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Introdução à Aquisição de Linguagem

Conteudista
Prof. Dr. Carlos Eduardo Borges Dias

Revisão Textual
Esp. Pérola Damasceno
OBJETIVO DA UNIDADE
• Introduzir o(a) aluno(a) no campo da Aquisição da linguagem, em sua
definição, histórico do campo, principais vertentes e autores, principais
debates e debates atuais, principais concepções e conhecimento sobre
o desenvolvimento da linguagem.

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Introdução
A palavra linguagem pode ter usos muitos diversos. Muito se fala, por exemplo,
na “linguagem dos animais”, nas “linguagens de programação” no campo da in-
formática, ou mesmo, popularmente, na “linguagem dos médicos” ou “linguagem
dos advogados”, referindo-se a linguajares específicos. No entanto, quando se
fala em “linguagem” dentro do campo de estudos designado como “Aquisição
de Linguagem”, essa palavra ganha um sentido bastante especial: dentro desse
campo, ela passa de uma palavra à condição de um conceito. Para definirmos
esse conceito é preciso antes de tudo definir o ponto de vista a ser adotado, já
que existem diversas teorias nesse campo que conceituam a linguagem de uma
maneira diferente. Assim, quando se fala em “linguagem” no campo da “Aquisição
de Linguagem”, deve-se pensar em como o conceito de linguagem é definido em
uma determinada teoria a ser considerada.

A maior parte das teorias que constituem esse campo foram fundamentadas pela
Linguística e/ou pela Psicologia. Portanto, geralmente, quando se fala em linguagem
nesse sentido, a referência principal provém dessas disciplinas. Ainda que cada ver-
tente teórica do campo tenha sua própria concepção de linguagem, podemos dizer
que, apesar das diferenças entre elas, o conceito de linguagem abarca, pelo menos,
duas modalidades: a oralidade, que inclui a fala e a compreensão em uma língua, e o
letramento, que, por sua vez, inclui a leitura e a escrita em uma língua.

Importante
Embora o conceito de “linguagem” no campo da Aquisição de
Linguagem abarque tanto a oralidade quanto o letramento,
existem teorias sobre a aquisição de linguagem voltadas ape-
nas para a fala e outras voltadas apenas para a escrita.

Independente da teoria adotada, os estudos desse campo se voltam tanto para a


aquisição da língua materna pela criança como para a aquisição de outras línguas
pelo adulto. Com efeito, como as implicações desses estudos para a fonoaudiolo-
gia ainda parecem se restringir à aquisição da linguagem pela criança, essa disci-
plina será focada em como a linguagem é adquirida na infância, a fim de oferecer
subsídios teóricos para a compreensão dos processos que estão envolvidos na
linguagem, tanto em condições consideradas como normais como naquelas em
que se presentificam as chamadas dificuldades e distúrbios de linguagem.

Antes disso, considerando o campo da Aquisição de Linguagem como desig-


nado por dois conceitos, é preciso ainda interrogar-se a respeito do conceito

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de “aquisição”, tal como fizemos no caso do conceito de “linguagem”. A defini-
ção precisa desse conceito também depende da teoria adotada entre as que
vigoram dentro do campo. Assim, por exemplo, o conceito de aquisição será
concebido, de uma maneira, por uma teoria racionalista e de outra por uma te-
oria empirista. Por outro lado, ainda que faça parte do campo da Aquisição de
Linguagem, outras teorias, como a do interacionismo brasileiro, irão questionar
até mesmo se é possível dizer que a criança “adquire” ou “aprende” uma língua,
uma vez que é possível denunciar alguns dos equívocos que estão subjacentes
a esses conceitos nas demais teorias, como veremos na última Unidade.

Apesar das diferenças entre as teorias, podemos considerar que, quando se fala
em “aquisição” dentro desse campo, está se referindo, de uma maneira geral,
ao processo que envolve passagem da condição de um sujeito que não fala, não
compreende, não escreve e não lê em uma ou mais línguas à condição que do-
ravante chamaremos de a de um sujeito falante e/ou sujeito escrevente em re-
lação à uma dada língua. Tendo em mente que não consideraremos a aquisição
de segunda língua na vida adulta, então a aquisição envolverá sempre a forma
pela qual a linguagem é estruturada para a criança através da língua materna, ou
seja, a maneira pela qual a primeira língua fornece a estrutura da linguagem na
modalidade oral.

Ainda que as principais teorias sobre a aquisição da linguagem tenham emergi-


do apenas na primeira metade do século XX, o interesse em compreender como
ocorre essa passagem esteve presente na história há muito tempo. Scarpa (2001)
explica que esse interesse remonta a narração de Heródoto, no século VII a.C.,
que conta que o rei Psamédico, do Egito, confinou duas crianças do nascimento
até os dois anos de idade a fim de observar quais seriam as manifestações lin-
guísticas produzidas no contexto de privação de convívio com outros humanos.
Sua hipótese era de que se elas viessem a falar apesar desse contexto, a primeira
palavra que elas emitissem pertenceria à língua mais antiga do mundo. Passados
os dois anos, essas crianças teriam emitido uma sequência de sons que foi in-
terpretada como “bekos”, a palavra frígia para “pão”. O rei então concluiu que a
língua frígia era a mais antiga do mundo.

Vários outros relatos de crianças privadas do contato com outros seres huma-
nos foram relatados pela literatura. Casos como os das chamadas “crianças
selvagens”, que foram abandonadas em florestas, foram amplamente divulga-
dos e estudados, como é o caso de Kasper Hauser, de Vitor de Aveyron e o de
Genie. Eles fizeram emergir a hipótese do período crítico, ou seja, a ideia de que,
caso não seja exposta ao convívio social e, consequentemente, à linguagem,
até determinado momento da infância, a criança não poderia desenvolver sua
linguagem normalmente. De acordo com Santana (2004, p. 344), essa hipótese
baseia-se essencialmente:

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No desenvolvimento neurológico e na importância do input para a
aquisição da linguagem. Enquanto o sistema neurológico está imatu-
ro, a natureza do input determinará o seu desenvolvimento. Mas se
a maturidade já foi alcançada, é improvável que o sistema possa ser
modificado por influências ambientais.

Vídeo
Veja o filme sobre o caso de Vitor de Aveyron,
disponível no QR Code ao lado.

Santana (2004) explica ainda que essa hipótese se baseia em uma noção bastan-
te estática da linguagem, de modo que muitas evidências podem ser utilizadas
para questionar a rigidez das teorias que a sustentam implicitamente: é o caso
das crianças que, apesar da privação social, aprenderam a falar (ainda que com
dificuldades), os surdos que aprendem a língua de sinais em idade adulta e os
adultos que aprendem uma segunda língua sem sotaque.

Para além das questões teóricas implicadas no problema da privação, o proces-


so por meio do qual na infância a criança, inicialmente na condição de infans
(palavra latina que deu origem a palavra “infância” e que significa “aquele que
não fala”), começa a se comunicar gestualmente, depois a balbuciar e, pouco a
pouco, a emitir enunciados constituídos de uma palavra, para depois vir a produ-
zir enunciados que se parecerão cada vez mais com os enunciados dos adultos,
que despertou, ainda no século XIX, o interesse dos chamados diaristas, ou seja,
linguistas que começaram a elaborar diários da fala de seus filhos, dando início
aos hoje chamados “trabalhos longitudinais”, ou seja, pesquisas que acompa-
nham o desenvolvimento da linguagem de uma criança ao longo do tempo, mas
sem o objetivo de chegar a uma teoria.

Foi, contudo, apenas no século XX que se iniciaram os debates que fizeram evo-
luir as formas de considerar o processo da aquisição da linguagem a partir de
teorias ligadas aos paradigmas científicos desenvolvidos até então. Foi nesse sé-
culo que emergiram as teorias a respeito da aquisição da linguagem que abor-
daremos nesse curso, a saber: o behaviorismo, o gerativismo, o construtivismo e
o interacionismo. Apesar de essas teorias convergirem em alguns aspetos, elas
podem divergir em vários outros, por exemplo, na concepção sobre a linguagem
e sobre a aquisição, como mencionamos inicialmente, mas também no que diz
respeito aos fenômenos a serem observados e à forma de conceber o papel do
meio social da criança.

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A primeira distinção entre as vertentes desse campo diz respeito ao deba-
te entre teorias inatistas e não inatistas. Quando se fala em uma capacidade
inata, se quer dizer que ela nasce com o homem em vez de se originar a partir
da experiência com o mundo. Assim, a linguagem é também considerada a
partir dessa divisão, de modo que existem teorias não inatistas, ou seja, que
consideram que a linguagem depende da experiência e teorias inatistas que
consideram que a linguagem já vem inscrita no código genético e, portanto,
fazem parte da natureza humana. O debate entre teorias inatistas e não ina-
tistas sobre a aquisição da linguagem é herdeiro direto de um debate ante-
rior, que remonta toda a história da filosofia ocidental, a saber, aquele travado
entre racionalistas e empiristas.

No campo da Filosofia, as teorias do conhecimento dizem respeito às diferentes


formas de conceber o papel por um lado da razão e, por outro, da experiência
no fato de que os seres humanos são capazes de desenvolver um conhecimento
sobre o mundo, tal como o da Matemática. As origens da oposição entre as teo-
rias empiristas e as teorias racionalistas podem ser encontradas nas discussões
entre Platão e Aristóteles na Grécia antiga: Aristóteles argumentando a favor do
papel da observação no processo de aquisição de conhecimento sobre o mundo,
e Platão argumentando a favor de uma natureza inata do conhecimento, que
seria adquirido antes do nascimento e apenas ativado pela experiência.

Quando se fala sobre teorias do conhecimento de base empirista na moder-


nidade, tem-se em mente um conjunto de escolas filosóficas das quais John
Locke e David Hume são considerados como os fundadores. Apesar das dife-
renças entre as suas teorias, eles mantêm em comum a ideia de que não há
nada em nossa mente que não tenha passado primeiro por nossos sentidos.
Para eles, inicialmente os seres humanos são como uma folha em branco. É
apenas através da experiência sensível, do contato com o mundo, que eles che-
gam a desenvolver conhecimento.

Por outro lado, quando se fala sobre teorias do conhecimento de base raciona-
lista na modernidade, tem-se em mente um conjunto de escolas filosóficas das
quais René Descartes e Immanuel Kant são considerados como os fundadores.
Eles argumentaram que a fonte do conhecimento não pode ser a experiência
sensível, mas a razão, ou seja, aquilo que organiza essa experiência. É a razão
que fornece as regras em relação às quais são submetidos todos os dados que
são intuídos pela sensibilidade na experiência. Essa razão é inata, pois não deriva
da experiência. Por exemplo: qual seria a experiência que ensinaria ao ser hu-
mano a ideia de que, necessariamente, entre dois pontos o caminho mais curto
é uma reta? Para Kant, por exemplo, esse conhecimento é próprio da natureza
humana e não depende de alguma aprendizagem baseada em experiências a
partir das quais o homem teria constatado isso como uma verdade.

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No campo da Aquisição de Linguagem, esse debate entre empiristas e racionalis-
tas se reinstaurou no século XX a partir da oposição entre as teorias comporta-
mentalista – também chamada de behaviorista (um clássico aportuguesamento,
já que a palavra inglesa behavior significa, precisamente, “comportamento”), a
qual será abordada em detalhes na segunda Unidade desse curso – e gerativista
–, a qual será abordada em detalhes na terceira Unidade desse curso.

A primeira delas parte das premissas da teoria do conhecimento de base empiris-


ta. Mas, em vez do problema abordado ser como o humano é capaz de conhecer
o mundo (como no empirismo), o behaviorismo em Aquisição de Linguagem con-
centra-se mais precisamente em definir como é possível que o ser humano de-
senvolva linguagem. Por estar assentado nas mesmas premissas do empirismo, o
fundamento principal dessa abordagem é o de que qualquer conhecimento deve
depender do mínimo de condições inatas o possível, e a experiência sensível é que
deve determinar a condição de existência do conhecimento a respeito da lingua-
gem. Nesse sentido, é que o principal teórico do behaviorismo, Burrhus F. Skinner,
considerou que aprender uma língua depende de uma única condição inata: a ca-
pacidade de criar associações entre estímulos e entre estímulos e respostas. Assim,
a aquisição da linguagem é vista por ele como um processo passivo, uma vez que
depende quase que exclusivamente do meio em que a criança está inserida. Como
veremos mais em detalhe na segunda Unidade, a aquisição da linguagem nessa
vertente é baseada na ideia de que a imitação da fala que as crianças fazem dos
adultos é acompanhada de reforço positivo e/ou reforço negativo por parte deles,
ou seja, a suposição básica dessa abordagem é a de que os adultos estariam sem-
pre monitorando a fala da criança, premiando os acertos e corrigindo erros.

Figura 1 – Burrhus F. Skinner


Fonte: Wikimedia Commons
#ParaTodosVerem: fotografia em preto e branco de Burrhus F. Skinner vestido de terno e gravata. Fim
da descrição.

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No artigo chamado A Review of Skinner’s Verbal Behavior, uma resenha crítica do prin-
cipal texto sobre linguagem de Skinner, o linguista americano Noam Chomsky argu-
menta que a aquisição da linguagem não pode ser inteiramente baseada na ideia de
respostas a estímulos, uma vez que as crianças produzem sentenças que elas nunca
ouviram antes. Partindo de premissas típicas das teorias do conhecimento de base
racionalista, Chomsky explica que, ao contrário dos outros seres vivos, o cérebro do
ser humano possui um dispositivo inato, disposto em seu código genético, que per-
mite a ele desenvolver linguagem desde que ele seja exposto a um input linguístico,
como veremos em mais detalhe na terceira Unidade dessa disciplina.

Desse modo, na perspectiva gerativista, como é reconhecida a abordagem introduzi-


da por Chomsky, embora haja uma necessidade de que haja uma experiência sensí-
vel, ou, em outros termos, que falantes adultos forneçam à criança material linguís-
tico, não é essa experiência que determina a aquisição da linguagem. Isso porque as
abordagens baseadas no empirismo seriam, de acordo com Chomsky, incapazes de
responder ao paradoxo, postulado de certo modo desde Platão, da criatividade da
linguagem frente à pobreza de estímulos. Dito de outro modo, a partir de uma expe-
riência limitada com a linguagem, ou seja, tendo escutado e/ou compreendido um
número limitado de sentenças durante o seu processo de aquisição de linguagem, a
criança se torna capaz de produzir um número ilimitado de sentenças.

Em oposição às abordagens empiristas, a gramática gerativa de Chomsky supõe “um


sistema inato de regras finitas, internalizado em cada falante, que permitiria a des-
crição estrutural das sentenças infinitas que podem ser consideradas como grama-
ticalmente corretas em uma determinada língua” (DIAS, 2015, p. 80).

Figura 2 – Noam Chomsky


Fonte: Wikimedia Commons
#ParaTodosVerem: fotografia de Noam Chomsky vestido de um suéter, aos 89 anos, falando sob um fundo
escuro. Fim da descrição.

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Para além da oposição entre empiristas e racionalistas no campo da Aquisição
de Linguagem, ou seja, entre as teorias behavioristas e as gerativistas, esse campo
também foi marcado, no século XX, pelas contribuições de teóricos da Psicologia do
Desenvolvimento. Entre eles destacam-se, principalmente, Jean Piaget e Lev Vygotsky.

Na abordagem construtivista sustentada por Piaget, a aquisição da linguagem é con-


siderada como uma parte do desenvolvimento cognitivo. Segundo o autor, haveria
quatro estágios no desenvolvimento infantil, e a linguagem se desenvolveria de um
modo particular entre dois deles: a função simbólica, da qual a linguagem consis-
tiria em um componente, apareceria, segundo ele, precisamente na passagem do
período sensório-motor, que corresponde ao período que vai do nascimento até o
segundo ano de vida, para o período pré-operatório, que corresponde ao período
que vai dos dois aos sete anos.

De um modo geral, para Piaget, a criança adquire linguagem a partir do contato com o
meio, e, assim como ela procede em relação a todos as outras formas de conhecimen-
to, ela também adquire a linguagem através dos mecanismos de assimilação e aco-
modação, como veremos em mais detalhe na quarta Unidade dessa disciplina. Piaget
explica, ainda, que a criança inicialmente tem uma fala egocêntrica, o que tem relação
com processos psicológicos pelos quais ela passa, uma vez que ainda não consegue se
ver como um ser dissociado do mundo. Aos poucos, essa fala egocêntrica desaparece.

Figura 3 – Jean Piaget


Fonte: Wikimedia Commons
#ParaTodosVerem: fotografia do rosto de Jean Piaget, em preto e branco. Fim da descrição.

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Por volta da década de 1970, diversas críticas passaram a ser endereçadas ao modelo
piagetiano de aquisição da linguagem, as quais argumentavam que Piaget teria subes-
timado o papel das outras pessoas no desenvolvimento da linguagem da criança. Para
dar conta da relevância do aspecto social da linguagem, os pesquisadores do campo
da Aquisição de Linguagem passaram a se fundamentar nas pesquisas de Vygotsky.
Isso porque, para o autor, a linguagem teria uma origem social, e sua aquisição se
daria por meio da interação comunicativa entre o adulto e a criança. Com o tempo, por
volta dos dois anos, as estruturas construídas socialmente nessa interação se transfor-
mariam em representações mentais interiorizadas, de acordo com o autor.

Figura 4 – Lev Vygotsky


Fonte: Store Norske Leksikon
#ParaTodosVerem: pintura de Lev Vygotsky, com terno e gravata em preto e branco. Fim da descrição.

Mais recentemente, no Brasil, uma perspectiva inovadora a respeito da aquisi-


ção da linguagem tem sido desenvolvida a partir dos estudos de Cláudia Lemos.
Inspirada pela linguística de Saussure e pela psicanálise de Lacan, a autora passa
a questionar as bases sobre as quais se assentavam os trabalhos do campo, mos-
trando, por exemplo, como a noção de desenvolvimento e a noção de conheci-
mento linguístico seriam incompatíveis com o que, através de sua abordagem,
é possível se reconhecer nos dados de aquisição de linguagem, o que fez com
que sua abordagem, chamada interacionista, se diferenciasse de todas as outras
baseadas na linguística, na psicologia ou na psicolinguística.

Nas Unidades de 1 a 5, abordaremos cada uma dessas perspectivas em mais de-


talhes. A seguir, discutiremos alguns dos principais desdobramentos mais atuais
dessas discussões em aquisição de linguagem.

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O Debate Atual em Torno do
Inatismo
As pesquisas conduzidas nos últimos cinquenta anos contribuíram para mudar
os termos do debate sobre quais seriam as características inatas relacionadas à
linguagem. Assim, ao contrário das premissas a partir das quais se refletia nos
anos 1960 a esse respeito nas discussões entre behavioristas e gerativistas, atu-
almente se admite, de modo geral, que a criança recém-nascida vem ao mundo
com importantes predisposições que a conduzem à comunicação social e ao tra-
tamento do material linguístico, o que faz com que seja impossível conceber a
criança como uma folha em branco.

Por outro lado, estudos sobre o desenvolvimento da criança e sobre a plastici-


dade do cérebro tem mostrado que a experiência tem um papel essencial na
configuração das redes neuronais, o que faz com que seja mais difícil sustentar a
hipótese gerativista de uma representação linguística pré-constituída. Muitos es-
tudos também têm questionado a hipótese da pobreza de estímulos, colocando
em evidência algumas das características da linguagem endereçada à criança. De
modo geral, a concepção de uma gramática universal inata tem sido modificada
com o tempo, de modo que permanecem atualmente apenas o princípio do ca-
ráter especificamente linguístico dos mecanismos de aquisição.

Em relação à reflexão empirista atual, não se trata mais de se opor à existência


de uma predisposição inata para a aquisição da linguagem. As faculdades cog-
nitivas e sociais que permitem que a criança trate o input são atualmente reco-
nhecidas, como a capacidade de categorizar o input, a capacidade de estabelecer
analogias e a de generalizar.

Cada vez mais, as abordagens atuais têm se recusado a postular posições radi-
cais a respeito do papel dos componentes inatos ou ambientais, deixando claro
a necessária interação entre os fatores internos, tais como os cognitivos, e os
fatores externos, como a importância das trocas com o meio social

O Papel do Meio Social


Para além das estruturas inatas da linguagem, outra questão que tem norteado
as pesquisas desse campo tem sido a importância do meio da criança e seu im-
pacto sobre os processos de aquisição da linguagem. Ainda que nenhuma teoria
ignore a necessidade de que a criança entre em contato com adultos que falem

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com ela, a maneira pela qual esse contato é concebido no processo de aquisição
de linguagem varia de acordo com a teoria. Para os gerativistas e para os piage-
tianos, a dimensão social cumpre um papel menos importante do que para os
vygotskyanos e interacionistas, que reconhecem, no âmbito social, o pilar mais
importante do processo de aquisição de linguagem.

A dimensão social foi integrada na maior parte das abordagens não inatistas que
postulam relações entre fatores internos e externos, tais como nos trabalhos a
respeito da linguagem, que é endereçada à criança pelo adulto e, de modo geral,
nos trabalhos sobre o papel do adulto no processo de aquisição de linguagem.

Sobre as Diferentes
Concepções de Linguagem
Outro importante problema no campo da Aquisição de Linguagem é o de como
as teorias entendem o conceito de língua e/ou de linguagem. Pode-se dizer que,
por um lado, as teorias formalistas, como é o caso da teoria gerativa de Chomsky,
consideram que as estruturas linguísticas são fenômenos autônomos não in-
fluenciados pelo seu uso. Essas teorias são aplicadas aos diferentes níveis de
análise linguística, os quais formam o chamado núcleo duro dos estudos sobre
a linguagem, a saber, a sintaxe, nível privilegiado pela abordagem gerativa, mas
também a fonologia, a morfologia, o léxico e a semântica. Suas preocupações se
limitam frequentemente no máximo ao nível da frase, de modo que as questões
relativas ao discurso e ao contexto são marginais para os formalistas.

Além disso, nessas abordagens a função da língua é a representação do pensa-


mento, e a questão da comunicação é secundária, já que a linguagem é pensada
em termos de competência, e não de desempenho.

Por outro lado, as abordagens não inatistas da Aquisição de Linguagem foram


de uma maneira geral baseadas em diferentes formas de conceber a língua e a
linguagem, as quais não se apegam ao paradigma da representação, consideran-
do a comunicação como a função primeira da linguagem. É o caso, por exemplo,
das abordagens influenciadas pela pragmática de John Austin e John Searle, uma
teoria da Filosofia da Linguagem que inspirou abordagens interacionistas a enfa-
tizarem o fato de que a criança aprende a utilizar a linguagem para fins comuni-
cativos e em contextos específicos.

As abordagens não inatistas convergiram com as teorias linguísticas funcionais


e cognitivas. Com exceção da abordagem precursora de Michael Halliday, que se

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interessou na aquisição da linguagem como um meio de explorar as bases fun-
cionais das línguas, as teorias funcionalistas tentam considerar as estruturas das
línguas em sua diversidade a partir das regras da comunicação e da cognição.
Eles pensam na gramática e na sintaxe como emergindo dos usos da linguagem
e, não se restringindo ao nível da frase, eles analisam o discurso. Esse tipo de
abordagem permite interpretar melhor os primeiros enunciados infantis e dar
conta do processo de aquisição.

Principais Etapas do
Desenvolvimento da
Linguagem Oral
A evolução da linguagem oral nas crianças é, de uma maneira geral, descrita de
uma forma regular pelos teóricos que partem da ideia de desenvolvimento. Isso
quer dizer que as singularidades individuais são desprezadas e apenas as carac-
terísticas comuns à maioria delas são consideradas. Em suas descrições, essas
características são apresentadas da seguinte forma: as crianças iniciam com o
balbucio de sons vogais, entre o terceiro e quarto mês, e depois com as combi-
nações entre consoantes e vogais, entre o sexto e o 12º mês.

As primeiras palavras começam a aparecer por volta de um ano de idade, mas a


compreensão das primeiras palavras surge um pouco antes. A partir de então,
as crianças passam alguns meses produzindo apenas enunciados compostos por
uma única palavra, com um vocabulário reduzido que, pouco a pouco, vai se
ampliando a partir do décimo sexto mês. É apenas por volta dos dezoito meses
que a criança começa a organizar suas primeiras combinações entre palavras.
Aos dois anos, elas já têm um aumento considerável no vocabulário, e, por volta
dos três anos, já usam sentenças e palavras como preposições e conjunções. Aos
três anos e meio, as crianças já dominam a maior parte das estruturas sintáticas
de sua língua.

Dois períodos essenciais são frequentemente identificados no desenvolvimento


da linguagem oral pela maioria dos autores no campo da Aquisição de Linguagem:
o período “pré-linguístico” e o período “linguístico”. Os limites entre eles podem
não ser muito bem definidos, já que os marcos do desenvolvimento da lingua-
gem dizem respeito, em média, a apenas 50% das crianças. Assim, se aproxima-
damente metade delas pronunciam suas primeiras palavras por volta dos 10-12
meses de idade, algumas são mais precoces, outras mais tardias. Dentro de cer-
tos limites, essas diferenças não são patológicas.

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Como vimos, a pronúncia das primeiras palavras surge entre dez e doze meses.
No entanto, muito antes dessa idade, os bebês já aprendem a reconhecer os
fonemas e as principais palavras de sua língua quando produzidas pelos familia-
res. O período chamado de pré-linguístico, que, de modo geral, vai dos doze aos
dezoito meses de idade, é uma fase de inicialização da linguagem oral.

Nesse período, a aprendizagem dos sons está ligada a uma capacidade de


perceber contrastes sonoros presentes nas línguas. Por exemplo, os sons /f/ e
/v/ têm características acústicas muito próximas. Eles devem ser distinguidos,
caso contrário, não seria possível fazer a diferença entre as palavras “faca” e
“vaca”. Bebês com poucos dias já são sensíveis a esse tipo de diferença pre-
sente em todas as línguas. Bebês que têm o Português como língua materna
são sensíveis a contrastes fonéticos usados em outras línguas, mas que não
existem em Português.

Já os adultos que são falantes de Português são totalmente insensíveis a esses


contrastes. Essa capacidade de distinguir os contrastes fonéticos de todas as lín-
guas do mundo regride durante o primeiro ano de vida da criança. A partir dos
seis meses de idade, os bebês vão perdendo gradativamente essa capacidade de
distinguir contrastes irrelevantes para sua língua materna ao mesmo passo em
que entram cada vez mais em contato com sua língua.

Se, por um lado, as capacidades perceptivas são muito desenvolvidas no início


da vida, por outro lado, o aparelho fonatório dos bebês é apenas parcialmente
desenvolvido. A configuração da faringe e da cavidade oral é muito diferente
da do adulto: ela muda rapidamente durante os primeiros seis meses de vida,
depois mais lentamente, e vai se aproximando de uma conformação adulta por
volta dos dois anos de idade. Assim, até o quinto ou sexto mês, as mudanças na
produção de sons são determinadas principalmente pela evolução fisiológica.
Praticando movimentos da glote, lábios e língua, o bebê assume aos poucos o
controle de seu aparelho fonatório. Por volta dos seis meses de idade, ele já con-
segue controlar seus ajustes fonatórios.

Como explicam Blanco-Dutra, Scherer e Brisolara (2012), existem idades, com


uma margem de variação dependendo da criança, para que os sons se esta-
beleçam no sistema fonológico, o que frequentemente é chamado de “ordem
de aquisição dos sons”. Quanto aos pontos de articulação, os fonemas bila-
biais são adquiridos primeiro (p, b, f, v, m, w), em seguida os alveolares (t, d,
s, z, n, l, r), depois os palatais (λ, j, ɲ) e, finalmente, os velares (k, g, x, ŋ, w).
Quanto ao modo de articulação, a ordem de aquisição esperada é: primeiro
as plosivas, nasais e glides (p, b, t, d, k, g, m, n, ɲ, w, y), seguido das africadas
e fricativas (t∫, dӡ, ∫, v, s, z, I, λ, x) e, por fim, as líquidas, primeiro as laterais (l,
r), depois as não laterais (R, r).

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Se, em relação aos sons, a criança só precisa selecionar e aprender algumas de-
zenas de fonemas que compõe sua língua, por outro lado, o número de palavras
de uma língua é de, em média, cem mil. Ao contrário dos sons, não existe de fato
um repertório que contenha todas as palavras de todas as línguas do mundo e
que se possa supor que as crianças as conheçam ao nascer. Não há outra solução
senão aprender. Para o bebê, a principal dificuldade é reconhecer as palavras da
língua materna em um fluxo de palavras que não contém limites óbvios entre as
palavras. Mas a criança se apoia em certas características da linguagem oral para
progredir em seu aprendizado. Certas sequências de fonemas necessariamente
marcam uma fronteira entre as palavras. Por outro lado, quanto mais frequen-
temente as sequências de sons são usadas, mais chance eles têm de considerar
como uma palavra.

O período linguístico caracteriza-se no seu início pela aquisição de um primei-


ro conjunto de palavras e pelo aparecimento de enunciados rudimentares que
libertam a criança da necessidade de recorrer a gestos e/ou mímica, até então
necessários para se comunicar. A partir dos três anos de idade, a criança vai, gra-
dualmente, abandonando as estruturas rudimentares e se apropria de constru-
ções linguísticas que serão cada vez mais parecidas com a linguagem adulta. Esta
evolução qualitativa é acompanhada por uma evolução quantitativa significativa
ao nível do vocabulário. As primeiras palavras produzidas transmitem um signi-
ficado que a criança generaliza para vários objetos ou situações que possuem
características comuns. Por exemplo, a palavra ‘casa’ pode significar ‘eu vejo uma
casa’, ‘meu irmão está na casa’ ou até mesmo ‘eu quero ir para a casa’.

Nesta fase da holófrase, ou seja, quando uma palavra funciona e tem o valor de
uma frase, a linguagem não basta por si só: o significado da palavra depende do
contexto. A linguagem sempre acompanha a ação, mas ainda não a substitui.
Esse fenômeno regride à medida que aumenta o número de palavras adquiridas,
o aumento do número de palavras resultando em ganho de precisão no signifi-
cado das palavras.

A aquisição de palavras é lenta no início. Com um ano de idade, uma criança já


adquiriu, em média, de cinco a dez palavras. Depois ela é muito rápida: aos dois
anos, para uma em cada duas crianças, o vocabulário pode chegar a duzentas
palavras. Por volta dos dezoito meses, a criança começa a construir enunciados
combinando duas palavras com significados diferentes. O período de três anos é
marcado por um enriquecimento espetacular do vocabulário: o total de palavras
evolui de 200 palavras em média aos dois anos de idade para 1.500 palavras por
volta dos 4-5 anos. Observa-se o aparecimento de enunciados (um enunciado é a
realização concreta de uma frase em uma situação de comunicação). No entanto,
a aquisição de frases ditas gramaticais (frases caracterizadas por um conjunto de
regras de boa formação) não parece resultar de um simples processo de repetição

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ou imitação. A criança participa ativamente da construção de sua própria lingua-
gem: deduz da experiência linguística princípios operativos que aplica a novas situ-
ações. Para progredir em termos de linguagem, ela compara constantemente suas
próprias produções e as que lhe são dirigidas por aqueles que a cercam.

Assim, ela experimenta os efeitos da entonação (cuja aquisição começa no perío-


do pré-linguístico), passando a entender que uma mesma frase pode ser produ-
zida de modo exclamativo, interrogativo, declarativo ou imperativo. A entrada no
período linguístico também é marcada pelo aparecimento dos pronomes pesso-
ais. Se o uso do “eu” é identificável a partir dos dois anos, é preciso esperar até
os três anos para ver o surgimento do “eu, você, ele”. Ao mesmo tempo, a criança
começa a dominar os artigos e as preposições. O uso de subordinações (como
“porque”) surge entre os quatro e cinco anos.

No que diz respeito à compreensão oral, várias habilidades permitem que a


criança compreenda a linguagem oral desde cedo. No entanto, dependendo do
estágio evolutivo e dos estímulos ambientais, certas modalidades de “tratamen-
to” são mais particularmente identificáveis. Assim, por volta dos dois anos e meio
até os três a compreensão é predominantemente “lexical”, ou seja, de palavras
isoladas. Para compreender a linguagem, a criança identifica uma palavra e a re-
laciona com o contexto em que a mensagem é produzida. Por exemplo, no enun-
ciado “o bebê vai para a cama”, ela interpreta o enunciado processando a palavra
“cama” de acordo com o contexto de tempo (hora de dormir, hora da soneca).

A partir dos três anos e meio até os quatro anos, em média, as habilidades de
compreensão tornam-se mais eficientes, levando, também, em consideração os
aspectos morfossintáticos da linguagem oral. O processamento morfossintático
envolve vincular o tema da mensagem e seu conteúdo. A criança pode, então,
interpretar uma afirmação fora de seu contexto, como “amanhã vamos brincar
no parquinho”. Esse processamento leva à construção de uma representação
mental do local evocado, das ações e das situações possíveis (balanço, escorre-
gador, correr, etc.). A partir dos quatro a cinco anos de idade, em relação muito
provável com as experiências de leitura de textos narrativos pelo adulto e, poste-
riormente, em conexão com a aprendizagem da leitura, a criança passa a investir,
gradativamente, a compreensão da linguagem oral de acordo com uma modali-
dade narrativa, o que implica que a ela leve em conta a sucessão temporal dos
acontecimentos e as relações causais que os unem.

Finalmente, e embora possam ser detectadas precocemente, as habilidades prag-


máticas só aparecem “na superfície” muito mais tarde. É somente entre os seis e
sete anos que a criança se torna capaz de se distanciar de seu próprio discurso em
uma situação de comunicação e de conceber as representações do interlocutor.
A linguagem infantil é egocêntrica: não contém todas as informações necessárias

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para uma boa compreensão por parte do ouvinte. Por exemplo: uma criança diz
“está vendo, está quebrado” descrevendo um objeto ao telefone, sem maiores de-
talhes para seu interlocutor. Gradualmente, a criança adquire as informações que
determinam que tipo de linguagem é apropriado em um determinado contexto.
Por exemplo, é improvável que a solicitação “quero um brinquedo” expressa, em
modo imperativo, seja bem-sucedida. A criança terá que aprender a atenuar os
efeitos de tal afirmação acrescentando uma fórmula polida e modulando a ento-
nação. Em outras palavras, a criança aprende a “socializar” sua linguagem. Assim,
a partir dos três anos e meio, a criança consegue dominar a estrutura fundamental
de sua língua materna. Apesar de erros de sintaxe, ela pode falar de forma inteli-
gível. No entanto, o processo de aprendizagem está longe de terminar. A criança
deve continuar a adquirir o sistema fonológico, enriquecer o seu vocabulário (pro-
cesso que ocorre ao longo de toda a vida), diversificar o conhecimento das formas
sintáticas e apropriar-se das competências pragmáticas.

De uma forma geral, podemos compreender os marcos do desenvolvimento da


linguagem seguindo a revisão de literatura de Alexandre et al. (2020), exposta na
Tabela 1:

Tabela 1 – Marcos do desenvolvimento da linguagem

Idade Conteúdo

• Entre o primeiro dia e primeiro mês de vida apresenta o


choro como reação à dor e à fome; acorda e assusta-se
com sons intensos;
• Entre os 2 e 3 meses de vida o choro se torna
diferente para cada situação (fome, dor ou “manha”);
as vocalizações e risos parecem estar relacionados a
sensações de bem estar; reage à fala humana: sorri,
olha, vocaliza;
• Até os 5 meses surgem os “jogos vocais” quando o bebê
brinca com os sons que emite, fazendo repetição da
0-12 meses mesma sílaba (ex.: /papapa/, /mamama/);
• Aos 8 até os 9 meses surgem os comportamentos
comunicativos intencionais; Repete sons emitidos pelos
outros;
• As primeiras palavras surgem em torno dos 10 aos 15
meses, sendo que as palavras curtas são adquiridas
primeiro do que as mais extensas;
• Pode repetir palavras ditas pelos outros, porém, a
repetição não tem o mesmo padrão fonológico (ex.: vai
dormi... – a criança: [mimi]).

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• 18 meses: expansão do sistema fonológico, aumento
do inventário fonético; período caracterizado pela
ocorrência de substituições e omissões de sons;
• Apresenta uma linguagem funcional, ou seja, comunica-
se para expressar suas necessidades, chamar a
atenção, informar, perguntar;
• Emite palavras isoladas ou frases produzidas em bloco.
(ex.: [aboveti] – “acabou o sorvete”);
• Produz onomatopeias (ex.: [auau] para cachorro),
palavras idiossincráticas, ou seja, palavras próprias da
criança (ex.:[lianu] para ônibus), palavras contextuais
(ex.: [kabo] – quando acaba o alimento do prato) e
palavras de uso social (ex.: [óya] – para dirigir a atenção
de alguém para algo;
13-24 meses • Entre 18 e 22 meses produz cerca de 20 palavras e
entende cerca de 50;
• Mantém diálogo por meio de especularidade e
complementaridade;
• Compreende perguntas, imperativos e afirmações
rotineiras e situacionais (ex.: “é hora de comer!” – a
criança dirige-se a cozinha);
• A partir dos 18 meses observa-se a produção de
orações com dois e três vocábulos (ex.: [may leti] para
“dá mais leite”);
• Compreende ordens rotineiras e situacionais com duas
ações (ex.: “Pega a chave e põe na gaveta” – a criança o faz);
• Ao final deste 2° ano de vida ocorre a chamada
explosão do vocabulário.

• Todas as simplificações fonológicas são esperadas;


• Eliminação dos processos de apagamento de sílaba,
assimilação, plosivização de fricativas, posteriorização
e anteriorização de velares e simplificação de líquidas
(até 3:6);
• /s/ é adquirido aos 2:6 anos de idade e a substituição
2:1-3:0 anos mais comum do /s/ é por /∫/;
• Aos dois anos de idade as crianças são capazes de
produzir mais de 200 palavras, e aos dois anos e seis
meses, mais de 500 palavras;
• Entre 2 e 2:6 as frases apresentam de 3 a 4 palavras,
com desvios de flexionamento nominal e verbal (ex.:
“esse meu bola”; “eu comeu tudo bolacha”);

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• Não utiliza adequadamente o gênero de pronomes
pessoais (você, eu, ele/ela), possessivo (meu) e
demonstrativo (esse) (ex.: “sapato minha pai”);
• Perto dos 3 anos observa-se períodos coordenados (ex.:
“essa boneca chóia e fazi xixi” (essa boneca chora e faz
xixi));
• Faz uso de muitos substantivos: nomes de
brinquedos, objetos da casa, pessoas do convívio diário,
partes do corpo (pelo menos 4), alimentos, animais,
bebidas, roupas, de algumas categorias (brinquedo,
comida, animal). Usa diversos verbos para representar
as ações e alguns adjetivos (grande/pequeno, limpo/
sujo, feio/bonito, quente/frio). São frequentes os
desvios semânticos nas palavras com sentido lexical
(superextensão, subextensão, antonísia);
• Surge a preposição “de” indicando posse, “para”
indicando beneficiário (ex.: “sapato da mamãe”);
2:1-3:0 anos • Fala e entende alguns advérbios de lugar (ali, aqui,
dentro, lá, perto de) e pronomes (eu, você, mim,
meu, ele, esse). Faz referência ao tempo com alguns
advérbios como “agora” e “ontem”, mas os utiliza de
forma instável;
• Compreende e responde verbalmente a perguntas
com os pronomes onde, quem, o que (ex.: “Onde está a
boneca?”);
• Faz uso da linguagem oral para pedir (satisfazer
as necessidades físicas e psicológicas), informar,
perguntar, interagir;
• Narra com auxílio de perguntas do outro sobre o lugar
(onde), os acontecimentos (o que) e pessoas (quem).
Fase da protonarrativa;
• Conversa com as pessoas, em contextos conhecidos,
sobre temas concretos e referentes presentes, com
turnos simples (uma oração com informação mínima
necessária para não interromper a conversação).

• O adulto fornece um modelo para as narrativas


posteriores da criança em desenvolvimento;

3:1-4:0 anos • Aos três anos as crianças são capazes de classificar


os mesmos objetos em diferentes categorias,
demonstrando a mesma flexibilidade que adultos no
uso dessas categorias para inferências indutivas;

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• Observa-se o uso de períodos simples e compostos com
6 palavras (coordenados e subordinados com “porque” e
“mas”) (ex.: “eu não vou vô come porque é ruim”);
• Surgem as orações interrogativas com os pronomes
“quem” e “qual” (ex.: “qual você qué?”);
• Faz uso de tempos verbais no presente, passado e
futuro composto, mas há desvios de flexionamento
verbal por generalização de regras (ex.: “papai vai
comprar pra mim” – futuro composto; “eu que comei o
doce” – eu que comi o doce);
• Utiliza os artigos determinados, respeitando as regras
de flexionamento de gênero (as de número podem ser
utilizadas por influência cultural) (ex.: “dá a bola e o
palhaço);
• Aos 3:6 desaparecem: Simplificação de líquida não
lateral /R/ seja por redução (ex.: [opa] – roupa; [maéco]
– marreco), substituição (ex.: [lede] – rede; [kalo] –
carro) ou semivocalização (ex: [kachoyo] – cachorro);
• Aos 4 desaparecem: Simplificação de consoante final
(liquida final /r/) seja por redução (ex.: [ma] – mar;
[mekado] – mercado) ou semivocalização (ex: [kayne] –
3:1-4:0 anos carne; [kaloy] – calor);
• Léxico: entre 500 e 1000 palavras;
• Aumento de significado de nomes, verbos e
adjetivos, entre eles: palavras que significam
sentimentos (medo, triste, alegre), partes do corpo (pelo
menos 6), termos de comparação (igual/diferente).
Muito frequentes todos os tipos de desvios semânticos
(ex.: “o lobo soprou grande” – forte);
• Adquire preposição “em”, “sobre” indicando lugar, “com”
indicando acompanhamento;
• Faz referência a diversos advérbios de lugar (em cima/
embaixo, atrás/na frente, dentro/fora, perto/longe),
mas erra ao distinguir os opostos. Usa e compreende
os advérbios de tempo “agora/depois”, mas utiliza os
outros advérbios de forma instável (ex.: “agora eu vou
dormir” “depois eu vou brincar”);
• Compreende duas ordens não relacionadas (ex.: “fecha
o armário e traz a bola);
• Compreende e responde verbalmente perguntas com
os pronomes “como” e “quando” (ex.: “como faz para
tomar banho?”);

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• Pede, protesta, nomeia, faz perguntas sobre referentes
ausentes, usa expressões sociais para interagir. Função
predominante: informativa;
• Relata experiências imediatas, ou seja, aquelas que
estão ocorrendo no momento em que a questão é feita.
Na narrativa de histórias, há dificuldades em manter a
coerência e coesão, omite elementos secundários, insere
3:1-4:0 anos fatos não verdadeiros. Fase da narrativa primitiva;
• Quanto as habilidades conversacionais, os turnos são
inteligíveis e coerentes com o turno anterior. Mais
mantêm do que iniciam, apresentam mais turnos
simples do que expansivos (turnos com mais de uma
oração, com mais informação do que o necessário, para
não interromper a conversação). Se não entendidas, não
se autocorrigem, repetem exatamente o que disseram.

• Aos 4:6 anos ocorre a eliminação dos processos de


posteriorização para palatal (ex.: [∫apo] – sapo; [me∫a] –
mesa), anteriorização de palatal (ex.: [sapéw] – chapéu;
[zelo] – gelo) e simplificação de liquida lateral /r/ seja
por redução (ex: [kaeta] – careta), substituição (ex.:
[molãgo] – morango) ou semivocalização (ex.: [peya] –
pera);
• Aos 5 anos desaparecem: Simplificação de grupo
consonantal, especificamente redução (ex.: [peto] –
preto; [buza] – blusa);
• Léxico: entre 1500 e 3000 palavras;
• Aumento significativo dos significados de nomes, verbos
e adjetivos. Os desvios semânticos diminuem, mas
4:1-6:0 anos ainda são observados, sendo comuns a superextensão
(ex.: “esse vestido está pequeno aqui” (referindo-se ao
comprimento – curto.)) e a relação por contiguidade;
• Usa e compreende vários pronomes indefinidos: outro,
ninguém, alguém (ex.: “alguém fez essa sujeira aí e não
fui eu”);
• Obedece uma sequência de três ordens (ex.: “pegue a
bola, coloque sobre a cadeira e me traga o caminhão”);
• Narra uma história conhecida sem ajuda do outro ou
de figuras. Os elementos coesivos na narração ainda
são falhos;
• Passa a haver um equilíbrio maior entre manter
e iniciar a conversação e entre turnos simples e
expansivos.

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• Uso de período simples e compostos, incluindo
subordinados com “pois” e “para que” (ex.: “Vamos
desenhar esse, pois é o mais bonito!”);
• Uso de tempos verbais: pretérito mais que perfeito e
condicional (ex.: “Eu já tinha feito esse desenho antes
de você chegar”);
• Uso correto dos verbos irregulares mais utilizados;
• Até os 5:6 desaparecem: Simplificação de grupo
consonantal, silabificações (ex.: [tarator] – trator; [folor]
– flor; [plego] – prego) e substituições (ex.: [bisikreta] –
bicicleta; [brusa] – blusa);
• Aos 6:0 eventualmente pode ainda aparecer: Omissão
de silaba átona em palavras polissílabas com mais de
cinco silabas (ex.: [lidifikador] – liquidificador); Migração
de grupo consonantal e de consoante final (liquida final)
(ex.: [trige] – tigre; [pegro] – prego; [kardeno] – caderno);
• Léxico: em torno de 6.000 palavras;
• Aumento do significado lexical de nomes, verbos e
adjetivos;
4:1-6 anos
• Usa e compreende os advérbios/preposições de lugar
por oposição (em cima/embaixo; dentro/fora; atrás/na
frente/do lado; perto/longe). Domina termos opostos
como “alguns/muitos”; “mais/menos”. Os advérbios de
tempo ainda podem ser usados de forma instável, mas
estão frequentemente presentes no vocabulário da
criança (ex.: “ontem eu fui ao circo”);
• Faz perguntas sobre o tempo (ex.: “quando vai chegar o
natal?”);
• Descreve um objeto ou local. Demonstra habilidades
metalinguísticas (define palavras, pergunta o significado
delas, identifica e faz rimas);
• Ao narrar, mantém a organização temporal dos fatos,
mesmo omitindo alguns fatos secundários, que não
prejudicam o entendimento da narrativa. Não insere
mais fatos não verdadeiros só para manter a narrativa:
se não lembra, diz que não lembra;
• Conversa com mais de um interlocutor ao mesmo
tempo sobre referentes ausentes e abstratos, com
turnos expansivos.

Fonte: Adaptada de ALEXANDRE et al., 2020

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MATERIAL COMPLEMENTAR

Vídeos

Aquisição da Linguagem I
https://youtu.be/R9YNWAdgQo4

Aquisição da Linguagem II
https://youtu.be/E-x0rZJrtjY

A Aquisição da Linguagem e a Alteridade em Debate


https://youtu.be/XgK1asrbOac

O Estudo da Linguagem em Psicologia


https://youtu.be/kizlUXMPKX0

Leituras

Banco de Dados do Projeto Aquisição da Linguagem Oral – CEDAE/


IEL – UNICAMP
https://bit.ly/47yjFy6

A Infância e a Aquisição de Linguagem


https://bit.ly/3sl0KXe
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, D. S. et al. Validação de cartilha sobre marcos do desenvolvimento da


linguagem na infância. Revista CEFAC, v. 22, 2020. Acesso em: 18/04/2023.

BLANCO-DUTRA, A. P.; SCHERER, A. P, R.; BRISOLARA, L. B. Consciência fonológica e


aquisição de língua materna. In: LAMPRECHT, R. R. et al. Consciência dos sons da lín-
gua. Porto Alegre: Edipucrs, 2012, p. 75-91.

DELAHAIE, M. L’évolution du langage de l’enfant: de la difficulté au trouble. Guide res-


sources pour les professionnels. Saint-Denis: Inpes, 2009.

DIAS. C. Est-ética da fala: o equívoco em julgamento. Tese (Doutorado em Linguísti-


ca) – Instituto de Estudos da Linguagem (IEL-UNICAMP), Campinas-SP, 2015.

DIAS, C. E. B. Est-ética da fala: o equívoco em julgamento. Tese de doutorado. IEL/


UNICAMP, 2015.

SALAZAR, O. A. Approches théoriques actuelles de l’acquisition du langage. In KERN, S. Le


développement du langage chez le jeune enfant. Louvain-la Neuve: De Boeck, 13-51.

SANTANA, A. P. Idade Crítica para aquisição da linguagem. São Paulo: Distúrbios da


Comunicação, v. 16, n. 3, 2004. p. 343- 354.

SCARPA, E. M. Aquisição da linguagem. In: MUSSELIN, F.; BENTES, A. C. Introdução à


linguística: domínios e fronteiras. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. p. 203- 232.

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