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MORFOSSINTAXE

Nádia Castro
Processos de formação
das palavras
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Reconhecer os processos de formação de palavras.


„„ Classificar flexão, derivação e composição.
„„ Identificar as contribuições da gramática descritiva como suporte para
descrição dos fenômenos de formação de palavras no Português.

Introdução
Neste capítulo, compreenderemos em maior profundidade alguns as-
pectos de morfossintaxe. Em especial, vamos tratar dos processos de
formação de palavras. Esse é um tema relevante para todos aqueles
interessados na estrutura interna das palavras e na compreensão crítica
da língua portuguesa.
Os objetivos do texto estão centrados na classificação da flexão, da
derivação e da composição, entendidas como processos de formação
de palavras em língua portuguesa. Nesse contexto, será igualmente
necessário que reflitamos sobre as contribuições da gramática descritiva,
interpretada como suporte para descrição de tais fenômenos.

Formação de palavras
A língua apresenta mecanismos linguísticos de funcionamento por meio dos
quais se cria a oportunidade de formação de novas palavras. Se pensarmos
no léxico, ou seja, naquele banco de dados de palavras que apresenta certa
regularidade (BASÍLIO, 2004), constataremos que este conjunto fechado
não é suficiente para a designação e a construção dos enunciados em língua
portuguesa. Os falantes têm necessidade de identificar, classificar e nomear
as coisas sobre as quais desejam comunicar algo.
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Na prática, é preciso um sistema dinâmico, o qual seja capaz de se expandir


conforme são necessárias novas unidades de designação para uma construção
plural de novos enunciados. A partir do momento em que se identificam novos
objetos, novas práticas, novos sentimentos, entre outros, o léxico precisa ser
ampliado para fornecer unidades de designação que sejam condizentes com
a realidade dos falantes. Como exemplo desse processo, pensemos na palavra
global. Hoje, fala-se em globalização, globalizar, etc. Todas essas novas pa-
lavras foram elaboradas pelas necessidades do contexto atual. Outro exemplo
diz respeito à palavra internet. Hoje, temos o termo internetês como um
neologismo para designar a linguagem específica utilizada no mundo virtual.
De fato, o léxico não é apenas um conjunto de palavras. Como sistêmico
dinâmico, apresenta estruturas a serem utilizadas em sua expansão (BASÍ-
LIO, 2004). Essas estruturas, ou seja, os processos de formação de palavras,
permitem a formação de novas unidades no léxico como um todo e, assim, a
aquisição de novas palavras por parte de cada falante.
Entretanto, a língua, como sistema de comunicação, não pode se resumir
apenas ao aumento do número de símbolos. Fosse assim, o falante precisaria
decorar uma série de novos símbolos: o sistema seria ineficiente e dependeria
da memória do falante. Na realidade, o que temos é uma expansão do léxico
a partir de processos de formação de palavras.

Flexão, derivação e composição


A língua apresenta alguns mecanismos linguísticos por meio dos quais se
formam novas palavras. Vamos conhecer a flexão, a derivação e a composição
de palavras em língua portuguesa. Destacamos que o componente lexical
de uma gramática, conforme Scalise (1994), é organizado em três blocos de
regras. São eles: regras de composição, regras de derivação e regras de flexão.

Flexão
A primeira informação considerar é que, no processo de flexão, são conside-
rados o gênero, o número e o grau dos nomes e a pessoa, o número, o tempo
e o modo dos verbos. Segundo Câmara Jr. (2001), os morfemas flexionais
apresentam-se de maneira regular e sistemática. Portanto, vamos analisar o
que acontece com a flexão nominal e verbal.
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Nos casos de flexão, lembre-se:


„„ Há regularidade.
„„ Há concordância.
„„ Não é opcional.

As desinências, ou morfemas flexionais, constituem classe fechada, obri-


gatória, e representam as noções gramaticais de gênero, número, modo, tempo
e pessoa. Dessa forma, as classes de vocábulos que podem ser submetidos aos
processos de flexão são os nomes e os verbos. Esses dois grupos de vocábulos
são variáveis e englobam substantivos, adjetivos, pronomes, artigos, numerais
e verbos.
Segundo Margotti e Margotti (2008), podemos classificar as desinências
nominais em:

„„ desinência de gênero (masculino e feminino);


„„ desinências de número (singular e plural).

Já as desinências verbais classificam-se em: desinências modo-temporais


(tempo e modo do verbo) e desinências de número e de pessoa. Para entender
melhor, observe a Figura 1.

Masculino
De gênero
De nomes e Feminino
pronomes Singular
De número
Plural
Flexão

De modo e tempo
De verbos
De número e pessoa
Figura 1. Flexão nominal e verbal.
Fonte: Adaptada de Margotti (2008).
4 Processos de formação das palavras

No processo de flexão, há regularidade, pois o nível sintático impõe normas


de concordância. Os vocábulos subordinados devem concordar em gênero e
número. Por exemplo, em uma estrutura em que há presença de vocábulos
subordinados a um substantivo, eles deverão concordar com este em gênero
e número. O mesmo ocorre com a presença do verbo em um enunciado: ele
exige flexão de pessoa e número.
O número do substantivo evidencia a regularidade. Por exemplo: menino,
meninos; garoto, garotos. Dessa forma, o número do substantivo deve ser
considerado como flexão. O gênero é indicado por critério sintático. Nos casos
dos substantivos como livro, caneta, dente, o masculino e o feminino são
determinados pelos anexos determinantes flexionais. Observe:

O livro.
Aquela caneta.
Este dente cariado.

Mais detalhadamente, o nome pode ser formado por um morfema, ou seja,


uma raiz, mas também pode ser ampliado por meio de morfemas flexionais
(desinências de gênero e número). O número do substantivo deve ser conside-
rado como flexão, pois, emitido determinado substantivo, podemos prever seu
plural de forma regular. Para Rocha (1998), os casos de substantivos invariáveis
são muito reduzidos e não impactam na análise linguística (por exemplo: o
ônibus/os ônibus; o atlas/os atlas). Com relação ao gênero, é preciso análise
sintática para indicação. É o caso dos exemplos anteriores: livro, caneta,
dente, pijama, tribo. Estes são femininos ou masculinos pelos determinantes
flexionados em um dos dois gêneros.

O livro chato.
A caneta vermelha.
Aquele pijama listrado.

Em verdade, há certos substantivos em que, além de o gênero poder ser


assinalado por um determinante, pode ser indicado por marca morfológica.
Observe:

Aquele menino preguiçoso.


Aquela menina preguiçosa.
Um gato branco.
Uma gata branca.
Processos de formação das palavras 5

Em seus estudos sobre formação de palavras, Rocha (1998) destaca que a


quase totalidade dos substantivos em língua portuguesa não apresentam marca
morfológica de gênero. Assim sendo, quase todos os substantivos pertencem
a um gênero único, o qual é assinalado por um expediente sintático.
Com relação à flexão e ao gênero, lembre-se de que gênero é uma no-
ção gramatical atribuída a todos os substantivos. Por isso, temos: o lápis, o
computador, o relógio, a caneta, a meia, a maré. Em português, podemos
encontrar gêneros que variam, por exemplo o/a soja, o/a dinamite, o/a dia-
bete. Alguns substantivos também são indiferentes quanto ao gênero, ou seja,
podem aparecer tanto no masculino quanto no feminino. Estes são os casos de
o/a analista, o/a sentinela. O que vai determinar o gênero é a concordância.
Por último, temos também aqueles substantivos que designam tanto feminino
quanto masculino. É o caso, por exemplo, de a onça, o jacaré, a cobra.
Sobre a flexão verbal, observamos, nas gramáticas, que as noções de pes-
soa, número, tempo e modo são expressas nos verbos por meio de morfemas
flexionais. Observe o exemplo:

Estudávamos.

Nessa ocorrência do verbo, -va- é um morfema denominado cumulativo, pois


ele indica tempo e modo. A desinência -mos também é cumulativa e expressa
noções de pessoa e de número. Seguindo a mesma lógica, e os preceitos de
Câmara Júnior (2001), esses dois elementos (-va- e -mos) são classificados
como morfemas flexionais, pois as desinências modo-temporais e número-
-pessoais apresentam regularidade e sistematização: quando enunciado o
verbo, podemos constatar sua existência com marcas variadas de pessoa,
número, tempo e modo.
Com relação aos verbos, é necessário compreender que existem paradigmas
distintos:

„„ Primeira conjugação: cant-a-r; salt-a-r; grit-a-r.


„„ Segunda conjugação: desc-e-r; corr-e-r; perd-e-r.
„„ Terceira conjugação: dirig-i-r; sum-i-r; ped-i-r.

Portanto, as desinências verbais, conforme o que foi anteriormente explici-


tado, são cumulativas. Assim sendo, as desinências modo-temporais expressam
modo e tempo dos verbos; enquanto as desinências número-pessoais indicam,
respectivamente, número e pessoa. Observe o exemplo:
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Infinitivo impessoal: cant-a-r


Primeira pessoa do plural: cant-á-va-mos

Quando utilizamos o recurso da comparação, percebemos de forma di-


reta que cantavam é segmentado da seguinte forma: cant–a–va–m. Desse
modo, cant é radical, a é vogal temática, va é desinência modo-temporal e
m é desinência número-pessoal. Portanto, quanto à flexão, todos os tempos e
modos verbais apresentam desinências modo-temporais e desinências número-
-pessoais. São exceções apenas os tempos infinitivo impessoal, particípio
e gerúndio; para estes, não há ocorrência de desinências número-pessoais.

Derivação
Com relação à derivação, é preciso considerar os casos em que são utilizados
os sufixos derivacionais, ou apenas sufixos, como processo de formação de
novas palavras e ampliação do léxico. Por exemplo: formiga, formigueiro;
paquerar, paquerador. Nos processos de formação de novos vocábulos por
derivação, os falantes têm liberdade, sem imposição gramatical. Utilizam-se
prefixos e sufixos para formação de novos vocábulos.

Nos casos de derivação, lembre-se:


„„ Há irregularidade.
„„ Não há concordância.
„„ Há opcionalidade.

A derivação, como processo de formação de novas palavras, acontece


quando um vocábulo formado por apenas um radical primário recebe afixos
(prefixos ou sufixos). Exemplos:
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Panela + eiro = paneleiro


Im + possível = impossível
Difícil + mente = dificilmente

No caso da derivação, o acréscimo de prefixos e sufixos realiza-se com


a adição de um afixo a um radical, o qual pode ou não conter outros afixos.
Pense, por exemplo, no vocábulo legalização. Este vem de legalizar, que,
por sua vez, deriva de legal. Resumidamente, a derivação pode ocorrer por
acréscimo de prefixo, de sufixo ou prefixo e sufixo, modificando o tema ou
a classe gramatical.

Composição
A composição, como processo de formação de palavras em língua portuguesa,
ocorre quando se combinam dois ou mais radicais. Exemplos:

„„ Dedo-duro
„„ Beija-flor
„„ Auriverde

A composição acontece com a união de vocábulos já existentes na língua,


como em quebra-nozes. Entretanto, também pode ocorrer pela combinação de
bases consideradas não autônomas. Diferentemente do processo de derivação,
no qual se registra apenas um radical primário, nos processos de composição
existem duas ou mais raízes. Entretanto, no processo de composição, os vocá-
bulos existentes perdem a significação para formar um novo conceito e nomear
outro objeto da língua. Tomemos o exemplo de beija-flor: separadamente,
tem-se beija e flor; quando unidos por composição, indicam um pássaro, ou
seja, criam um novo conceito. Vocábulos compostos comutam com aqueles
simples, também ocorrendo o movimento contrário.

Contribuições da gramática descritiva


Conforme Bechara (2010), a renovação do léxico está associada à criação de
novas palavras. Para este gramático, as múltiplas atividades dos falantes, no
convívio em sociedade, favorecem a criação de palavras, de forma a atender
necessidades culturais, científicas e comunicacionais. Nesse âmbito, encontra-
mos os neologismos, como expressão efetiva dessa necessidade renovadora,
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e os arcaísmos, como aquelas palavras que, por falta de uso, deixam de ser
utilizadas por determinada comunidade linguística. Em alguns casos, os
arcaísmos permanecem, demarcando comunidades mais conservadoras.
Conforme a gramática descritiva, os neologismos, ou criações novas, são
inseridos na língua por diversos caminhos. O primeiro deles ocorre por meio
dos elementos que já existem na língua, sendo estes palavras, prefixos ou
sufixos. Eles podem combinar-se e emitir delimitações com significado usual
ou mudança de significado. Como processos formais, temos a composição e a
derivação, mas também os empréstimos. Estes ocorrem por incorporação de
termos de outras línguas — traduzidos ou não — ao português.
Portanto, podemos inferir que a gramática descritiva contribui na descrição
e no registro das variedades linguísticas de certo momento de uma língua.
Trata-se de uma abordagem sincrônica que descreve as unidades existentes
na língua, as categorias linguísticas disponíveis, os tipos de construção que
são possíveis e a função dos elementos. Indica, ainda, as condições de uso
de cada um deles. Dessa forma, a gramática descritiva contribui para que os
falantes compreendam a variedade da língua, não apenas da língua culta.
Sendo assim, o que há de registro oral também é validado por essa abordagem.
Evitando as noções de erro e de acerto, a gramática descritiva identifica
as formas de expressão existentes em determinado tempo, evidenciando,
portanto, que não há língua uniforme.

BASÍLIO, M. Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo: Contexto:


2004.
BECHARA, E. Gramática escolar da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2010.
CAMARA JR., J. M. Estrutura da língua portuguesa. 34. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001
MARGOTTI, F. W.; MARGOTTI, R. C. M. F. Morfologia do português. Florianópolis: UFSC, 2008.
ROCHA, L. C. A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
SCALISE, S. Morfologia. Bologna: il Mulino, 1994.
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Leituras recomendadas
LEMOS, M. Mecanismo da flexão verbal e desvios do padrão geral. In: MONTEIRO, J. L.
Morfologia portuguesa. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 2002.
MIOTO, C.; SILVA, M. C. F.; LOPES, R. E. V. Novo manual de sintaxe. Florianópolis: Insular, 2005.
Conteúdo:

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