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Lettres à l'Alchimiste
O Bom Metal

Em sua viagem atravessando o deserto, um pequeno oásis parou para


encher sua cantina e se refrescar um pouco. Como de costume,
observa para ver se não há algum perigo, ou se o oásis é habitado por
algum gênio ciumento. Nada avistou. Porém, ao encher seu cantil,
notou um desconfiado chacal também bebendo água. Há muitos dias
não tinha qualquer companhia nessa cansativa viagem, então oferece
um pouco de sua comida ao chacal que fica em dúvida se aceita tal
oferta. Porém, arisco, se aproxima do viajante. Ele consegue passar a
mão no coiote que tenta se esquivar, mas a fome é maior, então ele
retorna. Passado algum tempo, o
coiote relaxa e passa a comer
tranquilamente ao lado do viajante
que divide com ele sua comida.
Terminado o descanso, o homem
recomeça sua jornada, e de longe, o
chacal o segue.

Havia um perigoso vale que era


necessário ser atravessado, já que
contorná-lo lhe faria perder uma
semana de viagem e possivelmente
morreria de sede ou de fome. O
pequeno chacal passa à frente e
adentra ao vale como se já o
conhecesse. No entanto, o viajante
não consegue segui-lo, já que além de
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se distanciar entrou numa pequena passagem estreita. Já
caminhando por um tempo, solitário, dois caminhos do vale se unem e
formam um terceiro. O forte vento circula levantando a areia. Então,
um furioso gênio portando uma espada chega até ele, lhe dizendo:

— Quem ousa adentrar em meus domínios?

— O Viajante, humildemente, se ajoelha e põe seu rosto ao chão, não


ousando olhar os flamejantes olhos do gênio, e diz:

— Senhor do Vale, peço humildemente que me deixe passar por seus


domínios e lhe recompensarei com uma oferta.

— O que me trazes? — diz o Gênio.

— Trago um Raro Peixe Dourado que provém do oriente.

— Mostre-me o peixe! Há muito tempo não me alimento de tal iguaria.

O Viajante o procura, porém não o encontra, e se lembra de que, em


algum momento, o chacal havia mexido em suas coisas, e possivelmente
o pegou, mas não havia nenhuma prova real sobre isso. Então,
envergonhado, o Viajante diz ao gênio:

— Mestre deste tortuoso caminho, o peixe que lhe trouxe foi perdido, e
não possuo mais.

Furioso, o Gênio avança sobre o homem, mas ele vê o pequeno chacal


passar por eles e se detém. E exclama: — Dê-me o chacal que tem
afeição por ti, e pouparei sua vida!

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— Jamais poderia eu fazer tal coisa, sou apenas um viajante e esse
pequeno chacal em sua inocência alegrou por um tempo minha
jornada. Proponho-lhe que me deixe seguir viagem e lhe retornarei com
seu Peixe e alguns tesouros que posso reunir durante o prazo de um
ano. Mas poupe minha vida e a do pequeno chacal.

O gênio, pensativo, olha para ambos. E diz: — Mas posso me deliciar


devorando vocês dois agora.

— Nenhuma de nossas carnes se compara ao delicioso sabor que


somente o peixe do oriente pode lhe oferecer. — diz o jovem, mesmo
sentindo medo. — Aceite minha proposta e não se arrependerá.

O gênio consente, mas lhe questiona: — Sabe quem eu sou?

O rapaz responde: — Tu és o gênio dos caminhos, e dos vales.

— Não só isso, mas sou o gênio do Conhecimento, de um conhecimento


que está além de sua compreensão.

— O chacal então se transforma numa bela Mulher, e o gênio


continua: — E ela é minha filha. Ela roubou seu peixe e o trouxe para
mim, então lhe testamos para saber como se sairia, se trocaria a
inocente vida dela pela sua inútil existência. Mas pelo contrário.
Também sei que tu a alimentou no pequeno oásis que ela guarda.
Quando ela nasceu era tão pequena e bela que lhe dei o nome de
Sabedoria, mas todos os homens que bebem de seu oásis, lançam
pedras contra ela e a afugentam, e tu foi o primeiro em muitos séculos
a lhe alimentar e desfrutar verdadeiramente de sua inocente
sabedoria. Continue sua viagem e ela sempre deverá lhe acompanhar.

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Uma antiga sabedoria alquímica nos dizia que o bom metal se prova no
calor do fogo. O Fogo ou nossas paixões nos provam diariamente, e
muito poucos são os que sabem se comportar diante das provocações
da vida. Muitos estudantes ouviram falar da “Magnus Opus”, tão
citada pelos alquimistas, mas o que seria essa Grande Obra? O que ela
nos promete? Fabricar o famoso ouro alquímico, desprezado por uns e
almejado por outros, pode ser real? Os atuais cientistas, com sua
química, física e tecnologia, comprovam a possibilidade da fabricação
do ouro, porém esse processo é tão caro que o torna a prática
financeiramente inviável. Para transformar o chumbo em ouro é
necessário arrancar de uma só vez algumas partículas nucleares. O
chumbo tem 208 núcleos e o ouro 197.

Bombardeando o chumbo, pode-se, portanto, esperar arrancar suas


11 partículas nucleares excedentes. Para tal seria necessário, através
de um acelerador de partículas, bombardeá-lo
por meses e até mesmo anos, para ser obtido o
almejado ouro. O que acontece é que a
probabilidade para que isso aconteça é bastante
baixa, já que a chance de acertar exatamente às
11 partículas excedentes é muito pequena. O
custo deste processo, através dos aceleradores, é
de milhares de euros por hora, inviabilizando o
processo. No entanto, tal fato comprova a
possibilidade de transmutação de um metal
inferior em um superior.

Na alquimia, o metal inferior é transmutado em um superior por um


processo lento e constante. No geral, é necessário primeiro retirar
tanto do ouro quanto da prata sua essência metálica, a mistura de
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ambas as essências forma o que é chamado de “Mercúrio Filosófico”,
que não é o mercúrio vulgar que é tão somente um esperma morto da
natureza, apesar de que alguns alquimistas insistem na necessidade
de retirar do mercúrio vulgar também sua parte de Mercúrio
Filosófico. Juntar as três matérias num recipiente hermeticamente
fechado de cor verde, através de um fogo lento e contínuo semelhante
a uma galinha que choca seu ovo, assim formará o chamado Azoth,
que é a conjunção da Prata com o Ouro.

O fogo do Athanor deve ser aumentado a cada passagem pelas 7


cores do arco-íris, que de início parte do negro, que em alquimia é
chamado Caput Corvi, se elevando ao branco, que significa que a água
fecundou a terra negra e se elevou até a terra do sol, o Oriente.
Mantendo o fogo no crisol, a pedra que antes
era branca se tornará vermelha, e realmente
só estará pronta quando o ouro e prata tiverem
trocado suas naturezas.

Notoriamente, o processo é bem mais lento e


árduo, e os verdadeiros alquimistas o detalham
de forma maravilhosa. A pedra formada por sua
natureza é chamada de medicina dos três
reinos, já que cura a corrupção dos metais
inferiores, desenvolve e oferece crescimento
rápido ao mundo vegetal, e para o homem e
animais constitui a chamada medicina
universal. Apenas uma cápsula dessa medicina
confere a cura de qualquer doença que acomete
o paciente, como diversas vezes demonstrado
pelo sábio Paracelso.

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Os que se interessam por tal arte devem ser pacientes e muito
cautelosos, buscando os autores mais antigos e consagrados. O
trabalho será árduo e difícil, mas segundo é afirmado pelos Mestres
da Grande Obra, valerá todo o sacrifício da busca. Já que a própria
busca irá testar o próprio buscador, que analogicamente como o
metal, deverá ser provado pelo fogo para renovar sua própria
natureza interior.

A causa de todo o sofrimento que o buscador passa é em si mesmo o


próprio fogo de sua natureza que se deve aprender a manejar de
forma inteligente. A pedra representa então quem realmente somos, o
que algumas culturas chamaram de "O Ser", Atmã, Eu verdadeiro,
etc., e o iniciante, perdido nas trevas de sua obscuridade, análogo ao
Caput Corvi, deve lutar para encontrar a luz, a qual só começa a
perceber quando o espírito misturado à matéria começa, através do
fogo contínuo, elevar-se novamente. Todavia, como está misturado com
a matéria, eleva junto a si a própria matéria bruta, ou seja,
espiritualiza a matéria. Mas ainda não foi conseguida a fixação dessa
matéria em um estado espiritualizado, e por isso é necessário
continuar o trabalho até que a pedra morta fixe a vida.

O estudante que crê que este lento processo pode


acontecer rapidamente está equivocado. Tentar
acelerar sua fabricação fatalmente o fará
perder todo o trabalho. Abrir o Vaso Hermético
antes da conclusão da pedra significa a ruína de
toda a obra e a perda dos ingredientes usados.
Qualquer livro de alquimia poderá provar por si
só o incansável e longo trabalho de correção de
nossa natureza impura. O Mercúrio Filosófico,
por isso, tem papel fundamental nesse processo,
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já que em síntese representa a inteligência dos metais e somente com
sua utilização poderão os metais ser corrigidos.

Existe um pequeno livro de muita utilidade e fácil de encontrar do Dr.


Gerard Encausse, conhecido como Papus, chamado “A Pedra Filosofal:
Provas Irrefutáveis de sua Existência”, nos possibilitando uma
excelente ideia sobre o processo alquímico, que como percebido, ao
invés de ser estudado somente como um velho processo químico, por
analogia, deve ser estudado a âmbito interno e nos processos que se
desdobram em nossa vida. Somente assim poderá o futuro filósofo
extrair o sentido hermético de tais textos. Como diria a antiga
filosofia grega: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os
Deuses”.

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