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SUMÁRIO

MORDEDURA
1. Introdução...................................................................... 3
2, Epidemiologia/Etiologia............................................ 3
3. Microbiologia................................................................ 4
4. Avaliação clínica.......................................................... 6
5. Manejo..........................................................................11
6. Profilaxias.....................................................................13

ACIDENTES RELACIONADOS COM ANIMAIS


PEÇONHENTOS
1. Epidemiologia.............................................................16
2. Ofídicos ........................................................................18
3. Escorpiônicos.............................................................29
4. Aracnídicos..................................................................31
5. Abelhas.........................................................................37
6. Lagartas........................................................................40

Referências bibliográficas..........................................42
ACIDENTES COM ANIMAIS 3

MORDEDURA anualmente, o que representa cerca


de 1% das visitas ao departamento
de emergência e 10.000 internações
1. INTRODUÇÃO anuais.
Estima-se que 50% das pessoas le- Dos quase 4,5 milhões de norte-ame-
varão uma mordida de animal do- ricanos mordidos por cães todos os
méstico durante suas vidas e muitas anos, metade são crianças e uma em
dessas mordidas não serão notifica- cinco irá requerer cuidados médicos.
das. Nos EUA, os cães são responsá- As mordidas de cães são respon-
veis por mais de 80% das mordidas sáveis ​​por aproximadamente 90%
de animais e os gatos respondem por das mordidas de animais (taxa de
5 a 10% delas. Embora poucos estu- 103 a 118 por 100.000 habitantes).
dos publicados tenham examinado a A maioria das vítimas de mordidas
incidência de mordidas de mamíferos de cães são crianças, com o maior
selvagens, os roedores são prova- número de meninos entre cinco e
velmente os agressores mais comuns nove anos de idade. As fatalidades
neste grupo. são raras, mas afetam desproporcio-
Mordidas causam danos à pele e às nalmente crianças menores de 10
estruturas subjacentes, incluindo anos de idade. Em regiões do mundo
músculos, vasos sanguíneos, nervos, com poucos recursos, no caso de pa-
tendões, espaços articulares e estru- íses subdesenvolvidos, as mordidas
turas ósseas. Uma consideração se- de cães são uma importante causa de
cundária associada a todas as feridas transmissão da raiva.
por mordida é a contaminação com a O braço e a mão são as regiões do
flora oral do animal mordedor, resul- corpo mais frequentemente mordi-
tando em infecção. O potencial para das. Em comparação com os adul-
exposição ao tétano e à raiva tam- tos, as crianças têm probabilidade
bém deve ser considerado. muito maior de serem mordidas na
face, na cabeça ou no pescoço. Na
maior parte dos casos de mordedu-
2, EPIDEMIOLOGIA/ ra a vítima conhece o cão, como um
ETIOLOGIA animal de estimação da família ou de
Mordidas de animais são comuns em vizinhos. Nos EUA ocorrem a cada
todo o mundo e podem estar asso- ano, em média, de 10 a 20 mortes
ciadas a morbidade significativa. Na relacionadas com mordidas de cão.
América do Norte, dois a cinco mi- A maior parte das vítimas têm idade
lhões de mordida de animais ocorrem inferior a 10 anos. Cães das raças Pit
ACIDENTES COM ANIMAIS 4

Bull e Rottweiler são responsáveis • Mordida em uma extremidade com


pela maior parte dessas mortes. comprometimento venoso e / ou
As mordidas de gatos são respon- linfático subjacente;
sáveis ​​por aproximadamente 10% • Mordida perto ou em uma articula-
das feridas de animais e ocorrem ção protética ou enxerto vascular;
com mais frequência em mulheres
adultas. Infecções são mais co- • Lesão por esmagamento ou ferida
muns após mordidas de gatos do por punção;
que mordidas de cães. Por exemplo, • Mordida de gato (dada propensão
em uma série retrospectiva, incluin- a associação com feridas profun-
do mais de 2500 mordidas de cães das por punção);
e quase 1000 mordidas de gatos, as
• Apresentação atrasada (≥12 horas
taxas de infecção foram de 7 e 49%,
após uma mordida nas extremida-
respectivamente.
des e ≥24 horas após uma mordi-
A maior parte das mordidas de gato da na face).
é em extremidade superior, especial-
mente nas mãos e nos dedos. Mais de
80% das mordidas de gato são cau- 3. MICROBIOLOGIA
sadas por um animal de estimação Patógenos relevantes no cenário de
que pertence à vítima. Gatos pos- feridas por mordidas de animais in-
suem dentes estreitos e afiados, cluem a flora oral do animal que está
que penetram facilmente na pele e mordendo e a flora da pele humana
nos tecidos moles subjacentes, como (como estafilococos e estreptococos).
agulhas. Esse mecanismo causa uma
ruptura pequena na pele que cica- A flora oral importante dos animais
triza rapidamente, aprisionando as inclui:
bactérias nas estruturas profundas • Pasteurella spp – as espécies de
e frequentemente resultando em Pasteurella são isoladas de 50 por
infecção invasiva. cento das feridas por mordedura
Fatores que aumentam o risco de de cão e 75 por cento das feridas
infecção após uma mordida de ani- por mordedura de gato. Pasteu-
mal incluem: rella multocida são organismos
exigentes e são frequentemente
• Imunossupressão subjacente (in- identificados erroneamente. O pe-
cluindo diabetes); ríodo de incubação da infecção por
• Mordida envolvendo a mão ou o P. multocida é de um a três dias.
pé;
ACIDENTES COM ANIMAIS 5

• Capnocytophaga spp – Capnocy-


tophaga canimorsus pode causar
bacteremia e sepse fatal após pi-
cadas de animais, especialmente
em pacientes com asplenia, alco-
olismo ou doença hepática subja-
cente. O período de incubação da
infecção por C. canimorsus é de
um a três dias.
• Bartonella henselae – B. hense-
lae pode ser transmitido através
Figura 1. Pasteurella multocida: coloração de Gram. A
coloração de Gram da drenagem purulenta de uma fe- da mordida de um gato infectado;
rida no dedo após uma picada de gato (x 1000) mostra
células inflamatórias e pequenos bastonetes e coccoba-
outras formas de transmissão in-
cilos gram-negativos. Pasteurella multocida cresceu a cluem arranhões em gatos, expo-
partir deste espécime.
sição a pulgas e contato com a sa-
Fonte: 2020, UpToDate Inc.
liva através de pele ou superfícies
mucosas. O período de incubação
da infecção por B. henselae é de 7
a 14 dias.

SAIBA MAIS!
A doença da arranhadura do gato é uma doença infecciosa que é tipicamente caracterizada
por linfadenopatia regional autolimitada. As manifestações, no entanto, podem incluir órgão
visceral, envolvimento neurológico e ocular.
Os dados sorológicos e culturais atuais fornecem evidências convincentes de que Bartonella
henselae é o agente etiológico na maioria dos casos dessa doença.

• Anaeróbios – Anaeróbios iso- A cultura média de feridas por mor-


lados de feridas de mordidas de dida produz cinco tipos de isolados
cães e gatos incluem espécies de bacterianos. Bactérias aeróbicas e
Bacteroides, fusobactérias, espé- anaeróbicas mistas são observadas
cies de Porphyromonas, espécies em 60% dos casos; a flora da pele é
de Prevotella, cutibactérias (an- isolada em cerca de 40% dos casos.
teriormente propionibactérias) e
As amostras obtidas no momento do
peptosstreptococos.
desbridamento das feridas infectadas
devem ser enviadas para culturas
ACIDENTES COM ANIMAIS 6

bacterianas aeróbicas e anaeróbi- a decisão de administrar profilaxia


cas, a fim de identificar o(s) patóge- da raiva. Informações sobre o animal
no(s) causador(es), antes do início dos mordedor devem incluir o proprietário
antibióticos. A requisição de laborató- e o estado de imunização, bem como
rio deve observar que uma ferida por a localização atual do animal.
mordida de animal é a fonte da cul- A localização típica e a natureza da
tura, dada a natureza exigente de P. lesão por mordida variam de acordo
multocida. com a natureza do animal que causa
a mordida.
4. AVALIAÇÃO CLÍNICA Mordidas de cães – Em crianças
pequenas, as mordidas de cães ge-
Os pacientes podem procurar aten-
ralmente envolvem a cabeça e o
dimento para avaliação da lesão por
pescoço. Em crianças mais velhas,
mordida (na ausência de infecção) ou
adolescentes e adultos, as mordidas
infecção por mordida estabelecida.
de cães geralmente envolvem as ex-
tremidades, principalmente a mão
História e exame físico dominante.
Os elementos-chave da história po- As mordidas de cães podem es-
dem ser divididos em três partes tar associadas a uma série de le-
principais: (1) as circunstâncias do sões, desde ferimentos leves (por
ataque, (2) informações sobre o exemplo, arranhões, abrasões) até
animal mordedor e (3) informa- ferimentos graves (por exemplo, la-
ções sobre a vítima da mordedura. cerações abertas, perfurações pro-
O tempo decorrido desde a mordida fundas, avulsões de tecidos e lesões
deve ser determinado. por esmagamento). Em particular, as
mandíbulas de cães grandes, como
Como regra geral, mordidas não tra-
pit bull terriers, pastores alemães
tadas com mais de 6 horas correm
e rottweilers, podem exercer uma
risco maior de complicações infec-
força forte que pode infligir ferimen-
ciosas. Quando possível, deve-se de-
tos graves e danificar as estruturas
terminar se a mordida foi provocada
subjacentes.
ou não, porque isso pode influenciar
ACIDENTES COM ANIMAIS 7

FIGURA 2. Mordida de cão não infectada. Essa criança foi mordida várias vezes por um cachorro nas costas (pai-
nel A) e na coxa (painel B).
Fonte: 2020, UpToDate Inc.

Nas crianças, uma mordida de ca- mordida devem ser avaliadas cuida-
chorro na cabeça pode penetrar no dosamente quanto a materiais estra-
crânio, resultando em fratura depri- nhos e uma avaliação neurovascular
mida do crânio, infecção local e / ou deve ser realizada em áreas distantes
abscesso cerebral. da ferida.
Mordidas de gato – Mordidas de A probabilidade de infecção da fe-
gato geralmente ocorrem nas ex- rida deve ser determinada com base
tremidades. As feridas por mordida em achados físicos. O tempo médio
de gato tendem a penetrar profun- para sinais e sintomas de infecção
damente com maior risco de in- após uma mordida de cachorro é de
fecção profunda (abscesso, artrite aproximadamente 24 horas; o tempo
séptica, osteomielite, tenossinovite, médio para sinais e sintomas de in-
bacteremia ou infecção necrosante fecção após uma mordida de gato é
dos tecidos moles) do que as mordi- geralmente mais curto (ou seja, apro-
das de cachorro. ximadamente 12 horas) e infecções
aparentes em poucas horas após
O exame físico deve primeiro garan- uma mordida de gato foram descritas.
tir que o paciente esteja hemodinami-
camente estável e avaliar lesões em A infecção por mordida na ferida pode
estruturas adjacentes, principalmen- ser superficial (por exemplo, celulite,
te mordidas com feridas profundas com ou sem abscesso) ou profunda
na cabeça, pescoço, tronco ou pró- (abscesso, artrite séptica, osteomie-
ximo às articulações. As feridas por lite, tenossinovite ou infecção necro-
sante dos tecidos moles):
ACIDENTES COM ANIMAIS 8

As manifestações clínicas da celu- inicial da ferida e da administração de


lite incluem febre, sensibilidade, eri- antibióticos.
tema, inchaço e calor; drenagem pu- O nível de suspeita de infecção pro-
rulenta e / ou linfangite podem estar funda deve ser aumentado para pa-
presentes. Um abscesso superficial cientes com imunossupressão (in-
associado pode se apresentar como cluindo diabetes) ou neuropatia;
um nódulo sensível, eritematoso e esses pacientes geralmente apresen-
flutuante. tam mais tarde seu curso com risco
aumentado de infecção grave e dor
limitada no exame clínico.

Exames laboratoriais
Os exames laboratoriais devem ser
reservados para pacientes com
mordidas infectadas. Nesses pa-
cientes, os achados laboratoriais são
inespecíficos. Leucocitose e marca-
dores inflamatórios séricos eleva-
dos podem ou não ser observados
em pacientes com infecção associada
à mordida.
Culturas de feridas infectadas de-
FIGURA 3. Mordida de cão infectada. Observe as
feridas nas mãos suturadas, incluindo a ferida na base vem ser obtidas para estabelecer a
do polegar. microbiologia da infecção e orientar a
Fonte: 2020, UpToDate Inc. antibioticoterapia. Culturas de feridas
não são indicadas em mordidas cli-
Além das manifestações acima, as nicamente não infectadas, porque os
pistas para infecção profunda in- resultados não se correlacionam com
cluem dor persistente ou progressi- a infecção subsequente.
va vários dias após a lesão inicial, dor A bacteremia pode ocorrer em situ-
com movimento passivo, dor des- ações de infecção superficial ou pro-
proporcional aos achados do exame, funda. As hemoculturas devem ser
crepitações, inchaço nas articulações, obtidas em pacientes com febre ou
doença sistêmica (febre, instabilidade outros sinais de infecção sistêmica e
hemodinâmica), e sinais persistentes em pacientes imunossuprimidos. Em
de infecção, apesar do tratamento outros pacientes, o rendimento das
ACIDENTES COM ANIMAIS 9

hemoculturas é tipicamente baixo e Se houver preocupação com infec-


o risco de falsos positivos provavel- ções mais profundas (por exemplo,
mente supera o benefício. piomiosite ou osteomielite), a resso-
nância magnética (RM) é a técni-
ca ideal. A TC pode ser usada se a
Exames de imagem ressonância magnética não estiver
A imagem não é necessária para a disponível imediatamente. Radiogra-
maioria das mordidas superficiais cli- fias simples são garantidas se outras
nicamente não infectadas. Feridas formas de imagem não estiverem
causadas por mordidas profundas, disponíveis.
incluindo as articulações próximas,
justificam radiografias (ântero-pos-
terior e lateral) para avaliar a evidência
de corpos estranhos (como dentes),
fratura ou ruptura da articulação.
Em crianças <3 anos com uma mor-
dida de cachorro no couro cabeludo
associada a uma ferida de profundi-
dade incerta, a tomografia compu-
tadorizada (TC) da cabeça pode ser
útil para avaliar lesões penetrantes do
crânio. Os achados radiográficos po-
dem incluir fratura do crânio, punção
através da placa externa do crânio e
ar livre no cofre craniano.
Em pacientes com manifestações
clínicas suspeitas de infecção su-
perficial, radiografias simples, como
descrito acima, podem ajudar a de-
terminar a profundidade da ferida
e o potencial de infecção de tecidos
FIGURA 4. Mordida de Cachorro com fratura. Essa
moles profundos adjacentes, articula- criança sofreu uma mordida de cachorro no pé, que foi
ções ou ossos. Além disso, o ultras- suturada em outra instituição. No seguimento, apresen-
tava celulite (painel A) e fratura falangeana (painel B),
som à beira do leito pode identificar a possivelmente complicada por osteomielite.
presença de um abscesso e facilitar a Fonte: 2020, UpToDate Inc.
drenagem.
ACIDENTES COM ANIMAIS 10

FLUXOGRAMA. AVALIAÇÃO CLÍNICA DE MORDEDURA

AVALIAÇÃO
Circunstâncias
CLÍNICA
do ataque

Informações do
animal mordedor

Informações sobre a Crianças pequenas:


História vítima da mordedura cabeça e pescoço

Tempo decorrido Mais de 6 horas maior Crianças mais velhas,


desde a mordida risco de infecção adolescentes e
adultos: extremidades,
principalmente mão
Mordida de cães dominante
Tipo de animal

Mordida de gatos Geralmente em


extremidades, com
Manter hemodinâmica maior profundidade e
estável risco a infecção

Avaliar lesões

Presença de materiais
Exame físico
estranhos

Avaliação
neurovascular
Cachorro (24 horas)
Probabilidade de
infecção
Gato (12 horas)

Ferida profunda, articulação,


Radiografia
próxima, corpo estranho, fratura

Mordida de cachorro em couro


Exames de imagem TC
cabeludo em crianças < 3 anos

Infecções mais profundas


RM
(ex. piomiosite e osteomielite)
ACIDENTES COM ANIMAIS 11

5. MANEJO um manguito de pressão sanguínea


insuflado acima da pressão sistólica
Feridas profundas nas estruturas
por até 20 minutos. A ferida deve ser
vitais devem ser tratados como gran-
examinada especificamente quanto
des traumas penetrantes. Pacientes
a danos aos tendões e possíveis vio-
com lesões penetrantes devem ser
lações da cápsula articular. Todos os
submetidos a pesquisas primárias e
fragmentos retidos de dentes deve-
secundárias de acordo com os princí-
rão ser removidos. Muitas vezes é útil
pios do Suporte Avançado de Vida em
ampliar as margens das perfurações
Trauma (ATLS), seguindo o ABCDE.
em áreas de alto risco (p. ex., articu-
Para pacientes com lesão por mordi- lações e tendões sobrejacentes) para
da de animal na ausência de evidên- permitir melhor visualização.
cia clínica de infecção (no exame
Deve-se realizar a avaliação do es-
físico ou na imagem), os componen-
tado neurovascular distal a todas as
tes do manejo incluem cuidados com
mordidas de extremidades. Tal como
feridas, remoção de corpos estranhos
acontece com outras feridas trau-
(se houver) e avaliação da necessida-
máticas, é necessário realizar irri-
de de profilaxia com antibióticos, té-
gação apropriada de alta pressão,
tano profilaxia e profilaxia da raiva.
com solução salina normal ou água
Os princípios gerais de manejo de fe- estéril, e debridamento de tecido
ridas aplicam-se aos pacientes com desvitalizado.
feridas por mordedura. Analgesia
O fechamento primário das mor-
adequada é de suma importância
didas de mamíferos é controverso e
para permitir exames apropriados e
dados conflitantes têm sido relata-
cuidados com a ferida. Deve-se reali-
dos. O fechamento primário deve ser
zar lavagem com água e sabão, ide-
avaliado em função do risco maior de
almente esfregando delicadamente a
infecção. Estudos publicados não en-
ferida com uma esponja macia para
contraram diferença significativa nas
minimizar trauma adicional ao teci-
taxas de infecção entre as mordidas
do. Usar um agente virucida, como
de cão reparadas e as deixadas aber-
a solução de iodopovidona, especifi-
tas. Feridas de mordida de cão, gato
camente se houver preocupação com
e de seres humanos, cuidadosamen-
exposição à raiva.
te selecionadas, fechadas de modo
O ideal é que o exame das feridas de primário, tiveram uma taxa geral de
mordida seja feito com o local limpo infecção de 5,5%, semelhante à de
de sangue, para permitir visualização feridas suturadas não causadas por
adequada das estruturas profundas. mordida.
Pode-se usar para esse propósito
ACIDENTES COM ANIMAIS 12

SE LIGA! O uso de suturas subcutâneas • Feridas em hospedeiros imu-


deve ser reduzido ao mínimo no fecha-
mento de mordeduras, pois a presença
nocomprometidos (incluindo
de material estranho aumenta o risco de diabetes);
infecção.
• Feridas em pacientes com estase
venosa;
Outra opção é reavaliar a ferida em 48 • Em local de próteses articulares;
a 72 horas e, se não houver evidência
de infecção, realizar fechamento pri- • Em extremidades, associado a
mário tardio. Mordidas na face e no comprometimento vascular ou
couro cabeludo, de qualquer espécie, linfático;
com menos de 6 horas, podem ser • Mordedura humana.
suturadas após preparo adequado da
ferida. Provavelmente é seguro sutu-
rar a maior parte das outras morde- O fechamento primário é uma alter-
duras não complicadas de cão. Mordi- nativa razoável para lacerações sim-
das nas mãos e nos pés apresentam ples devido a mordidas de cães na
alto risco de infecção e raramente de- face, tronco, braços ou pernas. Além
vem ser suturadas. Perfurações, feri- disso, o fechamento primário pode
das com mais de 12 horas e feridas ser realizado para lacerações causa-
que se apresentam infectadas, não das por mordidas de gatos na face,
devem ser suturadas. dada a importância cosmética dessa
região.
Recomenda-se que as feridas por
mordida sejam deixadas abertas As feridas por mordida não devem
para curar por intenção secundá- ser fechadas com adesivo de tecido
ria, principalmente nas seguintes (“cola”).
circunstâncias: A profilaxia antibiótica é sugerida
• Lesões por esmagamento; para todos os pacientes submetidos
ao fechamento primário de uma mor-
• Feridas por punção; dida de cachorro ou gato. Além disso,
• Feridas por mordidas de gatos (fe- esses pacientes precisam de uma ve-
ridas faciais são uma exceção); rificação de ferida entre 24 e 48 horas
para avaliar os sinais de infecção.
• Ferimentos envolvendo mãos e
pés;
• Feridas com ≥12 horas (≥24 horas
na face);
ACIDENTES COM ANIMAIS 13

FLUXOGRAMA. MANEJO PARA MORDEDURA

Avaliação ABCDE

Analgesia
Pode usar solução
de iodopovidona
Lavar com água e sabão
ou solução salina
Irrigação com alta pressão,
pode utilizar seringa de 20ml
MANEJO Exame das feridas

Retirada de corpos estranhos

Debridamento de tecido
desvitalizado

Sutura em ferida
não complicada

6. PROFILAXIAS ativa contra a maior parte dos pató-


genos que podem ser isolados des-
Antibióticos profiláticos
sas feridas in vitro e estudos publi-
A importância dos antibióticos pro- cados demonstraram sua eficácia
filáticos indicados para mordidas de in vivo. Clindamicina associada à
mamíferos é secundária em relação sulfametoxazol-trimetoprima ou
ao valor da limpeza adequada, debri- ciprofloxacino pode ser utilizada
damento e irrigação da ferida. O ide- em pacientes alérgicos à penicili-
al é que os antibióticos sejam admi- na. Opções de antibióticos empíricos
nistrados dentro de 3 horas após a para pacientes com feridas de mordi-
mordida para alcançarem um efeito da de cachorro com infecção estabe-
profilático e que depois sejam conti- lecida são as mesmas utilizadas para
nuados por 3 a 5 dias. profilaxia.
É recomendado amoxicilina-clavu- Embora nenhum ensaio clínico tenha
lanato para profilaxia de mordida avaliado opções de antibióticos em in-
de cão, porque essa associação é fecções por C. canimorsus, penicilina
ACIDENTES COM ANIMAIS 14

G, ampicilina/sulbactam, cefalospori- subjacente (incluindo enxertos


nas de terceira geração e fluoroqui- vasculares);
nolonas têm sido eficazes em estu-
• Feridas em hospedeiros imu-
dos in vitro.
nocomprometidos (incluindo
Recomenda-se que se administrem diabetes);
antibióticos profiláticos para todas
as mordidas de gato que penetrem • Feridas por punção profunda ou
na epiderme, independentemente da laceração (principalmente devido a
localização, tendo em vista o caráter mordidas de gatos);
de alto risco dessas mordidas quan- • Ferimentos com lesão por esma-
to à infecção. No caso de patógenos gamento associada.
comuns similares aos de mordidas de
cão, utiliza-se amoxicilina-clavula-
PROFILAXIA
nato para profilaxia.
Amoxicilina/Ácido Clavulânico
Sugere-se profilaxia com antibió- 500mg/125mg 8/8h
ticos para pacientes com feridas Primeira linha Clindamicina 300mg 8/8h + Cipro-
clinicamente não infectadas e qual- floxacino 500mg 12/12h

quer uma das seguintes característi- Doxicilina 100mg 12/12h

cas que aumentam ainda mais o risco Fluorquinolona; Sulfametoxazol/


trimetropina 800/160mg 12/12h;
de infecção:
Alternativas ou Cefuroxima 500mg 12/12h +
• Lacerações em fechamento primá- Metronidazol 400mg 6/6h ou Clin-
damicina 300mg 8/8h
rio e feridas que requerem reparo
cirúrgico;
• Feridas na(s) mão(s), face ou área Prevenção do tétano
genital; O status de imunização contra o
• Feridas muito próximas a um osso tétano deve ser determinado em
ou articulação (incluindo articula- todos os pacientes com feridas e
ções protéticas); profilaxia fornecidas conforme neces-
sário. Mordidas de animais são con-
• Feridas em áreas de compro- sideradas uma ferida propensa ao
metimento venoso e/ou linfático tétano.
ACIDENTES COM ANIMAIS 15

RISCO MÍNIMO ALTO RISCO


>/= 3 doses; última < 5 anos - -
>/= 3 doses; última 5-10 anos - Vacina*
>/= 3 doses; última >10 anos Vacina Vacina**
< 3 doses ou tempo incerto Vacina Vacina + SAT/IGAT
*Se vacina há > 5 anos
Idoso, desnutrido, imunossuprimido: vacina + SAT/IGAT
**Se vacina há >10 anos
Se ausência de garantia de acompanhamento: considerar SAT/IGAT

Prevenção contra raiva


Mordidas, arranhões, abrasões ou contato com a saliva dos animais por meio de
membranas mucosas ou uma ruptura na pele podem transmitir raiva. Para mor-
didas de animais potencialmente raivosos, a limpeza precoce e vigorosa com
água e sabão e o uso de um anti-séptico com atividade contra o vírus da raiva
(como iodopovidona ou cloreto de benzalcônio a 2%) são métodos importantes
para diminuir o risco de transmissão, além da administração oportuna da imu-
noglobulina anti-rábica e vacina.
CÃO/GATO NÃO SUSPEITO CÃO/GATO SUSPEITO
Observar por 10 dias: raiva/morte/
Vacina (2 doses) e observar por 10
desaparecimento
Acidente leve dias: raiva/morte/desaparecimento
- 4 doses de vacina entre os dias
- Completar vacina (2 doses)
(0-3-7-14)
Vacina (2 doses) e observar por 10
dias: raiva/morte/desaparecimento Vacina 4 doses + SORO
Acidente grave
- Completar vacina + 2 doses +
SORO
ACIDENTES COM ANIMAIS 16

HORA DA REVISÃO! Mordidas de mamíferos requerem avaliação não apenas como lesões
traumáticas, mas também em razão do risco de infecção.
Mordidas de gatos e mordidas humanas correm risco maior de infecção do que as de cão.
A maior parte das infecções em feridas de mordida de mamíferos é polimicrobiana. Pasteu-
rella spp. São os agentes patogênicos mais comuns em mordidas de cão e de gato.
A importância dos antibióticos profiláticos para mordidas de mamíferos é secundária em rela-
ção ao valor da limpeza apropriada, debridamento e irrigação das feridas.
Antibióticos profiláticos deverão ser fornecidos de preferência dentro de 3 horas após a mor-
dida e continuados por 5 dias.
Amoxicilina-clavulanato é o antibiótico profilático de escolha para mordidas de cão, gato e de
seres humanos. Moxifloxacino é uma alternativa para os pacientes alérgicos à penicilina.
A decisão de fechar feridas de mordida de mamíferos deve avaliar o benefício da cosmese
melhorada em relação ao risco maior de infecção da ferida.
Em razão da sua propensão à infecção, mordidas na mão causadas por mamíferos não devem
ser fechadas de modo primário. A maior parte das mordidas na face podem ser fechadas com
segurança desde que o sejam dentro de 24 horas após a mordida.

por cobras peçonhentas, com me-


ACIDENTES nos de 10 resultando em morte. Os
RELACIONADOS COM insetos são responsáveis por 52%
ANIMAIS PEÇONHENTOS das mortes; as cobras, por 30%; e as
aranhas, por 13%. De modo específi-
co, as abelhas são responsáveis pela
1. EPIDEMIOLOGIA
maioria das fatalidades, seguidas pe-
Os animais peçonhentos são respon- las cascavéis, vespas e aranhas.
sáveis por uma considerável morbi- Não existem dados de morbidade sig-
dade e mortalidade no mundo inteiro. nificativos, como o número de ampu-
O Sudeste Asiático, a Índia, o Brasil tações, internações e incapacitações.
e áreas da África são os líderes mun- O número de exposições e mortes
diais em mortalidade por picada de por cobras não nativas parece estar
cobra. Entre estes animais, estima-se aumentando, possivelmente devido
que apenas as cobras inflijam 2,5 mi- ao interesse por colecionar varieda-
lhões de picadas a cada ano, causan- des “exóticas” ou peçonhentas, como
do cerca de 125 mil mortes. cobras, mambas e víboras. A maio-
Cerca de 45 mil picadas de cobra ocor- ria das exposições ocorre nos me-
rem a cada ano nos Estados Unidos, ses de outubro a abril, que é quan-
das quais 7.000-8.000 são infligidas do os animais são mais ativos e as
ACIDENTES COM ANIMAIS 17

potenciais vítimas ficam ao ar livre A letalidade de modo geral é bai-


envolvidas em atividades que podem xa, sendo 1 para cada 700 casos de
aumentar seu risco de envenena- acidentes escorpiônicos (0,14%) e 1
mento. A maioria das mortes apa- para cada 1.000 casos de acidentes
rentemente envolve pessoas muito por aranha. A letalidade em aciden-
jovens, idosos ou pacientes tratados tes ofídicos é um pouco maior 1 para
de modo inadequado. cada 200 casos (0,44%). A maior
Nos dados de 2018 do sistema de in- parte dos acidentes é notificada em
formação de agravos de notificação, Minas Gerais (31.906 casos) e São
foram registrados 173.630 casos de Paulo (28.553 casos).
acidentes por animais peçonhentos A abordagem principal dos acidentes
em todo o Brasil. A maioria (52,6%) por animais peçonhentos consiste na
consiste em casos de acidentes es- aplicação do soro antiveneno espe-
corpiônicos e na sequência temos cífico. Na maioria dos casos, o diag-
acidentes por aranhas com 16,7% nóstico presumível é suficiente para
dos casos e ofídicos com 15,2%. determinação do soro antiveneno
correto.

FLUXOGRAMA. EPIDEMIOLOGIA DE ANIMAIS PEÇONHENTOS

Em 2018 cerca de 173.630


casos de acidentes por animais
peçonhentos no Brasil

56,6% de acidentes
escorpiônicos
Botrópico (Jararaca) 86%

16,7% por aranhas

Crotálico (Cascavel) 10%


EPIDEMIOLOGIA
15,2% por ofídicos

Laquético (Surucucu) 2%
Letalidade maior em
acidentes ofídicos
Elapídico (Coral) 0,8%
Mais notificado em
Minas Gerais e São Paulo

Mais comum nos meses


de outubro a abril
ACIDENTES COM ANIMAIS 18

2. OFÍDICOS É simples diferenciar as víboras com


fosseta e as cobras inofensivas en-
No Brasil, quatro grupos de serpentes
contradas nos Estados Unidos. As
venenosas têm importância médica.
víboras com fosseta, como o nome
Entre eles, o acidente mais comum
indica, têm uma fossa na região situ-
é o botrópico ( jararaca), que com-
ada entre o olho e a narina, em am-
põe 86% dos casos e em um distan-
bos os lados da cabeça. Esta fossa é
te segundo lugar o acidente crotáli-
um órgão sensível ao calor que per-
co (cascavel) com 10% dos casos.
mite à cobra localizar presas de san-
Os acidentes laquético (surucucu) e
gue quente. O formato triangular da
elapídico (coral) são ainda mais ra-
cabeça, a presença de uma pupila
ros, perfazendo 2% e 0,8% dos ca-
elíptica, a estrutura da cauda e a pre-
sos, respectivamente. [BOX SE LIGA:
sença de presas são características
Quanto à letalidade, o pior é o aciden-
úteis, porém inconsistentes. Um es-
te crotálico (0,87%), seguido dos aci-
pécime individual pode não se ajustar
dentes laquético (0,77%), botrópico
à descrição clássica, dependendo da
(0,43%) e elapídico (0,4%).]
idade da cobra, da época do ano e da
O diagnóstico de certeza do aciden- condição da cauda e aparelho bucal
te ofídico é feito pelo reconhecimen- do animal. Nem a cor nem os padrões
to do animal causador. No entanto, de pele são um método confiável de
isso não é prático ou seguro e não é identificar víboras com fosseta.
necessário. O diagnóstico presumível
O tamanho não é um fator importante
é feito pela história, pelo exame físico
na identificação de vários répteis. As
e pela avaliação dos efeitos do vene-
cobras peçonhentas variam quanto
no no paciente e na maioria dos casos
ao comprimento, medindo de vários
deve ser suficiente para determina-
centímetros a vários metros. Todas as
ção do soro antiofídico correto.
cobras peçonhentas já nascem com
capacidade de envenenar, por isso
Identificação devem ser tratadas como animais
perigosos.
Existem dois princípios essenciais
para identificar cobras peçonhentas: As cobras exóticas que não são ví-
somente especialistas devem mani- boras com fossetas não são tão fa-
pular cobras vivas, e até mesmo co- cilmente identificadas. Quando pos-
bras mortas podem envenenar ma- sível, devem ser transportadas em
nipuladores descuidados. segurança até um especialista, para
identificação positiva.
ACIDENTES COM ANIMAIS 19

COBRA PEÇONHENTA COBRA NÃO PEÇONHENTA

Cabeça com formato


triangular Cabeça com formato redondo

Pupila elíptica Fosseta


Pupila redonda

Presas
Sem presas

Placa
Placa
anal
anal

Fila única Dupla


de placas única de
subcaudais placas
subcaudais

Chocalho
(cascavel)

FIGURA 5. A e B, Identifi-
cação de cobras norte-a-
mericanas peçonhentas e
não peçonhentas.
Fonte: Medicina de emer-
gência: conceitos e prática
médica, 2019.
ACIDENTES COM ANIMAIS 20

Abordagem inicial edema e de gravidade de lesão local


comparado a pacientes que não rece-
O objetivo do tratamento inicial é
beram o torniquete. Além disso, não
transporte assim que possível para
há redução na incidência de efeitos
local que disponha do soro antive-
sistêmicos do veneno (insuficiência
neno, diminuir a absorção do veneno
renal aguda, insuficiência respirató-
e prevenir complicações.
ria, síndrome hemorrágica, disfunção
de múltiplos órgãos ou morte) entre
SE LIGA! Medidas locais, como incisões pacientes tratados com torniquete e
próximas à picada, ruptura de bolhas,
aqueles não tratados. Um estudo, in-
sutura, sucção do veneno ou gelo local
não devem ser realizadas. Além de não clusive, demonstra aumento de dias
haver benefício comprovado, atrasam o internados em pacientes nos quais o
transporte. torniquete foi usado.
Além dessas medidas, reforçamos
O paciente deve ser deitado e aque- que o mais importante é transportar o
cido. O local da picada deve ser iden- paciente até local onde o soro antive-
tificado e deve-se assegurar que não neno apropriado esteja disponível. Os
há picadas adicionais. Acessórios exames iniciais indicados são creati-
e joias na extremidade acometida nina, eletrólitos, troponina, hemogra-
devem ser removidos. O local da ma, TP, TTPA, fibrinogênio e urina de
picada deve ser lavado com água e rotina. O paciente deve ser hidratado
sabão. Pode-se fotografar a serpen- e receber analgesia e antieméticos
te, mas não se deve tentar recolhê-la. conforme necessário. Como em qual-
O membro deve ser imobilizado, quer outro ferimento de pele, atentar
com elevação passiva e articula- para a vacinação antitetânica.
ções estendidas. Antibiótico de rotina não é reco-
Em estudos em modelo de envene- mendado; no entanto, um estudo
namento, com análise realizada atra- de 1989 detectou a progressão para
vés de radioisótopos, a imobilização abscesso bacteriano em 15% dos
compressiva atrasa a absorção do acidentes botrópicos. Nesse estudo,
veneno. Portanto, pode haver algum a flora bacteriana desse grupo de ser-
benefício, mas a qualidade da evi- pentes foi identificada, como descrito
dência é baixa. De qualquer maneira, na tabela a seguir. O perfil de resis-
esse método só deve ser usado em tência a antibiótico dessa flora bac-
acidentes crotálicos e elapídicos, pois teriana mostrou que o cloranfenicol
não causam edema local. era a droga contra a qual havia menor
O torniquete não é recomenda- resistência. Infelizmente, esse antibi-
do. O seu uso levou a aumento de ótico não está disponível facilmente.
ACIDENTES COM ANIMAIS 21

Na opinião dos editores, alternati- O soro nunca deve ser diluído e deve
vas são ceftriaxona, ciprofloxacina e ser sempre aplicado de forma en-
gentamicina. dovenosa e não há benefício de apli-
BACTÉRIAS %
cá-lo de forma subcutânea, próximo à
Morganella morganii 44
lesão. A administração do soro deve
Escherichia coli 20 ser feita em 10 a 30 minutos sob mo-
Providencia sp. 13 nitorização contínua. O número de
Klebsiella sp. 10 ampolas depende de cada serpente
Tabela: Flora bacteriana encontrada em acidentes e da gravidade do quadro. A gravi-
botrópicos dade do quadro pode ser dinâmica e
Fonte: Medicina de emergência: abordagem prática, um quadro inicialmente diagnostica-
2019.
do como moderado e depois reinter-
pretado como grave tem indicação de
Antes da aplicação do soro antive- receber o número de ampolas adicio-
neno deve-se considerar pré-medi- nais devidas.
cações para evitar reações de hi- Recomenda-se deixar adrenalina e
persensibilidade ao soro agudas e material de intubação próximo ao pa-
tardias. A evidência para o uso de ciente. Faz-se uma ressalva ao soro
corticoide e bloqueador histamínico antilatrodectus, que é o único aplica-
é fraca. A única medida que compro- do de forma intramuscular.
vadamente reduz o risco de reações
O diagnóstico de certeza depende do
graves é a aplicação de adrenalina
reconhecimento do animal causador.
(250 µg) por via subcutânea imedia-
No entanto, o diagnóstico presumível,
tamente antes de aplicação do anti-
feito pelos sinais e sintomas, é sufi-
veneno. A aplicação dessa medica-
ciente para determinação do soro an-
ção foi segura, inclusive em pacientes
tiofídico correto.
com coagulopatia.
ACIDENTES COM ANIMAIS 22

FLUXOGRAMA. ABORDAGEM INICIAL PARA OFÍDICOS

Transporte rápido para local


que possua soro antiveneno

Incisão próxima à picada,


romper bolhas, sutura, sucção
Não realizar medidas locais
do veneno, gelo local e
torniquete

Manter paciente deitado e aquecido

Inspecionar local para


verificar se tem mais picadas

Remover joias e acessórios


da extremidade acometida

Lavar local com água e sabão

Imobilizar membro, manter elevação


ABORDAGEM passiva e articulações estendidas
INICIAL
Imobilização compressiva se acidente
for por crotálicos e elapídicos

Creatinina, eletrólitos,
troponina, hemograma, TP,
Exames iniciais
TTPA, fibrinogênio e urina de
rotina

Hidratação, analgesia e
antiemético se necessário

Antibiótico de rotina não é recomendado

Adrenalina (250 µg)


Considerar pré-medicação antes do soro
por via subcutânea

Administrar em 10 a 30 minutos
em monitorização contínua
Soro antiveneno deve ser não
diluído e aplicado em via endovenona
Número de ampolas
depende da gravidade do caso
ACIDENTES COM ANIMAIS 23

Acidente botrópico até a raiz do membro. As marcas da


picada nem sempre são visíveis. Nos
Estudos proteômicos do veneno bo-
dias seguintes, a lesão evolui para
trópico mostram que é composto por
equimoses, bolhas e necrose. As bo-
um número limitado de famílias pro-
lhas têm conteúdo seroso ou sero-
teicas. As proteínas mais abundantes
-hemorrágico e podem evoluir para
e correlacionadas à síndrome clínica
necrose cutânea. A dor se inicia logo
do envenenamento são as metalo-
após a picada e possui intensidade
proteinases de veneno de serpente
variável. Atentar para síndrome com-
(MPVS), serina-proteinases de ve-
partimental e necessidade de fascio-
neno de serpente (SPVS) e fosfoli-
tomia. Os efeitos locais podem levar
pases A2.
a déficit funcional do membro ou até
As SPVS são enzimas semelhantes amputação. O sequestro de líquido no
à trombina, que provocam distúrbios terceiro espaço devido a reação infla-
de coagulação. As fosfolipases estão matória pode ser suficiente para pro-
envolvidas na reação local e miotoxi- vocar insuficiência renal pré-renal.
cidade. As MPVS têm efeitos diver-
A ação coagulante ativa fatores de
sos incluindo hemorragia, inflamação,
coagulação com consumo de fibrino-
ativação de fatores da coagulação e
gênio, plaquetas e formação de fibri-
inibição de agregação plaquetária. A
na intravascular.
proporção relativa entre essas três fa-
mílias proteicas pode variar de acordo A ação hemorrágica compromete a
com filogenia, idade, sexo, distribui- integridade do endotélio vascular. So-
ção geográfica e dieta da serpente. mando-se à ação coagulante, pode
provocar hemorragias como gengi-
As jararacas apresentam diferencia-
vorragia, epistaxe, hemorragia diges-
ção considerável de habitat e traço
tiva e hematúria.
ecológico, e sua filogenia não é com-
pletamente resolvida, havendo pro- Ao se deparar com o acidente bo-
postas de classificações de gênero trópico, deve-se considerar a pos-
que são incompatíveis. sibilidade de acidente laquético.
Este também provoca intensa rea-
O veneno botrópico possui três ações
ção local. A distribuição geográfica
principais proteolítica, coagulante e
da surucucu é na maior parte res-
hemorrágica.
trita à região Norte, mas pode estar
A ação proteolítica provoca ativida- presente na Mata Atlântica. Além
de inflamatória intensa próximo ao disso, pacientes vítimas de acidente
local da picada. Dor, eritema, edema, botrópico não costumam apresentar
flogose e enduração aparecem nas
horas seguintes e podem se estender
ACIDENTES COM ANIMAIS 24

hipotensão ou manifestações clínicas conforme a tabela a seguir. A insufici-


do trato gastrointestinal. ência renal é incomum nos pacientes
A intensidade dos sinais locais e a que recebem o soro em até seis ho-
presença de acometimento sistêmi- ras do acidente. A eficácia da ação do
co determinam o número de ampo- antiveneno pode ser apreciada pela
las necessárias para o tratamento normalização da coagulometria em
12 a 36 horas após sua infusão

MANIFESTAÇÕES E
LEVE MODERADO GRAVE
TRATAMENTO
Local (edema, sangramen- Intensas (presença de
Ausentes ou discretas Evidentes
to, eritema e dor) equimose, bolha e necrose)
Sistêmicas (hemorragia,
Ausentes Ausentes
choque e anúria)
Soroterapia 2-4 ampolas 4-8 ampolas 8-12 ampolas
Tabela. Gravidade do acidente botrópico e soroterapia recomendada
Fonte; Medicina de emergência: abordagem prática, 2019.

Acidente crotálico A crotoxina possui duas subunida-


des, a fosfolipase A2 e a crotapotina
O acidente crotálico representa me-
e possui ação miotóxica e neurotó-
nos de 10% dos acidentes ofídi-
xica. Age na junção neuromuscular
cos no Brasil. No ano de 2016 as
inibindo a liberação de neurotrans-
notificações nas regiões Nordeste e
missores e em menor escala bloque-
Sudeste representaram 74% desse
ando os receptores da sinapse. A
total. Existem seis subespécies de
crotoxina também inibe a coagulação
Crotalus durissus presentes no Bra-
sanguínea (clivando fosfolipídeos do
sil C. durissus terrificus (região Sul);
sistema hemostático), causando dire-
C. durissus collilineatus (Centro-o-
tamente hemólise e plaquetólise.
este e Sudeste); C. durissus casca-
vella (Nordeste); C. durissus ruruima Além da crotoxina, também têm im-
(Norte); C. durissus marajoensis (Ilha portância a crotamina, a convulxina
de Marajó). No geral são conhecidas e a girotoxina.
como cascavel. O efeito conjunto dessas toxinas do
O principal componente do veneno veneno crotálico se expressa por ação
crotálico é a crotoxina, representan- neurotóxica, miotóxica e coagulante
do 65% do total da peçonha. de forma sistêmica com muito pouco
ACIDENTES COM ANIMAIS 25

efeito local. Dor e edema são discre- (urina cor de “coca-cola”). Espera-se
tos ao redor da picada. A ação neu- elevação de CK, LDH, TGO e TGP. A
rotóxica é a mais evidente. Trata-se insuficiência renal aguda pode se ins-
de efeito neuroparalítico com início talar em decorrência da mioglobinúria
na cabeça e progressão craniocau- e aumenta o risco de óbito.
dal. Provoca a fácies miastênica com A ação coagulante provoca consu-
ptose palpebral (uni ou bilateral), tur- mo de fibrinogênio e elevação de TP
vação visual (visão turva e diplopia) e TTPA. Pode haver gengivorragia e
e oftalmoplegia. São relatadas ainda outros sangramentos discretos.
paralisia do palato mole, diminuição
do reflexo de vômito e disfagia. Rara- Após o tratamento com soroterapia
mente pode progredir para insuficiên- específica, as manifestações neu-
cia respiratória. Distúrbios do olfato e rotóxicas regridem lenta, porém,
paladar também são descritos. totalmente.

A atividade miotóxica provoca le- Deve-se considerar como diagnós-


sões de fibras musculares sistema- tico diferencial o acidente elapídico,
ticamente com elevação de mioglo- que apresenta os mesmos sintomas
bina e excreção na urina. O paciente de neurotoxicidade, mas em geral
apresenta dores musculares gene- com um quadro mais grave e sem os
ralizadas e mioglobinúria/ hematúria efeitos miotóxicos ou coagulantes.

MANIFESTAÇÕES E
LEVE MODERADO GRAVE
TRATAMENTO
Fáscies miastênicas/visão
Ausente ou tardia Discreta para evidente Evidente
turva
Mialgia Ausente ou discreta Discreta Intensa
Urina vermelha/marrom Ausente Ausente ou pouco evidente Presente
Oligúria/anúria Ausente Ausente Pode estar presente
Soroterapia 5 ampolas 10 ampolas 20 ampolas
Tabela. Gravidade do acidente crotálico e soroterapia recomendada
Fonte; Medicina de emergência: abordagem prática, 2019.

Acidente laquético presente nos remanescentes da Mata


Atlântica.
Os acidentes laquéticos se restrin-
gem praticamente à região Norte, O veneno laquético é caracterizado
onde são notificados 90% desses por ação proteolítica, coagulante e
acidentes. A surucucu também está neurotóxica. A composição se as-
semelha à do veneno botrópico com
ACIDENTES COM ANIMAIS 26

MPVS, serina protease e fosfolipases O tratamento inicial deve focar, além


A2. Além disso, também apresenta da administração do soro antiveneno,
o peptídeo potenciador de bradicini- na estabilidade hemodinâmica do
na. O veneno laquético tem proprie- paciente com infusão de volume, uso
dades que ativam o plasminogênio, de atropina e inotrópicos com o obje-
coagulantes, hemorrágica, inflamató- tivo de evitar a instalação de choque.
ria, proteolítica, miotóxica, hemolítica, Todo acidente laquético deve ser
hipotensiva e neurotóxica. Possui a considerado grave e são indicadas de
fosfolipase A2 LmTx-1 que induz in 12 a 20 ampolas do soro antilaqué-
vitro bloqueio neuromuscular irrever- tico ou soro bivalente antibotrópico e
sível. Especificamente para o aciden- laquético.
te laquético deve-se monitorizar o
paciente e solicitar eletrocardiograma O paciente deve ser monitorizado
(ECG) seriado, pois pode haver bradi- obrigatoriamente por 72 horas. O pa-
cardia, alterações do segmento ST e ciente pode apresentar hipotensão
onda T e bloqueio atrioventricular. tardia (após a décima-sexta hora), he-
morragia digestiva, trombose mesen-
O acidente laquético se apresenta térica ou acidente vascular cerebral.
em 15 a 30 minutos com dor local in-
tensa, edema, sangramento profuso
no local da picada, sudorese profusa, Acidente elapídico
dor abdominal intensa e rebaixamen- O acidente elapídico é o mais raro
to de nível de consciência. O veneno dos acidentes ofídicos no Brasil. A
também tem efeitos vagomiméticos coral é a única das serpentes peço-
como diarreia, vômito, bradicardia, nhentas de importância no Brasil que
hipotensão e choque. O paciente se não possui a fosseta loreal (orifício
queixa de disfagia e/ou odinofagia. tennossensível entre o olho e narina).
Em trinta minutos após o acidente, já O veneno elapídico contém proteínas
são constatadas alterações na coa- com estruturas de três dígitos, deno-
gulometria (TS, TC e TP). Assim como minadas “three finger toxins” (3Ftx)
no acidente botrópico, ocorre intensa que são as mais abundantes (40%
reação local. O diagnóstico diferen- da composição do veneno). Na se-
cial deve considerar a possibilidade quência em ordem de composição
de acidente botrópico. O acidente estão as MPVS (12%), L-aminoáci-
laquético costuma ter hipotensão e do oxidase {12%), fosfolipases A2
manifestações clínicas do trato gas- (10%) e lecitina do tipo C {10%). As
trointestinal que não estão presentes 3Ftx são neurotoxinas pós-sinápti-
no acidente botrópico. cas que se ligam competitivamente
ACIDENTES COM ANIMAIS 27

aos receptores colinérgicos. As fos- (0,25 mg de atropina para cada 0,5


folipases A2 são neurotoxinas pré-si- mg de neostigmina). Deve-se obser-
nápticas, bloqueando a liberação de var um aumento de pelo menos 20
neurotransmissor. bpm na frequência cardíaca (FC). De-
O veneno elapídico é caracterizado pois continuar com neostigmina (re-
por ação neurotóxica. O paciente petir a mesma dose) a cada 4 horas
apresenta, em 45 a 75 minutos, náu- até a infusão do soro antielapídico.
seas, vômitos, sudorese, ptose pal-
pebral (uni ou bilateral), fácies mias-
tênica, oftalmoplegia, dificuldade de
deglutição, paralisia muscular e respi-
ratória. No local da picada pode haver
dor e parestesia discreta, mas não há
lesão evidente.
Todo acidente elapídico é conside-
rado grave e o paciente deve re-
ceber de 5 a 10 ampolas de soro
antielapídico.
Figura 6. A cobra coral tem nariz preto e corpo com
Especificamente para o acidente ela- listras vermelhas e amarelas adjacentes
pídico deve-se preparar para a in-
suficiência respiratória com ofere-
cimento de oxigênio, ventilação não
invasiva e invasiva. O aparecimento
dos sintomas pode ser tardio, portan-
to, o paciente deve ser mantido em
observação por 24 horas.
Se não houver soro antielapídíco ime-
diatamente disponível e o paciente
apresentar insuficiência respiratória,
o paciente tem indicação de receber
neostigmina. Aplicar neostigmina Figura 7. Na cobra-rei escarlate, as listras corporais são
EV, 0,05 mg/kg em crianças ou até no separadas por uma listra preta.
máximo 2-5 mg no adulto. Cada am- Fonte: ROSEN, Medicina de emergência: conceitos e
prática médica, 2019.
pola de neostigmina deve ser prece-
dida de 0,01-0,02 mg/kg de atropina
ACIDENTES COM ANIMAIS 28

FLUXOGRAMA. DIFERENÇAS CLÍNICAS ENTRE OFÍDICOS

Proteolítica, coagulante e
Ação do veneno
hemorrágica

Destruição no Dor intensa, edema endurado,


Botrópico (Jararaca) bolhas, abscesso, até síndrome
local da lesão compartimental e amputação
Administração imediata de soro antibotrópico ou
soro antibotrópico-laquético (SAB ou SABL), em monitoração
contínua. Atentar para sinais de anafilaxia.
Mitotóxica, coagulante
Ação do veneno
e neurotóxica.

Ação local pouca Dor e edema discreto

Ações Efeito neuroparalítico crânio-caudal,


Crotálico (Cascavel) Neurotóxica fácies miastênicas (ptose), turvação
sistêmicas visual, oftalmoplegia, redução de reflexo
do vômito, disfagia
Soro
Anticrotálico Rabdomiólise e mialgia,
Mitotóxica
(SAC) colúria e IRA por NTA.
Hidratação vigorosa, manitol, bicarbonato, correção
de DHE. Os sintomas regridem completamente.

Proteolítica, coagulante,
OFÍDICOS
hemorrágico e neurotóxico
Ação do veneno
Fosfolipase gera bloqueio
neuromuscular irreversível
Reação inflamatória intensa,
Ação local edema, dor equimose, bolhas e
Laquético (Surucucu) eventos hemorrágicos
Ação mitotóxica,
hemolítica e hipotensiva
Monitorização obrigatória por 72 horas,
Soro antiveneno SABL risco de hipotensão, trombose mesentérica,
HDA e AVC

Ação do veneno Neurotóxica

Lesão local não evidente


Náuseas e vômitos, sudorese,
ptose, fácies miastênicas,
Elapídico (Coral) Ações sistêmicas paralisia muscular e respiratória
(imediato ou em 24 horas) GRAVE

Soro antielapídico em grande


quantidade 5-10 ampolas

Anticolinesterásicos Aplicar atropina antes para bloqueio


(neostigmina) dos efeitos muscarínicos da acetilcolina.
ACIDENTES COM ANIMAIS 29

3. ESCORPIÔNICOS neurológicas, miose ou midríase, pria-


pismo, aumento de secreções (sudo-
No Brasil são espécies de importân-
rese profusa, vômitos incoercíveis e ri-
cia médica:
norreia e lacrimejamento), agitação ou
• Tityus serrulatus (escorpião exaustão, bradicardia, insuficiência car-
amarelo) distribuído da Bahia díaca, edema agudo de pulmão, cho-
até o Paraná e adaptado ao meio que, convulsões e coma. Autópsias de
urbano; óbitos por acidente escorpiônico reve-
lam edema cerebral, edema pulmonar
• T. bahiensis (escorpião marrom)
alveolar, edema intersticial miocárdico
presente em todo o país, exceto
com infiltrado inflamatório. O veneno
região Norte; e
escorpiônico também pode induzir hi-
• T. stigmurus, espécie mais co- perglicemia, glicogenólise, leucocitose e
mum do Nordeste. hipocalemia. Além disso, pode provocar
miocardite com alteração de segmento
e elevação de troponina.
Na Amazônia ainda se encontra o
T. cambridgei e o T. metuendus. A Deve-se solicitar hemograma, glice-
maioria dos casos graves decorre mia, potássio, sódio, amilase, cre-
de picada do T. serrulatus. atinoquinase e eletrocardiograma.
Em casos graves, solicita-se tropo-
O veneno atua em canais de sódio, pro-
nina e ecocardiograma. No eletrocar-
vocando despolarização e liberação im-
diograma, pode haver bradicardia, ta-
portante de neurotransmissores (cateco-
quicardia, extrassistolia, inversão de
laminas, acetilcolina e outros). A maioria
onda T, presença de onda U proemi-
dos acidentes é leve, e os quadros gra-
nente, onda Q, infra ou supradesnive-
ves ocorrem em crianças e idosos.
lamento do segmento ST. O ecocar-
A principal manifestação local é a dor diograma mostra hipocinesia difusa,
que se instala quase imediatamente. que em geral é transitória.
Pode estar acompanhada de pareste-
Acidentes leves podem ser tratados
sia, eritema e sudorese ao redor da pi-
com anestesia local com lidocaína e
cada. Pode durar 24 horas, mas é mais
observados por 4 a 6 horas.
intensa nas primeiras horas.
Acidentes moderados têm indicação
Acidentes moderados se apresentam
de 2 a 3 ampolas de soro antiveneno
com dor intensa local, sudorese, náu-
(especialmente em crianças) e aci-
sea, vômitos, taquicardia, taquipneia
dentes graves devem receber 4 a 6
e hipertensão.
ampolas. Ambos devem ser monito-
Acidentesgravesapresentam,alémdos rizados por pelo menos 24-48 horas.
sintomas já descritos, manifestações
ACIDENTES COM ANIMAIS 30

FLUXOGRAMA. ACIDENTES ESCORPIÔNICOS

Maior número de
notificações no Brasil
ESCORPIÔNICOS
Meses quentes e chuvosos
(Outubro a março)

Minas Gerais,
Epidemiologia
São Paulo e Bahia

Geralmente benigno em adultos


e grave em extremos de idade

Tityus serrulatus
Maior parte de casos graves
(escorpião amarelo)

T. bahiensis
Tipos
(escorpião marrom)

Efeitos simpáticos e
T. stigmurus parassimpáticos

Liberação de acetilcolina e
Veneno Ativação de canais de sódio
catecolaminas

Confusão mental, hipotensão ou hipertensão,


Manifestações
sialorreia, arritmias, edema agudo de pulmão.

Laboratório: Hemograma, glicemia, CK, CKMB, amilase e eletrólitos

Exames Raio X de Tórax em PA e perfil

ECG

Casos leves (anestesia local)

Soro antiescorpiônico
(SAEsc) ou Casos moderados (2-3 ampolas)
antiaracnídico (SAA)

Casos graves (4-6 ampolas)


ACIDENTES COM ANIMAIS 31

4. ARACNÍDICOS No Brasil são três gêneros de aranha


com relevância médica: Phoneutria,
As picadas de aranhas são um even-
Loxosceles e Latrodectus.
to médico raro. A preocupação parti-
cular é principalmente com as lesões
necróticas que podem ser causadas Acidentes por Phoneutria
por essas picadas, mas, exceto pelas
As aranhas do gênero Phoneutria são
aranhas do gênero Loxosceles, esse
conhecidas como aranhas armadei-
tipo de lesão não ocorre.
ras, e seu veneno tem ação neuro-
O diagnóstico de picada de aranha é tóxica, com liberação de adrenalina e
usualmente clínico, baseado na histó- acetilcolina, causando manifestações
ria do paciente de ter recebido uma de sistema nervoso central simpático
picada de inseto identificado como e parassimpático.
aranha. Essa identificação é mais bem
Picadas por esse tipo de aranha ocor-
realizada se a aranha for capturada.
rem principalmente na América do
Na maioria dos casos, a identificação
Sul e na Costa Rica, sendo descritos
é realizada pelo próprio paciente. Ra-
milhares de eventos no Brasil anual-
ramente o diagnóstico laboratorial é
mente. São aranhas noturnas e soli-
disponível para estes casos.
tárias e só ocasionalmente entram em
As reações locais são usualmente si- domicílios; quando isso ocorre, assu-
milares às de uma picada por abelha, mem postura agressiva característica,
com aparecimento de hiperemia e o que lhes dá o nome popular.
nodulação no local da picada após al-
As picadas causam dor local imediata
guns minutos; em raros casos pode-
com diaforese localizada, piloereção
mos ter dramáticas lesões necróticas.
e eritema. A dor apresenta irradiação
Existem cerca de 41.000 espécies de proximal e, na maioria dos casos, os
aranha e todas produzem uma es- sintomas se limitam ao quadro dolo-
pécie de veneno em suas quelíceras, roso. Entretanto, uma série de quase
na maior parte dos casos inofensivos 500 casos descreveu taquicardia e
para humanos. Assim, muito poucas sensação de inquietude. Os sintomas
espécies têm alguma relevância do sistêmicos incluem náuseas, vômitos
ponto de vista médico. As aranhas e tonturas, salivação, alterações visu-
caranguejeiras, por exemplo, são co- ais e priapismo.
nhecidas por atingirem grandes di-
Na maioria dos casos, apenas tra-
mensões, entretanto, na maioria das
tamento sintomático é necessário
vezes possuem um tipo de vene-
com aplicação de compressas quen-
no com pouca relevância para o ser
tes, opioides e sedativos conforme
humano.
ACIDENTES COM ANIMAIS 32

necessidade e uso de anestésicos família das fosfolipases D, que são


locais. envolvidas principalmente na necro-
O soro só é indicado em casos mais se cutânea. A injeção do veneno lo-
graves com manifestações autonômi- xoscélico inicia uma reação inflama-
cas, sendo utilizado em cerca de 2% tória e tem ação direta hemolítica e
das picadas por esse tipo de aranha. leva a ativação e agregação plaque-
O soro é usado por 3 horas e a recu- tária, podendo causar trombose na
peração é completa em usualmente microcirculação com isquemia local e
24 horas. consequentes necrose tecidual e dor
intensa. A presença de hialuronidase
no veneno loxoscélico aumenta o po-
Acidente por Loxosceles tencial da lesão tecidual.
As aranhas deste gênero são tam- As mulheres são um pouco mais afe-
bém denominadas aranhas reclu- tadas que os homens por essas pi-
sas ou aranhas marrons e seu ve- cadas e elas ocorrem sobretudo nos
neno tem atividades proteolíticas e meses de temperatura quente. Essas
hemolíticas. aranhas raramente picam esponta-
Existem mais de 100 espécies de neamente seres humanos; isso ocor-
distribuição mundial, mas a maioria re em geral quando são atacadas ou
delas se encontra na América do Sul. como última linha de defesa.
São aranhas de hábito predominan- O veneno da Loxosceles possui ação
temente noturno, encontradas em lu- hemolítica, coagulante e dermone-
gares secos e escuros, sobre pedras crótica. De início, a picada é pouco
ou madeira; essas espécies podem dolorosa e passa despercebida em
se adaptar ao ambiente doméstico grande número de casos; eventual-
e se esconder em roupas, móveis e mente pode ocorrer uma sensação de
lençóis. São aranhas marrons, de ca- queimação local. Além disso, poucos
racterísticas difíceis de diferenciar em pacientes capturam a aranha, o que
relação a outras espécies de aranhas, dificulta a identificação, que ocorre
mas que apresentam 6 olhos, com em menos de 60% dos casos.
um par na frente e dois pares laterais, A dor tipicamente apresenta um au-
ao contrário dos oito olhos usuais di- mento progressivo nas próximas 2
vididos em 2 fileiras. a 8 horas e pode se tornar severa; a
A patogênese de suas manifestações aparência inicial da lesão é de uma
clínicas não é completamente co- pápula avermelhada, e alguns pa-
nhecida, mas parece ser importante cientes podem apresentar rash urti-
o envolvimento de componentes da cariforme associado.
ACIDENTES COM ANIMAIS 33

Muitas vezes os sintomas não são febre, mal-estar, mialgias, vômitos,


relatados a serviços médicos, o que cefaleia e rash, com ou sem história
torna difícil saber qual é o verdadeiro de picada. Os níveis de hemoglobina
número de casos assintomáticos ou apresentam queda progressiva em
oligossintomáticos dessas picadas. período de 7 a 14 dias, podendo che-
Alguma forma de necrose cutânea gar a níveis de 5 a 8 g/dL. A hemólise,
ocorre na maioria das picadas sinto- apesar de intravascular, é consistente
máticas por aranhas do gênero Lo- com o processo autoimune, ocorren-
xosceles. Manifestações sistêmicas, do teste de Coombs direto positivo.
por sua vez, ocorrem em cerca de Insuficiência renal aguda pode ocor-
10% dos casos e anemia hemolítica rer, mas é incomum, sendo associada
também ocorre em 10% dos casos. com prognóstico muito ruim.
O loxoscelismo cutâneo se mani- A coagulação intravascular disse-
festa inicialmente por dor discreta e minada (CIVD) é frequentemente
eritema, que muitas vezes pode ser descrita como sintoma comum ao
confundida com celulite e usualmente loxoscelismo, embora a evidência de
causa extenso envolvimento cutâneo sua ocorrência seja pequena. Alguns
com necrose cutânea e ulceração. A pacientes evoluem com trombocito-
evolução lenta faz com que o diagnós- penia e aumento dos tempos de coa-
tico da lesão ocorra de 12 a 24 horas gulação, mas raramente preenchendo
após a picada, com aparecimento de os critérios diagnósticos para CIVD.
equimoses e bolhas hemorrágicas. Rabdomiólise é descrita no loxosce-
A necrose cutânea, por sua vez, cos- lismo, mas na maioria dos casos se
tuma aparecer cerca de 72 horas após apresenta com pequenos aumentos
a picada, podendo ocorrer necrose de CPK.
de tecidos profundos em até metade Existem vários tratamentos propos-
dos casos, mas infecção secundária tos para o loxoscelismo, como corti-
é incomum, mesmo em casos de en- costeroides, antídotos e anti-hista-
volvimento cutâneo extenso. Alguns mínicos, entre outras opções, embora
pacientes podem apresentar uma va- exista pouca evidência que dê supor-
riante edematosa, principalmente em te para seu uso.
picadas de face com extenso edema O benefício do soro antiloxosceles
e eritema, mas pouca necrose. parece se limitar ao uso nas primeiras
As manifestações sistémicas são 4 horas, embora alguns estudos su-
menos comuns e incluem hemóli- giram benefício em até 36-48 horas.
se intravascular como característica O Ministério da Saúde recomenda
principal. A apresentação típica inclui seu uso em casos de lesões cutâneas
ACIDENTES COM ANIMAIS 34

extensas, usualmente associado a A dor é uma manifestação universal-


glicocorticoides. A dose de predniso- mente presente nas picadas desse
na recomendada é de 40-80 mg ao gênero, e costuma ocorrer no local
dia ou 1 mg/kg por 5 dias. Um estudo da picada com irradiação para dorso,
sugeriu benefício com o uso de dap- tórax e região abdominal. O seu apa-
sona, embora não seja recomendada recimento é gradual, com piora pro-
rotineiramente. A dose de soro espe- gressiva em períodos de horas a dias,
cífico é de 5 ampolas de soro antilo- e a irradiação da dor em membro para
xosceles em casos sem hemólise e a região superior dele é uma apresen-
10 ampolas de soro antiloxosceles no tação típica. Em pacientes com ma-
caso de hemólise associada. nifestações sistêmicas, a mialgia é a
mais comum entre elas.
Acidente latrodético A diaforese é outra manifestação ca-
racterística e pode ocorrer em apre-
Existem pelo menos 30 espécies dife- sentações atípicas. Sugere o latro-
rentes da viúva negra. A sua epide- dectismo diaforese apenas no local
miologia é diferente, dependendo da da picada ou diaforese abaixo dos
localização mundial. Na América do joelhos ou assimétrica. Outro achado
Sul, são mais frequentes picadas em relativamente específico é o apareci-
trabalhadores rurais quando em am- mento de dor abdominal grave ou ri-
bientes externos. A maioria dessas gidez de parede abdominal.
aranhas tem uma aparência negra
brilhante com marcas vermelhas
CONCEITO! A diaforese é a transpira-
pelo corpo. Suas picadas caracteris-
ção excessiva, devido a uma hiperativi-
ticamente produzem alterações sen- dade do sistema nervoso simpático.
soriais no local da picada, o sistema
nervoso autônomo é envolvido com
liberação de neuromediadores, po- Manifestações sistêmicas, por sua
dendo ocorrer contratura facial e tris- vez, ocorrem em um terço dos pa-
mo, retenção urinária, hipertensão ar- cientes com sintomas inespecíficos,
terial, taquicardia ou bradicardia. como náuseas, vômitos e cefaleia
na maioria dos casos. Fasciculações
Os pacientes, na sua apresentação musculares e paralisia local podem
no serviço de emergência, têm tipica- ocorrer. A lesão miocárdica é rara e
mente uma história de atividade de nesse caso pode ocorrer alteração de
risco para ocorrer a picada nas últi- marcadores cardíacos. O priapismo é
mas 8 horas. Cerca de 75% das pi- outra manifestação rara.
cadas ocorrem nas extremidades, em
particular nos membros inferiores.
ACIDENTES COM ANIMAIS 35

Os sinais vitais estão dentro dos pa- analgésicos, sobretudo opioides, são
râmetros de normalidade em 70% utilizados frequentemente.
dos pacientes; nos casos graves a Os benzodiazepínicos podem ser uti-
presença de rigidez muscular intermi- lizados em casos de fasciculações ou
tente ocorre em 60% dos pacientes. espasmos musculares. A evidência
Em pacientes com manifestações para o uso de soro específico nesses
apenas locais, são recomendados pacientes é insuficiente para indicar a
apenas os cuidados locais de lim- sua utilização.
peza e profilaxia antitetânica se Constituem uma exceção entre todos os
necessário. Vários tratamentos foram soros antivenenos, pois deve ser aplica-
propostos, incluindo analgésicos, an- do via intramuscular. O tratamento é
tieméticos, benzodiazepínicos, mag- de 1 ampola IM em casos de acome-
nésio e cálcio. Existe pouca evidência timento moderado e 1 a 2 ampolas IM
de qualidade para validar o uso das em casos de acometimento grave.
diferentes medicações citadas, mas

CLASSIFICA-
MANIFESTAÇÃO SORO
ÇÃO
PHONEUTRIA
Leve Dor local -
Moderado Dor local, sudorese/vômitos, agitação, HAS 2-4 ampolas
Dor local, sudorese/vômitos, agitação, HAS, vômitos intensos, priapismo,
Grave convulsões, coma, insuficiência cardíaca, bradicardia, choque e edema 5-10 ampolas
pulmonar
LOXOSCELES
Sinais/sintomas locais incaracterísticos/sugestivo. Sem alterações
Leve -
laboratoriais
Moderado Lesão com rash ou < 3 cm. Sem alterações laboratoriais 5 ampolas
5 ampolas (forma
cutânea)
Grave Lesão > 3 cm, evidência de hemólise
10 ampolas (forma
cutaneovisceral)
LATRODECTUS
Leve Dor local, edema local discreto -
Dor nos membros inferiores. Parestesia em membros. Tremores e
Moderado 1 ampola
contraturas
Sudorese generalizada. Ansiedade/agitação. Mialgia. Dificuldade de
deambulação. Cefaleia e tontura. Hipertermia. Taquicardia/bradicardia.
Grave Hipertensão arterial. Taquipneia/dispneia. Náuseas e vômitos. Priapismo. 1 a 2 ampolas
Retenção urinária. Fáscies iatrodectísmica (contratuxra facial e trismo
dos masseteres)
Tabela. Número de ampolas de soro antiaracnídicode acordo com a gravidade do paciente
ACIDENTES COM ANIMAIS 36

FLUXOGRAMA. ACIDENTES POR ARANHAS

Menor letalidade, Picada pouco dolorosa


evento médico raro, Lenta e progressiva,
Epidemiologia preocupação maior com no momento, aumento evidente, base
necrose progressivo 2-8h eritematosa com área
de isquemia central.
Presença ou não de
Quadro bolhas hemorrágicas. Dor
Forma cutânea e queimação. Evolui para
clínico necrose.

ARANHAS
Forma cutânea Hemólise intravascular,
anemia, hemoglobinúria,
visceral/hemolítica icterícia, CIVD
Loxosceles
(aranha marrom) Hemograma, reticulócitos, bilirrubinas,
Exames
haptoglobinas, função renal, CPK e coagulograma

Soro antiloxoscélico, até 24-36h após acidente


Ou Soro antiaracnídeo (SAA)
Tratamento
Corticoide: 40-60mg /dia adulto e
Gêneros com
1mg/kg crianças 5 a 10 dias
relevância médico
no brasil
Local: dor imediata e intensa com irradiação
proximal, diaforese, eritema
Quadro
clínico
Sistêmicos: priapismo, inquietude,
vômitos, tonturas, salivação

Phoneutria
(aranha armadeira)
Compressa local

Tratamento Sintomático: anestesia local

Casos graves com manifestações


autonômicas: Soro antiaracnídea (SAA)

Quadro Dor intensa, contrações espasmódicas em


MMII, contraturas intermitentes, tremores,
clínico rigidez abdominal (ddx- abdome agudo)

Latrodectus
Soro antilatrodectico (não utilizar para rotina)
(viúva negra)

Tratamento Analgésicos sistêmicos

Benzodiazepínicos (se espasmos musculares)


ACIDENTES COM ANIMAIS 37

HORA DA REVISÃO! Na abordagem Não há necessidade de vacinação


inicial, é fundamental levar o paciente
até o soro antiveneno ou vice-versa.
contra tétano após picadas.
Em geral, os efeitos causados pelo ve- Em geral, essas espécies picam em
neno e sua intensidade são suficientes autodefesa ou para proteger sua col-
para determinar o tipo e a quantidade de meia ou ninho. A remoção imediata
soro antiveneno necessária.
do ferrão pode reduzir a infusão de
Os tipos mais comuns de acidentes ofí-
veneno. Alguns minutos depois, já
dicos são botrópico (> 80%) e crotálico
(10%). não fará diferença em termos de evi-
O acidente botrópico tem intenso aco- tar a infusão do veneno. Depois, deve
metimento local com edema, dor, erite- ser removido através de raspagem
ma e evolução para formação de bolhas, (não usar pinça), pois pode ser sítio de
isquemia e necrose tecidual.
infecção ou reação de corpo estranho.
O acidente crotálico tem pouco acometi-
mento local, e a fácies miastênica é mais A reação local em geral é leve e tran-
evidente com ptose palpebral, perda de sitória com eritema, dor e edema de
acomodação visual e oftalmoplegia. 1-5 cm que se inicia em minutos e
O acidente escorpiônico em geral traz melhora após algumas horas. Um em
apenas incômodo, salvo nos extremos
cada dez pacientes desenvolve rea-
de idade.
ção desproporcional eritematosa e
A aranha marrom (Loxosceles) causa
lesão eritematosa e dolorosa, que evolui edematosa (tipicamente de 1 O cm
para equimoses, bolhas hemorrágicas e de diâmetro) que aumenta gradual-
necrose. mente em um a dois dias. A resolução
ocorre em cinco a dez dias. Compres-
sas frias podem ajudar. Se for em ex-
5. ABELHAS
tremidade, esta deve ser mantida ele-
Espécies Hymenoptera que atacam vada. Prednisona 40-60 mg em dose
humanos incluem abelhas e maman- única ou tratamento curto de 2 a 5
gavas, vespa amarela, vespão, ma- dias pode ajudar. O prurido pode res-
rimbondo e formigas. A maioria das ponder a anti-histamínicos. Se após
pessoas tem apenas reação local. Os 48 horas o quadro continuar pioran-
desfechos graves ocorrem por rea- do, sugere infecção secundária.
ção alérgica ou ataque maciço. A Em caso de acidente maciço (30-50
reação alérgica ao veneno tem risco picadas em crianças e 300 picadas
de reações sistêmicas graves seja no adulto), a composição do veneno
aguda como anafilaxia ou tardia como passa a ter importância. Inclui fosfoli-
doença do soro. São relatados 30-40 pases A2 e melitina, que representam
óbitos por acidente por abelhas anu- 75% dos constituintes do veneno.
almente no Brasil. Outras frações são responsáveis por
ACIDENTES COM ANIMAIS 38

ações bloqueadoras neuromuscula- necessário. Pode haver benefício com


res e que podem provocar paralisia o uso de corticoide e anti-histamíni-
respiratória e hemólise, principalmen- cos. A insuficiência renal pode evoluir
te a apamina. para diálise.
O veneno contém também um car- O soro antiapílico está em estudo
diopeptídeo com ação semelhante fase 1/II (estudo APIS) na CEVAP/
à de drogas beta-adrenérgicas com UNESP. O protocolo do estudo espe-
propriedades antiarrítmicas. Possui cifica duas ampolas de soro para 5 a
também um peptídeo degranulador 200 picadas; seis ampolas de veneno
de mastócitos responsável pela libe- para 201-600 picadas; e 10 ampolas
ração de histamina e serotonina. para mais de 600 picadas.
O veneno provoca hemólise intravas- O tratamento adjuvante recomen-
cular, insuficiência renal aguda, oli- dado é hidratação e inotrópicos para
gúria/anúria, torpor, coma, distúrbios manter pressão acima de 90 x 60
hidroeletrolíticos e acidobásicos gra- mmHg. Monitorar CPK para rabdomi-
ves. Reações tardias, como encefa- ólise (níveis de CPK acima de 5.000
lite, artralgias e febre semelhante à U/L). Atentar para função renal; oligú-
doença do soro ocorrem, mas são ra- ria e anúria são indicações de diálise.
ras. Creatinofosfoquinase (CPK), de- Corrigir distúrbios hidroeletrolíticos.
sidrogenase láctica (LDH), aldolase e Os sintomas podem ser combati-
transaminases aumentadas sugerem dos com anti-histamínico e corti-
envenenamento grave. Exame de uri- coide. Adrenalina subcutânea deve
na de rotina pode mostrar sinais de ser usada para tratamento de anafi-
comprometimento renal. laxia. Atentar para controle da dor e
O tratamento é de suporte, incluin- evolução para broncoespasmo. Usar
do proteção de via aérea e respi- permanganato de potássio 1:40.000
ração até intubação orotraqueal se para antissepsia da pele.
ACIDENTES COM ANIMAIS 39

FLUXOGRAMA. ACIDENTES COM ABELHAS

Espécies Hymenoptera

Geralmente apenas
reação local

Desfechos graves por reação


alérgica ou ataque maciço

Anafilaxia

Provoca hemólise
intravascular, insuficiência
renal aguda, oligúria/anúria,
torpor, coma, distúrbios
Veneno
hidroeletrolíticos e
ABELHAS acidobásicos grave

Reação aguda Eritema, dor e edema

Encefalite, artralgias
Reação tardia (rara) e febre semelhante à
doença do soro

Remoção imediata Posteriormente


do ferrão remover por raspagem

Compressas frias,
manter membro elevado
e anti-histamínico

Tratamento
Acidente maciço:
Adrenalina se anafilaxia,
Suporte, vias aéreas,
soro antiapílico
corticoide e anti-histamínico,
(estudo em fase ½)
diálise se necessário
ACIDENTES COM ANIMAIS 40

6. LAGARTAS Sistemicamente pode haver queixas


A penetração de cerdas de lagartas inespecíficas como cefaleia, mal-es-
(lepidópteros) na pele inocula toxinas, tar, náuseas e dor abdominal, além
provocando o envenenamento pelo de sangramentos como gengivorra-
gênero Lonomia. Têm importância gia, equimoses, epistaxe, hematúria,
médica os acidentes causados por in- hematêmese e hemoptise. Acidentes
setos pertencentes à ordem Lepidop- graves evoluem com insuficiência re-
tera, na sua forma larvária. Nomes nal aguda e hemorragia intracraniana.
populares incluem taturana, oruga, Metade dos pacientes expostos ao
ruga, lagarta-de-fogo, e apresentam veneno de Lonomia apresenta dis-
grande variedade morfológica. túrbio na coagulação sanguínea,
A família Megalopygidae (megalopi- com ou sem hemorragia. O tempo
gídeos) possui cerdas pontiagudas, de coagulação pode estar alterado e
curtas e que contêm as glândulas deve reverter conforme soroterapia.
de veneno, no meio de outras cerdas A reversão de alterações de exames
longas, coloridas e inofensivas. A fa- de coagulação ocorre após 24 horas
mília Saturniidae (saturnídeos) tem da administração do antiveneno es-
“espinhos” ramificados e pontiagudos pecífico. Normalmente, não há altera-
de aspecto arbóreo, mimetizando as ção na contagem de plaquetas.
plantas que habitam. O gênero Lono- Rebaixamento de nível de consciên-
mia é um saturnídeo, cujo veneno tem cia deve ser investigado com imagem
efeito hemorrágico. de crânio (suspeita de sangramento).
As larvas têm hábitos noturnos e es- O tratamento é sintomático com
tão em todo o país. Os megalopigíde- compressas frias. Lidocaína a 2%
os são solitários, ao contrário dos sa- próximo à lesão pode ajudar.
turnídeos. O veneno é composto por Em acidentes moderados com altera-
fosfolipases A2, achelase, lonomina ções de coagulograma (sangramen-
e serina-proteases. O veneno causa to no máximo de pele ou mucosa) ou
dor, edema, uma coagulopatia con- graves com manifestações hemorrá-
sumptiva consumindo fibrinogênio e gicas em vísceras ou complicações
hemólise intravascular. com risco de morte, o paciente deve
Localmente haverá dor em queima- ficar em repouso e deve receber o
ção, irradiação, eritema, edema e ade- soro específico. Acidentes modera-
nomegalia dolorosa. Raramente pode dos têm indicação de 5 ampolas de
haver bolhas e necrose cutânea. Os soro antilonômico e acidentes gra-
sintomas regridem em 24 horas. ves têm indicação de 10 ampolas.
ACIDENTES COM ANIMAIS 41

FLUXOGRAMA. ACIDENTES COM LAGARTAS

LAGARTAS

Hábitos noturnos,
distribuídas por
todo o Brasil

Gênero Lonomia (forma


Ordem Lepidoptera lavaria) – acidentes
hemorrágicos graves

Dor, edema, coagulopatia


Fosfolipases A2, achelase,
Ação do veneno consumptiva de fibrinogênio
lonomina e serina-proteases
e hemólise intravascular

Dor em queimação,
Manifestações locais: irradiação, eritema, edema e
adenomegalia dolorosa

Cefaleia, mal-estar, náuseas e dor abdominal, gengivorragia,


equimoses, epistaxe, hematúria, hematêmese e hemoptise

Manifestações sistêmicas:

Pode evoluir para IRA e HIC

Compressas frias

Sintomático

Lidocaína 2%
próximo à lesão

Tratamento

Moderado (5 ampolas
de soro antilonômico)

Repouso e soro específico

Grave (10 ampolas


de soro antilonômico)
ACIDENTES COM ANIMAIS 42

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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Rosen. Medicina de emergência: conceitos e prática médica / editor Ron M. Walls; [organi-
zação] Robert S. Hockberger, Marianne Gausche-Hill; tradução Andrea Adelcorso, Andréa
Favano, Luiz Frazão Filho. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
APA Citation. Marx, J. A., Rosen, P. (2014). Rosen´s emergency medicine: Concepts and cli-
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World Health Organization. Animal bites. Fact sheet 2013, n 373 Disponível em <https://
www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/animal-bites>
ACIDENTES COM ANIMAIS 43

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