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PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA


UM MÉTODO DE ANÁLISE RETÓRICO DO DIREITO A PARTIR DOS MEIOS
TÉCNICOS DE PERSUASÃO ARISTOTÉLICOS E DE FIGURAS DE LINGUAGEM.

José Lourenço Torres Neto

Resumo: Este artigo apresenta os pressupostos teóricos de um método retórico para o estudo do Direito.
Ademais de apresentar várias facetas retóricas como filosofia e prática, este trabalho desenvolve uma
metodologia de mensurabilidade discursiva derivada dos elementos antigos das retóricas aristotélica e latina. A
importância de tal exposição se destaca diante de falhas nos procedimentos objetivos para a produção de um
método de análise que associado a um preconceito cultural contra a retórica que se nega a apresentar uma das
faces positivas da retórica: a possibilidade de sua aplicação como técnica de mensurabilidade analítica. Tal
método tem por objetivos estabelecer, usar e quantificar de forma descritiva as incidências de categorias
retóricas (ethos, pathos e logos) em discursos com base em figuras de linguagem e argumentos específicos a
cada categoria e a partir delas avaliar a qualidade discursiva deles. Conhecer tais categorias é relevante para
determinar os graus de influência que a persuasão pode alcançar, além de poder estabelecer um perfil plausível
dos oradores. Este estudo se destaca por sua aplicabilidade na esfera jurídica diante do caráter evidentemente
retórico dos discursos judiciais.
Palavras-chave: Direito. Metodologia da pesquisa. Pressupostos teóricos. Retórica.

Abstract: This article presents the theoretical assumptions of a rhetorical method for the study of law. Besides
presenting several rhetorical facets such as philosophy and practice, this work develops a methodology of
discursive measurability derived from the ancient elements of Aristotelian and Latin rhetoric. The importance of
such an exhibition stands out in face of flaws of objective procedures to produce a method of analysis that
associated with a cultural prejudice against rhetoric is not ready to present one of the positive faces of rhetoric:
the possibility of its application as an analytical measurement technique. This method means to establish, use
and quantify the incidences of rhetorical categories (ethos, pathos and logos) in discourses and from them to
evaluate their discursive quality. To know these categories is relevant to determine the degrees of influence that
persuasion can achieve in addition of being able to establish a plausible profile of the speakers. Such importance
is also justified by its application in the legal sphere in view of the evidently rhetorical character of judicial
discourses.
Keywords: Law. Research methodology. Theoretical assumptions. Rhetoric.

“Lá, onde a filosofia de hoje termina seu discurso cético, a retórica começa”.
Ottmar Ballweg1

Introdução

Muitos estudantes e pesquisadores em graduações e pós-graduações tem se proposto a


fazer “análises” ou “críticas” de variados temas para trabalhos “científicos” sem, contudo,
apresentarem os elementos objetivos que servem ou serviram de pressupostos à sua avaliação.
Na verdade, não poucos têm apresentado suas “análises” com base em suas opiniões e
preferências pessoais, aquilo que na linguagem comum se denomina de “achismo”, ou,
quando muito, em opiniões de outros que também condizem com suas subjetividades. Tais
pesquisadores têm uma posição particular a respeito de determinado tema, e então, “avaliam”

1
„Dort wo die Philosophie des heutigen Tages seine skeptische Rede beendet, beginnt die Rhetorik.“ BALLWEG, Ottmar. Semiotik und
Rhetorik. Rhetorische Rechtstheorie. Freiburg: Alber, 1982, p. 31.
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doutrinas, textos, e normas com base em suas preferências. Logo, são seletivos e não avaliam
sistemática e cientificamente hipóteses que podem ir de encontro a suas opiniões, ou mesmo
que contrariem seus gostos. E, apresentam resultados místicos como se fossem científicos. Ou
pior, em outro cenário, reúnem um agregado de doutrinas de sua preferência num texto e
usam ideias científicas totalmente fora de contexto e afirmam que aplicaram o método de
“revisão bibliográfica”2. Isso não é ciência.
Ciência pressupõe método. Não existe ciência sem um método rigoroso a respeito da
pesquisa ou do conhecimento de um objeto. Método significa a direção dada ao conhecimento
com respeito a um objeto, o caminho para conseguir um saber teórico ou para converter a
teoria em realidade prática3. Para isso é necessário que se determinem pressupostos teóricos
objetivos. Pois, a ciência é objetiva. O conhecimento científico é um conhecimento confiável
porque é um conhecimento objetivamente comprovado, e embora não seja um saber absoluto,
pois suas respostas aos problemas nunca são definitivas, a segurança de suas proposições
reside no rigor metodológico objetivo utilizado no momento da pesquisa4.
Dito isto, este artigo tem por objeto de estudo um método5, embora não pretenda se
constituir como um manual de metodologia. Pela afinidade dos temas estudados pelo autor,
fez-se a escolha, a título de exemplificação, de apresentar a construção de um método de
análise da linguagem em textos jurídicos com base em pressupostos filosóficos da retórica. A
finalidade é apresentar uma maneira de se aplicar essa metodologia a análises retóricas acerca
de textos ou superfícies discursivas. O problema se concentra em como delimitar um método
para a análise de textos com base na retórica e em como aplicar “esse” método de análise de
discurso fundamentado na retórica a um objeto de pesquisa, a exemplo de um texto de uma
jurisprudência a ser analisada. Ou seja, quais os pressupostos para criar um método de análise
retórica? E, como aplicar um método retórico para avaliar a qualidade dos discursos,
incluindo entre tantos, os discursos jurídicos? Assim, este estudo visa apresentar os
pressupostos teóricos desse método que por ser plural abrange várias retóricas 6. Também é
2
Os termos em Metodologia Científica são “revisão de literatura” e “pesquisa bibliográfica”, e possuem diferenciações. Uma revisão de
literatura se refere ao “levantamento dos antecedentes de pesquisa a das teorias sobre o objeto de estudo”. Uma pesquisa bibliográfica é um
tipo (classificação) de pesquisa “em que o pesquisador se utiliza de bibliografias [referenciais impressos ou procedentes de internet] para
chegar a uma conclusão sobre determinada pergunta da pesquisa”. Ou seja, esse tipo de “pesquisa” não é método, mas faz parte, é um
momento ou uma etapa dentro de um método de pesquisa científica. cf. PEROVANO, Dalton Gean. Manual de metodología da pesquisa
científica. Curitiba: InterSaberes, 2016, p. 185 – 186.
3
PEREZ, José Luis Monereo. Introducción al nuevo derecho del trabajo: una reflexión crítica sobre el Derecho flexible del Trabajo.
Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 295. 296.
4
idem. p. 298-299.
5
Um método é um conjunto de procedimentos para tratar problemas e descobrir resultados. Metodologia é uma ciência que estuda ou
reconhece um método. Ou seja, a autorreflexão desta ciência a respeito de seu proceder, seus modos de pensar e os meios de conhecimento
que utiliza. cf. LARENZ, Karl. Metodologia de la ciência del Derecho. Barcelona, 1980, p. 237; CARNELUTTI, Francesco. Metodologia de
la ciência del Derecho. México, 1940, p. 14.
6
Várias são as retóricas, e, existem vários tipos de estudos retóricos como métodos de análise de variados meios comunicativos. São
exemplos a retórica figurativa e textual, qualitativa, descrita por Miltos Liakopoulos em: análise argumentativa, e, Joan Leach em: análise
retórica, no estudo organizado por Martin W. Bauer e George Gaskell. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com
3

objetivo aqui definir categorias usadas, como parte do método, nas técnicas de análise de
textos a partir das categorias da tradição aristotélica e da tradição latina da retórica como
forma de também avaliar discursos jurídicos. Ademais, este estudo demonstra como criar e
usar categorias de análise e a partir delas, avaliar quais e como as incidências de categorias
retóricas (ethos, pathos e logos) e outras particularidades linguísticas (figuras de linguagem e
tipos de argumentos jurídicos) servem para, a partir delas e por meio delas, analisar a
qualidade discursiva deles, bem como estabelecer um plausível perfil dos oradores nos textos
analisados.
O estudo parte da premissa de que a retórica é um modo de pensar prático, mas que
não deve ser negado ou negligenciado também teoricamente. Logo, diante do preconceito
contra a retórica faz-se necessário apresentar sua(s) face(s) positiva(s) e analítica(s). Positiva
no sentido oposto ao que se denomina de face negativa da retórica, a prática de enganar,
ludibriar, fraudar ou dissimular, atitudes que alguns visam também usando a retórica. Ainda
assim, isso não deveria denegrir a retórica como um todo, pois o mau uso de uma arte deve
recair sobre quem dela mau uso faz e não sobre a arte em si. Analítica porque, como prática
que também é, é um meio de análise empírica da linguagem e de seus discursos. Ela (uma
metodologia retórica) pode desconstruir, entender e medir (no sentido de fornecer um meio
prático de avaliar) estratégias discursivas como aquelas do controle normativo da realidade
que o Direito pretende produzir.
O referencial teórico é composto por elementos da tópica tradicional latina (figuras de
linguagem e alguns tipos de argumentos jurídicos mais comuns) e da retórica aristotélica
(meios técnicos de persuasão) que sob a luz de uma retórica analítica contemporânea
atualizadora torna presente sua aplicabilidade. Desse composto resulta uma grade de
categorias, de livre criação do analista e intérprete, que pode ser usada para analisar discursos.
Bom como, concluir se estes apresentam, ora mais características pessoais (ethômicas),
emocionais (pathêmicas) ou racionais (logômicas) em ações, por exemplo, para persuadir nos
discursos e, até mesmo, definir a faceta da pessoalidade do orador que está envolvida nesses
discursos.
Um método é um caminho para alcançar ou descobrir resultados. Também, um
método é um conjunto de instrumentos que podem mostrar um caminho ou mesmo ser um
caminho. Logo, este método não se pretende como “o” método, nem mesmo o “melhor” entre
tantos outros, mas como é retórico, apenas se propõe como um método. E, como todo método
ou metodologia, é dinâmico, em constante formação e desenvolvimento. O que indica que ele

texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 218-243, 293-317.
4

pode e deve ser adaptado por cada pesquisador à sua necessidade e/ou finalidade firmado,
todavia, numa objetividade a fim de tratar determinados problemas. Já dizia Bunge citado por
Perez: “um método é um procedimento para tratar um conjunto de problemas. Cada classe de
problemas requer um conjunto de métodos ou técnicas especiais” 7. Estudar com base numa
metodologia dinâmica é um procedimento desafiador. Alguns estudiosos já utilizam o método
das retóricas em suas críticas, mas esta exposição pode ser uma das únicas em sua finalidade
por causa de suas particularidades.
Para proceder a uma análise de discursos e textos, inclusive os jurídicos, por meio de
uma metodologia retórica não é qualquer tipo de retórica que deve ser aplicada. Como se verá,
há várias formas de análise com vínculos com a retórica. O que se apresenta aqui pode ser
nominado como um método retórico de mensurabilidade para o estudo do Direito, no
entanto ele poderá ser utilizado em outras áreas que se utilizem da linguagem como objeto de
estudo. Tal método certamente não é apenas o da retórica como a arte do floreio e dos adornos
empolados. Também não o é só aquela eloquência rebuscada que por meio do seu fulcro
poético na linguagem que busca o convencimento, a adesão, e muitas vezes confundida com a
pura e simples oratória, ou o que é pior, com falácias e enganos. Na verdade, por sua
importância, neste tipo de observação, é necessário perceber que existem métodos retóricos de
outro nível que tratam de análises textuais a análises estratégicas. São dignas de menção
algumas teorias sérias de retórica textual, ou em outras palavras, de estudo retórico de textos e
narrativas que embora se dediquem a textos escritos, também são aplicáveis a vários tipos de
linguagem como superfícies textuais, como os orais, gestuais e virtuais. São exemplos destes
a Teoria da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory)8, a Teoria das Relações de
Coerência (Theory of Coherence Relations)9, a Teoria Segmentada da Representação do
Discurso (Segmented Discourse Representation Theory)10 e a Análise Crítica dos Discursos
(ACD) 11. Tais teorias analisam sequências textuais narrativas, descritivas, argumentativas e
7
BUNGE, M. La investigación científica. Barcelona, 1975, p. 24 apud PEREZ, José Luis Monereo. Introducción al nuevo derecho del
trabajo: una reflexión crítica sobre el Derecho flexible del Trabajo. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 350.
8
A Teoria da Estrutura Retórica é uma teoria descritiva que tem por objeto o estudo da organização dos textos, caracterizando as relações
que se estabelecem entre as partes do texto previamente divididas em unidades que se relacionam hierarquicamente sob quatro tipos de
mecanismos: relações, esquemas, aplicações dos esquemas e estruturas. Nesse sentido ver MANN, W.; THOMPSON, S. Rhetorical
Structure Theory: a theory of text organization. Text 8, 1988, p. 243 – 281.
9
A Teoria das Relações de Coerência descreve a configuração do foco da atenção discursiva que atua em conformidade com as restrições
próprias ao estabelecimento de relações independentes de coerência entre enunciados, que podem ser de três tipos: de semelhança, de causa-
efeito e de ocasião, a fim de determinar em cada caso um centro de atenção. Nesse sentido ver KEHLER, A. Coherence, reference, and the
Theory of Grammar. United States: CSLI Publications, 2002.
10
A Teoria Segmentada da Representação do Discurso complementa a Teoria da Estrutura Retórica de Mann e Thompson, definindo as
relações discursivas como narração, resultado e causa (ou explicação), também com o objetivo de explicitar as relações de significado que
subjazem a segmentos textuais e que estruturam o texto, de tal modo que o processamento da informação textual engloba conhecimento
linguístico e conhecimento do mundo. Nesse sentido ver ASHER, N.; LASCARIDES, A. Logics of Conversation. United States:
Cambridge University Press, 2003.
11
A Análise Crítica do Discurso (ACD) é outra vertente de análise de discursos. Embora haja várias correntes de análise crítica do discurso,
a que se destaca aqui é a sugerida por Norman Fairclough. Em sua visão a linguagem não está dissociada das práticas sociais e não está
instituída de poder per si, mas adquire poder pelo uso que os agentes/atores que detêm poder fazem dela; ou seja, a ACD pensa na linguagem
5

explicativas com a finalidade de observar o domínio da coesão textual, a coesão gramatical ao


nível interfrástico e ao nível textual, através da análise de relações retóricas que consideram
os argumentos dessas relações uma correspondência entre núcleos e satélites, ou orações ou
frases, em termos sintáticos e que podem provir a partir de informações lexicais. Destas
teorias, alguns princípios simplificados podem ser aplicados a textos na observação das
estratégias usadas nas argumentações, por exemplo.
Ainda assim, uma análise retórica não está limitada ao seu aspecto gramatical ou à
análise argumentativa, importante também no sentido de persuadir. Apesar do verbete de
Aurélio Buarque afirmar que a retórica é “o estudo persuasivo da linguagem, em especial para
o treinamento de oradores” 12. Existe ainda a acepção que descreve a retórica como uma
“faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão”13,
aqui uma aplicação analítica da retórica. Em seu sentido mais abrangente, juntamente com a
poética e com a oratória, a retórica é a arte eloquente que se encontra em todo discurso para
compor um conjunto de características definíveis e com possibilidade de serem mensuradas e
analisadas. Assim, a técnica que se apresenta neste texto é um agregado de retóricas.
Como a investigação humana é densa em estratégias, a retórica perpassa do campo
material ao analítico, tendo em seu interstício a estratégia (níveis que serão resumidos
adiante), e possui alguns pressupostos iniciais como: o ceticismo, o historicismo e o
humanismo, vez que a retórica como sistema de análise tem muito que ver com seus
resultados práticos investigativos14. Logo, também é uma atitude filosófica diante do
conhecimento e da ética. É a formulação de uma análise aberta. Esse parece ser o modelo
inicial delimitado por Ballweg15 que, antes de tudo, afirmou que “da retórica nenhum Direito
escapa” 16 para indicar o caráter retórico do Direito e sua atuação no campo da doxa. Sua
proposta de análise pode ser resumida na assertiva “intercâmbio argumentativo de opiniões”

a partir da práxis, “como forma de prática social e não como uma atividade puramente individual ou como reflexo de variáveis situacionais”
(cf. FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. 2. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2016, p.190). Ademais, para
ele, a ACD deve “mostrar maneiras não óbvias pelas quais a língua envolve-se em relações sociais de poder e dominação e em ideologias”
(idem, p.229).
12
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: 2004, p. 1751.
13
BARILLI, Renato. Retórica. Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 11.
14
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 332 – 333.
15
Ottmar Ballweg (nascido em 11 de março de 1928 na cidade de Hockenheim na Alemanha) é um jurista e filósofo alemão que substituiu
Theodor Viehweg (1907 – 1988) na Universidade Johannes Gutenberg, Mainz, nas áreas de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito.
Direcionou seus estudos para a “pequena” escola de retórica jurídica juntamente com Peter Schneider (1920 – 2002). Sob a influência da
tópica de Viehweg e da semiótica de Charles William Morris (1901 – 1979) desenvolveu uma teoria retórica como parte do movimento
alemão de filosofia jurídica. Desde 1993 está aposentado. Seus principais livros são: Zu einer Lehre von der Natur der Soche (1963);
Rechtswissenschaft und Jurisprudenz (1970); Rhetorische Rechtstheorie (1982) e Analytische Rhetorik: Rhetorik, Recht und Philosophie
(2009). Informações biográficas disponíveis em <http://www.fernuni-hagen.de/ls_schlieffen/rhetorik/ballweg>. Sobre a retórica analítica, ver
BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 131; BALLWEG, Ottmar.
Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do direito: estudos em
homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 995 - 974. 
16
“An der Rhetorik führt kein Rech vorbei.” BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik. Frankfurt am Main:
Peter Lang, 2009, p. 127.
6

onde “os resultados sempre têm de permanecer em aberto”. Como afirmou Ballweg essa
abertura é um pressuposto para o trânsito argumentativo, inclusive para a esfera jurídica; em
suas palavras:
O intercâmbio argumentativo de opiniões é o domínio da retórica. Isto é sabido até
hoje nos países latinos, e é também praticado e ensinado nos países anglo-saxões. A
abertura do intercâmbio político e jurídico de opiniões não significa apenas que as
opiniões podem ser expressas de maneira aberta, isto é, livre, mas também que os
seus resultados sempre têm de permanecer em aberto; esta última é justamente um,
[sic] pré-requisito da primeira17.
Esse modelo ou método propõe a retórica como metódica para estudo do Direito 18.
Esse método filosófico possui três níveis que serão melhor delineados adiante como: retórica
material, retórica estratégica e culmina numa retórica analítica.
[...] A retórica analítica procura ter uma visão descritiva e abstrair-se de preferências
axiológicas, mesmo diante de objetos valorativos. [...] a retórica descritiva é formal,
mas nunca normativa, não pretende orientar a ação. [...] a retórica metódica analisa a
relação entre como se processa a linguagem humana e como as pessoas acumulam
experiências e desenvolvem estratégias para utilizá-la de modo eficiente 19.
Assim, a concepção tripartida da retórica de Ballweg e Adeodato envolve os aspectos
das retóricas materiais, das retóricas estratégicas e da retórica analítica, entendida não só
como um método, mas também como uma teoria filosófica constituída de uma metodologia e
de uma metódica. É com essa concepção em mente que se enfrentará o desafio de aplicar tal
metodologia a quaisquer ideias elencadas por qualquer autor, seja ele filósofo ou dogmático a
fim de produzir sua análise. Mas como podem ser delineados esses metaníveis?

1 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea.

No estudo da linguagem, a retórica também exerce uma função metalinguística. Não é


necessário chegar aos refinamentos conceituais da semiótica hodierna, como aqueles
delineados por Charles William Morris (1901 – 1979) 20, por exemplo, para perceber a função
metalinguística da retórica. É certo que Ballweg percebeu isso, mas Aristóteles também
deixou pistas dessa aplicação. A definição de Aristóteles para a retórica não se limitou a
designá-la como “os meios de persuasão” ou “o uso persuasivo da linguagem” em si, como
comumente se entende21. Em sua época, ele percebeu que a maioria dos tratados sobre retórica
se dedicava a elaborar apenas uma pequena parte dessa arte. Por isso ele afirmou que “os

17
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 973.
18
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito
positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15-45.
19
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito
positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37, 38.
20
Cf. MORRIS, C. W. Foundations of the theory of signs. Chicago: University of Chicago Press, 1938, passim.
21
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: 2004, p. 1751.
7

autores dos tratados atuais sobre retórica elaboraram uma pequena parte dessa arte” (Ret.
1354a). 22 Para ele, a retórica era algo além.
A retórica tem aspectos teóricos e práticos. Embora seja uma ciência voltada para a
práxis há a retórica como expressão da linguagem e há a retórica como uma experiência
metalinguística. Segundo Adeodato, a retórica é uma maneira de “experimentar o mundo, com
as associações que o verbo acarreta, a exemplo de ‘olhar’, ‘sentir’, ‘pensar’, ‘provar’,
‘julgar’”23. Aristóteles já tinha percebido com acuidade que “a retórica pode ser definida como
uma faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer caso dado” (Ret.,
1355b 25). Esse “observar” dá à retórica seu caráter analítico para além de sua função prática.
Diferentemente de outras ciências que também podem instruir ou persuadir sobre seus
próprios objetos de estudo específicos, ele considerava “a retórica como o poder de observar
os meios de persuasão em quase todos os assuntos que se [...] apresentam” (Ret., 1355b 33)24.
Note-se que ele usa os termos “faculdade de observar” e “poder de observar”. Uma coisa são
os meios de persuasão (os instrumentos), outra coisa é a observação ou, como diz outra
tradução, a “faculdade de descobrir especulativamente”25 (a ação). E não só isso, em outra
passagem ele assinala que a retórica é também uma “faculdade de demonstrar argumentos”
(Ret., 1356a 33)26. Assim, “observar”, “descobrir” e “demonstrar” o que se alcança com os
meios de persuasão é distinto dos meios ou instrumentos técnicos em si. O uso de meios de
persuasão está em um nível e a observação e a demonstração deles está em outro nível, um
metanível. O primeiro é prático, o segundo é analítico. Esse conjunto, até certo ponto, exterior
ao objeto dos argumentos e da persuasão, mas incluindo-os, é parte da composição da
retórica, uma retórica a respeito de outra retórica. De toda forma, a retórica a que Aristóteles
se refere é uma metarretórica e essa delimitação também deve ser captada hodiernamente para
não se incorrer em maiores limitações e faltas.
O aspecto teórico da retórica também não é uma mera multiplicidade de acepções,
pois estas estariam num mesmo nível, mas é uma metapluralidade metodológica; são métodos
a respeito de métodos. Observar e descrever o uso de figuras e argumentos utilizados por um
autor, por exemplo, é uma metalinguagem apreendida pela retórica para expor suas
estratégias, suas teses. Ainda, propor uma ou várias teses a respeito das estratégias usadas por
um autor é outra metalinguagem retórica. Ou seja, apresentar e descrever o ambiente e o uso
22
ARISTÓTELES, Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 19.
23
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito
positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15.
24
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.
25
La rhétorique est la faculté de découvrir spéculativement [...]. ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour.
Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 76.
26
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 24.
8

argumentativo que circundaram um autor e seu(s) discurso(s) é contribuir para construir a


esfera da existência inicial de sua retórica, denominada de retórica material. Outra esfera é
perceber suas estratégias e técnicas usadas, a denominada retórica prática. E ainda, outro
momento diferente é formar um corpo teórico a respeito das estratégias linguísticas e
discursivas usadas por ele.
A proposta contemporânea de Ballweg, que complementa o entendimento da
aplicabilidade dos elementos antigos, é trazer dimensões retóricas como metaníveis. Esses
diferentes níveis ou dimensões também são pressupostos para definir ainda mais a
metodologia apresentada aqui. Quando o pesquisador aplica tal metodologia à obra de um
autor ou a algum dos seus discursos, o faz para identificar, mesmo que de forma precária,
elementos de retórica. Com o fim de contribuir com essa descrição, a retórica contemporânea
de Ballweg, mesmo fazendo parte de uma tradição filosófica minoritária, possui
didaticamente três dimensões de grande relevância, já referidas antes: a material (ôntica), a
estratégica (prática) e a analítica27(teórica).
Em outras palavras, a retórica material são os sistemas linguísticos que condensam a
linguagem comum em linguagens de comando, preenchendo as funções básicas da vida em
comum, como aquelas do Direito, entre outras, que criam as realidades em que as pessoas
vivem para que possam experimentar o Direito, fundamentando assim, sua confiança no
Direito.
Tal retórica material ou existencial vem a ser aquilo que todo ser humano pratica sem
reflexão, ou seja, o próprio ambiente das relações humanas. São os diálogos com suas
implicações linguísticas; as inter-relações humanas, o inter-relacionamento das afinidades
humanas por meio da comunicação. É a própria formação antropológica dos seres humanos
resultante da sociabilidade humana.
O primeiro passo para se determinar o nível da retórica material é o contexto histórico,
a descrição dos eventos. Para isso é necessário isolar o contexto histórico descrevendo fatos,
casos, eventos. Este contexto histórico envolve, por exemplo, um panorama biográfico ou um
levantamento bibliográfico. Dele também vão ser construídas as teses. Porém, é preciso
respeitar as diferenças entre a história dos eventos históricos e a história das ideias, 28 bem
como considerar semelhanças metodológicas com a retórica metódica tripartida de Ballweg,

27
Para um maior aprofundamento a respeito de retóricas material, estratégica e analítica, ver: BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen.
Analytische Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 128 – 131; ou sua tradução em BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e
Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do direito: estudos em homenagem a Tércio
Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 965 – 974; ADEODATO, João Maurício. A
Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p.
32 – 39; ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011.
28
TOBIAS, José Antônio. História das Ideias no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p. 10 – 11.
9

que mais do que uma descrição de eventos históricos, busca o progresso histórico ou não, de
ideias, colaborando para isso, sem dúvida, esses mesmos relatos históricos.
Vale a pena ressaltar que, a proporção da ênfase que se dá a cada fase ou nível da
retórica depende do estilo de vida e da obra de cada autor escolhido e analisado. Se o autor
teve uma vida intensa e interessante, haverá um destaque maior na questão material e
estratégica, porém, se mais recluso e introspecto, na questão analítica, levando em conta sua
contextualização histórica biográfica ou bibliográfica. Logo, não há como não se colocar
alguma ênfase nos distintos níveis de estudo retóricos pretendidos por quem faz a análise dos
eventos.
Ao serem observados alguns fatos comunicativos percebe-se que certas estratégias são
melhores que outras, embora essa observação seja um pouco mais difícil de ser percebida por
que é valorativa. Sem falar que em algumas áreas de interesse existem verdadeiras guerras de
estratégias, um exemplo disso é o campo da dogmática jurídica e para aprender a reconhecê-
las e participar desse embate são necessários anos de experiência.
Por sua vez a retórica prática ou estratégica “ensina o emprego transcendente dos
meios retóricos imanentes à linguagem”29 e envolve a tópica (inventio), a teoria da
argumentação, a teoria das figuras, a teoria do status, com a finalidade de garantir um trânsito
efetivo e bem sucedido com as retóricas materiais 30. A retórica estratégica, que é
metodológica, retira algumas orientações normativas que permitem notar o sucesso
estratégico ocorrido nessa convivência do primeiro nível a partir da observação do mundo
visto na retórica material pela comunicação humana. É uma percepção, por exemplo, de que
ao passar pelo primeiro nível, observando o que deu certo ou errado ali, se chega ao prático ou
estratégico. Mas, não são as estratégias do observador que importam nesse nível, são as
soluções que o próprio autor/orador encontrou para solucionar os problemas que ele
encontrou; são suas próprias hipóteses e teses. É um discurso sobre como vencer na retórica
material ou como o autor/orador foi bem sucedido. Isso é visto de forma tópica, ou seja,
diferente em cada ambiente.
Ballweg a denominou de retórica prática31. Como são várias as práticas, várias são
também as retóricas práticas. Perelman trabalhou as retóricas em relação à linguagem, à
lógica, à história e ao conhecimento em geral, daí porque um de seus livros foi publicado com
29
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 968.
30
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 968 –
969.
31
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 968.
10

o título de Retóricas32. Segundo a classificação de Ballweg é essa retórica prática que


desenvolve a tópica (inventio) e a teoria da argumentação como aquelas delineadas também
por Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca33; a teoria das figuras de Heinrich F. Plett34 e a
teoria do status de Franz Horak35, entre outras tantas sobre a conduta discursiva e a ação
linguística36. Quem pensa que ao tratar de argumentação, enumerar figuras de linguagem, de
estilo, figuras de palavra, também conhecidas como figuras semânticas ou tropos e ainda,
figuras de pensamento, que não devem ser confundidas com as figuras de construção ou
figuras sintáticas e, ainda assim, achar que não faz retórica, dará mote ao ditado: “lave-me a
pele, mas não me molhe” 37. Em tal nível de observação, analisar argumentos necessariamente
envolverá analisar todas essas práticas.
Nas palavras de Ballweg, são essas retóricas práticas que objetivam “a transmissão das
doxai tal como estas são reunidas nas dogmáticas, na intenção de persuadir, convencer ou
fazer crer”38. Teoricamente, continua ele na mesma página, quem usa da linguagem
esclarecidamente deveria garantir um “trânsito efetivo e bem sucedido” persuasivamente
devido a seu conhecimento acerca de como atingir seu auditório, apesar de, ou ainda que, haja
ambiguidades na linguagem. Mas, nem sempre os que melhor dominam os meios retóricos
prevalecem. Contudo, são as retóricas práticas, estratégicas, que devem ensinar (observados
esses meios retóricos já destacados) o emprego destes com o fim de persuadir.
Adeodato oferece alguns exemplos esclarecedores acerca de como tal retórica
estratégica funciona.
Essa retórica estratégica estuda que topoi aparecem mais frequentemente em um
discurso, os métodos empregados para esse ou aquele efeito, como os lugares-
comuns retóricos são produzidos, utilizados, manipulados. Ela estuda o kairos, o
momento adequado de dizer e fazer acontecer, ocupa-se da influência da linguagem,
da gesticulação, das táticas empregadas e de seus efeitos sobre a retórica material,
ou seja, sobre a conduta dos sujeitos, lançando mão de exercícios e reflexões sobre
seus resultados 39.

32
Cf. PERELMAN, Chaim. Retóricas. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Traduzido do francês: PERELMAN, Chaim. Rhetoriques. Bruxelles: Université de Bruxelles, 1989.
33
Cf. PERELMAN, Chaim; TYTECA, Lucie Olbrechts. Traité de l’argumentation. La Nouvelle Rhétorique. Bruxelles: Université de
Bruxelles, 2008.
34
Cf. PLETT, Heinrich F. Einführung in die rhetorische Textanalyse. 6. ed. Hamburg, 1985.
35
HORAK, Franz. Die rhetorische Statuslehre uns der moderne Aufbau des Verbrechensbegriffs. HORAK, Franz; WALDSTEIN,
Wolfgang. (Hrsg.) Festgabe für Arnold Herdlitczka. München, Salzburg, 1972, p. 121 – 141.
36
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 968 –
969.
37
Wasch mir den Pelz, aber mach nicht naβ; ou como diz um de seus equivalentes em português: “é impossível entrar na chuva e não se
molhar”.
38
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 968.
39
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito
positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.
11

Essas estratégias podem ser agrupadas aos meios retóricos sugeridos por Aristóteles. A
forma como as estratégias podem ser agrupadas metodologicamente para um estudo
específico, a fim de serem analisadas, será vista no tópico 3 deste artigo.
O último dos três níveis é a retórica analítica ou científica. A retórica analítica, ora
orientada para a análise ora para a práxis, renúncia completamente as proposições normativas
dotadas de conteúdo para satisfazer as exigências de análise e averiguabilidade. É a tentativa
de estudar o resultado de determinadas estratégias nos níveis de retórica material, a fim de
que possam ser repetidos e consequentemente, mantidos alguns graus de sucesso. São as
tentativas de mostrar, por exemplo, que determinadas expressões provocam deleite aos
ouvintes e outras não. É o que se extrai das estratégias do autor, ou seja, uma(s) tese(s) sobre
as teses argumentativas do autor. Tudo dentro de uma antropologia realista. “Finalmente”, é a
conclusão Adeodato, “a retórica analítica procura ter uma visão descritiva e abstrai-se de
preferências axiológicas, mesmo diante de elementos valorativos” 40.
Embora complexo, é neste nível de análise que um trabalho científico deve aplicar, ora
elementos antigos, ora as dimensões contemporâneas da retórica, ou ambas, agrupadas ou
não, aos relatos das ideias e às problemáticas de um autor/orador a fim de descrever seus
argumentos e estratégias dentro de cada contexto pré-determinado.

2 Meios técnicos de persuasão aristotélicos e figuras de linguagem antigas 41

Os elementos que compõe o instrumental metodológico aqui apresentado podem ser


agrupados didática e inicialmente em dois grandes grupos. Sem temer incorrer em um
anacronismo histórico entre o antigo e o contemporâneo, porque são complementares que se
aperfeiçoam, fazem parte deste arsenal metodológico a retórica persuasiva aristotélica e a
tópica tradicional latina.
Apresenta-se inicialmente a tópica tradicional porque talvez foi e é a mais conhecida.
Por ser impossível não “cair” na sedução de sua abordagem, sobre ela cabem, de logo,
algumas considerações iniciais. A tópica antiga estudada como oratória (e denominada de
“clássica” no período renascentista) era composta pelo que se entende em comum como
propriamente “retórica”. Ou seja, foi uma retórica ligada à tradição romana de retórica cívica,
compatível com aquilo que foi proposto por Cícero e Quintiliano 42 e ela é distinta da tradição
40
ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito
positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37.
41
A denominação “antiga” está em contraposição a “clássica”, especificamente, para o estudo da retórica, como explica o pesquisador
Armando Plebe: “A corrente retórico-dialética liga-se à retórica grega e latina, à que chama ‘antiga’ em contraposição à retórica ‘clássica’
renascentista, e considera que o mundo greco-latino identificava a retórica com a arte de persuadir”. PLEBE, Armando; EMANUELE,
Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 2.
42
As obras conhecidas de Marco Túlio Cícero (106 – 43 a.C.) sobre a temática são: Rethorica ad Herennium (de autoria discutível), De
Inventione, Orator, Brutus, De Optimo Genere Oratorum, Topica, Partitiones Oratoria e De Oratore, o principal; e de Marco Fábio
12

formalista aristotélica. Desde os primeiros anos da formação moderna do estado brasileiro o


estudo da retórica no Brasil seguiu a tradição europeia, melhor, portuguesa. Ela era vinculada
à tradição romana segundo as orientações dos Estatutos da reforma pombalina e direcionadas
pelo Verdadeiro Método de Estudar de Verney43, que diferia tenuemente do método jesuítico
anterior a tal reforma.
Ambas as escolas latinas se prendiam a tropos, figuras de linguagem e ornamentos
estilísticos. Ou seja, tanto os textos utilizados pelos jesuítas em suas escolas ao redor do
mundo, como os produzidos em Portugal e no Brasil após a reforma pombalina tinham essa
característica44. Essa retórica se preocupou com a estética do texto discursivo, da ordem das
palavras e dos períodos, dos tipos de elocuções, estilos e orações. Tudo isso associado aos
detalhes da oratória e das partes do discurso segundo a tríade retórica barroca 45. Ela também
enfatizava, até demasiadamente, figuras de linguagem como as metáforas, catacreses,
sinédoques e metonímias, entre tantas outras estudadas junto com as máximas, os brocardos,
os ditados e os aforismos. A lista se amplia ainda mais quando são incluídas as locuções que
funcionam como verdadeiros argumentos46.
A tradição aristotélica foi anterior à tradição latina. Ela apresentou as bases retóricas
desta, mas era mais voltada à persuasão, e não só isso. Na obra de Aristóteles a retórica é
formulada como uma teoria da argumentação, pois para ele a retórica é “a faculdade de
observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer caso dado” 47, ou, como diz outra
tradução, é a “faculdade de descobrir especulativamente sobre o que é adequado em cada caso
para persuadir”48 tendo a função de “descobrir os meios de alcançar o sucesso” e, “não
Quintiliano (35 a.C. – 95 d.C.), a Institutio Oratoria. LIMA JÚNIOR, Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico e teórico [de]
filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 56 – 57.
43
VERNEY, Luís Antônio. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo e necessidade de
Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746. Edição organizada por Antonio Salgado Junior. Lisboa: Sá da Costa, 1949-1953.
44
São exemplos dessa produção PACHECO, Manoel de Sampayo Valladares. Arte de Rhetórica que ensina a fallar, escrever, e orar,
escrita em portuguez para intelligencia dos que não sabem a língua latina. Lisboa: Na officina de Francisco Luiz Ameno, 1750; SANTO
ANTONIO, Sebastião de. Ensaio de Rhetórica. Lisboa: Na Officina Lusitana, 1779; MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e.
Compêndio Rhetórico ou Arte Completa de Rhetórica com méthodo fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas, saber a arte da
eloquência: toda composta das mais sábias doutrinas dos mais sábios autores que escreverão desta importante sciência de falar bem. Lisboa:
Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794; FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Prelecções philosophicas sobre a theoria do discurso e da
linguagem, a esthética, a diceósyna, e a cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Régia, 1813-1820; e, FERREIRA, Silvestre Pinheiro.
Noções Elementares de Philosophia Geral e applicada às sciências moraes e políticas. Ontologia, Psichologia, Ideologia. Paris: Bravier et
Aillaud, 1839.
45
A tríade da retórica barroca era constituída do ensinar, do deleitar e do mover (docere, delectare, movere).
46
Locuções como as máximas e expressões próprias do Direito. São exemplos de máximas, expressões latinas como dura lex, sed lex (a lei é
dura, mas é a lei) ou in claris non fit interpretatio (o que é claro não precisa ser interpretado) e os famosos brocardos (axiomas concisos que
expressam conceitos maiores) oculum pro oculum, et dentem pro dente (olho por olho e dente por dente), inadimplenti non est adimplendum
(a parte não precisa respeitar sua obrigação se a contraparte não respeitar a que lhe cabe) e quod non est in actis non est in mundo (o que não
se encontra nos autos, não existe no mundo). São exemplos de expressões que assumem contornos de argumentos, locuções como a maiori
ad minus (quem permite o mais, permite o menos), a minori ad maius (quem proíbe o menos também proíbe o mais), ab absurdo (argumento
que reduz o argumento alheio ao absurdo) e ab auctoritate (argumento que retira a sua força de uma autoridade); estas entre tantas
expressões variadas que compõem a tópica antiga e clássica (como a priori, a quo, ad hoc, conditio sine quo non, corpus delicti, etc.).
MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris? 2007, p. 237 – 297.
47
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.
48
Εστω δή ρητορική δύναμις περέ έκαστον τού θεωρήσαι το ενδεχόμενον πιθνόν.   La rhétorique est la faculté de découvrir spéculativement
ce qui, dans chaque cas, pent être propre à persuader. Cf. ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième
Édition. Paris: Société d’Edition «Les belles Lettres», 1960, p. 76.
13

simplesmente ser bem sucedida na persuasão” (Ret., 1355b)49. Foi principalmente no âmbito
do discurso deliberativo, aquele em que é possível deliberar, ou seja, escolher e observar onde
os casos podem ser resolvidos com pelo menos “duas soluções opostas” 50, que Aristóteles
descreveu os vários meios de persuasão, desdobrando-os e adaptando-os para os discursos
epidítico e jurídico. Ele subdividiu os recursos persuasivos em meios técnicos e retóricos.
Essa subdivisão originou duas outras subdivisões dentro da tradição retórica formalista:
aquela que observa mais os meios técnicos aplicados ao discurso em decorrência da oralidade
predominante à época antiga; e aquela voltada para a análise argumentativa a partir dos
recursos retóricos. Os meios técnicos são muito úteis na análise de relatos quando se busca,
também, determinar as estratégias usadas pelo orador. Os recursos retóricos avaliam as
maneiras como essas estratégias alcançam a persuasão, ou não, seja por deduções diretas ou
indiretas, qual seja o uso de silogismo e entimemas.
Ao separar os aspectos técnicos de persuasão daqueles que não pertencem estritamente
à arte retórica, Aristóteles usou os termos ethos51, pathos52 e logos53, descrevendo assim, a
base técnica dos discursos (Ret. 1356a)54. Os meios retóricos foram agrupados genericamente
como silogismos55.
49
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.
50
ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres»,
1960, p. 79.
51
O Ethos (ηθος) indica o caráter pessoal do orador. Aquilo que do próprio orador dá peso a suas palavras. O ethos, assim como as outras
espécies, não é algo isolado, mas um conjunto de meios, estes centrados no caráter do orador e podem ser sua honradez, sua autoridade, sua
idade ou sua dignidade. Esse conjunto pode influir, positiva ou negativamente, na mensagem que se transmite por meio da “imagem”, das
posturas ou dos argumentos do orador. Esses argumentos seriam de ordem mais afetiva que lógica. Rigorosamente não seriam verdadeiros
argumentos, mas para-argumentos, “já que funcionariam como tal, sem necessariamente existir uma continuidade lógica interna (do
argumento em si), ou externa (entre os argumentos)”. Esse conjunto é “melhor” percebido na oratória do discurso retórico. MALATO, Maria
Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris? 2007, p. 74.
52
O Pathos (πάθη) é o conjunto de meios centrados no sentimento do auditório; o que causa no auditório algum tipo de estado de espírito, de
reação, de emoção (perplexidade, alegria, indignação, etc.). Como meios também afetivos, são os desejos, as tendências e gostos do público,
dos quais o orador e retórico pode tirar proveito: antecipando-os, satisfazendo-os ou provocando-os. Esse é um dos objetivos do orador,
incluir o auditório para controlar sua reação. Estes aspectos emotivos da argumentação retórica dificilmente farão parte do articulado escrito
dos argumentos, mas introduz-se com muita facilidade nos textos orais, nos testemunhos, nos discursos que são ou parecem improvisos.
Certamente há escritores que também conseguem “controlar” as reações e as emoções dos seus leitores, mas isso, sem muita certeza diante
do lapso espacial. Essa faculdade também pode ser encontrada num texto quando este descreve o discurso ou um conjunto de ideias. Este
tipo de escritor toma como meios diferentes artefatos da linguagem escrita para produzir reações. Embora a palavra pathos possa compor
conhecidas palavras como empatia, apatia e simpatia, esse conjunto nem sempre produz uma simpatia, um clima de amabilidade. O que o
orador buscará é a “satisfação” do auditório que pode gostar de ser provocado e até rebaixado, numa catarse coletiva, com maior ou menor
grau de punição libertadora. Contudo, retórica centrada unicamente no pathos, ou melhor, na emoção, como a usada no insulto gratuito, é
oratória de retórica vazia, embora alcance seu objetivo. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e Direito.
Lisboa: Quid Juris? 2007, p. 73. Ainda, o pathos do auditório deve refletir não somente o sentimento que o orador ou o escritor busca em
seus interlocutores, mas como reflexo, também é (de)composto dos próprios sentimentos do orador. Logo, quando um discurso sofre uma
análise, esta poderá conter os sentimentos e as sensações/emoções tanto do auditório como do orador.
53
O Logos (λογός) é a prova, ou aparente prova. O conteúdo do discurso, propriamente dito. A argumentação racional objetiva. O poder de
provar uma verdade, ou uma verdade aparente, por meio de argumentos persuasivos internos, resultante de demonstrações intrínsecas ao
texto em si, ou externos, baseados em comparações, exemplificações e deduções de e com outros argumentos encontrados em textos ou
alegações de autoridades aceitas como prova. Aristóteles também os descreve como “espécies” de “persuasão fornecidas pelo discurso oral”
(Ret., 1356a1). O logos corresponde aos meios racionais de competência, que lhe conferem autoridade e legitimidade como prova, e aos
argumentos lógicos que, como máximas ou exemplos, podem ser discutidos dialeticamente, considerada certa ponderabilidade, mais ou
menos explícita. Não visa inquirir necessariamente sobre a verdade, mas sobre a maior ou menor verossimilhança. O logos, em retórica,
encontra-se, sobretudo, mas não apenas, centrado no entimema, ou seja, num silogismo cujas premissas são verossímeis e não
necessariamente verdadeiras. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris? 2007,
p. 73.
54
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.
55
Vários são os tipos de silogismos. Por exemplo, há o silogismo formal que é uma dedução formal a partir de duas premissas (premissa
Maior – geral e premissa menor – particular) para se chegar a uma conclusão (dedução ou indução lógica); há também o silogismo
14

Em certa medida, estes três meios, ethos, pathos e logos, são mais que meros
“ingredientes essenciais para explorar o contexto como um primeiro passo para a análise
retórica” ou “formas introdutórias a partir das quais os argumentos persuasivos podem ser
criados ou desenvolvidos”56 apenas. Dependendo do uso deles e de quem os usa ou observa,
eles tanto podem ser os “primeiros passos” como a “análise retórica” mesma. Além disso, e
neste ponto é pertinente voltar à metódica e atentar para a observação de Ballweg que
destacou que não se deve perder de vista que estes “meios” retóricos têm o objetivo de
despertar confiança se adequadamente inter-relacionados57.
Com base na Retórica de Aristóteles: “o ethos do orador, no sentido de uma conduta
digna de confiança, constrói os pré-requisitos para a plausibilidade de seu logos e para a
autenticidade de seu pathos”58. Como óbvio que é, essa “plausibilidade” relacionada à
capacidade de reconhecer nos objetos aquilo que possa atrair “credibilidade” e assim,
confiança, já era reconhecida por Aristóteles (Ret., 1355b)59. Ballweg ainda entende que,
segundo Aristóteles, a retórica é a única disciplina que coloca, além de seu objeto, também
todo o seu mundo circundante no discurso, abarcando, compreendendo e reclamando a
totalidade do homem, tanto do lado do orador quanto do lado do auditório 60. Isso implica na
absorção das limitações do homem e do seu universo. Contudo, o que pode ser uma restrição
também pode se tornar uma possibilidade de mudança conceitual positiva, ou pelo menos,
uma abertura para tal.
Os outros “meios” ou “recursos” discursivos referidos por Aristóteles são os recursos
retóricos pertinentes especificamente à retórica persuasiva, argumentativa, e são os por ela
construídos através dos princípios da retórica61. O gênero que sustentou a classificação
entimemático que é a estrutura silogística à qual falta (ou está subentendido) um dos elementos formais (dedução retórica). Dentre os
entimemas há os formais, os tópicos, o protase, o gnome, também conhecido como máxima, e, a abdução. Para mais detalhes ver
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 342 – 344. A
respeito de abdução ver ADEODATO, João Maurício. Prefácio: as bases retóricas do pragmatismo jurídico. FALCÃO, Clovis; NÓBREGA,
Flaviane; BASTOS, Ronaldo (Org.) Pragmatismo jurídico: fundamentos e métodos de uma doutrina interdisciplinar. Recife: Editora UFPE,
2014, p. 9 – 13.
56
LEACH, Joan. Análise retórica. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual
prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 303.
57
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 969.
58
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 969.
59
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.
60
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 969.
61
São princípios gerais da retórica: objetividade, atratividade, concisão, simplicidade, comunicabilidade, adequação ao perfil do auditório e
respeito ao idioma. Guthrie enumera pelo menos dez características dos retóricos advindas dos sofistas, e nelas está incluída a persuasão, mas
não é a única. É o que se destaca a seguir arranjando, primeiro, características do discurso formal e depois características de conteúdo: 1. Os
sofistas eram conhecidos pela exibição. Eles praticavam prolongadas exibições de eloquência, declamando ou recitando como os poetas ou
os rapsodos; 2. Eles tinham uma preocupação com o uso correto da linguagem em geral; 3. Faziam exposições e críticas da poesia como
parte de sua arte dos logoi; 4. Buscavam o monismo; 5. O individualismo; 6. O relativismo, e, 7. A competitividade, conhecida como
agonística, batalha onde se deve sempre vencer; 8. Contudo, politicamente pregavam a tolerância pan-helênica, um discurso de unidade
étnica. 9. Desenvolveram a argumentação retórica, a arete, a arte do discurso persuasivo; 10. Além de, manterem familiaridade com a
filosofia pré-socrática e seus conteúdos: o racionalismo, a rejeição da causação divina, a tendência ao ceticismo, o interesse pela antropologia
e o desenvolvimento da sociedade e civilização humanas. GUTHRIE, W. K. C. The Sophists. Cambridge: Cambridge University Press,
15

aristotélica destes recursos retóricos foi o já citado silogismo, conceitualmente entendido


como uma dedução formal a partir de duas proposições, chamadas de premissas, das quais,
por inferência, se chega a uma terceira, chamada de conclusão 62. Contudo, essa é a definição
para o silogismo “perfeito”. Porém, esse padrão é comumente quebrado na linguagem do
Direito, onde os argumentos ocultam um dos três elementos formais. É o caso do entimema e
de uma especialização deste, a máxima.
Repetindo, o entimema é definido como uma estrutura silogística à qual falta um dos
três elementos formais, possuindo “desdobramentos modais ocultos” 63. Portanto, para tratar
das deliberações, o papel mais importante foi atribuído ao entimema, também conhecido
como silogismo retórico, o corpo da persuasão e o centro da retórica aristotélica, e constituído
principalmente por premissas que enunciam apenas o que é provável (Ret., 1357a 13-14)64.

3 A formação de categorias a partir de uma metodologia tripartida para analisar


estratégias no discurso (do Direito).

Para concluir esta que é uma apresentação teórica de uma metodologia para o estudo
analítico do Direito, ainda são necessárias mais algumas considerações. Ballweg observou
também que o conhecimento que os oradores antigos detinham sobre a imanência linguística
dos sinais e a aplicação de sua transcendência como garantia de um trânsito efetivo e bem
sucedido entre as retóricas práticas e as retóricas materiais foi mal interpretado pelos
filósofos, e com especialidade Platão, pela razão de terem sido “postos a descoberto”. Apesar
da sofística (e dessa tradição, os retóricos) e das ontologias filosóficas derivarem da Filosofia,
como ao menos etimologicamente esses conceitos sugerem65, a “profissão” dos filósofos,
naquele então, se sentiu ameaçada pela conduta esclarecida e esclarecedora acerca do discurso
que os retóricos, e por extensão os filósofos, tinham.
Nas palavras de Ballweg, não só a profissão, mas também os interesses e a ideologia
dos filósofos foram ameaçados: “Os filósofos, naturalmente, também viam a investigação
retórica sobre a multiplicidade de significados da linguagem como diretamente contrária à sua
profissão e interesses e como uma ameaça à ideologia estamental da univocidade linguística
que afirmavam” 66.

2005, p. 42 – 44.
62
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Silogismo. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: 2004, p. 1846.
63
ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 339.
64
ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Société d’Edition «Les belles Lettres»,
1960, p. 80.
65
Filosofia, do grego , significa “amor à sabedoria”. Sabedoria (Gr. ) e sofista (Gr. ), que significa “sábio” (Gr.
), derivam da mesma raiz linguística. Platão já fazia essa relação etimológica em seus diálogos (Sof. 221d; Prot. 311d, 312a, 312c).
66
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 969.
16

Ademais, ele também observou que Aristóteles encontrou mais que três meios
retóricos de persuasão, ele percebeu que estes adequadamente inter-relacionados despertariam
a confiança. Em outras palavras, a retórica se constituiria na capacidade de reconhecer nos
objetos, aquilo que possa atrair “credibilidade” (Ret. 1355b)67, confiança. Confiança essa, que
a retórica pode e deve fundamentar, a despeito da desconfiança que seu mau uso desperte.
Como visto, esses três meios retóricos são o ethos, o pathos e o logos. Estes, vinculados à
acepção de confiança, repita-se, devem ser vistos assim: “O Ethos do orador, no sentido de
uma conduta digna de confiança, constrói os pré-requisitos para a plausibilidade de seu Logos
e para a autenticidade de seu Pathos” 68.
Entre outras lições, Ballweg deixa um exemplo de aplicabilidade de sua metodologia,
associando ele mesmo a tríade aristotélica a outros elementos. Alguns estudiosos já têm
aplicado esse método destacando apenas um ou outro elemento de ethos, de pathos ou do
logos na análise de um autor ou de um determinado discurso seu. Outros destacam vários
desses elementos assinalando uma ou mais estratégias. Aqui, é apresentada uma correlação
entre a ocorrência de alguns argumentos categorizados e suas possíveis conclusões, a fim de
chegar a estratégias e possíveis teses a fim de confirmar ou não hipóteses em uma pesquisa.
Criar categorias é uma das características da retórica. A muito se entende que as
categorias não têm caráter absoluto, mesmo as tradicionais criadas por Aristóteles69 ou as doze
de Kant ou os dois modos e os dois métodos de Schopenhauer70. Até os gramáticos demoliram
a presunção dos filósofos e dos lógicos a respeito do caráter absoluto das suas categorias
quando afirmaram que suas presumidas categorias nada mais eram que as regras fundamentais
de cada língua71. Logo, os retóricos como artífices da linguagem, criam, fundem, substituem e
modificam categorias. “A capacidade da retórica de gerar categorias se revela já nas
intervenções que ela faz sobre a linguagem ordinária, estendendo o uso de uma categoria já
existente a objetos que lhe eram estranhos, ou unindo duas categorias aparentemente distantes
uma da outra”72.

67
ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.
68
BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. Filosofia e teoria geral do
direito: estudos em homenagem a Tércio Sampaio Ferraz Júnior por seu septuagésimo aniversário. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 969.
69
Categorias (em grego: Κατηγοριαι, em latim: Categoriae) é o texto que abre tanto o Organon como o corpus aristotelicum e estuda os
elementos do discurso, os termos da linguagem. Nele, Aristóteles classifica e analisa dez tipos de predicados ou gêneros do ser ( κατηγορια
significa justamente predicado). As categorias são: substância (οὐσία, substantia), quantidade (ποσόν, quantitas), qualidade (ποιόν, qualitas),
relação (πρός τι, relatio), lugar (ποῦ, ubi), tempo (ποτέ, quando), estado (κεῖσθαι, situs), hábito (ἔχειν, habere), ação (ποιεῖν, actio) e paixão
(πάσχειν, passio). Cf. FLORIDO, Janice. (Coord.) Aristóteles – vida e obra. Col. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 10.
70
SCHOPENHAUER, Arthur. Dialética Erística. Como vencer um debate sem precisar ter razão.Trad. Daniela Caldas e Olavo de
Carvalho. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997, p. 119.
71
PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.
89 – 91.
72
PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de retórica. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1992,
p.90.
17

É o que se propõe aqui a título de exemplo: a fusão de elementos antigos e


contemporâneos por meio de um denominador comum. Se as estratégias que se pretendem
observar são comumente constituídas de tropos (figuras de linguagem, etc.) e argumentos,
estes serão relacionados e agrupados em categorias ou tipos ideais associados ao ethos,
pathos e logos aristotélico, para que possam ser aplicados especificamente aos discursos e
textos de um autor/orador especificamente. Identificar as estratégias e circunstâncias no
texto/discurso é a dimensão retórica material. Apontar a ocorrência de determinadas figuras
de linguagem ou argumentos como parte das estratégias do autor, por sua vez, constituirá a
dimensão retórica estratégica. As conclusões decorrentes das incidências consistirão em uma
análise teórica; logo, uma retórica analítica.
Para a confecção das categorias, tipos de figuras e tipos de argumentos, tanto do
orador como do auditório, estarão presentes. Isso porque no discurso, além do observador que
também pode ser ou estar incluído, os protagonistas principais são o orador e o auditório.
Assim, as principais figuras e argumentos serão relacionados a estes. Para a denominação e a
localização das incidências serão utilizadas também algumas siglas que facilitem sua
visualização. Ou seja, para o Ethos a sigla E; para o Pathos a sigla P e para o Logos a sigla L.
Para as figuras ligadas ao orador usa-se a sigla FO (Figuras do Orador), para as figuras ligadas
ao auditório, a sigla FA (Figuras do Auditório). Em relação aos argumentos ligados à pessoa
do orador usa-se a sigla AO (Argumentos do Orador) e para os tipos de argumentos
relacionados ao auditório AA (Argumentos do Auditório). Fazendo a relação entre os meios
retóricos de persuasão a esses tipos de figuras ou argumentos, pode-se criar uma categoria
relativa a uma figura de linguagem típica do caráter do orador, com a sigla FEO (Figuras de
Ethos do Orador) e os argumentos também relacionados ao ethos do orador para a sigla AEO
(Argumentos de Ethos do Orador). E, assim por diante como se explana melhor a seguir.
Ou seja, por exemplo, como o Ethos (E) está relacionado à conduta, à dignidade ou à
respeitabilidade de quem profere um discurso, buscar-se-á a incidência de figuras de
linguagem e/ou de estilo que tenham por base o caráter do orador (FEO), e, argumentos que
tenham por base também o caráter do orador (AEO). No caso do Pathos (P) que se pauta nas
afeições e emoções provenientes do orador e das que se desejam produzir no auditório e são
observadas por quem as descreve, podem ser destacadas quatro categorias: as figuras baseadas
nos sentimentos do orador (FPO – Figuras de Pathos do Orador), os argumentos baseados
também nas emoções do orador (APO – Argumentos de Pathos do Orador), as figuras
baseadas nas emoções do auditório (FPA – Figuras de Pathos do Auditório) e os argumentos
baseados em sentimentos do auditório (APA – Argumentos de Pathos do Auditório). Na
18

categoria Logos (L) que está relacionada com o conteúdo do discurso propriamente dito, a
argumentação racional objetiva, pode-se criar categorias onde as figuras baseadas nos textos
usados pelo orador (FLO – Figuras de Logos do Orador) e os argumentos baseados nas
deduções do orador (ALO – Argumentos de Logos do Orador) analisarão parte do discurso.
Observar aspectos de ethos e logos a partir do auditório é necessário, por exemplo, quando se
prepara o debate e para o debate. Essas observações são importantes para uma melhor
avaliação dos sucessos e insucessos das estratégias do orador e de um autor paradigma
especificamente. Embora a análise fique mais complexa, ela será mais precisa. Assim, como
visto, aqui são destacadas apenas algumas das categorias mais relevantes para um exame de
ideias, incluídas aí as ideias jurídicas, como se vê sintetizado na tabela a seguir.

Tipos Abrev.. Categorias de estratégias Abreviações


retóricas
Figuras de ethos do orador (FEO)
ethos (E) Argumentos de ethos do orador (AEO)

Figuras de pathos do orador (FPO)


Argumentos de pathos do (APO)
pathos (P) orador
Figuras de pathos do auditório (FPA)
Argumentos de pathos do (APA)
auditório
Figuras de logos do orador (FLO)
logos (L) Argumentos de logos do orador (ALO)

Os exemplos de tropos, figuras e argumentos, elencados pelos gramáticos e pelos


retóricos são muitos73. Alguns poucos, porém, bem conhecidos, serão relacionados às
categorias propostas a fim de se destacar sua incidência em um determinado texto. Descrever
as razões teóricas para justificar toda essa associação desviaria em muito o foco deste
trabalho, ficando a cada analista expor as razões da escolha de suas categorias. As que aqui se
apresentam ficam como exemplos, não deixando de manter um mínimo de coerência entre si e
de seguirem as definições consagradas em gramáticas 74 e dicionários como o Aurélio
brasileiro.
Passa-se agora às “últimas” categorias propriamente ditas. A primeira categoria em
relação ao Ethos (E) são as Figuras de Ethos do Orador (FEO). São exemplos nessa categoria
as figuras de amplificação ou atenuação que expressam aspectos da personalidade do

73
Para um melhor aprofundamento nesta matéria ver LAUSBERG, Heinrich. Elementos de retórica literária. trad. pref. e aditamentos R.
M. Rosado Fernandes. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
74
Nesse sentido ver MESQUITA, Roberto Melo. Estilística. Gramática da língua portuguesa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 659 –
673. SAVIOLI, Francisco Platão. Figuras de Linguagem. Gramática. 13. ed. São Paulo: Ática, 1988, p. 403 – 408. TERRA, Ernani. Figuras
e vícios de linguagem. Curso prático de gramática. São Paulo: Scipione, 2002, p. 403 – 411.
19

orador, que pode tanto ser exagerado como modesto, e até mesmo demonstra um caráter mais
agressivo ou conciliador como se percebe pelo uso de: hipérboles75, auxeses76, eufemismos77,
lítotes78, aliterações79, onomatopeias80, etc., que servem tanto para ampliar como para reduzir
o que se percebe e se representa da “realidade” (FEO1); outra categoria são os Argumentos de
Ethos do Orador (AEO) que também manifestam o caráter do orador na forma de argumentos,
como os argumentos ad verecundiam e o argumento de autoridade (AEO1), aqueles que
sustentam uma tese com base no entendimento de outra pessoa ou instituição respeitada; os
argumentos baseados na autoridade de determinados textos qualificados (AEO2) incluindo
as máximas e lugares comuns consagrados, como os usados na prática jurídica, tais quais:
dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou in claris non fit interpretatio (o que é claro não
precisa ser interpretado); e, os argumentos que apelam para uma demonstração de
experiência, exatidão e conhecimento especializado das fontes (AEO3) que estarão
legitimamente conjugados a esta categoria.
No caso do Pathos (P), o que se enquadra nessa categoria é aquilo que está
relacionado ao resultado emocional que se consegue ou que é desejado em um auditório.
Nesta categoria também podem ser ou terem sido usados vários outros tipos de figuras (de
linguagem e/ou de estilo). São exemplos, as figuras que externam emoções do orador (FPO)
tais como as figuras de significação (FPO1) como a metáfora 81, a comparação, a
prosopopeia82, a ironia83, a sátira e o sarcasmo; também as figuras da oração ou da frase
(FPO2) típicas por estarem ligadas à estrutura da oração como: o uso de parêntesis,
reticências, ênfase, o hipérbato84, a diferenciação85, a restrição86 ou a antítese87; e outras
figuras de estilo (FPO3) como a gradação, a apóstrofe 88, etc. O Pathos também inclui as

75
Quando se representa uma coisa como muito maior ou menor do que em realidade é, para apresentá-la viva à imaginação.
76
Tipo de hipérbole que incide quando há demasia propositada num conceito expresso, de modo a definir de forma dramática aquilo que se
ambiciona vocabular, transmitindo uma ideia aumentada do autêntico.
77
Quando se empregam termos mais agradáveis para suavizar uma expressão.
78
Figura que emprega termos mais agradáveis para suavizar uma expressão, mas a suavização é feita pela negação do contrário.
79
Consiste na repetição de fonemas idênticos ou parecidos no início de várias palavras na mesma frase ou verso,
80
Figura de linguagem na qual se imita um som com um fonema ou palavra.
81
Aqui, no sentido mais elementar de sua acepção, embora não seja raro o entendimento de que todas as “figuras” na linguagem não passem
também de metáforas aplicadas de alguma forma específica. Para Castro Jr., cuja tese é toda metaforológica, o “conceito de metáfora [...]
abrange não apenas as figuras de linguagem propositais, os desvios de sentido, os tropos conscientes e intencionais, mas também as
afigurações (Gestalten) do mundo, no sentido construtivista explorado na ciência cognitiva e na linguística”. CASTRO JÚNIOR, Torquato
da Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente : reflexões sobre metáforas e paradoxos da dogmática
privatista. São Paulo: Noeses, 2009, p. 28.
82
Usa-se esta figura quando se personificam as coisas inanimadas, atribuindo-lhes os feitos e ações e sentimentos de seres humanos, pessoas.
83
Consiste em dizer o contrário daquilo que se pensa, deixando entender uma distância intencional entre aquilo que se diz e aquilo que
realmente se pensa com o objetivo de denunciar, de criticar ou de censurar algo.
84
O hipérbato é a inversão da estrutura de uma frase.
85
Como quando são usados os termos: “por um lado... de outra forma”.
86
Como quando se diz: “é verdade que..., mas...”.
87
Antítese é a exposição de ideias opostas.
88
É caracterizada pela evocação de determinadas entidades semelhante às personificações e prosopopeias, que consoante o objetivo do
discurso, invoca o que pode ser poético, sagrado ou profano.
20

figuras de ação (FPA1) como: a pergunta retórica 89 ou uma interrogação, e o silêncio ou


pausa, cheios de significado. Além destes há os argumentos de pathos do orador (APO) e os
argumentos de pathos do auditório (APA).
A categoria Logos (L) está relacionada com o conteúdo do discurso, propriamente
dito. A argumentação racional objetiva. É o poder de provar uma verdade, ou uma verdade
aparente por meio de argumentos persuasivos. Há figuras ligadas à forma que o orador expõe
seu discurso como texto; portanto, figuras de logos do orador (FLO), nas quais se destacam as
figuras sintáticas ou de construção (FLO1) como: o anacoluto 90, a aliteração91, a elipse92, o
pleonasmo93, a silepse94, etc.; ainda há as expressões latinas ou gregas (FLO2) tais como: a
priori, a quo, ad hoc, etc. Há também argumentos de logos do orador (ALO). Nos discursos
jurídicos os argumentos estão relacionados obviamente ao Direito. Assim, há argumentos
baseados em textos legais (ALO1) que são aquelas referências a Códigos ou textos legais; há
argumentos baseados em princípios jurídicos (ALO2) inclusive aqueles que um tribunal
considera como parte da Teoria Geral do Direito; há ainda os argumentos baseados em
expressões comuns (ALO3), expressões do dia a dia, expressões do senso comum e pontos
de vista espontâneos, expressões conhecidas como ditados populares que compõem os topoi
populares; e, complementando esses argumentos, os argumentos dedutivos (ALO4), as
conclusões, as deduções95 a partir dos silogismos e dos entimemas, aquelas expressões que
ocultam uma das premissas de um silogismo perfeito. Assim, estas dezesseis principais
categorias podem ser mais bem visualizadas na tabela a seguir.
Tipos Categorias de estratégias Exemplos
retóricas
Figuras de ethos do orador (FEO) as figuras de amplificação ou atenuação (FEO1);
Ethos (E) a onomatopeia, a aliteração, a hipérbole, o lítote, a
auxese, o eufemismo, etc.
Argumentos de ethos do orador os argumentos de autoridade
(AEO) (AEO1), p.e.: “isto é assim, porque pessoas ou
instituições respeitadas disseram”;
os argumentos textuais
(AEO2), baseados na autoridade de determinados
textos qualificados; p.e.: “isto é assim porque está
escrito”;
os argumentos fundamentados
em fontes (AEO3) que apelam para uma
demonstração de experiência, exatidão e
conhecimento especializado das fontes e tem uma
89
Onde o orador pergunta sabendo que o auditório não irá responder.
90
É caracterizado por alterar a sequência lógica da estrutura da frase por meio de uma pausa no discurso. Assim, realiza uma “interrupção”
na estrutura sintática da frase.
91
É definida pela repetição de fonemas consonantais num enunciado. Isso significa que esses sons podem ser parecidos ou iguais e,
geralmente, estão localizados no início ou no meio da palavra.
92
Designa uma supressão de elementos do discurso possíveis de serem recuperados dentro do próprio contexto linguístico.
93
Consiste em usar uma expressão redundante para reforçar uma ideia.
94
Trata-se da concordância que acontece com o que não está explícito na frase, mas com o que está mentalmente subentendido, com o que
está oculto.
95
Aplicações de ideias gerais a casos particulares.
21

intenção em defender determinado campo contra


influências externas.
Figuras de pathos do orador (FPO) as figuras de significação (FPO1): a metáfora, a
comparação, a prosopopeia, a ironia, a sátira, o
Pathos (P) sarcasmo, o oximoro, etc.
as figuras da oração ou da frase (FPO2): o uso de
parêntesis, reticências, ênfase, o hipérbato, a
inversão, a diferenciação, a restrição, a antítese,
etc.;
outras figuras de estilo (FPO3) como a gradação,
a apóstrofe, etc.
Argumentos de pathos do orador manifestação de opiniões e sentimentos pessoais
(APO) (APO1)
Figuras de pathos do auditório as figuras de ação (FPA1): a pergunta retórica, o
(FPA) silêncio retórico, etc.
Argumentos de pathos do auditório utilização de opiniões e sentimentos colhidos do
(APA) auditório (APA1)
Figuras de logos do orador (FLO) as figuras sintáticas ou de construção (FLO1)
Logos (L) como anacoluto, diácope, pleonasmo,
silepse, etc.
as expressões latinas e gregas (FLO2) como: a
priori, a quo, ad hoc, conditio sine quo non, corpus
delicti, etc.
Argumentos de logos do orador os argumentos legais (ALO1): citações literais de
(ALO) códigos ou textos legais;
os argumentos principiológicos (ALO2): baseados
em princípios legais e relacionados à Teoria Geral
do Direito;
os brocardos e ditos populares (ALO3): baseados
em expressões comuns, do dia a dia, do senso
comum e pontos de vista espontâneos; oculum pro
oculum, et dentem pro dente (olho por olho e dente
por dente), quod non est in actis non est in mundo
(o que não se encontra nos autos, não existe no
mundo), contra fatos não há argumentos, etc.
os argumentos dedutivos (ALO4): conclusões,
silogismos, entimemas, etc.

4 Aplicação do método de mensurabilidade retórica

Um breve exemplo da aplicabilidade do método descrito anteriormente é como segue.


Digamos que o pesquisador deseje analisar retoricamente a decisão dos ministros do Supremo
Tribunal Federal brasileiro e escolheu os parâmetros metodológicos aqui descritos. E, a
decisão escolhida, por exemplo, em função de tratar de um tema que estude os atos omissivos
e comissivos do Poder Executivo federal, praticados no contexto da crise de saúde pública
decorrente da pandemia do COVID-19 (Coronavírus). O estudioso poderá escolher analisar a
decisão proferida na ADPF 672.
Isso porque o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou no
Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF) 672, com pedido de medida liminar, contra o que classifica de “ações e omissões” da
administração pública federal, especialmente da Presidência da República e do Ministério da
22

Economia, na condução de políticas públicas emergenciais nas áreas da saúde e da economia


em face da crise ocasionada pela pandemia do novo coronavírus.
O despacho da decisão teve como relator o Ministro do STF Alexandre de Moraes, e
foi proferido em oito de abril de 2020. Como o objetivo da pesquisa é observar a retórica
deste ministro ao prolatar sua decisão com base nos meios técnicos de persuasão aristotélicos
– ethos, pathos e logos, o pesquisador deverá identificar todos os elementos retóricos
categorizados acima que sua observação possa destacar. Depois, deve contabilizá-los
quantitativamente, para, então, analisá-los qualitativamente.
Apenas a título de exemplo, como aqui se pretende em decorrência da exiguidade de
espaço neste texto, digamos que o pesquisador observe algumas figuras de linguagem e
alguns argumentos jurídicos utilizados pelo ministro em sua decisão. Então o pesquisador
deve destacá-los e referi-los em cada trecho com as siglas das categorias no texto em cotejo.
[...] Relata que, a partir de estudos científicos e da experiência da países com
estágio mais avançado de disseminação do COVID-19, a Organização
Mundial de Saúde, OMS, [AEO1] em colaboração com autoridades de todo
o mundo, [AEO3] indicou o distanciamento social como o protocolo de
prevenção e contenção da escala de contágio da pandemia, especialmente no
estágio de transmissão comunitária, em que se encontra o Brasil desde
20/3/2020 (Portaria 454/2020 do Ministério da Saúde) [...]
[...]Por outro lado, o Requerente aponta a atuação pessoal do Presidente da
República em nítido contraste com as [FPO1] diretrizes recomendadas pelas
autoridades sanitárias de todo mundo, inclusive do Ministério da Saúde
brasileiro [...]
[...] A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus
(COVID-19) exige [APO1] das autoridades brasileiras, em todos os níveis de
governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de
todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis [FEO1] para o apoio
e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde [...]
[...] O Requerente sustenta, ainda, [APA1] que, a atuação do Governo
Federal na área econômica seria insuficiente para garantia da manutenção da
produção, emprego e renda de diversos setores da economia, de forma mais
sensível para trabalhadores informais e população de baixa renda [APA1]
[...]
[...] Aponta como preceitos fundamentais violados: o direito à saúde (art. 6º,
caput, e art. 196 da CF) e o direito à vida (art. 5º, caput, da CF); o princípio
federativo (art. 1º, caput, da CF), [ALO1] na medida em que o Presidente da
República age para esvaziar e desacreditar [APO1] políticas adotas por
outros entes federativos com fundamento em suas respectivas competências
constitucionais (art. 23, II, e art. 24, XII, da CF); e a independência e
harmonia entre os Poderes (art. 2º da CF). [ALO1] [...] (BRASIL, 2020,
grifos nossos)

Em seguida, o pesquisador deve fazer uma descrição de seus achados (os dados).
Digamos que, como no exemplo acima, o pesquisador encontrou em relação ao ethos (E), uma
incidência de figuras de ethos (FEO1) e duas incidências de argumentos de ethos (AEO1 e
23

AEO3); com relação ao pathos (P) digamos que o pesquisador encontrou uma incidência de
figura de pathos (FPO1) e quatro incidências de argumentos de pathos (APO1, APA1); e.
com relação ao logos (L) foram encontradas duas incidências de argumentos de logos
(ALO1). (Lembrando que se de fato fossemos analisar o julgado, as incidências seriam
diferentes. Isto é apenas para fins de exemplo).
A partir desses dados o pesquisador poderia afirmar que, com base na análise do texto
do julgado em epígrafe, há mais incidências de elementos pathêmicos (cinco) que de ethos
(três) e logos (duas). Como os elementos pathêmicos estão relacionados às emoções tanto do
orador como àquelas que o orador desejar imprimir em seu auditório, este tipo de constatação
demonstra que o texto busca persuadir com uma carga apelativa bastante forte.
Que implicações, mais ou menos argumentos lógicos, ou emocionais, ou de
confiabilidade podem causar nos ouvintes? A depender de mais detalhes com relação às
particularidades de cada termo dentro dos argumentos e de suas conexões sintáticas e
pragmáticas, seria possível observar condicionamentos, distorções ou encobrimentos nos
textos usados como fundamentação das decisões judiciais? Tudo dependerá do grau de
profundidade crítica que o pesquisador faça em sua análise.
O certo é que com a apresentação de categorias objetivamente construídas e da coleta
dos dados nos textos analisados, os resultados apresentados não serão meras opiniões pois que
embasados em um método criteriosamente construído.

Conclusão

Assim, este artigo apresentou os pressupostos teóricos de uma metodologia retórica


para o estudo do Direito. Além de destacar os vários tipos de retóricas como filosofia e
prática, o texto apresentou o desenvolvimento de uma metodologia de medição discursiva
derivada dos elementos antigos das retóricas aristotélicas e latinas e dos elementos
contemporâneos de teorias de retóricas analíticas. Tal metódica, como uma face positiva da
filosofia retórica, a mensurabilidade analítica, serve para questionar as incidências de
categorias retóricas (ethos, pathos e logos) e outras subcategorias em discursos, e, a partir
delas avaliar a qualidade discursiva dos mesmos. É uma associação de métodos, quantitativo e
qualitativo. Além disso, conhecer tais categorias é relevante para determinar os graus que a
persuasão pode alcançar bem como estabelecer um possível perfil dos oradores e dos
possíveis resultados de suas decisões e convicções. Tal importância também se justifica na
esfera judicial diante do caráter evidentemente retórico dos discursos jurídicos.
24

Por fim, vimos que os discursos podem ser relacionados em função da quantidade da
incidência do uso de categorias específicas por um autor ou orador, levando a conclusões
retóricas interessantes e relevantes para entender os motivos de determinados argumentos
prevalecerem ou não, enriquecendo a práxis jurídica.
O resultado esperado é determinar e avaliar se os discursos analisados apresentam ora
mais características pessoais, emocionais ou racionais no ato de persuadir.

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