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novidade? 1
Quando chamo a atenção para essa ideia de olhar “à moda da filosofia”, não
imagino apontar um espaço privilegiado ou um olhar que se coloca de uma maneira
superior a outros. Julgo que meu convite se justifica em virtude da familiaridade que
tenho com este espaço e da especificidade desse olhar que procura ver com
clareza, abrangência e profundidade o objeto do seu enfoque – aqui no nosso caso,
a inovação em educação – considerando-se a pergunta que é proposta
provocativamente: “Será que a inovação é um compromisso com o novo ou com a
novidade?”.
Penso que é por aí que vamos trilhar o nosso caminho. Vou partir da própria
proposição desse título da palestra porque acho que ela já traz um primeiro gancho
para pensarmos juntos, uma vez que coloca de imediato a ideia de compromisso,
articulada às ideias de inovação e de educação.
Penso que é aí que começa mesmo a nossa discussão, neste gancho com a
noção de historicidade, de compromisso presente em nossa ação. O que caracteriza
o novo? Será alguma coisa desconhecida? Será algo ainda não experimentado?
Quando me pedem para falar sobre alguma coisa que está muito presente
em nosso cotidiano, e que, por isso mesmo, às vezes tem a sua significação meio
esquecida por nós, costumo sempre fazer recurso ao dicionário, para buscar a
etimologia e o significado dela decorrente. Desta vez, fui ao Aurélio, que registra a
inovação como “ato de tornar novo, de introduzir novidade em alguma coisa”.
Buscando o significado de novo eu descubro “o que tem pouco tempo de existência,
o que é recente, o que é visto pela primeira vez, moderno”. E então somos levados
a indagar: O que será uma nova universidade? Um novo curso? Um novo
professor? Uma nova proposta curricular?
Precisamos estar alertas para isso, mantendo acesas as perguntas. Isto não
quer dizer que não busquemos respostas, que existem e são boas, mas as
provocações contidas nas perguntas nos alertam para o sentido de olhar de uma
maneira nova uma realidade que já estava sendo olhada de uma outra maneira
antes.
Penso que possa ser essa uma primeira contribuição para pensarmos um
pouco no sentido da inovação no trabalho que realizamos na universidade, no
trabalho de pensarmos os nossos currículos. Ir em busca, não propriamente do
novo, mas do original, ir em busca de algo nas suas origens. E quando me refiro às
origens não estou falando no começo. Gosto de fazer, por exemplo, a distinção
entre origem e começo da filosofia. Em alguns manuais de filosofia, costuma-se
encontrar a seguinte afirmação: “A filosofia começou na Grécia, no século VII ou VI
antes de Cristo, no momento de uma elaboração feita de uma maneira mais
sistematizada pelos pensadores naquele momento”. Talvez devamos concordar
com eles sobre isso. Mas se perguntamos pela origem, é bem diferente. O que é
origem da filosofia? Nós descobriríamos que é o espanto diante da realidade, a
dúvida diante de questões que nos provocam, a experiência de situações que
chamaríamos de situações-limites. Elas originam a filosofia, estimulam o espírito
crítico. É nessa medida que imagino que se possa falar de uma novidade próxima
da originalidade, da busca da origem, daquilo que é provocador, estimulador de
irmos adiante e organizarmos de forma diferente o nosso trabalho.
Quando menciono essa originalidade, retomo o que aqui já foi afirmado pela
professora Maria Isabel Cunha, lembrando o percurso que a PUCCAMP vem
fazendo, em busca de uma formação da graduação que seja uma formação de raiz.
Falo em origem pensando um pouco na associação com raiz. Mabel Cunha dizia
que era importante buscar os conhecimentos para uma formação sempre
continuada, quem sabe nova ou original, a cada etapa do processo. Isso é uma
coisa importante para a gente pensar: uma novidade ou originalidade, quem sabe,
permanente. George Steiner traz uma rica contribuição, quando afirma sobre algo
que é “inevitável e sem precedentes, como o sol de cada manhã”. Quem sabe a
novidade que a gente busca seja exatamente essa, de uma perspectiva de
continuidade, mas uma continuidade que é sempre original. O nascer do sol de cada
manhã é, sem dúvida, originalíssimo, sem precedentes. Como pode ser o nosso
trabalho na medida em que procuremos essa sua raiz, essa sua origem.
Agnes Heller, filósofa contemporânea cujo pensamento tem trazido uma rica
contribuição à nossa reflexão, diz que as perguntas que são críticas, essas que nos
levam às esquinas de que fala Cristovam, são perguntas pueris, perguntas das
crianças: por que isso é assim?, será que não poderia ser diferente? A partir delas,
vai se encaminhando de uma maneira diferente nosso exercício crítico.
Isso é muito caro para mim na minha reflexão, na medida em que vai ao
encontro de uma temática que venho explorando em meu trabalho, que é
exatamente a dimensão ética de um trabalho na educação, a dimensão ética da
competência do educador. Venho defendendo a ideia de que o trabalho que
realizamos terá significado de verdade se for um trabalho que faz bem, isto é, um
trabalho que fazemos bem, do ponto de vista técnico, e um trabalho que faz bem, do
ponto de vista ético, a nós e aqueles a quem o dirigimos.
Penso numa transformação que aponte para redes, mais maleáveis do que
grades, mais flexíveis, que tenham sua significação ampliada nos nossos dias.
Redes de comunicação, que não são usadas para aprisionar as ideias, mas para
difundir, para partilhar. Acho que a discussão que se faz aqui ganha sentido
exatamente porque cada um sai eventualmente de um espaço gradeado e vem na
perspectiva de entrar na rede, navegar junto com os outros, como a gente faz hoje,
na Internet. Imagino que assim a gente teria mesmo uma perspectiva
interdisciplinar.
Acho que não pode se esquecer mesmo essa noção de corpo. Um corpo que
não se coloca apenas na perspectiva material em que comumente se fala, quando
se fala, separando, em espírito e corpo. O corpo a que me refiro é corpo que é
espírito junto, que não separa. Não falo em corpo docente na presença puramente
física, mas naquela interação com o aluno para a qual, na certa, quer apontar
Gusdorf. Penso que está aí o significado mais precioso do fazer bem de que venho
falando. Eu quero uma aula que faça bem para o aluno, porque ele se sente
acolhido por mim pessoalmente, mas também porque, com a minha mediação, ele
tem oportunidade de apropriar-se do conhecimento sistematizado, que lhe permite
agir significativamente na construção da cultura.
Quero partilhar com vocês, ao final, alguma coisa como provocação para a
nossa palestra, a conversa que vai se seguir nesta noite. Primeiro, na direção da
necessidade de não se guardar no costumeiro, lembrando algo que Marina
Colasanti nos traz, quem sabe já conhecido de alguns, mas que “vira original”
quando a gente ouve juntos aqui:
Lição primeira: não se acostumar; pelo menos, não desse jeito, em que se
perde a vida. Se queremos que o nosso trabalho faça bem, precisamos contribuir
para que com ele a gente ganhe a vida. Costumamos dizer que ganhamos a vida
com o que fazemos - “Ganho a vida dando aula na PUCCAMP”. Ganha mesmo? O
que efetivamente temos feito, que condições temos tido, para ganhar? Levando em
consideração a questão do currículo, essa é uma pergunta fundamental para nós.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
por o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.
Lição segunda: buscar a originalidade na convivência, construção coletiva,
direcionada para algo que se espera de nós socialmente. Para que ensinar
geografia? Para que ensinar regras gramaticais? Para que ensinar resistência dos
materiais? Para saber das penínsulas, das regras gramaticais, da resistência dos
materiais. Sem dúvida! Mas, para mais que isto – para fazer com que o indivíduo
possa estar ampliando o seu espaço e o dos outros no mundo, e com isso
estabelecer algo que – aí sim! – tenha mesmo sempre uma marca de originalidade.
Imagino que seja esta a questão que se coloca para nós quando nós
pensamos sobre a inovação e o compromisso que temos que ter com o novo – com
a novidade, sim – se eles representarem essa busca de originalidade, uma
originalidade que provoque o bem. Não um bem qualquer, abstratamente
considerado, mas o bem comum, a possibilidade de todos partilharem, enquanto
agentes, da criação e socialização da cultura e da história. Na universidade, na
sociedade, nos grupos de que fazemos parte, nesta véspera de terceiro milênio,
véspera de novo século. Millôr Fernandes diz: “E aí chegará o ano 2000 e seremos
todos do século passado!”. Seremos, ao mesmo tempo, novos homens daquele
século XXI, daquele terceiro milênio, se nos mantivermos nesse propósito de um
trabalho conjunto, que procura andar à frente com coragem e com competência.
Obrigada.
Referências Bibliográficas