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Conversando sobre politicas

inventiva
Cognitivas e formação

Virginia Kastrup

Pós-Graduaçäão
em Psicologia da
Programa
de
o m o professora do Îui orientadora de
de Janeiro (UFR]),
Universidade Federal do Rio o tema
convidou a pensar que me
me
doutorado da Rosi e foi ela que
a Rosi e grande parceira,
uma
Atualmente
de hoje.
traz ao encontro

Estadual do Rio de Janeiro


(UERJ) de
Universidade
fazendo aqui na importante,
a meu ver, é muito
São Gonçalo uma experiencia que,
campo da educa-
cognição inventiva
no
levando à frente o tema da
"Encontro e con-
agradeço o convite para participar do 1
çao. E eu
professores: politica de cognição,
versas sobre formação inventiva de

pesquisa e Conselho Escolar". rede que vem


esquentar essa
Estou aqui para ampliar a rede, para
conversar um pouco com voces, falar um
Sendo construida e para

pouco sobre os pontos de interseção


entre a psicologia e a educação.
Eu sou do campo da psicologia cognitiva, onde venho procurandoo
os
abrir novos problemas, encontrar poros de respiração, transpor
limites tradicionais. Creio que é na direção que voces tra-
mesma

balham aqui no campo da educação, abrindo o tema da formação

inventiva, dando outra direção ao problema da formação, buscando


tambem ultrapassar limites e resistëncias, construindo deslocamen-
tos, como disse muito bem a Marisa. Eu quero agradecer a oportu-
nidade de estar aqui hoje, trocando ideias e falando um pouco da
abordagem da cognição inventuiva, abrindo uma primeira conversa
e esperando que possamos ter outras que deem continuidade e
ajudem a plantar a formação inventiva nesse curso de formação de
professores. Já abordei esse tema em outro texto,' mas hoje vou pro- I Kastrup, 2005

curar avançar mais algumas ideias.


Da maneira como eu venho trabalhando já há algum tempo, a
invenção não e um processo cognitivo dentre outros. Existem vários
processos cognitivos, como a percepção, a memória, a aprendizagem
e a
linguagem.A invenção não é um processo a mais, e sim certa ma-
neira de entender a cognição, de colocar o
problema da cognição. 2 Kastrup, 2007

Pensando a partir da perspectiva da invenção, falamos de


percepção,
memória, aprendizagem e formação inventivas,
alargando, dessa ma
neira, a discussão para campo da
educação. O conceito de apren-
o

52
dizagem inventiva é aquele que vai mais diretamente desembocar
na ideia dá formação inveniva Seguindo a abordagem da cogniçao
inventiva a aprendizagem não é apenas um processo de soluçao de

problemas, mas inclui a invençãode problemas, a experiencia de pro-

Diematizaçao. Gaprendercomeça como uma experiência de probie


matização, de invenção de problemas ou de posição de problemas. E
envolve também á mundo.Não é questão de adaptação
a um mundo
invenção de
preexistente. Essa colocação, que pode parecer mui
Simples, na verdade não é nada trivial. Estamos dizendo que apren-
der é inventar mundos- não só
e se adaptar a certo mundo exIStec
Bu acho importante ressaltar que é impossivel pensar a questão da
invença0 sem pensar em suas ressonáncias politicas, em suas implica-
çoes politicas. No nosso caso, as questões da aprend1zageme da for
maçao nao tém
relação com a adaptação a um mundo preexistente,
mas, ao contrário, com a problematização desse mundo que poderia
ser concebido como
preexistente, como dado desde sempre, como
natural. A aprendizagem inventiva remete a
invenção de mundos, a
invenção de novas realidades. Trata-se de uma ideia que as vezes so
entendemos aos poucos, é preciso que ela ressoe em nos. Pois a ideia
de conhecimento e a própria ideia de aprendizagem ganha um sen-
tido muito diferente quando perspectivadas pela invenção.
Outro aspecto importante ser destacado è que a colocação de
que conhecer é problematizar; e, ao mesmo
tempo, inventar um
mundo vai muito além de uma
posição teórica. Ela vai constituir o
3 Kastrup,Tedescobe que chamamos de uma politica da cognição.' A ideia da cogniçào
Passos, 2o08
como invenção é bastante pautada no trabalho de Humberto Matu-
4 Maturana e Varela, 1995 rana e Francisco Varela,' dois biólogos chilenos
que desenvolveram
a teoria da
autopoiese. Com esta teoria, eles problematizaram uma
noção muito instituida, muito pouco
questionada e muito naturali-
zada no campo dos estudos da
cognição: a ideia de que conhecer é
representar um mundo preexistente. Segundo essa
concepção tradi-
cional da cogniço,que é
conhecida comolmodelo da
existe um sujeito do conhecimento,
representação
um objeto e uma
de representar, de
capacidade
produzir
especie de copia, equivalente ou
uma

correspondente mental do mundo externo. E uma ideia que nào tem


nada de inquestionável, mas ela e muito
enraizada em nós. E uma
ideia cognitivista.
A
primeira coisa que e preciso ter clareza para entender a
de politicas da cogniçào é
noção
que essa concepção
representacional foi
produzida historicamente. Mas ela nos parece natural. Ela
ideia mais natural possivel. Ela està construida parece a
em nós e, ao
mesmo

Conversando sobre politicas cognitivas e formaçào inventiva


53
veiculada tambem nos
livTOs. Uma distinção
ser a

tempo, ela està estudo da cognicão


entre
saida e a distinção e
compreendida de
que trabalha com o modelo
cognitivismo.
A posiça0 cognitivista,
dentro do estudo da cogni-
e uma das posiçóes
da representação,
e não significa que ela é a mais verdadeira, nem tampouco
a unica. O estudo da cognição é mais amplo do que a abordagem
cognitivista, do que abordagem da representação. A abordagem da
representaçãoe uma das versões, e uma das maneiras de entender
ogonhecimento. A abordagem autopoietica, a abordagem enativa

formuladalá por Varela'ea abordagem da cognição inventiva são


5 Varela, s.d
outras formas. São maneiras diferentes de trabalhar com a questão
da cognição. O modelo da representação não é sinônimo de estudo
da cognição. E apenas uma das maneiras de colocar o problema
do conhecimento e dos processos cognitivos de modo geral. O que
as perspectivas da autopoiese, da enação e da invenção vão trazer
de original é dizer que o cophecimento não é uma representação,
mas uma ação, uma prática, Conhecer é praticar, conhecer é agir.
Essa ideia faz uma diferença muito grande. Por que? O sujeito eo
objeto não são polos prévios. O sujeito do conhecimento e o objeto
conhecido, que aparentemente existe independente dele, vo ser
entendidos como efeitosdas práticas cognitivas. Entãoo que existe
no inicio são ações de conhecer, são práticas de conhecer. Os efei-
tos são sujeitos cognitivos e dominios cognitivos, ou um ser e um
mundo, ou uma subjetividade e um território existencial.
Há alguns anos tenho trabalhado na área de deficiència visual.
Não lido propriamente com educação inclusiva, mas estudo a cog-
nição das pessoas cegas. Desde que eu comecei a pesquisa nesse
campo, eu tinha muita curiosidade de entender como é que funciona
a cognição de uma pessoa que nunca viu. De um cego congënito,
porexemplo. Ou de unma pessoa que tinha a visão normale a perdeu
por um processo subito ou progressivo. Eu comecei a estudar uma

ampla bibliograñia sobre deficiéncia visual e encontrei inúmeras ve-


zes a formulação de que uma pessoa cega enfrenta problemas muito
sérios de conhecimento, porque 8o% das informações do mundo
nos chegam através da visão. Alguns de vocés já devem ter ouvido
essa frase: 80% das informações vêm atravs da visão. Ora, é preciso
problematizar essa frase. Porque de acordo com essa formulação
um cego só percebe
20% do mundo. Como é que se
pode imagi
nar que existe um mundo de 20%?
Evidentemente que o mundo
do cego é 100% percebido. Por certo ele
percebe como cego. Mas
comparem aquilo que ele escuta, aquilo que ele consegue perceber

54 inventiva
de protes
ormação
com o tato
com o
que vocs percebem com tais
um sentidos. Tentem ler
pequeno texto em braile e
vejam o que uma pessoa cega conse-
gue perceber com a
ponta dos dedos. Observem o
escutar se que ele consegue
deslocando na rua, atravessando uma
atraves d0 ruido dos rua, por exempo
carros. Voce iria concluir
é deficiente. E que a nossa
cogrnigau
da
deficiente em termos da discriminação auditva
discriminação tátil. Por que? Porque a nossa visão e, para
Videntes, um sentido
dominante nos
que sobrecodifica, achata e recalca
nossas outras
virtualidades cognitivas. Então
trabalhar com
deficiencia visual, eu comecei
quando eu comecei a
tizar essa história dos justamente a problema-
80%. Cormo assim 80%? Eo que
de 100%? Eo sera o mundo
mundo que vejo? Eu sei que
eu
é
completamente diferente da percepção, por aminha percepçao
quimo que e capaz de exemplo,
de um es-
perceber quarenta tons de branco. Existemn
pesquisas em percepção que dizem
que o esquimó reconhece varias
tonalidades de branco,
só conhece o
praticamente inexistente para nós. A gente
branco-branco, branco sujo, o branco encardido.
o
discriminamos uns dois ou très tons de S
branco, enquanto ele per-
cebem quarenta tons. Então
nós, do ponto de vista de um esquimo,
somos deficientes
visuais quanto a
O mundo do percepção de cores.
esquimó comporta muitas tonalidades de branco.
De modo
semelhante, o mundo cognitivo do cego comporta uma
variedade tatil e auditiva muito
maior que a da maioria dos videntes.
Então não tem sentido o modelo
da representação, não existe um
único mundo que vai ser
captado 8o% pela visão e os outros 2o%
pelos sentidos que sobram, os sentidos inferiores,
menos nobres que
a visão. Muitas vezes
se diz isso. Tenho
defendido que o campo da
deficiência visual d um testemunho muito forte em
favor da con-
6 Kastrup, Carijó e
cepção inventiva do conhecimento. Porque ele atesta que é através
Almeida, 2009
de pråticas cognitivas concretas e efetivas que subjetividades são
constituidas, sujeitos cognitivos são produzidos, mundos são tam-
bém constituidos, tudo em um movimento de
Existe um dominio cognitivo
coengendramento.
que e próprio de certas praticas, prá-
ticas de percepção tátil, praticas de desenvolvimento
tàtil. E outros
mundos que são desenvolvidos através de
práticas de percepção vi-
sual. Então nào existe um mundo so, nem existe so um
sistema cog-
nitivo e nem uma
representaço
melhor do que a outra do mundo,
mais proxima da realidade. Existem diferentes
percepçoes e diferen-
tes mundos. O estudo da deticiencia visual
problematiza a noção de
representação. Foi o que Maturana e Varela fizeram no campo das
ciencias da cogniçào no final da decada de 1970. Ate hoje o trabalho

Conversando sobre politicas cognitivas e formaça0 inventiva


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importáncia muito grande na construção de uma.
deles tem uma
diferentemente os processos conhecimento.
de
neira de pensar
Na composição da abord. da cognição inventiva, Gilles De-
sao tambem intercessores muito fortes Pa.
leuze c Félix Guattarn
ro carminho, no campo da filosofia, eles tambem questionaram o
modelo da representaçao, por outras razoes, contra outros autores
Deleuze,eCuanan
Deleuze 1992
Guatta eR
antra outros inimigos, encontrando outras resistencias, mas que de
aleuma maneira os levaram na mesma direção. Eles também nos aiu-
Rolnis
dam a pensar que não existe um sujeito pronto, um sujeito essencial,
um sujeito-fundamento. Em seu lugar existe um processo de produ-
cão de subjetividade pormeio de praticas concretas. Se pensarmos
na atividade dentro da escola, as subjetividades que serão constitui-
das ocorrerào atraves de determinadas praticas concretas. Nós não
podemos pensar o aluno e o professor como sujeitos diferentes, ou
seja, pessoas que tèm uma realidade dada e que chegam ali e vão co-
nhecer um ao outro, representar um ao outro e entrar em interação.
E necessário entender que todas essas subjetividades fazem parte de
uma rede que é constituida através de práticas concretas, práticas
que são, ao mesmo tempo, cognitivas e existenciais. Enfim, o instru-
mental teórico da cognição inventiva e dos estudos da produção de
subjetividades reorienta e reconfigura completamente a noção de
formaçãào.
Por outro lado, há outro aspecto dessa questão. Representação e
invenção não definem apenas modelos teóricos distintos. Sabemos
que segundo o modelo da representação existe um sujeito, existe um
mundo e existe um equivalente mental que esse.sujeito faz dentro
dele, desse mundo preexistente. Há entàa sujeito, mundo erelação.
Não há sujeito nem mundo prévio no modelo da cognição inventiva.
Há práticas, ações concretas. A partir dai há produçào de subjetivi-
dades e produção de mundos. Mundose subjetividades são efeitos
de práticas. As práticas têm uma potència inventiva. Diferentes
práticas produzem diferentes subjetividades e diferentes mundos.
Até ai estamos falando de modelos teóricos. No entanto, a distinção
entre representação e invenção, entrecognição representacionale
cognição inventiva vai além dos modelos teóricos. Elas são politicas
cognitivas. O que é uma politica cognitiva? E um modo especifico
de relação com o conhecimento, com o mundo e consigo mesmo.
Existem politicas cognitivas representacionais. Nós conhecemos um
milhão de pessoas que encarnam o ponto de vista da representação.
Não apenas pessoas que acreditam no modelo da representação, que
professamomodelo da representação ou que ensinam o modelo da

56 inventiva
de prores
Formação
representação, mas pessoas que encarnam o modelo da representa-
cão. Elas funcionam segundo o modelo da representação. O modelo
da
representação as constitui.Se a representação dormisse nos IiVTOS
Seria mais facil, porque assim eu
podia dizer "não, eu não vou es-
tudar no livro do
modelo de representação, vou estudar no livto do
modelo da invenção." E
nesse caso tudo fica certo e
oproblema é mais garantido. las
complexo, pois a representação e a invençao o
a cogniçao representacional e a cogniçào inventiva são duas manel
ras de estar mundo e isso acarreta
no
em
consequencias concretas
para o trabalho do professor. Se eu
considero que o mundo e dado
com uma
politica da representação, penso da
realidade é muito dificil, seguinte maneira: a
hoje em dia é impossivel trabalhar." E im-
possivel ensinar porque os alunos não tèm interesse. Eu
para estudei
isso. Eu trago
conhecimentos para oferecer para eles, mas eles não
querem, não aceitam, nem me ouvem. Eles nào
Deve prestam atenção.
ser porque a maioria familia
desestruturada, então
tem uma
não condições de aprendizagem. Quando um professor vem
tem
com um discurso
desse tipo, ele encarna o modelo da
Ora, muitas vezes o modelo da representação.
representação nos habita de modo
clandestino. Muitas vezes nós teorizamos assumindo a
perspecuva
da cognição inventüva, mas somos
cotidiana. E às vezes é o contrário
representacionais
na nossa
pratica
que ocorre. As vezes nos encarna-
mos o
ponto de vista da cognição inventiva muito antes de ter lido
qualquer livro sobre cognição inventiva. Encarnamos o filósofo da
diferença na nossa vida práica, sem saber. Então
quando nos lemos
certos textos que muitas vezes são
novos, às vezes dificeis, uma irase
ou outra começa a
ressoar, a começa fazer sentido. Que interessante
aquilo que o autor falou! Não tem a ver com aquela situação que a
gente viveu ontem? E ai vai sendo construido um
plano de sentido.
Porque na verdade, as discussöes teóricas também são
8 Foucault, 1979 práticas,
como afirma Foucault." Pråticas
discursivas vào se conectar com
pråticas não discursivas. E com as práticas que j estão encarnadas
em nos, tornando-se subjetividade. Entào essa
questão e interes
sante, porque o estudo e uma
pratica dentre outras, ou seja, eu
posso estudar direiünho um livro sobre
produção de subjetividade.
sobre
cognição invendiva, estudar a cartilha de Deleuze, Guattari e
Foucaulte aquilo no entrar, não fazer liga. Então eu conunuo na
minha prática cotidiana trabalhando exatamente comomodel da
representação. E outras vezes, ao contrario, encontramos professores
que inventam o tempo todo no cotidiano de sala de aula.
Quantas
pessoas preciosas a gente encontra por ai que nào tem propriamente

PSSOe Conversando sobre politicas cognitivas e tormaçào inventivaa


57
n o seu
cotidiano e
e

inventivas
direção e såo
nessa problematiza.
formação arriscam, zam
uma praticas, e se
inventam
criam todo dia.
e
Buscam poros de respiração,
Iinhas de fuga.
Ideias prontas,
criam

serem
ultrapassados. N
Nesse sentido a ques-
limiares para
descobrem damental éa das politicas da cognição.
fundam
parece

importante, enquanto prá-


me
tão que
importante? E muito
estudo
Mas o entivas nos processos de
politicas cognitivas
nstruir
para
estudo são práticas fun-
E as práticas de
tica.

formação
de professores.
estamos no meio universitário, as práticas
que
damentais. Para
nos

são fundamentais. Quando eu


discursivas e as práticas de estudo
uma politica cognitiva mais
não estudou tem
falo que as vezes quem
leu muitos livros, Isso não quer dizer que o
avançada do que quem
vale e a empiria pura.
Eu não desqual1fico de modo algum as
que
no campo universitário.
Ao contrário, eu acho que
praticas de estudo.
as práticas de
estudo são práticas fundamen-
no campo acad mico,
cognitivas. Ler bons livros
ajudam sim a constituir politicas
tais. Pois
nossa cabeça e nossas
atitudes frente ao
faz muito bem para mudar
mundo. So que o estudo tem que
se transformar algo em encarnado.

ser apenas uma teoria abstrata. A dis-


O que se estuda deve deixar de
um sintoma do que uma distinção
tinçãoentre teoria e prática é mais

essencial. Há uma frase muito comum, mas totalmente equivocada

que diz assim: "Na


teoria está tudo certo, mas na prática a coisa éé
outra." Essa é uma må frase, resultado de uma colocação equivocada
a teoria é uma
do problema.A teoria já é uma prática. Quem diz que
ea prática é outra, podem reparar, está sempre do lado da represen-
diz
tação, que as vè como coisas independentes. Por exemplo, alguém
que acha bonito trabalhar com
meninos de rua. Mas ela não quer en-
costar neles, se misturar, ela tem medo deles. Ela acha que eles estão
cheios de erros, de vicios, ela quer corrigi-los. Quer botar seus valores
ali. Então ela assume o ponto de vista da recuperação. Ela quer levar
valores morais e impor coisas a eles. Ela quer trabalhar sobre eles e
não trabalhar com eles. Isso vale também para práicas de pesquisa.
Eu tenho insistido que não faço uma pesquisa sobre cegueira, eu faço
uma pesquisa com cegos. Eu trabalho com eles. Com uma política in-
ventiva, voce não vai fazer uma pesquisa sobre cegos, sobre crianças
na escola, ou sobre professores, vocè vai fazer uma pesquisa com eles.
Eles tem que ser participantes do processo da pesquisa. A pråtica te0-
rica tem que ser uma prática coletiva.
A politica
cognitiva inventiva é uma posição dificil. Ela é uma
dura conquista. A posição mais
hegemónica e mais comum, que a

58 inventiva de prolessU
OTmaça0
fenomenologia chama de atitude natural, é representacional. Na
verdade nào é uma atitude natural, é uma atitude habitual, e uma ati-
tude produzida historicamente. Mas ela parece natural. E muito facil
resvalar e cair
no modelo da
representação. E muito facil.Qualqucr
cochilo pode nos fazer
cair de novo no modelo da representaçao.
éomodelo mais fácil. Por isso a construção de uma politica invenuva
é um trabalho árduo. E um
trabalho de desse desmontagem
hegemónico, dessa politica cognitiva hegemônica, que é a politica da
modelo
representação. E ao mesmo tempo em que ocorre a suspensao dessa
politica ou a invenço de pråticas de desconstrução dessa posição,
ou de deslocamento dessa posição, é preciso colocar outras praucas
no lugar. Produzir outras atitudes através de outras açòes. Isso não
e simples, mas é um esforço e uma aposta. Nós temos que trabalhar
nessa direção, mesmo que se saiba que a qualquer momento e pos-
sivel resvalar e recair ao modelo da representação. E um modelo que
nos puxa sempre e a resistência tem que ser constantemente reite-
rada. O caminho tem que ser feito dia a dia, como um desaho perma-
nente. Por isso a formação inventiva vai se fazendoo tempo todo, sem

ter um resultado pronto. um constante processo, um processo que


tem que ser feito, como a Rosi falou, com muita leveza e com muito
cuidado. Com muito investimento também, mas ao mesmo tempo
com muita leveza e com muito cuidado. E ela pode florescer. Mas de-

vemos sempre estar atentos ao retorno do cognitivismo.


Foucault tem um texto muito bonito em que ele comenta o livro
O anti-Edipo, de Deleuze e Guattari. Ele afirma que O anti-Edipo é

resistència fascismo. E ele


um livro contra o fascismo, uma contra o

complementa assim:

Poder-se-ia dizer, mesmo, que Deleuzee Guattari gostavam tão

poder que procuraram neutralizar os


efeitos do poder
pouco do
armadilhas
ligados a seu próprio discurso. Donde jogos
os e as

fazem de sua
por toda parte no livVTO, que
e
se encontram
que
são as a r m a -
tradução um verdadeiro e violento esforço. Mas não
seduzir oo
dilhas familiares da retórica, aquelas que procuram
acabam por
consciente da manipulação, e
leitor sem que ele esteja
autores contra sua
vontade. As armadi-
ganha-lo para a causa dos
do humor: tantos convites para
se
has de O anti-Edipo são aquelas
do texto batendo a porta. O livro
deixar expulsar, para despedir-se
frequentemente, que so humor e jogo, onde, contudo,
da a pensar,
coisa que é da maior
essencial se passa, alguma
alguma coisa de

inventiva
59
e formaçào
Conversando sobre politicas
cognitivas
seriedade:o cerco de todas as formas de fascismo, desde aquelas.

colossais. que nos envolvemenosaniquilam até as formas miudas


de nossas Vidas cotidianas
que fazem a
amarga lirania

O fascismd ao qual
Foucault s e refere tnao e o lascismo do Mussolin:
lfoucault, tg
n i o c ofascIs110 da macropoitica, mas o Tascismo que nos habita

e fascismo.o fascismo que esta em nos, que nos habita de form


1aiestina, nos assombrando. E atirma quc O anti-Edipo é uma es-
CCIe de anudoto contra tais fascismos. 1a que o inimigo pode esta-
icntro de voce. rondando e la habitando de forma clandestina, É um
ouco parecido como que atirmei em relaçãoå politica da represern
tagão.Temos que lutar contra o moiclo da representação. Não apena
omos autores, às vezes tambem temos que brigar conosco.Temos
que estar sempre atentos para ver se esse cognitivista que existe em

nos tenta tomar espaço, tirando a tormaçav inventiva de cena. Esse é


iodo um cuidado que temos que tomar. Tomando esse cuidado segui-
remos em trente com novas praticas, novas experimentaçòes, novos

proictos. apostando com leveza e cuidad0 na tormação inventiva.

Reterenaas b1blograhcas
i c s Teleuze. CTVTa,is, Rio de Janeiro Editora

les Ieieure cFcla Guattari..\M!plutis,t.1. Rio de


Tanci dtora s4.1995 Virginia Kastrup e
professora do
Michel Foucault. 1 fiosi, i dAdr. Rio de Janeiro: Pos-Graduação Programa da
Graal. 1
em
Psicologia da UFRJ
Ant-Edino uma introdução a uma vida nào las-
sta i Carios Hennque de Escobar (org.). Dos-
DcRi de laneirv HolonEditonal, 1991
i Guartar c Sue' Roln1k..Mmopoinaurtografias
J Petrpolis \izes. 1986
irginia Kastrup."P' liticas cogmitivas na formaçào do

ote Cprhiema d devir-mestre,Educaçio


n.pi2*3-12NS. setembro
e zem br 200s.disponivel em <http: www.
es unicamp br>. acesso em 25 de julho 2012
e d munde uma ntrodu, Jo do tempo

Jaog,io. Belo Honzonte


ienti.d. 200

astrup. H Carin eL M Almcida."A aborda-


get da eta, are yafnipr da defiuencia visual"
or

K. Rrard rmutJi Elu s, do, V. 12.


2009 F 114 122
rgani Kastrup Sihia Te destcI duardo Passos, Pl-
, Prtu Alegre Sulhna.2008
11mhert Maturana raneingaTela. A urtre

iuTd1gnes , s.d

Formaçâo
inventiva de protes

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