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Consultas Terapêuticas em

PSIQUIATRIA INFANTIL
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"M ... inha experiência clínica é um tanto variada.


Nunca me afastei inteiramente daquele que foi o meu ponto
Consultas
de partida, a prática pediátrica. Foi muito valioso para mim
estar em contato com a pressão social à qual eu tinha de
responder enquanto médico num hospital para crianças.
Terapêuticas em
.-
Ao mesmo tempo, apteciei bastante o permanente desafio
da prática provada e das consultas terapêuticas.
Tais atividades proporcionaram-me a possibilidade de aplicar
PSIQUIATRIA
de modo amplo que eu vinha na mesma época aprendendo
através da prática psicanalítica propriamente dita."
D. W. Winnicott, E.R.ep. (Lond.)
INFANTIL
MÉDICO, PADDINGTON GREEN CHILDREN'S HOSPITAL, LONDON W.2

MÉDICO-CHEFE, DEPARTAMENTO DE CRIANÇAS,


CLíNICA PSICANALíTICA DE LONDRES, LONDON W.!

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I
IMAGO
EMPRÉSTIMO DE
PUBLICAÇÃO .-

;ão deverá ser


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CONSULTAS ma data indicada.



TERAPÊUTICAS EM '~,'?x
PSIQUIATRIA INFANTIL CONSULTAS T~ÍtÀPtUTICAS EM PSIQUIATRIA INFANTIL
~:~ ~,
D. W Winnicott

o Dr. Winnicott desenvolveu


um método pessoal de se relacionar
e se comunicar com crianças, pro-
porcionando-lhes, numa colocação , Q,\l;,
profissional ativa, que podem des- ~o\,o
cobrir-se a si mesmas.
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Poucas dessas consultas foram
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publicadas em jornais ou revistas ~~~\~'() ••~~,Q~
especializadas da época, e este livro
\,'t-~O ''''' ~
reúne uma seleção significativa de
seu trabalho, nessa área de psiquia-
tria infantil, na tradição das histórias
clínicas freudianas do tratamento
das neuroses em adultos. j
Dr. Winnicott acredita que, em
certos pacientes, o uso pleno e irres-
trito da primeira entrevista pode
produzir rica recompensa, e acentua
que são comuns pacientes adequa-
dos a isso.
D. W. WINN ICOTT

CONSULTAS
TERAPÊUTICAS EM ',.

PSIQUIATRIA INFANTIL

Série Analytica

Direção de
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JAYME SALOMÁO
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Ruth, no momento em que se tomava uma criança carente
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618928917 W731c

IMAGO EDITORA LTDA.


Rio dejaneírc
Título Original: SUMÁRIO
THERAPEUTIC CONSULTA TIONS lN CHILD PSYCHIATRY

PARTE UM
Copyright © 1971 by The Executors ofthe Author's Estate
in conjunction with The Hogarth Press Ltd. Introdução 9
1. 'Iiro' aos 9 anos e 6 meses 20
Tradução:
2. 'Robin' aos 5 anos 37
Joseti Marques Xisto Cunha
3. 'Eliza' aos 7 anos e meio 52
4. 'Bob' aos 6 anos 75
Capa:
Luciana Mello e Monika Mayer 5. 'Robert' aos 9 anos 100
6. 'Rosemary' aos 10 anos 116
ÓP-Brasil. Catalogação-na-fonte 7. 'Alfred' aos 10 anos 121
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

W742c PARTE DOIS


Winnicott, D. W.
Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil I
D. W. Winnicot; tradução: Joseti Marques Xisto Cunha. Introdução 138
- Rio de Janeiro: lmago Ed., 1984 8. 'Charles' aos 9 anos 140
(Série Analytica)
Tradução de: Therapeutic consultations in child psychiatry 9. 'Ashton' aos 12 anos 159
Bibliografia 174
10. 'Albert' aos 7 anos e 9 meses
ISBN 85-312-0726-6 11. 'Hesta' aos 16 anos 188
I. Psicanálise infantil- Casos, relatórios clínicos etc. 12. 'Milton' aos 8 anos 206
I. Título 11. Série

84-0147. CDD - 618.928917 PARTE TR~S


CDU - 615.851.1-053.2

Introdução 228
1984 13. 'Ada' aos 8 anos 233
14. 'CeciI' aos 21 meses, na primeira consulta 253
Direitos adquiridos por IMAGO EDITORA L TDA. 15. 'Mark' aos 12 anos 286
Rua Santos Rodrigues, 20 l-A - Estácio
20250-430 - Rio de Janeiro - RJ 16. 'Peter' aos 13 anos 311
Tel: 502-9092 - Fax: 502-5435 17. 'Ruth' aos 8 anos 33'1
E-mail: imago@ism.com.br
www.imagoeditora.com.br 18. 'Sra. X' aos 30 anos 347
19. 'Lily' aos 5 anos 359
Todos os direitos de reprodução, divulgação e tradução são reservados. 20. 'Jason' aos 8 anos e 9 meses 361
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida por fotocópia,
mícrofilme ou outro processo fotomecânico.
21. 'George' aos 13 anos 398

Impresso no Brasil
Nota bibliográfica, por Masud R. Khan 415
Printed in Brazil
Indice Remissivo 417

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l)iKjÁOE EC.. I AGRADECIMENTOS
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eu Desejo expressar meus agradecimentos a Mrs. Ioyce Coles pelo vasto
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trabalho cuidadosamente feito na preparação deste livro, incluindo o
índice remissivo, pelo qual ela é responsável em grande parte.
Masud Khan cedeu generosamente urna parte de seu tempo, con-
selhos e críticas construtivas, de modo que se não fosse por ele este
livro não teria surgido.
Os editores foram sumamente prestativos no que concerne à
reprodução dos desenhos que, corno não foram feitos para serem
publicados, geralmente suscitavam grandes dificuldades em relação
à apresentação. O problema, nesse tópico, é que pessoalmente prefi-
ro o estado original dos desenhos das crianças às melhores figuras
que possam ser obtidas através de retoques habilidosos.
Alguns dos pacientes neste livro foram anteriormente apresen-
tados em conferências ou publicações, e sinto-me imensamente agra-
decido pela permissão para incluí-los, A seguir acham-se assinaladas
as publicações anteriores, em seus detalhes:
Paciente 111: Voices (Spring, 1968), revista publicada pela Ame-
rican Academy of Psychotherapists (Academia Americana de Psico-
terapeutas); também Handbook of the Psychotherapy of Children,
editado pelo Dr. G. Bierman (Ernst Reinhardt, Munique, 1969). Pa-
ciente IV: International lournal oi Psycho-Analysis, Volume 46. Pa-
ciente VI: St. Mary's Hospital Gazette, jan./fev. de 1962, sob o tí-
tulo "A Child Psychiatry Interview". Paciente VII: A Criança Por-
tuguesa, Ano XXI, 1962-63 (Lisboa). Paciente IX: Foundations of
Child Psychiatry, editado por Emanuel Miller (Pergamon Press,
1968). Paciente XII: The World, Biennial of Psychiatry and Psycho-
therapy (Basic Books, 1970). Paciente XIII: Crime, Law and Correc-
tions, editado por Ralph Slovenko (Charles C. Thornas, 1966) sob
o título "A Psychoanalytical View of the Antisocial Tendency". Pa-
ciente XIV: British [ournal of Medical Psychology (1963), Volume
36, Número 1, sob o título "Regression as Therapy". Paciente XV:
Modern Perspectives in Child Psychiatry, editado por [ohn G. Ho-
wells (Oliver & Boyd, 1965). Paciente XVII: publicado numa ver-

J_
são resumida como "Becoming Depriveu as a Fact: A Psychothe- PARTE UM
rapeutic Consultation", [ournal 01 Child Psychotherapy (dezembro de
1966), Volume I, Número 4; também proferido em uma conferência, INTRODUÇÃO
"Principies of Direct Therapy. in Child Psychiatry", a convite do J udge
Baker Guidance Center, em abril de 1967, no qüinquagésimo aniver-
sário de sua fundação.

Este livro se refere à aplicação da psicanálise na psiquiatria infantil.


Para minha surpresa percebi que a experiência que adquiri em mais
de três ou quatro décadas de análise de crianças e adultos me con-
duziu a uma área específica em que a psicanálise pode ser aplica-
da na prática da psiquiatria infantil, englobando assim a psicanálise
em termos econômicos. Obviamente não é útil ou praticável pres-
crever um tratamento psicanalítico para cada criança, e os próprios
psicanalistas encontram dificuldades quando tentam colocar adequa-
damente na prática da psicanálise infantil o que aprenderam. Tenho
notado que pela exploração integral da primeira entrevista consigo
encontrar o desafio de um certo número dos pacientes da psiquia-
tria infantil e desejo dar exemplos para orientar aqueles que estão
realizando trabalho semelhante e para estudantes que desejam fazer
pesquisas nesse campo.
A técnica para esse trabalho dificilmente pode ser chamada de
técnica. Não há casos iguais e há um intercâmbio muito mais livre
entre o terapeuta e o paciente do que num tratamento psicanalítico
puro. Isso não diminui a importância das longas análises em que o
trabalho é calculado nos acontecimentos diários, dentro de um ma-
terial clínico de elementos inconscientes na transferência, elementos
em processo de se tornarem conscientes devido à continuidade do
trabalho. A psicanálise continua sendo para mim a base desse tra-
balho e, se um estudante me perguntasse, eu diria sempre que o
treinamento para o trabalho (que não é psicanálise, é o treinamen-
to na psicanálise. Contudo, acredito que a seleção é a parte mais
importante do treinamento psicanalítico. Não é fácil transformar um
candidato inadequadamente escolhido em um bom analista, e indu-
bitavelmente a parte principal da seleção é sempre a auto-seleção. A
própria análise do estudante estende-se a esse problema de auto-se-
leção. Deve-se ter antes uma pessoa realmente adequada para fazer
essa espécie de trabalho do que uma pessoa doente tornada menos
doente pela análise que é parte do treinamento psicanalítico. Natural-

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mente se pode dizer que se alguém tem estado doente esse alguém É necessário exigir dos estudantes uma leitura cuidadosa e detalhada
tem uma maior simpatia por pessoas igualmente doentes, e que estar e estudo e aproveitamento dos casos em sua totalidade.
convencido do valor de atingir o inconsciente é tê-lo experimentado. Naturalmente a base dessa parte da exigência que faço aos es-
Mas, de certo modo, teria sido sempre melhor se não houvéssemos tudantes é a exatidão e honestidade da informação, e sabe-se bem que
estado doentes, necessitando de tratamento. _ é difícil informar com exatidão. Nem o gravador nem o vídeo-teipe
Se soubéssemos como escolher convenientemente, saberíamos conseguem solucionar esse problema. Ou ando desejo fazer o rela-
como selecionar aqueles que são apropriados para realizar o traba- tório de um caso, tomo nota de tudo o que acontece durante a en-
lho que descrevo neste livro, mesmo quando o treinamento psica- trevista, incluindo as coisas que eu mesmo faço e digo, e embora
nalítico não é acessível. Por exemplo, alguém- pode dizer que deve isso me imponha uma tarefa difícil, o trabalho é contrabalançado pela
ser evidente a capacidade de identificar-se com o paciente sem per- recompensa que advém da reconstruçao da quase totalidade da en-
der a identidade pessoal; o terapeuta deve ser capaz de conter os trevista através das anotações, que geralmente são ilegíveis depois
conflitos dos pacientes, ou seja, contê-los e esperar pela sua resolu- de dois ou três dias. Agrada-me empreender esse esforço para escre-
ção no paciente, em vez de procurar ansiosamente a cura; deve ha- ver uma avaliação completa dos casos clínicos porque, como se sabe.
ver uma ausência da tendência a retaliar sob provocação. Além disso, grande parte de rma entrevista. e especialmente seus detalhes mais
qualquer sistema de pensamento que proporciona uma solução fácil importantes, se perde "como um sonho morre ao nascer do dia"
é por si mesmo uma contra-indicação, já que o paciente não quer Certa quantidade de supersimplificação deve aparecer nesses ca-
outra coisa além da resolução de conflitos internos, junto com a ma- sos que apresemo aqui. pelo fato de que em quase todos eles usei
nipulação de obstruções externas de natureza prática que podem ser uma intercalação de desenhos. Minha técnica nesses relatórios ge-
operantes ou mantenedoras da doença do paciente. É desnecessário ralmente toma a forma do que pode ser chamado o Jogo dos Ra-
dizer que o terapeuta deve ter confiança profissional como algo que biscos. Naturalmente não há nada de original no jogo dos rabiscos
acontece com facilidade; é possível, para uma pessoa séria, manter e não seria correto alguém aprender como usã-lo e depois sentir-se
uma atitude profissional mesmo quando experimenta tensões pes- preparado para fazer o que chamo consulta terapêutica. O jogo dos
soais muito fortes na vida privada e no processo de crescimento pes- rabiscos é simplesmente um meio de se conseguir entrar em contato
soal que, esperamos, nunca cessa. com a criança. O que acontece no jogo e em toda entrevista depen-
Uma extensa lista de qualidades desejáveis dessa espécie po- de da utilização feita da experiência da criança, incluindo o mate-
deria fazer desistir um grande número de pessoas que pudesse se rial que se apresenta. Para se utilizar a experiência mútua, deve-se
apresentar com o desejo de fazer um trabalho profissional, tanto na ter em conta a teoria do desenvolvimento emocional da criança e o
psiquiatria quanto na área social, e para mim tais coisas são ainda relacionamento desta com os fatores ambientais. Nos casos que aqui
mais importantes do que qualquer treinamento importante em psica- descrevo é -feita uma ligação artificial entre o jogo dos rabiscos e a
nálise. Uma experiência de intenso tratamento analítico pessoal é, consulta psicoterapêutica, que se origina do fato de que dos dese-
tonto quanto possível, essencial. nhos da criança e da criança e de mim mesmo pode-se encontrar um
Se me cabe estar com a razão, então o tipo de trabalho que meio de tomar o caso ativo. É quase como se a criança, através
descrevo neste livro tem uma importância que a psicanálise não possui dos desenhos, estivesse lado a lado comigo e, de certo modo, to-
ao atingir a necessidade e pressão sociais nas clínicas. mando parte ao descrever o caso, de forma que o relatório do que
É preciso enfatizar de início que essa técnica é extremamente a criança e o terapeuta dizem tende a soar como verdade. Também
flexível; não seria possível a alguém saber o que fazer baseando-se existe uma SIgnificação prática do rabisco ou material desenhado
no estudo de apenas um caso. Vinte casos podem dar uma boa idéia, em que se pode encontrar proveito em depositar confiança nos pais.
mas o fato é que não há casos semelhantes. Uma dificuldade adicio- deixando-os saber como são seus filhos na circunstância especial da
nal à contribuição para o entendimento deste trabalho é que não consulta terapêutica. Isso é mais real para eles do que se eu contasse
há possibilidade de se ensinar através da explanação sobre os casos. o que a criança disse. Eles reconhecem os tipos de desenhos que

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domam as paredes do quarto da criança ou que os filhos trazem fiança que tem a criança de que será entendida é prejudicada. Se,
.ara casa da escola, mas geralmente ficam surpresos quando vêem por outro lado, é utilizado, então a confiança da criança de que será
JS desenhos em seqüência, desenhos que descortinam as qualidades entendida é fortificada. Haverá aqueles casos em que se faz um
de personalidade e habilidades perceptivas que podem não ter-se tor- profundo trabalho na circunstância especial da primeira entrevista
nado evidentes no ambiente familiar. Em vários casos citados aqui, (ou entrevistas) e as mudanças resultantes na criança podem ser
este aspecto do problema será discutido, e naturalmente nem sempre utilizadas pelos pais e aqueles que são responsáveis no meio social
é bom dar aos pais essa percepção interna (insight) (que pode ser imediato, de modo que, considerando uma criança com dificuldade
tão útil). Os pais podem talvez abusar da confiança que o terapeu- em relação ao desenvolvimento emocional, a entrevista resultará na
ta deposita neles e assim arruinar o trabalho que depende de uma dissolução da dificuldade e num movimento progressivo no processo
espécie de intimidade entre a criança e o terapeuta. de desenvolvimento.
Minha concepção do lugar especial 'da consulta terapêutica e da Em muitos casos, contudo, o trabalho feito nessa entrevista é
exploração da primeira entrevista (ou primeira entrevista reduplicada> simplesmente um prelúdio para uma psicoterapia mais demorada ou
surgiu gradualmente no decorrer do tempo em minhas experiências mais intensa, mas pode facilmente acontecer que uma criança esteja
clínica e privada. Há contudo um ponto que se pode dizer teve preparada para isso somente após experimentar o entendimento con-
significação especial. em meados dos anos vinte, quando ainda era cernente a essa espécie de entrevista. Naturalmente a criança pode
pediatra praticante vendo muitos pacientes no hospital-escola e dan- sentir-se mais compreendida do que realmente foi, mas o efeito terá
do oportunidade a quantas crianças fosse possível se comunicarem sido o de haver dado à criança alguma esperança de ser compreen-
comigo, desenharem figuras e me contarem seus sonhos. Fiauei sur- dida e talvez até mesmo de ser ajudada.
preso com a freqüência com que as crianças sonhavam comigo na Uma das dificuldades dessa espécie de entrevista é que, quando
noite anterior à consulta. Esse sonho com o médico que. elas iriam é bem-sucedida em termos de entendimento, a criança pode facil-
ver obviamente refletia o preparo mental imaginativo delas mesmas mente esperar prosseguir em uma terapia intensiva, com a espécie
em relação a medicos, dentistas e outras pessoas que se supõe sejam ) de dependência do psiquiatra ou assistente social que torna essen-
auxiliadoras. Também refletiam, em graus variados, a atitude dos ciais as sessões freqüentes durante certo período de tempo. Não é
pais e a preparação para a visita que fora feita. - Contudo, lá estava isso o que geralmente acontece.
eu quando, para minha surpresa, descobri aiustando-me a uma noção Há uma categoria de casos em que essa espécie de entrevista
preconcebida. As crianças que tiveram esse sonho me diziam que era psicoterapêutica deve ser evitada. Não diria que com uma criança
comigo que haviam sonhado. Numa linguagem que uso atualmente muito doente não é possível se fazer um trabalho eficaz. Mas diria
mas que não estava preparado para usar naquela época, encontrava- que, se a criança sai da consulta terapêutica e retoma para uma situa-
me na posição de objeto subjetivo. O que sinto agora é que nesse ção familiar ou social anormal. então não há provisão ambiental al-
papel de objeto subjetivo, que raramente sobrevive à primeira ou às guma da espécie necessária e que eu julgaria admissível. Confio em
poucas primeiras entrevistas, o médico tem uma maior oportunidade um "amblente desejável médio" para encontrar e utilizar as mudan-
de estar em contato com a criança, ças que ocorrem no menino ou ns menina durante a entrevista, mu-
Deve haver uma relação entre essa situação e a que se obtém danças que indicam uma anulação da dificuldade no processo de
de uma maneira muito menos útil através da hipnose. Tenho usado desenvolvimento.
isso na teoria que venho construindo no decorrer do tempo em ex- De fato, a principal dificuldade na avaliação dos casos para
plicação para a enorme confiança que geralmente as crianças podem essa espécie de trabalho é a de avaliar o meio ambiente imediato da
mostrar em mim (como em outros que fazem trabalho semelhante) criança. Onde há um poderoso e contínuo fator externo adverso ou
nessas ocasiões especiais, ocasiões essas portadoras de uma qualida- ausência de consistente cuidado pessoal, é preciso evitar essa espécie
de que me fazem usar a palavra sagrada. Ainda esse momento sa- de procedimento, devendo-se sentir inclinado a explorar o que pode
grado pode ser utilizado ou desperdiçado. Se desperdiçado, a con- ser feito mediante "tratamento cuidadoso" ou ainda instituir uma

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terapia que possa dar à criança a oportunidade para um relaciona- por causa da barreira da linguagem. Mas o escolhi não pela dificul-
mento pessoal do tipo geralmente conhecido como transferência. dade de linguagem, que tanto eu quanto ele logo ignoramos; escolhi-o
Se o leitor se comprazer lendo os detalhes de uma série desses porque para mim não havia a menor necessidade de ver esse menino.
casos, é provável que nele emerja um sentimento de que eu, como Eu estava simplesmente visitando o hospital e o corpo de médicos
psiquiatra, sou um fator constante e que nada mais pode ser predito. quis que eu falasse sobre um caso que todos eles conheciam. liro
Eu mesmo trouxe a público essas descrições como um ser humano estava na divisão ortopédica e o entrevistei para descrever um mé-
não exatamente igual a qualquer outro ser humano. de modo que todo de comunicação com crianças. Vê-se que o caso incidental-
em nenhum caso o mesmo resultado teria sido obtido se em meu mente ilustra o axioma de que, se é dada a oportunidade de maneira
lugar estivesse qualquer outro psiquiatra. A única companhia que adequada e profissional para uma criança ou para um adulto, no
tenho ao explorar o território desconhecido de um novo caso é a tempo limitado do contato profissional o cliente trará e exporá (em-
teoria que levo comigo e que se tem tornado parte de mim e em bora de início apenas como uma tentativa) o problema predominante
relação à qual sequer tenho que pensar de maneira deliberada. Esta ou o conflito emocional ou a espécie de tensão que aparece nesse
é a teoria do desenvolvimento emocional do indivíduo, que inclui, momento da vida do cliente. Acho isso procedente se alguém sim-
para mim, a história total do relacionamento individual da criança plesmente ouve a história de uma pessoa sentada próxima a outra
até seu meio ambiente específico. Não se pode evitar que ocorram numa viagem de ônibus; se há qualquer espécie de privacidade, a
mudanças nas bases teóricas de meu trabalho com o passar do tempo história começará a evoluir. Pode ser apenas um longo caso de
e no interesse da experiência. Pode-se comparar minha posição com reumatismo ou uma injustiça no escritório, mas o material já está
aquela do "violoncelista, que' primeiro trabalha a técnica e depois lá para uma consulta terapêutica. A razão por que isso conduz a
começa realmente a tocar a musica, usando a técnica, certamente" lugar algum é simplesmente porque, na ocasião, não se está intrinse-
Estou consciente de realizar este trabalho com mais facilidade e su- camente dando de modo deliberado e de um modo profissional à
cesso elo que seria capaz de fazer há trinta anos, e meu desejo é tarefa de usar o material apresentado e por isso o material oferecido
estabelecer a comunicação com aqueles que ainda estão trabalhando no ônibus se torna difuso e enfadonho. Na consulta terapêutica o
a técnica, dando-lhes. ao mesmo tempo, a esperança de que um dia material se torna específico e muito interessante, já que o cliente logo
virão a tocar a música. Nada se obtém senão um pouco de satisfação começa a sentir que a compreensão pode talvez ser acessível e que
ao se extrair de uma partitura uma perjormance virtuosa. a comunicação a um nível profundo pode se tornar possível. Obvia-
O teste desses casos descritos pesara sobre a palavra diverti- mente seria um ato irresponsável transformar vizinhos de viagem de
mento. Se forem um trabalho árduo de se ler, terei então sido muito ônibus em clientes que inevitavelmente se tornariam dependentes,
esperto; estou empenhado em mostrar a técnica e não em tocar a necessitando de oportunidades adicionais ou mesmo sofrendo uma
música. Tenho consciência, naturalmente, de que isso realmente sensação de perda ao chegar à parada do ônibus. Mas com crianças
acontecerá, por vezes, na descrição dos casos. trazidas à psiquiatria infantil a situação profissional é aproveitada
e o trabalho éfeito, como mostram esses casos clínicos; e há também
meios e modos de se manter em contato, e aqui a ênfase é novamente
Casos Selecionados colocada na necessidade que sinto de haver figuras paternas sensi-
tivas, que podem ser informadas e que podem ajudar a fazer julga-
Como se pode imaginar, a dificuldade é saber por onde começar. mentos quanto a procedimentos adicionais.
Escolhi começar com o caso de liro, um menino finlandês que não Em alguns dos casos relatados há formidáveis mudanças após
sabia falar inglês e eu sem saber falar finlandês. Tínhamos uma uma ou duas consultas terapêuticas. Estes devem ser tomados não
intérprete, Miss Helka Asikainen, que inteligentemente pegava a bola apenas como evidência do trabalho feito mas também como uma
e atirava para o outro quando usávamos umas poucas palavras du- evidência da atitude dos pais. Sem dúvida, os melhores casos para
rante o jogo; neste caso os desenhos tiveram especial importância essa espécie de trabalho são aqueles em que já há confiança paterna

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em mim. Parece-me que esta é uma situação que pode ser esperada; que cada um dos vários problemas possa ser apartado e trabarnauc
o que equivale a dizer que em geral as pessoas tendem a acreditar separadamente, talvez também de maneiras variadas.
no médico que escolheram, geralmente depois de muita discussão e Talvez seja necessário aconselhar o leitor a não ficar entusias-
após superar as dúvidas naturais. Se de fato as coisas vão bem ou mado quando houver um resultado sintomático, pois este não é o
se a criança demonstra algumas mudanças, o médico é imediatamente objetivo principal que tenho em mente ao apresentar esses casos. Em
colocado na posição de alguém em quem os pais confiam e se esta- alguns casos não haverá um resultado nítido e em outros poderá
belece um círculo benigno que age favoravelmente em termos da sin- verificar-se até mesmo um mau resultado. Certamente não será con-
tomatologia da criança. Para atingir resultados é, contudo, necessário siderado falha do método se o trabalho conduzir a alguma outra for-
levar em consideração o fato de que os pais antes naturalmente acre- ma de conduta ou tratamento; aliás, métodos alternativos devem ser
ditarão no terapeuta do que acharão que o esforço deles tem sido prontamente considerados.
inútil. Por isso alguns deles são confiáveis de fazerem de forma favo- Minha esperança principal talvez seja a de que este trabalho
rável um relatório, caso para tanto forem capazes. O relato dos pais, descrito em consideráveis detalhes possa se revelar um bom material
que é o que tem de ser usado em muitos casos, é altamente suspeito didático. Ocorre que em muitos desses casos a totalidade do que
como avaliação objetiva e na obtenção de resultados - e isso deve acontece pode ser descrita, algo que não seja próprio de uma análise
ser sempre lembrado. Desejo enfatizar, entretanto, que meu objetivo eu mesmo de uma terapia de uma semana. O estudante está assim
ao apresentar essas consultas não é dar uma série ilustrada de cura numa posição em que deve argüir qualquer coisa que apareça no
sintomática. Viso antes a relatar exemplos de comunicação com material, porque, tanto quanto o professor, conhece o material que
crianças. Essa necessidade origina-se, em parte, do fato de haver está para exame e discussão. No meu ponto de vista, talvez seja um
atualmente uma tendência de os profissionais se concentrarem em efeito satisfatório se o material puder ser usado para crítica, e eu
situações grupais e, embora haja muito a ser obtido do trabalho de preferiria muito mais isso à alternativa de vir o que aqui descrevo a
grupo, o valor do trabalho com o paciente efetivo como indivíduo ser simplesmente imitado. Como já afirmei, o trabalho não pode ser
pode muito facilmente ser perdido pelos profissionais que fazem copiado porque o terapeuta é envolvido em cada caso como pessoa,
trabalho de grupo. Numa situação grupal o objetivo é certamente razão por que não há sequer duas entrevistas que sejam semelhantes
detectar que membro do grupo está com problema no momento, e quando podem ser realizadas por dois psiquiatras.
efetivamente pode não ser' o membro que está apresentando os sin- Desejo chamar a atenção para um outro aspecto dessas entrevistas
tomas que leva o caso ao conhecimento do psiquiatra ou do assistente psicoterapêuticas. Deve-se notar que a interpretação do inconsciente
social, não ser o membro doente da família ou grupo social. não é o ponto mais importante. Em geral se faz uma interpretação
Em alguns dos casos apresentados nesta série verificar-se-é que importante que altera todo o curso da entrevista e não há nada mais
a sintomatologia da criança reflete doença em um ou em ambos os difícil do que avaliar o caminho em que alguém se encontra sem
pais ou na situação social, sendo isso que necessita de atenção. Con- fazer iriterpretação alguma por um longo período ou durante toda a
tudo, pode ser a criança quem melhor nos coloca em contato cOJU entrevista e, depois, a certa altura, usar o material para uma interpre-
a deficiência principal 00 meio em que ela vive. Pela minha obser- tação do inconsciente. :e quase corno a necessidade de suportar
vação, porém, as séries como um todo mostram que em muitos casos a existência de duas forças contrárias na mesma pessoa. Para mim
a criança criada por pais preocupados com a condição dela é de fato existe certa facilidade em relação ao problema pois, quando faço
o membro doente do grupo, e é então a criança quem precisa da uma interpretação, se a criança discorda ou parece se omitir na res-
atenção principal. Cada criança ou adulto tem um problema, sendo posta, presto-me imediatamente a revogar o que disse. Ouando me
~
esse problema, quando está causando tensões no momento, o que t ocorre fazer uma interpretação e estar errado, a criança é capaz de
aparecerá no material da consulta. Ouando vários problemas surgem I~
me corrigir. Algumas vezes naturalmente há uma resistência, o que
de uma só vez em uma primeira entrevista, esta é a evidência da significa que fiz a interpretação correta e que esta está sendo negada.
f,
necessidade de uma espécie de trabalho mais prolongado, de modo Mas a interpretação que não funciona significa, sempre, que a fiz

16 17
no momento errado ou da maneira errada, e a revogo incondicional- que cresceu comigo, do desenvolvimento emocional do indivíduo. Isto
mente. Se a interpretação estiver correta, pode ocorrer que me te- é inerentemente complexo e não seria apropriado para mim tentar
nha equivocado ao verbalizar esse material daquele modo e naquele expor o que entendo da teoria aplicada por mim em todo o trabalho
momento em particular. Interpretações dogmãticas deixam à criança que faço. Há uma vasta literatura sobre esse assunto e o estudante
apenas duas alternativas: a aceitação do que eu disse como uma que desejar acompanhar o desenvolvimento de meu próprio pensa-
doutrina ou a rejeição da interpretação, de mim e de toda a situação. mento pode encontrar o que for necessário em outros livros que escre-
Acho e espero que as crianças, nesse relacionamento comigo, sintam vi e que relacionei para esse propósito.
que têm o direito de rejeitar o que digo ou a maneira como recebo Finalmente, espero reconhecerem que não estou tentando provar
alguma coisa. Na verdade, afirmo que é um fato essas entrevistas coisa alguma com a apresentação desses casos. O criticismo que te-
serem dominadas pelas crianças e não por mim. O trabalho é fácil nho negligenciado para provar meu exemplo não seria apropriado
de se realizar durante uma, duas ou talvez três sessões; mas, como -se eu não tivesse exemplo. Devo acrescentar que seria sempre me-
o leitor perceberá muito bem, se as entrevistas se tornam muito fre- lhor se o estudante pudesse, por si mesmo ou por si mesma, obter o
qüentes, todos os problemas de transferência e resistência começarão material, de um contato pessoal com crianças, ao invés de fazê-Ia
a emergir e o tratamento deverá prosseguir pelas linhas psicanalíticas pela leitura de minhas descrições; mas nem sempre isso é possível,
normais. Uma coisa que o leitor notará é que nunca (assim espero) especialmente para estudantes. No mínimo, essa espécie de tentativa
faço interpretações para meu próprio benefício. Não tenho necessi- de informações honestas pode encerrar lições para os estudantes, quer
dade alguma de provar a mim mesmo alguma parte da teoria que assistentes sociais, quer professores ou psiquiatras, que tentam desen-
uso, ouvindo-me verbalizar o material desse caso. Tenho feito toda volver-se nas experiências oferecidas pelo trabalho realizado no cam-
interpretação que quero por mim mesmo. Não tenho absolutamente po da psicologia dinâmica.
nada a ganhar convertendo alguém a um ponto de vista. Longos
tratamentos psicanalíticos têm tido efeito sobre mim e percebi que
interpretações que pareciam corretas há dez anos e que o paciente
aceitava por medo mostraram-se, no final, justificações conspirató-
rias. Um exemplo grosseiro pode ser dado. Alguém pode possuir
uma leve tendência doutrinária a pensar que todas as cobras são
símbolos fálicos, e é claro que podem ser. Contudo, se se pegar o
material primitivo e as raízes do que um pênis pode significar para
uma criança, ver-se-a que o desenho feito pela criança de uma cobra
pode ser a configuração do eu (self) que ainda não usa braços, dedos,
pernas e artelhos. Pode-se ver quantas vezes pacientes não conse-
guem exprimir um senso do eu (self) porque o terapeuta interpretou
uma cobra como um símbolo fálico. Longe de ser um objeto parcial,
uma cobra num sonho ou fobia pode ser .um primeiro objeto integral.
Esse exemplo dá uma chave que o estudante pode usar na leitura
desses casos clínicos e indubitavelmentehaverá muitos exemplos em
minha tentativa de fornecer informações honestas em que cometi exa-
tamente essa espécie de erro. Apresento isso como uma indicação
do modo em que o material desses casos pode ser usado na situação
estudante-professor.
A parte mais importante de todo trabalho aqui descrito é a teoria,

18 19
PACIENTE I "Iiro" aos 9 anos e 9 meses

Durante uma visita a Lastenlínna' (Castelo das Crianças) - o Hos-


pital Infantil em Kuopio, na Finlândia - fui convidado a descrever
um paciente para uma assembléia do corpo de funcionários. Esse
grupo heterogêneo incluía médicos,a diretora, várias enfermeiras, a
psicóloga, a assistente social e alguns visitantes; e parecia ser melhor,
nessa ocasião, que eu descrevesse para eles um paciente que já co-
nhecessem, em vez de citar um de meus próprios pacientes. Por essa
razão foi escolhida uma criança da divisão ortopédica e- eu a entre-
vistei sem que houvesse qualquer problema manifesto urgente que
envolvesse normalmente um psiquiatra infantil.
Soube que havia certos sintomas de uma espécie vaga, incluindo
.onfusões, dores de cabeça e dores abdominais, mas o menino estava
.10 hospital por causa de sindactilismo, um problema congênito pelo
qual mostrara atenção quase permanente desde a infância. Era bem
conhecido no departamento ortopédico e todos gostavam dele. O re-
sultado de sua entrevista não podia ser previsto de modo algum. liro Foi total surpresa para mim e ficou imediatamente patenteado
falava apenas finlandês, língua que eu não conhecia. Usamos Miss que ele desejava comunicar-me o objeto de sua incapacidade. Não
HeIka Asikainen como intérprete, já que ela possuía algum conhe- fiz observação alguma mas, desejando testar a situação, fiz o seguinte:
cimento do caso e, como assistente' social. tinha algum relacionamento (2) Um desenho com o pé de pato interligado, delineado.
com a mãe dele. Miss Asikainen mostrou-se uma excelente intérprete
pois foi rapidamente esquecida tanto por mim quanto por liro, e
pode-se dizer que. não teve. influência no curso dos acontecimentos.
Na verdade, não houve muita conversa e, por isso, a sua participação
foi mínima. Iiro, eu e a intérprete sentamo-nos a uma pequena mesa
onde havia dois lápis e algum papel já preparados, e rapidamente
nos envolvemos no jogo dos rabiscos, que expliquei em poucas pa-
lavras.

Eu disse. "Fecharei os olhos e farei um risco a esmo no papel;


você o transformará em alguma coisa e depois será sua vez e
você fará o mesmo e eu transformarei seu traço em alguma coisa."

(1) Fiz Um rabisco que produziria uma variedade limitada. Ele disse
rapidamente: "E o pé de um pato."

1 Sob os auspícios da World HeaIth Organisation.

21
Queria certificar-me de que estávamos falando da mesma coisa. Senti então que liro me havia comunicado um sentimento posi-
tivo em relação a patos, a nadar e a lagos. Incidentalmente, a Fin-
(3) Ele agora preferiu desenhar e produziu sua própria versão de lândia é composta de lagos e ilhas e todas as crianças de lá têm liga-
um pé de pato. ção com natação, barcos e pescaria.

(5) Ele agora fez este desenho e o transformou em um chifre.

Agora eu sabia que estávamos firmemente entrincheirados no


assunto do pé de pato interligado e que eu podia recostar e esperar,
pois isso se tornaria uma comunicação sobre a sua deficiência.

(4) Depois fiz um risco livre que ele imediatamente transformou


num pato nadando num lago.
Deixamos de lado o assunto dos patos e começamos a falar de
música e de como seu irmão tocava corneta. Ele disse: "Toco um
pouco de piano" - mas tal era a sua deficiência física que pude
apenas entender que estava se referindo à idéia de tocar uma
nota com o dedo deformado. Ele disse que gostava de música e
que gostaria de tocar flauta.

Nesse ponto fiz minha primeira referência ao material. Usando o


fato de que podia ver que liro era um garoto saudável e feliz e
que tinha senso de humor, disse que seria difícil um pato tocar
flauta e ele achou engraçado.

Observar-se-á que não prossegui na explicação, para ele, de que


estava representando sua própria incapacidade em termos de patos.
Isso seria muito grosseiro pois era extremamente improvável que ele
soubesse o que estava fazendo ou que tivesse quaiquer intenção cons-
ciente de usar um pato para representar sua própria incapacidade.

22 ' 23
Acho mesmo que ele não era capaz de conhecer e lidar com a idéis
de seu sindactilismo.

(6) Fiz um rabisco e ele imediatamente o transformou em um r '1


chorro.

J
..
~ ~
:::::::::::;?-
~~---====... :::::::-=::
=---------
;;:--- . ;:;;;;:-
~

'li'
$
q/

Suponho que eu estava continuando vagamente o tema dos patos,


embora naquela hora me mostrasse interessado em fazer o jogo que
li
estava agradando a nós dois, e não me lembro de ter planejado isso.
Ficou satisfeito com este e podia-se ver que alguma força do
meu rabisco influenciou esse desenho de um cachorro. Este pode ser Agora estávamos livres para conversar um pouco sobre coisas, e
eu disse: "Sabe nadar?" O modo como ele respondeu "sim"
usado como uma ilustração do apoio do ego. Pode-se ver que o apoio
.mostrou que ele gostava muito de nadar.
do ego, quando necessário, também pode ser muito vivo e ativo.
(9) Meu rabisco, que ele disse ser um sapato. Disse também que
(7) Fez um rabisco que eu transformei num ponto de interrogação. não precisava acrescentar coisa alguma.
Evidentemente não era o que ele tinha em mente quando disse:
"Podia ter sido um cabelo."

Há que se concordar que era parte de um processo natural eu


não saber que ele tinha em mente um cabelo. Ele ficaria perturbado
se pensasse que eu tinha o conhecimento mágico de sua intencão.

(8) Seu rabisco, que transformei em um cisne desajeitado.

24 25
..•-- Não posso dizer se estava certo ou errado, mas senti que o estava
fazendo.
Iiro transformou-o em uma flor pela adição de uma linha. Ele
disse o seguinte: "Se eu unir isso e isso com uma linha, será
-, uma flor."
Quando olho para o desenho agora, posso perceber a sua relu-
'",
'- tância em olhar para as próprias mãos. Naturalmente não fiz qual-
quer observação a esse respeito e fico feliz por ter agido assim, pois
qualquer coisa que pudesse ter dito· nesse ponto teria interferido com
a coisa surpreendente que aconteceu depois.

(11) Ele então fez um risco que era mais da natureza de um desenho
deliberado, embora feito rapidamente. Pode ter havido uma in-
fluência da forma que dei a meu rabisco (n," 10). O rabisco
parecia o desenho de uma mão deformada. Esse era um mo-
mento importante, porque quando perguntei o que estava pensan-
do ao fazer o desenho ele disse: "Apenas aconteceu." E ele
(10) Fiz um risco, que agora percebo ter sido deliberadamente traçado mesmo ficou surpreso.
para que ele o transformasse em uma mão.

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•.•~
p,,,",f"'"'
~~.

26 27
Pode-se dizer que ele agora estava .prõximo de olhar para suas e que ainda faria mais. Disse que seus pés continuaram da mesn.
próprias mãos e que isso era uma reação à negação que mostrou no forma, e percebi nesse momento que o sapato que ele viu em meu
9
n 10, onde transformou o que poderia ter sido uma mão em uma desenho tinha relevância (n° 9).
flor. Eu disse coisas para descansar um pouco nesse estágio, con-
Falou: "Tenho apenas quatro artelhos; eu tinha seis."
fiante de que estávamos nos comunicando de modo significativo.
Eu então disse: "É como o pato, não é?"
Perguntei-lhe sobre sonhos e ele disse: "Durmo com os olhos
fechados e por isso não vejo nada." Pouco depois falou: "Meus Comecei a pressentir alguma coisa que ele podia querer dizer
sonhos são bonitos, na maioria das vezes. Há muito tempo não
sobre cirurgiões ortopédicos. Na verdade, embora eu não o soubesse
tenho um sonho desagradável." Senti que ele havia encerrado o
tema dos sonhos e esperei. até aquele momento, o cirurgião fizera uma observação de que sentia
que Lira estava "quase muito complacente."
(12) Então fez este, e eu lhe disse: "Parece com sua mão esquerda, Nesse ponto começou a formar-se em mim uma idéia e devo ter
não é?!"
começado a falar sobre o assunto dessa maneira:

"Os cirurgiões estão tentando alterar o que você era quando


nasceu."
Ele disse que gostaria de poder tocar flauta e me falou sobre
futuras operações.

Pois eu, com suas mãos na mesa em frente a mim, estava muito
consciente da absoluta impossibilidade de ele ser um dia capaz de tocar
flauta.
Quando o momento parecia já meio vazio perguntei-lhe: "O que
gostaria de ser quando crescer?"

E ele, como costumam fazer as crianças, começou dizendo: "Eu


não sei", e depois falou: "Serei como papai, empreiteiro de
construções." Outra idéia a que se referiu foi a de ser como o
homem que ensinava trabalhos manuais na escola.

Pude ver que estávamos continuando com essa difícil idéia de que
De fato, o-ângulo era quase exatamente o mesmo que o ângulo ele gostaria de ser capaz de fazer todas as coisas que sua condição
entre seus dois dedos proeminentes da mão esquerda, que natural- dificultava ou impossibilitava.
mente estavam alguns centímetros distantes do desenho sobre a mesa, Perguntei-lhe se não se aborrecia de estar sendo sempre operado, e
segurando o papel.
respondeu imediatamente: "Nunca". E acrescentou: "É uma
escolha minha; escolhi fazer 'essas operações; é melhor para
Ele disse: "Oh, sim, um pouco." trabalhar ter dois dedos do que quando eu tinha quatro, todos
colados."
Nesse momento ele foi objetivo sobre suas mãos e não estou
certo de que tenha falado algum dia objetivamente sobre sua condição Percebi que acabava não somente de olhar para suas mãos, mas
com mais alguém. Contou-me que fizera uma porção de operações também para as suas impossibilidades, e que fizera uma importante

28 29
verbalização do problema. Acho que era isso que (sem intenção cons- Ele acabava de se identificar com a enguia e me senti confiante
ciente) ele estava buscando no contato profissional que eu lhe estava de que estava se referindo a seu próprio estado primitivo. uma espé-
proporcionando.
cie de fantasia pré-nascimento, fato que se uniu à idéia que eu já
(13) Voltamos agora para o jogo dos rabiscos e ele transformou meu formulara em minha mente.
traço num punho de espada. E prosseguiu com

Por isso disse a ele: "Se pensarmos em você quando pequeno"


você gostaria de nadar no lago, ou nadar em lagos como os
patos. Está me dizendo que gosta de você mesmo com seus pés
e mãos ligados e que precisa que as pessoas o amem da maneira
como era quando nasceu. Já crescido, você quer tocar piano!
flauta e fazer trabalhos manuais, e assim concorda em continuar
a ser operado, mas a coisa principal é ser amado como é e do
modo como nasceu."

Ele parecia ter respondido a essa observação minha ao dizer:


"Mamãe é assim como eu" - um fato que eu não conhecia até,
então. Em outras palavras, ao lidar com essa condição em sl
mesmo ele tinha que lidar com ela também em termos de sua mãe.
..
,~.~~ (15) Aqui fiz um rabisco complexo. Rapidamente ele percebeu' nele
..f luzes e abajures. Em sua casa, sua mãe acabara de comprar
um grande abajur muito parecido com aquilo. Sua mãe con-
(14) um desenho que queria fazer e o chamou de uma enguia. Pen- tinuava assim em .sua mente. Fiz várias sugestões alternativas
sando bem, posso ver que este desenho poderia ser a espada sobre este rabisco como um teste, mas ele. rejeitou todas elas.
pertencente àquele punho. Era estação de enguias na Finlândia
naquela época e eu joguei com a .sua idéia de que havia dese-
nhado uma enguia. Falei: "Colocaremos a 'enguia de. volta no
lago ou a cozinharemos para comer?" E ele respondeu rapida-
mente: 'Vamos deixar que ela volte para nadar no lago, pois
é muito pequena."

== --- ---- ======'"

30
31
Agora pegou um pedaço de papel e desenhou deliberadamente.
Era uma cópia muito aproximada da deformidade de sua mão
esquerda, que segurava o papel na parte de baixo. Ele ficou
.~"."'~" '" ~"r.1am(lu· "E o mesmo, novament~"

~18) Agora chegamos ao último rabisco, qUe'::1ói meu.'Deliberada-


mente o fiz complexo, com os olhos fechados, e o desafiei di-
zendo: "Aposto que não conseguirá fazer nadá com isso." Ele
Mais ou menos aqui, para aliviar a tensao UlJ tem., ~~."i<U, tala- o arredondou e rapidamente viu o que queria, colocando 'no
mos sobre a sua família e a sua casa. Disse coisas positivas sobre a desenho um olho e pés de pato, é disse novamente: ":e um 'pato."
casa e o lugar que seu pai ocupava nela, e deu-me a clara idéia da
possibilidade de chegarem novos bebês na casa.

A certa altura perguntei se ele era um sujeito feliz e ele res-


pondeu generalizando:, "A gente sabe quando alguém é triste."

Voltamos para o jogo dos rabiscos.

(17) Aqui estava seu rabisco e eu o transformei em pés e sapatos.

Notar-se-a que ao fazer esse rabisco ele adotou minhà técnica


de segurar o lápis próximo da posição horizontal, de modo que a
linha varie de espessura, sendo conseqüentemente mais interessante.
Suponho que o transformei em um sapato por não querer desenhar
introduzindo um novo tema, tão próximo se estava do fim da entre-
vista.

32
l~
Chegamos ao fim, e por isso a uma reafirmação de seu amor
por si mesmo, o que indica que ele se sentiu amado. Fica contudo nida. Desde que casei, a cada vez que ficava grávida me tornava
enfatizada a necessidade de ele ser amado no estado em que nasceu, tremendamente ansiosa sobre o bebê que ia nascer, ansiosa em ter-
ou seja, antes das cirurgias ortopédicas e antes que todo o processo mos de ele herdar a deformação. A cada vez que nascia uma criança
de alteração e correções houvesse começado. e ela era normal eu me sentia imensamente aliviada. Com liro, po-
rém, não tive essa sensação, pois lá estava ele com dedos e artelhos
(19)
Finalmente. a meu pedido. escreveu seu nome e Idade (não re- como os meus; eu havia sido punida. Quando o vi, odiei-o. Repu-
produzido aqui) no verso do n." J8 diei-o completamente, e durante alguns momentos (uns vinte minutos
ou mais) senti que não queria vê-lo nunca mais. Ele tinha que ser
levado para longe de mim. Então me ocorreu que ele poderia ter os
Entrevista com a mãe dedos das mãos e dos pés corrigidos por constantes cirurgias ortopé-
dicas. Decidi imediatamente persistir em consertar os dedos de liro,
embora isso parecesse impossível, e a partir desse momento percebi
Inesperadamente achei-me na posição de ser necessário à sua mae.
que meu amor por ele voltou e acho que o amo mais que aos outros.
Ela estava no hospital e soube que o filho estava sendo entrevistado.
'artindo desse ponto de vista, posso dizer que ele ganhou alguma
e agora queria me ver. Não fazia a menor idéia do motivo. mas
coisa. Entretanto tenho ficado obcecada por esse impulso de recor-
senti que tinha o direito de saber quem era esse visitante da I~-
rer a cirurgias ortopédicas."
terra que passou uma hora com seu filho. Mais uma vez a entreviste
precisou ser conduzída através da intérprete, Miss Asikainen, que Parecia ter ficado alterada por haver verbalizado esse problema,
já vira a mãe do garoto em várias ocasiões, como assistente social. que em sua mente deve ter estado sempre muito próximo da cons-
(Na verdade Miss Asikainen é psicóloga, mas há uma certa carência ciência mas sobre o qual antes jamais teve a chance ou a coragem
no staj] do hosoítal e os papéis das várias assistentes sociais não estão de falar. Logo me ocorreu que estava me contando exatamente a
claramente [J,.fini~os.) Uma vez mais devo dizer que a tradução foi mesma coisa que liro, através da consulta terapêutica. Ele deve ter
rapidamente esquecida por nós dois. Eu, pessoalmente, não me lem- ganho alguma coisa desse amor especial de sua mãe por ele, mas
bro da tradução e senti como se estivesse falando diretamente com tinha que pagar por isso, sendo acometido de um impulso obsessivo
a mãe.
que, na verdade, o cirurgião ortopédico havia notado; e o stalf do
Aqui não há ~ecessidade da descrição da sessão com a mãe, que hospital desejava saber por que essa mãe e essa criança eram tão
durou aproximadamente uma hora. r. maior parte do tempo ela re- persistentes, enquanto tantos pais e crianças tinham que ser persuadi-
passou assuntos que já havia comentado com a assistente social. dos a fazer o que era cirurgicamente necessário.
De repente aconteceu algo inteiramente inesperado e' que clareou
Pode-se dizer que houve algum resultado do trabalho que fiz
todo o caso, confihnando a idéia que formulei durante a entrevista
ao entrevistar a criança e a mãe. Incidentalmente, isso me forneceu
cem lira. A mãe desatou em lágrimas e estava obviamente muito
o material claro para a descrição ao pessoal do hospital, à espera de
perturbada .. Ela então se livrava de alguma coisa que disse não haver
que eu falasse sobre uma criança que todos já conheciam. Mais im-
falado antes à assistente social, algo com que provavelmente nunca
lidou na. parte consciente e verbal da mente. portante ainda, foi-me relatado mais tarde que, depois desse trabalho,
uma atitude mais realística foi adotada em relação à correção dos pés
Num resumo foi isso o Que ela disse: "Sei que todo mundo tem
e mãos de liro. As limitações foram mais facilmente aceitas e isso
sentimentos de Culpa sobre sexo. Para mim é diferente. Toda mi-
proporcionou um alívio geral da tensão. Talvez seja também de in-
nha vida tenho sido. sexualmente livre, e no casamento a experiência
teresse o fato de a entrevista com esse menino não ter sido perdida
sexual tem' sido satisf~tória. Ao invés de me sentir culpada sobre sexa,
para ele. E improvável que se lembre de como eu era ou que possa
o que sempre sentia era que a deformidade de meus dedos e artelhos
falar sobre a entrevista ou sobre os desenhos. Contudo continuou
seria transmitida para um de meus filhos. Desse modo eu seria pu-
a manter contato comigo por cartas devidamente traduzidas por Miss
'34
35
Asikainen e me manda fotografias com seu cachorro ou pescando
com seus amigos no lago. Faz agora cinco anos que ocorreu essa en-
trevista. PACIENTE 11 'Robin" aos 5 anos

Este caso também não apresentava problema psiquiátrico algum, de


modo que meu trabalho consistiu em produzir uma situação em que
a criança pudesse se apresentar em termos de seus esforços e confli-
tos imediatos. Não há dúvida de que, embora se receba pagamento
por esse trabalho, um grande prazer deriva-se do encontro, neste
métod9 profissional, com uma criança que está bem dentro do signifi-
cado da palavra normal.
Há outras crianças nessa família. todos adolescentes na puber-
dade. Na conduta deste caso aconteceu-me ver a mãe de Robin an-
tes e também depois da entrevista com ele. Na segunda entrevista
deixei-a saber o que se passara entre mim e Robin. Este era um caso
em que, na minha opinião. o passo em direção ao desenvolvimento
de Robin seria dado espontaneamente. Era absolutamente desneces-
sário obter ajuda fora da família, pois seus pais seriam capazes de
lidar com a situação por si mesmos. Eles, entretanto. sentiam que
queriam ajuda e, segundo parece, é provável que a entrevista que
tive com Robin tenha facilitado o trabalho que esses pais e toda a
família já estavam fazendo, com a ajuda da escola.
O problema era que Robin estava começando a freqüentar a
escola e mostrava sinais de rejeição à escola. Esse menino tinha
uma rica vida em família e, para ele, ir à escola certamente marcava
um importante estágio. Casualmente, sendo o mais novo e presumi-
velmente o último da família, o problema do conflito de Robin em
relação à escola era, até certo ponto, sobrecarregado pelo conflito
pessoal de sua mãe. Aqui podia estar o último de seus filhos. Quan-
do ele fosse para a escola. ela jamais retomaria o sentimento de ter
uma família com toda a dependência que isso envolve. Por outro
lado, a mãe é uma mulher de imensa energia e com interesses especí-
ficos, e o fim dessa década de preocupações maternais podia signifi·
car para ela uma libertação, de modo que poderia retomar para a
prática especial para a qual fora treinada. Nesse caso em particular,
esses problemas se teriam resolvido naturalmente, mas o fato é que
Robin apresentava esses sintomas em relação a começar a freqüentar
a escola e, junto disso, verificavam-se determinadas exigências re-
gressivas pela atenção da mãe, que a faziam lembrar-se das experiên-
cias da infância de Robin, quando ele podia contar com ela para
satisfazer suas necessidades.
36
37
Era interessante para mim ter a chance de entrevistar esse me-
nino e descobrir como ele se apresentaria e a seu problema pessoal (3) Eu novamente. Ele começou colocando cabelos ondulados no
alto da figura e notei que ele mesmo tinha cabelos enrolados,
no curso da entrevista. Não houve dificuldade alguma sobre sua Acrescentou sobrancelhas e olhos e algo como pernas e disse
vinda a minha sala junto comigo, deixando a mãe na sala de espera. que era um peixe.
Entretanto eu não estava certo se ele seria capaz de, aos cinco anos, Nesse ponto fiquei esperançoso. Ali estava um desenho primi-
fazer o jogo dos rabiscos. Observe-se que grande parte dessa entre- tivo que lhe era pessoal e lhe agradava, havendo ele então começado
vista depende de mim e da maneira como eu procedo. Contudo, no a jogar de uma maneira criativa. Notei que era uma dessas crianças
final é a manifestação de si mesmo do próprio menino e de seu pro- que não seguram o papel com a outra mão quando desenham. Even-
blema que prevalece. Estava perfeitamente claro que Robin e eu tualmente eu segurava o papel para ele, pois de outro modo o dese-
nos comunicamos nos quarenta minutos que passamos juntos e é mais nho ficaria uma confusão e não realizaríamos nada. Tomei o gesto
provável que, se eu houvesse sido mais limitado em minha técnica como um pequeno sinal de dependência e isso é algo que pode muito
e não houvesse contribuído desde O início, a entrevista teria um tér- bem desaparecer como um sintoma durante a entrevista. Depois que
mino artificial ou prematuro, e nada seria realizado. adquire confiança, a criança pode começar a segurar seu próprio p~
pel com a mão desocupada. Fico esperando essas mudanças e as
Comecei, então, sem grande confiança, a fazer um rabisco. percebo. •
(1) Deste ele não soube fazer coisa alguma. (4) Ele agora fez um rabisco que transformei em uma cobra. Esta
não era inteiramente minha idéia quando o consultei enquanto
(2) Respondeu com este outro. Transformei-o em uma aranha. continuava. Entretanto a idéia da cobra originou-se mais de
mim do que dele.

38
39
(5) Meu rabisco. Este senti que era um bom traço: Podia ser trans-
(7) Meu desenho seguinte, surpreendentemente, ele o transformou·
formado em quase tudo e tinha uma espécie de valor que os
num porco. Este, como o n.· 3, era um desenho pessoal, um
i'
rabiscos devem ter. Ele não pode fazer coisa alguma com ele.
porco que ninguém além dele faria dessa maneira, e a cauda'
l II
Depois falou:
.deu-me a evidência de seu senso de humor.
"Claro que isso já é uma jarra" - ao que respondi:
"Bem, você o transformou em alguma coisa ao dar-lhe um 'Esse senso de humor é evidência de uma liberdade, o oposto
11:/ nome!'

I
da 'rigidez das defesas, que caracteriza doença. O senso de humor é
ó aliado do terapeuta, que retira daí um sentimento de confiança e
11 Este é um exemplo de um objeto pronto, exatamente como ca- um senso de liberdade para manobras. E a evidência da imaginação
I minhar por uma praia e encontrar uma pedra ou um pedaço de raiz criativa da criança e de felicidade.
de alga marinha que parece ser uma escultura pronta passando a
encontrar seu lugar na lareira. Ele já estava completamente integrado no jogo e disse: "E a sua
I
(6) Seu rabisco, que transformei num rosto. vez ou a minha? E divertido, não é?" Era a ver dele, então ele fez
Percebi que estava fazendo algo que ele não podia fazer em (8) um rabisco 'que eu transformei num pato, após consultá-lo. Aqui
I1I
termos de desenho deliberado, mas assumi o risco; comecei a fazer tentativas de perguntar sobre sonhos, ao mesmo
posso dizer que
esse realismo não era algo que ele desejasse imitar. tempo em que continuava com o jogo.

1/:,

40
41
(9) Fiz um rabisco que ele não soube usar. Depois se observará que Robin contou voluntariamente que sonhava com cachorros e
nessas entrevistas tenho a intenção definida de conseguir o ma- cangurus. Nesse caso os sonhos eram simplesmente evidências
terial real do sonho; isto é, sonhos sonhados e lembrados. So- de coisas animadas e com vida, por isso abandonamos o assunto.
nhos contrastam com fantasias, que são, até certo ponto, impro-
dutivas, deformadas e, de algum modo, manipuladas. Nesse ponto perguntei-lhe se estava aborrecido por ter vindo
Esse problema de conseguir entrar em contato com o material me ver, pois eu sabia que sua mãe o trouxera do campo e que
dos sonhos ocorrerá em quase todos os casos, sendo um problema ele gostava muito de lá. Ele negou enfaticamente que estivesse
para hábil julgamento quando o terapeuta sente que o material que aborrecido por isso e fez um risco que ele mesmo transformou
(10) numa cobra. Podemos ver nesse desenho a preservação da idéia
emerge no desenho ou na conversa encontra-se a nível de sonho,
do n.' 4, que naturalmente devo lembrar que foi uma idéia
tanto que pode ser apropriado coloe;ar-se a pergunta: "Você costuma minha. Esse desenho, entretanto, era muito diferente do ponto
sonhar?" Na verdade, muitas crianças têm um sonho, ou alguns so- de vista dele, porque era totalmente seu. Fizera uso deliberado
nhos, que lhes desperta interesse, talvez sonhos repetidos, e se al- de seu próprio rabisco.
guém lhes dá qualquej- ajuda em relação ao entendimento do sonho,
(11) Fiz um desenho que ele transformou novamente em uma cobra.
elas tenderão a produzir mais sonhos. Obviamente trata-se de algo
Dessa vez se preocupou muito com detalhes e gostou do modo
que os pais não podem fazer e penso cultivar a opinião de que os como essa cobra em particular tinha uma nova qualidade que
pais não devem interpretar os sonhos das crianças. A razão para podia ser descrita como uma ereção simbólica. Ela estava se
isso é que, sabidamente, os sonhos manifestos contêm um elemento elevando de urna maneira muito óbvia.
de defesa, e defesas devem ser respeitadas. Se alguém começa a li-
dar com as defesas, esse alguém se tornará então um psicoterapeuta r 4" t ,I

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e automaticamente fugirá do papel de pais.

.".".. , l,
i:

42 4.\
(12) O risco seguinte foi dele e eu o transformei em um monte de mostradas no seu modo de manusear o rosto. Lembrei-me também
terra. Não consegui pensar em nada mais em que o pudesse de que sua mãe me contou que, quando ele era muito pequeno, em
transformar. Disse a ele: "Você acha que poderia ser fezes?"
(Perguntei-lhe, enquanto trabalhava, o que chamavam de fezes vez de usar um objeto transicional, costumava preferir o rosto dela
em sua família e ele me disse.) e ficava acariciando-o até dormir. Não o mencionei por causa da
mãe e nem porque ele me houvesse dito, mas fiz referência à cobra
Mas ele disse que o desenho era terra. Talvez eu tivesse em
feliz em termos de ele mesmo enrolado no colo da mãe, sentindo-se
mente uma necessidade de retratar alguma coisa tão distante quanto
salvo e protegido do mundo. Senti confiança em que agora chega-
possível da concepção de ereção, tanto que eu não enfatizaria a ca-
ríamos a urna declaração, feita por ele, de seu conflito, uma declara-
racterística que pode ter sido uma chance prodígio no último dese-
ção feita em termos de sair para o mundo e crescer versus dependên-
nho. Naturalmente não premeditei isso na ocasião.
(13) cia regressiva.
Agora fiz um rabisco que ele transformou em "uma cobra en-
rolada". "Ela está feliz." Ele dedicou a esse desenho uma certa Ele disse: "E sua vez, não é?" '- e assim o jogo continuou.
dose de atenção e depois disse espontaneamente: "Gosto desta
cobra que está enrolada."
(14) O traço dele, que transformei em algo que chamamos de fan-
Enquanto isso prosseguia, ele passou a tocar o rosto com o dedo tasma.
e a 'brincar com o lápis no rosto. Notei o sentimento de relaciona-
mento entre a idéia da cobra enrolada e essas lembranças infantis,

13
~
~

44 45
(15) (16) diz.#T(f;~:·"Já que temos uma fazenda. bem que podíamos chamar
o meu. Ele o transformou em um ganso. isso de cebola."

( 17) Agora desenhei este, que era uma série de círculos. Acho que
o fizdeliberadamente sem saber por que, talvez com a idéia de
arame ainda em mente. Ele pegou o lápis e riscou como se esti-
vesse batendo. Era como se houvesse encontrado alguma espécie
de objeto trans.cional ali, então rhe perguntei sobre o que levava
para a cama com ele para fazer-lhe companhia quando era pe-
queno. Ele me falou sobre macacos e um urso, então coloquei
uma cabeça de urso no alto do desenho e o transformei em um
ursinho de brinquedo. Persisti um pouco na interpretação da
alternação entre "eu vou adiante no mundo e eu voltarei para
a dependência e me enroscarei no colo da mamãe". (Natural-
mente não uso esta palavra, dependência. numa conversa com
um garoto dessa idade.) .I
II

Tínhamos todos os desenhos espalhados no chão ao lado da


mesa onde estávamos brincando, ou trabalhando, juntos, de modo
que podíamos ver a todos de uma só vez, e percebemos que
tínhamos uma fazenda - as cobras, a aranha, a terra, o pato, o
ganso e um peixe para o lago e um porco - e começamos a
nos perguntar se o n." 9 poderia ser alguma coisa caída no
chão. Ele sugeriu que fosse um pedaço de arame. E acrescentou:
"Temos então uma fazenda" - referindo-se a meu desenho de
n.O 6. Perguntei: "Gostaria de ser fazendeiro?", e ele respondeu:
"Bem, sim, mas o problema é que há muito trabalho para se
fazer numa fazenda." Deve-se lembrar que ele veio de uma
fazenda para a consulta e sabia ver que para o fazendeiro a
fazenda não é "um objeto de afeição". Em minha cabeça estava
a dúvida quanto a fazer uma interpretação como esta: "Você
quer saber se vai para o mundo, ser um fazendeiro e trabalhar
ou se fica onde possa voltar para o colo da mãe para se enroscar
(18) Era ~w'vez. e ele disse: "Oh •. é um R ao contrário." Ao dizê-lo,
como a cobra e tocá-Ia quando quiser, por prazer." Ele aceitou
deixou cair o lápis. Isso era obviamente um ato falho e cheio
essa idéia sem qualquer dificuldade aparente e desenhou

46 47
de significado. Mostrei-lhe que R podia significar seu próprio melhor", então o transformei em um tordo (robin)*, sustentando
nome. Ele não havia pensado nisso e ficou contente, então pros- a idéia de que ele estava fazendo um desenho de si mesmo.
segui: "Ele está ao contrário porque R tem medo de ir em Porém havia uma linha que não se encaixava bem no desenho.
frente para o mundo. Ele precisa estar muito seguro de que pode A esse respeito fez o seguinte comentário: "E ele está segurando
voltar e correr para o colo de sua mãe." seu pequeno rifle", dando assim sentido à linha e, ao' desenho,
(19)
Esse era o meu complexo rabisco. Disse-lhe: "Está muito difí- a continuidade de sua exposição do tema principal, ou seja. o
cil?" Respondeu rapidamente: "Não; posso transformá-Io em um perigo do Eu Sou, quando este é uma direção e a direção é o
peixe." Havia alguma coisa a respeito desse peixe e ele não movimento para frente, para fora do colo de sua mãe e para
estava conseguindo encontrar a palavra exata, mas quando sugeri dentro. do mundo. Falei algo a esse respeito para ele, em sua
que o peixe podia ser orgulhoso, ele pensou que podia ser um própria linguagem.
meio de defini-Io. Parecia-me ser como a cobra do n," 11, que
eu chamaria de uma declaração de sua própria ida em direção (21) Meu rabisco, que ele transformou num coelho. ficando muito
ao mundo, Bu Sou, com a característica adicional de uma direção contente.
de movimento. Contudo, deve-se enfatizar que a palavra orgu-
lhoso era minha e não dele. Acredito que era esta a palavra
que ele estava procurando.

(22) Fiz então o último rabisco, que ele transformou em outra cobra.
e acrescentou: "Com seu pequeno rifle", e ambos rimos.

e Também "sabiá"; o termo inglês "robin" é o mesmo anomástico persona-


(20) Rabisco dele. Este o surpreendeu. Elefa:rau:. "Oh, este R está tivo 'de "Robín", o nome do menino. (N. do T.)

48 49
de esforço por parte do pai do garoto, que abriu mão de uma parte
de seu tempo para levar o menino à escola.

Se os pais discutiram esse problema mais abertamente por causa


de meu relatório sobre o que aconteceu, não sei dizer. Em todo caso
o problema se resolveu e, como afirmei no começo deste relato, acho
que os pais teriam lidado satisfatoriamente com o problema sem a
minha ajuda. Eles sentem que a consulta terapêutica os ajudou nessa
fase particular.

Depois disso sabíamos que havíamos terminado; a declaração


fora feita. Como muitas crianças, ele examinou o material dos dese-
nhos outra vez e obviamente teve que lidar com a idéia de que me
deixara saber de seu conflito; se ia em direção ao mundo ou se se
preparava para correr de volta para o colo da mãe. Guardei esse
desenho de Robin aos cinco anos, com um problema principal asso-
ciado com o início da vida escolar, e com isso a possibilidade de um.
conflito para Li mãe, sobre não ter mais filhos. Tenho certeza de que
Robin não era urna pessoa doente; por outro lado, sabia que o pro-
blema prát.co deconseguí- que Robin fosse à escola dependeria mui-
to dos pais > da maneira como eles mesmos se adaptariam a essa
fase especía! do dese!lvolv.imento do menino. Quando tal aconteceu,
os pais conseguiram parar de se preocupar com o mesmo problema
prematuro de um modo rapidamente :.rut{fero. Isso incluiu um grau-

50 51
PACIENTE III "Elíza" aos 7 anos e meio (1) Meu rabisco.

Talvez fosse apropriado continuar nesta primeira parte com casos


em que a criança não está bastante doente para merecer um diagnós-
tico psiquiátrico. Tal como na maioria dos casos aqui descritos por
mim, estou com a mira sobre uma boa meta, e na verdade é uma
característica deste trabalho não atirar se a meta não estiver favorá-
vel. Continuando com essa analogia, parece lógico que ao atirar so-
bre metas favoráveis se possa obter uns bons pontos. Gostaria de
observar, mesmo correndo o risco da repetição, que na grande maio.
ria desses casos a atmosfera geral é favorável, e caso se consiga dar
uma pequena ajuda à criança ou ao membro doente na família ou
grupo social, o progresso clínico sucederá pelas forças da vida e do
processo de desenvolvimento. É uma questão de transformar um cír-
culo viciado em um círculo benigno. A vasta maioria dos casos em
potencial são dessa espécie.
Aqui, com o Paciente III, os pais já tinham motivos para con-
fiar em mim como pessoa antes de trazerem a filhinha para me ver Pelo que sei, não disseram previamente a Eliza por que ela veio
e ficaram contentes por deixá-Ia comigo sem antes falarem a respeito
me ver. Obviamente ela estava muito à vontade com o lápis.
dela. Depois a mãe não quis falar comigo sobre o que havia acon-
tecido, porque, como ela mesma disse, estava interessada no resulta- Pegou meu rabisco e colocou outra perna nele, deixando um
do e não em como se chegou a ele. espaço entre as pernas. (A linha da barriga foi acrescentada
A mãe trouxe Eliza e ambas esperaram por mim no consultório, mais tarde - ver n.· 9.)
onde eu colocara várias cópias da revista AnimaIs. Não há dúvida.
Eu disse: "O que significa?"
Isso, sem dúvida alguma, influenciou no início o material da consulta.
Eliza era a criança do meio em uma família constituída de me- Ela respondeu: "Alguma coisa está errada."
ninos e meninas. Nos poucos minutos que tive com Eliza e sua mãe
juntas, falamos sobre a revista Animals. Consegui que Eliza viesse Não é raro em minha experiência uma criança mergulhar ime-
comigo à sala de espera, que havia preparado para sua mãe com diatamente em problemas profundos -do modo como ela estava cla-
café, e tudo despertou o interesse da menina. Ela, então, voltou co- ramente fazendo. Fiz uma observação mental de que a combinação
migo para o consultório sem a menor dificuldade e logo começamos do espaço onde o ventre devia estar e as palavras "alguma coisa está
o jogo dos rabiscos, que apenas expliquei e ela concordou. Não sabia errada" podia estar-me dando uma indicação definida, já no início
que aquilo era um jogo. mesmo da sessão, de que Eliza estava consciente de um problema
Eliza é uma menina bonita e esguia, tão doce quanto qualquer e que esse problema podia ter algo a ver com o ventre. Eu não disse,
criança aos 7 anos, absolutamente independente e completamente con- coisa alguma. Naturalmente quis saber se não seria algum problema
fiante no contexto do relacionamento que tive com ela. Começamos da espécie de "de onde vêm os bebês?".
então:
(2) Dela, que transformei em uma cabeça, o que pareceu agradá-Ia.

52
53
Não fiz este por nenhuma razão específica, fiz simplesmente

(3) Meu, que ela imediatamente transformou em um pássaro e, ao


fazê-lo, mostrou sua capacidade de auto-expressão em desenhos.

(4) O dela, e discuti com ela sobre o que poderia ser. Ela ficou
satisfeita com a idéia de roupas lavadas estendidas em uma
corda, embora isso não fizesse parte da experiência diária de
sua família, residente na cidade. "Tudo vai ser lavado", pareceu
ser o comentário, mas não como uma contribuição significante
dela que eu possa comentar.' Era mais provável que ela houvesse mente à mãe. Entretanto, no decorrer da descrição que ela estava
seguido meu desenho com uma referência à vida familiar. fazendo de Eliza, contou-me um incidente que teve importância na
primeira infância da menina. Dizia respeito a chapéus. Se eu, hou-
(5) Meu, que ela transformou em alguém com um gorro comprido.
Parecia achar mais divertido que o gorro estivesse de lado, na vesse deixado o que a mãe me contou dominar minhas idéias, talvez
cabeça. Ela disse que podia ser um menino ou uma menina, pensasse que o desenho 5 indicasse o tema importante dos chapéus;
quando fiz perguntas. mas como eu sempre tiro minha sugestão da criança, já havia sido
informado nessa entrevista com Eliza que o tema principal se refe-
I nterpolação riria ao espaço entre a perna da frente e a de trás (desenho 1),
qualquer que pudesse ser o significado. Entretanto, chapéus sem dú-
E necessário fazer aqui referência ao fato de que tive uma entrevista vida apareceriam como tema secundário. Descreverei o complexo de
significativa com a mãe três meses antes. Relacionava-se principal- chapéus no final desta descrição da sessão com a menina.
I rllrl

54 55
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(8) Dela. Juntos o transformamos em um trompete.

(9) Meu, que ela transformou em "um cachorro ou algo parecido".


o logo, continuação Deve-se notar que este desenho também contém um espaço entre
a cauda e o lugar onde os membros deveriam estar. Evidente-
(6) Dela, que ela mesma viu como um canguru de chapéu. Fez algo mente ela sentiu isso porque voltou a desenhar e eu coloquei
aqui que enfatizava o tema canguru e o ligava à idéia de um uma linha formando a barriga.
lugar de importância entre as pernas dianteiras e as traseiras.
Observou que o canguru tinha os joelhos curvados, do modo
como os cangurus costumam ficar, e ilustrou isso dobrando 09
próprios joelhos na altura do peito. Pode-se ver que um dos seus
efeitos é que esconde a barriga e em qualquer caso o canguru
é um animal que a criança sempre escolhe por causa da bolsa
e para indicar uma gravidez visível ao invés de oculta.

(7) Meu, que ela transformou em uma mão ou luva.

56 57
estava ausente e fiz uma observação mental de que naturalmente ela
havia testemunhado desenvolvimentos relacionados a gravidez que
ocorreram depois dela, sobretudo a segunda, quando estava com três
anos e meio para quatro.)

(12') Dela, que transformei em "um duende ou coisa assim". Ela


pensou que o duende ia comer as folhas do galho. Ela gostou
deste como desenho e como idéia imaginativa.

(10) Dela, que discuti com ela. Eu disse "que realmente estava com-
pleto; não precisávamos acrescentar nada a ele. Eu gostaria de
saber se isso não é [e aqui eu tinha que conseguir dela o nome
familiar para produtos da defecção] 'cheio'. Se não há barriga
no animal, esta pode ser uma' espécie de coisa que cai."

Eliza olhou para mim como se estivesse interessada, mas corno


se verificando que eu falava numa linguagem que não era a
dela, e então disse que isso era uma cobra. A seguir coloquei
um prato em torno dela e sugeri que poderíamos almoçá-Ia. (13) Meu, que ela trabalhou de um modo altamente imaginativo.
"Isso é alguma coisa indo por um túnel. Pode ser uma toupeira."
(11) Meu, que ela transformou em um cachorro feroz. Ela disse que Senti que havia aí um simbolismo infantil de defecação, ou nas-
este cachorro parecia estar "pronto para atacar alguém", cimento, ou relacionamento sexual, e deixei o problema sem
interpretação.
Era isso a evidência da habilidade de Eliza em atingir em sua
natureza alguma coisa que essencialmente não mostra em seu com-
portamento habitual ou com que ela se parece. (Incidentalmente, (14) Transformou o dela numa espécie de pato que se vê no escuro.
eu estava pensando em unir o ataque com a idéia da barriga que Isto significa que'estamos próximos de idéias que vêm à

58 59
mente pouco antes de dormir. Estávamos próximos do material
real do sonho.

Nesse ponto quase que se havia desenvolvido um jogo em que


colocávamos as figuras lado a lado no chão; ela estava ficando muito
entusiasmada, pegando cada uma das figuras terminadas e colocan-
do-as junto das outras, de modo que havia figuras espalhadas em
toda a outra metade da sala. Quando ela ia colocar uma figura lá ou
(15) conferir seu número, eu dizia: "Até logo", e quando voltava eu
Dela, que transformei na cabeça de alguma espécie de pássaro e
dizia: "Olá." Ela não estava superexcitada, mas vitalmente interes-
(16)
meu, que ela trabalhou de um modo similar. Colocou penas na sada no que estava acontecendo e ambos nos divertimos, jogando
cabeça do pássaro.
juntos.

60 61
(17) Dela, que transformei em um pato (imitando-a e dizendo o mes- Nesse ponto fiz algumas tentativas de perguntas sobre sonhos
mo). Dei a ele um peixe para comer.
que ela pudesse ter tido, mas el,a. não estava conseguindo me fala,r
sobre isso. Aventurou o comentano de que seus sonhos era,? horrí-
veis. Observei que, evidentemente, havia alguma coisa horrível que
é parte dela mesma, mas que ela não sabia como lidar com isso, e
lembrei-a do cachorro feroz (n? 11). O tema continuou neste desenho
(n? 18) de "alguma coisa feroz que tinha dentes e orelhas grandes e
um curioso olho grande, tão grande que podia ver no escuro".
Eu disse aqui algo sobre o modo como as coisas cairiam de
dentro se não houvesse barriga; talvez alguma coisa feroz caísse,
como o que ela havia desenhado. (Corpo equivalente a mente.)
Disse também algo sobre dentes e as idéias dela de apanhar o
que quer que estivesse dentro da barriga da mamãe, quando esta
estava para ter um dos bebês que vieram depois dela. Era uma idéia
muito nova para ela. Não estava muito certa de se lembrar de algu-
ma coisa sobre a mãe em estado de gravidez. (Naturalmente que não
(18)
Meu, que ela transformou em "alguma coisa feroz". usamos esta palavra.)

62 63
(19) Dela, que comecei a desenhar e que juntos transformamos em
um inseto.

(20) Meu, muito diferente dos outros rabiscos e mais concentrado.


Eu disse: "Este é bobo, não é?" E ela disse: "Nãol", e o trans-
formou rapidamente em "uma espécie de animal com antenas".
"Ele tem um pé grande e um rabo. Pode ser bonito ou horrível."

Aqui, de algum modo, tentei obter dela alguma informação so-


bre se as coisas ferozes e horríveis eram macho ou fêmea, mas não
consegui nenhuma indicação satisfatória.

ser "muito corajosa". "E um sonho assustador." Começou por


fazer o escuro e depois desenhou uma cama com ela mesma
deitada. Depois disso, começou os detalhes da COISA que sal-
tava nela. Essa coisa tinha os joelhos encolhidos (do modo que
ela descreveu quando desenhou um canguru e também me mos-
trou com seu próprio corpo). Tinha um pé grande e um pequeno
e um olho. De seu ponto de vista esta coisa é "tão horrível
quanto possível".

Tentei obter dela o que essa coisa faria se a pegasse, e tudo o


que ela pôde dizer foi: "seria horrivel para mim".
Fiz aqui explorações relacionadas com a idéia de estimulação
sexual, mesmo em forma de sedução de alguma espécie (o que era
'irr-,rrovâvel no seu ambiente familiar), ou com a idéia de alguma for-
ma de masturbação. Usei palavras' que ela podia entender. Não for-
(21) Dela, que transformei no que ela chamou de "uma moça a cei absolutamente a liberação do assunto, mas deixei-a saber o que
nhada". Enquanto eu o desenhava, ela fazia o seguinte. eu 'sabia sobre isso e ela olhou para mim com olhos curiosos, como
(22) Aqui ela pegou a quarta parte de um papel. [AS crianças sem- se fosse a primeira vez que pensasse conscientemente sobre masturba-
pre fazem isso para mostrar que o que acontecerá é significante.] ção e sentimentos de culpa relacionados a masturbação. Obviamente
Este desenho era "muito difícil para ela" e disse que teria que eu estava especulando, baseando, minhas idéias no que pensei ter

64 65
visto em prosseguimento dos fatos. Fui cuidadosamente e certifiquei-
me de que de modo algum estava pondo em rISCOo relacionamento nunca aceitou propriamente, que é o fato de ela ter sentimentos
dessa espécie sobre o bebê dentro da barriga da mãe. A COISA
que existia entre nós, que possuía traços poderosamente positivos horrível pode ser então o retorno de alguma coisa que ela sentiu
e em que se podia confiar sob proteção contra grandes riscos. como harrível, mas' que não podia admitir ser parte de seu pró-
Nesse estágio dei-lhe a escolha de fazer alguma coisa mais, ou prio eu.
desenhar, e ela escolheu fazer mais dois jogos dos rabiscos. Assim,
dei-lhe a chance de esquivar-se, ou mudar de assunto, ou jogar e ver (24) Dela, que transformei em um animal que lhe agradou. Ela pa-
o que podia acontecer . recia querer continuar, então deixei o jogo prosseguir.

. (23) Meu, que ela transformou em outro canguru. Desta vez o can-
guru tinha uma barriga grande, ou bolsa, com um bebê canguru
dentro. Os joelhos não estavam dobrados. Falei sobre o uso de
um canguru para pensar em uma barriga que tinha um bebê
dentro, mas sem chegar realmente à idéia direta da mãe grávida.
Ela falou sobre o canguru como um animal que faz coisas com (25) Meu, que ela transformou em uma cabra pastando. [Supus (mas
as pernas e pula. Dei a Eliza algo mais de minha idéia de que não disse coisa alguma) que para Eliza, bem como para outras
essa coisa muito esquisita que vai para ela representa algo que pessoas, a cabra é um símbolo de instinto, geralmente de instinto
sexual em machos.)
66
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(27) Meu, que ela disse que seria um rato. De qualquer modo. tinha
uma orelha zrande.

(26) Dela, que transformei em um outro animal pequeno, que lhe


agradou
Agora chegamos ao que ela disse ser o último da série.

68 69
(28) O último. Dela, que ela mesma transformou fantasticamente em
aceita facilmente o meu jogo e permite que ele se justaponha, mos-
uma cabeça de homem. Ele estava de óculos e era absolutamente
um retrato de mim. O homem estava lendo um jornal. "Não, trando senso de humor sem ser maníaca.'
ele está de braços cruzados." Ela era muito livre nesse aspecto
e de fato podia ver agora o que quer que gostasse em seus Eliza pode usar a imaginação e depois de testar devidamente a
desenhos.
situação estabelecida consegue me dar um sonho signifícante, em
que aparece ferocidade, o único aspecto que é clinicamente deficiente
Eliza agora estava pronta para ir e eu lhe disse que chamaríamos
e que está ausente de sua personalidade quando este se apresenta
sua mãe, e assim juntamos todos os desenhes que ela queria reexa-
minar por ordem de sua preferência. Examinamos tedes os detalhes àqueles que a conhecem.
significantes, incluindo. e trabalhe divertido. e'e interpretativo. Ela Aparecem certos detalhes que chamam atenção para áreas na
organização da "personalidade total" de Eliza, que lhe oferecem al-
pegou e desenhe de sonho e e colocou de lado. cem e "diferente", e
guns problemas devido ao conflito, ignorância e confusão. Esses de-
ache que, se a mãe entrasse, ela iria querer que esse desenho se man-
tivesse como alguma coisa particular entre ela e eu. De qualquer talhes são os seguintes:
mede, coloquei todos os desenhos na pasta e disse que eram dela,
que poderia tê-los quando. quisesse, mas que eu os guardaria para Alguma coisa errada (1).
ela. E meu costume dizer isso. no. final e a criança muito. raramente Espaço ao invés de linha para barriga (1).
quer levar os desenhes para casa. Linha colocada mais tarde (quando do desenho 9).
Tema do canguru introduzindo confusão a respeito de gravidez.
Foi chamar a mãe. Saiu pela perta da frente em estado. de con-
Gravidez genital entendida, mas fantasia pré-genital (espaço ali-
tentamento. e eu disse: "Talvez nes encontremos novamente, um
dia." Ela respondeu: "Espere que sim." mentar) de gravidez relativamente sob repressão.

E como se Eliza houvesse recebido a informação de que bebês


vêm da barriga, mas a informação. não foi "assimilada" porque ela
Comentário ainda estava lutando com a concepção de bebês em termos do que
vem de dentro, o sistema de fantasia alimentar. Não se pode saber
o leitor que está estudando esta técnica e também procurando usar se aqui a falta é da mãe ou da criança, ou de ambas, pois está claro
e material para fazer uma avaliação. de estado. psiquiátrico. de Eliza, que a ansiedade está organizada em torno da "COISA" horrível no.
desejará examinar e que foi apresentado. sem auxílio. Indubitavel- sistema de fantasia do espaço. alimentar, e isso estava relacionado a
mente, várias opiniões pedem ser expressas, cem ênfase colocada era idéias horríveis ou destrutivas que ela deve ter tido. em relação a
num aspecto. de case, era noutro, COISAS na barriga da mãe, que periodicamente a fazia engordar.
. Entretanto, deve-se tazer um comentário para que e leitor o uti-
lize após fazer um estudo pessoal do que se fez saber.
Tema Secundário (ver Interpelação, após desenho 9)

Havia um repetido interesse em chapéus e isso pode bem ter sido


Observações gerais
um resultado do episódio significativo a que a mãe se referiu e que
. ainda não relatei. Pode-se fazê-l o aqui sem (eu espero) interferir
Essa menina inteligente está dentro do significado da palavra normal,
com os pontos principais do caso.
ou saudável, num sentido psiquiátrico. Ou seja, ela mostra uma inde-
pendência de qualquer organização rígida de defesa. De um modo
1 O termo 'maníaca' significa, para mim, que há um humor de depressão
mais positivo, é capaz de brincar e se divertir com a. brincadeira;
que está sendo negado, substituído por manifestações contradepressivas.
70
71
Quase no final da entrevista que a mãe teve comigo, que girou da mãe, pertinente ao impulso instintual relacionado ao objeto, ou
principalmente em torno dela mesma, contou-me algo que a fazia 'mpulso primitivo de amor, com a pré-história da idéia de ataque ao
I . .
sentir-se culpada na conduta dos primeiros anos da vida de Eliza. conteúdo do seio.: ou apetite voraz.
Ela explicou: "Parece ridículo, mas foi isso o que aconteceu quando O trabalho feito nesta consulta terapêutica única é bastante para
Eliza estava com apenas dez meses. Eu tinha que viajar por uns libertar a primitiva relação objetal ou impulso de amor dos impulsos
poucos dias e, apesar de relutante, deixei-a (Eliza era a mais nova secundários contendo raiva reativa, e a conseqüência clínica foi que
nessa ocasião) aos cuidados de uma babá no ambiente e rotina da a personalidade da criança se tornou mais livre de uma maneira ge-
casa. Achei que ficaria tudo bem, mas devo ter-me sentido culpada ral e surgiu uma facilidade maior na troca de sentimentos entre a
porque, quando cheguei, corri para ver Eliza (o bebê), sem tirar o criança e a mãe.
I A parte principal deste trabalho foram as descobertas da pró-
chapéu primeiro. A coisa desagradável foi Eliza ter-se assustado.
Ela não reagia a nada do que eu fazia. Peguei-a no colo e fiqu J pria criança, ou seqüências ordenadas de descobertas, culminando na
abraçada a ela, e depois (talvez depois de um dia inteiro) ela relaxou capacitação desta em usar o sonho que teve, mas do qual ela não
e voltou a ser a mesma de antes. Gradualmente tudo voltou ao nor- conseguia obter completo benefício até que conseguiu produzi-lo e
mal, exceto que Eliza desenvolveu e manteve uma fobia por chapéus. desenhá-Io através de meu auxílio na consulta terapêutica.
Por muito tempo, muitos meses, o bebê não podia ver mulheres de Em outras palavras, as interpretações não produzem o resultado
chapéus." mas ajudam a própria criança a descobrir o que ja havia nela mesma.
Talvez tenha sido por causa dessa fobia por chapéus, junto com Esta é a essência da terapia.
'a possibilidade de haver um resíduo em Eliza dos três dias de perda
de sua mãe quando estava apenas com 10 meses, que a mãe decidiu
trazê-Ia para uma consulta psiquiátrica, pois o fato de ela urinar na
Resultado
cama não a preocupava de modo algum; e, com deito, esse proble-
ma desapareceu depois da consulta.
Para mim a resolução desses problemas de relacionamento de Eliza
Mas era importante, como já foi apontado, que eu seguisse o teve o efeito de tomá-Ia uma pessoa mais relaxada, tanto que seus
material da criança e não o tema secundário dos chapéus, o qual pude pais ficaram satisfeitos com o resultado clínico da consulta. Isso
reconhecer a partir daquilo que a mãe me contou sobre os primeiros pode significar a possibilidade de Eliza estar preparada para uma ex-
meses de vida de Eliza.
plicação mais imaginativa e infantil da origem dos bebês do que
aquela que teve efetivamente.
o Tema Principal

Passo a passo o tema principal foi-se tornando evidente. Estava rela-


cionado exatamente com a característica que estava ausente da per- Comentário Geral
sonalidade de Eliza, a ferocidade que primeiro apareceu no "alguma
coisa feroz" (n? 18) e depois na "coisa" do sonho (n? 22). Essa Mais uma vez me parece que este caso pode transmitir algo da ri-
ferocidade relacionava-se com o medo de coisas que ela imaginava queza e do potencial do que chamo consulta terapêutica, ou a explo-
estarem crescendo dentro da barriga da mãe, baseado em uma visão ração da primeira hora. Em uma discussão do caso, alguém poderia
inge~tão-retenção-e1iminação (ou pré-genital) das funções orgânicas. analisar o tema da privação aos 10 meses e da reção de Eliza a isso
Está ligada também. a seus próprios impulsos agressivos, sua. raiva e do procedimento da mãe diante da reação dela. O tema principal,
pela mãe, que se estava afastando dela por causa de sua nova gra- contudo, deve ser aquele que apareceu (para surpresa de Eíiza) no
videz, e seu acesso de medo ao imaginar objetos horríveis dentro da material e que eu de forma alguma poderia ter previsto, mesmo que
mãe. Por trás de tudo isso estava a agressão oprimida ao conteúdo houvesse tido uma entrevista com a mãe sobre Eliza.

73
Esta é a espécie de tomada de informação que eu respeito. Po- PACIENTE IV "Bob" aos 6 anos
deria subverter meu ponto de vista e dizer que não respeito qualquer
outra forma de tomada de informação. Não há grande valor em
conhecer fatos através da mãe e a resposta do paciente a perguntas Desejo continuar com um outro casal em que a criança, de mais ou
conduz a coisa alguma, exceto ao distanciamento do tema central, menos a mesma idade, revelou de um modo inteiramente inesperado
que em psiquiatria é sempre muito difícil, de fato é sempre onde o o bloqueio que encontrou para sua independência de usar o aspecto
conflito será exatamente encontrado. regressivo da tendência bifurcada em duas vias: uma via que conduz
ao mundo e outra via que o leva de volta à dependência. Neste caso
o bloqueio era alguma coisa que se localizava na mãe, como os de-
talhes do caso mostrarão. Aqui, novamente, há um resultado favo-
rável.
A mãe esteve durante alguns anos aos cuidados de um colega
psiquiatra, também analista, por causa de pânico e depressão. Obvia-
mente fora uma paciente muito doente, sendo tratada pela psicotera-
pia. O pai também tinha fases depressivas e ambos faziam terapia
de grupo. Disseram que a' simples existência da família dependeu
da ajuda dada por meu colega durante anos.

Contato preliminar

Primeiro vi Bob com seus pais. Soube que na família havia Bob, de
6 anos, um irmão, com 5 anos, um outro irmão, de 1 ano. Havia
também uma garota de 15 anos, filha adotiva dos pais da mãe de
Bob. O pai de Bob trabalhava em uma fábrica. Na casa havia três
quartos, que não eram suficientes. Bob e o irmão abaixo dele dor-
miam juntos, geralmente na mesma cama.
Já estava percebendo como era Bob. Suas palavras eram curtas
e muitas delas difíceis de se entender. Entretanto ele se comunicava
livremente. Entrou de uma maneira agitada e tomou posição em
uma das cadeiras pequenas, ansioso pelo que pudesse acontecer.
Pode-se realmente dizer que estava cheio de alguma vaga espécie de
esperança.
Neste ponto, os pais foram para a sala de espera e fiquei a sós
com Bob em minha sala durante quarenta e cinco minutos.

I Publicado anteriormente no tnt. l, Psycho-Anal., 46.

74 75
Entrevista com Bob tegral, e também comecei a duvidar do diagnóstico que pensei
estar correto, Deficiência Primária.
Bob era afável. Ele aguardava amigável e esperançosamente. Provi.
denciei papel e lápis e sugeri que faríamos um jogo. Comecei a
mostrar-lhe o que significava. Ele estava falando de uma maneira
excitada e numa ocasião houve uma gagueira, na palavra punch
(jogar) (p ... p ... p ... punch). Foi quando ele estava falando sobre
o primeiro desenho.

Sugeri, agora, que fizesse um rabisco para eu transformar em


alguma coisa, mas não entendeu ou não conseguiu fazer o ra-
bisco. Falou: "Posso fazer um carro?"

(2) Este é o desenho do carro.

(3) Ofereci um rabisco e ele pareceu confuso. Disse que era uma
mão, mas acrescentou: "E muito difícil", significando que não
conseguia fazer este jogo.

1
( ) Fiz um rabisco para ele transformar em alguma coisa. Ele sabia
o que queria fazer e encheu o rabisco cuidadosamente com
sombreado e o chamou de bull (touro). Levei algum tempo até
perceber que a palavra bull significava ball (bola), mas para me
ajudar ele contou uma longa história sobre pumping (? bumping)
(bater) para baixo e para cima e jogar. Fiz uma observação men-
tal sobre a capacidade desse menino de conceber um objeto in-

76 77
(4) Ele quis desenhar um sol.

Era minha vez e fiz o rabisco.

(6) Meu rabisco. Ele colocou olhos e o chamou de Humpty Dumpty.*

o tema do Humpty Dumpty alertou-rne para a idéia de desin-


Este foi o final de uma primeira fase muito cautelosa em que tegração, relacionada à confiança prematura em uma organização do
usamos o aspecto do eu (se/I) do menino que tentá aceitar e agir de
ego. Neste estágio eu não fazia a menor idéia de se o gesto de colo-
acordo, mas que não carrega sentimentos nem emprega impulso.
car os olhos tinha alguma significação, mas no desenho crítico (n? 26)
A segunda [ase começou com este tema Humpty Dumpty veio a fazer sentido.
Deve-se observar que nesse trabalho eu geralmente não faço in-
(5) Sua versão de um rabisco.. Era um desenho feito com linhas
terpretações, mas espero até que o traço essencial da comunicação
onduladas e poderia ser uma pessoa ou um fantasma. Eu acres. da criança seja revelado. Assim, falo sobre o traço essencial, mas o
centei a lua.
mais importante não é tanto eu falar quanto o fato de a criança ter
encontrado alguma coisa.

• Pessoa (geralmente homem) gorda e baixa, "tampinha". (N. do T.)

78 79
{7) Bob fez um novo rabisco característico, composto de uma linha tornava muito difícil o entendimento dó que ele dizia. No final era
ondulada; rapidamente percebeu o que queria fazer com ele e
o transformou em uma cobra, "perigosa porque ela morde". quase impossível entender.

(9) Este foi o rabisco dele, feito pela mesma técnica de linha ondu-
lada. Falou que era um "caminho", um "lugar complicado".
Percebi que ele queria dizer labirinto, mas não podia usar esta
palavra. Foi horrível. Ele foi com o pai. Falando rápido, contou
a história de sua visita a um labirinto, e ficou muito ansioso
enquanto lembrava.

Fiz aqui uma outra observação mental sobre a idéia de uma


reação à falha ambiental. Neste caso, a idéia era de falha por parte
do pai que parece não ter percebido que um labirinto tocaria em
ansiedades arcaicas de Bob. Consegui entrar em contato com o estado
confusional ameaçado de Bob, sua potencial desorientação. Natu-
ralmente eu estava desenvolvendo em minha mente uma idéia da
Aqui está um desenho de Bob, baseado em seu próprio rabisco, sua doença, como esquizofrenia infantil, mostrando tendência à re-
e muitos diferente do objetivamente percebido como um carro e um cuperação espontânea.
sol (n.o 2 e 4). Ele ficou satisfeito com seu desenho.
(10) Este foi meu rabisco, e ele cobriu todas as linhas. Disse que era
Neste ponto começou a se interessar pelos números que eu es-
"um caminho como o meu"
tava colocando nos desenhos e passou a me dizer o número dos dese-
nhos seguintes.
Isso parecia significar "como- o seu", mas ficou claro no con-
texto que Bob queria dizer "um caminho como o meu (nine, nove)".
(8) Meu rabisco, que ele disse ser um cabelo. Depois disse que era Ele não disse exatamente meu (mine). 1sso ilustra a peculiar distor-
um "elefante" com uma boca enorme. Colocou os olhos. (Olhos
novamente!) ção de linguagem a que tive que me adaptar para receber a sua co-
municação que, de outro modo, era muito clara. (Percebi que essa
Não estou tentando reproduzir a curiosa distorção da fala, que distorção de linguagem corresponde ao vidro ou plástico [ou o que
80
81
quer que seja], que o esquizofrênico geralmente descreve como algu-
ma coisa entre o eu [se/f] e o mundo real.)

Falando sobre o n.· 11, perguntei a Bob se ele gostaria de viajar


'I num jato. Ele disse: "Não, porque eles podem ficar de cabeça
para baixo."

Disso fiquei conhecendo a evidência adicional de que Bob estava


me deixando saber de sua experiência de insegurança ambiental du-
rante o período de sua própria dependência quase absoluta. Conti-
nuei com minha política de não fazer interpretações. .

Acho que, neste ponto, perguntei: "Lembra-se de quando nas-


ceu?" Ele respondeu: "Bem, isso foi há muito tempo." Depois
acrescentou: "Mamãe me mostrou onde foi que eu vivi quando
era bebê."

Soube depois que sua mãe o levara recentemente para ver a


casa onde ele nasceu.
(11) Bob preferiu desenhar. Desenhou o sol à sua maneira caracte-
rística e um jato por outra técnica (depois de ter feito seu con- Enquanto estávamos conversando essas coisas, continuamos com
torno pelo método da linha trêmula). Bob disse: "o doze vem os desenhos.
depois desse." Ele estava numerando os desenhos e usando cor-
retamente as palavras "ele" e "eu" que eu colocava perto dos
números para indicar a ordem dos eventos. Ele era capaz de
chamar a si mesmo de ele, e eu de eu, 'permitindo que eu ti-
vesse meu próprio ponto de vista ou identificando-se comigo no
jogo.

82
83
(14) Meu rabisco, que ultrapassou a folha e prosseguiu em outro
pedaço de papel (ver n.· 18), o que lhe agradou muito. Trans-
(12) formou o que estava nesse papel em uma mão.
Meu rabisco, que ele transformou em um peixe. Ele colocou
o olho e a boca.

(I}) Aqui era um de seus desenhos característicos, que ele transfor-


mou em um barco. Contou-me uma longa história sobre alguém
que fora em um grande barco. para a Austrália. Depois disse:
"Minhas linhas são todas onduladas, onduladas."
,
84
85
11
(15) Fez um rabisco ondulante e eu rabisquei todo ele, e estávamos
deliberadamente fazendo uma confusão e bagunça incríveis. Então
ele viu este como um Pato Donald e colocou os olhos.

(16) Meu rabisco, que ele transformou em um "lefelante". E acres.


centou: "Ele tem um chifre e pode me pegar." Dramatizou a
expressão.

(18) Aqui ofereci os espinhos que surgiram das partes excedentes


do n.· 14. Ele transformou este "num animal que vai comer
você". Neste ponto, colocou a mão no pênis, sentindo o perigo
lá. Apontei isso para ele. embora não houvesse notado que fez
esse gesto.
(17) Transformou seu próprio rabisco num sapato.

IIII

(19) Seu desenho de um tigre.


86
81
Ele agora dominou sua ansiedade imediata sobre retaliação ba-

I: I seada no sadismo oral e falou sobre números.

"Iremos até o l00?"

Na verdade. ele saberia contar até no .mãximo vinte, ou um


pouco mais. com algum esforço.
Estávamos agora em uma área calma, entre a segunda fase e a
seguinte. Eu naturalmente não sabia se haveria uma outra fase.

(20) Escreveu seu nome a meu pedido, colocando uma letra no lugar
errado. Escreveu o número seis (sua idade), porque não sabia
soletrá-lo.

(21) Seu rabisco, que ele disse ser "uma montanha; você anda em
volta dela e se perde",

Bob agora pediu um papel maior. Obviamente tinha algo im-


portante para desenhar e usou as folhas maiores até o final.

(23) Seu desenho deliberado de uma "grande montanha, muito, muito


grande". "Você sobe nela e escorrega; é toda de gelo." E acres-
1I centou: "Você tem carro?"

l/I

\\
:'11I\\\
23-
~~
~-f·

,~

Entramos na terceira fase e ele começou a descer a detalhes


significantes. O conteúdo do n9 21 me preparou para uma nova
versão da falha ambiental, produzindo. ameaça de ansiedade primi-
tiva do tipo de queda, despersonalização, confusão, desorientação etc.

(22) Meu rabisco. Eu disse, com voz desafiadora: "Duvido que você
faça alguma coisa disso." Ele respondeu: :'Tentarei", e logo o
transformou rapidamente em uma glub (glove, luva).

88 >
5\9
11
, li
Daí em diante tive certeza de que ele estava me falando a res-
peito de ser segurado e sugerido sobre ser afetado pela ausência de
catexia de alguém, e, naturalmente, eu quis saber se poderia ser a
figura da depressão da mãe dele e seu efeito sobre ele quando era
um bebê. Continuei a evitar comentários e perguntei-lhe se seus
II
sonhos eram sobre essa espécie de coisa.
,

Ele disse: "Esqueço todos eles." Depois, lembrando um deles:


"Oh, um sonho estranho sobre bruxa."
r Perguntei: "Que sonho estranho?"

Respondeu: "Foi a noite passada ou a outra noite. Se eu a vir,


eu choro. Não sei o que é. E uma bruxa." E aí começou a dra-
matizar.

"E horrível, e ela tem uma vara mágica. Ela faz você pee. Você
pode falar, mas não pode ser visto e não pode ver você mesmo.
Então você diz 'um, um, um' e volta,"

A palavra "pee" aqui não significa urinar. "Não, não é wee.wee


("pipi")!" Ele queria dizer disappear (desaparecer). Quando a
bruxa "pees você", ela "faz você sumir (vanish)". A bruxa tem
um chapéu e sapatos macios. E um bruxo.

Enquanto tudo isso estava acontecendo, Bob desenhava.

(24) Ele estava agora desenhando uma ilustração do que queria me


contar nesse ponto. Estava dramatizando horror e seu pênis ficou
excitado. Ele se encolheu de ansiedade.

90 91

I~
11111

(25) Mostra ele mesmo na cama, tendo um pesadelo. Quando viu


a grande escada ele disse: "Oli! oh! oh!", e estava vivenciando
III[ muito o evento que estava descrevendo. (26) a figura de uma mãe segurando um bebê. Passei o lápis por cima
do bebê, e enquanto começava a colocar em palavras o perigo
'1:1/ de o bebê cair, Bob pegou o papel e borrou os olhos da mulher.
Agora me falou que o desenho era sobre duas coisas. A coisa (Ver n," 6 e também n.OS 8, 12, 15.) Quando rabiscou os olhos..
'I estranha era o pesadelo; mas a outra era um acidente real, que
não era horrível; era bonito. Ele caiu realmente das escadas e o
ele disse: "Ela vai dormir."
papai estava na parte de baixo. Ele chorou e o pai o levou para
a mamãe, que o segurou e o acalmou, Este era o detalhe significante no total da comunicação. Agora
concebi seu desenho ilustrando a ausência de catexia no gesto da
Agora tive a evidência mais clara possível do desejo de Bob de mãe de o pegar no colo.
me contar sobre o lapso na provisão arnbiental, que fora "boa", de Em meu desenho coloquei o bebê no chão para ver como Bob
uma maneira geral. Por isso comecei a falar e desenhei reagiria à ansiedade arcaica associada com cair para sempre.

93
92
Bob disse: "Não, a bruxa veio quando a mãe fechou os olhos. Bob foi encontrar o pai na sala de espera, enquanto sua mãe
Eu gritei. Vi a bruxa. Mamãe viu a bruxa. Eu gritei: 'Mamãe Vai
JIle dava a seguinte avaliação do problema da família.
pegar você!' Mamãe viu a bruxa. Papai estava no pé da escada
e pegou seu canivete e o enfiou na barriga da bruxa, matando-
para sempre, e assim sua vara mágica se foi também." a Descrição Feita pela Mãe a Mim depois da Entrevista com Bob.
Enquanto Este e Seu Pai Estavam na Sala de Espera.
Nesta fantas'ia pode ser visto o material para uma organização
pSiconeur6tica, estabelecida e mantida em defesa contra a ansiedade
inconcebível, ou arcaica, ou psic6tica, produzida na criança pela fa- Aos dois anos e meio Bob foi levado ao pronto-socorro infantil por-
lha da mãe na função de pegá-Ia ao colo. A recuperação do trauma que não parava de chorar. Na época a mãe estava deprimida. O pe-
depende da ajuda do pai. diatra disse que ele estava frustrado. Após exame neurológico e
vários testes, disseram aos pais que Bob não estava doente, mas
(27) Desenho dele, mostrando a si mesmo na cama, o bruxo e também que estava seis meses atrasado em seu desenvolvimento. Disseram
"1111
a vara mágica que "faz você pee (disappear, desaparecer)". aos pais que ele seria retardado.
I
Um ano mais tarde, aos três anos e meio, Bob foi levado nova-
I1I mente e mais uma vez àisseram que ele "era retardado". Aos tres
Ç;1 anos, Bob não falava. Para ajudar, a mãe o colocou numa creche
tturante o dia. Bob mostrava-se o mais lento da turma, e obviamen-
te era agarrado à mãe. Os pais aceitaram o fato de Bob ser "retarda-
do", mas recentemente a psiquiatra da mãe sugeriu que eles deve-
riam questionar esse diagnóstico, por causa da vasta extensão de in-
teresses de Bob de acordo com o que a mãe lhe contara em suas
sessões. Ele estava sempre falando sobre espaço, Deus, vida e morte.
Era muito sensível e obviamente a palavra "retardado" não cobria
a totalidade do diagnóstico. No Teste de Inteligência Bob alcançou

.
,t,~f
,.';. I
93 (Stanford-Binet).
Ele chupava dedo o tempo todo. O período de masturbação,
ereções e divagações parecia ter passado. Às vezes colocava o pênis
para fora, tanto na escola quanto em casa, mas todos tentavam re-
levar isso.
Falando sobre sua infância, a mãe relembrou que era infeliz
em casa no período da escola secundária; sentia-se perseguida. Saiu-
se melhor no curso básico mais avançado e quando começou a apren-
der costura e culinária. Não Clava a Impressão de não ser muito in-
teligente, mas as evidências mostravam que de maneira alguma ela
era uma pessoa limitada por isso. Conseguiu díplomar-se.
O pai, filho único, "passou a infância no país dos sonhos" (des-
crição da mãe), sendo infeliz em casa. Seus pais eram pessoas difí-
A comunicação foi feita e Bob estava pronto para ir. Parecia ceis e, na verdade, a mãe atribui o começo de sua doença ao fato de
estar muito satisfeito com o que aconteceu e seu estado de excitação ter que estar em contato com os parentes do marido. O pai dela
se acalmou.
morrera um ano atrás.
94
95
A mãe de Bob já não sofria de paníco e o pai estabelecera_se
por causa da evidência que eu já havia obtido a esse respeito através
com uma personalidade calma. Às vezes a família passava dificul_
dades financeiras. Foi um duro golpe para o pai saber que seu fi- do material fornecido pelo pr6prio Bob.
Quando Bob deixou minha casa, ele disse para a mãe: "Viu como
lho era retardado, embora a mãe não se preocupasse muito O pai
é engenheiro. eu rabisquei os olhos da mulher?" Isto foi para ele, obviamente, a
grande luz da entrevista terapêutica. (Na verdade não mostrei a ela
HISTORIA PRIMITIVA DE BOB os desenhos.)-
Os pais me visitaram três semanas depois e não trouxeram Bob.
Então eu soube muitos detalhes sobre cada um dos país e, também,
O nascimento de Bob fora difícil: A amamentação foi complicada
mais sobre Bob. Em casa as dificuldades eram compatíveis com um
pelo que a mãe chamava de um erro médico. A mãe dissera ao mé-
diagn6stico de esquizofrenia infantil, tendendo à recuperação espon-
dico: "Sei que este bebê está doente." Então, duas semanas depois,
tânea. Seu problema principal era dificuldade no aprendizado.
descobriu-se que ele tinha estenose pil6rica e foi imediatamente ope-
rado, ficando internado uma quinzena. A mãe tentara perdoar o mé-
dico por não acreditar quando ela disse que o bebê estava doente, ACOMPANHAMENTO
mas não o conseguiu inteiramente. Sete meses depois. "O aprendizado na escola parecia ter melho-
Aos quatro anos e nove meses, o menino teve que extrair as rado desde a ocasião da entrevista. Em casa, Bob se desenvolve cal-
amígdalas; aí ficou muito evidente para os pais que o menino es- mamente, apesar da doença do pai (hospital) e a hospitalização da
tava atrasado, pois eles sabiam que, embora pudessem contar para mãe com o bebê, que teve uma doença."
qualquer outra criança o que a esperava, não conseguiam encon-
trar um meio de contar a Bob. Ele ficou cinco dias no hospital, com
visitas constantes. Ficou angustiado nesse período. Comentário

A mãe disse que teve seu primeiro filho no hospital, mas de.
Parece que este menino reteve uma clara idéia do começo de sua
cidiu ter os outros em casa. Na terceira gravidez ela usou os me.
doença, ou da organização de suas defesas em um padrão de per-
todos do National Childbirth Trust. O parto foi "completamente
sonalidade. Foi capaz de comunicar isso e o fez com uma certa ur-
sem dor". O pai estava presente. Acharam a experiência "adorável e
gência, uma vez que sentiu que possivelmente eu poderia entender
animadora". Era possível detectar aqui, nessa afirmação positiva,
e assim tornar sua comunicação efetiva.
um lado da doença da mãe, a idealização que todo o tempo carrega-
O trabalho desta consulta terapêutica torna-se mais interessante
consigo a ameaça do oposto. Contida em tudo isso está sua depressão
potencial. pelo fato de este menino não usar palavras aos três anos, ter di-
ficuldades para aprender e ter sido generalizadam-ente considerado
Na ocasião do nascimento de Bob a mãe teve medo de hospi-
"retardado" pelos pediatras, autoridades escolares e pelos pais. E
tal, embora a gravidez transcorresse bem. O trabalho de parto foi,
improvável que Bob pudesse ter-me contado o que contou através
na verdade, rápido e fácil. Foi depois do segundo parto, quando Bob
de respostas verbais a perguntas. Gradualmente, contudo, revelou a
estava com quatorze meses, que ela começou a ter pânico e a fazer
etiologia de seu complexo de sintoma no procedimento do jogo da
psicoterapia. Perguntei-lhe: "Como foi a primeira vez que se sen-
consulta terapêutica.
tiu doente? De que modo sua depressão se apresentou?" Ela respon- O diagn6stico mudou, durante a consulta, de deficiência relativa
deu: "Sentia vontade de dormir quando estava fazendo alguma coisa."
(primária) para esquizofrenia infantil, com o paciente tendendo a
Foi quando Bon tinha entre quatorze e dezesseis meses que ela
recuperar-se espontaneamente.
começou a se sentir sempre sonolenta, quando então começou a
E interessante notar que esquizofrenia, ou condição psic6tica que
não conseguir superar o pro.blema; mais tarde sobreveio o pânico,
resulta em séria dificuldade no aprendizado, é de fato uma organi-
Esta informàção, obtida no final da consulta, me interessou muito
zação de defesa altamente sofisticada. A defesa é contra a ansie-
96
97
dade primitiva, arcaica ('inconcebível'), produzida por falha ambien-
ninguém lá e ele foi capaz de explorar a casa toda. Na verdade, o
tal no estágio de dependência quase absoluta da criança. Sem a de-
que ele estava fazendo era mostrar ao. irmão que conhecia a geogra-
fesa, havia uma quebra da organização mental da ordem de desin- fia de minha casa e ambos estavam interessados em cada detalhe.
tegração, despersonalização, desorientação, queda para sempre e per-
A inspeção completa incluía o quarto. Quando desceram, fizeram
da do senso do real e da capacidade de se relacionar com os objetos.
alguns desenhos, mas estes não tiveram importância e eles pareciam
Na defesa a criança isola o que há de si mesmo e assume posição
I de invulnerabilidade. No extremo dessa defesa a criança não pode
prontos para ir.
Presumo que Bob estava buscando um meio de relembrar o
ser traumatizada e ao mesmo tempo não pode ser induzida a redes-
'11ill que sentiu que havia acontecido um ano antes, quando era introver-
cobrir a dependência e a vulnerabilidade e o retomo da sujeição
tido, retraído, dificilmente conseguindo falar de maneira inteligível
à ansiedade arcaica (Winnicott, 1968).
por causa da distorção na fala. Um ano atrás, parecia ao observador
No caso de Bob. o ego conheceu um certo tipo de desastre, li- que ele não estava notando coisa alguma, e agora poder-se-ia obser-
mitado em quantidade, e experimentou o acidente, tendo-se organi-
var que não apenas notava uma grande quantidade de coisas, mas que
zado contra ser retraumatizado pelo desenvolvimento do sentimen-
"conhecia" muita-coisa que de fato não conhecia antes. Acho que
to de ser traumatizado o tempo todo, exceto quando ausente. To-
se pode dizer tjue ele estava em processo de me objetivar e que eu
dos os detalhes da experiência foram retidos e têm sido sujeitos a
estava emergindo (para ele) da categoria de objeto subjetivo, ou que
classificação, categorização, comparação e a formas primitivas de pen-
o sonho se tornava realidade.
samento. Presume-se que como resultado do trabalho da consulta Fui informado de que a mudança em Bob continuou decorridos
terapêutica essa organização complexa em tomo de um evento trau- cinco anos depois. O leitor pode se lembrar de que ambos os pais esta-
1
mático se transformou em material que pode ser esquecido, porque vam recebendo ajuda psiquiátrica antes da primeira consulta de Bob,
1/11
I, foi lembrado, isto é, tornou-se acessível a um sofisticado processo e esse hábito continuou no intervalo entre aquela época e agora. Sem
de pensamento que está relativamente separado do funCionamento
psicossomático. dúvida isso foi responsável por uma parcela da saúde psiquiátrica
obtida e mantida por Bob.
t"
Resultado
Nota Adicional
Este caso teve um resultado surpreendente. A mudança em Bob
Por motivos de economia não publiquei os dezesseis desenhos que fi-
continuou. Cerca de um ano após a consulta, Bob disse aos pais ines-
zemos à trois, porque parece-me que eles não acrescentam nada de
peradamente: "Sabe que uma vez fui ver alguém em Londres ... "
significativo ao caso. Terminamos com um rabisco dele que se asseme-
E eles lhe lembraram o meu nome - "Bem, eu gostaria de levar meu
lhava a um w, e eu acrescentei ENT (WENT),' porque estávamos
irmão para vê-lo." A consulta foi marcada e, sem entrevistar os pais,
próximos do momento em que ele e o irmão iriam embora. Ele disse:
deixei entrar em meu consultório duas crianças muito vivas. Bob
"Esse você transformou em uma palavra", e fiquei interessado nele
parecia lembrar de tudo sobre o lugar e a mesa onde fizemos os
pelo fato de ele ter vindo a mim com um pronunciado defeito na
desenhos, mas acho que não se lembrava dos desenhos em si. Mos-
fala, que desapareceu, mas que certamente envolvia o que colocou
trava, orgulhoso, a seu irmão como fora a visita a esse homem, e
em palavras, quase' que como se as distorcendo deliberadamente.
para minha satisfação decidiu levar o irmão por toda minha casa,
que é alta e tem quatro andares. Levou-o na parte de cima para mos-
trar o jardim do terraço, que jamais imaginei que ele houvesse visto
da janela perto de onde nos havíamos sentado há um ano; e levou-o
em todos os comodos do andar de cima. Acontece que não havia
• "Fui", "foi", "fomos", "foram". (N. do T.)
98.
99
PACIENTE V URobert" aos 9 anos
e com auxílio ela se teria saído melhor com ele, como se saiu com
as duas meninas. Por exemplo, com alguma .ajuda poderia ter ado-
II
tado uma técnica menos restrita, mais adaptada às necessidades pri-
márias do bebê.
Aqui está um caso muito simples. Chamaremos o menino de Robert. Em descrições adicionais o pai falou: "Robert sempre foi mui-
Ele pertence a uma família muito "próspera". Na época da consul- to afeiçoado à mãe e os dois estiveram muito juntos nos primeiros
Ili ta, quinze anos atrás, Robert estava com 9 anos; tinha uma irmã de anos." Ouando tinha dois anos (enquanto o pai ainda estava na
7 e outra de 5 anos. Há um senso de responsabilidade muito definido guerra), nasceu a primeira irmã e Robert ficou violentamente enciu-
nos pais e são ambos capazes de tolerar dificuldades, se houver es- mado. Esse ciúme continuou. Em relação à irmã, "ele tem um de-
peranças de um resultado satisfatório. mônio dentro de si" e constantemente a provoca. Ela, por outro lado,
Primeiramente entrevistei o pai; ele parecia desejar essa entre- é "incrivelmente meiga". O pai disse que Robert sabia sobre bebês
vista. então a concedi. Geralmente vejo primeiro a criança. Ele me estarem dentro da barriga, e quando a mãe voltou da maternidade ele
disse: "O problema é que esse menino é muito parecido comigo.". fez observações tais como: "Agora sua barriga está do tamanho cer-
O pai disse que era um educador antiquado. Robert sempre odiou to novamente" e "Agora você pode brincar comigo novamente."
a escola. Recusava-se a estudar ou trabalhar ou a se esforçar por al- Quando a mãe não podia ir para o jardim com ele, ou brincar como
guma coisa. Em casa, por exemplo, com seu Meccano, não lia o li- antes, ele ficava de mau humor. Há um jardim na casa em que ago-
vro de instruções, embora quisesse muito poder fazer o que ele des- ra estão morando e ele gosta de brincar lá, mas não consegue brin-
crevia. Ao invés de trabalhar segundo a descrição no livro, pedia car por muito tempo sozinho. Contudo, persegue salamandras e assim:
ao pai e ficava aborrecido. De fato, odiava ler. E não podia apren- se livra de seus sentimentos em relação aos seres humanos. Mostra
der o nome das coisas. Esperavam que ele se saísse bem na escola, o que está fazendo ao chamar uma de mãe salamandra gorda e outra
mas fora um desapontamento. Estava na escola primária local, numa de salamandra pai. Ele pode ser amoroso com a mãe, enquanto é ·'i'i1a-
II\! I classe de quinze crianças. Os pais estavam preocupados porque na es-
cola disseram que Robert "voltara para o estágio de bebê."
creditavelmente cruel com a mãe salamandra. O pai, gostando de sa-
lamandras, está desorientado sobre o que fazer. Talvez umas poucas
O avô paterno estava constantemente testando a capacidade de salamandras devam sofrer, ele concorda tristemente, em favor da gra-
tirocínio escolar do garoto e o próprio pai fazia isso ocasionalmente, dual socialização desse menino. Robert é capaz de usar a imagina-
ficando horrorizado ao descobrir que o menmo não conseguia subtrair ção ao brincar com outras crianças, mas geralmente as idéias cria-
9 (idade dele) de 1953 (o ano). Sua mãe disse que gostaria de fazer tivas se tornam selvagens. ~ um mal desportista e em um jogo ele
um Teste de Inteligência de rotina, porque "ou devemos deixar que constantemente adapta as regras às suas próprias necessidades, de
ele seja burro, ou devemos castigá-Ia". O relatório do teste psico- modo a dominar as crianças, sendo então o único realmente capaz
lógico educacional foi: "Tirando uma média dos-testes de alcance de manejar as regras e as outras crianças ficam sempre por fora,
aplicado em duas entrevistas, o 0.1. gira em torno de 130." por assim dizer.
O pai contou-me a história primitiva do menino. A criança nas- Às vezes Robert mostrava bastante construtividade em suas brin-
ceu quando o pai estava fora, no exército. Foi amamentado, mas cadeiras, mas isso diminuiu e ele tornou-se lento de uma maneira
na ocasião a mãe estava à mercê de outras pessoas. Uma incursão geral. A lentidão parece ser um sintoma de uma disposição depres-
aérea causou a demora do médico na época do parto. Bombas aéreas siva moderada que afeta a criança tanto em casa quanto na escola.
complicaram as coisas depois, e o pai voltou e levou a mãe e o bebê A escola atribui as dificuldades às situações familiais, mas a família
para a região central da Inglaterra. Lá o bebê era alimentado. nas é essencialmente boa e o problema deve ser atribuído a dificuldades
horas certas e ficava chorando nos intervalos, pois havia muita an- na própria natureza do menino, dificuldades inerentes que integram
siedade para se permitir experimentações e tentativas. A mãe é boa o desenvolvimento emocional.
As outras crianças não apresentam distúrbios no sono e por isso
'''0
101
devemos supor que a mãe realmente se dedica adequadamente aos fi- vres, ao mesmo tempo em que mantemos um relacionamento pro-
lhos. Ela lhes proporicona um ambiente até muito bom. As outras fissional.
duas mais novas conseguem usufruir desse ambiente muito mais Aqui estava o menino a meu lado e a mãe sentada em uma
que Robert. cadeira confortável. O garoto era todo sorrisos. Imediatamente notei
Em geral as pessoas gostam dele. Ele pode ser amigável, efu- seu distintivo e ele ficou contente em falar não diretamente sobre
sivo mesmo, sem ser tímido. Não só gosta do pai, como o imita tam- si mesmo, mas sobre as atividades e interesses representados pelo
bém .. E prejudicado em jogos pelo fato de o pai ser intelectual. Ou- distintivo.
viram-no dizer que gostaria de ter um "pai comum", o que para Falei sobre escola e ele deixou imediatamente claro que só po-
ele significa um pai que fosse soldado ou pedreiro ou alguma coisa dia trabalhar em seu próprio ritmo; e se saía mal nos exames, onde
que ele pudesse comentar com as pessoas ou discutir num jogo. Há velocidade é importante e o trabalho é feito com tempo contado no
uma masculinidade satisfatória no menino, mas também uma inveja relógio. Perguntei sobre o jardim e soube que ele .cuida de uma pe-
muito óbvia da capacidade produtiva da mãe, e sua identificação quena parte dele. Fez uma estranha observação espontânea sobre seu
11
feminina latente está intimamente ligada à sua afeição pelo pai. Em jardim. "Ele ilumina uma parte escura."
relação a problemas sexuais, ele parece incapaz ou relutante em pe- A mãe estava se revelando para mim como uma espécie de pessoa
IIII~! dir informações, e os pais nunca encontraram a oportunidade
para falar-lhe de sexo, exceto sobre bebês crescerem na barriga da
exata depressiva, séria e de alguma forma ansiosa em situações da consulta.
Suponho que antes de mais nada queria estar segura de que eu acha-
mãe. Acham que possivelmente ele está querendo informações mas ria o menino bonito, bom e educado, pois nunca se sabe o que os
não pode recorrer a eles, e admitem sentirem-se envergonhados por médicos diriam se as crianças agissem naturalmente. Entretanto, ela
esse problema. Pode ficar excitado e isso não lhe causa mal. Mastur- gradualmente começou a perceber que eu não era uma pessoa muito
bação não constitui um problema para ele, pelo menos ao que sa- preocupada com os fenômenos superficiais.
1
111
bem os pais. Fiz. uma observação mental de que a parte escura para ser ilu-
Em relação à escola, de que geralmente gostava, tende a sentir minada poderia ser a mãe em suas depressões - especialmente quan-
11...1
1,1 I
raiva dela nas noites de domingo e nos finais de feriados. Uma vez do já ouvira do pai sobre uma fase (quando o menino estava com
fugiu da escola para casa. A vida foi pior para ele provavelmente aos seis anos) em que as depressões da mãe apresentaram um problema
seis anos. O pai estava ausente e a mãe ficou muito deprimida e definido.
,I Ir toda a Iamflia se envolveu na depressão da mãe. O médico da fa- Logo passamos para o assunto de leituras e perguntei sobre
mília foi de grande ajuda e cuidou de toda a família nessa ocasião. histórias em quadrinhos. O garoto olhou para a mãe e percebi que
I Livres dessa fase de tensão, mudaram-se para um novo distrito, com eu havia claramente tocado em um problema controverso. Robert con-
I; o pai em casa e Robert freqüentando
a situação se apresenta no momento.
a escola primária local. E como tou que não lhe deixavam ler histórias em quadrinhos. Mais tarde
falei com a mãe sobre isso, pois senti que o menino poderia apren-
der a gostar de ler muito mais através dos quadrinhos do que de
••• bons livros cuidadosamente escolhidos nas livrarias. Robert disse:
"Tentei ler bons livros, mas sempre há palavras imensas e eu não
For alguns meses depois, d~ entrevista com o pai que a mãe trou- entendo." Disse também que histórias em quadrinhos circulam na es-
xe realmente Robert pára me ver. Pude imediatamente notar que ele cola como uma atividade clandestina, uma pornografia branda.
se assemelhava ao pai em uma certa morosidade nas ações bem Não gostaria que a mãe estivesse presente nessa ocasião, pois
como em inteligência superior. uma conversa longa teria arruinado minhas chances de conseguir en-
Primeiramente tive uma conversa com Robert na presença da trar em contato pessoalmente com Robert; então conduzi a mãe à
mãe. Os detalhes são muito comuns, mas suponho que se incluem sala de espera e falei em poucas palavras, lá, a respeito do modo
na técnica de contato humano. Ao fazer tal contato devemos ser li- como ela e o marido estavam tentando implantar seus próprios pa-

102 J03
drões morais e religiosos e seu gosto 00 menino, o que era uma pena, Esses dois desenhos representam seu principal interesse, que é
já que ele era capaz de desenvolver sua própria moralidade e gosto, estradas de ferro, COITI .' que ele brinca com os amigos. Suas irmãs brin-
J se o deixassem. A mãe entendeu o que eu quis dizer e parecia ali-
viada por não ter que se sentir responsável. doravante, pela boa qua- cam escondido.
I
1I lidade, a bondade do garoto.
Voltei para o menino e ele foi cooperativo ao jogar comigo o
jogo de rabiscos.

,,'I 11'

1 ~111

1',111 I
(3) Dele, que ele disse poder ser um B, mas que se' tornou um D.
(1) Meu rabisco. que ele disse ser uma estrada de ferro. B poderia significar badness (maldade).
(2) Dele, que ele disse ser uma outra estrada de ferro.
(4) Dele, que transformei em uma espécie de pássaro, talvez um
morcego (bat) (bad blrd, pássaro mau).

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If. i~
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(6) Seu desenho de Tissie, mostrando dois dos buracos. Ele lemo
(5) Meu. Ele o transformou em um oct6pode, e a coisa importante era brava claramente da ocasião em que o tirou de um balde, quando
que um dos tentáculos voltava para o oct6pode e não tinha o a mãe estava limpando o chão; e daí em diante ele foi sempre
final, como as linhas férreas que ele sempre está usando. "meu Tissie".
I
11111,

Interpretei isso como uma espécie de ato de chupar dedo, o que


naturalmente é encoberto por quem o faz. Ele falou que nunca chu-
pou dedo, mas disse voluntariamente que o que fazia era chupar um
horrível pedaço de pano imundo chamado Tissie. Eventualmente sua
mãe não pôde mais consentir nisso e o queimou e o menino chorou (7) Seu desenho de si mesmo com 1 ano, tirando o trapo do balde.
um bocado até esquecer. O trapo já estava esburacado por ele estar Ficou muito surpreso ao perceber que estava de vestido, e pa-
1111 :~" constantemente mordendo-o e chupando. Era um pano de chão.
receu que ele havia chegado a uma profunda lembrança.
Agora estava pronto para falar de pesadelos.

106
107
1;)111
Interpretei isso como excitação sexual e ele entendeu, pois teve
D18 ereção associada com o sonho. Neste ponto dei-lhe algumas in-
: J1llaçóesa respeito de sexo, pelas quais ele estava esperando. Disse-
;e para perguntar ao pai, caso quisesse saber mais.
Seu outro pesadelo foi com um ladrão que roubava jóias; falou
que não podia desenhar, assim me preparei para deixar isso de lado.
Mas perguntou: "Sabe desenhar um ladrão entrando numa casa?"
_ e estava obviamente querendo ir adiante. Ocultei cuidadosamente
o que eu estava fazendo, para que ele pudesse também desenhar um
ladrão entrando numa casa.

(9) Meu desenho, que mantive fora da visão dele, enquanto ele
prosseguia com sua própria versão do tema.

(10) Seu desenho. Pude perceber que a pistola que quebrou o vidro
era a figura de seu pênis ereto. Eu"disse que como ele ainda não
podia ter a emissão que pertence a homens crescidos, ele tem
que usar a mágica do tiro da pistola,'-

IlliIII
Olhamos então para os três desenhos. Aqui estava o buraco na
janela feito pelo tiro da pistola. Associei isso à primeira coisa que
me disse, que seu jardim iluminava uma parte escura. Então falei:
"Você vê, a princípio, que foi um bebê e amava sua mãe e mordia
os buracos no Tissie. Um dia você será um homem crescido como
illl~1
o papai, se casará e terá filhos. Agora você está no meio do caminho ..
Ama alguém e sonha que a casa está pegando fogo porque isso pa-
(8) Seu desenho de uma casa pegando fogo num sonho. rece muito excitante. E fura a janela para entrar na casa porque
não há emissão e, em lugar de gerar bebês, você rouba jóias." Conti-
nuei: "Há alguém que você ama quando está tendo esses sonhos",
e ele disse: "Acho que é mamãe." Então expliquei: "Bem, se você
fosse um ladrão e entrasse numa casa, teria que eliminar seu pai."
Ele falou: "Bém, eu não gostaria de fazer isso." Eu disse: "Não,
porque gosta muito dele também e algumas vezes, por gostar muito
dele, você deseja ter sido menina." Respondeu: "Apenas uma bem
pequenininha.' ,
A seguir abordamos o relacionamento muito difícil com a irmã.
Do ponto de vista dos pais, ele é ativa e violentamente ciumento. Des-
creveu o que aconteceu entre eles e eu disse: "Bem, seus pais acham
que você e sua irmã têm ciúmes um do outro, e eu diria que você
tem ciúmes dela porque é menina, e ela tem ciúmes de você porque
Vocêé menino. Ao mesmo tempo, vocês se amam, e como você não

109
108
'I.·'li .·;JI. I

I li!
11111
'iiJD homem crescido, o máximo que pode fazer para demonstrar
••••'f: é brigar e bater um no outro."
jiílOrEle parecia muito aliviado com a explicação e decidiu que ha-
• terminado tudo o que queria fazer e que estava na hora de ir
:.,ora com o que concordei plenamente.
O ~omento importante nessa consulta psicoterapêutica foi quan-
do Robert se surpreendeu ao perceber que estava de vestido, quando
tirOU Tissie do balde. Nesse ponto estava de volta à situação origi-
nal, e provavelmente com não mais do que 1 ano .
. De similar importância foi a ligação que pude fazer entre as
palavras: "Ele ilumina uma parte escura", com o senso de respon-
sabilidade de Robert pelas fases depressivas de sua mãe, especial-
mente aquela 'que afetou todas as crianças, quando Robert estava com
6 anos.
Um terceiro detalhe de importância foi a separação do amor
do pai e a identificação com a menina (ou mulher) que faz par com
este, da rivalidade com o pai que é parte do amor (heterossexual)
do menino por sua mãe. Isso liberta o outro problema, que é a ami-
zade entre o menino e o pai, ou entre meninos, que é possível em
uma situação saudável e que é uma sublimação natural da homos-
sexualidade normal ou saudável.
Acho que este menino estava muito carente de uma afirmação
objetiva da situação Iamilial, que os pais não lhe podiam dar. Senti
que a entrevista podia ser saudável para ele, pelo que estava pre-
parado para enfrentar e por eu não estar lidando com uma doença.
No final, ele me disse: "Não acho que você possa responder a isto.
~ando saio da escela, não quero voltar, e depois, quando volto,
na verdade gosto muito dela." Eu tinha o material para responder
à sua pergunta: "Você ,vê? Quando está em casa, ama sua mãe e
~osta de ficar com ela, mas mais importante que isso, você tem que
lidar com o fato de que ela é infeliz e na maior parte do tempo se
sente deprimida." Ele disse: "Sim, e se aborrece um bocado quan-
do eu e minha irmã brigamos." Falei: "Quando você não está em
casa, fica querendo saber como estará sua mãe sem ter você com
que se preocupar. Quando vai para a escola, escapa' das ansiedades,
Preocupações e depressões de sua mãe e consegue esquecê-Ias, gos-
tando da escola." Coloquei novamente ênfase especial na necessidade
que ele tinha de fazer as coisas a seu tempo e de cuidar para que nin-
guém o apressasse. Se o apressassem, não conseguia fazer coisa al-
guma. Com efeito, na escola ele fora muito ajudado pelo fato de lhe
,110
111

l/r
permitirem freqüentar durante dois anos o mesmo nível, embora is
s
o fizesse sentir-se mal, pois sua irmã progrediu dois níveis de um~ comentário
só vez.
Foi embora sentindo que havia um desenvolvimento natural em pescrevi um caso muito simples. No meu ver um aspecto reside
todas as coisas. E ainda falou: "Meu trem elétrico tem uma certa m que esta criança poderia ser sua ou minha. Talvez o resultado
velocidade; você pode fazê-lo andar ou parar, mas não pode fazê-I ~ais importante da consulta tenha sido os pais encontrarem a psi-
o canálise no sentido de haver consultado um psicanalista. Naturalmen-
andar mais rápido, embora naturalmente possa diminçir ,a velocidade
dele, usando um transformador." te se perguntaram se o psicanalista lhes diria: "Seu filho está muito
Seria necessár-io pedir aos pais para tentarem libertar essa crian_ doente e se vocês não providenciarem um tratamento psicanalítico
ça da carga de seus próprios padrões de moralidade, religiosidade e para ele agora, ele será um fracasso e a falha terá sido de vocês,
ansiedade, se possível. Não tenho dúvidas quanto ao que ele tenha porque as dificuldades emocionais dos adultos sempre têm suas raí-
em si, se o deixarem ele fará um bom trabalho de sua vida. zes na infância." Não aconselhei tratamento psicanalítico, o que de
Uma segunda consulta foi marca da, mas a mãe telefonou di- qualquer modo não seria acessível.
zendo que gostaria de adiar essa consulta, já que o menino parecia Foi muito importante para mim encontrar normalidade de pre-
ter melhorado muito depois daquela visita. Quando saiu daqui es- ferência à doença, neste caso, embora isso signifique que tive de des-
tava obviamente muito satisfeito com o resultado da entrevista, e cortina r para uma verificação a anormalidade nos pais e na situação
disse, como se mal pudesse acreditar: "Nós até falamos de Tissie." escolar. Particularmente chamo atenção para -nosso sistema, pelo qual
Naturalmente, comuniquei-me com os pais, dando minha opi- devemos exigir que as crianças de 11 anos mostrem que podem estu-
nião de que eles estavam propensos a esquecer que este garoto tinha dar esforçadamente para um exame.
seus próprios processos inatos, sua própria velocidade de desenvol- O perigo desta espécie de descrição de caso é que ela evita toda
vimento e sua própria capacidade para eventualmente dar uma con- a vastidão do assunto do desenvolvimento emocional do indivíduo, um
tribuição social, bem como construir uma vida boa para si mesmo. processo contínuo iniciado no nascimento ou pouco antes. Não é
Os pais tinham padrões religiosos e culturais derivados da educaçãc possível, entretanto, fazer mais do que fornecer um resíduo da am-
que eles mesmos herdaram e estavam realmente muito aliviados por plitude deste assunto, mesmo que soubéssemos muitos detalhes dele
terem sido chamados à atenção para o fato de não necessitarem im- n,o momento. Como já disse, este assunto sobre psicologia dinâmica
primir isso à criança. Por outro lado, naturalmente, à criança é útil tem as dimensões da fisiologia.
que tenha um ambiente definido no qual se desenvolva e que possa Por um lado positivo, escolhi este caso porque introduz um
usar ou rejeitar de acordo com sua própria filosofia de crescimen- aspecto da psicologia infantil que se pode imediatamente acompanhar
to pessoal. e usar. Isto está aqui representado por Tissie. Referi-me a esses obje-
Como resultado da consulta, observou-se uma nova atitude dos tos muito primitivos urados pelas crianças como objetos transicio-
pais em relação à escola, e permitiu-se ao menino que ele tivesse nais e tenho dado motivos para o uso de tal nome.' Há uma imen-
seu próprio ritmo, sem que ninguém o apressasse. A conseqüência sa quantidade de coisas a se aprender ao se estudar o uso de obje-
foi que se verificou uma melhora clínica considerável. Robert ainda tos 'transicionaís e é um tanto verdade que em cada caso clínico os
está atrasado na leitura e tem uma inibição relativa para ler que aspectos positivos e negativos dos objetos transicionais e seus usos
o deixa tenso, mas os pais não o aborrecem por isso. Ele realmente proporcionam importantes informações. Além disso, não somente os
pede aos pais que lhe comprem livros, mas não podem garantir que pais gostam de se lembrar - o que eles conseguem se lhes derem
os leia. Acho que os pais estão mais preparados agora do que antes tempo - dessas técnicas infantis primitivas, mas também as crian-
para deixar que o menino leia literatura inferior (quadrinhos) como
os outros meninos na escola. O ciúme da irmã continuou e eles ainda
brigam um bocado, mas algumas vezes parecem chegar a bom termo. 1 "Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais", (1951), in Collected
A idéia de este menino ser problemático par,ece ter desaparecido. Papers, Tavistock, 1958.
112 113
Irlli
,I liil'll
ças voltam à infância pela rota do objeto transicional mais facihnen_
te do que por qualquer outro meio. Acompanhamento
Em relação à psicanálise desta criança.' quero deixar bastante
))ais anos depois Robert entrou para um internato e gostou muito
claro que, se os pais tivessem recursos e pudessem facilmente Custear
de lá. Três anos depois os pais me informaram:
um tratamento cinco vezes por semana durante um longo período
eu aconselharia psicanálise; não porque a criança fosse muito doen: Ele continua indo bem. Relatórios excelentes (do internato). Bom
te, mas porque havia bastante problemas e um tratamento valeria para a irmã nos feriados, até mesmo generoso. Pode-se dizer que
a pena, e quanto mais normal é uma criança, mais rico e rápido é é um menino normal, indo muito bem. Passou por algumas crises,
o resultado. A experiência me faz saber que encontraríamos uma associadas com tensões temporárias em casa.
Mais tarde: Com o passar do tempo e à medida que ia ficando
boa dose de doença nesse menino, bem como de saúde, no curso mais velho, arranjou uma namorada e parecia estar prosseguindo
do tratamento psicanalítico. Entretanto a criança não é, de modo em direção a um estado de independência adulta. Sua dificuldade
algum, pSÍCótÍCa. Há uma tendência depressiva, mas esta pode estar no aprendizado desapareceu e estava lendo normalmente.
mais relacionada com a carga de depressão da mãe do que com as
ansiedades de caráter depressivo da própria criança. O menino tem
atravessado todos os estágios de desenvolvimento emocional primi-
tivo muito bem e não é provável um colapso psicótico. Seus proble-
mas situam-se no campo do relacionamento interpessoal e da recon-
ciliação de dois tipos de relacionamento, o afetivo e o que agita on-
das de instinto. Em minhas observações a respeito deste menino son-
dei problemas sexuais, e ao lidar com crianças que estão se desen-
volvendo bem falhamos se não pudermos acompanhar a criança onde
quer que ela nos conduza; Esta criança tem um conflito de uma es-
pécie comum em relação ao amor que sente pelo pai e, paralelo a
isso, o ódio que sente por ele, o qual é pertinente ao sonho em que
seus instintos estão dirigidos à mãe. Complicando a situação está a
semelhança hereditária do menino com o pai, o que faz da identifica-
ção com este uma tentadora saída para esse dilema.
Assim conseguimos uma boa mostra da situação, deixando que
este caso tome seu próprio curso sem tentar forçá-lo em uma estru-
tura que nos daria uma história clínica mais completa. Há muito
que gostaríamos de saber. Poderíamos tentar trabalhar no caso e
ter a resposta para tudo o que foi escrito; mas de fato, se quisermos
saber mais do que já soubemos através dessa consulta, poderíamos
fazer isso de maneira útil apenas através da análise da criança, no cur-
so da qual o mundo dela se descortinaria diante de nós. Por outro
lado, podemos também deixar o assunto como está. Os pais dividiram
suas ansiedades comigo de uma maneira profissional, e se novos pro-
blemas aparecessem, os pais, naturalmente, tenderiam a voltar para
mim antes mesmo de tentar solucioná-Ios de um modo útil em casa.

114 115
PACIENTE' VI "Rosemary" aos 10 anos (3) O dela, que transformei em uma paisagem.

Esta criança foi vista uma vez, e em sua entrevista pessoal encon_
trou a solução para seus sintomas. Foi trazida por causa de "graves
acessos de depressão". Tinha também dores de cabeça alucinantes
/'i-n
náusea e fotofobia, que duravam dois ou três dias e a deixavam de
Cama. Ultimamente, passou a tornar-se ausente e, paralelamente a
isso, estâva sempre de mau humor pela manhã. /~"y!
lil Todos esses sintomas se esclareceram quando ela chegou a 'de-
senhar os sonhos em que sua mãe era atropelada. r--"··
/~

i
Roserhary é a primeira de duas filhas de uma boa família da .';ij;3 ,'ç. ~\-
'.:"' '~

11I1
I

classe operária. '~5S:;~/~~' .~-:


..3 - =. .'<.
A entrevista foi como se segue. Havia dois visitantes e dois
Assistentes Sociais Psiquiátricos presentes, Este era um caso clínico
de rotina.
Rosernary começou a desenhar e mostrou alguma habilidade. (4) No's dois juntos transformamos o rabisco que ela fez em Bruno,
objeto transicional dela.
(I) Ela desenhou uma garota.

I11
(2) Nós então fizemos o jogo dos rabiscos e ela transformou o meu
rabisco em uma cabeça.

ill

1111"11 1

4 5
/ p,
1I1

1 1
111111
'r' "..I I Este caso foi publicado anteriormente no St. Mary's Hospital Gazette,
(5) Ela prosseguiu, desenhando um objeto transicional anterior. cha-
mado Doggie; ele está quebrado e o desenho mostra isso.
jan./fev. de 1962, sob o título "A Child Fsychiatry Interview".
Seus desenhos originais já não são mais acessíveis. Foram reproduzidos
1I Z
aqui do St. Mary's Hospital Gazette,
Ela disse que o irmão tomou-lhe o ursinho. Seu irmão é bom
e muito bonito. Ela não o odeia, mas brigam muito. Ela queria
uma irmã.
116
117
6

(6) ~ o desenho de seu irmão? 9

Aparentemente, seu pai desenhava figuras com ela, e um pouco


de sua técnica nos desenhos é influenciada de algum modo pelo (9) Um desenho da Cinderela. De algum modo ela é o príncipe,
pai.
embora não quisesse realmente ser homem.

Falou a respeito de sonhos bonitos; mas disse: "A noite passada Um sonho triste seria um pesadelo com sua mãe sendo morta.
eu e duas amigas estávamos na torre esperando para sermos exe-
cutadas."

~
10
~a\\ ~
4"
7 8
(10) Desenho dela. Desenhou este com grande intensidade de senti-
(7) ~ um sonho mau desta espécie? mentos e muito rapidamente, mostrando a mãe sendo atropelada
pelo carro do pai.
Ela disse que aos 5 anos (quando o irmão estava com 3) teve um
sonho horrível, e o desenhou.
Aqui fiz uma interpretação sobre o ódio entre a mãe dela e
(8) Desenho dela. Era uma madrasta malvada, que quebrou o chinelo
ela mesma, o que faz sentido no contexto da situação triangular
de vidro. sendo ela própria a Cinderela. com o pai.
Depois disso conseguiu me falar a respeito de um sonho estranho.

'118 J 19
o
~o.(o Qo
n 0,U "
\,-,.,1 PACIENTE VII "Alfred" aos 10 anos

~cSºc?q;Q Este grupo de pacientes poderia ser completado por um paciente em


que alguma luz foi lançada pela criança na dinâmica de sua gaguei-
ra. Isso não resultou na cura da gagueira, que continuou a se alte-
rar de acordo com as circunstâncias, como é comum acontecer. Pa-

°0 ,00 \j
rece ter sido de grande valia durante o fornecimento do material des-
ta consulta terapêutica, a despeito do fato de esse valor não poder
ser provado em termos do desaparecimento da sintomatologia.
Vi este menino apenas uma vez, e à mãe dele também. Ele ti-
11 nha uma irmã de 6 anos. Foi trazido a mim por causa da gagueira.
Seu pai trabalha no escritório de um hospital de doenças mentais.
Foi encaminhado por um amigo dos pais, mas com o total conheci-
mento e aquiescência do clínico geral. Os pais proporcionavam-lhe um
(11) Seu desenho de um sonho estranho, mostrando bolhas aproxi- ambiente familiar satisfatório. Esta consulta teve que ser realizada
mando-se dela, fazendo um barulho engraçado, como algo esta-
lando no ouvido; elas eram brancas. Este sonho está, de certa
rigidamente no período de uma hora e dez minutos, que era exata-
forma, influenciado pela ficção científica e se liga à idéia de mente o que eu podia oferecer.
cometas e meteoros, que presumivelmente se encontram no espaço. Fui à sala de espera e, certificando-me de que a mãe estava de
acordo, levei apenas Alfred comigo para minha sala e comecei a fa-
Sugiro que essas bolhas brancas que fazem um barulho engra- zer contato com ele, o que foi fácil. Ele e eu tínhamos uma mesa en-
çado transmitem a figura de se estar vivendo "dentro", seguindo-se tre nós e papel para desenho. Quando respondeu a algumas pergun-
uma fase de morte "dentro", que aqui está representada pela mãe tas sobre seu pai e o trabalho deste, a gagueira começou; então per-
morta do sonho. cebi que não devia fazer perguntas, pois se o fizesse ele se esforçaria
Neste caso, o humor depressivo da garota era uma manifesta- para responder e gaguejaria. Assim, não fiz mais perguntas diretas
ção clínica do desejo de morte em relação à mãe, que estava sob re- sobre fatos ambientais, e durante o restante da hora em que ele
pressão. Esse desejo de morte foi experimentado no contexto de for- ficou em minha sala não houve gagueira. Concordou em jogarmos
tes sentimentos positivos para com ambos os pais, que juntos cons- \! eu fiz o rabisco. Expliquei-lhe que no jogo dos rabiscos eu fazia
truíram e mantinham o bom lar onde ela vivia. um rabisco, que ele deveria transformar em algo, e depois ele faria
um outro rabisco, que eu transformaria em outra coisa, e assim o
jogo se desenvolvia. Um jogo sem regras.
(1) Meu rabisco, que Alfred transformou em um rosto. A princípio,
ele disse que parecia com uma abelha. Enquanto desenhava o
rosto, descrevia cada traço. Notei, enquanto desenhava, que a
cada vez que expirava fazia um pequeno esforço. Isso aconteceu
durante tod« o tempo em que estivemos juntos. Casualmente,
falei sobre isso com ele e o gesto se mostrou um traço signifi-
cante.

120 121

11111.11
(3) Meu. Ele o transformou em balões'.•• ~ tudo o que posso fazer",
falou, como se eu estivesse esperando mais dele. (O significado
dessa observação estava oculto no estágio anterior.)

(4) Meu, que ele disse ser uma clave de sol, e que o deixaria como:
estava, sem alterar ou acrescentar nada.

(5) Meu, que elo! transformou em um peixe, ficando satisfeito ao


Iazê-lo.

I 1I

1I :I~~I

(2) Dele, que transformei em um homem de gravata borboleta.

122 123
,
(6) Dele. Ficou muito satisfeito com este, que transformei em uma
placa de sinal de trânsito- (esta erauma espécie de símbolo do
superego, mas não o' fiz delíberadamente: apenas ocorreu-me
de íazê-lo a partir do rabisco que ele fez).

(7) Meu. Falei: "Oh, acho que este é impossível", mas ele disse:
"Eu não acho; acho que vou conseguir fazer alguma coisa."
Então continuou e fez uma parada de ônibus, seguindo a idéia
que eu já lhe dera.

Neste ponto falei sobre ele ser canhoto, e ele disse que sempre
escreveu assim e que segurava a colher com a mão esquerda
quando era pequeno. Mas joga criquete côm a mão direita. "e,
engraçado, não é?", concluiu. (Quando perguntei se alguém já
havia tentado fazê-Io usar a rr:ão direita, respondeu que não.
Fiz essa pergunta em virtude-da teoria de que se uma criança
é forçada a usar a mão direita, quando usa naturalmente a es-
querda, isso causa gagueira, mas parece que a teoria não se
aplicava aqui.)
Ao meu ver, esta seqüência já indica como o contato entre duas
pessoas é feito desse modo, e fiz uma observação de que ele esta-
va agora quase à vontade. Eu fazia anotações no verso das folhas,
que deixávamos cair ao chão quando terminávamos de usá-Ias; há
uma vantagem nessa técnica dos rabiscos, que é a de se ter tempo
para fazer anotações enquanto os desenhos estão prosseguindo, e
os próprios desenhos são uma valiosa anotação.

125
124
(9) Dele, feito com a mão direita. Transformei-o numa bruxa com
uma vassoura e chapéu. Então falou sobre carros de corrida e
sonhos com isso, mas enquanto estava fazendo o desenho, trans-
formou
(10) o meu em uma pista de corrida com uma platéia e pessoas nessa
(8) Meu. Eu disse que achava esse complicado. "Oh, eu não; se ar- platéia. "Sim [ele disse], eu tenho sonhos que assustam. Uns anos
redondar aqui ... ; oh, tive uma idéia. Estou tentando transfor- atrás tive um."
mar num chapéu de mulher; uma espécie de boné. Colocarei
uma cabeça nele." E colocou dentro do boné a cabeça de uma
mulher com cabelos longos.

Um dos objetivos principais deste jogo é atingir a despreocupa-


ção da criança e, assim, suas fantasias e depois seus sonhos. O so-
nho pode ser usado na terapia, já que o fato de ele ter sido sonhado,
lembrado e contado indica que o ·material do sonho está dentro da
capacidade da criança, junto com a excitação e ansiedades inerentes
a ele.

Neste ponto, comecei a falar sobre sonhos. Ele disse: "Oh, eu


sonho com coisas que faço. Vou fazer um rabisco com a mão
direita." Ele parecia satisfeito com a idéia.

126 127
.nino houvesse sido distorcido; e nesse caso eu não encontraria a área
da tensão principal que estava procurando.
Ele disse: "Oh, não, não tem nada a ver com isso. Este foi um
sonho que tive uns anos atrás e que nunca esqueci."

'\
11,

(12) Desenho dele, que ilustra a história do sonho. A bruxa entra


pela janela aberta e o leva para uma toca parecida com uma
Enquanto ele falava, eu estava transformando mina de carvão.

(11) o desenho dele numa espécie de rosto complexo. Ele me dera Contou que quando tinha esse sonho repetidamente estava com
um amontoado de linhas que poderiam ser qualquer coisa, ou 6 anos e meio ou 7. Ele me disse o ano; e que o sabia porque
coisa alguma (ele deliberada mente fez a confusão de linhas e foi quando a família se mudou para uma outra cidade, onde o
olhou para mim enquanto o fazia), então falei: "Isso é uma pai trabalha agora.
confusão, não é?" Ele pretendia que fosse uma confusão, e um
desafio para mim, que o transformei num rosto. Isso ilustra o modo como a avaliação da criança em relação à
história do passado leva o psiquiatra ao período de tensão e lhe dá
Ainda confiávamos na possibilidade de conseguir uma respos- opornfnidade para-um entendimento perfeito.
ta favorável à minha pergunta sobre sonhos. Será observado que mi-
nhas perguntas em relação aos sonhos têm como objetivo uma exten- Falou que a vida era muito boa agora, que gostava de si mesmo,
são de meu interesse ordinário nele ao interesse em seu eu (sell) mais mas que ficou triste ao deixar sua casa antiga, pois ela tinha
profundo. um jardim muito maior; e que não ficava próxima à estrada
principal e por isso tinha mais liberdade para brincar. Agora
perdera toda a liberdade.
,I Agora ele me contou sobre o sonho que teve anos atrás. "Bruxas
que chegavam e me levavam embora."
Neste estágio eu não sabia que ele também estava se referindo
I

Eu disse: "Que engraçado eu ter feito aquele desenho de bruxa." à libertação da ansiedade relacicnada a um fato específico.

,~II~'
I

Neste ponto comecei a desejar não ter feito o desenho da bru- Eu disse: "Talvez a bruxa estivesse levando você de volta para
I i ,I
l
xa, porque a idéia persistia e eu temia que o processo pessoal do me- sua casa antiga, antiga, ou para aquela cidade."
li'
I, III
129
128

i 11~IIIIII
Depois deste. a meu pedido, ele desenhou o seguinte.

·-
, •• 1.

Essa explicação não era significativa como interpretação psica-


nalítica, mas foi um comentário de que a bruxa podia estar tiran- (14) Este é o desenho do lugar para onde a bruxa o levou. a mina.
do-o de uma coisa para outra de modo significativo. Há fogo na mina e a bruxa tem panelas e frigideiras na pra-
teleira; tem um chapéu pontudo e um rabo. Ela pode ser vista
sentada em um banco de três pernas.

Ele então me contou sobre suas duas avós, que já haviam mor- Este é um sonho cheio de símbolos relacionados a mitos e his-
rido, e sobre os dois avôs, que ainda viviam e moravam com eles. tórias de fadas: banco de três pernas, o fogo, o rabo, a bruxa com cha-
Tentei descobrir qual a dificuldade existente na época em que
estava com 6 anos e meio ou 7 e que não conseguia me contar.
péu de ponta; as panelas e frigideiras, indicando alguma coisa co-
Não parecia ter sido muito perturbado pelo fato de ter de deixar zinhando ou sendo preparada, e a escuridão, indicando o incons-
a casa antiga para precisar que a bruxa o levasse de volta ou ciente. A coisa toda vai direto ao profundo material inconsciente, mas
que o tirasse de onde estava vivendo atualmente. Ele foi, contudo, naturalmente não ao mais profundo; o material inconsciente mais
muito claro sobre uma coisa: que esse sonho (recorrente) per-
profundo é indescritível. Tão logo se encontra um meio de descre-
tencia a uma época específica; por volta dos 6 anos e meio.
vê-Ia, deixa-se o mais profundo se reproduzir. A sociedade oferece
nomes, verbalização, conto de fadas e mitos à criança, para ajudá-Ia
Depois me contou um outro sonho que ocorreu nesse mesmo a lidar com medos indescritíveis, que pertencem ao indescritível.
estágio.
Perguntei se a bruxa poderia cornê-lo (por causa das panelas e
frigideiras. o fogo e o resto das coisas). e ele respondeu: "Não
(13) Este desenho ilustra o outro sonho, embora, como ele disse, sei; acordei neste ponto. O problema sobre contar esses sonhos
"Você não pode desenhar esse ... há um monte de flechas vindo é que se tenho um sonho ruim. então acordo". E acrescentou:
de todos os lados ...•• No sonho, ele está sendo girado e girado •.Algumas vezes eu gostaria de que ele continuasse para eu des-
como os ponteiros de um relógio, como se rodasse na" cama. "Não cobrir o que havia de horrível. ao invés de acordar"; e então
foi' realmente um sonho assustador." riu de si mesmo. dizendo novamente que preferia que o sonho
continuasse ao invés de acordar.
130
131
Eu estava sendo convidado a levá-Io até o pior, se ao menos sou-
besse como fazê-Io.
Neste ponto comentei sobre sua respiração tensa. Falei que todo
o tempo em que estava desenhando, embora ele não parecesse
empreender grande esforço, ainda respirava dando essa impres,
são. Reconheceu que isso era verdade. Eu disse: "Gostaria de
saber o que é isso que você tenta fazer com tanta dificuldade
o tempo todo?"

Ele não fazia a menor idéia do que fosse. Falou de sua gagueira.
Disse: "Porque quando me esforço é que gaguejo. Se não tiver
que fazer esforço, então fica tudo bem. E como agora; não
estou me esforçando e nem gaguejando. E como se eu não sou.
besse, talvez, então me esforço muito e gaguejo. E como se eu
não soubesse muito bem sobre algo ... " Mas ele parecia per-
turbado.

Eu disse: "E como se tivesse que produzir vapor! e se esforçar


muito, sem saber porque faz tal esforço."

Para minha surpresa, comentou: "E uma reiteração." (Não sei


onde ele ouviu esta palavra.) E continuou: "Começou apenas
recentemente."

Falamos sobre escola, onde ele se esforçava muito. Eu disse:


"Isto soa, também, como se você estivesse tentando fazer as fezes
saírem." Demorou muito tempo até que conseguíssemos uma
linguagem comum aqui. A palavra "cagar" não era boa. Depois
encontramos o termo familiar "ir ao banheiro", o mais aproxi-
(15) Dele, e ao Iazê-lo estava muito livre, transformando seu próprio
mado que conseguimos para denominar o ato de defecar. (Indi-
cando o padrão familiar de negação dos problemas da fase anal.) rabisco num desenho.

E ele disse então: "Gostaria de parar de ter que fazer esse I! sempre muito satisfatório quando a criança usa seus rabis-
esforço." cos, produzindo um desenho inteiramente pessoal. Tal desenho, fei-
Depois ele fez o desenho seguinte. te pela criança e baseado no rabisco dela mesma, é muito diferente
de qualquer desenho que ela pudesse fazer intencionalmente.

Aqui estava um homem com uma caixa de violino, com uma tira
em volta dela. O pai de Alfred toca violino. Ele ficou muito
contente por ter feito este sozinho, mas não era capaz de usar o
material específico do desenho. Disse a ele: "Se você não se
esforça, uma coisa que tem que fazer é aceitar o risco, e natural-
mente pode ser que nada aconteça."

o contato estabelecido agora chegou ao fim e durou uma hora;


I Isso foi ainda nos tempos de máquinas a vapor. Alfred ficou muito satisfeito e foi para a sala de espera enquanto tive

133
132
uma conversa breve com a mãe dele. Eu sabia que falhara na tenta_
forçado todo esse tempo não por causa de sua própria necessidade
tiva de descobrir a chave, mas tive uma coisa importante que me con.
e me contou que seria melhor não ter que se esforçar? Tem-se esfor-
duziu a ela, isto é, o estado especial de que o garoto estava com 6
çado tanto por causa de seu pai e ainda continua se esforçando para
anos e meio de idade, na ocasião do sonho em que a bruxa o levava
embora. curar seu pai de suas preocupações sobre o trabalho, quando ele não
estava conseguindo desempenhá-Io de maneira satisfatória. Tanto que
Realmente o quarto de hora seguinte foi dramático neste caso.
está sempre ofegante e, conforme me disse, é isso que o atrapalha em
Agora estava vendo a mãe e expliquei-lhe que havia propositadame-.
todo o seu trabalho e na fala, fazendo-o gaguejar."
te aberto mão do tempo para o menino. Fiquei cerca de oito minutos
Nesse ponto chegamos ao fim e ele se foi com a mãe, parecen-
com ela. Pareceu-me uma mulher agradável e alguém que gostava
de ser esposa, mãe, e de cuidar de uma casa. Contou-me que Alfred do estar muito feliz e à vontade.
começara com a gagueira havia pouco tempo. Ninguém o fizera es-
forçar-se demais ou usar a mão direita, e ela concordou com Alfred Entrevista com a Mãe
em que a dificuldade devia vir de dentro dele. Ele conseguira uma
Dois meses depois da entrevista com Alfred, vi a mãe numa entre-
bolsa de estudo recentemente e disse que havia nele uma ansiedade
vista de uma hora. (A evolução desta entrevista tem interesse par-
em fazer tudo bem e se esforçar o tempo todo.
ticular, mas não seria apropriado descrevê-Ia em detalhes aqui e agora.)
Contei a ela que havia formado a opinião de que o menino atra-
Na história do caso de Alfred, obtida da mãe, a atenção foi di-
vessara dificuldades depois que se mudaram da casa antiga para o
rigida para compulsões primitivas na vida dele, incluindo uma for-
lugar onde moram agora, ou seja, quando seu pai mudou de emprego.
ma de movimento erotizado compulsivo, que começou quando AI-
Falei: "Tenho certeza de que devemos procurar saber o que acon-
fred estava com um ano e meio, atingindo sua pior fase aos três
teceu quando o menino estava com 6 anos e meio."
anos. Isso parece ter surgido quando ele começou a andar. Havia vá-
A mãe disse: "Ele contou que nessa ocasião o pai dele teve
rias espécies de atividades compulsivas, tanto que a mãe vivia di-
um esgotamento mental? Como sabe, o pai dele achou esse novo em-
zendo: "Relaxe, Alfred." Agora este impulso tomou a forma de
prego muito árduo e se esforçou muito para se sair bem, tornando-
grande esforço nas tarefas escolares, quando ninguém o pressiona ou
se para ele uma obsessão e depois um caso de agitada depressão. O
espera que ele faça mais de que pode conseguir sem dificuldade. (Ele
pai estava o tempo todo preocupado e acabou indo para o hospital,
Já ficando durante alguns meses." era pressionado na questão de noções de higiene.)
Todos esses detalhes seriam importantes se o objetivo fosse pro-
Expliquei que estava certo de que isso poderia ser a chave para
videnciar uma psicoterapia mais prolongada; a história obtida da mãe
a doença de Alfred. Como só tínhamos mais três minutos, pedi-lhe
dele, contudo, podia não ter dado a chave da crise na vida de AI-
que me deixasse ver Alfred novamente por um momento e depois
fred aos 6 anos e meio. Esta chave, dada pelo menino, permite-me
poderia levá-Io para casa, escrevendo-me uma carta para que eu ficasse
ver que o esforço especial era por causa do pai e pertencia ao esgo-
conhecendo que espécie de reações ele poderia ter com .a visita. Ela
concordou prontamente. tamento mental do pai dele.
A mãe do menino deu-me uma clara avaliação da maneira como
Alfred voltou para o consultório e se sentou. Falei: "Estive con-
a doença do pai de Alfred refletiu nele quando estava com 5 anos.
versando com sua mãe e perguntei-lhe sobre a época em que você
Houve, na verdade, uma crise que Alfred presenciou, e a esta seguiu-
estava com 6 anos e meio, o tempo em que você disse ter pesadelos.
se o hospitalização do pai, sua neurose obsessiva, derivando em
Lembra que foi exatamente quando seu pai esteve doente, com um
esgotamento"? uma depressão agitada. De fato, foi aí que Alfred começou a ga-
Alfred levantou a cabeça rapidamente e estremeceu ao se lem- guejar.
A mãe do garoto contou que quando foi embora, depois de mi-
brar da doença do pai, que havia sido completamente esquecida. Pa-
nha entrevista com Alfred, ele disse: "Sabe? Esqueci completamen-
recia estar imensamente aliviado. Eu disse: "Vê que você se tem es-
te aquela época em que papai ficou doente", e parecia relaxado e
134
135
aliviado. Semanas mais tarde, quando se falou em mim durante uma
Resumo
conversa, ele disse: "Aquele doutot foi ótimo."
A consulta terapêutica descrita ilustra o uso feito da história obti-
Resultado da da criança. A história obtida nesse contexto não significa a cole-
ção de fatos; significa que o psiquiatra entrou em contato com a
Minha consulta terapêutica com Alfred teve efeito tanto nele quan- criança de tal maneira que o processo na criança conduz o psiquia-
111"'1 to na mãe dele. Primeiro: Pouco precisava ser feito? Não havia ne- tra a uma significativa área de tensão.
cessidade alguma de eu fazer qualquer coisa mais. A gagueira deixou
de ser problema e o menino se livrou de sua compulsão em fazer Acompanhamento
esforços excessivos.
III!I Mais um detalhe refere-se ao significado do último desenho. Dei- Sete anos mais tarde a mãe, em resposta a meu pedido, relatou que
xou transparecer que o pai de Alfred possuía um senso geral de a gagueira de AIfred "causa muito poucos inconvenientes hoje em
frustração porque está envolvido com um emprego num escritório dia". Entretanto, em certas circunstâncias, ela ameaça reaparecer, e
de administração, suprimindo sua necessidade criativa. Ele tem um ele diz que não gosta de falar ao telefone.
violino, e a correia em volta do violino representa o fato de o pai Seu desenvolvimento tem sido estável e ele gosta de atuar e
não poder desenvolver seus interesses musicais. Pode-se dizer, assim, dar palestras no Youth Centre (Centro Jovem). Parece não ter medo
que se eu pudesse tirar a correia do violino de seu pai este poderia dos exames para a universidade e planeja seguir Direito.
ser criativo e entraria em contato com seu eu (sell) mais profundo; A mãe acrescenta que ele parece bem equilibrado, gostando de
então, ficando o pai mais feliz, AIfred deixaria de ser ofegante e de bailes e eventos sociais, relacionando-se muito bem com outros de,
exigir demais de si mesmo numa tentativa inútil de compensar o es- sua idade.
forço de seu pai em ser bem sucedido numa rotina de trabalho odio- Não é minha pretensão, naturalmente, que uma entrevista pro-
sa, que é o oposto da criatividade. Não entendera esse aspecto quan- duza tudo isso, que é um misto do processo de crescimento do me-
do AIfred fez o desenho e por isso não tive oportunidade de fazer nino e do cuidado e provisão da família, mas quando ele veio me
este comentário. Entretanto, é necessário que eu o verbalize, já que ver precisava de ajuda e a obteve.
a recuperação da lembrança da doença do pai produziu o efeito de-
sejado. O bom resultado da consulta psicoterapêutica tem durado um
ano, e se novos problemas surgirem, sua mãe o trará para ver-me no-
vamente, como convém no campo limitado da psiquiatria infantil.

Comentário Adicional

A mãe disse: "Sabe? A melhora de AIfred começou não quando você


o viu, mas uma semana antes; de fato, começou no momento em
que eu soube que viria vê-lo." Isso bem! pode ser verdade, e em
psiquiatria infantil é muito comum a melhora sintomática estar rela-
cionáda com a comutação feita pelo pai ou pela mãe, da confusão
desesperançosa à esperança. Contudo, é também necessário para o
psiquiatra infantil ser capaz de realizar o trabalho que se apresenta
na ocasião da entrevista.

136 137
os casos quanto o psiquiatra, e por isso não fica em desvantagem na
discussão. O estudante estaria em desvantagem caso. o psiquiatra ti-
SEGUNDA PARTE vesse uma grande quantidade de informações guardadas nas mangas
é não pudesse dá-Ias em virtude de, problemas de tempo. e espaço.
INTRODUÇÃO Note-se que nesses casos, embora representando todas as espé-
cies de diagnósticos, não. há ilustração da tendência anti-social. A
As consultas terapêuticas descritas aqui, nesta segunda parte, envol- razão disso é que apresento. um grupo de casos que ilustra o rela-
verão os mesmos princípios de técnicas daquelas da primeira parte. cionamento. entre tendência anti-social e a privação. na terceira par-
O leitor que está provavelmente fazendo trabalho similar, será agora te deste livro.
preparado para casos em que os fatos são mais complexos. Certa.
mente em alguns casos os fatos secundários têm maior complexidade.
j III~I~ Entretanto, na elaboração. total de uma família o.U situação. social
parece ter havido um lugar para uma ou talvez três entrevistas em
que é feita a comunicação com uma criança. A comunicação dessa
espécie que estou descrevendo difere da que é feita no ambiente fa-
miliar, como entre filhos e pais e entre as próprias crianças. E, natu-
ralmente, também muito diferente da comunicação que se origi-
na entre as crianças e o professor, na escola.
Em muitos casos outras agências estão trabalhando para ajudar
outras crianças ou talvez os próprios pais, de modo que a consul-
ta terapêutica assim descrita necessita ser encarada como apenas uma
entre muitas coisas que estão acontecendo numa vasta área do traba-
lho. social. Em geral, sucede que os pais se tornam capazes de lidar
com seus próprios problemas e os da família, quando aliviados à
medida que uma liberação nas defesas da criança segue a consulta
terapêutica. Em alguns casos, é claro, não há resultado algum, e isso
geralmente quer dizer que os problemas dos pais ou da família eram
o ponto principal, sendo a criança envolvida em uma situação fa-
milial doente e apresentando. a sintomatologia que; embora sendo da
criança, realmente pertence à família. Todos estes são aspectos co-
muns no. trabalho social que envolve famílias.
11I1 Uma vez mais aqui nesses casos, é ilustrada não tanto uma nova
idéia, quanto um exemplo. após outro de comunicação com crianças,
algumas vezes útil e quase sempre equipando o estudante ou grupo
de estudantes com material para consideração. e discussão. Geralmen-
lil te estão envolvidos grandes pontos que conduzem o estudante a teo-
rias ou à teoria básica tão aceita atualmente, que diz respeito ao de-
senvolvimento emocional do indivíduo em um dado ambiente.
Volta-se a chamar a atenção para o fato de que neste tipo de
apresentação dos casos o leitor, ou seja, o estudante, sabe tanto sobre

138 139
PACIENTE VIII "Charles" aos 9 anos
o caso seguinte ilustra o modo como o entendimento de um detalhe
era necessário. O princípio mais importante sustenta que a criança
~radualmente consegue um senso de clima emocional na entrevista
e se abre. Este menino foi encaminhado por um colega que também
teve uma entrevista com ele, e uma clínica de orientação infantil,
que não foi bem sucedida ao fazer um contato útil.
História Familiar
Irmã 11 anos.
Ele 9 anos.
Irmã 7 anos.
Família intacta. .:I~ I

~~:~
!
~
~~:~
Este garoto se queixava de dores de cabeça e de "pensamentos".
Era sua mente que o estava perturbando e ele começava a ter idéias
'.'~!
Jlt'j
':~'lII
f~~
sobre seu mecanismo de pensamento. Dissera que um pedaço de seu :,~:. !I'!
cérebro estava dominando o resto dele. Começou a fazer promessas i:~i
e tentava cumpri-Ias, mas essas promessas não estavam fazendo di- , I'I
ferença, mesmo quando ele jurava sobre ,á Bíblia.
Começamos o jogos dos rabiscos.
[li ~[!I (1) Meu, que ele transformou em um peixe.

(2) Dele, que era composto de três partes e eu transformei numa


1
paisagem.
1111 [

(3) Meu, que ele transformou no que chamou de garota "porque ti- ..
'

nha uma saia". "Provavelmente é minha irmã [de 7 anos]." Fa-'


II
lamos sobre garotas e eu perguntei se elas' estavam satisfeitas por
1 "li serem garotas. Ele disse: "Não, eu não gostaria de ser menina.
Brigamos muito." Enquanto dizia isso, respirava com dificuldade.
Prosseguimos: "Há uma regra que diz: 'NÃO BATA EM MENI-
NAS!', mas isso não se aplica quando estou brigando com minha
11
irmã." Falou sobre ter uma governanta que lhe daria lições e
sobre não ir à escola. Este foi um arranjo feito por meu colega ' .
com base em apurada investigação quando o viu. Estava satisfeito •:lJ
por ter essas férias da escola, embala gostasse de nadar.
:I'i
(4) Dele. Enquanto desenhava este rabisco, falava sobre lutas e como ii
elas não aconteciam quando tinha apenas uma irmã com ele. Só "
quando Os três estavam juntos é que as brigas começavam.

140
141
(5) Meu. Ele o transformou em montanhas com bases de lançamento.
Há uma grande plataforma. Ele gosta de foguetes, mas estes são
muito secretos e por isso ele terá, provavelmente, que voar em
um avião, ao invés de foguete. Falou: "Gosto de navios de
guerra", e falamos sobre guerra. No seu quarto desenhava com
giz no chão.

Na ocasião eu não tinha noção de que ele já estava falando so-


bre sua mente.

Há quatro ou cinco nacionalidades e uma porção de campos mi-


nados e pequenas estradas, uma de cada nacionalidade. Ele des-
creveu as dificuldades de um detector de minas e a guerra em
que cada nacionalidade tem que conseguir voltar à base, ou talvez
não deva haver estradas. Conseguiu centenas de soldados, mor-
teiros e granadas, e enquanto ..descreve seu jogo ele faz todos os
sons apropriados, pertencentes ã-e'stes e aos rifles. Ele tem um
granadeiro com 'utna bazuca. Dos russos, apenas um tem mor-
teiro. E assim por diante.

(6) Seu desenho deste jogo, que ele faz no chão de seu quarto.

142 143
conscientemente um diagrama de sua mente.

Nessa ocasião havíamos chegado a uma comunicação que ele ne-


cessitava fazer, mas que não podia, exceto para uma pessoa que
entendesse que esse diagrama no chão e seu jogo de guerra eram
para ele o diagrama de sua mente.
ContÍnuamos com os rabiscos.

'.
I~
+:;
Usei -o material de seu desenho, unindo-o com sua primeira ob- ;~
servação sobre sua mente. Disse-lhe quase dogmaticamente que ele
me estava dando um retrato de sua mente com os vários comparti·'
mentos. A mente representava todos os não devo, e no jogo o mau es-
tava atacando o bom. De uma maneira muito natural, ele me ajudou
com esta interpretação. Ele disse: ":e como um interruptor, e quan-
do está ligado tudo se move." E acrescentou: "Somente uma parte
pequena do cérebro tem o controle dos membros." Ele se sente con-
trolado por essa pequena parte quando é ligada.
(7) Um outro desenho do mesmo jogo e também, como ele pretendia

(8) Meu. Ele disse que era como um 8, um 7 e um 9 tal••oe.n.


Lembrei-o de que ele dissera gostar de ter 9 anos, mas falou que
14 seria melhor, pois deixaria a escola nessa ocasião. Ele conse-
guiria um supercarro. Não estaria trabalhando. Que seria a me-
i .;1111 lhor época da vida, "ou possivelmente aos 16, assim eu poderia
brincar". Começou então a falar na vida escolar. "A escola éde
9:30 às 12. Devia ser 4 horas de brincadeira. A gente só tem
4 meses de férias, comparados aos 8 meses de escolá o ano todo."
I Parecia muito preocupado com esse pensamento, o .pensamento
"
da brincadeira obstruida.

144
145
Pode-se daí concluir que aqui está um menino cujo intelecto po-.
dia ser explorado. Poderia ser um pouco auxiliado se lhe dessem opor-
tunidade para brincar, mas a questão é saber se ele conseguiria brin-
car e deixar de lado o mecanismo de sua mente.

®
)t .~
'I ••

=:~
i:: .~
, "
~\~

(11) No entanto conseguiu fazer a forma da cabeça e o cabelo para t:t


trás. A mulher assustadora tinha cabelos longos e negros. "Sim, ti:
tl~!
poderia ser mamãe."
~:~
"
.
t
~

(9) Dele, que transformei em um animal correndo, e ele disse que


era alguém fugindo da escola.

Perguntei-lhe então sobre sonhos. Falou que tinha uma porção


e que eram em cores. "São todos horríveis e alguns são mais
horríveis ainda. Há uma aranha muito colorida que mais do
".
é

que horrível."
"
(10) Disse-me para desenhar um mosquito e depois desenhou algo em
cima dele, que teria cores muito vivas no sonho; uma aranha
gigantesca ou um pernilongo. Estava muito ansioso ao falar nes-
sas coisas. Contou-me sobre seu medo de pernilongos e aranha.
"Quando a gente está fora de casa elas podem ser venenosas. :11
Não me importo com as pequenininhas, mas algumas têm corpos
grandes e asas, e são estas que aparecem nos sonhos. Algumas I'i
vezes, entre o despertar e o fim do sonho há um flash e então ~
há alguém olhando para mim. :B sempre a mesma mulher e aí eu I

acordo. ~ esquisito. Não posso desenhá-Ia." I

147
146
(12) Seu rabisco, que parecia um pênis ereto, mas ele o transformou
primeiro em um dedo e depois em um avião. Falou: "Não está
bem desenhado." O rabisco era tão parecido com um pênis ereto (14) Meu, que ele transformou em uma bomba.
que eu lhe perguntei sobre seu órgão, e ele respondeu: "Fica
esticado." E acrescentou: "Não posso falar sobre isso." Pergun-
tei-lhe se já havia falado sobre seu pênis e ele respondeu: "E a
primeira vez em toda minha vida."

'0;,

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.-; ..
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~:~
~~
~
~, ~
.
'" ~
~: "J

,
(15) Dele. Fez rabiscos confusos quase deliberadamente e continuei "
com a interpretação que comecei anteriormente. Falei: "Isto no-
vamente representa sua mente. O outro desenho da mente era
uma tentativa de organizá-Ia em compartimentos, quando o pro-
(13) Dele, que foi rabiscado deliberadamente, e que transformei em blema realmente é que você está em uma confusão." (Estado con-
algo como um avião, deixando sua idéia consciente perseverar. fusional agudo). Concordou com isso e disse que quando começou'
a ter sentimentos e pensamentos era estranho. Pediu ao pai que
contasse à mãe e depois ela contou ao médico. Disse saber sobre
a confusão que ele dividia em duas partes. A parte perdedora é
maior. Todos os pensamentos estão na parte vencedora. A parte
menor está no controle dos membros etc. (alguns detalhes se per-
deram aqui, e de qualquer modo ele tinha uma teoria variável).

Minha vontade era ele saber que o grande medo que ele carrega
consigo é o de ficar totalmente confuso. Coloquei um círculo
em volta dos rabiscos e disse que era. como espaguetes que eu "
havia preparado para o almoço. Ele estava ávido para continuar
e disse: "É a minha vez de rabiscar de novo."

(16) Dele, que era "uma confusão terrível" e eu transformei no rosto "
de um homem. Ele disse que era Sir Walter Raleigh. Aqui, em \
um sentido, eu estava oferecendo a segurança de uma distração. "
Entretanto, ele e eu estávamos ambos em contato integral com
o tema central da confusão e eu o estava ajudando a reconhecer
li
e chegar a um termo com o estado confusional agudo que é sua
forma de ansiedade inconcebível, algo que o ameaça constante-
mente.

148
149
(17) Fiz um rabisco confuso de propósito e ele o ~ corno uma letra
chinesa, e assim novamente estava fazendo alguma coisa de um
rabisco confuso. Falou: "Eu poderia tê-lo transformado em espa-
guete, mas assim estaria copiando o que você fez no n," 15."

Perguntei-lhe sobre sonhos confusos. Ele .começou a contar um


sonho, mas bocejou como se estivesse exausto. Disse então: "Um
sonho como aquele em que eu estava caminhando perto da es-
cola. Uma onda violenta veio e me atirou dentro d'água. Gritei
por socorro. Gritei 'Llewellyn' duas vezes. Era o nome de outro
garoto no sonho." E acrescentou: "Não vi a mulher que aparecia
entre o fim do sono e o despertar!" Isso era importante para
ele, pois a mulher aparecia com persistência em' seus sonhos as-
sustadores. Explicou que a mulher estava no sonho da aranha.
Depois fez um comentário: "Talvez eu estivesse com 7 anos, ou
era mesmo mais novo, quando tive esse sonho e a mulher ainda
não aperecia."
Foi muito fácil no relacionamento perguntar-lhe aqui se os so-
nhos pertenciam a excitação sexual, masturbação, ereção e coisas assim,
e ele disse: "Não, não,"

151
1.5t
- I
~:
:: :
" : 1
i~:
,
~ 1
(18) Dele, e eu o transformei em um gato. Esse o levou a falar sobre ~.
I
o aniversário de casamento de sua mãe, porque coincidiu de ser ~;
" ., ~
'~

o aniversário do gato.

(19) Meu. Ele 'o transformou no que chamou de arte moderna.

(20) Dele, que ele mesmo transformou em um helicóptero, Disse que


era um pote, antes de o transformar em um helicóptero. Talvez
fosse a sua necessidade de sair do pote que me fez perguntar se
ele urinava na cama, ao que respondeu: "Sim, eu urino, porque
no sonho eu estou indo para o banheiro. Urinei na cama uma ou
duas vezes assim." (21) Meu, no qual ele pareceu encontrar dificuldade. Falou: "Vou
tentar." Após rabiscar a parte de cima do papel, desenhou Ena
Sharples, do Coronation Street (seriado de TV). O ponto sobre
Ena Sharples era, como explicou, que a amiga dela havia morri-
do e ela estava triste. Alguém estava tocando piano muito mal-
humorado. Ele havia, agora, atingido a idéia de mau-humor e
esta chave lhe trouxe a lembrança de uma cozinheira que tinham
em casa e que era muito ruim para todos, até para a mãe dele.
Essa cozinheira, evidentemente, quebrou alguns dos brinquedos
das crianças, incluindo a máquina de calcular de sua irmã. "Me-
ninas perdem a paciência. Elas me dão nos nervos." Então come- Ir
çou a descrever o modo como sua irmã forçava as pessoas a fi-
carem do lado dela. Ele disse: "Ela inventa castigos como esses:
o macaco morrerá se você não... e o macaco morreu de pneu-
monia."
li
Observei que ele muito facilmente se via familiarizado com o
conceito de que a mulher tem poderes mágicos como as deusas.

152 153
....•
Continuamos com nossa experiência de jogar juntos, e depois, no
(17), após me contar o sonho, fez uma observação de que a mulher
não estava lá quando teve esse sonho e quando despertou. Ele ago-
ra pôde localizar o sonho, "7 anos ou mais novo", e "antes de a
mulher aparecer".
Ainda não consegui entender e fui adiante como se não hou-

vesse escutado. t1'\1


Agora, 'no ~~2'i), usando o material de um seriado de TV, encon-
rrou a idéia da cozinheira mal-humorada, alguém que era desagradá-
vel até para sua mãe e que lhe parecia como uma bruxa de verdade .
. ' Acabada a entrevista, pude falar com a mãe sobre essa mu-
lher que perturbou seriamente a vida da família e teve de ser man-
I:
,.
dada embora. Charles colocara o problema corretamente no tem-
i!!
po: antes de ele ter 7 anos. 1'::;
Só após a entrevista vi que o estado confusional agudo-estava
I:
relacionado com a presença dessa mulher, que era uma bruxa do • I ~~1

ponto de vista dele, e especificamente quando ela estava presente na I'~:


hora em que ele despertava de um sonho, sobretudo um sonho exci-
""
tante,produzindo ereção ou uma forte necessidade de urinar (ver ma-
~!
terial do (12) e do (7). A confusão estaria entre o material do so-
nho e a experiência de vida quando desperto.
Isso propicia um interessante comentário sobre a dificuldade uni-
versal em seres humanos que está associada com o despertar, um as-
sunto que merece estudo da espécie que se faz à mais óbvia dificul-
dade na hora de ir dormir, exatamente lá onde o que chamo de fenô-
Quando este terminou, apareceu um tema secundário que teve
meno transicional tem importância. (Este tema do despertar é abor-
importância principal. Ao falar sobre o assunto do rabisco n." 10,
dado no próximo caso, o de Ashton.)
ele se referiu a uma qualidade especial de sentimentos que podiam
Senti que havíamos chegado ao fim do que podíamos fazer jun-
pertencer a momentos entre o despertar e o fim do sonho. "Há um
tos nesta consulta única, mas, como havia mais tempo, abordei-o sobre
flash, e depois alguém olhando para mim, E sempre a mesma mulher
e depois eu acordo. É esquisito! Não posso desenhá-Ia." Eu não
fazia a menor idéia de qual poderia ser o significado ou a importân-
o assunto que chamo de objetos transicionais.

(22) Ele agora desenhou seu "querido ursinho". Disse: "e fácil de-
'.
cia dessa parcela de aguda auto-observação. No (11) conseguiu captar senhar este." Contou-me que sua mãe tinha medo de que o
alguma coisa do que viu - a forma da cabeça e o cabelo para trás, arame que prendia os olhos pudesse machucá-Io e o arrancou, I1
e era por isso que ele não tinha olhos. Entretanto, falou que
Longos cabelos negros. ' era muito novo na ocasião e não percebeu que não havia olhos
No (15) a idéia de um estado confusional agudo apareceu, J:-;ago- no brinquedo. Contou-me também sobre um urso de pelúcia "i

ra vejo que essa ameaça estava associada com o medo de perder.a grande, que seu pai parece ter guardado e que tinha uma perna I'i
só, e o desenhou ao lado do seu. Falou-me também sobre uma
impressão do fato e a seqüência no sistema da memóriade qual o
de suas irmãs e a mania dela de animais pequenos e de como
I
sentido que poderia ser feito de alguma coisa que não podia ser enten- algumas vezes ela adotava seu ursinho. Em outras palavras, ele
dida por ele na época. sabia que estávamos falando sobre confortos que são obteníveis

155
154
Estive com sua mãe por alguns minutos e soube que meu colega
em momentos de tensão, tais como quando alguém está passando já havia sabiamente arranjadopara que Charles tirasse umas férias
do estado desperto para o dormir.
da escola.

História Subseqüente

No curso dos seis meses seguintes vi Charles mais quatro vezes, mas
a primeira entrevista continuou a ser a mais significativa, após o
que os pais se tornaram mais preparados para lidar com a vida de
Charles e depois encontrar a escola certa para ele.
Quatro anos mais tarde, Charles estava com 13 anos e tive notí-
cia de que estava indo bem numa escola pública. É necessário para
mim omitir detalhes referentes ao excelente progresso feito por Char-
les, contados pela sua família e pelo médico da família, após meus
significativos contatos iniciais com ele. Do ponto de vista dos pais,
o que todos eles fizeram subseqüentemente dependeu em grande parte
da comunicação de Charles comigo nessa primeira consulta psicotera-
pêutica e da redução da história de ameaça de confusão mental aguda.

A revista escolar publicou recentemente um poema desse menino,


que tive permissão para reproduzir a seguir:

'I have to live'"


I] have to live,' they decIared,
'But l don't want to live,' I said,
'They dragged me jrom the pond,
Gave me liie,
But I want to die.'
'Nowadays everybody lives:
Antes de pararmos, falamos um pouco sobre o seu relaciona- IWhat's wrong with dying?' l saído
mento com o pai. Aqui ele foi muito definitivo. "As duas meninas de-
'Everything; they said,
viamr deixar o papai para mim. Elas têm uma à outra." Ele obvia-
1]t'S nothing, blackness, evil, they saiâ.
mente se sentia muito carente em termos do pai.
Então passou para uma nova versão das deusas malignas. Des- 'But it isn't, I said,
creveu como uma de suas irmãs chantageava o dia todo por ter per- I] want to die, l've done ali I neeâ,
dido o cachorro. Ela poderia chantagear com qualquer coisa como dor Here I am a hindrance,
de ouvido ou algo assim. Sua afirmação final foi: "Eu devia ter a There, dead, I am gone.
maior parte da atenção de papai e não tenho. Isso é terrível." l have [uliilled my purpose,
157
156
I want to see God,' I said. PACIENTE IX "Ashton" aos 12 anos
'What is God?' they said.

o próximo caso que desejo apresentar proporciona o exemplo de


uma consulta terapêutica que se desenvolveu por. seu próprio movi-
mento, e o menino e eu chegamos a lugares e situações surpreenden-
\
tes. Houve um resultado significante nesta consulta em que o meni-
no, que estava ficando cada vez mais bloqueado em seu desenvolvi-
mento emocional e desenvolvendo uma personalidade esquizóide, foi
capaz de progredir em seu desenvolvimento. Tanto em casa quanto
na escola ele agora poderia ser ajudado.
• . Nota do Tradutor: Neste caso, uma grande parte dependeu do resultado da consulta
terapêutica. Não houvesse esta sido efetiva, seria necessário que se
Ir
.•..
~
l
;.;,
~:
i
.. t

~I "

tirasse o menino da escola e do bom ambiente familiar, para ser


"TENHO QUE VIVER" então cuidado por outra pessoa, vivendo constantemente ao lado de
um psicoterapeuta. A carga do caso seria pois muito pesada para
"Tenho que viver", eles declararam, ser suportada pelo psiquiatra e por uma escola especial, e natural-
mente paga pelos pais, que não entenderiam por que coisa estariam
"Mas eu não queria viver", eu disse, pagando. De fato, o menino utilizou a consulta de um modo produ-
tivo e se transformou, sendo agora capaz de utilizar a ajuda que
"Eles puxaram-me da lagoa, estava realmente acessível. Os pais poderiam facilmente pagar o tra-
Deram-me vida, balho feito por mim e estavam encorajados e verdadeiramente satis-
.Mas eu queria morrer." feitos em se encontrar eles mesmos em uma nova posição, sendo
capazes de oferecer ajuda efetiva ao filho e de receber cooperação
.'"Hoje em dia todos vivem." da escola.
"O que há de errado com morrer?" eu disse Caso se tentasse dar um rótulo psiquiátrico a este caso, poder-
"Tudo", eles responderam, se-ia pensar em termos de esquizofrenia incipiente, mas há um limite
"E o nada, a escuridão, demônio.", eles disseram. à validade de se rotular casos em psiquiatria infantil e especialmente
em se rotular crianças em estágios próximos da puberdade e no iní-
"Mas não é", eu disse, cio da adolescência. A qualidade esquizóide do caso desapareceu
"Queria morrer, fiz tudo o que eu desejava, rapidamente do quadro clínico na nova fase que se seguiu ao trabalho
Aqui sou um estorvo, que eu e o menino fizemos juntos. Esse trabalho, como de costume,
Lá, morto, eu continuarei. consiste em pouco mais do que a comunicação, comunicação esta
Realizei meu objetivo, ". em todos os níveis, incluindo um nível muito profundo, comunicação
Eu queria ver Deus", eu disse. feita possivelmente pelo desenvolvimento gradual da confiança do
menino na qualidade do ambiente profissional que encontrou em
"O que é Deus?" eles disseram. minha sala.

158 159
Ashton me foi encaminhado pelo seu clínico geral, que escreveu:
... excepcionalmente inteligente, mas infelizmente com muitos dos
obstáculos inerentes a pessoas que se aproximam da genialidade.
E muito irritável, nervoso e preocupado com sua saúde. Inva-
riavelmente fica doente e tem febre antes de ir para a escola.
Recentemente ele desenvolveu espasmos habituais e tem sido mui-
to difícil de lidar em casa. Além do mais, tem tido grande
dificuldade para dormir e muitos problemas com pesadelos ...
a opinião .dos pais ao lidar com a situação é oposta ...
Primeiramente vi Ashton (exceto por uns poucos minutos quando
~vi ao lado dos pais). A entrevista durou uma hora' e meia. No
final, vi a mãe por dois minutos, explicando apenas que eu não havia
falado com ela porque tinha que dar todo o tempo ao menino. •..,.
Ashton confirmou-se uma pessoa muito excepcional, como a des-
crição no curso da entrevista mostrará. Ele tinha uma irmã casada j ;

e com dois filhos, o que o tornava tio.


Nota: Dei o mínimo de informações para manter o paciente
adequadamente encoberto. Inevitavelmente, uma grande parte se per-
de por Isso, mas os traços principais da comunicação do menino per-
I:'
manecem claros. ~
Não foi difícil formar um contato. Rapidamente tive a evidên-
cia de que de fato este menino possuía inteligência elevada, e na ver- (2) Transformei o dele numa cobra com um encantador de serpentes.
dade isso também se aplicava aos pais do menino e à sua irmã. Ar- (3) Transformou o meu em um peixe engolindo uma tartaruga ou
rumei o papel em frente a nós e começamos a fazer os rabiscos. uma grande água-viva. Ele estava se divertindo muito com os
rabiscos, que pareciam significar alguma coisa especial para ele.
(1) Ele transformou meu primeiro rabisco em um peixe.

'i
II I
i
160
16\
(4) Transformei este numa espécie de cachorro.

(5) Transformou o meu em um coelho sentado.

(7) Transformou o meu em um tronco caíao.

(6) Fiz deste um rosto.

162 163·
II[
(8) Fiz do seu um símbolo de libra.

(9) Fez um abridor de garrafas do meu.

I I

(10) Transformei o dele numa espécie de figura ou boneca e a partir


disso discutimos objetos que as pessoas. levam para a cama
para fazer-lhes companhia': Ele me falou que teve dois ursinhos.

(11) Transformou o meu em uma cabeça de peixe, como bma que


ele vira em um anúncio comercial.

164 165
Houve aqui uma pausa, e ele relembrou como, através da física,
Neste ponto pude introduzir a idéia de sonhos. "Quando está fizera uma máquina "que se supunha produzir figuras de areia
sonhando, você vê coisas como esta (cabeça de peixe)?" se se fizesse barulho". Continuou a descrever uma coisa que
disse ser muito assustadora. "Virei-me na cama e vi as cortinas
Então ele desenhou. se mexendo para dentro e para fora. O pior foi que no sc nho
as cortinas estavam fechadas, mas quando acordei, percebi que
não estavam." Depois disse, como que fugindo do profundo
significado do sonho: "Sonhos, você sabe, são geralmente gover-
nados pelos acontecimentos do dia anterior. Por exemplo: a luz
do banheiro apagou, por isso, na noite seguinte, tive um sonho
em que a luz do banheiro se apagava."

Desse modo mantinha sua linha de fuga aberta. Depois falamos


sobre música e pintura como uma forma de manter controle sobre
alucinações.
~:
Falou então: "Recentemente fiz um abstrato; era antes uma pin-
tura complicada, mas tentarei mostrar-lhe." Neste ponto desenhou t ~.,
.' '11
~,
(13) um detalhe de sua pintura abstrata que escolheu para me mostrar. " ~if; !

: ~:!
'i ~ i.
(12) Um detalhe de um "sonho estranho, muito difícil de descrever
ou desenhar". E um fantasma e se movimenta. "Ele me amarrou
com pedaços de barbante. Quando parti o barbante, ele olhou
para mim com uma cara horrível."

De um modo difícil de explicar, Ashton agora assumiu a entre-


vista. Falou de uma maneira altamente sofisticada, como uma pessoa
muito mais velha e erudita. Ele operava, por assim dizer, através do
intelecto e tinha uma rápida compreensão de conceitos intelectuais
e da relação entre idéias.
Ashton continuou a falar sobre seus sonhos e sobre sons desagra-
dáveis. "Não se pode desenhá-los; era como se a casa estivesse
desabando." "Uma vez tive uma experiência horrível. Estava na
cama e como não conseguia dormir, fiquei ouvindo música; quer
dizer, executando uma sinfonia de Beethoven em minha mente.
Devo ter adormecido, pois quando há uma pausa na música o
próximo movimento vem como um estrondo, em lugar da música
suave que se esperava." Isto lhe parecia um estado de coisas
muito assustador e estava muito claro para mim nesta ocasião
que a música significava muito para ele, por causa do modo
com que esta se forma de sons caóticos e desorganizados. Para
ele, a música despertava alucinações.

16
166

______________ ,.. -1,


(14) Esta é a pintura abstrata completa, e sei que não teria captado Depois fiz uma outra interpretação. Falei: "Esta pintura, que foi
o traço significativo por mim mesmo.' o estímulo para o sonho, teve um significado para você relacio-
nado com o amor que sente por sua mãe e que incluicaracterfs-
ticas primitivas como comê-Ia. O monstro, de fato, é você mesmo."
Expliquei que o objeto no abstrato podia ser o busto ou o bico
da mamadeira e que a aceitação e recusa simultâneas poderiam
ser um conflito nele (Ashton) por causa da necessidade de pro-
teger a mãe de ser comida e destruída e por causa de seu amor
primitivo por ela.

Esta era uma interpretação longa para ser feita e dificilmente eu


poderia esperar que fosse entendida. I"

Para minha surpresa, Ashton disse: "Entendi perfeitamente o que


você está dizendo, mas isso é novo para mim." Depois conti-
nuou a descrever como assistia a seu sobrinho tomar a mamadeira. "

Percebi que não falou sobre amamentação no seio (ou não havia 1
assimilado o conhecimento) e estava muito satisfeito de ter a •
chance de discutir o assunto com alguém. Como se para encerrar
"''11
11I' i

~"
o assunto, acrescentou: "Isso me lembra uma história que papai ,I i,
,
contou a alguém e não pude entender por que a acharam engra-
çada. A história era que uma criança pequena havia dito: 'Se
gosto de alguma coisa,' eu a como.'"
Aqui me senti encorajado a continuar conversando, por causa de
sua excepcional compreensão de idéias, e disse-lhe tudo o que sabia
Ao aparecer, foi esta a coisa principal na entrevista. Senti que sobre a teoria do sadismo oral e relacionamentos objetais primitivos,
ele me havia confiado alguma coisa sagrada; dera-me a chave de seu incluindo o começo do sentimento de culpa originado da crueldade
abstrato, embora um abstrato seja, por natureza, um lugar secreto e dos sentimentos primitivos de amor. Eu sabia queele estava inte-
oculto, bem como uma demonstração de uma constelação na mente ressado e que estava explorando minha pequena conferência.
do artista. Senti-me desafiado nesse ponto. Algo era esperado de
mim. Por isso aventurei fazer uma interpretação, esperando que pu- Ashton agora estava ávido para se comunicar livremente sobre
desse estar de algum modo correta. Sabia que deveria falar em ter- coisas que lhe interessavam. Falou-me sobre um sonho em que
havia um fantasma na casa. Para se livrar do fantasma, usou
mos do mecanismo mental primitivo e disse: "Isso pode ser a repre- uma fórmula mágica, sobre a qual foi capaz de me contar com
sentação da aceitação e recusa simultâneas. ''2 exatidão. Algumas das palavras eram familiares ("invisível", "es-
púrio", "maduro"); outras eram palavras inventadas. Não pude
Ashton ficou muito entusiasmado com essa interpretação. Excla- fazer ianotações exatas dessa fórmula. '
mou: "Quando desenhei esta figura, não tinha a menor idéia
que pudesse significar alguma coisa. Sei que isto tinha a ver Depois me contou sobre um sonho mais antigo em que havia
com uma figura que vi no dia anterior, de um monstro com um carro dirigido por um homem. "Havia um outro homem' no
uma mulher na ponta da língua." carro, na frente ou atrás, e um homem atacava o outro. Corri
para ajudar. A coisa assustadora foi que percebi que os dois ho-
~ mens eram eu mesmo."
I Os pais me mandaram este num encontro posterior.
2 Eu poderia ter continuado, dizendo que o objeto é ele mesmo, entre as Eu sabia. que isto fora lembrado e contado especificamente para
atitudes de oposição dos pais - ver a carta do médico que o encaminhou. que eu interpretasse.

168 169
o que eu disse foi: "Que você consegue sair escrupulosamente Precisei terminar essa uma hora e quinze minutos de entrevista
da briga entre você e seu pai, quando ambos amam sua mãe. porque eu estava exausto e porque parecia pouco provável que ter-
Você é o pai e ele é você. Cada um perdendo a identidade minasse por processos normais. Ashton estava quase pronto para ir
separada, mas vocês não têm que se matar um ao outro."
e se via obviamente satisfeito com o que sucedera.
Poderia dizer que isso era o que ele queria pelo modo como
continuou a me contar outro sonho de anos passados, um sonho de
Procedimento Subseqüente
uma passagem de nível.
Ele disse: "Um trem atravessou uma passagem de nível e matou Quatro meses mais tarde, Ashton teve sua segunda entrevista comigo.
um animal." Ambos nos comunicamos novamente através do jogo dos rabiscos, I"
mas não surgiu nenhum traço significativo no jogo. Essa entrevista
De meu ponto de vista, o simbolismo aqui está claro. Era um foi necessária por causa da necessidade do paciente de conhecer mi-
sonho de perigo para a criança de relação sexual entre os pais. Não nha real dimensão. Em outras palavras, não posso fazer coisa alguma
disse com alguma. exceto com base na chave oferecida pelo paciente, e nesse tipo abor-
Prosseguiu, fazendo seu próprio comentário, que deu as carac-
tivo de sessão o paciente consegue se livrar da idéia de que sou um
terísticas e estrutura de sua própria organização de defesa. Falou: mágico.
••Agora posso ver que coisa importante foi a morte do animal, Os pais vieram para uma longa entrevista e mostraram que, a
mas o que eu lembrava até então não era a morte do animal, despeito do fato de que cada um tinha elevado nível de inteligência,
mas o barulho do trem se aproximando; e depois me esqueci
não entendiam profundamente o que estava acontecendo com o seu
disso e me lembrei da música que .mantinha o barulho distante,"
filho. Fizeram bom uso do que lhes contei sobre a entrevista. Também
Havia aqui uma clara afirmação de música misturada ao barulho, me forneceram muitos detalhes importantes que não podem ser pu-
e barulho lembrado em negação da morte do animal (criança). Aqui, blicados aqui devido à necessidade de manter o paciente irreconhecí-
morte significa concepção. vel. Felizmente, não é necessário que eu forneça esses detalhes adicio-
nais pois não se trata do relatório de um paciente, mas da descrição
Juntos, Ashton e eu ligamos esse barulho com o som que ele de uma entrevista psicoterapêutica na qual coisas significativas acon-
conhecia, dos pais tendo relações sexuais. Isso me conduziu à
exploração adicional do antagonismo entre filho e pai. Em seu teceram e conduziram a um afastamento dos principais sintomas do
curioso modo formal explicou: "O filho tem ciúmes do relacio- menino e do bloqueio essencial que o impedia de se adaptar à família
namento adulto do pai com a mulher ou é o ciúme pcterno da e à escola.
possessão infantil da criança pela mãe e sua intimidade com ela?" Uma descrição completa, se pudesse ser feita aqui, mostraria
E acrescentou: "Acho que no meu caso a ênfase está na segunda
dessas duas alternativas." Então reconstruiu a posição da criança Ashton como um menino que (como afirmei no começo) tinha muitas
na cama entre os pais: "Até um certo estágio, a criança teria a das características de uma personalidade esquizóide, e que é um
posse de sua mãe; depois, após um período de tempo, o pai quase-gênio. Ele estivera degenerando antes da data da consulta, e
reassume seu relacionamento adulto com ela e a criança é eli- após a primeira entrevista progrediu em todos os aspectos, e sobre-
minada, como foi o animal, no sonho do trem e da passagem tudo na forma artística em que é criativo, a música; principalmente,
de nível."
parou de ter seus acessos febris que o impediam de ir à escola regu-
larmente; fez excelentes progressos escolares, sendo em todos os
Há-de se concordar em que a habilidade deste menino em apa- I
nhar as idéias e desenvolvê-Ias é fora do comum. Mas isto não é ape- aspectos mais adiantado do que sua idade. I
nas um exercício intelectual, como se pode deduzir do fato deI a Nessa espécie de caso, a entrevista não pode fazer nada. Na
entrevista ter causado um profundo efeito em sua total estrutura de melhor das hipóteses, ela retira o obstáculo que está obstruindo o 'I I
desenvolvimento do paciente em determinada área. Aqui a crescente I'
personalidade, retirando dela suas qualidades bizarras.

171
170
compreensão dos pais acompanhando-me e fazendo-os saber como de- No final desse período conseguiu tocar um movimento de Beethoven
viam usar o tempo que tiveram comigo foi de especial importância. num concerto de piano na escola, saindo-se muito bem.
Muito importante neste caso foi também o esforço da escola especial Na verdade, Ashton rapidamente se igualou aos outros meninos
para entender e tolerar a luta pessoal deste menino diferente e apre- na escola, não sendo mais separado deles por suas diferenças e pe-
ciar seus talentos especiais. culiaridades de personalidade. Seus interesses em música se desen-
Os pais se sentiram aliviados com a possibilidade do tratamento volveram e pode-se dizer que lhe restou apenas um sintoma, o da
do caso ainda com o menino vivendo em casa. indecisão quanto a carreira que gostaria de seguir - se a de músico
executante ou a de compositor.
Seis anos mais tarde, Ashton pediu para ver-me novamente. Era.
Resumo do Caso
então, um aplicado estudante de música. Provavelmente já não se
a) Caso de um menino de 12 anos, apresentando clinicamente lembrava de qualquer dos detalhes da primeira entrevista. O que me j"

personalidade esquizóide, com bom ambiente familiar e trouxe foi um conflito; o mesmo que lhe ficou na época em que era
contando com a cooperação da escola. Altamente inteli- um menino de escola: se deveria ser músico ou compositor. Tudo o
gente. que fiz na ocasião foi lembrá-Io do germe desse conflito, já evidente
b) Fase preliminar do jogo. quando era apenas um menino, e no próprio material da consulta ,"

,
c) lmaginação conduzindo ao sonho. terapêutica inicial. Do meu ponto de vista, esse conflito estava pre- \

"
d) Sonho conduzindo ao relato de alucinações visuais e audi- sente em seu pesadelo, no qual ele era tanto o motorista de um carro '! ! .
,

.
~,
,11
tivas. como o "eu passageiro, e na incerteza de saber quem era mais maduro, ~, I
,
e) Segunda fase, na qual o menino arriscou a exposição do se ele ou o pai. Fiquei satisfeito ao deixar que usasse a própria vida
I' ,
tema central de seu "abstrato". A interpretação disso em na solução desse problema pessoal. r, ,·irl,
i"
,to 1i

termos de conflito, mostrando ser este o momento dinâmico


da entrevista.
I) Fase subseqüente em que o menino prosseguiu com rico
material que nunca esperou pudesse ser compreendido. Isto
conduziu ao complexo de Edipo.
g) O garoto usou a entrevista de tal maneira que sua principal
sintomatologia desapareceu. Continuou, de certa forma, um
tipo de personalidade esquizóide, mas a tendência para de-
generação psiquiátrica se transformou em um definitivo mo-
vimento progressivo em relação ao seu desenvolvimento
emocional.

Conclusão

Chamo novamente atenção para a oportunidade única que uma pri-


meira entrevista proporciona em psiquiatria. O efeito imediato da
primeira consulta foi que Ashton parou de ter febres e de se sentir I
mal quando se aproximava a hora de ir para a escola. Voltou à I1 I
escola e rapidamente encontrou um novo lugar na comunidade local. I'

172 173
Sobre a escola, disse que era engraçado que poucos anos atrás
PACIENTE X H Albert" aos 7 anos e 9 meses ele fosse o mais velho do colégio [básico]" e que agora fosse o
mais novo no curso [de mais adiantados do colégio básico]."

Agora desejo citar um outro caso que ilustra claramente o material Ele estava sentado na cadeira azul de adultos, que eu colocara
obtido por este método natural de se buscar a história. O menino para ele, e eu estava na cadeira de criança, por ser mais conveniente
odiava seu irmão. , para fazer anotações apoiando o papel na perna.
E da natureza deste caso não haver nenhum problema de difi-
culdades no estágio inicial. Começou exatamente quando a mãe deu Ele interrompeu o que estava fazendo para dizer: "Seria melhor
uma volta de carro com o irmão, enquanto procurava estacionar. que você usasse a cadeira azul, pois essa cadeirinha deve ser
desconfortáveJ para você."
Foi-me contado pela mãe, em carta, o desenvolvimento satisfatõ.
I'
rio de Albert, exceto quanto a certas dificuldades que incluíam pesa- Assim, rearranjamos os detalhes. Essa consideração, embora
delos; contou-me, também, que ele tinha preocupações com relação agradável, parecia ligar-se às palavras "muito irnperturbável".
a idéias sobre o bem e o mal. "Ele é quase imperturbável."
Este era obviamente um caso em que o jogo dos rabiscos poderia (2) Dele. Transformei-o em uma flor, Ele disse que o teria trans-
ser aplicado, e assim começamos imediatamente a jogar. formado em um mar.

(1) Meu, que ele transformou em um pato.

.' llll

Ele me falou sobre sua família.

Irmão 8 anos e 9 meses.


Albert 7 anos e 9 meses.
Irmã 5 anos e meio.
Irmão 3 anos e meio.
• Acréscimos entre colchetes do tradutor. (N. do T.) I' I

174 175
Soube neste momento que aqui já estava o tema importante e
quis saber como o rabisco poderia ter sido transformado em um mar.

I'

(5) Preferiu desenhar. Era um avião.

(3) Meu, que ele transformou na ilustração para uma história. A


parte do rabisco tinha no alto um homem de metal. Embaixo,
no mar que ele colocou no fundo do penhasco, estava Sir Lan-
celot em uma luta com Rei Artur. Na história, de alguma forma
o homem de metal caía do penhasco e matava alguém, lutando
depois com um homem que voltava da guerra.

Neste ponto eu havia chegado à conclusão de que existia algo


de especial relacionado a mar, montanhas e lama, pois é provável
que estes não poderiam ter sido sugeridos pelo rabisco, e por causa
da preservação da idéia. Eu não tinha a chave quanto ao significado
dessas coisas para ele.
(4) Dele, que ele mesmo transformou em duas pessoas fugindo "de
um monstro gigante".

177
176
Tentei entrar no assunto dos sonhos a partir da idéia do monstro.
Falamos sobre sonhos e ele se referiu aos pesadelos. Mas logo come-
çou a falar' sobre brincar com sua prima mais velha, que parecia mas-
culinizada, como se quisesse ser menino. Sua irmã também dizia que
queria entrar para o exército. Ela diz que meninas lutam, e se ela
fosse menino poderia lutar boxe na escola. Ela quer ser pugilista
porque diz que é boa nisso. Depois ele lhe deu um prêmio de conso-
lação e disse que "ela porém realmente pode fazer balé". Eles tinham
trajes de fantasia que lhes foram dados por algum amigo e brincavam
de se fantasiar. Nessas brincadeiras, sua irmã gostava de se vestir
de princesa ou de fada. Alguém disse que ela devia ser colocada no
alto de uma árvore na Trafalgar Square. Quando ele se fantasiava,
era de qualquer coisa - "mas ainda não fui um dragão". Já fora um
gigante e um príncipe, depois começou a pensar em se fantasiar de
menina e ilustrou isso.

(6) Esta é a parte de trás e mostra um pano na cabeça. Os botões


nas costas da blusa, porque ela está do lado errado, Ele está
carregando uma rede, Isto parece ser muito importante. "Você
joga essa rede em cima de alguém, depois o[s] coloca na des-
pensa." Continuou falando sobre cozinhar peixe, deixando imo
plícito que essas pessoas eram deixadas num depósito frio até
a próxima refeição. Esta idéia parecia estar em conexão com
a idéia de se fantasiar de mulher.

(7) Ele quis desenhar esta figura no verso do n.· 6, porque era a
frente da figura. Aqui a blusa está remendada. Isso mostra que'
ela é velha. Vovê pode ver a blusa, ele disse, e o pé aparecendo Esta era a primeira evidência clara do relacionamento lutar-até-
no final. "Este sou eu de frente", explicou. morrer, que estava incluído no seu relacionamento total com o irmão.
Uma mulher engraçada parecia estar representada aqui, levando "Depois, há um outro muito engraçado. Há um gigante mau."
à idéia de uma bruxa, e ele estava se referindo a bruxas. "Elas O irmão de Albert está caçando o gigante mau. Eles andam em
são ruins. E têm uma porção de jóias, Isso pertence a uma outra volta do jardim. Todas as suas roupas caem e o irmão dá um
história. Havia uma mulher má que roubava tesouros e os es- soco no rosto dele. Ele pega uma lança, duas adagas e uma
condia, Meu irmão veio e me matou. Eu era um homem bom espada. Ele avança "ufa! ufa! ufa!", apontando-a para todas as
e ele um mau." direções, "Uma delas bateu em mim e eu morri."
Ele sentia ser mais divertido que ele morresse no seu próprio
sonho,
Perguntei-lhe sobre bom e mau, Certa vez, ele foi "meio bom"
em um sonho, porque era mau e fingia ser bom. Um gigante,
disfarçado como uma das bonecas da princesa, raptou a prin-
cesa, Ele a trancou e a manteve como prisioneira, A princesa
era ele mesmo, O irmão a salvou, Em uma das brincadeiras, o
irmão mais novo atirou uma bomba que era uma bola de futebol.
"Eu era uma mulher má, A bomba bateu em mim e eu morri.'.'

178 179
Eu disse: "Parece que você já morreu uma porção de vezes."

Aqui ele tirou o casaco e disse que estava quente e ocorreu-lhe


que eu poderia ver seu uniforme escolar. Falou: "Sou o mais
alto" - ele queria dizer o mais alto da família - "mas não o
mais velho. Isso é útil; meu irmão me contou como a escola
era, assim eu sei como me comportar."
Perguntei-lhe novamente sobre bom e mau e ele disse que mau
é chutar e empurrar pessoas quando se perde a paciência. Quando
ele perde a paciência, ele empurra todo mundo, especialmente
seus amigos.
"

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(8) Aqui ele fez um rabisco e o transformou em uma nave espacial.


.(9) Meu, que ele transformou em um peixe.
(10) Dele, que transformei em alguma coisa.
Estávamos, então, mais próximos do assunto dos sonhos verda-
deiros. Um sonho desagradável relacionava-se com bruxa.

180 181
Tentei obter a conexão que poderia haver entre o feiticeiro e o
laboratório em que o pai dele trabalhava, mas ele se mostrava indefi-
nido quanto a existir uma conexão. A idéia não conduzia a nenhum
lugar.
Falou sobre a bruxa querendo sempre voar sobre o feiticeiro.
Percebi que isto significava que ele não estava profundamente
envolvido com o simbolismo de bruxa, e não tenho meios de
dizer se este detalhe se deveu a um medo muito profundo de
bruxas ou pelo fato de Albert ter relacionado bruxas e feiticeiros
com a idéia de homem, mulher e pais.
"A bruxa circulou três vezes em volta da lua. Fez isso em poucos
segundos. Ela viveu cinco anos na ilha onde Napoleão morreu.
Sim, Elba. Ela gostava de Na [quer dizer Napoleão]." Aqui ele
usou um pouco da linguagem dos feiticeiros, incluindo uma forma
engraçada de pronunciar Napoleão Bonaparte. "Ela queria mor-
rer naquela ilha também." Aparentemente, o feiticeiro estava na
mesma ilha.
Falou então sobre sonhos bonitos sobre fadas, e desenhou.
(13) Este mostra uma fada. "Meninos não são fadas; eles são anjos."
No final ele colocou roupas na fada. A varinha é para fazer
mágica e tudo o que você deseja aparece. I' ,1
• I"
11:

(11) Esta é a tentativa de desenhar a bruxa; esta era pequena, mas


havia outras grandes. Ela tem um chapéu grande porque é aí
que ela guarda todos os seus livros mágicos. Eu disse: "Acho que
você a desenhou pequena porque tem muito medo de pensar
nela." O cabo de vassoura tinha relação com a mágica da bruxa.

(12) Este era o feiticeiro. O menino o desenhou bem grande, como


se estivesse menos assustado (segundo meu ponto de vista).
Houve uma longa história em torno do desenho; de como ele
vivia em um castelo; ele achava o castelo assombrado porque
havia esqueletos humanos nele. (Substituindo a idéia de assom-
brações humanas por castelos habitados por fantasmas.) O feití-
çeiro bateu com a cabeça na porta. Isso, naturalmente, alterou a
porta por causa da mágica. Há uma grande porta de madeira,
reforçada com trancas de ferro. Ninguém sabe onde está a fe-
chadura. Ela só abre através da mágica. Na parte de cima pode-se
ver um dos macacos mágicos, que têm asas. Eles pegam pessoas.
O feiticeiro tem uma longa barba.

182 183
Aqui ele queria mudar para um outro jogo, "jogo dos chapéus",
então fez uma série de "cabeças, corpos, pernas."

(16) Ilustrou o jogo, mas ele realmente não sabia como jogá-lo.

Parecia estarmos próximos do final, especialmente quando ele


viu o carro de sua mãe do lado de fora da janela, mas lhe perguntei
mais uma vez sobre bom e mau. Bom significa satisfeito; mau é
horrível. Ele admitiu que a palavra horrível remetia-o às coisas mais
horríveis em sua vida. Pareceu muito claro a esse respeito.

(14) e

(15)

Aconteceu que cada um de nós, quando fomos dar nomes às


figuras desconhecidas, usamos a palavra Henry, o nome de seu irmão
mais velho, então rimos dele.
Perguntei se ele sabia por que viera e ele parecia não saber.
A coisa mais importante parece ter sido o fato de ele perder a aula '
de História por ter vindo, sua pior matéria.

Ele disse: "Eu queria vir, pensando em perder a aula de His-


tória." Depois me explicou um outro jogo que queria fazer,
chamado forca.

184 185
Ele estava quase consentindo em entrar em alguma brincadeira
verbal, na qual concordamos que algumas vezes seria muito
conveniente se seu irmão fosse morto de alguma forma. Era
realmente um cavaleiro de armadura que caiu e bateu em Henry,
e isso se uniu com o jogo de Sir L .ncelot.

Ele acabara de terminar o que queria fazer e apanhou um ou-


tro volume dos livros de Asterix, e ter-se-ia ocupado com isso se
eu não lhe dissesse que era hora de ir. Ele parecia conhecer essa his-
tória em quadrinhos e disse que sabia falar francês, mas não sabia
ler, Falou: "Acho que eles querem se livrar dos romanos", o que é I:
realmente um comentáric inteligente levando-se em consideração toda i
a idéia de Asterix. Perguntei: "Por quê?", e ele respondeu: "Bem,
~.1,
eles não gostam de pagar impostos [aos romanos] ."
:,
Na sala de espera a mãe estava tomando café e o irmão mais
moço estava muito feliz comendo açúcar, Albert se juntou a eles,
comendo biscoitos. A saída deles foi muito simples, sem maiores de-. :! I
;;!
talhes na despedida. '
Após essa consulta, Albert parecia ter perdido a incerteza sobre
.
, ~:I
sua identidade, Os pais me mantiveram em contato com o caso du-
rante os últimos dois anos e não houve retorno do velho estado de
"quase imperturbável" do menino. Fez um bom progresso na escola.
Apareceu claramente no material que ele tinha ódio de seu irmão
mais velho, que ele não conhecia nem deixava transparecer, resultand~
daí uma supressão geral da agressividade que afetava toda sua perso-
nalidade,
(17) Ilustra o horrível. "Quando eu estava quase afogado." Ele deu Um traço interessante do caso era o modo como a água se intro-
nome a um certo rio. Aqui estava o material que se introduziu duziu no segundo e terceiro desenhos do jogo, ocorrendo, então, no
na primeira parte do jogo dos rabiscos - um rio, uma ilha, mono final, de modo surpreendente no acidente real, mencionado em' forma
tanhas e lama e uma ponte com um objeto de metal atravessado,
um. caminhão. Explicou como seu pai o salvou. O desenho não de sonho,
era a figura do acidente real, que ele disse não ter sido tão
ruim. Não se teria afogado mesmo se o pai não o tivesse salvo.
O desenho era como uma elaboração imaginativa do incidente,
onde o caminhão cai da ponte e mata Henry, Aqui há uma
representação clara da rivalidade com esse irmão em relação 1'1
ao pai. If'

Eu estava obtendo um acidente real, sendo descrito como um


sonho.

Incitei-o a fazer uma descrição adicional do amor que sentia


pelo pai e do ciúme que sentia do irmão, "que era um chato".

186 187
PACIENTE XI "Hesta" aos 16 anos quiátricas se manifestavam em fases, ora resolvendo-se cada fase, ou
então se transformando em outra. Uma oscilação maníaco-depres-
siva podia ser observada clinicamente. Ela própria clamava que não
havia nada errado com ela.
Aos 16 anos ficou muito doente, apresentando exeêntricos sinto-
mas. Havia o medo de que pudesse se matar. Recusava hospitaliza-
Este caso nos dá um outro exemplo da comunicação da espécie espe- ção. Tratada em casa, gradualmente perdeu sua hostilidade generali-
cificamente pertinente à entrevista profissional. O trabalho que eu e a zada e engordou; percebeu-se que se estava comportando como se es-
garota fizemos juntos nos conduziu à resolução da sua sintomatologia. tivesse com 10 anos, fazendo caretas e conversando com pessoas que
O real evento foi que os seus pais e o médico da família, que se OCupa não estavam presentes. O Q. I. já havia sido estimado em 130.
va ativamente do caso, julgavam que, acompanhando a consulta, esta- Hesta e a mãe pareciam ser amigas, e apos uns poucos minutos
vam agora numa posição de fazer o que sentiam precisar fazer. Antes em que nós três falávamos sobre a família, sua mãe resolveu ir dar
se viam atrapalhados pela inabilidade da garota para aceitar o fato um passeio. Fui deixado a sós com a gorda menina de 16 anos, poten-
de que ela estava doente. Após a consulta, ela parecia querer, bem cialmente hostil e um pouco enfeitada, de modo que se podia perce-
como necessitar de ajuda. Abandonou a instável afirmação de sua pró- ber que lhe haviam dito para se arrumar porque ela ia ver o doutor.
pria capacidade, para se tornar muito infantil; talvez se possa dizer Estava um .dia muito quente. Eu chegava de uns dias de forga
que, embora estivesse com 16 anos, agia como uma menina de 8 e estava relutante em trabalhar; falei com ela sobre isso, o que pa-
anos. Os pais conseguiram encontrar uma garota para atuar como en- receu tê-Ia agradado muito. Ela contou um pouco sobre si mesma.
fermeira, uma espécie de pajem, mental para ela, alguém que não era Havia problema em relação à escola e ela disse que poderia ter que
treinada em enfermagem, mas que tinha entendimento e tolerância mudar de escola. Parece que ela não fez as provas, mas de qualquer
naturais, e este plano funcionou bem, porque Hesta se tornara ca- forma não se teria saído bem porque absolutamente não estudou. Isso
paz de se enfrentar como uma pessoa doente. Continuou, entretanto. foi o máximo que pude obter da descrição de qualquer coisa anor-
a insistir que seus vários médicos eram seus amigos. mal. A atitude de Hesta era firme e achava-se com razão e muito nor-
Tenho tido novas entrevistas com a menina e percebo que ela mal; o único problema era que "tinha pais anormais". Contou-me
continua a me usar de uma maneira especial, como alguém acessível. os problemas que tinha com o pai e a mãe. Disse: "Se me deixam
Fora deste tempo ela é muito dependente dos pais e do P. G. O futu- sozinha, tudo fica bem." E acrescentou: "Houve um tempo em que
.ro não é claro, mas uma mudança significativa na situação global foi papai e mamãe não se davam bem, quando eu estava com 13 anos, ou
obtida através da consulta terapêutica que me proponho a descrever. 12, mas o problema principal foi quando eu estava com 14 anos,
Hesta é a terceira de quatro crianaçs em uma família com seu quando tive uma depressão séria." Ela não aceitava a teoria de que.
convívio intacto. Agora apresento o caso em detalhes e desejo levar Q ficou doente na época por causa dos seus ciclos menstruais.
leitor comigo através da consulta terapêutica. Tudo o que eu sabia so- Tudo ficou mais fácil quando começamos o jogo dos rabiscos.
bre este caso derivou-se de uma carta do médico da família. O proble- Este era um jogo que ela já fizera com um menino no campo. Ado-
ma principal era que Hesta, agora com 16 anos, ficava nervosa desde rava a vida no campo e detestava ter que vir para Londres. Tão logo
seu primeiro fluxo menstrual, que ocorreu aos 14 anos. Nessa época começamos o jogo ficou evidente que ela era capaz de se dedicar se-
o relacionamento entre os pais estava em crise, e agora a crise no lar riamente a alguma coisa, caso isso lhe interessasse.
já havia sido resolvida. Mais uma vez, desejo lembrar que o jogo dos rabiscos não é a
Aos 15 anos, Hesta não conseguia dormir, hipersensível em rela- parte essencial da entrevista. É simplesmente uma parte da técnica
ção ao que os outros pensavam a seu respeito, e carregava um senti- adotada e tem a vantagem de proporcionar suas próprias notas, Iaci-
mento de inadaptação tanto na escola quanto em sua vida pessoal. .Iitando, assim, retomar-se o objetivo da apresentação.
Tinha medo de que pudesse ser lésbica. Aqui as anormalidades psi-

189
188
(1) Meu. A princípio, Hesta não conseguia ver coisa alguma neste
mas disse: "Este leva tempo", e trabalhou-o, produzindo um rat~
ou um rato-cachorro.

Note-se que muitos dos desenhos contêm comentários feitós por


ela mesma. Esses comentários foram escritos por Hesta no final, quan-
do quis repassar toda a série, tornando muito claro em sua mente
o que era cada um dos desenhos.
Foi significativo o fato de Hesta se aplicar ao trabalho, estan-
do interessada e à vontade em seu relacionamento comigo. Ela pôde
trabalhar.

(2) Dela, que foi feito em duas fases: um movimento circular e


um V. Transformei-o em uma menina. Ela estava gritando "So-
corro", o que conduziu nossa conversa para os Beatles.

Esta idéia veio de mim mesmo e não foi de modo algum sugeri-
da pelo desenho. Neste trabalho me permito ser espontâneo e impul-
sivo. Isso não interfere com o processo da criança. O leitor tem o di-
reito a qualquer opinião quanto ao que se possa ter contido em mim,
fazendo-me usar tal tema.

(3) Meu, que ela transformou em um peixe pulando para fora do


mar. Casualmente o denominou de "Peixe Dançarino".

Isto mostra a capacidade de Hesta para brincadeiras imaginati-


vas e criativas. Usou um pouco da força do meu rabisco para dar for-
ça ao peixe. Esse aspecto pode ser discutido em termos de "suporte do
ego", o que naturalmente pode ser excessivo. Este desenho me fez
sentir que Hesta tinha o tipo de coragem que a capacitava, no curso do
tempo, a usar suas experiências instintuais, ao invés de ser ferida por
elas.

~l.ul

190 191
(5) Dela, que transformei em um telefone. Estávamos ambos jogando,
e à vontade. Eu disse, li certa altura, como se fizesse uma piada,
"Eu espero que sua mãe pense que estamos .trabalhando!"
(4) Dela, que ela mesma viu como um rosto. Mais tarde, ela o
rotulou de "Homem sini~tro".
(6) Meu, que ela transformou em um "jogador de futebol americano,
com sardas"; mais tarde acrescentou "americano". Ela perse-
Naturalmente, era um trabalh~ todo dela e por isso importante, verava na idéia de um homem, desta vez permitindo a comicidade
mostrando seu próprio tema. Um ihomem sinistro é o que poderia e o escárnio.
ter sido feito por mim. Pode-se pensar ainda em termos do pai como
uma figura sexual ou ainda em um homem com más intenções, como, Neste ponto perguntei-lhe se, caso tivesse escolha, teria nas-
por exemplo, um médico tentando trabalhar nela a pedido dos- pais, cido menino ou menina, e ela parecia conhecer o problema, falando
ou se'a, curá-Ia de um modo que ameaçaria sua individualidade. Não sobre o assunto psicologicamente, sendo a base de seu argumento que
fiz interpretações e assim permiti que todos os vários significados as pessoas gostam de ser o que são. Isso deixou em aberto a idéia
coexistissem. de fantasia e ela me disse: "O que você gostaria de ser?" Respondi:
"Bem, o que eu sou; sou homem e gosto de ser homem; mas sei o
que é pensar como o outro lado" - etc.· etc.

192 193
o~
1\'M
"'~

Aqui o leitor poderá notar novamente como me comportei livre-


mente nesta espécie de entrevista.

(7) Dela. Ela sabia com o que parecia, mas queria que eu o tra-
balhasse a meu próprio modo. Tentei dar continuidade à sua
idéia. Era um dinossauro bebê. "~ idiota." Mais tarde, ela o
chamou de Cyril, Ficou muito satisfeita com o desenho e achou
que poderia ser o melhor que eia conseguiria fazer. Aqui retorna
a fantasia sobre homens e talvez a inveja do pênis, mas não
interpretei outra vez, pois não queria atara comunicação a um
simbolismo específico.

(8) Meu, que ela transformou, de uma forma muito imaginativa, em


Ioãozinho e o Pé de Feijão. Depois, ela deu a Ioãozinho uma
boca e quase no final voltou a desenhar e acrescentou uns feijões.

Pode-se dizer que Hesta se tornou ativa em sua expressão cria-


tiva, sendo isso uma coisa que meninas podem fazer tão bem quanto
meninos. Umpênis não é necessário. Ela deu ao menino uma tarefa
masculina, escalar o pé de feijão, e talvez o tenha trazido para baixo
um galho ou dois no final, ao sublinhar o aspecto pré-genital ou oral
do tema (boca e uns feijões adicionais). Não interpretei coisa alguma.

(!) . Dela,um desenho novamente em duas fases. Transformeio-o em


um rapaz e uma moça juntos. Este ela achou "muito bom" e
no final intitulou-o de Tango.

194 1,95
Pude.,.~edizer que meu tema era uma espécie de interpretação [ta e corpulenta e ainda não realmente gorda. Percebi que ela esta-
e obseezacão da natureza de duas etapas de seus rabiscos. va consciente de seu eu físico de uma maneira muito natural e de um
JJlodoque indicav~ auto-aceitação. - -
Aqui é possível ver o desenho com o chapéu como parte da auto-
aceitação de Hesta como menina e a redução de sua inveja do pênis
em brincadeira com chapéus e outros símbolos do órgão masculino,
que aparece naturalmente nas roupas das mulheres e em seus inte-
resses intelectuais de centenas de maneiras, e que mostram para me-
ninos e homens, o sinal de que o tema da inveja do pênis está se
tomando controlável na menina, ao lado da total descoberta pela mu-
lher do uso de seu corpo e personalidade femininas.
Neste ponto me. senti convencido da capacidade de Hesta de
aceitar:a.puberd~idee o crescimento para ser uma mulher adulta.
Ela .acha que será professora de escola maternal. Ela pode tentar,
'nat\lra~ mas' não espera que isso a leve a alguma coisa.

,, \.
"

I~t
1

(10) Meu. Ela soube imediatamente o que pretendia, fazer com este
e o transformou em uma estudante de chapéu. Depois disse
que poderia ser ela mesma, e ao olhar para ele pude ver' que
era um auto-retrato muito bom. Fiquei surpreso com o modo
como juntos, de uma forma ou de outra, conseguimos um retrato
desta menina.

A certa altura ela disse o quanto gostara de um dos qtladros em


minha parede e então fizemos um passeio pela sala examinando tQ-
dos os quadros. Ela obviamente tem habilidade' para desenhar. Algu-
mas de suas curvas eram sem dúvida bonitas. Do meu ponto de vis-
ta, havia uma) ligação entre essas curvas em desenho e as curvas de
seu próprio c6tpo: levando em consideração o fato de que ela é muito

19,6
197
(11) Dela. Notei que na maior parte de seus desenhos havia Um
movimento em duas fases e desejei saber que uso poderia ser
feito deste. Enquanto pensava nisso, hesitei, e Hesta sugeriu
que poderíamos introduzir a seguinte regra no jogo: se você
não conseguir transformar o desenho da outra pessoa em alguma
coisa, então a desafia a fazê-Io. Então a desafiei e ela fez de
seu rabisco de duas etapas uma pessoa com uma criança em uma
canoa. "A pessoa está obviamente feliz, mas a criança está indi-
ferente."

Este foi novamente um trabalho só dela e o tema é, por isso,


significante. Eu sabia que aqui estava o retrato de algum aspecto im-
portante do relacionamento de Hesta com a mãe, sendo a mãe feliz
e autocontrolada e Hesta deixada de lado e sozinha. Tratava-se prova-
velmente de um comentário no jogo, já que Hesta se sentia envolvida
nele, tanto que poderia dizer que estávamos jogando juntos, tendo
cada um a oportunidade para ser criativo. Aqui há condições às quais
me referi em meu ensaio sobre Jogos (Winnicott, 1968), no qual afir-
mo que a "psicoterapia é feita na área de justaposição entre o jogo
do paciente e o do terapeuta".

(12) Dela. Este foi um outro rabisco nas mesmas duas etapas; um
desenho deliberado, um rabisco pontudo e outro redondo. Trans-
formei-o em uma menina secando-se após o banho. Ela ficou
muito contente com este e mais tarde o denominou "Lady de
Plyrnouth", onde ela sabia que' eu havia passado o feriado.
Achou-o um bom desenho.

A certa altura tentei atingir uma camada mais profunda e pergun-


tei sobre sonhos. Se escolho Q momento certo, já tendo a criança
atingido a fantasia de uma qualidade altamente pessoal, geralmente en-
contro a criança ansiosa para comunicar uns poucos sonhos, talvez
"um sonho da noite passada", como se em preparação para a consul-
ta. Então conversamos sobre sonhos.

Um engraçado: Ela estava ganhando notas zero com [imrnie.


Ao invés de cubículos, havia mesas que pareciam ter nomes
como "carne assada" e "ova de peixe". Provavelmente ela foi
para a mesa errada.

Em um outro sonho ela tinha pais gêmeos.

Num terceiro, um avião explodia. "Sonhos de estar voando aca-


baram, infelizmente, porque percebi que não sabia voar."

198 199
Falamos um pouco sobre a vergonhaque- era para ela não po- Aqui, então, admitiu uma identificação masculina, à parte o su-
d~ .realmente voar, e de algum modo acabamos discutindo todo o pro- esso. bondade e características infantis de Harpo: também a cabe-
pltirfa do princípio da realidade e suas características enfadonhas quan- ~eirae o mutismo contribuíam para preparar os resíduos para seu sen-
do comparadas à liberdade do sonho. timento de inadequação à fase fálica, um problema que também mos-
trou na escola, a despeito de sua inteligência superior.
Ela disse que se lembrava dos sonhos de estar voando, quando
conversava com o pai sobre pássaros, e assim houve um momento
real de desilusão, numa época específica, quando estava na
companhia do pai.

Observei mentalmente o fato de ela ter tido dificuldade de chegar


a um termo com a separação que existe entre o sonho e a realidade
desperta. Não interpretei ou me referi a esse problema.

(13) Meu, que ela transformou em Harpo Marx. Gostava muito dele
e se sentiu identificada com ele. Ele morreu, mas escreveu um
livro chamado Harpo Talks. Ele dificilmente teria sequer um
fio de cabelo, mas sempre usava uma cabeleira ondulada.

(14) Dela. Aqui estava um outro desta série de rabiscos em duas


etapas. Apenas falei: '''Delxe> este como está. Parece-me que é
o princípio de homem e mulher." Ela entendeu o que eu quis
dizer e ficou satisfeita em deixá-lo como estava, dizendo que o
chamaria de "Contraste".

(15)- Dela, também em duas etapas, que transformei rapidamente em


um relógio de cabeceira com uma lâmpada. Ficou muito satis-
feita ao ver que eu consegui _fazer alguma coisa com o seu ra-
bisco. Mais tarde, ela o chamou de "Tempo".

201
Se me perguntassem sobre este relógio ter aparecido, diria que
estávamos ambos pensando que deveria estar próxima a hora de pa-
rar. Mas estávamos também lidando com o fator tempo, que o ado,
lescente sente como a maior manifestação do princípio de realidade.
Como eu disse certa vez, "a única cura para o adolescente é o passar
do tempo". (Winnicott, 1965).
Estávamos agora nos aproximando do final do que fizemos iun.
tos. Perguntou-me se eu conhecia algumas pessoas que ela também
conhecia. Eu disse que conhecia algumas e falamos sobre elas. O mun-
do é cheio de pessoas muito bonitas, mas há três impossíveis: seus
pais e o médico que ela viu na Unidade dos Adolescentes. O últi-
mo deles parecia bom a princípio, e então ela foi lá e ele a mantinha
uma hora por consulta e nenhum dos dois diziam coisa alguma, sen-
do isso uma terrível perda de tempo tanto para ele quanto para ela, e
detestava isso. Estava claro que eu devia deixá-Ia ir tão logo ela come-
çasse a sentir que assim o queria, ou eu sofreria o mesmo destino do
outro. E, de qualquer modo, a hora estava próxima de terminar. Então
fizemos o último desenho.

(16) Meu, que deu problema a ela, pois disse: "Oh, querido, isso po-
deria ser duas coisas: um camelo ou uma mulher negra."

Aqui estava outra versão do dois, o dilema básico, que incluía a


tendência maníaco-depressiva. Ela parecia conhecer muito bem a para-
lisia que chegava quando havia duas possibilidades, e eu naturalmen-
te estava pensando, entre outras coisas, nas duas possibilidades do
Ela esperava que eu falasse com sua mãe e ficou muito aliviada
princípio homem e mulher de sua técnica de rabiscar.
quando eu disse que não queria vê-Ia, ExplIquei.lhe: "Claro que ,
Com um suspiro, ela disse:
posso ouvir o ponto de vista de sua mãe, e este será muito diferente
do seu, mas no momento estou interessado no seu ponto de vista."
"Então terei de fazer algo mais." Primeiro disse que poderia
ser um camelo negro, mas então' o transformou em um filhote e Sua mãe aceitou isso muito bem e a entrevista terminou com uma
no final o chamou de "Filhote de hipopótamo". De certa forma observação apreciativa de minha parte em relação ao colar que a
havia solucionado o problema, produzindo um bebê. Por outro mãe estava usando, e assim nos despedimos, com a mãe talvez jul-
lado evitou o problema ao alcançar uma abstração. Antes de gando que ela havia tido alguma atenção pessoal de mim, embora
terminar, me contou que tivera um sonho assustador sobre fogo.
pudesse, antes, ter esperado que eu lhe desse uma entrevista pessoal.
Agora estava na hora de ir e repassamos toda a série, dando-lhes Depois disso, .recebi esta carta do médico:
nomes, e estávamos muito satisfeitos com nós mesmos.
Acho que sua entrevista foi um grande sucesso, e não ape-
Quando ela crescer, terá filhos - dois ou quatro. "Não se pode nas com Hesta. A mãe dela não ficou muito ofendida por ter
ter um só, porque fica mimado, e não muitos por causa da sido deixada de lado. Estou satisfeito com o programa que você
explosão populacional." traçou, mas acho que isso se deve ao fato de Hesta ter melhora-

202 203
disse: "Esta é a primeira
ApÓS essa prjmeira entrevista, a mãe
do consideravelmente. Agora é possível ela ser tratada como um esta garota, desde que
vez que alguém conseguiu se. comunicar com
pessoal "normal" e ainda como alguém que está certa enquant~
todos estão errados. Doze meses atrás, acho que teria sido abso-
ela ficou doente, aos 14 anos."
lutamente impossível para os pais dela, os amigos e para mim.
Ela parecia muito doente na época e absolutamente incapaz de
reconhecer este fato. Sentia-se, então, que o certo era tentar con- Acompanhamento.
seguir que ela aceitasse que estava doente, e que se ela pudesse Esta paciente continua a ser tratada em casa, com a ajuda do médi-
pedir ajuda, este seria o começo de sua melhora. co da família e de uma garota que atua como enfermeira. Hesta pro-
cura-me "esporadicamente", por isso a vejo meia dúzia de vezes por
Não estou realmente muito certo do motivo de estar lhe ano. Houve uma diminuição do elemento maníaco e uma depressão
dizendo tudo isso. Talvez seja apenas para prosseguir no que controlável é geralmente o traço clínico principal. Houve retomo vo-
você foi tão bem-sucedido, vendo-a tão melhor. Espero que veja
o que sou, depois de seu trabalho. luntário à escola.
A primeira entrevista que aqui descrevi continua a ser a base
do trabalho de equipe que está sendo feito agora com algum sucesso.
Os pais também escreveram de maneira apreciativa e imediata- O resultado não pode ser previsto enquanto as mudanças rápi-
mente concordaram com um programa de eu ver apenas Hesta e o .dAS e violentas da puberdade dominarem a cena.
menos possível, talvez até não vê-Ia novamente. O problema poderia ,11\
ser deixado em aberto, e se Hesta desejasse me ver, eu concordaria,
:,1)
fazendo-o o mais rápido possível, de acordo com minha disponibili-
dade de tempo. A mãe acrescentou:

Em meu ponto de vista, ela mudou a partir da primeira visi-


ta a você - especialmente em sua atitude em relação a mim.
Por exemplo, ela me disse: "Gostaria de viajar com você no
fim de semana [e fez uma pausa]. Oh, mas seria melhor não,
porque não estamos nos dando muito bem no momento, não é?"
Esta foi a primeira vez em meses que ela conseguiu ver a si
mesma num relacionamento comigo. Pelo menos, é o que sinto.
Entendo que você não queria ser procurado para dar conse-
lhos, assim apenas direi o que está sendo feito sobre a edu-
cação dela. Nós decidimos (com a ajuda do médico da família)
que Hesta não voltaria à escola neste período. Arranjei para ela
um professor particular que vem uma ou duas vezes na sema-
na, dependendo de como ela estiver se sentindo.

Assim se vê o problema no momento. Meu ponto de vista é de


que muito pouco foi feito, e, pela duração, foi econômico (uma hora);
ademais, os pais e o médico não tiveram o paciente arrancado deles,
como inevitavelmente aconteceria em uma psicoterapia.
205
204
PACIENTE XII "Milton" aos 8 anos d . espera, e aguardaram pacientemente durante uma hora e quinze
e, utos, até que Milton terminasse seu contato comigo. Foram para
Termino esta segunda parte com o caso de um menino que foi para a nuna depois, sem ter conversa doo comigo,
comi mas eu os avisara d essa pos-
casa, após a primeira consulta terapêutica, com o bloqueio no desen_ cas".
'bilidade. Várias semanas mais. tal' d'e, Vl os pais. d o menino,
. d an d 0-
volvimento removido. Os vários membros da família se viram COIU ~~es, então, minha intei~a at~nção, o qu~ teria sido ~rejudicial se fosse
uma criança que fora libertada e que conseguia relacionar-se com eles feito imediatamente apos minha entrevista com Milton.
mais livremente, .e se comportaram de maneira diferente em relação
a essa criança. A família realiza a cura de uma criança como esta
Entrevista Pessoal
no curso das semanas e meses subseqüentes, embora sem a consulta
Achei Milton um menino muito esperto e quase pode-se dizer que
terapêutica não fossem capazes de Iazê-lo, pois do contrário, ainda que
ansioso por alguma coisa. Estava inquieto e durante o jogo dos dese-
disponíveis, seriam de pouca utilidade.
nhos ficava mais de pé do que sentado, e era sempre possível que o
Histórico familiar jQgo se degenerasse em uma atividade que contivesse perdedor e ga-

Milton, menino 8 anos.


Gêmeos, menino e menina 6 anos.
Menina 4 anos.

A mãe deste menino me escreveu uma carta em que colocava


o problema a partir do seu ponto de vista pessoal. O problema prin-
cipal, de acordo com ela,. era que Milton, a criança mais velha,
nunca aceitou a chegada dos irmãos gêmeos, que nasceram quando
ele estava com dois anos. Ela escreveu: "O nascimento deles atirou-o
numa total confusão, que se manifesta de várias maneiras óbvias e
terríveis. Ele se tornou e continua a ser muito dependente de mim
e envolvido comigo." Havia outros sintomas patológicos, tais como
a predileção por situações sadomasoquistas e começando a ter prazer
com a idéia de apanhar. Também mostrava um potencial para ten-
dências perversas, tal como uma compulsão para olhar e sentir a pul-
sação das meninas. Enquanto tendia a ser agitado e agressivo em casa,
era totalmente conciliatório e nervoso na escola, e não muito popu-
lar. Estava indo bem na escola, mostrando interesse especial em His-
tória e Inglês. A mãe acrescentou que ela mesma teve algum trata-
mento, e embora isso a capacitasse a lidar melhor com as outras
crianças, seu progresso não fez diferença no trato dessas tendências
em Milton a que ela se referia.

Entrevista Psicoterapêutica
Os pais trouxeram Milton à consulta. Após uns poucos minutos em
que conversamos todos juntos, eles se retiraram e foram para a sala

206 207
nhador. Meu objetivo era capacitá-Io (se possível) para jogar com Os Nesta ocaS1ao, talvez por causa de sua inquietude, considerei
rabiscos, mas a princípio tive que .conceder um período de jogo-da_ aconselhável começar imediatamente com um comentário que pode-
velha, um jogo que '(como logo percebi) ele realmente não entendia: ria OU não conduzir ao desenvolvimento da tênue relação entre nós.
(Y.er desenho Pre-l.)
Falei: "Isso é você" - porque ele havia acabado de me dizer
que tinha 8 anos. Ele entrou imediatamente no jogo e fez esse:
Pareceu-me, nos estágios iniciais, ser pouco provável que pu-
déssemos utilizar a sessão em termos do jogo que nos conduziria na-
turalmente a um contato mútuo de uma espécie profunda. Fui adiante,
contudo, e no final fui recompensado.

Rabiscos

Expliquei-lhe o jogo, deixando-o saber que primeiro eu faria


um rabisco, que ele transformaria em alguma coisa, se o desejasse,-
e depois faria um outro rabisco para que eu o transformasse em algo.
Então fiz meu primeiro rabisco:

(I) Meu. Ele disse: "Parece com um 8", e não teve impulso algum
para transformá-lo em alguma coisa.

(2) Dele, que foi um rabisco vigoroso, feito como o meu, como se
não direcionado e por acaso. Olhou para o desenho e disse
rapidamente: "Este sou eu novamente; é um 9, e eu farei 9 anos
na semana que vem."
Estávamos agora em comunicação um com o outro, em termos
do jogo, mas ainda havia muita inquietação. Comecei a me sentir
esperançado.
(3) Meu. Não teve vontade de alterá-Io ou de transformá-Io em
qualquer coisa. Apenas disse: "Ê uma nuvem, ou um pedaço de
barbante."

209
208
Isto me fez pensar em toda a área da fantasia e no que cham Ele queria dizer que se eu o' houvesse deixado prosseguir com
de fenômenos transicionais, coisas que pertencem à transição do es, o desenho, teria feito dele uma lanterna. Isso implicava que eu
tado de vigília para o de estar dormindo, e explorei essa área, sondan. não estava magicamente em contato com os pensamentos dele.'
Incidentalmente reforçou o traço que fazia a alça da bolsa, unin:
do informações dele sobre objetos ou técnicas transicionais de que do-o ao desenho da bolsa. Estava Inquieto neste momento e an-
pudesse se lembrar. Isso não levou a nada neste caso particular (em. dava de um lado para o outro, curvando-se para desenhar na
bora pudesse ter surtido efeito em outro paciente), exceto que ele mesa baixa, em vez de se sentar.
me contou a respeito de um ursinho que teve aos 3 anos. Então con.
tinuamos com o jogo.

(5) Dele. Sentou-se para fazer este. Era simplesmente quatro linhas
e ele disse imediatamente: "Sei o que é isso", e o transformou
(4) Dele. Notei que o fez em duas partes separadas, de modo que
imediatamente em um vulcão. Falei: "Bem, isso é você nova-
transformei uma das partes em uma cabeça e a outra em uma
mente", e ele pareceu aceitar de boa vontade esta idéia.
figura que eventualmente resultou no desenho de uma garota
com uma bolsa. Ele fez comentários em dois níveis. No"<nível
superficial, falou: "Você desenha bem!", e depois, com mais
convicção, disse: "Na verdade, isso era uma lanterna."

210 211
(6) Meu. Ele disse que era uma moita, ou um caracol, e a única
coisa que precisava fazer era decidir para que lado ele estava
virado.

Note-se a indolência, que é uma indicação de que sente que


o resultado deve vir por mágica e não por trabalho ou habilidade. Este
rabisco faz concessões na operação desse princípio, até a criança come-
~ar a sentir-se ativamente participante.

(7) Dele. Transformei-o em um vaso e uma planta, mas ele disse


que estava errado. Disse: "E um furacão." Falei: "Bem, este é
você novamente." E acrescentei: "Parece que todos eles são sobre
você, exceto talvez a garota, mas é claro, fui eu quem o fez."
Falamos um pouco sobre ser menino ou menina e sua preferên-
cia. Ele ficou decididamente do lado de ser menino. Quando lhe
perguntei a razão, tornou-se racional e disse: "Bem, tudo bem
com as meninas, mas acontece que sou menino."

(8) Dele. Ele agora estava muito satisfeito em iogar o ;ogo que eu
instituíra. Falou: "Isto é um livro; sou eu novamente porque
adoro livros e leio o tempo todo."

213
112
eu poderia pensar que havíamos chegado ao final de nosso contato,
mas aprendi que essa marcação de tempo é uma fase em que a criança
está reavaliando a situação. Com base no que tem acontecido, a crian-
ça está (inconscientemente) avaliando a confiabilidade do relaciona-
mento profissional e tomando um pouco de tempo para decidir se
aceita o risco inerente a um envolvimento mais profundo. E uma es-
pécie de mudança de marcha, e se a consulta prossegue, percebe-se que-
o trabalho continua em um nível mais profundo.' Pode haver mais
que uma dessas áreas de reavaliação numa consulta desta espécie. Du-
rante este período fizemos:

r.
I~
't
ti
:till
I

(9) Meu. Ele disse que era uma planta engraçada. Expliquei: "Bem,
se este é você novamente, então há alguma coisa de engraçado a
seu respeito. O que poderia ser?" E ele respondeu: "Bem, minha
irmã está sempre rindo de mim." Olhando para o desenho, para
ver o que poderia fazer, disse: "Sugere alguma coisa?" E res-
pondi: "Não, não tinha nada em mente quando o fiz."

Senti que aqui havia uma indicação de ele ter medo da espon-
taneidade e da fantasia livre e que desejava o suporte que eu podia
oferecer, quando dava minhas próprias idéias.

(10) Dele. Falou: "B um colarinho." Isso me deu a chave e eu acres-


centei o rosto; novamente decidimos que este era um retrato
dele.

Período de Reavaliação (11) Neste pode-se ver um tipo de jogo que é a sua própria dístorção
do jogo-da-velha. Ele o chamou de "palavras cruzadas". pude
Estávamos agora em um período que ocorre em muitas dessas con-
-sultas terapêuticas, no qual nada mais parece acontecer. Tempos atrás, 1 Ver especialmente a Parte Três, Paciente XIII (o caso das mãos).

215
214
ver, aqui, que ele estava mais próximo do sonho do que da
realidade e, por isso, com todo o direito de estar no controle, e
deixei-o vencer. Ele gritou: "Ganhei!" e estava muito contente.

(l2) Dele. Uma continuação de sua distorção do jogo.

Passei agora a sondar os sonhos, sabendo muito bem que estáva-


mos lidando com uma faca de dois gumes. Sua inquietação poderia
facilmente afastã-Io da possibilidade de discussão, mesmo que ele es-
tivesse próximo o bastante para fantasiar e sonhar para que eu con-
seguisse convidá-lo a olhar dentro de si mesmo da forma como olhara
para si mesmo. Quando isso aconteceu, respondeu positivamente
à minha pergunta sobre sonhos, e a partir daquele momento a con-
sulta prosseguiu sem que eu tivesse mais qualquer ansiedade quanto
a ela tornar-se um fiasco. Eu sabia que podia deixar a dinâmica da
entrevista para o processo na criança, o que a conduziria à comuni-
cação comigo em termos de seu problema principal.

Trabalho a um nível mais profundo

JEm resposta à minha pergunta sobre sonhos, respondeu: "Tenho um


sonho a cada noite, mas não sei sobre o que são eles. Eu poderia
contar um sonho engraçado" - e ele gostou de minha sugestão de
pegar uma folha de papel e ilustrá-Io. Começou a desenhar de um
lado e depois virou o papel e continuou, como se fizesse uma segunda
tentativa do outro lado da folha. (Aprendi que estes pequenos de-
talhes têm que ser levados a sério e que significam que ele estava
falando da parte de trás de si mesmo. Soube, mais tarde, por sua
mãe, que Milton perguntava compulsivamente sobre o nascimento de
bebês, e que ele tinha a idéia fixa de que viera de "trás", e não da
"frente", como lhe disseram repetidamente.)
(13) e (14) A coisa sobre seu sonho é que ele o sonhou quando
ainda era "muito pequeno, provavelmente aos' 3 anos". Ele disse:
"Quando o sonhei, era muito assustador, mas com o passar dos
anos ele ficou engraçado." Tentei unir essa idade do sonho com
a chegada dos gêmeos, embora soubesse que tinha 2 anos quando
os gêmeos nasceram.

O sonho contado por ele era obscuro. Primeiro, havia um cande-


labro e uma "mulher vermelha" balançando nele. O sonho con-
tinuava e havia tobogãs que desciam na areia e escorregavam para
a praia e para o mar - "e elas todas aportavam no mar". Pare-

217
cia haver muitas mulheres vermelhas no sonho. O vermelho el Agora virou a página e continuou a desenhar (n," 13). (Este era
.
disse, era a cor do sangue. Continuava a d'izer o quanto tudo , iss e o lado da página que ele usou originalmente, antes de virá-Ia para
era tolo, e daí pude deduzir que ele sabia que, embora o sonh~ desenhar no verso.)
se tornasse engraçado, este originalmente possuía um grande sig_ Aqui ele desenhou ~m 8 (obscuro na figura por causa da elabora-
nificado e não era engraçado. Prosseguiu: "Essas personagens ção subseqüente). Falei: "Oh, esse é você também:' E ele colo-
no sonho, fazem acrobacias e coisas com cordas; mas isso nã~ cou os detalhes do rosto, pondo óculos em si mesmo'. Fiz um
estava no sonho; apareceu depois quando ele ficou engraçado. comentário a esse respeito e ele disse: "Bem, devo ter que usar
Na ocasião, quando o sonhei, eu era muito pequeno e não haVia óculos algum dia, pois, como vê, leio muito. Realmente adoro
coisa alguma de engraçada. Era apenas assustador. Tudo era livros. Sempre leio à noite, histórias com homens e mulheres."
vermelho." Continuou falando sobre Lord Nuffield, "que abriu ~ão 'de 30
milhões de libras; o que ele deve ter feito eu -não sei. Era um

Neste ponto senti que estava se lembrando de quando teve o so-


nho e de que ia ficando muito assustado, e era apenas um menininho.

218 .2!9
janela e abrimos a gaveta do professor, mas não havia nada lá.';
engenheiro experiente."
Segui este comentário com uma pergunta: "Você já afanou
[roubou]?" "Não, mas brinco de pegar as coisas e depois as
No momento, abandonei o sonho, sentindo que ele havia ido longe devolvo sempre." O tempo estava chegando ao final.
demais e poderia ficar assustado novamente. Então perguntei o
que ele seria, aproveitando ÍI idéia de Lord Nuffield ser engenhei_ Agora voltou espontaneamente para os sonhos com esta afirmação:
ro. "Bem, talvez um cientista. Mas a aula de Ciências não é "Eu sempre sonho, mas nunca consigo ver os sonhos." Esta
muito interessante." Depois me contou sobre as ocupações literá. parece ser sua maneira de descrever a consciência de sonhar,
rias de seus pais, sendo, obviamente, orgulhoso deles. Enquanto sem reconhecer o conteúdo do sonho, ou alternativamente o modo
falava, fazia alguma coisa muito escura no desenho 13. Pergun- como ele pode se lembrar do sonho, mas quando acorda o esque-
teí-lhe sobre o que estava fazendo e ele disse: "Vê? Estou pe- ce. E continuou: "Eu vi apenas dois sonhos inteiramente em
gando o telefone." Mas me parecia que a idéia original era ter minha vida; um foi com dois cavalos e carroças e foi muito bo-
alguma coisa muit~ escura nesta página. Assumi que este era nito, e estava ligado ao livro Black Beauty": o outro eu vi apenas
um movimento. obscurantista, uma representação simbólica de em parte e também era muito bonito, sobre Deuses escandinavos
repressão; uma escuridão quase que deliberada para negar algu- que se tornavam reais; foi formidável." E começou a me contar
ma coisa assustadora, como, por exemplo, as mulheres vermelho- o que havia lido sobre lendas escandinavas. Obviamente, ele
sangue. O telefone, entretanto, tem um significado positivo como havia colecionado uma grande quantidade de informações dos
um símbolo de. comunicação.
livros que lia antes de dormir.
Observe-se que não estou fazendo interpretações. Permiti que o As coisas ainda estavam um pouco turbulentas e perguntei: "Você
rico material se desenvolvesse por si mesmo e trabalhei confiando em é uma pessoa feliz?" E ele respondeu: "Não na escola; tenho
que o paciente usaria essa confiança em mim e no ambiente profis- que brigar." E continuou descrevendo a maneira como os me-
sional para atingir a lembrança de ter ficado assustado com o so- ninos eram agressivos com ele. Por outro lado, em particular no
nho, quando o sonhou, aos 3 anos. dia em que ele estava falando comigo, os meninos o elegeram
para ser um dos editores da revista da escola. Perguntei: "Eles
realmente machucam você?" "Oh não", respondeu vangloriando-
Estávamos num segundo período de intervalo, mas eu poderia se, "eles não conseguem me machucar; eu sei lutar judô, mas
supor que havia um outro estágio para ser alcançado. Ocupei o eles dizem coisas desagradáveis e não acreditam nas coisas que
tempo dizendo-lhe: "Quem você mais ama?" Segui imediata- eu digo. Ficam dizendo que sou mentiroso." Depois confessou:
mente essa observação com o comentário: "Eu seí." Acho que o
"Eu costumava me gabar um pouco."
fiz porque ele estava um pouco perdido e queria usar o fato de
não ter ainda decidido como responder à minha pergunta. Se eu Falamos um pouco sobre a escola, mas eu estava esperando por
houvesse esperado, ele teria dado uma resposta baseado na racio- uma oportunidade para voltar aos desenhos sobre sonhos. Final-
nalização. Ele parecia confuso por eu ter dito que sabia, e pediu- mente ele o fez por si mesmo. Ele disse: "Foi um choque quando
me que dissesse quem era. Então eu disse: "Você mesmo." Na- os gêmeos nasceram. Sabe? Eu' não era muito crescido; estava
turalmente, eu estava influenciado pelo modo como ele mesmo, com 2 anos. Isso causou uma mudança em minha vida." Fez
de muitas maneiras, apareceu no material dos desenhos. Reagiu então um comentário: "Na verdade eu não me lembro, mas
à minha resposta com uma demonstração de indignação. "Não; mamãe acha que ainda estou afetado por isso" - mostrando que
não amo a mim mesmo; não amo ninguém." Prosseguiu com o ele ainda não havia realmente superado a situação de ter sua
tema, entretanto, e me contou que provavelmente amava seus avós ,À
e ninguém mais. Deu-me uma descrição de sua vida familiar, em
vida perturbada pelos gêmeos. Mas continuou: "Não gosto do
mundo, não gosto de viver e é horrível na escola." E depois me
,~,
I

que a menina gêmea brincava com o irmão mais novo, e de deu uma visão muito agitada do quanto a crença em Deus era il~'
como este não servia para nada. "Ele nunca brinca comigo. Não necessária na sua escola, e ele não conseguia lidar com isso. I"
tenho com quem brincar." Depois me falou de um amigo. A ,i~,
base dessa amizade parecia ser o fato de o menino brigar com
ele. Estávamos agora certamente no lado masoquista da organiza-
Perguntei: "Você acredita em alguma coisa? Acredita em você :pl
mesmo, por exemplo?"
ção sadomasoquista. Aparentemente, esses dois garotos brincavam li
muito juntos, mas é provável que a brincadeira degenerasse em
alguma espécie de atividade anti-social. Ele ilustrou isso: . "Uma
• "Beleza Negra". (N. do T.)
vez me meti numa encrenca porque entramos na escola pela

221
220
"O que quer dizer? Realmente não entendo." car com ele podia-se atribuir à defesa do irmão contra ele o estar
sempre aborrecendo. Depois continuou, dizendo que costumava
Neste ponto ele estava procurando com muita dificuldade entender bater no irmão quando ele era menor. Milton estava agora de
a idéia que eu sugeria sobre acreditar em si mesmo como alguma volta aos 3 anos, com um irmão pequeno de 1 ano, e (desta vez
coisa que se relacionava com acreditar em Deus. Tentei ajudá-Io a mãe não foi citada) disse: "Vê? Eu queria ser o único."
dizendo: "Bem, você sente que é importante para alguém?" Ao
que ele respondeu: "Não." Então ele tentou sair da posição em Agora estava disposto para olhar novamente para o sonho, acio-
que se encontrava, gabando-se: "Oh, posso me divertir; conheço nado pelo lado sádico. Parecia saber o que cada coisa significava,
bons programas de TV." Depois ficou muito sério, falando em mas nesse momento não conseguia transmitir tudo isso para mim.
Deus novamente e discutindo o problema filosófico de que se "O candelabro ... bem, não era realmente um candelabro; era
Deus é pai, então quem é o pai de Deus, e quem é o pai do pai uma espécie de lâmpada pendurada. Não. Era um peito. -Como
de Deus? Concluiu dizendo: "Você pode continuar essa pergun- o de um homem." Ele via o que chamou de candelabro como
ta por milhões de anos até morrer." Então falei: "Seu pai é im- o peito de um homem ou mulher, visto do ângulo de um bebê
portante para você?" Ele respondeu: "Bem, naturalmente ele no colo. Agora ele conseguia e estava disposto a falar das "mu-
gosta de ter um filho, mas eu gosto de perturbar meu pai." E lheres vermelhas". Disse que elas arrancavam seios. Isso foi
continuou a falar sobre acreditar em Deus. muito espontâneo. Acho que estava usando a idéia de seu irmão.
no seio para expressar suas próprias fantasias sádicas muito pri-
Percebi, mais tarde, que os pais, que concordavam em muitas mitivas em relação ao seio real da mãe, idéias que o dominavam
como idéias de quando ele estava com 3 anos. E claro que se
questões, discordavam permanentemente em termos de religião e da originaram de sua própria infância.
crença em. Deus. Aqui entra, talvez, a expressão palavras cruzadas,
que ele usou para denominar o jogo que inventou. Agora passou a mostrar muita ansiedade e. conseguia me transmi-
tir alguma coisa, mas não tudo, da fantasia contida no sonho.
Contou-me que havia lido tudo sobre religião "na enciclopédia O tobogã e o escorregar para o mar tinham relação. com o nasci-
onde eles se esforçam para ser científicos." Neste estágio entrou mento. Então o sonho era agora uma mistura de nascimento e
numa fase em que se pode dizer que se estava identificando com ataque sádico ao seio. Sua mente estava funcionando numa velo-
Deus. Estava falando coisas como: "Descubri por mim mesmo cidade incrível: "Ah, sim, havia uma outra coisa no sonho; ele
tudo sobre qualquer coisa; como funcionam os planetas; como era como um filme; houve um intervalo. Realmente, eu detesto
tudo foi criado", e daí por diante, o que me levou a fazer esta' pudim, mas sabe, eu gostava quando era bebê" (isto é, antes do
observação: "Então, de certa forma, você é Deus e Deus é você." nascimento dos gêmeos e da mudança de atitude da mãe). "Esse
Ele reagiu prontamente a isso. "Não, eu não quero ser Deus! garçom apareceu depois; havia um piano lá. Eles chamaram:
Não sei coisa alguma! Desconheço um trilhão de coisas que o
'Garçom!' e a mulher disse alguma coisa, só que não havia pala-
mundo sabe!" Após essa extrema retirada de uma identificação
vras no sonho, e o garçom trouxe o pudim." (Ele estava num
com Deus, deu-me uma descrição de Leonardo da Vinci, o ho-
período pré-verbal de sua vida.) Interrompeu-se aqui para dizer:
mern mais inteligente, como ele disse, porque inventou uma por-
"Eu! Puf! Pudim!" E continuou: "E eles logo vieram para o
ção de coisas que estavam além de seu tempo. Deu-me uma boa
candelabro; havia peitos de várias espécies na barriga; um peito
descrição da posição de da Vinci. Depois voltou para algo mais
ou um busto." Ele estava apontando para o desenho e dizendo
pessoal e disse: "Meu irmão nunca brinca comigo; eu sou so-
que teve a idéia de a inchação da barriga na gravidez ser um
zinho."
busto central e que esse era o objeto de seu ataque no sonho,
conduzindo ao sangue ou à superfície ferida. (Ele estava superim-
Era necessário que eu agora fizesse uma tentativa final de con- pondo seu ataque à barriga grávida em seu ataque sádico ao
seguir a análise do sonho, e sabia que devia conseguir que Milton atin- busto.) E acrescentou: "Havia realmente umas seis ou oito mu-
gisse o lado sádico da organização sadomasoquista porque, na posi- lheres, todas vermelhas."
ção em que estávamos naquele momento, a defesa principal era a
sua sujeição a ser ferido, maltratado e negligenciado. Ele se achava em um relacionamento infantil direto com o corpo
de sua mãe e continuou a falar sobre peitos (bustos) e depois
Em resposta a alguma coisa que eu disse, contou-me que costuma· sobre homens que, como disse, "agarrava a todas juntas no pênis,
va zombar de seu irmão, tanto que o fato de o irmão nunca brin- a coisa que continha a semente". -

22,2 ~2~
Neste momento, ele tinha a seqüência em sua mente, de modo tavam muito satisfeitos com o resultado atual e esperavam confian-
muito claro: bustos; barriga grávida; homem sem busto, mas com um tes o desenvolvimento.
pênis. Tudo estava tinto de sangue por causa do ataque sádico. Um mês mais tarde, encontrei os pais extremamente satisfeitos
com o que havia acontecido. O pai disse que, de uma maneira ou
Continuou: "Sim, havia bustos, lembro agora", e senti que ago- de outra, Milton "encontrou a chave" nessa consulta comigo. A mãe
ra havia atingido a versão assustadora do sonho aos 3 anos, um
sonho que, no decorrer dos anos, gradualmente se tornara engra. disse que ficava na expectativa de acontecer alguma coisa horrível,
çado , Estava em contato suficiente com a fantasia e impulso sá- porque estava .jã muito acostumada a constantes séries de desastres,
dicos para que eu parasse de importunâ-lo sobre seu masoquismo. mas, de alguma forma, toda a atmosfera se modificou, centrando-se
Havia reexperimentado seu ataque furioso e saía deste para o tudo em volta de um grande desenvolvimento no relacionamento entre
sadismo oral que pertence à relação primitiva e à excitação sobre
os seios; além disso, alcançou o relacionamento objetal pré-amhí, Milton e o irmão.
~'

valente com o busto na recaptura do gostar de pudins que em .Logo que chegou em casa, vindo da consulta, Milton disse para 1:
'I

sua infância se transformara em fobia de pudins. a mãe, surpreso e indignado: "O Dr. Winnicott disse que eu amo 1:1
1-.
apenas a mim mesmo!" A mãe do menino descreveu a modificação "l
Havíamos passado uma hora e quinze minutos juntos e estávamos ..
}
que nele ocorreu com a seguinte frase: "E como se ele houvesse sido :~I I
ambos satisfeitos por terminar. ;ô I
virado de dentro para fora." Explicou que, considerando que antiga-
'li
mente ele estivesse sempre se gabando sobre o que iria fazer, agora I~(-
falava sobre coisas que realmente estava planejando e todo projeto
Seqüência
se tornava realístico. Pela primeira vez, eles conseguiam' brigar com
ele sem o receio de que ele explodisse em acessos de raiva. Estava
i~ ~I
Um mês depois, os pais vieram falar comigo sobre o menino. Re-
lateí-lhes os detalhes da entrevista e sentiram que a visão que tinham indo bem na escola, como antes, mas agora havia menos sensação de
-do filho se enriqueceu com essas informações. Senti-me razoavelmen- pressão e ele parecia mais relaxado diante de problemas secundários,
te .seguro de que estavam amadurecidos o bastante para não me de- tais como notas e o lugar na forma. Os pais concluíram que apenas flli
dois meses se haviam passado e que havia ainda oportunidade para
~~.
cepcionarem manifestando, ainda que indiretamente, o que eu lhes
havia contado. E preciso lembrar que os pais não têm conhecimento um retorno à condição anterior. Mas não podiam deixar de notar que
do que está acontecendo quando fazemos a psicoterapia de uma crian- a mudança em Milton produziu outras mudanças favoráveis em todo o
ça, e pode-se confiar em que sintam a coisa toda como sendo um mis- ambiente, tanto que de certo modo estava agora, pela primeira vez,
tério. Quando ouvem uma avaliação factual do que aconteceu, podem aproveitando sua família e o que ela podia oferecer. Sobretudo pare-
cia mais liberto da dependência da mãe.
utilizar as informações que lhes são dadas sobre aspectos de seu filho,
que não se tornam evidentes na vida familiar comum. Casualmente, Em um ano, vi Milton quatro vezes, "a seu pedido espontâneo",
esses pais podem acrescentar um ou dois detalhes significantes que e também estive em contato com sua mãe, principalmente por tele-
fone. Muita coisa foi vivida nesse ano e que poderia ser descrita,
enriquecem meu entendimento do caso.
Os pais estavam muito impressionados com uma coisa, o fato de mas não há conveniência em fazê-Io aqui; além disso, quanto mais
que, 'embora sempre fosse evidente para eles que o nascimento dos informações forem dadas, "mais facilmente, talvez, será reconhecido
gêmeos fora um desastre do ponto de vista de Milton, a primeira vez o paciente, a despeito dos disfarces legitimamente adotados.
-que isto realmente o revelou roi depois que voltou da sua consulta A observação da mãe, parece ser importante citá-Ia, já que ela
comigo. Os pais também notaram um certo alívio na tensão, especial. é perspicaz e também está familiarizada com a rotina analítica, atra-
mente entre Milton e seu irmão. Na mesma noite da consulta eles vés de sua própria experiência ao ser nnalisada. Disse ela: "Esse mé-
encontraram Milton e o irmão brincando e lutando juntos no sofá todo que você adotou com Milton, que parece tão pouco ortodoxo, real-
à maneira dos meninos e isso era um aspecto muito novo. Os pais es- mente parece ter funcionado neste caso."

224 22S
Devo acrescentar: funciona por enquanto. Nenhum caso infantil à memória da criança de experiências assustadoras. Com o suporte
está terminado. Contudo chegará um tempo em que a criança cres- do ego fornecido pelo terapeuta, a criança se torna capaz, pela pri-
cerá e se tornará adulta, e mesmo um adulto socializado e indepen_ meira vez, de assimilar essas experiências-chave na personalidade
dente; aí então se poderá fazer uma verificação genérica em relação global.
a padrões de saúde e doença.

Comentário

Esta consulta terapêutica ilustra a espécie de trabalho que é apropria-


do à psiquiatria infantil. Ele é diferente da psicanálise e da psiecte- ~.
1:
rapia prolongada e regular. Em psiquiatria infantil o slogan deve ser "
Qual o mínimo necessário a se jazer na clínica? e obviamente este
slogan pertence a um tipo de caso em que a família e a escola lestão t
\.1.

:\1
II
prontos, esperando para serem usados, se a criança está capacitada a I)
superar algum bloqueio em seu desenvolvimento, bem como a utili- IJ
tn
zar o meio ambiente. Neste caso particular houve sinais desfavoráveis
no começo da consulta, indicando claramente que a criança tinha
grande medo de sentimentos profundos. Gradualmente, pela técnica
aplicada, o menino conseguiu obter confiança no relacionamento, sen-
do assim capaz de jogar. Desse modo, não só se pôde lembrar de
um sonho significante e assustador, mas também reviver o tempo
em que o sonhou, na época em que estava muito perturbado pelo
nascimento dos gêmeos, ou seja, quando estava com 2 ou 3 anos.
Eventualmente, ele trabalhava com dificuldade esse sonho e se desdo-
brava interiormente, tanto que era capaz de acomodar grandes an-
siedades com o impulso primitivo de amor e particularmente com o
sadismo oral. Atingiu ainda a pré-ambivalência e o bom relaciona-
mento inicial com a mãe (pudim) que perdera aos 3 anos. O resulta-
do clínico imediato foi satisfatório e indicava uma mudança real na
personalidade do menino. Incidentalmente, as mudanças nele produ-
ziram modificações favoráveis no ambiente e o resultado geral foi
benéfico.
Neste trabalho, o terapeuta cobra da capacidade da criança o
crédito na confiabilidade humana. O terapeuta permanece um "obje-
to subjetivo" e o trabalho é diferente daquele da psicanálise, no as-
pecto em que isso não é feito em termos de exemplos de transferên-
cia de neuroses.
A interpretação é mínima. A interpretação não é, em si mesma,
terapêutica, mas facilita aquilo que é terapêutico, isto é, o retorno

226 227
PARTE TREs arece nas crianças que vivem em ambiente relativamente bom e,
aomo
P
geralmente .
acontece, crianças dos amigos
. eco Iegas.
INTRODUÇÃO c A teoria não é complexa e tenho feito grande esforço para expli-
cá-Ia em vários ensaios, desde a época em que ela se tornou evidente
para mim, nos anos quarenta. Em certo ponto de minha carreira, eu
evitava pacientes anti-sociais tanto em minha clínica quanto na prá-
tica privada, sabendo que não tinha nada a oferecer e que a chave
estava perdida. Simplesmente via crianças anti-sociais de um modo ro-
tineiro, para poder fornecer anotações para o tribunal. Depois de cer-
Nesta parte, continuo ilustrando o tema da comunicação com crian- to tempo, entretanto, percebi que era capaz de oferecer algum ser-
ças. viço àqueles pacientes que chegavam até mim e que apresentavam
Neste grupo, reuni casos que ilustram a psicogênese da tendência como sintoma principal a tendência anti-social. Desde então, tenho-me
anti-social. A tendência anti-social é representada nesses casos prin- permitido ficar envolvido em muitos desses casos capazes de causar
cipalmente pelo furto, embora outros sintomas principais que têm muitos problemas, mesmo quando cada qual está tentando ser solí-
significação inconveniente estejam incluídos. cito e tolerante.
A teoria é a seguinte: onde a tendência anti-social, em forma de
roubo ou de uma perturbação, é a característica conflitante pela qual
A Teoria da Tendência Anti-social a criança é trazida à consulta, regularmente se encontra no caso um
período anterior em que o ambiente capacita a criança a ter um bom
Minha intenção aqui é ilustrar a teoria que tenho proposto para ex- começo no desenvolvimento pessoal. Em outra linguagem, o processo
plicar a tendência anti-social. Essa teoria é obscurecida quando o maturacional tem uma chance para se estabelecer até certo ponto
caso é trabalhado de forma inadequada ou por outros meios tornado devido à facilidade ambiental oferecida. Nesses casos, pode-se então
complexo, talvez porque as acumulações secundárias tenham sido es- encontrar um lapso ambiental de alguma espécie, tendo como conse-
tabelecidas como uma característica. A pesquisa da tendência anti- qüência um bloqueio no processo maturaciona!. Esse bloqueio ou a
social é mais bem aplicada a casos mais simples ou casos trabalhados reação da criança a novas ansiedades interrompem o curso da vida
anteriormente, especialmente naqueles em que há uma provisão am- da criança. Deve existir uma espécie de recuperação, mas agora há
biental possível de se adaptar a si mesma a realizações que podem um hiato na continuidade da vida da criança, do ponto de vista da
se verificar no caráter e personalidade da criança como resultado própria criança. Poderá haver um agudo estado confusional na fase
de uma consulta. Em todos os casos nesta série (XIII-XXI), pode-se entre a falha ambiental e o que mais se possa verificar no caminho
assim perceber que o furto ou alguma outra forma de atividade anti- da recuperação. Na medida que a criança não se recupera, a per-
social é uma característica. Esta é a espécie de material clínico em que sonalidade permanece relativamente desintegrada e a criança se tor-
baseei a teoria que tenho defendido e desejo reafirmar. E também a na clinicamente inquieta e dependente da direção de alguém ou re-
espécie de prova que tenho utilizado. Quando uma criança rouba e primida por uma instituição. Tão logo haja uma recuperação, pode-se
após a consulta terapêutica isso já não mais acontece, há uma sóli- dizer que a criança (a) passará a maior parte do tempo numa espé-
da conjectura de que o trabalho feito na consulta foi efetivo e por cie de' estado de depressão, angustiada sem saber o motivo, e posterior-
isso baseado em uma teoria que não está totalmente incorreta. Não mente (b) a criança começa a se recuperar. Há esperança, talvez,
desanimo pelo fato de existir um vasto número de casos anti-sociais em virtude de algum evento positivo que emerja no ambiente. E neste
muito sérios para os quais não posso esperar modificações pelo modo ponto que aparece a esperança, que a criança se reanima e retoma ao
que descrevo nesta série. A primeira coisa é estabelecer a possibili- estado satisfatôrio de antes da falha ambienta!. A criança que rouba
dade de entendimento e lidar com a tendência anti-social quando esta está (nos estágios iniciais) procurando a lacuna, esperançosa, ou não

228 229
inteiramente desesperançada, de descobrir o objeto perdido ou a pro- o por exemplo, a idade exata em que se verificou a privação.
visão maternal perdida, ou então a estrutura familiar perdida. M é a criança quem sa be os f atos sigm
coJ11 , . ifiicantes e essenciais.
.. AI'em
Ver-se-ã que em cada família há exemplos secundários em que doa~ais, o que pode ser pri~ação do ponto de vista da criança pode
uma criança se torna menos seriamente carente e é curada pelos io ter sido notado pelos pais,
pais, que (muito naturalmente e sem instrução) sentem que a crian- o Estes são conceitos bem conhecidos. Toda a literatura sobre te-
ça necessita de uma fase de mimos, como se costuma dizer. Mimar apia infantil e assistência social está pontilhada de exemplos. O que
aqui significa dar uma oportunidade limitada e temporária para a ~stou buscando apresentar relaciona-se com a técnica para obter esses
criança regressar à dependência e à provisão materna inerentes a uma detalhes importantes na história passada da criança, através do con-
idade anterior à do momento em pauta. Os pais são freqüentemente tato com ela, e, por isso, de um modo que pode ser utilizado. Esses
bem sucedidos em curar seus filhos dessas carências secundárias e problemas podem ser observados em uma cuidadosa dissecação da
isso fornece a chave para a esperança que o clínico pode ter quanto vasta quantidade de material que surge em um tratamento psicana-
a conseguir a cura da tendência anti-social, quando a terapia pode lítico. Entretanto, há uma tendência de os traços principais dos oasos
ser tentada antes que a criança tenha começado a organizar ganhos se- verdadeiramente analíticos se ocultarem na quantidade de material
cundários. E preciso lembrar sempre que essas coisas permanecem acessível. Sinto que o estudante pode aprender melhor o início desta
no passado esquecido e à parte da vida consciente da criança; mas parte importante da teoria que aplico à tendência anti-social, exami-
é uma surpresa para os que trabalham nesse campo verificar quão nando casos da espécie que apresento aqui e nos quais há uma li-
próximo da consciência o conflito pode estar nesse tipo particular de mitada quantidade de material para descrição. Por essa razão, forne-
enfermidade. Pode ser que tudo o que se necessite seja a comunicação. ço sete casos para ilustrar minha técnica e minha tese.
Grosso modo, pode-se dizer que há dois tipos de tendência antí- Como nos primeiros doze casos deste livro, apresentarei esses ca-
social. Em um, a enfermidade. se apresenta em forma de furto ou sos anti-sociais em forma de descrições do que chamo consultas tera-
C
chamando atenção especial através do ato de urinar na cama, falta pêuticas e a exploração da primeira entrevista. Quando o caso é com- r'
<.
de asseio e outras delinqüências menores que, de fato, dão à mãe plexo, a primeira entrevista pode ser reduplicada, ou prolongada como !!..'
trabalho e preocupações extras. No outro, há a destrutividade provo- uma "exigência da terapia" através de meses ou mesmo anos. Con- lIlll

cando atitudes firmes, ou melhor, firmes sem a qualidade adicional tudo, é conveniente continuar com a idéia da exploração da primei-
de retaliação. Sem entrar em detalhes, o primeiro tipo de criança ra entrevista, para melhor distinguir essa técnica da psicoterapia e
sofre privação no sentido de perda do cuidado materno ou de um da psicanálise. Embora não haja uma delimitação profunda entre esses
"objeto bom", e o segundo tipo sofre privação em termos do pai ou modos de lidar com o paciente, se a entrevista tende a assumir o
da qualidade na mãe que mostra que ela tem o apoio de um homem; padrão de uma série então se estará começando uma psicoterapia e
isto inclui a atenção dela, ou talvez sua capacidade para resistir a o trabalho começa a mostrar qualidades diferentes. Em psicoterapia o
ataques e ser capaz de reparar estragos feitos nas roupas, tapetes, pa- trabalho se organiza automaticamente em termos de transferência
redes ou janelas da casa. e análise de resistência, tanto que, após umas poucas entrevistas,
Desnecessário dizer que não há valor algum para a criança na pode-se denominar melhor o tratamento de psicanálise ou terapia
apreensão da história que o psiquiatra ou assistente social pode ten- analítica.
tar e que é feita através de outra pessoa que não a criança. Não tem Em meu primeiro paciente há um fato muito simples que pode,
utilidade alguma saber através da mãe ou de uma história social que talvez, conduzir o estudante através de avaliação detalhada: ocorreu
aos' 2 anos e meio a criança mudou de caráter após ter estado em um qu: a criança veio para mim por causa de roubo e por ser um la-
hospital para extração de amígdalas. O único valor em sentido te- drao compulsivo até a ocasião da consulta, mas foi-se embora de
rapêutico está na descoberta desses problemas na consulta terapêu- tal maneira transformada que a mãe notou imediatamente essa mu-
tica com a criança. Ela pode estar errada em relação a detalhes capa- dança; e desde aquele momento ela nunca mais roubou. Ela havia
zes de ser corrigidos posteriormente e que não são significantes, tais redescoberto a mãe de sua infância anterior. Podia agora encontrar

230 231
o seio materno e não mais necessitava ansiosamente buscar a saída de
uma maneira compulsiva e sem consciência do motivo. Esse resultado
não poderia ser obtido por puro acaso.
Muitos dos casos não são claros como este, mas espera-se que
este caso possibilite o estudante a se interessar em fazer um exame PACIENTE XIII' "Ada" aos 8 anos
da tendência anti-social como uma expressão de esperança na crian-
ça que, na maior parte do tempo, é desesperançada, uma desesperança Farei agora uma descrição completa e detalhada de uma entrevista
causada por uma quebra na continuidade do curso de sua vida, sendo psicoterapêutica com uma garota de 8 anos, que foi trazida até mim
essa quebra passível de uma reação maciça, automática e inevitável por causa de furto. (Havia também enurese, mas isso não estava além
a uma falha ambienta!. da compreensão e tolerância dos pais.) É no final desta longa des-
crição que o leitor encontrará a ilustração da rejeição, representando
uma dissociação na estrutura da personalidade da criança. Este é :,
um traço importante no paciente anti-social e explica a compulsão i,
motivada inconscientemente para roubar, fazendo com que a crian- 'I
:1.
ça se sinta louca, tanto que desde o início ela busca ajuda. 11

:i

Detalhe rejerencial

A escola deixou claro que os furtos de Ada estavam causando


problemas e que ela teria de deixar de freqüentar as aulas se o sin-
toma persistisse. Era-me possível ver esta menina uma ou mais vezes,
mas ela morava muito distante para que eu pudesse pensar em termos
de um tratamento. Por este motivo foi necessário que eu agisse ba-
seado na necessidade de fazer todo o possível' na primeira consulta
psicoterapêutica. Este era um caso clínico em um hospital.

Detalhe Técnico

Vi a menina antes de ver primeiro a mãe, que a trouxe. A razão era


que não estava interessado em obter uma história apurada, mas que
a paciente se abrisse para mim, vagarosamente, à medida que fosse
adquirindo confiança, e que o fizesse tão profundamente quanto lhe
fosse possível assumir o risco.

, Publicado anteriormente em Crime, Law and Corrections, ed. Ralph Slovenko


(Charles C. Thomas, 1966), sob o título "A Psyehoanalytie Viewof Antissoeial
Tendeney".
232 233
Descrição da Entrevista
II11
Ada e eu nos sentamos a uma mesa pequena, onde se encontra.
vam pequenos pedaços de papel, lápis e alguns creions em uma
caixa.

Havia dois assistentes sociais psiquiátricos e um visitante presen.


tes, sentados a poucos metros de nós.

Primeiro Ada me contou (em resposta a minha pergunta) que


tinha .8 anos. Tinha uma irmã maior, de 16 anos, e também um
irmão menor, de 4 anos e meio. Depois disse que gostava de
~I~III, desenhar: ••~ meu hobby favorito."

(Esta não era uma entrevista em que o Jogo dos rabiscos fosse
necessário.)

(1) Flores num vaso.

(3) O balanço no playground, sol e algumas nuvens.

Estes três desenhos eram pobres como desenhos e não possuíam


imaginação alguma. Entretanto, as nuvens convencionais no terceiro
desenho tinham um significado, como aparecerá no final da série.
Eu não tinha a menor idéia de seu significado neste estágio.

(2) Uma lâmpada pendurada no teto, em frente a ela.

234 235
Ada então desenhou:

·1
:1.
11

:1
~
1\

(4) Um lápis. "Oh, Deus! Você tem uma borracha? Está engraçado; (5) uma casa, com um sol, nuvens (novamente) e uma planta florida,
há alguma coisa errada com ele." perguntei se sabia desenhar uma pessoa.
Eu não tinha borracha e disse que ela poderia alterâ-lo se esti- Ada respondeu que poderia desenhar.
vesse errado, e ela respondeu, enquanto o consertava: "Está mui-
to gordo." (6) sua prima, mas, quando fez o desenho, disse: "Eu não sei dese-
nhar mãos."
Comentário
Comecei então a acreditar que o tema dos furtos poderia apare-
Qualquer analista lendo isso teria prontamente pensado em vá- cer, e deixei-me conduzir pelo "processo" da própria criança. De
rias espécies de simbolismo e nas várias interpretações que poderia agora em diante não importa o que eu disse ou deixei de dizer exata-
ter feito. Neste trabalho as interpretações são esparsas e ficam reser- mente, exceto que deveria estar adaptado às, necessidades da criança,
vadas para momentos significativos, como será ilustrado. Natural- Bem exigir que ela estivesse adaptada às minhas próprias necessidades.
'mente três idéias vieram ao pensamento: (1) pênis ereto; (2) bar- As mãos ocultas poderiam estar relacionadas' tanto com o tema
riga grávida; (3) eu (sell) atarracado. do furto quanto com o da masturbação - e estes temas estão inter-
Fiz comentários, mas não interpretações. Por exemplo, enquan- relacionados quando o ato de furtar vem a ser uma atuação tacting
to ela estava desenhando out) compulsiva da masturbação reprimida ou fantasias de indução.

236 237
(Há uma indicação adicional de gravidez neste desenho da p . o presente?" Sem dúvida eu estava querendo testar a habilidade
rl de Ada para desenhar mãos. Então ela desenhou.
ma, mas o tema da gravidez não se desenvolveu de maneira signific :
tiva nesta sessão. Isso nos conduz, inevitavelmente, à gravidez da m:
de Ada, quando a menina estava com 3 anos.) e

Ada racionalizou. Ela disse: "Ela está escondendo um presente."


Perguntei: "Você pode desenhar o presente?"

(7) O presente - uma caixa de lenços.

Ada disse: "A caixa está torta."


I Perguntei: "Onde e-Ia comprou o presente?" E ela desenhou.
II11
.
·1
(8) A loja de Iohn Lewis (uma grande loja de Londres). ).
11

Nota: A cortina abaixo da metade do desenho. (ver n." 21 ) :1

Agora perguntei: "O que acha de desenhar a garota comprando

I1111 I

(9) este que novamente mostra uma mulher com as mãos ocultas,
porque está sendo vista atrás do balcão. '

Observe-se que as figuras estão sendo desenhadas com linhas


mais fones, agora que a imaginação entrou na concepção delas.
O tema de comprar e dar presentes entrou na apresentação da
própria criança, mas nem ela nem eu sabíamos que esses temas se
tomariam casualmente significantes. Eu sabia, contudo, que a idéia
de comprar está regularmente aplicada para encobrir a compulsão
,.,
~
!,
!••
de roubar, e que dar presentes geralmente significa o encobrir a mes-

,~
ma compulsão.
)
~.

Falei: "Eu gostaria muito de ver corno esta menina é olhada de


trás." Então Ada desenhou.

(10) Esta figura surpreendeu Ada. Ela disse: "Oh! Ela tem braços
compridos como os meus; ela está procurando alguma coisa. Está

236 239
com um vestido preto de mangas compridas; este é o vestid ,l.lJ J-Ieste desenho está retratada a mão do irmão de Ada, com um
que foi de mamãe e agora é meu." o
dedo extra para chupar.

Então a figura desenhada acabou sendo a própria Ada, Neste Observem os dois objetos semelhantes a seios onde há nuvens
desenho as mãos estavam abertas de uma maneira especial. Os de. os desenhos anteriores. Pode ser que este desenho inclua lembran-
I
dos me lembraram lápis grossos. Não fiz interpretações. ~s da visã~ ?o irmão, ~tlando bebê, no colo da mãe e próximo ao
11 seio. Não fiz mterpretaçoes.
Levantamento No~so trabalho a dois estava agora pegando fogo. Pode-se di-
zer que a criança estava (sem o saber) querendo saber se seria se-
Não havia muita certeza de como as coisas se desenvolveriam; talvez guro (isto é, benéfico) ir mais profundo. Enquanto se via assim tão
isso fosse tudo o que eu poderia conseguir. Em uma pausa perguntei
sobre técnicas de fazer dormir, ou seja, de lidar com a mudança do engajada, desenhou
estado de vigília para o dormir, e o tempo difícil para crianças que (13) "Um orgulhoso alpinista."
estão tendo sentimentos conflitantes sobre masturbação. Ada disse:
"Tenho um urso muito grande." E enquanto o desenhava ama.
velmente,
(11) me contou a história dele. Ela também tinha um gatinho vivo
que ficava com ela na cama quando acordava. Aqui Ada me
falou de seu irmão que chupa dedo e fez o seguinte desenho:

t
.'
t•
I~
.'~

Is~o foi na ocasião da escalada do [monte] Everest por Hilary


e Te~smg. Esta idéia deu-me a medida da capacidade de Ada para
experImentar uma realização e, no campo sexual, de atingir o clímax
'I
t.,

Pude usar este detalhe como uma indicação de que Ada seria capaz
de me trazer seu problema principal e me dar a chance de ajudá-Ia.

240,
241
Por isso me senti confiante enquanto esperava; esperava o quê?
Não fiz interpretações. Estabeleci, deliberadamente, uma ligação
111I1
com sonhos. Falei:
"Quando você sonha, sonha com alpinismo e coisas assim?"
111

Sonhos
111
II111 Seguiu-se uma avaliação verbal de um sonho muito estranho. O que
ela disse, falando muito rapidamente, foi algo assim:

I111111111
d "Vou para os E.U.A. Estou com os índios e consigo três ursos.
O menino perto da porta está no sonho. Ele é rico. Eu estava
perdida em Londres. Houve uma inundação. O mar chegou até
à porta da frente. Todo mundo fugiu num carro. Deixamos al-
guma coisa para trás. Eu acHo - não sei o que era. Não acho ,
que fosse o meu ursinho. Acho que foi o fogo." .\
:11
Disse-me que esse era um pesadelo muito ruim que teve uma 11

vez. Quando despertou, correu para o quarto dos pais e deitou na :\


:i
cama deles, onde dormiu o resto da noite. Estava, evidentemente, re- li
1j
latando um estado confusional agudo. Este foi, talvez, o ponto central
da entrevista, ou a chegada essencial ao fundo de sua experiência de !~.,
~.
doença mental. Se isso for verdade, então o resto da sessão poderia :1..,
ser encarado. como a figura da recuperação do estado confusional.
~
C.
Depois disso, Ada desenhou
(14) Pincel e caixa,

(15) Uma áspide em que estava pensando enquanto falava de corridas (16) Um desenho estranho, indicando uma mistura de casa (residência
e um outro sonho com escorpiões que mordem "andando pelos fixa) e caravana (casa móvel, lembrando-lhe dos feriados com
braços e um outro maior na minha cama", e a família); e depois

(17) Uma aranha venenosa.

A aranha possuía características que a ligavam à idéia de uma


,
mão; é muito provável que a aranha, aqui, simbolize tanto a mão
que masturba quanto o órgão genital feminino e orgasmo. Não fiz ,.
~

interpretação. "
"I

Perguntei-lhe o que poderia ser um sonho triste e Ada respondeu:


••
"Alguém foi morto; mamãe e papai. Mas estava tudo bem com E
eles." '"
ti

E prosseguiu: "Ganhei uma caixa com trinta e seis lápis de cor."


(Referência ao pequeno número colocado por mim e, suponho,
à minha mesquinharia.)

242 243
fantasia de Ada.
Ada desenhou
! 1;1 (18) Um homem negro está matando uma mulher. Há alguma coisa
atrás dele, com dedos ou algo parecido.
1

II11

Neste ponto chegamos ao fim de uma fase mediana. ~ preciso


lembrar que eu não sabia se algo mais iria acontecer, mas não fiz
interpretações e -espereí pelo funcionamento do processo que se ha-
via estabelecido na criança. Eu' poderia tom.?r. a referência à minha
mesquinharia (lápis) como um sinal de que s·eu pr6prio impulso de
roubar seria apropriado neste ponto da entrevista. Entretanto, conti-
nuei a não fazer interpretações e a esperar,· caso Ada desejasse ir
mais além. A seguir, Ada desenhou
(19) O ladrão, de cabelos arrepiados, era engraçado, como um palhaço.
A VItima Fase Ela disse: "As mãos de minha irmã são maiores que as minhas." ..,.
O ladrão estava roubando jóias de uma mulher rica, porque que- t,
Após algum tempo, Ada disse espontaneamente: "Sonhei com ria dar um belo presente à sua mulher. Ele não podia esperar )1
um ladrão." até que tivesse dinheiro. 1""'1

Aqui, a um nível mais profundo, aparece o tema representadc ~;


Agora começou o estágio final da entrevista. Pode-se observar anteriormente pela garota comprando a caixa de lenços numa loja, '11
que os desenhos de Ada se tornaram muito mais nítidos, agora que para dar de presente a alguém. Ver-se-á que há formas como as nu-
ela fora acionada em seus impulsos e necessidades profundos. Pode- vens dos desenhos anteriores, e estas têm agora forma de cortinas, e
se sentir quase o contato com os impulsos inconscientes e fontes de ;' há um laço.

244 245
Não interpretei, mas fiquei interessado no laço, que, se desa.
IntervençãO Ativa
tado, poderia revelar alguma coisa. Isso pode ser a representação Vi agora o laço como representação simbólica da repressão, e me
gráfica da consciência nascente ou o alívio da repressão. Essas con]. parece que Ada estava pronta para ter o laço desatado. Por isso, disse-
nas e o laço reaparecem no
lhe:
(20) desenho do presente. Ada acrescentou, olhando para o que havia "Você já afanou [roubou] alguma coisa alguma vez?"
desenhado: "O ladrão tem uma capa. O cabelo dele parece Com
cenouras, ou uma árvore, ou moita. Na verdade ele é muito
gentil." Este é o ponto onde o objeto de meu estudo da tendência anti-
Agora intervi. social aparece na descrição de uma entrevista terapêutica. -e por este
Perguntei a respeito do laço. Ada disse que
pertencia a um circo. (Ela nunca fora a um.) detalhe que o leitor é convidado a seguir o desenvolvimento do pro-
E desenhou cesso na criança, que usou a oportunidade para entrar em contato
comigo. Houve uma reação dupla à minha pergunta, e aqui está re-
presentada a dissociação. ,
,\
:1.
Ada (I) disse "Não!" e ao mesmo tempo (2) ela pegou outro li

pedaço de papel e desenhou :\

(21) Uma macieira com duas maçãs; e a este desenho acrescentou


grama, um coelho e uma flor.

(21)
que mostra um ilusionista. Isto pode ser entendido como uma
tentativa de abrir caminho para fora do problema não solucio-
nado. Aqui, novamente, estão as cortinas e o laço. A dissociação
é representada pelo fato de que a figura agora está em duas me-
tades, em que a cortina está abaixada, mas também está suspensa
e a ação do ilusionista continua.

246 ze7
Isso mostrou o que estava por trás da cortina. Representava a uadris da mãe. O tema dos seios continua nas mangas fofas. Os
I II descoberta dos seios da mãe, que estavam ocultos, como por Corti- qbnbolOSda fertilidade são os mesmos do desenho anterior da casa
nas, pelas roupas da mãe. Dessa maneira uma privação fora simboli_ 11 estão também substituídos por números.
I
zada. O simbolismo deve ser comparado e contrastado com a visão e O trabalho da entrevista está agora terminado e Ada gastou pou-
1II1 direta retratada no desenho nQ 12, que contém a lembrança do ir. CO tempo para "chegar à superfície", jogando o jogo que continuou
mão quando bebê em contato com o corpo da mãe. O desenho nQ o tema dos números como símbolos da fertilidade:
12 não tem significação terapêutica para ela.
(24), (25), (26).
Fiz um comentãrlo neste ponto. Disse: "Oh, compreendo. As
11: cortinas eram a blusa de sua mãe e você agora encontrou os seios
dela."
1111

11' Ada não respondeu, mas, em lugar disso, desenhou com óbvio
prazer

I~
I~I

11"

"11

(23) "Este é o vestid~ da mamãe que eu mais gosto. Ela ainda o tem."

O vestido é da époc{em que Ada era pequena, e na verdade é


tão alto que os olhos da criança estão mais 011 menos na região dos

248 249
1II

JI
todo o possível para atenuar o problema, mas foi só uns dois
raJll depois que Ada parecia ter-se recuperado da contrariedade cau-
anos
da por essa per dd'--
a a irma-mae.
S8 por essa ocasião, Ada (7 anos) começou a roubar; a princí-
'0 da mãe e, mais tarde, na escola. Recentemente, isso se tornou
!:n' problema sério, mas Ada não podia parar de Iazê-lo por si mesma.
Até mesmo pegou dinheiro de sua professora e pediu a ela que rele-
vasse o fato, mostrando, assim, que não conseguia lidar com a im-
plicação total do ato de furtar.
Paralelamente a essa compulsão de roubar, a vida escolar de
Áda estava sendo afetada por uma falta de habilidade para se con-
centrar quando fazia algum trabalho. Ela assoava o nariz constan-
temente e estava ficando gorda e desajeitada (ver desenho n? 4 - i
I "lápis muito gordo - alguma coisa errada com ele"). I.

1m
Em resumo: Ada sofrera uma privação relativa aos 4 anos e 9
I
meses, apesar de estar vivendo com sua própria família num bom lar.
Em resultado disso, ficou confusa, mas quando começou a redescobrir ,.
,.,
o senso de segurança, desenvolveu o furto como uma compulsão dis- "
.)
sociada, Não podia reconhecer seus furtos por causa da dissociação.
,bll
·1

c:
Resultado desta Entrevista Psicoterapêutica c:j
)Ílt
A entrevista produziu um resultado. Embora Ada viesse roubando
Ada estava pronta para ir, e como se encontrava em um esta- até a ocasião da entrevista, não mais o fez desde então, o que já faz
do de felicidade e contentamento, pude ter uns dez minutos com a seis anos. Seu desenvolvimento escolar também melhorou rapidamente.
mãe, que ficara 'esperando uma hora e quinze minutos. (A enurese noturna, entretanto, não ficou solucionada até um ano
após a entrevista.)
Resumo da História Primitiva Sua mãe contou que a menina saiu da clínica com um novo re-
lacionamento com ela, um relacionamento fácil e íntimo, como se um
Nesta breve entrevista consegui saber que Ada se desenvolvera satis- bloqueio houvesse sido removido. Esta descoberta de uma antiga inti-
fatoriamente até os 4 anos e 9 meses. Ela superou a dificuldade do midade persistiu e parece ter mostrado que o trabalho feito na entre-
nascimento do irmão quando estava com 3 anos e meio, com um in- vista teve .o efeito de um verdadeiro restabelecimento do contato mãe-
criança, que fora perdido na ocasião em que a irmã maior transferiu .
teresse um tanto exagerado por ele. Aos 4 anos e 9 meses, o irmão
\~

f'l1

(então com 20 meses) ficou seriamente doente e continuou doente. sua atenção de Ada para o irmão doente. ):1
Ada era muito provocada pela irmã mais velha, mas agora que >"
ti r
~\j!
(quando o irmão ficou doente) essa irmã mais velha transferiu abso-
lutamente sua atenção para o irmão pequeno, Ada se sentiu seriamen- A Dissociação ~jl
te carente. Isso aconteceu pouco antes de os pais perceberem que Assim, aqui está um exemplo da dissociação a que me referi. Ada
Ada fora seriamente afetada pela perda do interesse da irmã. Fize- não podia parar de roubar por si mesma. Guando lhe foi pergunta-

250 251
do, na entrevista, "Você já roubou?", respondeu firmemente q "Cecil" aos 21 meses, na
"Não!", mas ao mesmo tempo mostrou que naquele momento n~ IACIENTE XIV
precisava mais roubar porque havia encontrado o que perdera _
primeira consulta
contato com o seio de sua mãe em sua prõpría realidade psíquica in~
terior, ou em termos de representações mentais, ou de objetos inter. Este caso se refere a um menino, cuja característica no desenvolvimen-
nos. A linguagem não importa; o que importa é que a dissOCiação to emocional e~a a capaci.dade p~ra regressar à dependência em seu
cessou, já que esta se havia transformado numa defesa que não era aJDbiente familIar. Os pais localizaram .~de~uadame~te. essas ~e~res-
mais necessária.
BÓCS e assim as transfor~aram em experiencias terape~h~as positivas.
Os detalhes do caso ilustram bem a teoria que é necessária nUIll O caso apresenta mteresse especial por estar íntímamente li-
I l/h trabalho desta espécie, se terapêutico ou cust6dio, com crianças delin. gado com episódios regressivos que caracterizam a vida de qualquer
!II~ II qüentes e anti-sociais.
criança em um confortável ambiente familiar, isto é, distante de pro-
I , Illill blemas de enfermidades psiquiátricas, na criança ou na família.
,10,1
O procedimento deste caso foi baseado em seis consultas, espa-
çadas da seguinte maneira:

Data Idade do menino


(nascido em out/1953)

12 de julho de 1955 21 meses


12 de outubro de 1955 24 meses
li de fevereiro de 1956 28 meses
6 de fevereiro de 1957 3 1/2 anos

Intervalo
I1II
17 de outubro de 1961 8 anos
1.0 de fevereiro de 1962 8 anos
1IIIi

II1 CeciI me foi indicado pelo professor de sua escola maternal,


em um distrito fora de Londres.

Consulta com o Pai, em 12 de Julho de 1955


Primeiro entrevistei o pai, que estava verdadeiramente interessado
1III em seu filho e tinha um bom controle de toda a situação. Em uma
entrevista de uma hora ele me contou OS detalhes da vida de Cecil.

FAMtUA
Havia duas crianças do casamento: Cecil, 21 meses, e Kenneth,
1 mês, que na ocasião estava sendo amamentado. O pai des-
creveu a mãe como "inteligente, mas nem sempre fácil" Cecil

252 , 253
nasceu normalmente (uns 3 quilos) e fôi amamentado du- o segundo filho nasceu em casa, cinco semanas após esta con-
. meses. EI'
OIto e era aVI.do e ".."
exigia a I'imento. Na verdade ante
lta com o pai. Cecil estava com 20 meses quando o bebê
5Uasceu. Durante as tres semanas que antece deram ao nascrmen-
eram ao nasci
um tanto voraz e iria se inclinar a acordar depois de Uma hoera
A

to do bebê, a sintomatologia de Cecil se tornou pior, especifi-


tanto que a partir. d'as seis semanas nao - dormi
orrma direito pra,
camente em relação à sua dificuldade de dormir e quanto a acor-
isso levaram-no a uma clínica, onde lhe deram cloral, D~ u:
dar chorando, e ele começou a resistir a ir para a cama. Na
modo geral, era feliz como um bebê e começou cedo a brincar
noite anterior à consulta, chorou por quarenta e cinco minutos,
Era fácil de lidar, e o desmame, aos 8 meses, não apresento~
dificuldades. jogando tudo fora, esperneando e se debatendo. Tinha ataques
dessa espécie quase todos os dias e, às vezes, duas vezes por
O pai disse que a esposa fora mais competente com Kenneth
cuidando dele muito bem desde o começo, melhor do que de dia.
I II~I! Cecil, além de ter tido dificuldades reais com Cecil nas primei.
111

ras semanas. Aos 10 meses, Cecil estava se desenvolvendo bem.


Antes de o bebê chegar, os pais tentaram contar a Ceci 1 o que
'I aconteceria, mas ele não entendeu, por mais que se esfdrçassem.
Sentou e caminhou no tempo certo. Aos 21 meses ainda não
r I;'11
usava palavras. Quando o' bebê chegou, ele "não ficou interessado nele", ou
11
'11i olhava para ele e empurrava seu nariz e orelhas, e levava seus
1111,
pais a prestarem atenção em outra coisa. Ao mesmo tempo, que-
COMEÇO DOS SINTOMAS ria colo e carinho.

O pai, então, tentou descrever as dificuldades que o trouxeram FENOMENOS TRANSICIONAIS


a mim. Disse que Cecil mudou em novembro de 1954, com a O pai, quando fiz perguntas de rotina, me contou que Cecil, a
idade de 13 meses. Ele relacionava isso com o fato de a espo- princípio, chupava a mão fechada, depois, o polegar, mas ape-
sa ter ficado grávida no mês anterior, e era certo ela ficar an- nas quando ia dormir. Nunca se apegou a nenhum objeto em
siosa quando começou a nova gravidez. Aos 13 meses, CeciI especial. Entretanto, durante o mês anterior, ou seja, desde o
começou a regredir. Ele manifestou novamente o que o pai des- nascimento do bebê, chupava o dedo o dia todo, principálmen-
creveu como "suas dificuldades de bebê", a falta de sono, em te se o bebê estivesse sendo amamentado. Na verdade, Cecil
I/!III
" particular, e, no plano geral, a falta de confiança na mãe, tan- não havia tentado mamar no peito, mas ficava muito contente
to que se tornou necessário que tanto o pai quanto a mãe fi- quando se alimentava na mesma hora em que o bebê estava
11,1'
1I1
cassem com ele. Ao mesmo tempo, começou a perder o interesse mamando. O pai disse que as brincadeiras, agora (21 meses)
em brinquedos. Toda noite acordava várias vezes, e acordava quase que cessaram. Água e areia eram rejeitadas e os brinque-
gritando, e o pai ou a mãe tinham que ir dormir com ele. Por dos perderam a importância. Às vezes sentava-se abatido e fi-
outro lado, estava se alimentando bem e crescendo proporcio- cava chupando o dedo. Por outro lado, desenvolveu um inte-
nalmente, havendo então surgido um certo interesse em música. resse novo e muito positivo em música. Gostava das tarefas
domésticas, fingindo lavar roupa e usar o forno.
USO DO URINOL
O clínico geral foi útil no tratamento de Cecil, mas chegou um
Ceci! era capaz de usar o urinol. se assim o quisesse, mas nesta tempo em que os remédios já não estavam mais fazendo dife- )1
fase (que começou quando estava com 13 meses) desistiu com- rença para o estado de Ceci I.
pletamente de o fazer. Não estava usando fraldas, mas urinava
no chão sempre que sentia vontade. Os pais não eram severos Neste estágio da entrevista, percebi que já havia sido consulta-
quanto a esse aspecto. do sobre este caso, por telefone, por um colega. O pai me disse que

255
254
o médico o aconselhou e à sua esposa a contratar uma babá-enfenn fica patologicamente (hipocondriacamente) ansiosa quando grá-
ra para Cecil. Achei engraçado quando percebi que, ao Contradizel- vida), encontra-se mais propriamente em um sério estado de re-
~ . este conse lh o, estava contra diizen d o a mim
com veemencia . meslller gressão, mas seu apetite e saúde em geral não estão muito
e isso me mostrou o quanto é diferente o conselho que alguém di afetados; e o pai, no momento, parece capaz de perceber as
necessidades da criança. Tenho certeza de que você concordará
sem estar familiarizado com o modo como se age quando se está em
contato real e direto com o caso. Os pais tentaram usar uma babá, Illas comigo em que deixar a criança aos cuidados de uma babá só
Cecil lego recusou deixá-Ia suplantar os pais, embora parecesse gos- seria uma boa coisa se os pais não pudessem realmente cuidar
tar dela. dela. Deve ser uma questão de opinião se pode ser dito que há,
agora, uma falha na percepção das necessidades especiais da
criança. Creio que os pais não estão faltando à criança no mo-
Comentário mento e que são capazes de cuidar da criança em sua doença
presente.
Agora que, em vez de falar com um colega por telefone, eu es- Não tenho dúvidas de que a criança, que parece não se ter I
tava em contato direto com o caso, longe de aconselhar uma babá, importado com o nascimento do bebê e até gosta dele, ficou se- I.

percebi que estava inteiramente comprometido com a idéia de capaci- riamente afetada pela mudança de atitude da mãe em outubro,
tar esses pais a lidarem eles mesmos com a doença da criança. Levei quando esta ficou grávida e ansiosa.
em consideração o fato de que, ao lado de todos esses problemas, Ce- Esses pais considerarão a psicoterapia para o menino, muito
cil era meigo e muito dócil, e estava mesmo se afeiçoando ao nenen- embora isso vá significar uma considerável perturbação da rotina
~II I zinho. Ele era capaz de aproveitar positivamente o sono na cama dos familiar. Sugeri que todo o problema seja adiado até depois das
pais, exceto quando tinha um desses acessos de choro, ocasião em que
Ilr' I nenhum recurso adiantava.
férias.

11 :/
1
Fui forçado a concordar com a sugestão do pai de que o padrão
de cada distúrbio precoce infantil das primeiras semanas parecera ser Em 14 de julho de 1955 recebi a seguinte carta do pai:
ll reatívado em detalhes neste novo período que começou em novem-
illll bro, ao lado das ansiedades. iniciais da mãe em relação à gravidez. Seu conselho sobre Ceci! nos ajudou a nos sentirmos mais
11 Após esta consulta, escrevi a seguinte carta a meu colega: confiantes em nossa condição de achar que somos capazes de aju-
/111
dá-lo nós mesmos, como pretendíamos fazer. Escreveremos no-
I1111 "w Esta é uma nota oficial sobre o assunto de Cecil. Encontrei- vamentepor volta de 20 de agosto, como nos sugeriu.
II
me numa posição difícil, entrevistando um homem e descobrindo,
durante a entrevista, que ele já o havia consultado. Entretanto, Essa carta confirmou a idéia que eu havia formado sobre ele
pondo de lado toda a questão de ética, eu estava em uma po- e a mãe do menino desejarem lidar pessoalmente com Cecil, caso eu
sição ridícula de revogar o conselho que eu mesmo tinha dado os ajudasse a fazê-lo. Respondi com a seguinte carta, em 15 de julho:
e que você passou a esses pais. Disse ao pai que eu e você às
'I.•
vezes discutíamos casos e que me lembrava de você haver fa-
lado sobre o conselho que propôs para esse caso, e que, na épo- Tenho certeza, agora, de que, se vocês são capazes de cuidar
'''fi

ca, me pareceu eminentemente sensível. Por uma razão ou ou- de Cecil, será muito mais satisfatório do que procurar ajuda ex- :1
terna. Por outro lado, não devemos nos sentir temerosos se se "'''
tra, achei o quadro da situação familiar diferente do que es- ,~II
perava a partir do que você me relatou. fizer necessário tomar a outra decisão. Desde que falei com
A criança, que começou a mudar em outubro passado, no você, senti-me inclinado a encorajá-Io a tentar resolver o pro-
momento em que a mãe percebeu que estava grávida (ela sempre blema por vocês mesmos.

256. 257
Na carta que o pai me mandou em agosto, contou-me os pro, A mãe foi-me contando sua versão da história, que era muito
gressos que ocorreram, dando-me exatamente os detalhes que eu dese- similar à dada pelo marido. Disse que CeciI estava feliz, agora, e dor-
java saber: 'ndo muito melhor do que quando seu marido o trouxe, aos 21
mleses. Ocasionalmente eI'
e gritava ou fiicava perturbado de uma ou-
Como você deve lembrar, pediu-me que lhe escrevesse con.
:a maneira, geralmente na hora da alimentação do bebê, que ainda
tando como nosso filho Ceci! estava indo desde que o vi em ju-
lho. mamava no seio. '
Então falou nas mudanças que ocorreram em CeciI, razão pela
Durante as últimas três ou quatro semanas ele tem sido mais
qual me consultaram. Ele brincava normalmente antes de fazer um
feliz a maior parte do tempo - mas alguns dias ele fica infe-
ano, mas depois perdeu a capacidade de brincar.
liz. A alimentação, as brincadeiras, o sono e a cooperação em
geral, esses aspectos melhoram ou se deterioram igualmente. Neste ponto da consulta Ceci! se mexeu, um tanto desperto, colo-
Durmo com ele na cama. Ele acorda uma ou duas vezes duran- cando um dedo na boca da mãe, enquanto chupava seu próprio
te a noite, agora, e algumas vezes se levanta chorando e gritan- dedo.
I
do, mas durante menos tempo do que anteriormente. De ma- A mãe prosseguiu, contando os detalhes do que aconteceu em "
nhã e depois do meio-dia, quando dorme com minha mulher, novembro, dois meses depois da concepção de Kenneth, quando ela
acorda quase sempre sem chorar. Não usa a cama dele normal- realmente não se estava sentindo bem e quando Ceci! (com mais
mente, apesar disso gosta de ficar subindo e descendo da cama, ou menos 13 meses) começou a se alterar. CeciI parou de usar o
indo, geralmente, dormir no chão.
urinol e começou a querer ser tratado como um neném, dormindo no
Brinca mais do que antes; ainda continua gostando muito berço e insistindo para ser banhado como um bebê. E nessa brinca-
de música e dança; fica muito entusiasmado com livros de figu- deira, ele queria ser posto no berço da mesma forma como a mãe
ras. Ainda não fala, mas faz uma quantidade maior de sons (22 faria com o bebê, e agora (aos 2 anos) fazia isso com um boneco.
meses). -
Algumas vezes, recentemente (disse a mãe), ficava aborrecido, baten-
Algumas vezes ri e faz muito barulho, outras, fica muito do no irmão e na mãe. Ela reconheceu nisso uma espécie de desen-
quieto, parecendo triste, e então chupa o dedo. Está sempre pa- volvimento em outra técnica, muito embora ele se transformasse em
recendo pálido e cansado. bebê novamente. A mãe falou que estava muito ocupada ou preocupa-
Eu ficaria muito contente se você pudesse ver Ceci! e minha da com o novo bebê e Cecil ficou ressentido, a princípio. Cecil come-
mulher. Estamos ansiosos para saber se ele deverá ter um trata- çou a ter um comportamento mais afeiçoado em relação ao pai quan-
mento, ou se acha que ele crescerá saudável sem a sua ajuda. do o relacionamento com ela estava tenso. Agora (aos 2 anos) Ce-
Gostaria muito que minha mulher o visse, já que ela tem des- cil se distraía brincando consigo mesmo, ou seja, não usava brinque-
necessariamente perdido a confiança, e acho que seria de gran- dos, como antes de ficar doente. Ele se tornara "quase que obsessiva-
de ajuda se pudesse mostrar a ela um quadro geral da situação. mente" limpo e se sentia muito satisfeito em ajudar na arrumação
da casa e na cozinha. Vestia-se sozinho, com uma pequena ajuda, e
Depois dessa carta, arranjei uma entrevista para a mãe de Ce-
cil. Eu estava começando a achar que ela tinha tendência a humores estava se alimentando normalmente.'
depressivos e medos hipocondríacos. Em resposta a minhas perguntas, a mãe me disse que Cecil tinha
um ursinho desde a mais tenra idade, mas que este brinquedo nunca
significou muito para ele. Agora tinha um boneco que estava se tor- I
Consulta com a Mãe, em 12 de Outubro de 1955 ,1\',

~II
A mãe trouxe CeciI. Ceci! dormiu durante quase toda a entrevista
1 Pensando bem, pode-se dizer que a perda do uso de brinquedos indicava a
no colo dela. Nessa ocasião, ele estava com 2 anos e seu irmão com perda do simbolismo, devida à perda do objeto simbolizado. Isto, eventual-
4 meses.
mente, torna-se a base para o furto. '

258 :lSq
nando importante para: ele, dê um modo especial. "Ele conyersa Com
o boneco", disse ela, "fazendo sons pelo boneco e alimentando-o pelo Parece ser feliz e capaz de aproveitar a companhia de uma
umbigo." babá temporária. Está obcecado por limpeza e brinca com. água.
Sua queixa principal sobre Cecil era que ele não falava. Fazia. Veste-se quase sozinho. Está se alimentando-bem. Há uma ausên-
se entender, contudo, e entendia tudo. Não havia crianças com quem cia quase que completa de brincadeiras com brinquedos e isso
ele brincar. permanece como sinto~a principa!, e está be~ claro que ele
CeciI tinha bom aparelho vocal e começara a gostar de banho ainda brincava com brinquedos ate novembro, quando adoeceu
novamente e brincar na água mexendo nas torneiras e nas pias. em reação às mudanças ocorridas na mãe.
Pessoas estranhas na casa faziam-no sentir ansioso e ele ficava Ele veio à consulta dormindo e dormiu durante quase todo o
o tempo todo ao lado da mãe, chupando o dedo, sem fazer contato tempo. Semidesperto, colocou o dedo na boca da mãe e ficou
com os estranhos. A mãe disse que o pai nunca se aborreceu com Ce- chupando o outro dedo. No final, despertou e se comportou
cil; ele, na verdade, era muito paciente. Durante a semana, quando como uma criança inteligente. Ainda estava sonolento mas brin-
o pai tinha de se ausentar de casa, Cecil chorava muito e a mãe cou com um brinquedo que lhe dei e depois jogou-o fora. Ele
I
interpretava isso como saudade do pai,· e 'esse fato algumas vezes li ainda não havia dito uma palavra que fosse identificável, mas r •

aborrecia. Ela preferiria que o pai fosse mais enérgico, pois sentia falava com seus bonecos em. sua própria linguagem e entendia
que os problemas tendiam a aparecer quando o pai se ausentava; tudo, fazendo-se entender.
Ele tem uma boa estrutura física e acho que seus músculos
quando ele estava presente, Cecil procurava por ele, em vez de re-
. correr a ela. Quando Cecil acordava chorando, à noite, era 'mais vocais não são débeis .
comum que ele se agarrasse ao pai, em vez dela. 1 Acho que, a partir dessas observações, se verificará que o
risco que assumi ao aconselhar a mãe a cuidar dessa criança
Depois desta consulta escrevi a meu colega, em 13 de outubro: se tem mostrado justificado. Há ainda uma perturbação no sono,
mas geralmente isso se refere ao fato de ele acordar uma vez,
Uma nota adicional sobre essa criança. Aos 24 meses, ele o que não é tão mal. Ele vai dormir feliz e acorda feliz, de
ainda não está falando. Por outro lado, há muitos sinais de de. manhã.
senvolvimento e acho que a mãe está lidando satisfatoriamente Um fator mais importante, que corresponde ao nervosismo
com o difícil problema de educar a criança mais 'velha enquanto da mãe, é a natureza gentil do pai. B difícil para o pai dar or-
, cuida do bebê. Cecil está gradualmente emergindo de sua neces- dens ou ficar aborrecido. A mãe diz que se alguém tem que se
sidade de comportar-se como se fosse bebê e tem sido até rnes- aborrecer, jamais esse alguém será ele. Dessa forma, os finais
mo capaz de -expressar sua raiva em relação ao irmão e à mãe, de semana são os piores dias, com o pai em casa, a. criança
quando estes estão juntos. Em parte, está resolvendo seu pro- choramingando o tempo todo, agarrada ao pai e rejeitando a
blema juntamente com as linhas de identificação com a mãe, mãe. Durante a semana, com o par ausente, ele não é uma
sendo preocupado coma arrumação da casa, o que ele faz rnui- criança difícil e raramente chora, parecendo estar feliz.'
to bem, e'tratando o boneco exatamente como se trata um bebê.
Um bom sinal é que ele adotou agora, pela primeira vez, um ob- Há um longo caminho para essa criança percorrer ainda,
jeto, um boneco, e também está se interessando pelo ursinho mas acho que ele poderia se tornar uma criança normal se usás-
que tem há muito tempo, mas que anteriormente quase que igno- semos a palavra normal de uma forma mais ampla.
rava. Ainda chupa o dedo, em momentos apropriados.

1 Agora nos parece estar errado que Cecil, nesse estágio, necessitou do pai 1 Isto parecia contradizer uma afirmação anterior, mas uma mudança estava
como se fosse a mãe, para suplantá-Ia quando ela falhou. se_estabelecendo, pertinente à incerteza de Ceci! quanto ao pai, se era uma
mae substituta ou pai. Isto foi num estágio intermediário.
260
261
Intervalo. Outubro de 1955 a Fevereiro de 1956 Compare com o comportamento anterior:
(a) Dedo na boca da mãe
Depois vi a mãe em 8' de fevereiro de 1956 e ela trouxe Ceci! nova. (b) Dedo na bolsa dela
mente. O pai também veio. (c) . Chave na fechadura da bolsa dela, e agora
Fuiinformado de que o bebê (8 meses) havia tido eczema, mas (d) Tirando dinheiro da bolsa dela
por outro lado, estava bem e ainda mamava no seio. Cecil (agora co~ Tudo isso relacionava-se com um progresso no relacionamento
2 anos e 4 meses), de um modo geral, estava feliz. Começara a Usar interpessoal. Por todo o tempo seu interesse nos brinquedos em mi-
palavras de uma sílaba. nha sala estava em suspenso. Era óbvio que ele tinha um interesse
potencial neles, mas não podia apanhá-los. Tirou um botão da bolsa
Enquanto eu falava com os pais, 'Cecil estava chupando dedo,
com a outra mão na bolsa da mãe. da mãe e deu-o a ela. A mãe disse: "Do meu casaco", mas ela não
o pegou, e este detalhe ilustra um detalhe muito sutil na mãe, que
Compare isso com o comportamento de Cecil durante a consul- constitui uma dificuldade na capacidade de ela se comunicar e dei-
ta de 12 de outubro. A bolsa tomava o lugar, agora! da boca da mãe. xar que se comuniquem com ela ao nível mais primitivo. Exatamen-
Contaram-me que Cecil estava brincando mais, mas todo o tem- te nesse ponto ela falhou em aceitar; mas deve-se lembrar que ela
po certificando-se de que a mãe estava lá e pronta para lhe dar aten- estava interessada em seu relacionamento comige, na consulta.
ção. Mostrava um leve interesse no bebê, sendo até mesmo, ocasional- A mãe relatou que Ceci! continuava a usar a cama dos pais.
mente, afeiçoado a ele; outras vezes, porém, demonstrava que o bebê Esperando por ele estava um berço no quarto dos pais. Parecia que
era um aborrecimento para ele. As refeições eram tranqüilas. Não havia ainda alguma dificuldade sobre os pais saírem juntos, pois
mais insistira para que os pais fizessem as refeições com ele. Um podia-se esperar que ele acordasse das 9 horas em diante, e então
relacionamento afetuoso com a mãe retornara, mas o relacionamento esperava vê-los em casa.
muito positivo com o pai (que algumas vezes desnorteava a mãe) con- Escrevi novamente a meu colega em 9 de fevereiro de 1956:
tinuava. Mas agora conseguia sentir-se bem com o pai e a mãe jun- Esta é para mantê-lo em contato com o progresso de Cecil.
tos e conseguia deixar que o pai saísse sem ficar tenso. Agora estava Agora parece uma criança normal. Usa muitas palavras e se
usando o urinol outra vez para defecar. comunica livremente, embora sem frases; brinca sozinho e não
Em relação à linguagem, Cecil já conseguia comunicar idéias fica mais o tempo todo obcecado em colocar-se na posição de
complexas ou ordens. Por exemplo, podia mostrar o cordão do sapa- um bebê em relação à mãe. Ele passaria por normal mas ain-
to desamarrado; se a mãe não o amarrasse ele dizia: "Soltou!" da existem alguns sintomas residuais. O problema principal é
à noite, embora as noites sejam muito melhores do que eram
Neste ponto da. consulta Cecilestava descobrindo os brinquedos antes. Agora aceita que os pais fiquem juntos e já não tem
na sala, enquanto chupava o dedo. As chaves da sua mãe haviam problemas quanto ao pai sair para trabalhar. Por outro lado,
caído no chão e ele as colocou na fechadura da bolsa dela. Uma precisa dormir na cama dos pais, com o pai virado para ele -o
nova versão do dedo na boca da mãe. Chaves, agora, representa-
vam dedos. Pode-se ver aqui a raiz do interesse dos ladrões com- tempo todo. Isto significa que os pais nunca podem ficar jun-
pulsivos em chaves e fechaduras. tos, e para a mãe significa uma enorme frustração. Eles con-
"I
cordaram em prosseguir assim por mais alguns meses, se lhes
for assegurado que o sacrifício valerá a pena. "I
Ceci! quisera trazer seu boneco, apesar de a mãe ter dito: "Ele ~:I
realmente não se interessa muito por ele." Ultimamente, ele chupa- A técnica global, que na verdade pode ser chamada de
va o dedo com menos freqüência. "mimo", parece ter surtido efeito; além do mais, a mãe diz
ill
I que ele está se tornando mais capaz de fazer um contato mais
Enquanto conversávamos, ele tirou dinheiro da bolsa da mãe. direto de dar e receber, e isso é mostrado em relação à outra
I1I

1/:11111
262 263
I

II!II JI~ II11


criança que, a propósito, teve eczema mas por outro lado é Ele ficava dormindo perto do pai ou atravessado sobre a parte in-
normal. ferior da cama. A mãe disse que o amava muito. mas às vezes ele
ficava irritante. "As coisas são muito mais fáceis com Kenneth."
Meu próximo contato com os pais foi por carta, desta vez da A família mudou de casa e havia mais crianças na nova vizi-
mãe (2 de julho de 1956). Nessa carta, a mãe discute a complicação nhança do que na da casa antiga, incluindo uma menina de 5 anos.
do comportamento agressivo de Cecil para com o irmão. Ela pôde Entretanto, Cecil não fez nenhuma amizade. A mãe falou que a ca-
ver que essa agressividade tinha dois lados: a evidência que mos- pacidade de brincar do menino era variável; acrescentou: "Ele fica
trou da saúde de Cecil e, ao mesmo tempo, a desvantagem do pon- ansioso pela visita das crianças, mas quando elas vêm, fica impos-
to de vista do irmão. Respondi à carta dos pais (4 de julho de sível." Da mesma forma, o relacionamento dele com o irmão é im-
1956): previsível. "Em resumo, Cecil tem dois lados em sua natureza",
disse ela; "um lado é feliz e gentil, e o outro é possessivo e ciumen-
Sua idéia de manter o menino em casa parece ter sido jus- to. Neste último, ele tende a brincar sozinho, imaginando que é um
tificada. Não acho que possa fazer muito sobre os sintomas trabalhador ou coisa assim." t ,

Nas roupas, ele escolhe se vestir de preferência como menina do ,


restantes. Seria muito difícil reconhecer o fato de que Ceci!
tem razões para odiar o irmão. Espero que ele goste dele, e que como menino, e evidentemente inveja o papel da mulher. Conti-
não gostaria se ele não estivesse lá para ser odiado. Vocês estão nuou a chupar dedo e não tem um objeto regular, da espécie que
muito certos em não fazê-lo sentir-se culpado; o trabalho de chamo de "transicional", mas adotou muitos bonecos e os mantém
vocês é simplesmente prevenir para que não aconteça nenhum no berço. Eles são crianças. Ainda está muito chegado ao pai. De-
acidente com o bebê. Não há razão alguma, contudo, para senvolveu uma fobia por médicos, mas isso é o resultado de ver seu
não deixá-lo saber que através de seu comportamento voces se- irmão sendo vacinado e o ouvir chorar. Às vezes se coça todo, como
rão obrigados a tomar partido do irmão. Deve ser muito desa- se lembrasse do eczema de Kenneth, mas não produz nenhum ar-
gradável para vocês que Cecil ainda esteja indo dormir na ranhão com isso. Se com os pais, ele dorme facilmente, mas se esti-
cama de vocês à noite. Tudo o que posso dizer é que, se vocês ver sozinho, fica acordado, sentado, coçando-se até sangrar. Não se
puderem ter paciência, este deve ser o melhor meio de lidar notou masturbação genital alguma; está falando uma grande quan-
com o problema, esperando pelo desenvolvimento. tidade de coisas e gosta muito de histórias. A mãe está agora cui-
dando dacriança sozinha, sem ajuda de outra pessoa. Um novo tra-
o contato seguinte foi uma visita da mãe (6 de fevereiro de ço é ele bater deliberadamente na mãe quando está aborrecido com
1957). Cecil estava agora com 3 anos e meio. ela, e .a mãe sente que ele agora pode se permitir aliviar a raiva
Quando a mãe falou comigo sozinha, durante uma hora e meia, algumas vezes. Tem remorsos depois que bate nela.
relatou uma enorme mudança. Não apenas no desenvolvimento de Depois de uma discussão, decidimos que Cecil devia 'continuar
Cecil, mas também quanto a ele estar mais feliz. Entretanto, ele não a receber indulgência especial à noite, se os pais pudessem continuar
ficava em sua própria cama. Ela e o marido não tiveram uma única a fazê-lo. A tensão na mãe era muito grande e deixei claro que eu
noite sem ele. Tinham que aproveitar o fato de Ceci! dormir no entendia o problema. .
berço até por volta das 2 horas da madrugada para terem uma vida Após esta consulta, escrevi a seguinte carta a meu colega (7
sexual, enfim. "Ceci! se sente no direito de estar na cama de seu de fevereiro de 1957):
"~,
pai e fala sobre isso. Nós lhe dissemos", contou a mãe, "que ficá-
Recebi uma visita da mãe de Cecil. Aparentemente, o meni- JII
vamos aborrecidos e ele respondeu: 'Quando eu ficar grande'."!
no conseguiu uma boa recuperação, como se próximo a emer-
gir de sua dependência. Esta regressão tem sido agradavelmen-
1 Compare com a fase sofisticada (p. 260). te percebida pelo pai e pela mãe, que têm feito concessões para

265
264

~lll~1
"mimá-Io". o sintoma residual é sua necessidade de conr da descoberta de que a mãe estava grávida.' Um dos sintomas
nuar a dormir na cama dos pais, o que causa uma séria te 1: principais é a ?ificuld.ade para dormir. . .
são na mãe, mas ao que ela está conseguindo resistir mais p~ Sei que ha uma lista de espera para as crianças ingressarem
algum tempo. na escola, e tudo o que desejo fazer é relatar as dificuldades
Há ainda, naturalmente, uma boa quantidade de evidência de Cecil e dar minha opinião de que, tão logo ele possa utilizar
de perturbação emocional, especialmente se os pais tentam li. os serviços de uma escola maternal, isto será importante para
dar com o sintoma principal de qualquer outra maneira que o desenvolvimento dele.
não seja permitindo que a situação continue. A maior parte
do dia Ceci! se sente feliz e brinca. Em resposta a esta carta, o comitê regional de educação. deu per-
missão para a "admissão em caráter excepcional de Cecil na escola
Depois recebi uma carta da mãe (9 de março de 1957), na qual
matemal local".
ela propunha a idéia de uma escola maternal:

Quando o visitei há umas poucas semanas, sobre nosso fi. S 8 ANOS


Ito Ceci! (3 anos e meio), você concordou em que seria bom
para ele ir para uma escola maternal. Apenas quando comecei Intervalo. Março de 1957 a Outubro de 1961
a providenciar para que fosse para uma das escolas locais, perce.
bi que havia uma longa lista de espera em qualquer uma delas O contato seguinte ocorreu em outubro de 1961, quando a escola pri-
(uma delas aconselhou-me a inscrever a criança com 6 meses mária me pediu para ver Cecil, agora com 8 anos, porque ele havia
de antecedência). Tenho tentado tanto as escolas públicas quan- roubado. A mãe veio com Cecil e eu falei com ela antes de ver o
to as particulares. Nas públicas, disseram-me que deveria es- menino. CeciI estava agora com exatamente 8 anos e seu irmão, com
crever à autoridade educacional, contando-lhe a respeito da di- 6, freqüentando a mesma escola.
ficuldade de Cecil, e se eu tivesse uma carta sua, seria de gran- A mãe informou-me que Cecil havia melhorado, mas que nun-
de ajuda para conseguir a vaga na escola e então Ceci! prova- ca fora uma criança fácil de lidar. Havia sempre fases de dificuldades.
velmente conseguiria a matrícula. Gostaria de saber se você acha Quando passou da escola maternal para a escola primária, começou a
que valeria a pena fazer isso agora ou se seria melhor dar lu- roubar, ou seja, quando encontrou dificuldades em seu ambiente pela
gar a situações mais urgentes. primeira vez, e estava fora de sua casa," Continuava em Cecil o con-
flito entre sua ansiedade de ser grande e sua vontade de ser peque-
Como resultado desta carta, escrevi para a Secretaria de Educa- no. Houve alguns roubos em casa; dinheiro havia sido tirado da bol-
ção (13 de março de 1957): sa da mãe e recentemente, também, ele estava roubando dos amigos.
Ele também "achou" um relógio. Na escola estava se comportando
Entendo que a Sra. X, agindo sob minha orientação, tentou bem, fora ,os roubos. Não parecia preocupar-se com a escola, até uma
uma vaga em escolas maternais. Eu gostaria de reafirmar esta semana antes da consulta, e depois essa preocupação começou a mos- ,
trar-se corno sintoma e ele acordava à noite e sentia dores de estô- )1
necessidade, com base em que Ceci! tem atravessado longos pe-
ríodos de tensão, e considero que, agora que ele está se desen-
volvendo, tem grande necessidade da ajuda que uma escola
maternal pode oferecer. .
-
~ Não teria sido prudente descrever nesta carta a maneira como o menino
)11
2 Ora afetado pela reação patológica da mãe à idéia de ter concebido.
Cecil teve uma consulta comigo, pela primeira vez, aos 21 à Princí?io de realidade contrastado com "mimo" terapêutica, ou adaptação
meses. O menino tem um distúrbio sério, que surgiu a partir neceSSIdade especiais associadas com regresso à dependência.

266 267
mago. "Havia até um arranhão em seu ombro", disse a mãe "de' 'revista Pessoal com Cecil, aos BAnas (Outubro de ':161
.,
do a ciumes do
o irmao.
í - " , VI·

Fiz uma observação de que a mãe se encontrava em estado de.


Desenhos
pressivo. O pai continuava a ser muito paciente em seus cuidado
com a família e a mãe ansiosa de uma maneira geral. S

Depois de ver a mãe, dei a Ceci! (8 anos) uma longa entrevista


pessoal. Coloquei a mesinha entre nós e estabeleci contato na base
do jogo dos rabiscos.
Naturalmente, era muito interessante para mim estar em contato
com este menino de 8 anos, quando eu ainda me lembrava clara.
mente dos nossos primeiros contatos, quando ele estava com 21 me.
ses e depois com 2 anos e 4 meses.

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(1) Meu primeiro rabisco, que ele transformou em um lago. 'l
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(2) Dele, que usei para indicar um homem ou um menino.

(3) Depois ele fez um carro de meu rabisco. Cada um de seus dese-
nhos mostrava considerável imaginação.

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(4) Dele, que transformei em uma espécie de animal.

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(5) Ele transformou o meu em uma pessoa. r :I


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(6) Dele, que pude transformar apenas em o que ele chamou de um
desenho.

(7) Ele transformou o meu em uma estátua com uma espada, nova-
mente manifestando ingenuidade e imaginação criativa.

(8) Dele, que transformei em um crocodilo.

(9) Ele transformou em duas maçãs juntas.


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Lembrei-me do modo como ele, aos 24 .rneses, colocou um. ded Dele. No sonho ele ficou no hospital por um longo tempo. Ele
(11) realmente quebrou o braço, mas na verdade só ficou no hospital
na boca da mãe, enquanto chupava o outro. Alguma coisa reduPlicado
aqui pode ser uma unidade. a por duas horas. Ele caiu no pátio da escola.

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(12) Transformou o meu em pedras. Este tinha a ver com férias na I
(10) Ele então fez um rabisco que eu disse serem três maçãs e per- ')
guntei: "Já sonhou com-maçãs?" França e representava penhascos.
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Ele respondeu: "Eu sonho com o que acontece no dia anterior
e com o que fiz; geralmente coisas bonitas." Quando perguntei
sobre sonhos tristes ou desagradáveis, ele disse que teve um so-
nho triste com um amigo que quebrou o braço.

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274 275
Perguntei-lhe sobre as vantagens de crescer e assim saber mais
sobre as coisas. Respondeu: "Eu não quero crescer; é uma pena
(13) Transformou o meu rabisco em uma letra G, que disse parecer que a gente tenha que passar das idades de garoto."!
com gancho, porque ele estava exatamente indo prender os fi-
lhotes [de algum animal]. Neste ponto ponderei com uma interpretação. Referi-me aqui às
maçãs e disse que elas podiam significar seios e sua necessidade
(14) Dele, que transformei em um esquilo, de acordo com ele. de estar em contato com sua própria infância e a alimentação no
seio.
(15) Meu. Ele o transformou em uma jarra com flor.
Agora (1970) estou pensando nas três maçãs de seu desenho n."
(16) Dele, que transformei em uma flor num vaso. Enquanto estãva-
mos fazendo isso, ele falava sobre solidão e tristeza. Ele sabia,
10, que eu disse poderem ser três seios, em termos de exagero da for- \,1
:~II ma maternal que aparece na mitologia COlnO uma deusa de três seios.
disse ele, o que era estar solitário. Nos primeiros dias de escolll
não sabia o que fazer. No primeiro dia ficou todo confuso depois "
da oração e entrou atrasado. ~II
I ~oi interessante chegar a esta versão sofisticada, aos 8 anos, de seu cornen-
tário aos 3 anos: "Quando eu ficar grande", em relação à idéia de dormir
leparado dos pais (pág. 250).

276 277
Os três seios' de Artemis poderiam ser interpretados como a negação
da ameaça de fracasso na colheita.
e um ponto importante na minha apresentação que esta íntee,
pretação tenha parecido natural ao menino, que fora mantido em con.
lil~ I
tato com relações objetais de infância através da operação da ten-
dência regressiva, que foi mais do que adequadamente percebida pe,
los pais em sua técnica de tratá-Io.

Perguntei, neste ponto, sobre o pai e a mãe e como ele os solicí.


tava quando queria ser pego no colo e tratado como um bebê.
Ele dise que solicitava mais a mãe porque "papai está sempre me
mostrando como as coisas são, como aparar a grama e essas col-
sas". Em outras palavras, sentia que o pai o incentivava a crer
cer. Aqui estava uma negação da importância do pai em SUL'
mais tenra infância. Ele disse que era bom em escavações. "Sou
péssimo em fazer coisas na escola que eu já sei, como somar;
faço isso para nada; isso é muito chato. Coisas novas e excitan-
tes eu gosto de fazer."

Fiz então uma pergunta direta sobre roubo e ele me falou sobre
um pequeno furto e também sobre um sonho em que um carro
estava sendo roubado. O sonho li
I~

(17) seguiu-se a um acidente real. No acidente real, o carro tinha


nele malas arrumadas para uma viagem e a família tinha que ir )
I;i a algum lugar mais próximo de casa. Neste desenho e na asso- '.
ciação do menino a ele havia uma mistura de fatos reais e de
sonho. Também me contou como havia tomado emprestado a
I~I, caneta de um amigo para usá-Ia, o que constituía um roubo.
Então disse, como se se houvesse lembrado de algo importante:
Supus que era importante para ele expressar seu sentimento d~
"Quando meu irmão tinha 2 anos, ele roubou um xelim meu."
usurpação, pelo irmão, de seus direitos, através dessa forma concreta.
Aqui a consulta terminou e o menino foi embora em bons termos
comigo e muito contente por ir.
Nesta entrevista consegiu obter uma nova versão dos conta-
tos antigos em que Ceci! me viu, estando seus pais presentes. A se-
i
qüência era: primeiro, ligava seu gesto de chupar o dedo com a re-
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IL clamação de um direito à boca de sua mãe; depois, usava a bolsa
de sua mãe e seu conteúdo (incluindo dinheiro) em vez da boca da
ld
I mãe. Agora me contou sobre furto e sobre ser roubado. s.,

O detalhe principal desta consulta, relativo ao tema presente, é III


que o desenho das maçãs e minha interpretação tinham significado
I~II1I para ele, em razão de a ponte adentrando o passado e o inconsciente
!

ter sido mantida aberta pela tendência regressiva deste menino. Os

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