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ALEXANDRE RANGEL

AS MAIS BELAS
PARÁBOLAS DE
TODOS OS TEMPOS
VOL.lll

EDITORA
VOZES
APRESENTAÇÃO
Parábolas são breves narrativas, às vezes dramáticas, às vezes cômicas, que possuem
um contexto moral explícito ou implícito e que, além de nos apresentar um pouco da cultura de
um povo, nos ajuda a decidir em questões morais de nosso dia a dia. É claro que este livro pode
ser lido com outros olhos, tendo a sua utilidade um pouco mais despretensiosa, como para distrair
ou ser usada como exemplo em uma aula, uma palestra ou em um simples bate-papo.
A sua leitura é flexível: Você pode começar em qualquer parte do livro - na primeira página,
e seguir até a última -, ou pode ler ao acaso, folheando, lendo aqui e ali. De qualquer forma,
acredito que você dará uma pausa e pensará um pouco mais a respeito daquilo que leu.
Esta coleção não esgota o tema; muito pelo contrário, eu acredito que os três volumes
estão é contribuindo para que, a cada dia, sejam criadas e/ou resgatadas mais parábolas. Por
isso, convido os leitores a continuarem me enviando qualquer tipo de história, acontecimento ou
parábolas (ver convite no final do livro) para que consiga dar prosseguimento a outros volumes.
Optei por excluir a conclusão das parábolas aqui reunidas, pois, como já disse, a estória já
apresenta um contexto moral, e se, além desse contexto, ainda incluir uma conclusão, corria o
risco de ser repetitivo ou de até mesmo - o que considero mais grave - induzir o leitor a somente
de lição, visto que as parábolas podem apresentar contextos diferentes baseados em nosso
estado de espírito, meio ou momento.
Com estas sugestões, acredito que este livro será uma contribuição na direção de uma vida com
mais reflexão, conciliando a razão e o sentimento.
Alexandre Rangel

2
A BUSCA
Havia um rei famoso que vivia cercado de riquezas e honras, mas que em pouco tempo,
como tantos outros, descobriu que essas coisas abrem um largo caminho para a bajulação, falsas
amizade, porém nunca para a felicidade.
Cansado de tanta aparência de paz, decidiu sair à procura daquilo que é real, efetivo e
verdadeiro. Desejava conhecer e desfrutar a felicidade pura. Viajou, percorreu outros reinos e, por
fim, ouviu falar de um velho que conquistara fama e respeito por causa da sua sabedoria e
piedade.
Preparou-se, então, para nova viagem, a fim de se encontrar com o sábio ancião. Depois
de muito viajar, encontrou o velhinho vivendo humildemente numa caverna perto de uma floresta.
Esta primeira impressão o chocou profundamente, mas, depois de refazer-se, aproximou-se do
sábio e disse-lhe com certa submissão:
- Respeitoso sábio, vim aprender do senhor o segredo para que eu possa ser feliz. Tenho
me enveredado pelo caminho da fama, da riqueza e da superioridade. Entretanto, ao final de
cada jornada me convenço que, no meu interior, só cresce, e quase assustadoramente, um vazio
profundo, incontrolável.
O velho, sem dizer palavra, levantou-se e pediu-lhe que o acompanhasse.
Andaram por trilhas difíceis e chegaram ao topo de uma pedra altíssima.
Ali, uma águia fizera o seu ninho. Apontando, então, para ele, o sábio indagou o rei:
- Por que a águia escolheu esse lugar para fazer o seu ninho, Majestade?
- Certamente pelo fato de aqui ela se sentir segura. Sem dúvida, queria estar fora de
qualquer ameaça à sua tranquilidade.
- É verdade. Portanto, siga o exemplo da águia. Construa a sua morada nas alturas, com
base na espiritualidade, e, então, estará fora de qualquer perigo que possa se constituir uma
ameaça à sua felicidade e, sobretudo, encontrará a paz já aqui, dentro de si mesmo. Quando
puder alcançar isso, então já terá encontrado a felicidade real mesmo aqui na terra.

3
A CATADORA DE VIDRO
Uma família de cinco pessoas estava passeando um dia na praia.
As crianças estavam tomando banho de mar e fazendo castelos na areia, quando, ao
longe, apareceu uma velhinha.
Seu cabelo grisalho esvoaçava ao vento e suas roupas estavam sujas e esfarrapadas.
Resmungava qualquer coisa, enquanto apanhava coisas da praia e as colocava em um saco.
Os pais chamaram as crianças e pediram-lhes que ficassem longe da velha.
Quando ela passou, curvando-se de vez em quando para apanhar coisas, sorriu para a
família, mas seu cumprimento não foi correspondido.
Semanas mais tarde, souberam que a velhinha dedicara a vida à cruzada de apanhar
caquinhos de vidro da praia para que as crianças não cortassem os pés.

4
A DEUSA DA RIQUEZA E A
DEUSA DO CONHECIMENTO
Num reino distante havia um jovem que entrou numa floresta e disse ao seu mestre
espiritual:
- Quero possuir riqueza ilimitada para poder ajudar o mundo. Por favor, conte-me, qual é o
segredo para se gerar abundância?
O mestre espiritual respondeu:
- Há duas deusas que moram no coração dos seres humanos. Todos são profundamente
apaixonados por essas entidades supremas. Mas elas estão envoltas num segredo que precisa
ser revelado, e eu lhe contarei qual é. - Com um sorriso, ele prosseguiu:
- Embora você ame as duas deusas, deve dedicar maior atenção auma delas, a deusa do
Conhecimento, cujo nome é Sarasvati. Persiga-a, ame-a, dedique-se a ela. A outra deusa,
chamada Lakshmi, é a da Riqueza. Quando você dá mais atenção a Sarasvati, Lakshmi,
extremamente enciumada, faz de tudo para receber o seu afeto. Assim, quanto mais você busca
a deusa do Conhecimento, mais a deusa da Riqueza quer se entregar a você. Ela o seguirá para
onde for e jamais o abandonará. E a riqueza que você deseja será sua para sempre. Existe poder
no conhecimento, no desejo e no espírito. E esse poder que habita em você é a chave para a
criação da prosperidade.

5
A DISTANCIA ENTRE OS
CORAÇÕES
Um dia, um pensador indiano fez a seguinte pergunta aos seus discípulos:
- Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?
- Gritamos porque perdemos a calma - disse um deles.
- Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado?- questionou novamente o
pensador.
- Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça - retrucou outro discípulo.
O mestre voltou a perguntar:
- Então, não é possível falar-lhe em voz baixa?
Outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o pensador. Ele esclareceu:
- Vocês sabem por que se grita com uma pessoa quando se está aborrecido?
O fato é que, quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito.
Para cobrir esta distância, precisam gritar para poderem se escutarem.
Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro,
através da grande distância.
Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão enamoradas? Elas não gritam.
Falam suavemente. E por que?
Porque seus corações estão muito perto.
A distância entre elas é pequena. As vezes, seus corações estão tão próximos que nem
falam, somente sussurram.
E quando o amor é mais intenso não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e
basta. Seus corações se entendem.
É isso que acontece quando duas pessoas que se amam estão próximas.
Por fim, o pensador conclui:
- Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam
palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não
mais encontrarão o caminho de volta.

6
A FORÇA QUE DOMINA A VIDA
Entre o aprendiz e o orientador se estabeleceu precioso diálogo:
- Mestre, qual é a força que domina a vida?
- Sem dúvida, o amor
- Esse poder tudo resolve de pronto?
Entre as criaturas humanas, de modo geral, ainda existem problemas, alusivos ao amor,
que demandam muito tempo a fim de que se atinja a solução no campo do entendimento.
Querendo compreender melhor, o aprendiz continua:
- E qual o recurso máximo que nos garante segurança entre as desarmonias do mundo?
- Pode a fé ser obtida de um momento para outro?
- Não é assim. A confiança reclama edificação vagarosa no curso dos dias.
- A que nos cabe recorrer para que se nos conservem o ânimo e a alegria de servir entre
os conflitos da existência?
- A paz.
- E a paz surge espontaneamente?
- Também não. Ninguém conhece a verdadeira paz sem trabalho, e todo trabalho pede
luta.
- Então, mestre, não existe elemento algum no mundo que nos assegure benefícios
imediatos?
- Existe.
- Onde está esse prodígio, se vejo atritos por toda parte na Terra?
O mentor fez expressivo gesto de compreensão e rematou:
- Filho, a única força capaz de proporcionar-nos triunfos imediatos, em quaisquer setores
da vida, é a força da paciência.

7
A HISTORIA DA GALINHA RUIVA
Uma galinha achou alguns grãos de trigo e disse a seus vizinhos:
- Se plantarmos este trigo, teremos pão para comer. Alguém quer me ajudar a plantá-lo?
- Eu não - disse a vaca.
- Nem eu - emendou o pato
- Eu também não - afirmou o porco.
- Então, eu mesma planto - disse a galinha vermelha. E assim o trigo cresceu alto e
amadureceu em grãos dourados.
- Quem vai me ajudar a colher o trigo? - quis saber a galinha.
- Não faz parte de minhas funções - disse o porco.
- Eu me arriscaria a perder o seguro-desemprego - exclamou o pato!
- Então eu mesma colho - falou a galinha. E colheu o trigo ela mesma.
Finalmente, chegou a hora de preparar o pão.
- Quem vai me ajudar a assar o pão?- indagou a galinha vermelha.
- Só se me pagarem hora extra -disse a vaca.
- Eu não posso pôr em risco meu auxílio-doença -emendou o pato.
- Eu fugi da escola e nunca aprendi a fazer pão -disse o porco.
Ela, então, assou cinco pães e pôs todos numa cesta para que os vizinhos pudessem ver.
De repente, todo mundo queria pão. Mas a galinha simplesmente disse:
- Não, eu vou comer os cinco pães sozinha.
- Lucros excessivos! - gritou a vaca.
- Sanguessuga capitalista! - exclamou o pato.
- Exijo direitos iguais!-bradou o ganso.
O porco só grunhiu.
Eles pintaram faixas e cartazes com a palavra "Injustiça" e marcharam em protesto contra
a galinha.
Quando um agente do governo chegou, disse à galinha:
- Você não pode ser assim egoísta.
- Mas eu ganhei esse pão com meu próprio suor - defendeu-se a galinha.
- Exatamente - disse o funcionário do governo. - Essa é a beleza da livre-empresa.
Qualquer um aqui na fazenda pode ganhar o quanto quiser. Mas, sob nossas modernas
regulamentações governamentais, os trabalhadores mais produtivos têm que dividir o produto de
seu trabalho com os que não são produtivos
E todos viveram felizes para sempre...
8
Mas os vizinhos sempre se perguntavam por que a galinha nunca mais fez um pão e por
que a fazenda faliu.

9
A ILUSÃO DO REFLEXO
Um rei tinha presenteado sua filha, a princesa, com um belo colar de diamantes. O colar foi
roubado, e as pessoas do reino procuraram-no por toda parte sem conseguir encontrá-lo
Alguém disse que um pássaro poderia tê-lo levado, fascinado pelo brilho dele. O rei, então,
pediu a todos que voltassem a procurá-lo e anunciou uma recompensa de 5 mil moedas de ouro
para quem o encontrasse.
Um dia, um rapaz caminhava de volta para casa ao longo de um rio, ao lado de uma área
industrial. O rio estava completamente poluído, sujo e com um mau cheiro terrível. Enquanto
andava, o rapaz viu algo brilhar no rio, e quando olhou percebeu que era o colar de diamantes.
Decidiu tentar pegá-lo, de forma que pudesse receber as 5 mil moedas de ouro da recompensa.
Pôs sua mão no rio imundo e agarrou o colar, mas, de alguma forma, o perdeu. Tirou a mão e
olhou outra vez, e o colar estava lá, imóvel. Recomeçou. Desta vez entrou no rio e,
emporcalhando sua calça no rio imundo, afundou o braço inteiro para pegar o colar.
Mas, estranhamente, ele perdeu o colar novamente! Decidiu ir embora, sentindo-se
deprimido. Então, outra vez, ele viu o colar, bem ali. Desta vez ele estava determinado a pegá-lo,
não importava como. Decidiu mergulhar no rio, embora fosse algo repugnante fazê-lo, tal a sujeira
do rio. E seu corpo inteiro tornou-se imundo. Mergulhou, mergulhou e procurou por toda a parte
pelo colar, fracassou novamente. Desta vez, ele ficou realmente aturdido e saiu sentindo-se mais
deprimido ainda, já que, se não conseguisse pegar o colar, não receberia 5 mil moedas.
Um velho que passava por ali perguntou-lhe o que estava acontecendo. O rapaz não quis
compartilhar o segredo com o velho, pensando que ele poderia tomar-lhe o colar.
Mas o velho pôde perceber que o rapazinho estava incomodado e outra vez, pediu-lhe que
contasse qual era o problema e ainda prometeu que não contaria nada a ninguém.
O rapaz reuniu alguma coragem e, como já dava o colar como perdido, decidiu pôr alguma
fé no velho. Contou sobre o colar e como ele tentou e tentou pegá-lo, mas fracassou em todas as
tentativas.
O velho, então, disse-lhe que talvez ele devesse tentar olhar para cima, em direção aos
galhos da árvore, em vez de para o rio imundo. O rapaz olhou para cima e, para sua surpresa, o
colar estava pendurado no galho de uma árvore. Tinha, o tempo todo, tentado capturar um
simples reflexo do colar.
E este é o final da história. A felicidade material é exatamente como o rio poluído e imundo,
porque é mero reflexo da felicidade verdadeira no mundo espiritual. Não alcançaremos a
felicidade plena que procuramos na vida material, não importa o quanto nos esforcemos. Em vez
disso, devemos "olhar para cima", em direção à felicidade espiritual, que é a fonte da felicidade
real, e parar de perseguir o reflexo dessa felicidade no mundo material. Essa felicidade espiritual
é a única coisa que pode nos satisfazer completamente.
Mas também não bastar ficar "olhando para cima". Necessário se faz trabalhar, progredir
em direção do que lá está.

10
A LÁGRIMA
Encontraram-se, um dia, uma lágrima, uma estrela, uma pérola e uma gota de orvalho.
Falou primeiro a estrela:
- Quem diria que eu haveria de ter o trabalho de descer das alturas luminosas para vir
conversar com vocês três? Não sabem que sou mais alta que as nuvens e que a minha altivez
fulgura entre mil chamas radiosas, na infinita amplidão?
- Mas - respondeu a pérola vaidosa -quem lhe dará valor, entre milhões de lâmpadas no
espaço? Você não passa de um grão de esplendor, metido na poeira do infinito. Ninguém se
lembra de abraça-la! Enquanto eu, lá no fundo dos oceanos, sou buscada e vendida aos
soberanos para enfeitar, com minha limpidez, as coroas dos reis! Vivo no colo esplêndido dos
nobres e nos ricos seios das rainhas. Não sou como você, que sob o olhar dos pobres poetas
vagabundos encaminha. Valho mais que você! E ainda mais valho que um orvalho e uma lágrima,
pois ambos são gotas d'água, sem o mínimo valor.
Com mágoa, disse o orvalho:
- Qual de vocês três tem esse encanto de se transformar em gozo, na boca imaculada de
uma flor? Eu venho lá de cima, radiante, nos braços da alvorada, cobrir de beijos uma rosa, que
se sente tão doce nesse instante que vale a pena vê-la tão ditosa! E trago o riso ao coração da
Terra, engolfada em pranto. Eis como sou feliz! Na campina, ou no cimo da serra, sou sempre
uma esperança cristalina, nos lábios sorridentes de uma flor!
E a lágrima? Coitada, ela nada dizia.
-E que responde você? - perguntaram os demais
E ela, rolada na terra úmida e fria, nada ousava dizer. Porém, sublime e calma, respondeu:
- Sou o perdão no crime e a vibração no amor! Bailo no olhar risonho da alegria, moro no
olhar tristíssimo da dor! Sou a alma da saudade e da harmonia! Sou o estrilo na lira soluçante dos
poetas, sou oração no peito dos ascetas, sou relíquia de mãe em coração de filho, sou lembrança
de filho em coração de mãe! Não vivo nos seios perfumosos, nos colos orgulhosos, na ostentação
efêmera do luxo. Porém, penetro no espírito do mundo, seja do rei, do sábio mais profundo, do
rústico mais vil... .do pecador, do santo, até na face do Senhor um dia já rolei. Eu, lágrima
pequena, penetrei no coração de Deus e fiz estremecer o pórtico dos céus! Não sei quantos
pecados já lavei!
A lágrima calou-se humildemente. Em silêncio, a tudo contemplou serenamente, na
vastidão vazia.
A estrela se ocultou atrás de uma nuvem e chorou.
A pérola desceu à profundeza dos mares e chorou também.
O orvalho, tremulando sobre a relva, também chorou.
Só a lágrima sorria!

11
A MENTIRA
Dois noviços quiseram caçoar de Santo Tomás e chamaram-no para ver um boi voando.
Santo Tomás saiu e ficou olhando para cima, procurando um boi voando.
Enquanto isso, os noviços riram, e riram, e quando acabaram de rir Santo Tomás
continuava procurando o boi voando, sem se importar com as risadas deles.
Os noviços, então, perguntaram-lhe:
- Santo Tomás, o senhor acreditou que o boi realmente voava?
E ele respondeu calmamente:
- Meus filhos, é mais fácil para eu acreditar que um boi está voando do que meu irmão
estar mentindo.

12
A PARÁBOLA DAS TRES ÁRVORES
Havia, no alto da montanha, três pequenas árvores que sonhavam o que seriam depois de
grandes. A primeira, olhando as estrelas, disse:
- Eu quero ser o baú mais precioso do mundo, cheio de tesouros. Para tal, até me
disponho a ser cortada.
A segunda olhou para o riacho e suspirou:
- Quero ser um grande navio para transportar reis e rainhas.
A terceira árvore olhou o vale e disse:
- Quero ficar aqui no alto da montanha e crescer tanto que as pessoas, ao olharem para
mim, levantem os olhos e pensem em Deus.
Muitos anos se passaram e, certo dia, vieram três lenhadores e cortaram as três árvores
ansiosas para ser transformadas naquilo com que sonhavam.
A primeira árvore acabou sendo transformada num cocho de animais coberto de feno. A
segunda virou um simples e pequeno barco pesca, carregando pessoas e peixes todos os dias. E
a terceira, mesmo sonhando em ficar no alto da montanha, acabou cortada em altas vigas e
colocada de lado em um depósito.
E todas as três se perguntavam, desiludidas e tristes:
- Para que isso?
Mas, numa certa noite, cheia de luz e de estrelas, com mil melodias no ar, uma jovem
mulher colocou seu neném recém-nascido naquele cocho de animais. De repente, a primeira
árvore percebeu que nela repousava o maior tesouro do mundo...
A segunda árvore, anos mais tarde, transportou um homem que acabou dormindo no
barco, mas, quando a tempestade quase afundou o pequeno barco o homem se levantou e disse:
"PAZ"! E, num relance, a segunda árvore entendeu que estava carregando o rei dos céus e da
terra.
Tempos mais tarde, numa sexta-feira, a terceira árvore espantou-se quando suas vigas
foram unidas em forma de cruz e um homem foi pregado nela. Logo se sentiu horrível e cruel.
Mas, logo no domingo, o mundo vibrou de alegria, e a terceira árvore entendeu que nela havia
sido pregado um homem que veio para salvar a humanidade e que as pessoas sempre se
lembrariam de Jesus Cristo ao olhar para ela.
As árvores sonharam, mas a realização dos seus sonhos foi mil vezes melhor do que
haviam imaginado.

13
A PARÁBOLA DO LAPIS
O fabricante de lápis disse aos seus lápis:
- Há cinco coisas que vocês precisam saber antes de eu enviá-los ao mundo. Sempre se
lembrem delas, e vocês se tornarão os melhores.
Primeira: vocês poderão fazer grandes coisas, mas só se vocês permitirem-se estar
seguros na mão de alguém.
- Segunda: vocês experimentarão um doloroso processo de serem afiados de vez em
quando, mas isso é necessário se quiserem se tornar melhores.
- Terceira: vocês têm a habilidade de corrigir qualquer mal-entendido que puderem
ocasionar.
- Quarta: a parte mais importante de vocês sempre estará do lado de dentro.
- Quinta: não importa a condição, vocês devem continuar a escrever. Vocês devem sempre
deixar uma marca clara e legível, não importa o quão difícil seja a situação.
Os lápis entenderam, prometendo lembrar-se sempre, e entraram na caixa compreendendo
completamente o propósito do seu fabricante.

14
A PEDRA DA FELICIDADE
Nos tempos das fadas e bruxas, um moço achou em seu caminho uma pedra que emitia
um brilho diferente de todas as que ele conhecera.
Impressionado, decidiu levá-la para casa.
Era uma pedra do tamanho de um limão e pertencia a uma fada, que a perdera por
aqueles caminhos, em seu passeio matinal. Era a Pedra da Felicidade. Possuía o poder de
transformar desejos em realidade.
A fada, ao se dar conta de que havia perdido a pedra, consultou sua fonte de adivinhação
e viu o que havia ocorrido. Avaliou o poder mágico da pedra e, como a pessoa que a havia
encontrado era um jovem de família pobre e sofredora, concluiu que a pedra poderia ficar em
poder daquele jovem. Despreocupando-se quanto à sua recuperação, decidiu ajudá-lo
Apareceu ao moço em sonho e disse-lhe que a pedra tinha poderes para atender a três
pedidos: um bem material, uma alegria e uma caridade. Mas que esses benefícios somente
poderiam ser utilizados em favor de outras pessoas, Para atingir o intento, cabia-lhe pensar no
pedido e apertar a pedra entre as mãos.
O moço acordou desapontado. Não gostou de saber que os poderes da pedra que
somente poderiam ser revertidos em proveito dos outros. Queria que fossem para ele. Tentou
pedir alguma coisa para si, apertando a pedra entre as mãos, sem êxito. Assim, resolveu guardá-
la, sem muito interesse em usá-la.
Os anos se passaram, e esse moço tornou-se bem velhinho. Certo dia, rememorando seu
passado, concluiu que havia levado uma vida infeliz, com muitas dificuldades, privações e
dissabores. Tivera poucos amigos, porém reconhecia ter sido muito egoísta. Jamais quisera o
bem para os outros. Antes, desejava que todos sofressem tanto quanto ele.
Reviu a pedra que guardara consigo durante quase toda sua existência e lembrou-se do
sonho e dos prováveis poderes da pedra. Decidiu usá-la, mesmo sendo em proveito dos outros.
Assim, realizou o desejo de uma jovem, disponibilizando lhe um bem material.
Proporcionou uma grande alegria a uma mãe, revelando paradeiro de uma filha há anos
desaparecida, e, por último, diante de um doente, condoeu-se de suas feridas, ofertando-lhe a
cura.
Ao realizar o terceiro benefício, aconteceu o inesperado: a pedra transformou-se numa
nuvem de fumaça e, em meio a esta nuvem, a fada - vista no sonho que tivera logo ao achar a
pedra -surgiu, dizendo
- Usaste a Pedra da Felicidade. O que me pedires, para ti, eu farei. Antes, devias fazer o
bem aos outros para mereceres o atendimento de teu desejo. Por que demoraste tanto a usá-la?
O homem ficou muito triste ao entender o que se passara. Tivera nas mãos, desde sua
juventude, a oportunidade de construir uma vida plena de felicidade, mas, fechado em seu
desamor, jamais pensara que fazendo o bem aos outros colheria o bem para si mesmo.
Lamentando o seu passado de dor e seu erro em desprezar os outros, pediu, comovido e
arrependido:
- Dá-me, tão somente, a felicidade de esquecer o meu passado egoísta.

15
A RESPONSABILIDADE
O discípulo se aproximou do mestre e disse-lhe:
- Durante anos busquei a iluminação e sinto que estou perto. Quero saber qual o próximo
passo.
O mestre, calmamente, perguntou-lhe:
- E como você se sustenta?
- Ainda não aprendia a me sustentar; meu pai e minha mãe me ajudam. Entretanto, isso
são apenas detalhes. Diga-me qual o próximo passo para a iluminação.
O próximo passo - disse o mestre - é olhar o sol por meio minuto.
O discípulo obedeceu. Quando acabou, o mestre pediu que descrevesse o campo à sua
volta.
- Não consigo vê-lo. O brilho do sol ofuscou meus olhos- respondeu o discípulo.
Então, o mestre comentou sabiamente:
- Um homem que apenas busca a luz e deixa suas responsabilidades para os outros
termina sem encontrar a iluminação... Um homem mantém os olhos fixos no sol termina cego.

16
A TEIA DE ARANHA
Uma vez um homem estava sendo perseguido por vários malfeitores que queriam matá-lo.
Correndo, o homem virou em um atalho que saía da estrada e entrava pelo meio do mato
e, no desespero, elevou uma oração a Deus:
- Deus Todo-Poderoso, faz com que dois anjos venham do céu e tapem a entrada da trilha
para que os bandidos não me matem.
Nesse momento, percebeu que os homens se aproximavam da trilha onde ele se escondia
e que, na entrada da trilha, uma minúscula aranha começava a tecer uma teia.
O homem se pôs a fazer outra oração, cada vez mais angustiado:
- Senhor, eu vos pedi anjos, não uma aranha. Senhor, por favor, com tua mão poderosa,
coloca um muro forte na entrada desta trilha, para que os homens não possam entrar e me matar.
Abriu os olhos esperando ver um muro tapando a entrada e viu apenas a aranha tecendo a
teia. Estavam os malfeitores prestes a entrar na trilha na qual ele se encontrava esperando
apenas a morte.
Quando passaram diante da trilha, o homem escutou:
- Vamos, entremos nesta trilha!
- Não, não está vendo que aí tem até teia de aranha? Nada entrou por aqui. Continuemos
procurando nas próximas trilhas.

17
A VERDADEIRA RIQUEZA
Um dia, um homem, que acreditava na vida após a morte e que valorizava o "ser" mais que
o "ter", hospedou-se na casa de um materialista convicto, numa bela mansão de uma cidade
europeia.
Depois da ceia, o anfitrião convidou o hóspede para visitar sua galeria de artes e começou
a enaltecer os bens materiais que possuía de maneira soberba. Disse que o homem vale pelo
que possui, pelo patrimônio que consegue acumular durante sua vida na Terra. Exibiu escrituras
de propriedades, as mais variadas joias, títulos, valores diversos.
Depois de ouvir e observar tudo calmamente, o hóspede falou da sua convicção de que os
bens da Terra não nos pertencem de fato e que, mais cedo ou mais tarde, teremos de deixá-los.
Argumentou que os verdadeiros valores são as conquistas intelectuais e morais, e não as posses
terrenas, sempre passageiras.
No entanto, o materialista falou com arrogância que era o verdadeiro dono de tudo aquilo e
que não havia ninguém no mundo capaz de provar que todos aqueles bens não lhe pertenciam.
Diante de tanta teimosia, o hóspede propôs-lhe um acordo:
- Já que é assim, voltaremos a falar do assunto daqui a cinquenta anos, está bem?
- Ora - Disse o dono da casa - daqui a cinquenta anos nós já estaremos mortos, pois
ambos já temos mais de 65 anos de idade!
O hóspede respondeu prontamente.
- É por isso mesmo que poderemos discutir o assunto com mais segurança, pois só então
você entenderá que tudo isso passou pelas suas mãos, mas, na verdade, nada disso lhe pertence
de fato. Chegará um dia em que você terá que deixar todas as posses materiais e partir, levando
consigo somente suas verdadeiras conquistas, que são as virtudes do espírito imortal. E só então
você poderá avaliar se é verdadeiramente rico ou não.
O homem materialista ficou contemplando as obras de arte ostentadas nas paredes de sua
galeria, e uma sombra de dúvida pairou sobre seu olhar, antes tão seguro. Agora uma voz
silenciosa, íntima, lhe perguntava:
"Que diferença fará, daqui a cem anos, se você morou em uma mansão ou num casebre?
Se comprou roupas em lojas sofisticadas ou num bazar beneficente? Se bebeu em taças de
cristal ou numa concha de barro? Se comeu em pratos finos ou numa simples marmita? Se pisou
em tapetes caros ou sobre o chão batido? Se teve grande reserva financeira ou viveu com um
salário mínimo? Que diferença isso fará daqui a cem anos?"
E intimamente ele já sabia a resposta: absolutamente nenhuma!

18
A VIDA COMO UMA VIAGEM
Um dia destes, li um livro que comparava a vida a uma viagem de trem.
Uma comparação extremamente interessante, quando bem-interpretada.
Interessante, porque nossa vida é como uma viagem, cheia de embarques e
desembarques, de pequenos acidentes pelo caminho, de surpresas agradáveis com alguns
embarques e de tristezas com os desembarques.
Quando nascemos, ao embarcarmos nesse trem, encontramos duas pessoas que,
acreditamos, farão conosco a viagem até o fim nossos pais.
Não é verdade.
Infelizmente, em alguma estação, eles desembarcam, deixando-nos órfãos de seu carinho,
de sua proteção, de seu amor e de seu afeto.
Mas isso não impede que, durante a viagem, embarquem pessoas interessantes que virão
a ser especiais para nós: nossos irmãos, nossos amigos e nossos amores.
Muitas pessoas tomam esse trem a passeio. Outras fazem a viagem experimentando
somente tristezas.
E no trem há, também, outras que passam de vagão em vagão, prontas para ajudar quem
precisa.
Muitos descem e deixam saudades eternas.
Outros tantos viajam no trem e, quando desocupam seus assentos, ninguém sequer
percebe.
Curioso é considerar que alguns passageiros que nos são tão caros acomodam-se em
vagões diferentes do nosso.
Isso nos obriga a fazer essa viagem separados deles. Mas isso não nos impede de, com
grande dificuldade, atravessarmos nosso vagão e chegarmos até eles
O difícil é aceitarmos que não podemos sentar-nos ao seu lado, pois outras pessoas
estarão ocupando esse lugar.
Essa viagem é assim: cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, embarques e
desembarques
Sabemos que esse trem jamais volta.
Façamos essa viagem da melhor maneira possível, tentando manter um bom
relacionamento com todos, procurando em cada um o que tem de melhor, lembrando sempre
que, em algum momento do trajeto, poderão fraquejar, e, provavelmente, precisaremos entender
isso.
Nós mesmos fraquejamos algumas vezes. E, certamente, alguém nos entenderá.
O grande mistério é que não sabemos em qual parada desceremos.
Fico pensando: Quando eu descer desse trem sentirei saudades?
Sim.

19
Deixar meus filhos viajando sozinhos será muito triste. Separar-me dos amigos que nele
fiz, do amor da minha vida, será para mim dolorido.
Mas me agarro na esperança de que, em algum momento, estarei na estação principal e
terei a emoção de vê-los chegar com sua bagagem que não tinham quando embarcaram.
E o que me deixará feliz é saber que, de alguma forma, colaborei para que essa bagagem
tenha crescido e se tornado valiosa.
Agora, nesse momento, o trem diminui sua velocidade para que pessoas embarquem e
desembarquem.
Minha expectativa aumenta, à medida que o trem vai diminuindo sua velocidade...
Quem entrará? Quem sairá?
motivo ínfimo, deixaram desmoronar.
Eu gostaria que você pensasse no desembarque do trem não só como a representação da
morte, mas, também, como o término de uma história, de algo que duas ou mais pessoas
construíram e que, por um motivo ínfimo, deixaram desmoronar.
Fico feliz em perceber que certas pessoas têm a capacidade de reconstruir para
recomeçar. Isso é sinal de garra e de luta, é saber viver, é tirar o melhor de "todos os
passageiros".
Agradeço-lhe muito por fazer parte da minha viagem. Por mais que nossos assentos não
estejam lado a lado, com certeza, o vagão é o mesmo.

20
APRENDENDO A PEDIR
Rafi, um jovem discípulo atento e dedicado, resolveu isolar-se nas montanhas para
trabalhar melhor o medo que ainda sentia das criações do seu próprio ego.
Quando lá chegou, um velho sorridente o recebeu:
- Seja bem-vindo, filho!
Rafi não estava esperando encontrar ninguém naquele lugar, por isso perguntou:
- Não esperava encontrar ninguém nesta montanha, o que fazes aqui?
E o velho, calmamente, respondeu:
- Vim para realizar qualquer pedido que me fizeres. Seja muito preciso, pois terás direito
apenas a um pedido.
Rafi estranhou, mas aceitou a proposta do velho e fez o seu pedido:
- Desejo nunca mais sentir medo de nada!
E o velho disse:
- Que assim seja!
E quando Rafi voltou-se para o velho, ele havia sumido. Anoiteceu e Rafi começou a sentir
muito medo dos sons que vinham da mata. Por mais que tentasse manter-se relaxado e
meditativo, não conseguia. O medo, cada vez mais, apossava-se dele. Em todos os cantos da
montanha, ele percebia inúmeros perigos e começou a gritar por socorro. Sentia um medo
enorme pairando em seu ser, a ponto de entrar em pânico.
- Socorro, socorro! Alguém me ajude!
De repente, o velho apareceu na sua frente. Rafi gritou ainda mais com a aparição
inesperada do velho.
- Por que estás a gritar, Rafi?
- Ora, pedi que ficasse livre de todos os medos e o que eu mais sinto neste momento é
exatamente o oposto. Não atendestes ao meu pedido, velho, e agora estou em apuros.
Então, o velho disse-lhe:
- Quando pedes, deves saber que nada desaparece ou aparece por si mesmo. Para estar
livre do medo, deves trabalhar com o medo. Deves encará-lo de frente, conhecer sua natureza
frágil e ilusória. Só assim, mostrando tua determinação em aprender, é que dissipas as maiores
ilusões criadas por ti mesmo. Quando sentires falta de alguma coisa que ainda não tens não
precisas entristecer-te. Se essa mesma coisa possuir valor para ti, recolha teu ser no mais
absoluto silêncio e pede, mas, pede exatamente como queres, pois em muito dos teus pedidos
ainda desconheces as consequências que acompanham cada um deles. Teus pedidos nunca
vêm sozinhos. Tens que estar ciente de que, para receber o que pediste, deves estar preparado
para também receber os meios pelos quais eles podem ser realizados. E será que tu estás
preparado para passar por esses meios?

21
APRENDENDO POR EXEMPLOS
Um jovem monge foi até o mestre Ji-shou e perguntou-lhe:
- Como chamamos uma pessoa que entende uma verdade, mas não pode explicá-la em
palavras?
O mestre respondeu:
- Uma pessoa muda saboreando um mel.
- E como chamamos uma pessoa que não entende a verdade, mas fala muito sobre ela?
Tranquilamente ele falou:
- Um papagaio imitando as palavras de outra pessoa. Mas você está preocupado somente
em como falar a verdade, enquanto precisamos estar atentos para vivenciar as nossas verdades
e, por meio do exemplo, passar adiante as boas experiências, procurando sempre buscar dentro
de nós mesmos a nossa consciência e segui-la.
Nesta vida, temos muitos professores e poucos mestres; a diferença é que os professores
ensinam por palavras e os mestres ensinam com ações e exemplos. E dificilmente erramos
quando aprendemos por meio de exemplos.

22
AS MAÇÃS E AS PESSOAS
Uma tarde, meu filho Henrique chegou a casa, voltando da escola com um estranho sorriso
no rosto. Depois que lhe perguntei o que lhe passava na cabeça, ele me questionou:
- As pessoas são todas iguais, mesmo que a cor da pele delas seja diferente?
Pensei durante um momento e, então, disse-lhe:
- Vou lhe explicar, se você puder ir comigo até o sacolão da Ana. Tenho algo interessante
para mostrar-lhe.
No sacolão, eu disse que precisávamos comprar maças. Fomos à seção de frutas, onde
compramos algumas maças vermelhas, verdes e amarelas.
Em casa, enquanto colocávamos as maçãs na fruteira, eu disse ao Henrique:
- Agora, posso responder à pergunta.
Coloquei uma maçã de cada tipo sobre a mesa: primeiro uma maçã vermelha, seguida por
uma maçã verde e, então, uma maçã amarela. Olhei para Henrique, que estava sentado no outro
lado da mesa, e disse-lhe:
- Henrique, as pessoas são como essas maças. Todas têm cores, formas e tamanhos
diferentes. Veja, algumas maças levaram algumas batidas e estão machucadas. Por fora não
podemos garantir que estão tão deliciosas quanto as outras.
Enquanto eu estava falando, Henrique estava examinando uma delas cuidadosamente.
Então, tomei cada uma das maçã casquei-as e recoloquei-as sobre a mesa, mas em lugares
diferentes e perguntei-lhe:
- Henrique, diga-me qual é a maçã vermelha, a maçã verde e a maçã amarela.
Ele disse:
- Eu não posso falar. Agora elas me parecem todas iguais.
- Dê uma mordida em cada uma. Veja se isso lhe ajuda a descobrir qual é qual.
Deu grandes mordidas e, então, um sorriso enorme estampou-lhe no rosto quando me
disse:
- As pessoas são como as maças! São todas diferentes por fora, mas, por dentro, a
essência é a mesma.
- Certo! - concordei. - Cada pessoa tem sua própria personalidade, mas são, basicamente,
iguais.
Ele entendeu totalmente. E agora, quando mordo uma maça, sinto um sabor um pouco
mais doce do que antes.

23
AS SETE MARAVILHAS DO MUNDO
Um grupo de alunos estudava as sete maravilhas do mundo. No final da aula, pediu-se aos
estudantes que fizessem uma lista do que consideravam as sete maravilhas. Embora houvesse
algum desacordo começaram os votos:
O Taj Mahal
A Muralha da China.
O Canal do Panamá.
As pirâmides do Egito.
O Grand Canyon.
O Empire State Building.
A Basílica de São Pedro.
Ao recolher os votos, o professor notou uma estudante muito quieta.
A menina não tinha virado sua folha ainda.
O professor, então, perguntou-lhe se tinha dificuldades em fazer sua lista.
A menina, quieta, respondeu-lhe:
- Sim, um pouco. Não consigo fazer a lista porque são muitas as maravilhas
O professor disse:
- Bem, diga-nos o que você já tem e talvez nós possamos ajudá-la.
A menina hesitou e, então, leu:
- Eu penso que as sete maravilhas do mundo sejam:
1 - Ver
2 - Ouvir
3 - Tocar.
4 - Provar.
5 - Sentir.
6 - Rir.
7 - E Amar...
A sala então ficou completamente em silêncio.

24
ASSOCIAÇÃO DE PESCADORES
A Associação de Pescadores era rodeada de rios e lagos cheios de peixes famintos. Os
pescadores, regularmente, encontravam-se para discutir um convite para pescar e falavam da
emoção de capturar peixes.
Alguém sugeriu que eles precisavam de uma filosofia de pesca. Então eles,
cuidadosamente, definiram e redefiniram a pesca e o propósito da pesca. Eles desenvolveram
estratégias e táticas de pesca e perceberam que tinham que mudar.
Alguém disse que o problema é que eles abordavam a pesca sob o ponto de vista do
pescador, e não do ponto de vista do peixe. Como o peixe vê o mundo? Como o peixe vê o
pescador? O que o peixe come e quando? Tudo isto é bom saber. Então eles iniciaram estudos,
pesquisas e frequentaram conferências de pesca. Alguns viajaram para lugares distantes, para
estudar diferentes tipos de peixe com hábitos diferentes. Alguns conseguiram título de Ph.D. em
Peixologia. Mas, ainda, ninguém foi pescar.
Uma lista de prioridades foi publicada em todos os quadros de aviso todas as salas da
associação. Mas, ainda, ninguém estava pescando.
Uma pesquisa foi lançada para descobrir por que... A maioria não respondeu á pesquisa,
mas, dentre aqueles que responderam, descobriu-se que alguns estavam estudando peixes,
alguns fornecendo equipamentos de pesca e vários indo encorajar os pescadores.
com reuniões, conferências e seminários, eles apenas e simplesmente não tinham tempo para
pescar.
Willian era um novo membro da Associação de Pescadores. Depois de um movimentado
encontro na associação, Willian foi pescar. Ele estava por dentro das coisas e pegou muitos
peixes. No próximo encontro, ele contou sua história e foi homenageado por sua pescaria. Ficou
agendado para ele falar em todas as filiais da associação como ele tinha feito. Agora, por causa
de todas as palestras e de sua eleição para a diretoria da Associação de Pescadores, Willian não
tinha mais tempo .para pescar
Mas logo ele começou a se sentir inquieto e vazio. Ele queria sentir o puxão na linha mais
uma vez. Então, ele cortou os discursos, renunciou ao cargo e disse a um amigo:
- Vamos pescar!
E eles foram, apenas dois deles, e pegaram muitos peixes.
Os membros da Associação de Pescadores eram muitos, o peixe era abundante, mas os
pescadores eram poucos.

25
BOTÃO DE ROSA
Era uma vez um homem que tinha uma floricultura, e alguém que vivia por entre flores só
podia entender muito de amor.
Bem, mas vamos à história:
Era Dia dos Namorados. Um rapaz entrou correndo em sua loja e disse-lhe:
- Por favor, senhor, providencie-me um buquê de flores.
- E que tipo de flor você quer?
- Qualquer tipo. Só quero que seja algo que faça vista, pode ser a mais cara que o senhor
tiver aí.
- Está certo. Tome o cartãozinho para você escrever.
- Não há necessidade, é para minha namorada. Como hoje é o Dia dos Namorados, ela
saberá que é meu.
- Você que sabe; mas, no seu lugar, escreveria.
- Não posso, estou com muita pressa. Vou levar meu carro para lavar.
Depois que o rapaz se foi, o senhor ficou ali a pensar como alguém poderia enviar
ar flores sem as escolher, sem escrever um cartão com uma bonita dedicatória... mas, enfim,
preparou um bonito buquê e mandou para o tal endereço pensando: "Coitada dessa moça"
Algumas horas depois, outro rapaz entrou na sua loja.
- Senhor, por favor, quero mandar uma flor para alguém e é alguém muito especial, mas
não tenho dinheiro suficiente para um buquê requintado. Terá que ser somente uma rosa, mas
faço questão que seja a mais linda da sua floricultura.
- Pois bem, você quer escolhê-la ou prefere que eu o faça?
- Gostaria de escolher, mas aceito a sua sugestão, porque tenho certeza que o senhor
entende bem disso.
- Será um prazer! É sua namorada, não?
- Não senhor, ainda não, mas isso não é importante, o importante é que eu a amo e acho
que hoje é um bom dia para dizer-lhe isso.
- Muito bem, concordo com você.
- Talvez eu devesse escolher um botão de rosa, não acha? Afinal nosso amor ainda não
floresceu.
- Muito bem pensado!
Naquele instante, o senhor percebeu que o rapaz, como ele, entendia de amor e, com
certeza, estava vivendo um doce amor.
- Por favor, faça o mais bonito invólucro que o senhor puder fazer, enquanto escrevo o
cartão.

26
“Meu amor, estou Ihe mandando esse botão de rosa juntamente com meu carinho. A mim
não importa que você não me ame, porque apesar do meu amor ser solitário, ele é verdadeiro e,
sendo verdadeiro, confio que um dia poderá viver acompanhado do seu. Não tenho pressa. Amor
de verdade não tem pressa, amor de verdade não escraviza nem exige, apenas se importa em
doar. Um feliz Dia dos Namorados ao lado de quem você amar. Um beijo!"
Depois que escreveu o cartão, o rapaz entregou-o ao senhor e disse-lhe:
- Leia, por favor, e dê a sua opinião.
- Perfeito, gostei muito. Só faltou um pequeno detalhe: você esqueceu de assiná-lo.
- Não esqueci não, é que não é importante, por enquanto, que ela saiba quem sou eu.
Neste momento, só pretendo que ela sinta quem sou eu.
O senhor sorriu e disse-lhe:
- Muito bem, meu filho, torço por você!
Passaram-se dias, meses... Um novo dia dos namorados chegou e novamente o primeiro
rapaz voltou à loja.
- Bom dia, senhor, lembra-se de mim?
- Lembro-me sim. E então, como vai o namoro?
- Ih! O senhor nem imagina, depois daquele Dia dos Namorados do ano passado ela
terminou comigo e eu nunca entendi a razão. Agora já estou namorando outra.
- Mas ela não lhe deu nenhuma explicação?
- Ah, deu sim, uma explicação que eu não entendi. Ela me disse que eu a estava perdendo
por causa de um botão de rosa. O senhor entende, não é? Bobagens de mulher.
- Entendo sim, quem não entendeu foi você!
Não adianta um casal apenas sorrir juntos; eles precisam é sorri das mesmas coisas. Não
adianta apenas caminharem juntos; tem que ser na mesma direção. Não adianta somente
mandar flores; é crucial que elas cheguem ao seu destino com o perfume. Não vale se fazer
presente apenas de corpo; é de suma importância que a alma e o coração estejam presentes
também.

27
CACHIMBO DA PAZ
Uma vez, um membro da tribo chegou furioso ao pé do seu chefe para lhe dizer que estava
decidido a vingar-se de um inimigo que o tinha ofendido gravemente. Queria matá-lo sem
piedade!
O chefe ouviu-o atentamente e concordou que este fizesse o que tinha pensado, mas
antes deveria encher o seu cachimbo de tabaco e fumá-lo com calma. Assim ele fez. Demorou
uma hora a acabar o conteúdo do cachimbo. Depois, voltou para falar com o chefe e disse-lhe
que tinha pensado melhor sobre o assunto e que apenas ia dar-lhe uma surra memorável para
que nunca mais se esquecesse da ofensa feita.
Novamente, o ancião o escutou e aprovou a sua decisão, mas disse-lhe que, já que tinha
mudado a sua forma de pensar, voltasse a encher o cachimbo e fosse fumá-lo no mesmo lugar,
antes de fazer o que queria.
O homem foi de novo. Depois, regressou ao sítio onde estava o chefe e disse-lhe que
considerava excessivo castigar fisicamente o seu inimigo; no entanto, ia jogar-lhe na cara a sua
má ação e o faria passar vergonha diante de todos.
Como sempre, foi escutado com bondade, mas o ancião voltou a pedir-lhe que repetisse a
sua meditação.
O homem, meio chateado, mas já muito mais sereno, dirigiu se à árvore centenária e, ali
sentado, foi transformando em fumaça o tabaco e a sua bronca.
Quando terminou, voltou ao chefe e disse-lhe:
- Pensando melhor, vou aonde me espera o meu agressor para lhe dar um abraço. Assim
recuperarei um amigo que seguramente se arrependeu daquilo que fez.
O chefe disse-lhe:
- Isso era precisamente o que tinha para te dizer desde o princípio, mas não podia fazê-lo;
era necessário dar-Ihe tempo para que você mesmo descobrisse.

28
CACHORRO OU CENTOPEIA
O mestre, cansado de falar ao jovem, que não o compreendia, perguntou-lhe:
- Você é um cachorro ou uma centopeia?
O jovem, em silêncio, caminhou em direção a uma velha parreira e lá se sentou a meditar
sobre a pergunta. Caiu a noite, surgiram a estrelas e o sol tornou a brilhar:
"Se sou um cachorro, sou amigo, companheiro, corro e percorro enormes distâncias,
enfrento os rios e córregos que se põem em meu caminho, pulo alto e tenho dentes e garras. Se
sou centopeia, executo com sincronia, beleza e força o trabalho de caminhar, posso transpor
qualquer obstáculo e também conhecer o mundo que está debaixo da terra. Sou leve e silencioso,
posso passar sempre despercebido"
Difícil dizer. O jovem, já cansado, disse ao seu mestre:
- Senhor, não tenho tal resposta. Não sei se sou um cachorro ou uma centopeia.
E o jovem perde-se a falar, explicou-se incansavelmente. As horas passaram, a noite caiu,
novamente, e o mestre, já cansado de tanta tolice, disse-lhe:
- Meu jovem, você não consegue encontrar a resposta porque não percebeu que é um
homem. Desfrute a beleza de sê-lo, não permita que o verbo confunda sua condição. Esqueça o
vazio da retórica; a verdade está onde não está a dúvida!

29
CASTELO DE AREIA
Num dia de verão, eu estava na praia, espiando duas crianças na areia. Trabalhavam
muito, construindo um castelo de areia molhada com torres, passarelas e passagens internas.
Quando estavam perto do final do projeto, veio uma onda e destruiu tudo, reduzindo o castelo a
um monte de areia e espuma.
Achei que as crianças cairiam no choro depois de tanto esforço e cuidado, mas tive uma
surpresa: ao invés de chorar, correram para a praia, fugindo da água, rindo, de mãos dadas, e
começaram a construir outro castelo.
Compreendi que havia recebido ali uma importante lição: tudo em nossas vidas, todas as
coisas que gastam tanto de nosso tempo e de nossa energia para serem construídas, tudo é
passageiro, tudo é feito de areia; o que permanece é o relacionamento que temos com as outras
pessoas. Mais cedo ou mais tarde, uma onda poderá vir e destruir ou apagar o que levamos tanto
tempo para construir. E, quando isso acontecer, somente aquele que tiver as mãos de alguém
para segurar será capaz de rir e recomeçar.

30
COMPORTE-SE CONFORME O
AMBIENTE
Um pastor caminhava com um monge, quando foram convidados para comer. O dono da
casa, honrado pela presença de tão ilustres convidados, mandou servir o que havia de melhor.
Entretanto, o monge estava no período de jejum. Assim que a comida chegou, pegou apenas
uma ervilha e mastigou-a lentamente. Comeu só essa ervilha durante todo o jantar. Na saída, o
pastor o chamou:
- Irmão, quando for visitar alguém, não torne a sua santidade uma ofensa. Da próxima vez
que estiver em jejum não aceite convites para jantar.
O monge entendeu o que o pastor quis dizer.
A partir daí, sempre que estava com outras pessoas, comportava-se como elas.

31
CONSULTOR
Certa vez, um pastor estava tomando conta de suas ovelhas à beira da estrada. Então,
chegou um homem bem apresentado e perguntou-lhe:
- Se eu adivinhar quantas ovelhas você tem aí, você me dá uma?
O pastor olhou para o homem, olhou para aquele monte de ovelhas pastando ao sol e
disse-lhe:
- Está certo, se o senhor adivinhar quantas ovelhas há no meu rebanho eu lhe dou uma.
O homem pegou o seu palm entrou num site do departamento de defesa norte-americano,
passou as coordenadas de onde estavam as ovelhas, gravou a foto gerada pelo satélite, efetuou
alguns cálculos com base na foto e disse ao pastor:
- O senhor tem 1.343 ovelhas aí no pasto.
O pastor respondeu:
- O senhor acertou em cheio, pode pegar a sua ovelha.
O homem foi lá, pegou a ovelha e a colocou na traseira da sua caminhonete. Então, o
pastor disse
- Se eu adivinhar a sua profissão o senhor me devolve a minha ovelha?
O homem respondeu:
- Claro que devolvo.
O pastor disse prontamente:
- O senhor é consultor, não é?
- Como o senhor adivinhou?- perguntou o sujeito.
- Foi fácil - disse o pastor. - Primeiro o senhor veio aqui sem eu tê-lo chamado; segundo,
porque me cobrou uma ovelha para me dizer o que eu já sabia; e, terceiro, porque não entende
nada do meu negócio pois acabou pegando o meu cachorro no lugar da ovelha.

32
CORAGEM DE SER DIFERENTE
Um carpinteiro e seus auxiliares viajavam em busca de madeira para construções. Viram
uma árvore gigantesca: cinco homens de mãos dadas não conseguiam abraçá-la e seu topo era
tão alto que quase tocava as nuvens.
- Não vamos perder nosso tempo com esta árvore-disse o mestre carpinteiro. - Para cortá-
la, demoraremos muito. Se quisermos fazer um barco, ele afundará, de tão pesado que é o seu
tronco. Se resolvermos usá-la para a estrutura de um teto, as paredes terão de ser
exageradamente resistentes.
O grupo seguiu adiante. Um dos aprendizes comentou
- Uma árvore tão grande, e não serve para nada...
- Você está enganado - disse o mestre carpinteiro. - Ela seguiu seu destino à sua maneira.
Se fosse igual às outras, nós já a teríamos cortado; mas porque teve coragem de ser diferente,
permanecerá viva e forte por muito tempo.

33
DECLARANDO AMOR
Conta um médico que uma cliente sua, esposa de um homem avesso a externar os seus
sentimentos, foi acometida de uma supuração de apêndice e levada, às pressas, para o hospital.
Operada de emergência, necessitou receber várias transfusões de sangue sem nenhum
resultado satisfatório para o restabelecimento de sua saúde. O médico, um tanto preocupado, a
fim de sugestioná-la disse-lhe
- Pensei que a senhora quisesse ficar curada o mais rápido possível para voltar para o seu
lar e para o seu marido.
Ela respondeu, sem nenhum entusiasmo
- O meu marido não precisa de mim. Aliás, ele não necessita de ninguém. Sempre diz isto.
Naquela noite, o médico falou para o esposo que a sua mulher não queria ficar curada. Ela
estava sofrendo de profunda carência afetiva, que estava comprometendo a sua cura.
A resposta do marido foi curta, mas precisa:
- Ela tem de ficar boa.
Finalmente, como último recurso para a obtenção do restabelecimento da paciente, o
médico optou por realizar uma transfusão de sangue direta. O doador foi o próprio marido, pois
ele possuía o tipo de sangue adequado para ela.
Deitado ao lado dela, enquanto o sangue fluía dele para as veias sua esposa, aconteceu
algo imprevisível
O marido, traduzindo na voz uma verdadeira afeição, disse á esposa:
- Querida, vou fazer você ficar boa.
- Por quê? - perguntou ela, sem nem mesmo abrir os olhos.
- Porque você representa muito para mim.
Houve uma pausa. O pulso dela bateu mais depressa. Seus olhos se abriram e ela voltou
lentamente a cabeça para ele e disse-lhe:
- Você nunca me disse isso.
- Estou dizendo agora.
Mais tarde, com surpresa, o marido ouviu a opinião do médico sobre a causa principal da
cura da sua esposa.
- Não foi a transfusão em si mesma, mas o que acompanhou a doação do sangue que fez
com que ela se restabelecesse. As palavras de carinho fizeram a diferença entre a morte e a vida.

34
DESBRAVANDO HORIZONTES
O garoto estava na estrada, diante do mosteiro, e a estrada levava às montanhas, onde o
sol deveria desaparecer. Avançava um pouco e parava. Mais um pouco. Um pouco mais. Cansou
e voltou-se para o mestre.
- Mestre, por que não consigo alcançar o horizonte?
Um sorriso e um pedido como resposta
- Podes esperar mais um pouco?
- Claro.
As horas iam passando, e o garoto tornou-se impaciente.
- Quanto tempo mais?
Sem medir o tempo, o mestre estimulou:
- Só mais um pouco.
Foi quando a noite executou o ritual do pôr de sol. O mestre segurou a mão do garoto e
pediu-lhe que, em silêncio, acompanhasse a trajetória do sol. Já na penumbra, o menino
perguntou baixinho:
- E se eu caminhasse, agora, poderia ver de novo o pôr de sol?
O mestre lembrou-se de um Pequeno Príncipe que morava num pequeno planeta. Quando
estava triste, ele somente arrastava sua cadeira para trás e via quantas vezes quisesse o sol se
pôr.
- É difícil, mas não é necessário.
- Por quê?
- Porque o que você quer mesmo é alcançar o horizonte.
- E se eu chegar ao horizonte, poderei ver o sol se por quantas vezes quiser?
- Não. Mas verá que alcançar o horizonte fará com que ele fique sem graça.
- Não entendi.
- O horizonte só tem sentido se, no seu dia a dia, você o jogar para mais longe.
- Como assim?
- É como se você quisesse muito alguma coisa e, quando a consegue, sente que já quer
algo mais. O algo mais é o horizonte. Ele sempre está ao alcance de suas mãos, mas, ao mesmo
tempo, tão longe de você.
- Ah, bom. Então eu não devo caminhar pela estrada para encontrar o horizonte?
- Você deve caminhar pela estrada não para encontrar o horizonte, mas para construir o
seu horizonte.
- Entendi. Então é como o professor que ajuda o aluno a conhecer, pois mostra o que já viu
no horizonte, e o aprendiz pode ver ainda mais longe se for capaz de encontrar os seus próprios
caminhos?
35
No silêncio da noite em que as estrelas luziam no firmamento, os olhos do mestre também
se acenderam.
- Entendeu, mesmo. Você poderá ser um bom mestre, algum dia. Um bom mestre.

36
DESIGUALDADES
Um mestre viajava com seus discípulos quando soube que, numa aldeia, vivia um menino
muito inteligente. O mestre foi até lá conversar com ele e, brincando, perguntou-lhe:
- Que tal se você me ajudasse a acabar com as desigualdades?
- Por que acabar com as desigualdades? - disse o menino. – Se achatarmos as
montanhas, os pássaros não terão mais abrigo. Se acabarmos com a profundidade dos rios e dos
mares, todos os peixes morrerão. Se o louco tiver a mesma autoridade que o chefe da aldeia,
ninguém se entenderá direito. O mundo é muito vasto; é melhor deixá-lo com suas diferenças.

37
DETALHES
Depois de dez anos de estudos, um discípulo achava que já podia ser elevado à categoria
de mestre. Resolveu visitar o seu professor. Ao entrar na casa do mestre, ele lhe perguntou:
- Você deixou seu guarda-chuva e seus sapatos do lado de fora?
- Evidentemente - respondeu o rapaz. - É o que manda a boa educação e o nosso
costume. Eu agiria dessa maneira em qualquer outro lugar.
- Então, me diga: você colocou o guarda-chuva do lado direito ou do lado esquerdo dos
seus sapatos?
- Não tenho a menor ideia - respondeu o rapaz.
E o professor falou com toda a segurança:
- Para ser mestre você precisa ter a consciência total do que faz. A falta de atenção aos
pequenos detalhes pode destruir por completo a vida de um homem. Um pai que sai correndo de
casa nunca pode esquecer um punhal ao alcance do seu filho pequeno. Um guerreiro que não
olha todos os dias a sua espada terminará encontrando-a enferrujada quando mais precisar dela.
Um jovem que esquece de dar flores à sua namorada acaba por perdê-la.

38
DEVOLVER O PEIXE À ÁGUA
Ele tinha onze anos e, cada oportunidade que surgia, ia pescar no cais próximo ao chalé
da família, numa ilha que ficava no meio de um lago. A temporada de pesca só começaria no dia
seguinte, mas pai e filho saíram no fim da tarde para pegar apenas peixes cuja captura estava
liberada.
O menino amarrou uma isca e começou a praticar arremessos, provocando ondulações
coloridas na água. Logo, elas tornaram prateadas pelo efeito da lua nascendo sobre o lago.
Quando o caniço vergou, ele soube que havia algo enorme do outro lado da linha. O pai olhava
com admiração, enquanto o garoto, habilmente com muito cuidado, erguia o peixe exausto da
água. Era maior que já tinha visto, porém sua pesca só era permitida na temporada. O garoto e o
pai olharam para o peixe tão bonito, as guelras para trás e para frente. O pai então, acendeu um
fósforo e olhou para o relógio. Eram dez da noite, faltavam apenas duas horas para a abertura da
temporada. Em seguida olhou para o peixe e depois para o menino e disse:
- Você tem que devolvê-lo, filho!
- Mas, papai... – reclamou o menino.
- Vai aparecer outro – insistiu o pai.
- Não tão grande quanto este, choramingou a criança.
O garoto olhou á volta do lago. Não havia outros pescadores ou embarcações á vista.
Voltou novamente o olhar para o pai. Mesmo sem ninguém por perto, sabia, pela firmeza em sua
voz, que a decisão era inegociável. Devagar, tirou o anzol da boca do enorme peixe e o devolveu
à água escura. O peixe movimentou rapidamente o corpo e desapareceu. E, naquele momento, o
menino teve certeza de que jamais veria um peixe tão grande quanto aquele
Isso aconteceu há trinta e quatro anos. Hoje, o garoto é um arquiteto bem-sucedido. O
chalé continua lá, na ilha no meio do lago, e ele leva seus filhos para pescar no mesmo cais. Sua
intuição estava correta. Nunca mais conseguiu pescar um peixe tão maravilhoso como o daquela
noite. Porém, sempre vê o mesmo peixe repetidamente todas as vezes que depara com uma
questão ética. Porque, como o pai lhe ensinara, a ética é simplesmente uma questão de certo e
errado. Agir corretamente quando se está sendo observado é uma coisa. A ética, porém, está em
agir corretamente quando não se está sendo observado. Essa conduta reta só é possível quando,
desde criança, aprende-se a devolver o peixe à água.

39
DIÁLOGO DO CORPO
Eis que o corpo se coloca em diálogo. A língua tomou a inciativa e perguntou ao ouvido
como se sentia sendo ouvido. E ele respondeu
- Normalmente me sinto bem.
- Por que normalmente? - perguntou a língua
- Porque muitas vezes sou agredido com excesso de barulho, gritos, sujeiras etc
- E você, língua?
- Comigo também acontece o mesmo. Sinto-me feliz em comunicar uma boa notícia, em
contribuir para uma boa alimentação e, sobretudo, por proporcionar ao corpo sabores e prazeres
deliciosos. É claro que nesta função dependo muito do nariz
- Ainda bem que a palavra chegou a mim - disse o nariz – pois não sirvo apenas para
carregar óculos e separar os olhos. Minha maior alegria é poder servir ar purificado e bem
oxigenado para a boa saúde de todo o corpo.
- Por falar em corpo, gostaríamos de dar a nossa opinião -disseram os olhos. - Como todos
os demais membros do corpo, também somos úteis oferecendo uma boa imagem. Muitas vezes,
nosso serviço é prejudicado pela poluição química e visual. Não cabe a nós o discernimento do
que é bom e ruim; o que fazemos com carinho, é e um convite de aproximação, mostrar acolhida,
ternura e, mesmo, dor e sofrimento, quando o corpo assim está experimentando. Somos sempre
uma expressão fiel do corpo e seus sentimentos.
Ainda falando em corpo, disse a pele:
- Muitas vezes o cérebro e a consciência se envergonham de mim mãos tentam me
esconder, os pés me levam de volta para casa e minha autoestima fica lá embaixo. Sem falar, é
claro, nos olhos, que procuram me evitar, sobretudo quando sou preta ou muito branca. Quando
somos belas, acabamos exploradas.
- Falando em sentimentos e discernimento, mexeram comigo-comentou o cérebro. - Tenho
consciência de que minha função é central, de coordenação de todo o corpo, mas não me sinto
melhor do que os outros. Aliás, o que serei sem os demais membros?
- Gostei dessa colocação do cérebro - disse o couro cabeludo. – Eu sou muito complexado,
porque quase ninguém me aceita como sou. Uns reclamam porque têm muitos fios de cabelo,
outros porque têm poucos; há aqueles que esticam porque são enrolados, outros já fazem o
contrário. Há aqueles que vivem preocupados comigo, mas só porque os cabelos estão caindo.
Como é difícil encontrar alguém satisfeito comigo!
- Como é difícil conviver neste mundo - disse a carne. - Uns reclamam porque somos
magras, outros já se desesperam porque somos fartas e gordurosas. Como as pessoas gostam
do modelo-padrão! Até parece que somos objeto de açougue e supermercado. Por que as
aparências têm que se impor sobre o sentido da vida?
- Concordo com você - interferiu o nariz. - Comigo acontece quase a mesma coisa. Uns
ficam incomodados porque sou grande, outros porque sou pequeno, outros, ainda, porque sou
fino. Quem tem condições procura a plástica. Particularmente sinto-me feliz em qualquer forma,
pois minha satisfação não está na aparência, mas no serviço a corpo. Realizo também com
alegria minha missão de identificar os cheiros e perfumes que dão prazer ao corpo.
- Muito bem - declarou o couro cabeludo -, agora até me sinto melhor.

40
- Também concordo-disse a orelha - , porque comigo não é muito diferente: uns me
escondem com cabelos, outros me enchem de metais e bugigangas. Embora todo destaque seja
dado ao ouvido, cumpro bem minha função de antena e sou feliz assim, porque quem não tem
disposição para servir não serve.
Para concluir, o cérebro, já que sua função é de discernimento e coordenação, disse:
- Como pudemos perceber, temos nossos desafios; mas quero chamar a atenção para o
fato de formarmos um conjunto belo e harmonioso. Juntos é que constituímos todo o homem;
sozinhos nada podemos fazer. Que faríamos sem as demais partes?

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DISPOSIÇÃO
Certo dia, um rei foi visitar um mestre em seu templo. Ele assiste, como observador, à
assembleia do sábio.
Pouco depois, durante a refeição, o rei disse ao mestre:
- Mestre, teus discípulos, quando tu presides à assembleia, se agrupam em semicírculos
segundo uma disposição que se parece muito àquela que se usa em minha corte: ela tem algum
significado?
O mestre respondeu:
- Rei do Mundo, como teus cortesãos são colocados? Diga-me e eu te descreverei como
estão dispostas as fileiras dos buscadores.
- O primeiro arco de círculo - disse o rei - se compõe daqueles que, por razões particulares,
gozam de meu favor, de maneira que eles são os mais próximos. A segunda fileira é reservada
aos dignitários mais poderosos do reino e também aos embaixadores. Quanto ao semicírculo
externo, nele se agrupam as pessoas menos importantes.
- Neste caso - diz o mestre -, a ordem segundo a qual as pessoas são aqui colocadas está
bem longe de corresponder às ideias que expusestes. Aqueles que estão sentados perto de mim
são os surdos. Assim, podem me entender. O grupo intermediário é constituído de ignorantes.
Assim podem prestar mais atenção no ensinamento. Os mais distantes são os iluminados. Essa
forma de proximidade é, para eles, sem importância.

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DOÇURA SEM FIM
Era uma vez uma escola no interior da Áustria, em uma pequena aldeia aos pés das
montanhas. Os alunos, em sua maioria, eram filhos de camponeses que aproveitavam as
pastagens naturais dessa parte da Europa para criar seus rebanhos.
O professor tirava grande satisfação do seu trabalho, mas a tristeza que via nos olhos de
um dos meninos causou-lhe preocupação. Ele sabia que o rapaz vinha de uma família muito
pobre, cujo pai havia morrido prematuramente e que ficara unicamente por conta de sua dedicada
mãe, que não media esforços para sustentar o filho. Por isso, o professor resolveu ensinar-lhe
uma valiosa lição.
- Jovem - disse o mestre -, tenho para ti uma tarefa importante. Se cumprires, terás a
distinção de te tornares o líder de tua classe e a minha indicação para que prossigas teu estudo
na grande universidade de Viena.
Isso foi para o rapaz uma grande surpresa. Jamais poderia sonhar que a vida lhe fosse
grata depois de tudo o que passara.
- Quero que aches uma colmeia de forma perfeita, na qual se observe o cuidadoso trabalho
matemático feito pelas abelhas em cada um seus favos. Mas não só isso: quero que esse favo de
mel seja de forma perfeito que, cada vez que dele se tire o saboroso caldo, mais ele produza e,
assim, seja uma fonte inesgotável de mel.
O rapaz riu para si mesmo. Onde poderia achar tal coisa? Pensou até que o velho mestre
estivesse criando uma desculpa para rejeitá-lo em sua pretensão de alcançar a universidade. Era
uma missão impossível!
Um favo mágico que nunca perdesse sua doçura?! O jovem passou horas meditando no
sentido daquela tarefa, até que abandonou completamente a ideia, desprezando a hipótese de
que seria possível.
No dia seguinte, como de costume, o rapaz estava sentado em sua carteira escolar com a
tristeza de sempre, quando o professor se aproximou.
- Jovem - disse ele -, antes que me digas que te pedi o impossível, tenho para ti outra
tarefa. Antes que o dia termine, faze sete pedidos à tua dedicada mãe. Peça-lhe que te prepare a
refeição; que te ajude na tarefa escolar; que te conserte uma roupa; que te dê uma atenção
especial para uma conversa; que te faça a ceia da noite; que te prepare a cama e que, por fim, te
conte uma história para que adormeças.
No dia seguinte, ao chegar à escola, o jovem sorria com uma alegria que não lhe era
comum. Junto com ele vinha sua mãe, que parecia não entender a razão pela qual fora
urgentemente chamada.
- Mestre - disse o menino-, entendi a tua lição e descobri o favo de mel do qual me falavas.
Ao notar minha mãe atendendo aos meus pedidos com doçura e carinho, verifiquei que tinha em
minha própria casa tal riqueza que pensei não existir. Assim, descobri a solução do enigma e sei
que me enviarás a Viena. Eis aqui a minha mãe. Ela é, na minha vida, um favo cuja doçura nunca
tem fim.

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DORMIR ENQUANTO OS
VENTOS SOPRAM
Alguns anos atrás, um fazendeiro possuía terras ao longo do litoral do Atlântico. Ele
constantemente anunciava estar precisando de empregados. A maioria das pessoas estava
pouco disposta a trabalhar em fazendas ao longo do Atlântico. Temiam as horrorosas
tempestades que varriam aquela região, fazendo estragos nas construções e nas plantações.
Procurando por novos empregados, ele recebeu muitas recusas. Finalmente, um homem
baixo e magro, de meia-idade, aproximou-se do fazendeiro.
- Você é um bom lavrador? - perguntou o fazendeiro.
- Bem, eu posso dormir enquanto os ventos sopram - respondeu o pequeno homem.
Embora confuso com a resposta, o fazendeiro, desesperado por ajuda, empregou-o. O
pequeno homem trabalhou bem ao redor da fazenda, mantendo-se ocupado do alvorecer até o
anoitecer. O fazendeiro estava satisfeito com o trabalho do homem.
Então, uma noite, o vento uivou ruidosamente. O fazendeiro pulou da cama, agarrou um
lampião e correu até o alojamento dos empregados. Sacudiu o pequeno homem e gritou
- Levante-se! Uma tempestade está chegando! Amarre as coisas antes que sejam
arrastadas!
O pequeno homem virou-se na cama e disse firmemente.
- Não, senhor. Eu lhe disse que posso dormir enquanto os ventos sopram.
Enfurecido pela resposta, o fazendeiro estava tentado a despedi-lo imediatamente. Em vez
disso, ele se apressou a sair e a preparar o terreno para a tempestade. Do empregado, trataria
depois..
Mas, para seu assombro, ele descobriu que todos os montes de feno tinham sido cobertos
com lonas firmemente presas ao solo. As vacas estavam bem protegidas no celeiro, os frangos
nos viveiros e todas as portas muito bem travadas, as janelas bem fechadas e seguras. Tudo foi
amarrado. Nada poderia ser arrastado. O fazendeiro, então, entendeu o que seu empregado quis
dizer e retornou para sua cama para também dormir enquanto o vento soprava.

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É A SUA VEZ
Conta-se que uma família do Leste Europeu foi forçada a sair de sua casa quando tropas
inimigas invadiram a localidade onde viviam. Para fugir aos horrores da guerra, perceberam que
sua única chance seria atravessar as montanhas que circundavam a cidade. Se conseguissem ter
êxito na escalada, alcançariam o país vizinho e estariam a salvo.
A família compunha-se de umas dez pessoas de diversas idades. Reuniram-se e
planejaram os detalhes: a saída de casa, o lugar por onde tentariam a difícil travessia. O
problema era o avô. Com muitos anos nos ombros, ele não estava muito bem. A viagem seria
dura.
- Deixem-me - disse ele. - Serei um empecilho para o êxito de vocês. Somente
atrapalharei. Afinal, os soldados não irão se importar com um homem velho como eu.
Entretanto, os filhos insistiram para que ele fosse. Chegaram a afirmar que, se ele não
fosse, eles também ali permaneceriam.
Vencido pelas argumentações, o idoso cedeu.
A família partiu em direção à cadeia de montanhas. A caminhada era feita em silêncio.
Todo esforço desnecessário deveria ser poupado, Como entre eles havia uma menina de apenas
um ano, combinaram que, a fim de que ninguém ficasse exausto, ela seria carregada por todos os
componentes da família, em sistema de revezamento
Depois de várias horas de subida difícil, o avô se sentou em uma rocha. Deixou pender a
cabeça e, quase em desespero, suplicou:
- Deixem-me para trás. Não vou conseguir. Continuem sozinhos.
- De forma alguma o deixaremos. Você tem de conseguir. Vai conseguir - falou com
entusiasmo o filho
- Não - insistiu o avô. - Deixem-me aqui.
O filho não se deu por vencido. Aproximou-se do pai e, energicamente, disse-lhe:
- Vamos, pai. Precisamos do senhor. É a sua vez de carregar o bebê.
O homem levantou o rosto e viu as fisionomias cansadas de todos. Olhou para o bebê,
enrolado em um cobertor, no colo do seu neto de treze anos. O garoto era tão magrinho e parecia
estar realizando um esforço sobre-humano para segurar o pesado fardo.
O avô se levantou.
- Claro - disse.- É a minha vez. Passem-me o bebê.
Ajeitou a menina no colo. Olhou para o rostinho inocente dela e sentiu uma força renovada.
Um enorme desejo de ver sua família a salvo, numa terra neutra, em que a guerra seria somente
uma memória distante, tomou conta dele.
- Vamos. Já estou bem. Só precisava descansar um pouco. Vamos andando - disse, com
determinação
O grupo prosseguiu, com o avô carregando a netinha.
Naquela noite, a família conseguiu cruzar a fronteira a salvo. Todos os que iniciaram o
longo percurso pelas montanhas conseguiram terminá-lo. Até o avô.

45
ENTENDENDO O SIGNIFICADO
DAS BANANAS
Um amigo do viajante resolveu passar algumas semanas num mosteiro do Nepal. Certa
tarde, entrou num dos muitos templos do mosteiro e encontrou um monge sorrindo, sentado no
altar.
- Por que o senhor sorri?- perguntou ao monge
- Porque entendi o significado das bananas - disse o monge, abrindo a bolsa que
carregava e tirando uma banana podre de dentro. – Esta é a vida que passou e não foi
aproveitada no momento certo. Agora e tarde demais.
Em seguida, tirou da bolsa uma banana ainda verde. Mostrou-a, tornou a guardá-la e disse
ao viajante:
- Esta é a vida que ainda não aconteceu. E preciso esperar o momento certo.
Finalmente, tirou uma banana madura, descascou-a, e dividiu-a com seu amigo e disse-
lhe:
- Este é o momento presente. Saiba vivê-lo sem medo.

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EQUANIMIDADE
Durante as guerras civis no Japão feudal, um exército invasor poderia facilmente dizimar
uma cidade e tomar controle. Numa vila, todos fugiram apavorados ao saberem que um general
famoso por sua fúria e crueldade estava se aproximando - todos, exceto um mestre Zen, que vivia
afastado.
Quando chegou à vila, seus batedores disseram que ninguém mais estava lá, além do
monge.
O general foi então ao templo, curioso em saber quem era tal homem. Quando ele lá
chegou, o monge não o recebeu com a normal submissão e terror com que ele estava
acostumado a ser tratado por todos; isso levou o general à fúria.
-"Seu tolo!" ele gritou enquanto desembainhava a espada
- "Não percebe que você está diante de um homem que pode trucidá-lo num piscar de
olhos?"
Mas o mestre permaneceu completamente tranquilo
- "E você percebe," o mestre replicou calmamente, "que você está diante de um homem
que pode ser trucidado num piscar de olhos?"

47
EQUILÍBRIO ENTRE O
TRABALHO E O DESCANSO
Um arqueiro caminhava pelas redondezas de um mosteiro quando viu alguns monges no
jardim bebendo e se divertindo. Não se contendo, o arqueiro falou com os monges:
- Como vocês são cínicos! Dizem que a disciplina é importante e ficam bebendo às
escondidas!
Ouvindo isso, o monge mais velho perguntou ao arqueiro:
- Se você disparar cem flechas seguidas, o que acontecerá com o seu arco?
- Meu arco se quebrará - respondeu o arqueiro.
O monge completou:
- Se alguém se esforça além dos próprios limites, também quebra sua vontade. Quem não
equilibra trabalho com descanso perde o entusiasmo, esgota as energias e não chega muito
longe. Portanto, faz bem, também para nós, nos divertirmos um pouco, além de trabalhar!

48
EXCELENTÍSSIMO JUIZ
Certa vez, ao transitar pelos corredores do fórum, fui chamado por um juiz ao seu gabinete:
- Veja só que erro ortográfico grosseiro temos nesta petição.- Estampado na primeira linha
do peditório, lia-se: "Excelentíssimo' Juiz"
Gargalhando, o magistrado me perguntou:
- Por acaso esse advogado foi seu aluno na Faculdade?
- Foi sim - reconheci. - Mas onde está o erro ortográfico a que o senhor se refere?
O juiz pareceu surpreso:
- Ora, meu caro, acaso você não sabe como se escreve a palavra Excelentíssimo"?
Então, expliquei-me:
- Acredito que o termo pode significar duas coisas diferentes. Se o colega desejava se
referir à excelência dos seus serviços, o erro ortográfico efetivamente é grosseiro. Entretanto, se
fazia alusão à morosidade da prestação jurisdicional, o equívoco reside apenas na junção
inapropriada de duas palavras. O certo então seria dizer "esse lentíssimo juiz”
Depois disso, aquele magistrado nunca mais aceitou, com naturalidade, o tratamento de
Excelentíssimo Juiz. Sempre pergunta:
- Devo receber a expressão como extremo de excelência ou como superlativo de lento?

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ESTUDO SEM PRÁTICA
Havia umas vez um sábio que estudou os Vedas durante toda sua vida. Quando estava
para morrer. Brahma, O Criador, disse-lhe:
- Já que você fez tanto esforço, vou conceder-lhe um pedido.
Diga-me o que quer.
O sábio respondeu-lhe:
- Dê me, por favor mais cem anos de vida.
- Mais cem anos? Mas para quê? – perguntou Brahma
- Necessito estudar os Vedas.
Brahma concedeu-lhe o pedido. Transcorrido esse tempo, o sábio e o deus se encontraram
novamente. Brahma disse-lhe:
- Agora chegou sua hora. O prazo acabou.
Mas o sábio implorou:
- Dê-me, por favor, mais cem anos, há coisas que ainda não consigo entender.
Brahma concordou e, assim, passaram-se mil anos mais: o sábio pedindo mais e mais
tempo para estudar, o deus aquiescendo com paciência infinita.
No final, vendo que não conseguia acabar de entender as escrituras, o sábio, desalentado,
perguntou ao deus:
- Por que nunca termino?
Ele respondeu:
- Porque de nada lhe serve estudar os Vedas se você não os coloca em prática. O estudo
não produz nenhum resultado sem a prática.

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EU SEI QUEM É ELA
Um homem de idade já bem avançada veio à clínica onde trabalho para fazer um curativo
na mão ferida.
Estava apressado, dizendo-se atrasado para um compromisso. Enquanto o tratava,
perguntei-lhe qual o motivo da pressa.
Ele me disse que precisava ir a um asilo de anciãos para, como sempre, tomar o café da
manha com sua mulher, que estava internada lá. Disse-me que ela já estava há algum tempo
nesse lugar, porque tinha Alzheimer bastante avançado.
Enquanto acabava de fazer o curativo, perguntei-lhe se ela não se alarmaria pelo fato de
ele estar chegando mais tarde.
- Não - ele disse. - Ela já não sabe quem eu sou. Faz quase cinco anos que não me
reconhece.
Estranhando, perguntei-lhe:
- Mas se ela já não sabe quem o senhor é, por que essa necessidade de estar com ela
todas as manhas?
Ele sorriu e, dando-me uma palmadinha na mão, e disse:
- É. Ela não sabe quem eu sou, mas eu sei muito bem quem é ela.
Meus olhos lacrimejaram enquanto ele saía e eu pensei: "Essa classe de amor que eu
quero para a minha vida. O verdadeiro amor não se reduz ao físico nem ao romântico. O
verdadeiro amor é a aceitação de tudo o que o outro é, do que foi, do que será e..do que já não
é...”

51
EXTREMOS
O monge Lucas, acompanhado de um discípulo, atravessava uma aldeia. Um velho
perguntou ao asceta:
- Santo homem, como me aproximo de Deus?
- Divirta-se. Louve o Criador com sua alegria - foi a resposta
Os dois continuaram a caminhar. Neste momento, um jovem aproximou-se e perguntou:
- O que faço para me aproximar de Deus?
- Não se divirta tanto! - disse Lucas.
Quando o jovem partiu, o discípulo comentou:
- Parece que o senhor não sabe direito se devemos ou não devemos divertir-nos.
Sabiamente, Lucas respondeu:
- A busca espiritual é uma ponte sem corrimão atravessando um abismo. Se alguém se
aproxima do lado direito, eu digo: "Para a esquerda"! Se do lado esquerdo, eu digo: "Para a
direita"! Os extremos nos afastam do caminho.

52
FALSA HARMONIA
Um monge foi ofendido por um homem que não acreditava em nada do que ele dizia.
Entretanto, a mulher do agressor era seguidora do monge e exigiu que seu marido fosse pedir
desculpas ao sábio. Contrariado, mas sem coragem de aborrecer a mulher, o homem foi até o
templo e murmurou algumas palavras de arrependimento
- Eu não o perdoo - disse o monge. - Volte ao trabalho.
A mulher ficou horrorizada
- Meu marido se humilhou e o senhor, que se diz sábio, não foi generoso!
E o monge respondeu
- Na minha alma não existe nenhum rancor. Mas, se ele não esta arrependido, é melhor
reconhecer que tem raiva de mim. Seu eu tivesse aceitado seu perdão, estaria criando uma falsa
situação de harmonia, isso aumentaria ainda mais a raiva de seu marido.

53
FÉ EM DEUS
Os moradores de uma região, castigada pela seca há vários anos, foram até o padre da
paróquia local pedir para que ele rezasse uma missa especial que trouxesse a chuva de volta
O padre negou-se a realizar a missa, alegando que nada aconteceria, pois seria
necessário que o povo tivesse muita fé em Deus. O religioso foi, então, pressionado pela
comunidade. Todos afirmavam que possuíam a fé requerida para que a chuva acontecesse.
Muito contrariado, o padre marcou a missa para a manha seguinte.
Na hora combinada, o povo ocupava todos os lugares da igreja em silêncio. O padre
chegou sem dar uma palavra. Atravessando os bancos, foi esquivando-se de cada um dos fiéis.
Dirigindo-se ao púlpito, disse:
- Caros irmãos, tomei uma decisão: lamento informar-lhes que não vou rezar a missa, pois
agora tenho absoluta certeza de que vocês não têm fé!
Foi aquela agitação na igreja, todos reagindo contra as palavras do padre. O líder da
comunidade levantou-se e protestou com veemência:
- Padre, em nome de todos aqui reunidos, permita-me discordar de sua posição. O senhor
está enganado, pois todos aqui têm muita fé e acreditam que esta missa vai trazer a chuva.
O padre escutou com atenção e, dirigindo-se aos "fiéis", perguntou:
- Irmãos, se vocês têm tanta fé como dizem ter, respondam-me: Quem aqui trouxe guarda-
chuva?
Os olhares constrangidos entre os presentes logo mostraram a reaIidade do momento:
ninguém levara guarda-chuva!

54
FOCO NO QUE FAZ
Certa vez, muito intrigado, um discípulo abordou seu velho mestre:
- Como o senhor, de idade tão avançada, parece ainda mais novo que nós? Como pode
estar sempre tão bem disposto e alegre?
A resposta veio em seguida, mas naquele tom calmo, comum aos sábios, ondulante e com
todas as pausas:
- Quando eu como, eu como. Quando eu durmo, eu durmo.

55
GANDHI E O PROFESSOR
ARROGANTE
Enquanto estudava Direito no Colégio Universitário da London University de Londres, um
professor de sobrenome Peters tinha-lhe aversão, mas o estudante Gandhi nunca baixou a
cabeça e os seus encontros eram frequentes.
Um dia Professor Peters estava a almoçar na sala de jantar da Universidade e o aluno vem
com a bandeja e senta-se ao lado do professor.
Professor, altivo, diz:
- "Sr. Gandhi você não entende...Um porco e um pássaro, não se sentam juntos para
comer."
Ao que Gandhi respondeu:
- "Fique o professor tranquilo...Eu vou voando", e mudou-se pra outra mesa.
Mr. Peters ficou cheio de raiva e decidiu vingar-se no teste seguinte, mas o aluno
respondeu de forma brilhante a cada pergunta. Então o professor fez mais uma pergunta:
- "Mr. Gandhi, você está andando na rua e encontra um saco, dentro dele está a sabedoria
e uma grande quantidade de dinheiro, qual dos dois tira?"
Gandhi responde sem hesitar:
-"É claro professor que tiro o dinheiro!"
O professor Peters sorrindo diz:
-"Eu, ao contrário, tinha agarrado a sabedoria, você não acha?”
- "Cada um tira o que naão tem." responde Gandhi.
O professor Peters, fica histérico e escreve no papel da pergunta: Idiota!
E o jovem Gandhi recebe a folha e lê atentamente.
Depois de alguns minutos dirige-se ao professor e diz:
-“Mr. Peters, reparo que assinou a minha folha, mas não colocou a nota?"

56
GESTÃO DE RESULTADOS
Numa aldeia moravam dois homens que se chamavam Joaquim Gonçalves. Um era
sacerdote e o outro, taxista.
Quis o destino que os dois morressem no mesmo dia
Chegaram ao céu, onde já os esperava São Pedro.
- O teu nome?-perguntou São Pedro ao primeiro.
- Joaquim Gonçalves.
- O sacerdote?
- Não, não, o taxista.
São Pedro consultou a sua lista e disse:
- Bom, ganhaste o Paraíso. Levas estas túnicas com fios de ouro e esta vara de platina
com incrustações de rubis. Podes entrar.
- Obrigado! - disse o taxista.
Passam mais duas ou três pessoas, até que chegou a vez do sacerdote
- O teu nome?
- Joaquim Gonçalves.
- O sacerdote?
- Sim.
- Muito bem, meu filho. Ganhaste o Paraíso. Levas esta bata de linho e esta vara de fero
com incrustações de granito.
O sacerdote disse:
- Desculpe, não é por nada, mas... deve haver algum engano. Eu sou Joaquim Gonçalves,
o sacerdote!
- Sim, meu filho, ganhaste o Paraíso. Levas esta bata de linho e...
- Não, não pode ser! Eu conheço o outro senhor. Era taxista, vivia na minha aldeia e era
um desastre! Subia nas calçadas, batia o carro quase todos os dias. Uma vez arremessou-se
contra uma casa, dirigia muito mal, comprometia tudo que estava à sua frente... E eu passei
setenta e cinco anos da minha vida pregando todos os domingos na paróquia. Como é que lhe
dão a túnica com fios de ouro e a vara de platina e a mim apenas isto? Vara de ferro com
incrustações de granito? Deve haver algum engano!
-Não, não há nenhum engano-disse São Pedro. Aqui, no céu, estamos a efetuar uma
gestão como a que vocês fazem lá na terra.
- Como? Não entendo...
- Claro...-explicou São Pedro. - Agora orientamo-nos por resultados. É assim: durante os
últimos vinte e cinco anos, cada vez que tu pregavas as pessoas adormeciam; mas cada vez que
ele guiava o taxi, as pessoas começavam a rezar. É isto... . Gestão de resultados!

57
GLOBALIZAÇÃO
Um gato vivia correndo atrás de um rato, mas nunca conseguia agarrá-lo.
Cansado dessas técnicas tradicionais, o gato decidiu inovar e, para isso, iniciou sua
perseguição como de costume.
E o rato, como sempre fazia, corria e entrava em sua toca. O gato, disposto a apanhar o
rato com sua nova técnica, ficou escondido do lado de fora da toca do rato e se colocou a imitar o
latido de um cachorro.
O rato, lá dentro, ouviu os latidos e logo pensou: "Bom, se o cachorro está latindo é porque
viu o gato, e o gato, naturalmente. Já foi embora". Confiante em tal pensamento, o rato saiu de
sua toca. O gato por sua vez, não perdeu tempo e, de surpresa, agarrou o rato. Quando já estava
quase devorando o pequeno rato, este perguntou-lhe:
- Só um momento, Senhor Gato, gostaria de saber onde está o cachorro, pois eu o ouvi
latindo.
O gato, com olhar cínico, respondeu-lhe.
- Neste mundo globalizado, quem não falar duas línguas não sobrevive.

58
HISTÓRIA DE UMA PONTE
Os dias quase não passavam naquela região montanhosa à beira do rio. Nada de novo
acontecia, até que um dia fiquei sabendo que um novo morador estava por chegar. Nessa época,
eu tinha apenas dez anos e vivia do outro lado do riacho.
O novo vizinho chegou e construiu sua cabana perto do riacho. Durante um mês, passou
os fins de semana olhando as águas, o bosque e o povoado. Contemplava os outros com um
olhar profundo e calmo
No segundo mês, começou a cortar grandes árvores. Num fim de semana apareceu à
porta da nossa casa e pediu-nos que lhe emprestássemos uma junta de bois.
- Quero arrastar os troncos - disse
Meu tio, mais tarde, por curiosidade, foi olhar e viu que ele arrastava os troncos para perto
do riacho
- Vai fazer uma jangada! - disse meu tio.
Meu assombro, porém, foi grande quando o vi cavar um buraco e enterrar um enorme
tronco. Em seguida, arrastou pedras para firma-lo. Meu tio observou-o durante todo o dia e,
depois, disse:
- Está louco! Quer fazer uma ponte..
Naquela noite sonhei com uma linda ponte de madeira que fazia um barulho como um
tambor, quando se andava sobre ela.
No domingo, saltei da cama e corri ladeira abaixo. Sem dizer uma palavra, comecei a
arrastar pedras. Ao entardecer o homem disse:
- Vai ser lindo quando pudermos passar sobre o rio!
No outro fim de semana, juntaram-se a nós dois homens e uma mulher que viviam na
ribanceira da frente. Durante todo o dia, houve conversa e contaram-se histórias. Então me dei
conta de que "os da frente" não eram tão maus como diziam os vizinhos.
Ao final do dia, o homem disse:
- No sábado que vem, trabalharemos na outra margem do rio.
Desta vez éramos quinze pessoas, em ambos os lados do rio. No terceiro mês éramos
quarenta.
Houve, então, um sério problema do nosso lado. Uns goles de pinga a mais provocaram
uma discussão entre Caio, Plínio e o ferreiro. Todos queriam ser "chefe da construção". E
naquela mesma noite o volume de águas cresceu e arrastou consigo os nossos troncos e
empurrou enormes pedras como se fossem pequenos seixos.
No fim de semana seguinte, éramos apenas sete, limpando a costa para começar tudo de
novo.
Cinco meses depois, finalmente, colocávamos as proteções dos lados da ponte.
- Vamos colocar umas boas proteções para que as crianças possam correr pela ponte sem
perigo - disse o homem.
Fomos oitenta, os que trabalhamos na construção das proteções.
59
Naquela noite, mortos de cansaço, fomos todos olhar a ponte e Pela tarde, oitenta e um. O meu
tio foi o último a juntar-se ao grupo.
Naquela noite, mortos de cansaço, fomos todos olhar a ponte e sentamo-nos ao redor de
um grande fogo. Então, demo-nos conta de que amávamos a ponte, o rio e de que gostávamos
de estar juntos. Essa união não nos abandonou mais nas iniciativas que tomamos mais tarde.
Olhávamo-nos com estima e em cada um de nós existia um secreto desejo de recuperar o tempo
perdido, os muitos anos em que nem sequer nos olhávamos.

60
HOMEM SÁBIO
A fama do Homem Sábio que vivia numa pequena casa, no alto da montanha, espalhou-se
por toda a região, alastrou-se pelas vilas e cidades e chegou, finalmente, aos ouvidos do
governador.
Então, ele decidiu fazer uma longa e difícil jornada para visitar aquele homem que tanto
sabia e com quem poderia aprender técnicas e artes que melhor o habilitassem no governo da
cidade
Durante todo o caminho, foi imaginando como seria o Homem Sábio. Em pensamento via-o
majestoso, dignamente vestido, talvez um pouco distante e inacessível, por certo mergulhado em
livros raros, tratados difíceis, papéis diversos...
Finalmente, chegou à casa no alto da montanha e bateu à porta. Foi recebido por um
velhinho simpático, de aspecto simples, humildemente vestido.
- Eu gostaria de ver o Homem Sábio - disse ele.
O velho sorriu e mandou-o entrar
Enquanto caminhavam os dois ao longo da casa, o governador olhava ansiosamente à
volta, antecipando o encontro com um homem considerado um verdadeiro sábio. Mas, quando
deu por si, já havia percorrido toda a casa e estava, de novo, na porta da rua.
O governador parou e voltou-se para o velho:
- Mas eu quero ver o Homem Sábio!
Então o velho, a sorrir, disse-lhe:
- Procura olhar para todos que encontras na vida, mesmo se te pareçam simples e
insignificantes, como homens com quem poderás sempre aprender qualquer coisa. Para isso,
tens de ter não só os olhos, mas também o coração e a mente abertos. Se te fechares nas tuas
ideias feitas, nem que te cruzes com o homem mais sábio do mundo aprenderás o que quer que
seja. - Dito isso, sempre a sorrir, fechou a porta.
Então o governador compreendeu que aquele era o Homem Sábio que procurava. Apenas
os preconceitos que tinha dentro dele, a ideia formada relativamente ao que seria um homem
sábio, tinham feito que aquela viagem tivesse sido (quase) em vão.

61
IMITANDO O MESTRE
Um discípulo que amava e admirava o mestre resolveu observá-lo em todos os detalhes,
acreditando que, ao fazer o que ele fazia, iria também adquirir a sua sabedoria.
O mestre só usava roupas brancas, e o discípulo passou a vestir-se da mesma maneira
O mestre era vegetariano, e o discípulo deixou de comer qualquer tipo de carne,
substituindo sua alimentação por ervas.
O mestre era um homem austero, e o discípulo resolveu dedicar-se ao sacrifício, passando
a dormir numa cama de palha.
Passado algum tempo, o mestre notou a mudança de comportamento de seu discípulo e
foi ver o que estava acontecendo
- Estou subindo os degraus da iniciação foi a resposta. -O branco de minha roupa mostra a
simplicidade da busca, a alimentação vegetariana purifica o meu corpo e a falta de conforto faz
com que eu pense apenas nas coisas espirituais.
Sorrindo, o mestre o levou até um campo onde um cavalo pastava.
- Você passou esse tempo olhando apenas para fora, quando isso é o que menos importa -
disse. - Está vendo aquele animal ali? Ele tem a pele branca, come apenas ervas e dorme num
celeiro com palha no chão. Você acha que ele tem cara de santo ou chegará algum dia a ser um
verdadeiro mestre?

62
INDIFERENÇA
Certo dia, um sábio mestre, disposto a mostrar aos seus discípulos que a indiferença é pior
do que qualquer outro sentimento, decidiu criar um experimento e solicitou que cada um
trouxesse um pouco de arroz cozido e três caixinhas.
O arroz foi distribuído pelas três caixinhas. Na primeira, os discípulos deviam colocar um
rótulo escrito com algo que realmente lhe desagradasse, tipo um palavrão ou algo assim; na
segunda, no rótulo devia estar escrito algo muito bonito e amoroso; e o rótulo da terceira caixa
devia ficar em branco.
Durante algum tempo, os discípulos foram incitados a falar, diariamente, palavras ou ideias
negativas sobre a primeira caixa, falar palavras ou ideias positivas sobre a segunda caixa, e
ignorar a terceira caixa.
Passado esse tempo, antes de as caixas serem abertas, o mestre perguntou:
Vocês acham que o arroz nas três caixas está nas mesmas condições?
Os discípulos, desconfiados pela obviedade da resposta, reuniram-se, discutiram a
pergunta e, finalmente, nomearam um deles para responder:
- Não, mestre. Todos nós, sem exceção, acreditamos que a segunda caixa para a qual
dissemos coisas positivas, contém o arroz em melhor estado de conservação, seguido pela
terceira caixa, para a qual nada foi dito, e por último, é claro, a primeira caixa, para a qual
dissemos coisas negativas.
O mestre, com um sorriso nos lábios, abriu lentamente cada uma das caixas, mostrou-as e
disse:
- Foi por isso que pedi para fazerem tal experimento. Na realidade, o arroz mais
conservado é o da primeira caixa, seguido pela segunda caixa, e, por último, o da terceira caixa,
ou seja, queria mostrar a todos que mais vale ser maltratado do que indiferente!

63
INSISTA
O homem chegou a casa nervoso e desiludido, clamando à esposa:
- Desisto! Não vou trabalhar mais...
- Por que, querido?
- Tudo que faço não dá certo.
- Insista, quem sabe...
- Não adianta.
Nisto, o pombo entrou voando pela casa adentro, e o homem esbravejou:
- Já não falei que não quero esse pombo sujando a casa?
A esposa, calmamente, respondeu:
- Por mais que eu destrua o seu ninho na vigota, ele recomeça tudo de novo. Só se matar
o bichinho...
- Isso não! - gritou o garoto.
- Então, deixe-o aí mesmo. - Conformou o homem fitando a avezinha a recuperar o ninho.
"Bichinho insistente", pensou. Logo, porém, voltou a queixar-se da sorte:
- Tudo o que faço não dá certo mesmo.
- Não desanime-disse a esposa. - Deus o ajudará.
- Estou desanimado
- Não desista, querido...
E o filhinho, de novo:
- Faça como o pombinho, papai...
- Como assim?
- Insista!

64
INSISTÊNCIA EM REPETIR
Conta-se que, certa vez, no sul da China, um nativo foi convidado para assistir a uma série
de conferências religiosas. Era um homem simples, naturalmente, mas curioso e observador.
Compareceu logo na primeira noite e gostou.
Os pensamentos do orador, embora estranhos para ele, não deixavam de ser
interessantes. Voltou na noite seguinte e, ao término dessa segunda conferência, arrasou consigo
mesmo: "Ora, esse orador disse hoje quase que a mesma coisa que disse ontem"
Contudo, nem por isso deixou de voltar nas outras três noites restantes.
Na última noite, continuou no recinto, até que as pessoas se afastassem totalmente.
Assim, a sós com o pregador, ele arriscou a seguinte observação:
- Afinal, pregador, por que motivo o senhor não fala de outras coisas igualmente
interessantes e até mais abrangentes? Assisti a todas as suas conferências e o assunto foi
sempre o mesmo: Buda. Não tem nenhum outro nome que possa ser mencionado?
O orador, maduro e muito experiente, sobretudo muitíssimo hábil, encontrou de imediato
uma extraordinária saída. Perguntou-lhe
- Desculpe a minha curiosidade, mas o que o amigo come no almoço?
- Como arroz, principalmente -respondeu o nativo com prontidão
- E no jantar, qual é o seu prato predileto?- continuou o pregador.
- Ainda o arroz - respondeu o chinês.
- O senhor costuma cear a noite antes de dormir? – insistiu ainda.
- Sim, fazemos isso todas as noites em nossa casa - respondeu o nativo.
- E, na ceia, o que a família costuma comer?
-Também arroz. Uma refeição só será completa para mim se houver arroz.
- E, ontem, o senhor comeu arroz nas três refeições que participou?
- Sim, particularmente, só como arroz. Entendo que esse cereal me dá vida, força e saúde.
Depois desse diálogo, aparentemente tão sem importância, o pregador, em poucas
palavras, prestou o mais profundo esclarecimento que aquele nativo carecia ouvir para entender
que o nome de Buda é o mais abrangente
- Pois essa é justamente a razão de eu só falar com Buda. Ele é o meu amigo. Ele me
enche a vida e a alma. Ele só é capaz de preencher qualquer necessidade que eventualmente eu
possa ter. Por causa desse tão maravilhoso relacionamento entre mim e Buda e em virtude das
muitas bênçãos que dele receba é que a minha boca não sabe falar de outra coisa. O meu
coração está totalmente tomado por estas experiências. Não acha agora razoável a minha
insistência em repetir, dia após dia, esse nome?

65
INVOCAÇÃO A BUDA
Certa mulher invocava centenas de vezes por dia o mantra de "Buda", sem jamais
entender a essência de seus ensinamentos.
Depois de dez anos, tudo que conseguiu foi aumentar sua amargura e seu desespero,
acreditando que não era ouvida.
Um monge budista percebeu o que estava acontecendo e, certa tarde, foi à casa dela:
- Sra. Cheng, abra a porta!
A mulher irritou-se e fez soar um sino, sinal de que estava rezando e não queria ser
perturbada. Mas o monge insistiu várias vezes:
- Sra. Cheng, precisamos conversar! Venha até aqui fora um minutinho!
Furiosa, ela abriu a porta com violência:
- Que tipo de monge é você que não percebe que estou rezando?
- Eu a chamei apenas quatro vezes, e veja como a senhora ficou zangada. Imagine o que
"Buda" deve estar sentindo, depois de ser chamado durante dez anos!- e concluiu:
- Quando chamamos com a boca, mas não sentimos com o coração, nada acontecerá.
Mude sua maneira de invocar "Buda"; entenda o que ele disse, e não precisará de mais nada.

66
JARDIM DA VIDA
Uma criança brincava no parque com sua mãe, quando avistou, próximo dali, um lindo
jardim. Flores coloridas, brancas, vermelhas, rosas e amarelas a convidavam a brincar.
A criança, sem pensar, olhou para aquelas belas flores e saiu correndo pelo parque em
busca do jardim. Só que, no caminho, tropeçou em uma pedra e caiu. Ao cair, chorou e, ao
chorar, teve socorro.
Um senhor que estava ali, vendo a criança em desespero, aproximou-se e sentou-se
carinhosamente ao seu lado.
- Você está bem?- perguntou o homem.
- Eu caí quando tentava chegar ao jardim. Caí e estou triste, acho que vou desistir de ir
para lá. - disse a criança, chorando.
O homem olhou penalizado e, com doçura, disse:
- Meu bem, um dia, há muito tempo, eu também caí quando tentava chegar ao jardim. Caí
e não mais me levantei. Desisti. Desisti do motivo maior que me impulsionava. A chama que
havia em meu peito gritava: "Vá, acredite!" Mas eu não fui. Caí e desisti. Abandonei o que minha
alma tanto buscava. Sofri e aprendi. Ouça: ali na frente, você vê um jardim. Você sente que é lá
que você prefere estar. Uma voz dentro de você diz: "Seja, vá, acredite!" Mas, lembre-se, filho,
sempre haverá pedras em seu caminho.
A criança, mais calma, olhou para o homem e perguntou:
- Por que há pedras? O caminho não poderia estar livre?
O homem olhou nos olhos da criança com um olhar tão sincero e sereno, que a criança
sentiu-se amparada e protegida. Então, o homem disse:
- Todos podem chegar ao jardim... Todos. Mas as flores são sensíveis e delicadas, por isso
precisam ser protegidas de pessoas despreparadas que poderiam destruí-las. A natureza colocou
pedras no caminho para permitir que cheguem lá só aqueles que tiverem a sensibilidade de
entender que as pedras não foram feitas para impedir a chegada, mas para serem contornadas.
A criança enxugou as lágrimas, levantou-se e continuou em busca do jardim.

67
JULGANDO O PROXIMO
Um dos monges do mosteiro de Sceta cometeu uma falta grave, e chamaram o ermitão
mais sábio para que pudesse julgá-lo. O ermitão recusou-se, mas insistiram tanto, que ele acabou
indo.
Antes, porém, pegou um balde e furou-o em várias partes. Depois encheu o balde de areia
e dirigiu-se ao convento. O superior, ao vê-lo entrar, perguntou o que era aquilo.
- Vim julgar meu próximo - disse o ermitão. - Os erros se espalham atrás de nós como a
areia que escorre deste balde, mas como não olhamos para trás e não nos damos conta de
nossos próprios erros, fui chamado para julgar meu próximo.
Os monges, entendendo a mensagem do ermitão, imediatamente desistiram da punição.

68
JULGANDO SEGUNDO AS
APARÊNCIAS
Certa noite, o mestre Bahaudin estava sentado, depois do jantar, rodeado de um grande
número de recém-chegados, jovens e velhos, todos desejos de aprender.
O silêncio se fez, e o mestre pediu que lhe fizessem um pergunta:
- Qual é o obstáculo maior para o aprendizado e para o ensinamento do caminho? –
perguntou alguém.
O mestre respondeu :
- As pessoas julgam segundo as aparências. Elas são atraídas pelos sermões, pelos
barulhos, pelos rumores e por tudo aquilo que as excita, como as abelhas pelo perfume das
flores.
- Então como as pessoas devem se aproximar da sabedoria ou as abelhas, das flores?
- O ser humano se aproxima da sabedoria atraído pelos rumores, pelos sermões, pelos
livros e quando está em estado de êxtase. Depois, ele fica nas proximidades, mas não se
aprofunda, mantém-se na superficialidade, sempre buscando as mesmas coisas que o levaram
ali. É o perfume que guia a abelha até a flor, mas, tendo chegado á proximidade da rosa, ela não
se contenta em pedir mais perfume: ela se dispõe a recolher o pólen. Este néctar que ela deverá
colher é o equivale á sabedoria, enquanto os rumores, os serões, os livros são, de certa forma,
apenas o perfume que atrai. Enquanto quase todas as abelhas têm aptidão para recolher o
néctar, a maioria dos seres humanos não está ainda preparada para perceber aquilo para o qual
foi criada.
E o mestre falou:
- Que se levantem aqueles que vieram a Quasr al-Arifin, por causa do que leram.
Muitos se levantaram.
- Que se levantem, igualmente aqueles que chegaram até nos porque escutaram falar de
nós.
Foi ainda maior o número dos que se levantaram
- Aqueles que ficaram sentados - retomou Bahaudin - estes vieram porque perceberam
nossa presença e nossa verdade de uma maneira sutil. Entre aqueles que estão de pé, velhos ou
jovens, há muitos que só querem ser sempre estimulados, cada vez mais, em seus sentimentos e
procuram a excitação ou a tranquilidade. Antes que eles possam aprender aquilo que não podem
experimentar em outro lugar, eles deverão pedir o conhecimento, e não a diversão e o
espetáculo.
Depois acrescentou:
- Existem aqueles que são atraídos pela reputação de um mestre e vêm vê-lo desejosos de
experimentar ainda mais intensamente a mesma sensação. Quando o mestre morre, eles visitam
sua tumba, sempre pela mesma razão. Enquanto suas aspirações não tiverem sido
transformadas, eles não encontrarão a verdade. Depois, há aqueles que visitam um mestre não
porque eles escutaram falar dele como um conselheiro sábio e experimentando ou, se ele está
morto, porque desejam ver sua tumba, mas porque reconhecem sua realidade profunda. Um dia
virá em que cada um possuirá essa faculdade.

69
Então, Bahaudin completou:
- Mas, enquanto se espera, o trabalho que será finalmente realizado através das gerações
deverá ser realizado dentro de um mesmo indivíduo. Para tornar-se um Moisés, ter-se-á que
transcender o faraó. O homem que é atraído pela reputação deverá tornar-se, de certa maneira,
outro homem. Ele deverá tornar-se aquele que habita nas proximidades da sabedoria porque
sentiu sua realidade profunda. Este é o objetivo deste trabalho, antes que ele possa aprender.
Enquanto não aprender isso, ele é só um dervixe. O dervixe deseja. O sufi percebe.

70
JULGAR O SEMELHANTE
Quando eu era criança, costumava rezar com meu pai, meus tios e primos. Todas as
noites nos reuníamos para escutar um trecho do Alcorão.
Numa dessas noites, enquanto meu tio lia uma passagem, reparei que a maior parte das
pessoas dormia. Então, disse ao meu pai:
- Nenhum desses dorminhocos é capaz de ficar atento aos ensinamentos e às palavras do
profeta. Jamais chegarão até Deus!
Meu pai respondeu sabiamente:
- Meu filho querido, procura seu caminho com fé e deixe cada um cuidar de si. Quem sabe,
em seus sonhos, eles estão conversando com Deus.
E, pensativo, continuou:
- Eu preferia vê-lo dormindo como eles a escutar esse seu julgamento duro e essa sua
condenação.
Naquele momento, entendi o que meu pai estava querendo dizer e aprendi a lição de não
julgar o meu semelhante pelas aparências.

71
LAVANDO A MINHA ALMA
Um noviço estava, na cozinha, lavando as folhas de alface para o almoço quando um velho
monge - conhecido por sua rigidez excessiva, que obedecia mais ao desejo de autoridade que à
verdadeira busca espiritual - se aproximou.
- Você pode me dizer o que seu superior do convento disse hoje no sermão?
- Não consigo me lembrar. Sei apenas que gostei muito.
O monge ficou estupefato
- Justamente você, que tanto deseja servir a Deus, é incapaz de prestar atenção nas
palavras e nos conselhos daqueles que conhecem melhor o caminho? Por isso as gerações de
hoje estão tão corrompidas; já não respeitam o que os mais velhos têm para ensinar.
- Olha bem o que estou fazendo - respondeu o noviço. - Estou lavando as folhas de alface,
mas a água que as deixa limpa não fica presa nelas; termina sendo eliminada pelo cano da pia.
Da mesma maneira, as palavras que purificam são capazes de lavar a minha alma, mas nem
sempre permanecem na memória. Não vou ficar lembrando de tudo o que me dizem só para
provar que sou culto e superior aos demais. Tudo aquilo que me deixa mais leve, como a música
e as palavras de Deus termina sendo guardado em um recanto secreto do meu coração. E ali
permanece para sempre, vindo à superfície somente quando eu preciso de ajuda, de alegria ou
de consolo.

72
LENDA PERSA
Há uma lenda persa que se refere a um rei que carecia muito de um servidor. Dois homens
se apresentaram, e o rei os contratou por um salário fixo.
Depois de alimentados, voltaram à presença do soberano para ouvir a respeito de suas
tarefas. A primeira ordem foi que cada um pegasse uma cesta, colocando-a ao lado do poço.
Iriam, alternadamente, tirando a água do poço e despejando-a dentro da cesta. No final do dia, o
rei, pessoalmente, iria apreciar o trabalho deles.
Depois de cinco ou seis baldes de água tirados e jogados na cesta, um dos contratados
disse:
- Afinal, qual é o valor desse serviço? Quando lançamos a água dentro da cesta, ela se
escoa imediatamente!
O outro, entretanto, respondeu:
- O rei certamente conhece a utilidade do nosso trabalho. Ele sabe o valor dele, do
contrário não teria nos contratado.
- Pois não vou gastar as minhas energias na execução de uma tarefa assim
Dizendo isso, deixou de lado seu balde e partiu.
O outro homem, pacientemente, continuou o trabalho. O poço continha muita água, mas,
sem desanimar, ele foi repetindo a operação até que conseguiu esgotá-lo.
Olhando atentamente para o seu fundo forrado de lodo, ele viu que havia lá um objeto, que
brilhava intensamente. Era um valioso anel de diamantes! E pensou: "O meu esforço teve sua
utilidade. Foi útil e necessário!”
Na hora marcada, chegou o rei e lá encontrou um dos contratados fiel às suas ordens e
disse:
- Parabéns pelo seu esforço e pela sua persistência. Por diversas vezes contratei outros
servidores, mas todos desistiram no meio do caminho. O que acontece é que, muitas vezes, ao
longo da vida, deparamos com tarefas penosas para realizar e caminhos difíceis para palmilhar.
Somos, por vezes, tentados a pensar que o sacrifício não compensa e uma forte tendência de
abandonar tudo e tomar novo rumo tenta apoderar-se de nós. Entretanto, quando dominamos o
desânimo e enchemo-nos de coragem para chegar ao fim da responsabilidade, sempre
descobrimos uma compensação e levantamo-nos prontos para um novo embate.
O desânimo tem sido a arma mais poderosa que o inimigo usa para nos desviar de nossas
atribuições e planos.
E o rei, além de recompensá-lo com o anel de diamantes que estava no fundo do poço,
nomeou-o seu servidor de confiança.

73
LUCUM DE PISTACHE
Na antiga Pérsia vivia um poderoso rei. Seu reino era rico e cheio de palácios, jardins
maravilhosos com riachos muito belos. O rei era uma pessoa muito justa e magnânima e era
aconselhado pelo seu grão-vizir, seu braço direito. O grão-vizir era seu homem de alta confiança,
e o rei não tomava nenhuma decisão antes de pedir-lhe um parecer.
O grão-vizir era muito invejado, e todos os outros ministros do reino viviam cobiçando seu
lugar, fazendo intrigas, boatos e calúnias, mas nada abalava aquela relação.
Certo dia, o vizir foi até as termas públicas e, enquanto se banhava, percebeu que havia
perdido seu anel, porém também percebeu que seu anel pesado, de ouro e pedras, boiava na sua
frente. Ficou em silêncio, meditativo, e, depois de um tempo, resolveu chamar seu fiel serviçal:
- Caro Omar, reúna todos os meus pertences do palácio, pegue minha mulher e filha e
leve-as ao próximo povoado, onde temos parentes, para que possam ficar por lá, e que aguardem
minhas notícias.
Antes da partida, o próprio vizir disse à sua esposa que teriam que viver a dor da
separação, mas ela, como boa mulher de seu tempo, não fez maiores perguntas.
Sete dias se passaram sem que nada acontecesse. Mas, no sétimo dia o rei, esbaforido,
entrou no gabinete do vizir, esbravejando:
- Seu traidor! Logo você, que sempre teve minha confiança! Não precisa dizer nada, você
terá o seu castigo!
O vizir foi levado aos porões do palácio, jogado numa cela fria e úmida. Os dias foram se
passando, os meses, os anos... Vocês pensam que o que mais martirizava o vizir era a ingratidão
do rei ou falta de sua esposa? Tudo isso era muito triste, pesado, mas o que o vizir sentia mãos
falta era de lucum de pistache.
Esse é um doce esverdeado, feito com a semente de pistache e recoberto com o mais fino
açúcar encontrado no Oriente, além de outros segredos no preparo.
Todos os dias, meses a fio, o vizir pedia ao seu carcereiro, um homem sádico e
intransigente, um pedacinho do doce, mas nada. Para completar seu sofrimento, as paredes
úmidas, recobertas com musgos e lodo verde, o faziam lembrar-se do doce
Até que um dia, não se sabe por que motivo, o carcereiro ficou bem-humorado e generoso,
e resolveu lhe dar um pedaço de lucum.
Os olhos do vizir ficaram cheios de água, brilhando como espelho de tão cobiçado doce.
Ele, então, pegou um pedaço de lenço que guardava para ocasiões especiais, colocou-o no meio
da cela com o doce. Decidiu esperar a ração horrorosa que todo dia comia, para depois degustar
o doce. Aquele néctar merecia ser esperado.
Quando, então, se preparava para comer o doce, de um pequeno buraco da parede da
cela surgiu uma gigantesca ratazana, que, assustada, correu em linha reta, colocando uma pata
exatamente em cima do maravilhoso doce. Assustada, querendo sair, atolou a outra pata e,
presa, acabou com as quatro patas em cima do doce. Morrendo de medo, sob o olhar do vizir,
pensando-se numa armadilha, urinou em cima do doce
O vizir ficou um bom tempo calado, paralisado, pensativo. Por fim, pediu que chamassem
Omar, seu fiel empregado
- Omar, por favor, providencie que minha mulher e meus filhos retornem. Prepare minha
casa e peça-lhes que aguardem minhas notícias.
74
O empregado obedeceu. Passados sete dias na cela, a porta se abriu e, com um rosto
perturbado, surgiu o rei, que se pôs humildemente de joelhos:
- Meu querido vizir, como fui injusto! Como pude desconsiderar tantos anos de lealdade, e
acreditar naquela corja de invejosos e ciumentos. Tudo não passou de uma conspiração, e todos
foram já punido. Peço-lhe perdão, e que volte imediatamente às suas funções palacianas. Por
favor!
O vizir, que era muito paciente e gostava do rei, depois de refletir um pouco, aceitou o
pedido. Houve uma grande festa para comemorar o evento e o vizir fez questão de celebrar,
colocando numa enorme mesa de 5 metros por 3 de largura, diversos tipos de lucum de pistache.
No meio da festa, um grande amigo do vizir, de muitos anos, chamou-o num canto:
- Mas meu amigo vizir, uma coisa me intriga: quando você caiu em desgraça, parecia tê-la
previsto, tomando providências para resguardar sua família, e, quando foi cair em graça
novamente, agiu como se soubesse disso!
Ele olhou para o amigo e disse:
- Eu tinha uma vida invejável, usufruía do bom e do melhor, era rico e famoso. Quando fui
às termas, numa tarde, e o maior símbolo de minha riqueza, aquele pesado anel, não se perdeu
naquele mundo de águas e permaneceu boiando na minha frente, pensei: "Não é possível,
cheguei ao topo, daqui não posso subir mais". Então, pressenti que algo ruim aconteceria. Por
outro lado, naquela cela, privado de tudo, quando meu maior desejo ia ser concretizado e
aconteceu aquele desastre, com a ratazana estragando tudo, pensei que dali não poderia descer
mais, era muito azar, nada poderia ficar pior do que estava. Não tive dúvida de que algo em
minha vida mudaria para melhor
Assim, por saber interpretar e ter sensibilidade para sentir o que a vida Ihe trazia, o vizir soube se
antecipar e preparar-se para os acontecimentos.

75
MACHADO PARA CORTAR LENHA
Um homem da tribo dos Ansares chegou a Maomé e disse-lhe:
- Sou filho de uma família pobre, que passa fome. Procurei-o para pedir-lhe socorro.
Maomé deu-lhe dois dirhams e disse-lhe:
- Com um, compra víveres para tua gente; com o outro, um machado para cortar lenha.

76
MAIS ESTÚPIDO DO QUE EU
Um rei tinha ao seu serviço um bobo, que lhe enchia os dias de piadas e brincadeiras. Um
dia, o rei confiou-lhe o cetro dizendo-lhe:
- Fica com ele, se encontrares um homem mais estúpido do que tu, dê o cetro a ele.
Mais tarde, o rei caiu gravemente doente e estava prestes a morrer.
Chamou o bobo e disse-lhe:
- Eu parto para uma longa viagem.
- Quando é que voltas?
- Nunca mais voltarei - respondeu o rei.
O bobo perguntou-lhe:
-Se tu partes para uma longa viagem da qual nunca voltará, quais foram os preparativos?
- Nenhuma preparação - foi a triste resposta do rei
Então, o bobo concluiu:
- Tu estás a partir para uma longa viagem e não fizeste nenhuma Preparação? Toma lá o
teu cetro, já encontrei uma pessoa mais estúpida do que eu!

77
MEDINDO O AMOR
Um mestre hindu estava conversando com seu discípulo, quando o discípulo disse-lhe:
- Sempre desejei saber se era capaz de amar como o senhor ama.
O mestre respondeu:
- Não existe nada além do amor. É ele que mantém o mundo girando e as estrelas
suspensas no céu.
O discípulo, sem compreender, disse:
- Sei disso. Mas como vou saber se meu amor é grande o suficiente?
O mestre, sabiamente, ensinou-lhe:
- Procure saber se você se entrega ou se você foge das suas emoções, mas não faça
perguntas como essa, porque o amor não é grande nem pequeno. É simplesmente o amor. Não
se pode medir um sentimento como se mede uma estrada. Se você tentar medi-lo, estará
enxergando apenas o seu reflexo, como o da lua em um lago numa noite clara, não estará
percorrendo seu verdadeiro caminho!

78
MERGULHE FUNDO
Um dia, passeando na praia, o pai perguntou ao filho:
- Como está a água?
O garoto entrou com cuidado na água e respondeu:
- Está muito fria.
Ele pegou o garoto, jogou-o dentro da água, e voltou a perguntar:
- E agora, como está a água?
O filho respondeu:
- Está ótima.
O pai disse:
- De agora em diante, mergulhe fundo naquilo que você quer realmente conhecer.

79
MINHA PARTE NÃO FARÁ FALTA
Havia um pequeno vilarejo que se dedicava à produção de vinho. Uma vez por ano,
acontecia uma grande festa para comemorar o sucesso da colheita. A tradição exigia que, nessa
festa, cada morador do vilarejo trouxesse uma garrafa do seu melhor vinho, para colocar dentro
de um grande barril que ficava na praça central.
Um dos moradores pensou
- Por que deverei levar uma garrafa do meu mais puro vinho? Levarei água, pois, no meio
de tanto vinho, o meu não fará falta.
Assim pensou e assim fez. Conforme o costume, em determinado momento, todos se
reuniram na praça, cada um com sua caneca, para provar aquele vinho cuja fama se estendia
muito além das fronteiras do país. Contudo, ao abrir a torneira, um absoluto silêncio tomou conta
da multidão. Do barril saiu apenas água! "A ausência da minha parte não fará falta", foi o
pensamento de cada um dos produtores.

80
MODELANDO AQUI EMBAIXO
Tenho um amigo que perdeu o emprego, a fortuna, a esposa e a casa, porém permaneceu
firme na fé - a única coisa que lhe restara.
Um dia ele parou para observar alguns homens trabalhando numa igreja enorme,
esculpindo pedras.
Um deles estava cinzelando uma pedra triangular
- O que você vai fazer com essa pedra? - perguntou meu amigo
- O senhor está vendo aquela abertura lá em cima perto do pináculo? - disse o trabalhador.
- Estou modelando esta peça aqui embaixo para que ela seja encaixada lá em cima.
Lágrimas brotaram nos olhos de meu amigo enquanto ele seguia seu caminho. Parecia
que Deus havia falado por meio da boca daquele trabalhador para explicar a provação que ele
atravessava. "Eu o estou modelando aqui embaixo para que você seja encaixado lá em cima."

81
MOVENDO MONTANHAS
Havia duas tribos em guerra nos Andes. Uma vivia na parte baixa e a outra, na parte alta
das montanhas. Um dia, a parte baixa foi invadida pelos povos do alto, que, além de saquearem
os inimigos, raptaram um bebê e o levaram para as montanhas.
Os povos da parte baixa não conheciam os caminhos usados pelos povos da montanha.
Não sabiam como chegar ao alto, como chegar aos inimigos ou rastrear seus passos pelos
terrenos escarpados.
Mesmo assim, enviaram seus melhores guerreiros para subir a montanha e trazer a
criança de volta. Os homens tentaram diferentes métodos de escalada. Primeiro um caminho,
depois outro. Após vários dias de esforços, não tinham subido nem quinhentos metros. Sentindo-
se impotentes e sem esperança, os homens da parte baixa consideraram a causa perdida e
prepararam-se para voltar para a cidade.
Enquanto arrumavam o equipamento para a descida, viram a mãe do bebê andando na
direção deles. Perceberam que ela estava descendo a montanha que eles não tinham conseguido
subir e, então, descobriram que o bebê estava amarrado nas costas da mulher. Como era
possível? Um dos homens a saudou, dizendo:
- Nós não tivemos êxito em subir a montanha. Como você chegou ao alto se nós, os
homens mais fortes e capazes da cidade, não conseguimos?
Ela encolheu os ombros e respondeu:
- É que não era o filho de vocês que estava lá.

82
MUDANÇAS
Um velho sábio foi interrogado sobre a trajetória da sua existência até àquele dia. E eis
como ele a resumiu em três etapas:
- Aos vinte anos tinha só uma oração: "Meu Deus, ajuda-me a mudar este mundo tão
insustentável, tão impiedoso". E, durante os vinte e um anos seguintes, lutei como uma fera para
constatar que afinal nada tinha mudado.
Aos quarenta anos, tinha apenas uma oração: "Meu Deus, ajuda-me a mudar a minha
mulher, os meus pais e os meus filhos!" Durante vinte anos, lutei como uma fera para, no final,
constatar que nada tinha mudado.
Agora sou um homem velho e apenas tenho uma oração: "Meu Deus, ajuda-me a mudar-
me" - e eis que o mundo à minha volta mudou!

83
MUDANDO O QUE ESTÁ DENTRO
Um pregador, entusiasmado, falava em praça pública a um grande número de ouvintes.
Como muitas vezes acontece, um escarnecedor interrompeu-o dizendo-lhe
- Pregador, o seu Deus pode fazer tanta coisa como você esta dizendo, mas não pode
mudar a roupa deste mendigo que está ao seu lado.
O pregador, sem se perturbar, respondeu:
- Realmente. Nisso o senhor tem razão. Deus não vai mudar a roupa desse mendigo ao
meu lado, mas Deus pode mudar o mendigo que está dentro dessa roupa.

84
MUDAR A PERSPECTIVA
Há muitos, muitos anos, numa aldeia distante, vivia uma velha que vendia bolinhos
caseiros na rua. Ela era conhecida por toda a gente como a "velha chorona", pois ela sempre
passava o dia a lamentar-se e a choramingar. Com essa maneira de ser, a velha chegava mesmo
a perder muitos clientes, que não tinham paciência para lhe aturar as lamúrias.
Um sábio professor que, todos os dias, a caminho do trabalho, passava perto da velha
vendedeira de bolinhos, começou a ficar intrigado com tanta choradeira. E perguntou-lhe a que tal
se devia.
- Tenho dois filhos - respondeu ela. - Um faz delicadas sandálias; o outro, guarda-chuvas.
Quando faz sol, penso que ninguém comprará os guarda-chuvas de meu filho, e ele e sua familia
vão passar necessidades. Quando chove, penso no meu outro filho que faz sandálias, ninguém
vai comprá-las e, então, ele também vai ter dificuldade para sustentar sua família.
O professor sorriu e disse:
- Mas o que a senhora tem de fazer é mudar a perspectiva com que encara a vida. Passar
a ver as coisas pelo lado positivo. Repare: quando o sol brilha, seu filho que faz sandálias
venderá muito, e isso é muito bom. Quando chove, seu filho que faz guarda- chuvas venderá
muito, e isso é também muito bom.
Bem, dizem as más-línguas que a velha chorona teve alguma dificuldade em compreender
as sugestões do professor. Mas lá acabou por compreender e... aceitar.
Desde então, a velha passa todos os dias, quer chova quer faça sol, sorrindo feliz e
apregoando os seus bolinhos caseiros. E os clientes, atraídos pela sua boa disposição,
aumentam cada vez mais as encomendas. Os bolinhos já nem dão para supri-las...

85
MUDAR A SI PROPRIO
Era uma vez um rei que, há muito tempo, governava um país.
Um dia, ele saiu em viagem para algumas áreas bem distantes. Quando retornou ao
palácio, reclamou que seus pés estavam terrivelmente doloridos, porque era a primeira vez que
fazia uma viagem tão longa, e que havia muitos pedregulhos pela áspera estrada.
Ele ordenou a seus servos que cobrissem toda a estrada, por todo o pais, com couro.
Definitivamente, essa obra necessitaria de milhares de vacas esfoladas e custaria uma
quantia enorme de dinheiro.
Então, um dos mais sábios entre os criados ousou dizer ao rei:
- Por que o rei tem de gastar essa quantia desnecessária de dinheiro? Por que,
simplesmente, não manda cortar um pequeno pedaço de couro para cobrir seus pés?
O rei ficou surpreso, mas concordou com a sugestão. E ordenou que lhe fizessem um par
de sapatos e aprendeu que para fazer deste mundo um lugar feliz para se viver é melhor mudar a
si próprio, e não ao mundo!

86
NÃO SE RENDA
Desde pequena Svetlana tinha uma paixão: dançar e sonhar em ser uma grande bailarina
do Balé Bolshoi.
Um dia, Svetlana teve sua grande chance.
Conseguira uma audiência com Sergei Davidovitch, mestre do Bolshoi, que estava
selecionando aspirantes para a companhia.
Dançou como se fosse seu último dia na Terra. Colocou tudo que sentia e que aprendera
em cada movimento.
Ao final, aproximou-se do mestre e perguntou-lhe:
- Então, o senhor acha que eu posso me tornar uma grande bailarina?
- Não-respondeu o mestre.
Na longa viagem de volta à sua aldeia, Svetlana, em meio às lagrimas, imaginou que
nunca mais aquele "Não" deixaria de reverberar em sua mente
Dez anos mais tarde Svetlana, já uma estimada professora de balé, criou coragem de ir à
apresentação anual do Bolshoi em sua região. Sentou-se bem à frente e notou que o senhor
Davidovitcha ainda era o mestre.
Depois do concerto, aproximou-se do cavalheiro e contou-lhe quanto doera, anos atrás,
ouvir-lhe dizer que não seria capaz de participar do Bolshoi.
- Mas, minha filha, eu digo isso a todas as aspirantes – respondeu o senhor Davidovitch.
- Como o senhor poderia cometer uma injustiça dessas? Dediquei toda minha vida! Todos
diziam que eu tinha o dom. Eu poderia ter sido um sucesso se não fosse o descaso com que o
senhor me avaliou!
Havia solidariedade e compreensão na voz do mestre, mas ele não hesitou ao responder:
- Perdoe-me, minha filha, mas você nunca poderia ter sido grande o suficiente se você foi
capaz de abandonar seu sonho ao ouvir o primeiro não.

87
NÃO TENHO NADA
Um jovem monge aproximou-se de Chao-chou muito orgulhoso e eufórico e disse-lhe:
- Desfiz-me de tudo o que tinha! Minhas mãos estão vazias e vim com o coração sereno!
- Então, resta apenas te desfazeres disso e chegarás ao Zen - afirmou o mestre.
- Mas não tenho mais nada. Do que mais posso me desfazer?-replicou o monge.
- Tudo bem -comentou o sábio -, se tu queres manter o nada que ainda carregas, fique
com ele...

88
NO LUGAR ERRADO
Uma mãe e um bebê camelo estavam por ali, à toa, quando houve o seguinte diálogo:
Bebê: - Mãe, mãe, posso lhe perguntar umas coisas?
Mãe: - Claro! O que está incomodando o meu filhote?
Bebê: - Por que os camelos têm corcova?
Mãe: - Bem, meu filhinho, nós somos animais do deserto, precisamos das corcovas para
reservar água, por isso mesmo somos conhecidos por sobreviver sem água.
Bebê: Certo, e por que nossas pernas são longas e nossas patas arredondadas?
Mãe: - Filho, certamente elas são assim para permitir caminhar no deserto. Sabe, com
essas pernas eu posso me movimentar pelo deserto melhor do que qualquer um, disse a mãe
toda orgulhosa.
Bebê: Certo! Então, por que nossos cílios são tão longos? De vez em quando, eles
atrapalham minha visão.
Mãe : - Meu filho! Esses cílios longos e grossos são como uma capa protetora para os
olhos. Eles os protegem quando atingidos pela areia e pelo vento do deserto!
Bebê: - Tá. Então a corcova é para armazenar água enquanto cruzo deserto, as pernas
para caminhar através do deserto e os cílios são para proteger meus olhos do deserto. Então,
que diabos estamos fazendo aqui no zoológico?

89
NOSSOS SONHOS
Ele era um jovem que morava no Centro Oeste dos Estados Unidos. Por ser filho de um
domador de cavalos, tinha uma vida quase nômade, mas desejava estudar. Perseguia o ideal da
cultura. Dormia nas estrebarias, trabalhava os animais fogosos e, nos intervalos, à noite, ele
procurava a escola para iluminar a sua inteligência.
Em uma dessas escolas, certa vez, o professor pediu a cada aluno que relatasse o seu
sonho. O que desejariam para a vida deles.
O jovem, tomado de entusiasmo, escreveu sete páginas. Desejava no futuro, possuir uma
área de 80 hectares e morar numa enorme casa de 400 metros quadrados. Desejava ter uma
família muito bem constituída.
Tão entusiasmado estava que não somente descreveu, mas desenhou como ele sonhava
a casa, as cocheiras, os currais, o pomar. Tudo nos mínimos detalhes. Quando entregou o seu
trabalho, ficou esperando, ansioso, as palavras de elogio do seu mestre.
Contudo, três dias depois, o trabalho lhe foi devolvido com uma nota sofrível. Depois da
aula, o professor o procurou e disse-lhe:
- O seu é um sonho absurdo. Imagine, você é filho de um domador de cavalos e será um
simples domador de cavalos. Escreva sobre um sonho que possa tornar-se realidade e eu lhe
darei uma nota melhor.
O jovem foi para casa muito triste e contou ao pai o que acontecido. Depois de ouvi-lo, com
calma, o pai lhe disse:
- O sonho é seu, meu filho, faça dele o que quiser. Essa sua: persistir nesse sonho ou
procurar outro.
O jovem meditou e, no dia seguinte, entregou a mesma página ao professor. Disse-lhe que
ficaria com a nota ruim, mas não abandonaria o seu sonho.
Essa história foi contada para várias criança pelo dono de um rancho de 80 hectares, que
tem uma família muito bem construída e uma enorme casa de 400 metros quadrados perto de um
colégio famoso dos Estados Unidos, o qual empresta para crianças pobres passarem os fins de
semana.
Um dia, o professor se apresentou, por ter identificado no proprietário o antigo aluno, e
confessou:
- Fico feliz que o seu sonho tenha escapado da minha inveja. Naquela época eu era um
atormentado. Tinha inveja das pessoas sonhadoras. Destruí muitas vidas. Roubei o sonho de
muitos jovens idealistas. Graças a Deus, não consegui destruir o seu sonho, que faz bem a
tantas pessoas. Como é bonito ter sonhos! Sonhar é da natureza humana. Tudo que existe no
mundo, um dia foi elaborado, pensado e meditado por alguém. Antes de ser concretizado em
cimento, mármore, madeira ou papel, foi um sonho !

90
NUNCA EMPREGUE A FORÇA
Eu percebia que aquilo aborrecia os meus pais, porém pouco me importava com isso.
Desde que obtivesse o que queria, dava-me por satisfeito. Mas, está claro, se eu importunava e
agredia as pessoas, elas passaram a tratar-me de igual maneira. Cresci um pouco e, de certa
feita, apercebi-me de que a situação era desconfortante e me preocupei sem, entretanto, saber
como me modificar.
O aprendizado me foi dado em um domingo em que fui, com meus pais e meus irmãos,
passar o dia no campo. Corremos e brincamos muito até que, para descansar um pouco, me dirigi
à margem do riacho que coleava entre um pequeno bosque e os campos. Ali encontrei uma coisa
que parecia uma pedra capaz de andar. Era uma tartaruga. Examinei-a com cuidado, e, quando
me aproximei mais, o estranho animal encolheu-se e fechou-se dentro de sua casca. Foi o que
bastou. Imediatamente, desejei que ela saísse e, tomando um pedaço de galho, comecei a
cutucar os orifícios que havia na carapaça. Mas os meus esforços resultavam em vão, e eu
estava ficando, como sempre, impaciente e irritado.
Foi quando meu pai se aproximou de mim, olhou por um instante o que eu estava fazendo
e, em seguida, agachando-se, disse calmamente:
- Meu filho, você está perdendo o seu tempo. Não vai conseguir nada, mesmo que fique
um mês cutucando a tartaruga. Não é assim que se faz. Venha comigo e traga o bichinho.
Acompanhei-o, e ele se deteve perto da fogueira que havia aceso com gravetos do
bosque. Disse-me:
- Coloque a tartaruga aqui, não muito perto do fogo. Escolha um lugar morno e agradável.
Eu obedeci. Dentro de alguns minutos, sob a ação do leve calor, a tartaruga pôs a cabeça
de fora e caminhou tranquilamente em direção a mim. Fiquei muito satisfeito, e meu pai observou:
- Filho, as pessoas podem ser comparadas às tartarugas, Ao lidar com elas, procure nunca
empregar a força. O calor de um coração generoso pode, às vezes, levá-las a fazer exatamente o
que queremos, sem que se aborreçam conosco e até com satisfação e espontaneidade.

91
O ANJO DA VIDA
Duas mulheres, uma anciã e uma jovem viúva, estavam sentadas em um quarto, na
penumbra. Seus vestidos de luto faziam com que do rosto e das mãos delas emanasse uma
pálida claridade. As mãos da jovem seguravam o retrato do marido que acabara de perder a vida
em um acidente. Tinham-no enterrado na manhã daquele dia.
Por muito tempo, as duas mulheres ficaram sentadas, sem palavras e sem lágrimas.
Finalmente a anciã tirou das mãos da neta o retrato do marido e disse-lhe com voz baixa:
- Filha, ouve o que quero dizer-te.
A jovem não respondeu, mas a anciã começou a falar:
- Quando Deus me deu o primeiro filho, aconteceu que ele ficou doente, e eu, sentada à
noite ao seu lado, com uma mão no berço, adormeci. Tive um sonho muito estranho: detrás de
uma cortina longa e densa saiu um anjo escuro e aproximou-se do berço, querendo levar o meu
filho. Estendi logo as mãos sobre o berço e gritei: "Não, Morte, não te deixo levar o meu filho!"
O anjo sorriu e disse:
- Não me chamo Morte, chamo-me Vida! Preciso levar o teu filho. Ou preferes trocar?
Queres este em lugar do bebê? E, erguendo ele a cortina, apareceu um menino bonito e forte, de
pele clara, olhos e cabelos louros em caracóis. Mas, para mim, era apenas um estranho. Então,
gritei:
- Não, não o quero! Antes de meu filho, mata-me.
- Ninguém pode matar - replicou o anjo. - Precisas concordar com a troca!
- Talvez prefiras este.
O menino de cachos dourados desapareceu, e em seu lugar apareceu um jovem.
- Toma este! Vê como ele é belo, tem membros bem proporcionados, corpo e alma com
forças vibrantes.
- Não, não! - gritei outra vez.
E o anjo disse:
- Mas este amarás com certeza. - E mostrou-me a imagem de um homem de barba escura,
bronzeado pelo sol e pelos ventos.
- Não - voltei a gritar -, nunca o amarei! Vou odiá-lo!
- E este aqui?- o anjo continuou a insistir
Era um velho de ombros largos e cabelos grisalhos.
- Não, não, não! Jamais trocarei. Vai embora e não toques no meu filhinho!
O anjo sorriu outra vez, dizendo:
- Certamente irás trocar e serás feliz. Vida e morte são uma coisa só. A morte não existe.
Assim dizendo, desapareceu. Acordei trêmula ao lado do berço do meu filho, que estava
dormindo tranquilamente.

92
Os anos passaram e eu fui trocando: o bebê pelo menino, o menino pelo jovem, o jovem
pelo homem e o homem pelo velho. E fui me lembrando de cada um como o tinha visto no sonho.
O grisalho, tu o conheces: é meu filho, teu pai!
A anciã se calou. E a jovem viúva ergueu o retrato do marido, dizendo:
- Mas isso aqui não é troca, é roubo!
- Espera - disse a anciã -, ainda não terminei. Na noite seguinte o sonho se repetiu. Vi
outra vez o menino, o jovem, o homem e o velho, e não quis saber nada deles. Mas, depois de
mostrar-me tudo como na noite anterior, o anjo disse:
- Até aqui era só por brincadeira. Agora precisas aceitar uma bem mais difícil: aceita este
em troca!
- Mas não vejo ninguém! - exclamei.
- Não podes vê-lo - replicou o anjo.
- Mas também não ouço ninguém.
- Pois ele não se deixa ouvir - respondeu o anjo.
Eu tateava ao redor: "Ninguém está aqui!”
E o anjo disse:
- Tampouco podes apalpá-lo.
- Então zombas de mim?
- Não. Tu não me entendes. Vou falar de outra maneira: Tu me darias os teus olhos em
troca do filho?
- Leva-os! - gritei.
Logo caiu uma escuridão profunda sobre mim, mas ouvia ainda a respiração tranquila do
meu filho, como se fosse uma brisa noturna deliciosa.
- Mas não é ainda suficiente - disse o anjo. - Dá-me a tua audição.
- Leva-a! - ordenei e peguei o corpinho de meu filho com as duas mãos, beijando-o
ternamente
- Mas ainda não é suficiente - exigiu o anjo novamente. - Dá-me todos os teus sentidos.
- Leva-os todos! - gritei e afundei no nada.
- Onde está o meu filho? Onde?
- Podes crer: ele vive. O que desaparece dos sentidos nem por isso está morto. A morte
não existe. Deus criou só a vida. Entendes agora?
Depois dessas palavras do anjo, acordei. Muitas vezes, tenho meditado sobre o que o anjo
disse e, paulatinamente, comecei a compreender. Somos servos dos nossos sentidos, mas Deus,
como Senhor dos mil sentidos, consegue transformar o que amamos mil vezes. São
transformações que não nos permitem ver, nem ouvir, nem apalpar. É por isso que falamos da
morte.

93
Mas a morte não existe. A vida rouba e dá sem cessar. Atrás da porta já espera outra
formação, outro ser. Se soubermos disso, qualquer sofrimento poderá transformar-se em alegria
antecipada.
A anciã calou-se. Depois de algum tempo, a jovem viúva repousou a cabeça nas mãos da
velha, perguntando:
- Quem te ensinou tudo isso, amada avó?
- A vida, minha filha, a vida...
Uma lágrima caiu sobre a cabeça da jovem, e a anciã acrescentou:
-...e a morte!

94
O APRENDIZ
Um aprendiz, na esperança de impressionar bem o seu mestre, leu alguns manuais de
magia e resolveu comprar os materiais indicados nos textos.
Com muita dificuldade, conseguiu determinado tipo de incenso, alguns talismãs, uma
estrutura de madeira com caracteres sagrados escritos numa ordem determinada
Vendo isso, o mestre comentou:
- Você acredita que, enrolando fios de computador no pescoço conseguirá ter a agilidade
da máquina? Acredita que, ao comprar chapéus e roupas sofisticadas, vai adquirir também o bom
gosto e a sofisticação de quem as criou?
Meio timidamente, o aprendiz abaixou a cabeça, e, antes que pudesse responder, o mestre
continuou:
- Os objetos podem ser seus aliados, mas não contêm, neles mesmos, qualquer tipo de
conhecimento e sabedoria. Pratique primeiro a disciplina, o estudo e a meditação, e tudo o mais
Ihe será acrescentado.

95
O CAÇADOR E O CONTEMPLATIVO
Um caçador do deserto encontrou, por acaso, um contemplativo sentado no deserto de
areia, a mão sobre seu bastão e o braço em torno de um falcão de feio aspecto, aninhado em seu
peito.
O caçador lhe disse:
- Como é possível que um homem como você, que se devotou aos negócios do Outro
Mundo, possa dar importância a uma coisa tão insignificante quanto um pássaro, que, além de
tudo, é uma ave de rapina?
O sábio disse-lhe:
- Responda à seguinte pergunta e tua resposta será idêntica à minha resposta: Por que
razão levas um punhal, que vejo pendurado ao teu lado, posto que tu deverias ter no coração o
bem de teu semelhante?
O caçador disse:
- Esta faca está aqui para me proteger contra a crueldade dos leões do deserto que, por
mais de uma vez, saltaram sobre mim do esconde- rijo onde estavam. Sem o punhal, eu não
poderia ter sobrevivido e não estaria aqui agora, vivo, para responder à tua pergunta.
O santo disse-lhe:
- Se eu passasse todo meu tempo a contemplar e negligenciasse de consolar as criaturas
de Deus, você poderia me tomar por um santo, quando em realidade eu teria me tornado incapaz
de fazer qualquer outra coisa, de maneira que os impulsos superiores não mais me tocariam. E
você, se você caçasse o leão desde a manhã até a noite, passaria aos olhos das pessoas por um
caçador intrépido quando, na verdade, essa paixão te teria tornado incapaz de fazer qualquer
outra coisa que fosse caçar. Tu te terias tornado inapto para fazer a experiência da coisas deste
mundo. Eu teria me tornado incapaz de fazer a experiência do Outro Mundo.

96
O CAÇADOR MEDROSO
Um caçador procurava o rastro de um leão. Perguntou, então, a um lenhador
- Se o senhor visse o rastro de um leão, saberia onde ele mora?
- Vou mostrar-lhe o animal - respondeu o lenhador
Pálido de medo e batendo os dentes, o caçador exclamou:
- Não estou procurando o leão, estou procurando o rastro dele.
Assim é o medroso metido a valente: só é audacioso nas ideias.

97
O CORAÇAO MAIS BELO
Conta a lenda que um jovem estava no centro da cidade, proclamando ter o coração mais
belo da região. Uma multidão o cercou, e todos admiraram o seu coração. Não havia marca ou
qualquer outro defeito.
Todos concordaram que aquele era o coração mais belo que já tinham visto, e o jovem
continuou muito orgulhoso por seu belo coração, até que, de repente, um velho apareceu diante
da multidão e disse:
- Por que o coração do jovem não é tão bonito quanto o meu?
A multidão e o jovem olharam para o coração do velho, que estava batendo com vigor, mas
tinha muitas cicatrizes. Havia locais em que pedaços tinham sido removidos e outros tinham sido
colocados no lugar, mas eles não encaixavam direito, causando muitas irregularidades. Em
alguns pontos do coração faltavam pedaços.
O jovem olhou para o coração do velho e disse:
- O senhor deve estar brincando... Compare nossos corações. O meu está perfeito, intacto,
e o seu é uma mistura de cicatrizes
- Sim - disse o velho. - Olhando, o seu coração parece perfeito mas eu não trocaria o meu
pelo seu. Veja, cada cicatriz representa uma pessoa para a qual eu dei o meu amor. Tirei um
pedaço do meu coração e dei a cada uma dessas pessoas. Muitas delas deram-me também um
pedaço do próprio coração para que eu colocasse no meu, mas como os pedaços não eram
exatamente iguais, há irregularidades. Mas eu as estimo, porque me fazem lembrar do amor que
compartilhamos.
Cheio de emoção, continuou:
- Algumas vezes, dei pedaços do meu coração a quem não me retribuiu, por isso há
buracos. Eles doem. Ficam abertos, lembrando-me do amor que senti por essas pessoas.. Um
dia espero que elas retribuam, preenchendo esse vazio.
Silenciou um pouco e perguntou:
- E aí, jovem, agora você entende o que é a verdadeira beleza?
O jovem ficou calado, e lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Ele aproximou-se do velho.
Tirou um pedaço de seu perfeito e jovem coração e ofereceu ao velho, que retribuiu o gesto.
O jovem olhou para o seu coração, não mais perfeito como antes, mas mais belo que
nunca. Os dois se abraçaram e saíram caminhando lado a lado. O jovem ficou pensando: "Como
deve ser triste passar a vida com o coração intacto"

98
O COVARDE E O CORAJOSO
Um homem que vivia perto de um cemitério, uma noite, ouviu uma voz que o chamava de
uma sepultura. Sendo covarde demais para sozinho, investigar o que se passava, confiou o
ocorrido a um corajoso amigo que, após estudar o local de onde saíra a voz, resolveu vir, à noite,
para ver o que estava acontecendo
Anoiteceu. Enquanto o covarde tremulava de medo, seu amigo foi ao cemitério e ouviu a
mesma voz saindo de uma sepultura. O amigo perguntou à voz quem era e o que desejava. A
voz, vinda de baixo, respondeu
- Sou um tesouro oculto e decidi dar-me a alguém. Eu me ofereci a um homem ontem à
noite, mas ele era tão medroso que não veio me buscar; por isso dou-me a você que é
merecedor. Amanhã de manhã irei à sua casa com meus sete seguidores.
O homem corajoso disse:
- Estarei esperando por vocês, mas, por favor, diga-me como devo tratá-los.
A voz replicou:
- Iremos vestidos de monge. Tenha uma sala pronta para nos com água; lave o seu corpo,
limpe a sala e tenha oito cadeiras e oito tigelas de sopa para nós. Depois da refeição, você
deverá conduzir a cada um de nós a um quarto fechado, no qual nos transformaremos em potes
cheios de ouro.
Na manhã seguinte, o homem lavou o corpo e limpou a sala, como lhe fora ordenado, e
ficou à espera dos oito monges. A hora aprazada, eles apareceram, sendo cortesmente recebidos
pelo homem. Depois que tomaram a sopa, ele os conduziu, um por um, ao quarto fechado, onde
cada monge se transformou em um pote cheio de ouro.
Quanto ao covarde, quando ouviu que a voz da sepultura havia trazido riqueza ao seu
corajoso amigo, foi até a casa dele e, avidamente, pediu-lhe o ouro, insistindo que era seu,
porque a voz foi dirigida primeiramente a ele. Quando o medroso tentou pegar os potes, neles
encontrou apenas cobras, erguendo as cabeças prontas para atacá-lo
O rei, tomando conhecimento desse fato, determinou que os potes pertenciam ao homem
corajoso e proferiu a seguinte observação:
- Assim se passa com tudo neste mundo. Os tolos cobiçam apenas os bons resultados,
mas são covardes demais para procurá-los, por isso, estão continuamente falhando. Não têm fé
nem coragem para enfrentar as profundas lutas da mente, com as quais, exclusivamente, pode-
se atingir a verdadeira paz e harmonia.

99
O DESAFIO
Num belo dia, um monge querendo avaliar a criatividade de dois de seus melhores
discípulos propôs um desafio nada convencional
- Amanhã pela manhã, eu tenho um desafio para vocês. Estou passando 150 gramas de
feijão cru e mais estas botas apertadas. Coloquem metade da porção de feijão em cada uma das
botas. Vistam as botas e subam ao topo daquele monte. Quero ver como cada um de vocês se
comporta com essa dificuldade e quem chega primeiro no cume do morro.
- Espero vocês amanhã às 8 horas.
Os dois discípulos seguiram cada um para seu quarto e no dia seguinte encontraram o
monge e rumaram para o grande monte. Dada a largada, um dos discípulos logo assumiu a
dianteira e chegou rapidamente ao cume do monte, enquanto o outro ficou pelo caminho
mancando e andando vagarosamente.
O monge impressionado seguiu na direção do vencedor e perguntou
- Como é que você conseguiu chegar ao cume do monte sem nenhuma dificuldade, já que
a proposta do desafio era subir com as com 150 gramas de feijão dentro. Como estão seus pés?
- Estão bem, respondeu.
- Como assim, indagou o monge.
- Simples, ontem a noite cozinhei o feijão por muito temo e só depois os coloquei nas
botas.

100
O ESPINHAL
Certa vez, um homem perguntou a um rabino:
- Por que Deus escolheu um espinhal para falar com Moisés?
O rabino respondeu:
- Se ele tivesse escolhido uma oliveira ou uma amoreira, você teria feito a mesma
pergunta. Mas não posso deixá-lo sem uma resposta: Deus escolheu um mísero e pequeno
espinhal para ensinar que não há nenhum lugar na Terra onde ele não esteja presente.

101
O FIO DA CAUDA DE UM
GRANDE LEÃO
Numa aldeia nas montanhas da Etiópia, um rapaz e uma moça se apaixonaram e se
casaram. Por algum tempo, foram perfeitamente felizes, mas então os problemas chegaram à
casa deles. Começaram a ver os erros um do outro nas pequenas coisas ele a acusava de gastar
muito no mercado, ela o acusava de estar sempre atrasado. Não se passava um dia sem uma
discussão sobre dinheiro, sobre trabalho doméstico, sobre amigos. As vezes, ficavam tão bravos
que gritavam, berravam impropérios e iam para a cama sem se falar, o que só piorava as coisas.
Depois de alguns meses, ela achou que não aguentava mais aquilo e procurou um juiz
velho e sábio para pedir o divórcio.
- Por que? - perguntou ele. - Há menos de um ano que se casaram. Você não ama seu
marido?
- Sim, nós nos amamos, mas as coisas não vão nada bem
- Como assim, não vão nada bem?
- Ah, brigamos muito, ele faz coisas que me irritam. Deixa roupas espalhadas pela casa
toda, corta as unhas do pé na sala e deixa pelo chão, chega tarde a casa. Sempre que eu quero
fazer alguma coisa, ele quer fazer outra. Não podemos viver juntos.
- Entendo -disse o velho juiz. - Talvez eu possa ajudá-los. Conheço um remédio mágico
que vai fazer vocês se darem muito melhor. Se eu lhe der esse remédio, vai parar de pensar em
divórcio?
- Claro! - gritou ela. - Qual é o remédio?
- Calma - disse o juiz. - Para fazer o remédio preciso de um fio da cauda de um grande
leão que vive perto do rio. Você tem que trazer esse fio para mim.
- Mas como vou conseguir isso?-perguntou a mulher. - O leão vai me matar!
- Nisso não posso ajudar- disse o velho, abanando a cabeça.- Entendo muito de remédios,
mas não entendo nada de leões. Você tem que descobrir um meio. Vai tentar?
A jovem esposa refletiu longamente. Amava muito o marido, e o remédio ia salvar-lhe o
casamento. Resolveu buscar o pelo do leão
Na manhã seguinte, foi ao rio e se escondeu atrás de uma pedra. Pouco tempo depois, o
leão veio beber água. Quando viu as patas enormes, ela ficou tremendo de medo. O leão abriu a
boca, mostrando os dentes afiados, e ela quase desmaiou. Então, o leão deu um rugido, e ela
saiu correndo para casa.
Mas, na manha seguinte, ela voltou ao rio, trazendo um saco de carne fresca. Deixou a
carne no capim da margem, a duzentos metros do leão, e ficou escondida atrás da pedra
enquanto ele comia.
No dia seguinte, voltou e pôs o pedaço de carne a cem metros do leão; no outro dia, pôs a
carne a cinquenta metros do leão e não se escondeu enquanto ele comia.
Assim, a cada dia chegava mais perto do leão, até que um dia chegou tão perto que pôde
atirar-lhe a carne na boca. No outro dia, o leão veio comer em sua mão. Tremia ao ver os dentes
enormes rasgando a carne, mas tinha mais amor ao marido do que medo do leão. Muito
lentamente, ela abaixou-se e arrancou um fio do pelo da cauda da fera.
102
Voltou correndo ao juiz
- Olhe!- gritou ela. - Trouxe um pelo do leão!
O velho pegou o fio e examinou-o atentamente.
- Foi muita coragem sua - diss ele. - E precisou de muita paciência, não?
- Ah, sim - disse ela. - Agora me dê o remédio para salvar meu casamento!
O velho juiz abanou a cabeça.
- Não tenho mais nada a lhe dar.
- Mas o senhor prometeu! - exclamou a jovem esposa.
- Então não vê? - perguntou ele com carinho. - Já tem o remédio de que precisa. Você
estava decidida a fazer o que fosse preciso, por mais que demorasse, para ter o remédio mágico
para seus problemas. Mas mágica não existe. Só existe a sua determinação. Você e seu marido
se amam. Se os dois tiverem a paciência, a determinação e a coragem que você demonstrou
para trazer esse pelo do leão, serão muito felizes. Pense nisso.
E a mulher voltou para casa com novas resoluções.

103
O IDEAL
Um homem, cansado de procurar a felicidade, resolve procurar um mago:
- Que queres, filho? Procuras-me com tanta insistência...-perguntou o mágico.
- Quero riquezas. Desejo possuir largos cabedais, muitas fazendas, ouro e prata. Aspiro
ser um Creso.
- Dar-te-ei o que pretendes, filho; porém, previno-te de que de novo me buscarás, porque
não te sentirás satisfeito.
O tempo passou e um belo dia o homem chamou o mago:
- Aqui estou, filho, que desejas de mim, uma vez que me buscas com tanto interesse?
- Quero saúde, força, vigor físico, resistência. Invejo o Hércules, o Urso, os Titãs.
- Terás o que solicitas de mim, filho. Não obstante advirto-te: de novo me procurarás,
porque não te sentirás satisfeito.
Alguns dias se passaram e...
- Eis-me aqui, filho. Porque estás assim aflito e me chamas com tamanha impaciência?
- Mago, tenho sede de domínio, de poder, de autoridade. Meu desejo é governar e
conquistar reinos, dominar nações, imperando sobre povos e raças. Tenho por modelos Napoleão
e Júlio César.
- Será deferida a tua petição, filho, contudo, permite que observe: de novo me
demandarás, porque não te sentirás satisfeito.
Alguns dias se passaram e...
- Porque bates assim sofregamente nos tabernáculos eternos, filho? Sossega, acalma-te e
fala.
- Mago, sou ávido de glórias; a fama me fascina, a notoriedade me arrebata. Nenhuma
alegria terei enquanto não lograr este meu intento. Quero perceber sobre a fronte a coroa de
louros que ostentaram os sábios, os grandes poetas, os escritores célebres.
- Serás atendido, alcançando o que tanto ambicionas. Todavia, aviso-te de que de novo
voltarás à minha procura, porque não te sentirás satisfeito.
Finalmente, um dia, ele chama o mago novamente e diz:
- Mago, quero amar e ser amado. Sinto incontido anseio de expandir meu coração. Vejo-
me constrangido em uma atmosfera asfixiante. Meu sonho é amar amplamente,
incomensuravelmente. Meu maior desejo é sentir palpitar em mim a vida de todos os seres.
Quero amar com toda a capacidade do meu coração, assim como os pulmões sadios respiram na
floresta, nos montes, nos campos e nos bosques! Meu ideal é Jesus, Maomé, Gandhi e muitos
outros que morreram por amor à humanidade
- Seja bendito, meu filho. Terás aquilo a que tão sabiamente aspiras. Não me procurarás
mais, porque sentirás em ti a plenitude da vida.

104
O JARDINEIRO
Nos Estados Unidos, a maioria das residências tem, por tradição, na frente, um lindo
gramado. E, para este serviço, há diversos jardineiros autônomos que fazem reparos nesses
jardins.
Um dia, um executivo de marketing de uma grande empresa americana contratou um
desses jardineiros. Chegando à sua casa, o executivo viu que estava contratando um garoto de
apenas 18 anos de idade. Claro que o executivo ficou surpreso. Quando o garoto terminou o
serviço, solicitou ao executivo a permissão para utilizar o telefone.
O executivo, encantado com a educação do garoto, prontamente atendeu ao pedido e,
muito curioso com a atitude do garoto, não pôde deixar de escutar a conversa.
O garoto havia ligado para uma senhora e perguntara:
- A senhora está precisando de um jardineiro?
- Não. Eu já tenho um - respondeu a senhora.
- Mas, além de aparar, eu também tiro o lixo.
- Isso o meu jardineiro também faz.
- Eu limpo e lubrifico todas as ferramentas no final do serviço - disse o garoto.
- Mas isso o meu jardineiro também faz.
- Eu faço a programação de atendimento o mais rápido possível.
- O meu jardineiro também me atende prontamente
- O meu preço é um dos melhores.
- Não, muito obrigada! O preço do meu jardineiro também é muito bom.
Quando o garoto desligou o telefone, o executivo lhe perguntou:
- Você perdeu um cliente?
- Não - respondeu o garoto. - Eu sou o jardineiro dela. Eu apenas estava verificando o
quanto ela estava satisfeita com o meu serviço.

105
O JOVEM E O AMOR
Conta-Se que um jovem caminhava pelas montanhas nevadas da velha índia, absorvido
em profundos questionamentos sobre o amor, sem poder solucionar suas ansiedades.
Ao longo do caminho, à sua frente, percebeu que vinha em sua direção um velho sábio. E,
porque se demorava em seus pensamentos sem encontrar uma resposta que lhe aquietasse a
alma, resolveu pedir ao sábio que o ajudasse.
Aproximou-se e disse com verdadeiro interesse:
- Senhor, desejo encontrar minha amada e construir com ela uma família com bases no
verdadeiro amor. Todavia, sempre me vem à mente uma jovem bela e graciosa e eu a olho com
atenção; em meus pensamentos, ela vai se transformando rapidamente. Seus cabelos tornam-se
alvos como a neve, sua pele rósea e firme fica pálida e se enche de profundos vincos. Seu olhar
vivaz perde o brilho e parece perder-se no infinito. Sua forma física se modifica acentuadamente
e eu me apavoro. Desejo saber, meu sábio, como é que o amor poderá ser eterno, como falam os
poetas?
Nesse mesmo instante aproxima-se de ambos uma jovem envolta em luto, trazendo no
rosto expressões de profunda dor. Dirige-se ao sábio e diz-lhe com voz embargada:
- Acabo de enterrar o corpo de meu pai, que morreu antes de completar 50 anos. Sofro
porque nunca poderei ver sua cabeça branca aureolada de conhecimentos, seu rosto marcado
pelas rugas da experiência, nem seu olhar amadurecido pelas lições da vida. Sofro porque não
poderei mais ouvir suas histórias sábias nem contemplar seu sorriso de ternura. Não verei suas
mãos enrugadas tomando as minhas com profundo afeto.
Nesse momento, o sábio dirigiu-se ao jovem e disse-lhe com serenidade:
- Você percebe agora as nuanças do amor sem ilusões, meu jovem? O amor verdadeiro é
eterno porque não se apega ao corpo físico, mas afeiçoa-se ao ser imortal que o habita
temporariamente. É nesses sentimentos sem ilusões nem fantasias que reside o verdadeiro e
eterno amor.
A lição do velho sábio é de grande valia para todos nós que buscamos as belezas da forma
física sem observar as grandezas da alma imortal. O sentimento que valoriza somente as
aparências exteriores não é amor, é paixão ilusória. O amor verdadeiro observa, além da
roupagem física que se desgasta e morre, a alma, que se aperfeiçoa e deixa a roupagem quando
chega a hora, para prosseguir na imortalidade.

106
O LIVRO SAGRADO
Há muitos anos, existiu um homem muito rico que, no dia do seu aniversário, convocou a
criadagem à sua sala para que recebessem presentes. Colocou-os a sua frente na seguinte
ordem: cocheiro, jardineiro, cozinheira, arrumadeira e o pequeno mensageiro.
Em seguida, dirigindo-se a eles, explicou o motivo de os haver chamado e, por fim, fez-lhes
uma pergunta, esperando de cada um a sua própria resposta. Essa foi a pergunta feita:
- O que prefere você receber agora: este livro sagrado ou este valor em dinheiro?
- Eu gostaria de receber o livro - respondeu, pela ordem, o cocheiro. - Mas como não
aprendi a ler, o dinheiro me será muito mais útil!
Recebeu, então, a nota, de valor elevado na época, e agradeceu ao patrão, que lhe pediu
que permanecesse em seu lugar.
Era a vez do jardineiro fazer a sua escolha. Escolhendo bem as palavras, ele disse:
- Minha mulher está adoentada e, por essa razão, tenho necessidade do dinheiro; em outra
circunstância escolheria, sem dúvida, o livro.
Como aconteceu com o primeiro, ele também permaneceu na sala depois de receber o
valor das mãos do patrão. Agora, pela ordem, falara a cozinheira, que teve tempo de elaborar
bem a sua resposta:
- Eu sei ler, porém nunca encontro tempo para sequer folhear uma revista; portanto, aceito
o dinheiro para comprar um vestido novo.
- Eu já possuo um livro e não preciso de outro; assim, prefiro o dinheiro - informou a
arrumadeira, em poucas palavras
Finalmente, chegou a vez do menino de recados. Sabendo-o bastante necessitado, o
patrão adiantou-se em dizer-lhe:
- Certamente você também irá preferir dinheiro para comprar uma nova sandália, não é
isso, meu rapaz?
- Muito obrigado pela sugestão. De fato estou precisando muito de um calçado novo, mas
vou preferir o livro. Minha mãe me ensinou que o conhecimento é mais desejável do que o ouro...
- disse o pequeno mensageiro.
Ao receber o bonito volume, o menino, feliz, o abriu e, nisso, caiu aos seus pés uma
moeda de ouro. Virando outras páginas, foi deparando com outros valores em notas. Vendo isso,
os outros criados perceberam o seu erro e, envergonhados, deixaram o recinto.
A sós com o menino, disse-lhe, comovido, o patrão:
- Que Deus o abençoe, meu filho, e também à sua mãe, que tão bem o ensinou a valorizar
a verdadeira riqueza.

107
O MESTRE E O ERMITÃO
Um mestre ouviu falar de um ermitão que tinha fama de santo e morava numa montanha.
Resolveu ir encontrá-lo. Quando o mestre chegou à morada do ermitão, ele perguntou-lhe:
- De onde você vem?
O mestre respondeu:
- Venho de onde minhas costas apontam e vou para onde está voltado o meu rosto. - E
acrescentou, olhando para o ermitão:
- Um sábio deveria saber disso.
Mas o ermitão não se conteve e retrucou:
- É uma resposta tola e metida a filosófica
O mestre, querendo saber mais sobre a vida do ancião, perguntou:
- E o senhor, o que faz?
- Eu medito há vinte anos sobre a perfeição da paciência e estou perto de ser considerado
santo.
O mestre, para irritar o ermitão, disse:
- As pessoas acham que você já se transformou no que desejava. Você conseguiu enganar
todo mundo!
Furioso, o ermitão levantou-se e, aos gritos, retrucou:
- Como ousa perturbar um homem que busca a santidade?
- Ainda falta muito para chegar a isso - disse o mestre. - Se uma simples brincadeira o faz
perder a paciência que tanto busca, esses vinte anos foram uma completa perda de tempo!

108
O MONGE E A PROSTITUTA
Vivia um monge nas proximidades do templo de Shiva. Na casa em frente ao templo
morava uma prostituta. Observando a quantidade de homens que a visitavam, o monge resolveu
chamá-la.
- Você é uma grande pecadora - repreendeu-a. Desrespeita a Deus todos os dias e todas
as noites. Será que você não consegue parar e refletir sobre a sua vida depois da morte?
A pobre mulher ficou muito abalada com as palavras do monge e, com sincero
arrependimento, orou a Deus, implorando perdão. Pediu também que o Todo-poderoso a fizesse
encontrar uma nova maneira de ganhar o seu sustento.
Mas não encontrou nenhum trabalho diferente. E, depois de uma semana passando fome,
voltou a prostituir-se. Mas, cada vez que entregava seu corpo a um estranho, rezava e pedia
perdão.
O monge, irritado porque seu conselho não produzira nenhum efeito, pensou consigo
mesmo: "A partir de agora, vou contar quantos homens entram naquela casa, até o dia da morte
desta pecadora”.
E, desde esse dia, ele não fazia outra coisa a não ser vigiar a rotina da prostituta: a cada
homem que entrava, colocava uma pedra num monte.
Passado algum tempo, o monge tornou a chamar a prostituta e disse-lhe:
- Vê este monte? Cada pedra dessas representa um dos pecados morais que você
cometeu, mesmo depois de minhas advertências. Agora torno a dizer: cuidado com as más
ações!
A mulher começou a tremer, percebendo como se avolumavam seus pecados. Voltando
para casa, derramou lágrimas de sincero arrependimento, orando:
- Ó Senhor, quando irás me livrar desta miserável vida que levo?
Sua prece foi ouvida. Naquele mesmo dia, o anjo da morte passou por sua casa e a levou.
Por vontade de Deus, o anjo atravessou a rua e também carregou o monge consigo.
A alma da prostituta subiu imediatamente ao céu, enquanto os demônios levaram o monge
ao inferno. Ao cruzarem no meio do caminho, o monge viu o que estava acontecendo e clamou:
- Ó Senhor, essa é a tua justiça? Eu, que passei a minha vida em devoção e pobreza,
agora sou levado ao inferno, enquanto essa prostituta, que viveu em constante pecado, está
subindo ao céu!
Ouvindo isso, um dos anjos respondeu
- São sempre justos os desígnios de Deus. Você achava que o amor de Deus se resumia a
julgar o comportamento do próximo. Enquanto você enchia seu coração com a impureza do
pecado alheio, essa mulher orava fervorosamente dia e noite. A alma dela ficou tão leve depois
de chorar que podemos levá-la até o paraíso. A sua alma ficou tão carregada de pedras que não
conseguimos fazê-la subir até o alto.

109
O OLEIRO E O POETA
Há muito tempo, na cidade de Zahlé, ocorreu uma rixa entre um jovem poeta, de nome
Fauzi, e um oleiro, chamado Nagib.
Para evitar que o tumulto se agravasse, eles foram levados à presença do juiz do lugarejo.
O juiz, homem íntegro e bondoso, interrogou primeiramente o oleiro, que parecia muito
exaltado
- Disseram-me que você foi agredido? Isso é verdade?
- Sim, senhor juiz. - confirmou o oleiro.- Fui agredido em minha própria casa por esse
poeta. Eu estava, como de costume, trabalhando em minha oficina quando ouvi um ruído e, a
seguir, um baque. Quando fui à janela, pude constatar que o poeta Fauzi havia atirado com
violência uma pedra, que partiu um dos vasos que estava a secar perto porta. Exijo uma
indenização! - gritava o oleiro.
O juiz voltou-se para o poeta e perguntou-lhe serenamente:
- Como justifica o seu estranho proceder?
- Senhor juiz, o caso é simples - disse o poeta. - Há três dias eu passava pela frente da
casa do oleiro Nagib, quando percebi que ele declamava um dos meus poemas. Notei, com
tristeza, que os versos estavam errados. Meus poemas eram mutilados pelo oleiro. Aproximei-me
dele e ensinei-lhe a declamá-los da forma certa, o que ele fez sem grande dificuldade. No dia
seguinte, passei pelo mesmo lugar e ouvi novamente o oleiro a repetir os mesmos versos de
forma errada. Cheio de paciência tornei a ensinar-lhe a maneira correta e pedi-lhe que não
tornasse a deturpá-los. Hoje, finalmente, regressava do trabalho quando, ao passar diante da
casa do oleiro, percebi que ele declamava minha poesia estropiando as rimas e mutilando
vergonhosamente os versos. Não me contive. Apanhei uma pedra e parti com ela um de seus
vasos. Como vê, meu comportamento nada mais é do que uma represália à conduta do oleiro.
Ao ouvir as alegações do poeta, o juiz dirigiu-se ao oleiro e declarou:
- Que esse caso, Nagib, sirva de lição para o futuro. Procure respeitar as obras alheias a
fim de que os outros artistas respeitem as suas. Se você, equivocadamente, julgava-se no direito
de quebrar o verso do poeta, achou-se também o poeta egoisticamente no direito de quebrar o
seu vaso.
E a sentença foi a seguinte:
- Determino que o oleiro Nagib fabrique um novo vaso de linhas perfeitas e cores
harmoniosas, no qual o poeta Fauzi escreverá um de seus lindos versos. Esse vaso será vendido
em leilão, e a importância obtida pela venda deverá ser dividida em partes iguais entre ambos.
A notícia sobre a forma inesperada como o sábio juiz resolveu a disputa espalhou-se
rapidamente. Foram vendidos muitos vasos feitos por Nagib adornados com os versos do poeta.
Em pouco tempo, Nagib e Fauzi prosperaram muito. Tornaram-se amigos, e cada qual passou a
respeitar e a admirar o trabalho do outro.
O oleiro mostrava-se arrebatado ao ouvir os versos do poeta, enquanto o poeta encantava-
se com os vasos admiráveis do oleiro.

110
O PASSADO E O PRESENTE
Um velho sábio chinês estava caminhando por um campo de neve quando viu uma mulher
chorando e perguntou:
- Por que choras?
- Porque me lembro do passado, da minha juventude, da beleza que via no espelho, dos
homens que amei... Deus foi extremamente cruel comigo porque me deu memória. Ele sabia que
eu ia sempre recordar da primavera da minha vida e chorar.
O sábio ficou contemplando o campo de neve, com o olhar fixo em determinado ponto. A
certa altura, a mulher parou de chorar e perguntou ao sábio:
- O que estás vendo aí?
- Um campo de rosa... Deus foi generoso comigo porque me deu memória. Ele sabia que,
no inverno, eu poderia sempre recordar a primavera e sorrir.
Isso serve para ilustrar algo que levei muito tempo para aprender: não devemos lamentar
as coisas que perdemos, mas alegrar-nos por tê-las possuído.

111
O PIQUENIQUE DAS
TARTARUGAS
Certo dia, o pequeno Henrique, inconformado com a prima, por não estar fazendo os
afazeres que a avó pedira, foi reclamar com o seu avô:
- Vô, a minha avó pediu para que eu e a Alessandra fizéssemos uma série de tarefas, mas
eu estou observando-a e até agora ela nada fez.
O avô, com toda a sua paciência e vendo que este acontecimento poderia ser uma grande
chance de ensinar-lhe algo, chamou-o para que se sentasse a seu lado e disse-lhe:
- Henrique, vou contar-lhe uma história e quero que preste muita atenção, pois ela será a
resposta para a sua reclamação. A história é sobre um piquenique de uma família de tartarugas.
O jovem sentou-se ao lado do avô e arregalou os seus grandes olhos azuis, para não
perder um só detalhe. Vendo que conseguira fixar a atenção do neto, o avô continuou:
- Como dizia, a família de tartarugas decidiu sair para um piquenique. As tartarugas, sendo
naturalmente lentas, levaram sete anos para se preparar para seu passeio. Finalmente a família
de tartarugas saiu casa para procurar um lugar apropriado. Durante o segundo ano da viagem,
encontraram um lugar ideal. Durante seis meses limparam a área, desembalaram a cesta de
piquenique e terminaram os arranjos. Então, descobriram que tinham esquecido o sal. Um
piquenique sem sal seria um desastre, todas concordaram. Após uma longa discussão, a
tartaruga mais nova foi escolhida para voltar em casa e pegar o sal, pois era a mais rápida das
tartarugas. A pequena tartaruga lamentou, chorou e esperneou. Concordou em ir, mas com uma
condição: que ninguém comeria até que ela retornasse. A família consentiu, e a pequena
tartaruga saiu. Três anos se passaram, e a pequena tartaruga não tinha retornado. Cinco anos...
Seis anos... Então, no sétimo ano de sua ausência, a tartaruga mais velha não aguentava mais
conter sua fome. Anunciou que ia comer e começou a desembalar um sanduíche. Nessa hora, a
pequena tartaruga saiu de trás de uma árvore e gritou:
- Viu! Eu sabia que vocês não iam me esperar. Agora é que eu não vou mesmo buscar o
sal.
Henrique riu muito com a história, mas sabia que, por trás daquela divertida narrativa,
algum ensinamento estava por vir.
E o avo, calmamente, concluiu
- Meu neto, descontando os exageros da história, em nossa vida, as coisas acontecem
mais ou menos da mesma forma. Ficamos tão preocupados com o que os outros estão fazendo
que deixamos de fazer nossas próprias coisas, e isso acaba sendo mais prejudicial para você do
que para os outros.

112
O PODER DA FLEXIBILIDADE
O rei queria casar sua filha com um homem sábio. Então, ele fez um concurso em que o
candidato tinha que dar uma grande demonstração de sabedoria.
Aos candidatos, porém, foi dito somente que venceria o concurso aquele que levasse à
princesa um presente que refletisse um desejo do próprio candidato
Foi dito também que o escolhido teria o seu desejo realizado pelo próprio rei. Os fidalgos
se prepararam, pois a bela princesa era muito cortejada.
No dia da festa realizada para a ocasião, viam-se muitos presentes, e entre eles alguns
muito cobiçados. De todos, três chamaram mais atenção
O primeiro levou um pote de ouro e disse que o seu desejo era ter dez vezes o peso da
princesa em ouro. O rei, então, perguntou o porquê daquele desejo.
- É para que não falte riqueza para sua filha, Majestade.
O segundo levou o mapa de suas terras e disse que seu desejo era ter todo o reino em
suas mãos. E o rei perguntou-lhe o porquê do desejo.
- Quero ter todas as terras para dar muitos poderes à princesa, Majestade.
O terceiro entrou com um lindo e grande jarro bordado com fios de ouro, porém só continha
água.
Todos riram.
Ele disse que o seu desejo era ser igual à água.
O rei não entendeu, mas perguntou o motivo do desejo. E o jovem continuou.
- Majestade, a água pode ser sólida, líquida, gasosa e se adapta a qualquer superfície.
Tem o maior poder de flexibilidade. Assim terei a condição ideal para me adaptar a qualquer
circunstância que a vida requerer para atender aos desejos da princesa: no inverno, tomarei
posse de todas as terras como o gelo do continente. Teremos, então, muito poder; na primavera,
serei líquido para garimpar nos córregos e rios as pepitas de ouro que guardam seus leitos.
Teremos, então, muita riqueza no verão, serei as nuvens que regarão as plantações, para
alimentar os rebanhos e o nosso povo. Assim, não faltará alimento no reino.
Todos ficaram em silencio quando o rei perguntou.
- E no outono?
- No outono, promoverei festas ao meu povo, mostrando-lhes, com minha presença
constante, que faço parte da vida deles. É como a água, presente em todos os lugares e corpos.
Dessa forma, teremos o reinado de maior comunhão com o povo e, por isso, o mais próspero.
- Mas esse desejo eu não posso lhe conceder - interrompeu o rei
- Isso não é preciso, meu rei, basta-me conceder o que puder e desejar, que eu deverei me
adaptar - concluiu o terceiro candidato.
Todos, então, curvaram-se diante daquele jovem, quando o rei o escolheu para desposar a
princesa, reconhecendo que, embora tivesse pouco para dar naquele momento, teria muito a
contribuir para o reino ao longo de sua vida.

113
O PODER DA PALAVRA
Um orador fala do poder do pensamento positivo e das palavras.
Um participante levantou a mão e disse:
- Não é porque eu vou dizer felicidade, felicidade, felicidade que me irei sentir melhor, e
não é porque eu vou dizer desgraça, desgraça, desgraça que me irei sentir menos bem: não são
mais que palavras. As palavras são isso mesmo, sem poder...
O orador respondeu:
- Cale-se, seu idiota, é incapaz de compreender o que quer que seja!
O participante ficou paralisado, mudou de cor e preparou-se para replicar agressivamente:
O orador, então, levantou a mão de forma apaziguadora e disse:
- Não quero magoá-lo. Peço-lhe que aceite as minhas sinceras desculpas.
O participante acalmou-se.
Os outros participantes murmuraram e houve agitação na sala.
O orador interveio:
- Esse foi apenas um exemplo para ilustrar a força das palavras. Algumas palavras
desencadeiam dentro de nós raiva e cólera. Outras os acalmam. Esse é o poder das palavras.

114
O PODER DO ENTUSIASMO
Um grande e sábio guerreiro japonês, chamado Nobunaga, decidiu atacar o exército
inimigo. Apesar de ele ter apenas um décimo do número de homens do exército oponente, tinha
esperança na vitória, pois Nobunaga confiava na qualidade da sua estratégia e na eficácia das
suas táticas de guerra. O grande problema estava nos seus soldados, cheios de dúvidas e
receios à vista do tamanho descomunal do inimigo, muitos deles recusando-se a combater por
acharem que nem valia a pena.
Nobunaga, então, disse aos seus homens:
- Vou ao templo rezar e pedir conselho. Faço o seguinte: se sair cara, é porque o destino
nos reserva a vitória e, então, podemos ir para o combate sem medo; se sair coroa, é porque
vamos perder e, então, desistimos da batalha.
Assim foi, e saiu cara. Os soldados, entusiasmados com a boa sorte que o destino lhes
reservava, lutaram com tanto ardor e determina-ção que, apesar da posição desvantajosa,
conseguiram sair vitorios0s.
No final da batalha, o ajudante de Nobunaga, orgulhoso na vitória. comentou com o grande
chefe guerreiro:
- Ninguém pode mudar a força do destino. Com tão poucos homens e, mesmo assim,
ganhamos.
Então Nobunaga, sem nada a lhe responder, sorriu apenas e, em segredo, contemplou as
duas faces da moeda da sorte utilizada no templo. Ambas eram cara, pois a moeda tinha sido por
ele previamente duplicada, possuindo a cara impressa nos dois lados.

115
O PRIMEIRO PASSO
Um homem resolveu visitar um ermitão que vivia perto do mosteiro de Sceta. Depois de
caminhar sem rumo pelo deserto, terminou encontrando o monge, e perguntou-lhe:
- Preciso saber qual o primeiro passo que se deve dar no caminho espiritual.
O ermitão levou-o até um pequeno poço e pediu-lhe que olhasse seu reflexo na água.
O homem obedeceu, mas o ermitão começou a jogar pedrinhas na água, fazendo com que
a superfície se movesse. O homem, aflito, disse:
- Não poderei ver direito o meu rosto enquanto o senhor jogar pedras.
O monge, então, explicou o ensinamento:
- Assim como é impossível a um homem ver seu rosto em águas turbulentas, também é
impossível buscar a felicidade se a mente estiver ansiosa com a busca... Esse é o primeiro passo.

116
O QUE É VELHICE
Uma avó conta que seu neto pequeno - com a curiosidade de quem ouviu uma nova
palavra, mas ainda não entendeu seu significado - perguntou-lhe
- Vó, o que é velhice?
Na fração de segundo antes da resposta, Neiva fez uma verdadeira viagem ao passado.
Lembrou-se dos momentos de luta, das dificuldades, das decepções. Sentiu todo peso da idade e
da responsabilidade nos ombros. Tornou a olhar para o neto que, sorrindo, aguardava uma
resposta.
- Olhe para meu rosto, meu netinho - disse ela. - Isso é velhice.
E imaginou o garoto vendo as rugas e a tristeza nos olhos dela. Qual não foi sua surpresa
quando, depois de alguns instantes, o menino respondeu:
- Vó, como a velhice é bonita!

117
O REI DA PERSIA
Conta-se que Ciro, rei da Pérsia, certa ocasião, sagrou-se vitorioso numa das suas
batalhas e transportou para o seu país todos os inimigos que puderam ser capturados.
Entre os inúmeros prisioneiros, estava também um príncipe, com sua esposa e filhos, os
quais, por causa da linhagem real, foram levados à presença do rei.
Ao vê-los humilhados à sua frente, o soberano persa, com desmedida ironia, perguntou ao
príncipe vencido:
- Quanto me darás em troca da tua liberdade?
- Dar-te-ei a metade do meu reino - respondeu o príncipe imediatamente
Diante de tamanha disposição, vejo que tens a vida por preciosa! E se eu, por deferência
especial, conceder também a liberdade a teus filhos, quanto receberei por recompensa?
- Eu entregarei a Vossa Alteza todo o meu reino - falou o príncipe
- Oferecendo-me em troca da tua liberdade pessoal e a dos teus filhos todo o teu reino, o
que me poderás oferecer, então, pela liberdade da tua esposa? Certamente, ela representará
muito para ti.
Só então o príncipe se deu conta de que havia sido precipitado ao oferecer tudo o que
possuía em apenas dois lances daquele jogo de interesses tão bem-arquitetado pelo rei persa.
Todavia, meditando por um rápido momento, disse com decisão:
- Entrego-me eu mesmo a ti pela liberdade da minha esposa.
O grande conquistador, apesar de toda a sua crueldade e frieza, sentiu-se esmorecido
naquele momento. Então, diante de uma resposta cheia de entusiasmo e abnegação, acabou por
conceder liberdade imediata a toda a família, sem exigir nada em troca.
No percurso de volta ao seu reino, o príncipe indagou à esposa se ela, por acaso, havia
observado o quanto era belo e imponente o semblante do rei dos persas.
A essa indagação, a princesa respondeu com ternura:
- Não olhei para nada, absolutamente, porque tinha os meus olhos fixos naquele que
estava pronto a dar-se a si mesmo em pagamento pela minha liberdade.

118
O SEU FUTURO
Estava um homem sentado num banco de praça, onde sempre costumava ficar por algum
tempo.
Ele olhava as árvores ao sol e ao vento, as pombas em busca de alimentos, os camelôs
vendendo quinquilharias, os pássaros fazendo ninhos, as crianças brincando, os sinos da igreja
badalando, velhinhos rolando dados ou jogando dominós.
Subitamente viu-se rodeado por sete vultos de rosto encoberto, e um deles lhe disse:
- Nós somos moradores do futuro.
- O que vieram me falar? - perguntou ele, sentindo-se incomodado.
Um a um, começaram a dizer:
1°- Eu sou uma tormenta: um dia poderei levar tudo que você possui.
2°- Eu sou a fome: um dia poderei chegar, e você conhecerá uma das maiores dores que
assolam o mundo.
3° - Eu sou o desemprego: um dia poderei visitá-lo, e você não saberá como sobreviver.
4°- Eu sou um incêndio: um dia poderei deixá-lo sem teto e sem abrigo.
5° - Eu sou a melancolia: um dia poderei atingi-lo, e você perderá a vontade de viver.
6° - Eu sou a solidão: um dia poderei bater à sua porta, e você não terá companheiros para
ouvi-lo ou para conversar.
7° - Eu sou a velhice: quando eu chegar, você estará vazio, doente e sem metas.
De repente, como num turbilhão, os sete vultos falavam ao mesmo tempo,
atropeladamente. O homem começou a tremer. Pondo-se a respirar fundo, aos poucos foi se
refazendo e, como num passe de mágica, pôde ver os rostos dos sete vultos. Eram exatamente
iguais ao dele! Com decisão, ele disse:
- Parem! Vocês são ladrões de paz! São assaltantes de mentes distraídas! Vocês são EU
mesmo! São meus pensamentos! Você não moram no futuro! Moram na minha cabeça, mas nela
sou EU quem manda! - E prosseguiu:
- Aqui aprendi com as árvores que a renovação é possível depois de terem suas folhas
levadas.
- Aqui aprendi com as pombas que sempre haverá mais alimento do que pombas famintas.
- Aqui aprendi com os camelôs que o empregador nem sempre é indispensável e que
sempre haverá meios para sobreviver.
- Aqui aprendi com os pássaros que, a cada ninho derrubado, novos ninhos podem ser
construídos.
de serem atingidas, ainda que seja vencer numa aposta de dados ou num
- Aqui aprendi com as crianças que não é necessário nenhum esforço para ser feliz e
querer viver

119
- Aqui aprendi com os sinos que, por mais sozinhos que estejamos, sempre haverá alguém
para nos ouvir
- E aqui aprendi com os velhinhos que metas sempre são viáveis de serem atingidas, ainda
que seja vencer numa aposta de dados ou num jogo de dominós.
Pouco a pouco aqueles sete vultos foram mudando suas pesadas expressões e, abrindo
suaves sorrisos, puseram-se a dizer:
1° - Eu sou a Prosperidade.
2° - Eu sou a Fartura.
3° - Eu sou o Progresso.
4° - Eu sou a Segurança.
5°- Eu sou a Alegria.
6° Eu sou o Companheirismo.
7° - Eu sou a Certeza da Vida Eterna.
Sentindo que havia dominado os próprios "fantasmas", o homem saiu caminhando, suave
e tranquilamente, em direção ao amanhã.

120
O TOLO E O SÁBIO
O sábio Saadi de Xiras caminhava por uma rua com seu discípulo quando viu um homem
tentando fazer com que sua mula andasse.
Como o animal recusava-se a sair do lugar, o homem começou a insultá-lo com as piores
palavras que conhecia.
Então, o sábio aproximou-se dele e, calmamente, disse:
- Não sejas tolo, o asno jamais aprenderá tua linguagem. O melhor será que te acalmes e
aprendas a linguagem dele.
O homem não lhe deu ouvidos e continuou xingando o animal. O sábio, afastando-se,
comentou com o discípulo:
- Antes de entrares numa briga com um asno, pensa bem na cena que acabaste de ver.
Não é sábio discutir com alguém que ainda não esteja preparado para as coisas simples da vida;
é preciso saber calar para deixar um tolo falar! O tolo que sabe que é tolo, nisso, pelo menos, é
sábio. Mas o tolo que pensa que é sábio, realmente, é um tolo.

121
O URSO E O ATEU
Um ateu estava passeando em um bosque, admirando tudo o que aquele "acidente da
evolução" havia criado. "Mas que árvores majestosas! Que poderosos rios! Que belos animais!",
ia ele dizendo a si mesmo. Enquanto caminhava ao longo do rio, ouviu um ruído nos arbustos
atrás de si e virou-se para olhar para trás. Foi, então, que viu um corpulento urso-pardo
caminhando na direção dele. O homem disparou a correr o mais rápido que podia. Olhou por
cima do ombro e reparou que o urso estava muito próximo. Aumentou mais a velocidade. Era
tanto o seu medo que lágrimas Ihe vieram aos olhos. Olhou de novo por cima do ombro, e, desta
vez, o urso estava mais perto ainda. O seu coração batia freneticamente. Tentou imprimir maior
velocidade. Foi, então, que tropeçou e caiu desamparado. Rolou pelo chão rapidamente e tentou
levantar-se. Só que o urso já estava em cima dele, procurando pegá-lo com a sua forte pata
esquerda e, com a outra pata, tentando agredi-lo ferozmente. Nesse preciso momento, o ateu
clamou
- Ó meu Deus, me ajuda!...
O tempo parou. O urso ficou sem reação, o bosque mergulhou em silêncio. Até o rio parou
de correr. À medida que uma luz clara brilhava, uma voz vinda do céu dizia:
- Tu negaste a minha existência durante todos esses anos, ensinaste a outros que eu não
existia e reduziste a criação a um acidente cósmico. Esperas que eu te ajude a sair desse apuro?
Devo eu esperar que tenhas fé em mim?
O ateu olhou diretamente para a luz e disse:
- Seria hipócrita da minha parte pedir que, de repente, me passes a tratar como um cristão,
mas, talvez, possas tornar o urso um critão.
- Muito bem - disse a voz.
A luz foi embora, o rio voltou a correr e os sons da floresta voltaram. Então, o urso recolheu
as patas, fez uma pausa, abaixou a cabeça e disse:
- Senhor, agradeço-te profundamente por este alimento que me deste e que agora vou
comer. Amém.

122
O VIAJANTE
Um homem, tendo que fazer uma longa viagem, preparou-se como melhor lhe convinha.
Teria um longo caminho pela frente, quase dez anos, e, nesse tempo, enfrentaria muito sol, muita
chuva, muito frio, enfim, inúmeros obstáculos. Achava que nada poderia detê-lo.
Para a sua caminhada, preparou calçados, roupas, chapéu, enfim, tudo o que achava
necessário. E tudo era novo. Pensou em seu destino e em tudo de valor que achava possuir.
Abriu sua mochila e nela colocou calçado, roupa, chapéu, achando que se não os usasse no dia a
dia, ao final, teria tudo ao seu dispor quando quisesse. E novo. Colocou tudo nas costas e partiu.
Ao longo de sua viagem, depois de passar várias trilhas, viu-se cansado e não pôde mais
continuar. Estava exausto. O peso nas costas, com o seu tesouro, já lhe era insuportável. Seus
pés, rachados e sangrando, seu corpo surrado e frágil, sua cabeça ferida e seu pensamento sem
direção. Olhou para os seus pés e para seu calçado. O sapato continuava novo, mas seus pés,
acabados. Tomou a sua roupa nova e tocou o seu corpo velho e dolorido.
Levantou o seu chapéu, novo, e tentou colocá-lo em sua cabeça inchada.
Faltava muito para chegar ao topo, e tudo que possuía novo, tal como preservou, de nada
Ihe servia agora.
Pensou em abandonar tudo. Já havia abandonado no princípio. Em silêncio e pela primeira
vez, concluiu: “Se tivesse utilizado o seu calçado, ele estaria velho, mas meus pés, doloridos,
apenas"
Se tivesse se vestido, sua roupa estaria rota, mas seu corpo não estaria cansado e sujo.
Se tivesse usado o seu chapéu, ele estaria o suas abas caídas, mas sua cabeça não estaria por
estourar de dor.
Refletiu e reconheceu que ali estavam os seus verdadeiros amigos para servi-lo a todo
instante, porém, tentando somente preservá-los, não permitiu que eles participassem de sua vida.
Por isso, lembre-se: os seus amigos não querem estar somente em uma mochila - como o
calçado, a roupa, o chapéu - como um fardo. Querem é estar com você em toda a sua jornada,
mesmo que cheguem desgastados, sujos, cansados, porém certos de que, de algum modo,
aliviaram a sua dor, seu sacrifício, participaram de sua alegria, e chegaram ao fim todos juntos!

123
ONDE DEUS ESTÁ ESCONDIDO
Numa pequena aldeia de Marrocos um homem contemplava o único poço de toda a região.
Um garoto aproximou-se
- O que tem lá dentro? - quis saber
- Deus.
- Deus está escondido dentro desse poço?
- Está.
- Quero ver - disse o garoto, desconfiado.
O velho pegou-o no colo e ajudou-o a debruçar-se na borda do poço. Refletido na água, o
menino pôde ver o seu próprio rosto.
- Mas este sou eu - gritou.
- Isso mesmo - disse o homem, tornando a colocar delicadamente o menino no chão. -
Agora você sabe onde Deus está escondido.

124
ORAÇÃO VERSUS CONDUTA
Um homem sempre resmungava e reclamava da comida que sua esposa colocava à mesa.
Servida a refeição, ele orava em agradecimento ao alimento ofertado.
Um dia, depois de sua rotineira reclamação combinada com a oração, sua pequena filha
perguntou:
- Papai, Deus nos ouve quando oramos?
- Que pergunta! É claro! - ele respondeu. - Deus nos ouve toda vez que oramos
- E ouve tudo o que nós dizemos o resto do tempo?
- Sim, cada palavra - ele respondeu animado, já que havia inspirado sua filha a ser curiosa
sobre questões espirituais.
Ela pensou por uns instantes e, inocentemente, interrogou:
- Então, em quais palavras Deus vai acreditar?

125
OS LIMITES DE CADA UM
Certa vez, um discípulo perguntou ao seu mestre
- A simples presença de um mestre faz com que todo tipo de curioso se aproxime, para
descobrir algo do que se beneficiar. Isso não pode ser prejudicial e negativo? Isso não pode
desviar o mestre do seu caminho ou fazer com que sofra porque não conseguiu ensinar o que
queria?
O mestre respondeu:
- A visão de um abacateiro carregado de frutas desperta o apetite de todos os que passam
por perto. Se alguém deseja saciar sua fome além da sua capacidade, termina comendo mais
abacates que o necessário e passa mal. Entretanto, isso não causa nenhum tipo de indigestão ao
dono abacateiro. O caminho precisa estar aberto para todos. Deus se encarrega de colocar os
limites de cada um.

126
OS MESTRES DO MESTRE
Quando o grande mestre Hasan estava morrendo, alguém lhe perguntou:
- Hasan, quem foi seu mestre?
E ele respondeu:
- Eu tive milhares de mestres. Se eu for mencionar todos, levarei meses, anos até. Mas
três mestres certamente eu posso mencionar
Um foi um ladrão. Uma vez eu me perdi no deserto e, quando cheguei a uma aldeia, era
tarde da noite e tudo estava fechado. Mas achei um homem que estava tentando entrar em uma
casa através de um buraco na parede. Eu lhe perguntei onde poderia ficar, e ele disse que
naquela hora da noite seria difícil, mas que eu poderia ficar com ele desde que eu não me
importasse de ficar com um ladrão. O homem me tratava muito bem. Fiquei durante um mês! E
toda noite ele me dizia:
- Agora eu vou para meu trabalho. Você descansa; você reza.
E sempre que ele voltava, eu perguntava
- Você conseguiu alguma coisa?- E ele dizia:
- Nesta noite não, mas amanha eu tentarei novamente, se Deus quiser
Ele nunca perdia a esperança, estava sempre feliz. Quando eu executava meu trabalho e
nada acontecia ou melhorava, ficava desesperado, tão desesperado que, muitas vezes, pensei
em parar com tudo. E de repente, lembrava-me do ladrão que dizia todas as noites: "Se Deus
quiser, amanhã vai acontecer"
Meu segundo mestre foi um cachorro. Certa vez, eu estava muito sedento e fui até um rio e
veio um cachorro. Ele também estava sedento. Ele olhou para o rio e viu outro cachorro, a sua
própria imagem, e ficou amedrontado. Ele vinha até a beira e corria para longe, mas a sede dele
era tanta que ele sempre voltava. Finalmente, apesar do medo, ele saltou na água e a imagem
desapareceu. Entendi que havia uma mensagem: a gente tem que enfrentar, saltar, seguir em
frente, apesar de todos os medos.
E o terceiro mestre foi uma pequena criança. Eu entrei em uma cidade, e uma criança
estava levando uma vela acesa. Ele ia para a igreja onde deixaria a vela. Brincando, eu perguntei
para o menino
- Em um momento a sua vela está apagada, em outro, se acende. Você pode me mostrar
de onde vem a luz?
O menino riu, apagou a vela e disse:
- Agora você viu que a luz se foi. Para onde foi? Você me diz.
Meu ego foi destruído, meu conhecimento inteiro foi estilhaçado. Naquele momento senti
minha estupidez. Desde então, eu repensei toda a minha ciência.
É isso. A verdade é que eu não tive um único mestre porque eu tive milhões de mestres
com os quais aprendi tudo o que foi possível. Aceitei a existência inteira como meu mestre.
Confiei nas nuvens, nas árvores. Confiei na existência como tal. Ser um discípulo é um imperativo
no caminho. O que é necessário para ser um discípulo? Querer aprender. Estar disponível para
aprender, ser vulnerável à existência. Com um mestre, você começa aprender a aprender.

127
Um mestre é como uma piscina onde você pode aprender a nadar. Uma vez que você
aprende, todos os oceanos são seus.

128
OS QUATRO SÁBIOS
Esta é uma história de antigamente, contada por um povo que escutava a sabedoria. Hoje,
os membros dessa comunidade não percebem mais os significados, então pouco importa que
esta história lhes seja ou não contada, pouco importa se eles a conservaram ou a esqueceram.
Mas prossigamos. Esta é a história de quatro homens que viviam, no mesmo quarteirão, e
tinham todos os quatro estudado as artes teóricas e práticas com os maiores sábios da época e
levado tão longe suas pesquisas que todo o mundo estava persuadido que eles tinham atingido
os cumes do conhecimento.
Mas, um dia, eles chegaram à seguinte conclusão: eles tinham agora, que viajar e exercer
seus talentos, porque não é dito que "aquele que tem o conhecimento e não o utiliza é pior que o
imbecil"?
Nossos amigos se fizeram viajantes e buscaram todas as ocasiões de colocar seus
conhecimentos em prática. Um fato conhecido – já se sabia antes e comprovou-se depois: três
desses sábios eram grandes conhecedores das artes e das ciências, tanto na teoria quanto na
prática, enquanto que o quarto, se era menos célebre, era dotado de compreensão.
Depois de alguns dias nos quais eles passaram a se conhecer melhor e após inúmeros
debates e muitas discussões, os três primeiros sábios reconheceram que eles estavam no
mesmo nível e estimaram que o saber do outro companheiro estava bem longe de igualar o
deles; eles o convidaram, então, a deixar o grupo e voltar para casa. Como o quarto sábio se
recusasse a deixá-los, eles lhe disseram
Essa atitude não nos surpreende, vindo de um ser tão insensível como você, incapaz de
apreciar as grandes competências que somos e se obstinando a se pretender nosso igual
Entretanto, eles lhe permitiram acompanhá-los, embora o excluíssem de seus sábios
conciliábulos
Acontece que um dia, enquanto caminhavam, os quatro sábios descobriram, à beira da
estrada, certa quantidade de ossos, aos quais ainda se encontrava ligado um pouco de couro e
pelo - aparentemente os restos de um animal.
- Ah!- exclamou o primeiro sábio-com todo conhecimento que possuo, posso afirmar que é
a carcaça de um leão
- E meu conhecimento agrega o segundo sábio - permite-me reconstituir seu corpo em sua
forma verdadeira.
- Quanto a mim - adiciona o terceiro sábio- tenho o poder de reanimar o inanimado e
posso, então, injetar-lhe a vida.
Eles decidiram empregar seus talentos respectivos para fazer aquilo que sabiam fazer.
Mas o quarto sábio, puxando-os pela manga, disse-lhes
- Devo advertir-lhes que, ainda que recusem minha competência e minhas capacidades
teóricas, sou, apesar de tudo, um homem de compreensão, Efetivamente, como vocês
perceberam, esses são os restos mortais de um leão. Tragam-no de volta à vida, e ele nos
aniquilará a todos!
Mas os três outros estavam bem mais interessados na perspectiva de aplicar suas teorias
e de continuar suas experiências. Num espaço de alguns minutos, o monte de couro e ossos se
revestiu de carne e eles viram se reconstituir diante de seus olhos um animal vivo, respirando e
efetivamente muito perigoso - um leão
129
Enquanto os práticos do saber estavam inteiramente voltados á a operação, o quarto sábio
subia nos mais altos galhos da árvore mais próxima, de onde pôde assistir ao fim da experiência:
ele viu o leão se lançar sobre seus companheiros, devorá-los e desaparecer rugindo no deserto
O único sobrevivente da expedição desceu da árvore e retornou ao seu país.

130
OS TRÊS TALISMAS
- Que é preciso para aprender? - perguntou um filho ao pai.
- Para aprender, para saber e para vencer - respondeu o pai -,é preciso buscar os três
talismãs: a alavanca, a chave e o facho.
- E onde encontrá-los? - interrogou o filho.
- Dentro de ti mesmo - explicou o pai. - Os três talismãs estão em teu poder e serás
poderoso se quiseres fazer uso deles.
- Não compreendo - diz o filho, cada vez mais intrigado. - Que alavanca é essa?
- A tua vontade. É preciso querer, é preciso remover obstáculos para aprender.
- E a chave?
- O teu trabalho. É preciso esforço para virar a chave e abrir o palácio do saber
E o facho?
- A tua atenção. É preciso luz, muita luz, para iluminar o palácio. Só assim poderás ver com
clareza e descobrir a verdade, que vence ignorância.

131
PAI
O carteiro estendeu o telegrama Preocupado, José não agradeceu e, enquanto abria o
envelope, uma profunda ruga sulcou-lhe a testa. Uma expressão mais de surpresa do que de dor
tomou-lhe conta do rosto. Palavras breves e incisas:
- Seu pai faleceu. Enterro 18 horas. Mamãe.
José continuou parado, olhando para o vazio. Nenhuma lágrima lhe veio aos olhos,
nenhum aperto no coração. Nada!
Era como se houvesse morrido um estranho. Por que nada sentia pela morte do velho?
Com um turbilhão de pensamentos, confuso, avisou a esposa, tomou o ônibus e foi-se,
vencendo os silenciosos quilômetros de estrada, enquanto a cabeça girava a mil.
No íntimo, não queria ir ao funeral, e se estava indo era apenas para que a mãe não
ficasse mais amargurada. Ela sabia que pai e filho não se davam bem.
A coisa havia chegado ao final no dia em que, depois de mais uma chuva de acusações,
José fez as malas e partiu, prometendo nunca mais colocar os pés naquela casa
Um emprego razoável, casamento, telefonemas à mãe pelo Natal, o Ano-Novo ou na
Páscoa... Ele havia se desligado da família, não pensava no pai e a última coisa na vida que
desejava na vida era ser parecido com ele.
O velório: poucas pessoas. A mãe está lá, pálida, gelada, chorosa. Quando reviu o filho, as
lágrimas correram silenciosas. Foi um abraço de desesperado silêncio. Depois, ele viu o corpo
sereno envolto por um lençol de rosas vermelhas-como as que o pai gostava de cultivar. José não
verteu uma única lágrima. O coração não pedia. Era como estar diante de um desconhecido, um
estranho, um....
O funeral: o sabiá cantando, o sol se pondo
Ele ficou em casa com a mãe até a noite, beijou-a e prometeu que voltaria trazendo netos
e esposa para conhecê-la. Agora, ele poderia voltar a casa, porque aquele que não o amava não
estava mais lá para dar-lhe conselhos ácidos nem para criticá-lo
Na hora da despedida, a mãe colocou-lhe algo pequeno e retangular na mão
- Há mais tempo você poderia ter recebido isso disse - mas infelizmente, só depois que ele
se foi encontrei entre os guardados mais importantes dele..
Foi um gesto mecânico. Minutos depois de começar a viagem, meteu a não no bolso e
sentiu o presente. O foco mortiço da luz do bagageiro revelou uma pequena caderneta de capa
vermelha. Abriu-a curioso.
Páginas amareladas. Na primeira, no alto, reconheceu a caligrafia firme do pai.
“Nasceu hoje o José. Quase quatro quilos! O meu primeiro filho, um garotão! Estou
orgulhoso de ser o pai daquele que será a minha continuação na Terra!"
Á medida que folheava, devorando cada anotação, sentia um aperto na boca do estômago,
mistura de dor e perplexidade, pois as imagens do passado ressurgiram firmes e atrevidas como
se acabassem de acontecer!
‘"Hoje, meu filho foi para a escola. Está um homenzinho! Quando eu o vi de uniforme, fiquei
emocionado e desejei-lhe um futuro cheio de sabedoria. A vida dele será diferente da minha, que

132
não pude estudar por ter sido obrigado a ajudar meu pai. Mas, para meu filho, desejo melhor. Não
permitirei que a vida o castigue."
Outra página: "José me pediu uma bicicleta, meu salário não dá. mas ele merece porque é
estudioso e esforçado. Fiz um empréstimo que espero pagar com horas extras"
José mordeu os lábios. Lembrava-se da sua intolerância, das brigas feitas para ganhar a
sonhada bicicleta. Se todos os amigos ricos tinham uma, por que ele também não poderia ter a
sua?
E quando, no dia do aniversário, a havia recebido, tinha corrido aos braços da mãe sem
sequer olhar para o pai. Ora, o "velho" vivia mal-humorado, queixando-se do cansaço, tinha os
olhos sempre vermelhos... E José detestava aqueles olhos injetados sem jamais haver
suspeitado que eram de trabalhar até a meia-noite para pagar a bicicleta!
"Hoje fui obrigado a levantar a mão contra meu filho! Desejei que ela tivesse sido cortada,
mas foi preciso tentar chamá-lo à razão. José anda em más companhias, tem vergonha da
pobreza dos pais e, se não disciplinado, amanha será um marginal."
"É duro para um pai castigar um filho e bem sei que ele poderá me odiar por isso;
entretanto, devo educá-lo para seu próprio bem. Foi assim que aprendi a ser um homem honrado,
e esse é o único modo que sei de ensiná-lo.”
José fechou os olhos e viu toda a cena quando, por causa de uma bebedeira, tinha ido
para a cadeia; e, naquela noite, se o pai não tivesse aparecido para impedi-lo de ir ao baile com
os amigos... Lembra-se apenas do automóvel retorcido e manchado de sangue que tinha batido
contra uma árvore... Parecia ouvir sinos, o choro da cidade inteira enquanto quatro caixões
seguiam lugubremente para o cemitério
As páginas se sucediam ora curtas, ora longas, com anotações cheias elas das respostas
que revelam quanto, em silêncio e amargura, o pai o havia amado. O "velho" escrevia de
madrugada.
Momento da solidão, num grito de silêncio, porque era desse jeito que ele era. Ninguém o
havia ensinado a chorar e a dividir suas dores. O erava que fosse durão para que não o
julgassem nem fraco e nem covarde. E, no entanto, agora José estava tendo a prova de que,
debaixo daquela fachada de fortaleza, havia um coração tão terno e cheio de amor.
A última página. Aquela do dia em que ele havia partido:
“Deus, o que fiz de errado para meu filho me odiar tanto? Por que sou considerado
culpado, se nada fiz senão tentar transformá-lo em um homem de bem? Meu Deus, não permita
que esta injustiça me atormente para sempre. Que um dia ele possa me compreender e perdoar
por eu não ter sabido ser o pai que ele merecia ter.”
Depois, não havia mais anotações, e as folhas em branco davam a ideia de que o pai tinha
morrido naquele momento. José fechou depressa a caderneta. O peito doía. O coração parecia
haver crescido tanto que lutava para escapar pela boca. Nem viu o ônibus entrar na rodoviária.
Levantou aflito e saiu quase correndo, porque precisava de ar puro para respirar. A aurora rompia
no céu e mais um dia começava.
"Honre seu pai para que os dias de sua velhice sejam tranquilos!"- certa vez ele tinha
ouvido essa frase e jamais havia refletido na profundidade que ela continha
Em sua egocêntrica cegueira de adolescente, jamais havia parado para pensar em
verdades mais profundas

133
Para ele, os pais eram descartáveis e sem valor, como as embalagens que são atiradas ao
lixo. Afinal, naqueles dias de pouca reflexão, tudo era juventude, saúde, beleza, música, cor,
alegria, despreocupação e vaidade.
Não era ele um semideus? Agora, porém, o tempo o havia envelhecido, fatigado e também
tornado pai aquele falso herói.
De repente, no jogo da vida, ele era o pai e seus atuais contestadores. Como não havia
pensado nisso antes? Certamente por não ter tempo, pois andava muito ocupado com os
negócios, a luta pela sobrevivência, com a sede de passar fins de semana longe da cidade
grande, a vontade de mergulhar no silêncio sem precisar dialogar com os filhos.
Ele jamais tivera a ideia de comprar uma cadernetinha de capa vermelha pala anotar uma
frase sobre seus herdeiros. Jamais lhe passara pela cabeça escrever que tinha orgulho daqueles
que continuam o seu nome. Justamente ele, que se considerava o mais completo pai da Terra....
Uma onda de vergonha quase o prostrou por terra, numa derradeira lição de humildade.
Quis gritar, agarrar o velho para sacudi-lo e abraça-lo, mas encontrou apenas o vazio.
Havia uma raquítica rosa vermelha num galho no jardim de uma casa. O sol acabava de
nascer. Então, José acariciou as pétalas e lembrou-se da mãozona do pai podando, adubando e
cuidando com amor. Por que nunca tinha percebido tudo aquilo antes?
Uma lágrima brotou como o orvalho, e erguendo os olhos para o céu dourado, de repente,
sorriu e desabafou numa confissão aliviadora:
- Se Deus me mandasse escolher, eu juro que não queria ter tido outro pai que não fosse
você, velho! Obrigado por tanto amor e me perdoe por haver sido tão cego.

134
PARTE MAIS IMPORTANTE DO
CORPO HUMANO
Uma mãe perguntou ao filho qual era a parte mais importante do corpo humano. O filho
respondeu que eram os ouvidos. Ela disse:
- Não. Muitas pessoas são surdas e vivem muito bem.
Algum tempo se passou, e a mãe perguntou outra vez. O menino respondeu, então, que
eram os olhos. Ela disse:
- A resposta ainda não está correta, porque há muitas pessoas que são cegas e vivem
muito bem.
Ao longo do tempo, a mãe perguntou várias vezes, e o filho nunca acertou a resposta. No
dia em que o avô do menino morreu, todos estavam chorando e muito tristes com a perda. Nesse
momento, a mãe olhou para o filho e perguntou:
- Você já sabe qual a parte do corpo mais importante, meu filho?
Observando que o filho estava confuso por ela estar fazendo a pergunta naquele momento,
ela disse:
- Essa pergunta é fundamental. Mostra como você viveu realmente a sua vida. Hoje é o dia
que você necessita aprender essa importante lição.
E continuou:
- Meu filho, a parte do corpo mais importante é o seu ombro.
O filho ainda perguntou:
- Porque eles sustentam a minha cabeça?
Ela respondeu:
- Não, é porque pode apoiar a cabeça de um amigo ou de alguém que está ao seu lado,
quando eles choram.

135
PASSANDO COMO AS NUVENS
Rafi estava inquieto, andando de um lado para o outro no jardim
Quando percebeu que estava sendo observado por seu mestre, aquietou-se e pôs-se a
meditar.
Quando abriu os olhos e viu que seu mestre não estava mais a observá-lo, voltou ao seu
estado inquieto.
Queria descobrir o porquê de tantos sentimentos confusos em sua mente, quando na
realidade só queria sentir a quietude de Deus em seu coração
Foi quando sentiu uma batida na cabeça. Quando se voltou feroz para ver quem lhe
batera, percebeu que era seu mestre.
- Mestre, por que me bateu?
O mestre apontou para o céu:
- Vê quantas nuvens passam por este céu? Dia após dia? Elas passam, e o sol permanece
a brilhar sobre nós. Perceba seus pensamentos como nuvens, que por poucos momentos podem
encobrir a sua luz, mas não podem dissipá-la, porque ela é real, Ela lhe pertence. Seus
pensamentos não lhe pertencem, deixe que eles possam ir como estas nuvens para que a sua luz
volte a brilhar e fortaleça sua paz de espírito.

136
PEIXE EM POSTAS
Um homem foi promovido e, supercontente com a promoção tão almejada, ofereceu um
jantar a seu chefe. Sabendo que o senhor em questão adorava peixe, pediu que sua esposa
preparasse um peixe para o referido jantar. Bem, ele mesmo foi ao mercado e escolheu um lindo
peixe, inteiro, e já sonhava com o mesmo sobre a mesa, exuberante, maravilhoso, apetitoso.
No dia do jantar, todos sentaram-se à mesa, e o peixe foi servido. Ora, não estava inteiro,
estava em postas. Muito gostoso por sinal, mas o visual do peixe não era exatamente como ele
tinha tanto imaginado
Sendo um homem extremamente elegante, ao término do jantar, com muita delicadeza
questionou sua esposa por que o peixe tivera sido servido em postas, e não inteiro
Ela respondeu que assim tinha feito porque aprendera com sua mãe que a melhor forma
de se servir um peixe muito gostoso era cortando-o em postas.
O homem ficou pensativo.
Algum tempo depois, visitando sua sogra, lembrou-se da história e indagou-lhe por que o
peixe seria mais saboroso servido em postas.
Ela respondeu imediatamente que não sabia, mas que assim tinha aprendido com sua
mãe.
O homem continuou muito pensativo. Um dia, visitando a vovó lembrou-se do peixe e
questionou-a:
- Querida, sua neta fez um peixe delicioso, parece, inclusive, que é um prato tradicional da
família, mas foi servido em postas, e tanto ela quanto sua filha disseram que o peixe, para ser
muito saboroso, tem de ser servido em postas, jamais inteiro, e eu queria saber o segredo disso
A vovó deu muita risada e respondeu:
- Não, meu querido, aliás, o peixe inteiro deve ser muito mais gostoso. Ocorre que, quando
menina, ao aprender a fazer o peixe éramos muito pobres e a nossa panela era pequena. Não
tínhamos nenhum recipiente grande para prepará-lo, portanto cortávamos em postas para caber
na panela. Deste modo, tanto minha filha como minha neta aprenderam dessa maneira, mas
somente porque era uma contingência da época.

137
PERCORRENDO O CAMINHO
POR SI SÓ
Durante anos, nas suas sessões de meditação, o mestre observou a presença de um
jovem que nada falava e que parecia indiferente a tudo. Certa noite, o jovem chegou um pouco
mais cedo e, ao encontrar o mestre sozinho, aproximou-se dele, interpelando-o:
Mestre, há muitos anos venho ao seu centro de meditação e tenho reparado no grande
número de monges e freiras ao seu redor e no número ainda maior de leigos, homens e
mulheres. Alguns deles alcançaram plenamente a realização. Qualquer um pode comprovar isso.
Outros experimentaram certa mudança em sua vida. Também hoje são pessoas mais livres. Mas,
senhor, também noto que há um grande número de pessoas, entre as quais me incluo, que
permanecem como eram ou que tal vez estejam até pior. Não mudaram nada, ou não mudaram
para melhor. Por que há de ser assim, mestre? Por que o senhor não usa do seu poder e do seu
amor para libertar a todos?
O mestre sorriu e perguntou
- De que cidade você vem?
- Eu venho de Rajagaha, mestre, a trezentos quilômetros daqui.
- Você ainda tem parentes ou negócios nessa cidade?
- Sim, mestre. Tenho parentes, amigos e ainda mantenho negócios em Rajagaha, de modo
que frequentemente vou para lá.
- Então, meu jovem, você deve conhecer muito bem o caminho para essa cidade
- Sim, mestre, eu o conheço perfeitamente. Diria que até com os olhos vendados eu
poderia achar o caminho para Rajagaha, tantas vezes o percorri.
- Deve, então, acontecer de algumas pessoas às vezes o procurarem, pedindo-lhe que
lhes explique o caminho, até lá. Quando isso ocorre, você esconde alguma coisa delas ou
explica-lhes claramente o caminho?
- O que haveria para esconder, mestre? Eu lhes explico claramente o caminho, de maneira
a não deixar nenhuma dúvida.
- E essas pessoas às quais você dá explicações tão claras... todas elas chegam à cidade?
- Como poderiam, mestre? Somente aquelas que percorrem o caminho até o fim é que
chegam a Rajagaha
- E exatamente isso que quero lhe explicar, meu jovem. As pessoas vêm a mim sabendo
que sou alguém que já percorreu o caminho e que o conhece bem. Elas vêm a mim e perguntam:
"Qual é o caminho para a realização", E o que há para esconder? Eu lhes explico claramente o
caminho. Se alguém simplesmente abana a cabeça e diz: Ah, um lindo caminho, mas não me
darei ao trabalho de percorrê-lo", como essa pessoa pode chegar ao seu destino? Eu não carrego
ninguém nos ombros. Ninguém pode carregar ninguém nos ombros até o seu destino. No
máximo, é possível dizer: "Este é o caminho e é assim que eu o percorro. Se você também
trabalhar, se também caminhar, certamente atingirá o seu destino" Mas cada pessoa deve
percorrer o caminho por si, sentir cada um dos seus passos. Quem deu um passo está um passo
mais próximo. Quem deu cem passos está cem passos mais próximo. Mas você tem que
percorrer o caminho por si só

138
PERDÃO
Um pequeno garoto, num acampamento de verão, recebeu um grande embrulho de
biscoitos enviado por sua mãe pelo correio. Comeu alguns e colocou a sobra sob sua cama. No
dia seguinte, depois do almoço, foi comer algum biscoito, mas a caixa tinha desaparecido.
Naquela tarde, um monitor do acampamento, que tinha sido comunicado sobre o roubo, viu
outro garoto sentado sob uma árvore comendo os biscoitos roubados. Retornou ao grupo e
procurou pelo garoto cujos biscoitos tinham sido roubados e disse-lhe:
- Caio, eu sei quem roubou seus biscoitos. Você me ajuda a lhe ensinar uma lição?
Confuso, o garoto respondeu:
- Bem, sim, mas vocês não o punirão?
O monitor explicou:
- Não, isso o deixaria ressentido e com raiva. Quero que você ligue a sua mãe e peça-lhe
que lhe envie outra caixa de biscoitos.
Caio fez o que o monitor pediu e dois dias depois recebeu outra caixa de deliciosos
biscoitos caseiros. O monitor disse:
-Agora, o garoto que roubou seus biscoitos está sentado à margem agora. Vá até lá e
divida seus biscoitos com ele.
Caio protestou
- Isso não está certo. Ele já roubou meus biscoitos.
- Eu sei, mas tente e veja o que acontece. - insistiu o monitor
Meia hora mais tarde, o monitor viu os dois surgirem na colina, um com o braço nas costas
do outro. O garoto que tinha roubado os biscoitos tentava fazer Caio aceitar seu canivete como
pagamento pelo biscoitos roubados e a vitima estava sinceramente recusando o presente se seu
novo amigo, dizendo que alguns não eram tão importantes assim.

139
PONTO DE VISTA
Um famoso tenista, depois de haver vencido um importante torneio, dirigiu-se ao
estacionamento para pegar seu carro. Nesse momento, uma mulher aproximou-se. Depois de
cumprimenta-lo pela vitória, contou que seu filho estava ás portas da morte e que não tinha
dinheiro para pagar o hospital.
O tenista deu-lhe imediatamente, parte do dinheiro do prêmio que ganhara naquela tarde.
Uma semana depois, num almoço no Professional Golf Association, comentou o episódio a
alguns amigos. Um deles perguntou:
- A mulher que lhe falou era loura, com uma peque na cicatriz embaixo do olho esquerdo?
O tenista concordou. E o amigo lhe disse:
- Você foi trapaceado. Essa mulher é uma vigarista e vive contando a mesma história a
todos os tenistas estrangeiros que aparecem por aqui.
Surpreendido, ele perguntou:
- Então, não existe nenhuma criança ás portas da morte?
- Não.
Respirando tranquilamente, o tenista comentou:
- Bem, esta foi a melhor noticia que recebi esta semana!

140
POR UMA BAGATELA
Perguntaram um dia a um sábio
- Por que não vais visitar o sultão? Com teus extensos conhecimentos e tua excelente
educação farias uma carreira brilhante na administração
Ele respondeu:
- Eu o vi dar dez mil dinares a um indivíduo por uma bagatela e arremessar outro do alto
das muralhas por uma bagatela. Não sei qual desses dois homens eu poderia ser

141
POR VINTE E CINCO CENTAVOS
Alguns anos atrás, um pregador mudou-se para Houston, Texas. Poucos dias depois que
chegou, foi de ônibus de sua casa até o centro da cidade. Quando se sentou, descobriu ter
recebido 25 centavos a mais no troco pelo que pagara pela passagem. Considerando o que
deveria fazer, ele pensou: "E melhor devolver os 25 centavos. Seria errado mantê-lo”
Então ele reconsiderou: "Oh, esquece. Apenas 25 centavos. Quem se preocuparia por
quantia tão pequena? Além do mais, a empresa de ônibus já tem bastante; nunca sentirão falta.
Aceite-o como um presente e fique quieto".
Quando chegou ao ponto onde desceria do ônibus, parou momentaneamente na porta,
entregou a moeda ao motorista e disse-lhe
Tome, você me deu troco a mais.
O motorista, com um sorriso, respondeu:
-Você não é o novo pregador? Eu tenho pensado em vir ouvi-lo. Eu queria apenas ver o
que você faria se eu lhe desse troco a mais.

142
PROCURE A RESPOSTA EM
VOCÊ MESMO
O rabino vivia ensinando que as respostas estão dentro de nós mesmos, mas seus fiéis
insistiam em consultá-lo sobre tudo que faziam. Um dia, o rabino teve uma ideia: colocou um
cartaz na porta de sua casa, e escreveu: "Respondo cada pergunta por cem moedas". Um
comerciante resolveu pagar. Deu o dinheiro ao rabino e disse-lhe:
- O senhor não acha caro cobrar tanto por uma pergunta?
- Acho - disse o rabino. - E acabo de lhe dar a resposta. Se quiser saber mais, pague
outras cem moedas. Ou procure a resposta em você mesmo, que é mais barato e mais eficaz.
A partir deste dia, nunca mais o perturbaram.

143
QUALIDADES E DEFEITOS
Um dia um aluno foi ter com o mestre a respeito de nosso comportamento diante das
coisas do mundo:
- Mestre, o que está ligado ao nosso comportamento e nos deixa tão infelizes?
O mestre, com muita calma, respondeu:
- Os homens caminham pela face da terra em fila indiana, cada um carregando uma sacola
na frente e outra atrás. Na sacola da frente colocamos as nossas qualidades. Na sacola de trás
guardamos os nossos defeitos. Por isso, durante a jornada da vida, mantemos os olhos fixos nas
virtudes que possuímos, presas em nosso peito. Ao mesmo tempo, reparamos, impiedosamente,
nas costas do companheiro que está à nossa frente, todos os defeitos que ele possui e julgamo-
nos melhores que ele - sem perceber que a pessoa andando atrás de nós está pensando a
mesma coisa a nosso respeito.

144
RAZÃO PARA SER FELIZ
Um ancião, repleto de alegria, cantava um hino de louvor à vida, à margem do caminho.
Um passante pessimista, magoado com tanto júbilo, indagou-lhe agressivo
- Por que tal felicidade? Será porque a morte já o espreita?
- Não é por isso, mas por outros três motivos-respondeu o idoso.- Primeiro, porque, em um
universo onde a vida é sua e só o homem pensa, eu sou um homem. Segundo, porque a dúvida
que a tantos atormenta não encontra agasalho em mim: sou um homem de fé. E por fim, porque
todos sabemos que o corpo é de breve duração, e eu sou um homem que tem vivido muito. A
morte, que a todos espreita em todas as idades, ainda não se recordou de mim; quando, porém,
chegar, será muito bem recebida. Não tenho razão para ser feliz?

145
REI MENDIGO
Houve um tempo que a Irlanda era governada por um rei que não tinha nenhum filho. O rei
mandou que os mensageiros postassem avisos em todas as cidades do reino. Os avisos diziam
que todo jovem qualificado deveria se apresentar para uma entrevista com o rei como um
possível sucessor para o trono. Todos os candidatos, porém deveriam ter estas duas
qualificações: eles devem amar a Deus e aos seres humanos de todas as classes e raças.
Um jovem leu o aviso e refletiu que ele amava a Deus e, também, os vizinhos dele. Uma
coisa, porém, o desanimava: ele era tão pobre que não tinha nenhuma roupa que pudesse ser
apresentável à vista do rei. Nem tinha fundos para comprar o necessário para a longa viagem até
o castelo. Assim, o jovem implorou aqui, e pediu emprestado lá, até conseguir o bastante para as
roupas apropriadas e o material necessário.
Corretamente vestido e bem-vestido, o jovem partiu. Tinha quase completado a viagem,
quando encontrou um pobre mendigo ao lado da estrada. O mendigo estava sentado, tremendo
de frio, coberto apenas por trapos esfarrapados. Ele estendeu o braço implorando por ajuda.
- Tenho fome e frio. Por favor, ajude-me... Por favor
O jovem, comovido pela necessidade do mendigo, imediatamente tirou suas roupas novas
e vestiu os farrapos do mendigo. Sem pensar duas as vezes, deu ao mendigo o pouco que tinha.
Então, um pouco indeciso continuou a viagem rumo ao castelo, vestido com os trapos do
mendigo. Na chegada ao castelo, um criado do rei o conduziu a um grande corredor. Depois de
um breve repouso, ele foi levado, finalmente, até a sala do trono.
O jovem se curvou diante de Sua Majestade. Quando levantou os olhos, exclamou com
surpresa:
- Você... é você! Você é o mendigo da estrada!
- Sim - o rei respondeu com uma centelha no olhar. Eu era aquele mendigo
- Mas... você não é realmente um mendigo. Você é o rei. Então, por que você fez aquilo
comigo?-o jovem gaguejou depois de recuperar a postura.
- Porque eu tinha que descobrir se você realmente tem amor a Deus e aos seus
semelhantes - disse o rei. Eu sabia que se eu me apresentasse como rei você ficaria
impressionado por minha coroa e por minhas roupas reais. Você teria feito qualquer coisa que eu
pedisse, por causa de meu poder real. Desse modo, eu nunca saberia o que verdadeiramente
está em seu coração. Por isso usei um ardil: apresentei-me a você como um necessitado
mendigo e descobri que você sinceramente ama a Deus e aos seus semelhantes. Você será meu
sucessor. Você herdará meu reino.

146
RELAÇÃO PROVISÓRIA
Na Índia Antiga havia um jovem sacerdote que estava caminhando pelo interior do país
quando se encontrou com dois camponeses da região. Um dos camponeses estava deitado no
chão e o outro trabalhava. Ao se aproximar, verificou que o mais novo, deitado, estava morto,
mordido por uma cobra venenosa. O outro camponês, então, disse ao sacerdote:
- Por favor, neste caminho que o senhor está seguindo, mais à frente, encontra-se minha
casa. Por favor, diga à minha mulher que mande somente uma refeição, pois o meu filho faleceu.
O sacerdote não via nenhuma expressão de sofrimento no pai camponês. Ficou espantado
com tamanha frieza e dirigiu-lhe uma pergunta:
- É tão triste a separação entre pai e filho, por que o senhor não está sofrendo?
O pai respondeu-lhe:
- O fato de nascermos como pai e filho não passa de uma pequena promessa por um
determinado tempo. Por exemplo: ao anoitecer, os pássaros se juntam numa árvore, mas, ao
amanhecer, todos voam em várias direções. Por isso essa relação é por algum tempo
determinado. Assim, não devo sentir-me triste
O sacerdote, ao ouvir tal explicação, pensou: "Deve ser assim mesmo”
Prosseguindo pelo caminho encontrou a casa do camponês. Encontrou uma mulher e deu-
lhe o recado do camponês. A mulher agradeceu e, sem pestanejar, foi abrindo a marmita para
retirar uma refeição que estava pronta e levou para a cozinha. O sacerdote viu que havia mais
uma senhora idosa e perguntou-Ihe:
- A pessoa que faleceu no campo é seu filho?
Ela disse
- Sim, é meu filho.
- Por que a senhora não está sofrendo?- quis saber o sacerdote
Ela respondeu-lhe:
- Por que devo lamentar o falecimento do meu filho? Essa relação de mãe e filho é, por
exemplo, como as pessoas que se reúnem num ponto junto ao rio para ser atravessado pelo
barco à outra margem, mas quando chegamos à outra margem cada qual segue o seu caminho.
Cada um tem o seu carma, sua missão, e tem que cumpri-la. Por isso, não devo sofrer
E o sacerdote, virando-se para a outra mulher, inquiriu:
- Ele era o seu marido?
- Sim, ele era - respondeu sem mudar o aspecto do rosto.- E continuou
- A relação de marido e mulher, por exemplo, é como as pessoas que vão a uma feira,
onde muitos se encontram, mas, quando cada um termina sua missão, todos partem sem se
sentir culpadas e não sofrem por essa separação. Por essa razão não lamento.
Assim, o sacerdote refletiu e chegou a ter o conhecimento da não permanência dos
fenômenos e que essa relação é provisória. Não devemos nos apegar às coisas, pois elas são
transitórias. Mesmo que não tenhamos profundos conhecimentos sobre essa lei, devemos, no
entanto, compreendê-la

147
REPOSICIONAMENTO
Duas pulgas estavam conversando e, então, uma comentou com a outra:
- Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos, só sabemos saltar; daí, nossa chance
de sobrevivência quando somos percebidas pelo cachorro é zero. E por isso que existem muito
mais moscas do que pulgas
E elas contrataram uma mosca como consultora, entraram num programa de reengenharia
de voo e saíram voando. Passado algum tempo, a primeira pulga falou à outra:
- Quer saber? Voar não é o suficiente, porque ficamos grudadas ao corpo do cachorro e
nosso tempo de reação é bem menor do que a velocidade da coçada dele. Temos de aprender a
fazer como as abelhas, que sugam o néctar e levantam voo rapidamente
E elas contrataram o serviço de consultoria de uma abelha, que lhes ensinou a técnica do
chega-suga-voa. Funcionou, mas não resolveu. A primeira pulga explicou por que
- Nossa bolsa para armazenar sangue é pequena, por isso temos de ficar muito tempo
sugando. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos nos alimentando direito. Temos de
aprender como os pernilongos fazem para se alimentar com aquela rapidez
E um pernilongo lhes prestou uma consultoria para incrementar tamanho do abdômen.
Resolvido, mas por poucos minutos. Como tinham ficado maiores, a aproximação delas era
facilmente percebida pelo cachorro, e elas eram espantadas antes mesmo de pousar nele.
Foi aí que encontraram uma saltitante pulguinha
- Ué, vocês estão enormes! Fizeram plástica?
- Não, reengenharia. Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos,
picamos e podemos armazenar mais alimento.
- E por que é que estão com cara de famintas?
- Isso é temporário. Já estamos fazendo consultoria com um morcego, que vai nos ensinar
a técnica do radar. E você?
- Ah, eu vou bem, obrigada. Forte e sadia.
Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. As pu lgonas não quiseram dar
a pata a torcer:
- Mas você não está preocupada com o futuro? Não pensou em uma reengenharia?
- Quem disse que não? Contratei uma lesma como consultora.
- Hã? O que as lesmas têm a ver com pulgas?
- Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês duas, mas, em vez de dizer para a lesma o
que eu queria, deixei que ela avaliasse a situação e me sugerisse a melhor solução. E ela passou
três dias ali, quietinha, só observando o cachorro e, então, me deu o diagnóstico
- E o que a lesma sugeriu fazer?
- Não mude nada. Apenas sente no cocuruto do cachorro. É o único lugar que a pata dele
não alcança

148
Você não precisa de uma reengenharia radical para ser mais eficiente... Muitas vezes, a
grande mudança é uma simples questão de reposicionamento.

149
RESPEITO
Um sujeito estava colocando flores no túmulo de um parente quando viu um chinês
deixando um prato de arroz na lápide ao lado.
Ele perguntou ao chinês:
- Desculpe-me, mas o senhor acha mesmo que o falecido virá comer o arroz?
E o chinês respondeu-lhe:
- Sim, quando o seu vier cheirar as flores.

150
RETRATANDO A VERDADE
Tamerlão, o coxo, poderoso rei assírio do século XIII, era muito cheio de si e cônscio das
deferências de que se julgava credor por parte de todos os súditos. Ele tinha uma particularidade
física notável: além de um problema de nascença em uma perna - por isso o apelido de coxo -,
ele tinha um grande e monstruoso nariz, o que muito o aborrecia. Por isso, jamais tinha se
deixado retratar
Quando, porém, já estava idoso, seu filho e sucessor, preocupado com a possível ausência
da efígie do pai na galeria real, tanto instou que conseguiu dele a anuência para retratá-lo. O
monarca estabeleceu uma condição: só aceitaria o retrato com sua estampa oficial se
encontrasse um artista que o pintasse a contento. E os artistas que tripudiassem sua imagem
seriam executados, conforme a tradição do reino, na forca.
Aceita a condição, editais foram espalhados por todo o reino, convocando os artistas para
a importante e perigosa tarefa. Não obstante os riscos, três se apresentaram para tentar o que
seria a suprema obra de sua vida e ganhar, assim, fama, reconhecimento e muitas moedas de
ouro.
Justamente os três melhores mestres da arte pictórica do reino se apresentaram ao
tresloucado. O primeiro retratou o monarca tal e qual, com o narigão enorme e tudo. O rei, vendo
o quadro acabado, embora admirando o gênio artístico, enfureceu-se com a figura horrenda e
mandou enforcar o infeliz artista. Veio o segundo e, temeroso, pintou o rei fielmente, com exceção
do aberrante apêndice nasal, em cujo lugar colocou irrepreensível narizinho. O soberano,
sentindo-se ridicularizado, assinou igualmente a pena capital do segundo, sem comiseração.
Chegou a vez do terceiro, o qual, habilidoso, conhecendo a paixão do rei pela caça.
retratou-o portando um arco, a atirar numa raposa. E o antebraço na arma tapava-lhe justamente
o nariz. Vendo o resultado do trabalho, o monarca sorriu satisfeito e recompensou-o
generosamente.
Dias depois, um sábio encontrou com o artista sobrevivente e disse-lhe:
- Fiquei sabendo do pedido do rei e o que cada um de vocês pintaram. Vejo nas pinturas
as três atitudes mais comuns em relação à verdade: a primeira é a franqueza rude, contundente,
que não hesita em expor toda a realidade dos fatos, doa a quem doer. Os partidários dessa
atitude podem revelar o mérito da coragem e do desinteresse, mas tiram nota zero em relações
humanas; a segunda é a hipocrisia interesseira. Os desse grupo podem revelar inteligência e
engenhosidade para distorcer os fatos, a fim de agradar aqueles a quem desejam conquistar; a
terceira é a dos partidários da verdade construtiva, evidenciando o que é útil, edificante e
elegante, omitindo sutilmente os aspectos menos agradáveis da vida do próximo. E foi por isso
que você se saiu vencedor. Vá, meu amigo, e continue retratando a verdade dessa forma.

151
REZA
Conta-se, entre os sábios, que, em certo ano de muita seca, os habitantes de Qasr al-Arifin
foram pedir ao mestre Bahaudin Naqshband para rezar pedindo a Deus para chover
Ele lhes conduziu através das ruas da cidade até um local onde uma mulher estava
sentada, embalando um recém-nascido nos braços.
- Eu lhe peço que faça o teu bebê mamar - disse o mestre.
- Eu sei quando devo dar-lhe leite - respondeu ela - pois sou sua mãe. Por que te
intrometes em coisas que são reguladas de uma forma que desconheces?
Bahaudin pediu que fossem anotadas as palavras dessa mulher e leu-as em voz alta
diante da multidão.

152
SABEDORIA
Um lindo dia, numa aldeia, um menino vagueava à procura da sabedoria. Ele foi à casa do
seu melhor amigo e perguntou-lhe
- Você sabe onde posso encontrar sabedoria?
O seu amiguinho respondeu-lhe:
- Não sei, mas talvez o vizinho da esquina possa ajudá-lo!
Então, o menino foi à casa desse vizinho, um homem forte e de semblante sério, e
perguntou-lhe
- O senhor sabe aonde posso encontrar sabedoria?
O homem respondeu com um sorriso no rosto:
- Não sei, mas o homem mais velho da aldeia pode lhe mostrar como conseguir sabedoria.
Ele mora nas montanhas, ao longe.
O menino agradeceu e, sem falar a ninguém, foi às montanhas para encontrar esse
senhor. O menino foi andando e percebeu que já estava longe de sua aldeia, mas, como queria
saber onde encontrar sabedoria, continuou. Encontrou uma, duas, três aldeias e sempre fazia a
mesma pergunta

- Onde posso encontrar sabedoria?


E todos indicavam sempre o velho que morava nas montanhas: O menino foi procurando, e
os dias foram passando sem ele perceber, até que um dia, quando já não tinha mais esperança
em encontrar esse velhinho e a saudade da sua família já estava quase insuportável, o menino
encontrou um velho um velho sentando à beira de um rio e sentou-se a seu lado sem nada dizer.
O velho olhou para o menino e perguntou-lhe:
- O que você procura, menino?
O menino olhou para o velho e disse-lhe:
- Estou procurando o velho que mora nas montanhas, para que ele me mostre onde posso
encontrar sabedoria, e não o encontro. Já estou há dias à procura dele, passei por várias aldeias
e todos me falam dele mas não o encontro.
O velho disse ao menino:
- A sabedoria está nas mãos daqueles que podem ver a beleza de uma flor, ficar feliz com
o sorriso de uma criança, ajudar aos outros sem pensar em retribuição. A sabedoria é uma
riqueza que nem sempre traz riquezas físicas, mas riquezas espirituais, pois somente um homem
bom e generoso pode ter fiéis amigos e ter o rei do céu. Ajude aos outros sem se preocupar em
ganhar algo em troca, seja feliz nas coisas mais simples, pois, quando tiver coisas grandiosas,
você continuará a ter amigos e eles ficarão felizes por tê-lo ajudado a crescer e a progredir em
vez de ficarem cobiçando e invejando as suas glórias e vitórias
O menino, ao terminar de ouvir tudo aquilo, agradeceu e saiu correndo para a sua aldeia,
pois já encontrara a sabedoria que tanto procurava.
153
SE O TEU OLHAR FOSSE
LÍMPIDO
Um rachador de lenha perdeu o seu machado preferido. Procurou-o em todos os recantos
da sua casa, mas não o encontrou.
Começou a pensar que alguém o tinha roubado. Com esse pensamento, pôs-se na janela.
Naquele momento, passou o filho do vizinho. O rachador de lenha começou a pensar: "Tem
mesmo os olhos de ladrão, os cabelos de ladrão, o passo de ladrão"
Alguns dias depois, encontrou o seu machado. Estava debaixo do divã, onde ele mesmo o
tinha deixado ao regressar do trabalho. Feliz por ter achado o seu machado, o rachador de lenha
aproximou-se mais uma vez da janela. Passou o filho do vizinho. Desta vez pensou: "É um jovem
honesto, não tem mesmo os olhos de ladrão, não tem os cabelos de ladrão, nem o passo de
ladrão”!

154
SEM LIBERDADE PARA OUSAR
Numa granja havia um frango que se destacava dentre todos os outros por sua coragem,
pelo espírito de aventura e pela ousadia. Não tinha limites e andava por onde queria, mas o dono
não apreciava essas qualidades.
Um dia, vendo que nada o segurava dentro da granja, resolveu puni-lo. Fincou um bambu
longe da granja, no meio do pomar, arrumou um barbante e amarrou o frango. De repente, o
mundo tão amplo que a ave tinha foi reduzido a uma distância à qual o barbante lhe permitia
chegar. De tanto andar nesse círculo, a grama, que era verde, foi desaparecendo e ficou somente
a terra.
Depois de um tempo, o dono, acreditando que o castigo já estava dado, pois o frango, que
era tão inquieto e audacioso, havia se tornado pacato e desinteressado. Então, cortou o barbante
que lhe prendia o pé e o deixou solto. Agora estava livre, poderia ir aonde quisesse. Mas
estranhamente, o frango, mesmo solto, não ultrapassava o limite que havia sido imposto. Só
ciscava e andava dentro do círculo que criara. Olhava pra o lado de fora, mas não tinha coragem
suficiente para aventurar e sair do seu espaço. Preferiu ficar do lado conhecido. Com o passar do
tempo, envelheceu e ali morreu.

155
SENTIDO DA VIDA
As sandálias do discípulo ressoavam surdamente nos degraus de pedra que levavam aos
porões do velho mosteiro. Empurrou a pesada porta de madeira que cerrava os aposentos do
ancião. Custou-lhe localizá-lo na densa penumbra, o rosto velado por um capuz, sentado atrás de
enorme escrivaninha, onde, apesar do escuro, fazia anotações num grande livro tão velho quanto
ele. O discípulo o inquiriu:
- Mestre, qual o sentido da vida?
O idoso monge, permanecendo em silêncio, apenas apontou um pedaço de pano, um trapo
grosseiro no chão junto à parede e, logo depois, seu indicador ossudo e encarquilhado mostrou
logo acima, no alto do aposento, o vidro da janela, opaco sob décadas de poeira e teias de
aranha.
O discípulo pegou o pano e, subindo em algumas prateleiras de uma pesada estante
forrada de livros, conseguiu alcançar a vidraça, começando, então, a esfregá-la com vigor,
retirando a sujeira que impedia sua transparências. O sol inundou o aposento, banhado com sua
luz estranhos objetos, instrumentos raros e dezenas de papiros e pergaminhos com misteriosas
anotações e signos cabalísticos.
O discípulo, sem caber em si de contentamento, fisionomia denotando o brilho da
satisfação, declarou:
- Entendi, mestre. Devemos nos livrar de tudo que obste nosso aprendizado; buscar retirar
o pó dos preconceitos e as teias das opiniões que impedem que a luz do conhecimento nos
atinja. Só assim poderemos enxergar as coisas com mais nitidez, partindo, então, para a
evolução.
E, assim, o jovem discípulo fez uma reverência, deixou o aposento agora iluminado, a fim
de dividir com os outros a lição recém-aprendida
O velho monge, o rosto enrugado, ainda encoberto pelo largo ca puz, os raios do sol da
manha agora banhando-o com uma claridade a que se desacostumara, viu o discípulo se
afastando e deixou escapar um tênue sorriso. "Mais importante do que aquilo que alguém mostra
é o que o outro enxerga...", pensou ele. E murmurou baixinho:
- Eu só queria que ele colocasse o pano no lugar de onde caiu.

156
SETE VIMES
Era uma vez um pai que tinha sete filhos. Quando estava para morrer, chamou-os e disse-
lhes:
- Filhos, já sei que não posso durar muito; mas, antes de morrer, quero que cada um de
vocês me busque um vime seco e me traga aqui.
- Eu também? - perguntou o menor, que só tinha quatro anos. O mais velho tinha vinte e
cinco e era um rapaz muito reforçado e o mais valente da freguesia.
- Você também - respondeu o pai ao garotinho.
Saíram os sete filhos. Daí a pouco retornaram, trazendo cada um o seu vime seco. O pai
pegou no vime que trouxe o filho mais velho e entregou-o ao mais novinho, dizendo-lhe
- Parta esse vime.
O pequeno partiu o vime, e não Ihe custou nada parti-lo. Depois o pai entregou o outro ao
mesmo filho mais novo, e disse-lhe:
- Agora, parta também esse.
O pequeno partiu-o. Partiu, um a um, todos os outros, que o pai lhe foi entregando, e não
lhe custou nada parti-los todos. Partindo o último, o pai disse outra vez aos filhos:
Agora, busquem outro vime e tragam-no a mim.
Os filhos tornaram a sair. Daí a pouco, estavam outra vez ao pé do pai, cada um com o seu
vime.
- Agora, entregue-os a mim - disse o pai.
E dos vimes todos fez um feixe, atando-os com um vincelho. Voltou-se para o filho mais
velho e disse-lhe:
- Toma este feixe! Parte-o!
O filho empregou quanta força tinha, mas não foi capaz de partir o feixe.
- Não pode? - perguntou ele ao filho.
- Não, meu pai, não posso.
- E algum de vocês é capaz de parti-lo? Experimentem
Não foi nenhum capaz de parti-lo, nem dois juntos, nem três, nem todos juntos
O pai disse-lhes, então:
- Meus filhos, o mais pequenino de vocês partiu, sem nada lhe custar, todos os vimes,
enquanto os partiu um por um; e o mais velho de vocês não pôde parti-los todos juntos; nem
vocês, todos juntos, foram capazes de partir o feixe. Pois bem, lembrem-se disso e do que lhes
vou dizer: enquanto estiverem unidos, como irmãos que são, ninguém zombará de vocês, nem
lhes fará mal, ou os vencerá. Mas logo que se separem ou reinar entre vocês a desunião,
facilmente serão vencidos. - Acabou de dizer isso e morreu.

157
Os filhos foram muito felizes, porque viveram sempre em boa irmandade, ajudando-se
sempre uns aos outros. E como não houve forças que os desunisse, também nunca houve forças
que os vencesse.

158
SONHO OU REALIDADE?
Uma noite, o Rei Janaka sonhou que tinha perdido seu reino e se tornado um mendigo.
Como mendigo, vagava pelas ruas da sua cidade pedindo esmola. A sensação de fome fez com
que ele começasse a chorar. Uma mulher de bom coração serviu-lhe um prato de comida. No
exato momento em que ele estava pegando a comida, porém, o prato escorregou-lhe das mãos e
espatifou-se no chão. Nesse momento, o rei acordou. Ao ver que estava de volta em seu palácio,
perguntou-se: "O que é o real: o sonho ou a vigília"?
Contou o sonho para sua rainha, que ficou igualmente perplexa. Então, ambos decidiram
consultar o sábio Vasishta, que lhes respondeu:
- Ó rei, num sentido, ambos são reais, porém há ainda outro ponto de vista: você se tornou
um mendigo no mundo dos sonhos e você é um rei no mundo da vigília. Você existe em ambos
os mundos, embora ambos esses mundos sejam ilusórios. Você é real. Você é a realidade
absoluta, presente tanto na vigília quanto no sonho.

159
SOU CULPADO
O sábio Rei Weng pediu para visitar a prisão de seu palácio e começou a escutar as
queixas dos presos.
- Sou inocente - dizia um acusado de homicídio. - Vim para cá porque quis assustar minha
mulher e, sem querer, a matei.
Outro dizia:
- Acusaram-me de suborno, mas tudo que fiz foi aceitar um presente que me ofereciam.
Todos os presos clamaram inocência ao Rei Weng. Até que um deles, um rapaz de pouco
mais de vinte anos, disse:
- Sou culpado. Feri meu irmão numa briga e mereço o castigo. Este lugar me faz refletir
sobre o mal que causei.
O rei, imediatamente, chamou os guardas e ordenou-lhes:
- Expulsem esse criminoso da prisão imediatamente! Com tantos inocentes aqui, ele
acabará por corrompê-los!

160
SUA CONDUTA
Um dia, um grande rei sonhou com uma raposa pulando para cima e para baixo no seu
lindo palácio. Acordou revoltado e inquieto chamou os ministros e narrou-lhes o sonho. Ele queria
uma resposta uma interpretação. Ninguém sabia explicar. Quanto mais ele contava o sonho,
menos as pessoas compreendiam, e as respostas que davam eram tolas ou falsas.
O rei decidiu dar uma recompensa àquele que trouxesse uma resposta coerente, e
ordenou que o arauto real saísse a espalhar a notícia
Ivan voltava para casa depois de um dia duro. Estava tão cansado que sentou à sombra de
uma árvore para repousar e começou a pensar: “Ah, que bom seria se eu soubesse decifrar o
sonho. Poderia me tornar rico, mas ai de mim, como são ilusórios esses pensamentos"
- Você quer mesmo saber o significado do sonho?- disse uma voz suave do alto da árvore.
Ivan olhou e viu um lindo pássaro colorido.
- O passarinho encantador, porque você não me conta o significado do sonho, se é que
você sabe ?
O pássaro bateu as asas e, pulando para um galho mais baixo, disse:
- Vou lhe contar se prometer me dar metade da recompensa que receberá do rei.
Ivan concordou. O pássaro disse-lhe
- A raposa pulando significa que a atmosfera está cheia de falsidade. O palácio é o símbolo
do reino e a raposa é o símbolo da falsidade. O palácio é o símbolo do reino e a raposa é o
símbolo da falsidade. O rei deveria ser muito cauteloso com aqueles que estão ao seu redor.
Agradecendo ao pássaro, Ivan partiu em direção ao palácio. La chegando, ele viu o rei na
sala de audiência cercado de astrólogos, sacerdotes, eruditos, videntes, mas, pelo ar pensativo
que ele tinha, Ivan percebeu que não estava satisfeito. Aproximou-se, saudou o rei e pediu
licença para interpretar o sonho em particular. O rei o atendeu, e Ivan narrou-lhe o que sabia. O
rei ficou satisfeito, recompensou-lhe com uma imensa quantia e apresentou-o a todos como um
sábio.
No dia seguinte, enquanto fazia o caminho de volta pra casa, Ivan ia feliz, mas lembrou-se
de que deveria dividir o dinheiro com o pássaro. Ficou triste e decidiu que iria pra casa viver a sua
vida e esqueceu o pássaro. Casou-se, construiu uma bela mansão e viveu feliz durante alguns
anos.
Um belo dia, um mensageiro do rei bateu à sua porta. Outro sonho precisava ser decifrado.
O rei queria vê-lo o mais depressa possível. Ivan disse que estaria no palácio no outro dia cedo,
mas pediu ao mensageiro que lhe narrasse o novo sonho
O rei sonhou que um deslumbrante punhal oscilava sobre o palácio, especialmente à volta
da cúpula do palácio.
Ivan passou a noite inteira pensando em uma resposta, e nada lhe ocorria. O jeito era
procurar o pássaro.
Depois de ouvir as desculpas de Ivan, o pássaro disse-lhe
- Tudo bem, eu lhe conto, desde que você me dê metade do que receber. Ivan concordou

161
- Há violência na atmosfera. O punhal é o símbolo da violência, o palácio é o símbolo do
reino e a cúpula é a cabeça do reino. O reino e o rei estão cercados de inimigos, que estão
tramando desencadear violência. O rei deveria ficar de atalaia.
Ivan correu ao encontro do rei para lhe narrar o significado do sonho.
O rei ficou satisfeito com o resultado e deu uma quantia maior do que a da primeira vez.
Ivan retornou feliz e, ao ver a árvore de longe entristeceu-se. Por que tinha de dividir o que era
dele? E se o pássaro zangado e for contar toda a verdade ao rei? Automaticamente apanhou uma
pedra e escondeu-a no bolso. Ao vê-lo, o pássaro voa até um galho mais baixo e foi atingido em
cheio pela pedrada, mas, mesmo assim, ainda encontrou forças para fugir. Ivan foi para casa e
viveu feliz.
Anos depois, recebeu a visita de outro mensageiro. Fica desesperado porque precisa
interpretar mais um sonho. Desta vez o rei sonhou com lindos carneiros, brancos como a neve,
saltitando por seu palácio. O mensageiro percebeu que Ivan estava relutante, com desculpas.
Voltou e contou tudo ao comandante das tropas que, imediatamente, o procurou com ameaça de
morte por desobediência. Ivan chorou a noite toda, arrependido. O seu arrependimento lhe deu
coragem para procurar o pássaro. Encontrou não muito longe.
- O rei lhe procurou outra vez?
- Sim
- Você promete me dar metade do que receber?
- Acredite, eu lhe darei tudo
- Pois muito bem, o sonho significa que a atmosfera está cheia de paz e inocência. O rei
não tem nada a temer.
Ivan foi ao palácio e contou ao rei a sua interpretação do sonho e retornou com muito mais
dinheiro. Foi até a árvore e disse ao pássaro
- Ó bondoso pássaro, aqui está tudo conforme lhe prometi. Vou agora até a minha casa
pegar o restante que lhe roubei. Por favor, perdoe-me
- Espere, eu não o censuro por sua conduta passada. Da primeira vez você foi tentado a
me enganar porque havia falsidade no ar. Na segunda vez, você foi violento comigo porque havia
violência no ar. Você é como qualquer pessoa comum, governado pelo espírito que domina o
ambiente. Poucos são os que não se deixam influenciar.
O pássaro despediu-se.
- E o dinheiro?
- Eu não preciso. Se tivesse necessidade dele, eu mesmo teria ido até o rei. Adeus,
desejo-lhe uma vida feliz e sensata.

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TERRENO BALDIO
Um pastor comprou um bom terreno, mas em péssimo estado: mato e entulho por todo
lado. Pacientemente, cada fim de semana limpava um pouco. Depois de limpo, plantou flores e
árvores frutíferas e frondosas. Muitos finais de semana depois, já tinha construído uma pequena
casa com varanda. O lugar ficou realmente aprazível, e ele, então, convidou um colega religioso
para ver como tinha ficado. O colega, ao ver o lugar, exclamou
- Puxa, pastor, você e Deus fizeram um ótimo trabalho aqui!
- Pois é. Você precisava ver quando Deus cuidava disso aqui sozinho!

163
TRADUZINDO EM PALAVRAS
Certa manhã, um sábio, fingindo-se de louco, colocou um ovo embrulhado em um lenço, foi
para o meio da praça de sua cidade e chamou aqueles que estavam ali.
- Hoje teremos um importante concurso! - anunciou. - Para quem descobrir o que está
embrulhado neste lenço, eu dou de presente o ovo que está dentro dele!
As pessoas se olharam intrigadas e responderam
- Como podemos saber? Ninguém aqui é capaz de fazer adivinhações!
O sábio insistiu:
- O que está neste lenço tem um centro que é amarelo como uma gema, cercado de um
líquido da cor da clara, que por sua vez está contido dentro de uma casca que quebra facilmente.
É um símbolo de fertilidade e lembra-nos os pássaros que voam para seus ninhos. Então, quem
pode me dizer o que está escondido?
Todos os habitantes pensavam que o sábio tinha nas mãos um ovo, mas a resposta era
tão óbvia que ninguém resolveu passar vergonha diante dos outros. E se não fosse um ovo, mas
algo muito importante, produto de sua fértil imaginação? O sábio perguntou mais duas vezes e
ninguém se arriscou a dizer o que pensava. Então, ele abriu o lenço e mostrou a todos o ovo.
- Todos vocês sabiam a resposta - afirmou -, mas ninguém ousou traduzi-la em palavras.

164
UM BOM MESTRE
Um discípulo perguntou ao mestre:
- Quando devo colocar em prática as coisas que aprendi?
O sábio respondeu-lhe:
- Ainda estou lhe ensinando. Por que essa impaciência de colocar algo em prática? Espere
a hora certa.
No momento seguinte, outro discípulo perguntou- lhe:
- Quando devo colocar em prática as coisas que aprendi?
- Imediatamente- respondeu o mestre.
- Mestre, o senhor não age com justiça - reclamou o primeiro discípulo. - Meu colega sabe
tanto quanto eu, e o senhor não o proibiu de agir
- Um bom mestre conhece a essência de seus discípulos disse o mestre. - Ele freia aquele
que é ousado demais e empurra o que não sabe andar com as próprias pernas.

165
UM COPO D'ÁGUA
Um conferencista falava sobre gerenciamento da tensão.
Levantou um copo com água e perguntou à plateia
- Quanto vocês acham que pesa este copo de água?
As respostas variaram entre 20 e 500g.
O conferencista, então, comentou
- Não importa o peso absoluto. Depende de por quanto tempo vou segurá-lo. Se eu seguro
por um minuto, tudo bem. Se eu seguro durante uma hora, terei dor no meu braço. Se o seguro
durante um dia inteiro, você terá que me chamar uma ambulância. E é exatamente o mesmo
peso, mas quanto mais tempo eu passo segurando-o, mais pesado vai ficando. - E concluiu:
- Se carregamos nossos pesos o tempo todo, mais cedo ou mais tarde, nós não seremos
mais capazes de continuar. A carga vai tornando-se crescentemente mais pesada. O que você
tem que fazer é deixar o copo em algum lugar e descansar um pouco antes de segurá-lo
novamente. Temos que deixar a carga de lado periodicamente, do jeito que pudermos! É
reconfortante e nos torna capazes de continuar.

166
UM HOMEM RICO E SEU FILHO
POBRE
Havia um rico homem, que possuía muitos tesouros e a quem todos amavam e
respeitavam. Muito cedo, seu filho fugiu e vagou por muitos países.
Anos mais tarde, seu filho retornou à cidade onde seu pai fixara residência. O filho tornara-
se pobre e sem recursos, vagando em busca de comida e abrigo. Espreitando no portal de uma
grande cidade, o filho notou o homem, mas não o reconheceu como seu pai. O filho imaginou que
poderia conseguir trabalho na casa daquele homem, mas, sentindo-se intimidado e inoportuno,
evitou aproximar-se do homem rico.
O homem rico, contudo, reconhecera imediatamente que o pobre homem era seu
desaparecido filho e ordenou a um servo que corresse atrás dele e o trouxesse de volta. Mas,
quando o servo o alcançou, o pobre homem assustou-se, temendo que ele tivesse vindo para feri-
lo.
Vendo o miserável estado de vida do pobre homem, o rico homem ordenou a outro servo
que se vestisse com farrapos, assumindo uma aparência humilde.
Mandou, então, que esse servo, assim vestido, procurasse novamente seu pobre filho e lhe
oferecesse trabalho doméstico em troca de um pequeno pagamento.
O filho, alegremente, aceitou o trabalho e sinceramente esforçou-se para realizar suas
humildes tarefas. Aos poucos, ele começou a acostumar-se com o homem vestido com farrapos,
que ia lhe dando mais e mais responsabilidades em seu trabalho. Após vinte anos, ele tornou-se
confiável o suficiente para administrar os negócios do homem rico. Assim, com a proximidade, o
filho começou a admirar o homem rico, ainda não percebendo, porém, que ele era seu pai
Em seu leito de morte, o homem rico reuniu seus parentes e empregados e, apontando
para seu filho pobre, proclamou:
- Este homem é meu verdadeiro filho. Espero que compreendam isto.
Ouvindo essas palavras de seu pai, o filho exaltou-se, percebendo que ele havia recebido
um enorme tesouro sem procurar por ele.

167
UM PEQUENO GESTO
Um senhor já de idade, que se dizia descrente, foi ter com um famoso monge para ver se
ele resolvia os seus problemas de fé.
O monge estava conversando com outra pessoa, mas, ao ver o velhinho de pé, correu
sorridente a dar-lhe uma cadeira para se sentar. Acabada a conversa, a outra pessoa despediu-
se. O monge dirigiu-se ao velhinho e começou uma intensa conversa com ele. O velhinho, de
descrente que era, tornou-se crente e confiante nos ensinamentos do budismo.
Um discípulo do monge que presenciara o episódio perguntou ao velhinho:
- Diga, qual foi o argumento que o convenceu.
Ele respondeu:
- Foi o gesto de trazer a cadeira para me sentar.

168
UM PROBLEMA DE
DIVULGAÇAO
Era uma vez uma fazenda na qual as galinhas construíram impérios econômicos a partir da
venda dos ovos que punham. Certo dia, uma galinha ficou sabendo que suas amigas, as patas,
estavam passando por graves dificuldades financeiras. Intrigada, ela chamou uma assessora e
disse-lhe:
- Não entendo por que as patas estão passando necessidade. Afinal, elas põem ovos
maiores e mais nutritivos que os nossos. Vá e descubra a causa do problema.
Dois dias depois, a assessora trouxe a resposta.
- Prezada chefe, a causa da penúria das nossas amigas patas é um problema de
divulgação. Quando elas põem ovos, quase não fazem barulho. Ninguém fica sabendo. Nós,
galinhas, fazemos um verdadeiro escândalo. Essa é a diferença.

169
UMA MÁSCARA SORRIDENTE
Na China Antiga, um homem chamado Wong se sentia hostilizado pelas pessoas da
pequena aldeia em que morava.
Um dia, o Senhor Wong foi visitar o sábio da região e desabafou:
- Cumpro minhas obrigações para com os deuses, sou um bom cidadão, um exemplar
chefe de família e vivo praticando a caridade. Por que as pessoas não gostam de mim?
A resposta do mestre foi simples:
- Embora o senhor seja bom e caridoso, o seu rosto sério levava as pessoas a uma
conclusão diferente. Embora seja muito rico, é pobre de "alegria" e "cordialidade", e, por outro
lado, nunca sorri, embora ajude as pessoas.
O sábio deu ao Senhor Wong uma máscara sorridente que se ajustava perfeitamente no
seu rosto. Advertiu-o, entretanto, de que, se algum dia a tirasse do rosto, não conseguiria
recolocá-la.
No primeiro dia em que Wong saiu à rua, todos começaram a cumprimentá-lo, e em
pouquíssimo tempo já estava cheio de amigos
Mas, um dia, chegando à conclusão que as pessoas não gostavam dele, mas da máscara,
pensou: "Prefiro ser hostilizado a ser estimado por uma aparência falsa"
Foi até o espelho e retirou a máscara sorridente. Mas que surpresa! O seu rosto tornara-se
também sorridente; assumira as expressões e o sorriso da máscara.
Assim, o Senhor Wong entendeu que, por ter experimentado sorrir, a vida lhe sorrira em
retribuição.

170
UMA PARÁBOLA PARA CADA
ASSUNTO
Um estudante que admirava um famoso rabi perguntou-lhe:
- Como consegue ter sempre uma parábola perfeita sobre qualquer tópico?
O rabi sorriu e disse-lhe:
- Responderei com uma parábola
E contou esta história:
"Era uma vez um tenente do exército do czar que, ao atravessar a cavalo uma pequena
aldeia, reparou numa centena de círculos a giz na parede de um celeiro, cada qual com o buraco
de uma bala no centro. O tenente, estupefato, deteve o primeiro transeunte e inquiriu a respeito
de todos aqueles tiros certeiros. O transeunte suspirou e disse-lhe:
- Oh, é o Shepsel, filho do sapateiro. Ele é um bocado extravagante
- Não me interessa. Alguém que é tão bom atirador...
- Não está a perceber- interrompeu o transeunte - que primeiro Shepsel dispara e depois
desenha o círculo de giz?
O rabi sorriu.
- O mesmo se passa comigo. Eu não procuro uma parábola que seja adequada ao
assunto. Introduzo apenas assuntos para os quais já tenho parábolas.”

171
UMA PARTE DA VERDADE
Um dia, um filósofo estava a conversar com o diabo, quando passou um sábio com um
saco cheio de verdades. Distraído, como os sábios em geral o são, não percebeu que caíra uma
verdade. Um homem comum passava e, ao ver aquela verdade ali caída, aproximou-se
cautelosamente, examinou-a como quem teme ser mordido por ela e, após convencer-se de que
não havia perigo, tomou-a nas mãos, fitou-a longamente, extasiado, e, então, desatou a correr e a
gritar
- Encontrei a verdade!
Vendo a cena, o filósofo virou-se para o diabo e disse-lhe:
- Agora você ficou mal. Aquele homem encontrou a verdade, e todos vão saber que você
não existe.
Seguro de si, o diabo respondeu-lhe:
- Muito pelo contrário. Ele encontrou uma parte da verdade. Com ela, vai fundar mais uma
religião, e eu vou ficar ainda mais forte!

172
VERDADEIRA DEVOÇÃO
O yoga Ramakrishna ilustra, com uma parábola, a intensidade do desejo que precisamos
ter. O mestre levou o discípulo para perto de um lago e disse-lhe:
- Hoje vou ensiná-lo que significa a verdadeira devoção. Pediu ao discípulo que entrasse
com ele no lago, e, segurando a cabeça do rapaz, colocou-a debaixo d'água.
O primeiro minuto passou. No meio do segundo minuto, o rapaz já se debatia, com todas
as forças, para se livrar da mão do mestre e poder voltar à superfície.
No final do segundo minuto, o mestre soltou-o. O rapaz, com o coração disparado,
levantou-se, ofegante.
- O senhor quis matar-me! - gritava.
O mestre esperou que ele se acalmasse e disse-lhe:
- Não desejei matá-lo porque, se desejasse, você não estaria mais aqui. Queria apenas
saber o que sentiu enquanto estava debaixo d'água.
- Eu me senti morrendo! Tudo que desejava na vida era respirar um pouco de ar!
- É exatamente isso. A verdadeira devoção só aparece quando só um desejo e
morreremos se não conseguirmos realizá-lo

173
VIVA COMO AS FLORES
- Mestre, como faço para não me aborrecer? Algumas pessoas falam demais, outras são
ignorantes. Algumas são indiferentes. Sinto ódio das que são mentirosas. Sofro com as que
caluniam.
- Pois viva como as flores -advertiu o mestre
- Como é viver como as flores? -perguntou o discípulo.
- Repare nestas flores - continuou o mestre, apontando os lírios que cresciam no jardim. -
Elas nascem no esterco, entretanto são puras e perfumadas. Extraem do adubo malcheiroso tudo
que lhes é útil e saudável, mas não permitem que o azedume da terra manche o frescor de suas
pétalas. É justo que você se angustie com as próprias culpas, mas não é sábio permitir que os
vícios dos outros o importunem.
Os defeitos deles são deles, e não seus. Se não são seus, não há razão para
aborrecimentos. Exercitar, pois, a virtude é rejeitar todo mal que vem de fora. Isso é viver como
as flores!
Não corra atrás das borboletas, cuide do seu jardim e elas virão até você!

174
VOCÊ ESTÁ MELHOR
Quando me encontrava fazendo o caminho de Roma, um dos quatro caminhos sagrados
de minha tradição mágica, dei-me conta - depois de quase vinte dias praticamente sozinho - que
estava muito pior do que quando havia começado. Com a solidão, eu comecei a ter sentimentos
mesquinhos, amargos, pequenos.
Procurei a guia do caminho e comentei o fato. Disse que, ao iniciar aquela peregrinação,
achei que ia me aproximar mais de Deus. Entretanto - depois de tantos dias -, estava me sentindo
muito pior.
Você está melhor, não se preocupe - disse ela. - Na verdade, quando acendemos a luz de
nossas almas, a primeira coisa que vemos são as teias de aranha e a poeira, nossos pontos
fracos. Esta é a oportunidade de corrigi-los. Nunca deixe que a consciência de suas fraquezas o
assuste.

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