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RESUMO
CORPO DO TRABALHO
1
A expressão revolução historiográfica foi popularizada na obra de Peter Burke, de 1990, intitulada “A Escola
dos Annales: 1929-1989, a Revolução Francesa da Historiografia.
Escola dos Annales, na França, interessados em propor novas perspectivas e rumos na
produção do conhecimento histórico, Marc Bloch e Lucien Febvre, insatisfeitos com os
rumos que o conhecimento histórico tomara, foram os principais responsáveis por levantar
diferentes questionamentos teóricos e metodológicos à Escola Metódica que predominava
na historiografia francesa naquele momento, entre eles, a primazia dos documentos oficiais
e escritos sobre outras fontes, considerando todo e qualquer vestígio deixado pelo Homem
como um testemunho do passado, assim como a crença em uma noção objetiva de História.
Para os dois historiadores dos Annales, não havia historiador isento de
subjetividade, e assim, os documentos históricos não seriam detentores de “verdades” sobre
o passado, mas a História seria uma construção a partir da subjetividade do historiador, dos
documentos que utilizava em sua pesquisa, e de uma relação direta entre o passado e as
preocupações do historiador em seu e presente.
A partir dessa mudança na episteme do conhecimento histórico, assim como em
seus aspectos metodológicos, durante todo o século XX as gerações de historiadores que
deram continuidade às mudanças começadas pelos primeiros pesquisadores dos Annales2
ampliaram a definição de fontes, incorporaram diferentes documentos e linguagens às
pesquisas históricas e para a consecução de tal projeto ampliaram o diálogo com outras
áreas do conhecimento, tal qual a crítica literária, a sociologia, a antropologia e a semiótica.
Na segunda metade do século passado, a imprensa, o cinema, a literatura e a
fotografia, cada vez mais ganharam espaço nas Universidades, incluindo os departamentos
de História. Os pesquisadores desenvolveram métodos adequados para as especificidades de
cada um desses objetos e foram superando barreiras, dificuldades e preconceitos, garantindo
sua legitimação a cada nova pesquisa elaborada. As Histórias em Quadrinhos, mais do que
qualquer outra fonte, sofreram para ganhar um reconhecimento social e acadêmico, a
superação dos preconceitos construídos historicamente não foi ainda completamente
alcançada3, e em diversos segmentos a linguagem continua a ser vista como uma produção
voltada apenas para crianças e com pouca ou nenhuma qualidade artística ou intelectual.
2
As outras gerações foram representadas por Georges Duby, Fernand Braudel, Ernest Labrousse, Jacques Le
Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie, entre outros.
3
Acredita-se que esses preconceitos estão ancorados em um tripé que pode ser sintetizado primeiramente na
origem histórica das histórias em quadrinhos no final do século XIX e início do século XX, quando ainda
O processo de superação dos preconceitos depende de inúmeros fatores, mas
podemos destacar aqui a necessidade de uma produção acadêmica capaz de resgatar uma
História das Histórias em Quadrinhos, levando em consideração os diferentes momentos e
contextos em que foram produzidas, compreender as estruturas narrativas da Linguagem,
suas características e potencialidades, assim como desenvolver um escopo de pesquisa
científica a partir dessa fonte. É fundamental destacar que essa produção já está em
andamentos desde a década de 1970, merecendo destaque imediato as pesquisas
desenvolvidas por Moacy Cirne4, Waldomiro Vergueiro5, Paulo Ramos6, Roberto Elísio dos
Santos7, Nobu Chinen8, e os mais recentes Márcio dos Santos Rodrigues9, Thiago Monteiro
Bernardo10 e Victor Callari.11
Nesse sentido, é necessário um levantamento do atual estágio de desenvolvimento
das pesquisas acadêmicas que tenham como base as Histórias em Quadrinhos. O presente
trabalho se faz com uma análise quantitativa e serial da produção acadêmica sobre histórias
em quadrinhos nas Universidades Públicas Estaduais e Federais do Brasil num comparativo
com a produção da Universidade de São Paulo. A produção acadêmica na USP, foi
analisada pelo professor coordenador do Núcleo de Pesquisa de Histórias em Quadrinhos,
Waldomiro Vergueiro e por Roberto Elísio dos Santos, que analisaram a produção de 1972
a 2005. Inspirado por essa análise, o presente trabalho pretende analisar a produção
eram destinadas à um público infantil; à publicação do livro “The seduction of the innocent”, de Fredric
Wertham, responsável direto pela criação do Comics Code Authorithy, além é claro de um desconhecimento
das estruturas internas e narrativas da linguagem dos quadrinhos.
4
CIRNE, Moacy. Uma introdução política aos quadrinhos. Rio de Janeiro: Angra Achiame, 1982.
5
VERGUEIRO, W. C. S. (Org.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2005.
6
RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos – coleção Linguagem & Ensino. São Paulo: Ed. Contexto, 2009.
7
SANTOS, Roberto Elísio dos. Para reler os quadrinhos da Disney. São Paulo: Paulinas, 2002.
8
CHINEN, Nobu. Linguagem Hq - Conceitos Básicos. Ed. Criativo, 2012.
9
RODRIGUES, Márcio dos Santos. REPRESENTAÇÕES POLÍTICAS DA GUERRA FRIA: AS
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DE ALAN MOORE NA DÉCADA DE 1980. 2011. 212 f. Dissertação
(Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais,
2011.
10
BERNARDO, Thiago Monteiro. História em Quadrinhos e Política. In: Francisco Carlos Teixeira da Silva.
(Org.). ENCICLOPÉDIA DE GUERRAS E REVOLUÇÕES DO SÉCULO XX: as grandes transformações
do mundo contemporâneo. 1ed.Rio de Janeiro: Campus, 2004, v., p. 450-453.
11
CALLARI, Victor. Política e terrorismo na série Guerra Civil da Marvel Comics. Domínios da Imagem,
Londrina, v. 8, n. 16, p. 146-167, jun./dez. 2014
acadêmica sobre histórias em quadrinhos no cenário mais amplo das Universidades
Públicas do brasil e comparar seus resultados com os números da Universidade de São
Paulo.
A História Quantitativa e Serial nasceu nas últimas décadas do século XIX. Esse
método foi desenvolvido entre economistas e historiadores e foi aplicado, principalmente,
em pesquisas sobre a História dos Preços e História Demográfica12. Estavam combinadas
Historial Serial e Quantitativa num mesmo campo. Entretanto, na década de 1970, a
História Serial desligada do Quantitativo começa a ganhar espaço na historiografia atuando
no novo campo que surgira, a História das Mentalidades, nos mostrando, assim, que são
métodos independentes e distintos.
É preciso frisar as diferenças do Serial e do Quantitativo. A análise serial implica em
uma série de fontes homogêneas, comparáveis e a apreendidas numa continuidade. Portanto
analisar serialmente significa não olhar para um documento específico, mas para uma série
de documentos do mesmo tipo, levando em conta suas permanências e variações. Uma
análise Quantitativa está interessada em traçar e analisar números, quantidades, valores.
Assim, está baseada em estatística, análise de gráficos e tabelas, visando sempre os
números que esses dados fornecem. Contudo, uma análise quantitativa, implica
necessariamente na serialização dos dados, pois só assim é possível estabelecer os números
que se pretende analisar.
Para a realização de nossa pesquisa a metodologia utilizada consistiu no acesso e
consulta ao site das universidades relacionadas pelo Ministério da Educação. Ao consultar o
acervo online, foram pesquisadas toda e qualquer produção acadêmica, fossem elas
monografias, dissertações ou teses, produzidas dentro das Universidades e que continham
em seus assuntos as palavras-chaves: “histórias em quadrinhos” e “quadrinhos”. Foram
consultadas 39 Universidades Estaduais e 67 Universidades Federais, resultando num total
de 106 instituições pesquisadas. Infelizmente não foi possível acessar todas as bibliotecas,
uma vez que das 106 universidades consultadas, foi possível ter acesso a somente 41
instituições. Muitas encontravam-se fora de sistema, e em alguns casos o acervo ainda não
12
BARROS, José D’ Assunção. A História Serial e Quantitativa no Movimento dos Annales. Goiânia. Hist.
R., v. 17, nº1. 2012
havia sido transportado para o novo suporte. Destacando-se como maior dificuldade esse
processo, os acervos ainda indisponíveis e, principalmente, as péssimas plataformas de
consulta on-line. Embora o fenômeno da biblioteca digital tenha se dado a partir dos anos
noventa do século XX13, muitos bibliotecários ainda encontram dificuldades para
disponibilizar todo o acervo, que deve ser autorizado pelo autor, e muitas vezes assegurado
pelos Direitos Autorais não recebe autorização.
Contudo, mesmo com as dificuldades encontradas, o número de trabalhos
encontrados foi significativo, atingindo a expressiva marca de 337. Distribuídos entre
duzentas e três monografias (203), cento e trinta e nove dissertações de mestrado (139) e
trinta e cinco teses de doutorado (35). A consulta das universidades foi realizada entre
04/06/2014 e 20/09/2014. Foram encontrados trabalhos que datam de 1972 à 2014.
Entretanto, nesse levantamento encontram-se as pesquisas concluídas até 2013, dessa forma
respeitando o prazo de conclusão sem deixar de atribuir para o ano de 2014 possíveis
pesquisas à serem defendidas.
Levando em conta que as monografias realizadas durante a graduação não implicam
necessariamente em uma continuação do trabalho de pesquisa em outras instâncias do
universo acadêmico –mestrado e doutorado –, optou-se por analisar somente os dados
referentes às dissertações e teses encontradas, totalizando assim, 174 trabalhos para a
conclusão da análise.
A imagem abaixo apresenta o primeiro gráfico, e compreende a totalidade dos
trabalhos encontrados entre 1970 e 2013, divididos em décadas, objetivando-se enxergar se
houve qualquer crescimento significativo nas pesquisas sobre Histórias em Quadrinhos nas
Universidades estaduais e federais brasileiras.
13
ASSUNÇÃO, Renato Vieira da. BIBLIOTECA DIGITAL: uma abordagem conceitual. Trabalho
científico de comunicação oral apresentado ao GT4 – Tecnologia e Redes de Informação. Maranhão,
2011
Imagem 1: Gráfico sobre a Produção Acadêmica por Décadas (1970 - 2014)
14
VERGUEIRO, Waldomiro. SANTOS, Roberto Elísio dos. A pesquisa sobre histórias em quadrinhos na
Universidade de São Paulo: análise da produção de 1972 a 2005. São Paulo. Unirevista, vol.1, nº3. 2006.
“as vendas anuais subiram para um percentual de até 30%”15. Além desse episódio, em
2006 as HQ’s passaram a fazer parte do acervo das bibliotecas escolares, com o incentivo
do governo através do PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola). Em 2010, a lista
de obras incluía mais de 30 publicações do tipo história em quadrinhos. A compra de livros
pelo governo gerou uma agitação no mercado, e o investimento em adaptações literárias e
quadrinhos aumentou significativamente.16
Com o mercado editorial investindo cada vez mais no ramo dos quadrinhos, a
aceitação dos mesmos pelas livrarias, e as novas editoras que surgem – dando uma nova
“cara” às publicações –, a academia parece deixar seus preconceitos um pouco de lado, e as
pesquisas envolvendo quadrinhos aumentaram. O crescimento verificado só não é mais
representativo porque os números aqui apresentados são apenas relativos e não absolutos.17
Os 174 trabalhos estão distribuídos em diversas áreas de concentração que vão
desde as ciências humanas até as ciências exatas, passando ainda pelas ciências biológicas.
O gráfico a seguir apresenta as diversas áreas de concentração identificadas durante a
pesquisa, e a distribuição dos trabalhos em cada uma delas.
15
RAMOS, Paulo. A Revolução dos Gibis. São Paulo. Ed. Devir, 2012. p. 7.
16
Portal MEC. Programa Nacional Biblioteca da Escola. PNBE/2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13698&Itemid=986
17
A diferença entre dados absolutos e relativos se dá porque não foi possível comparar o crescimento das
pesquisas sobre histórias em quadrinhos com o crescimento total das pesquisas acadêmicas no mesmo
período.
Imagem 2: Gráfico sobre Produção Acadêmica por Área de Concentração
18
O trabalho citado trata-se da monografia de Daniel de Morais Gil Lopes, estudante de Ciências Econômicas
na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), onde apresentou “A constituição e
dinâmica recente do mercado de histórias em quadrinho no Brasil” para a conclusão do curso em 2010.
Nota-se uma concentração maior de trabalhos na região Sudeste com 46% de toda a
produção e em seguida o Nordeste com 29% das publicações. Contudo, devemos considerar
o fato de que no Sudeste também houve um maior acesso aos acervos das universidades,
entre federais e estaduais, localizou-se trabalhos que envolviam os quadrinhos em oito
instituições, enquanto no Norte, por exemplo, foi possível o acesso somente a duas
universidades, a Universidade Federal do Pará e a Universidade Federal do Amazonas, as
outras universidades, embora possuíssem site, não tinham transportado todo o acervo para o
novo suporte; em outras delas, o link da biblioteca não se encontrava disponível, e vale
lembrar que muitas das universidades consultadas não apresentaram nenhum tipo de
registro que envolviam a pesquisa relacionada aos quadrinhos; no Norte, por exemplo, seis
das universidades pesquisadas não possuíam registros abrangendo o tema. E esse mesmo
problema ocorreu em outras regiões do país.
É importante também levar em consideração outras informações, como a população
estudante de cada uma das regiões consultadas. Segundo o Censo Demográfico 2010 feito
pelo IBGE, o Estado de São Paulo, possuía 23.62219 estudantes que frequentaram o
mestrado em universidades públicas, enquanto no Amazonas, tinha-se apenas 1.27220.
Todavia, mesmo com os obstáculos citados, podemos observar uma predominância do tema
na região Sudeste, e dentro dela com destaque para São Paulo e Minas Gerais, como é
possível observar no gráfico abaixo:
19
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estados Brasileiros – Censo Demográfico 2010.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=sp. Acesso em: 29 de set. 2014.
20
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estados Brasileiros – Censo Demográfico 2010.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=am. Acesso em: 29 de set. 2014
Imagem 4: Gráfico sobre a Produção Acadêmica na Região Sudeste
Num total de 80 trabalhos encontrados no Sudeste, São Paulo fica com 41% de toda
essa produção, ou seja, possui 33 trabalhos espalhados entre três universidades: UNIFESP,
UNESP e UNICAMP.
Das 174 teses e dissertações encontradas, destaca-se que a produção na área de
História ainda é pequena se comparada com o total das publicações. Os trabalhos em
História apresentam somente 15 dissertações e nenhuma tese de doutorado. Embora seja um
campo que necessita ser melhor explorado pelo historiador, nota-se que houve um interesse
por esse tema entre os historiadores, contudo esse não se mostra tão recorrente. Observando
os dados do gráfico que segue temos uma visualização melhor desse panorama. É
interessante notar que a primeira dissertação de História que tinha como tema principal os
quadrinhos foi no ano de 2006, na década onde aconteceram inúmeras mudanças já
discutidas anteriormente.
Imagem 5: Gráfico sobre a Produção de Trabalhos em História
Mesmo com inúmeros empecilhos técnicos, tem-se que considerar que a produção
científica que orbita em torno dos quadrinhos está crescendo. Verifica-se esse crescimento
quando observamos mais atentamente as décadas de 2000 e 2010. Ao observarmos
novamente o gráfico 1 (Produção Acadêmica por Décadas), é notório que há uma
estagnação nos primeiros anos. De 1970 à 1999 existem apenas 17 trabalhos, representando
10% de toda a produção até hoje. A década de 2000 produziu em média, aproximadamente
8 trabalhos por ano, o que indica que houve um aumento de 340% em relação às três
primeiras décadas aqui analisadas. Um número um tanto quanto discrepante. E os números
não param, pois a década atual já possui um crescimento de 8% em relação à anterior. E
deve-se levar em conta que se passaram apenas três anos, o que deixa ainda mais evidente o
crescimento em relação ao período de 1970 a 1999, se antes a frequência de trabalhos não
chegava a uma produção por ano, na década atual temos cerca de 27 trabalhos anuais. A
tabela número 1 (Produção de Dissertações e Teses na USP, por décadas) apresentada por
Vergueiro e Dos Santos21 também mostra que a produção acadêmica na USP também
obteve um aumento significante, pois enquanto a década de 1970 foi responsável por
somente 10% de todo o volume de produções, a década de 2000, que na pesquisa só foi
analisada até 2005, foi responsável por 43,3% de toda a produção da USP que orbitou em
torno das histórias em quadrinhos. Assim, fica evidente o aumento do interesse por parte da
academia nas histórias em quadrinhos, que já foram alvo de muitas críticas e objeções, mas
que hoje estão conquistando um espaço cada vez maior, tanto no mundo do entretenimento
quanto entre os cientistas.
21
VERGUEIRO, Waldomiro. SANTOS, Roberto Elísio dos. A pesquisa sobre histórias em quadrinhos na
Universidade de São Paulo: análise da produção de 1972 a 2005. São Paulo. Unirevista, vol.1, nº3. 2006. p. 6
Referências
CIRNE, Moacy. Uma introdução política aos quadrinhos. Rio de Janeiro: Angra
Achiame, 1982.
RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos – coleção Linguagem & Ensino. São Paulo:
Ed. Contexto, 2009.
RAMOS, Paulo. A Revolução dos Gibis. São Paulo. Ed. Devir, 2012
Sites Consultados: