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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DA CRIANÇA

Manual da Formação – 4ª Parte

Sílvia Duarte, Psicóloga Clínica, 2020


ÍNDICE DE TEMAS
Introdução

1. REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Modelos de avaliação psicológica e sua especificidade
Modelos de observação clínica e anamnese
Avaliação psicológica e diagnóstico
Referência à psicologia do desenvolvimento. Teorias, princípios e técnicas da avaliação
instrumental
Modelos teóricos de referência.

2. PRIMEIRA INFÂNCIA - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA PRIMEIRA INFÂNCIA E IDADE PRÉ-ESCOLAR


Especificidade da avaliação clínica na primeira infância e idade pré-escolar
Modalidades de observação clínica, com referência às teorias do desenvolvimento
Apresentação das Escalas de desenvolvimento psicomotor

3. IDADE ESCOLAR - AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NA IDADE ESCOLAR


3.1. Avaliação psicológica Instrumental
3.2. Avaliação das funções cognitivas
3.3. Provas projetivas

4. DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO

5. BIBLIOGRAFIA

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4. DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO - Quadros Clínicos

A psicopatologia tem um lugar central na prática da psicologia clínica, particularmente na


sua relação com o diagnóstico e a escolha terapêutica. Os quadros de referência da
psicopatologia da criança não são idênticos aos do adulto. Importa compreender o uso das
noções de estrutura ou organização, tendo em conta a plasticidade do seu aparelho
psíquico. Esta dificuldade é tanto maior quanto a criança é mais pequena. Conflitos do
desenvolvimento são inevitáveis, por vezes acompanhados de sintomas transitórios. Outros
acabam por se fixar em organizações psicopatológicas duradouras;

Os conflitos neuróticos (fóbicos, obsessivos, histéricos), fazem parte do desenvolvimento


normal. A resolução ou persistência dos sintomas depende em grande parte da reação dos
pais, dos fatores de risco e das características de vulnerabilidade e /ou resiliência individual.

O desenvolvimento normal da criança, faz-se no cruzamento:

• de fatores endógenos (equipamento genético, biológico, psicológico ou cognitivo);


• de fatores exógenos (ambiente no seu sentido mais abrangente, mas também o
ambiente relacional);

Este esquema também é válido para as perturbações do desenvolvimento em


particular do desenvolvimento psicológico e afetivo.

4.1. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM

As dificuldades nos processos de aprendizagem e/ou na progressão escolar,


constituem um motivo frequente de consulta nos serviços de pedopsiquiatria, saúde mental
e nas consultas de desenvolvimento.

CAUSAS MAIS FREQUENTE


✓ Baixa capacidade intelectual;
✓ Estimulação insuficiente;

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✓ Défices sensoriais: visão/audição;
✓ Perturbações emocionais/relacionais;
✓ Dificuldades específicas ou instrumentais.
• Em cerca de 50% dos casos, existem múltiplos diagnósticos;

Requerem muitas vezes uma avaliação multidisciplinar:


✓ Pedopsiquiátrica;
✓ Psicológica;
✓ Psicoeducacional;
• Em algumas situações:
✓ Avaliação complementar por T.O. ou T.F.;
✓ Envio a outras especialidades pediátricas para diagnóstico diferencial ou etiológico.

QUADROS PSICOPATOLÓGICOS ASSOCIADOS


• Depressão;
• Perturbação de ansiedade;
• Fobia escolar;
• Perturbação do comportamento;
• Inibição grave/ Mutismo seletivo;
• Hiperatividade/ Défice de atenção;
• Perturbação da Personalidade;
• Psicose.

FACTORES ETIOPATOGÉNICOS
• Fatores Sociais:
✓ Sócio/culturais, ambientais, familiares;

• Perturbação do Desenvolvimento:
✓ Crianças sem patologia/imaturidade do desenvolvimento;

• Perturbações Reativas:
✓ Acontecimentos de vida, traumatismos: divórcio, separação, morte.

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PERTURBAÇÃO PSICOLÓGICA GLOBAL
✓ A. Perturbação neurótica – Inibição intelectual;

✓ B. Perturbação da organização dinâmica da personalidade: da relação, da identificação, do


narcisismo, da função simbólica;

✓ C. Fobia escolar – Recusa escolar associada a dificuldades de separação.

D. Perturbações afetivas
Depressão, ansiedade:
✓ Desinteresse pelas atividades;
✓ Empobrecimento das funções intelectuais;
✓ Inibição generalizada;

• A ansiedade provoca hiperatividade e dificuldades de atenção.

E. Perturbações psicóticas
• Falha básica do desenvolvimento, por vezes associada a défice cognitivo;

F. Organização deficitária
• Défices cognitivos de base orgânica, nem sempre diagnosticados.

4.2. PERTURBAÇÕES ESPECÍFICAS DA APRENDIZAGEM

Pré-requisitos para a aprendizagem da leitura:


1. Competências linguísticas: Crianças com perturbação específica da linguagem podem ter
dificuldades na leitura;
2. Maturidade nos domínios psicomotor e percetivo;
3. Capacidade de concentração da atenção e memorização auditiva e visual;
4. Coordenação visuo-motora.

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Descodificar o código da leitura implica:
• Reconhecimento e discriminação de símbolos gráficos (grafemas);
• Associação aos correspondentes símbolos auditivos(fonemas);
• Análise e síntese auditiva e visual dos elementos constitutivos da palavra;
• Representação fonológica – sons;
• Representação semântica e lexical – significado;
• Morfologia e sintaxe – gramática;
• Compreensão ou atribuição de significado às palavras.

DISLEXIA
• Dificuldade importante da linguagem na sua forma escrita, sem causa intelectual cultural ou
emocional direta;
• As aquisições da criança ao nível da leitura e da escrita estão muito aquém do nível
esperado, em função da idade e nível intelectual.
• Incapacidade de processar os símbolos da linguagem;
• Dificuldade na aprendizagem da leitura com repercussão na escrita.

Causas
• Congénitas:
• Neurológicas;
• Imaturidade cerebral.

Definição (Associação internacional da Dislexia, 2003):

• Incapacidade específica de aprendizagem, de origem neurobiológica;


• É caracterizada por dificuldades na correção e/ou fluência na leitura e por baixa competência
leitora e ortográfica;
• Estas dificuldades resultam de um défice fonológico que dificulta a discriminação e
processamento dos sons da linguagem.

Estão alteradas:
• Capacidades linguísticas associadas à escrita, em particular:
✓ A codificação visual e verbal;

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✓ Memória a curto prazo;
✓ Perceção da ordem;
✓ Sequenciação;

Leitura:
• Dificuldades na velocidade;
• Entoação;
• Precisão;
• Compreensão.

DIAGNÓSTICO E AVALIAÇÃO:
✓ História clínica;
✓ Informação dos professores;
✓ Avaliação cognitiva global;
✓ Processamento visuo-motor e grafo-percetivo;
✓ Competências linguísticas;
✓ Avaliação do nível de leitura/escrita;
✓ Capacidade de concentração/ atenção.

❑ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS (Associação britânica de dislexia)


IDADE PRÉ-ESCOLAR:
• História familiar de problemas de leitura;
• Atraso na aquisição da linguagem;
• Linguagem “bebé” persistente;
• Vocabulário pobre na expressão verbal, acompanhado de baixa ao nível da compreensão;
• Confusão de palavras que se assemelham foneticamente;
• Omissões de fonemas, omissão do último fonema, inversões dentro de grupo.

IDADE PRÉ-ESCOLAR:
• Dificuldade em recordar o nome de séries (i.e. nomes de cores, de pessoas, de objetos, de
lugares);
• Confusão de vocabulário relacionado com a orientação espacial;
• Melhor capacidade de realização do que linguística;
• Dificuldade em aprender lenga-lengas ou rimas e sequências.

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DOS 6 AOS 9 ANOS:
• Dificuldade importante na aprendizagem da leitura e escrita;
• Expressão verbal pobre;
• Dificuldade em aprender palavras novas, em particular as foneticamente mais complexas;
• Tendência para escrever os números em espelho ou com direção e orientação inadequadas.

DOS 6 AOS 9 ANOS:


• Dificuldade em distinguir a direita e a esquerda;
• Dificuldade em aprender o alfabeto e a tabuada;
• Dificuldade em memorizar sequências (i.e. dias da semana, meses);
• Falta de atenção e concentração;
• Frustração/insegurança, com consequente alteração do comportamento.

ENTRE OS 9 E OS 12 ANOS:
• Erros persistentes na leitura;
• Lacunas na compreensão escrita;
• Escrita particular: omissões de letras; alteração da ordem das letras;
• Dificuldade em copiar com cuidado;
• Dificuldade na compreensão da linguagem oral e escrita.

MAIS DE 12 ANOS:
• Tendência para a escrita descuidada, desordenada e por vezes incompreensível;
• Inconsistências gramaticais e erros ortográficos: persistência de omissões, alterações e
adições da fase anterior;
• Dificuldade em planear e redigir narrativas e realizar composições escritas.

DISORTOGRAFIA
• Manifesta-se por uma frequência elevada de erros ortográficos na escrita;
• Está quase sempre associada à dislexia embora possa surgir isolada;
• Os erros específicos mais frequentes resultam da dificuldade em diferenciar homófonos
(sem/cem), em reconhecer categorias verbais (cinto/sinto) e em compreender a estrutura da
frase;
• Como consequência a criança não consegue estruturar a linguagem escrita num texto livre.

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DISGRAFIA
• Traduz-se por uma má qualidade da escrita (ilegível ou lenta), sem problema intelectual
associado;
• Em geral está associada a organização espacial deficiente.

DISCALCULIA
• É uma perturbação da aprendizagem do cálculo;
• A criança tem dificuldade em manejar corretamente os números e em efetuar operações
aritméticas elementares.

4.3. PERTURBAÇÃO DE HIPERATIVIDADE E DÉFICE DE ATENÇÃO - (PHDA); A.


BRACONNIER

Escola francesa: “instabilidade psicomotora”;


• Relação entre instabilidade psíquica e instabilidade motora;

• Escola anglo-saxónica: a perturbação de hiperatividade com défice de atenção tem


subjacente uma organicidade, confirmada pela ação terapêutica das anfetaminas.
• É hoje um dos principais motivos de consulta em pedopsiquiatria nos países desenvolvidos;
• Tem uma prevalência de 3 a 5%, sendo 4 vezes mais frequente nos rapazes;
• Está fortemente associada a fatores psicossociais ou a patologia da perinatalidade:
• Maus tratos e negligência precoces, anoxia perinatal, exposição ao tabaco durante a
gravidez.

Comorbidade:
• Com perturbações de oposição e do comportamento é de 70%;
• Com a dislexia é de 33%;
• Com a depressão de 15 a 75%;
• O risco de depressão aumenta com a idade;
• Com perturbação de ansiedade 25 a 40%.

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SINTOMAS DSM:
• Dificuldade em manter a atenção;
• Hiperatividade e impulsividade;
• Rendimento escolar baixo;
• Perturbação do comportamento.

Duas formas:
• Hiperatividade/impulsividade;
• Desatenção.

SINTOMAS/CRITÉRIOS: DSM V (6 ou mais)


✓ Hiperatividade/impulsividade;
✓ Desatenção;
• Sintomas presentes em 2 ou mais locais;
• Repercussão significativa no funcionamento escolar, familiar, social;
• Alguns sintomas presentes antes dos 12 anos;
• Avaliação de situações associadas.

DESATENTAS:
• Dificuldades de concentração, distratibilidade com estímulos ambientais, falta de método e
de organização;
• Erros por descuido, sem atenção aos pormenores;
• Parece não ouvir;
• Não segue instruções, não termina as tarefas;
• Dificuldade em organizar tarefas ou atividades;
• Evita tarefas que requeiram concentração;
• “Perde tudo”;
• Distrai-se facilmente.

HIPERATIVAS/IMPULSIVAS:
• A hiperatividade é motora e verbal;
• A impulsividade impede a criança de esperar pela sua vez, de ouvir o final da instrução;
• Mexe pés e mãos;
• Mexe-se quando sentado;

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• Não é capaz de se manter sentado;
• Agitado, precipitado, dificuldade em esperar;
• Fala demais;
• Interrompe.

Sintomatologia variável:
• Atrasos nas aquisições psicomotoras e cognitivas, particularmente perturbações da
linguagem;
• Perturbações do comportamento: instabilidade, intolerância à frustração;
• Anomalias da relação;
• Pulsões agressivas e destrutivas expressas de forma excessiva;
• Caráter primitivo das angústias.

• Todos tem baixa autoestima.

• Outras perturbações associadas:


✓ Ansiedade;
✓ Enurese;
✓ Perturbação do sono;
✓ Perturbação da linguagem;
✓ Perturbações cognitivas;
✓ Perturbação do comportamento.

• A partir dos 6 anos considera-se uma tríade sintomática:


❑ Perturbação da atenção/concentração;
❑ Impulsividade;
❑ Agitação motora.

O ponto central é a perturbações da atenção. O essencial está na perturbação da atenção e


não na agitação que pode estar ou não presente.

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HIPERATIVIDADE:
• Estudos referem uma prevalência de 5 a 10% da população escolar;
• Pequeno núcleo verdadeiramente patológico - 1%;
• Variante do normal – 4 rapazes para 1 rapariga;
• Componente genética fraca, mas que se transmite de forma forte para a geração seguinte
(B.Golse);
• Dificuldade da criança encontrar a justa distância em relação ao adulto;
• Haverá uma proto-hiperatividade antes dos 5/6 anos? i. e. perturbação do sono);
• Aos 2/3 anos, a necessidade de ter sempre alguém presente, remetendo para insuficiente
interiorização da relação poderia fazer prever futura hiperatividade.

MODELOS EPISTEMOLÓGICOS:
• Endógenos;
• Exógenos;
• Interativos.

ENDÓGENOS
• Pressupõem desordem metabólica primária, a partir da alteração metabólica da dopamina;
• As anfetaminas iriam ocupar este “buraco”;
• 2 hipóteses endógenas:
✓ Perturbação da modelação cognitiva da atenção;
✓ Hipótese genética.

EXÓGENOS:
• Pode ser desencadeada por fatores externos em crianças vulneráveis;
• Os genes da dopamina não se encontram em todas as crianças hiperativas;
• Condições externas;
• Ambientes de carência.

ABORDAGEM PSICOPATOLÓGICA:
1. Depressão materna;
2. Vinculação desorganizada e fracasso da função reflexiva;
3. Falhas de holding inicial e carências de ambiente primordial – falha de contenção psíquica;
4. Dificuldade de diferir de esperar – prevalência do pré-verbal sobre o verbal;

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5. Defesa maníaca da depressão;
6. Falha do Recalcamento;
7. Poderá haver núcleo depressivo inicial na hiperatividade, sendo neste caso a
hiperatividade uma defesa hipomaníaca;
8. Com o tratamento com anfetaminas muitas vezes surgem organizações depressivas
importantes.

OUTRAS ABORDAGENS:
1. Psicossomática – Processos autocalmantes paradoxais;
2. Perturbação Reativa - Reação crónica a traumatismo;
3. Processos pré-verbais dominam os processos verbais;
4. Dificuldade na internalização dos conflitos.

Intervenção terapêutica:
• Técnicas psicoterapêuticas individuais ou de grupo (i.e. psicodrama);
• Psicomotricidade;
• Grupos terapêuticos para os mais novos (terapias com fantoches ou outra mediação);
• Grupos de socialização;
• Associadas ou não a terapêuticas farmacológica.

4.4. PERTURBAÇÃO DO COMPORTAMENTO - P. Fonagy

Conjunto de condutas perturbadoras e perturbadas em que a conflitualidade psíquica se


exprime pelo recurso ao agir na ausência de mentalização.

❑ Na criança
• Agressividade, instabilidade, oposição.

❑ Na adolescência
• Tem sempre um significado na relação com as figuras parentais;
• Hetero-agressividade, violência, fugas, automutilação impulsiva, condutas aditivas.
• Principal referência para a consulta de saúde mental nos rapazes;
• As perturbações do comportamento são resistentes ao tratamento principalmente na
adolescência.

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Importância da identificação precoce:
As crianças são facilmente identificadas pelos comportamentos disruptivos e agressivos.
Quanto mais cedo estes comportamentos têm início, mais grave é o prognóstico.
Agressividade e os seus precursores na infância tais como o negativismo, devem ser
abordados preventivamente. As intervenções preventivas devem ser dirigidas às
características individuais e do meio;

FACTORES DE RISCO:
✓ Biológicos – dificuldades precoces, resistência ao controlo, hiperatividade, problemas
cognitivos e da compreensão da linguagem;
✓ Sociais – pobreza, étnicos;
✓ Familiares – Stress, alcoolismo, depressão, violência.

• Dificuldade dos pais lidarem com a adaptação e socialização – disciplina abusiva, crítica
excessiva;
• Problemas na relação precoce – Vinculação insegura;
• A resposta insuficiente dos pais aumenta a instabilidade e a exigência do bebé;
• Falha na mentalização conduz à falta de sentido de intencionalidade;
• A fragilidade do sentimento de si próprio como ser intencional pode conduzir a desumanizar
e agredir os outros;

• O apoio à mentalização deve estar no centro da prevenção na idade precoce.

4.5. DEPRESSÃO

Perturbação do humor, importante e durável que se manifesta por:

✓ Tristeza e perda ou diminuição dos interesses habituais;


✓ Baixa da autoestima;
✓ Ideação mórbida/suicida;
✓ Manifestações somáticas (perda do sono, apetite).

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• Nas crianças pequenas:
✓ Desinvestimento, inibição, apatia.

Na idade escolar:
• Inibição grave, particularmente para a aprendizagem;

• Manifestações afetivas:
1. Tristeza, desinteresse, euforia/defesa maníaca;

2. Inibição:
✓ Lentificação motora, pobreza do jogo simbólico e do desenho;

3. Sentimentos de inferioridade:
✓ Incapacidade, desvalorização;
✓ Sentimentos de omnipotência;

4. Vivências de frustração predominantes:


✓ Falha narcísica/ baixa auto-estima.

Alteração do comportamento:
• Isolamento, fadiga, dificuldades escolares, insónia, enurese, queixas somáticas (cefaleias,
dores abdominais), agressividade, instabilidade;
• Em geral estes sintomas não são permanentes, a criança continua a brincar em alguns
momentos do dia;
• Sentimentos de incapacidade e desvalorização (não sei, não consigo).

Importância do contexto familiar na génese da depressão:


❑ Luto (pai/mãe, avó, animal doméstico);
❑ Separação de outra causa (separação do casal, ausência, hospitalização, mudança de
casa);
❑ Depressão materna por diferentes mecanismos (identificação, culpabilidade, carência
afetiva);
❑ Expectativas parentais excessivas;
❑ Severidade, rejeição, hostilidade, indiferença de um dos pais;

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❑ Carência relacional e afetiva.

• A tentativa de suicídio por parte da criança deprimida é possível, mas rara;


• A agressividade, agitação e as perturbações do comportamento podem fixar-se como modo
de defesa habitual;
• Na adolescência pode haver evolução para perturbação do comportamento,
comportamentos toxicómanos, psicopatia, tentativas de suicídio;
• Risco evolutivo de cronicidade.
(A. Braconnier)

O diagnóstico deve ser feito não a partir de uma lista de sintomas, mas pela avaliação do
funcionamento global da criança:

✓ Forma como exprime a vivência;


✓ Rutura relativamente ao funcionamento anterior;
✓ O diagnóstico de depressão não pressupõe a existência de uma estrutura subjacente
(neurótica, psicótica);
✓ Como no adulto, deve distinguir-se depressão (patológica) da reação de luto (normal);
✓ O luto atinge a vitalidade (perda de energia, prazer) mas não a autoestima (culpa,
desvalorização).

4.6. PERTURBAÇÃO DA PERSONALIDADE NA CRIANÇA

Classificação francesa das doenças mentais da infância e da adolescência

• Patologias da personalidade:
✓ Perturbações da personalidade e/ou do comportamento numa desarmonia evolutiva que
reúne os diferentes estados limite (borderline);

• Patologias narcísicas e/ou anaclíticas, depressões crónicas;

• Perturbações do comportamento.

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4.6.1. Desarmonia Evolutiva
Perturbação complexa com início precoce
• Perturbação da personalidade
✓ Desarmonia do desenvolvimento;
✓ Perturbação das funções cognitivas;
✓ Perturbação das funções instrumentais;
✓ Dificuldades nas funções de simbolização, ligação e fantasia;
✓ Adaptação superficial;
✓ Atividade psíquica estereotipada e desvitalizada;
✓ Indisponibilidade permanente para a vida psíquica.

4.6.2. Estado Limite na Criança. Personalidade Limite ou Borderline


❑ Classificação DSM-V - Perturbação de Personalidade Borderline

❑ Classificação francesa - Pré-psicose.


• A conotação prognostica do termo, levou à sua substituição pela de “estado-limite”.

Estado-limite
• É um modo de organização psíquica da criança que se encontra entre as organizações para-
depressivas e os funcionamentos psicóticos quando o funcionamento neurótico não chega
a estabelecer-se.
• A expressão sintomática inclui:
✓ a perturbação grave da identidade;
✓ o uso de mecanismos de defesa primitivos de tipo psicótico;
✓ perturbação da simbolização.

Perspetiva do desenvolvimento (Palácio-Espasa)


❑ Idade pré-escolar
• Atrasos do desenvolvimento, não homogéneos;
• O atraso do desenvolvimento inscreve-se no quadro de perturbações importantes anteriores
à vinculação;
• Angústia de separação ou tendência para a desvinculação.

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❑ Entre os 4 e os 6 anos
• Hipomania com hiperatividade;
• Instabilidade;
• Tendência para a euforia e para a familiaridade;
• Ideias grandiosas mal organizadas;
• Perturbação da simbolização.

❑ Idade escolar
• Forma hipomaníaca, que se traduz por problemas de comportamento e escolares;
• Também manifestações depressivas graves que se manifestam por inibição.

4.6.3. Psicose Infantil

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS: ESCOLA INGLESA, M. CREAK 1961

1. Alteração grave e duradoura das relações emocionais;


2. Desconhecimento da identidade própria;
3. Preocupação patológica com objetos particulares;
4. Resistência à mudança de ambiente;
5. Experiência percetiva anormal;
6. Ansiedade frequente, aguda, excessiva e aparentemente ilógica;
7. Perda da linguagem, ou desenvolvimento inferior ao normal para a idade;
8. Anomalias do comportamento motor;
9. Atraso do desenvolvimento em que podem surgir ilhas de funcionamento intelectual ou de
destreza manual próximas do normal ou mesmo excecionais.

Classification Française des Troubles Mentaux de l’Enfant et de l’Adolescent


(CFTMEA)
❑ Autismo infantil precoce - Corresponde à síndrome de Kanner;
❑ Outras formas de autismo - Formas clínicas de psicose dominadas pela retirada autística
mas nas quais os outros traços característicos do síndrome de Kanner nem sempre estão
presentes ou surgem tardiamente (depois dos 3 anos);
❑ Psicose precoce deficitária - Associam-se sinais que resultam de deficiência mental e de
manifestações psicóticas.

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❑ PSICOPATOLOGIA
• As diferentes formas clínicas de psicose infantil resultam da preponderância no
funcionamento psíquico, de mecanismos identificados no autismo;
✓ identificação adesiva, desmantelamento, fragmentação;
✓ mecanismos descritos pelos autores kleinianos;
✓ clivagem;
identificação projetiva.

4.7. SÍNDROME DE ASPERGER - Perturbação do espetro do autismo

• Em 1944, Hans Asperger, pediatra em Viena descreveu, independentemente dos trabalhos


de Kanner, um síndrome clínico muito próximo do autismo;
• A partir dos anos 80, no seguimento do trabalho de Lorna Wing, a expressão “síndrome de
Asperger” foi retomada para designar casos em que as perturbações autísticas não se
associavam a défice do desenvolvimento global e em particular da linguagem.
• O Síndrome de Asperger é um diagnóstico que abrange uma grande variedade de crianças,
muito diferentes umas das outras;
• Pode também ser pensado como espectro;
• Os sintomas clássicos do autismo - baixa capacidade para a comunicação e interação social,
comportamento repetitivo e estereotipado – têm uma forma diferente e menos incapacitante;
• A presença de grande inabilidade motora é uma característica frequente, mas não
obrigatória para o diagnóstico.
• Apesar de uma inteligência normal e por vezes superior, existe grande dificuldade na
compreensão das convenções sociais e leitura dos sinais sociais;
• Sentimentos complexos não são compreendidos, bem como a ironia e o humor;
• O significado dos gestos, tom de voz e expressão facial não é interpretado;
• A sua linguagem corporal e expressão, podem ser desapropriadas ou difíceis de interpretar;
• Aproximam-se excessivamente, falam demasiado alto e não estabelecem contacto visual;
• Manifestam interesses seletivos;
• São muitas vezes desajeitados, descoordenados, por vezes apresentam estereotipias ou
rituais próximos do comportamento obsessivo-compulsivo;
• Desorganizam-se quando as rotinas são perturbadas ou as suas expetativas não se
realizam;
• Por vezes são particularmente sensíveis a sons, cheiros e toque.

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❑ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS.
Pelo menos dois dos seguintes:
1.Dificuldade em usar adequadamente o contacto visual, expressões faciais, gestos e
postura corporal, nas interações sociais;
2. Incapacidade para estabelecer relações apropriadas com outros da mesma idade;
3.Aparente falta de desejo espontâneo de partilhar interesses, atividades ou jogos, com os
outros;
4. Falta de reciprocidade social e emocional.

Pelo menos um dos seguintes:


1. Preocupação intensa com um único interesse, ou com interesses restritos, pouco comuns;
2. Insistência rígida, em rotinas ou rituais, aparentemente inúteis;
3. Movimentos repetitivos e estereotipados;
4. Preocupação com partes de objetos.
(Adaptado do “American Psychiatric Associaton’s Diagnostic and Statistical, Manual of
Mental Disorders, 2000)

4.7.1. Perturbação do espetro do autismo (DSM-V)

CRITÉRIOS CLASSIFICATIVOS DAS PERTURBAÇÕES DO ESPECTRO DO AUTISMO:


A. Défice consistente na comunicação social e na interação social em todos os
contextos, observados ou por anamnese (exemplos são ilustrativos, não exaustivos):

1. Défice na reciprocidade sócio-emocional; desde a abordagem social anómala e


insucesso na conversação, devido à reduzida partilha de interesses, emoções e afeto, até à
inexistência de iniciação da interação social;
2. Défice nos comportamentos de comunicação não-verbal utilizados para a interação
social; desde estarem mal integrados – comunicação verbal e não-verbal, através de
anomalias no contacto visual e na linguagem corporal, ou défice na compreensão e uso de
comunicação não-verbal, até à inexistência de expressão facial ou de gestos;
3. Défice no desenvolvimento, manutenção e compreensão de relações sociais,
variações; por exemplo, desde dificuldades em ajustar o comportamento a diferentes
contextos sociais, através de dificuldades na partilha de jogo simbólico e em fazer amigos,
até ao aparente desinteresse pelas pessoas.

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Especifique gravidade corrente: Gravidade é baseada nas alterações da comunicação
social e padrões restritivos e repetitivos de comportamento.

B. Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses, ou atividades,


manifestados por, pelo menos, dois dos seguintes, observados ou por anamnese
(exemplos são ilustrativos, não exaustivos):

1. Discurso, movimentos motores ou uso de objetos de forma repetitiva ou estereotipada


(como simples estereotipias motoras, uso repetido de objetos, ecolália, ou frases
idiossincráticas);
2. Aderência excessiva a rotinas, padrões ritualizados de comportamentos verbais e não-
verbais, ou resistência excessiva à mudança (como stress extremo com pequenas
mudanças, dificuldade com transições, padrões restritivos de pensamento, rituais de
saudação, insistência no mesmo trajeto ou alimento);
3. Interesses fixos e muito restritos, que são anómalos na intensidade ou no foco (como
forte ligação ou preocupação com objetos invulgares, interesses excessivamente
circunscritos ou persistentes);
4. Híper ou hipo-reatividade ao input sensorial ou interesse invulgar em aspetos sensoriais
do ambiente (como a aparente indiferença à dor/calor/frio, resposta adversa a texturas e
sons específicos, cheirar e tocar excessivamente os objetos, fascínio com luzes ou objetos
giratórios).

Especifique gravidade corrente: Gravidade é baseada nas alterações da comunicação


social e padrões restritivos e repetitivos de comportamento.

C. Os sintomas devem estar presentes na primeira infância (podendo não ser evidentes
até que as exigências sociais excedam as capacidades do sujeito, ou podem ser disfarçadas
através de estratégias aprendidas mais tarde na vida).

D. Os sintomas causam alterações clínicas significativas nas áreas social, ocupacional,


ou outras áreas de funcionamento corrente.

E. Estas perturbações não são bem explicadas por perturbações intelectuais


(Perturbação do Desenvolvimento Intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento.

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Perturbação intelectual e Perturbação do Espectro do Autismo coocorrem frequentemente;
para existir comorbilidade de diagnósticos (perturbação do espectro do autismo e
perturbação do desenvolvimento intelectual), a comunicação social deve estar abaixo do
esperado para o nível de desenvolvimento geral.

Nota: Sujeitos com um diagnóstico robusto de acordo com o DSM-IV de Espectro do


Autismo, Perturbação Asperger, ou PDD-NOS devem ser atribuídos o diagnóstico de
Perturbação do Espectro do Autismo. Sujeitos com alterações na comunicação social, mas
cujos sintomas não coincidem com os critérios classificativos para a Perturbação Espectro
do Autismo, devem ser avaliados para Perturbação da Comunicação Social (Pragmática).

Especifique-se: Com ou sem alterações intelectuais; Com ou sem alterações na


linguagem; Associado a uma condição médica conhecida ou condição genética ou
fatores ambientais. Com catatonia.

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5. BIBLIOGRAFIA

OBRAS GERAIS

- ENTREVISTA CLÍNICA COM CRIANÇAS – Greenspan e Greenspan, ArtesMédicas;


- EU AGORA QUERO-ME IR EMBORA – J. dos Santos, conversas com J. Sousa Monteiro,
Assírio e Alvim;
- EXAME PSICOLÓGICO DE UMA CRIANÇA – Louis Corman, Ed. Loyola;
- FREUD PARA PRINCIPIANTES – R. Appignanesi, O. Zarate, Publicações Dom Quixote;
- INFÂNCIA E PSICOPATOLOGIA – Daniel Marcelli Ed. Climepsi
- INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA CLÍNICA – Pedinelli, J. Col. Psicologia de
bolso, Ed. Climepsi;
- O DESENVOLVIMENTO AFETIVO E INTELECTUAL DA CRIANÇA – B. Golse,
ArtesMédicas;
- O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E AS SUAS PSICOPATOLOGIAS, col.
Psicologia de bolso, Climepsi;
- PAIS/FILHOS EM CONSULTA PSICOTERAPÊUTICA – Malpique, C., Ed. Afrontamento;
- PSICOPATOLOGIA DESCRITIVA E INTERPRETATIVA DA CRIANÇA –Gueniche, K. Col.
Psicologia de Bolso, Ed. Climepsi;

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PRIMEIRA INFÂNCIA

- A CRIANÇA E O SEU MUNDO: requisitos essenciais para o crescimento e


aprendizagem, Brazelton, T.B., Greenspan, Ed. Presença;

- L’ATTACHEMENT AU COURS DE LA VIE – R. Miljkovitch, PUF Le fil rouge;

- L`ÊTRE BÉBÉ - B. Golse, Ed. Le Fil Rouge, Puf Paris, Tradução portuguesa Climepsi;

- O MUNDO INTERPESSOAL DO BEBÉ – D. Stern;

- PSICOPATOLOGIA DO LACTENTE E DA CRIANÇA PEQUENA - Mazet, Stoleru, Ed.


Climepsi;

- RELAÇÕES DE VINCULAÇÃO AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO: Teoria e Avaliação


- Isabel Soares, Ed. Psiquilibrios.

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AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

- AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA – Instrumentos validados para a população portuguesa, Vol.I


M. Gonçalves, M. Simões; L. Almeida, C. Machado, Ed. Quarteto;
- AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DA CRIANÇA DE ZERO A SEIS ANOS – Oliveira, V.,
Bossa, N. (org.), 7ªed., Ed. Vozes;
- A PSICOLOGIA CLÍNICA E O RORSCHACH – Marques, M.E., Vértices 2, Ed. Climepsi;
- A PSICOPATOLOGIA À PROVA NO RORSCHACH – Chabert, C. Ed. Climepsi;
- DESENHO INFANTIL: espelho do mundo interno a criança – Fialho, O., Ed. Colibri;
- INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA COM LUDOTERAPIA – Santos, R., Pactor;
- LE DESSIN D’UNE PERSONNE: le test de Machover – Abraham, A., EAP;
- LIVRET DE COTATION DES FORMES DANS LE RORSCHACH - Beizmann, C., Éd. du
centre de psychologie appliquée, Paris;
- MANUEL POUR L`EXAMEN PSYCHOLOGIQUE DE L`ENFANT, Zazzo, R. Neuchatel,
Delachaux et Niestlé, 5ª ed.;
- MANUAL DE UTILIZAÇÃO DO TAT – Shentoub, V., Ed.CLIMEPSI;
- O RORCHACH NA CLÍNICA INFANTIL – Rauch, N. Boizou, M. Ed. Climepsi;
- O RORSCHACH NA CLÍNICA DO ADULTO – Chabert, C., Ed. Climepsi;
- OS MÉTODOS PROJETIVOS – Anzieu, D., 2ª ed., Ed. Campus;
- PROVAS TEMÁTICAS NA CLÍNICA INFANTIL- Boekholt, M., Ed.Climepsi;;
- PSICODIAGNÓSTICO – V -5º Edição. J. Cunha e col. Ed. ArtesMédicas;
- PSYCHANALYSE ET MÉTHODES PROJECTIVES – Chabert, C., Dunod

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