Você está na página 1de 16

FONÉTICA E

FONOLOGIA DO
PORTUGUÊS

Julio Cesar
Cavalcanti
Revisão técnica:
Talita da Silva Campos
Mestre em Linguística
Especialista em Língua Portuguesa

C376f Cavalcanti, Julio Cesar.


Fonética e fonologia do português / Julio Cesar
Cavalcanti ; [revisão técnica: Talita da Silva Campos]. –
Porto Alegre : SAGAH, 2017.
112 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-164-8

1. Fonética. 2. Fonologia. 3. Língua Portuguesa. I.


Título.

CDU 81’34

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094

2717_Fonetica_book.indb 2 14/09/2017 10:00:24


UNIDADE 2
Alfabeto fonético e
transcrição fonética
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer os preceitos da transcrição fonética.


 Interpretar as tabelas fonéticas consonantal e vocálica.
 Aplicar os princípios da transcrição fonética.

Introdução
O alfabeto e o sistema de escrita ortográfica, conforme o conhecemos
e aprendemos desde muito cedo, permitem que falantes de diferentes
regiões dentro de um mesmo país, ou até mesmo de países diferentes
nos quais se falam a mesma língua, possam se expressar por meio da
modalidade escrita da língua sem grandes confusões de sentido. Essa
uniformização, necessária e inevitável, é a solução mais inteligente con-
cebida pelo homem para facilitar a disseminação da informação e do co-
nhecimento, evitando que o modo como se fala comprometa o conteúdo
veiculado. Você já imaginou como seria se em cada estado brasileiro os
falantes escrevessem exatamente da forma como falam? Certamente a
efetividade da comunicação seria comprometida. Documentos oficiais
perderiam o seu caráter de uniformidade, livros didáticos teriam de sofrer
sérias adequações e até mesmo informações técnicas, como a descrição
de um medicamento (a bula), por exemplo, necessitariam de cuidados
redobrados quando postos à leitura.
A despeito da importância inegável do sistema de escrita orto-
gráfica, existem tarefas para as quais a descrição criteriosa da forma
como um sujeito realiza a produção de um determinado som é
de extrema importância, como no caso da descrição de uma lín-

U2C3_Fonetica.indd 37 11/09/2017 18:20:05


38 Alfabeto fonético e transcrição fonética

gua desconhecida, por exemplo, na análise das patologias de fala


e no processo de ensino e aprendizagem de uma novo idioma.
Neste capítulo, você vai conhecer o alfabeto fonético e os princípios da
transcrição fonética, os quais consideram a materialidade da fala na sua
exata forma de expressão.

Princípios para a transcrição fonética


A transcrição fonética obedece a uma convenção, segundo a qual o que
ouvimos é representado em termos de segmentos chamados de consoantes ou
vogais. Os foneticistas não usam os dados de línguas particulares para definir
o valor dos segmentos, como o fazem os fonólogos, mas as possibilidades
articulatórias do aparelho fonador humano. Assim, qualquer som que pode ser
um fonema ou um alofone em uma língua será representado por um símbolo
específico (MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012).

É bastante comum as pessoas se perguntarem por que usar, para representar os sons
nos estudos de fonética, um alfabeto diferente do alfabeto que usamos para escrever.
A razão é simples: uma vez que a fonética lida com a substância da expressão (o som),
deve-se tentar registrá-la o mais fielmente possível. São várias as motivações para
utilizarmos um alfabeto diferente do alfabeto ortográfico (SOUZA; SANTOS, 2016).

Em nenhuma língua do mundo a ortografia é representada exclusivamente


de forma fonética, por isso é sempre difícil fazer a representação gráfica dos
fonemas (CARDOSO, 2009). Qualquer pessoa já se deparou com problemas
ortográficos do tipo: tal palavra é escrita com essa ou aquela letra? Crianças
em fases iniciais de aprendizagem da grafia não sabem ao certo quando usar
‘ch’ ou ‘x’, ‘s’ ou ‘z’ para escrever determinadas palavras (essa dúvida ocorre
até mesmo por parte de sujeitos alfabetizados). Isso ocorre porque, na orto-
grafia, um som não necessariamente corresponde a uma letra. A letra ‘x’, por
exemplo, tem diferentes pronúncias (exame, xícara), e o ‘s’ pode assumir um
som diferente como em sapo ou em asa. Por outro lado, assim como temos

U2C3_Fonetica.indd 38 11/09/2017 18:20:05


Alfabeto fonético e transcrição fonética 39

uma letra que corresponde a mais de um som, um som pode corresponder a


mais de uma letra (por exemplo, ‘nh’, ‘lh’, ‘ch’). Temos também casos em que
se utilizam letras que não têm correspondente sonoro algum (como no caso
do ‘h’ em hospital) (SOUZA; SANTOS, 2016).
Outra razão para a utilização de um alfabeto fonético é que, ao operar com
a substância da expressão, você tem que tentar ser o mais fiel possível a essa
realidade. O alfabeto ortográfico já é uma abstração. Ninguém escreve como
fala. A palavra “porta”, por exemplo, é grafada igualmente por falantes de todo
o Brasil; no entanto, cada um pronuncia esse ‘r’ de maneira diferente. Essa
abstração é importante para a uniformização e o entendimento (a veiculação do
conteúdo), mas, se a preocupação é com a forma de falar (expressão), deve-se
tentar identificar cada som exatamente do modo como é produzido (SOUZA;
SANTOS, 2016). Dizemos que deve haver uma representação biunívoca,
isto é, cada fonema deve corresponder a apenas um símbolo, e um símbolo
corresponde apenas a um fonema (CARDOSO, 2009).
É por isso que fazemos uso de um alfabeto fonético, que visa representar
mais precisamente cada som da fala. Por exemplo, quando produzimos a palavra
“ovo”, a segunda vogal não é igual à primeira, assemelha-se a um [u], o qual
também não é como a primeira vogal de “uva”. Essa segunda vogal de ovo é
mais central do que a vogal [u] e um pouco mais alta do que a vogal [o]. Há
um símbolo fonético exclusivo para descrever esse som: [ʊ]. A mesma coisa
ocorre, por exemplo, com a segunda vogal de “sete”. Ela não é baixa como
um [e] nem é tão alta e anterior como um [i], o seu símbolo é o [I]. (SOUZA;
SANTOS, 2016).

Historicamente, foram conhecidos vários sistemas de transcrição fonética. Hoje, o


mais difundido é o da Associação Internacional de Fonética, conhecida como IPA
(International Phonetic Alphabet). Esse alfabeto já existe há cem anos e foi recente-
mente reformulado em alguns aspectos menos importantes. Um outro sistema é o
SIL (Summer Institute of Linguistics), difundido por Keneth Lee Pike e muito usado na
transcrição de línguas indígenas. Hoje, esse alfabeto está cedendo lugar para o IPA
(MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012).

U2C3_Fonetica.indd 39 11/09/2017 18:20:05


40 Alfabeto fonético e transcrição fonética

Na Figura 1, apresentamos a tabela fonética proposta pela Associação


Internacional de Fonética. Essa tabela propõe símbolos para transcrever qual-
quer som possível de ocorrer nas línguas naturais. A partir dos parâmetros
articulatórios que caracterizam a produção de cada som, somos capazes de
inferir e até mesmo pronunciar os segmentos listados, ao menos aqueles
pertencentes ao português.

Figura 1. O alfabeto internacional de fonética (revisado em 1993, atualizado em 1996).


Fonte: Silva (2003, p. 41).

U2C3_Fonetica.indd 40 11/09/2017 18:20:06


U2C3_Fonetica.indd 41
Figura 1. O alfabeto internacional de fonética (revisado em 1993, atualizado em 1996). (Continuação)
Fonte: Silva (2003, p. 41).
Alfabeto fonético e transcrição fonética
41

11/09/2017 18:20:06
42 Alfabeto fonético e transcrição fonética

No que diz respeito às consoantes, observe que, no eixo horizontal, a tabela


classifica os segmentos em termos de lugar de articulação, enquanto que, no
eixo vertical, classificam-se os segmentos em termos de modo de articulação.
Quando os segmentos são apresentados em pares dentro da mesma categoria,
teremos sempre um segmento desvozeado à esquerda e o vozeado à direita.
Nos quadros vazios, nos quais não se observa nenhum símbolo, considera-se
improvável a articulação pelo aparelho fonador humano.
Tratando-se de vogais, temos, no eixo horizontal da tabela fonética vocálica,
o parâmetro anterioridade/posterioridade, e, no eixo vertical, a altura ou
grau de abertura. Quando os símbolos aparecem em pares, o segmento da es-
querda representa a vogal não arredondada e o da direita, a vogal arredondada.
Como referido por Silva (2003), segmentos consonantais podem ser pro-
duzidos com uma propriedade articulatória secundária em relação às pro-
priedades articulatórias fundamentais desse segmento. Por exemplo, quando
pronunciamos uma sequência como “su” certamente arredondamos os lábios
durante a articulação da consoante “s”. Uma vez que a articulação de seg-
mentos consonantais normalmente não envolve o arredondamento dos lábios,
dizemos que a labialização é uma propriedade articulatória secundária da
consoante em questão. Propriedades articulatórias secundárias geralmente
ocorrem de acordo com o contexto ou ambiente, ou seja, a partir de efeitos
de segmentos adjacentes.
Para marcar uma propriedade articulatória secundária, utilizamos um
diacrítico ou símbolo adicional junto à consoante em questão (SILVA, 2003).
Os diacríticos servem também para marcar outros fenômenos envolvidos na
produção de fones. Por exemplo, quando sussurramos uma palavra como
tendência, o [d], que é sonoro, é produzido como desvozeado nesse contexto.
Para marcar esse desvozeamento, usa-se o diacrítico [ ̥ ] junto com o símbolo
[d], temos então [d̥ ] (SOUZA; SANTOS, 2016).

U2C3_Fonetica.indd 42 11/09/2017 18:20:06


Alfabeto fonético e transcrição fonética 43

A partir da tabela fonética apresentada na Figura 1, que explicita e classifica os diferentes


tipos de segmentos com base em correlatos articulatórios e critérios relacionados
à produção, podemos propor a transcrição para algumas palavras do português
brasileiro. O símbolo ( ‘ ) marca, nesses casos, o acento primário das palavras. Veja
alguns exemplos de transcrição fonética para o Português:

Escrita Transcrição
Símbolo Classificação ortográfica fonética

p Oclusiva bilabial desvozeada “pato” [‘patʊ]

b Oclusiva bilabial vozeada “bala” [‘bala]

t Oclusiva alveolar desvozeada “teto” [‘tɛtʊ]

d Oclusiva alveolar vozeada “data” [‘data]

k Oclusiva velar desvozeada “casa” [‘kaza]

g Oclusiva velar vozeada “galo” [‘galʊ]

f Fricativa labiodental desvozeada “faca” [‘faka]

v Fricativa labiodental vozeada “vaca” [‘vaka]

s Fricativa alveolar desvozeada “sala” [‘sala]


“casca” [‘kaska]

z Fricativa alveolar vozeada “zelo” [‘zelʊ]


“casa” [‘kaza]

ʃ Fricativa alveopalatal desvozeada “chá” [‘ʃa]

ʒ Fricativa alveopalatal vozeada “janela” [ʒa’nɛla]

m Nasal bilabial vozeada “mala” [‘mala]

n Nasal alveolar vozeada “nada” [‘nada]

l Lateral alveolar vozeada “lata” [‘lata]


[‘plana]

(Continua)

U2C3_Fonetica.indd 43 11/09/2017 18:20:06


44 Alfabeto fonético e transcrição fonética

(Continuação)

Escrita Transcrição
Símbolo Classificação ortográfica fonética

ʎ Lateral palatal vozeada “malha” [‘maʎa]


ɲ Nasal palatal vozeada “banho” [‘bãɲʊ]
X Fricativa velar desvozeada “rato” [‘Xatʊ]
“amarra” [a’maXa]
“mar” [‘maX]
ɾ Tepe alveolar vozeado “cara” [‘kaɾa]
(vibrante simples) “prata” [‘pɾata]
ř Vibrante alveolar vozeada “rato” [‘řatʊ]
(Vibrante múltipla) “maré” [‘mařɛ]
ɹ Retroflexa alveolar vozeada “par” [‘paɹ]

No português brasileiro, podemos transcrever as palavras “tia” e “dia” de duas diferentes


maneiras, a depender da região a qual o falante pertença. Transcrevemos [‘tia] utilizando
a oclusiva alveolar desvozeada e [‘dia] com a oclusiva alveolar vozeada para a
pronúncia típica de alguns estados do nordeste, como Alagoas, Sergipe, Pernambuco,
Paraíba. Em contrapartida, para representar a pronúncia característica do sudeste
brasileiro, usamos a africada alveopalatal desvozeada [tʃ], como em [‘tʃia], e a
africada alveopalatal vozeada [‘dʒ] em [‘dʒia].
Existem, ainda, algumas variações na pronúncia do “R” para além da diferença típica
existente entre a fricativa velar desvozeada [X] e o “R caipira” [ɹ] (retroflexa alveolar
vozeada), a depender do dialeto do português analisado.
Conforme descrito por Silva (2003), a fricativa velar vozeada [ɣ], pronúncia típica do
dialeto carioca, é produzida com uma fricção audível na região velar. Esse segmento
ocorre em final de sílaba seguida de consoante vozeada, como no caso de “carga”
[‘kaɣga]. Já na fricativa glotal desvozeada [h], pronúncia típica do dialeto de Belo
Horizonte, não ocorre fricção audível no trato vocal. Esse segmento ocorre em início
de sílaba que seja precedida por silêncio e, portanto, encontra-se em início de palavra
(“rata”); em início de sílaba que seja precedida por vogal (“marra”) e em início de sílaba
que seja precedida por consoante (“Israel”). Em alguns dialetos, também pode ocorrer
em final de sílaba, quando seguido por consoante desvozeada (“carta”), e em final de
sílaba que coincide com final de palavra (“mar”). Temos também a fricativa glotal
vozeada [ɦ] (pronúncia típica de Belo Horizonte), na qual também não ocorre fricção
audível no trato vocal. Esse segmento ocorre em final de sílaba seguida de consoante
vozeada, como em “carga” [‘kaɦga] (SILVA, 2003).

U2C3_Fonetica.indd 44 11/09/2017 18:20:07


Alfabeto fonético e transcrição fonética 45

Tipos de transcrição fonética


Existem dois tipos básicos de transcrições fonéticas que podem ser assumidas:
a transcrição fonética ampla e transcrição fonética restrita. Ao transcrevermos
foneticamente uma palavra como “quilo” podemos, por exemplo, registrá-la
como [‘kʲilʷʊ] ou como [‘kilʊ]. A transcrição [‘kʲilʷʊ] explicita todos os detalhes
observados articulatoriamente (incluindo as articulações secundárias). Esse tipo
de transcrição é denominado transcrição fonética restrita. Observe que, na
transcrição [‘kʲilʷʊ], explicita-se a palatalização de [k] seguido de [i] e também
a labialização de [1] seguido de [ʊ]. Tanto a palatalização quanto a labializa-
ção são previsíveis pela ocorrência do segmento seguinte (coarticulação por
coprodução): consoantes tendem a ser palatalizadas quando seguidas de [i] e
consoantes tendem a ser labializadas quando seguidas de [u] (SILVA, 2003).
Em contrapartida, a transcrição [‘kilʊ] explicita apenas as propriedades
segmentais e omite os aspectos condicionados por contexto ou características
específicas da língua ou dialeto. Queremos dizer com isso que a palatalização
e labialização não foram registradas em [‘kilʊ] (pois tanto a palatalização
quanto a labialização são previsíveis pela vogal seguinte). No registro do
[1], pode-se interpretá-lo como um segmento alveolar ou dental sem haver a
necessidade de utilizar-se o símbolo [ l̪ ] (para caracterizar a produção na qual
a ponta da língua toca entre os dentes e alvéolos, como fazem os gaúchos).
Isso porque a generalização quanto aos segmentos serem dentalizados deve
ser expressa para a língua como um todo. No caso de a língua fazer distinção
entre segmentos alveolares e dentais, é relevante acrescentar o diacrítico [ l̪
] à transcrição fonética (SILVA, 2003). Dependendo do grau de precisão que
se quer na transcrição fonética, haverá um uso maior ou menor de diacríticos
(MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012).
Denomina-se, dessa forma, transcrição fonética ampla aquela transcrição
que explicita apenas os aspectos que não sejam condicionados por contexto
ou características específicas da língua ou dialeto (SILVA, 2003).
São apresentadas, a seguir, as articulações secundárias dos segmentos conso-
nantais relevantes para a transcrição do português, como descrito por Silva (2003):

Labialização – consiste no arredondameto dos lábios durante a produção de


um segmento consonantal. A consoante que apresenta a propriedade secundária
de labialização é seguida de uma vogal que é produzida com o arredondamento
dos lábios. A labialização geralmente ocorre quando a consoante é seguida de
vogais arredondadas (orais ou nasais) como em “tutu”, “só”, “bolo”, “rum”,
“som”. Utilizamos o símbolo w colocado acima à direita do segmento para

U2C3_Fonetica.indd 45 11/09/2017 18:20:07


46 Alfabeto fonético e transcrição fonética

marcar a labialização: pʷ, bʷ, tʷ, dʷ, kʷ, gʷ, fʷ, vʷ, sʷ, zʷ, ʃʷ, ʒʷ,
Xʷ, hʷ, mʷ, nʷ, lʷ, rʷ, etc. (SILVA, 2003).
Palatalização – consiste no levantamento da língua em direção à parte
posterior do palato duro. Ou seja, a língua direciona-se para uma posição
anterior (mais para a frente da cavidade oral) do que normalmente ocorre
quando se articula um determinado segmento consonantal. A consoante que
apresenta a propriedade secundária de palatalização apresenta um efeito
auditivo de sequência de consoante seguida da vogal “i”. A palatalização
geralmente ocorre quando uma consoante é seguida de vogais anteriores
[i], [e], [ɛ] (orais ou nasais). Ocorre mais frequentemente com consoantes
seguidas da vogal [i] como em “aliado, kilo, guia”. Pode ocorrer também em
consoantes seguidas da vogal [e] como em “letra, leva, tento”. Utiliza-se o
símbolo j colocado acima à direita do segmento para marcar a palatalização:
kʲ, gʲ, tʲ, dʲ, lʲ (SILVA, 2003).
Velarização – consiste no levantamento da parte posterior da língua em
direção ao véu palatino concomitantemente à articulação de um determi-
nado segmento consonantal. A consoante lateral [1] apresenta a propriedade
articulatória secundária de velarização em certos dialetos do Sul do Brasil e
do português europeu. O contexto em que a velarização ocorre é quando a
lateral se encontra em final de sílaba: sal, salta. Utiliza-se o símbolo [ɫ] para
transcrever a lateral velarizada nesses contextos (SILVA, 2003).
Dentalização – algumas consoantes em português podem ser articuladas
como dentais ou alveolares. Por exemplo, a pronúncia de “t” em “tapa” pode se
dar com a ponta da língua tocando os dentes (sendo, portanto, uma consoante
dental), ou pode se dar com a ponta da língua tocando os alvéolos (sendo,
portanto, uma consoante alveolar). Consoantes dentais têm como articulador
passivo os dentes incisivos superiores e consoantes alveolares tem como arti-
culador passivo os alvéolos. Pode-se articular um segmento dental ou alveolar
com o ápice ou com a lâmina da língua como articulador ativo. Geralmente,
as consoantes listadas a seguir apresentam a propriedade de dentalização no
dialeto paulista, enquanto, no dialeto mineiro, ocorre uma articulação alveolar
para as mesmas consoantes. Marcamos a dentalização com o símbolo [ ̪ ]
colocado abaixo da consoante em questão: t̪ d̪ s̪ z̪ n̪ ɾ̪ l̪ .

Considerações para a transcrição fonética


De acordo com Massini-Clagliari e Cagliari (2012), o treinamento fonético de
transcrição comporta dois tipos de exercícios, sem os quais uma transcrição
pode ser mal realizada. O primeiro é o treinamento auditivo, que faz com que o

U2C3_Fonetica.indd 46 11/09/2017 18:20:07


Alfabeto fonético e transcrição fonética 47

linguista saiba ouvir sons individuais (inseridos em qualquer tipo de contexto e


de qualquer extensão) e reconhecer em cada segmento a categoria a que pertence,
de acordo com as possibilidades articulatórias do aparelho fonador humano. O
segundo é o treinamento de produção, que treina o linguista a produzir todos
os segmentos individualmente ou de forma combinada com qualquer outro em
qualquer sequência (MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012).
Existem alguns procedimentos básicos ou recomendações para se realizar
uma transcrição fonética. Em primeiro lugar, é mais adequado realizar a
transcrição da fala na presença do informante, fazendo uso de recursos de
gravação (de preferência em vídeo) como forma apenas de documentação. O
linguista ouve o informante e procura repetir o que ouviu até que este diga
que está tudo correto. É a partir da percepção auditiva e da propriocepção
(noção espacial que se tem do corpo, posição, orientação e força exercida pelos
músculos e estruturas fonoarticulatórias na execução dos gestos articulatórios)
que o linguista (foneticista) procede à identificação dos segmentos e à sua
transcrição (MASSINI-CLAGLIARI; CAGLIARI, 2012).

1. Assinale a alternativa que representando os sons da fala


melhor explicita os preceitos e da maneira mais fiel possível.
contrastes da escrita ortográfica O alfabeto ortográfico, por
e da transcrição fonética. sua vez, é uma abstração.
a) Enquanto o alfabeto fonético d) Das línguas existentes, apenas
é uma abstração, o alfabeto nas línguas românicas, a exemplo
ortográfico opera com a do português e do espanhol,
substância da expressão, não há correspondência
descrevendo da forma mais fiel entre grafema e fonema.
possível a realidade dos sons, e) Os contrastes são mínimos,
sendo, portanto, mais exato. uma vez que temos uma
b) Dizemos que deve haver uma correspondência quase que
representação biunívoca perfeita entre os elementos
– isto é, cada grafema do alfabeto fonético e do
corresponde a apenas um alfabeto ortográfico.
som, e um som corresponde 2. Assinale a alternativa que apresenta
apenas a um grafema. uma adequada transcrição fonética
c) O alfabeto fonético lida com das palavras janela, malha, rato e
a substância da expressão, mala de acordo com as realizações

U2C3_Fonetica.indd 47 11/09/2017 18:20:07


48 Alfabeto fonético e transcrição fonética

possíveis no português brasileiro. articulação de um determinado


a) [ʃa’nɛla], [‘maʎa], [‘Xatʊ], [‘mala]. segmento consonantal.
b) [ʒa’nɛla], [‘malha], [‘Xatʊ], [‘mala]. c) A palatalização geralmente
c) [ʒa’nɛla], [‘maʎa], [‘ʢatʊ], [‘mala]. ocorre quando uma
d) [ʒa’nɛla], [‘maʎa], [‘Xatʊ], [‘mala]. consoante é seguida de vogais
e) [ja’nɛla], [‘maʎa], [‘Xatʊ], [‘mala]. posteriores (orais ou nasais).
3. Assinale a alternativa que apresenta d) O fato da consoante ser dental
uma adequada transcrição fonética (dentalização) ou alveolar
das palavras casa, teto, chá e expressa uma variação linguística
nada de acordo as realizações dialetal, não uma variação que
possíveis no português brasileiro. seja condicionada pelo contexto
a) [‘kaza], [‘tɛtʊ], [‘ʃa], [‘nada]. (como é o caso da labialização).
b) [‘casa], [‘teto], [‘chá], [‘nada]. e) A palatalização consiste no
c) [‘caza], [‘tɛtʊ], [‘ʃa], [‘nada]. levantamento da língua em
d) [‘kaza], [‘tɛtʊ], [‘ʃa], [‘Nada]. direção a parte posterior
e) [‘kaza], [‘tetʊ], [‘ʃa], [‘nada]. dos incisivos superiores.
4. A respeito das articulações 5. Assinale a alternativa que
secundárias no português brasileiro, corresponde a uma transcrição
assinale a alternativa correta. fonética restrita. Verifique,
a) A labializarão consiste no não ainda, se a transcrição está
arredondamento dos lábios adequada, obedecendo a
durante a produção de um princípios articulatórios.
segmento consonantal. a) [‘kilʊ]
b) A velarização consiste no não b) [‘kʲilʷʊ]
levantamento da parte posterior c) [‘kʲilʊ]
da língua em direção ao véu d) [‘kʷʲilʷʊ]
palatino concomitantemente à e) [‘kʷilʲʊ]

CARDOSO, D. P. Fonologia da língua portuguesa. São Cristóvão: Universidade Federal


de Sergipe, CESAD, 2009.
MASSINI-CAGLIARI, G.; CAGLIARI, L. C. Fonética. In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. C. (Org.).
Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2012. v. 1.
SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
SOUZA, P. C.; SANTOS, R. S. Fonética. In: FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à linguística II:
princípios de análise. São Paulo: Contexto, 2016.

U2C3_Fonetica.indd 48 11/09/2017 18:20:08


Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:

Você também pode gostar