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DE FLICTS A FLICTUS:
PERCURSOS E PERCALÇOS DE UMA TRADUÇÃO
FORTALEZA - CEARÁ
MAIO - 2011
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DE FLICTS A FLICTUS:
PERCURSOS E PERCALÇOS DE UMA TRADUÇÃO
Fortaleza
2011
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4
Agradecimentos
Às professoras Ana Tavares e Cláudia Giraud, membros da banca, por suas lições.
À Maiara Marrir e à Tânia Ellery pelo incentivo e pela indicação deste curso.
À Evilene Castro, à Graça Marques e à Leda Freitas pela parceria durante o curso.
Agostinho Neto
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RESUMO
Este trabalho apresenta uma análise da tradução para a língua francesa do livro
Flicts, primeira publicação infantil de Ziraldo, lançada em 1969. O público alvo da
referida tradução é a criança francesa. Visando realizar a tarefa de tradução de levar
o Flicts escrito em português do Brasil para o francês da França, a tradutora baseou-
se na noção de reescritura de Lefevère, dado que este tem sido visto nos estudos de
tradução como um teórico de tendência culturalista ou ideológica, com forte traço ao
antietnocentrismo. Ao longo deste trabalho é apresentada a descrição de cada
procedimento tradutório, com enfoque para as proximidades e impasses
encontrados durante processo de reescritura, revelando não somente decisões que
envolvem as interpretações do plano lingüístico, mas também os procedimentos de
edição e colagem do texto em francês sobre as imagens de Ziraldo, buscando assim
aproximar a tradução francesa da história narrada no texto de partida, com a sua
beleza, sua criatividade e sua simplicidade ao tratar de um tema que enfatiza o
confronto entre a aparência e a essência.
RESUMÉ
INDICE
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.................................................................................. 13
1.1 CONCEITOS GERAIS DA TRADUÇÃO.................................................................................... 13
1.1.1 A TRADUÇÃO COMO REESCRITURA................................................................................ 17
2 A LITERATURA INFANTO-JUVENIL.......................................................................................... 19
1.2.1 VISÃO HISTÓRICA E FUNÇÃO SOCIAL............................................................................. 19
1.2.2 A LITERATURA INFANTIL NO BRASIL................................................................................ 32
1.2.3 ZIRALDO E SEU UNIVERSO LITERÁRIO............................................................................ 40
CAPÍTULO 2 METODOLOGIA.................................................................................................... 45
2.1 CORPUS........................................................................................................................... 45
2.2 FLICTS............................................................................................................................. 45
2.2 DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE TRADUÇÃO......................................................................... 49
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DA TRADUÇÃO DE FLICTS....................................................................... 52
3.1 TRADUZINDO O TÍTULO...................................................................................................... 52
3.2 TRADUZINDO A OBRA: ESTRATÉGIAS E IMPASSES............................................................... 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................... 67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................... 69
SITES CONSULTADOS.............................................................................................................. 71
APÊNDICE............................................................................................................................... 72
ANEXO................................................................................................................................... 86
INTRODUÇÃO
1
Liga das Nações é organismo internacional criado após a Primeira Grande Guerra, com a finalidade de impedir as guerras e
assegurar a paz, a partir de ações diplomáticas, de diálogos e de negociações para a solução dos litígios internacionais. Em
15/11/1920, em Genebra, na Suíça, aconteceu a Primeira Assembléia Geral da Liga das Nações.
(http://educacao.uol.com.br/historia/liga-das-nacoes.jhtm)
2
A Organização das Nações Unidas é uma instituição internacional formada por 192 Estados soberanos, fundada após a 2a
Guerra Mundial para manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover progresso
social, melhores padrões de vida e direitos humanos. Os membros são unidos em torno da Carta da ONU, um tratado
internacional que enuncia os direitos e deveres dos membros da comunidade internacional. (http://www.onu-
brasil.org.br/conheca_onu.php)
14
A tradução deve ser entendida como uma atividade ampla que, além de
pesquisar palavras, deve buscar entender o momento histórico, cultural e geográfico
em que nasceu o texto, para torná-lo acessível ao leitor da língua de chegada,
segundo esclarece Bassnet (2003, p. 35):
André Lefevère, assim como Toury, critica a postura normativa dos primeiros
teóricos discordando dos rumos que a linguística e os estudos literários do fim dos
séculos XIX, até o início do século XX, imprimem aos estudos na área. Rodrigues
(2000) afirma que o autor, em seus estudos, de 1981 a 1992, analisa a tradução sob
vários aspectos, desde a sua história até o seu ensino, preocupando-se em valorizar
as pesquisas sobre o assunto, buscando situar cientificamente os estudos da
tradução e de outras formas de reescritura.
Lefevère (2007) inova quando, em sua discussão teórica, conduz os
estudiosos de literatura a refletirem e a relacionarem questões como o “poder”, a
“ideologia”, a “instituição” e a “manipulação” ao comportamento tradutório. Assim, de
acordo com Rodrigues (2000), ao estudar a tradução literária sob a luz de fatores
que possam ter influenciado a sua produção em certos períodos e em certas
culturas, define a tradução como uma reescritura, sujeita ao mesmo gênero de
coerções que a escritura:
A lenda que se difundiu e vive nos lábios do povo, jamais morre, porque é
deusa imortal (Hesíodo, 736 apud Grimm, 1961, p. 5).
[...] Primeiro, falava de seu cotidiano: seus hábitos e seus revezes. Depois,
em determinado momento, sentiu necessidade de dar conta de
acontecimentos que escapavam a seu entendimento racional. Precisava
encontrar explicações tanto para fenômenos da natureza quanto para o
fato de ser quem era e estar onde estava. Assim concebeu um conto
maravilhoso que, com seus elementos mágicos, explicava o que a razão
desconhecia (CHEOLA, 2006, p. 47).
3
OLIVEIRA, Cristiane Madanêlo de. A Literatura Infantil. [on line]
Disponível em: <http://graudez.com.br/litinf/origens.htm>. Acesso em 25 fev. 2011
22
percurso seguido pela coletânea indo-européia, Calila e Dimna, - fonte das mais
antigas do folclore europeu e sul-americano, via Europa, nascida na Índia, por volta
do séc. VI a.C. Algumas de suas narrativas fariam parte do Pantschatantra
(apólogos ou narrativas edificantes usadas pelos pregadores budistas) ou da
epopéia primitiva indiana, Mahabarata. A língua original de Calila e Dimna foi o
sânscrito:
Sua primeira versão teria sido para o persa, feita no séc. VI d.C., por ordem
do rei Cosroes, da Pérsia, que mandara seu médico à Índia, em busca dos
"tesouros de sabedoria" que diziam existir ali. O médico encontrou o
fabulário indiano de Bippai (ou Pilpay, figura que ficou conhecida como o
Esopo oriental). Traduziu-o do sânscrito para o persa, com o titulo de
CALILA E DIMNA (nomes dos chacais que são os personagens principais).
Do persa, a coletânea foi, mais tarde, traduzida para o sírio e finalmente,
no séc. VIII, para o árabe. Foi esta última versão que se divulgou por toda a
Europa e serviu para as traduções em hebraico e em latim, por volta do
século XV. Muitas de suas narrativas foram traduzidas em varias línguas
neolatinas ou anglo-saxônicas e hoje fazem parte do folclore de diferentes
regiões. (Uma consulta ao mapa-múndi, marcando as possíveis rotas
seguidas pelos que levaram essas narrativas através de tão longas
distâncias, da Índia para a Pérsia, desta para Síria, Arábia e toda a Europa
tornará evidente o gigantesco esforço despendido pelos homens para se
comunicarem uns com os outros, no sentido de conquistarem ou
propagarem a Sabedoria da Vida) (Coelho,1987, p. 03).
4
Italiano, primeiro grande matemático europeu depois da decadência helênica. Considerado por alguns como o mais talentoso
matemático ocidental da Idade Média. Ficou conhecido pelo seu papel na introdução dos algarismos árabes na Europa.
5
Numa tradução, os empréstimos acontecem quando não se consegue encontrar um termo equivalente na língua que os
recebe e contribuem para o seu enriquecimento. Com grande experiência no comércio, os árabes possuíam também um vasto
vocabulário ligado à sua prática, ao contrário dos ocidentais que, não sendo comerciantes, não possuíam um vocabulário sobre
o assunto.
23
comércio: aduana, bazar, cheque, etc. Pontue-se que os monges foram os principais
responsáveis pelo resgate e aquisição deste importante acervo do pensamento e do
saber humano, através de suas traduções do árabe para o latim e para as línguas
neolatinas.
Para Coelho (2010) a prosa da era medieval originou-se de duas vertentes, a
popular e a culta. A narrativa culta é conhecida como Novelas de Cavalaria, e a
narrativa popular, como Narrativas Exemplares, derivando esta última de fontes
orientais e greco-romanas.
Coelho (2010) relata que a literatura popular começa a circular por volta dos
séculos IX e X, passando a ser conhecida como folclórica e depois como literatura
infantil. Essas histórias, inicialmente escritas para o público adulto, utilizando
personagens em forma de animais e com tendência a formular mensagens
instrutivas e de cunho moral, ilustrando a conduta social desejada, fizeram com que
esses contos fossem bem aproveitados na educação infantil.
Coelho (2008) observa que a aproximação entre as histórias escritas para
adultos e o gosto infantil se deu graças aos elementos popularidade e
exemplaridade presentes em todas as obras adultas que se transformaram em
clássicos da literatura infantil. Tais obras nasceram no meio popular (ou em meio
culto e depois se popularizaram em adaptações) e em todas elas havia a intenção
de passar determinados valores ou padrões a serem respeitados pela comunidade
ou incorporados pelo indivíduo em seu comportamento. Essa literatura inaugural
nasceu no domínio do mito, da lenda e do maravilhoso. A psicologia explica o fato
ao constatar que no povo (ou no homem primitivo) e nas crianças o conhecimento
da realidade se dá através do sensível, do emotivo e da intuição, e não através do
racional ou da inteligência, como acontece com a mente adulta e culta. Em ambos
predomina o pensamento mágico, com sua lógica própria, razão pela qual o popular
e o infantil se sentem atraídos pelas mesmas realidades.
Ainda segundo Coelho (2008) a literatura infantil é um subgênero da ficção
(ou prosa) da mesma forma que o conto, a novela e o romance. Tais subgêneros se
diversificam, dependendo da sua natureza: ficção científica, romance policial, novela
de aventuras, romance de amor, narrativa satírica, paródia, biografia, romance
histórico, etc. Existem, porém, desde a origem dos tempos, um sem número de
formas narrativas surgidas anonimamente e que passaram a circular entre os povos
da Antiguidade, levadas por contadores de histórias, peregrinos, viajantes, povos
24
emigrantes e outros, que acabaram sendo absorvidas por diferentes povos e que,
atualmente, representam fator comum entre diferentes tradições folclóricas,
transformando-se no que hoje se conhece como tradição popular. Estas narrativas,
consideradas pela autora também como pertencentes ao gênero ficção, são as
chamadas formas simples: fábula, apólogo, alegoria, mito, lenda, saga, conto
maravilhoso, conto de fada, conto exemplar, conto jocoso e outras formas narrativas.
São formas simples porque resultam da criação espontânea não elaborada –
diferentemente dos romances medievais e das novelas de cavalaria, que são
artisticamente mais elaborados, apesar de se apresentarem ainda de uma forma
rudimentar. Quase todas essas narrativas foram assimiladas pela literatura infantil,
via tradição popular, pela sua simplicidade e autenticidade.
Coelho (2008) esclarece ainda que a fábula é uma narrativa de natureza
alegórica em que os personagens são animais com características e sentimentos
humanos, sendo seu objetivo transmitir uma moralidade (quando as personagens
são seres inanimados, a narrativa é chamada de apólogo). No mundo da fábula
cada personagem assume uma simbologia específica, como por exemplo: o leão
simboliza o poder real; o lobo, a dominação do mais forte; a raposa, a astúcia e a
esperteza; o cordeiro, a ingenuidade; etc. Sua estrutura é conduzida por sua
perspectiva didática. Geralmente a moralidade é explicitada no final, podendo
acontecer o oposto, quando é citada no início e repetida no final. A moralidade
também pode ser demonstrada de maneira implícita (como no caso de Flicts). É a
moralidade que diferencia a fábula de outras formas de narrativas, como o mito e a
lenda.
A fábula surgiu no ocidente, no século VI a.C., com Esopo, escravo grego
famoso por suas pequenas histórias de animais que falam e cometem erros: ora são
sábios ou tolos, ora maus ou bons - assim como os homens - transmitindo sabedoria
de caráter moral aos seus ouvintes. As narrativas de Esopo em eram apenas orais,
o povo as apreciava e as repetia. Em meio às mais de trezentas histórias atribuídas
ao fabulista, Coelho (2010) cita algumas das mais conhecidas: A raposa e as uvas,
O leão e o rato e A galinha dos ovos de ouro.
Centenas de anos mais tarde, no século I, a obra de Esopo foi traduzida para
o latim por Fedro. Este a enriqueceu estilisticamente reescrevendo-a em forma de
versos. Com o passar do tempo, Fedro veio a criar seus próprios temas e
argumentos, histórias que mostram, através da sátira dos costumes e personagens
25
de sua época, a sua revolta contra as injustiças tornando-se, por isso, incômodo aos
poderosos. Sua produção soma cinco livros, com 123 composições, dentre seus
títulos mais conhecidos citados por Coelho (2010) estão A raposa e as uvas e O
lobo e o cordeiro, A rã e o boi.
O trabalho de Fedro começou a ser conhecido na Europa durante o século X,
despertando grande interesse na França, o que resultou em inúmeras versões em
prosa e verso conhecidas como Ysopets ou Esopetes6, que se popularizaram na
Idade Média em todo continente europeu.
No século XVII, o francês Jean de La Fontaine reescreveu as fábulas com
grande sucesso (a partir do modelo latino e também do oriental, oferecido pelos
textos do indiano Pilpay), introduzindo-as definitivamente na literatura ocidental em
duas coletâneas de Fábulas, a primeira, editada em 1668 e a segunda em 1693.
Porém, no prefácio de sua primeira coletânea, La Fontaine diz; “O apólogo é
composto de duas partes... o corpo é a fábula, a alma é a moralidade” (COELHO,
2008, p. 165). Percebe-se, pois, que La Fontaine dava o nome de “apólogo” à
espécie de sua matéria literária, de “fábula” à história narrada e de “moralidade” ao
significado simbólico da história. Mas a tradição continua rotulando tudo como
fábula. Conforme a autora (p. 85):
6
Palavra derivada do nome Esopo.
26
Coelho (2010) conta que ao final do século XVII a estética dominante desde o
Renascimento, que considerava como modelo exclusivo de arte os clássicos da
Antiguidade greco-romana estava em decadência, sendo Perrault um de seus
opositores, protagonizando, desde a década de 1680, a famosa polêmica conhecida
como a Querela dos Antigos e Modernos contra escritores como Racine e Boileau.
Durante a Querela, Perrault defende a superioridade do francês sobre o latim
e busca valorizar o papel da mulher, criticando autores que, como Molière, a
ridicularizam em suas obras.
7
Luís XIV, o “Rei Sol”, símbolo do Absolutismo.
27
8
A palavra fada é oriunda do latim fatum, que significa destino.
28
9
Napoleão esteve no governo da França de 1799 a 1815
.
30
nos tempos antigos e que eram poupadas de cenas e narrativas violentas. Sendo
assim, após uma séria polêmica com o escritor Von Arnim, os irmãos “passaram a
suavizar o rigor doutrinal e levaram em conta as exigências da mentalidade infantil”
(Coelho, 2010, p. 151) retirando de sua edição completa de 1819 um conto
extremamente violento e também suprimindo alguns trechos de outros contos que
poderiam ser chocantes para as crianças.
De acordo com observação de Coelho (2010, p. 152), dentre o material
folclórico recolhido pelos irmãos encontram-se narrativas de origem germânica e
também de outras procedências, observa-se que algumas delas coincidem com as
narrativas recolhidas por Perrault, com algumas variações no seu enredo – o que
confirma a existência de uma fonte comum para o folclore europeu. A autora
classifica os Contos de Grimm como narrativas do fantástico-maravilhoso, contendo
diferentes espécies literárias todas pertencendo ao mundo do imaginário ou da
fantasia, não sendo propriamente contos de fadas. As formas literárias identificadas
por Coelho encontram-se na Tabela 5.
eco nos países nórdicos, já que Dinamarca, Suécia e Noruega, países estreitamente
ligados à cultura germânica, também passam a cultivar suas tradições buscando a
autoafirmação étnica.
Ao período de exaltação de autodefesa da era napoleônica (de 1805 a 1815)
seguiu-se a calma idílica do período de reconstrução pós-napoleônico. É nesta fase,
numa atmosfera cultural e política mais tranquila e amadurecida que, segundo
Coelho (2010), Andersen inicia sua produção literária, valorizando a sensibilidade
em suas narrativas, o que o transforma num dos mais famosos escritores para
crianças em todo o mundo.
Seu pai, um humilde sapateiro, tinha grande interesse pela literatura,
costumava narrar-lhe belos contos e fábulas. Castro (2008) relata que o autor ficou
órfão de pai aos 11 anos e que vivenciou muita tristeza, solidão e pobreza, sendo
obrigado a trabalhar em uma fábrica de tecidos. Em conflito com a mãe após o
segundo casamento dela, foi acolhido por outra família, onde era chamado de “o
poeta”. Trabalhou em teatro e, aos 15 anos, procurou o cantor lírico italiano Siboni
que, acreditando em seu talento, lhe deu assistência e completou sua educação.
Após o abandono, solidão e pobreza da infância e juventude, alcançou a
glória ao ser imortalizado com suas maravilhosas histórias. De acordo com Castro
(2008), algumas histórias de Andersen são consideradas autobiografias, como O
patinho feio e Fábula de minha vida.
Uns dizem que esta história aconteceu há muitos anos, num país muito
longe daqui. Outros garantem que não, que aconteceu há poucos e poucos
dias, bem pertinho. Tem também quem jure que está acontecendo ainda,
em algum lugar. E há até quem ache que ainda vai acontecer (MACHADO
apud Oliveira, 2006)
literário nacional, o prêmio Machado de Assis, pelo conjunto da obra. Sendo eleita
em 2003 para ocupar a cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras, honra
pela primeira vez conferida a um autor de literatura infantil.
Escreveu mais de 100 livros infantis, recebendo incontáveis prêmios.
Machado (2011) cita algumas de suas obras premiadas: Abrindo o caminho, Aos
quatro ventos, Bento-que-bento-é-o-frade, Beijos mágicos, Bisa Bia, bisa Bel,
Contracorrente, O cavaleiro do sonho: as aventuras e desventuras de Dom
Quixote de la Mancha, Era uma vez três, Isso ninguém me tira, e A jararaca, a
perereca, a tiririca, entre tantas outras.
Lygia Bojunga nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 26 de agosto de
1932, onde morou até os oito anos de idade, quando sua família mudou-se para o
Rio de Janeiro. Segundo Bojunga (2011), tornou-se atriz aos 19 anos, sendo
contratada por uma companhia de teatro que viajava muito pelo interior do Brasil.
Durante essas viagens, Lygia se impressionou com o grande analfabetismo,
lavando-a a fundar uma escola para crianças pobres do interior, a Toca, que dirigiu
durante cinco anos. Trabalhou durante muito tempo para o rádio e a televisão, antes
de debutar como escritora de livros infantis em 1972.
Após abandonar sua carreira de atriz, Lygia ainda escreveu para o rádio e
para a TV durante 10 anos.
[...] naquele tempo escrever/criar personagens era, pra mim, uma forma de
sobreviver [...] só depois, quando eu abracei a literatura, é que eu me dei
conta que escrever/criar personagens era muito mais que um jeito de
sobreviver: era – e agora sim! – o jeito de viver que eu, realmente, queria
pra mim [...] (BOJUNGA, 2011).
10
ALMA, 2011. Biografia de Lygia Bojunga. [on line].
Disponível em: <http://www.alma.se/upload/alma/pristagare/2004/biobibliography_portugese.pdf>
Acesso em: 20 abr. 2011.
41
11
Em 13 dezembro de 1968, durante o governo de Artur da Costa e Silva, foi instituído o AI-5 (Ato Institucional no 5), quinto
decreto emitido pelo governo militar brasileiro que dando poderes quase absolutos ao regime militar, provoca o mais duro golpe
na democracia. Redigido pelo ministro da Justiça Luís Antônio da Gama em represália ao discurso do deputado Márcio Moreira
Alves, que pediu ao povo brasileiro que boicotasse as festividades de 7 de setembro de 1968, protestando assim contra o
governo militar. A Câmara dos Deputados negou a licença para que o deputado fosse processado por este ato.
42
que, conforme Ziraldo (2010a) já foi adaptado com grande sucesso para o teatro, os
quadrinhos, a ópera infantil, o videogame, a Internet, o cinema e a televisão.
Como desenhista de humor e cartazista, Ziraldo obtém reconhecimento
internacional a partir de 1968, quando suas produções foram publicadas na revista
suíça Graphis, uma espécie de panthéon das artes gráficas (PINTO, 2009).
Ganhou vários prêmios internacionais, entre eles o Oscar Internacional de
Humor no 32o Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas, o Merghantealler,
prêmio máximo da imprensa livre da América Latina, da Associação Internacional de
Imprensa (PINTO, 2009). Tendo sido indicado, por três vezes consecutivas (em
1988, 1990 e 1992) pela FNLIJ12 para o prêmio internacional Hans Christian
Andersen, com seu livro Flicts (FNLJ, 2011).
Pinto (2009) relata que sua vida e suas obras são temas de estudos, e até de
sambas-enredos: Flicts foi homenageado por uma escola de samba em Juiz de
Fora, Maluquinho foi tema da carioca Unidos da Pedra e a escola de samba
paulistana Nenê de Vila Matilde o homenageou com o enredo: É melhor ler... O
mundo colorido de um maluco genial.
Foi convidado a desenhar o cartaz anual do Unicef, honra concedida pela
primeira vez a um artista latino. Além de ter feito um mural para a inauguração do
Canecão13, numa parede de mais de cento e oitenta metros quadrados, que,
segundo conta Ziraldo (2011b) foi reproduzido em várias revistas do mundo.
Sua arte gráfica está presente em nosso cotidiano, em logotipos, ilustrações e
cartazes do Ministério da Educação, camisetas e símbolos de campanhas públicas
ou privadas. Também podemos ver Ziraldo aos domingos, na TV Brasil,
apresentando o programa ABZ do Ziraldo, dirigido ao público infantil (ZIRALDO,
2011a).
Assim como Monteiro Lobato, Ziraldo sonha melhorar o Brasil através da
leitura; além disso, Ziraldo propõe um novo modelo de escola fundamental para o
nosso país, “formativo” e não “informativo” (O ASPITE, 2005).
Questionado por uma professora sobre a sua conhecida frase “ler é mais
importante do que estudar”, o autor responde:
12
FNLJ: Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, criada em 23 de Maio de 1968. A cada dois anos, como seção
brasileira do International Board on Books for Young People - IBBY, a FNLIJ indica um escritor e um ilustrador brasileiros, que
estejam vivos e que tenham uma obra merecedora de concorrer ao Prêmio Hans Christian Andersen do IBBY, um prêmio
internacional, conhecido como o Nobel da Literatura Infantil.
13
O Canecão, tradicional cervejaria, casa de shows e espetáculos localizada no Rio de Janeiro, inaugurada em 1967.
44
CAPÍTULO II – METODOLOGIA
2.1 CORPUS
2.2 FLICTS
O título Flicts, uma interjeição inventada pelo autor, apareceu pela primeira
vez em um desenho da Supermãe, publicado no Jornal do Brasil [...] Mais
tarde, Ziraldo reaproveitou a interjeição que criou para dar nome ao seu
personagem (SAGUAR e ARAUJO 2007, p. 253).
14
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado entre os países da CLP (Comunidade de países de Língua Portuguesa)
em 1o de janeiro de 2009, unifica algumas regras de ortografia, havendo um prazo até 2012 para adequação às novas regras.
46
15
Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro (1902 - 1987), também foi cronista, contista e tradutor.
16
Neil Alden Armstrong, astronauta norte-americano, foi o primeiro homem a pisar na Lua, em 20 de julho de 1969.
17
Apollo 11 foi a quinta missão tripulada do Programa Apollo (conjunto de missões espaciais coordenadas pela agência
espacial dos EUA, Nasa) e primeira a pousar na Lua.
47
18
Abertura política é o processo de liberalização da ditadura militar que governou o Brasil, esse iniciado em 1974 e concluído
em 1985, com o fim da ditadura.
48
Camaleão de Teatro de Bonecos, de Porto Alegre. Pinto (2009) relata que ambas
são encenadas com sucesso ainda hoje. Em 1973, a adptação de Aderbal foi
escolhida para representar o Brasil no Festival Internacional de Teatro Infantil,
realizado em Paris.
O primeiro passo neste trabalho foi decidir, dentre tantas outras obras, aquela
que seria traduzida. Motivada por razões pessoais, Flicts foi a escolhida, já que a
tradutora é leitora do Ziraldo e fã do Flicts desde criança. O primeiro obstáculo
constatado foi o receio de não se conseguir traduzir claramente para o francês um
texto escrito originalmente em português. Saliente-se que o fato de o francês ser
uma língua estrangeira com a qual a autora desta pesquisa não guarda tanta
intimidade quanto guarda com sua língua-pátria – o português do Brasil – trouxe-lhe
alguma inquietação. Na verdade, decisão de enfrentar este desafio veio após uma
reflexão, quando foi considerada sua antiga ligação com a língua francesa através
de estudos, de leituras e da convivência com amigos franceses, além da experiência
19
Roman Jakobson distingue três maneiras de interpretar ou traduzir um signo verbal (JAKOBSON, 1999, pág.64): 1) A
tradução intralingual ou reformulação, que consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma
língua. 2) A tradução interlingual ou tradução propriamente dita, que consiste na interpretação dos signos verbais por meio de
alguma outra língua. 3) A tradução inter-semiótica ou transmutação, que consiste na interpretação dos signos verbais por meio
de sistemas de signos não-verbais.
50
Quando se trata de traduzir o título de uma obra, seja livro, filme ou peça
teatral, a sua modificação costuma ser bem aceita. Esta modificação pode ser uma
pequena adaptação ou uma transformação completa. É costume no Brasil,
principalmente com relação a títulos de filmes, algumas traduções do tipo que “já
contam a história”. O mesmo aconteceria se, nesta tradução, o título houvesse sido
modificado para “Une Couleur Solitaire”, por exemplo. E neste caso, o novo título
fugiria totalmente da intenção do autor.
A palavra “Flicts”, criada por Ziraldo, sem tradução nem correspondência em
outro idioma, possui uma sonoridade instigante, que induz à curiosidade pela leitura
do texto, sendo, pois interessante manter este título. Observou-se, porém, que uma
palavra finalizada por três consoantes, algo impronunciável para um nativo de língua
francesa, talvez não provocasse no público alvo o encantamento pretendido. Após
tais considerações, optou-se manter o título, reescrevendo-o, com uma pequena
adaptação: acrescentou-se um “U” entre o “T” e o “S”, conseguindo assim uma
sonoridade semelhante à original. Esta versão em francês recebeu, pois, o título de
Flictus. Prática semelhante também foi utilizada na tradução de Flicts para o
japonês, que recebeu o título de Furicchisu. (Ziraldo, 2009).
Será analisada a seguir a tradução realizada para este estudo, onde serão
vistas algumas das estratégias utilizadas, como: supressões, substituições e outras.
Apresenta-se o texto em duas colunas: à esquerda, o texto original, em
português; e, à direita, sua tradução em francês; seguidos de explicações e
comentários sobre as escolhas e decisões tomadas.
53
Era uma vez uma cor Il était une fois une couleur
muito rara e muito triste très rare et très triste
que se chamava Flicts qui s’appelait Flictus
não qui
tinha n’avait
a pas la
força force
do de
Vermelho Rouge
não tinha a imensa luz do Amarelo ni la grande luminosité de Jaune
nem a paz que tem o Azul et n’avait pas non plus l’apaisement de Bleu
No grupo de adjetivos “frágil, feio e aflito”, que ressaltam o som da letra “F”,
combinando assim com o próprio nome “Flicts”. Faible e affligé possuem a mesma
origem de “frágil” e “aflito”. Quanto ao affreux, foi encontrado no dicionário como
sinônimo de laid (feio) e considerou-se que possui a sonoridade necessária para
reproduzir em francês a aliteração20 do texto de partida, reescrevendo assim o jogo
de palavras, recurso tão apreciado pelas crianças.
20
Aliteração: figura de linguagem que consiste na repetição de sons consonantais idênticos ou
semelhantes num mesmo verso ou numa mesma frase, destacando as sílabas tônicas.
55
Neste fragmento, optou-se por uma construção que revelasse, sem fazer uso
do travessão, presente no texto em português, o quanto é carregado de ausência o
mundo de Flictus. Para isso recorreu-se ao indefinido francês rien, que articulado
com a partícula negativa ne que o precede, exprime não somente a negação, mas a
ausência de algo. No texto traduzido, o insistente uso do rien e as pausas marcadas
pela vírgula vêm enfatizando a solidão do personagem.
de centralizar o texto para que ele se mantivesse abaixo da coluna, mantendo assim
a dramaticidade visual da afirmação.
Mas ninguém olhou pra ele Mais personne ne l'a vraiment regardé.
e mais Et de nouveau
uma vez ils abandonnèrent
deixaram le faible,
o frágil e feio e aflito l’affreux et
Flicts l’affligé
na sua branca Flictus
solidão dans sa blanche
solitude.
21
Assonância: figura de linguagem que consiste na repetição de sons de vogais em um verso ou em uma frase.
60
passé simple. Convém esclarecer que o pronome pessoal junto ao verbo (neste
caso, ils) é sempre imprescindível na língua francesa. Quanto à escolha semântica
do verbo abandonner flexionado em terceira pessoa do plural, fez-se com o intuito
de enfatizar o abandono do personagem. Atentou-se ainda para reescrever no texto
traduzido os sons aliterantes que se reproduziram de forma idêntica a do texto
original, ou seja, como um silvo, dada a função fricativa da consoante “f”. Também
foi levada a metáfora “na sua branca solidão” que figura assim: dans sa blanche
solitude.
Mas Mais
Flicts Flictus
não se emendava continuait
(e por que à chercher sa place.
se emendar?) Pourquoi pas?
não era bom Il n’est pas bon
ser tão só d’être aussi seul.
e um dia Et un jour
foi procurar il sortit pour
um trabalho chercher du travail,
pra fazer le travail pourrait
a salvação peut-être le sauver :
no trabalho:
Neste trecho foi necessário inserir, mais uma vez, pontuação no texto de
chegada. Traduziu-se “Flicts não se emendava” para Flictus continuait à chercher sa
place e, a frase para “fazer a salvação no trabalho” por le travail pourrait peut-être le
sauver. Convém frisar que nas frases: “Mas Flicts não se emendava (e por que se
emendar?)”, que registra a veemente decisão do personagem em perseguir seu
objetivo, mesmo diante das maiores dificuldades, vem reescrita no francês de forma
mais clara com relação ao seu objetivo, que é “encontrar o seu lugar no mundo”:
Flictus continuait à chercher sa place. Pourquoi pas?
Mas Mais
existem mil des drapeaux,
bandeiras il y en a beaucoup
trabalho et beaucoup.
pra tanta Et il y en a beaucoup
cor de travail
e Flicts pour
correu les différentes
o mundo couleurs
em busca et Flictus
do seu a parcouru
lugar le monde
en cherchant
e
sa place,
Flicts
correu et
o mundo: Flictus
a parcouru
le monde :
Neste recorte não houve problemas com o texto e sua reescritura. “Mas
existem mil bandeiras trabalho pra tanta cor [...]”, por Mais des drapeaux, il y en a
beaucoup et beaucoup. Et il y en a beaucoup de travail pour les différentes couleurs
[...]
Questionou-se quanto à escolha entre les e des: pour les difféntes couleurs
ou pour des difféntes couleurs. Optou-se por les para referir-se às diferentes cores,
62
“Mas nem mesmo [...] se lembraram de Flicts ou pensaram em Flicts para ser
sua cor” – a correspondência em francês resultou numa frase mais simples qual
seja: [...] n’ont pas pensé à Flictus pour qu’il leur donne sa couleur. Neste trecho
ainda são citados alguns termos referente à assunto heráldica, o que demandou
alguma pesquisa. No parágrafo final reescreveu-se “ou pelo menos quer ser” como
et rien ne veux l’être.
O céu Le ciel,
por exemplo par exemple,
é Azul est Bleu,
63
é todo et la mer
do Azul o mar appartient toute au Bleu.
“Mas que sabe o mar « La mer... peut-être ?
quem sabe?” qui sait ? »
pensa Flicts agitado pense Flictus agité.
“O mar é tão inconstante” « La mer, elle est si changeante. »
“É cinzento « Elle est Grise, comme
se o dia é un imense
Cinzento como lac de plomb,
um imenso si le jour est Gris. »
lago de chumbo”
« Elle change
“E muda avec le soleil
com o sol ou avec la pluie :
ou com a chuva Noire,
Negro salée ou
salgado ou Rouge »
Vermelho
La mer,
O mar est si
é tão changeante.
inconstante Elle
tem tantas a toutes
cores les couleurs,
o mar la mer
“Não” « Non »
avisa o Vermelho interdit Rouge.
“Espera” « Attends »
o Amarelo diz dit Jaune.
“Vai embora” « Vas-t-en »
lhe manda o Verde ordonne Vert.
e mais uma vez sozinho o pobre Flicts et encore une fois Flictus s’en va tout
se vai seul...
Aqui cada uma das cores possui sua personalidade, de acordo com a sua
função nos sinais de trânsito, que são as mesmas, aqui ou na França. Facilmente
compreensível.
E hoje Et aujourd’hui,
com o dia claro dans la journée, par temps clair,
mesmo com o sol muito alto quand les rayons de la Lune rivalisent
quando a Lua vem de dia avec l’éclat du soleil
brigar com o brilho do sol la Lune est Bleue.
a Lua é Azul
Quand la Lune
Quando a Lua apparaît
aparece au loin sur la
- nos dias das mer par une
tardes de outono - belle soirée
do outro lado do mar d’automne,
como uma bola de fogo telle une
ela é redonda boule de feu,
e Vermelha elle est ronde
et Rouge.
E nas noites
muito claras Quand la nuit sans
quando a noite é toda dela nuage lui appartient
a Lua é de prata e ouro toute entière,
enorme bola la Lune est d’or et
Amarela d’argent,
c’est un grand disque
Jaune.
MAS MAIS
NINGUÉM PERSONNE
SABE NE
A CONNAÎT
VERDADE LA
(a não ser VERITÉ
os astronautas) (sauf les
astronautes)
que
de perto mais
66
de tout près,
pertinho tout près...
a Lua é Flicts la Lune est Flictus
Quando Neil Armstrong – o primeiro homem que Quand Neil Armstrong – le premier homme à
pisou na Lua - veio ao Rio de Janeiro, contei-lhe avoir posé le pied sur la Lune – est vennu à Rio
a história de Flicts e ele me confirmou que a Lua de Janeiro, je lui ai raconté l'histoire de Flictus et
era, realmente, FLICTS. il m'a confirmé que la Lune était, vraiment,
FLICTUS.
Ziraldo Ziraldo
67
CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] quant aux enfants, ils semblent avoir « compris » selon leur sensibilité,
sans manifester une quelconque interrogation et sans perte d’intérêt [...]
L’intérêt des plus jeunes a été soutenue, car les enfants sont sensibles à la
solitude, à l’injustice, à la difficulté de trouver sa place [...] souvenir des
cours de récréation [...]
A partir das considerações de Mme. Bigan, embora tenha sido uma única
experiência e com um número pequeno de crianças, acredita-se que a tradução
cumpriu seu objetivo de ser compreendida por seu público-alvo. Pretende-se
verificar esta hipótese, dando continuidade aos estudos aqui iniciados, em um curso
de mestrado.
69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CHEOLA, Maria Laura Van Boekel. Quem conta um conto. In: CARVALHO, Maria
Angélica Freire de & MENDONÇA, Rosa Helena. (Org.) Práticas de leitura e escrita.
Brasília: Ministério da Educação, 2006.
SCHMIDT, Mario. Nova História Crítica. São Paulo: Nova Geração, 2005.
71
SITES CONSULTADOS:
APÊNDICE
73
74
qui
n’avait
pas la
force
de
Rouge
ce n’était que
le faible,
l’affreux
et l’affligé
et n’avait pas non plus
Flictus
l’apaisement de Bleu
76
Quand revient
le printemps,
le parc et
le jardin tout entier
se couvrent
de couleurs.
Aucune de ces
couleurs,
ni personne,
ne veut
jouer
avec
le pauvre Flictus.
78
Un jour,
après la pluie Grise,
il a vu, « Est-ce que je peux jouer au balon ?
une bande joyeuse de couleurs Est-ce que je peux jouer à colin-maillard ?
qui sortaient
Est-ce que je peux jouer à cache-cache ?
en recréation.
Est-ce que je peux jouer avec vous... ? »
Et il s’est approché
pour jouer aussi :
Et de nouveau
ils abandonnèrent
le faible,
l’affreux et
l’affligé
Flictus
dans sa blanche
solitude.
Mais
Flictus Mais
continuait des drapeaux,
à chercher sa place. il y en a beaucoup
« Il n’y a pas de place » et beaucoup.
Pourquoi pas?
Il n’est pas bon
a dit Bleu. Et il y en a
d’être aussi seul. beaucoup
Et un jour de travail
il sortit pour pour
chercher du travail, les différentes
le travail pourrait couleurs
peut-être le sauver : et
« Il n’y a pas de place » Flictus
« Est-ce que
je peux avoir a chuchoté Blanc. a parcouru
une petite place, le monde
un bandeau en cherchant
sur un bouclier, sa place,
un emblème,
et
un blason
Flictus
sur un drapeau
« Il n’y a pas de place » a parcouru
ou un étendard ? » « Il n’y a pas de place »
a crié Rouge. le monde :
a crié Rouge.
81
il a vu les pays les plus beaux les terres les plus lointaines
les terres les plus anciennes et les pays les plus jeunes
82
Et le pauvre
La mer, est si Flictus
changeante. cherche quelqu’un « Non »
Elle a toutes les qui serait son interdit Rouge
et
il
cessa
UN JOUR FLICTUS S’ARRÊTA de
chercher
Un jour
Flictus
a regardé Il a disparu
au loin, et même
puis il a l’oeil le plus perçant
commencé n’aurait pu le
à s’élever. distinguer.
et il a disparu
84
Et aujourd’hui,
dans la journée, par temps clair,
quand les rayons de la Lune rivalisent
avec l’éclat du soleil
la Lune est Bleue.
Quand la
Lune apparaît
au loin sur la
mer par une
belle soirée
d’automne,
telle une
boule de feu,
elle est ronde
et Rouge.
MAIS
PERSONNE mais
tout près,
NE tout près...
CONNAÎT
LA
Quand la nuit sans VERITÉ
nuage lui appartient (sauf les
toute entière, astronautes)
la Lune est d’or et
d’argent, c’est un
grand disque
Jaune.
85
Quand Neil Armstrong – le premier homme à avoir posé le pied sur la Lune – est vennu à
Rio de Janeiro, je lui ai raconté l'histoire de Flictus et il m'a confirmé que la Lune était,
vraiment, FLICTUS (Ziraldo).
86
ANEXO
87
88
89
90
91
92
93
94
CDD: 418.02