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Lettres à l'Alchimiste
EN TO PAN, Um o Todo

Oh, tu que desejas adentrar nos mistérios, tu que aguardas


ansiosamente no átrio dos antigos templos. Teu caminho é árduo, mas
para comer os doces pomos de ouro do jardim das Hespérides é
necessário uma vontade digna de um herói grego. O caminho é
maravilhoso, com belas paisagens, árvores com frutas inebriantes,
locais que nos convidam a um belo descanso do esquecimento e da
dúvida. Por isso, nos dizem que terás provas e tentações, para que
nunca esqueças teu objetivo, e que tua vontade se desenvolva para que
possas submeter à matéria que abriga o verbo do verdadeiro espírito,
que em tudo habita que em verdade és tu mesmo.
Nessa jornada, que é somente para os fortes e corajosos, é preciso
compreender que o verdadeiro sentido nunca estará nas formas, mas
o que está além dela. É como uma bela fruta que é linda por fora, mas
seu sabor é amargo. É, pois, necessário ir além da forma para
compreender o que está oculto. Por este motivo não é possível
transmitir todo o conhecimento num texto ou em um discurso, é
necessário refletir, inquirir, indagar, buscar e com inteligência
assentar cada coisa em seu devido lugar.
No entanto, existem mistérios e mistérios, ou como alguns dizem, o
oculto do oculto, o Arcana Arcanorum. Estes são os mistérios
insondáveis, e tudo o que pode se dizer sobre eles é que são apenas
limitações de algo muito maior, e por isso só é possível dizer algo sobre
por intermédio da analogia (que estudaremos mais a frente), mesmo
que essa analogia não seja a totalidade sobre o assunto. O Saber, o

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In Hoc Signo Vinces
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conhecimento intelectual é apenas uma madeira colocada na ponte


sobre o abismo da ignorância, colocada entre a matéria e o espírito.
É necessário mais do que o conhecimento da utilização de uma espada,
é necessário saber seu correto manejo e a prova final é lutar uma
verdadeira batalha.
Aquele que acredita fielmente que tudo sabe, aquele que teme
abandonar seu velho conhecimento, suas ideias, é escravo de um
espírito por demais maligno, “O Medo”. Sendo o medo teu senhor, este
nada pode fazer antes de se libertar das amarras deste senhor. O
temeroso, o medroso, sempre terá uma fuga, essa fuga é a mentira, é
mentir para si mesmo, é fechar os olhos para a realidade, e para
única certeza que aquele que trilha o caminho possui: Somos
responsáveis por nossos atos. E ficar culpando os outros por nosso
fracasso, com qualquer justificativa que seja, é exatamente a cegueira
que venda os olhos dos sofistas, que tateiam sem adentrar nos
mistérios do espírito que anima e dá vida a tudo. O espírito de Deus, o
verbo, que anima e dá forma a todo o vivente, ou seja, a todo o
universo móvel, segundo o Torá e a Cabala, é dado ao homem para
sobrepujar a todos as criaturas, mas infelizmente o homem perdeu o
manejo desse verbo, simbolizado pela queda Edênica, e se tornou nas
antigas escolas a busca pela palavra perdida, e outras tradições mais
ligadas à natureza, como a busca de algum poder já esquecido pelo
homem, ou até mesmo um objeto sagrado que só era adquirido pelo
mais nobre, e humilde herói.
Essa luta que o herói empreendia em sua aventura lhe dignificava, já
que era vencedor de provas que testavam sua moral e visavam extrair
sua real natureza que estava presa na tosca pedra, na lâmpada
mágica, numa caverna misteriosa, numa terra distante guardada por
um feroz dragão. Aquele que compreendia que essas eram batalhas
internas era adotado por sábios ou por escolas, e lhe era dada a
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iniciação, para que pudesse viver internamente, em sua psique, esse
drama.
E o primeiro passo que deveria ser dado por tradição é compreender
sua relação com o todo, ou como o ego individual nos dava a falsa
sensação de separatividade do todo. Como a matéria prima da grande
obra que sendo uma estava dispersa no todo. Como o neófito sairia de
uma vida sensorial, ou seja, regida pelos cinco sentidos vulgares, para
uma vida interna e espiritual. De que forma um homem sem domínio
da razão conseguiria entender que a nada dominava, e muito pelo
contrário, era arrastado pelo todo e que não possuía nenhum domínio
sobre si, sobre sua natureza, sendo um total desconhecido de si
mesmo.
Para demonstrar a ignorância do neófito, nas antigas tradições lhe
era instruído inicialmente sobre a unidade, e para se conceber a ideia
da unidade, o mestre, conhecedor da natureza e da mente humana,
pedia que o aprendiz fechasse os olhos e imaginasse um ponto.
A princípio, o entusiasmado aspirante
pensava que seria uma fácil tarefa, porém, ao
realizá-la, passado alguns segundos,
compreendia que manter essa imagem em sua
mente era uma tarefa digna de um prodígio e
exigia um tremendo esforço, já que esse ponto
teimava em desaparecer, mutar em diversas
formas, oscilar e até mesmo ser esquecido
completamente pelo inábil neófito que somente
lembrava-se de seu objetivo tempos depois. O
mestre, com isso, ensinava ao discípulo que para manter esse ponto,
lhe era necessário concentração e vontade, e de forma prática, ele
aprendia que o ponto, ou o que os antigos concebiam como unidade,
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era análogo à concentração. A habilidade de se concentrar era
exigida para que o iniciante pudesse ir além.
Cinco minutos dessa prática diariamente lhe era obrigado.
Primeiramente com um ponto, ou pequeno disco negro, na altura de
seus olhos em uma branca parede, o discípulo se concentrava por um
minuto sem piscar e depois virava o rosto para a parede, onde deveria
se esforçar em ver por ilusão ótica o ponto, porém o mesmo, ao invés
de negro, se apresentava de branco translúcido. Realizado esse
exercício por algumas semanas, não menos que duas, o neófito,
dependendo de seu resultado, passava a olhar o ponto negro
igualmente por um minuto, então fechava os olhos e se esforçava para
manter a imagem do ponto em sua imaginação. Assim, aprendia a
reforçar sua vontade e concentração.
O ponto por si só nada pode representar, já
que estava ele num espaço abstrato. Então, a
partir do ponto, uma linha era traçada, uma
linha infinita, sem começo ou fim, e para
representar isso era formado o círculo, ou a
circunferência do ponto, que não teria início
ou fim, representando o todo como uma
extensão infinita do ponto sem extensão. Algo
como uma pedra lançada num calmo lago
emana de si ondas circulares que se expandem
do centro para as extremidades.
O círculo sendo a expressão de toda a extensão dessa emanação ou
criação, inversamente o ponto indica que essa energia que antes
estava dissipada no todo, nesse branco imaculado, começa a se
contrair e a se diferenciar, a criar um apoio no universo para criar,

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ou para se diferenciar. O ponto no centro do círculo é o germe da vida,
da criação, o ponto no ovo, a semente do mundo ou universo.
Representando sempre algo fechado, o círculo
pode também exemplificar uma família
composta de 3 membros. Esses três
membros, para se destacarem de outros, são
circulados, ou seja, colocamos um círculo
envolvendo-os, os destacando e diferenciando,
dando a entender que essa família dentro do
círculo é uma unidade. Assim, ele constitui
uma limitação que separa o conteúdo do
ilimitado. Porém, esse limite da criação está
além de nossa percepção, no vasto universo em que vivemos, se
perdendo além até mesmo de nossa imaginação.
Este círculo na antiguidade era representado com um branco
imaculado repousando em um fundo negro que simbolizava o Caos onde
o homem não pode conceber percepção, já que sua mente e seus
sentidos são limitados. Mas, assim como há um círculo que se expande
infinitamente, há também seu inverso que é um ponto que se contrai
infinitamente, como o eixo de uma roda. Por este motivo, era entre os
antigos necessário representar a criação como um círculo com o
ponto, ou como algumas escolas chamam de Circumponto, símbolo por
excelência do sol ou portador da luz primordial, a luz da criação citada
no Gênesis, como o Ain ou os véus da existência negativa que se
manifestam a partir de Kether na Cabalá.
Na antiga tradição hermética, um pequeno texto era de suma
importância ao estudante, trata-se da conhecida “Tábua de
Esmeralda”. Esmeralda é uma pedra verde, que é a cor de Vênus,
Deusa do Amor, e se relaciona com a nutrição e o crescimento. Era
pela porta de Vênus que os iniciados adentravam na cripta dos
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adeptos. “Tábua” teria uma conotação da grande Lei, e neste caso, a
lei dos adeptos, que como as leis de Moisés estavam escritas na pedra,
a de Hermes também está na pedra, porém de esmeralda. Outros
símbolos são relacionados, mas fugiria em demasia de nosso propósito.
Nesta velha tábua atribuída a Hermes (Mercúrio) Trismegisto
é escrito o seguinte texto:
"É certo, sem mentira e muito verdadeiro. O que está
embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é
como o que está embaixo para realizar os milagres da
unidade. E como todas as coisas provieram e provêm do
Uno, assim todas as coisas nasceram desta coisa única
por adaptação. O sol é o pai, a lua é a mãe, o vento levou-o
ao seu ventre, a terra é sua nutriz, o pai de tudo, o
Thelema de todo o mundo, está aqui sua força é total se se
converte em terra. Separarás a terra do fogo, o sutil do
denso, suavemente, com grande diligência. Ascende da
terra ao céu e desce diretamente à terra, e recebe a força
das coisas inferiores e superiores. Por este meio terás toda
a glória do Mundo e toda a obscuridade se afastará de ti.
Esta é a força de toda força, pois ela vencerá toda coisa
sutil e penetrará toda coisa sólida. Assim foi criado o
mundo. Disto fará e surgirão inúmeráveis adaptações, cujo
meio está aqui. Eis aqui porque me chamam Hermes
Trismegisto, possuidor das três partes da filosofia do
mundo. O que disse sobre a operação do Sol se cumpriu e
se consumou."
Destacamos a parte da Tábua em que se refere a "O que está embaixo
é como o que está em cima, e o que está em cima é como o que está
embaixo para realizar os milagres da unidade", que é interpretada
tradicionalmente como uma referência ao macrocosmos e ao
microcosmos, que se unem para formar uma só coisa e podíamos por
isso concluir que essa força que dá origem a todas as coisas é em si
mesma a Telesma (thelema, vontade) do mundo.

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Essa pequena instrução não poderia estar
concluída se nada falássemos sobre o
famoso Ouroboros, tão utilizado pelos
alquimistas e seus sucessores esotéricos. O
símbolo ofídico que morde sua própria
cauda, no qual tanta coisa foi escrita, é
um símbolo que os gregos e egípcios já se
utilizavam para conotar a ideia de que os
opostos sempre acompanham um ao outro,
que o fim sempre é sucedido de um novo
começo, que a vida acompanha a morte, a
luz a escuridão.
Na imagem da Crisopeia de Cleópatra temos um Ouroboros que em seu
centro tem escrito: EN TO PAN, Um o Todo, formado de três vogais e
quatro consoantes nos lembrando da relação do ternário com o
quaternário. Um o Todo, ou todo o um, a relação de princípio e fim, a
totalidade na unidade e a unidade na totalidade, o um que preenche o
todo e o todo que forma o um, a essência divina que sendo parte de
tudo é única e não se confunde com nada.
Mas, como é impossível a existência absoluta do vazio e do nada, que
são palavras que designam ausência e no universo não existe um lugar
desprovido de qualidade, nem mesmo o vácuo que, além do conhecido
fenômeno do magnetismo, possui ainda alguma matéria, algo que foi
teorizado desde 1930 pelos cientistas da ciência oficial, Werner
Heisenberg, pai da mecânica quântica, e Hans Heinrich Euler,
confirmado oficialmente em 2016. Assim como o todo abarca o tudo
como uma unidade de uma grande família circundada pelo círculo do
universo, o tudo é o um a substância primordial. Que segundo os
filósofos, quem a conhece não diz, e quem diz que a conhece não a
conhece.
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