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09612020 1595
Taquete SR, Borges L. Pesquisa qualitativa para e epistemológicas são discutidas e norteiam a expo-
todos. Petrópolis: Vozes; 2020. sição das dimensões mais técnicas e operacionais da
conhecê-lo são necessárias formas de objetivar sua orientações sobre as dimensões práticas da pesqui-
subjetividade, o que é possível por meio das trocas sa. Ancorado numa perspectiva teórico-conceitual
intersubjetivas mediadas pelo uso da linguagem. consistente, o passo a passo da pesquisa – definição
Mas essas trocas precisam ser situadas e decodi- e recorte do objeto, definição de referencial teórico
ficas, para que a fala do sujeito se transforme na e estratégias de produção e análise de dados, ela-
reverberação das falas/discursos dos vários sujeitos boração do projeto e escrita de relatório e artigos
que habitam seu espaço social. As várias técnicas de divulgação dos resultados – não se transforma
de produção e análise dos dados qualitativos, em receita para uso comum.
apresentadas pelas autoras correspondem à plu- Do mesmo modo, a apresentação de estraté-
ralidade de teorias apresentadas anteriormente, e à gias de validação da pesquisa e seus resultados e a
posição das autoras em oferecer um leque grande discussão sobre aspectos éticos da pesquisa quali-
de possibilidades para que o leitor/pesquisador tativa, não são um repertório de condutas a serem
encontre a que lhe parece fazer mais sentido a cada seguidos. Ao contrário, são reflexões e sugestões
momento/objeto de pesquisa. para que o leitor entre em diálogo a partir dos seus
Na área da saúde a delicada relação entre ob- próprios valores e interesses e como pesquisador.
jetividade e subjetividade exige, mais que nunca, Um último ponto deve ser ressaltado, com res-
o uso de ferramentas conceituais e técnicas pre- peito à persistência, principalmente entre aqueles
cisas para operar a transformação da fala de um que estão iniciando no mundo da pesquisa, de um
sujeito num dado científico. A descrição objetiva suposto confronto entre métodos quantitativos e
do corpo humano e mensuração de cada aspecto qualitativos. Trata-se de estratégias distintas, com
do seu funcionamento é um requisito para as finalidades diversas e, portanto, não passíveis de
práticas terapêuticas. Nela se baseiam as interven- comparação. As autoras acertam em reconhecer
ções clínicas. Entretanto, intervenções em saúde que existe este tipo de querela, e acertam uma
se dirigem a doenças- lesões ou disfunções, que segunda vez em não entra nesta polêmica. A inves-
ocorrem num sujeito, portador de uma história e tigação qualitativa não pretende produzir verdades
de um universo afetivo singular. Mesmo a doença ou certezas, e sim desvendar a trama de sentidos
mais bem descrita nos tratados médicos adquire que confere intelegibilidade às experiências ao
características particulares para cada sujeito que sujeito situado histórica e culturalmente. A pro-
a vivência. posta de Taquette e Borges é fornecer elementos
Ter ferramentas para compreender as dinâmi- para aqueles que pretendem se aventurar nestes
cas subjetivas que delineiam processos de produ- caminhos.
ção de saúde e de adoecimento amplia o escopo do Ao apresentar múltiplas superfícies da investi-
trabalho e da pesquisa em saúde. Talvez por esta gação qualitativa as autoras dão valiosos subsídios
razão as autoras tenham sido tão criteriosas ao para a compreensão e o uso dessa estratégia de
apresentar a perspectiva compreensiva da investi- produção de conhecimento. Mesmo que a mola
gação qualitativa e a importância da subjetividade propulsora para o livro tenha sido a experiência
inerente ao humano, em qualquer processo de pro- das autoras com estudantes e pós-graduandos da
dução de conhecimento e no trabalho em saúde. área da saúde o livro pode ser útil e interessante
Lembretes simples, como o lugar da ciência para qualquer pesquisador que queira ter uma
no conjunto de saberes que orientam as decisões e visão ampla sobre a investigação qualitativa. Daí a
práticas cotidianas dos sujeitos, ajudam a delimitar feliz escolha do título: Pesquisa Qualitativa PARA
as potencialidades do uso do método. Explica- TODOS.
ções claras sobre as características do método o
científico, demonstrando que sua especificidade
não é a produção de verdades, e sim de consensos Referências
provisórios, contribuem para afirmar a cientifici-
dade do método qualitativo e deixar o leitor com 1. Coralina C. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais.
vontade de prosseguir a leitura. A apresentação de São Paulo: Global Editora; 1984.
2. Denzin NK, Lincoln YS, editores. The Sage handbook
diferentes teorias oriundas das ciências sociais para of qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publica-
fundamentar a escolha pela pesquisa qualitativa tions; 2011.
também é um recurso para ilustrar as várias pos- 3. Becker HS. Segredos e truques da pesquisa. Rio de Janeiro:
sibilidades interpretativas de um mesmo evento, Zahar; 2007.
mais uma vez desfazendo a ideia de que a ciência 4. Harari YN. Sapiens: A brief history of humankind. Park
Imperial: Random House; 2014.
produz verdades. E este arcabouço geral situa as
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