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Licenciatura em Psicologia
“Sinto-me como a última pétala que ficou numa flor e as outras pétalas estão a voar para longe...”
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significativa de crianças (33%) registou algum risco de desenvolver problemas
emocionais ou comportamentais. Tal, indica que as crianças tem diferentes recursos
de suporte e força e diferentes áreas de vulnerabilidade sendo a adaptação à perda
multideterminada. Embora a interacção entre estes determinantes seja complexa e
ocorra de diferentes formas, é possível identificar seis categorias de mediadores que
influenciam o curso da adaptação à perda, sendo eles: a morte e os rituais
subjacentes; as relações da criança com os familiares mais próximos antes e depois
da morte; o funcionamento dos familiares sobreviventes e a sua capacidade para
apoiar a criança; influências familiares como o tamanho, a solvência, a estrutura, os
estilos de coping, suporte e comunicação bem como stressores familiares e
mudanças/disrupções no dia a dia da criança; suporte dos pares e outros fora da
família; e as características da criança, incluindo a idade, o género, a auto-estima e a
compreensão da morte. Variações nestes factores mediadores significam variações no
processo de luto de cada criança e determinam a forma como a criança experencia a
dor a seguir à perda de uma pessoa significativa.
A literatura indica três estádios principais do luto (Mallon, B., 2001):
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Estes estádios não são rígidos – cada pessoa vive a dor à sua maneira única -, mas
servem de guia para as reacções que podermos encontrar. Contudo uma criança pode
parecer encontrar-se um dia num estádio e no dia seguinte passar para outro; por
isso não podemos esperar observar uma progressão facilmente reconhecível. O luto é
um processo e não um caminho linear e não há um padrão fixo.
Ao longo destes estádios que caracterizam o processo de luto a resposta de grief
normalmente é experienciada de 12 diferentes formas (Haasl & Marnocha, 1990):
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Os sonhos também são uma componente importante na forma como a criança
manifesta a sua dor podendo em alturas de perda ser especialmente perturbadores.
Jonh Bowlby informou que cerca de 1/5 das crianças que estavam a fazer um luto
tinham graves terrores nocturnos, enquanto que 1/4 insistia em dormir à noite com
um dos pais ou irmão (Bowlby, 1980). Os sonhos podem ser veículos de expressão
dos medos pelo que será útil informar as crianças que dada a situação tensa em que
se encontram é normal que os pesadelos ocorram e que estes funcionem como uma
válvula de segurança que deixa sair alguma da pressão, aliviando assim, alguma da
ansiedade que os sonhos maus lhes provocam.
As crianças passam pela mesma gama de emoções que os adultos apesar de as
poderem expressar de maneiras diferentes. A idade da criança também influencia e
determina a forma como integram e reagem à morte (Mallon, 2001). As crianças
muito jovens tem uma compreensão limitada da permanência da morte, mas
reconhecem-na como uma separação e podem reagir com uma profunda tristeza.
Entre os cinco e os oito anos encontram-se no estádio do “pensamento mágico”
pensando que basta formularem um desejo para que qualquer coisa aconteça. Assim
podem ficar horrorizadas com o seu aparente poder de fazerem com que qualquer
coisa aconteça especialmente se antes haviam desejado que isso acontecesse. A
crença continuada neste poder mágico é visível no comportamento das crianças. As
crianças com idades compreendidas entre os oito e os dez anos ficam frequentemente
intrigadas com a morte. Às vezes, a morte é vista como uma pessoa que as vem
buscar, por exemplo um fantasma, ou a morte é uma consequência, por exemplo de
terem pensado ou feito algo mal. Por volta dos nove anos de idade, as crianças
começam a aperceber-se da permanência da morte e a expressarem a sua dor pela
perda, como os adultos.
A criança precisa de tempo para fazer o seu luto; alguns especialistas dizem que
são sete anos, porventura a vida inteira, se não tiverem uma ajuda nesse período de
aprendizagem e de formação que é a infância. Embora não tenhamos encontrado
muitos estudos nesta área, parece ser importante a ajuda dos os profissionais, tanto
para as crianças, como para as famílias, para que tenham tempo e espaço para a dor,
a aceitação e a renovação. Cada um de nós pode ajudar as crianças a enfrentar as
dificuldades e todos os que desempenham um papel no acompanhamento das
crianças, sejam eles professores, médicos, psicólogos ou pessoal de enfermagem,
podem fazer muito para ajudarem as crianças e as suas famílias a enfrentarem o
impacto da perda. Se conseguir-mos reconhecer a tensão e aceitar a validade do
“falar” da criança conseguiremos então fazer alguma coisa para aliviar a dor. As
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crianças expressam a sua angústia se os familiares, os amigos e os professores
estiverem dispostos a ouvi-las, ou quando faltam as palavras, comunicam através da
sua linguagem corporal ou exteriorização do seu comportamento.
Um programa de grupo com crianças em luto pode ser útil, na medida em que
pode ajudar as crianças a expressar abertamente os seus sentimentos de dor e a
receber suporte de outros que se encontram na mesma situação mostrando-lhes que
não estão sozinhas nos seus sentimentos.
Mais especificamente, Linda Goldman (1996) refere algumas técnicas que podem
ser utilizadas para ajudar estas crianças:
A investigação parece indicar que não existem regras rígidas quanto à maneira de
ajudarmos todas as crianças, mas há linhas mestras que realçam o que ajuda e o que
atrasa o processo. Inicialmente é essencial aceitar que as crianças fazem um luto e
que isto lhes pode provocar grande tensão. Precisão de toda a nossa compreensão e
apoio para conseguirem sair com êxito das poderosa vagas de emoção que ameaçam
submergi-las.
Programa de Intervenção
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devem conter entre sete a oito elementos com experiências de luto diversificadas
(tipo de morte, ligação afectiva à pessoa que morreu...). Este programa é constituído
por seis sessões de periodicidade semanal com a duração de uma hora e meia cada
sessão.
Optamos por esta modalidade de intervenção porque é uma forma das crianças
expressarem abertamente os seus sentimentos de dor e receberem suporte de outras
crianças que se encontram na mesma situação. Além disso, os familiares da criança,
muitas vezes tem dificuldade em lidar com esta situação e falar abertamente com as
crianças acerca dos seus sentimentos, sendo importante criar um espaço seguro onde
a criança se possa expressar.
Adoptando uma perspectiva educativo-desenvolvimental, este programa pretende:
ensinar as crianças a reconhecer e expressar sentimentos de tristeza, encorajando a
comunicação aberta e descobrir concepções disfuncionais pouco saudáveis que a
criança possa apresentar; proporcionar às crianças uma oportunidade para
experenciar o luto e aceitá-lo num ambiente seguro e partilha-lo com outras crianças
que também passaram por uma situação semelhante; dar às crianças informação
sobre o luto para facilitar uma melhor expressão e compreensão dos seus
sentimentos; e ajudar as crianças a reconhecer alternativas apropriadas para
expressarem a sua dor.
No planeamento da nossa intervenção baseamo-nos no modelo de adaptação à
crise de Scholossberg, em que se presta atenção a interacção entre as características
pessoais, ambientais e da crise em si. A consideração das características pessoais
(idade, valores, estatuto socio-económico, competências psicossociais, ...) é
importante, por exemplo, na escolha das actividades a realizar e na forma de abordar
as temáticas, uma vez que estas devem estar adaptadas ao nível de desenvolvimento
das crianças e ao estádio de luto em que a criança se encontra. Também são um
factor importante a considerar na selecção dos elementos de cada grupo, sendo que a
este nível é importante uma certa diversidade ao nível das experiências mantendo, no
entanto, alguma homogeneidade para não haver uma discrepância muito grande entre
os elementos o que iria dificultar a partilha.
As características dos ambientes pré e pós crise, como sejam contexto físico,
sistema de suporte interpessoal e o suporte institucional, são fundamentais numa
intervenção deste tipo tendo como objectivo manter uma certa continuidade entre
estes ambientes, o que trará à criança mais estabilidade e controlo sobre a situação.
Neste âmbito, tivemos a preocupação de abordar a temática da mudança com relativa
frequência, procurando que a criança explorasse diferenças pré e pós a morte de
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alguém significativo, assim como os pensamentos e sentimentos associados a essas
mudanças. Além disso, pensamos também ser importante envolver a família da
criança no programa, convidando-a a participar em alguns momentos das sessões,
informando-a acerca do processo de grupo e tentando obter algum feedback.
Por último, as características específicas de uma situação de luto em particular
(fonte externa, afecto negativo, implica perdas, tem caracter permanente) exigem da
criança determinados recursos e competências que tentamos levar em atenção na
nossa intervenção.
Tratando-se de uma intervenção em situações de crise, as estratégias escolhidas
procuram ir de encontro às necessidades criadas por estas situações, em que parece
ser importante, como foi referido na base generativa, que as crianças falem livre e
abertamente sobre o que aconteceu, sobre os seus pensamentos e sobre as suas
emoções sem julgamento ou crítica, seguindo uma orientação mais cognitivista. Desta
forma, pensamos ser importante na aplicação do programa, reforçar o positivo, de
modo a que as crianças possam construir defesas; evitar reacções psicológicas e
emocionais excessivas; reforçar comportamentos e comunicação apropriados; facilitar
a manutenção de uma rede de suporte social; e promover o auto-conceito e a
autoconfiança das crianças.
Em síntese, esta intervenção pretende ajudar as crianças a lidar com a situação de
crise imediata, prevenir o desenvolvimento de sintomas graves, assim como avaliar
necessidades de intervenção posteriores.
Estrutura do programa
Objectivos Actividades
Introduzir as Apresentação dos facilitadores, dos
Familiarizar os participantes sessões de objectivos do programa, das regras de
com a experiência de luto dos grupo funcionamento
membros do grupo Breve descrição das sessões e
informação geral acerca dos trabalhos de
Estabelecer regras de casa.
funcionamento do grupo
Nota: Os pais/responsáveis pelas crianças são
convidados a participar nesta parte da sessão e eles
podem fazer questões ou dar conselhos nesta altura.
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Oferecer a cada participante Os participantes devem realizar uma
oportunidades para partilhar a sua actividade que favoreça o conhecimento
Início das
experiência de morte/luto dos membros do grupo e que os faça
actividades
sentir mais confortáveis no seio do
Ouvir a experiência de luto mesmo.
das outras crianças para que Incentivar cada participante a partilhar
compreendam que não são as informação acerca da sua experiência
Partilhar a
únicas que perderam alguém com a morte, incluindo, quem morreu,
experiência
querido tipo de morte, à quanto tempo ocorreu, e
de Morte
outra informação que eles desejem
partilhar.
Objectivos Actividades
Explorar a percepção das crianças de Relembrar as temáticas abordadas na
morte/grief mostrando formas alternativas sessão anterior
mais adaptativas Fazer desenhos e actividades relacionadas
Aprender conceitos básicos sobre a morte com o processo de luto de cada criança e
Avaliar o entendimento da causa de morte partilhá-los com o grupo
Identificar crenças disfuncionais e aceitar a Incentivar as crianças a
realidade de perda narrarem/desenharem um sonho que tenham
Discutir as mudanças/perdas pessoais tido e explorar o seu conteúdo em grupo.
Identificar maneiras de lidar com a mudança Explorar as mudanças familiares que
Discutir mudanças relacionadas com a morte ocorreram com a morte da pessoa querida
completando frases e discutindo-as em grupo
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Objectivos Actividades
Fornecer informação acerca Distribuir um cartão a cada criança com
Início das
dos sentimentos associados com o um sentimento e estas devem indicar
actividades
processo de luto/grief uma situação em que se sentiram assim.
É feita pelo grupo em conjunto
Oferecer uma oportunidade às escrevendo-se no quadro tendo em conta
crianças de expressarem os seus que:
sentimentos acerca da morte da Listar Não há sentimentos bons e maus
Todos temos diferentes sentimentos em
pessoa significativa Sentimentos diferentes momentos
Falar com alguém acerca dos nossos
sentimentos pode ser difícil
Ás vezes estamos confusos e frustados quando
Assegurar a criança acerca da estamos a passar por um luto, e
O luto afecta a forma como nos sentimos
normalidade dos seus sentimentos connosco próprios
Escolher um dos sentimentos da lista e
Desenho dos
Encorajar a aceitação e a desenhá-lo. Partilhar o desenho e falar
sentimentos
partilha de sentimentos sobre ele aos outros membros do grupo
De um lado, a criança desenha como se
Actividade da
Identificar maneiras de sentia antes da morte e do outro de
placa de
expressar sentimentos negativos como se sente agora. Partilha com o
papel
grupo.
Mostrar a relação entre grief e Ler uma história às crianças que aborde
Sentimentos
auto-estima / autoconfiança esta temática e discuti-la em grupo (E.g.
de culpa
O Fardo de Bracken de Brenda Mallon)
Oportunidade de partilha informal entre
Lanche as crianças
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Pedir às crianças para pensarem e
Explorar e reforçar o uso de escreverem uma memória que gostem de
memórias positivas na forma recordar acerca da pessoa querida que
como vivenciam o luto/grief Início das morreu
actividades Pedir às crianças para pensarem e
Oferecer às crianças escreverem uma memória que queiram
oportunidade para partilhar as esquecer acerca da pessoa querida que
suas memórias especiais morreu
durante a sessão. Partilhar estas memórias com o grupo
Partilhar Trazer para o grupo um objecto da pessoa
Discutir memórias dolorosas. memórias que morreu, descrevê-lo e dizer porque é que
o objecto é importante para a criança.
Procurar e cortar imagens numa revista que
lhe lembrem a pessoa que morreu (prato
Colagem de
preferido, cores, passatempos, profissões,
memórias
roupas, locais, ...) e fazer uma colagem com
estas imagens.
Objectivos Actividades
Oferecer às crianças oportunidade para Desenho do funeral
falarem sobre o funeral da pessoa querida Explicação do processo de funeral
Torná-los aptos a explorarem o processo Sentir a própria história/experiência de
de funeral e fazerem questões acerca do funeral
mesmo. Completar frases acerca de grief/ funeral
Lanche
Objectivos Actividades
Expressar a grief de forma Actividade de fantoches
alternativa através do uso de Pedir aos membros do grupo que indiquem formas
fantoches ou de uma história construtivas de lidar com a dor resultante da perda,
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Fornecer informação acerca de escrevê-las num quadro e discuti-las em grupo.
formas construtivas de lidar com a Escrever uma carta acerca do que +/- gostarem no
morte/grief grupo, de como esta experiência os ajudou...
Identificar/reconhecer sistemas de Convidar os pais a participarem nos últimos 15
apoio... minutos da sessão, onde os facilitadores podem rever
Rever o programa com os pais o que ocorreu durante as sessões e elicitar
Iniciar o encerramento da feedback dos pais acerca das suas interacções com as
experiência de grupo crianças durante o programa de grupo.
Encorajar as crianças a Lanche
continuarem a partilhar os seus Dar uma lembrança da experiência de grupo a cada
sentimentos e memórias acerca da elemento para levarem para casa (e.g. Boneco de
pessoa querida que eles perderam peluche, livrinho,...).
Avaliação
Aspectos a considerar...
As principais dificuldades que antecipamos na aplicação deste programa
prendem-se, por um lado, com a aceitação da implementação destes programas, uma
vez que ainda há pouca sensibilização para a problemática do luto infantil
especialmente no que concerne à utilidade da intervenção psicológica a este nível. Por
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outro lado, o envolvimento das famílias e das próprias crianças no programa também
pode ser um obstáculo dado à situação difícil (luto) em que normalmente se
encontram, não estando capazes de colaborar/participar da melhor forma.
No que diz respeito às limitações do programa de grupo, consideramos que
talvez devesse ter uma maior interacção com outras áreas da vida da criança, como o
colégio ou a escola, uma vez que também são contextos de desenvolvimento
importantes para a criança.
Outra dificuldade por nós antecipada diz respeito ao facto desta ser
simultaneamente uma intervenção grupal e individual, exigindo por parte dos
facilitadores uma articulação constante entre as questões temáticas a desenvolver no
programa e a ponderação dos processos de grupo. o que nem sempre é fácil. Se estes
factores não forem levados em conta, podem ocorrer fenómenos sobre os quais os
facilitadores não tem qualquer controle podendo as consequências do programa não
serem as mais desejadas. Neste sentido, consideramos pertinente que cada grupo
tenha dois facilitadores, para que este controlo/monitorização seja mais fácil.
Outro aspecto que nos levantou algumas duvidas na execução do programa
prende-se com a decisão de fazer com que as crianças partilhem a sua experência de
luto logo na primeira sessão, já que, poderá ser uma fase muito prematura ao nível
do desenvolvimento do grupo. No entanto, optamos por tomá-la porque pensamos
que poderá facilitar a identificação dos elementos ao grupo promovendo o
envolvimento futuro e coesão entre os membros. Contudo, dada a precocidade das
relações estabelecidas, consideramos que se deva deixar a criança falar somente
aquilo que deseja acerca da morte e quando esta se sentir à vontade para tal. Além
disso, o facilitador deve estar atento e verificar se o grupo se encontra apto a ouvir e
saber respeitar as histórias dos outros, de forma a evitar que alguma criança
experencie qualquer mal-estar que poderia comprometer a sua continuação no grupo.
Em suma, esta fase inicial do programa pode apresentar alguns perigos, exigindo
algumas decisões importantes por parte dos facilitadores, sendo necessário alguma
flexibilidade na escolha das actividades a realizar de acordo com o grupo particular e o
estado em que este se encontra.
Outra dificuldade que pode surgir do programa prende-se com a excessiva
dependência dos elementos ao grupo, sendo necessário trabalhar muito bem o
encerramento do grupo de forma a que todos os elementos se encontrem aptos para
o fazer, tendo interiorizado as temáticas tratadas e estando capazes de as
transportando para a vida do quotidiano (estádio de recordação e dissolução).
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Bibliografia
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