Você está na página 1de 20

TORRES NETO, J. L.

A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

A “CERTEZA” DO DIREITO VÁLIDO E A “MUTABILIDADE” DA SEMÂNTICA


COMO ABORDAGENS TEÓRICAS DO DIREITO

THE “SURE” OF THE VALID LAW AND “CHANGEABILITY” OF THE


SEMANTICS AS APPROACHES RIGHT THEORETICAL

José Lourenço Torres Neto1

Resumo: O objetivo deste artigo é abordar brevemente, como deve, aspectos antropológicos da teoria
semântica da linguagem para, então, passar a observar seu uso na construção do conceito de Direito
e de sua contingência a partir das proposições de conhecidos linguistas. Logo, a proposta é trazer 103
103
ao debate um possível “limite”, com suas pluralidades, essencial à abordagem do fenômeno
jurídico, das possibilidades estruturais e técnicas de construção do que se entende como “direito”
desde seu aspecto semântico. Mais do que afiliar-se à crença de que o Direito seja limitado
conceitualmente, e tomando como pressupostos as contribuições de Hans Blumenberg e Charles W.
Morris, entre outros, este estudo averiguará a extensão da possibilidade de que conceitos jurídicos
possam, ou não, estar limitados pela linguagem.
Palavras-chave: Certeza; Semântica; Direito e Linguagem.

Abstract: The purpose of this article is to briefly discuss, anthropological aspects of semantic theory
of language to, then goes on to observe its use in the construction of the concept of law and its
contingency from linguists known propositions. Therefore, the proposal is to bring to the debate a
possible "threshold", with their pluralities, essential to the legal phenomenon approach, structural
and technical possibilities of construction of what is understood as "right" since its semantic aspect.
More than joining the belief that the law is limited conceptually, and taking for granted the
contributions of Hans Blumenberg and Charles W. Morris, among others, this study to determine
the extent of the possibility of legal concepts may or may not be limited by the language
Keywords: Certainty; Semantics; Law and Language.

Sumário: 1. Introduzindo um debate a respeito dos limites essenciais nas abordagens do fenômeno
jurídico; 2. A Construção cultural da linguagem como qualidade essencial do ser humano; 3.
Acepções linguísticas e desdobramentos históricos sobre a semântica; 4. Particularidades teóricas
entre semiótica, pragmática, semântica e sintaxe no estudo da linguagem; 5. Teorias
complementares em relação às “verdades” semânticas no estudo da linguagem; 6. Filosofia da
linguagem e direito: relações de imprevisibilidade; 7. A “certeza” do direito válido e sua
“mutabilidade” semântica como abordagens de indeterminações teóricas do direito; Referências.

“A linguagem é um traje que disfarça o pensamento. E, na


verdade, de um modo tal que não se pode inferir, da forma
exterior do traje, a forma do pensamento trajado; isso porque
a forma exterior do traje foi constituída segundo fins
inteiramente diferentes de tornar reconhecível a forma do
corpo”.
2
Ludwig Wittgenstein, Tractatus, [4.002] .

1
Mestre em Teoria e Dogmática do Direito pela FDR/UFPE. Especialista lato sensu em Direito Processual Civil,
Penal, Constitucional e Trabalhista, e, Bacharel em Direito pela Faculdade Maurício de Nassau (UNINASSAU)
em Recife-PE. Membro da Associação Nacional de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito (ABRAFI), da
Internationale Vereingung für Rechts und Sozialphilosophie (IVR), da Organizacion Iberoamericana de Retórica
(OIR), da Asociación Latinoamericana de Retórica (ALR) e da Sociedade Brasileira de Retórica (SBR).
2
Logisch-philosophische Abhandlung, 1921.

Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016


TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

1. INTRODUZINDO UM DEBATE A RESPEITO DOS LIMITES ESSENCIAIS NAS


ABORDAGENS DO FENÔMENO JURÍDICO

A “certeza” defendida pela dogmática do Direito e a “mutabilidade” retórica da


Semântica são assuntos distintos tanto por sua área e objeto como por seus adjetivos, mas aqui
e na prática são próximos o suficiente para serem associados teoricamente. É um
entrelaçamento de filosofia ontológica e de filosofia retórica. É a concomitância da
possibilidade e da improbabilidade. Para caminhar neste território, este artigo aborda 104
brevemente, como deve, aspectos antropológicos das teorias semânticas da linguagem para,
então, passar a observar seus usos na construção do conceito de Direito e de suas
contingências a partir das proposições de conhecidos linguistas.
Logo, a proposta é trazer ao debate um possível “limite”, com suas pluralidades,
essencial à abordagem do fenômeno jurídico, das possibilidades estruturais e técnicas de
construção do que se entende como “direito” desde seu aspecto semântico. Mais do que
afiliar-se à crença de que o Direito seja limitado conceitualmente, e tomando como
pressupostos as contribuições de Hans Blumenberg e Charles W. Morris, entre outros, este
estudo averigua a extensão da possibilidade de que conceitos jurídicos possam, ou não, estar
limitados pela linguagem. Por meio de uma revisão bibliográfica e da abordagem de uma
metodologia retórica, toma-se como referencial as principais teorias que se aplicaram à
construção do conceito de direito e, além disso, confrontam-se elementos linguísticos de
Gehlen, Hart e Ross. São também revistas as teorias de Frege, Grice, Austin, Searle e Ducrot
e suas contribuições complementares.
Será que a liberdade e a amplidão que a cultura e a linguagem propiciam ao ser
humano trazem concomitantemente insegurança ou instabilidade à necessidade de “certeza”
no Direito? São os estudos linguísticos tentativas de estabelecer “limites” ao fenômeno da
linguagem ou eles cooperam com sua instabilidade? Os sistemas “fechados” dogmaticamente,
como o sistema jurídico, seriam uma tentativa de limitar o “ambiente” humano na busca de
determinar, por exemplo, a “validade jurídica”?
Para entender, nesse contexto, a aplicação da construção semântica de palavras, de
conceitos ou mesmo de teorias, é necessário compreender a própria Semântica dentro do
estudo da Linguística, aplicando-se esta, então, a outras áreas do conhecimento, como o
Direito. Para isso, a interdisciplinar proposta antropológica de Gehlen e um pouco da história
do entendimento a respeito da própria Semântica deverão ajudar.

Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016


TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

2. A CONSTRUÇÃO CULTURAL DA LINGUAGEM COMO QUALIDADE


ESSENCIAL DO SER HUMANO

Em sua obra O Homem, sua Natureza e seu Lugar no Mundo, Arnold Gehlen (1904 -
1976) considera que a qualidade essencial do ser humano reside na ausência de adaptação a
um determinado meio ambiente. Face à elevada especialização e à segurança instintiva do
animal, o homem surge biologicamente como um “ser deficiente” devido à sua falta de
especialização, à sua imaturidade e à sua pobreza de instintos. Segundo Gehlen, para 105
sobreviver, o homem tem de compensar esta falta de especialização com uma ação
propriamente sua, a qual lhe permita construir um mundo cultural, onde surjam as mais
elevadas realizações espirituais e culturais 3. Tal ação é a linguagem. Essa ação não é estranha
considerando que o ser humano é frequentemente definido como homo loquens, pois a
propriedade da linguagem distingue-o nitidamente dos demais seres. “Na palavra se encontra
o humano (ela identifica o homo loquens), o humano com suas autorreferencias e suas
ambiguidades”, como afirmou Saldanha 4.
Gehlen chama o homem de “ser incompleto”, ou “em busca permanente”, e pensa que
foi constrangido, por carência de adaptações morfológicas especiais, a fabricar o seu próprio
mundo de cultura, através da sua ação5. Isto significa que a sua conduta universal se
caracteriza pelo conceito de “abertura ao mundo”, em contraste com a “vinculação ao meio”
que caracteriza a conduta dos outros animais 6. O comportamento animal está “vinculado ao
meio”, enquanto a conduta humana está “livre do meio” e, por isso, é uma conduta “aberta ao
mundo”. O animal tem um meio limitado; o homem, pelo contrário, vive num mundo
ilimitado; é um “ser aberto ao mundo”. O meio ambiente (Umwelt) significa um espaço vital
perfeitamente limitado sobre o qual se estabelece de forma específica um ser vivo. O mundo
(Welt) significa, pelo contrário, um horizonte vasto que rompe, por definição, qualquer
limitação precisa e elimina toda a fixação, sendo por isso mais amplo que o espaço vital
imediato, define. Daqui resulta que o animal é um ser ligado ao meio porque está ligado ao

3
GEHLEN, Arnold. Der Mensch. Seine Natur Und Seine Stellung in Der Welt. Frankfurt: VK, 1993, p. 30.
4
SALDANHA, Nelson. Do sagrado ao profano: a palavra na história. In: QUINTAS, Fátima (Org.). Academia
Pernambucana de Letras. Recife: Bargaço, 2015, p. 121.
5
“Com efeito, morfologicamente, o homem, em contraposição aos mamíferos superiores, está determinado pela
carência que é necessário explicar no seu sentido biológico exato como “não adaptação”, “não especialização”,
primitivismo, isto é: “não evoluído”; de outra forma: essencialmente negativo”. GEHLEN, A. 1993, op. cit., p.
13, tradução nossa.
6
“[...] O homem é um ser desesperadamente inadaptado. É de uma mediania biológica única no seu gênero [...]
e só conseguiu sair desta carência mediante a sua capacidade de trabalho ou o dom da ação; isto é: com as suas
mãos e a sua inteligência. Precisamente por isso ficou ereto, circum-spectans (olhando ao redor) e as suas mãos
estão livres”. Id. Ibid., p. 9, tradução nossa.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

instinto, e que o homem está aberto ao mundo precisamente porque carece da adaptação
animal a um “ambiente-fragmento” 7. Isto significa que, em decorrência da carência de um
meio ambiente (circum-mundo) com distribuição de significados realizada por via instintiva,
o homem tem de realizar essa tarefa mediante os seus próprios meios e por si mesmo, isto é, o
homem precisa “transformar por si mesmo os condicionamentos carenciais da sua existência
em oportunidades de prolongamento da sua vida” 8. O homem é “um ser praxista porque é
‘não especializado’ e carece, portanto, de um meio ambiente adaptado por natureza. A
106
essência da natureza transformada por ele em algo útil para a vida chama-se cultura e o
mundo cultural é o mundo humano” 9. A partir desta noção de homem como um ser carencial
e, por isso, um “ser em risco”, Gehlen elabora uma imponente teoria da cultura como conceito
antropobiológico e do homem como “um ser de cultura por natureza”, isso porque "não
terminado" em sua relação com o meio ambiente. Aí reside a necessidade da linguagem para o
ser humano.
Assim, como ser deficiente ou carente, o ser humano é incapaz de perceber quaisquer
verdades a respeito do mundo10, independentemente de um contexto linguístico, única
realidade artificial com que é capaz de lidar. Logo, a linguagem e tudo o que se chama de
“inteligência” pode ser visto como um plus diante da inadaptação do homem ao mundo
material 11. Nesse sentido, Blumberg, citado por Adeodato, afirma que:

A deficiência do homem em relação a disposições específicas para uma conduta


reativa diante da realidade, ou seja, sua pobreza de instintos, é o ponto de partida
para a questão antropológica central – como este ser, apesar de sua indisposição
biológica, pode existir. A resposta pode ser exposta na fórmula: na medida em que
ele não se relaciona diretamente com a realidade. A relação humana com a realidade
é indireta, complexa, retardada (verzögert), seletiva e, sobretudo metafórica 12.

Dessa maneira, ainda complementa Adeodato que:

se o homem constrói seu mundo separado da natureza, os objetos que o rodeiam são
exclusivamente seus e se constituem em intermediários entre ele e aquele mundo

7
"A abertura ao mundo (vista como uma incapacidade natural de viver num ambiente-fragmento) é
fundamentalmente uma tarefa". Id. Ibid., p. 12, tradução nossa.
8
Id. Ibid., p. 13.
9
Id. Ibid., p. 13.
10
Id. Ibid., p. 292.
11
ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 198.
12
BLUMENGERG, Hans. Antropologische Annäherung an die Aktualität der Rhetorik. In: ______.
Wirklichkeiten in denen wir leben – Aufsätze und eine Rede. Stuttgart: Philipp Reclam, 1986, p. 115 apud
ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 200.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

natural, fazendo com que aquela relação gnoseológica e mesmo vital entre o homem
e o universo seja indireta, intermediada pela linguagem. O meio ambiente não é
mais tido como dado, mas sim como produzido pelo sistema linguístico de maneira
exclusivamente autorreferente13.

Portanto, a linguagem é por demais valiosa para o ser humano e, como disse
Wittgenstein (1889 - 1951), talvez a linguagem seja uma dessas coisas que por nos serem
14
mais familiares são as mais difíceis de entender , daí ser tão estudada como sistema na
Linguística. Por sua vez, a Linguística possui várias especializações, as quais não cabem aqui 107
explicitar, sendo mais pertinente trazer como parêntesis um panorama histórico e conceitual
da própria Semântica.

3. ACEPÇÕES LINGUÍSTICAS E DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS SOBRE A


SEMÂNTICA

Para que se entenda a construção semântica de palavras, conceitos ou mesmo teorias é


necessário compreender rapidamente o que possa vir a ser a própria Semântica dentro do
estudo da Linguística, aplicando-se esta, então, a outras áreas do conhecimento, como o
Direito – obviamente sem pretender esgotar todas as possíveis acepções sobre o tema nem as
teorias que surgiram a partir de seu estudo. Isso pode ser auxiliado, mesmo que sumariamente,
por um panorama histórico significativo a respeito de seu progresso ou desenvolvimento ao
longo da (sua) História, buscando, assim, apenas uma contextualização para que, de forma
introdutória, se possa abordar o tema da construção de conceitos, os significados e as
designações de áreas do saber jurídico, e, melhor, suas indeterminações.
Assim, apropriadamente, o Léxico define a Semântica como uma ciência que
considera as relações dos signos com os objetos a que eles se referem, estabelecendo uma
relação de designação. Ainda, o vocábulo “semântica” foi criado basicamente para designar a
área científica que se ocupa dos significados das palavras. Portanto, a Semântica é uma parte
da Linguística que estuda as mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela
significação das palavras. De um modo mais preciso, a Semântica linguística é definida como
a ciência que estuda as diversas relações das palavras com os objetos por elas designados, e
assim, se ocupa de averiguar de que modo e segundo que leis as palavras se aplicam aos

13
ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 200.
14
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009, §89.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

objetos. Portanto, Semântica é: o estudo do significado. Ela diz respeito à determinação


sistemática dos significados a expressões simples e complexas de uma linguagem 15.
É provável que a teoria semântica fez sua primeira aparição na filosofia através do
monismo de Parmênides (475 a. C.) quando afirmou que “só o que era verdadeiro podia ser
expresso”, mas a teoria semântica passou propriamente a ter importância especial no meio dos
Sofistas, que diferentemente de seus antecessores filósofos – hoje designados como “pré-
socráticos” –, concentraram seu interesse mais no homem do que no cosmos. Isso os levou ao
108
estudo da linguagem. Protágoras (445 a.C.) pode ser considerado o primeiro gramático entre
eles. Ele distinguiu tempos verbais e algo parecido com os “modos” ao separar sentenças,
como respostas, perguntas, ordens e desejos, bem como classificou os substantivos em:
masculinos, femininos e “inanimados”, uma divisão baseada mais na Semântica do que em
considerações sintáticas, vez que a observação dependia da presença de um sexo (gênero) em
particular, ou da falta de sexo (gênero), nas coisas que os substantivos eram usados para
nomear. Assim, a gramática se desenvolveu rapidamente entre os Sofistas 16.
Os sofistas gregos desenvolveram a Semântica na mesma proporção em que
desenvolveram a Gramática. Pródico (465 a 399 a.C.), o conhecido antecessor de Sócrates, é
mencionado no Eutidemo [277e] como alguém que insistiu na importância capital da
“correção dos nomes”, algo que Sócrates, citado por Guthrie, chamou de: a primeira fase da
iniciação dos mistérios dos Sofistas. Sua especialidade era a precisão no uso da linguagem e
distinção acurada do significado das palavras comumente consideradas sinônimos17. Contudo,
o trabalho de Pródico se baseou na hipótese de que não havia sinônimos genuínos, vez que,
18
onde há duas palavras, existem dois significados . Por sua vez, parece que a Semântica
passou a ser discutida teoricamente pela primeira vez a partir dos argumentos paradoxais
propostos por Górgias (435 a.C.), principalmente, para apoiar sua terceira tese niilista 19 -
claramente uma oposição à tradição parmenidiana e uma percepção da indeterminação da
linguagem.
Por outro lado, hodiernamente, e mais especificamente, segundo Bréal (1832 - 1915),
o uso do termo “semântica” encontra justificação etimológica no verbo grego semainen,

15
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Semântica. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed.
Curitiba: Positivo, 2004, p. 1823.
16
KRETZMANN, Norman. History of semantics: antiquity. In: BORCHERT, D. M. Encyclopedia of
philosophy. 2nd. ed. Farmington, MI, USA: Thomson Gale, 2005, p. 751.
17
GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1995, p. 207.
18
KRETZMANN, Norman. Op. cit., p. 751.
19
As três teses de Górgias eram: (1) Nada existe. (2) Mesmo que algo exista, não pode ser apreendido pelo
homem. (3) Mesmo que alguma coisa pudesse ser apreendida, não poderia com toda certeza ser expressa e
comunicada aos seus semelhantes. [Frag., B3. 979b20 - 980a1.]
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

introduzido por Aristóteles em sua Tópica20 para indicar a função específica do signo
linguístico, em virtude da qual ele “significa” ou “designa” algo 21. Na verdade, é a partir da
Retórica de Aristóteles que se encontra o ponto de partida das duas grandes linhas de
desenvolvimento da discussão filosófica sobre a linguagem, isto é, sobre a relação entre
linguagem e pensamento e a função comunicacional da linguagem. No primeiro caso, ele
caracteriza os conceitos com signos mentais das coisas, e as palavras como signos dos
conceitos. Boa parte da tradição ontológica tem seguido a relação entre linguagem e mente
109
que procura definir a natureza do “conceito” e de sua relação com coisas e palavras. Mas,
Aristóteles prosseguiu mostrando a importância de se ir além da função descritiva da
linguagem, que procura representar a realidade, e informou que essa função da linguagem na
comunicação articula ambas, descrição e representação. Assim, Aristóteles afirmou que
signos são usados para expressar pensamentos e para falar do mundo “real” para alguém 22.
A Semântica seria, portanto, e retornando a acepção de Bréal, a parte da Linguística, e
mais especialmente da Lógica, que estuda e analisa a função significativa dos signos, os nexos
entre os signos linguísticos (palavras, frases, etc.) e suas significações 23. Embora seja esta a
acepção mais difundida na filosofia e na lógica hoje em dia, esse termo também tem outras
acepções relevantes. Por exemplo, Alfred Korzybski (1879 - 1950) utiliza "semântica geral"
para indicar uma teoria atinente ao uso da linguagem, sobretudo em relação às neuroses que,
24
segundo esse autor, são efeitos ou causas de certos maus usos linguísticos . A essência da
obra de Korzybsky, antecedendo Gehlen, é a declaração de que os seres humanos estão
limitados no seu conhecimento pela estrutura do seu sistema nervoso e pela estrutura das suas
línguas. Os seres humanos não poderiam experimentar o mundo diretamente, só através das
suas abstrações, impressões não verbais que provêm do sistema nervoso e indicadores verbais
que provêm da língua. Por vezes, as percepções e a língua confundem o ser humano que crê
que estes são os fatos com os quais deve lidar. O entendimento humano do que está
acontecendo carece em ocasiões de similaridade de estrutura com o que está realmente
acontecendo. Korzybsky enfatizou os benefícios de treinar a consciencialização
(conciousness) da abstração usando técnicas que obteve a partir do seu estudo da matemática

20
ARISTÓTELES. Tópicos. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007, passim.
21
BRÉAL, Michel. Ensaio de Semântica: ciência das significações. São Paulo: EDUC/Pontes, 1992, p. 20-80 et
seq.
22
ARISTÓTELES. Retórica. São Paulo: Rideel, 2007, p. 155 [1406c].
23
BRÉAL, Michel. Op. cit., p. 80.
24
KORZYBSKI, A. Introduction to de Second Edition 1941. In: ______. Science and Sanity: An introduction to
non-aristotelian systems and general semantics. 5 th. ed., Englewood, New Jersey: Institute of General
Semantics,1994 (1933), p. XLII.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

e da ciência. Ele denominou esta consciencialização, a meta do seu sistema, de “consciência


da abstração”. O seu sistema tratou de modificar a maneira na qual os seres humanos lidam
com o mundo 25.
Ademais, lógicos poloneses em geral, e em particular Leon Chwistek (1884-1944)
usaram o termo “semântica” para indicar a lógica formal em seu conjunto 26, isso como crítica
à realidade uniforme, de forma que não distinguiam entre proposição e enunciado, entre o
significado lógico e a forma linguística de uma proposição. Ele mesmo definiu a semântica
110
como “ciência de expressões” 27. Não obstante, foi graças ao impulso dado pelos estudos dos
lógicos poloneses que, por volta de 1956, se começou a delimitar o campo dessa “nova”
disciplina.
A partir desses entendimentos, então, percebe-se que além da contingência cultural da
linguagem, a própria Semântica linguística juntamente com algumas noções que estuda, das
quais as noções de verdade, designação, cumprimento e aplicabilidade, entre outras que são
mais relevantes para o Direito, seu objeto e método são considerados diferentemente enquanto
elaborados quer por um filósofo ou um lógico. Além disso, embora o caráter menos abstrato e
formal da Semântica em relação à Sintaxe seja admitido por quase todos os autores, tal
variabilidade científica aponta para uma mutabilidade dos conceitos no Direito a partir da
própria indeterminação dessa ciência que tenta fixar sua linguagem.

4. PARTICULARIDADES TEÓRICAS ENTRE SEMIÓTICA, PRAGMÁTICA,


SEMÂNTICA E SINTAXE NO ESTUDO DA LINGUAGEM

Como visto, a linguagem é algo complexo e seu estudo mais ainda. Embora alguns
pensadores tentem fazer algumas reduções, estas, inegavelmente contribuem com suas
particularidades, mas não passam com pontos de partida. É o caso de Saussure, que para
diferenciar seus estudos continentais das observações apresentadas pelo americano Pierce,
denominou seu estudo da linguagem e da comunicação de Semiologia, enquanto que os de
Peirce, de Semiótica ou Semiótica Pragmática ou ainda Pragmaticismo28. Ferdinand de
Saussure (1857-1913), o conhecido linguista e filósofo suíço, estruturalista, tratou a
linguagem como um percurso apenas interno, ou seja, excluiu elementos, tais como o

25
Id. Ibid., p. XXXIII, XLVIII.
26
CHWISTEK, Leon. Introduction. The Limits of Science. Outline of Logic and of the Methodology of the
Exact Sciences (transl. by H.C. Brodie e A.P. Coleman) [1935]. London: Routledge and Kegan Paul, 1948, p.
XXXVII - XXXIX.
27
Id. Ibid., p. XLII.
28
PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. trad. José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010, p.
193-195.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

referente, o mundo, o sujeito e a história, pois, para ele, a linguagem expressaria o


pensamento e, por isso, a Linguística deveria limitar-se ao estudo da língua em si mesma e
por si mesma e excluir os outros componentes da comunicação que não o próprio código 29.
Todavia, esse entendimento certamente não é unívoco, como foi colocado antes. Além
de autônoma, a complexidade de conceituação linguística da Semântica enfrenta também um
vasto horizonte de sentidos na Semiótica. Assim, no seio da Semiótica, entendida como a
“doutrina dos signos”30 em geral e dos signos linguísticos em particular, Charles W. Morris
111
(1901-1979) e Rudolf Carnap (1891-1970) propuseram distinguir alguns aspectos
fundamentais comunicacionais. Eles fizeram uma distinção entre Pragmática, Semântica e
Sintaxe. A Pragmática semiótica seria o estudo do comportamento gestual dos seres humanos
que fazem sinais por determinados motivos, para atingirem certos objetivos, e, portanto, seria
um ramo da psicologia e/ou da sociologia. A Semântica aqui, sem considerar as circunstâncias
concretas, psicológicas e sociológicas do comportamento linguístico, restringiria seu campo
de investigação à relação entre signo e referente (significatum, designatum, denotatum). Por
último, a Sintaxe estudaria as relações entre os signos de determinado sistema linguístico
abstraindo-se até mesmo dos significados 31.
Por outro lado, a Semântica e a Sintaxe, na verdade, constituiriam dois grandes
capítulos que dividem a lógica formal pura. Desta última, porém, faz parte mais a Semântica
Pura, que constitui a priori as regras de um sistema sintático geral, do que a Semântica
Descritiva, que é uma investigação empírica com vistas à descrição de determinado sistema
semântico, ou grupo de sistemas afins, portanto, mais pertinente à Linguística que à Lógica.
Assim, resumidamente, a Semântica Pura, mais que doutrina dos significados, seria uma
“teoria geral da verdade e da dedução nos sistemas sintáticos interpretados”. Por isso,
distingui-la da Sintaxe torna-se difícil e problemático 32.
Mais recentemente, Willard van Orman Quine (1908-2000) insistiu na diferença entre
“a referência semântica” propriamente dita, que seria o significar, e “a referência do nomear”.
Tal diferença resultaria do fato de que se pode nomear distintamente um mesmo objeto com

29
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 30. ed. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 134 e ss.
30
PIERCE, Charles Sanders. Op. cit., p. 45.
31
MORRIS, C. W. Foundations of the Theory of Signs. In: NOURALH, Otto. International Encyclopedia of
Unifies Science. v. 1. n. 2. July. Chicago: University of Chicago Press, 1938; 3. ed. 1944, p. 8, 13, 21, 29;
CARNAP, R. Meaning and Necessity: A Study in Systematics and Modal Logic. 2nd. ed. Chicago: University of
Chicago Press, 1956.
32
Essa problemática é discutida em várias ocasiões nas obras desses autores. Assim, cf. MORRIS, C. W. Op.
cit., cap. IV, p. 21-29; CARNAP, R. Foundations of Logic and Mathematics, 1939, I, 2; CARNAP, R. Op. cit.,
p. 233; CARNAP, R. Introduction to Semantics. 2nd. ed., Chicago: University of Chicago Press, 1958.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

várias sentenças mesmo que os significados sejam diferentes33, e ainda assim, manter o
mesmo referente do nomear. Tome-se como exemplo algo a partir da língua portuguesa para
se entender essa diferença: as expressões "Machado de Assis" e "o bruxo do Cosme Velho". O
significar é literalmente distinto entre um nome próprio como “Machado de Assis” e o
substantivo “bruxo”, mas o nomear é o mesmo, porque ambos indicam a mesma coisa ou, no
caso aqui, a mesma pessoa. Esse entendimento é um desenvolvimento daquele proposto por
Frege, como se verá adiante. A Semântica conteria, assim, duas partes: uma teoria do
112
significado à qual pertenceria a análise dos conceitos de sinonímia, significação, analiticidade,
implicação; e uma teoria da referência à qual pertenceria a análise dos conceitos de nomeação,
verdade, denotação e extensão. Mas o próprio Quine observa que “até agora” a palavra
“semântica” foi empregada principalmente para a teoria da referência, embora esse nome
fosse mais adequado à teoria do significado34.
Assim, observa-se também, através do estudo de outras teorias semânticas, tais como
a lógica formal, a teoria conversacional, a pragmática ou a teoria da enunciação, que os
estudiosos vêm apenas tentando repor tudo o que Saussure excluiu no estudo da linguagem.
Além disso, as especificidades encontradas na Semiótica, Pragmática, Semântica e Sintaxe,
descritas acima, buscam delimitar imprecisões, a fim de que ideias e conceitos possam
transmitir alguma “certeza” de “verdade” imprescindível para a segurança humana. Porém,
ainda outros estudos corroboram com a percepção de que é impossível essa ou outra
conceituação segura e unânime, pelo menos, independentemente de consensos linguísticos.

5. TEORIAS COMPLEMENTARES EM RELAÇÃO ÀS “VERDADES”


SEMÂNTICAS NO ESTUDO DA LINGUAGEM

De forma a exercerem função integrativa aos fundamentos apresentados, observa-se


que também algumas teorias acrescentaram conteúdo ao conhecimento do sentido da
linguagem. Inicialmente é necessário destacar, mesmo que sucintamente, a teoria da lógica
formal de Frege (1848-1925), que aplicada à filosofia da linguagem rompe com a lógica
tradicional. É a teoria do significado que foi compactada nos elementos: sentido, referência e
verdade. Para Frege, o sentido de uma frase é algo que se modifica quando partes dela são
substituídas por outras com outro sentido, mas com a mesma referência, referência que seria
considerada como sendo a circunstância para que a frase fosse verdadeira ou falsa. Ainda, o

33
QUINE, W. V. Orman. From a Logical Point of View: Nine Logico-Philosophical Essays. Cambridge:
Harvard, 1953, chap. II, p. 1, chap. VII, p. 1.
34
QUINE, W. V. Orman. Op. cit., p. 47.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

valor de verdade de uma frase é que seria sua referência, pois passaria do plano do sentido
para o plano do que é objetivo. Logo, o significado de uma sentença poderia ser estabelecido
através da análise de seus elementos constituintes, da contribuição do sentido e da referência
das partes para o todo da sentença. Assim, a estrutura e os elementos constitutivos da sentença
seriam analisados (o nome e o predicado, o sentido e a referência), e o sentido de um
enunciado linguístico seria determinado pelo que ele representa do mundo, dos objetos, ou de
um estado de coisas 35.
113
Ou seja, Frege concentra-se no problema do significado das sentenças a partir das
considerações sobre a relação existente entre a linguagem e a realidade, e isso, ao diferenciar
o sentido (Sinn) da referência (Bedeutung). Diferentemente de Quine que distinguia o
significar do nomear, para Frege a referência é o objeto designado ele próprio, enquanto o
sentido é o modo de designar o objeto, isto é, de determinar a referência. É bem conhecido
outro exemplo onde o planeta “Vênus”, “a estrela da manhã” ou “estrela d’alva” e “a estrela
da tarde” ou “vésper” ou ainda a “estrela do pastor” têm o mesmo referente (a
“estrela”/planeta), porém diferentes sentidos (o “nascer” do dia e o “findar” do dia) a partir
das diferentes designações. Logo, sentenças linguísticas também possuem sentido e
referência. Contudo, no caso de asserções ou sentenças declarativas, a referência da sentença
não se altera quando se substituem expressões linguísticas por outras com a mesma referência,
mas que produzem sentidos diferentes. Dizer que “a estrela d’alva é um planeta” e que “a
estrela vespertina é um planeta” não altera a referência, embora as expressões não sejam
sinônimas por não terem o mesmo sentido.
Ainda, para Frege, uma sentença expressa um “pensamento” que é o que se mantém na
tradução, e é nisso que consiste seu sentido, porém não sua referência. A referência das
sentenças consiste no verdadeiro e no falso, isto é, na sua conexão com a realidade, as
“circunstâncias” em que são verdadeiras ou falsas. Contudo, se a referência de uma sentença é
verdadeira ou falsa, todas as sentenças verdadeiras teriam a mesma referência; o que de certa
forma ocorre presumindo que todas se referem à mesma “realidade” 36. Assim, enquanto para
Quine, a “verdade” estaria no nomear, para Frege estaria na referência.
Outros estudiosos concentraram seu foco em questões conversacionais, nos atos da
fala, nos atos de linguagem ou sua enunciação histórica. Parece que um ponto em comum a
35
CID, Rodrigo Reis Lastra. Resenha: FREGE, GOTTLOB. (1892). Sobre o sentido e a referência. In:
ALCOFORADO, PAULO (org. e trad.). Lógica e filosofia da linguagem. São Paulo, Cultrix/EDUSP, 1978.
Intuitio, Porto Alegre, v. 6., n. 2., nov., p. 253-262, 2013, p. 253. Disponível em: <http://revistase
letronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/15951/0> Acesso em: 15 out. 2014.
36
FREGE, G. Sobre o sentido e a referência. In: ALCOFORADO, Paulo (org.) Lógica e filosofia da linguagem.
Org. trad. e introdução de Paulo Alcoforado. São Paulo: Cultrix, 1978, p. 59-86.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

todos seria o fato de que a subjetividade é o elemento constitutivo da comunicação e não


essencialmente a “realidade” que a linguagem aparentemente tenta representar. Se “todas” as
conclusões demonstram esse distanciamento de uma “essência”, de uma “realidade” ou de
uma “verdade”, a “certeza” do que se entende como “direito” não seria também mais uma
performance cultural do ser humano, da contingência linguística, apenas para suprir uma
necessidade atavia de segurança?
Contudo, a teoria da análise conversacional, de Herbert Paul Grice (1913-1988),
114
pensou os sentidos diferentemente dos lógicos e usou as máximas conversacionais:
relevância, quantidade, qualidade e modo, para colocar o sentido como intenção do sujeito.
Segundo ele, o bom funcionamento da comunicação exigiria que fosse respeitado um
princípio de cooperação. Assim, como regra geral, os participantes de uma troca verbal
reconheceriam um objetivo comum, ou um conjunto de objetivos, ou pelo menos uma direção
aceita por todos. Uma formulação qualquer construiria a simulação de um raciocínio do
ouvinte a partir do enunciado dito pelo locutor. Em Grice, reaparece o mundo das coisas como
existentes e que dão à linguagem o que ela significa37.
Por outro lado, a teoria de John Langshaw Austin (1911-1960) contribui com a
linguística ao estudar os atos da fala. O ponto central da concepção de Austin e sua principal
contribuição é a ideia de que a linguagem deve ser tratada essencialmente como uma forma de
ação e não de representação da realidade 38. Seu ponto de partida foi estabelecer a diferença
entre sentenças constatativas e performativas 39. O significado de uma sentença deveria ser
estabelecido pelas condições de uso da sentença, uma vez que elas determinariam seu
significado, por isso, se constituiriam numa teoria da ação; nela, analisam-se as condições sob
as quais o uso de determinadas expressões linguísticas produzem certos efeitos e
consequências em uma dada situação.
Por sua vez, a teoria da enunciação de John Rogers Searle (1932 - ) viu como
equivalentes a realização dos atos de linguagem e a significação das frases usadas para
realizar tais atos. Buscou romper a barreira do fechamento do sistema pelo estudo da
significação, de modo geral, e mais particularmente, pelo estudo da subjetividade na língua.

37
GRICE, Paul. Further notes on Logic and Conversation. Studies in the Way of Words. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1991, p. 41-57.
38
“[...] Que nome daríamos a uma sentença ou a um proferimento desse tipo? [...] ‘um performativo’. [...]ao se
emitir o proferimento está-se realizando uma ação, não sendo, consequentemente, considerado um mero
equivalente a dizer algo”. AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas,
1990, p. 23.
39
AUSTIN, J. L. Id. ibid., p. 21.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

Searle conceituou a enunciação como uma relação do locutor com a língua, onde o locutor se
apropria dela colocando-a em funcionamento para fazê-la significar 40.
Por fim, a teoria de Oswald Ducrot (1930 - ), formulada juntamente com Jean-Claude
Anscombre e denominada de Teoria da Argumentação na Língua (TAL), conclui que, a partir
das noções de língua, fala e valor, um argumento não seria uma prova para algo, mas uma
razão dada ao interlocutor para aceitar uma conclusão. Ou seja, a linguagem remeteria a uma
construção que apenas a linguagem faz das coisas do mundo. A análise do discurso se
115
constituiria a partir da inclusão da “história” na linguagem. O sentido seria, então, uma
questão enunciativa em que a enunciação seria vista historicamente. Ou seja, um discurso se
produziria como trabalho sobre outros discursos e o interdiscurso, a relação de um discurso
com outros, considerado como a memória do dizer, o dizível, em que o sentido de um
acontecimento seria o resultado do cruzamento de discursos diferentes no acontecimento,
tornando a língua histórica. Para os autores, o sentido de um enunciado seria dado no
interdiscurso constituído pelo funcionamento da língua no acontecimento, resultado da
memória e do presente do acontecimento41.
A partir dessas considerações teóricas a respeito da linguagem, observou-se que não
faltaram estudos para aplicar esses conceitos a objetos teóricos, ou expressões, como “justiça”
e “direito”, conceitos por si mesmos vagos, amplos e abertos, como forma de estabelecer
“verdades” conceituais, ou como preferem outros, “verdades” dogmáticas. Certamente, cada
relação apresentada levou a novas constatações, que, tipicamente, produziram mais
indeterminações. Adiante são apresentados dois teóricos que estudaram especificamente a
tentativa de determinar alguns possíveis limites a essas relações de (im)previsibilidade em
relação ao Direito: Ross e Hart.

6. FILOSOFIA DA LINGUAGEM E DIREITO: RELAÇÕES DE


IMPREVISIBILIDADE

A complexidade semântica pode (e deve) reunir a Linguagem e o Direito em uma


categoria para construir conceitos. Alf Ross (1899-1979) trabalhou sobre o potencial
semântico para a construção do conceito de Direito. Representante do realismo jurídico
escandinavo, seu pensamento divergiu bastante de correntes tradicionais no estudo da ciência
do Direito – ele é corriqueiramente vinculado à Escola Realista do Direito. Para o autor, o

40
SEARLE, John Rogers. Expression and Meaning: Studies in the Theory of Speech Acts (essay collection),
Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 162.
41
DUCROT, O. Princípios de semântica linguística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, s/d, p. 239.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

direito vigente não possuía relações que possam ser metafisicamente explicadas; dessa
maneira, o Direito deveria ser buscado no plano da experiência. Para Ross, a norma jurídica
era constituída por uma diretiva e, por ser uma diretiva, ela era dirigida a alguém, nesse caso,
o juiz. Extrai-se disso, por conseguinte, que a efetividade de uma norma é medida pela
aplicação àquilo que ela é dirigida; ou seja, ela se mede pela aplicação do juiz. Assim, o
Direito consiste-se de normas e fenômenos jurídicos – aquelas dão supedâneos para que o
julgador possa averiguar as questões às quais os fatos estão vinculados e estas existem no
116
ambiente social42.
Em seu livro Direito e Justiça, Ross disseca o elemento “validade” em referência ao
Direito. Para alcançar seu entendimento, partiu do pressuposto de que havia uma
diferenciação semântica entre “validade” como validity e “validade” como valid law. Em sua
delimitação semântica, Ross denominou o valid law de “direito vigente”, uma
metaespecificidade do parâmetro geral “validade”. Dessa forma, para a compreensão da
validade, Ross destaca o conceito de “direito vigente” como importante para compreender o
problema da natureza do Direito que estaria na interpretação do “direito vigente” de uma
determinada maneira. Isto porque tal direito não se alia às escolas metafísicas do
entendimento legal e sim por estar vinculado a um plano mais empirista43. Em sua análise, ele
compara as normas legais a um jogo de xadrez e suas normas - estas servindo de molde para
compreender ações em um modelo determinado coerentemente e passível de previsão. Ainda,
na metáfora entre leis e jogo de xadrez, um recurso retórico, ele diz que seria uma tarefa árdua
agrupar todas as regras de diferentes jogos em um único grupo denominado “regras dos
jogos”44. No Direito, essa dificuldade pode ser exemplificada tanto na dificuldade de
determinar a abrangência de termos como “regras de direito” e determinar o que seja “direito
válido” universalmente, na medida em que há diferença entre os direitos nacionais
concernentes a diferentes Estados, que variam de acordo com as suas contingências. Ele usa
como exemplo também, como forma de compor o seu raciocínio, o fato de que a palavra “lei”
deve ser entendida de acordo com um contexto específico, logo, contingente, e não algo
universalmente abrangente. Percebe-se, portanto, que a sua concepção de “sistema de direito”
é baseada no sistema nacional de direito [national law system]45, que se compõe por meio de

42
ROSS, A. Direito e justiça. São Paulo: Edipro, 2000, p. 34-36.
43
“[...] direito vigente (valid law, diferente de validity) é aquele que representa o conjunto abstrato de idéias
normativas que funcionam como um esquema de interpretação para os fenômenos do direito em ação, o que, por
sua vez, significa que essas normas são efetivamente observadas, e que assim são porque são experimentadas e
sentidas como socialmente obrigatórias”. ROSS, A. op. cit., p. 18.
44
Id. ibid., p. 30.
45
Id. ibid., p. 34.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

uma integração que determina quando a força física deverá e poderá ser utilizada contra uma
pessoa. Esse sistema operacionalizaria o uso da força maquinada pelo Estado.
Enfrentadas essas questões preliminares para o entendimento do pensamento de Ross,
retoma-se a questão da “validade” em seu conceito. Entende-se de seu postulado que a
questão da validade (validity) tem sido até então discutida como um conceito apriorístico
entre os normativistas, dotada de uma natureza inerente a si. Ela deve ser analisada, no
entanto, como a validade de um sistema legal.
117
A validade é um conceito que, primeiramente, deve ser entendido de acordo com a
vigência do valid law (direito vigente), acima explicitada. Só existe validade se uma norma é
direito vigente. Para Ross, “o teste da validade é tal que nessa hipótese [...] possamos
compreender as ações do juiz (as decisões das cortes) como respostas munidas de significado
para condições dadas e prevê-las, de acordo com certos limites” 46. A eficácia que condiciona
a validade das normas pode ser entendida também como a aplicação feita pelo juiz, e não a
partir do efeito da lei sobre as pessoas que estão a ela vinculadas. Essa concepção foi
esclarecida num exemplo, encontrado no livro em questão, Direito e Justiça, a respeito do
tema do aborto. Se o aborto de conteúdo criminoso é proibido, o conteúdo da lei é uma
diretiva ao juiz – no caso, no sentido de que ele deve punir penalmente quem não cumprir
essa lei independentemente da tentativa da mesma em “controlar” o comportamento das
pessoas, vez que, o juiz só terá oportunidade de aplicar a lei àquelas pessoas que escaparam
do efeito vinculativo que a lei tentou exercer sobre elas. Assim, passa-se de eficácia para a
validade. Validade, então, seria um instituto diretamente vinculado à aplicação, isto é, ela
estaria vinculada a quem o aplica, bem como ao seu comportamento. Uma norma só seria
válida quando ela possuísse aplicação nas cortes de justiça e essa aplicação estaria munida de
consciência de obrigação. A validade de uma norma seria obtida através de uma relação entre
o signo e o objeto – cabe aqui fazer uma ressalva para a compreensão de Ross acerca do
“signo”, que seria diferente de “símbolo”: o signo é natural; o símbolo, artificial, e os signos
seriam refletidos a partir do curso da natureza.
Ross também rejeitou uma concepção metafísica de validade e ele também destacou
que há teorias realistas acerca da validade que postulam que ela deveria ser interpretada
através da eficácia social das normas47. Neste ponto, ele percebeu que as correntes realistas
divergiam: uma corrente psicológica afirmava que a validade só existiria se fosse aceita pelo
consciente popular legal [popular legal consciousness], e a corrente behaviorista (ou,

46
Id. ibid., p. 35.
47
ROSS, A. Op. cit., p. 70.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

comportamentista) [behavirouristic] encontraria sua égide nas ações das cortes. Ou seja, uma
norma só seria válida, de acordo com esta última corrente, se existem embasamentos
suficientes para admitir que ela fosse aceita pelas cortes como guia de decisões. A diferença
entre ambas correntes é, portanto, sutil, e está no fato de que na psicológica, a lei seria
aplicada porque é válida; enquanto que na behaviorista, ela seria válida porque é aplicada.
A pretensão de Ross em seu trabalho foi juntar as teorias psicológica e behaviorista de
validade. De acordo com ele, a visão ideal deveria ser aquela que fornece uma síntese entre
118
estes dois pressupostos, dado que uma concepção baseada nesta é inviável por não poder
expressar o comportamento do julgador somente por observações externas. Por outro lado, a
sua crítica àquela está no fato de que ele vincula o direito vigente e a validade a uma
consciência individual. E isso não poderia ser aceito, pois o Direito seria fruto da relação entre
sujeitos (sendo, portanto, intersubjetivo). Assim, a validade do Direito perpassaria ambos os
caminhos: em um ponto, sendo behaviorista, na medida em que “é dirigida para achar
consistência e previsibilidade no comportamento verbal externo do juiz”48, e em outro sendo
psicológica, já que a sua coerência só poderia existir se o juiz, em sua vida “espiritual”, fosse
motivado e comandado por uma ideologia normativa, de conteúdo conhecido49.
Indo a outro exemplo, Herbert Lionel Adolfus Hart (1907 - 1992) demonstrou a
complexidade semântica em sua obra O Conceito de Direito. Esta obra transformou o modo
como era compreendida e estudada a Teoria Geral do Direito, comumente apresentada como
Jurisprudence no mundo do Common Law e fora dele. Nessa obra, Hart buscou aprofundar a
compreensão do Direito, da coerção e da moral como fenômenos sociais distintos, embora
relacionados, e foi precursora da teoria jurídica analítica. Também faz uma crítica às
deficiências do modelo simples de sistema jurídico, constituído segundo as linhas da teoria
imperativista de J. L. Austin (1911 - 1960), fundamentada e seguida por outros autores do
século XIX, como Sir William Markby (1829 - 1914).
Hart iniciou sua argumentação apontando que a argumentação até então desenvovida
por notórios juristas não era capaz de dar resposta e uma questão central, qual seja: “o que é o
Direito?”, já que a tentativa mais clara e mais completa de análise do conceito de Direito, em
termos de elementos aparentemente simples de comandos e hábitos, feita por J. L Austin, não
demonstrava a diferença essencial entre “ser obrigado a” e “ter uma obrigação de”. Ficou
famosa sua negação em definir o Direito de maneira clara, questionando a possibilidade e a
utilidade de uma definição genérica.

48
ROSS, A. Op. cit., p. 73-74.
49
Id. ibid., p. 74.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

Um problema teórico básico, exposto por Hart, que parece servir como ponto de
conexão universal das normas jurídicas, e que foi algo observado correlatamente a partir das
várias teorias expostas no início desse trabalho, foi o da inacessibilidade cognitiva do ser
humano à determinação exata e precisa da conduta humana que se tem por objetivo
normatizar. A incapacidade humana para determinar a linguagem bem como para antecipar os
eventos futuros foi a raiz da indeterminação que marca o conceito de Direito50. O devir
permanecia em situação de indeterminabilidade mesmo porque “somos homens, não deuses”,
119
como afirmou o autor51. Desta forma, conclui-se, mais uma vez, estabelecendo-se uma ligação
entre a Linguagem e o Direito, vez que ambos são marcados por sua inarredável condição de
indeterminação; logo, esta se entende como uma limitação da condição humana e, por
conseguinte, uma limitação do trabalho do legislador52.
A imprevisibilidade humana vê-se bastante afetada em sua intervenção legislativa,
tomando por referência as suas altas pretensões de cercar o futuro. A rigor, portanto, o
legislador não logra prever todas as consequências normativas almejadas e desejáveis. Isto
tem origem na natureza indeterminada e não completamente abrangente de uma realidade
complexa composta por uma linguagem natural que o jurista toma por empréstimo juntamente
com suas limitações para proceder à construção das normas e do ordenamento jurídico.
Exatamente por isso as adaptações e reconstruções linguísticas e semânticas não serão
capazes de eliminar as áreas de incerteza (indeterminação) ou de múltiplos significados
apenas aparentemente determináveis nos casos concretos em que se apresentem53.
Tal imprevisibilidade caracteriza não apenas o marco da construção e estrutura das
normas jurídicas como sua projeção sobre o momento da interpretação das normas, pois as
“situações ‘de fato’ particulares não esperam por nós já separadas umas das outras, e com
etiquetas apostas como casos de aplicação da regra geral”54. Aqui não se trata de uma
imperfeição da norma simplesmente devido ao fato de que não podermos atribuir ao
legislador uma capacidade que escapa à humanidade, qual seja, a mais perfeita e precisa
antecipação de todos os fatos e que, portanto, isto repercuta na estrutura normativa. A norma
é, portanto, indeterminada devido a estes motivos, mas, de qualquer modo, considerada

50
HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p.143.
51
Id. ibid., p. 141.
52
“[...] que trabalharemos sob a influência de duas desvantagens ligadas, sempre que procuramos regular, de
forma não ambígua e antecipadamente, alguma esfera da conduta por meio de padrões gerais a ser usados, sem
diretiva oficial ulterior, em ocasiões particulares”. HART, Herbert L. A. Op. cit., p. 141.
53
“[...] os legisladores humanos não podem ter tal conhecimento de todas as possíveis combinações de
circunstâncias que o futuro pode trazer. Esta incapacidade de antecipar acarreta consigo uma relativa
indeterminação de finalidade”. Id. ibid., p. 141.
54
Id. ibid., p. 139.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

determinável a cada caso concreto. Em suma, a ideia é de “que não podem ser criadas pelo
poder legislativo, de forma antecipada, regras uniformes destinadas a serem aplicadas caso a
caso, sem diretivas oficiais ulteriores” 55. Entendimento contrário ao que uma crença absoluta
na completude do ordenamento jurídico sugere diante de sua irrealizabilidade, dadas as
dificuldades, ambiguidades ou mesmo lacunas legais.

7. A “CERTEZA” DO DIREITO VÁLIDO E SUA “MUTABILIDADE” SEMÂNTICA


COMO ABORDAGENS DE INDETERMINAÇÕES TEÓRICAS DO DIREITO 120

A partir das relações teóricas de Frege, Grice, Austin, Searle e Ducrot, com o marco
estabelecido por Gehlen, podem-se ver algumas diferenças em suas perspectivas, mas todas
convergem para a indeterminação semântica da linguagem. Ao buscar a segurança na
linguagem, Frege percebe que o significado de uma sentença pode ser estabelecido através da
análise de seus elementos constituintes, da contribuição do sentido e da referência das partes
ao todo, da sentença; portanto, sentenças também possuem sentido e referência. Mas,
conforme Grice, isso é construído, pois uma formulação qualquer constrói a simulação de um
raciocínio do ouvinte a partir do enunciado dito pelo locutor. O que reitera Austin, ao
perceber que o significado de uma sentença deve ser estabelecido pelas condições de uso da
sentença que determinam seu significado, em uma teoria da ação – condições essas que
permitem sua mutabilidade. Da mesma forma, segundo Ducrot, a linguagem remete a uma
construção que apenas a linguagem faz das coisas do mundo, nessa busca que o ser humano
tem de especialização, onde um discurso se produz como trabalho sobre outros discursos.
Em relação ao Direito, Ross afirma que os direitos variam de acordo com suas
contingências, principalmente no que concerne a diferentes Estados, o que faz com que a
palavra “lei”, por exemplo, deva ser entendida de acordo com um contexto específico, não
algo universalmente abrangente. Hart demonstra a complexidade semântica marcada por sua
inarredável condição de indeterminação, onde se conclui facilmente a ligação entre a
Linguagem e o Direito. Um problema teórico básico que parece servir como ponto de junção
universal das normas jurídicas, como observado anteriormente a partir das várias teorias
expostas, é o da inacessibilidade cognitiva do ser humano à determinação exata e precisa da
conduta humana que se tem por objetivo normatizar. A incapacidade humana para determinar
precisamente a linguagem, bem como para antecipar os eventos futuros, é o foco do conceito
de indeterminação no Direito.

55
Id. ibid., p. 144.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

Assim, o Direito é construído sobre uma base linguística natural que, com maior ou
menor diferença estrutural, vai ganhando conotações próprias para formar um vocabulário
jurídico específico que, no entanto, apresenta variações entre os diversos ordenamentos
jurídicos existentes e os diversos campos interpretativos. Não obstante o apreciável quadro de
diferenças que distancia os ordenamentos jurídicos, pode-se identificar ao menos algumas
similaridades que os aproximam e que talvez se revelem como um elemento universal capaz
de estabelecer um eixo teórico comum entre eles. Esse eixo teórico é a constatação da própria
121
indeterminação que não se restringe à linguagem, mas abarca as normas e dedutivamente
também as teorias que buscam refúgio nos limites intangíveis da linguagem humana tão
intrinsecamente relacionada com o agir, ou pelo menos, na sua imprevisibilidade. Sim, o ser
humano é carente em suas percepções e por isso busca refúgio em sistemas “válidos” que
oferecem alguma “segurança” discursiva, como o sistema jurídico, embora, sua única
“verdade” seja a de que a “realidade” é uma ficção retórica.

REFERÊNCIAS

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na


ciência. São Paulo: Saraiva, 1996.
ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007.
________. Tópicos. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007.
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
BLUMENGERG, Hans. Antropologische Annäherung an die Aktualität der Rhetorik. In:
Wirklichkeiten in denen wir leben – Aufsätze und eine Rede. Stuttgart: Philipp Reclam, 1986.
apud ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na
ciência. São Paulo: Saraiva, 1996.
BRÉAL, Michel. Ensaio de Semântica: ciência das significações. São Paulo: EDUC/Pontes,
1992.
CARNAP, Rudolf. Meaning and Necessity. A Study in Systematics and Modal Logic.
Chicago: University of Chicago Press, 1947.
CID, Rodrigo Reis Lastra. Resenha: FREGE, GOTTLOB. (1892). Sobre o sentido e a
referência. In: ALCOFORADO, PAULO (org. e trad.). Lógica e filosofia da linguagem. São
Paulo, Cultrix/EDUSP, 1978. Intuitio, Porto Alegre, v. 6., n. 2., nov., p. 253-262, 2013.
Disponível em: < http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/
article/view/15951/0> Acesso em: 15 out. 2014.
DUCROT, O. Princípios de semântica linguística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, s/d.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3.
ed. Curitiba: Positivo, 2004.
FREGE, G. Sobre o sentido e a referência. In: ALCOFORADO, Paulo. Lógica e filosofia da
linguagem. Org. trad. e introdução Paulo Alcoforado. São Paulo: Cultrix, 1978.
Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016
TORRES NETO, J. L.
A “certeza” do direito válido e a “mutabilidade” da semântica como abordagens teóricas do direito

GEHLEN, Arnold. Der Mensch. Seine Natur Und Seine Stellung in Der Welt. Frankfurt: VK,
1993.
GRICE, Paul. Studies in the Way of Words. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1991.
GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. Tradução de João Rezende Costa, revista por H. Dalbosco e
Maurício Nascimento. São Paulo: Paulus, 1995.
HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
KORZYBSKI, A. Science and Sanity: An introduction to non-aristotelian systems and general
semantics. 5th. ed. Englewood, New Jersey: Institute of General Semantics, 1994 (1933).
122
KRETZMANN, Norman. History of semantics: antiquity. In: BORCHERT, D, M,
Encyclopedia of philosophy. 2 nd. ed. Farmington: Thomson Gale, 2005.
MORRIS, C. W. Foundations of the Theory of Signs. In: NOURALH, Otto. International
Encyclopedia of Unifies Science. v. 1. n. 2. July. Chicago: University of Chicago Press.1938/
3. ed. 1944.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 4. ed. São
Paulo: Perspectiva, 2010.
QUINE, W. V. Orman. From a Logical Point of View Cambridge: Harvard, 1953, VII, 1; II,
1.
ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2000.
SALDANHA, Nelson. Do sagrado ao profano: a palavra na história. In: QUINTAS, Fátima
(org). Academia Pernambucana de Letras. Recife: Bargaço, 2015. (Coleção Debate; 4).
SEARLE, J. R. Expression and Meaning: studies in the theory of speech acts (essay
collection). Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
WITTGENSTEIN, Ludiwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Edusp, 1993.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

Recebido em: 04 de dezembro de 2015.


Aceito em: 25 de maio de 2016.

Campo Jurídico, vol. 4, n.1, pp. 103-122, maio de 2016

Você também pode gostar