Você está na página 1de 64

FONÉTICA E FONOLOGIA

DO PORTUGUÊS
Unidade 3
Encontros vocálicos,
dígrafos e dífonos
Diretor Executivo

DAVID LIRA STEPHEN BARROS

Gerente Editorial

ALESSANDRA FERREIRA

Projeto Gráfico

TIAGO DA ROCHA

Autoria

DÉBORA HRADEC
Débora Hradec
AUTORIA

Sou mestre em Tecnologia e Gestão da Educação pela


Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo/Universidade
Estadual Paulista, especialista em Língua Inglesa pela
Universidade de São Paulo, bacharel em Letras, Tradutores e
Intérpretes e licenciada em Línguas Portuguesa e Inglesa, com
experiência técnico-profissional na área de Docência no Ensino
Superior, tradução, revisão e autoria de livros didáticos há mais
de 30 anos. Fui docente em instituições como Universidade Nove
de Julho, Centro Universitário das Américas, Universidade Santo
Amaro, entre outras, além de tradutora sênior de materiais
institucionais para empresas privadas da área técnica, comercial,
farmacêutica e jurídica. Sou apaixonada pelo que faço e adoro
Unidade 3

transmitir minha experiência de vida aos que estão iniciando sua


trajetória profissional. Por esse motivo, fui convidada pela Editora
Telesapiens a integrar seu elenco de autores. Conte comigo!

4 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que:

ÍCONES
Para o início do
Houver necessidade
desenvolvimento
de apresentar um
de uma nova
novo conceito.
OBJETIVO competência. DEFINIÇÃO

Quando necessárias
As observações
observações ou
escritas tiveram que
complementações
ser priorizadas para
para o seu
NOTA IMPORTANTE você.
conhecimento.

Curiosidades e
Algo precisa ser indagações lúdicas

Unidade 3
melhor explicado ou sobre o tema em
EXPLICANDO detalhado. estudo, se forem
MELHOR VOCÊ SABIA?
necessárias.

Textos, referências Se for preciso acessar


bibliográficas um ou mais sites
e links para para fazer download,
aprofundamento do assistir vídeos, ler
SAIBA MAIS ACESSE
seu conhecimento. textos, ouvir podcast.

Se houver a
necessidade de Quando for preciso
chamar a atenção fazer um resumo
sobre algo a acumulativo das
REFLITA ser refletido ou RESUMINDO últimas abordagens.
discutido.

Quando alguma Quando uma


atividade de competência for
autoaprendizagem concluída e questões
ATIVIDADES for aplicada. TESTANDO forem explicadas.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 5


Encontros vocálicos e consonantais......................................... 9
SUMÁRIO

Os encontros vocálicos...................................................................................... 11

Ditongos................................................................................................. 12

Tritongos................................................................................................ 17

Hiatos..................................................................................................... 18

Os encontros consonantais.............................................................................. 22

Dígrafos e dífonos.................................................................... 24
Considerações sobre os encontros consonantais no português europeu e
brasileiro............................................................................................................... 24

O dígrafo .............................................................................................................. 27

O dífono................................................................................................................ 30
Unidade 3

Palavras homófonas........................................................................................... 32

Alofone e sua variação ............................................................ 36


A fonêmica e os alofones.................................................................................. 36

Os tipos de alofones............................................................................ 43

Casos de alofonia no português brasileiro..................................... 44

Neutralização e o arquifonema.............................................. 49
A presença da variações de fala no português............................................. 49

Definição dos alofones ..................................................................................... 51

Quando um segmento é fonema em certos contextos e alofone


em outros e a neutralização ............................................................. 52

Arquifonema e neutralização........................................................................... 53

Os arquifonemas /S/, /R/ e /N/.......................................................... 56

A línguas tonais................................................................................................... 57

6 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Você sabia que a Fonética e Fonologia do português
são estudos sistematizados, mas que levam em consideração

APRESENTAÇÃO
os fatos em contexto, de acordo com aspectos idioletais e
socioletais presentes nos diversos países? Nesta unidade letiva,
você vai mergulhar neste universo do estudo dos sons. Para
nossas transcrições fonéticas, foi usado o padrão de falantes
do estado de São Paulo para comparações com outros estados.
Bom estudo!

Unidade 3

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 7


Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 3. Nosso objetivo é
auxiliar você no desenvolvimento das seguintes competências
OBJETIVOS

profissionais até o término desta etapa de estudos:

1. Definir os encontros vocálicos e os encontros


consonantais.

2. Reconhecer os dígrafos e dífonos.

3. Definir os conceitos de alofone e sua variação.

4. Identificar a neutralização e o arquifonema.

Então? Preparado para uma viagem empolgante rumo ao


conhecimento? Ao trabalho! Por meio deste conteúdo, você terá
todo o aparato teórico necessário para o desempenho de suas
atividades acadêmicas e a efetivação de estudos práticos na área
Unidade 3

de Fonética e Fonologia do português! Sucesso!

8 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Encontros vocálicos e
consonantais
Ao término deste capítulo, você será capaz de
entender melhor sobre encontros vocálicos e
consonantais, fonema e fone, neutralização e o que
OBJETIVO vem a ser arquifonema. Isto será fundamental para
o exercício de sua profissão. E então? Motivado
para desenvolver esta competência? Então vamos
lá. Avante!

Os fonemas são as unidades sonoras que se dividem em


vogais, semivogais e consoantes. A condição para ser um fonema
é representar oposições entre palavras, e esta informação é

Unidade 3
muito relevante, devendo ser lembrada durante este estudo.
Quando falamos “mata e nata”, o “m” e o “n” são letras que
representam fonemas (/m/ e /n/) porque distinguem vocábulos.
Não bastam ser sons vocálicos diferentes para termos um
fonema; esses sons precisam marcar uma oposição. Isolado, o
fonema não apresenta significação própria, no entanto, é capaz
de diferenciar uma palavra da outra como em “mar”, “par”, “bar”
ou “bela”, “sela”.

Um “fone” é a menor unidade fisicamente realizada de um


som produzido durante a efetivação da fala, variando em relação
à cada região do país. Os fones são representados pelos fonemas,
e estes são representados ortograficamente pelas letras. O fone
é a concretização real de um fonema.
Descritos pela fonética, os fones são os sons
pronunciados pelos falantes de uma língua, todos
os humanos normais são capazes de reproduzi-
los. Eles se reúnem num conjunto relativamente
pequeno de propriedades fonéticas. Quando os fones
têm propriedades distintivas eles são chamados de

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 9


fonemas e tornam-se unidades linguísticas. [...] os
fonemas seriam uma realidade acústica registrada
pelo aparelho auditivo, ou seja, os sons elementares
e distintivos que o homem produz quando, pela voz,
exprime seus pensamentos e emoções. (MEDRADO,
2010, on-line)

O fonema e a letra não se confundem. A letra “c”, por exemplo,


é um sinal gráfico que pode representar o fonema /s/ em “ciúme”
e /k/ como em “compressão”. As vogais são sons resultantes
das vibrações das cordas vocais e ao pronunciá-las a boca
permanece aberta ou entreaberta. Já as consoantes são espécies
de ruídos resultantes da ação dos órgãos da boca (língua, dentes,
lábios etc.) ao criarem obstáculos ou resistência à corrente de
Unidade 3

ar que vem dos pulmões. A língua portuguesa tem 12 fonemas


vocálicos e 19 consonantais. Os sons vocálicos são classificados
por meio de quatro critérios, como a zona de articulação (média,
anterior e posterior), intensidade (subtônica e átona), timbre
(aberta, fechada e reduzida) e papel das cavidades bucal e nasal
(orais, tônicas e nasais). Os sons consonantais também são
classificados em quatro critérios: modo de articulação (oclusivas
e constritivas que são fricativas, laterais e vibrantes); ponto de
articulação (bilabiais, labiodentais, linguodentais, alveolares,
palatais, velares); papel das cordas vocais (surdas e sonoras);
papel da cavidade bucal e nasal (nasais e orais).
Ao usar os símbolos do alfabeto fonético, os sons
transcritos são apresentados entre colchetes [ ].
Isso é o que ocorre na transcrição fonética destas
palavras, como pronunciadas no dialeto
mineiro: mala [ˈmalə], mole [ˈmɔlɪ], moça [ˈmosə]
e moço [ˈmosʊ].

Os fonemas são representados visualmente por


meio de barras / / e seus símbolos, ainda que muito

10 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


parecidos com os do IPA, são convencionados pela
tradição bibliográfica da fonologia de cada língua.

Isso significa que, a exemplo, “a” é uma representação


tradicional da letra A, [a] é a representação do IPA para
um som vocálico aberto e central com características
acústicas específicas, já /a/ é a representação
convencionada para uma unidade linguística mental
básica que se opõe a outras unidades e que tem
determinadas características, como, por exemplo,
a capacidade de formar centro de sílabas em uma
determinada língua. (OLIVEIRA, 2019, p. 24)

Para rever um pouco mais sobre Fonética e


Fonologia de forma pitoresca, acesse o vídeo

Unidade 3
disponível no link aqui .
ACESSE

Fonêmica é um termo criado por uma escola norte-


americana para o estudo que, ao lado da fonética e ao contrário
dela, diz respeito ao fonema sem se preocupar com a realidade
física integral do som da fala, ou seja, o som realizado no meio
(CÂMARA JÚNIOR, 2001). A fonêmica compreende a área do
estudo linguístico que estabelece relações entre fonemas e
alofones.
Para fazer a transcrição fonética on-line de acordo
com o Alfabeto Fonético Internacional (AFI), você
pode acessar a página disponível no link aqui e
ACESSE escolher o idioma desejado, no caso o português
padrão.

Os encontros vocálicos
Primeiramente, vamos lembrar que, além das vogais,
existem os “glides”, que são segmentos chamados de semivogais,

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 11


que têm pronúncia mais curta, não podem ser acentuadas, nem
ficar no núcleo de uma sílaba, como em “guitarra”, [ɡiˈtara].
Existem três tipos de encontros vocálicos: o ditongo, o tritongo
e o hiato.

Ditongos
O ditongo é a combinação de uma vogal com uma semivogal
(glide), ou de uma semivogal (glide) com uma vogal numa mesma
sílaba. Comparando-se, com a vogal, a semivogal (glide) é menos
ouvida, tem menor intensidade do que a vogal. Exemplos de
ditongos incluem, entre outros:

EXEMPLO:
Unidade 3

Herói, moita, cai, mói, rei, pão, fui, quando, sério, sou.

A palavra “glide” é sinônimo de semivogal. Se traduzida do


inglês, a palavra significa “som de transição”. Portanto, o glide
é a vogal assilábica de um ditongo ou tritongo que não tem
proeminência na acentuação. Uma notação possível, usada por
alguns gramáticos, é o um símbolo “ “ abaixo dos glides para
marcar o começo e o fim do ditongo em português. Colocamos o
símbolo [ ] abaixo do glide para marcar a assilabicidade, no caso
de “pais” o glide é [ ]: [‘pa s] (SILVA, 2003).

A terminação “em” /ẽj/ em palavras como ninguém, alguém,


também, porém e a terminação “am” /ãw/ em palavras como
cantaram, amaram, falaram representam ditongos nasais
decrescentes. Assim, os glides aparecem como a letra “m” na
forma escrita.

Os ditongos são divididos em quatro tipos:

• Decrescentes (vogal + semivogal) – jeito, outro, dói, lei,


mal, mau, véu constitui, riu, meu.

12 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


• Crescentes (semivogal + vogal) – qual, pátria, sério,
tênue, quatro, gênio, vácuo, quantia, aguentar, série.

• Orais – fui, pouco, jeito, pai.

• Nasais – mãe, pão, muito /m’üjtu /, bem /bˈẽj /,̃ põe.


Observe: “humano” /u.mˈə.nʊ/ e “despedir” /dʒis.
pe.dʒˈi/. Temos aqui o “u” e “i” funcionando como
vogais e nada mais. Em “peixe” /pˈej.ʃi/ e “mau”
IMPORTANTE [m′aw], e “mal” [m′aw], temos a combinação de
uma vogal com uma semivogal em uma única
emissão de voz. As semivogais são os fonemas /j/ e
/w/ átonos que se unem a uma vogal para formar
uma só sílaba como em água, vai, andei, ouro.

Na produção dos ditongos orais, a corrente sonora fica

Unidade 3
impedida pela úvula levantada e não chega às cavidades nasais,
ressoando só na boca. Na produção dos ditongos nasais, ocorre
o rebaixamento da úvula, e a corrente sonora consegue chegar
parcialmente às fossas nasais ressoando nelas. Se considerado
pelo ponto de vista da escrita, existem 17 ditongos decrescentes
e 13 crescentes, como pode ser visto no quadro a seguir.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 13


Quadro 1 – Ditongos crescentes e decrescentes
Unidade 3

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

EXEMPLO:

Veja exemplos de ditongos transcritos foneticamente:


fêmea /fˈe.mjə/, contrário /kõ.tɾˈa.ɾjʊ/, quanto /kwˈə̃.tʊ/, quadris
/kwa.dɾˈiw/, aceitação /a.sej.ta.sˈə̃w/.

14 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Os encontros vocálicos classificados como ditongos
crescentes pela maioria dos gramáticos podem, na
verdade, realizar-se ora como ditongos, ora como
hiatos. Segundo Mattoso Câmara, em seu Dicionário
de filologia e gramática, devido a essa instabilidade,
tais encontros não podem ser considerados ditongos,
pois não têm caráter sistemático ou estável dentro
da língua, não resultando daí nenhuma oposição
distintiva, nenhum contraste em relação a outros
ditongos (ver Observação, p. 57). Para ele, só existe
ditongo crescente em português quando a semivogal
/w/ é precedida de /k/ (grafado q) ou /g/, por possuírem
tais características já mencionadas. Observe: igual,
frequente, tranquilo, quota, quase, aguentar, sagui.
(MESQUITA, 2002, p. 57)

Unidade 3
Entre os ditongos crescentes, veja no quadro a seguir os
que são orais e nasais.
Quadro 2 – Ditongos crescentes orais e nasais

Fonte: Mesquita (2002, p. 58).

Entre os ditongos decrescentes, podemos observar no


quadro a seguir os que são orais e nasais.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 15


Quadro 3 – Ditongos decrescentes orais e nasais
Unidade 3

Fonte: Mesquita (2002, p. 59).

Não podemos esquecer que, tanto nos ditongos


crescentes quanto nos decrescentes, a vogal é o
fonema de maior abertura.
IMPORTANTE

Os ditongos crescentes ocorrem com mais frequência em


sílabas átonas. Ainda, os “e” e “o” átonos funcionam às vezes
como glides, originando ditongos porque têm um valor fonético
próximo de /j/ e /w/. Veja a palavra “mãe” /mˈɐ̃j/, assim como
“limões”, “perdoe”, “põe” etc. É necessário tomar cuidado com
certos encontros vocálicos que acabam sendo considerados
ditongos crescentes, mas, na verdade, são hiatos, como poeta,
quiabo, cordial, piada, poente, luar, miolo, coelho, moinho,
miudeza, entre outros.

16 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Segundo Cegalla (2008), existem palavras que
podem ser consideradas portadoras de dois
ditongos. Observe a transcrição destes exemplos:
IMPORTANTE “saia” /sˈaj.jə/, “teia” /tˈej.jə/, “correio” /ko.xˈej.jʊ/,
“raio” /xˈaj.jʊ/.

Tritongos
Os tritongos são o encontro de um som semivocálico (SV) com
um vocálico (V) e mais um som semivocálico (SV), sempre nesta
ordem, formando uma mesma sílaba, em uma só emissão de voz.
Figura 1 – Tritongos

SAGUÃO IGUAIS

Unidade 3
SV V SV SV V SV

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

Segundo Silva (2003), os tritongos são encontros de fones


vocálicos que também são chamados “consoantes complexas”,
como na palavra “quais” /’kwajs/:
[...] são analisadas como uma sequência de Oclusiva
velar labializada que pode ser seguida por uma vogal
ou por um ditongo: “quase” [‘kwazi] e “quais” [‘kwais].
Os segmentos [kw, gw] são denominados consoantes
complexas e correspondem a uma Oclusiva velar
labializada. Nestas consoantes articulamos a
Oclusiva velar - [k] ou [g] - concomitantemente com
o arredondamento dos lábios. [...] Vale ressaltar aqui

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 17


que algumas palavras que geralmente apresentam
consoantes complexas [kw,gw] na pronúncia de certos
falantes, podem apresentar apenas uma Oclusiva
velar [k,g] na pronúncia de outros: “li[kwi]dificador ~
li[ki]dificador” (ver também “quota, quatorze”, etc.).
[...] Já uma palavra como “[kwa]torze” pode apresentar
uma pronúncia alternativa como “[ka]torze”. (SILVA,
2003, p. 39)

Segundo Cegalla (2008), em algumas palavras,


existem conjuntos vocálicos formados por
tritongos junto com ditongos. Observe as palavras
IMPORTANTE sequoia e uruguaio:
SEQUO + IA /se.kˈɔj.jə/
URUGUA + IO /u.ɾu.gwˈaj.jʊ/
Unidade 3

Os tritongos também podem ser orais ou nasais, como


ilustrado no quadro a seguir:
Quadro 4 – Tritongos orais e nasais

Orais Nasais

uai /waj/ uruguai uão, uam /waw/ quão,


enxáguam

uei /wej/ averiguei uem /wẽj/ enxaguem

uiu /wiw/ redarguiu uõe /wõj/ saguões

uou /wow/ aguou

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

Hiatos
Hiato é o nome atribuído ao caso em que há o encontro de
dois fones vocálicos juntos, mas pronunciados separadamente, o
que faz com que fiquem em sílabas diferentes em caso de divisão
silábica. O hiato apresenta duas vogais em uma só emissão de voz.

18 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


O movimento articulatório de um ditongo difere
do movimento articulatório de duas vogais em
sequência, sobretudo quanto ao tempo ocupado na
estrutura silábica e quanto à mudança de qualidade
vocálica. O par de palavras “pais” e “país” ilustra um
ditongo – na primeira palavra – em oposição a uma
sequência de vogais – na segunda palavra. Durante
a articulação de duas vogais em sequência – como
na palavra “país” – cada vogal ocorre em uma sílaba
distinta e cada vogal apresenta qualidade vocálica
específica. Neste caso dizemos que há um hiato.
(SILVA, 2003, p. 43)

EXEMPLO:

Unidade 3
São exemplos de hiato entre duas vogais átonas:

Reação, beatice, caapora, aeroporto.

Entre uma vogal átona e uma tônica:

Aéreo, hexaedro, aí, boato, abotoar, doído, egoísta, ruí-


do, anual, mortuário, suéter, paranaense, região, substituindo.

Entre uma vogal tônica e uma átona:

Veem, pessoa, abençoo, tia.

Entretanto, alguns hiatos terminados em “–ia, -ie, -io, -ao,


-ua, -uo” são instáveis quando átonos e finais porque podem
ser realizados (falados) como ditongos ou hiatos, dependendo
do contexto social, cultural ou geográfico.

EXEMPLO:

Histó+ria (ditongo) ou históri + a (hiato);

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 19


sé+rie (ditongo) ou séri+e (hiato)

colé+gio (ditongo) ou colégi+o (hiato)

caos (ditongo) ou ca+os (hiato)

está+tua (ditongo) ou estátu+a (hiato)

assí+duo (ditongo) ou assídu+o (hiato)

Se não forem nem finais nem átonos, só podem ser


realizados como hiatos, como em: di+eta, di+álise, piru+á.

Vale lembrar que de acordo com o novo Acordo


Ortográfico, os “i” e “u” tônicos de hiatos precedidos
de ditongos em palavras paroxítonas não serão
IMPORTANTE mais acentuados, como em fei-u-ra.
Unidade 3

Você já conhece o conceito de sílabas tônicas e átonas. Na


Fonologia, a tonicidade é representada pelas aspas simples [‘]
antes da sílaba tônica. Mas em português, palavras com duas
ou mais sílabas sempre terão uma sílaba tônica, e algumas
apresentam uma sílaba subtônica. Geralmente, isso acontece em
palavras derivadas e polissílabas. Nelas, além do acento principal,
há uma ênfase secundária na pronúncia que é justamente a
subtônica. Observe os exemplos a seguir:
Ca fe zi nho /ka.fɛ.zˈi.ɲʊ/ ra pi da men te /xa.pi.da.mˈẽj.tʃi/

Átona subtônica tônica átona subtônica átona átona tônica átona

Ainda, se considerarmos a sílaba átona, podemos classificar


uma átona como pretônica (aquela que antecede a tônica) e
pode ser postônica (aquela que fica depois da tônica). Observe
o exemplo a seguir:

20 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


A me ri ca no /a.me.ɾi.kˈə.nʊ/

Átona átona átona pretônica tônica átona postônica

A vogal postônica é aquela que vem depois do


fone vogal tônico da palavra. A vogal pretônica é a que precede
imediatamente a sílaba tônica. Um exemplo é a palavra “cabelo” em
que, de acordo com a pronúncia, “e” é a sílaba tônica como marcado
na transcrição /ka.b’e.lʊ/. Portanto, a letra “a” é a vogal pretônica.
Na poesia, por motivos fonéticos ou estilísticos, pode
haver conversões de hiatos em ditongos, o que se
chama sinérese, ou os ditongos podem ser dissolvidos
SAIBA MAIS para se tornarem hiatos, o que chamamos de

Unidade 3
diérese. A sinérese ocorre mais e era muito comum
nos poemas do século XVI. Observe um trecho de
um poema de Antero de Quental que ilustra este
processo. No terceiro verso, o hiato é transformado
em ditongo para que, ao pronunciarmos, a métrica
seja preservada, promovendo a igualdade isométrica
(igualdade nos números de sílabas poéticas).
À Virgem Santíssima
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia
(...)
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...
(...)
Na contagem das sílabas poéticas, há dez sílabas
em cada verso:
não/ e/ra o/ vul/gar/ bri/lho/ da/ be/le//
nem/ o /ar/ dor/ ba/ nal/ da/ mo/ ci/ da//
e/ra ou/ tra/ luz/ e/ra ou/ tra/ sua/ vi/ da//
que a/ té/ nem/ sei/ se as há/ na/ na/ tu/ re/ za//

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 21


Os encontros consonantais
Você já viu que consoante é um fonema fruto da constrição
ou obstrução em algum ponto (ou pontos) do trato vocal. Quando
existem fones consonânticos em sequência, sem a presença de uma
vogal intermediária no vocábulo, temos um encontro consonantal.
Isto é, como o próprio nome indica, o encontro consonantal é
quando dois sons consonantais aparecem juntos em uma mesma
palavra. Existem encontros consonantais chamados de puros, que
se mantêm na mesma sílaba, e os disjuntos, que ficam em sílabas
diferentes, ou seja, são separáveis na divisão silábica.

Pronunciados na mesma sílaba, temos como exemplos:


psicose, mnemônico, pseudônimo, czar, letra, represar, dupla,
Unidade 3

flor, aclimatar. Em sílabas diferentes, há por exemplo: advento,


obtuso, obstáculo, advento, apto, pacto.
Quadro 5 – Encontro consonantal separável ou disjunto

Fonte: Mesquita (2002, p. 65).

22 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


A pronúncia do “b” e do “l” é pronunciada separadamente em
vocábulos que têm o prefixo “sub-“ como sublinhar, sublegenda,
sublingual, sublocar, sublocação e sublunar. Ainda, não podemos
esquecer que em palavras como “lindo” /lˈĩ.dʊ/, “tenda” /tˈẽj.də/,
“renda” /xˈẽj.də/, “samba” /sˈə.̃ bə/, entre outras, não há um encontro
consonantal porque o que vale é o som da palavra, e, nesses casos,
o “m” e “n” têm função nasalizadora, fazendo a vogal adquirir um
som igual ao da vogal com a presença de “til” como vemos nas
transcrições.
E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu
mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de
que você realmente entendeu o tema de estudo
RESUMINDO deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos.
Você deve ter compreendido como são formados

Unidade 3
os encontros consonantais e os encontros
vocálicos, como ditongos, tritongos e hiatos.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 23


Dígrafos e dífonos
Ao término deste capítulo, você será capaz de
entender um pouco mais sobre os encontros
consonantais, os dígrafos e dífonos. Isto será
OBJETIVO fundamental para o exercício de sua profissão.
E então? Motivado para desenvolver esta
competência? Então vamos lá. Avante!

Considerações sobre os
encontros consonantais no
português europeu e brasileiro
Já sabemos que as línguas apresentam características
Unidade 3

próprias, que variam em muitos aspectos. A pronúncia de uma


mesma palavra, em alguns casos, pode ser registrada em mais
de uma maneira, considerando fatores geográficos, gênero do
falante, grupo social etc. Mateus (2004) apresentou algumas
percepções sobre a nossa língua no que tange à Fonética e
Fonologia do português brasileiro comparado ao português de
outros países. Segundo ela, uma das diferenças mais perceptíveis
entre o português europeu e o brasileiro é a sua prosódia, ou
seja, as características da emissão dos sons da fala, como a
acentuação e a entoação.

Segundo a autora, o português europeu é uma língua


de ritmo acentual, com as sílabas átonas de menor duração que
as tônicas.
As vogais átonas sofrem redução frequente ou até
mesmo cancelamento, e há uma tolerância geral a
consoantes em fim de sílaba. Por sua vez, o português
brasileiro tem características mistas, e varia de acordo
com a taxa de fala, sexo e dialeto. (MATEUS, 2004, p. 7)

24 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Os dialetos das zonas rurais do Rio Grande do Sul e da
região Nordeste (especialmente a Bahia) são considerados mais
sibiláveis ​​do que os outros, enquanto os dialetos do Sudeste,
como o mineiro, no centro de Minas Gerais, o paulistano da costa
setentrional e regiões leste do estado de São Paulo, o fluminense
ao longo do Rio de Janeiro, do Espírito Santo e da Zona da Mata de
Minas Gerais, bem como do Distrito Federal, são essencialmente
de ritmo acentual.
Além disso, os falantes masculinos do português
brasileiro falam mais rápido do que os falantes
femininos e falam de uma maneira mais acentual e
têm mais redução de vogais átonas e também mais
cancelamento. (MATEUS, 2004, p. 10)

Unidade 3
Alguns dialetos brasileiros têm características fonológicas
mais próximas às do português europeu. Os dialetos fluminense
e florianopolitano, em particular, têm uma redução de vogais
maior (assim como quase toda fala vernácula tem comparada
à formal), e o dialeto fluminense tem uma tolerância maior ao
pronunciar róticos em fim de sílaba (representados por “R”).

Enquanto isso, o português africano e muitos dialetos rurais


do português europeu apresentam características comumente
associadas à fala brasileira. Em diversos dialetos brasileiros,
como aqueles falados nos estados do Rio de Janeiro e Bahia,
as oclusivas dentais são africadas para [tʃ] e [dʒ] antes de /i/
e /ĩ/. No final das sílabas, as sibilantes /s/, /z/, /ʃ/, /ʒ/ ocorrem
por distribuição complementar. Na maior parte do Brasil, são
alveolares: /s/ é utilizado antes das consoantes surdas ou no final
da palavra, enquanto /z/ é usado antes de consoantes sonoras;
por exemplo, isto /’istu/, turismo /tu’ɾizmu/.

Na maior parte de Portugal, no Rio de Janeiro e em alguns


estados do Norte do Brasil, as sibilantes situadas no final das

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 25


sílabas tornaram-se palato alveolares, /ʃ/ antes de consoantes
surdas ou no final da palavra, e /ʒ/ antes de consoantes
sonoras: isto /ˈiʃtu/, turismo /tuˈɾiʒmu/. No norte de Portugal, as
consoantes /s/ e /z/ são alveolares ([s̺] e [z̺]), sendo que, na parte
interior da região, contrastam com [s] e [z], representadas por
C/Ç e Z. A consoante designada por /ʁ/ tem uma variedade de
realizações, dependendo do dialeto. No Brasil, esse som pode
ser velar, uvular, alveolar ou glotal e pode ser surdo, a menos
que esteja colocado entre consoantes sonoras, embora seja
costumeiramente pronunciado como uma fricativa velar surda
([x]), uma fricativa glotal surda ([h]), uma fricativa uvular surda
([χ]) ou uma vibrante múltipla alveolar ([r]). Na Europa, suas
mais frequentes realizações são a fricativa uvular sonora ([ʁ]), a
vibrante múltipla uvular ([ʀ]) e a vibrante múltipla alveolar ([r]).
Unidade 3

Os dois fonemas róticos, /ʁ/ e /ɾ/, sofrem contraste apenas


quando entre vogais. No início das palavras e depois de /l/, /z/,
/ʒ/ de vogais nasais, apenas a primeira ocorre, e nos conjuntos
consonantais “pr, fr, cr”, apenas o segundo acontece, enquanto
em outras situações, a maioria dos dialetos usa apenas a
segunda. No entanto, diversos dialetos brasileiros, entre eles
o dialeto carioca, utilizam-se da segunda no final das sílabas. A
consoante /l/ é velarizada nos dialetos europeus. Na maioria dos
dialetos brasileiros, /l/ é vocalizado para [w] no final das sílabas.
No português brasileiro coloquial, o il átono pode receber o valor
de [ju], como em fácil [‘fasju].

As consoantes nasais não ocorrem normalmente no fim


das sílabas. O /n/ no fim de sílabas pode ocorrer em palavras de
uso mais erudito, por alguns falantes. O /ɲ/ no início de palavras
ocorre somente em poucos empréstimos linguísticos. No norte
e centro de Portugal, as explosivas sonoras, ou vozeadas (que
usam as cordas vocais) /b/, /d/ e /g/ podem sofrer lenição e se
transformarem nas fricativas [β], [ð] e [ɣ], respectivamente,

26 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


exceto no início de palavras, ou depois de vogais nasais. Nas
pronúncias europeias, as fricativas pós-alveolares sofrem fricção
apenas no fim da sílaba.

O dígrafo
Aqui, nosso estudo não é da forma escrita e sim do som.
Portanto, vimos que o encontro consonantal para a Fonologia
é quando dois sons consonantais ficam juntos em uma palavra
mantendo o som original em cada um deles.
Quadro 6 – Sons das consoantes do português brasileiro

Unidade 3
Fonte: Ivo (2019, p. 9).

Quando há o encontro de duas letras que representam


consoantes formando um único som, temos um dígrafo. Em
outras palavras, quando existem duas letras na forma escrita para
representar um só fonema, temos um dígrafo que também pode
ser chamado de digrama. Existem dois tipos de dígrafos, os que
representam consoantes e os que representam vogais nasais.

Os dígrafos consonantais são “xs, xc, sç, sc, ss, rr, nh, lh, ch”.
Em palavras em que o “m” e o “n” aparecem depois de vogais,
como em “faminto, tampão, encontrar”, os “am-, em-, en-, in-,
on-, um-” só servem para nasalizar a vogal anterior, não são

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 27


consoantes nem sequer fonemas. Isto é, o “m” e o “n” adquirem
o valor de “til”.

Observe o quadro a seguir.


Quadro 7 – Dígrafos
Unidade 3

Fonte: Mesquita (2002, p. 65).

28 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Figura 2 – Dígrafo que representa vogal nasal: “mundo” /mˈũ.dʊ/

Fonte: Freepik

Unidade 3
Assim, para a Fonologia, um dígrafo não é um encontro
consonantal, pois representa um só fonema. Os grupos
grafados em “gu”, “qu”, “sc” e “xc” não são dígrafos em palavras em
que as duas letras são pronunciadas como em: “agudo, aguenta,
aquático, frequente, escada, exclama”. Ao fazer a divisão silábica
da forma escrita, há cinco dígrafos inseparáveis e cinco outros
separáveis como mostra o quadro a seguir.
Quadro 8 – Dígrafos separáveis e não separáveis

Fonte: Cegalla (2008, p. 132).

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 29


No dígrafo, a segunda letra é denominada diacrítica,
porque ela só existe para ajudar na pronúncia. Por exemplo, nas
palavras “caro” e “carro”. A letra “r” de cada uma das palavras
tem som diferente. No caso de “carro”, o segundo “r” é uma letra
diacrítica.

O dífono
Assim como existem no português duas letras consonantais
representando um só som, ou seja, o dígrafo, há também o caso
de dois fonemas representados por uma única letra, o dífono.
No português, o único dífono existente é representado pela letra
“x” na escrita, quando resulta em dois fonemas ao pronunciar.

EXEMPLO:
Unidade 3

AXILA FIXO CRUCIFIXO

/a.ki.sˈi.lə/ /fˈi.kə.sʊ / /kɾu.si.fˈi.kə.sʊ /

Outros exemplos de dífonos são as palavras “taxi, oxigênio


e tórax”. A letra “x” é representada por dois fonemas diferentes
/k/ e /s/. “Oxigênio” [ɔksiʒ′enju], táxi /’taksi/ e tórax /’toraks/.

Mas temos que tomar cuidado, porque nem todo “x” é um


dífono. Só é dífono se for representado por /k/. Veja a seguir
alguns exemplos em que o “x” é representado somente pelo
fonema /s/. Nesses casos, não são dífonos.

30 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


EXEMPLO:
Quadro 9 – Letra “x” que não é dífono

Unidade 3
Fonte: Elaborado pela autora (2023).

Figura 3 – Dífono: “reflexão” [ʁeflekˈsɐ̃ w̃ ]

Fonte: Freepik

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 31


Palavras homófonas
Quanto ao fonema /s/, aproveitamos para falar sobre
as palavras homófonas. Homofonia é um termo formado pela
junção de homo, que quer dizer “mesmo”, e fonia, que significa
som. São palavras que têm o mesmo som, mas possuem uma
forma escrita diferente.
Quadro 10 – Palavras homófonas em /s/
Unidade 3

Fonte: Cipro Neto e Infante (2003, p. 109).

32 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


As palavras que têm a mesma grafia, mas
apresentam pronúncias diferentes, além de
significados diferentes, são chamadas de
SAIBA MAIS homógrafas. Elas também podem ser chamadas
de homônimas homógrafas. Veja alguns exemplos
no quadro a seguir.
Quadro 11 – Palavras homógrafas

acerto (substantivo)/acerto (verbo)


apoio (suporte)/apoio (verbo)
choro (substantivo)/choro (verbo)
colher (substantivo)/ colher (verbo)
coro (substantivo)/ coro (verbo)
força (substantivo)/ força (verbo)
gelo (substantivo)/ gelo (verbo)

Unidade 3
gosto (substantivo)/ gosto (verbo)
olho (substantivo)/ olho (verbo)
seca (adjetivo)/ seca (verbo)
sobre (preposição)/ sobre (verbo)
torre (substantivo)/ torre (verbo)

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

Existem ainda palavras que apresentam somente


uma pequena diferença na tonicidade ao falar,
mas que também são homógrafas, como: sábia
(adjetivo) e sabia (verbo), avó (substantivo feminino)
e avô (substantivo masculino), dúvida (substantivo)
e duvida (verbo), análise (substantivo) e analise
(verbo), entre outras.

Portanto, existem palavras homógrafas, que têm o som


diferente, mas o significado e a escrita são diferentes. Temos as
homófonas que apresentam o mesmo som, a escrita é diferente,
assim como o significado, e ainda, as palavras homônimas
perfeitas que têm som igual, são iguais na escrita, mas
apresentam significados diferentes. No caso das homônimas

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 33


perfeitas, temos, por exemplo, o substantivo morro e o verbo
morro, o substantivo caminho e o verbo caminho, o adjetivo leve
e o verbo leve.

Para fazer a transcrição fonética das palavras, você


pode utilizar o quadro simplificado do alfabeto
da língua portuguesa do Brasil com a transcrição
IMPORTANTE fonética de cada letra.

Quadro 12 – Alfabeto do português do Brasil


Unidade 3

34 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Fonte: Michaelis ([s. d.], on-line).

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu


mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de

Unidade 3
que você realmente entendeu o tema de estudo
IMPORTANTE deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos.
Você deve ter compreendido um pouco mais sobre
os encontros consonantais do português no Brasil
e na Europa, além de estudar os dígrafos e dífonos,
com exemplos. Ao final, você aprendeu a diferença
entre homógrafas, homófonas e homônimas.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 35


Alofone e sua variação
Ao término deste capítulo, você será capaz de
entender melhor o que são os alofones e sua
variação. Isto será fundamental para o exercício de
OBJETIVO sua profissão. E então? Motivado para desenvolver
esta competência? Então vamos lá. Avante!

A fonêmica e os alofones
Para falar de alofones, temos que falar novamente de
algumas premissas que definem a fonêmica, como o fato
de que os sons têm a tendência de serem modificados pelo
contexto em que se encontram. Os sistemas sonoros tendem a
Unidade 3

ser foneticamente simétricos, o que significa que em relação a


algumas propriedades, a tendência é que cada som tenha um
som correspondente a ele pareado, como [p] e [b]. Entretanto,
não é uma característica obrigatória. Os níveis de interpretação
de segmentos podem ser modificados pela estrutura sonora
em que estão inseridos. Igualmente dependendo do ambiente
de realização, os sons, quando não são distintos, podem sofrer
flutuação nas propriedades fonéticas, como em [rɛlógio] e
[relógio].

Para Silva (2011, p. 109-110 apud IVO, 2019, p. 9), fonêmica é:


[...] um método utilizado para identificar os fonemas
e a organização sonora geral de uma língua seguindo
as proposições do modelo estruturalista. Expressa o
nível abstrato de análise dos sons da fala.

36 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Figura 4 – Diferentes formas de realização do som

Unidade 3
Fonte: Freepik

O alofone é o fonema em contexto, realizado de forma


diferente por um indivíduo ou por um grupo de pessoas divididas
geográfica ou culturalmente. Quando o termo alofone foi criado, a
proposta era estabelecer um método para conversão da produção
oral em sistemas de escrita. Os fones foram inseridos em uma
tabela fonética e agrupados por suas propriedades articulatórias
para facilitar os sons que se assemelhavam foneticamente, ou
seja, que compartilhavam suas propriedades fonéticas. Para
identificar os fonemas, foram identificados os pares mínimos, em
seguida, para os fonemas que não se assemelhavam, os alofones
foram separados, por serem sons que se realizam em contextos
exclusivos. A esses alofones foram atribuídos símbolos próprios
por sua abrangência.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 37


Os pares mínimos são sequências fônicas que
apresentam a distinção de um único fonema.
Simplificando, o par mínimo são duas palavras que
SAIBA MAIS dependem somente de um som para fazerem a
distinção de seus significados. Podemos dizer que
essas palavras apresentam a mesma transcrição
fonética, exceto por um único som. Exemplo: azar
[a’zah] e achar [a’ʃah]; pato [‘pa.tʊ] e mato [‘ma.tʊ];
mata [‘ma.tɐ] e pata [‘pa.tɐ]; entre outras.

Os sons responsáveis pelas oposições que fazem a distinção


do significado das palavras são os fonemas, mas os sons que não
auxiliam na distinção do significado das palavras, apresentando-
se somente como variantes de um mesmo fonema, são os
alofones ou também chamados de variantes alofônicas.
Unidade 3

Vamos compreender melhor. Os alofones são, então, as


variações de um som, suas variações fônicas. Um fonema como
o /t/ pode ser realizado de duas formas, uma como falam os
paulistas, de forma oclusiva e linguodental, ou pode ser realizado
de forma fricativa e palatal /tʃ/, como no Rio de Janeiro. Mas isso
ocorre de forma acidental. Pode ser que em algum outro idioma,
a distinção não seja por alofonia e sim fonológica. Novamente,
no caso do “t”, se usarmos como exemplos as palavras “tipo,
tia, leite, quente, tomate” e compararmos as variações do Rio
Grande do Sul, de São Paulo e do Rio de Janeiro, obteríamos um
fonema linguodental com três variações nesses diferentes locais
geográficos, exemplificando perfeitamente as três variações
alofônicas dessas palavras. Por exemplo, no Rio de Janeiro, a
letra “t” na palavra “tipo” teria um alofone do fonema /t/ que,
nesse caso, para os cariocas, seria uma pronúncia [t ʃ], ou seja, é
uma outra pronúncia alofônica do fonema /t/, uma variação.

Em outras palavras, os alofones são a forma de


realização fonética do fonema em contexto e em determinadas

38 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


circunstâncias. Por esse motivo, não é possível exercer nenhum
controle estrutural ou padronização sobre eles. A variação do
alofone, também chamado de variante, relaciona-se a fatos
dialetais, relevando, além da localização geográfica, os fatos
que envolvem o contexto fonético e articulatório. A variação
também pode ser devido a escolhas individuais de estilo, o que é
chamado de idioleto. O alofone é, então, uma ou várias formas
de expressão fonética de um mesmo fonema; são os diversos
sons que são realizados em relação a um mesmo fonema.
O idioleto é a forma como uma pessoa fala em
determinada fase de sua vida, refletindo suas
características individuais, vivências, aspectos
DEFINIÇÃO biográficos, geográficos, entre outros, ou seja,
aspectos idiossincráticos individuais.

Unidade 3
Os alofones são previsíveis se considerados os contextos
de formalidade ou das localidades de um país como o Brasil e
podem, portanto, ser descritos por meio de regras fonológicas.
Por exemplo, temos as palavras “desmotivado, desumano e
descontente”, todas apresentando o prefixo “des-“. Dependendo
do contexto fonológico, o prefixo representado usando o fonema
/s/, ou pode ser realizado de formas diferentes como: /dʒiz.mo.tʃi.
vˈa.dʊ/, /de.zu.mˈə.nʊ/ e /dʒis.kõ.tˈẽj.tʃi/, ou seja, /z/, /ʒ/ e /ʃ/ (três
possibilidades previsíveis), às vezes, em níveis subjacentes e as
vezes no nível mais superficial. Outro exemplo do fonema /s/,
usado alofonicamente, envolve quatro realizações fonéticas, como
[ʃ] em de[ʃ]cer, [ʒ] em ra[ʒ]go, [s] em [s]altar, e [z] em o[z] olhos.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 39


A transcrição fonética e o fonema são
representados entre barras “/” como você já viu,
mas há gramáticos que distinguem o “fonema
SAIBA MAIS realizado em contexto”, como o alofone, usando a
representação entre colchetes “[ ]” para diferenciar
do fonema, e para a transcrição do som da palavra
completa, também realizada. Por exemplo, “/t/” em
“tipo” regular e [tʃ] realizado no Rio de Janeiro, e
/s/ e [z], [ʒ] e [ʃ], para as formas como pode ser
realizado, como citado no parágrafo anterior. Para
diferenciar os alofones, vamos usar o mesmo
padrão: barra para fonema e colchetes para um
único som ou palavra em contexto. Mas existem
alguns gramáticos que preferem usar os colchetes
para identificar os fones (as unidades mínimas da
fonética).
Unidade 3

As diferentes realizações fonéticas do fonema /s/ decorrem


do processo de assimilação. Esse processo consiste na
identificação total ou parcial de um segmento com outro que
lhe é vizinho. Aproveitando os exemplos anteriores, em descer,
o segmento /s/ tem realização não sonora [ʃ] porque o som que
o segue é não vozeado, ou seja, o [s] da sílaba “-cer”. Em rasgar,
o segmento /s/ tem realização sonora [ʒ] porque o som que o
segue é uma consoante vozeada, [g].

Observe um exemplo de alofonia com as palavras “pasta”


e “mesmo”:

EXEMPLO:

Dialeto mineiro: pa[s]ta me[z]mo

Dialeto carioca: pa[∫]ta me[Ʒ]mo

40 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Figura 5 – Alofonia da letra “s”

/S/

/Ʒ/, /s/, /z/, /∫/

Fonte: Elaborada pela autora (2023).

O fonema /l/ pós-vocálico também tem alofones, porque


existem diferentes realizações fonéticas desse som:

• [l] como em [l]avar.

• [ł] como em sa[ł]tar, porque no final das sílabas ou


das palavras, o fonema /l/ é velarizado, ou seja, ocorre

Unidade 3
como uma lateral alveolar (ou dental) velarizada [ɫ].

• Também em final de sílaba, como as palavras alça e cal,


as transcrições serão [‘awsa] [‘kaw]. Essa é a forma mais
típica ocorrida nos dialetos do português do Brasil.
Figura 6 – Variações ou realizações alofônicas da palavra “amor” em diferentes estados

Fonte: Elaborada pela autora (2023).

Silva (2003) lista os sons foneticamente semelhantes


encontrados no português, independente do idioleto, como
pode ser visto no quadro a seguir.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 41


Quadro 13 - Sons foneticamente semelhantes encontrados no português,
independentemente do idioleto

Fonte: Silva (2003, p. 48).

Tepe é um som vibrante simples. A língua encosta


bem rápido o alvéolo causando uma rápida
Unidade 3

obstrução da passagem do ar pela boca. O tepe


SAIBA MAIS ocorre em português: cara, bravo.

Os alofones podem ser fonemas vocálicos e consonantais.


Veja a seguir os sete alofones vocálicos e 19 consonantais da
língua portuguesa agrupados.
Quadro 14 – Fonemas e alofones vocálicos

Fonte: Universidade Federal de Monas Gerais (2008, p. 1-2).

42 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Quadro 15 – Fonemas e alofones vocálicos e consonantais

Unidade 3
Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais (2008, p. 1-2).

Os tipos de alofones
Os alofones podem ser classificados de três formas:
livres, estilísticos e posicionais. Veja no quadro a seguir suas
características.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 43


Quadro 16 – Tipos de alofones
Unidade 3

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

Casos de alofonia no português


brasileiro
Veja a seguir alguns casos de alofonia no português do
Brasil.

44 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Figura 7 – Alofonia no português do Brasil

Alofonia nasal palatal de variação livre

Alofonia palatal de variação livre

Unidade 3
Alofonia lateral de variação livre

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 45


Alofonia lateral de variação posicional

Alofonia africada de variação posicional


Unidade 3

Alofonia africada de variação livre

Fonte: Ivo (2019, p. 16-18).

Os alofones róticos são foneticamente representados por


fricativas, [x, h, ɣ, ɦ] ou pela vibrante múltipla [ř]. Fonemicamente,
~
o “R” forte é representado por /R/. O “r” fraco é representado
fonética e fonemicamente por /ɾ/.

Só existe contraste entre o “R” forte e o fraco quando


estiverem entre vogais.

46 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Figura 8 – Alofones róticos de variação livre

Fonte: Ivo (2019, p. 19).

Veja agora os róticos de variação posicional por assimilação


de vozeamento ao final da sílaba seguido de consoante, com “R”
pós-vocálico. Só existe contraste entre o “R” forte e o fraco se
estiverem entre vogais. Como ilustrado na figura a seguir.

Unidade 3
Figura 9 – Alofones róticos de variação posicional

Fonte: Ivo (2019, p. 19).

Agora, vamos ver exemplos de alofones sibilantes [s, z, ʃ, ʒ].


Figura 10 – Sibilantes de variação livre, quando no final da palavra

Fonte: Ivo (2019, p. 21).

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 47


Figura 11 – Sibilantes de variação posicional vozeada, quando no final da sílaba seguido de
uma consoante

Fonte: Ivo (2019, p. 21).

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu


mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza
de que você realmente entendeu o tema de
RESUMINDO estudo deste capítulo, vamos resumir algo do que
vimos. Você deve ter compreendido o conceito de
Unidade 3

fonêmica, o que são os alofones e quais os seus


tipos no português do Brasil. Aprendeu o que são
pares mínimos, além do conceito de idioleto.

48 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Neutralização e o
arquifonema
Ao término deste capítulo, você será capaz de
entender melhor os arquifonemas e o que vem
a ser neutralização. Isto será fundamental para
OBJETIVO o exercício de sua profissão. Motivado para
desenvolver esta competência? Então vamos lá.
Avante!

A presença da variações de fala


no português
Como vimos, nossa língua é cheia de variações. Devido às

Unidade 3
idiossincrasias, ninguém fala igual a ninguém, graças à influência
de fatores linguísticos e extralinguísticos nos mais diversos
níveis, na sintaxe, na fonética e fonologia etc. O dialeto altera o
nível fônico em cada falante, em razão das alterações nos fones.
A variação fonética varia conforme aspectos articulatórios, níveis
de transmissão e audição dos sons. O estudo da articulação
dos órgãos fonadores chama-se fonética articulatória, e para
representar a pronúncia do som, usamos o alfabeto fonético.
A representação do som consideradas as variações contextuais
é feita entre colchetes, e os fonemas são representados entre
barras oblíquas.

Segundo Areiza Londoño (2004, p. 20),


[...] as variantes fonéticas caracterizam uma
comunidade de fala ou grupo social, pois são índices
que sofrem variações em diferentes contextos
linguísticos, regionais e/ou sociais. Portanto, considera-
se importante o estudo das variantes fonéticas para
que se conheça também o grupo social.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 49


Grafemas: o processo de alfabetização de um
indivíduo é bastante complexo, mas fundamental
para o desenvolvimento e a evolução do intelecto
SAIBA MAIS dos seres humanos. Para tal, é importante
que, desde cedo, as crianças desenvolvam a
conscientização das estruturas do fonema e do
grafema. Se o fonema é a unidade de som que
usamos para formar e para diferenciar as palavras,
o grafema, por outro lado, é a representação
gráfica dos fonemas, dos sons, ou seja, a escrita.
Os grafemas são a ideia abstrata representada
pela forma escrita do idioma falado. Mas grafemas
não são somente as letras. Grafemas incluem
sinais gráficos e acentos usados para expressar o
que é falado. A letra é somente a representação
de um fonema na forma escrita. O grafema é um
Unidade 3

sinal que detém um sentido, podendo ser um


ideograma, uma sílaba, os acentos e as letras.
Assim, para a letra ser um grafema em dada
situação, ela tem que ter um sentido. Um exemplo
é a palavra “cada” e “casa”, em que “s” e “d” além de
letras são grafemas, porque servem para distinguir
uma palavra da outra. Em “dúvida” e “duvida”, o
mesmo ocorre. O sinal diacrítico é um grafema,
diferenciando as duas palavras. Mais exemplos
de grafemas em “meio” e “medo”, em que o “d” e
o “i” são sinais que distinguem as palavras. Ainda,
“carro” e “caro”, em que o grafema é o “r”.

50 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


Figura 12 – Símbolos

Unidade 3
Fonte: Wikimedia Commons

Definição dos alofones


Ainda, a análise fonêmica compreende a investigação da
neutralização de sons no final de sílabas e quando há uma perda
de contraste fonêmico, ou seja, o som passa a ser representado
por um arquifonema. Assim, por exemplo, quando /s,z,ʃ,ʒ/ estão
no final de uma sílaba e são neutralizados, perdendo seu contraste
fonêmico, isto é, sua capacidade de distinguir vocábulos, passam
a ser representados pelo símbolo /S/. Os arquifonemas são
geralmente representados por uma letra maiúscula.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 51


Figura 13 – Transcrição International Phonetic Alphabet (IPA)

Fonte: Wikimedia Commons

Alguns estudiosos defendem que há fonemas diferentes


para as cinco vogais nasais e sete orais. Nessa proposta, teríamos
Unidade 3

12 fonemas vocálicos. Em uma outra proposta, as vogais nasais


são uma combinação de vogal oral com um arquifonema nasal
representado por /N/, assim, temos sete fonemas vocálicos.
Seguindo a primeira proposta, temos um total de 12 fonemas
vocálicos, 19 fonemas consonantais e 3 arquifonemas.

Quando um segmento é fonema em


certos contextos e alofone em outros
e a neutralização
No português brasileiro, como no caso das sibilantes e
dos róticos, existem casos em que ocorre a perda do contraste
fonêmico. Para compreender melhor, vamos entender a
neutralização. “A neutralização é um fenômeno que expressa a
perda de contraste fonêmico em um ambiente específico” (SILVA,
2015 apud IVO, 2019, p. 23).

52 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


EXEMPLO:

Sibilantes do português brasileiro [s, z, ʃ, ʒ], como em /asa/


/aza/ /aʃa/ /aʒa/ (assa, asa, acha e haja) apresentam contraste
fonêmico (as sibilantes são fonemas). Entretanto, em casos como
paz [‘pas] e [‘paʃ], existe uma perda do contraste fonêmico, ou
seja, existe neutralização (as sibilantes são alofones) (IVO, 2019).

A neutralização fonética ocorre sempre que a capacidade


de opor significados de um fonema entre palavras se “neutraliza”
em um ambiente fonético específico. Em outras palavras, a
neutralização é o processo em que a oposição característica dos
fonemas é anulada em determinado contexto fonético e ocorre
ao final das palavras neutralizadas. Exemplos são as palavras
nas quais, dependendo do contexto, podemos dizer que existe

Unidade 3
neutralização dos fonemas, como /s,z,Ʒ/ em posição final de
sílaba. Em português brasileiro, usamos o arquifonema com o
símbolo /S/, como em “Mês bonito /mezbu’nitʊ/ ou /meʒ bu’nitʊ/,
ou ainda, “Mês atrasado” /mezatra’zadʊ/ (SILVA, 2003 p. 162).

Em nosso contexto de estudo, ambiente fonético é


a posição no aparelho fonador.
DEFINIÇÃO

Arquifonema e neutralização
No Brasil, a neutralização ocorre sempre em consoantes
pós-vocálicas, como em /’paSta/. Como vimos, os arquifonemas
devem ser representados por maiúsculas, ou seja, /S/, /R/ e /N/.
Mas, temos que tomar cuidado, porque o arquifonema /R/ não é
o mesmo que o “R” forte / /.

Vejamos alguns exemplos, as palavras “peso” e “piso” têm


fonemas opostos em posição tônica. A distinção da oposição é

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 53


clara. Portanto, temos um fonema diferente para cada caso. A
oposição é a confirmação da realização de um fonema, como já
foi visto.

No entanto, em posição átona, o “e” e o “i” podem ser


neutralizados ao final da sílaba, dependendo do contexto da fala,
ou seja, socioleto e idioleto, como em júri / ʒˈu.ɾi/ e jure / ʒˈu.ɾi/.
Esse fato se chama neutralização fonética. O fonema a ser usado
na transcrição para o fone neutralizado é um arquifonema.

Quadro 17 – Arquifonemas no português brasileiro


Unidade 3

Fonte: Adaptado de Universidade Federal de Minas Gerais (2008, on-line).

Outro exemplo possível em que a distinção encoberta


pela neutralização é corrigida pelo contexto da comunicação
é o verbo “falar”, quando conjugado, como em “falarão” e
“falaram”. Há a neutralização ao final, mas ela é sanada pelo uso
e pela interpretação no contexto, não deixando dúvidas entre os
interlocutores.

Se os sons são neutralizados, alguns fonemas não podem


ser representados, porque o som foi “eliminado” da transcrição
fonética. Quando isso ocorre, não podemos usar a representação
dos fonemas, portanto, não apareceriam na transcrição. Para
resolver esse problema, temos a figura do arquifonema. Os
sons neutralizados que não devem mais aparecer na transcrição
por terem perdido a capacidade de opor significados em certa
circunstância, são substituídos pelo arquifonema que os
representa. Em outras palavras, o arquifonema é uma categoria

54 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


de fonemas que perderam sua capacidade de fazer a distinção
entre palavras.

Resumidamente, o que falamos é que um arquifonema


resulta do processo de neutralização e serve para representar os
fonemas neutralizados, ficando no lugar deles na transcrição. O
arquifonema é representado por uma letra maiúscula marcando
a perda do contraste fonológico.

Mas, repare que o arquifonema acontece em certas


circunstâncias fônicas em que a oposição entre fonemas
foi neutralizada, seja porque só um deles ocorre, ou porque
ocorre um terceiro som, diferente dos dois neutralizados,
mas com traços em comum. Quando os fonemas perdem a
distinção que existe entre eles em um contexto determinado,

Unidade 3
há uma neutralização fonêmica e, se isso acontece, temos que
usar um símbolo que represente essa perda da contrastividade,
que é o arquifonema.

Mais um exemplo seria a palavra “mesmo” em que se utiliza


o arquifonema /S/ em substituição às modalidades transcritas
/’mezmʊ/ e /’meʒumʊ/. Se isso ocorreu em contextos diferentes
gerando duas transcrições com “s” neutro, a transcrição passa
a ser /’meSmʊ/ para todos os casos de forma generalizada.
Compreendeu?

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 55


Figura 14 – Variação do som da letra “u” na Europa
Unidade 3

Fonte: Wikimedia Commons

Os arquifonemas /S/, /R/ e /N/


Em relação ao arquifonema /S/, temos algumas observações.
Quando está em posição pré-vocálica, [s, z, ʃ, ʒ] são fonemas
diferentes e podem até mesmo formar pares mínimos. Mas, em
posição pós-vocálica, em final de sílaba, o contraste entre as
sibilantes fica perdido, sendo representadas pelo arquifonema /S/.

Em relação ao arquifonema /R/, como já foi mencionado,


em posição pré-vocálica, consiste do “r” fraco /r/ e é diferente do
“R” forte / /, e também é possível a formação de pares mínimos.
No ambiente pós-vocálico, ou seja, em final de sílaba, o contraste
entre os “erres” fracos e fortes é perdido, fazendo com que as
sibilantes passem a ser representadas pelo arquifonema /R/.

56 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


O arquifonema /N/, como já foi comentado, serve para
transformar as vogais em nasais.
Como vimos, dependendo da região do Brasil,
algumas mudanças podem ocorrer na pronúncia
fazendo com que a transcrição fonética tenha
ACESSE diferenças. Para fazer uso da AFI on-line
selecionando por estado brasileiro a transcrição
da palavra que deseja, acesse a excelente página
do “Portal da Língua Portuguesa”, disponível no
link aqui .

A línguas tonais
Toda a língua verbal utiliza, em maior ou menor grau,

Unidade 3
alguma mudança de tom com a finalidade de expressar certas
informações paralinguísticas, como transmitir emoções, ênfase,
contraste etc.

No português, temos algumas palavras homógrafas, ou seja,


que são escritas da mesma forma, mas têm significados diferentes,
como já vimos anteriormente. Um exemplo perfeito é “manga”
[ˈmãgə], que pode ser uma fruta e pode ser uma parte da roupa.
Mas, nesse caso, o tom para ambos os significados é o mesmo. Da
mesma forma, as homófonas, como “cela” e “sela” [ˈsɛlə].

No entanto, no nosso idioma, não existem tantas palavras


ou frases que, apesar de escritos exatamente da mesma
forma, mudem de significado dependendo do tom usado em
determinado contexto.

Na estrutura “você deseja dormir lá”, podemos ter uma


afirmação, uma pergunta, ou um tom de ironia, dependendo de
como a usamos. Portanto, a diferença tonal existe no português,
mas são poucos os casos, diferente dos idiomas tonais.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 57


Figura 15 – Manga: acepções

Fonte: Freepik

Existem línguas em que palavras idênticas com significados


diferentes dependendo da entoação ocorrem frequentemente.
Esses idiomas são chamados de línguas tonais, nas quais
Unidade 3

uma palavra ou frase pode apresentar significados diferentes


dependendo do tom de voz como são pronunciadas, ou seja, a
entonação faz parte da estrutura semântica da língua.

Existem línguas em que uma única palavra falada/escrita


da mesma forma pode chegar a ter oito significados diferentes
dependendo do tom da fala. A maior parte dessas línguas é
oriental, mais especificamente de origem sino-tibetana, mas
também existem línguas tonais africanas e ameríndias, que são
as línguas indígenas da América do Sul. Essas línguas faladas
no Vietnã, Tailândia, China, entre outras, variam conforme o
dialeto. Só no mandarim, existem quatro tons e um neutro, o
cantonês tem nove tons, o taiwanês tem sete tons. O japonês e
o coreano não são línguas tonais, não usam tons para definir o
significado de um vocábulo, o que faz com que alguns estudiosos
da linguística considerem que não há nenhum parentesco entre
as línguas tonais e o coreano e o japonês.

Assim, as línguas sino-tibetanas incluem o chinês, butanês,


tibetano e birmanês, entre outras, mas apresentam uma

58 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


subdivisão que, por um lado, tem o chinês e seus dialetos e, por
outro, apresenta as tibeto-birmanesas que são línguas como
himalaio, carênico, baico etc.
Figura 16 – Origem e disseminação das línguas sino-tibetanas

Unidade 3
Fonte: Wikimedia Commons

Mesmo sendo línguas importantes, as línguas sino-tibetanas


foram pouco estudadas e ainda existe muita imprecisão quanto
às suas origens e disseminação.

As palavras das línguas tonais não têm flexão e apresentam


muitos vocábulos monossilábicos. Nesses idiomas, uma só sílaba
pronunciada de forma errada pode fazer a palavra ou frase
mudar totalmente de sentido. Em todo o mundo, mais de um
bilhão e meio de pessoas falam uma língua tonal.

O português, da mesma forma que as línguas indo-


europeias como o inglês e o espanhol, não é uma língua tonal.
Diferente de muitas línguas orientais, o japonês e o coreano não
são línguas tonais.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 59


EXEMPLO:

Alguns exemplos no Chinês, falado na República da


China: [wā] - pio, [wá] - velho, [wă] - óculos, [wà] - por favor.
Figura 17 – Distribuição de línguas tonais no mundo
Unidade 3

Fonte: Wikimedia Commons

Quadro 18 – Línguas tonais

Fonte: Elaborado pela autora (2023).

60 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu
mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de
que você realmente entendeu o tema de estudo
RESUMINDO deste capítulo, vamos resumir algo do que vimos.
Você deve ter compreendido o que são os alofones,
os arquifonemas e para que servem na transcrição
fonética. Aprendeu que os arquifonemas surgiram
a partir da neutralização de sons. Estudou, ainda, o
que são as línguas tonais.

Unidade 3

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 61


AREIZA LONDOÑO, R. Hacia una nueva visión sociolingüística.
Bogotá: Ecoe Ediciones, 2004.
REFERÊNCIAS

CALLOU, D. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Ed., 2009.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis:
Vozes, 2001.
CEGALLA, D. P. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48.
ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.
CIPRO NETO, P.; INFANTE, U. Gramática da língua portuguesa.
São Paulo: Scipione, 2003.
CRYSTAL, D. Dicionário de linguística e fonética. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2000.
FARACO, C.; MOURA, F. Gramática. 12. ed. São Paulo: Ática, 1999.
Unidade 3

FERREIRA, M. Aprender e praticar gramática. São Paulo: FTD,


2007.
GIACOMOZZI, G. et al. Estudos de gramática: língua portuguesa.
São Paulo: FTD, 2009.
GROLLA, E.; SILVA, M. C. F. Para conhecer: aquisição da linguagem.
São Paulo: Contexto, 2014.
IVO, A. Fonêmica (fonemas, alofones e arquifonemas – Sistema
consonantal do PB). Grad. em Letras, [s. l.], 2019. Disponível em:
https://grad.letras.ufmg.br/arquivos/monitoria/aula%2006%20
apoio.pdf. Acesso em: 31 mar. 2023.
MATEUS, M. H. M. Estudando a melodia da fala – traços prosódicos
e constituintes prosódicos. In: Encontro da APL e ESE de Setúbal. o
Ensino das Línguas e a Linguística, 2004, Setúbal. Anais eletrônicos
[...]. Setúbal: ESE, 2004.
MEDRADO, A. E. Fone e fonema. Adonai Medrado, [s. l.], 3 abr.
2010. Disponível em: http://www.adonaimedrado.pro.br/principal/
index.php?option=com_content&view=article&id=75&Itemid=113.
Acesso em: 10 fev. 2023..

62 FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS


MESQUITA, R. M. Gramática da língua portuguesa. 8. ed. São
Paulo: Saraiva, 2002.
MICHAELIS. Transcrição fonética do português, [s. d.]. Disponível
em: https://michaelis.uol.com.br/escolar-espanhol/transcricao-
fonetica-do-portugues/. Acesso em: 26 mar. 2023.
OLIVEIRA, M. Teoria fonológica e variação linguística. Minas
Gerais: UFMG, 2019.
SEARA, I. C. Fonética e fonologia do português brasileiro.
Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2011.
SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos
e guia de exercícios. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
SILVA, T. C. Dicionário de fonética e fonologia. São Paulo:
Contexto, 2011.

Unidade 3
SILVA, T. C.; YEHIA, H. Sonoridade em artes, saúde e tecnologia.
Belo Horizonte: Faculdade de Letras, 2009.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Quadro fonêmico
do Português, 2008. Disponível em: https://www.cefala.org/
fonologia/arquivos/tb_quadro_fonemico_pt.pdf. Acesso em: 18
dez. 2022.

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS 63

Você também pode gostar