Você está na página 1de 5

Forma, função, significado e classe

A seguir, vamos tentar entender um pouco melhor o conceito de forma, uma


vez que ela é o centro das atenções da morfologia (literalmente o estudo das
formas, no caso, das formas linguísticas).

1. Forma

Macambira (1982, p. 17) define a forma como “um ou mais fonemas providos
de significação”; a conjunção e é uma forma constituída por apenas um
fonema, que sob o aspecto semântico exprime a ideia de adição; o adjetivo só
é também uma forma constituída por um só morfema, que denota a ideia de
solidão, ao passo que sós contém duas formas – só e s –, cujo segundo
elemento acrescenta a noção de plural.

A rigor, a forma é um elemento linguístico do qual se abstrai a função e o


sentido, mas, como observa Saussure (1975 [1916]), “as formas e as funções
são solidárias e, para não dizer impossível, difícil é separá-las”. Do mesmo
modo, ainda conforme Saussure, não é possível separar o sentido, pois, “na
língua não se pode isolar o som da ideia, nem a ideia do som”.

A noção de forma remete para a noção de estrutura das palavras, isto é, um


feixe de relações internas (articulação) que dá aos elementos sua função e
sentido. Talvez seja mais fácil de entender o que é uma estrutura linguística
através de um exemplo não linguístico.

Vejamos: tijolos, tábuas, cimento, pregos e outros materiais não são uma casa.
Só serão se a essas substâncias for atribuída uma estrutura, isto é, um feixe de
relações (articulação) que dá ao objeto casa sua realidade. O mesmo se pode
dizer em relação a elementos da língua. Para a gramática da língua
portuguesa, a sequência “a”, “b”, “c” não constitui uma sílaba do português,
pois os fonemas não se articulam de acordo com padrões possíveis da língua.
BAC é, no entanto, uma sequência adequada. Exemplo: bac-té-ria. Também
não são possíveis, por exemplo, as sequências “s + a + bel”, “livros + os” ou
“os + alunas”. A gramática do português prevê que as desinências de número
ocorram após as desinências de gênero (quando houver), e que essas ocorram
após os morfemas lexicais (bel + a + s). Os artigos, por sua vez, devem ocorrer
obrigatoriamente antes dos substantivos, embora seja possível intercalar outros
elementos entre o artigo e o substantivo (os [bons] livros). Por outro lado, o
artigo tende a concordar em gênero e número com o substantivo (a[s] aluna[s]).
Isso significa que não basta agrupar aleatoriamente as substâncias da língua
para que tenhamos uma estrutura. É preciso fazê-lo de acordo com certos
princípios, certas regras gramaticais. Quando a combinação é feita de acordo
com a gramática da língua, as substâncias linguísticas passam a ser formas,
com função e sentido na estrutura de que fazem parte.

A morfologia, como vimos, tem como foco de interesse a articulação das


formas que se reportam ao significado, tanto externo à língua (morfemas
lexicais), quanto interno (morfemas gramaticais). Em “aluna-s”, o segmento
[alun] refere-se a um tipo de indivíduo que se coloca na condição de aprendiz
em circunstâncias específicas, ao passo que os segmentos [a] e [s], após
[alun], não representam nenhum significado externo à língua, pois as noções
de gênero (masculino e feminino) e as de número (singular e plural) fazem
parte da gramática, não das coisas que existem independentemente da língua.
Devemos adiantar que a noção de gênero não se confunde com sexo, embora
também se preste, eventualmente, para fazer tal distinção.

2. Função

Função é o papel exercido por um dos componentes linguísticos no conjunto


em que há interdependência: sujeito (do verbo), objeto direto (do verbo),
adjunto adnominal (de um nome) etc.

Função, então, é a relação que se estabelece entre dois elementos que se


articulam. Essa relação, no entanto, só pode ser definida pela análise. Isto quer
dizer que não há função fora do contexto frasal, ou seja, não há função fora da
estrutura.

Em geral, função é uma relação sintática em que um termo da oração está


subordinado a outro termo da oração. No entanto, em sentido mais largo, o
fonema contrai uma função em relação a outro fonema, uma sílaba contrai uma
função em relação a outra sílaba, um morfema contrai uma função em relação
a outro morfema, um vocábulo contrai uma função em relação a outro vocábulo
etc.

Para melhor entendermos a função dos componentes no nível morfológico da


língua portuguesa, examinemos os exemplos dados abaixo:

a) tom-a-re-mos

b) professor-a-s

c) in-feliz-mente

Os constituintes mórficos (morfemas) de tomaremos são 4: [tom] representa o


morfema básico ou raiz que se combina com outros morfemas derivacionais ou
flexionais: [a] indica a primeira conjugação do verbo em oposição às segunda e
terceira conjugações; [re] indica o tempo e o modo do verbo (futuro do presente
do indicativo) em oposição a outros tempos verbais; [mos] indica a pessoa
gramatical e o número.

Sendo assim, no caso dos vocábulos professoras e infelizmente, qual é a


função dos constituintes (morfemas)?

3 Sentido

Dissemos antes que as formas se reportam ao sentido, tanto externo à língua


(morfemas lexicais), quanto interno (morfemas gramaticais). Lexical é o sentido
básico que se repete em todos os membros de um paradigma, como em belo,
bela, belos, belas, embelezar, embelezo, embelezas, embeleza,
embelezamento, beleza, beldade, belamente, entre outros, que se concretiza
na forma [bel] e cujo sentido pode ser modificado pelos prefixos e sufixos.
Gramatical é o sentido que distingue os diversos membros de um paradigma,
como o singular e o plural, o masculino e o feminino, as pessoas e os tempos
verbais.

4. Classe

As classes de palavras são constituídas com base nas formas que assumem,
nas funções que exercem e, eventualmente, no sentido que expressam.
A classificação das palavras deve basear-se primariamente na forma, isto é,
nas oposições formais ou mórficas que a palavra pode assumir para certas
categorias gramaticais - o que se chama flexão, ou para criação de novas
formas - o que se chama derivação.

O português é rico em construções formais. Veja-se: pedra, pedras, pedrinha,


pedrinhas, pedregulho, pedrada, pedreira etc. Os verbos são os que
apresentam maior riqueza.

Quando as indicações formais não forem suficientes, usa-se o critério sintático


para fazer a classificação dos vocábulos. Neste caso, deve-se buscar na
relação das formas linguísticas entre si, isto é, na função, a indicação da
classe. Por exemplo, a diferença entre de (prep.) e dê (verbo) só é possível
verificar na relação sintática. A forma ele pode ser pronome ou substantivo
conforme a relação com outras formas. Todavia, quando é pronome, existem
outras subcategorias, tais como pronome pessoal do caso reto ou pronome
pessoal do caso oblíquo. E se for pronome oblíquo, pode ser oblíquo tônico ou
oblíquo átono. Essas diferentes funções são dadas pela posição que a forma
ocupa no sintagma ou pela relação com outros termos.

Analise os diferentes empregos em:

a) A letra ele se parece com uma língua. (substantivo)

b) Ele disse que as orelhas servem para ouvir vaias e aplausos. (pronome reto)

c) Mande a ele algumas fotos nossas. (pronome oblíquo tônico)

d) Encontrei ele por acaso. (pronome oblíquo átono).

Como se observa, o critério sintático também é útil para determinar quais os


empregos de cada classe gramatical. Assim, é possível estabelecer os
empregos do substantivo, do verbo, do pronome, do adjetivo etc.

Além do critério morfológico e do critério sintático, a classificação dos


vocábulos pode, ainda, valer-se do critério semântico, isto é, do sentido. Ex: a
classe da palavra canto só é possível pelo sentido.

a) Este canto me agrada muito. Ele parece imitar as vozes do sertão.


b) Este canto me agrada muito. Ele serve para destacar os móveis da sala.

Bibiografia:

MARGOTTI, Felício Wessling e MARGOTTI Rita de Cássia Mello Ferreira.


Morfologia do Português. UFSC, UAB.— Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2009.

Você também pode gostar