Este documento apresenta o debate sobre se a palavra "bantu" deve ou não ser flexionada de acordo com as regras gramaticais portuguesas. Dois leitores da revista Tempo contribuem com suas opiniões, com o primeiro argumentando que "bantu" não deve ser flexionada pois é uma palavra de origem africana, enquanto o segundo aponta que a palavra tem uma história própria complexa e não pode ser analisada da mesma forma que outras palavras portuguesas.
Este documento apresenta o debate sobre se a palavra "bantu" deve ou não ser flexionada de acordo com as regras gramaticais portuguesas. Dois leitores da revista Tempo contribuem com suas opiniões, com o primeiro argumentando que "bantu" não deve ser flexionada pois é uma palavra de origem africana, enquanto o segundo aponta que a palavra tem uma história própria complexa e não pode ser analisada da mesma forma que outras palavras portuguesas.
Este documento apresenta o debate sobre se a palavra "bantu" deve ou não ser flexionada de acordo com as regras gramaticais portuguesas. Dois leitores da revista Tempo contribuem com suas opiniões, com o primeiro argumentando que "bantu" não deve ser flexionada pois é uma palavra de origem africana, enquanto o segundo aponta que a palavra tem uma história própria complexa e não pode ser analisada da mesma forma que outras palavras portuguesas.
Em 1991, Feliciano Chimbutane publicou na revista Tempo o artigo Lnguas
Bantu ou Lnguas Bantas?, no qual apresentava argumentos sobre a flexo do adjectivo bantu/banto(a/s). O artigo suscitou algum debate entre os leitores, que publicaram na revista as suas opinies, numa saudvel dinmica de interactividade entre o autor e o pblico leitor da revista. Neste dossier Lnguas Bantu ou Lnguas Bantas?, disponibiliza-se o artigo de Feliciano Chimbutane assim como as contribuies de dois leitores, recolocando na ordem do dia uma questo lingustica que permanece at hoje, ao mesmo tempo que se divulga o debate que provocou.
Debate LNGUAS BANTU OU BANTAS?
I GERMANO MASSE DIMANDE (TEMPO 29/09/91)
Eis o ttulo que Feliciano Chimbutane escolheu para um texto seu publicado na nossa edio de 14 de Julho do corrente. Tendo verificado uma diferena de uso nos textos que mencionam a palavra bantu/banto, o articulista procurou sistematizar os argumentos que, por um lado, explicam o uso do termo em causa sem variao nem em nmero nem em gnero e, por outro lado, o seu emprego com variao quer em gnero como em nmero. Ficou assim aberto o debate. na sequncia disso que trazemos hoje a lume a contribuio de Germano Masse Dimande.
Para comear gostaria de dizer que sou a favor da no flexo da palavra bantu.
Uma leitura ao alto do artigo do senhor Chimbutane levou-nos a pensar que todos tm razo, mas uma anlise profunda do mesmo levar-nos- a concluir que a palavra tem a sua origem em frica, da no poder serem adoptadas, para a sua anlise, as regras morfolgicas da lngua portuguesa (lngua europeia). Nesta ordemde ideias, o principal argumento dos que defendem a flexo da mesma invlido pela simples razo de a palavra ser africana.
Em minha opinio, o historiador (?) Malcon Guthrie quando chegou concluso de que as lnguas faladas nesta regio tinham origem comum, no inventou o nome proto-bantu, mas tirou-o ou ouviu-o de algum lado aqui nesta grande regio africana. Por isso sugeria aos caros leitores para que nesta nossa reflexo tivssemos em conta outras lnguas africanas do grupo bantu. Vejamos os exemplos que nas suas lnguas, da Suazilndia e frica do Sul respectivamente, significam pessoa /pessoas: SiSwti: muntfu (sing.) / bantfu (plu.) SiZulu: muntu (sing.) / Bantu (plu.).
Acho que estes exemplos so elucidativos.
A lngua no pertence a um nico indivduo (pessoa) mas sim a uma comunidade lingustica (pessoas) e, portanto, no se pode considerar o singular do gnero lngua ntu que na sua traduo seria lngua de (uma) pessoa. O correcto lngua bantu quando quiser referir-se a uma nica lngua, como por exemplo, o Bitonga. Este o singular. Quando se fizer referncia a vrias lnguas (plural) ser lnguas bantu com o morfema do plural na palavra lngua como j se viu, mantendo-se a palavra bantu, pois ela quer dizer apenas pessoas.
Quanto questo das palavras massala / massalas, timbila / timbilas, magaza /magazas e outras do gnero, digo que elas foram pura e simplesmente aportuguesadas e aceites pelos falantes da lngua. At diria que, modstia parte, esto em portugus de Moambique, pois tenho a certeza que se falasse em Cabo Verde, por exemplo, de magaza ningum me iria entender. De resto, o facto de nunca se ter dito que esto erradas no quer dizer que estejam certas... Sem querer fugir palavra que est em jogo, gostaria de falar de uma palavra que tambm sofreu esta transformao. o nome Catembe.
Atendendo sua origem (Xi-Ronga /XiTsonga) o correcto Ka-Tembe onde o prefixo ka pode significar no (a) ou , prprio da classe a que pertence o nome Tembe. Portanto, numa traduo literal significa no Tembe ou Tembe onde subentende- se famlia (cl) Tembe ou ainda casa do Tembe.
Da mesma forma que os falantes desta lngua dizem Ka-Matsolo, Ka-Manhia, Ka-Masse, j em portugus no se diz Camatola, Camanhia, e por a em diante, mas sim pelos nomes sobejamente conhecidos.
Este pois, o exemplo de mais uma palavra que atendendo a sua origem estaria errada mas porque a comunidade lingustica aceitou-a, depois de transformada, est certa.
Para terminar dizer que cabe a ns, africanos, defendermos a nossa dignidade como tal, dando a Csar o que de Csar.
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II Autor (TEMPO 17/11/91)
H pelo menos dois tipos de debates: os estreis e os proveitosos. Ao primeiro grupo pertencem aqueles que assolaram a Escolstica, na sua agonia, quando se procurava saber quantos anjos se poderiam sentar na ponta de um alfinete e/ou a clssica questo de se o primeiro foi o ovo ou a galinha; incluo no segundo grupo, discusses como a que ps frente frente intelectuais como P.HOUNTONDJI e K. C. ANYA NWU. O debate versava sobre a questo de o que a Filosofia Africana?, suposta a premissa da sua existncia. tambm deste grupo o debate proposto pelo senhor F. CHIMBUTANE (Tempon. 1083, 14/07/1991).
1.1. Cada palavra: vrias histrias
At 1536, data admitida como sendo a do surgimento da primeira Gramtica da lngua portuguesa, por Ferno de Oliveira, j se falava e j se escrevia naquilo que era um caminho para o surgimento do que hoje se designa Lngua Portuguesa. Daquele tempo para c, a lngua portuguesa tem se enriquecido com o vocabulrio de outras lnguas: zinco (do alemo), maestro (do italiano), cachimbo (da frica), cafres (em vez Kafirs do rabe), etc. As palavras integradas, contudo, pautaram- se segundo as regras da lngua portuguesa.
A fixao das grafias de algumas (e muitas) palavras em lngua portuguesa deveu-se em grande parte ao confronto entre o Latim e as lnguas locais (pensemos, por exemplo, no surgimento das lnguas francesas, italiana, romena,...cada uma diferente da outra). Primeiro, portanto, o uso e s depois, a fixao.
A palavra BANTU exige, todavia, uma anlise muito particular, atendendo histria da sua origem. Com efeito, a sua consagrao, com aquela significao actual, provem de Wilhelm H. I. Bleek (1827 1875), fillogo alemo que durante muito tempo trabalhou na frica do Sul, autor de, entre outras, Vocabulary of the Mozambique Language.... Como termo, Bleek pretendia designar o conjunto de vrias lnguas africanas e no esta ou aquela lngua particular. gratuito achar que Malcon Guthrie foi buscar a terminologia Proto-Bantu nesta grande regio africana Dimande; G.M., Tempo n. 1093, 29/09/1991. Deve-se ter em conta a origem grega do prefixo proto (=primeiro, a). compreensvel que aps estudo acurado, M. Guthrie tenha formulado a hiptese (porque hiptese) da existncia de uma lngua, da qual se originaram as outras e por no se conhecer o nome atribuiu-se- lhe o de proto-bantu. Assim, Xitsonga seria para o proto-bantu, o que o portugus para o latim...
Passo a colocar alguns aspectos que me (nos) ajudam a reflectir: 1. Alm de toda a comparao ser susceptvel de muitos erros, esta entre a palavra bantu e a flexo doutras tantas (timbila, magaza) o ainda mais. No estudo da palavra bantu, se quisermos ser consequentes com a etimologia no podemos evocar esta ou aquela lngua:
j o disse Bantu temhistria prpria e muito mais genrica.
2. Ainda pela mesma razo, seno como um meio de colocao do problema, carece de utilidade confront-la com as palavras curriculum vitae, guichet, slogan...(agora h quem diga slogans!); tomemos o exemplo da palavra (ou melhor, expresso) curriculum vitae: esta emprega-se num contexto tcnico muito limitado e vrias so as maneiras de evitar, neste caso, aquelas interrogaes do senhor F. Chimbutane: apresentao do curriculum vitae assim aparece nos anncios; enfim uma palavra mais pobre que a bantu, quanto ao campo semntico daquele grupo pertencem: habitat, de facto, de iure, ipso facto, grosso modo, sui generis, status quo, idem, ibidem, in loco, apriori, aposterir, adlibitum, entre outras. A palavra caritas j est a assumir grafia portuguesa para resolver o problema de acentuao que o latim dispensa (na grafia)...outras palavras se impuserem merc do poder econmico ou diplomtico dos estados que as usam... sei que a questo muito mais complexa.
3. A diferena entre o portugus de Portugal e o portugus do Brasil mais na existncia de palavras (no Brasil, sobretudo) que noutra parte no existem; ou ento na subtraco de um acento, uma consoante, acrscimo do trema ou doutros acentos...e tambm na pronncia. Quanto s flexes, Brasil parece no ter enveredado por um caminho diferente: ali se escreve: Batista, conseqncia, idias, aao...(pl. conseqncias, aoes...).
4. No ser demais observar que mesmo na lngua portuguesa, h palavras de origem grega que considerada rigorosamente a sua etimologia esto mal formadas (lembra-lo o Prof. Dr. Antnio Freire, in Helenismos Portugueses).
5. A lngua inglesa falada por muitos pases vizinhos menos propensa a flexes, pelo menos verbais, e, como diz na introduo do seu Pequeno Dicionrio de Moambique, Antnio Cabral: o cdigo de leis que a governa, (o ingls) reduzido e no particularmente dracnico; nunca foi guardado como tmsido outras lnguas europeias. fcil entender que em lngua inglesa no sofra flexes a palavra bantu. A verso inglesa do livro do P. Tempels tem o ttulo de Bantu Philosophy a traduzir o ttulo francs La Philosophie Bantoue. lcito confrontar as seguintes expresses do interior do livro: nos bantous (fr.) our bantu (ing.) sagesse bantoue bantu wisdon Um outro livro, da autoria de Franoes Lufaluabo tem o ttulo de Vers une Theodice Bantoue; da autoria do linguista ruands, Alexis Kagame existe um livro com o ttulo La Philosophie Bantoue Ruandaise de Ltre. Estas citaes autorizaram-me a dizer que em lngua francesa (novilatina e europeia como a portuguesa e com grande nmero de falantes em frica), a palavra bantu sofre flexo; o mesmo no digo em relao lngua inglesa.
1.2. Nota Finais 9
1. A palavra bantu , portanto, originria de lnguas africanas. O morfema A- Ba- Va, conforme a regio e no so menos bantu os que formam o plural com A- e Va-. Mas a palavra quando passa para a lngua portuguesa passa a seguir regras dessa lngua. verdade que a palavra no se torna indiferente como uma camisa que servisse a novos ou velhos sem precisar de qualquer modificao. A mesma sorte das palavras macua, lomu, zulo, que so palavras de origem africana lusitanizadas, tem a palavra bantu. Simplesmente neste caso a deciso no s de Moambique porque partilhada (a palavra em causa) com alguns povos de Angola, Ruanda ( j foi referida a posio ainda que implcita dos africanos francfonos) e outras naes.
2. No perdemos a dignidade quando comeou a constar lobolo em vez de lowolo ( como correcto dizer). Ns tambm pensamos moambicanamente: Vou Inglaterra (dizemos e no Enlgand). Considero mais correcto afirmar lnguas bantas; deve ser permitido dizer lngua bantu ou lnguas bantu subentendendo-se dos, isto lnguas (dos) bantu.
3. Seremos mais dignos cada vez que tivermos em conta o dinamismo da lngua, cada vez que soubermos que influenciamos no vocabulrio doutras lnguas. A nossa dignidade aumenta no confronto entre culturas. Seria demasiada pobreza um zelo to extremo, um etnocentrismo to esclarecido que conduz, alis ao etnocdio. Igualmente fatal seria a posio que defendesse a dignidade, apenas com base nos sentimentos sem se preocupar com as provas ou debate cientfico. O problema deveras complexo.