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FONÉTICA E

FONOLOGIA DA
LÍNGUA PORTUGUESA

Aline Azeredo Bizello


Processos e regras
fonológicas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Resumir as contribuições dos estudos sobre a evolução da língua


(sincrônica e diacronicamente).
 Identificar os processos fonológicos.
 Determinar a formulação de uma regra fonológica a partir da ocor-
rência de um processo fonológico.

Introdução
Será que os aspectos fonológicos da língua também seguem al-
guma regra? Que processos estão envolvidos com as pronúncias?
Analisar os processos fonológicos a partir da abordagem histórica é
uma forma interessante de compreender a evolução da língua e seus
desdobramentos.
Neste capítulo, você estudará as contribuições dos estudos sobre a
evolução da língua (sincrônica e diacronicamente), os processos fono-
lógicos, bem como a formulação de uma regra fonológica a partir da
ocorrência de um processo fonológico.

As contribuições dos estudos sobre


a evolução da língua
A língua é um sistema vivo, logo, sofre modificações constantemente. Para
analisar essas mudanças, é preciso recorrer a duas abordagens: sincrônica e
diacrônica.
2 Processos e regras fonológicas

Para Saussure (1970), a sincronia é uma abordagem de um dado momento dos fatos
da língua, já a diacronia se refere à sucessão dos fatos da língua.

A maior parte dos estudos linguísticos utiliza a perspectiva sincrônica.


Isso se deve, em parte, à própria concepção de linguagem, que destaca a fala,
devido a esta imprimir com mais evidência as diferenças linguísticas. No
Brasil, por exemplo, há primazia da fala sobre a escrita. Parte dessa primazia
se deve às postulações de Saussure, pois, para ele, o aspecto sincrônico é a
única e verdadeira realidade para o falante.

Saussure discutiu também os problemas diacrônicos na obra Curso de Linguística Geral,


publicada em 1922.

Além disso, para se realizar um estudo na ótica diacrônica, seria preciso


investigar os textos escritos e literários, porém esses registros da língua sempre
foram vistos como material a ser cuidado e como modelo de comunicação,
de modo que os pesquisadores resguardavam esses materiais e deixavam a
análise diacrônica em segundo plano. No entanto, embora o falante não tenha
consciência de que a língua muda — não tenha consciência histórica —, é
possível que os estudiosos se dediquem a analisar a língua como um objeto
variável no tempo, no espaço e na sociedade.
No início do século XIX, surge, então, a filologia: ciência que estuda, de
forma rigorosa, os documentos escritos antigos. Quando houve um aumento
no interesse de estudar línguas diferentes e compará-las, a filologia passou
também a estudar cientificamente o desenvolvimento da família de línguas
e, como consequência, de uma língua específica. Os documentos escritos são
o objeto de análise desses estudos.
Assim, a dimensão histórica passou a ganhar prestígio e a receber credibili-
dade científica. Nessa abordagem, desenvolveu-se uma metodologia chamada
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método histórico comparativo. Mattoso Câmara (1975) informa que muitos


pesquisadores se tornaram adeptos desse método, com o intuito de pesquisar
as línguas indo-europeias.
Um dos ganhos desse método foi a constatação da importância da fono-
logia e da imutabilidade e da universalidade das leis fonéticas. No entanto,
o destaque recebido por esses estudiosos levou a uma tensão entre as pers-
pectivas diacrônica e sincrônica. O início do século XX foi marcado por
esse conflito, que provocou uma cisão: de um lado, a sincronia, aliada ao
fato estático; de outro, a diacronia, aliada ao fato mutante. Os pesquisadores
que optaram pela abordagem diacrônica foram chamados pelos rivais de
neogramáticos.
O movimento dos neogramáticos gerou novas contribuições ao estudo e à
compreensão da linguagem por meio da abordagem histórica. Seus representantes
acreditavam que o estudo científico da língua somente existia se fosse feito por
meio de uma pesquisa histórica, e ideias positivistas e evolucionistas influenciaram
suas pesquisas. Assim, consideravam as forças fisiológicas e psíquicas como
propulsoras de mudanças fonéticas. Isto é, as leis fonéticas não tinham exceções:
todas as mudanças linguísticas eram vistas como empréstimos ou analogias.
Alguns linguistas reagiram a esse rigor e afirmaram que as mudanças
ocorrem de forma gradual e diferenciada em cada espaço geográfico, em cada
nível de escolaridade, em cada faixa etária, etc. Essa rigidez metodológica
provavelmente contribuiu para o desenvolvimento da linguística histórica.
Esta passou a se interessar não só pela escrita, mas também pela fala, o que
oportunizou que observações fonéticas fossem realizadas. Aliás, as pesquisas
sobre o sânscrito também contribuíram para essas observações.
Saussure, embora herdeiro dos neogramáticos, prioriza, em seu livro
Curso de Linguística Geral (1970), a vertente sincrônica. Essa escolha meto-
dológica permitiu que o estudioso analisasse as relações entre os elementos
do sistema e os descrevesse. Isso só foi possível porque Saussure observou
a língua em um espaço de tempo determinado, em que poucas mudanças
poderiam ser constatadas. Essa decisão, portanto, revela a importância
dos estudos sincrônicos, mas não ignora os diacrônicos. Além disso, esse
destaque para a análise da língua em um determinado tempo favoreceu as
descrições linguísticas, demonstrando que Saussure considerava fundamen-
tais as duas abordagens e que ele tinha consciência dos aspectos mutáveis
da língua. Seus estudos contribuíram com a descrição da gramática de uma
língua e o estabelecimento de princípios fundamentais, que são: relações
entre significante e significado e relações entre um signo linguístico e os
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demais signos no sistema. Essas relações ocorrem tanto no eixo sintagmático


quanto no paradigmático. De acordo com Virginia Sita Farias (2007, p. 51):

O estudo sincrônico foi, pois, o método escolhido por Saussure para lidar com
as relações no sistema, já que determinar o valor assumido pelas “peças” no
jogo somente é possível através da apreensão de um momento específico no
mesmo. Esse método serviu muito bem aos propósitos de Saussure, o que, no
entanto, não o impedia de enxergar a sincronia como uma abstração teórica que,
embora necessária, implica, em certa medida, renunciar a precisão da análise.

Saussure corrobora o pensamento de que o estudo diacrônico tem princípio


apenas na fala. Para ele, as modificações da língua estão essencialmente na fala
e, como nem todas essas modificações têm êxito, não devem ser consideradas
para se estudar a língua. Para ilustrar esse pensamento, Saussure elaborou
a metáfora do jogo de xadrez: o que realmente interessa são as regras que
determinam os movimentos das peças. Dessa forma, imprime-se a noção de
valor: tudo se constitui dentro do próprio sistema, isto é, nada depende das
situações externas à língua. Com isso, valorizou-se o estudo da linguagem e
estabeleceu-se uma oposição rígida entre langue (língua – sistema) e parole
(fala – uso). Saussure valorizou o estudo exclusivo da langue e, nesse sentido,
demonstrou a importância dos estudos sincrônicos em oposição aos diacrôni-
cos. Segundo Lúcia Cyranka (2014, documento on-line), para Saussure, “[...] a
língua é pura forma e como tal deve ser estudada, adotando-se o princípio de
que as formas que articulam os sons (significante) e os sentidos (significado)
são arbitrárias em todas as línguas”. O modelo estruturalista proposto por
Saussure favoreceu uma guinada nos estudos linguísticos, que passaram a
ter uma base verdadeiramente científica.
A separação entre sincronia e diacronia se manteve até a segunda metade
do século XX. No Brasil, a linguística histórica renasceu apenas na década
de 1980, pois os estudos da história da língua portuguesa costumavam apenas
registrar os fatos linguísticos passados. Entretanto, a partir de 1980, buscou-se
descrever esses fatos como parte de um sistema linguístico, a fim de explicá-
-los. O grande desafio passou a ser, portanto, ter acesso a esses fatos, já que,
no Brasil, pouco se pesquisou sobre a língua ao longo do tempo.
De qualquer maneira, é preciso unir as duas abordagens, de forma a obter
as vantagens que cada uma delas proporciona aos estudos sobre a evolução
da língua. Observe um exemplo prático: o falante pode não ter consciência
histórica, porém, se estiver diante de um texto escrito por Camões no século
XVI, reconhecerá que a língua utilizada é a portuguesa. Essa identificação
o levará também à percepção de que há muitas diferenças entre aquela lín-
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gua utilizada pelo escritor português e a utilizada pelos brasileiros nos dias
atuais. Assim, qualquer falante de português pode ter consciência do aspecto
temporal da sua língua. Essa consciência requer que o pesquisador enxergue a
língua como um objeto sistematicamente heterogêneo, pois, assim, ele poderá
analisá-la no tempo aparente e na sua sucessão.
Em uma análise que aborde a língua sob as duas perspectivas (diacrônica e
sincrônica), fica evidente que as modificações ocorrem também com os fonemas.
Essas alterações constituem os processos fonológicos, assunto da próxima seção.

Processos fonológicos
A língua pode sofrer alterações, as quais podem ser percebidas tanto do ponto
de vista sincrônico quanto do diacrônico. Essas alterações ocorrem nos sons
das formas básicas dos morfemas e são explicadas por meio de regras que
caracterizam os processos fonológicos. No português do Brasil, observam-se
variados processos fonológicos segmentais. Cagliari (2002) apresenta e explica
alguns deles em seu livro Análise fonológica.
A assimilação caracteriza-se pelo processo de semelhança pelo qual um
som pode passar quando está próximo a outro. Por exemplo, uma consoante
velar pode se tornar palatal diante de uma vogal fechada. Veja alguns exemplos:

Queijo: kˈejʒu /k/ velar se torna palatal diante de /e/ e /i/

Super amigo: supˈeʁ amˈiɡu Diante de uma vogal, a vibrante vira tepe

Vostra/vossa: vˈɔʃtɾa; vˈɔsa Assimilação progressiva do /t/

Persona/pessoa: peʁsˈona; pesˈoa Assimilação regressiva do /r/

Observe que, no quadro anterior, há exemplos de assimilação em que as


palavras sofreram alterações definitivas: não se usam mais vostra e persona,
e sim vossa e pessoa.
A desassimilação é um fenômeno que ocorre com características contrárias
à assimilação: um fone perde um ou mais traços para se distinguir de outro
fone próximo a ele. Veja um exemplo:

Voo: vow As vogais que formam o hiato se unem, formando um ditongo

A inserção ou epêntese ocorre quando há um acréscimo de um fonema


à estrutura silábica. Cagliari (2002) ilustra esse caso com situações em que
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uma vogal acentuada é seguida de uma fricativa alveolar surda, como ocorre
com o pronome “nós”. Para o estudioso, essa condição favorece o surgimento
de uma vogal extra: “nóis”. Observe outros exemplos:

três treis

mês meis

rapaz rapaiz

arroz arroiz

digno diguino

advocacia adivocacia

Alguns verbos terminados em “ear” também sofrem epêntese: passear/passeiar.

Quando há supressão de um segmento da forma básica de um morfema,


diz-se que há um processo de eliminação, ou queda, ou apagamento ou
truncamento. Esse é o caso dos seguintes vocábulos:

está tá

arrancar rancar

maior mor
 Altar-mor; sargento-mor
 Por mor de Deus — em vez de amor

chácara chacra

xícara xicra

olhar olha

touca toca

Observe que os verbos estar e olhar sofrem eliminação na fala em situações


informais. As palavras chácara e xícara passam por queda em comunidades
linguísticas específicas, em situações sociais também determinadas.
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A comutação ou metátese caracteriza-se pela troca de posição de um


segmento dentro de morfemas. Observe:

dentro drento

pirulito pilurito

capacete pacacete

lagarto largato

caderneta cardeneta

Um processo semelhante ao da comutação é a reestruturação silábica, em


que ocorre uma alteração na distribuição das consoantes e das vogais: elas são
inseridas ou eliminadas. A palavra livro, por exemplo, pode ser pronunciada
por alguns falantes sem o fonema /r/.
Há também o processo de enfraquecimento ou redução. Cagliari (2002)
explica esse fenômeno, salientando que há articulações fonéticas consideradas
mais frouxas ou de menor esforço. O autor exemplifica mencionando a troca
de um fonema bilabial oclusivo [b] por uma bilabial fricativa [B] em início
de vocábulo, como na palavra burro: βurw.
O fenômeno com características contrárias ao enfraquecimento é chamado
de fortalecimento ou reforço. Cagliari (2002) exemplifica-o com os casos em
que uma fricativa se torna uma oclusiva e que uma vogal se torna consoante.
Na evolução histórica, também houve fortalecimento de alguns fonemas:

acutu → agudo; aurifice → ourives; acetu → azedo.

Há, ainda, o processo de neutralização, em que segmentos se fundem em


um ambiente específico. Em geral, esse processo se dá quando vogais não
acentuadas ocorrem no final da palavra. Assim, vocábulos como júri e jure
acabam recebendo a mesma pronúncia, por exemplo.
A palatalização ocorre quando “[...] um segmento torna-se palatal ou
mais semelhante a um som palatal ao adquirir uma articulação secundária
palatalizada [...]” (CAGLIARI, 2002, p. 102). Observe:

tia tᶴ ia

dia dᴣia
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O processo de labialização ocorre quando uma articulação secundária de


arredondamento é acrescentada à articulação primária, ou, ainda, quando há
a troca de um segmento não labial por outro labial. Esse é o caso da palavra
osso: [osᵂᵁ]. Em palavras como “comer”, as consoantes seguidas de /o/ ou /u/
já são pronunciadas de forma mais arredondada, pois os lábios se preparam
para articular os fonemas dessas vogais.
O processo de retroflexão associa-se à soma de uma articulação secundária
à articulação primária de um segmento. Veja o exemplo:

Porta: pˈɔrta ; pˈɔʁta tepe para retroflexa

De acordo com Dubois et al. (1999, p. 522), um fonema retroflexo “[...] é aquele cuja
articulação implica à elevação do reverso da ponta da língua em direção ao palato”.

A harmonização vocálica ocorre quando as vogais se tornam semelhantes


por algum motivo morfológico. Há, ainda, redução vocálica, pois ocorre o
enfraquecimento de uma vogal em posição átona.
Sândi é a mudança fonética que um segmento sofre quando estiver em final
de palavra ou em final de morfema, no interior de um vocábulo, por influência do
contexto fonético próximo. Exemplo: com a gente transforma-se em “cua genti”.
Como visto, os processos fonológicos são representações do conhecimento
dos falantes sobre a língua, isto é, eles revelam a criatividade linguística dos
falantes, que conseguem construir algo novo a partir de regras utilizadas pela
comunidade linguística da qual fazem parte. Essas regras, tema da próxima
seção, orientam as criações linguísticas e seus processos fonológicos.

Regras fonológicas
A fonologia de uma língua específica é composta de representações subjacentes
(do nível da competência) que expressam o conhecimento linguístico dos
falantes. Com essas representações, é possível prever regras de uso da língua
por esses falantes, as quais definem como essas representações emergem na
superfície, ou seja, qual sua saída fonética.
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Os processos fonológicos são resultado da aplicação de uma regra que altera


a representação subjacente. Assim, é papel da fonologia definir os tipos de
regras possíveis, determinar as condições de aplicação das regras e oferecer
mecanismos para selecionar as melhores hipóteses. Cagliari (2002, p. 99)
afirma que “[...] as alterações sonoras que ocorrem nas formas básicas dos
morfemas, ao se realizarem foneticamente, são explicadas através de regras
que caracterizam processos fonológicos”. A seguir, são explicadas as regras
que dão base aos processos fonológicos.
O processo de assimilação associa-se à seguinte regra: a consoante
mais posterior adquire uma propriedade fonética que não tinha, tornando-
-se menos posterior (Figura 1). A palavra bravo, por exemplo, ganhou um
correspondente no Brasil: brabo. Isso se deve à assimilação do único traço
sonoro que diferenciava /v/ e /b/. A proximidade do fonema /b/ levou a
palavra ao fenômeno da assimilação. Outro exemplo é a troca do fonema
/a/ por /o/ na palavra vamos. O uso de “vomos” se deve à assimilação de um
som mais arredondado e posterior.

Figura 1. C, consoante.
Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

Já a regra que sustenta o processo de desassimilação é que a segunda


vogal menos posterior se transforma em menos silábica, mais alta, menos
posterior e mais arredondada (Figura 2). Essa é a condição para a criação de
um ditongo nessas situações, como ocorre com o verbo doar conjugado na
primeira pessoa do presente do indicativo: eu doo.

Figura 2. V, vogal.
Fonte: Cagliari (2002, p. 99).
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Na inserção ou epêntese, um elemento inexistente é criado como menos


silábico, menos consonantal, mais alto, menos posterior e menos arredondado,
desde que haja, antes, uma vogal com mais acento e, depois, um elemento
menos sonoro, mais consonantal, mais contínuo e mais estridente (Figura 3).
Esse é o caso da palavra rapaz. O surgimento de uma vogal (rapaiz) ocorre
porque o fonema /a/ é mais acentuado do que /i/ e porque /z/ é um fone mais
surdo, consonantal e contínuo.

Figura 3. Ø, nada.
Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

A regra para eliminação é que o fonema final seja átono e esteja depois de um
som africado palatoalveolar (Figura 4). Analise a palavra pote: o fonema final,
/e/, sofre apagamento, pois antes dele há um fonema africado palatoalveolar, tʃ.

Figura 4. Regra para eliminação.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

Na comutação, fonemas semelhantes da mesma palavra trocam de lugar.


No vocábulo pirulito, os fonemas /r/ e /l/ têm características fonéticas seme-
lhantes: são sonoros e alveolares.
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Para ocorrer enfraquecimento, o fonema reduzido deve ter as seguintes


características: ser mais consonantal, menos silábico, mais anterior, mais sonoro
e menos contínuo, além de estar posicionado antes de uma vogal (Figura 5).
É o caso do fonema /b/ da palavra burro.

Figura 5. Regra para enfraquecimento.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

A regra para a palatalização sustenta que o fonema deve ter as seguin-


tes características: mais consonantal, menos silábico, menos alto, menos
estridente e menos palatalizado (Figura 6). Esse fonema se transforma,
então, em algo mais consonantal, menos silábico, mais alto, mais estridente
e mais palatalizado. Para tanto, deve estar na frente de um fonema menos
consonantal, mais silábico, mais alto, menos posterior, menos arredondado
e mais anterior. Observe que, na palavra dia, o fonema /a/ forma sílaba so-
zinho, é alto e não arredondado, logo, cria as condições para a palatalização
do fonema anterior.

Figura 6. Regra para palatalização.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).
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Para ocorrer labialização, a consoante deve estar entre duas vogais arre-
dondadas (Figura 7). Isso é o que ocorre com a palavra osso, por exemplo.

Figura 7. Regra para labialização.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

Para que a consoante líquida não lateral se altere para uma retroflexa, é
necessário o acréscimo de uma articulação secundária à primária (Figura 8).
Essa regra se refere ao processo de retroflexão e sustenta o chamado r caipira
brasileiro.

Figura 8. Regra retroflexa.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

A harmonização vocálica depende da presença de uma vogal que tenha


o mesmo valor em todas as ocorrências (Figura 9). Um exemplo é o verbo
[de'ver] dever, que é pronunciado na terceira pessoa como [di'via].
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Figura 9. Regra para harmonização vocálica.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

Para sândi, há duas regras, como mostra a Figura 10.

Figura 10. Regra para sândi.


Fonte: Cagliari (2002, p. 99).

A regra 1 refere-se ao sândi que ocorre no interior do vocábulo. Exemplos


são os radicais cre- (de “crer”) e le- (de “ler”), que, em contato com a desinência
verbal -o, provocam o surgimento de um i eufônico para desfazer o hiato:
creio e leio. Um exemplo da regra 2 é a expressão “vim aqui” (/vĩ/ + /a´ki/),
que resulta em “vinhaqui” (/viña´ki ).
Em síntese, os processos fonológicos são embasados por regras que cons-
tituem os processos dos sons de uma língua. Portanto, são fundamentais para
que se compreenda a evolução da língua.
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CAGLIARI, L. C. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática com especial destaque


ao modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002.
CYRANKA, L. F. M. Evolução dos estudos linguísticos. Revista Práticas de Linguagem.
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DUBOIS, J. et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1999.
FARIAS, V. S. A concepção sincrônica de língua e sua limitação em relação ao tratamento
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MATTOSO CÂMARA Jr. História e Estrutura da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão,
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SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1970.

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