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Virginia Kastrup
em Psicologia da
Como professora do Programa de Pós-Graduação
fui orientadora de
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
o tema que me
doutorado da Rosi e foi ela que me convidou a pensar
traz ao encontro de hoje. Atualmente a Rosi é uma grande parceira,
Janeiro (UERJ)
de de
fazendo aqui na Universidade Estadual do Rio
São Gonçalo uma experiência que, a meu ver, é muito importante
da educa-
levando à frente o tema da cognição inventiva no campo
ção. E eu agradeço o convite para participar do I "Encontroe con-
versas sobre formação inventiva de professores: política de cognição,
professores. Já abordei esse tema em outro texto,' mas hoje vou pro-
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dizagem inventiva é aquele que vai mais diretamente desembocar
na ideia dá formação inventivalSeguindo a abordagem da cognição
inventiva a aprendizagem não é apenas um processo de solução de
problemas, mas inclui a invenção de problemas, a experiencia de pro-
blematização. Gaprendercomeça como uma experiència de proble-
matização, de invençãode problemas ou de posição de problemas. E
evoive tambem á invenção de mundo.Não é questão de adaptação
a um mundo preexistente. Essa colocação, que pode parecer muito
C
Onversando sobre politicas cognitivas e formaçao inventiva 53
livros. Uma distinção a seer
tempo, ela está veiculada também nos
compreendida de saída é a distinção entre estudo da cognição e
cognitivismo. A posição cognitivista, que trabalha com o modelo
da representação, e uma das posições dentro do estudo da cogni-
oo
ção, que não
que não ssignifica que ela é a mais verdadeira, nem tampouco
a unica. O estudo da cognição é mais amplo do que a abordagem
cognitivista, do que a abordagem da representação. A abordagem da
representação é uma das versões, é uma das maneiras de entender
oConhecimento. A abordagem autopoiética, a abordagem enativa
formulada lá por Varela' ea abordagem da cognição inventiva são
5 Varela, s.d.
outrasformas. São maneiras diferentes de
trabalhar com a questão
da cognição. O modelo da
representação não é sinônimo de estudo
da cognição. E apenas uma das maneiras
de colocar o
do conhecimento e dos problema
processos cognitivos de modo geral. O que
as perspectivas da
autopoiese, da enação e da invenção vão trazer
de original é dizer que
o cophecimento
nãoéuma representação,
mas uma ação, uma
prática, Conhecer praticar, conhecer é agir.
é
Essa ideia faz uma diferença muito
grande. Por quê? O sujeito e o
objeto não são polos prévios. O sujeito do conhecimento e o
objeto
conhecido, que aparentemente existe
entendidos como efeitos das
independente dele, vão ser
no inicio säo
práticas cognitivas. Então o que existe
ações de conhecer,
são práticas de conhecer. Os efei-
tOs são
sujeitos cognitivos e domínios cognitivos, ou um ser e um
mundo, ou uma subjetividade e um território
existencial.
Há alguns anos tenho trabalhado na
área de deficiência visual.
Não lido
propriamente com educação inclusiva, mas estudo a
nição das pessoas cegas. Desde que eu comecei a cog-
campo, eu tinha muita curiosidade de entender pesquisa
nesse
como é que funciona
a
cognição de uma pessoa que nunca viu. De um
por exemplo. Ou de uma cego congênito,
pessoa que tinhaa visão normal e a
por um processo súbito ou perdeu
progressivo. Eu
ampla bibliografia sobre deficiéncia visual e comecei a estudar uma
encontrei
zes a
formulação de que uma pessoa cega enfrenta inúmeras ve-
sérios de conhecimento,
porque 80% das
problemas muito
nos informações do mundo
chegam através da visão. Alguns de vocês
essa frase: 80% das já devem ter ouvido
informações vêm através da visão.
problematizar essa frase. Porque de acordo com essa Ora, é preciso
um cego só percebe 20% do mundo.
Como é que se formulação
nar que existe um
mundo de 20%? pode imagi-
do cego é 1o0% Evidentemente que o mundo
percebido.
Por certo ele
comparem aquilo que ele escuta, aquilo percebe como cego. Mas
que ele consegue perceber
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58
protesso
e
fenomenologia chama de atitude natural, é
verdade não è uma atitude representacional. Na
natural, é uma atitude habitual, é uma
tude produzida
historicamente. Mas ela parece natural. E muito
au
resvalar cair no modelo da
e ta
representação.
cochilo pode nos fazer cair de É muito fácil. Qualqu
novo no modelo da
éomodelo mais fäcil. Por isso a representação.
construção de uma politica inventiva
ic
é um trabalhoárduo. E um trabalho de
hegemónico, dessa politica cognitiva desmontagem desse moac da
hegemônica, que é a
representaçao. E ao mesmo tempo em que ocorre a politica
politica ou a invenção de práticas de suspensão dessa
ou de desconstrução dessa
deslocamento dessa posição, é posição,
no lugar. Produzir outras atitudes através de
preciso colocar outras praticas
outras ações. Isso nao
è simples, mas é um
esforço e uma aposta. Nós temos que trabalhar
nessa direção, mesmo
que se saiba que a qualquer
momento é pos-
sivel resvalar e recair ao modelo da
nos puxa
representação. E um modelo que
sempre e a resistência tem que ser constantemente reite-
rada. O caminho tem que ser feito dia a
dia, como um desafio perma-
nente. Por isso a formação inventiva vai se fazendo o tempo todo, sem
ter um resultado pronto. E um constante processo, um processo que
tem que ser feito, como a Rosi falou, com muita leveza e com muito
cuidado. Com muito investimento também, mas ao mesmo tempo
com muita leveza e com muito cuidado. E ela pode florescer. Mas de-
vemos sempre estar atentos ao retorno do cognitivismo.
Foucault tem um texto muito bonito em que ele comenta o livro
O anti-Edipo, de Deleuze e Guattari. Ele afirma que O anti-Édipo é
um livro contra o fascismo, uma resistência contra o fascismo. E ele
complementa assim:
alguma coisa de
essencIal se passa, aguma coisa que é da maior
formação inventiva
Conversando
sando sobre politicas cognitivas e 59
seriedade: o cerco de todas as formas de fascismo, desde aquelas,
colossais, que nos envolveme nos aniquilam até as formas miúdas
aue fazema amarga tirania de nossas vidas cotidianas."
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