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Disciplina

Linguística de Texto

Coordenador da Disciplina

Prof. Julio Cesar Rosa de Araujo

8ª Edição
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transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.

Créditos desta disciplina

Realização

Autor

Prof. Dr. Júlio Araújo

Colaborador (es)

Prof. Ms. Ana Cristina Lobo-Sousa


Prof. MS. Vicente de Lima-Neto
Prof. MS. João Paulo Eufrazio de Lima
Prof. MS. Samuel de Carvalho Lima
Prof. MS. Kennedy Nobre
Prof. MS. Viviane Oliveira
Prof. Mestrando Rafael Rodrigues Costa
Prof. Mestranda Maria Coeli Saraiva Rodrigues
Prof. Mestrando Roberto de Menezes
Prof. Mestranda Tatiana Carvalho
Prof. Mestranda Elisângela Oliveira Viana
Sumário
Aula 01: Linguistica Textual .................................................................................................................... 01
Tópico 01: Fases da Linguística Textual................................................................................................ 01
Tópico 02: Trabalhando Com o Texto ................................................................................................... 04
Tópico 03: Aspectos de Textualidade .................................................................................................... 06

Aula 02: Referenciação ............................................................................................................................. 12


Tópico 01: O Processo de Referenciação ............................................................................................... 12
Tópico 02: Organização da Tessitura Textual........................................................................................ 18
Tópico 03: Definição do Quadro Enunciativo ....................................................................................... 23
Tópico 04: Orientação Argumentativa ................................................................................................... 28

Aula 03: Intertextualidade ....................................................................................................................... 32


Tópico 01: Intertextualidade Lato Sensu ............................................................................................... 32
Tópico 02: As relações intertextuais por copresença ............................................................................. 35
Tópico 03: As relações intertextuais por derivação ............................................................................... 48
Tópico 04: Outros tipos de relações ....................................................................................................... 63

Aula 04: Gênero textual............................................................................................................................ 71


Tópico 01: Gênero .................................................................................................................................. 71
Tópico 02: Mídia .................................................................................................................................... 78
Tópico 03: Suporte ................................................................................................................................. 83
Linguística de Texto
Aula 01: Linguística Textual

Tópico 01: Fases da Linguística Textual

VERSÃO TEXTUAL
Olá, pessoal!

Quando pensamos em um texto, observamos que ele está sempre presente em nosso dia a dia.
Podemos encontrá-los através da leitura de um livro, no diálogo de uma novela, em um outdoor, na
internet etc. Além disso, o texto apresenta diversas características com finalidades variadas, dentre
as quais podemos destacar a sua importância como fonte de pesquisa. Mas você sabia que existe
uma ciência do texto? E que essa ciência é denominada Linguística Textual? Pois é sobre esse
assunto que abordaremos ao longo deste módulo, falando a respeito da origem desse assunto, suas
fases e suas teorias.

Sendo assim, convidamos a todos a participarem das discussões a serem realizadas ao longo
desta disciplina. Estão preparados? Então vamos lá!

ORIGEM

Quando falamos em Linguística Textual, devemos ter em mente um ramo da imponente árvore da
ciência da linguagem. Imagine que cada ramo dessa grande árvore corresponde a uma abordagem teórica
distinta, tais como: sociolinguística, análise do discurso, linguística computacional, psicolinguística e a
própria linguística textual. Apesar de os estudos terem origem na década de 60 do século XX,
especialmente na Alemanha, ainda hoje percebemos que os assuntos relativos a essa disciplina estão em
pleno desenvolvimento, visto que muitos pesquisadores continuam a buscar soluções para alguns pontos
aparentemente acabados dentro dos estudos sobre o texto.

Na perspectiva apresentada pela Linguística Textual, é o texto que


ganha espaço como manifestação da linguagem e não mais a palavra e a
frase – como defendiam os primeiros estudiosos –, pois seriam
insuficientes para o processo interativo de construção de sentido, sendo
nisso considerado fatores linguísticos e extralinguísticos. A partir de então,
torna-se importante a análise do contexto.

1
O termo linguística textual foi primeiramente empregado por Coseriu (1955). No entanto, como
ressaltam Fávero e Koch (1988), devemos a Weinrich (1966, 1967) a promulgação da a acepção que hoje
temos do termo dentro dos estudos do texto.

Dentre os pesquisadores consagrados aos estudos acerca do texto, Fávero e Koch (1988) destacam
autores como Heidolph, Hartung, Isenberg, Thummel, Hartmann, Harweg, Petöfi, Dressler, Van Dijk,
Schmidt, Kummer, Wunderlich, entre outros. Além disso, tem-se uma diversidade considerável de
terminologias para a conceituação de texto na Linguística Textual, tais como: Textologia (Harweg), Teoria
do Texto (Schmidt), Translinguística (Barthes), Hipersintaxe (Palek), Teoria da Estrutura do Texto –
Estrutura do Mundo (Petöfi) etc.

No percurso da constituição da Linguística Textual, é possível distinguir três fases, que não devem ser
vistas de maneira diacrônica, pois aconteceram simultaneamente, de forma independente. São elas:
análise transfrástica, gramáticas textuais e teorias do texto.

Três fases da linguística textual

1ª FASE - TRANSFRÁSTICA
Na fase transfrástica, tem-se o primeiro passo rumo à criação de gramáticas textuais. De
acordo com Fávero e Koch (1988, p. 13), o principal objetivo nesta fase era estudar “os tipos de
relação [sic] que se podem estabelecer entre os diversos enunciados que compõem uma
sequência significativa”, pois as relações só poderiam ser estabelecidas entre elementos do
próprio texto. Entre essas relações podemos citar a correferência.

Leia a seguinte frase:

Francisco odeia tomar banho. Ele foge da mãe todos os dias.

Nela observamos que há uma ligação entre o pronome ELE e o referente FRANCISCO.  Esta
ligação ocorre principalmente pela predicação dos dois elementos, e não somente por uma
questão de concordância. Segundo Harweg (1968), a função de substituição, comumente
atribuída aos pronomes, encontra lugar em expressões linguísticas que retomam toda e qualquer
expressão correferencial. O autor define, assim, o texto como uma ligação entre pronomes sem
interrupções.

Bem, como podemos perceber, a concepção de texto como mera soma de frases não deu
muito certo, né?! Viu-se assim a necessidade de reformulação da abordagem acerca do texto.
Desse momento em diante, vários pesquisadores dedicaram-se à criação de gramáticas textuais.

ATENÇÃO!

Na fase transfrástica, o entorno verbal era denominado COTEXTO.


Entendamos por entorno verbal os elementos que compõem o texto.

2ª FASE - AS GRAMÁTICAS TEXTUAIS


A abertura que a fase transfrástica propiciou para a elaboração de gramáticas textuais deu-
se principalmente ao se perceber o quanto é indispensável o conhecimento intuitivo do falante,

2
visto que grande parte dos textos sequer apresentam elementos correferenciais. A partir dai,
percebeu-se que todo falante de uma língua possui a capacidade de produzir textos novos, além
de poderem parafrasear aqueles já existentes. Além disso, o falante consegue reconhecer os
vários tipos textuais, a saber: narrativo, descritivo, dissertativo. Uma vez que todos os falantes
teriam essas capacidades, a gramática textual, segundo Fávero e Koch (1988, p. 14), deveria se
voltar para as seguintes tarefas básicas:

1. Verificar o que faz com que um texto seja um texto, isto é, determinar os seus princípios de constituição, os
fatores responsáveis pela sua coerência, as condições em que se manifesta a textualidade.

2. Levantar critérios para a delimitação de texto, já que a completude é uma das características essenciais do
texto.

3. Diferenciar as várias espécies de texto.

Apesar do esforço dispensado à criação de uma gramática textual que abordasse a


competência textual do falante, tornou-se mais viável a análise do funcionamento dos elementos
do texto, assim como a sua compreensão por parte do interlocutor. Assim, surge a 3ª FASE da
Linguística Textual: a das teorias de texto.

3ª FASE - TEORIAS DE TEXTO


Nessa fase além do texto, entra em cena o contexto. As teorias que, neste momento, foram
desenvolvidas giram em torno da pragmática, do cognitivismo e do sociocognitivismo-
interacionista.

Na visão pragmática, o texto é visto como um instrumento de realização de intenções


comunicativas e sociais do falante. No cognitivismo, o texto é originado de uma multiplicidade de
operações cognitivas interligadas. No processamento textual, concorrem quatro grandes
sistemas de conhecimento: o linguístico; o enciclopédico; o interacional e o referente a modelos
textuais globais. A visão sociocognitivista-interacionista privilegia os sujeitos e seus
conhecimentos em processos de interação

Como você observou até o momento, a Linguística Textual, ao longo de sua existência,
passou por diversas modificações teóricas, como: a) o texto como uma unidade da dicotomia
saussuriana langue e parole; b) a noção de gramática de texto em que se acreditava ser possível
identificar um conjunto de regras para a produção de um bom texto e c) a noção de texto que,
segundo Beaugrande (1997, p. 10) “é um evento comunicativo em que convergem ações
lingüísticas, sociais e cognitivas”. Visão esta, sociointerativa, que vigora no ensino e
aprendizagem de Língua Portuguesa.

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Linguística de Texto
Aula 01: Linguística Textual

Tópico 02: Trabalhando Com o Texto

VERSÃO TEXTUAL
Como você viu no tópico anterior, a Linguística de Texto passou por diversas fases até chegar à
teoria que possui maior destaque nos dias atuais, a visão sociointeracionista. Neste tópico,
falaremos um pouco mais a respeito dessa visão e de sua abordagem sobre a produção de um texto.

A visão sociointeracionista e o texto


Na visão sociointerativa, um dos aspectos mais importantes na interlocução é a relação que há dos
participantes entre si e com a situação discursiva. Estes aspectos, segundo Marcuschi (2008, p.77), exigem
dos falantes e dos escritores uma preocupação em articular, de forma conjunta, os textos (lidos ou
produzidos) com a representação que se tem em mente dos interlocutores no instante da produção textual.

Para ilustrar esta visão sociointerativa, podemos observar a produção de um texto:

Para que um jogo de futebol aconteça, é preciso que todos joguem um mesmo jogo e obedeçam as
mesmas regras. Se nem todos concordarem, não haverá jogo algum. Sendo assim, faz-se necessário que as
regras sejam sempre respeitadas, pois de nada adiantaria, por exemplo, se no encontro dos dois times um
queira jogar futebol e outro queira jogar vôlei. Da mesma forma ocorre com os textos: todos os interlocutores
devem participar de forma conjunta da interação, pois a produção textual não é uma atividade isolada. Ela
necessita da colaboração dos coenunciadores durante essa atividade sociointerativa chamada de texto.

MULTIMÍDIA
Veja um exemplo em que houve a quebra da regra de um jogo.

Fantástico Massagista invade campo, evita gol e classifica Aparecidense GO na Série D globo TV [1]

PARADA OBRIGATÓRIA
Veja as consequências que podem acontecer quando uma das regras do jogo é quebrada. Observe
que a violação da regra por parte massagista prejudicou o andamento do jogo, uma vez que não é de se
esperar que a intromissão de qualquer outra pessoa que não seja um jogador na defesa de um gol não é
permitida.

Com base nisso, reflita sobre como a infração de uma regra em um dado texto pode alterar a sua
compreensão por parte do leitor.

Para finalizar, destacamos que o texto não se trata apenas de um ordenamento de palavras, sendo visto,
de acordo com Marcuschi (2008, p. 80), como um sistema de conexões entre sons, palavras, participantes,
contexto etc. Além disso, o texto é considerado como um evento interativo que apresenta tanto aspectos

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linguísticos como não linguísticos. Isso garante o caráter multimodal ou multissemiótico dos textos. Dentre os
fatores não linguísticos destacamos, por exemplo, a função da imagem, dos sons e de marcas tipográficas na
construção do sentido do texto. Entre os fatores linguísticos, podemos destacar os fatores de textualidade,
assunto que abordaremos no tópico a seguir.

As pessoas usam e partilham a língua tão bem precisamente porque ela é um sistema
em constante interação com seus conhecimentos partilhados sobre o mundo e sua
sociedade (BEAUGRANDE, 1997, p. 11)

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Linguística de Texto
Aula 01: Linguística Textual

Tópico 03: Aspectos de Textualidade

VERSÃO TEXTUAL
Os tópicos anteriores abordaram acerca da origem e da relação entre texto e a visão
sociointeracionista da Linguística Textual. Neste tópico, a fim de demonstrarmos os recursos que
confiram à produção um valor de texto, abordaremos sobre os fatores de textualização propostos
pela Linguística Textual.

Fatores de textualização

Por não ser formado apenas por frases soltas, de acordo com Marcuschi (2008, p. 93), “um texto,
enquanto unidade comunicativa, deve obedecer a um conjunto de critérios de textualização”, estejam eles
presentes no cotexto e/ou no contexto. Vale ressaltar que não há uma separação entre o que está dentro e
o que está fora do texto, pois há entre o cotexto e o contexto uma estreita relação que faz com que ambos
coexistam em um determinado texto.

Durante os processos de produção e de leitura de textos, fazemos uso de aspectos de textualidade


que contribuem para a sua compreensão. Ao escrevermos uma receita, por exemplo, precisamos seguir
alguns procedimentos, como mencionar a quantidade de ingredientes e o modo de preparo. Da mesma
forma, ao lermos um texto estabelecemos conexões para que possamos dar sentido ao que estamos
lendo, pois não lemos uma notícia de jornal da mesma forma que lemos uma receita uma vez que as
conexões estabelecidas devem ser diferentes. Nesse sentido, destacaremos a seguir os fatores de
textualização.

Coesão
Os processos de coesão, segundo Marcuschi (2008, p. 99), “dão conta da estruturação, da sequência
[superficial] do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); não são simplesmente princípios
sintáticos”. Conforme o autor, esses processos configuram, dentre os padrões formais, aspectos que
servem para transmitir conhecimentos e sentidos.

Podemos distinguir cinco grandes mecanismos de coesão:

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1. Referência – realiza-se pela referência de elementos do próprio texto. Tal mecanismo se
divide em formas remissivas não-referenciais (artigos, pronomes, numerais e advérbios) que
estabelecem uma relação com um elemento já remetido no texto. Como exemplo, podemos
destacar o trecho que se segue:

a) O menino caiu e cortou o joelho. Ele precisará de cuidados médicos.

Nota-se que no exemplo a, o pronome ELE é uma forma remissiva do referente O MENINO,
uma vez que ele retoma o sujeito da oração sem que assim se faça necessário repeti-lo para que
haja a compreensão do enunciado.

Já as formas remissivas referenciais (sinônimos, hiperônimos, elipses, nomes genéricos etc),


de acordo com Marcuschi (2008, p. 109) são “todos os elementos linguísticos que estabelecem
referências a partir de suas possibilidades referidoras”, ou seja, são elementos que apresentam
um leque de possibilidades para substituir o referente introduzido.

b) Pedro Bandeira, importante escritor brasileiro, lançou um novo livro. O autor estará
amanhã na Bienal de Fortaleza.

No exemplo b, observamos que o termo AUTOR faz parte de uma das possibilidades de nos
referirmos ao referente PEDRO BANDEIRA.

2. Substituição – consiste em utilizar conectivos ou expressões para sintetizar e retomar


substantivos, verbos, expressões e partes de textos já referidos.

c) Carla foi ao supermercado, o qual estava muito lotado hoje.

No enunciado c, o termo O QUAL substitui o substantivo SUPERMERCADO, evitando deste


modo sua repetição.

3. Elipse – na construção de um texto, muitas vezes, certas palavras e até frases podem ser
omitidas, evitando-se, assim, a repetição desnecessária, mas garantindo-se o sentido.

d) Eles acordaram e viajaram.

Já no exemplo d, verificamos que o mecanismo de coesão utilizado para evitar a repetição do


sujeito, corresponde a omissão de um dos termos, a saber, o pronome pessoal ELES na posição
anterior ao verbo VIAJAR.

4. Conjunção – a conjunção estabelece relações significativas entre os elementos do texto.

e) Irei te levar à festa, mas não ficarei com você.

No exemplo acima se observa que a utilização da conjunção MAS apresenta um valor de


oposição em relação ao que foi expresso no primeiro enunciado. Sendo assim, podemos afirmar
que há uma relação entre os enunciados, mesmo que esta seja de oposição.

5. Coesão Lexical – a coesão lexical depende de um certo grau de redundância, através da


qual retomam-se as ideias e parte delas, utilizando-se de palavras já ditas, sinônimos,
hiperônimos, nomes genéricos ou palavras do mesmo campo semântico.

f) “Beba Licor de Cacau Xavier, pois só com Licor de Cacau Xavier você ficará forte e
sadio”.

Em f, destaca-se a repetição da expressão LICOR DE CACAU XAVIER a qual serve como um


recurso utilizado para chamar a atenção do leitor para o produto anunciado.

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Coerência

Segundo os autores Beaugrande e Dressler (1981), a coerência “diz respeito ao


modo como os componentes do universo textual, ou seja, os conceitos e relações
subjacentes ao texto de superfície são mutuamente acessíveis e relevantes entre
si, entrando numa configuração veiculadora de sentidos”.

Assim, a coerência não está somente no nível cotextual, ela estabelece uma ligação com elementos
contextuais. Para melhor visualizarmos, destacamos o exemplo que se segue:

Fonte [2]

Para entendermos a tira, é preciso que ativemos conhecimentos que já estão previamente
constituídos e armazenados em nossa memória: o personagem Cascão, criado por Maurício de Sousa,
não gosta de tomar banho e nem gosta de água, por isso conseguimos compreender o motivo de o
barbeiro utilizar uma marreta e um cinzel para cortar o cabelo do personagem. Isto nos mostra uma clara
distinção entre coesão – baseada na forma, e a coerência – que está baseada no sentido.

Os dois princípios básicos da coerência são:

1. Não contradição – permite a diversidade dentro de esquemas de compatibilidade definida pela relação de
ordem e causalidade.

2. Não tautologia – permite a continuidade do texto, ou seja, que ocorra a progressão do tema tratado
trazendo também novos conteúdos, sem que o texto perca o sentido.

Intencionalidade
De acordo com Fávero (1986), a intencionalidade é “a intenção do locutor de produzir uma
manifestação linguística coesiva e coerente, ainda que essa tensão nem sempre se realize na sua
totalidade, especialmente na conversação usual.

Aceitabilidade
A aceitabilidade, de acordo com Marcuschi (2008, p. 127) diz respeito à atitude do receptor do texto,
que “recebe o texto como uma configuração aceitável, tendo-o como coerente e coeso, ou seja,
interpretável e significativo. Permite um certo grau de tolerância, além do qual o texto não seria se quer
inteligível.”

g) Hoje levantei cedo e tomei banho, um café e um táxi para a universidade.

Sobre a aceitabilidade da sentença g, Marcuschi (2008) afirma que apesar de parecer um enunciado
mal-formado do ponto de vista gramatical, ele pode ser aceito em certos contextos e para finalidades

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específicas. Pois, de acordo com o autor, a aceitabilidade proposta pela Linguística Textual diz respeito ao
plano do sentido e não ao plano da forma.

Situacionalidade
Há a relação estabelecida entre o evento textual e a situação que pode ser social, cultural etc. Para
Marcuschi (2008, p.128) trata-se de um “critério estético, que não serve apenas para interpretar e
relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas também para orientar a própria produção”.

Intertextualidade
De acordo com Koch (1991), a intertextualidade é “a relação de um texto com outros textos
previamente existentes, isto é, efetivamente produzidos”. Trata-se, então, da presença de partes de textos
prévios dentro de um texto atual.

Informatividade
Nesse fator, há o desenvolvimento de algum tópico. Através dele observamos, conforme Marcuschi
(2008, p.132), aquilo que “o texto quer transmitir, o que é possível extrair dele, e o que não é pretendido”.
Sendo assim, a informatividade está intimamente ligada a falta ou a presença de expectativa que criamos
em relação às informações presentes no texto.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Como visto, ao produzirmos um texto, acionamos uma série de recursos coesivos que contribuem
para a construção da tessitura textual. Para isso, recorremos aos seguintes mecanismos: referência,
substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.

Exercite sua capacidade de análise utilizando o texto “Espetáculo "Re-talho" volta ao Theatro
José de Alencar com sessão dupla no sábado”. Copie os trechos do texto abaixo e os analise
indicando os mecanismos de coesão empregados.

ESPETÁCULO "RE-TALHO" VOLTA AO THEATRO JOSÉ DE ALENCAR COM


SESSÃO DUPLA NO SÁBADO
A peça reestreia no TJA neste sábado, dia 3 de agosto, em sessões às 18h e às 19h30min

Abordando a marca histórica dos corpos negros e periféricos expostos à violência estrutural,
ao racismo institucional e à indiferença burocrática, o espetáculo “Re-talho” retorna ao palco do
Theatro José de Alencar neste sábado, 3 de agosto, para duas sessões.

Em cena, três personagens - Cida, Bárbara e Antônio - protagonizam um apanhado de


histórias baseadas em relatos reais. As histórias falam, principalmente, da dor da mãe que perde
o filho. “São muitas famílias que precisam lutar diariamente para manter a sua dignidade na
periferia. Eles lutam para sobreviver, lutam contra o preconceito racial e as cobranças da
sociedade”, analisa Neidinha Castelo Branco, professora da turma e diretora do espetáculo.

“Quem são esses jovens que 'desaparecem' nas periferias das grandes cidades? Quem são
essas mães que passam pela maior dor que uma pessoa pode ter, que é a de perder um filho?”,
são as questões que o espetáculo não responde, mas provoca ao público. A peça é o resultado
da turma de 2018 do Curso Princípios Básicos de Teatro do TJA.

Estreado em agosto de 2018, o espetáculo já contou com apresentações no 25º Festival


Nordestino de Teatro de Guaramiranga (FNT) e durante a 1ª Semana Cada Vida Importa, em
Russas (CE), idealizada pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência.
9
Fonte [3]

PARADA OBRIGATÓRIA
De acordo com os autores Beaugrande e Dressler (1981, p.20), os critérios de textualidade podem
ser observados da seguinte maneira:

a) dois deles são orientados pelo texto (coesão e coerência)

b) dois deles pelo aspecto psicológico (intencionalidade e aceitabilidade)

c) um pelo aspecto computacional (informatividade)

d) dois pelo aspecto sociodiscursivo (situacionalidade e intertextualidade)

FÓRUM
Leia o artigo (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.) da profa. Marcilene
Oliveira Sampaio sobre o uso da Linguística Textual no ensino de Língua Portuguesa, o qual servirá de
base para nossas discussões no Fórum. Junto com o seu tutor e colegas de turma discutam as
seguintes questões:

Na sua opinião, qual tem sido o lugar do texto no currículo escolar? Como a produção dos alunos
vem sendo avaliada pelos professores? Como a Linguística de Texto poderia lançar luzes para
fomentar uma avaliação mais coerente e emancipadora dos produtores de texto na escola? Discuta
essas questões com seus colegas sem desviar-se do foco do debate.

Os critérios de textualidade COESÃO e COERÊNCIA são os dois critérios de maior destaque nos
estudos em Linguística de Texto por terem sido os primeiros abordados nos estudos sobre o texto. No
critério de textualidade COESÃO, além dos cinco grandes mecanismos de coesão, há também as formas
de coesão referencial, porém este assunto será abordado detalhadamente na próxima aula. Além da
coesão, outro assunto que será mais bem explorado em aulas posteriores, será a INTERTEXTUALIDADE.

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2006.

FÁVERO, Leonor Lopes e KOCH, Ingedore Villaça. Linguística Textual: uma introdução. São Paulo:
Cortez, 1988.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 10. ed. São Paulo: Ática, 2004.

KOCH. Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2007.

KÖCHE, V; BOFF, O; PAVANI, C. Prática Textual. Petrópolis: Vozes, 2006.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 2.ed. São Paulo:
Parábola, 2008.

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Fontes das Imagens

1 - https://www.youtube.com/watch?v=GVBGVxbTJpI
2 - http://2.bp.blogspot.com/_5bobDuQUpVw/TNiRue_0GFI/AAAAAAAAAJ8/HekIwKbaw7o/s1600/cascao.jpg
3 - https://www.opovo.com.br/vidaearte/showseespetaculos/2019/07/31/espetaculo--re-talho--volta-ao-theatro-jose-de-
alencar-com-sessao-dupla-no-sabado.html

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Linguística de Texto
Aula 02: Referenciação

Tópico 01: O Processo de Referenciação

VERSÃO TEXTUAL
Nesta aula, trataremos da referenciação, fenômeno textual-discursivo de produção e de
compreensão de sentidos, que mantém relação íntima com a continuidade tópica, a coerência textual
e a atividade inferencial. O objetivo principal é que você, já conhecendo aspectos básicos envolvidos
nas reflexões teóricas sobre esse tema, possa estudar agora, de maneira mais crítica, como se dão
os processos referenciais e quais as suas funções.

Abordaremos, nos próximos tópicos, o processo de referenciação, focalizando a organização da


tessitura textual, a definição do quadro enunciativo e a função argumentativa no que diz respeito às
funções discursivas das expressões referenciais. Esses conteúdos serão amplamente ilustrados na
tentativa de demonstrar que, mais importante que “a maneira como o texto faz referência a uma
exterioridade”, interessa “a maneira como os locutores concebem sua referência a uma
exterioridade” (Mondada, 1994, p. 17).

A compreensão dos assuntos aqui discutidos terá como formas de avaliação um fórum e um
portfólio. Bons estudos!

Antes de apresentarmos o conteúdo dessa aula, relembre um pouco em que contextos você costuma
ouvir o termo “referência”. Vejamos alguns exemplos:

“Você se esqueceu de colocar referências no seu


currículo”.

“Na seção ‘referências’, você não padronizou a


formatação”.

“Esse é um ponto de referência”.

“Você está fazendo referência a quê?”

“Eu não me refiro a isso”.

Sem dúvida, as situações ilustradas acima não apresentam a mesma conotação em todos os contextos,
mas em geral, quando se fala de “referência”, contextos como esses vêm à tona, isso porque há uma forte
tradição que nos orienta a dizer o mundo de forma objetiva, sendo os referentes objetos do mundo e a
atividade de referi-los um processo de designação direta entre linguagem e mundo.

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Como já sabemos, entre aquilo sobre o qual queremos falar e a forma escolhida para
textualizar/discursivizar, não se verifica uma relação direta e transparente, porque a língua não espelha o
mundo, antes reflete e refrata esse mundo.

Assim, a referência, ou o processo de referenciação sobre o qual nos ocuparemos nesta aula, pretende
ampliar seus conhecimentos sobre o assunto, no sentido de aprofundar diferentes funções
textuais/discursivas que são realizadas ao nos referirmos a referentes/objetos de discurso. Em síntese,
estudaremos o modo como nos referimos às coisas utilizando a língua.

Antes de tudo, porém, é importante explicitar que esse estudo se ancora em uma concepção de língua
considerada como atividade sociointerativa, a qual, de acordo com Marcurchi (2008), pressupõe que os
interlocutores, ao interagiram pela linguagem, enunciam conteúdos e sugerem sentidos que devem ser
construídos, inferidos, determinados mutuamente. Isso quer dizer que os sentidos são fundados numa relação
de interação e coprodução em que os conhecimentos partilhados desempenham papel decisivo.

Além disso, sendo a linguagem uma atividade, uma forma de ação; o texto, como vimos na aula anterior, é
uma unidade de sentido ou unidade de interação, produzido por sujeitos históricos e sociais e, por isso
mesmo, produto de uma interação condicionada por fatores tanto subjetivos quanto sociocognitivos.

Essa consideração é muito importante porque, como bem observa Silva (2008), não só as pessoas são
diferentes, em função de suas características individuais, de seu ambiente e cultura, mas também mudam
seus pontos de vista em relação à forma de ver o mundo, o modo como pensam esse mundo. Tudo isso é
levado em conta quando o assunto é Referenciação, já que no modo como nos referimos às coisas importa
também quem somos e onde estamos, como se pode conferir no exemplo a seguir, analisado por Ciula e Silva
(2008):

O ferro em brasa, que a própria mulher do filho trouxe da trempe de


tijolos na cozinha. O gemido, contorções do corpo. A pele de fumo voltou a
cobrir a ferida. Morreu três horas depois. Longe os vizinhos. Légua e meia o
mais próximo. Belarmino teve de ir até lá (o cachorro enrolava-se no chão
sob a tipóia do morto). Trouxe outros seres em molambos e grunhidos. E a
marcha fúnebre – tipóia oscilante presa à estaca de sabiá – se fez em
direção ao distante arruado, onde havia a capela e o telheiro abatido do
mercado. No mais, a solidão da noite e dos seres. A viúva-menina, sem
lágrimas. Duro mundo, carente de umidades. Muitas lições de renúncia. Tão
trabalhados todos como a escarpa fendida e crestada pelo tempo, por onde
subiam bodes e cabras.
(Moreira Campos, O peregrino)

Nesse trecho de conto, quando pela primeira vez temos a expressão a própria mulher do filho, referindo à
nora de Belarmino, ocorre uma introdução referencial que é retomada com a viúva-menina, uma expressão
anafórica, já que retoma “mulher do filho”. Nessa retomada, temos não só a manutenção do referente, como
também sua progressão, na medida em que são acrescentadas as informações de que a mulher era jovem e
viúva.

Essas escolhas realizadas em expressões referenciais se relacionam, por sua vez, ao ponto de vista do
sogro Belarmino, que tem seu sentimento em relação à nora, alterado com a morte de seu filho. Assim, a
seleção lexical por ele escolhida revela que o ato de enunciação representa o contexto e as versões
intersubjetivas do mundo adequadas a cada contexto.

13
Fonte [1]
Assim, de acordo com Ciula e Silva (2008, p. 6),

O processo de referência depende de uma série de atividades


cognitivas, interacionais e sociais por parte do falante, além entorno
discursivo, pois outras marcas linguísticas e situacionais, que não apenas as
chamadas expressões referenciais podem contribuir para o processo de
referenciação.

Por outras palavras, na interação, usamos diversas formas linguísticas e extralinguísticas para referir os
objetos ou referentes por meio do texto, na tentativa de organizar a informação, manter e fazer progredir o
tópico discursivo, orientar argumentativamente, sempre considerando, com Mondada e Dubois (2003), que o
sentido se completa na negociação que é realizada pelos falantes durante o ato de comunicação.

Leia o texto abaixo.

SEM REAÇÕES ANORMAIS

China diz que primeiras vacinações contra gripe suína são um sucesso

PEQUIM - O primeiro grupo de pessoas que foi vacinada contra a gripe suína
não registrou nenhum efeito colateral sério, informaram nesta terça-feira
autoridades da área de saúde da China.

A China iniciou o programa de vacinação em massa na segunda-feira. Cerca


de 100 mil estudantes de Pequim receberão doses da vacina. A mídia estatal disse
que este será o primeiro grande grupo de pessoas no mundo a ser vacinado.

Até agora cerca de 10.400 estudantes já foram vacinados, todos irão


participar das comemorações do Dia Nacional em 1º de outubro, informou o chefe
do Departamento de Controle de Doenças de Pequim, Zhao Tao. “A vacinação foi
bem sucedida, não foram registradas reações anormais” disse Zhao.

Ele disse que a vacina, apesar de ter se mostrado segura e efetiva em testes
clínicos, pode produzir reações como inflamação e febre.

A China já registrou 13.262 casos da gripe suína, das quais 8.805 se


recuperaram. Ninguém morreu da doença na China, de acordo com o Ministério da
Saúde.

14
O governo planeja ter vacina suficiente para imunizar 5% de sua população de
1,3 bilhão de habitantes até o fim do ano.

Fonte: www.oglobo.globo.com

A seguir, apresentamos um texto no qual os objetos de discurso são explicitados, a fim de demonstrar
que nem sempre isso ocorre.

TEXTO EXPLICATIVO
No texto acima, temos a introdução do objeto de discurso 'vacinação' representado pela
expressão referencial primeiras vacinações. Ao longo do texto, ocorre a progressão referencial por
meio da manutenção deste referente a partir de várias expressões referenciais, como: o programa de
vacinação, da vacina, a vacinação, a vacina, vacina suficiente. Do mesmo modo, o texto apresenta
referentes para o objeto de discurso 'gripe suína', por exemplo, que é expresso e mantido por meio
dos referentes gripe suína, a gripe suína, da gripe suína, da doença.

Isso ilustra o que chamamos de referenciação, entendendo com Modada e Dubois (2003) que os
objetos de discurso são entidades abstratas construídas mentalmente e que geralmente se
manifestam no texto. Porém, essa manifestação pode ou não ser textualizada, ou seja, ser
claramente expressa no cotexto, pois a referenciação se caracteriza como uma construção
discursiva e, para tanto, não deve se valer apenas da presença de expressões referenciais, mas
também de um conjunto de indícios que estabeleçam a coerência textual.

Assim, no exemplo analisado anteriormente, podemos afirmar a existência do objeto de discurso


'prevenção', embora nenhum referente o tenha explicitado. Os leitores poderão inferir esse objeto de
discurso por meio de uma série de pistas deixadas pelo autor do texto, que, por sua vez, pressupõe
que seu(s) interlocutor(es) partilhe(m) de práticas discursivas e cognitivas social e culturalmente
situadas que permitam a sua apreensão.

Mas, que pista(s) você segue para confirmar a existência do objeto de discurso 'prevenção'?
Certamente, não podemos apontar diretamente quais expressões permitem tal compreensão, pois
nem sempre elas serão as mesmas para cada leitor específico, se considerarmos seu repertório
sócio-histórico-cultural.

Além disso, um conjunto de fatores entre os quais o conhecimento enciclopédico e o


conhecimento partilhado, autorizam-nos inferir que o texto também remete à "prevenção contra a
doença". De igual modo, é também possível que um leitor em potencial não ative tão facilmente esse
objeto de discurso, tendo em vista sua bagagem cultural.

A não explicitação do referente é bastante comum em diálogos, pois falamos de algo e nos
entendemos sem mesmo explicitá-lo. Assim, os objetos de discurso podem ou não ser expressos no
texto, ou seja, eles são introduzidos no discurso, quer sejam formalmente realizados ou não.

Desse modo, afirmamos com Cavalcante (no prelo) a referenciação não se restringe à mera
localização de sintagmas nominais no texto, que seria uma manifestação no cotexto, mas também
pode estar no contexto, em uma dimensão discursiva e amparada por elementos diversos no texto.

EXERCITANDO

15
Depois de estudar o texto a seguir, exercite a sua capacidade analítica, relacionando alguns
referentes a um objeto de discurso específico que esteja textualmente explicitado.
Durante esse exercício de análise, não deixe de identificar pelo menos um objeto de discurso que não seja
apontado por meio de expressões referenciais

E-MAIL INFERNAL
Um casal decide passar férias numa praia do Caribe, no mesmo hotel onde passaram a lua de
mel há 20 anos atrás. Por problemas de trabalho, a mulher não pode viajar com seu marido, deixando
para ir uns dias depois.

Quando o homem chegou e foi para seu quarto do hotel, viu que havia um computador com
acesso a internet. Então decidiu enviar um e-mail a sua mulher, mas errou uma letra sem se dar conta
e o enviou a outro endereço...

O e-mail foi recebido por uma viúva que acabara de chegar do enterro do seu marido e que ao
conferir seus e-mails desmaiou instantaneamente.

O filho, ao entrar na casa, encontrou sua mãe desmaiada, perto do computador, onde na tela
poderia se ler:

— Querida esposa: Cheguei bem. Provavelmente se surpreenda em receber noticias minhas por
e-mail, mas agora tem computador aqui e pode enviar mensagens às pessoas queridas. Acabo de
chegar e já me certifiquei que já está tudo preparado para você chegar na sexta que vem. Tenho
muita vontade de te ver e espero que sua viagem seja tão tranquila como a minha.

Obs: Não traga muita roupa, porque aqui faz um calor infernal

REFLEXÃO
Agora reflita um pouco: por meio de que pistas você chegou a sua resposta?

OLHANDO DE PERTO
Os sujeitos constroem versões públicas do mundo através de práticas discursivas e cognitivas social
e culturalmente situadas, e que portanto, não são preexistentes, mas elaboradas no curso da atividade e
transformadas a partir dos contextos. Essa afirmação aponta para o fato de considerarmos os objetos de
discurso como entidades dotadas de instabilidade constitutiva, já que se constroem em interação. Por
outro lado, essa instabilidade, observável nas atividades verbais e não verbais, negociada na interação,
possui uma relativa estabilização passível de observação, já que do contrário a comunicação poderia ser
inviabilizada sempre com o novo. É sobre os procedimentos dessa estabilidade, mais precisamente as
funções dos processos referenciais, sejam eles expressos linguisticamente ou não, que nos deteremos
nos tópicos seguintes.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO

16
Fique atento à organização tópica do texto subsequente e escolha um referente para basilar uma
análise textual que deverá ser postada em seu portfólio.

A análise deve ser feita em uma página de Word e nela você deve identificar expressões referenciais
que delineiem a introdução, a manutenção e a desfocalização daquele referente escolhido por você no
texto.

Borracheiro preso por engano é solto após ficar 5 anos encarcerado

REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, M. M. Referenciação e uso. (no prelo)

CIULLA e SILVA, A. Os processos de referência e suas funções discursivas: o universo literário dos
contos. Tese de Doutorado em Linguística. Fortaleza: UFC, 2008.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008.

MONDADA, L. Verbalisation de l’espace et fabrication du savoir: approche linguistique de la construction


des objets de discours. Lausanne : Université de Lausanne, 1994.

MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos
processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.)
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p.17-52.

17
Linguística de Texto
Aula 02: Referenciação

Tópico 02: Organização da Tessitura Textual

VERSÃO TEXTUAL
No tópico anterior, vimos que os falantes “percebem” o mundo e, ao fazê-lo, também distinguem,
classificam e designam as coisas à sua volta. Esse procedimento cognitivo é chamado de
categorização e se relaciona intimamente com a referenciação, na medida que ambos os processos
concertem às práticas e aos discurso.

No jogo da linguagem, afirma Wittgenstein (1975), nem sempre categorizamos os elementos do mundo
com base em elementos que eles tenham em comum, mas dependendo do tipo de aspecto que escolhemos
ressaltar, podemos fazer múltiplas associações. Desse modo, somos, à medida que enunciamos,
responsáveis pela forma que escolhemos para categorizar um referente ou outro, como se vê no texto a
seguir.

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
É incrível a importância do dedo indicador!
Um patrão faz assim com o indicador... e três mil operários vão para a rua!
Aahhh!
Esse deve ser o tal indicador de desemprego de que tanto se fala!

Fonte [2]
Note como o objeto de discurso, expresso pelo referente “indicador” é posto em foco pelo autor do texto.
Entretanto, no momento da retomada, embora seja a mesma expressão, o objeto de discurso é categorizado
não mais como uma parte do corpo humano, mas sim como aquilo que indica algo e, no caso, números
relacionados a desemprego. Por meio do jogo de categorização desses elementos, o autor promove uma
crítica social.

18
É claro que o gênero piada contribui para essa desfocalização. Importa destacar que, quando
categorizamos e textualizamos os referentes, temos objetos de discurso que podem estar expressos em
expressões referenciais.

As expressões referenciais exercem um importante papel na organização textual, seja introduzindo o


referente, mantendo-o ou desfocalizando-o para introduzir novo referente.

De acordo com Marcuschi (2008), um texto constrói-se e progride com base em dois processos gerais:
progressão referencial e progressão tópica.

A progressão referencial diz respeito à introdução, identificação, preservação, continuidade e retomada de


referentes textuais (linguisticamente realizados ou não). Já a progressão tópica diz respeito ao(s) assunto(s)
ou tópico(s) discursivo(s) tratado(s) ao longo do texto.

Ainda segundo o autor, a continuidade referencial serve de base para o desenvolvimento de um tópico,
mas a presença de um tópico serve tão somente as condições possibilitadoras e preservadoras da
continuidade referencial, mas não a garante, tendo em vista que a progressão referencial se dá com base
numa complexa relação entre linguagem, mundo e interações realizadas no discurso, como já enfatizamos
anteriormente no tópico I. Como esses dois processos são codeterminados, trataremos nesta aula de ambos
de maneira inter-relacionada.

Quando um referente é introduzido, sua manutenção ao longo do texto se realiza por meio de anáforas.

ANÁFORAS

Anáforas são retomadas ou remissões de algum elemento presente no texto ou no discurso, com
base em alguma pista cotextual.

Esse processo de referenciação exerce importante função na organização macroestrutural do texto, uma
vez que organiza o tópico, sendo responsável pela retroação e progressão textual do tópico frasal/discursivo.
A retroação consiste na manutenção de objetos de discurso previamente produzidos, fazendo com que o
coenunciador reative em sua memória o referente. Já a progressão diz respeito à introdução de novos objetos
de discurso ancorados em informações anteriores, ou seja, mantendo com eles algum tipo de relação, como
hiperônimo/hipônimo, paráfrases anafóricas definicionais e didáticas, dado/novo, entre outras.

VEJA COMO ISSO OCORRE NO TEXTO A SEGUIR


O que é ser adolescente?

Você já ouviu alguém falar : "Ah… ele está na fase da 'aborrência'?" E você já se sente
adolescente ?

19
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a adolescência é a fase entre os 10 anos até os 19
anos. É uma fase de mudanças e descobertas. O seu corpo está crescendo e ficando diferente. As
suas emoções estão a mil! Um dia você se sente o máximo, depois se sente a pior das criaturas.

É assim mesmo. É nesta fase que você descobre quem você realmente é. Começa a gostar de
coisas que não gostava antes e a achar horrível aquilo que, a um ano atrás, era maravilhoso! Na
adolcescência, você descobre a sua "turma de amigos," a sua "tribo" e vê que os Pais não são mais
aquela companhia para tudo. Embora, lembre-se que os seus Pais são os seus melhores
conselheiros!

Você vai querer mudar o mundo, vai se inconformar com as injustiças, vai gostar do novo… vai
criar uma identidade própria. Por isso, curta essa fase maravilhosa! Ela não voltará mais. Descubra-
se! Mas fique longe das drogas, do álcool, seja responsável! O adolescente acaba entrando em
furadas, quando se sente o todo poderoso. No melhor estilo: "Não vai acontecer comigo!" Mas
acontece.

Gravidez indesejada, envolvimento com drogas, acidentes pelo uso de bebida alcoólica,… são
alguns dos perigos que estão em seu caminho. Cuide-se, seja responsável consigo e com os outros,
e, descubra a vida que tem pela frente!

Disponível em: http://dicasdeciencias.com/2008/05/07/ser-adolescente/

Sem pretender esgotar todas as possibilidades de identificação dos objetos de discurso a que o texto
possa remeter, podemos analisar alguns aspectos relevantes quanto à organização da tessitura textual.

Do ponto de vista da organização tópica, o texto tem como tópico central “adolescência”, que é
introduzido e mantido ao longo do texto pelas expressões referenciais destacadas na cor amarela. Uma das
formas de manutenção desse objeto de discurso é a expressão referencial fase de mudanças e descobertas,
que permite a progressão textual por meio dos subtópicos seu corpo e suas emoções, os quais se ligam a ele,
numa relação horizontal, ao tópico “adolescência”.

Observe como há, no texto, um processo constante de retroação ao tópico central “adolescência” e,
também, uma constante progressão, por meio de subtópicos.

Uma outra forma de organização da tessitura textual diz respeito ao encapsulamento anafórico, que “é
um recurso coesivo pelo qual um sintagma nominal funciona como uma paráfrase resumidora para um
porção precedente do texto” (Conte, 2003, p. 178), seja ela um segmento ou um parágrafo inteiro ou apenas
uma sentença.

O sintagma nominal encapsulador ocorre muito frequentemente no ponto inicial de um parágrafo,


funcionando como um princípio organizador na estrutura discursiva.

Trata-se, segundo Conte (2003), de uma sumarização imaginável mais curta de uma porção discursiva
precedente, como um tipo de subtítulo que simultaneamente interpreta um parágrafo precedente e funciona
como ponto de início para um outro, funcionando como recursos de interpretação intratextual, como se pode
conferir em:

MAPA GENÉTICO MOSTRA QUE TODAS AS PESSOAS ESTÃO LIGADAS UMAS ÀS


OUTRAS, DIZ CIENTISTA
27/09/2009 - 08h00

20
Mapa genético mostra que todas as pessoas estão ligadas umas às outras, diz cientista

Silvana Salles

Do UOL Ciência e Saúde

Em São Paulo

Se a cor da pele, o sotaque e a forma como nos vestimos revela de onde viemos, os genes fazem
o mesmo. E para mostrar que viemos todos de um mesmo ponto do globo, independente do país
onde nascemos, da língua que falamos ou dos nossos costumes, uma equipe chefiada pelo
pesquisador americano Spencer Wells desenvolveu uma espécie de mapa genético dos moradores
do Queens, um dos distritos mais multiculturais de Nova York.

Wells, doutor em genética pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, disse que o
objetivo do projeto era mostrar que todas as pessoas estão ligadas umas às outras.

"O que mais me surpreende como cientista é que pudemos comprovar que todos nós viemos da
África. Como espécie, saímos todos da África milhares de anos atrás", disse o geneticista. A teoria de
que a humanidade saiu da África é amplamente difundida entre cientistas de diferentes áreas, como
biólogos e arqueólogos. O mais famoso fóssil de um ancestral do ser humano já encontrado foi
descoberto na Etiópia em 1974 e apelidado de "Lucy". A descoberta ajudou a consolidar a fama da
região como "berço da humanidade".

"Acredito que esta pesquisa pode contribuir principalmente com o trabalho de arqueólogos e
historiadores, que podem usar as informações para tentar explicar de onde viemos", completa o
cientista.

Na pesquisa da Spencer Wells, a equipe de pesquisadores coletou 50 mil amostras de DNA de


pessoas de mais de cem países e identificou alguns marcadores genéticos. Os cientistas mediram a
ocorrência destes marcadores nas amostras. "Quando duas pessoas têm o mesmo marcador, isso
quer dizer que elas tiveram um ancestral em comum", explicou o geneticista. Os marcadores
mostraram que, no Queens nova-iorquino, alguns vizinhos eram descendentes de uma mesma
linhagem antiga, que remetia à Europa, à Ásia, ao Oriente Médio e, por fim, à África.

O projeto gerou o documentário "A Grande Árvore Genealógica", que será exibido no canal por
assinatura NatGeo neste domingo (22), às 21h. Para o pesquisador-chefe, que é colaborador da
National Geographic, a pesquisa, da forma como foi feita e com a amplitude de amostras que teve
até o momento, "é fruto de 20 anos de aplicação do DNA nas ciências" e foi possível graças às
tecnologias de informática desenvolvidas durante este período.

http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/2009/09/27/ult4477u2088.jhtm [3]

Note que a expressão esta pesquisa não só encapsula tudo o que foi dito antes, ao mesmo tempo que
informa tratar-se de uma pesquisa, como também permite a continuação do texto, de modo a considerar que,

21
dali em diante, se possa falar em termos mais técnicos e não em termos mais gerais como se vinha falando
antes.

Além de importante recurso coesivo e um princípio organizador do texto, Conte (2003) lembra que o
encapsulamento anafórico funciona como um poderoso meio de manipulação do leitor, quando, na escolha do
nome encapsulador, temos um nome axiológico, o que permite ao texto oferecer uma avaliação dos fatos e
eventos descritos, como se tem no último parágrafo do texto “O que é ser adolescente”, com alguns dos
perigos que retoma e avalia gravidez indesejada, envolvimento com drogas e acidentes pelo uso de bebida
alcoólica.

REFERÊNCIAS
CONTE, M-E. Encapsulamento Anafórico. In: MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de
discurso e categorização: uma abordagem dos processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.;
RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.) Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p.177-190.

LIMA. S. M. C. de. (Re)categorização metafórica e humor: trabalhando a construção


dos sentidos. 2003. 170 f. Dissertação de Mestrado em Linguística - Universidade Federal do Ceará,
Fortaleza.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008.

WITTGENSTEIN, L. Recherches philosophiques. Tradução francesa de Jacques Fauve. Paris: editions


Gallimard, 1975.

22
Linguística de Texto
Aula 02: Referenciação

Tópico 03: Definição do Quadro Enunciativo

Algumas expressões referenciais não recuperam nem retomam nenhum elemento do cotexto, mas
remetem a objetos da situação extralinguística. Essas expressões referenciais são chamadas dêiticas,
porque, para que possamos identificar a que elas se referem, precisamos ter conhecimento sobre o ponto
de origem dos interlocutores no momento da enunciação, seja apontando para eles próprios, seja
localizando o referente no tempo e no espaço desses interlocutores.

Dêixis (grego) = “apontar” ou


“indicar”

O termo dêixis se origina de uma palavra grega que significa “apontar” ou “indicar” e tem como maiores
exemplares o uso dos demonstrativos, como “este”, “esse” “aquele”; dos pronomes da primeira e da
segunda pessoa, como “eu”, “tu”, “você”; dos advérbios de tempo e lugar específicos, como “agora” e “aqui”.
Todas essas formas podem ser reforçadas e confirmadas por uma variedade de outros traços gramaticais
ligados diretamente às circunstâncias da enunciação, como se pode conferir na tirinha abaixo:

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Cadê minha jaqueta? Eu já olhei em todo canto! Debaixo da cama, em cima da cadeira...na escada, na sala, na cozinha... Não tá em lugar nenhum! Oh,
aqui está! Quem foi que colocou nesse armário estúpido?

Fonte [4]
Note que, diferentemente de outros termos que indicam espaço, como “na escada”, “na sala”, “na
cozinha”, que não exigem que se saiba onde se encontra o locutor na hora em que as enuncia, as
expressões referenciais aqui e nesse armário estúpido remetem ao lugar onde se encontra o locutor no
momento da enunciação. Esse processo de referir-se a entidades que só podem ser reconhecidas a partir
dessas coordenadas de pessoa do discurso, tempo e espaço, a Linguística de Texto nomeia como dêixis. Os
elementos que as expressam são denominados de dêiticos.

No caso de nossa tirinha, o emprego dos dêiticos contribui para a quebra de expectativa, fundamental
nos textos humorísticos, uma vez que o esperado era que a jaqueta estivesse no armário, mas não para o
23
nosso personagem, que é desorganizado, e já havia percorrido todos os lugares mais prováveis que o
esperado pela maioria de nós.

A dêixis constitui, assim, o modo como está textualizado, nas línguas naturais, a dependência entre a
linguagem e o contexto. Ela difere de um processo anafórico, porque introduz um referente exigindo que se
saiba quem fala, com quem se fala, onde e quando se passa a comunicação, diferentemente da anáfora que
sendo uma retomada, mantém o referente em foco.

Há casos, entretanto, em que os dois processos de referenciação, anáfora e dêixis, se entrecruzam. No


exemplo a seguir, analisado por Cavalcante (2003), temos uma ilustração disso.

O melhor emprego que Lula arranjou foi o de operário numa metalúrgica,


onde se fabricam carros. Foi lá que ele começou a se destacar.

Nesse exemplo, lá retoma cotextualmente ‘metalúrgica’, na expressão numa metalúrgica, constituindo


por tanto uma expressão anafórica. Ao mesmo tempo, lá pode ser considerado dêitico, tendo em vista que
expressa a distância do falante em relação ao lugar de onde fala, haja vista que a dêixis de lugar também
pode ser apresentada por meio dos pronomes demonstrativos, os quais tomam como ponto de partida a
localização do falante.

Para ficar mais fácil sua compreensão, clique na lição animada.

Além da dêixis de pessoa e de tempo/lugar, existem, de acordo com Levinson (2007), os dêiticos
sociais. Estes dizem respeito às formas escolhidas para o tratamento nos relacionamentos sociais. A
escolha de termos para se fazer referência a pessoas está pautada em normas sociais que condicionam a
comunicação a ser mais ou menos formalizada, que vai depender do grau de intimidade, dos objetivos
comunicativos, enfim dos contextos situacionais que exigem formas mais ou menos polidas.

VEJAMOS COMO ISSO OCORRE EM UM TEXTO HUMORÍSTICO VEICULADO NA


INTERNET
Segue um exemplo de atendimento digital (robô), com a breve participação de um atendente
passivo (receptivo), quando você liga para a Maderfáquer Corporation pra reclamar que não
consegue se conectar à internet:

24
Bem-vindo ao sistema de atendimento digital da Maderfáquer Corporation. A qualquer
momento, digite a opção que desejar, ou tecle 0 para repetir o menu... Se você é cliente da
Maderfáquer Corporation, digite 1, se você não é cliente digite 2...(você digita 1)

Para informações sobre internet, digite 1, para telefonia, digite 2... (você digita 1)

Para internet discada, digite 1, para internet banda larga, digite 2 (você digita 2)

Para conexão residencial, digite 1, para comercial ou grupos, digite 2... (você digita 1)

Para adquirir serviços de banda larga e melhoras de conexão, digite 1, para suporte, digite 2...
(você digita 2)

Para problemas com hardware ou instalação, digite 1, para suporte, digite 2... (você digita 2)

Por favor, aguarde, estamos transferindo sua ligação para um de nossos atendentes...

(musiquinha vagabunda tocando)

musiquinha vagabunda continua tocando)

(o telefone toca 6 vezes)

(a musiquinha vagabunda volta)

Por favor, não desligue, sua ligação é importante pra nós.

(começa uma propagandinha dos serviços da empresa)

(a propagandinha dos serviços da empresa prossegue)

(a propagandinha dos serviços da empresa começa a repetir desde o começo)

(o telefone chama mais 5 vezes)

Maderfáquer Corporation, Reginalda, boa tarde... (você diz que sua assinatura com o provedor
venceu e deve ser reativada)

Senhor, cancelamentos e reativações, somente com o departamento de vendas e


cancelamentos, mas eles já encerraram o atendimento hoje. (você desliga xingando)

Fonte: http://desciclo.pedia.ws

Apesar do tom humorístico, é exatamente assim que nos orientamos em cada momento da enunciação.
Assumimos uma condição social e, ao mesmo tempo, escolhemos como iremos nos relacionar com o outro,
seja de maneira respeitosa, como “Senhor”; seja de maneira mais informal, como “você”, e essa escolha
determina uma seleção lexical, um registro e uma série de elementos necessários à interação.

Assim, a referenciação implica orientar-se para um lugar de atenção (um objeto) e para o interlocutor,
em um processo de interação simultâneo e, em parte, condicionado pelas regras sociais estabelecidas entre
os falantes.

O ouvinte/leitor é, então, um participante ativo do processo de construção do texto a partir de


conhecimento prévio e esquemas conceptuais que, evocando cenários mentais estruturados, possibilitam-
lhe reconstruir o significado do texto através de inferências, pressuposições e predições (KOCH;
MARCUSCHI, 1988; MONDADA;

DUBOIS, 2003; CAVALCANTE, 2008; CIULLA e SILVA, 2008; entre outros).

25
EXERCITANDO
Elabore uma análise do texto a seguir, ilustrando a sua argumentação por meio de expressões que
sinalizam para a identificação dos seguintes fenômenos dêiticos: 1) participantes da enunciação; 2) o
lugar de enunciação; e 3) a forma escolhida para o tratamento social.

Depois de ter concluído a sua produção, escolha um(a) colega com o (a) qual você compartilhará,
via mensagem, sua análise, solicitando dele(a) comentários críticos sobre ela. Em função disso, não é
necessário postar o trabalho no portfólio.

Escolha um(a) colega para o (a) qual você remeterá, via mensagem, sua análise, solicitando dele(a)
comentários sobre ela.

Obs.: Não precisa postar no portfólio.

AMANTE PROFISSIONAL DA 4° IDADE


Velho charmoso, com lindos olhos verdes (cobertos com cataratas), loiro (só dos lados),
atlético (sou torcedor), corpo malhado (pelo vitiligo), um metro e noventa (sendo um metro de
altura e noventa de largura).

Atendo em motéis, residências,elevadores panorâmicos, etc. Só não atendo em "drive-in" por


causa das dores na coluna.

Alegro festa de Bodas de Ouro, convenções e excursões da terceira idade.

Meço pressão, aplico injeções e troco fraldas geriátricas...... tudo com o maior charme.

Atendo no atacado e no varejo. Traga suas amigas. Maiores de sessenta e cinco, por força de
lei, não pagam. Mas só terão direito à entrada pela "porta" da frente.

Serão concedidos descontos para grupos geriátricos: quanto mais nova..... maior o desconto.

Por questões de vaidade, não serão permitidas filmagens, pois, no momento, estou precisando
operar de uma hérnia inguinal, meio anti-estética.

Como fetiche posso usar touca de lã, pantufas e cachecóis coloridos.

Outra vantagem: Já tenho "Parkinson" o que ajuda muito nas preliminares.

Total discrição, pois o "Alzhaymer" me faz esquecer tudo que fiz na noite anterior.

Só ativo, pois estou velho mas não sou bobo.

http://mais.uol.com.br/view/e8h4xmy8lnu8/amante-profissional-da-4-idade-04023870E0910366 [5]

REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, M. M. A construção do referente no discurso. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2003
(fascículo).

CAVALCANTE, M. M. Processos referenciais e relações discursivas. XXII Jornada Nacional de Estudos


Lingüísticos, Maceió, 22 a 26 de setembro de 2008.

26
CIULLA e SILVA, A. Os processos de referência e suas funções discursivas: o universo literário dos
contos. Tese de Doutorado em Linguística. Fortaleza: UFC, 2008.

KOCH, I. G. V.; MARCUSCHI, L. A. Processos de referenciação na produção discursiva. Revista Delta, 14,
nº especial, 1988.

LEVISON, S. C. Pragmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos
processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.)
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p.17-52.

27
Linguística de Texto
Aula 02: Referenciação

Tópico 04: Orientação Argumentativa

Uma importante função do processo de referenciação diz respeito à


orientação argumentativa. Essa orientação pode realizar-se pelo uso de
termos ou expressões recategorizadoras, especialmente presente em
gêneros opinativos.

Assim, assumindo que todo referente é, por definição, evolutivo, de vez que seu estatuto informacional
está sempre se modificando na memória discursiva dos interlocutores, Ciulla e Silva (2008) descreve a
recategorização como um recurso referencial pelo qual uma entidade já introduzida no universo do discurso
sofre transformações que são perceptíveis pelo emprego de expressões referenciais renomeadoras.
Cavalcante (no prelo) demonstra como essas transformações podem ocorrer mesmo sem o uso de
expressões recategorizadoras.

De acordo com Cavalcante, a função de recategorizar referentes pode se somar a qualquer processo
referencial, pois seu objetivo é fazer evoluir uma dada entidade dentro do discurso – uma circunstância
natural, previsível e esperada, para um referente em qualquer texto.

A necessidade de renomear advém da sensação de inadequação de determinadas formas de designar,


pois, como observa Mondada (1994), muitas vezes, quando o falante sente que um dado lexema fornece
uma descrição insuficiente ou insatisfatória de um referente, ele apela para um sintagma nominal mais ou
menos longo que atenda melhor a seus interesses enunciativos.

Com base em Jaguaribe (2005), uma noção de recategorização não completamente atrelada ao uso de
expressões referenciais, mas como um processo cognitivo-discursivo mais amplo, em que as modificações
por que passa o objeto referido se revelam em variados índices cotextuais e podem, por meio deles, ser
reconstruídas pelo ouvinte.

Veja como a orientação argumentativa se dá por meio da recategorização abaixo:

Às vezes, ainda se ouve por aí alguém dizendo que sexo sem amor não dá.
Soa um tanto ingênua a alegação, meio fora de tempo, como um simca
chambord atrasando o tráfego. Amor, o que é isso? Coisa mais anos 50... (...) O
que se quer dizer, quase sempre, não é que sexo precisa de amor, mas que sexo
precisa de narrativa.Citado por MACHADO; LOUSADA; ABREU-TARDELLI (2004)

Nesse trecho, note que a expressão “sexo sem amor” é recategorizada como “um simca chambord”,
para, a seguir, traduzir-se em “sexo precisa de narrativa”. Esse movimento conduz o leitor a rever uma
categorização mais previsível que é a de “sexo sem amor não dá”.

No texto a seguir, veja como o produtor do texto conduz o leitor a mudar seu ponto de vista com base
na orientação argumentativa das expressões referenciais:

Chat, pra quem não sabe, é um lugar onde fica uma porção de chatos, todos
com pseudônimos (homem diz que é mulher e mulher vira homem) a te
perguntar: você está aí? Citado por MACHADO; LOUSADA; ABREU-TARDELLI
(2004)

28
Neste exemplo, a expressão “chat” é recategorizada em “um lugar onde fica uma porção de chatos”,
pois temos um modo particular de consideração, de avaliação, daí dizermos que ocorre a recategorização.

De acordo com Mondada e Dubois (2003), as categorias utilizadas para descrever o mundo mudam,
sincrônica e diacronicamente, elas são múltiplas e inconstantes e, por vezes, são controversas. Desse modo,
a variabilidade das categorizações sociais mostra que há sempre muitas categorias possíveis para
identificar uma pessoa que pode, igualmente, ser tratada de “antieuropeia” ou de “nacionalista”, “traidor” ou
“herói”, segundo o ponto de vista adotado.

Veja como isso se dá em uma passagem do conhecido conto “A cartomante”, de Machado de Assis:

Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não


queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em
criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um
arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu
e que aos vinte anos desapareceram. No dia em
que deixou cair toda essa vegetação parasita, e
ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse
recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os
Fonte [6] na mesma dúvida, e logo depois em uma só
negação total.

Nesse trecho, o personagem Camilo hesita em reprimir Rita que havia consultado uma cartomante. Ele,
Camilo, não queria arrancar as ilusões de Rita e lembra de um conjunto de crendices que lhe foram incutidas
por sua mãe, com a expressão um arsenal inteiro de crendices. Essa expressão, que em um primeiro
momento se apresenta de maneira mais neutra, ganha conotação mais negativa ao ser recategorizada
como essa vegetação parasita e tronco. Desse modo, o produtor do texto conduz o leitor a um determinado
ponto de vista, usando, nesse caso, sintagmas nominais cuja conotação avalia negativamente o que vinha
sendo apresentado anteriormente.

FÓRUM
No texto a seguir, identifique as expressões anafóricas recategorizadoras e até outras pistas
contextuais que levem à recategorização de Thiago Lacerda. A seguir, discuta no fórum desta aula:
como a recategorização de um referente contribui para a orientação argumentativa? Outros exemplos
poderão ser trazidos.

BON VIVANT
Bon vivant

EM SALVADOR, O EVA CONFERIU O LANÇAMENTO DO PERFUME "JET" DA AVON E


CONVERSOU COM O ATOR THIAGO LACERDA. EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, ELE DEIXOU CLARO
QUE NÃO SE DESLUMBRA COM O RÓTULO DE GALÃ

Se na televisão é considerado o príncipe dos contos-de-fada de uma legião de mulheres,


imagine pessoalmente... "Ele é muito melhor do que parecia ser" - era a frase uníssona no
restaurante Amado, durante lançamento do perfume "Jet" da marca Avon, em Salvador.
Magnetismo à parte, afinal não se sabe de onde vem tanto charme, não é à toa que o ator Thiago

29
Lacerda é símbolo de beleza masculina, com 1,95m de altura, um par
de olhos verdes e sorriso sempre aberto.

Mas, apesar de tudo isso, ele confessa-se tímido. Pode?! "Sempre


fui. Hoje um tanto menos, mas ainda sou. Nunca gostei do rótulo de
galã. É bem melhor ser tachado como um bom ator". E não restam
dúvidas de que o é! Com mais de dez participações na TV, começou
cedo a carreira. Por debaixo das águas, escondeu a timidez e ganhou
as atuais formas do corpo. Em 15 anos dedicados à natação, adquiriu
mais de 150 medalhas e uma altura invejável. Contudo, a faculdade de
Economia lhe tirou o tempo para o esporte. "Nem me formei. Os
palcos tomaram conta da minha vida", diz o ator.

E, quando menos esperava, surgiu, na Rede Globo, um papel na


novelinha teen "Malhação". "Não tenho artistas na família. Felizmente,
entrei para a televisão e nunca mais saí. Estou onde deveria estar".

No ar com o personagem Bruno da trama global "Viver a Vida", passou dois meses na Jordânia
e em Israel para gravar as primeiras cenas do fotógrafo "bon vivant" que irá se envolver com
Helena, interpretada por Taís Araújo. Depois de papéis marcantes como Aramel (Hilda Furacão -
1998), Matteo ("Terra Nostra" - 1999) e Giuseppe Garibaldi (A Casa das Sete Mulheres - 2003),
Thiago só "agarra" um trabalho se realmente valer a pena. "Não sou deslumbrado com esse mundo
e nem crio expectativas. Após 12 anos de carreira, faço questão de projetos desafiadores".

Realista

O título de um dos homens mais lindos do País - e por que não do mundo? - é mais que
merecido. Mas, surpreendentemente, tanta beleza não é causa de grandes esforços. "Prefiro jogar
vôlei e andar de bicicleta a fazer academia. Tenho uma alimentação balanceada, porém não me
privo de um bom chope ou vinho".

Quanto ao estilo de vestir, Thiago é adepto do casual-esportivo. Formalidade não prevalece em


seu dicionário, pois cuidar da mente à aparência. "Sou um cara simples e procuro viver sem
exageros".

Socialmente engajado, também aderiu à campanha "Avon contra o câncer de mama". De


acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no País, cerca de 10 mil mulheres
morrem, anualmente, porque 60% dos casos são detectados em estágio avançado. "Devemos nos
atentar para o exterior, mas jamais esquecer o nosso interior", afirma Thiago.

Aos 31 anos, é consciente de que com o tempo não se brinca. O passar dos anos, longe de
assustá-lo, é motivo de orgulho. "Sou a favor de cada uma das minhas rugas. Sou melhor que
antes". Quanto à intimidade, a exposição é feita a conta-gotas. Casado há dois anos com a atriz
Vanessa Lóes, é pai de Gael, que o define como seu "melhor presente". "Eles estão muito bem,
obrigado", diz com uma risadinha irresistível de quem prefere parar o assunto por aí. Que assim
seja!O Eva viajou a Salvador a convite da Avon

Extraído de: Diário do Nordeste.

Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=672106 [7]

30
REFERÊNCIAS
ASSIS, M. A cartomante. In: Várias histórias. São Paulo: Globo, 1997.

CAVALCANTE, M. M. Referenciação e uso. (no prelo).

CIULLA e SILVA, A. Os processos de referência e suas funções discursivas: o universo literário dos
contos. Tese de Doutorado em Linguística. Fortaleza: UFC, 2008.

JAGUARIBE, V. M. F. A recategorização no texto literário - as negociações discursivas em poemas. 2005.


75 p. Projeto de Tese de Doutorado – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.

MACHADO; LOUSADA; ABREU-TARDELLI. Resenha. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

MONDADA, L. Verbalisation de l’espace et fabrication du savoir: approche linguistique de la construction


des objets de discours. Lausanne : Université de Lausanne, 1994.

MONDADA, L.; DUBOIS, D. Construção dos objetos de discurso e categorização: uma abordagem dos
processos de referenciação. In: CAVALCANTE, M. M.; RODRIGUES, B. B.; CIULLA, A. (Orgs.)
Referenciação. São Paulo: Contexto, 2003, p.17-52.

Fontes das Imagens

1 - http://www1.ci.uc.pt/pessoal/mportela/arslonga/teia.jpg
2 - https://exercicios.brasilescola.uol.com.br/exercicios-redacao/exercicios-sobre-interpretacao-texto-nas-tirinhas-mafalda.htm
3 - http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/2009/09/27/ult4477u2088.jhtm
4 - http://newbaforever.wordpress.com/2008/06/20/quadrinhos-calvin-e-haroldo/
5 - http://mais.uol.com.br/view/e8h4xmy8lnu8/amante-profissional-da-4-idade-04023870E0910366
6 - http://i124.photobucket.com/albums/p9/zine_brasil/Cartomante.jpg
7 - http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=672106

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Linguística de Texto
Aula 03: Intertextualidade

Tópico 01: Intertextualidade Lato Sensu

VERSÃO TEXTUAL
Por um acaso, você já leu algum texto e teve a impressão de que ele te lembrava um outro que
você tinha lido em outro lugar? Provavelmente sim, pois isto é muito comum e recebe o nome técnico
de intertextualidade. Nesta aula, vamos tratar do que se entende por intertextualidade.

Fonte [1]
Há algum tempo, a intertextualidade vem sendo um dos grandes focos de estudo, sob as mais
variadas perspectivas teóricas. A Linguística Textual, que se fundamenta em várias teorias a ela
antecedentes, incorpora o postulado dialógico de Bakhtin (1929), de que um texto não pode ser concebido
isoladamente, mas, sim, dependente de outros textos com os quais está diretamente relacionado.

Bakhtin apresenta um conceito abrangente de “texto” como sendo “um conjunto coerente de
signos” (BAKHTIN, 1997, p. 329), o que diz respeito a toda produção cultural com base na linguagem. Isso,
mais tarde, pode ser levado ao entendimento do que se chama de intertextualidade. Ao mesmo tempo,
com a definição de “dialogismo”, o autor rompe com velhas tradições da Literatura para, enfim,
compreender o texto como interação não apenas com discursos prévios, mas também com os
enunciadores do mencionado discurso. Para esse teórico, o processo de leitura não pode ser concebido
desvinculado do conhecimento adquirido por meio dos mais variados textos, já que o princípio dialógico
permeia a linguagem e confere sentido ao discurso, elaborado sempre a partir de uma multiplicidade de
outros textos. Isso quer dizer, então, que qualquer enunciação é intertextual, nesses termos, e não será
esta a perspectiva que adotaremos.

Com o objetivo de analisar a presença de outros textos naquilo que produzimos (fala, escrita e
leitura), Koch et al (2007) procuram dar conta de duas facetas do fenômeno:

A intertextualidade em sentido amplo (lato sensu) - constitutiva de todo e qualquer discurso;

A intertextualidade stricto sensu - em que há a presença necessária de um intertexto.

32
Para entendermos o que é intertextualidade, partimos da definição de Koch, (2000 p. 46) de que “a
intertextualidade diz respeito aos modos como a produção e recepção de um texto dependem do
conhecimento que se tenha de outros textos com os quais ele, de alguma forma, se relaciona”.

ORIGENS DO CONCEITO
A crítica literária Kristeva, com base no postulado de dialogismo de Bakhtin, em um trabalho
publicado na década de 60, introduz o conceito de intertextualidade definindo-o a partir da ideia
de que todo texto se constrói como um "mosaico de citações". Dita definição acarreta a
consideração de que a intertextualidade é um fenômeno que se encontra na base do próprio texto
literário, imbricada com a inserção deste num múltiplo conjunto de práticas sociais relevantes.

Outro crítico literário, Barthes, nos anos 70, levou as implicações da intertextualidade para
ainda mais além do que a dissolução da autoria proposta por Kristeva, chegando à
desestabilização do próprio texto, uma vez que o texto apoia-se na evocação de tantos outros
textos. Riffaterre, nos anos 80, procurou estabelecer uma base para o sentido e para a
interpretação textuais no ambiente linguístico, ou intertextos, dentro do qual o texto é lido, ou
seja, para o autor, você só consegue construir sentido de um texto com base em seu
conhecimento enciclopédico adquirido por meio de outros textos. Os três críticos literários,
anteriormente mencionados, levantaram questões amplas e anti-históricas acerca do status do
autor e da originalidade da interpretação.

A base do conceito de intertextualidade está na Literatura, como pudemos observar nos trabalhos
mencionados de Kristeva, Barthes e Riffaterre, por exemplo. Somente nos anos 90, os estudiosos da
Linguística de Texto começaram a dedicar-se a esse fenômeno, uma vez que se verificou que a sua
ocorrência extrapola em muito a literatura, estando presente em todo e qualquer contexto comunicativo.

Nos tópicos seguintes, discutiremos algumas formas mais representativas de relação intertextual
estudadas no âmbito da Literatura e da Linguística de Texto, relativas à intertextualidade stricto sensu, que
está dividida em relações por copresença e por derivação.

Organizamos nos tópicos 2, 3 e 4 a classificação proposta por nós com base nas tipologias de
Genette (1982), Piégay-Gros (1996), Bazerman (2006) e Koch et al (2007). Representamos as categorias
de relação intertextual que serão abordadas nesta aula a partir dos esquemas a seguir:

Tópico 02 e 03

33
Tópico 04

REFERÊNCIAS
BAZERMAN, C. Intertextualidade: como os textos se apóiam em outros textos. In: Gênero, agência e
escrita. HOFFNAGEL, J. C.; DIONÍSIO, A. P. (Org.). São Paulo: Cortez, 2006, p. 87-103.
_____. Intertextualidades: Voloshinov, Bakhtin, Teoria Literária e Estudos de Letramento. In: Escrita,
gênero e interação social. HOFFNAGEL, J. C.; DIONÍSIO, A. P. (Org.). São Paulo: Cortez, 2007, p. 92-
109.
KOCH, I. V. G. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 2000. p. 46.
KOCH, I. G. V., et al. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2007.

34
Linguística de Texto
Aula 03: Intertextualidade

Tópico 02: As relações intertextuais por copresença

Como vimos, o conceito de intertextualidade é estudado em diferentes


áreas, o que gera distintas perspectivas, assim como distintas categorias
analíticas, em decorrência do pressuposto dialógico da linguagem discutido no
tópico 1. Se entendermos a intertextualidade numa perspectiva ampla (lato
sensu), então sempre haverá relação entre todo e qualquer texto já produzido ou
que será produzido, mesmo que não haja marcas explícitas para tanto, o que
caracteriza a intertextualidade stricto sensu.

Neste tópico, vamos estudar as relações intertextuais estabelecidas por copresença, que são aquelas
em que é possível perceber, por meio de distintos níveis de evidência, fragmentos de textos previamente
produzidos que são encontrados em outros textos. Os estudos recentes da Literatura e da Linguística de
Texto apontam quatro formas principais de intertextualidade copresencial. Entre essas quatro formas, há
uma escala, segundo Genette (1982), que vai do mais explícito (citação) ao menos explícito (alusão).

Ressaltamos que a escolha por uma forma de estabelecimento não implica a anulação das demais,
pelo contrário, é bastante comum a convivência de diversas formas de relação intertextual num único texto,
como veremos em vários exemplos a seguir.

Citação
Pode-se afirmar que a citação canônica é a forma mais evidente de demarcação de intertexto, uma vez
que é realizada por sinais tipográficos diversos (como aspas, recuo de margem, itálico, diminuição de fonte
etc.) que demarcam uma fronteira entre a produção original de um autor e o intertexto citado, conforme
percebemos no exemplo a seguir:

EXEMPLO
Exemplo de citação canônica

15/09/2009 - 08h00

Em Boa Vista, Dilma chama Roraima de Rondônia


da Folha de S.Paulo

"Esse país está mudando, e Rondônia mudando mais rápido que nosso país", discursou a ministra
Dilma Rousseff (Casa Civil) ontem para cerca de 15 mil pessoas em Boa Vista, capital de Roraima.

Ao perceber um silêncio seguido de vaias, a ministra se deu conta da gafe e se desculpou.

35
Dilma voltou de férias nesta segunda-feira e acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em
viagem a Roraima.

Dilma tirou uma semana de férias. Ontem, com Lula, ela participou da cerimônia de descerramento
de placa alusiva à inauguração do terminal de passageiros do Aeroporto Internacional de Boa Vista,
entre outras atividades.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u624072.shtml [2]

Nessa notícia, um trecho do discurso da ministra da casa civil, Dilma Roussef, candidata à presidência
do Brasil nas eleições 2010 pelo PT, foi reproduzido, configurando-se uma citação. Nesse caso específico,
conforme é prática dos gêneros do âmbito jornalístico, o intertexto é marcado por aspas. Neste exemplo,
chamamos a atenção para a função discursiva do trecho citado, qual seja, a de apresentar com exatidão a
gafe da ministra. Notem, entretanto, que o título da notícia parafraseia o trecho posteriormente citado e
acaba direcionando a interpretação do leitor, pois o verbo chamar está usado com o sentido de confundir, de
modo que a citação também pode servir para desfazer esse julgamento. Um outro ponto relevante a
respeito da função discursiva da intertextualidade diz respeito às escolhas. Neste texto, escolheu-se fazer
citação do trecho em que ocorre o equívoco da ministra, mas o pedido de desculpas é somente nomeado.

Ainda resta dizer que gêneros textuais da área jornalística e, mais especialmente, acadêmica têm
formas padronizadas de citação, pois na maioria das vezes as relações intertextuais por meio de citação
exercem a função discursiva da autoridade, ou seja, há necessidade de se recorrer à palavra especializada
para se sustentar o que está sendo dito.

Vale ressaltar que nem toda citação vem necessariamente marcada, seja com aspas, seja com itálico
ou outro tipo de evidência. Vejamos a tirinha abaixo.

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Espelho, espelho meu... Existe garota mais bonita que eu?
Quem cala consente!

Fonte [3]
Você consegue reconhecer a citação, mesmo não estando marcada? No primeiro quadrinho, a
personagem Mônica repete as palavras da Madrasta da personagem Branca de Neve: “Espelho, espelho
meu”, configurando um exemplo de citação não marcada.

36
Fonte [4]
O plágio se configura como uma apropriação indevida ao texto alheio, como se a autoria fosse do
plagiário. Muitas vezes tal prática é deliberada, de modo que se procura ocultar o intertexto. Outras vezes,
porém, é efeito de um desconhecimento de formas de demarcação de autoria, como em práticas discursivas
do mundo acadêmico, em que se deve marcar a propriedade do que é dito a partir da referência ao autor e à
data de publicação onde as ideias discutidas (por meio de citações e paráfrases) se encontram inseridas.
Vejamos o conteúdo de um email cujo assunto era “Carta aberta: plágio no meio acadêmico”.

CARTA ABERTA: PLÁGIO NO MEIO ACADÊMICO

De: Comissão de Pós-Graduação do IEL <cpgiel@iel.unicamp. br>


Assunto: [Pos-l] Fw: Carta aberta: plagio no meio academico
Para: "pos-l" <pos-l@listas. iel.unicamp. br>
Data: Sexta-feira, 4 de Setembro de 2009, 20:13
Poderiam repassar para a comunidade acadêmica? Obrigada.

UMA CÓPIA GROSSEIRA


Sérgio de Castro Pinto*

Na esteira do amigo José Nêumanne Pinto, vou direto ao assunto:a Professora Adiane Fogali
Marinello, da Universidade de Caxias do Sul (RGS), em um ensaio de treze páginas – "O Lugar da
infância na poesia de Mario Quintana" –, publicado no livro "Na Esquina do Tempo - 100 anos com
Mario Quintana" (Editora da Universidade de Caxias do Sul, RGS, 2006), copiou trechos inteiros do
meu livro "Longe daqui, aqui mesmo – a poética de Mario Quintana" (Editora Unisinos, São
Leopoldo, Rio Grande do Sul, 2000), originariamente tese de doutorado defendida no Curso de Pós-
Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba.
O citado volume foi organizado pelos Professores João Cláudio Arendt e Cinara Ferreira Pavani,
ambos integrantes do corpo docente daquela instituição gaúcha.
  Vamos, porém, ao que interessa: demonstrar que trechos do meu livro e do ensaio da Professora
Adiane Fogali Marinello, são, sem tirar nem pôr, rigorosamente os mesmos. Eis o que eu escrevo na
página 13: "(...) um poeta cujo ecletismo funde e inter-relaciona a tradição com a renovação".
Vejamos, agora, o que a referida professora escreve na página 101, do livro "Na Esquina do Tempo
– Cem anos com Mario Quintana": "(...) trata-se de um poeta cujo ecletismo funde e inter-relaciona
a tradição com a renovação". E o que eu escrevo na página 18 : "(...) cujas inovações não
encobriam de todo os traços neo-simbolistas que impregnavam a maioria deles", com o que ela
escreve na mesma página 101: "(...) mas as inovações nela apresentadas não encobrem de todo os
traços neo-simbolistas que as impregnam". E tem mais, muito mais. Senão, observemos um trecho
do meu ensaio: "Uma vez que estreou em 1940, cronologicamente poderia ser considerado um
integrante da chamada Geração de 45. Mas não o foi no essencial, ou seja: na linguagem" (página
19). E o que ela escreve como sendo de sua autoria, na página 102: "Por outro lado, uma vez que

37
estreou em 1940, cronologicamente poderia ser considerado um integrante da chamada Geração
de 45. Contudo, não o foi no essencial: na linguagem de matiz coloquial a par de uma temática
regida pelo cotidiano, que se aproxima muito mais do Movimento de 22". O arremate desse período,
ela o copiou, de forma literal, de um trecho da página 22 do meu livro: "(...) o poeta incorporou do
modernismo uma linguagem de matiz coloquial a par de uma temática regida pelo cotidiano". Tem
mais. Página 19, do meu livro: "(...) o quanto se torna difícil situar e avaliar a obra de Quintana no
contexto da lírica nacional". Página 102, do livro "Na Esquina do Tempo – 100 anos com Mario
Quintana": "Apesar de ser difícil situar e avaliar a obra do poeta no contexto da lírica nacional..." Já
na página 76, eu escrevo: "Quer dizer: se o 'hábitat' natural dos sapatos é o chão, quem os colocou
'próximos' ao Céu não o fez movido por nenhuma predisposição nefelibata, mas pelo desejo de
minorar, nem que fosse ilusoriamente, as agruras da vida terrena. Daí os sapatos do Soneto XV
cumprirem uma função metonímica e possuírem atributos humanos, além de emprestarem uma
contextura concreta ao mundo subjetivo do sujeito emissor". Trecho copiado pela professora, com
ligeiras modificações, na página 103: "Como o local em que, normalmente, os sapatos ficam é o
chão, supõe-se que eles tenham sido colocados próximos ao céu com o objetivo de minorar as
amarguras e dissabores da vida terrena. Ao adquirirem atributos humanos, esses objetos
emprestam uma contextura concreta ao mundo subjetivo do emissor, cumprindo uma função
metonímica". Por último, página 76, do livro "Longe daqui, aqui mesmo – a poética de Mario
Quintana", de minha autoria: "Tanto que costumam distinguir e enfatizar na sua obra os recursos
parnaso-simbolistas em detrimento de alguns preceitos da poesia moderna que a permeiam, dentre
eles a materialização dos sentimentos a partir dos atos e das coisas banais do cotidiano". Página
105, do livro "Na Esquina do Tempo – Cem Anos com Mario Quintana": "Pode-se afirmar,
consequentemente, que a materialização dos sentimentos a partir dos atos e das coisas banais do
cotidiano aproxima Quintana da vida moderna".
A minha reação, num primeiro instante, foi relevar a atitude da Professora Adiani Fogali Marinello.
Posteriormente – e já mesmo por conta do clima de impunidade que grassa em todo o país –,
resolvi tomar algumas providências. Uma delas, a de denunciá-la através deste artigo que, enviado
para editoras, universidades, professores, etc., talvez a iniba de, novamente, usurpar o patrimônio
intelectual alheio.

Um fato curioso a respeito desse texto é que ele, valendo-se do amplo de massa possibilitado pelas
novas tecnologias, circulou por meio de e-mails numa espécie de corrente de repúdio a essa prática. O autor,
para comprovar a configuração do plágio, utilizou do recurso de citação, mostrando em que momentos teve
seu texto reproduzido sem, entretanto, nenhuma referência de sua autoria. Cabe ainda lembrar que o plágio
não se restringe à cópia fiel de textos, no sentido de que ideias também podem ser plagiadas, ou seja, fazer
paráfrase de textos sem especificar de onde surgiram as ideias informadas também constitui plágio,
embora mais difícil de ser comprovado.

Referência
Entende-se por referência o processo de remissão a outro texto sem necessariamente haver citação de
um trecho de outro texto. A remissão pode realizar-se, por exemplo, por meio da nomeação do autor do
intertexto, do título da obra e/ou de personagens de obras literárias etc. Vamos ler o texto abaixo?

Notícias do submundo

( Samuel Rosa/Chico Amaral)

Todos ouvem o sinal


Que atravessa a galeria

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No sentido da central
A serpente risca o underground
Entra gente em profusão
Nas entranhas do metrô
Como Ulisses na Odisseia
Quantos deles poderão voltar?

Veja só o mar
Que se abre um abismo
E cospe as notícias da semana
As paredes vêm trazer
Os jornais do subway
Estações do inferno e céu
Cujo nome exato eu não sei
As artérias, os pulmões
Plenos de desilusão
Vejo a mim não vejo mais
Tudo aqui dispara em lentidão
Veja só o mar
Que se abre um abismo
E cospe as notícias da semana

Ninguém percebeu
E você enxerga algo
Que ultrapassa as folhas da vidraça

MULTIMÍDIA
Que tal escutar a canção “Notícias do Submundo”? Clique no link abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=clyTDDq8K38 [5]

Num trecho dessa canção gravada pelo grupo Skank (Estandarte, 2008), há uma referência à Odisseia
feita por meio do título desta obra e do nome da personagem principal, Ulisses, de modo que é necessário
ao interlocutor um conhecimento prévio acerca do conteúdo da obra referida para construir, principalmente,
o sentido dos versos Quantos deles poderão voltar?, uma vez que a obra em remissão trata do conturbado
regresso de soldados à sua terra, após Troia ser derrotada. No poema, apenas a personagem Ulisses
consegue retornar a seu lar, Ítaca, vinte anos depois de sua partida.

No meio acadêmico, as referências costumam ser indicadas por meio do último sobrenome do autor,
seguido do ano de publicação da obra na qual as ideias são parafraseadas. De forma menos recorrente,
coloca-se o título da obra. Vejamos:

Segundo Koch (1997), uma das regras para o emprego dos artigos como
formas remissivas é aquela em que um referente, ao ser introduzido por um
artigo indefinido, somente pode ser retomado por um artigo definido. (BENTES,
2008, p. 279)

39
No excerto acima, em nenhum momento há uma citação direta, mas, ainda assim, percebemos uma
relação intertextual. O texto original é parafraseado, isto é, adaptado ao discurso da autora desse texto,
marcando-se o intertexto por meio da referência, tanto para identificar a propriedade intelectual das
informações, quanto para usar de uma autoridade ao se fazer certas afirmações. Sem a referência à obra
original (KOCH, 1997), a autoria teria se apropriado das ideias e teria se configurado o plágio. Além de ser
uma referência, há também uma paráfrase, como veremos no tópico 3, evidenciando o fato de que podem
convergir no mesmo texto diversos tipos de relação intertextual.

EXERCITANDO 1
Vamos estudar um pouco: que tal identificar em quais textos apresentados há exemplos de
referência? Não deixe de especificar o intertexto.

TEXTOS

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
O ovo ou a galinha? Quer saber quem nasceu primeiro? Não! Quero saber o que eu como primeiro...

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Pai! Conta uma história pra eu dormir?
Tá bem, filho! Que história você quer ouvir?
Aquela que eu gosto mais!
Já sei!
“Era uma vez, três porquinhos...

40
DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Sou seu escravo! Pode pedir o que você quiser!

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Não se preocupe Magali! A gente não vai se pelder!
Eu estou malcando o caminho com pipocas!

Você com certeza não conseguiria fazer as relações intertextuais se não ativasse conhecimentos
prévios relativos a contos de fadas e a ditados populares.

Alusão
Diferentemente da referência, que apresenta marcas explícitas por meio das quais é possível
reconhecer o intertexto ao qual se está fazendo remissão (tais como nome do autor, título da obra, nome de
personagens etc.), a alusão é implícita, isto é, não apresenta marcas diretas e, portanto, seu reconhecimento
demanda maior capacidade de inferência por parte do enunciador. Vejamos um trecho da canção Terra (do
álbum Muito, lançado em 1978), do cantor e compositor baiano Caetano Veloso:

DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Terra – Caetano Veloso
Ninguém supõe a morena dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema mando um abraço pra ti

41
Pequenina como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba
Terra, Terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Paraíba – Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga
Quando a lama virou pedra
E Mandacaru secou
Quando a Ribaçã de sede
Bateu asa e voou
Foi aí que eu vim me embora
Carregando a minha dor
Hoje eu mando um abraço
Pra ti pequenina
Paraíba masculina,
Muié macho, sim sinhô
Eita pau pereira
Que em princesa já roncou
Eita Paraíba
Muié macho sim sinhô
Eita pau pereira
Meu bodoque não quebrou
Hoje eu mando
Um abraço pra ti pequenina
Paraíba masculina,
Muié macho, sim sinhô

Na canção de Caetano, há versos que aludem a uma outra canção, Paraíba, de autoria de Humberto
Teixeira e Luiz Gonzaga. O interessante é que na canção Terra o eu-lírico compara a si próprio com o
‘saudoso poeta’ (Humberto Teixeira) e, paralelamente, compara a Terra – tema da canção – com a Paraíba,
tema da canção à qual alude.

De acordo com Koch, Bentes e Cavalcante (2008), nem sempre um coenunciador detém as informações
necessárias para o reconhecimento dos indícios intertextuais da referência e da alusão. Vejamos a letra
dessa canção, gravada recentemente pela cantora Adriana Calcanhotto, no disco Maré de 2008:

PORTO ALEGRE (NOS BRAÇOS DE CALIPSO)


(Péricles Cavalcante)
Amarrado num mastro
Tapando as orelhas
Eu resisti
Ao encanto das sereias
Eu não ouvi
O canto das sereias
Eu resisti
Mas chegando à praia
Não fiz nada disso
Então caí
Nos braços de Calipso
Eu sucumbi
Ao encanto de Calipso
Não resisti
Desde então eu não tive
Nenhum outro vício
Senão dançar

42
Ao ritmo de Calipso
Pois eu caí
Nas graças de Calipso
Não resisti
Ao encanto de Calipso
Só sei dançar
Ao ritmo de Calipso

MULTIMÍDIA
Que tal escutar a canção “Porto Alegre (nos braços de Calipso)”? Clique no link abaixo e acompanhe
a letra. Fonte:

https://www.youtube.com/watch?v=2OgbIKmp-Hg [6]

PORTO ALEGRE - ADRIANA CALCANHOTTO


Amarrado num mastro
Tapando as orelhas
Eu resisti Ao encanto das sereias
Eu não ouvi O canto das sereias
Eu resisti Mas chegando à praia Não fiz nada disso
Então caí Nos braços de Calipso
Eu sucumbi Ao encanto de Calipso Não resisti Depois disso eu não tive Nenhum outro vício Senão
dançar Ao ritmo de Calipso
Pois eu caí Nas graças de Calipso
Não resisti Ao encanto de Calipso
Só sei dançar Ao ritmo de Calipso Calipso
Amarrado num mastro Tapando as orelhas Eu resisti Ao encanto das sereias
Eu não ouvi O canto das sereias
Eu resisti Mas chegando à praia Não fiz nada disso
Então caí Nos braços de Calipso
Eu sucumbi Ao encanto de Calipso Não resisti Desde então eu não tive Nenhum outro vício Senão
dançar Ao ritmo de Calipso
Pois eu caí Nas graças de Calipso Não resisti Ao encanto de Calipso
Só sei dançar Ao ritmo de Calipso Calipso

Nesta canção, há uma série de elementos que remetem a uma passagem da Odisseia, de Homero,
como a referência à personagem Calipso, e a alusão a diversos fatos, como amarrar-se ao mastro e tapar os
ouvidos para evitar o canto das sereias. Além disso, a elevada recorrência ao nome da ninfa pode estar
relacionada ao longo tempo que Ulisses passou ‘preso’ na ilha. Somente compartilhando essas informações
é possível ao coenunciador identificar que o eu-lírico é a personagem Ulisses. A falta de um conhecimento
prévio pode provocar uma leitura inadequada da canção de Péricles Cavalcante, guiada por outras pistas.
Por exemplo, os versos Só sei dançar/ao ritmo de Calipso pode direcionar a uma interpretação relacionada a

43
um determinado ritmo popular brasileiro. Não descartamos, todavia, a possibilidade de um duplo sentido
pretendido pelo autor, mas desejamos ressaltar que uma interpretação calcada somente na referência a um
ritmo popular fica demasiadamente comprometida.

Fonte [7]
O fato aludido na canção Porto alegre (nos braços de Calipso) também foi tema desta gravura sobre um
antigo vaso grego. Curiosamente, a representação das sereias assemelha-se ao que atualmente se
representam como harpias.

EXERCITANDO 2
No último Exercitando, trabalhamos com a referência. Agora pense melhor: aproveitando os
mesmos textos, vamos identificar os exemplos de alusão.

TEXTOS

44
DESCRIÇÃO DA IMAGEM
O ovo ou a galinha? Quer saber quem nasceu primeiro?
Não! Quero saber o que eu como primeiro...
Pai! Conta uma história pra eu dormir?
Tá bem, filho! Que história você quer ouvir?
Aquela que eu gosto mais!
Já sei!
“Era uma vez, três porquinhos...
Sou seu escravo! Pode pedir o que você quiser!
Não se preocupe Magali! A gente não vai se pelder!
Eu estou malcando o caminho com pipocas!

Ainda resta dizer que “os fenômenos da referenciação e da alusão excedem em muito o da
intertextualidade, pois é possível falar de ambas sem estar, necessariamente, diante de ocorrências
intertextuais” (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p. 126), isto é, nem sempre que houver casos de
referência e alusão, há casos de intertextualidade.

O labirinto

45
Este é o labirinto de Creta. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o
Minotauro. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro que Dante
imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de pedra se
perderam tantas gerações. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o
Minotauro, que Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em
cuja rede de pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu
nos perdemos. Este é o labirinto de Creta cujo centro foi o Minotauro, que
Dante imaginou como um touro com cabeça de homem e em cuja rede de
pedra se perderam tantas gerações como Maria Kodama e eu nos perdemos
naquela manhã e continuamos perdidos no tempo, esse outro labirinto.

Neste conto, do escritor argentino Jorge Luís Borges, percebemos referências e alusões ao mito grego
do minotauro (Creta, Minotauro, labirinto) e uma referência ao poeta da renascença italiana Dante Alighieri e
à sua obra, A divina comédia, na qual retoma muitas personagens de mitos antigos, entre os quais o
Minotauro. Todas essas referências são intertextuais, no sentido de que o leitor necessita ter um
conhecimento prévio de tais informações adquiridas por meio dos textos originais ou por adaptações destes
para construir os sentidos do texto. Todavia, há no conto uma referência não necessariamente intertextual,
quando o autor remete o leitor à Maria Kodama, escritora argentina que fora sua esposa.

EXERCITANDO 3
Nem sempre que houver referência e alusão haverá necessariamente intertextualidade. Isso ocorre
porque a referência e a alusão são fenômenos distintos, embora muito semelhantes e extrapolam os
limites da intertextualidade. Uma maneira de fixar essa compreensão é por meio de análises de textos.
Sendo assim, procure comprovar isto analisando a letra da canção a seguir, de Rita Lee. Durante esse
exercício, fique atente e localize alguns exemplos de referência.

MÚSICA
Todas as mulheres do mundo

(Rita Lee)

Mães assassinas, filhas de Maria


Polícias femininas, nazijudias
Gatas gatunas, kengas no cio
Esposas drogadas, tadinhas, mal pagas
Garotas de Ipanema, minas de Minas
Loiras, morenas, messalinas
Santas sinistras, ministras malvadas
Imeldas, Evitas, Beneditas estupradas
Paquitas de paquete, Xuxas em crise
Macacas de auditório,velhas atrizes
Patroas babacas, empregadas mandonas
Madonnas na cama, Dianas corneadas

Socialites plebéias, rainhas decadentes


Manecas alcéias, enfermeiras doentes
Madrastas malditas, superhomem sapatas
Irmãs La Dulce beaidetificadas

46
Toda mulher quer ser amada
Toda mulher quer ser feliz
Toda mulher se faz de coitada
Toda mulher é meio Leila Diniz

47
Linguística de Texto
Aula 03: Intertextualidade

Tópico 03: As relações intertextuais por derivação

VERSÃO TEXTUAL
Vimos até agora as relações intertextuais por copresença, ou seja, quando existe a presença
efetiva de um texto em outro. É possível verificar essa relação por meiodo que chamamos de
"intertexto", que existe quando "as coincidências de fragmentos de textos se constroem pela inserção
no texto da voz de um outro locutor, nomeado ou não, e introduzidos ou não por expressões
prototípicas" (KOCH, BENTES e CAVALCANTE, p. 121).

Neste tópico, vamos nos dedicar a estudar outro tipo de relações intertextuais: as por derivação, que
acontece quando um texto deriva de outro previamente existente. Neste caso, estudaremos a Paródia, o
Pastiche, a Paráfrase e um tipo especial de paródia, que chamamos na Linguística Textual de Détournement.
Vamos a eles.

Paródia

Fonte [8]

No senso comum, atribuímos o termo paródia a músicas bastante conhecidas que passam por uma
transformação na letra, gerando um texto humorístico. Isso é clássico de shows de humor ou de shows de
caça-talentos. Mas, na verdade, a paródia é um recurso bastante criativo que se constrói a partir de um texto-
fonte sendo retrabalhado – ou seja, há uma transformação de um texto-fonte – com o intuito de atingir outros
propósitos comunicativos, não só humorísticos, mas também críticos, poéticos etc. Isso quer dizer que nem
sempre a intenção da paródia é pejorativa.

Nova Canção do Exílio


Carlos Drummond de Andrade

Um sabiá na
palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,

48
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde tudo é belo


e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

CANÇÃO DO EXÍLIO
Canção do Exílio

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu´inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

49
De Primeiros cantos (1847)

Note que a produção do texto de Drummond foi toda baseada num só texto original – A canção do exílio,
de forma a caracterizar o fenômeno da derivação. Muitos outros poemas foram criados a partir deste mesmo
texto. Analisemos um outro exemplo:

Canção do Exílio
Murilo Mendes

Minha terra tem macieiras da Califórnia


onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas,
cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a
prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a
                                            [Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de


                                            [ verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

Veja que o poema de Murilo é uma paródia que transforma a linha argumentativa do poema original.
Enquanto Gonçalves Dias idealiza sua terra, Murilo Mendes, modernista, satiriza a vida no exterior e
desqualifica a terra natal com pesadas críticas, que vão de “poetas pretos que vivem em torre de ametista”, ou
seja, fazem parte de uma classe social inferior e subserviente, passando por filósofos polacos, capitalistas,
que se vendem, até chegar a oradores, que são comparados a insetos. Alheio a isso, há um nacionalismo
crítico, típico do Modernismo, quando afirma que a natureza brasileira de fato é bela, mas nada acessível à
população.

OBSERVAÇÃO
Esta aula está voltada para textos escritos, propriamente. Mas há outros tipos de texto que também
são parodiados. Outras mídias também podem se utilizar deste recurso, que não é restrito a gêneros
escritos.

50
Fonte [9] Fonte [10]

O anúncio, como o exemplar de gênero mais maleável no que diz respeito à estrutura, também se utiliza
de recursos como a paródia para atingir o seu propósito – o de promover um produto. Acima, as pessoas que
virem o anúncio e já tiverem em sua memória discursiva o quadro de Leonardo da Vinci, de imediato
reconhecerão a paródia, protagonizada pelo garoto propaganda do Bombril.

Détournement
Podemos dizer que o Détournement é um tipo de paródia, mas parece restringir-se a textos mais curtos,
muitas vezes a provérbios, frases feitas etc., não chegando a transformar um texto completo em outro, em
todos os casos.

Com claro valor subversivo, o objetivo dos produtores de um détournement é “levar o interlocutor a ativar
o enunciado original, para argumentar a partir dele; ou então ironizá-lo, ridicularizá-lo, contraditá-lo, adaptá-lo a
novas situações ou orientá-lo para um outro sentido, diferente do sentido original” (KOCH, et al, 2007, p. 45)
Veja a propaganda a seguir.

51
DESCRIÇÃO DA IMAGEM
Em boca fechada não entra mosquito

Fonte [11]

A propaganda acima foi produzida com o objetivo de promover o combate à proliferação do mosquito da
dengue e das doenças que ele transmite. Para isso, os autores recorreram ao fenômeno détournement
subvertendo o ditado tradicional “em boca fechada não entra mosca” para “em boca fechada não entra
mosquito”, referindo-se assim não mais à boca de uma pessoa falante, mas às bocas de garrafas vazias. Veja
que, simultaneamente ao fenômeno do détournement, há uma alusão a um provérbio, confirmando o
pressuposto de que é possível haver a convivência de mais de uma forma de relação intertextual.

OBSERVAÇÃO
O détournement é derivado neste aspecto, já que parte de um texto pré-existente, mas também pode
ser por copresença, a partir do momento em que conseguimos encontrar um “intertexto” – um fragmento
por meio do qual se pode recuperar tal provérbio – ou uma alusão a determinados trechos, o que também
constitui uma relação intertextual por copresença, como vimos no tópico 2.

PARADA OBRIGATÓRIA
Existem outros tipos de détournement, e não somente os que remetem a provérbios: frases feitas,
títulos de filmes, títulos de textos literários, clichês, slogans, passagens bíblicas etc. também são alvos
potenciais de serem subvertidos pelos produtores de détournement.

No que diz respeito a frases feitas, vejamos o exemplo abaixo:

DITADOS POPULARES DA ERA DIGITAL

1. A pressa é inimiga da conexão.

2. Amigos, amigos, senhas à parte.

3. Não adianta chorar sobre o arquivo deletado.

4. Em terra off-line, quem tem um 486 é rei.

5. Mais vale um arquivo no HD do que dois baixando.

6. Melhor prevenir do que formatar.

7. O barato sai caro... e lento.

8. Quando a esmola é demais, o santo desconfia que tem vírus anexado.

52
DITADOS POPULARES DA ERA DIGITAL

9. Quando um não quer, dois não teclam.

10. Quem ama um 486, Pentium 5 lhe parece.

Note que todos os exemplos anteriores remetem a ditados populares, cuja fonte é um enunciador
genérico – sabedoria popular. Para que se recupere o ditado, o leitor mobiliza esquemas cognitivos quando
percebe um determinado item do détournement que alude ao ditado. Assim, o leitor percebe que houve uma
transformação com o fim de atingir um outro propósito.

Também é muito comum trabalharem com nomes de filmes, o que, como se verá, tem um valor
subversivo, típico da paródia.

Fonte [12]
Qualquer pessoa que tem o hábito de ver televisão provavelmente faria a remissão deste anúncio à
animação americana Shrek. Trata-se de um anúncio da rede Hortifruti, do Rio de Janeiro, que fez um jogo de
palavras com o legume chuchu e o personagem principal Shrek para promover um de seus produtos. Vale
salientar também aspectos multimodais na composição deste anúncio: note que chuchu veste uma roupa
idêntica à do protagonista do filme, além de estar no mesmo espaço físico que o personagem. É só perceber
pelo castelo, ao fundo. Além disso, a cor do legume é a mesma da personagem. A chamada para o filme (De
Tão, Tão Distante, para a Hortifruti) é uma relação por copresença, uma citação subvertida, tendo em vista que
“Tão Tão Distante” é a terra onde Shrek vive. Enquanto para recuperar Shrek o leitor não precisa ter assistido
ao filme, pois bastaria ele ter ouvido falar sobre ou ter visto algum cartaz publicitário, para recuperar este
enunciado, o leitor teria de ter assistido ao filme, caso contrário, “Tão tão distante” não faria sentido para o
leitor. A relação intertextual existe, independente de o leitor recuperá-la ou não.

EXERCITANDO 4
Você já ouviu Rita Lee? Na letra da canção abaixo, procure identificar QUATRO exemplos de
détournement, especificando os textos originais que foram transformados.

LETRA DA CANÇÃO
Jardim de Allah

Rita Lee - Mathilda Kovack

53
Dízimo com quem andas
E eu te direi quem és
Em terra de bom ladrão
Vão-se os dedos ficam os anéis

Um lixo na boca do céu


A César o que é de Deus
Adeus, mundo cruel

Serpente ou não serpente


Eis a tentação
Compre coração de Eva
Por costela de Adão

Serpente ou não serpente


Eis a tentação
Dalila cortou os cabelos
E o pau de Sansão

Jeová a luta Pastor alemão


Heaven's Gate está em liquidação

Crente que estou abafando


Daime santo para vomitar
Mata Hare Krishna espionando
Testemunhas de Yemanjá

Toma chocolate, paga lo que deves


Até aí morreu Tancredo Neves
Haja Guerra Santa para tanta paz
Até aí já foi de retro Barrabás

Pastiche
O pastiche também é mais um tipo de intertextualidade por derivação, mas um tanto diferente dos dois
que vimos até agora: enquanto nos anteriores havia uma alteração da forma do texto, o pastiche se
caracteriza pela imitação de um estilo de um autor ou de traços de sua autoria.

Koch, et al, (2007, p. 141) acreditam que “o senso comum costuma mesmo é aceitar o pastiche como
uma estratégia intertextual de satirização, geralmente do estilo não só do autor, como também de um
movimento de época [...]”. Vamos ver mais um exemplo?

O "Fim do Mundo" em diferentes visões


Como seria noticiado o fim do mundo nos jornais e revistas?

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O exemplo, extraído da internet, hipotetiza a manchete “O mundo vai acabar”, e o autor do texto simula
como ela seria divulgada na mídia por diferentes meios de comunicação. É muito válido o exemplo, pois
demonstra que o autor tem um bom conhecimento dos estilos de cada jornal/ revista, e as manchetes
denotam isso. Para exemplificar, tomemos a manchete hipotética do “Correio Braziliense”: Congresso vota
constitucionalidade do fim do mundo. Não há nenhuma remissão a um texto anterior, mas, sim, ao estilo e
ao discurso típico característicos do Correio Braziliense. Por ser de Brasília, é comum que traga, geralmente,
assuntos do Governo brasileiro, além de ter um discurso eminemente político. No caso, o autor, com a
finalidade de satirizar o jornal, ligou a hipotética manchete, sobre o fim do mundo, ao Congresso Nacional,
recuperando o estilo e o discurso característico deste meio de comunicação.

No caso das revistas, é interessante o exemplo de Veja, a qual é tida como uma das mais importantes
revistas do país e que, geralmente, traz grandes furos de reportagem no Brasil. Ao enunciar “Exclusivo:
Entrevista com Deus”, o autor recupera esse estilo discursivo da revista de que sai na frente de todas as
outras em grandes reportagens. Entrevistar Deus, então, o que seria o responsável pelo fim do mundo, seria o
maior feito jornalístico para um meio de comunicação. É, então, uma sátira à evocação da eminência dessa
revista.

OBSERVAÇÃO
Nem sempre é simples estabelecer as fronteiras entre um tipo de intertextualidade e outro. O
pastiche, por exemplo, caracteriza-se, segundo Genette (1982), pela IMITAÇÃO de um estilo de um autor,
de um filme, enfim, mas com finalidade satírica, enquanto a paródia é o exemplo ideal de
TRANSFORMAÇÃO de um texto. Koch, et al (2007), no capítulo 1, preferem chamar “Intertextualidade
Estilística” relações intertextuais desta natureza, o que, de fato, é mais simples, entretanto, mais
abrangente. Por isso preferimos fazer as distinções, mesmo sabendo da dificuldade que existe em
separá-las.

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EXERCITANDO 5
Agora que já sabemos o que é pastiche, leia o texto humorístico abaixo e procure esclarecer por que
razão as respostas foram associadas aos seus respectivos ‘enunciadores’. Justifique sua argumentação
com base em cinco respostas.

POR QUE O FRANGO ATRAVESSOU A ESTRADA?


CRIANÇA
Porque sim.

PLATÃO
Porque buscava alcançar o Bem.

ARISTÓTELES
É da natureza do frango cruzar a estrada.

MARX
O atual estágio das forças produtivas exigia uma nova classe de frangos, capazes de cruzar a
estrada.

MARTIN LUTHER KING


Eu tive um sonho. Vi um mundo no qual todos os frangos serão livres para cruzar a estrada sem que
sejam questionados seus motivos.

FREUD
A preocupação com o fato de o frango ter cruzado a estrada é um sintoma de insegurança sexual.

DARWIN
Ao longo de grandes períodos de tempo, os frangos têm sido selecionados naturalmente, de modo
que, agora, têm uma predisposição genética a cruzar estradas.

EINSTEIN
Se o frango cruzou a estrada ou a estrada se moveu sob o frango, depende do ponto de vista. Tudo é
relativo.

MACONHEIRO
Foi uma viagem…

HELOISA HELENA
A culpa é das elites estelionatárias, caucasianas e aristocráticas, que usurpam a população de
frangos e mostra a sua capacidade de luta em defesa dos seus direitos.

SEVERINO CAVALCANTI
É mentira… É tudo mentira. Desafio alguém que possa provar que o frango atravessou a estrada …

ZECA PAGODINHO
Porque do outro lado da rua tinha uma Brahma gelada.

AMIR KLINK
Para ir aonde nenhum frango jamais esteve.

NELSON RODRIGUES
Porque viu sua cunhada, uma galinha sedutora, do outro lado.

60
FEMINISTAS
Para humilhar a franga, num gesto exibicionista, tipicamente machista, tentando, além disso,
convencê-la de que, enquanto franga, jamais terá habilidade suficiente para cruzar a estrada.

DATENA
É uma pouca vergonha… Uma Barbaridade… Põe no ar… Põe no ar aí as imagens do frango
atravessando a estrada.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO


Por que ele atravessou a estrada, não vem ao caso. O importante é que, com o Plano Real, o povo
está comendo mais frango.

PAULO MALUF
O meu governo foi o que construiu mais passarelas para frangos. Quando for eleito novamente vou
construir galinheiros deste lado para o frango não ter
mais que atravessar a estrada.
CARLA PEREZ
Porque queria se juntar aos outros mamíferos.

http://www.perguntascretinas.com.br/2006/09/08/por-que-o-frango-atravessou-a-estrada/

Paráfrase
A paráfrase é citada como um exemplo de intertextualidade por Sant´Anna (1985) e se caracteriza por ser
uma repetição de um outro texto, mas com o objetivo de esclarecê-lo, utilizando o autor palavras próprias. Por
ter este fim, o autor diz que se pode falar em paráfrase como um “efeito de condensação”, já que o intuito é
reforçar o que já foi dito. Muitas vezes acontece de esta reiteração ser bem maior que o texto-fonte.

Há, então, uma função bastante didática, nas paráfrases, já que o intuito é reforçar/explicar o que vem de
outro texto. Em função disso, Koch, et al (2007) afirmam que elas são constitutivas no discurso pedagógico.

Os exemplares mais prototípicos das paráfrases aparecem nos gêneros acadêmicos. Vejamos como isso
funciona:

[...] estes hiperlinks convidam o leitor a um movimento de projeção, de êxodo


nãodefinitivo dos limites do lido, sugerem-lhe insistentemente atalhos que o
auxiliem na apreensão do sentido, ou seja, apresentam-lhes rotas alternativas que
lhe permitam pormenorizar certos aspectos e preencher on line lacunas de
interpretação.

Texto-fonte: (XAVIER, 2002)

VERSÃO TEXTUAL
Paráfrase:

61
Em outras palavras, os links são dotados de função dêitica pelo fato de monitorarem a atenção
do leitor no sentido da seleção de focos de atenção, permitindo-lhe não só produzir uma leitura mais
aprofundada e rica em pormenores sobre o tópico em curso, como também cercar determinado
problema por vários ângulos, já que remetem sempre a outros textos que tratam de um mesmo
tópico, complementando-se, reafirmando-se ou mesmo contradizendo-se uns aos outros. (KOCH,
2007, p.27)

Koch (2007), então, buscando explicar com mais clareza o texto de Xavier (2002), se utiliza da paráfrase
para esclarecer e aprofundar as elucubrações do linguista. Note que é muito próximo da citação (Tópico 2),
mas esta é explícita e traz exatamente o mesmo texto, ao passo que a paráfrase é uma reformulação, ou uma
retextualização, do que foi dito num texto-fonte.

OBSERVAÇÃO
Sant´Anna (1985) faz uma distinção entre paródia e paráfrase, e propõe que, ao invés de se utilizar
desses dois termos, prefira chamar “eixo parafrásico”, que não traz novidade à língua, pois segue a
mesma linha do texto-fonte, sendo somente uma continuidade; e “eixo parodístico”, que muda o
paradigma, pois muda-se de lado, propiciando uma evolução da língua, já que ele transforma o texto-fonte.
Agora vale salientar, com Koch, et al (2007, p. 143), que “nem sempre, porém, uma coisa está
necessariamente vinculada à outra: é possível recorrer-se a uma paráfrase não para ver nela um valor de
captação, mas para, logo em seguida, usá-la para contraditar algo e empregá-la com valor de subversão”.

62
Linguística de Texto
Aula 03: Intertextualidade

Tópico 04: Outros tipos de relações

Neste tópico, fazemos uma referência ao que a literatura estabelece como


outros tipos de relações intertextuais. A intertextualidade intergenérica e a
intermidialidade não se enquadram em nenhum dos casos estudados
anteriormente. Na verdade, são casos que se encontram entre a intertextualidade
lato sensu e a stricto sensu, pois nem sempre compartilham elementos textuais,
mas, sim, elementos de outra natureza, como veremos.

A intertextualidade intergenérica
Fix (2006) foi uma das primeiras linguistas a levar em conta o fenômeno das misturas de gêneros. Para
a autora, qualquer tipo de mescla, transgressão de regras ou apagamento de fronteiras leva à “dissolução do
cânone”. Essa quebra de padrões, na verdade, representa o recurso estilístico dos textos, elaborados de
forma criativa que permite chamar a atenção dos leitores. Quando voltamos esses posicionamentos para os
gêneros, vemos que todas essas transgressões da regra são fabricadas, por assim dizer, pois levam a um
objetivo específico.

Marcuschi (2002) e Koch e Elias (2006) também se aprofundaram neste tipo de intertextualidade. Para
eles, esse tipo de relação intertextual “evidencia-se como uma mescla de funções e formas de gêneros
diversos num dado gênero” (MARCUSCHI, 2002, p. 31). Para o autor, isso não causa dificuldade da
interpretação por parte do leitor, já que a função predomina na determinação do gênero, e isso apenas
evidencia o caráter plástico dos gêneros, mesma posição defendida por Koch e Elias (2006), que atribuem
ao propósito comunicativo a determinação do gênero.

Vejamos como isso acontece:

Fonte [13]

Qualquer aluno interpretaria o enunciado acima como parte de um TD (trabalho dirigido) ou de uma
prova, por exemplo, por trazer, em sua estrutura, uma pergunta e quatro opções de resposta, das quais
apenas uma é verdadeira. Entretanto, nenhum leitor teria dificuldades de reconhecer este enunciado como
um anúncio. Há marcas que são deixadas pelo autor do texto e permitem essa interpretação: primeiro, o tipo
de pergunta não é adequada para um TD, seja qual for a matéria ensinada na escola; depois, dentre as
opções, a última traz um espaço de marcação maior do que os outros, o que chama a atenção do leitor para
a pergunta. Por fim, a logomarca do produto está estampada à direita inferior da figura, isso sem considerar
o suporte onde o texto foi publicado (muito provavelmente um jornal ou revista). Vê-se que o propósito deste
enunciado não é pedagógico, mas publicitário. Numa mistura de gêneros dessa natureza, teríamos, para
Marcuschi (2008), o gráfico a seguir:

63
Intergenericidade

Marcuschi (2008, p. 18)


Neste caso, temos, na intertextualidade intergenérica, uma mistura entre a forma de um gênero A e a
função de um gênero B. Como o conceito de gênero que utilizamos é decorrente de Bakhtin (1997), o qual
atribui uma relativa estabilidade a esses enunciados, então o que vai se levar em conta para a determinação
do gênero não é a forma, mas a função que ele vai exercer em determinada situação de comunicação.

EXERCITANDO 6

Fonte [14]

Estudamos que a intertextualidade intergenérica se caracteriza por misturar gêneros distintos. No


texto abaixo, quais os gêneros que você consegue identificar? Qual é o propósito comunicativo deste
texto? Justifique ambas as respostas.

64
Intermidialidade
Uma forma de relação intertextual pouco estudada e que, principalmente em decorrência do avanço das
novas tecnologias tem sido uma prática cada vez mais constante, é o que vem sendo chamado de
intermidialidade, “quando o meio ou a referência se movem de uma mídia para outra, tal como quando uma
conversa, um filme ou uma música é mencionado num texto escrito” (BAZERMAN, 2006, p. 97). A
intermidialidade, todavia, vai muito além da menção a outro texto produzido em distinta mídia, englobando
tanto fenômenos de derivação como de copresença. Salientemos que sempre que houver uma
intermidialidade, haverá sobreposição de outros tipos de relação discutidos nos tópicos 2 e 3, uma vez que
os critérios de classificação são distintos.

Um bom exemplo é a Odisseia, originalmente um poema grego na modalidade oral que passou à mídia
impressa, inspirou pintores, escultores e desenhistas e, mais recentemente, fora adaptado para o cinema e
TV, tanto por meio da derivação como copresença.

Pôster do Filme A odisseia Pôster do Filme E aí, meu


de Francis Ford Coppola (1997) irmão, cadê você? de Joel Colen
[15] (2000) [16]

65
Fonte [17]

Para finalizar, resta dizer que a intermidialidade pode realizar-se por meio das diversas formas de
intertextualidade elencadas nesta aula, desde que se configure também a mudança de mídia que a
caracteriza. Por exemplo, o filme E aí, meu irmão, cadê você?, que conta a história da fuga de três presos, é
uma paródia da história original. O nome das personagens remete – como Everett Ulysses McGill,
interpretado por George Cloney – ou alude – como Penny, interpretada por Holly Hunter – às personagens
originais, assim como trechos do enredo fazem remissão direta ao enredo de A odisseia.

Muitos casos de intermidialidade se referem à migração da literatura para o cinema/TV. É o caso do


romance O Código da Vinci, que foi transformado para a mídia audiovisual. Abaixo, temos a capa do
romance de Dan Brown. Muitas pessoas não leram o livro, mas já assistiram ao filme. Clique no link abaixo e
verifique como esse exemplo de intermidialidade se materializou.

MULTIMÍDIA

Acesse a aula online para visualizar este conteúdo

Fonte [18]

66
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
No decorrer desta aula, apresentamos 6 Exercitando. Para a atividade de portfólio, escolha dois de
sua preferência e publique até a data combinada.

FÓRUM
Nesta aula, estudamos o conceito de intertextualidade e vimos os mais diferentes tipos de relações
entre textos. Analisando os cinco exemplos abaixo, tente identificar os tipos de intertextualidade neles
contidos e em seguida debatam a partir das seguintes questões:

Que relações podem ser estabelecidas entre as diversas relações entre os textos e os letramentos?
Como os professores de língua portuguesa poderiam explorar essas diversas relações entre os textos
dos exemplos analisados para ampliar os letramentos de seus alunos?

EXEMPLO 1

Fonte [19]

EXEMPLO 2

67
Fonte [20]

EXEMPLO 3
Marina1: PV deve se reformular antes de lançar candidato

Seg, 21 Set, 08h25

Pré-candidata do PV à Presidência da República em 2010, a senadora Marina Silva (AC)


reconheceu hoje que a sigla tem arestas a polir rumo à disputa do ano que vem. "O PV não é um
partido perfeito. Estamos em um processo de aperfeiçoamento", afirmou a senadora na gravação
do programa "Roda Viva", que vai ao ar hoje às 22h15 pela TV Cultura. A ex-ministra do Meio
Ambiente reafirmou que apenas definirá uma candidatura à sucessão do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva quando a sigla passar por uma reformulação ideológica. "Estamos em processo de
diálogo", ressaltou.

Desde o último dia 11, o PV discute a cartilha que deve nortear a atuação da sigla a partir do
ano que vem. O comitê responsável pela definição do novo programa do partido busca definir uma
identidade em prol do desenvolvimento sustentável e contrária ao fisiologismo. A previsão das
lideranças do PV é de que o novo programa fique pronto no início do ano que vem.

Durante a entrevista, Marina evitou falar como candidata ao Palácio do Planalto, mas vez por
outra admitiu a participação na disputa eleitoral. Questionada sobre qual deve ser sua plataforma
no ano que vem, Marina primeiro tergiversou: "Temos essa mania de antecipar as eleições e ainda
tem muita água para correr debaixo dessa ponte."

Contudo, ao ser perguntada sobre se apoiaria o eventual candidato do PSDB, o governador


paulista José Serra, em um segundo turno nas eleições de 2010, Marina adotou retórica de
candidata. "Então você está admitindo que não vou para o segundo turno?", perguntou ao
entrevistador, enfática.

Em mais uma indicação de que será mesmo candidata, Marina antecipou que o PV já projeta
um leque de apoios para as eleições. "Só articularemos apoios no ano que vem. Neste momento,
são apenas projeções", afirmou.

EXEMPLO 4

68
Fonte [21]

EXEMPLO 5

Fonte [22]

LEITURA COMPLEMENTAR
Para saber mais sobre como os vários tipos de intertextualidade, sugerimos as leituras seguintes:

BAZERMAN, C. Intertextualidade: como os textos se apóiam em outros textos. In: Gênero, agência e
escrita. HOFFNAGEL, J. C.; DIONÍSIO, A. P. (Org.). São Paulo: Cortez, 2006, p. 87-103.
GENETTE, G. Palimpsestes: la littérature au second degree. Paris: Seuil, 1982.
KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006,
capítulo 4.
KOCH, I. G. V.; BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo:
Cortez, 2007.
PIÈGAY-GROS, N. Introduction à l´intertextualité. Paris: Dunod, 1996.
SANT´ANNA, A. R. Paródia, paráfrase e cia. São Paulo: Ática, 1985.

69
Fontes das Imagens

1 - http://2.bp.blogspot.com/_U9c-kWSRqX4/SDRHRT6GorI/AAAAAAAACGY/V8wcSO5N-y4/s320/91TheBigDrawTH%
2Bgrafite%2BMark%2BKostabi%2Bwww%2Badambaumgoldgallery%2Bcom.jpg
2 - http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u624072.shtml
3-
http://3.bp.blogspot.com/-UPcuWqPuKww/T_jopz7pP1I/AAAAAAAAJ8o/ZzIptK7FGTY/s1600/tirinha+turma+da+monica20.gif
4 - http://1.bp.blogspot.com/-n57nbgo7tzg/TVQLT-CwdAI/AAAAAAAADFM/p_kLs4VEg8Q/s1600/plagio.jpg
5 - https://www.youtube.com/watch?v=clyTDDq8K38
6 - https://www.youtube.com/watch?v=2OgbIKmp-Hg
7 - https://sites.google.com/site/espaceartcollegesuite/hybrides
8 - https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/236x/f5/dd/4e/f5dd4ecf3f8e3b45c085c56bca44f75c.jpg
9 - http://lipuntierasmus.weebly.com/uploads/4/2/8/1/42819111/5336455.jpeg
10 - https://equipedeideias.files.wordpress.com/2010/09/monalisa_bombril2.jpg
11 - https://portal.unimedbauru.com.br/portal/blog/?p=870
12 - http://2.bp.blogspot.com/-YA12EXOZO1Y/Unc1yNtq2cI/AAAAAAAAFIQ/baundc7NhBE/s1600/Hortifruti+7.jpg
13 - http://photos1.blogger.com/blogger/8045/3703/320/3169.jpg
14 - http://desciclopedia.ws/wiki/Imagem:Mulla.jpg
15 - https://www.almo7eb.com/ar/play-4934.html
16 - http://static.tvtropes.org/pmwiki/pub/images/o_brother_p.jpg
17 -
http://1.bp.blogspot.com/_jM_aAJQ7jwg/Sb08flVb7qI/AAAAAAAABLE/NA13oZin2uo/s400/OdisseuCalipsoArnoldBocklin.jpg
18 - http://covildoorc.files.wordpress.com/2008/06/livro11.jpg
19 -
http://4.bp.blogspot.com/_sOYYllkPfJA/Rx2HbjnW8lI/AAAAAAAAAJ0/4UKuKGKcX1k/s400/hino_nacional_patrocinado.jpeg
20 - http://2.bp.blogspot.com/_o8o0Iwn6SyM/So__a5GxR4I/AAAAAAAACHw/0bDmBbB8W4E/s320/cron279.jpg
21 - http://afrodizica.files.wordpress.com/2008/06/00-padre241.jpg
22 - http://falajow.files.wordpress.com/2009/08/capitu1.jpg

70
Linguística de Texto
Aula 04: Gênero textual

Tópico 01: Gênero

REFLEXÃO
Certamente todos os dias você entra em contato com os mais diferentes textos: bulas, emails,
artigos de pesquisa, reportagens etc. Você já parou para se perguntar o que estes textos têm de
diferente uns dos outros? Ao nos perguntarmos isso, estamos entrando no cerne do que seja um
gênero: quais são suas características textuais, quem faz uso dele, em que situações. Neste tópico,
procuraremos explorar essas e outras questões sobre a noção do que é gênero.

Em uma sociedade, os motivos que fazem os indivíduos interagirem uns com os outros são os mais
diversos, por exemplo, informar, convencer, reclamar, solicitar, contar uma história, vender, ensinar. Assim,
as distintas formas de interação social aliadas a seus objetivos acabam por sedimentar, ao correr do tempo,
padrões de interação linguística reconhecíveis que, em geral, passam a ser nomeados: carta, artigo de
opinião, romance etc.

Fonte [1]
Nessa perspectiva, o gênero é fruto de um objetivo de comunicação (propósito comunicativo) que
condiciona seus contextos de uso, bem como diversos outros fatores: linguagem, estrutura, tema,
interlocutores.

Assim, para Bhatia (1993, p.13) um gênero:

É um evento comunicativo reconhecível, caracterizado por um conjunto de


propósitos comunicativos identificados e, mutuamente entendidos pelos membros
da comunidade profissional ou acadêmica na qual regularmente ocorre. Muitas
vezes, ele é altamente estruturado e convencionalizado com restrições sobre as
contribuições permissíveis em termos de sua intenção, posicionamento, forma e
valor funcional. Essas restrições, contudo, são frequentemente exploradas pelos
membros especialistas da comunidade discursiva, a fim de alcançar intenções
particulares dentro da estrutura dos propósitos socialmente reconhecidos.

71
AJUDA
Pensemos, por exemplo, em um gênero como artigo científico:

• Propósito comunicativo: demonstrar conclusões de pesquisa científica;


• Estrutura: (em geral): introdução, fundamentação teórica, metodologia, análise, conclusão e
bibliografia;
• Contexto de uso: meio científico;
• Interlocutores: especialistas na área
Como se pode perceber, o propósito comunicativo molda a estrutura do texto que deve demonstrar
todos os passos que justifiquem e demonstrem claramente a pesquisa relatada até chegarmos às suas
conclusões. Além do mais, o propósito, como já dito, restringe o contexto de uso e os interlocutores, já
que, em geral, o artigo está destinado a quem o entenda, portanto, especialistas na área. Em geral,
artigos de medicina não circulam entre alunos do ensino fundamental nem mesmo entre especialistas
em engenharia, por exemplo.

DESAFIO
É o propósito comunicativo o único elemento a ser levado em consideração na identificação e
análise de gêneros?

RESPOSTA
Certamente não, como bem advertem Askhave e Swales (2001) e Bhatia (2001), o propósito,
ainda que seja central para a teoria de gêneros, é um critério problemático pois, muitas vezes, é
difícil identificar claramente UM propóstio; muitas vezes, há uma sobreposição de vários
propósitos, ainda que um seja o principal. Além do mais, há ainda outras questões a serem levadas
em conta: os elementos socioculturais, as necessidades específicas solicitadas por certas
condições associadas à modalidade (oralidade ou escrita), o grau de formalismo, a possibilidade
de participação simultânea dos interlocutores, entre outros aspectos.

Como visto, a coisa não é tão simples assim. De fato, essa relação propósito, forma e uso pode muitas
vezes ser problemática, como podemos perceber no exemplo abaixo tirado de Marcuschi (2002, p. 09):

72
Como se pode perceber, temos um texto em forma de uma bula. Contudo, o propósito é outro. Não temos
aqui o propósito típico da bula: informar sobre um medicamento, mas sim, fazer publicidade de livros.

Esse fenômeno é muito comum e teoricamente é chamado de intergenericidade (Cf. MARCUSCHI, 2002).
Ocorre quando propositadamente o enunciador utiliza a forma de um gênero com função distinta a que
usualmente tem, para fazer algum efeito de linguagem. Contudo, dada a primazia do propósito comunicativo,
em geral, o interlocutor proficiente consegue extrair o significado, percebendo a intenção do enunciador. Este
é só um exemplo do quão problemático é a análise de gêneros.

Além do mais, o surgimento e a consequente massificação dos computadores e da internet propiciaram o


aparecimento de um conjunto de gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. Esses
gêneros, embora possuam similares em outros ambientes, trazem consigo novos comportamentos
linguísticos e sociais que precisam de maiores investigações por parte de pesquisadores.

Marcuschi (2005, p. 14) chega inclusive a dizer que “seguramente, uma criança, um jovem ou um adulto,
viciados na internet, sofrerão sequelas nada irrelevantes”.

Na mesma obra, Marcuschi diz que:

Três aspectos tornam a análise desses gêneros relevante: (1) seu franco
desenvolvimento e uso cada vez mais generalizado. (2) suas peculiaridades formais e
funcionais, não obstante terem eles contrapartes em gêneros prévios; (3) a
possibilidade que oferecem de se rever conceitos tradicionais, permitindo repensar
nossa relação com a oralidade e a escrita. Assim, conclui, esse “discurso eletrônico
constitui um bom momento para se analisar o efeito de novas tecnologias na
linguagem e o papel da linguagem nessas tecnologias.

73
O autor procura nessa obra dar uma visão panorâmica sobre os gêneros emergentes nesse contexto da
tecnologia digital, mas pondera que (p. 25) “o grande risco que corremos ao definir e identificar esses gêneros
situa-se na própria natureza da tecnologia que os abriga. Seu vertiginoso avanço pode invalidar com grande
rapidez as ideias aqui expostas [...]” daí perguntar-se (p. 18) “quanto de novo vem por aí com a Internet em
relação aos gêneros textuais”?

Embora reconhecendo que os gêneros virtuais têm características próprias, o autor postula que, em sua
maioria, são resultado de transmutações de gêneros pertencentes a outras esferas, conforme demonstra o
quadro abaixo.

Gêneros
emergentes Gêneros já existentes

E-mail Carta pessoal // bilhete // correio

Chat em aberto Conversações (em grupos abertos?)

Chat reservado Conversações duais (casuais)

Chat em salas privadas Encontros pessoais (agendados?)

Chat em salas privadas Conversações (fechadas?)

Entrevista com convidado Entrevista com pessoa convidado

E-mail educacional Aula por E-mail

Aula Chat (aulas virtuais) Aulas presenciais

Reunião de grupo / Conferência/


Vídeo-conferência interativa
Debate

Lista de discussão Circulares / séries de circulares ???

Endereço eletrônico Endereço postal

Blog Diário pessoal, anotações, agendas

DESCRIÇÃO DA TABELA
Gêneros emergentes: E-mail; Gêneros já existentes: Carta pessoal, bilhete, correio.
Gêneros emergentes: Chat em aberto; Gêneros já existentes: Conversações (em grupos abertos?).
Gêneros emergentes: Chat reservado; Gêneros já existentes: Conversações duais (casuais).
Gêneros emergentes: Chat em salas privadas; Gêneros já existentes: Encontros pessoais (agendados?).
Gêneros emergentes: Chat em salas privadas; Gêneros já existentes: Conversações (fechadas?).
Gêneros emergentes: Entrevista com convidado; Gêneros já existentes: Entrevista com pessoa convidado.

74
Gêneros emergentes: E-mail educacional; Gêneros já existentes: Aula por E-mail.
Gêneros emergentes: Aula Chat (aulas virtuais); Gêneros já existentes: Aulas presenciais.
Gêneros emergentes: Vídeo-conferência interativa; Gêneros já existentes: Reunião de grupo / Conferência/ Debate.
Gêneros emergentes: Lista de discussão; Gêneros já existentes: Circulares / séries de circulares?
Gêneros emergentes: Endereço eletrônico; Gêneros já existentes: Endereço postal.
Gêneros emergentes:
Blog; Gêneros já existentes: Diário pessoal, anotações, agendas.

A classificação textual ainda é objeto de controvérsia no ensino de Língua Portuguesa. Muitos


educadores ainda usam indiscriminadamente as denominações tipo, gênero, espécie de textos. Brandão
(2001, p. 19) lembra que é recente, na Linguística, a preocupação com unidades que estão acima do texto, o
que ajuda a explicar, em parte, essa confusão terminológica. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais
para Língua Portuguesa colocaram na ordem do dia as atividades de leitura e produção de textos, o que levou
muitos educadores a tornarem cotidiano o trabalho com gêneros textuais. Na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), os gêneros ganham centralidade nos campos de atuação (artístico-literário, práticas de
estudo e pesquisa, jornalístico-midiático, na vida cotidiana e na vida pública). No entanto, algumas dúvidas
quanto ao que seria tipo textual e gênero textual ainda persistem. Marcuschi (2002, p. 22) apresenta uma
distinção entre os dois conceitos:

Tipos textuais Gêneros textuais

1. Constructos teóricos definidos por Realizações linguísticas concretas definidas por


propriedades linguísticas intrínsecas; propriedades sócio-comunicativas;

2. Constituem sequências linguísticas


Constituem textos empiricamente realizados,
ou sequências de enunciados no interior
cumprindo funções em situações comunicativas;
dos gêneros e não são textos empíricos;

3. Sua nomeação abrange um conjunto


Sua nomeação abrange um conjunto aberto e
limitado de categorias teóricas
praticamente ilimitado de designações concretas
determinadas por aspectos lexicais,
determinadas pelo canal, estilo, conteúdo,
sintáticos, relações lógicas, tempo
composição e função;
verbal;

Exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta


4. Designações teóricas dos tipos: comercial, carta pessoal, aula expositiva, romance,
narração, argumentação, descrição, reunião de condomínio, lista de compras, conversa
injunção e exposição; espontânea, cardápio, receita culinária, inquérito
policial etc.

DESCRIÇÃO DA TABELA
Tipos textuais: Constructos teóricos definidos por propriedades linguísticas intrínsecas; Gêneros textuais: Realizações linguísticas concretas definidas por
propriedades sócio-comunicativas.
Tipos textuais: Constituem sequências linguísticas ou sequências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos; Gêneros textuais:
Constituem textos empiricamente realizados, cumprindo funções em situações comunicativas.
Tipos textuais: Sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo
verbal; Gêneros textuais: Sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo,
conteúdo, composição e função.
Tipos textuais: Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição; Gêneros textuais: Exemplos de gêneros:

75
telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, aula expositiva, romance, reunião de condomínio, lista de compras, conversa espontânea, cardápio,
receita culinária, inquérito policial etc.

Marcuschi (2002, p. 25) lembra que o termo “tipo de texto” costuma ser usado erroneamente para
designar gêneros textuais. Um exemplo é quando alguém diz que “a carta pessoal é um tipo de texto informal”,
quando, na verdade, trata-se de um gênero textual.

O autor destaca que “em todos os gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer
que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos. Assim, um texto é em geral tipologicamente variado
(heterogêneo)” (MARCUSCHI, 2002, p. 25). Caldas (2007) lembra que tipos textuais são caracterizados por
traços linguísticos predominantes: aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Assim, um
tipo textual é dado por um conjunto de traços que formam uma sequência e não um texto. De acordo com
Marcuschi (2002, p. 27), “quando se nomeia um certo texto como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”,
não está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base.

Como visto a questão é extensa e certamente não para por aí. Há ainda outras condicionantes para o
gênero, ademais do propósito comunicativo.

FÓRUM
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento normativo que determina as
competências e habilidades mínimas a serem desenvolvidas pelos estudantes da educação básica
brasileira. No componente curricular Língua Portuguesa, assume-se a perspectiva enunciativo-discursiva
da linguagem, bem com a centralidade do texto como unidade de trabalho.

É de suma relevância que professores em formação conheçamos as competências do componente,


os campos de atuação e as habilidades a serem desenvolvidas.

Diante disso,

1. Leia o tópico “4.1.1.2. LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS FINAIS:


PRÁTICAS DE LINGUAGEM, OBJETOS DE CONHECIMENTO E HABILIDADES” (p. 136), disponível aqui [2]
(Visite a aula online para realizar download deste arquivo.).

2. Escolha uma habilidade, cole-a na sua postagem no fórum e comente-a com base nos seguintes
questionamentos:

a) A qual campo de atuação e prática de linguagem a habilidade está relacionada?

b) Quais aspectos da Linguística de Texto podem ser observadas na habilidade?

c) Como o professor pode proceder metodologicamente para que o aluno desenvolva a habilidade?

Discuta essas questões com seus colegas sem desviar-se do foco do debate.

LEITURA COMPLEMENTAR
Para aprofundar, acesse o link:
http://professor.ucg.br/siteDocente/admin/arquivosUpload/5628/material.doc [3] (Visite a aula online
para realizar download deste arquivo.)

REFERÊNCIAS

76
CALDAS, L. K. Trabalhando tipos/gêneros textuais em sala de aula: uma estratégia didática na
perspectiva da mediação dialética. In: Anais do 16º Congresso de Leitura do Brasil. Universidade de
Campinas: Campinas, 2007.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais Emergentes no Contexto da Tecnologia Digital. In: Conferência


pronunciada na 50ª Reunião do Gel, 2002, São Paulo. p. 23-25. Disponível em:
<http://bbs.metalink.com.br/~lcoscarelli/GEMarcGTE.doc [4] (Visite a aula online para realizar download
deste arquivo.)>. Acesso em: 28 de set. 2009.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade”. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva et al.
Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002a.

PAIVA, V.L.M.O. E-mail: um novo gênero textual. In: MARCUSCHI, L.A. & XAVIER, A.C. (Orgs.) Hipertextos
e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.p.68-90

77
Linguística de Texto
Aula 04: Gênero textual

Tópico 02: Mídia

Olá! No tópico anterior, entendemos como os textos e imagens que circulam


cotidianamente se organizam em gêneros do discurso, com propósitos e
organização retórica reconhecível por uma comunidade de usuários. Neste novo
tópico, vamos conhecer melhor um espaço privilegiado de surgimento e
circulação de gêneros: as mídias.

Uma breve história da mídia


Aquilo que hoje chamamos de mídia parece existir pelo menos desde a invenção da máquina de prensa
por Johann Gutenberg, na Alemanha – embora ainda não fosse chamada dessa forma. Por volta de 1450,
ele criou tipos móveis capazes de serem reproduzidos indefinidamente em suportes como o papel.

Fonte [5]

No Oriente, chineses e coreanos usavam desde o século VIII técnicas parecidas para reprodução de
ideogramas. Mas foi o invento de Gutenberg que ganhou o mundo e criou uma nova formação cultural,
aquela composta por pessoas letradas a partir do livro. De fato, porém, a preocupação com os meios de
comunicação é bem anterior a esse invento. Já na Grécia Antiga se podia enxergar o interesse de filósofos
como Aristóteles e Platão pela arte retórica, ou seja, o estudo da comunicação, sobretudo aquela realizada
por meio oral.

Uma inquietação que de forma alguma termina ali: ao longo da Idade Média e da Renascença, o estudo
das estratégias retóricas usadas pelos falantes manteve-se em voga, sobretudo diante da expansão dos
materiais impressos, a partir do século XV.

A preocupação se atualizou ao ponto de se tornar assunto recorrente na teoria social e também no


âmbito linguístico. É claro que, para tanto, uma verdadeira revolução aconteceu. A chamada condição
moderna (HARVEY, 1992), identificável pela urbanização das cidades, pelo modo de produção capitalista e

78
pela racionalização do domínio da natureza, surge como pano de fundo sobre o qual se projetam os
chamados meios de comunicação de massa.

Para Thompson (1995), são seguintes as características dos meios de comunicação de massa:

Produção e difusão institucionalizadas de bens simbólicos;

Ruptura entre difusor e receptor, que se comunicam por mediação


técnica;

Acessibilidade das formas simbólicas no tempo e no espaço;

Circulação pública de formas simbólicas.

Segundo Thompson (1995, p. 285), a maioria das pessoas adquire conhecimento dos fatos além do
nosso meio social imediato por meio de formas simbólicas mediadas pela mídia. Não é difícil lembrar de
exemplos desse amplo alcance dos meios de massa. Ao ver uma novela sendo exibida na televisão, por
exemplo, preenchem-se todos esses requisitos: a novela é produzida e difundida institucionalmente (por
uma emissora de televisão), sem que necessariamente emissor e receptor estejam compartilhando do
mesmo espaço. A novela está acessível no tempo e no espaço, caso o espectador esteja, num determinado
momento e local com sua atenção voltada ao aparelho televisor. E, por fim, circula num espaço amplo, na
esfera pública, onde pode, inclusive, ter seus rumos alterados por pressão do público.

Hoje poderíamos incluir entre os meios de que nos fala o autor a internet, ou, para usar um termo mais
adequado, as ferramentas da comunicação mediada pelo computador. As mídias digitais já demarcaram de
forma definitiva sua capacidade de funcionar como uma esfera pública (de forma semelhante à proposta
por Jürgen Habermas) capaz de interferir nos destinos de grupos sociais inteiros.

Pode-se entender por mídia como entidades para a comunicação humana, que possuem existência
material e permitem a corporificação e o trânsito de linguagens (SANTAELLA, 2003). Nos dias de hoje, as
chamadas mídias digitais possibilitam o surgimento de gêneros do discurso emergentes, como o chat e
fórum praticados em nosso curso.

Conforme Araújo (2006), esse gênero atualiza diversas categorias de bate-papo anteriormente
registrados fora do ambiente da internet. Assim, o chat é capaz de transmutar formas anteriores em um
novo gênero, cuja existência depende do modo de enunciação digital.

Marcuschi (2002), ao referir-se aos gêneros emergentes, especialmente aos praticados em ambiente
digital, sinaliza para o fato de “novos gêneros” passarem a existir a partir de “velhas bases”. Isso indica que,
em certa medida, os meios podem contribuir para o estatuto genérico de grupos de enunciados. Xavier
(2002), ao refazer o percurso dos suportes da escrita, diz, apoiado em Chartier (1997), que as modificações
nos formatos de texto e nos dispositivos de leitura alteram profundamente as formas de ler (XAVIER, 2002).

A era da convergência de mídias


Além de contribuir para o surgimento de novos gêneros, a web é a protagonista de uma revolução feita
de muitos textos, imagens e sons. Diversos autores indicam que hoje nos encaminhamos para uma era de
convergência das mídias. A ideia não é nova e tem sido discutida por teóricos há algumas décadas do
século passado (BRIGGS & BURKE, 2005).

79
Primeiramente, o termo designava alguns dos atributos da tecnologia computacional, como apresentar
de maneira digital conteúdos diversos. Já nos anos 1960, alguns estudiosos previam o surgimento de uma
via expressa de informação capaz de unir sociedades outrora separadas – um pensamento bem à moda de
Marshall McLuhan, que, como visto, advogava a ideia de uma aldeia global por meio da tecnologia.

Hoje, a ideia de convergência midiática sai das abstrações e das projeções e se torna bem mais
palpável a um público amplo. Senão, vejamos os seguintes exemplos:

EXEMPLO 1

Acesse a aula online para visualizar este conteúdo

PRIMEIRO EXEMPLO
O primeiro exemplo mostra um trailer do filme Lua Nova – um gênero audiovisual restrito, até
pouco tempo, a suportes como a televisão e a tela de cinema, exibido no site de vídeos Youtube [6].

Como todo formato que migra entre mídias distintas, esse exemplar adapta-se às
potencialidades da mídia digital [recurso – pop-up – para mais detalhes, voltar ao segmento
anterior sobre suportes] para onde migra. Aqui, ele obedece às diretrizes de um meio hipertextual,
em que se pode navegar, acessar links e usar ferramentas de interação como os comentários ou
mesmo a vídeo-resposta, disponíveis na página.

Hoje, com a popularização de canais de vídeo como esse, torna-se cada vez mais comum o
interesse de indústrias de mídia em possuírem seu espaço junto à audiência desses ambientes.
Esse pode ser um exemplo de como as tecnologias aproximam mídias e, principalmente, seus
conteúdos, dando a eles novas possibilidades de fruição. Na década de 1980, por exemplo, poucos
imaginavam ser possível usar comandos play e pause para navegar ao longo de um trailer de
cinema.

EXEMPLO 2

80
http://diariodonordeste.globo.com/ [7]

SEGUNDO EXEMPLO
O segundo exemplo mostra uma tela da versão online do jornal Diário do Nordeste, de
Fortaleza. No exemplo, vê-se uma matéria publicada no site do veículo, acompanhada de um vídeo,
produzido durante a apuração da reportagem escrita, cuja função é de trazer informações
adicionais à matéria. Mais uma vez, a mídia facilita a ampliação dos conteúdos e dá uma nova
dimensão ao conceito de jornal.

PARADA OBRIGATÓRIA
Não à toa, instituições como o Ministério da Educação mostram preocupação com o letramento
dos professores em diversas mídias. O projeto Mídias na Educação [8] tem como grande objetivo
apresentar as diversas linguagens midiáticas e buscar apontar, dentre elas, quais as mais adequadas
para os processos de ensino-aprendizagem.

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, J.C. Os chats: uma constelação de gêneros na Internet. Tese (Doutorado em Linguística).
Fortaleza: PPGL/UFC, 2006.
APPELGREN, E. The influence of media convergence on strategies in newspaper production. Tese de
doutorado, Estocolmo, Suécia: KTH, 2005, p. 41-51.
BOLTER, J.D. & GRUSIN, R. Remediation – Understanding New Media. Cambridge: MIT Press, 2002.
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma História Social da Mídia: de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro:
Zahar, 2004.
CALDAS, L. K. Trabalhando tipos/gêneros textuais em sala de aula: uma estratégia didática na
perspectiva da mediação dialética. In: Anais do 16º Congresso de Leitura do Brasil. Universidade de
Campinas: Campinas, 2007.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo, Contexto, 2006.
FRAGOSO, S. Reflexões sobre a convergência midiática. In: LIBERO. Ano VIII, nº 15/16, 2005, pp. 17-21.

81
HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Editora Aleph, 2008.
KEEN, Andrew. O Culto do Amador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
LINGUAGEM EM (DIS)CURSO. Universidade do Sul de Santa Catarina. - v. 1, n. 1. Tubarão: Ed. Unisul,
2000.
THOMPSON, J. B. Ideologia e Cultura Moderna. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
SANTAELLA, L. Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano. Revista da FAMECOS,
Porto Alegre, n.22, p. 23-32, dez. 2003.
XAVIER, A. C. O hipertexto na sociedade da informação: a constituição do modo de enunciação
digital. Tese. (Doutorado em Linguística). Campinas: IEL-Unicamp, 2002.

82
Linguística de Texto
Aula 04: Gênero textual

Tópico 03: Suporte

No tópico anterior, foi compreendido que hoje muitos gêneros do discurso se organizam por meio dos
meios de comunicação massivos, que conceituamos como mídias. Neste último momento desta aula,
empreendemos uma discussão sobre a noção de suporte, buscando observar de que forma esse conceito
se relaciona com a noção de gênero discursivo.

Para entendermos o que é suporte, faz-se necessário conceituar as noções de serviço, canal e
grandes continentes, uma vez que, em diversas situações, confundem-se com a temática que
destacamos neste tópico. 

Segundo Marcuschi (2003), a noção de serviço está relacionada a um determinado aparato que pode
realizar ou veicular um gênero em um suporte. Como exemplo, citamos os “correios” e a “Internet”. Ambos
funcionam como serviço, uma vez que permitem, respectivamente, veicular cartas e remessar
informações eletrônicas.  A noção de canal, por sua vez, está relacionada ao “meio físico de transmissão
de sinais” (MARCUSCHI, 2003, p. 6); o que pode ser confundido com a noção de suporte, haja vista
funcionar como lócus de fixação dos sinais transmitidos. Para solucionar essa possível confusão, o autor
esclarece que “o canal se caracteriza como um condutor e o suporte como um fixador”. Grandes
continentes, por fim, estão relacionados a grandes ambientes que concentram materiais impressos ou
orais, tais como: bibliotecas, livrarias, papelarias, editoras, escritórios e museus. A biblioteca, por exemplo,
representa um grande local onde se concentram obras, entre as quais livros.

DESAFIO 1
Mas, afinal, o que se entende por suporte?

Faz-se necessário explicitar que não se sabe ainda qual o nível de relevância do suporte sobre um
gênero; embora o funcionamento deste seja mais bem compreendido quando se estuda seu suporte.

Segundo Távora (2008, p. 23), o suporte exerce “um raio de influência no gênero”. Na concepção de
Souza (2007, p. 4), essa relação entre suporte e gênero é muito mais próxima, pois para este autor “o
suporte sempre repercutirá sobre o gênero suportado e o gênero sempre será identificado na relação que
mantém com o suporte”.

Marcuschi (2003, p. 2), por sua vez, explica que o suporte não determina o gênero, embora este exija
um suporte especial; esclarece também que “ele é imprescindível para que o gênero circule na sociedade e
deve ter alguma influência na natureza do gênero suportado”.

83
Vale chamar a atenção para essas palavras de Marcushi (2003), quando este afirma que o suporte
não determina o gênero. Segundo o próprio autor, há casos em que só é possível definir o gênero em
função do suporte, são os chamados casos complexos. Observe, no desafio abaixo, um exemplo deste
tipo de situação, retirado do próprio autor:

DESAFIO 2
“Paulo, te amo, me ligue o mais rápido que puder.
Te espero no fone 55 44 33 22. Verônica .”

Estaremos diante de um mesmo gênero, se este texto estiver escrito em

(a) um papel colocado sobre a mesa de uma pessoa indicada como (Paulo),
(b) se for passado pela secretária eletrônica,
(c) se for remetido pelos correios em um formulário próprio ou
(d) se for exposto em um outdoor?

RESPOSTA
Para Marcuschi (2003), neste caso, fica claro que o conteúdo é o mesmo, mas a
identificação do gênero só se faz possível quando se observa a sua relação com o suporte.
Portanto, eis os possíveis gêneros para cada uma das quatro situações acima apresentadas: (a)
um bilhete, (b), um recado, (c), um telegrama e (d) uma declaração de amor.

Segundo Marcuschi (2003, p. 8), “suporte de um gênero é uma superfície física em formato específico
que suporta, fixa e mostra um texto”. De acordo com esse conceito, pode-se julgar que o suporte pode ser
algo real, mas também, pode ser virtual; tem um formato peculiar como, por exemplo, jornais, revistas,
outdoors; e, finalmente, tem por função primeira fixar o texto, tornando-o acessível para fins
comunicativos.

Este mesmo autor categoriza os suportes textuais em convencionais ou incidentais. Os suportes


convencionais são aqueles que foram elaborados com o intuito de fixar ou portar textos, são os “suportes
típicos”. Como exemplos, citamos: outdoor, faixas, livro, luminosos, folder, encarte, revista. Os suportes
incidentais são aqueles que casualmente podem carregar textos, ou seja, esta não é sua função primeira.
Como exemplos, citamos: embalagens, para-choques e para-lamas de caminhão, roupas, corpo humano,
paredes, muros, paradas de ônibus, estações de metrô, calçadas.

DESAFIO 3
Veja se você descobre a que tipo de suporte, de acordo com a classificação de Marcuschi (2003),
a imagem abaixo faz referência. Tente também elaborar uma explicação para a sua resposta.

84
Fonte [9]

RESPOSTA
As paradas de ônibus, pela sua visibilidade, podem comportar vários gêneros. Com isso, pela
sua condição estratégica, representam excelentes locais para afixar ou mesmo inscrever textos,
favorecendo à comunicação em grande escala. Nelas encontramos publicidades de apelo geral
como carros, apartamentos, produtos de beleza e outros deste tipo. Portanto, trata-se de um
suporte incidental.

CHAT
Direcionemo-nos ao chat para discutirmos possíveis questionamentos e contribuições sobre as
noções estudadas, oriundos das leituras desenvolvidas ao longo desta aula.

LEITURA COMPLEMENTAR
Para aprofundar seus estudos, leia os textos dos sites abaixo:

Uma noção de suporte virtual [10] (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.)

Mídia / suporte e hipergênero: os gêneros textuais e suas relações [11] (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.)

EXERCITANDO
Veja este texto e seu entorno

Fonte [12]

CLIQUE AQUI
Imperador pronto para guerra em GO

85
12/11/2009
O jogador até conhece o futebol goiano, pois já este ano defendeu a equipe do Itumbiara, e
depois veio para o Leão

"A partida contra o Vila Nova é de vida ou morte, para a gente não depender dos outros". Dessa
forma o atacante Luiz Carlos definiu a importância do confronto do Fortaleza contra o time
goiano, sábado, às 16h10 (horário cearense), no estádio Serra Dourada, pela Série B.

Com apenas 37 pontos, o Tricolor do Pici necessita de um resultado positivo diante do Vila para
manter as chances de escapar do rebaixamento. E o Imperador, que esteve ausente na vitória do
Leão sobre a Ponte Preta por 2 a 1, terça-feira passada, no Castelão, já está à disposição do
técnico Roberto Fernandes para a batalha no Serra Dourada, após cumprir suspensão.

Última partida

Aliás, o Imperador deve ser julgado na próxima semana pela expulsão contra o Bahia (6/11), em
Salvador. E se for apenado não defenderá o Tricolor nos jogos contra São Caetano (21/11) e
Paraná (28/11). Na tarde de ontem, os atletas que entraram no decorrer da partida ou não
participaram do jogo contra a Ponte realizaram treino com bola sob o comando do preparador
físico Vladimir de Jesus. A delegação do Fortaleza segue, hoje, no início da tarde (13h), para
Goiás, onde joga sua sorte na Série B.

MOACIR FÉLIX
REPÓRTER

FONTE http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=690475 [13]

1. Busque identificar:
- onde é possível encontrá-lo?
- a quem ele se destina?
- que recursos extra-textuais são usados?
- qual o objetivo das informações apresentadas?
- Que nome você daria a esse gênero?

2. Como você acha que seria possível dar essa notícia se você utilizasse:
- a televisão?
- o rádio?
- a internet?
Que elementos e recursos você incluiria ou descartaria, de acordo com cada mídia? Faça um
quadro esquemático:

3. Tente lembrar de algum outro gênero da televisão e do rádio. Enumere um de cada mídia e tente
identificar:
- para quem o gênero se destina;
- Se ele usa imagens, sons, efeitos;
- como é possível ter acesso a ele;
- se é preciso pagar para vê-lo ou ouvi-lo.

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REFERÊNCIAS
CRUZ, Glenda Demes da. O e-mail e sua produção no meio eletrônico: o suporte afeta o gênero? In:
http://www.letramagna.com/email.pdf [14] (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.). acesso em: 28 de setembro de 2009.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In:  50ª Reunião do
GEL – Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo, 2002, São Paulo. Conferência. São
Paulo: GEL, 2002. Disponível em <http://professor.ucg.br/siteDocente/admin/arquivosUpload/5628>
MARCUSCHI, L. A. A questão do suporte dos gêneros textuais. DLVC. João Pessoa, v. 1, n. 1 p. 9-40,
out. 2003.
SOUSA, A. G.; CARVALHO, E. P. M. Uma noção de suporte virtual. Disponível em:
http://www.hipertextus.net/volume1/Ensaio2-Aguinaldo-Eduardo.pdf [15] (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.). Acesso em: 25 de setembro de 2009.
TAVORA, A. D. F. Construção de um conceito de suporte: a matéria, a forma e a função interativa na
atualização de gêneros textuais.

Fontes das Imagens

1 - http://3.bp.blogspot.com/_S9bjXl1wpS8/Se9FpZEcyOI/AAAAAAAAAB0/4XlAr1BrGfw/S700/social.jpg
2 - http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
3 - http://professor.ucg.br/siteDocente/admin/arquivosUpload/5628/material/artigo%20generos%20textuais%20emergentes%
5B1%5D%5B1%5D...%20marcuschi.doc
4 - http://bbs.metalink.com.br/~lcoscarelli/GEMarcGTE.doc
5 - http://tipografos.net/tecnologias/presswork.jpg
6 - http://www.youtube.com/
7 - http://diariodonordeste.globo.com/
8 - http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12333&Itemid=681
9 - http://www.vitruvius.com.br/media/images/magazines/gallery_thumb/fa35_265-05.jpg
10 - http://www.hipertextus.net/volume1/Ensaio2-Aguinaldo-Eduardo.pdf
11 - http://www.scielo.br/pdf/rbla/v11n3/05.pdf
12 - http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=690475
13 - http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=690475
14 - http://www.letramagna.com/email.pdf
15 - http://www.hipertextus.net/volume1/Ensaio2-Aguinaldo-Eduardo.pdf

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Você também pode gostar