sampaio
vem da epocha da Independencia, e assim começa:
Caranguejo anda ao atá, Procurando a sua entrada, Vem
seu mestre titio, Faz dos cangrejos cambada.” Com o
goayamum, especie de caranguejo, de um bonito azul,
occorre o mesmo phenomeno, dando-se como causa as
chuvas ou as trovoadas. Effectivamente, já em 1627
escrevia o historiador Fr. Vicente do Salvador: “Os
guaiamús em as primeiras aguas do inverno, quando
estão mais gordos e as femeas cheias de ovas, sahem das
suas cóvas e andam vagando pelos campos e estradas e
mettendo-se pelas casas.” Vêm de longe, portanto, estas
crenças sobre o phenomeno. “Andam como goiamuns
em tempo de trovoada, ao atar, sem saber o que façam.”
(America Illustrada n. 2 de 1885). “Todo mundo sabe
que com a trovoada os carangueijos andam ao atar, aos
ponta-pés.” (A Lanceta n. 29 de 1890). A dicção vem do
tupi, uatá, andar, caminhar, vagar, e dahi uatá-bó,
caminhando, como escreve Theodoro
— 165 —

Sampaio; Gonçalves Dias consigna o vocabulo oatá,


andar, caminhar e a locução oatá atá nhóte, vagar; e
Martius oatá (goalá), andar.”
Nada haveria que ajuntar a esse trecho
documentado e completo que é de Pereira da Costa.
Vê-se que era corrente a expressão desde os
primordios do seculo XVII e talvez do tempo das
primeiras capitanias.
O primitivo sentido alargou-se da vida animal
para a vida humana e ha muita gente que anda ao
atá, como se foram carangueijos ou formigas. (1)

————

————
(1) Havia mos registrado no Dicc. gramm. (s.v.) e na Selecta classica.
Diz-me um correspondente que existe a variante — ao tatá — na região do
S. Franci sco.
AMANHAN E’ DIA SANTO
Uma frase do folk lore infantil: amanhã é dia santo. E’
brasileira de arraigado uso mas européa quanto á
derivação hi storica. Conj ecturas acerca de sua orige m
medieval.

As nossas expressões nacionaes não reclamam


muito argucia quanto á determinação geral e
imprecisa das fontes.
Quasi á primeira vista, podemos, em certa
maneira, assignalar-lhes a origem africana, indigena
ou portugueza. Mas essa geographia apenas nos
habilita a um exame essencial e mais profundo, que
é o da historia. A indicação do habitat provavel é o
primeiro passo, ás vezes unico e esteril.
Os que leem, não conhecem o tempo que se
perde em tentativas frustras, em investidas inuteis;
que naturalmente ficam silenciosas.
— 168 —

Não ha que recriminar a leitores nem a criticos.


Cada um faz o que pode. E faz muito pouco, de
certo, quem das coisas presentes se alonga para o
labirinto do passado.
Foi sob essa impressão de desanimo que
registrei, um dia, sem o poder explicar, o modismo
popular: Amanhan é dia santo.
Esta frase, quem a não conhece?
E’ do folk lore infantil. Não tem applicação na
sociedade dos homens; mas entre creanças é que ella
vive. E tem vida já bem longa.
Nas escolas onde tão varia é a meninada
travessa, succede ás vezes que uma das crianças traz
um rasgão nas meias por onde apparece a pelle rosea
e branca dos pés. E logo ha outra criança que
assignala o facto dizendo:

Amanhan é dia santo!

E uma d’essas pilherias que ainda não estão


cansadas da vida longa que arrastam.
Não caducam jamais as coartadas d’essa especie.
Sempre me pareceu difficil achar a mysteriosa
correlação entre o indicio das meias e o feriado
proximo.
— 169 —

Ha é certo, um antigo proverbio portuguez que


diz — pelas vesperas se tiram os dias santos.
Mas nenhuma analogia, por subtil que seja, ha
entre vesperas e meias; os dois indicios ou signaes
são entre si disparatados e incongruentes.
Foi sempre o que pensei, ao registrar aquella
frase popular. (1)
Entretanto, mais tarde, vim a descobrir-lhe, se
me não engano, a verdadeira origem.
E’ preciso saber que muitas das anecdotas e ditos
que parecem agora de actualidade são antiguissimos
e derivam de repositorios archaicos que se não lêem
mais. Pode verifical-o quem folhear o antigo
Novelino italiano ou as Cent nouvelles nouvelles
francezas ou o Schimpf und Ernst allemão de Paoli,
obras que remontam á edade media ou ao
renascimento e logo se hão de achar as mesmas
pilherias, as bernardices e anecdotas que se
recontam hoje como novas e até com as dramatis
personae do mundo contemporaneo.
Entre os repertorios moraes que concorriam
out’rora com aquelles outros, avulta o famoso

————
(1) Nas frases feitas — passim.
— 170 —

anecdotario de Jacques de Vitry, do seculo XIII no


seu conteudo de historietas; e foi o mais repetido na
nossa literatura classica pelos autores de Silvas e
Florestas que por exemplos edificantes e caso s
maravilhosos se propunham educar o espirito do
povo. (1)
Pesquizando as historias e apologos moraes de
Jacobus Vitricensis, e de Stephanus Burbonicus lá
achei uma que me parece dar a origem e, explicação
da nossa frase infantil.
Em certa cidade, conta-nos o antigo moralista,
havia um homem que por devoção e longa pratica
conhecia muito bem os dias de festa ou dias santos.
Em dias taes, costumava calçar meias vermelhas;
e então ao vel-o diziam as gentes: hoje é feriado,
pois está de meias vermelhas o Sr. Gocelino. O resto
da historia não nos interessa. O sr. Gocelino, por
aviso aos negligentes, calçava meias vermelhas,
escrevemos nós (traduzindo a palvra caliga que era

————
(1) Sermones et exempla Jacobi Vitricencis (que precederam os de Etiene
de Bourbon (Stephanus...) de que damos abaixo o texto de Vitry os Exempla
vulgaria e o de Pedro Aphonso a Di sciplina clericalis foram os mais lidos,
até os te mpos modernos entre pregadores e t heologos, e eram livros
indispensavei s nas livrarias dos eruditos.
— 171 —

um calçado de meia perna, antigo, medieval e vinha


já dos soldados romanos).
Repetimos para os curiosos o texto latino:

“Magister Jacobus (refert): In quadam villa erat


quidam antiquus homo qui ex longo uso &, affectu pio et
ingenio sciebat optimé festa. Quando autem erat di es festi,
calciabat caligas rubeas; quas cum viderant, dicebant:
“Nunc f eriandum quia dominus Gurcelinus vestivit caligas
rubeas. ( 1) . ”

Era perfeitamente natural que este exemplo como


lhe chamavam antigamente sempre repetido, viesse
a tornar-se popular nas classes e aulas dirigidas por
clerigos ou padres, como era o caso commum no
outro tempo.
Exemplos eram na lingua archaica os casos ou
ditos proverbiaes.
D’ahi a approximaçao entre as caligas rubeas e a
pelle rosea do pé que se entremostra pelos buracos
das meias, com a costumada observação: Amanhan é
dia santo (Nunc feriandum, no texto medieval).

————
(1) E’ o n. 325 do Tractatus de divers’s materiis, prœdicabilibus de St.
(Etienne) de Bourbon (ed. mod. 1877) e é tambe m de Vitry; ambo s do
seculo XIII.
— 172 —

Não é para estranhar a vida d’esse dito


humoristico, longeva como a das outras especies do
folk lore.
Registro esta frase como brasileira por ser entre
nós muito familiar.
E’ provavel que exista ainda entre portuguezes
donde nos veiu seguramente.
Não posso porém verifical-o ; nunca a encontrei
em autor algum; e nem conheço referencia entre os
folk loristas de alem-mar aliás em geral inhabeis,
como sei de conhecimento proprio, pois não passam
de meros collectores salvo uma ou outra excepção.

————
ALARIFE
Alarife. Palavra arabe de uso especial na America.

Por vezes o estudo directo das fontes portuguesas


não esclarece devidamente as palavras de origem
européa e peninsular.
E é para dar um só exemplo n’esta especie que
escolhemos (por não nos ser possivel adequar outro
melhor) o brasileirismo — alarife — de uso no Rio
Grande do Sul, e de todo desconhecido no resto do
paiz.
E’ certo se consultarmos os lexicos portuguezes
que lá encontraremos o vocabulo.
Foi VITERBO (diz Domingos Vieira) quem
primeiro o recolheu no seu Elucidario. Não é bem
verdade, porque antes de Viterbo já o franciscano
Frei João de Sousa, alguns annos antes, o havia
— 174 —

registrado e foi o unico que o documentou com um


texto (suspeito embora) e deu-o como fóra de uso.
Só depois d’elle, e repetindo-o, é que foi aquella
palavra contemplada por Viterbo, Moraes e seus
seguidores.
Eis o que diz o erudito arabista portuguez do
seculo XVIII:

“ALARIFE — alârife (arabe). Architecto ou


Mestre de obras. Deriva-se do verbo ârifa, ser
sciente, sabio, instruido em Sciencias e Artes.
“Não teve a obra outro architecto que as
barbaras ideas do Rei executadas pelo seu
alarife”. — Tomada da Alcaçova de Mequinez
por Muley Ismael.
Hist. de Mequines por Fr. Diogo Garcez.
Castel, pag. 36.”

Todos os lexicographos portugueses copiaram o


vocabulo e a definição dada por Fr. João de Souza.
Entretanto, o texto hespanhol não abona de modo
algum que a palavra seja portugueza, e aliás todo
elle foi tirado de um calepino estrangeiro, o Diccion.
heptaglotto de Castello.
Embora de provavel existencia no portuguez não
— 175 —

ha pois nenhum texto vernaculo que abone a


palavra (1), salvo melhor juizo.
E’ um vocabulo curioso como se vae ver, usado
no Rio Grande do Sul. No Vocabulario de
Romaguera define-se como “finorio, esperto, ladrão
ou bandido”. E ajunta-se o exemplo caracteristico:
“Naquelles matos andam alarifes ou grupo de
alarifes”. Romaguera observa que Domingos Vieira
(aliás Souza, Viterbo e Moraes que lhe são
anteriores) diz ser alarife o mestre de obras,
constructor, architecto.
Esta definição dos lexicos portuguezes não se
compadece com o sentido que se lhe dá no sul do
Brasil, na fronteira onde é de uso muito commum, e
por isso Romaguera attribue-o ao influxo do
espanhol por intermedio das visinhas republicas
hispano-americanas.

————
(1) Foi registrada moderna mente por Dozy e Engelmann (2.ª ed.) e
Eguilaz y Yanguas — nos seus vocabularios que seguiram a P. de Alcalá.
Desde este antigo vocabulist a castelhano a palavra alarife é defini da mais
exacta e precisamente como juiz alvanel, juiz de edificios.
Com a duvida bem fundada na inexistencia de textos portuguezes não se
comprehende que da palavra proble matica Domi ngos Vieira, tão mal a
proposito, tirasse a conclusão de “influxo arabe sobre o geni o architectonico
portuguez”. Entretant o, ella exi ste no Brasil.
Não foram os portuguezes que no-la herdaram. Apenas é corrent e na
frontei ra meridional do paiz, onde se entre meiam as gentes plati nas e a
nossa.
— 176 —

Essa attribuição é muito acertada. O Vocabulario


rio-platense de Granada não registra a palavra, por
omissão; mas ella é de uso no Rio da Prata. No
Vocabulario criollo español de CIRO BAYO (1) lá o
encontramos:
“Alarife. Persona lista y avisada (Argentina)”.

Averiguada a procedencia d’este brasileirismo,


resta-nos a averiguação etymologica que nos deve
explicar a disparidade de sentidos que tem a palavra
entre a America e a peninsula.
A palavra é arabe, sem duvida.
E arabe alarif quer dizer, como vimos nos
glosarios — juiz alvanel, juiz de edificios — o que
equivale ao sentido que lhe deram os lexicistas
portuguezes de — mestre architecto ou constructor.
Mas dahi ao sentido de finorio ou ladrão, ha
distancia grande e mortal. O vocabulo mais
apropriado para este ultimo intento é sarequim pl. de
sareq, de uso geral na lingua do norte da Africa.
Não me parece admissivel derivar de sareq ou sariq
o alarife sul-americano.

————
(1) Voc. criollo-espanol sud-americano por Ciro Bayo — Madrid, 1911.
— 177 —

Nas pampas argentinas os alarifes não seriam


constructores ou mestres d’obras. Seria espantoso
entre nomades e salteadores aquella vocação da
gente sedentaria.
Mas creio que a translação de sentido podia ter
sido encaminhada diversamente. Alarife era
propriamente não o constructor, mas o “juiz ou
fiscal da construcção”, sendo talvez o auctor do
plano d’ella.
A estes juizes tambem chamam olheiros em
portuguez, encarregados da fiscalização das obras e
são naturalmente personas listas y avisadas.
As bellas artes, isto é, as artes finas e subtís
como lhes chamam os arabes (alfunum azzarifah)
parece relacionar-se o radical da palavra na sua
derivação castelhana e principalmente na metaphora
e translação de sentido com que a observamos na
America.
Alarife corresponde a experto, vivo, dextro, fino,
subtil. Tudo isto satisfaz cabalmente ás accepções
da palavra fronteiriça.

————
MURICI
Murici. Frase: E’ tempo de murici, cada um cuide
em si. Valor da expressão. O antigo nome do
choleramorbus na India portugueza. Origem provavel do
proverbio.

Ha um proverbio brasileiro que explica o egoismo dos


homens nas occasiões difficeis ou perigosas: E’ tempo de
murici. Cada um cuide em si.
E’, pois, o murici uma calamidade? Ninguem o sabe
dizer.
E’ uma frase popular que anda em todas as bocas.
Simples, clara, e todavia inexplicavel.
Attribuiu-a ao infeliz coronel Tamarindo na terrivel
derrocada de Canudos o nosso grande escriptor Euclides da
Cunha. Vê-se, pois, que o tempo de murici assignala um
momento de terror e panico, o — sauve qui peut — que
desculpa todos os
— 180 —

egoismos. “Cada um cuide em si que é tempo de


murici”, é outra variante.
Entretanto, nada parece justificar essa expressão,
a não ser a rima inconsciente e irracional. Ha muita
frase celebre e vasia que só por força de consoantes
consegue a popularidade.
O murici é uma planta das terras agrestes e
fracas, como já a descrevia G ABRIEL S OARES no
seculo XVI (1) ; fructifica, como as outras, na época
propria e não assignala nenhuma calamidade. Não é
venenosa e nem se relaciona a qualquer intemperie
das regiões aridas do norte: desde o sertão ella
floresce até a beira-mar.
Por que, pois, o murici ha de symbolisar os maus
dias ou o terror panico?
A razão creio que a tenho achado.
Nos tempos coloniaes havia perpetuo intercambio de
coisas e de gentes entre o Brasil e a India onde os
mesmos fidalgos e os mesmos soldados cá e lá, a seu
turno, serviam á civilização e ao imperio portuguez.
Ora, uma das grandes calamidades da India era

————
(1) G. Soares II, cap. 54. Tambe m a descrevem Piso I, 79, e Marcgrav,
118.
— 181 —

o morexi ou murixy, nome indiano e asiatico do


cholera-morbus, e tambem das especies parecidas a
esta, a colica, o miserere, o volvulo. Terrivel
epidemia de morexi foi a que houve em Gôa, no
inverno de 1543, quando lá governava Martim
Affonso, o mesmo fidalgo que com a sua familia e
apaniguados tinha aqui no Brasil grandes interesses
e propriedades; e lá estavam Thomé de Sousa e
outros no momento climaterico.
Ainda então a sciencia medica não tinha definido
a doença nem ainda menos imposto o nome latino
hoje vulgar, de cholera-morbus.
O nome antigo do cholera era murexy, como
assignala G ASPAR CORREA, que foi testemunha da
calamidade, nas suas Lendas da India (IV, pg. 288):

“N’este inverno houve em Gôa uma dor


mortal a que os da terra chamam morixi...”

Foi a primeira epidemia do cholera, terribilissima


qual nol-a descreve o chronista em negras côres e na
qual os enfermos apenas “duravam um só dia” e
eram tantos que o panico tomou a cidade.
O terror do murixi foi-se, por fim, tornando familiar
nas suas medonhas irrupções. Nos differentes
— 182 —

dialectos maharatas do Malabar portuguez corriam


as variantes murixi e mordexi ou mordexim. D IOGO
DO COUTO na sua Quarta Decada (livro IV, cap. X,
pag. 109 da ed. infolio de 1736) diz que mordexi é
nome corrupto e se deve dizer morxi. (1) Cumpre
dizer aqui que o morxi de Couto (morixi em Gaspar
Corrêa) é mera corruptela prosodica muito
frequentemente praticada pelos portuguezes quando
adoptavam palavras exoticas (assim é que elles
fizeram Pernambuco (de Paranambuco) e Sergipe
(de Serijipe), supprimindo, segundo o seu vezo, a
vogal atona. Dest’arte, morxi é o mesmo morixi. (2)
Do mordaxim, mordexim, morxi, tambem fala o
autor da Historiologia medica (1753, I, 593) quando
trata das queixas andemicas da Asia,
especificadamente d’essa terrivel doença.

————

(1) A palavra deriva do concani modaxi no Guzarate morxi, forma s


ambas aproveitadas pelos escri ptores port uguezes. Veja -se o que
exhaustivamente dizem Yule e Burnell no seu Hobson-Jobson, as maiores
auctoridades quanto aos vocabulos indianos adoptados pelos europeus.
Os francezes tomaram a forma asiatica mordexi e d’ella fizeram mort-de-
chien, nome pri mti vo do cholera-morbus. D’essa expressão que occorre
tambem em G ARCIA DA ORTA , Colloquios, trata em nota ao text o o CONDE
a
DE F ICALHO , na sua edição a todas as luzes vali osissi ma: I, 272 nota 5. .
(2) Dr. José Roiz de Abreu — Op, Cit. I, 593.
— 183 —

A epidemia do murixi sempre acompanhada de


grande medo, explica a expressão melhor que a
fructinha innocula do murici, que se não relaciona a
nenhuma calamidade.
E, de resto, nas occasiões apertadas, na guerra,
nos grandes pavores, é que tambem se revela esta
doença do medo, a colica, o murexi.
Na mesma epidemia de Gôa, a que nos referimos
acima no lugar proposto, o panico foi terrivel. O
proprio clero, educado no sacrificio e na caridade,
deu um triste e memoravel exemplo de egoismo.
Foi uma situação analoga a de Canudos. Era
tempo de murexi, e cada um, pois, cuidava em si.
E’ esta, a juizo meu, a origem da frase, por
alteração popular. A palavra asiatica, sobretudo
entre soldados, devia correr no Brasil; as sciencias
medicas ainda não tinham achado a expressão
erudita que modernamente a supplantou; e ainda
melhor, essa especie nosologica entre nós só de
nome podia ser conhecida nos tempos coloniaes,
salvo a confusão e extensão normal do vocabulo a
outras variedades morbidas.
O murixi era pois uma designação imprecisa e
geral.
— 184 —

Foi facil ao povo approximal-a de murici, voz


indigena mais comprehensivel, com a qual se
confundia quasi. E só assim se comprehende por que
o tempo de murixi ou murici é o tempo de cada um
cuidar em si, como diz o proverbio.

————
OLHOS DE SAPIRANGA

O modismo popular — olhos de sapiranga — de uso


constante em quasi toda a costa do Brasil, é a expressão
com que se designam os olhos encarniçados, vermelhos
ou inflammados (injectados, segundo se diz agora á
franceza). E’ de si mesma redundante e pleonastica,
quando a conferimos com os elementos etymologicos
donde foi tirada.
De facto, na lingua tupi ha a locução sapiranga ou
antes, eçá-pirang (isto é, ceçá na forma absoluta teça)
que significa literalmente olhos vermelhos ou
sanguineos. O epitheto piranga quer dizer: côr de
sangue, avermelhado; olhos sapiranga representa, pois
como dissemos, uma redundancia pela repetição de
olhos e sá que tem o mesmo sentido.
Essas redundancias, são todavia normaes e
communs. Na apropriação de palavras indigenas
frequentemente juntamos ao elemento indiano a
traducção pleolonastica portugueza, como na frase —
— 186 —

andar ao atá — de conhecido uso na Bahia e outros


lugares do norte (1).
Sapiranga é qualquer inflammacão das
palpebras, é conjunctivite ou outras especies
parecidas, indistinctamente.
A uma variedade dessas, que não sei precisar,
chamam no sul do paiz de sapiroca; expressão esta
derivada de sa (eça) olhos, e pirog (pir-og) pelle
esfolada. O termo pirog, casca, ou cousa que tenha
casca ou d’ella se compõe, apparece em outros
brasileirismos conhecidos. Romaguera define
sapiroca com “olhos empolados” (2).
Voltando ao caso principal, na fronteira do sul,
no Rio Grande, o modismo correspondentes a olhos
de sapiroca é o de olhos salgos. Logo ao primeiro
exame se vê que é um dos muitos espanholismos tão
————
(1) Ao atá, auatá, guatá, significa andar. Est udamos a frase em outra
opportunidade. Andar ao atá — andar, andar — andar muito e sem norte ou
orientação.
(2) A mesma palavra te m out ro sentido especial; designa o orgão genital
do homem, quando infante. O sentido originari o é o mesmo de calvo, se m
pello, e, por vezes, sem pelle, esfolado, se m casca. Na Amazonia é de uso o
vocabul o pirocar com o sentido de descascar (Veja-se o Glossario paraense
de Chermont de Miranda) E no Ceará diz-se pirento, doente da pelle (R.
Magalhães Vocab. pop.). Baptista Caetano descobriu e fi xou para o
conhecido termo piroga, embarcação pequena, canôa, e hoje expressão
mundial e de t odas as linguas cultas, a mesma etymol ogia pir-og (ib-pir-og)
poi s que as canoas eram feitas de cascas de arvores ou d’estas, interna mente
carcomidas.
— 187 —

frequentes na região fronteiriça; é a corrupção de zalgo


— zalco — zarco; olhos zarcos são os que tiram á azul
esbranquiçado, olhos claros quasi sempre doentios e
muito sensiveis á luz. A expressão applica-se a certos
olhos anormaes das bestas.
Entretanto, e apesar d’essa equivalencia, tambem é
conhecida no extremo sul e no Rio da Prata como
refluxo do guarany, a mesma expressão familiar no
Brasil com leve alteração de sentido. Diz-se por lá —
ojos de sapirá “la vista apagada e lagañosa” conforme a
define Ciro Bayo no seu Vocabulario criollo.
Sapirá não é mais que uma forma meridional e
guarany menos nasalisada e pouco distincta de
sapiranga da lingua geral do norte.
Assim, recapitulando, do norte ao extremo sul, o
modismo é sempre o mesmo com leve variação de
sentido e de forma: olhos de sapiranga, olhos de
sapiroca, ojos de sapirá.
Nada tem que vêr com este, o vocabulo pirangar,
que é europeu e portuguez, embora eu o não veja
registrado. Veja o Indice de coisas. (1)

————
(1) E’ caso para outra opportunidade, no estudo da frase pôr-se na pi ra.
EREJUPE’
Ere jupé? tu vieste? formula de saudação entre os indios.

Um dos nossos mais considerados americanistas


algures escreveu que entre as gentes incultas do interior
do Brasil é vulgar a saudação aos que chegam de longe
com uma frase quasi proverbial:
— Então vieste? Vieste, emfim?
Ignoro absolutamente esse uso e costume. A formula
de saudação ahi lembrada não existe. Absolutamente.
Nem ha d’ella vestigios na literatura popular e nem
se quer se acha registrada nos trabalhos, (imperfeitos e
incompletos, é verdade) dos nossos pequenos lexicos e
vocabularios dialectaes.
E’ necessario, comtudo, explical-a porque se trata
evidentemente de uma pequena fraude e de uma
invencionice tendenciosa e adrede arranjada para
— 190 —

embair com exito alguns incautos pesquizadores


d’essas bagatelas.
A supposta frase de uso commum é apenas a
traducção literal da formula constantemente
empregada pelos indios, como o attestam os
primeiros chronistas e ethnographos da antiga
colonia.
De lá é que veio a suggestão da fraude; e a
falsificação por si mesma se destroe ao primeiro
exame.
Se no estudo do dialecto brasileiro passarmos do
vocabulario á consideração differente, á da
fraseologia por exemplo, raros serão os casos
positivos e seguros em que se offereça nitidamente o
influxo literal das linguas indigenas.
Um caso typico era e devia ser naturalmente o da
saudação entre os aborigenes. Diziam sempre, e
eram de facto as suas primeiras palavras para o que
chegava: Vieste? ou — já vieste? Com ellas
recebiam o hospede, o amigo ou o estrangeiro.
Esta frase vulgarissima, conhecida de todos os
padres e missionarios não deixou, entretanto,
nenhum vestigio que se conheça na linguagem
popular dos nossos caipiras ou sertanejos. E’ hoje
inteiramente ignorada.
— 191 —

Lery pelos meiados do seculo XVI notou-a entre


os indios tupis do Rio de Janeiro, e assim é que
começa o dialogo ou colloquio inserto na sua
Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil:
— Ere-iobé? (ere-jú pé?)
E traduz: Es tu-venu? vieste? chegaste?
Confirma esse costume Yves d’Evreux (1613)
em analogo colloquio: Ereiup Chetouas-sap? (Estu
venu, mon compère?)
O mesmo conta poucos annos depois de Lery, o
nosso chronista Fernão Cardim em sua Narrativa
Epistolar (1).
“Os indios Morubixaba scilicet principaes deram o
Ereiupé ao padre, que quer dizer — Vieste? — e beijando-lhe
a mão, recebiam a benção” (pag. 18).
“Saúdam-se com seu Ereiupé” (pag. 29).

E ainda uma vez no mesmo livro:


“Vinham os indios tomar a benção do padre e os
principaes davam o seu Ereiupé” (pag. 50).

Nas Cartas do Padre Blazquez (1556-65)


encontramos uma parafrase da saudação dos indios:

————
(1) Ed da Rev. do Instituto, tomo LXV.
— 192 —
(1)
“Vieste? que o seu Deus venha comvosco”.

Na Historia da C. de Jesus do Padre José de


Moraes verifica-se que esse tratamento e saudação
eram identicos no Maranhão e Pará até o seculo
XVIII.

“Seguiam-se as mais visitas sem outro cumprimento das


boas vindas que o perguntarem pela sua linguagem
Erêjurician — que quer dizer vieste, já vieste?” (pag. 95-96).

Fr. VICENTE DO S ALVADOR tambem registra na


sua Historia do Brasil (1630) o modo da saudação
dos indios com prantos e clamores diante do que
chega:

e acabado o pranto lhe pergunta se veiu e elle responde


que sim”. Cap, XIII.

Parece-me coisa inutil e desnecessaria alargar


essa documentação. Era aquella a saudação vulgar

————

(1) Entre as Caretas do Padre Blazquez ha este trecho que é da redacção


conte mporanea do Padre Leonardo do Valle. Veja Rev. Inst. (1. ° vol. de
1886 — pgs. 72 e 74).
— 193 —

entre os indios tupis e guaranys de todas as tribus (1)


e talvez de todo o gentio da America.
Não temos, comtudo, nenhum exemplo do
influxo que poderia e deveria ter exercido na
linguagem vulgar uma expressão tão commum e de
uso tão frequente. A affirmativa de que os nossos
sertanejos empregavam o — Vieste? — dos antigos
indios como formula de saudação não tem ao que
nos parece, nenhuma veracidade ou abonação
authentica. Nada accusa a sua sobrevivencia.
Excluimos os casos bem se vê, em que a lingua
vernacula é substituida, por vezes pelo tupi, como é
commum, na Amazonia, em certos dizeres
conhecidos:
— Eré!
Eré catú! — Adeus, até a volta! — segundo
Chermont Miranda no seu excellente Glossario
Paraense. A frase tem o vago sentido de —
Venham! Vamos! que equivale ao da despedida (2) .
————
(1) Baptista Caetano affi rma que “não era excl usiva dos indi os”, ma s
usada geralmente pelos incolas do Novo Mundo; a saudação era tão geral
nas duas Americas que Chateaubriand a adopt ou nos Natchez (B. Caetano,
apud Ensai os de Sciencia II (1876) pg. 98.
(2) Quando usada, entende-se interjectivamente. Veja a Gramm.
brasilica de P. Simpson, pg. 76. — Erê é a 2. a pessôa do verbo aé, dizer,
como explica B. Rodrigues Vocab. indigena no lugar proprio. Não conte m
poi s o ele ment o jur, yur (vir) da primei ra expressão (erejupé-re-yur-pe).
— 194 —

No Pará a interjectiva — eré! — mistura-se á


linguagem corrente em varias frases exclamativas,
mas não se relaciona á formula primitiva da
saudação. Diz-se tambem — “até curí”.
Até qualquer demonstração em contrario,
parecenos despida de autoridade a supposta
saudação dos caipiras, tomada, ao revés e
extemporaneamente, á leitura dos escriptores
antigos.
Não são raras essas mystificações que inculcam,
pelo menos, a leviandade dos seus auctores. E com a
mesma leviandade se propagam...

————
VASA =BARRIS
Dar em Vasa-barris...

Estamos em presença de um caso que não


offerece difficuldades de exegese e de interpretação,
mas é, todavia, curioso em seus pormenores
historicos.
Dar em vasa-barris — é uma frase que nasceu e
se divulgou no Brasil. Bastaria para indicar aquella
origem o nome topographico — Vasa-barris — que
não existe na geographia de Portugal.
Não é menos certo, porém, que a frase se
vulgarizou entre portuguezes.
Na terceira edição de MORAES (1831) apparece
pela primeira vez registrada e colhida nas obras de
Bocage.
Mas a sua naturalização entre portuguezes é mais
antiga.
— 196 —

Na Benteida, poema heroi-comico publicado em


1752 encontro um exemplo que deixa bem sentir que a
frase era já vulgarissima. A Benteida foi escripta por um
poeta comico do seculo XVIII, Alexandre Antonio de
Lima, mais celebre pelo azedume de suas satyras e
epigrammas do que por merito proprio que era
minguado; hoje é apenas um nome familiar entre
bibliomanos e archeologos da historia literaria.
Eis o trecho em que se depara a frase:

Sem de ti ver real, nem provar gota


Me deixaste em branco sendo tinto:
Ai que pondo no encher-me tanto estudo
Dei em vasa-barris com pipa e tudo.
Benteida Canto III, est. 6.

E em outro lugar o mesmo poema:

Quando assim o alto Deus se lhe apresenta,


Porque o não cegue o resplendor divino,
Pondo em tanta vasilha a immensidade
Deu em vasa-barris com a Divindade.
Ibid. Canto I, 19.

Não posso ir mais longe e nem conheço exemplos


mais antigos. D’estes, porém, se deprehende
— 197 —

que pelos começos do seculo XVIII era já proverbial


entre portuguezes aquella nossa expressão.
A frase é brasileira de origem, não ha duvida; porque
Vasa-barris era o nome do antigo rio Ibirapiranga, em
Sergipe, e da formosa costa ou enseiada que d’alli se
estende até a embocadura de S. Francisco.
Era um passo perigosissimo para a navegação que
n’aquelle tempo não se alongava muito do litoral. O mar
é semeiado de parceis onde a quebrança das vagas se faz
com fragor horrendo, e apenas alguns boqueirões mais
profundos dão passagem a pequenas naus que
demandam os portos d’aquella costa.
Eram alli frequentes os naufragios e era crença geral
no seculo XVI, como ainda o attesta Gabriel Soares, que
alli estava o oceano erriçado de recifes de pedra,
inexactidão verificada muito mais tarde. Como quer que
seja — Dar em vasa-barris — era o mesmo que perder-
se sem esperança de salvação (1).

————

(1 ) Ga bri e l S oa re s — Trat ad o , c a p. 2 1 e 2 3. O n o me pri mi t i vo


e ra o d e e n se i a d a h oj e a re i a l d e S an t a Isa b e l e nt re Ub i r a p at i b a
(h oj e J a pa ra t u ba ) e o S. F ra nci sc o. O ri o I ra p i ra n g a um po uc o a o
sul t omo u o no me d e e nse i ad a Vasa -b a rri s. P o r t od o u m se c ul o
— 198 —

A lenda d’esses perigos ainda durou muito


tempo.
Na época do nosso primeiro geographo, Ayres do
Casal, perdurava a fama d’esses mares bravios,
“parceis onde florea o oceano com horrendo
estampido; medonho e fatal baixio (1).
Não era preciso mais para que o lugar se tornasse
tristemente famoso na historia ou na lenda popular.
A expressão foi levada da antiga colonia para o
reino.
Se lá foi acceita rapidamente, contribuiram para
isso certos modismos vernaculos que lhe facilitavam
a adaptação.
Effectivamente, já corriam na linguagem
commum outras formulas de igual feitio e de
identica applicação.
Dizia-se, como ainda se diz, dar com os burros
n’agua ou dar com os bodes na areia (dil-o Garção,

————
ant es da conquista defini tiva dos port uguezes, foi frequentada pelos
francezes que commerciava m com o gent io, fazendo o pau brasil.
Irapiranga (pau vermel ho) e Ubi ratiba (abundancia de pau) t ornaram-se
os nome s ent ão mai s vulgares.
(1) V. Ayres do Casal, 2. ª ed. II, 127: Cf. o rot eiro antigo de Pimentel.
Art e de navegar, que ainda assignala o risco daquellas paragens. Era
grande o numero das náos que vinha m á capital da col oni a e demandava m
a costa naquella altura.
— 199 —

no Drama Novo; nas suas Obras II, 59) dar em


pantána, isto é, em vasa ou atoleiro.
Dar em pantána suggeriu outra expressão
geographica antiga — Dar em Pandarana (ilhéos
perigosos, perto de Goa); assim dar na areia ou em
vasa suggeriu por approximação, — dar em vasa-
barris.
A escolha de nomes geographicos não é fortuita,
ao que se vê e parece. Os espanhoes dizem, em
conjuntura igual, dar em Esgueva, que assim se
chama um rio de Castella.
Ha, portanto, evidente paralellismo em todas
estas formas, na identidade do pensamento e na
escolha dos epithetos.
D’esta arte foi que o modismo de origem
brasileira ganhou foros de expressão classica.

————
NORUEGA
Noruega no Brasil é o terreno que por sua orientação e m
meio de outros não póde quasi receber sol.

Ainda ha pouco estudei o caso de alguns


brasileirismos que me pareceram curiosos, porque
podiam ser coincidentemente explicados por um
radical portuguez ou por outro americano, e, o que
era mais provavel, por influxo simultaneo de ambas
as fontes.
Agora proponho-me a estudar um caso de especie
mais commum, a do archaismo europeu, que resurge
na America e adquire aspectos oriundos da sua
transplantação.
Já tive occasião de dizer que em toda a America
a vida colonial guardou, contra eventuaes estragos,
um grande numero de typos da antiga civilização
européa do renascimento.
Basta aqui lembrar a nossa prosodia, que mais
— 202 —

se conforma á dos quinhentistas que a actual


portugueza. Um quinhentista jamais rimaria, p.
exemplo, mãe com tem ou tambem, como o fazem os
poetas portuguezes de hoje. Ha numerosas expressões
que, vivas entre nós, em Portugal são obsoletas.
Ao espirito do meu collega a quem offereci estas
linhas, tão versado nos antigos escriptores e tão affeito
ao horizonte d’elles, não póde ter escapado o
phenomeno. Muitos dos chamados vidos dialectaes da
nossa linguagem são castas urbanidades do
renascimento portuguez, postas a salvo na colonia
tranquilla e remota.
Isto póde servir para moderar um pouco a furia com
que se malsinam os brasileirismos de expressão, não
raras vezes solitarias emergencias das jazidas de ouro,
agora occultas, de outros e melhores tempos.

————

N’um dos seus livros recentes um philologo


portuguez consagra um capitulo aos nomes de ventos,
que é curioso embora incompleto (1).

————
(1) Lições de Philologia de Leite de Vasconcellos.
— 203 —

Não fala do alcoucêz, do maestro ou maastral


(mistral), do libecho, e de outros conhecidos dos
marinheiros. Não menciona o vendaval, (vent
d’aval) nome especifico do vento sul entre os
classicos de quinhentos. “Segue-se o vento sul ou
vendaval” (diz Avellar no seu Repertorio). “O vento
austro que é o vendaval” (1). No Itinerario da Terra
Santa (cap. XI) fala Pantaleão de Aveiro, na
travessia do Mediterraneo: “Ao segundo dia se
esforçou tanto o vento vendaval e o mar se começou
tanto a empolar, que etc.”.
Apesar d’essas falhas, ha no livro de
Vasconcellos a indicação do vento Noruéga,
expressão que é tambem um brasileirismo de sentido
especial e curioso.
O philologo portuguez não cogitou do uso
extenso que da idéa e expressão fizeram os antigos
portuguezes; e certamente ignora, o que se não lhe
deve levar a mal, a evolução de sentido e os
aspectos novos que adquiriu aquella palavra no
Brasil.
Para os quinhentistas era demasiado familiar, já
como o nome de uma especie de açores e falcões

————
(1) Repertorio, sec. XVI, fol. 57 e fol. 127 v. da edição de 1594.
— 204 —

importados do norte europeu (1) circumstancia que


não interessa n’este caso, já como designação de
vento frio e que soprava do norte.
Vejamos antes de tudo alguns exemplos
caracteristicos.
No Auto dos Dois Irmãos de Antonio Prestes
indica claramente um rumo:

Não quero nada já agora,


N’outra Noruega imos.
Obras, 255.

Ainda em outra comedia, na de Rodrigo e


Mendo, publicada na primeira edição dos famosos
Autos de Luiz de Camões, tambem se lê:

A lua faz mil mudanças


Onde o vento é noruega.
scena I.

Mas não é o vento frio do norte nem o nome de


uma quinta da Estremadura (!) que vem dar a
explicação do caso brasileiro. No Brasil

————

(1) Na Arte de Caça de Ferreira (sec. XVI); na Fastigimia (seculo XVII) pg. 38.
— 205 —

chama-se Noruega o terreno que não recebe sol ou


que não é soalheiro. E’ um termo de lavradores.
Entre S. Paulo, Minas e Rio a excessiva
ondulação das terras offerece valles e encostas onde
quasi não penetra o sol.
A razão verdadeira quanto ao emprego do
vocabulo é que desde cedo se generalizou a idéa de
que na Noruega ha dias de 3 ou 4 horas apenas, e
longas são as sombras da noite, o que nada tem que
vêr com o vento.
Esta idéa não tem aqui sua origem; foi
aproveitada naturalmente por varios escriptores
portuguezes. No mesmo PRESTES, um rapaz que só
trabalha por muito favor umas tres horas por dia
imagina-se um Noruega. Eil-o:

— Sou muito soturno.


— E’s?
— Sou noruega.
Do dia não se me pega
Mais que tres horas.
pag. 15.

Os terrenos chamados da Noruega são os que


em regra, não recebem mais que algumas horas de
sol.
— 206 —

No seculo seguinte (XVII) ESCOBAR no seus


ridiculos Cristaes d’alma compara a ausencia longa
dos seus amores a outras noites compridas da
Noruega:

Esta queimação de sangue


He hua nova Noruega
Que continuam as noites
Os meses & annos de ausencia.
pag. 104.

Cristaes d’alma é um especimen curioso da


literatura freiratica do tempo.
Mais um seculo ainda (sec. XVIII) e ainda
continua este mesmo tropo e recurso rhetorico,
agora antiquado. Assim o vemos no Anatomico
jocoso, que é outro armazem de faceiras e peraltas:

Grande homem perdeu em vós a Noruega


para zombar das suas sombras diuturnas, na
industria que tendes de fazer as noytes
pequenas.
I, 217.

Creio que basta. A idéa de sombras ou noites


longas que se alternam com dias pequenos ou
— 207 —

poucas horas de sol, creou esse tropo de frequente


uso no outro tempo, e passou, cá entre nós, pois, a
designar os terrenos que não são soalheiros.
Provavelmente a denominação foi posta por
algum letrado, até porque é conhecida em pequena
area do paiz, nas vizinhanças do Rio de Janeiro e
talvez em Minas e S. Paulo, onde as terras são
flexuosas e enrugadas de sulcos.
O tropo, como tantos outros, tornou-se obsoleto
na literatura e por isso é que o vocabulo nos causa
extranheza agora.
Não ha ahi nada com o vento frio, como pensa
Vasconcellos, mas sim com a presença fugitiva do
sol e da luz.
E não era uma invenção e achado da rhetorica
portugueza. Foi um lugar commum do chamado
falar critico ou falar culto do gongorismo iberico.
Na Vida de Don Gregorio Guadana (cap. VI) lá
encontramos o dialogo:

Dona Beatriz sacó un pañuelo de holanda y


dijo:
— Tia, lléguese al norte y deje noruega.
— Critica es usted, mi señora Dona
— 208 —

Beatriz, dijo el poeta; bien hace de hablar culto


que la posada no es mui clara. (1)

E’ o mesmo conceito de que á noruega fallece a


luz e o sol, e é a região das sombras.
Assim entre nós o curioso vocabulo é o vestigio
de um tropo culterano.
E’ um termo poetico que foi apropriado pelos
nossos camponios e lavradores e sem nenhuma
intenção bucolica, bem se vê.

————

Este é um exemplo, entre muitos outros, das


nossas suppostas impropriedades de linguagem.
Um inquerito mais largo viria abrir-nos um
pouco os olhos contra a insupportavel imposição de
doutrinas puristas com que se pretende loucamente

————
(1) E a op. cit. de Antonio Henriquez Gomez, apud o commentario
oppost o ao Diablo Cojuelo de Guevara na edição moderna dos Bibliophilos
espanhoes, pg. 174, a proposit o da expressão gerigonza critica, applicada ao
culteranismo.
Nas suas viagens pel o i nterior do Brasil o capitão Burt on, fundado
provavelmente em i nformação das localidades assignala as Catas Altas de
Matto Dentro por opposição as Catas Altas de Noroega — Richard Burton — The
Highlands of the Brasil, I, 312 nota.
— 209 —

colorir o ambiente demasiado luminoso da America.


Legem habemus.
O meu collega é um dos nossos mais aproveitados
discipulos da cultura classica portugueza; occorreu-me
offerecer á sua meditação profunda essas bréves
reflexões (1) .

————

————
(1) O text o do capitulo foi um fragment o dedicado ao nosso phil ologo
Mario Barreto.
A PALAVRA MARANHÃO

E UMA ADIVINHA POPULAR

Uma face recente de estudos allemães é a dos


nomes e das coisas (Wörter und Sachen). E’
impossivel explicar sem o conjuncto de todas as
sciencias do homem e do espirito, muitas das
expressões do pensamento exteriorizadas em
formulas apparentemente insignificantes.
E como não ser assim, se as coisas desapparecem
e os nomes ficam; se uns e outros vivem,
descontinuos e são, antes companheiros de viagem
que socios perpetuos da mesma vida?
Vem isso a proposito de uma indagação curiosa
em que os materiaes da historia, da geographia, da
ethnographia, do folk lore e da linguistica, se
associam na mesma pesquiza, sem talvez outro
— 212 —

resultado que o pittoresco dos accidentes que essa


variegada turba póde offerecer em peregrinação
commum.
Um dia, Orville Derby, o sabio americano que
entre nós gastou o melhor da sua seiva, entendeu de
investigar as origens, até hoje desconhecidas, do
nome do Maranhão.
Orville Derby era principalmente um geologo;
mas a sua sciencia confina com a geographia, e, por
vezes, transborda para a historia. O saudoso
scientista costumava espairecer por todos esses
dominios onde o levava a curiosidade dos assumptos
predilectos.
Não são raras as suas contribuições valiosas de
historia nacional, como a da bandeira de Knivet, a
conjectura dos antigos itinerarios, e, uma vez ou
outra, as questões etymologicas que lhe aguçavam o
engenho e a perspicacia de naturalista.
Uma das suas pesquizas mais interessantes foi
como dissemos a que publicou a proposito das
origens obscuras da palavra Maranhão.
Orville Derby meneiou todos os mappas antigos
com o fito de surprehender o momento em que a
cartographia registra aquelle nome.
— 213 —

Os antigos chronistas não faziam cerimonia


n’estas materias e engenhavam origens desopilantes
com a mesma facundia e facilidade dos velhos
rhetoricos e ideologos da grammatica.
D’elles é que veiu a etymologia popular de que
aquelle vocabulo nascera de um dialogo entre
marinheiros que sulcavam o mar dulce nas
proximidades da embocadura do Amazonas.
— Isto aqui é mar? perguntara um d’elles.
— Mar? ah! não, respondia outro.
E estava achada a origem fortuita da palavra.
Assim rezam o Orbe Seraphico e outros papeis
velhos de outro tempo.
Esta parlapatice não muito discorde de outras
congeneres do seu tempo foi editada pelo jesuita
padre Manoel Rodrigues e repetida por outros
igualmente credulos.
Orville Derby não aborda esse aspecto da
erudição; informa-se com a nomenclatura das
antigas cartas geographicas e a relação escripta nas
Decadas de Pedro Martyr, onde apparece na
segunda edição, de 1516, o nome de Maranhão.
Esta é para O. Derby a menção mais antiga, o
que não é perfeitamente exacto. O nome apparece
— 214 —

authenticamente um pouco antes n’uma das cartas


(epistolas) do punho de Vicente Pinzon e que traz a
data de 1513; talvez seja ainda possivel averiguar
maior antiguidade, o que ignoro.
No volume da Demonstracion apologetica del
Teatro Critico de Feijó (I, segunda edição, 1739) lê-
se:

“En carta que P. Martyr de Angleria escribe desde


Valladolid (fecha 1513) supone que el rio que desagua en el
Mar debaxo de la linea se llama Marañon”.

Seria em todo o caso extemporanea e de alcance


somenos a verificação de data mais antiga que essa.
Em 1531 estão dissipadas todas as duvidas e
Antonio Galvão registra-o nos Descobrimentos
antigos e modernos que são d’essa data.
Derby registra o nome nos mappas até os
meiados do seculo XVI, todos, com pequena
discrepancia prosodica ou orthographica, concordes
quanto á physionomia essencial da palavra:
Marañon, Maranhon, Maranhan, etc.

“Result a d’esta historia, diz Orville Derby, que o


nome appareceu demasiado cedo para que lhe seja
— 215 —

attribuida uma origem indigena; corruptela de Paraná já


frequentemente lembrada” (1).

As razões apresentadas por O. Derby são


inteiramente attendiveis, principalmente quando
afasta a hypothese de uma utilização do nome de
pessoa Marañon que figura em bulas e nobiliarios
medievaes como appelido de familia de cavalheiros
da ordem de Santiago.
O nome deve ser portuguez ou indigena. Alguns
nomes indianos, ao contrario do que affirma
dogmaticamente o nosso geologo prevaleceram
desde os primeiros momentos. Isto devia ter
succedido ao proprio nome do Brasil já popular em
1510 pois d’esse anno é o Auto da Fama onde o
menciona Gil Vicente. Expressões insolitas não
figuram no estylo comico.
Depois de recusar todas as etymologias
propostas, O. Derby apega-se á palavra portugueza
marachão (represa natural ou artificial formada de
areias, pedras e cascalho) guiado nisto

————
(1) Nã o mui to fre que nte me nte. Le mbra e ssa ori ge m Herbe rt Smit h
sob a forma aceita vel — paranã — no se u li vro Brazil-Amazons and t he
Coast — Cap. I, 21.
— 216 —

especiosamente por uma circumstancia fortuita


originada em provavel erro typographico.
O doutor Derby verificou a existencia do termo
no diccionario de Moraes que o abona com varios
exemplos de que não dá o texto, mas que eu posso
aqui revelar.
O lexicographo cita a proposito do termo: Eneida
III, 94; Mausinho, fol. 7; Castilho — Elogio de D.
João III, fol. 300. Os textos que por brevidade
Moraes não registra são os seguintes.
A Eneida citada por Moraes é a traducção em
oitava rima de João Franco Barreto; e de facto assim
o diz:

E como os ventos este mar vencido


A praia de Sicilia te levarem
E do estreito Peloro conhecido
Os marachões escassos se mostrarem
Com circuito longo ao mar mettido
Por se perigos grandes evitarem
A’ mão esquerda toma, que á direita
He toda a praya cheia de suspeita.

Corresponde esta oitava ao texto latino de Virgilio:

Ast, ubi digressum Siculæ te admoverit oræ


Ventus, et angusti rarescent claustra Felori
— 217 —

Lœva tibi tellus et longo læva petantur


Æquora circuitu; dextrum fuge litus et undas.

Outro trecho apenas indicado em Moraes sob


abreviatura Mausinho, 7 é do poema heroico Affonso
Africano de Vasco Mausinho de Quebedo. E’ do canto
I, estancia 24:

Mas Rio que a espraiar he costumado


Se não trabalha a forte industria humana
Com marachões soberbos represallo
Hum dia espraiará que faça abalo.

Essa documentação que faço por habitos de


paciencia que grangeei no officio de pesquizador de
ninharias, é inteiramente inutil. O proprio O. Derby,
consulta feita aos competentes, reconheceu a absurdez
da etymologia que tirava os seus effeitos de um
improvavel erro typographico ou de uma leitura
esdruxula de maranhão por marachão. N’isto pouco se
adiantava aos processos esquipaticos e esdruxulos dos
Vaugelas e Dispauterios.
Não merecem aqui commentadas as hypotheses, sem
valor, de derivações arbitrarias como a de maranhas e
a dos legendarios maranhões de Lopo de
— 218 —

Aguirre, posteriores á existencia do nome


geographico já perfeitamente localizado e definido.
Cumpria, pois, levar a investigação a outros
pontos menos explorados ou mais resistentes. Seria,
pelo menos diversão util deixar ao desamparo as
hypotheses já examinadas.

A hypothese de uma advinha popular

Orville Derby porém era tenaz em suas pesquizas


e não perdeu de vista o problema. Foi quando então
uma pessôa aqui no Rio lhe disse que no Maranhão
corria um enigma popular que envolvia a palavra. O
geologo, porém, não conseguiu o texto do enigma; a
communicação fôra feita em termos vagos, mas
suggeriu a idéa de que talvez os folk loristas
poderiam alcançal-o e colhel-o na forma
genuinamente, popular e authentica, como convinha
ao estudo curioso e interessante na especie. Deu O.
Derby, por finda, a sua tarefa.
Ficamos, pois, na espectativa de que aparecesse
o enigma ou a advinha popular que segundo O.
Derby devia ser um elemento novo e precioso de
indagação.
— 219 —

Ora, a hypothese que aventara não foi suggestão


ociosa e inutil. Realmente, logo depois das paginas
do sabio americano um folk lorista da Parahyba do
Norte, o saudoso J. C. Carneiro Monteiro que havia
muito se dedicava ao estudo da literatura popular,
encontrou o enigma ou adivinha corrente nas terras
do Norte e onde apparece a palavra maranhão. O
enigma é o seguinte:
Que é o que é?
Mil marinhinhos
Mil maranhões,
Dois currimboques,
Quatro chantões?

O sentido é boi ou vacca. Se é um disparate não


foi inventado d’esta banda e é de todos os povos
aryanos. O dr. Carneiro Monteiro poude assignalar a
origem européa d’essa adivinha. Realmente é ella
popular nas terras portuguezas, e está n’um trecho
das Pupillas do Senhor Reitor de Julio Diniz.
Convem cital-o integralmente:

“Conversam uma menina seu pae e um estudante:


—E esta? — continuou a creança:
Mil marinhinhos, mil marinhões,
Dois parafusos e quatro chantões!
— 220 —

— Isso agora, é que tem mais que se lhe diga! Que lingua
vem a ser essa Marinhinhos e Marinhões, e o que mais, que
mais.
— E’ um boi, é boi, respondeu a rapariga a quem faltava
paciencia para vêr estar a pensar muito tempo.
— Um boi? sempre queria saber como isso é um boi.
— Mil marinhinhos são os pellos.
— Ah!... e mil marinhões ?
— São os pellos maiores, respondeu o pae.
Dois parafusos são as gaitas continuou a filha.
— E então, provavelmente os quatro chantões... ia a dizer
Daniel.
—Pois essa de todas é a mais bonita, — disse Daniel, e
que effectivamente no estado de espirito em que se achava
encontrou certo sainete de originalidade no desparatado
anigma tão popular no Minho”.

Podiamos aqui accrescentar que é encontradiço


na Italia, onde o conhecemos sob esta redacção:

Due lucente, due pungente; quattro zocculi e una scopa,


ou, quattro stanghe e una granata.

Não vale a pena registrar outras variantes da


mesma coisa.
A contribuição de C. Monteiro completa a
suggestão de Orville Derby.
— 221 —

Ninguem de boa fé, e de senso vulgar, póde crêr


que o nome de uma terra derive de uma adivinha ou
de um enigma.
A’ primeira vista e exame, assim é. Entretanto,
um documento do folk lore pode encaminhar a
outras fontes e fortalecer outras origens acaso
desprezadas.
Assim retomando o trabalho dos dois precursores
podemos talvez adiantar um passo ao caminho que
abriram. E é o que esperamos dizer continuando
agora, as notas e reflexões sob o estimulo do
saudoso sabio americano.
Não foram escassas as costumeiras hypotheses e
conjecturas de fantazias sem fundamento historico,
creadas pelo mero arbitrio de aproximações e
apparencias adequadas.
Maranhão seria por exemplo a mesma coisa que
maranha enredo de fios, labirinto de vegetação ou
coisa intrincada. Parecia justifical-o o contraste da
costa arida do norte, sempre uniforme ao apontar
os primordios da riqueza vegetal da Amazonia.
Mas, os descobridores da terra vieram do óeste e
nada achariam de extranho nas praias verdejantes
— 222 —

do Maranhão. N’este rumo as maranhas vegetaes


diminuiam e não prosperavam.
Tambem, maranha é intriga e rebeldia; e assim
os rebeldes que assassinaram a Ursua e com Lopo de
Aguirre, remontaram as aguas do Rio Negro até
sahirem no Orinoco, foram por essas mesmas
maranhas chamados os maranhões.
E’ inutil demonstrar a tolice d’esse anachronismo
lexico, violentissimo, que só podia ser acolhido por
um ignorante da nossa historia, amador de
diccionarios.
Minguam de solidez, por escasso criterio, os
appelidos onomasticos de Marañon ou Maranhão,
certamente verificado em familias ou nobreza
peninsular. Os fuões Maranhão agradaram a Simão
Estacio da Silveira e a Frei Christovão de Lisboa,
respectivamente na Relação e na Historia natural do
Maranhão.
Falham o argumento, o proposito e conteúdo
d’essas affirmativas, talvez imaginarias, e nenhuma
critica séria e conscienciosa poderia até agora
aceital-as.
Um publicista do Pará, Lourenço Rodrigo
Ferreira, eximio em acrobacias etymologicas
— 223 —

indigenas, thema perigosissimo, suggeriu ha tempos


a existencia de mara-ihó e maran-hon.
Certo é que maraió (Marajó, hoje), podia
nazalizar-se em marayão ou maranhão, se
attendermos a algumas tendencias já observadas na
nomenclatura topographica.
Posso aqui, como confirmando-o, apresentar um
caso da chorographia portugueza: o cabo Grajáo ou
Garajau como está na antiga Historia Insulana do
padre Cordeiro, foi nome dado a uma ponta do
Funchal pelos mesmos descobridores da Madeira,
Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, (o nome é de uma
ave commum ás terras de beira-mar) e hoje se
chama o cabo Grajão.
Assim, era possivel de Marayó formar-se
Maranhão.
A chronologia, porém, aqui desmente e inutiliza
essa hypothese méramente phonetica e sem alcance.
Maranhão é o vocabulo mais antigo e marajó,
cremos que em Cuba, é o nome do cajueiro.
Que relação é possivel descobrir entre os dois
nomes?
A veia dos etymologistas, porém, sempre
fecunda não se estanca com facilidade.
— 224 —

Como interesse anecdotico, esperta a imaginação


sequiosa dos seus proprios fantasmas. Quando não
ha, inventa-se; a questão das origens é sempre uma
transcendencia indispensavel; aquelle sujeito que
tirou agua de aqua — a qua vivimus — tocou uma
das ulceras do espirito humano.

————

Já conheciam os incautos outras conjecturas


viciadas do mesmo evidente anachronismo.
Maranhão seria apenas o mesmo nome do curso
superior do Amazonas, que lá nos seus pongos do
Peru tambem foi chamado o Marañon.
A confusão resultou da convergencia de varios
erros e anachronismos: em primeiro logar toda a
porção declive, chamada paradoxalmente montaña
que abrange a planicie occidental amazonica, só foi
explorada tardiamente muito depois de figurar o
nome Maranhão no litoral, nas relações, roteiros e
cartas, com indeterminada posição, ao redor do
meridiano alexandrino, entre o Orinoco e o Mearim,
que eram todos, cada um a seu turno, considerados o
Maranhão.
— 225 —

Nas cabeceiras, nas regiões do Perú, o nome


Marañon foi apenas uma antecipação, na historia da
geographia, dos que n’aquelle curso viam o braço
principal do phenix dos rios como lhe chamava o
padre M. Rodrigues.
O benedictino P. Fr. Martin Sarmiento resume
excellentemente esses errores cartographicos n’um
breve lance:

“De manera que todos los primeros pilotos, que aportaban


á la America, por áquella Costa que hai desde el Meary hasta
el Orinoco, á qualquiera Rio, golfo, enseada, ó brazo de Agua,
que encontrasse, creíam que habian hallado la embocadura del
Marañon, ó de las Amazonas. Pinzon fué el primero que por
los años de 1500 se halló debaxo de la Equinoccial: y
reconoció la boca del verdadero Marañon. Despues cada uno
la situaba en donde podia”.

E’ necessaria alguma attenção para essas


incertezas, de geographia colonial, se queremos
chegar á intelligencia da advinha popular de origem
europea intelligencia da advinha porpular de origem
europea que ahi encontrou um fertil campo donde se
diffundiu a sua popularidade.

— Mil maranhinhos, mil maranhões!


— 226 —

Não seria isso mesmo a traducção de tantos


enganos e de tão encontradas fantazias?
Aquella expressão popular que oppunha um
maranhinho a um maranhão, estava destinada a
debuxar ao vivo a inconstancia e perplexidade dos
que podiam, por autoridade propria, dizer o nome da
terra.
Não podia passar despercebida aos colonos essa
irresolucão dos mestres.
O padre M. Rodrigues diz que ha o Maranhão (o
rio grande) e ha o Maranhãozinho ou Marañoncillo
que é o Mearin. Mais brevemente, ha Mearin ou
talvez Maraim e Maranhão.
Os colonos, naturalmente, e sobre tudo os
minhotos, deviam repetir:
— Mil maranhinhos, mil maranhões!

Sempre me pareceu que uma formula da


literatura, por si mesma nada poderia adeantar ás
etymologias geographicas.
Mas, a intuição de Orville Derby, acenando a
essa pesquiza, como se vê, sempre deu algum fructo,
pois que de facto, conforme fica estabelecido, ha
via a incerteza ou o contraste de maranhinhos e
— 227 —

maranhões, na mesma historia dos descobrimentos.


Confundia-se o Mearim com o Maranhão.
Cumpre dizer que a terminação é diminuitiva na
lingua geral.
Para materia tão fugitiva o subsidio podia ter
algum valor.
Deparou-se, porém, coisa melhor e mais
decisiva. No seculo XVIII, no Maranhão, lingua
vulgar e conhecida de toda gente era o tupi, assim o
diz, entre outros, frei Francisco dos Prazeres, o
auctor da Poranduba maranhense que é d’aquelle
seculo. O padre A. Vieira dizia em 1682 escrevendo
de Roma, (II vol. das Cartas) que aquella era a
lingua do Maranhão e “com effeito, diz o editor da
Poranduba foi a lingua corrente até o anno de 1750
em que entrou a correr a portugueza”.
Este é ainda o caso da lingua vulgar nas
populações chamadas impropriamente tapuias do
Amazonas.
A consideração, aqui posta, apenas serve para
esclarecer previamente a importancia de um
documento historico que traz alguma luz á questão
de que me occupo.
O bibliothecario de Evora, J. Heliodoro da Cunha
— 228 —

Rivara, pesquizador consciencioso, e um dos mais


notaveis bibliographos entre os da erudição
portugueza do ultimo seculo, publicou no volume
quarto do Panorama, (sob as iniciaes que revelam o
seu nome sobejamente acatado) um estudo sobre a
antiga provincia do Maranhão.
O que ha mais curioso e interessante n’aquelle
trabalho são os fragmentos de longa carta
manuscripta do anno de 1724, de mão do jesuita
padre João Tavares ao seu Visitador geral.
O jesuita é um grande enthusiasta da terra que
acha deleitosa, amena e sadia. Faz uma excellente
descripção dos rios e logares. Para elle, o Maranhão
chama-se Maranhay.
E, n’este ponto, entra em largas explicações.
O melhor das reflexões do jesuita está n’estas
palavras, que transcrevemos textualmente:

“Terá V. R. reparado na orthographia,


com que escrevo a palavra Maranhay contra o
commum. Foi de industria, por dar gôsto a V.
R., que como tão perito na lingua brasílica,
folgará lhe diga o que por mim tenho
alcançado ácerca da etymologia desta palavra
Maranhão: ponto em que tenho ouvido
altercar por boca e por escriptos antígos; e
— 229 —

sobre nunca assentarem em nada de quanto


disseram, nada tem fundamento no meu fraco
entender. Vejam-se os antigos manuscriptos da
missão. O P.e Bartholomeu Leão, da provincia do
Brasil, reformador do Cathecismo da lingua
brasílica, me recommendou muito quando vim
para o Maranhay que se me avistasse com o P.e
Ascenso Gago, o mais perito que por então
reconheciamos neste idioma brasílico, soubesse
delle o que sentia neste ponto. Ambos morreram
ignorantes do que aqui quero dizer, e nunca o
dissera sem ter visto com os meus olhos as
pororocas do Maranhay. Pelo que digo que a
palavra Maranhay se compõe de dois verbos e de
um substantivo. Os verbos são Maramonhangá,
que significa brigar; e anham, que significa
correr (até aqui atinava o dito Pe. Bartholomeu
Leão); e o substantivo é palavra ou letra, que
sugnifica agua, e anda tirada da palavra
Maranhão por corrupção da palavra: assim como
estão infinitos nomes da lingua brasílica corruptos
pela pronuncia dos portuguezes. Nesta palavra
não podia atinar o Pe. Leão sem vêr ou lhe
dizerem o que passa pelo Maranhay. Deram os
naturaes este principal nome a esta terra do que
nella mais principalmente avultava, que são as
pororocas, cujo aspecto é uma briga das aguas
correndo.
— 230 —

Tudo isto diz a palavra Maranhay, agua que


corre brigando”.

Assim, pois, davam os naturaes (como diz o


padre Tavares) á sua terra o nome de Maranhay ou
maranhim em lingua que era então a vulgar do povo,
emquanto os eruditos e sabios lhe chamavam o
Maranhão.
Era natural, conseguintemente, que a advinha
portugueza ganhasse uma côr local inestimavel,
quando falava dos maranhinhos e dos maranhões,
tão de perto allusivos áquella perplexidade quanto
ao nome da terra.
Sem duvida, não é da adivinha que deriva uma
ou outra das duas denominações; mas a anecdota
explica a boa fortuna e vitalidade que adquiriu em
ambiente tão propicio. Nos entretenimentos e nas
palestras devia ser lembrada.
Eis ahi, as achegas, inuteis ou estereis, que
imaginava eu entregal-as ao proprio Derby, quando
a fatalidade nos privou da sua immensa dedicação á
nossa terra.
Seria materia de um colloquio intimo o que é
agora uma pagina in memoriam.

————
VARIA
Frases varias. Nota bibliographi ca aproveitavel.

Frases e locuções brasileiras não têm constituido


objecto especial dos nossos investigadores. Não
parece assumpto aprazivel; os nossos estudiosos da
lingua só discutem questões de analyse grammatical.
Ha, todavia, um livro interessante de Alfredo de
Carvalho (Pernambuco) em que se pesquizam alguns
modismos e expressões de uso entre nós, e é um
trabalho de merito.
Alem d’esta obrinha, nada mais existe que me
conste. Existem, porém, explicações avulsas de
modismos brasileiros em revistas, jornaes e outras
publicações precarias quasi inaccessiveis. Em geral,
são meros registros, ainda assim aproveitaveis.
Conheço algumas que vou transcrever com o fim
— 232 —

de as divulgar. Infelizmente nem sempre são


acompanhadas do commentario conveniente, mas é
sempre interessante registral-as.
As seguintes foram escriptas pelo Padre José
Joaquim Corrêa de Almeida (de Barbacena), poeta
satyrico que gozou de grande nomeada em outro
tempo, ainda que a leitura dos seus versos, que são
engraçados e sairam em muitos volumes, não pareça
inculcar um merito proporcionado á sua reputação.
Foi, porém, (era coisa rara na sua geração), um
dos poucos que cultivaram os estudos classicos
portuguezes, principalmente, no que dizia respeito
ao vernaculismo e á correcão da linguagem.
Vão em seguida as notas do erudito poeta, com
os seus commentarios:

“1. Macaco velho não mette a mão em combuca. E’ um


rifão brasileiro, para dizer que a experiencia nos impede de
praticar actos que poderiam compromett er -nos. Explicada a
origem do anexim, ver-se-ha que foi bem adoptado.
Cabaço (diz o cl assico Moraes), fructo brasilico,
especi e de abobora de miolo doce ou amargo, o qual se
separa e se deixa um casco rijo, de que se fazem as cuias.
Faltou dizer e as combucas. Estas differem d’aquellas em
— 233 —

terem a bôca estreita. Para caçar o macaco, introduz-se uma


espiga de milho em uma combuca, elle mette a mão, segura a
espiga, e por não ter o instincto de largal-a, apesar de sua
decantada astucia, fica preso pela mão, que estando cheia
não póde sahir por onde entrara vasia. Como o cabaço está
preso por uma corda a um objecto fixo, torna-se impossivel a
fuga.
O macaco velho, porém, tendo visto assim logrados
muitos de seus companheiros, não se deixa cahir na
armadilha.
2. Praga de urubú não mata cavallo. Esconjuro contra o
sujeito que, com vistas no interesse proprio, prognostica
males alheios.
3. Papagaio come o milho, periquito leva a fama.
Significa que o delicio do grande recái sobre o pequeno.
Equivale a est’outro — a corda sempre arrebenta pela parte
mais fraca.
4. Em festa de jacú não entra nambú. Quer dizer que os
pequenos não devem envolver-se nos negocios dos grandes.
Tambem se diz: são brancos lá se entendam!
5. Na cacunda de tatú tamanduá aguenta sol. Este
anexi m, cuja pureza de linguagem não defendo, corres ponde
a est’outro: trabalha o feio para o bonito comer; ou talvez
melhor, a este: por amor dos santos se beijam os altares.
6. Fogo na cangica que é de milho velho. Este anexim
refere-se á cangica de Minas, que o Moraes define
soffrivelmente, se bem que lhe deite sal por sua conta, e
risco, e contra o nosso gosto e costume. Indica que se
— 234 —

trabalhe com affinco, porque ha difficuldade a vencer.


Equivale pouco mais ou menos ao outro: quem tem olho
fundo principia a chorar cedo.
7. Pentear macacos é o mesmo que bugiar.
8. Roceiro na cidade é força de negocio. O lavrador ou
agricultor (que entre nós se chama roceiro) commummente
vem á cidade por urgencia de negocios, e d’ahi tirarem o
anexi m, que applicam, v. g. ao jogador que só se declara
feito com jogo segurissimo; ao politico que só expõe o peito
á bala nas mãos de empenho, etc., etc.
9. D’esse mato não sai coelho. Diz-se a respeito da
pessoa, de quem não se póde esperar acção generosa. E’
talvez o mesmo que o anexim portuguez — Arvore que dás
pilritos não pódes dar cousa bôa”.
————

Sobre estes ditados ou proverbios diriamos


alguma coisa, tratando em separado de cada um dos
que não foram sufficientemente explanados, se
tanto nos permittisse o conhecimento que temos do
assumpto.
Em geral e por toda a parte variam as explicações
quando são estas fundadas em historietas populares; tal
é o caso da primeira frase, que achamos
— 235 —

excellentemente estudada, se realmente existe ou é


de uso aquella armadilha a que se refere o padre
Corrêa. Foi já estudado em capitulo especial.
Se a fabula veio dos indios não ha lugar para a
extranheza do commentador quanto á falta de
astucia do macaco. O macaco é realmente um dos
typos da astucia, mas nas fabulas de origem
africana.
O animal astuto para o indio é principalmente o
jaboty, que originou um cyclo de legendas e
historias.
Livros extrangeiros que se occupam das nossas
coisas registram modismos. Um pequenino opusculo
do engenheiro F. Freise consigna este proverbio de
caboclos colhido entre os tropeiros das regiões
diamantiferas: Caetetú fóra da manada cae no papo
da onça. (Ernstes n. Heiteres — pg. 18.).

————
UMA SUPERSTIÇÃO POPULAR
— Signaes de mentira nas unhas.

Ha algum tempo fazendo a critica de um


excellente trabalho — o Diccionario de
Terminologia medica do Dr. Placido Barbosa,
arranjei uma anotação complementar ao curioso
artigo Mentiras que occorre n’aquelle lexico.
O lexicographo diz o seguinte que repetimos para
intelligencia do leitor que não possua o Diccionario
de Terminologia:

“MENTIRAS . — no Brazil, chamam mentiras ás manchas


brancas que costumam apparecer na superficie das unhas;
sempre me pareceu que tal acepção do termo fosse um
modismo peculiar do nosso povo; mas não é, deve ser
expressão geral, pois que a encontrámos na tecnologia latina
— mendacia unguium (Walter Guttmann, Medizinische
Terminologie); eruditamente, o nome dellas é leuconiquia
(leuconichia), do gr. leucos branco, e onyx, unha”.
— 238 —

Entendo que será de vantagem conhecer mais


detidamente a materia.
Escrevi que na realidade a superstição das
mentiras se havia generalisado entre os povos cultos
e tinha por si uma grande antiguidade. Referi-me á
superstição dos estigmas physicos que deixa aquelle
vicio.
Como já observara Quitard n’um dos ditos
latinos incluirá Erasmo o modismo que diz
textualmente: Nasus tuus arguit mihi te mentiri —
adverte-me o teu nariz que estás mentindo.
Realmente, os antigos gregos e latinos acreditavam
que o habito de mentir assignalava no corpo uma marca
por onde se denunciava o mentiroso.
O signal devia ser no nariz, nos dedos, nas unhas ou
na ponta da lingua.
As aphtas na extremidade da lingua — Pseusmata —
indicavam o mentiroso.
O estigma na lingua está n’um dos idyllios de
Theocrito. Assim, diz o bucolico no verso:

Μηκέτ’ έπι γλώσσας άκρας


ολοφυγδόνα φύσης
— 239 —

“Não faças brotar na ponta da lingua um botão”. Não


mintas. Na lingua, no nariz ou nas unhas, era
indifferente o lugar da mancha, pustula ou verruga
denunciadora.
A lingua devia ser naturalmente o lugar mais proprio
para theatro de mentiras; todavia, um si gnal externo e
mais visivel devia prevalecer.
Em Horacio na ode a Barina, que não apparece em
edições expulgadas e que é a VIII (respectivè IX) do
livro segundo, é indicada a mancha das unhas:

Ulla si juris tibi peiorati


Pœna, Barine, nocuisset unquam;
Dente si nigro fieres, vel uno
Turpior ungui
Crederem...

“Barina, eu acreditara em ti, se tivesses recebido


castigo de tuas mentiras, se te apparecessem negros os
dentes ou manchadas as unhas”.
O padre José Agostinho traduziu esses versos um
pouco prolixamente:

Os juramentos teus acreditara


Barina enganadora,
Se alguma vez a pena
— 240 —

De teus perjurios sobre ti caira,


Se teus eburneos dentes se mancharam
E as brancas unhas o esplendor perdessem.
ed. 1806 pag. 68

Outros muitos traduziram a ode e em diversas


linguas, sem faltar á comprehensão do texto. E’ que
a superstição das mendacia unguium sempre foram
conhecidas de toda a gente.
Os francezes têm o modismo — avoir les ongles
fleuris — que descende das unhas felinas da las civa
e perjura Barina.
A razão d’esta superstição está provavelmente
em que aquelles signaes são frequentes nas
creanças e pessoas muito moças e n’ellas o habito
de mentir é ainda mais frequente, já medo de
castigo ou por desenvoltura natural e ausencia de
gravidade.
Parece-me. Entretanto velhos ha que mentem
mais que a jovial Barina do poeta. Conheci na minha
terra um sujeito, o João Fogueteiro, que mentia
desencadernadamente. A mulher do homem apoiava
as descabelladas mentiras rebatendo o ar sceptico da
assistencia: — Qual o quê! seu João não mente!
— 241 —

As mentiras que assignalam as unhas não passam


de artificios e exageros muitas vezes innocuos.
Talvez por isso alcunham os inglezes de mentira
branca (white lie) a invencionice tola, alvar e sem
consequencias.

————
INDICE DE COISAS
————
Alencar, José, (pg. 216, nota) — “Alencar sempre se
defendeu das arguições de alguns puristas”.
Sempre: embora algumas vezes sem exito apreciavel. O
sentido principal das suas palavras era, entretanto, o da
necessidade imperiosa da independencia literaria:
“Como as cousas litterarias esquecem depressa entre nós, não
vem fóra de sasão recordar os termos desta controversia
litteraria, que sem animo deliberado acha-se travada de mundo a
mundo, atravez do oceano, e em condições as mais desfavoraveis
para mim.
“Meu verdadeiro contendor não é o senhor Dr.... mas a
litteratura portugueza, que tomada de um zelo excessivo
pretende por todos os meios impôr -se ao imperio americano.
Infelizmente vae-lhe á colla grande parte dos escriptores deste
Brasil, ainda tão pouco nosso, os quaes sacrificam o sentimento
nacional por alguns fofos e poidos elogios da imprensa,
transatlantica.
“Contra essa cohorte formidavel pelo talento, pelo numero e
pela intolerancia, arco eu e só; um simples curioso em litteratura,
e esse unico. Ha talvez por ahi, na mocidade que desponta
exuberando melhor seiva, alguns talentos bafejados pelas auras
americanas, a quem vibram no intimo os assomos de nossa
independencia litteraria, como outrora a idea da emancipação
politica fazia palpitar a geragão de 1822”.

Amerindios (pg. 81). E’ uma palavra internacional que os


ethnographos propuzeram para evitar o equivoco dos indios da
India com os da America.

Ananás (pg. 160). A forma primitiva em Anchieta


como em Ler y é — naná. O — a — prosthetico é do
guaran y e parece indicar o fru cto: a — naná, o fru cto d o
naná. Al guns vocabularios europeus, por erro, assignalam
II

que o termo é do Perú; os quíchuas do Perú tinham denominação


propria — achupalla.
Na — Historia naturalis Brasiliæ 1648, registra-se ananás,
que é hoje o vocabulo corrente.
Archaismos. (Varios lugares). Veja — tiptoe — e o que se
diz sobre os archaismos na America do Norte. Por vezes, o
archaismo desde que toma sentidos pejorativos causa extranheza
ou repugnancia. Em certos lugares do Sul, (no Paraná, por
exemplo) a palavra f........ é de bom sentido e applicada a pessoas
casquilhas, coquettes: “Elle é muito f...”
“Os quinhentistas portuguezes empregavam-na com a mesma
ingenuidade e sem equivoco; assim o fez Antonio Ferreira na
Comedia de Bristo:
“Elles chamam-me f........ e marinello, mas eu engordo ás
suas custas...”
(Acto II, sc. II.)
Hoje, sem nos apartarmos da idea, direamos fashionable,
anglicismo que é afinal o francez façon e o port. f........
provavelmente todos da mesma, origem latina.
Entretanto, fóra desse uso local muito restricto, a palavra
seria insupportavel na sociedade brasileira ou portugueza.

Botar. (pg. 160). E’ um verbo de uso extensissimo no Brasil,


como excellentemente observa Pereira da Costa e cita a opinião
de Aulete que considera a expressão de uso menos polido”
Em outra occasião escrevi:
“No Brasil abusamos no emprego de botar.
O sentido antigo de botar não é o actual; era lançar de
dentro para fóra, como expellir. Essa significação do movimento
centrifugo ainda se conserva na America, nas republicas ibericas.
Entre nós é equivalente a pôr, deitar e até usar.
Do sentido original e verdadeiro, ha as expressões: bote de
cobra, bóte da espada.
No jogo da pelota diz-se botar da reacção e impulso da
pelota, quando bate em corpo rijo ou elastico.
Bem se vê que não é a mesma coisa. A etymologia não é
latina, mas germanica, do gothico bautan, do antigo allemão
bôzen, impellir e arrojar, segundo ensinam os mais
auctorizados mestres que pudemos consultar. A essa forma é
que se ligam — botão da flor, abotoar, desabrochar
III
— o que tudo indica movimento de dentro para fóra.
Aliás, o povo diz sempre, como n’esses versos populares:
“Sinhá Maricota,
Seus cajús já bóta.
com o sentido de arremeço, nascida ou erupção.
E usamos ainda botar como derivado de voto (juramento):
“boto p’ra Deus” por — voto a Deus — dos antigos escriptores.
Brasileirismos. O dicicionario da brasileirismos da
Academia brasileira está sendo feito sob a direcção de Afranio
Peixoto, Silva Ramos e do autor deste livro, muito
principalmente do primeiro.
Capoeira (pg. 34-35). O snr. Mario José de Almeida oppõe-
se á observação que inclui no texto na seguinte advertencia:
Candido de Figueiredo diz, acertadamente, que a definição
da palavra “capoeira”, quando empregada em certo sentido, é
esta: “mato que se destina a roçar”. João Ri beiro affirma que essa
definição não é exata, mas o nosso patricio está enganado,
porque a palavra em questão tem aquelle significativo — pelo
menos no Estado do Rio de Janeiro.
Ali é muito commum ouvir-se esta pergunta a quem deseja
comprar algum “sitio” ou fazenda: “E as terras têm capoeira”. O
pretendente quer saber si a propriedade tem mato proprio para
ser roçado.
Creio que foi nesse sentido que o lexicografo Moraes
empregou a expressão: — “capoeira de foice”.
Moraes era de Pernambuco.
Lá não sei; mas, no meu Estado sei perfeitamente que ha
“capoeira de foice” e “capoeira de machado”, sendo que qualquer
das duas se destina a ser roçada.
Já vê o eminente mestre João Ribeiro, que é de Sergipe, que
numa consideravel zona do centro do paiz, aquella definição tem
perfeito cabimento.
Eu não estou aqui fingindo de filólogo; mas, como a
explicação é fácil e o equivoco está assignado por um grande
nome numa publicação de responsabilidade achei conveniente
escrever esta nota”.
As razões não são muito procedentes porque, sem embargo
do sentido assignalado por C. de F., a capoeira não pode ser de
mato virgem e este pode ser roçado como outro qualquer.
IV

Difinição exacta é a que dá p. ex. Amadeu Amaral no


Dialecto Caipira — 107:

“Capuêra, s. f. — mato que nasceu no logar de outro


derrubado”.
A Capoeira é sempre uma renovação da floresta primitiva
onde esta foi queimada ou desappareceu. Escrevi que a definição
de C. de F. “não era exacta” não porque fosse falsa ou errada,
mas porque não abrangia o definido e só o definido.

Carioca. Os portugueses de Portugal empregam por vezes


este termo com evidente deturpação de sentido.
Verifique-se. Carioca é o nome antigo do pequeno rio que
desce das vertentes das Larangeiras e desemboca no Flamengo.
Parece que lhe chamam hoje rio das caboclas.
Foi Lery, um dos francezes do tempo de Villegaignon, o
primeiro que conheceu e escreveu a respeito do pequeno curso
d’agua—que elle escreveu segundo a prosodia franceza —
Kariauq — transcripção correspondente ao nosso Carioca.
Isto basta para indicar a etymologia. Entretanto muito se tem
discutido a cerca do nome do rio. Sabe-se que em tupi oca
(guarany og) significa — casa.
D’ahi a necessidade de admittir que carioca vem a ser a casa
de Cari ou dos Cariós ou Caris, alguma tribu ou aldeia de
indios. Effectivamente existiu uma pequena aldeia indigena na
foz do Carioca, na praia do Flamengo, segundo o testemunho dos
francezes do seculo XVI que aqui estiveram. Mas a existencia da
tribu cari é coisa muito duvidosa.
Ha explicação melhor.
E’ corrente em antigos escriptores (Veja-se Pizarro — Men.
Hist., III, 179) que a palavra cari ou caa-y quer dizer — agua do
mato. N’este caso, carioca é a casa da agua, a fonte, origem
d’ella ou logar onde se encontra.
As aguas do Corcovado e de Santa Thereza que são as
mesmas do Carioca foram canalizadas e levadas em aqueducto
para a cidade. Dalhi a extensão do nome Carioca aos que bebiam
a agua d’este rio e eram todos os habitantes da cidade velha.
Do erro que commettem os portuguezes é exemplo a leviana
facilidade com que nas suas preciosas Apostillas Gonçalves Vianna
tratou da palavra dando-lhe o sentido de mulato ou preto. E’ possivel
que assim seja entre lisboetas; aqui ignoramos essa synonymia.
Parece-nos, antes que G. Vianna ou qualquer dos seus informantes
V

confundiu carioca com cariboca ou cariuoca ou curiboca, que


devem ser parentes proximos de cabôclo”.
Chocalho. Bebeu agua de chocalho. Entre os meus papeis
encontrei esta interessante nota do Barão de Studart:
“Acabo de ler (diz elle) o n. 9 das Sciencias e Letras, revista
que o talento dos esposos Bevilacqua, secundado por
collaboradores de primeira ordem, vai fazendo dia a dia mais
interessante e proveitosa, e la deparei com as — Frases
Brasileiras — do meu eminente amigo.
“Assentei logo em escrever-lhe para dizer que duas dellas
são de frequente uso no meu Ceará.
“Dos tagarelas”, dos que “falam pelos cotovelos”, expressão
aqui mui usual, tambem se diz que beberam agua de chocalho. A
expressão vem do continuo ruido que o apparelho produz na
constante agitação dos animaes delle munidos e que se faz ouvir a
toda hora por onde passam; dahi o simile, a applicação ao homem
que não dá descanço á propria lingua e aos alheios ouvidos.
“A pratica de fazer a creança beber agua contida num
chocalho para facilitar-lhe a fala é conhecida nos nossos sertões
e até nas cidades”.
Chumberga (pg. 53). Ha varios Schombergs de prosapia
illustre. O que nos interessa a nós e aos portuguezes no caso é o
Conde de Mertola, mestre de campo general que servira na Prussia
e na França e, entre portuguezes luctara nas guerras da restauração.
Cochilar, (pg. 160) A palavra “cochillo”, e “cochillar”, é um
brasileirismo de origem africana. Esta muito vulgarizada e traduz
exactamente o “dormitat” de Horacio: “quandoque bonus
dormitat Homerus” que Candido Lusitano trasladou em verso de
prosa razoavel:
“Toda vez que dormita o bom Homero”.
O phenomeno da oscitancia, o pestanejar ou piscar e ainda
melhor “toscanejar”, corresponde ao “dormitare” (que só occorre
uma vez em Horacio e na “Arte poetica”). Ha ainda “cabecear”
para quem adormece e “estremunhar” para quem acorda. O povo
chama de “olhos piloto” ou “de piloto” os que piscam e
pestanejam de somno.
Pelo norte do Brasil empregam o gracioso diminutivo
“dormindinho” (de “dormindo”: Está dormindinho) na linguagem
familiar.
No diccionario portuguez — Kimbundu do medico da
armada, J. Pereira de Nascimento, vem “koxila” dormitar.
VI
Copacanana (pg. 81). Esta voz sul-americana deriva de Bolivia e
Perú. Era um antigo santuario solar da civilisação incasica a que o
gentio supersticioso attribuia grande prestigio. O lugar que tinha essa
denominação — Copacabana — passou a ser occupado por uma
ermida consagrada a Nossa Senhora que multiplicou o prestigio antigo
com innumeros milagres e de tal arte que a fama assombrosa encheu
todo o imperio espanhol na America. Viviamos, então, sob o jugo dos
Felippes quando no Brasil foi o culto de N. S. de Copacabana
implantado com a mesma invocação em varias localidades.
Encrenca (pg. 160). A palvra encrenca — em pouco tempo
percorreu todo o Brasil e é possivel que tenha já alcançado as
praias portuguezas.
“Foi tomada á giria dos criminosos, e, como quasi todo o
calão dessa origem, veio de Buenos Aires e adjacencias.
A encrenca, no seu sentido normal, é doença, accidente,
pancada ou ferimento apanhado em motim, em rôlo ou briga de rua.
Quando se vê um sujeito com o braço em tipoia ou com o
craneo rachado, logo se pergunta:
— Que encrenca foi essa?
Encrenca por extensão natural, é a propria rixa, o barulho:
vias de facto da technologia criminal.
Mas o sentido primitivo e geral é na lingua espanhola o de
enfermiço e doente de cama:
— Usted estuvo enclenque.
O grande mestre Frederico Diez derivou a palavra de
clinicus (clenque, enclenque). isto é, a pessoa que está deitada ou
acamada por doente.
A encrenca já palmilhou todo o Brasil.
Foi registrada lá ao norte por Theodoro Rodrigues, professor
em Manáos.
Elysio de Carvalho, aqui no Rio. incluiu-a no seu glossario e
giria de gatunos e criminosos.
No Rio Grande do Sul é muito conhecido o enclenque castelhano.
“Ali vem um sujeito mui enclenque, anda muito atacado do figado”.
E’ frase de Romaguera e do seu vocabulario rio-grandense.
Está, pois, nacionalizada a expressão e com o sello
patriotico: do Amazonas ao Prata.
Deem-se-Ihe, pois, as honras de termo parlamentar, de bôa
prosapia latina, que vale quasi a flamenga em pontos genealogicos.
Depara-se em uma nota de etymologia romana de Lazare
Sainéan, o seguinte. a respeito de enclenque (maladif) que deve
ser da mesma raiz do nosso vocabulo:
VII
“Le terme manquant au portugais et se trouvant par contre
en catalan (enclench, enclenque), fait supposer une origine
provençale: elenc, maladif. chétif. et aclenca, dépéri, vieili.
Clenc est une simple variante de clanc (á 1’instar de benc <
banc, escrenca < escranca, renc < ranc), qui signifie à la fois
crabe et impotent, vieux, décrénit. á côté de clanco, crabe
femelle et femme infirme.
Tudo confirma a procedencia rio-platense do vocabulo.
Engambelar (pg. 94) Não é propriamente palavra sul -
americana geral, como se deprehenderá do texto.
F lido por S (pg. 58). Talvez não seja unico o erro de leitura de
f por s ou vice-versa como no modismo citado “Velho como a fé”
em vez de — velho como a Sé (como a Sé de Braga, a mais antiga).
Ocorre lembrar que sem prejuizo da explicação dada ao
modismo — com ff e rr — com todos os ff e rr, conforme o que
escrevi nas Frases feitas, uma conjectura nova pode ter lugar
quando se imagina que os SS e RR tinham analogas singularidades
quando fossem escriptas como letras iniciaes e intervocalicas. Uma
das primeiras e antigas reformas graphicas foi a de substituir o R
maiusculo por r ou rr mesmo no meio das palavras; a solução foi
achada com a geminação das consoantes ss e rr nos casos de
excepção. Signal de perfeição da escripta seria fazel-a com ss e rr.
Familia. (pag 160). Com sentido especialisado. Escrevi,
uma vez:
“Em certos logares de Minas Geraes, a palavra familia tem
o mesmo sentido de filho.
— Quantas familias tem o Senhor?
— Tenho doze familias.
Isto é, doze filhos.
Assim, é expressão corrente e popular. Em tempos antigos, a
familia abrangia os servos apaniguados, commensaes e
principalmente n’uma casa as pessôas criadas n’ella.
O sentido de filho dado á família foi uma interpretação que
os homens do povo, pouco affeitos aos mysterios grammaticaes,
deram ao genitivo latino archaico — familias — da expressão
pater familias (pae de familia).
Naturalmente a traducção popular — pae de familias —
reduziu familias a synonymo forçado de filhos — porque não se
póde ser pae senão d’estes.
Mas tambem é certo que sempre se disse filho familia e
“em algumas provincias de España (diz Zerollo) hijo
singularmente, es varon: Fulano tiene tres familias (tres
VIII
Inglez (pg. 76). O modismo: P ara inglez vêr. A respeito
deste caso escreveu-me a seguinte carta de preciosa informação,
datada de Lisboa, l-IV-1913, o saudoso compatriota então vice-
consul, Vicente Ferrer:
“Lendo com intenso prazer aliás, o que me occorre com tudo
quanto V. escreve, o seu artigo na Sciencias e Letras referente a
frase “para inglez vêr”, penso que lhe não desgostará saber da
versão que a respeito corre em Pernambuco e na Bahia, abonada
pela opinião de alguns escriptores antigos.
“Diz-se que D. João VI ao chegar a Bahia, na sua quasi fuga
para o Brasil; deeretando sob influencia do Visconde de Cayrú
ou pelas suggestões do governo inglez, o que é mais provavel, a
liberdade dos portos brasileiros, mandára illuminar a cidade e
como se lhe perguntasse, porque assim se regosijava, em tão
angustioso momento, respondeu: Para o inglez ver —
referindo-se aos navios inglezes, que se achavam no porto.
Quem do Rio de Janeiro mandou dizer a Napoleão: Diga a
S. M. O Imperador que eu agora estou na America” era muito
homem para emittir a frase alludida, que teve sorte, fez careira e
hoje tem uma justa e opportuna applicação.
Releve-me etc”.
Inhapa (pig. 83) O que diz Soler com falta absoluta de
razão, como ficou provado, é o seguinte:
“Es palabra castellana de buena estirpe, pero no se escribe
co y: es llapa. Véase el diccionario de Salvá, que dice
primeramente: “El aumento de azogue que se echa al metal al
tiempo que se trabaja en el buitron”.
Por este aumento de azogue, se le ha dado, por estension entre
los americanos, el sginificado que se lee en la acepcion siguiente
de este vocablo, que trae tambien Salvá: “Añadir algo el
vendendor en el peso o medida sobre lo estrictamente estipulado”,
definicion a nuestro juicio incompleta, pues aparece como llapa,
puramente aquello que se puede pesar o medir i sabemos que se
aplica a cualquier regalo que quiera hacer el vendedor al
parroquiano que es de buena paga i que le ha comprado mucho.
Tambien existe el verbo llapar en las dos acepciones
antedichas i se baila em Salvá. Sustantivo i verbo aparecen
tambien en la Sociedad Literaria i Dominguez: no discrepan los
tres diccionarios en ninguna cosa.
Hai en castella la voz adahada, como dice mui bien el
distinguido filólogo, para espressar exactamente lo que en
America conocemos por llapa, pero esta voz es inusitada en
Chile”.
IX
hijos)”. E’ provavel que em terras fronteiriças portuguezas
falem do mesmo modo.
Irapuru (pg. 154) Irapuru, reirapuru. guizapurú são outras
tantas variantes do nome da ave fabrilosa da Amazonia. Veja -se
o que escreveu Alberto Faria em Accendalhas pg. 117 e
seguintes, excelentemente.
Nas suas Notes of a botanist de Spruce — White (editadas
por Wallace) o auctor declara ter visto e ouvido o irapurú e dá
no seu livro uma transcripção musical do canto d’aquella ave. O
que parece mais exacto é a confusão popular de varias especies
cujos individuos defumados e embalsamados são vendidos como
talismans aos supersticiosos.
Javevó. (Pg. 101). Differe consideravelmente do parecer dos
nossos vocabulistas a definição que leio no interessante —
Dialecto Caipira, de Amadeu Amaral: — Javevó.
Desengraçado, insulso, corrido (falando-se de pessoa) .
Macaco... (pg. 107) E’ evidente que não ha relação com as
phrases portuguezas — pentear macacos — ou — ir bugiar —
Comtudo é opportuno desenvolver o pensamente do satyrico
mineiro.
O padre J. J. Corrêa de Almeida não tratou de explicar a
frase que serve de epigraphe, e apenas registrou a identidade das
duas expressões:
“— Pentear macacos é o mesmo que bugiar” (1) .
De facto, a equivalencia dos dois modismos o — ir bugiar —
dos portuguezes e o — ir pentear macacos — dos brasileiros é
incontestavel, pelo menos no uso contemporaneo. (2)
Pareceu-me, entretanto, que seria interessante abonar a
expressão vernacula que é antiga com alguns exemplos classicos
de varias epocas da lingua.
Temol-a (seculo XVII) na Phenix Renascida em frase
moldada sobre um lugar proverbial dos Lusiadas (cessa tudo
que a antiga Musa canta, etc.) nestes versos:
Va bugiar Alexandre,
Cesar a um canto se ponha...
III (2ª ed.), 360.
————
(1) Veja Sciencias e Letras, II, n. 2.
(2) Veremos que a variante não é exclusivamente brasileira. E’ de origem
portugueza.
X
Em outra passagem do mesmo florilegio fala certo poeta de não sei
que dança de bogies, especie ao que supponho, de mascaradas na
procissão de Corpus Christi, como era costume fazel-as:
Uma dança haveis de dar
De bogios...
E conclue, por trocadilho:
Mas se forem maus bogios
Vos mandarei bugiar.
Ibid. IV, 152.
Já nos começos do seculo XVIII nas Orações academicas de Frei
Simão Antonio de Santa Catharina encontramos a referencia:
Se na voz e se na côr
E’ um papagaio louro
Vá bugiar ao Brasil
E vá falar entre côcos.
Oraç. Acad. 102.
Parece evidente que o sentido preciso é: ir lamentar-se para longe;
é um descarte contra faladores importunos ou um meio de fazer cessar
queixas ou murmurações. Assim se vê em outro humorista do seculo
XVIII, o autor do Anatomico Jocoso:
— Ora, amigo maldizente, vae bugiar que ou és faceira
que falas de dorido ou és neclo que te dás por culpado.
Anatomico, II, 236.
Os nossos melhores diccionarios pouco abundantes de exemplos,
não registram os textos, como o fizemos agora, do seculo XVII e
XVIII, e limitam-sa a abonar a palavra com um ou outro texto
quinhentista. (1)
Todos são, porem, contestes quando apuram o sentido da palavra
que relacionam a bugio ou macaco.
Bugiar é fazer bugiarias, caretas, dizer tolices ou disparates, ou
ainda segundo a antiga definição de Bento Pereira na sua Prosodia
equivale a — in simiæ morem ludere.
Se considerarmos com alguma at tenção os textos
antigos e modernos já citados, não sat isfaz cabalmente a
————
(1) O Moraes da 3a ed. por diante indica um lugar da Enfrosyna V., 5 (de que
falaremos mais abaixo) e o Domingos Vieira allega dois exemplos de Gil Vicente.
XI
explanação dos lexicographos. A verdade é que ir bugiar implica
afastamento, distancia, separação como idéa capital d’esse
modismo: o verbo ir que o compõe não nos affigura sufficiente a
toda a emphase da expressão.
Talvez porque bugio é animal de longes terras se deduza que ir bugiar
(Vá bugiar ao Brasil, diz um dos exemplos citados acima) é ir para longe.
Bugiar é andar por longe, livre e solto. Veja-se bem o exemplo de
Camões, na penultima scena do Auto d’El-Rei Seleuco.
Coração, hi bugiar,
No esteis preso en cadenas,
Seleuco.
Eis ahi os documentos que poderiam encaminhar a solução
desse problema.
E aqui ficariamos se não nos conviesse examinar uma
opinião curiosa divulgada por Bluteau e que se tem dado
erroneamente como explicação d’aquella frase.
“No tempo de Felippe II, (escreve Bluteau) se fez em Lisboa o
forte do Terreiro do Paço sobre estacas ou maçame, com um engenho
a que chamavam bugio com que fincavam as pedras, e como era obra
de gente baixa e de muito trabalho, passou em adagio — Ide bugiar; —
e ainda hoje o dizemos a pessoas de pouco porte ou de muita
confiança quando nos enfadam e nos queremos vêr livres d’ellas".
Esta opinião encerra manifesto anachronismo e é, só por
isso, insustentavel. Muito antes da dominação dos Felippes, reis
espanhóes, corria a frase, proverbial, entre os portuguezes.
Bastariam para mostrar o contrasenso os exemplos,
anteriores a aquella epoca; v. g. os de Gil Vicente:
Vae, vae, Joanne, bugiar,
Não andes como alparvado.
I, 133.
Porque andas bugiando?
I, 143.
Tambem anteriores são os versos de Camões, já citados, e o
lugar da Eufrosina a que se refere, sem o allegar explicitamente,
a terceira edição de Moraes:
— Na senhora Eufrosyna não se ha de falar como em
cousa do mundo, mas como em uma mostra que Deus
cá lançou do seu poder.
— Hi bugiar que sois terra...
Eufros. V. sc. 5.
XII
Já vae longe esse excurso, e para concluir fazemos algumas
observações.
No italiano bugiare é dizer mentiras e tolices e é possivel
que a palavra portugueza tenha affinidade etymologica com
aquella ou de lá viesse.
Havia na Roma dos Papas um bugiale, famoso consistorio ou
aposento secreto onde se entretinham clerigos na maledicencia
em facecias, chistes, satyra e critica das ridiculezas mundanas.
Attesta-o Poggio nos seguintes thermos: “Is est Bugiale nostrum,
hoc est, mendaciorum veluti officina quædam, olim a Secretaris
institutum, jocandi gratia”.
No Bugiale é que se recontavam todas as mentiras obscenas que
figuram nas Facetiæ de Poggi e em outros anecdotarios da
renascença.
O Cavalheiro de Oliveira escreveu uma pagina humoristica (a II,
de 3° volume das suas Cartas) acerca d’esta mesma expressão —
vábugiar — que mostra não achar correspondentes nas outras
linguas cultas; n’uma das suas coarctadas diz que “em muitos lugares
dos nossos primeiros autores, o mesmo é começar a bugiar que
começar a asnear, id est, errar”.
Não ha tal.
O sentido está ligado ao de bogio, o que permittiu a
formação de frazes feitas parallelas: — vá pentear macacos, vá
pentear monos — que tem applicação identica.
Entretanto é aqui admissivel a confusão actual com bojear
ou bojar, termo maritimo, equivalente no uso pratico a ladear,
andar por longe, evitar a difficuldade. E este sentido de negaças
cabe talvez ao exemplo citado, e conhecido de Gil Vicente:
Porque andas bugiando?
I, 143
A variante — pentear macacos — que o Padre J. J. Corrêa
suppõe brasileira (e effectivamente é a que mais corre no Brasil) é de
origem portuguesa.
— Vá pentear bugios a Cabo Verde, é frase desde o seculo
XVIII registrada nas Enfermidades da lingua de Payva. Pentear
monos é outro modismo registrado nos subsidios lexicos de
Cortezão.
Estas variantes todas portugezas e especialmente a ultima
suggere a explicação que lhes é propria: pentear monos foi de certo
uma suggestão e alteração de pintar monos, frase de uso vulgar.
De pinta-monos, pintar monos, depois pentear monos fizemos
pentear macacos, segundo o modelo da ultima expressão.
XIII
Pica-páu (pg. 149). E’ excusado repetir aqui tudo quanto
escrevi extensamente sobre a divirsidade palaiarchaica, o Picus.
Veja-se o meu livro o Folklore.
Pirangar (pg. 187), Reclama exame especial esta expressão
que nada tem que vêr com piranga- sápiranga — da linguagem
brasileira, mau grado da illusoria apparencia, toda fortuita, que
irmana os dois vocabulos.
Pirangar é voz portugueza d’alem-mar, e da mesma estirpe,
é piranga. Assim, em Camillo:
O Nunes dizia-me que andava por lá miseravel um
piranga na gandaia.
Brasileira de Pranzins, 188.
Cortezão nos Subsidios registra pirangar com o sentido
duvidoso de — pedir esmolas — andar sem dinheiro.
Julio Moreira registrou a forma — piranga — (nos seus
Estudos II, 234) e attribuiu-lhe o sentido de pobretão.
Não é crivel que uma e outra expressão fosse tomada, de
transporte, da linguagem brasileira. A voz é outra e temol-a na
expressão commum — pôr-se na pira — que equivale a fugir
precipitadamente.
Parece que o sentido de vagabundo, fugitivo, é o que mais
cabe a piranga. Entendo que esse vocabulo foi tomado á lingua
dos ciganos.
Pirar v. n. (To walk) andar. (To fly) — em The Zincali de
Gorge BORROW, 448. Tambem no Diccionario gitano-español
de Tines REBOLLEDO, ha a definição: Pirar, andar, caminhar,
marchar, pisar. Pirelar, tem o mesmo sentido (83). Mais
conforme com o uso brasileiro é o que depara o vocabulario
jergal e dicc. de Argot español de Luiz BESSES ao registrar as
frases: “Ir salir de pira — salir huyendo; escaparse; azotar las
calles”.
A frase brasileira luso-brasileira e cigana é “por-se na
pira”.
Pronomes. (Pg. 11, seg.) A questão syntactica dos pronomes,
entre nós, é discutida segundo as formulas da linguagem
portugueza actual. Os classicos observavam com mais
assiduidade, nos seculos XVI e XVII, a syntaxe dita brasileira na
intercalação de vozes compostas: — pode se dizer — em vez de
— pode dizer-se. Uma vez Julio de Castilho anotando a obra de
Ferreira (na Livraria Classica) chamou a attenção para esse
brasileirismo.
XIV
Outros chamados vicios brasileiros teem ainda muito maior
antiguidade e remontam aos seculos anteriores ao descobrimento
e colonização; não nos cabe pois a inventiva ou criação de taes
habitualismos da linguagem popular; é o caso do deixei elle, vi
ella etc. os antigos nobiliarios commettem essa malsinada
syntaxe.
Roceiro na cidade... (pg. 234). Do Dr. Affonso Claudio é a
interessante carta dirigida ao auctor e cujos conceitos merecem
ser transcriptos neste lugar.
“Em o numero 2 da revista “Sciencias e Letras”, que
illustraes com a sabedoria e brilhantismo de vossa collaboração
cada vez mais attrahente, transcreveis alguns proverbios
populares colligidos pelo padre Corrêa de Almeida e como
d’entre elles um ha que no Estado do Espirito Santo tem
enunciação e significação differerentes das que lhe conferio o
vate de Barbacena, permitto-me a liberdade de additar-lhe
algumas notas, que, aproveitareis como julgardes melhor.
O ditado: Roceiro na cidade é força de negocio, da versão
mineira, tem na espiritosantense o correspondente: Roceiro na
cidade,
E’ signal de novidade.
Qual a significação desta variante? Sei que vos reservastes o
direito de tratar, “em separado de cada um dos que não foram
sufficientemente explanados, (pelo padre Corrêa)” conforme a
promessa feita no artigo do numero a que alludi. por isso mesmo
maior é o embaraço que experimento ao entrar em seára alheia,
antecipando uma explicação menos auctorisada.
Vamos, porem, ao caso.
Em nossa terra, o ditado sob a forma rimada como escrevi,
não quer significar que o roceiro vem á cidade por urgencia de
negocios, quaesquer que elles sejam, e sim sómente para
aproveitar o preço alto dos fructos temporões que colhe.
Como em Portugal se diz: novidade de azeite ou novidade
de maçãs — das azeitonas ou maçãs colhidas fóra do tempo
proprio, — os nossos roceiros tambem consideram novidade o
café prematuro, o feijão e os cereaes que amadurecem e são
colhidos antes da estação propria. Dahi vêm aquella sentença
popular, peculiarmente usada pelos commerciantes da Victoria,
quando em outros tempos viram atracar ao cáes, canôas de
lavradores carregados de productos agricolas, e debaixo da
classica tolda de lona, de coiro de boi ou de esteiras, o
respectivo dono dos effeitos a mercar, gravemente sentado.
XV

Da capital o proverbio irradiou pelas cidades e villas do


interior, onde os animaes cargueiros, as tropas, supprem as
canôas e barcos, exprimindo invariavelmente a mesma idéa.
Eis porque no Espirito Santo, quando ainda hoje os roceiros
levam á cidade qualquer fructo temporão da lavoura, para
aproveitar a alta do preço determinada pela falta do genero,
quantos os avistem á beira do cáes, têm de revelar a extranheza
pelo anexim:
Roceiro na cidade
E’ signal de novidade”.
Superstição, Mentiras das unhas. Sobre a interpretação que
se devia dar ao texto de Horacio escreveu o dr. Vieira Ferreira
nas — Sciencias e Letras — algumas notas eruditas em
divergencia do meu ponto de vista.
Tiptoe. (pg. 21). Apontei este exemplo dado pelo proprio R.
Hughes, mas o facto pode ser exemplificado, como no Brasil, por
numerosos archaismos europeus que vivem na America. Eis o
testemunho de Thomas Lorensbury, professor jubilado de Yale:
“Many of our so-called Americanisms represent the English
usage of the former half of the seventeenth century when the
original settlements were made here. E dá algumas amostras
dessa persistencia, o cracker especie de biscoito ou bolaxa, a
differença de uso entre ill e sick (que se approixma da nossa
distincção entre doença e molestia).
Os pontos de affinidade pan-americana são innumeros. Um
delles é a distincção e elegancia que damos á palavra moça
applicada as demoiselles de sociedade, senhoritas do escol;
compare-se ao americanismo female, quasi offensivo ao bom
tom dos inglezes.
O romancista Henry James dizia a Mrs. Humphry Ward nas
memorias desta — (A writer’s Recollentions) que na leitura dos
seus compatriotas havia muito deleite em recordar as antigas
expressões inglezas.
Evidentemente, o phenomeno é o mesmo e está largamente
exemplificado nas paginas deste livrinho. Veja — Archaismos.
Não é inutil accrescentar que os nossos escriptores mais
nacionalistas, como José de Alencar, diligenciavam falar na
lingua antiga e classica para traduzir o dialogo e as expressões da
epoca colonial.
Ti tica ca ( p g. 1 62). P are ce q ue a pala vra — ti tica —
de s enti do re pu gnant e foi justame nte um e up henisi mo
cr eado para e vitar as duas s ylla bas fi naes que con sti tuem
XVI

a significação verdadeira das tres primeiras syllabas. Esse


phenomeno não é talvez peculiar ao dialecto brasileiro, porque o
lago Titicaca marca um dos limites entre o Peru’ e a Boloivia e
os habitantes de uma e outra margem motejam-se mutuamente,
dizendo que uns são titi e os outros o resto, que é tanto em
castelhano como em portuguez palavra nada limpa. Assim o
assevera um viajante. — Maurice Honoré — L’Amérique du
Sud à tort et à travers, Paris, 1911.
A parte — caca — já é empregada nos versos livres de
Gregorio de Matos: “M. de criança é caca”.
Tocaio, (pg. 93). Aborrecemos de razão as pesquizas
etymologicas que se aventuram a hypotheses exaggeradas. Ellas,
porem, pertencem á natureza das coisas anecdoticas que se
podem ouvir sem damno nem compromisso. Naturalmente fiado
n’essa elasticidade de condescendencia, facil e vulgar foi que
escrevemos, ha tempos, sobre esse fugitivo thema:
— No castelhano, como no portugues e nas linguas romanas,
tocaio pertence a uma familia de palavras interessantes de
etymologia difficil e até hoje muito discutida: tocar, toccare,
toucher e seus derivados. Parece mais verosimel a conjectura de
Schuchardt que põe na origem de todos estes vocabulos a
interjectiva toc, tanto mais razoavel quanto já existia a forma
latina tac (em tango, tactum etc.) com o sentido de contacto
material, pancada. Gaston Paris aceitou esse etymo e o da f.
romanica tucc, theoricamente. Outros adoptam o etymo
germanico *tukkon, (zucken, all.) nada provavel, ou o latino
*tudicare, formado sobre tundere. Vê-se que as vozes
onamatopaicas toc e tac resolvem satisfactoriamente a questão.
V. KOERTING — n. 9802.
O elemento principal no caso que nos occupa é o sentido
historico de tocar no portuguez. A palavra tinha a accepção de
contacto carnal, de parentesco, (como se vê em tocayo e em
expressões obsoletas).
Assim, no italiano toccare pode incluir a referencia de
hereditariedade e toccamano é o sinal da mão dos noivos. Os
nossos escriptores antigos falavam de tocamentos illicitos ou
torpes, e por vezes usavam da f. verbal tocar com referencia a
parentesco ou em sentido menos material, á irmandade nas
congregações e sociedades religiosas.
Não escapou este facto a Moraes que unico dos nossos
lexicographos registrou os lugares seguintes, com inteira
perspicacia.
XVII

“Toca de meu parente — i. é tem algum parentesco comigo,


(Arte de furtar).
Adiante:
“Pessoas que tanto me tocam” isto é, por parentesco,
amizade e coirmandade”. Exemplo de Amador Anaes na
dedicatoria dos seus Dialogos.
Nessas abonações de Moraes ha um erro involuntario; o
excerpto citado da Arte de furtar traz indicação erronea, por se
haver mal interpretado o manuscripto de Moraes. Tambem não se
afastam do sentido as palavras do Arcebispo falando aos seus
irmãos da ordem: “tornára ver esta linguagem em toda outra
pessoa antes que na boca dos que tanto me tocam” FR. LUIZ
DE SOUZA — Vida do Arceb. 1.ª ed. fol. 40.

Xará. (pg. 92). E’ curioso saber-se que a palavra brasileira


xará foi introduzida em Loanda pelos negros migrados do Brasil
e lá é conhecida sob a forma xalá consentanea com a prosodia do
kimbundo.
Os negros d’essa região possuem o termo proprio que é
Sandu no ambundo derivado do pontuguez Santo; pois que os
nomes são tirados do calendario catholico e as crianças que
nascem no mesmo dia tem o mesmo nome e santo e são
consideradas parentes, irmão ou primas, segundo H. Chatelaim.
(Folk tales).

Xarapim. (Pg. 92). Esta variante xarapim deve ter sido


formada por analogia ou etymologia popular. Sem querer
identificar coisas diversas e distantes occorre comparar essa
derivação xarapim ao vocabulo ochapim.
Em Portugal ainda ha a crença e superstição da existencia de
bruxas ou demonios que tem um ou dois olhos na testa e na nuca
e chama-lhes o povo de olharapos, olhapins ou *olharapins.
Vêem para diante e para traz como se foram duas pessoas
xiphopagas pegadas pelo dorso.
Naturalmente, por facecia, se disse dos xarás que eram
olhapos ou olhapins e, afinal, pela contaminação de ambos os
termos, xarapins.
E’ todavia mais razoavel procurar o etymo nas vozes
indigenas.
EPILOGO
A — Lingua nacional — é essencialmente a lingua
portugueza, mas enriquecida na America, emancipada, e livre nos
seus proprios movimentos.
Com esse intuito, e n’esse fundamento, foram escriptas as
paginas do nosso livro que não inculcam lingua nova, mas
revelam os matizes, as variações, e a originalidade do
pensamento americano.
Não procuramos systematizar o vocabulario accrescido á
lingua européa, trabalho que foi já iniciado pela Academia
Brasileira. Quizemos apenas dar uma amostra da fraseologia
nacional, com o estudo das origens e com a documentação que
pudemos alcançar em alguns momentos de pesquiza e de
experiencia.
Em grande parte, os fragmentos aqui reunidos viram a
primeira luz na excellente revista dos esposos Clovis e Amelia
Bevilacqra — Sciencias e Letras. Aqui lhes agradecemos a
generosa e amiga hospitalidade.
Outros fragmentos sairam na — Revista de lingua
portugueza — que dirigida com grande competencia por meu
amigo o dr. Laudelino Freire, é hoje o orgão mais importante e
de maior autoridade na materia.
Outra parte ainda é inteiramente inédita, como é provavel
que o pareça toda a obra, para quasi todos os leitores.
Pode ser causa de reparo a repetição de dois fragmentos já,
aditados no meu livro — Folk lore; mas não era razoavel
excluil-os do lugar mais apropriado.
Concluimos esta advertencia final fazendo a observa ção de
que as graphias incoherentes dessas paginas resultam da
variedade, que ainda é a regra, nas publicações impressas.
Basta-nos dizer que não aceitamos, as simplificações
antietymologicas hoje em moda.
J. R.
INDICE DE CAPITULOS

————

Pags.
Advertencia .............................................................. 5
A lingua nacional....................................................... 7
Antiguidade dos brasileirismos ..............................23
Beber agua de chocalho ..........................................39
Na pindahyba ...........................................................47
Estar na chumberga .................................................53
Por dentro mulambo só ...........................................61
Jisabú........................................................................67
Ditos historicos ........................................................75
Sul-americanos ........................................................79
Javevó.....................................................................101
Macaco velho.........................................................107
Tenhê-nhê ..............................................................113
Cahendú e kijila.....................................................117
Maragato ................................................................123
Mofina ....................................................................127
Nem a gancho ........................................................135
Quilombo-mocambo..............................................141
Pica-páo..................................................................149
Idiotismos...............................................................157
Dois modismos ......................................................161
Andar ao atá ...........................................................163
Amanhã e dia santo ...............................................167
XXII

Pags.
Alarife ....................................................................173
Murici (é tempo de...)............................................179
Olhos de sapiranga ................................................185
Erejupé ...................................................................189
Vasa-barris .............................................................195
Noruega..................................................................201
Maranhão ...............................................................211
Varia.......................................................................231
Superstição — Mentiras........................................237
Indice das Coisas .................................................243
Epilogo ...................................................................261
Indice dos capitulo ................................................263
PARA CITAR ESTA OBRA:
RIBEIRO, João. A Língua Nacional: Notas Aproveitáveis. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1933, 2ª edição, 262 pp.
Consultada na bvCLB - Biblioteca Virtual das Ciências da Linguagem no Brasil
http://www.labeurb.unicamp.br/bvclb/obr018
[Fonte: Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem – IEL, UNICAMP]

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TO REFER TO THIS WORK:


RIBEIRO, João. A Língua Nacional: Notas Aproveitáveis. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1933, 2nd. Edition, 262 p.
Consulted in the bvCLB - Biblioteca Virtual das Ciências da Linguagem no Brasil [Virtual
Library of Language Sciences in Brazil]
http://www.labeurb.unicamp.br/bvclb/obr018
[Source: Library of the Language Studies Institute – IEL, UNICAMP]

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